Artigo Revista DOMUS

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Artigo Revista DOMUS
Quando as Histórias se Repetem: O Estudo de Dois Genetogramas
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Maria Ivone Grilo Martini
Maiton Bernardelli
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Vanessa Pagliarini
Resumo
Sob o olhar sistêmico, percebe-se os sintomas da dependência química, como ponto referencial na
busca pelo tratamento, podendo-se assim, redimensionar a problemática de modo que todos os
integrantes do grupo familiar, reconheçam-se implicados na relação com o usuário de drogas. A partir
dessa perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo o estudo dinâmico dos genetogramas de
duas famílias, ondeo abuso de substâncias químicas e a dependência, apresentam-se nas figuras
masculinas como um processo intergeracional. Nesse sentido os membros da família repetem
comportamentos e aliam-se às drogas buscando resgatar o seu espaço no meio familiar, muitas
vezes, assumidas pelas representações maternas. O trabalho fundamental no processo terapêutico
consiste, então, em reestabelecer as fronteiras entre os membros da família auxiliando os
adolescentes a se perceberem pertencentes, e a individuarem-se.
Palavras-chave: Teoria sistêmica-familiar; ciclo vital; dependência química; intergeracionalidade;
genetograma.
When History Repeats Itself: The Study of Two Genetic Map
Abstract
Under the systemic perspective, one sees the symptoms of addiction as a reference point in the
search for treatment, and thus, resize the problem so that all members of the family, recognize
themselves involved in the relationship with the user drugs. From this perspective, this paper aims to
study the dynamic of the genetic map from two families where substance abuse and dependence, are
summarized in the male figures as an intergenerational process. In this sense the family members
repeat behaviors and team up with drugs trying to rescue his space in the family, often taken by
maternal representations. The fundamental work in the therapeutic process thus consists in reestablishing the boundaries between family members helping adolescents to perceive themselves
belonging, and individuals themselves.
Keywords: Family-systems theory, life cycle, chemical dependency, between generations; genetic
map.
É inerente à condição humana a sobrevivência em grupos. Desde o ato de nutrir o bebê,
oferecendo-lhe proteção e aprendizagem até sua individuação social, o ser humano carece da
manutenção dos vínculos afetivos do grupo ao qual pertence: sua família.
Osório (2002) assinala a família como sendo o preceito humano primordial e a qualifica como
o conjunto de pessoas capazes de se reconhecerem em sua singularidade, exercendo ações de
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Docente no Curso de Graduação em Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG),
Especialista em Terapia Familiar e Coordenadora do Projeto “Clínica Psicológica e Dependência
Química: Um Olhar Sistêmico para a Família”.
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Acadêmicos do curso de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG), Bolsista de Iniciação
Científica do Projeto - Clínica Psicológica e Dependência Química: Um Olhar Sistêmico para a
Família.
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interação com objetivos compartilhados. Essa concepção leva o autor a concluir que grupo e sistema
familiar são expressões equivalentes.
Desse modo, entende-se que a família exerce lugar de destaque no processo de
humanização, bem como na saúde mental dos indivíduos, por se tratar de um sistema social,
concebido de vínculos afetivos que são de suma importância na formação do espaço individual e
relacional.
A formação de uma família acontece, segundo Minuchin e Fishman (1990), quando duas
pessoas se unem e expressam o desejo dessa união. Cada um dos indivíduos tem expectativas,
valores e crenças, tanto conscientes quanto inconscientes, que geram a construção e a consolidação
da relação familiar. Nesta constituição, os pares têm como missão alcançar a mudança necessária
para se acomodar às transformações, e manter uma continuidade, capaz de acolher e proporcionar
condições de desenvolvimento aos seus novos membros. Ao mesmo tempo em que a família se
transforma para se adaptar as mudanças, tenta resistir, apresentando, muitas vezes, um discurso
ambivalente, que também reflete o antagonismo social. Cabe à sociedade desenvolver “estruturas
extra-familiares” (Minuchin, 1990, p. 55) que também dêem suporte às novas formas de subjetivação
e vínculos familiares.
De acordo com Minuchin (1982), a família, por ser um sistema aberto, passa por constantes
trocas de informações, desenvolvendo um processo dinâmico. Ackerman (1986) afirma que a família
é a unidade de desenvolvimento, experiência, desempenho ou falha, e, também, a unidade básica de
saúde e doença. Neste sentido, o que qualifica uma família saudável é a maneira como o sistema
familiar tem se estruturado ao longo de sua história, diante dos padrões interacionais que os
membros estabelecem. Os padrões interacionais resultam dos diferentes subsistemas que cada
membro vai ocupar durante o ciclo de vital da família.
Carter e McGoldrick (1995) postulam que o ciclo de vida familiar é um fenômeno complexo.
Entende-se por uma espiral da evolução da família, na medida em que as gerações avançam no
tempo a partir de seu desenvolvimento, do nascimento à morte, fato que pode ser percebido por meio
de recursos como: genetogramas ou mapas familiares.
Segundo as autoras, os genetogramas proporcionam a visão trigeracional de uma família e
de seu movimento a partir do ciclo de vida. Eles representam informações gráficas da história e do
padrão familiar, mostrando-nos o funcionamento e os relacionamentos da família. Também nos
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fornecem pistas sobre a maneira como os cônjuges estão conectados as suas próprias famílias e
sobre seus respectivos papéis. Entende-se, assim, que as questões não resolvidas em fases
anteriores do ciclo de vida familiar conduzem a transições mais difíceis e interferem na complexidade
de estágios posteriores.
Com a construção do genetograma, pode-se envolver a família no traçado de seu próprio
mapa, o que “promove um reconhecimento do seu pertencer mútuo, uma consciência de que estes
somos nós, e de que suas interações produzem reflexos entre todos os membros da família”,
transformando, nesse sentido, o modelo de intervenção clínica em uma modalidade dialógica em que,
tanto a família como o indivíduo envolvido no problema se conscientize, gerando mobilização para a
mudança.
Por conseguinte, este trabalho tem por objetivo a apresentação do estudo e a discussão de
características de dois genetogramas. Os dados foram obtidos a partir do atendimento psicoterápico
sistêmico-familiar, em uma clínica na região nordeste do Rio Grande do Sul, que oferece tratamento
para dependência química.
Essa modalidade de atendimento permite perceber o indivíduo dentro do seu contexto, a
partir das relações que ele estabelece com as pessoas significativas. Sua base teórica consiste na
inter-relação e interdependência entre os fenômenos contextualizados, em que o indivíduo apresenta
o seu sintoma ou suas dificuldades, abandonando-se o modelo mecanicista de causa-efeito e
enfatizando-se a importância das relações interpessoais.
Dependência e Intergeracionalidade: Quando Chega a Hora de Reestruturar o Sistema
Uma vez instalado o problema da drogadicção em nossa sociedade, somos desafiados a
ressignificar as práticas de intervenção clínica atuais, que sustentam um modelo focado no
tratamento da patologia – dependência química. Como ressaltam Nichols e Schwartz (1998) a
patologia seria uma forma de estabilizar a família:
Por exemplo, se cada vez que os pais discutem um dos filhos exibe
comportamento sintomático, os sintomas podem ser uma maneira de
interromper a briga, unindo os pais na preocupação com o filho. Deste
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modo, o comportamento sintomático serve função cibernética de preservar
o equilíbrio da família, mantendo os pais sem brigar. Infelizmente, no
decorrer do processo, um dos membros da família pode ter assumido o
papel de “paciente identificado.” (Nichols e Schwartz, 1998, p. 23).
Numa perspectiva sistêmica, reconhece-se a patologia como o ponto referencial na busca
pelo tratamento e, a partir disso, pode-se redimensionar a problemática de modo que todos os
integrantes do grupo familiar reconheçam-se implicados na relação problemática da adição.
Em virtude das demandas que o usuário de drogas enseja, o desejo da família é de que ele
deixe de causar problemas. A família que busca ajuda dificilmente reconhece, num primeiro
momento, que o desejo pela busca de drogas pode ter sido apenas o primeiro sintoma de uma
disfunção familiar. A dificuldade para lidar com a situação da dependência química, neste sentido,
geralmente está ligada ao que se pode chamar de mantenedor homeostático, agindo para que a
família mantenha um grau de equilíbrio, mesmo diante da problemática.
O conceito de homeostase diz respeito à capacidade que todo organismo possui de buscar
espontaneamente condições de equilíbrio para que lhe seja possível funcionar. É um mecanismo
auto-regulador, que permite ao organismo sobreviver às alterações de seu equilíbrio natural. Papp
(1992) afirma que, quando a família pede ajuda para o sintoma, sua expectativa é de mudá-lo, sem,
contudo, mexer na estrutura do sistema. Isto porque a família, em sua reação ao sintoma, aprendeu a
“isolá-lo”, vendo-o como entidade à parte. Este isolamento acontece no sentido de conviver de modo
a perder o menos possível com ele. E é justamente esta dinâmica que possibilita a adaptação ao
mesmo.
Para Olivenstein (1983), a experiência de drogadicção de um indivíduo pode estar ligada à
passagem de um estado fusional com a mãe para a possibilidade de construção de um ego
separado, caracterizando uma etapa decisiva do processo de descoberta de si. Esse processo está
vinculado ao ganho de autonomia em relação ao sistema familiar estando relacionado ao que
Margareth Mahler (1993) denominou de processo de separação-individuação em seus estudos sobre
desenvolvimento infantil. O processo de individuação ocorre com a separação emocional que o
adolescente realiza em relação às figuras de maior influência sobre ele até então, seus genitores,
principalmente as figuras maternas.
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Pode-se afirmar que a capacidade de se individualizar é uma das principais “heranças” que
um sistema pode deixar para os seus membros (Carmo G. A., 2003). Ela acontece a partir de um
processo de engajamento e distanciamento de pessoas e situações que se apresentam no decorrer
da vida. Sabemos que a separação da família de origem nunca acontece de todo, mas é necessário
que ocorra em um nível adequado para que o indivíduo possa sair da “barriga da família” e nascer
para o mundo (Groisman et. al, 1996).
No caso da adição, o indivíduo vive uma situação intermediária e paradoxal: a
pseudoindividuação, uma vez que com a disfuncionalidade da adição, os adictos se tornam cada vez
mais dependentes e necessitados da ajuda externa, e essa ajuda, principalmente a familiar, vem no
sentido de perpetuar a condição de dependência. (Carmo G. A., 2003).
Segundo Bowen (apud Nichols, 2007), os relacionamentos humanos são impulsionados por
duas forças de vida que se equilibram: individualidade e proximidade. Todos precisamos de
companhia e estabelecemos certo grau de independência, e é no ciclo de transição chamado
adolescência que reafirmamos nosso espaço, nosso self diferenciado. Bowen (1978) defendia
intensamente:
O conceito de diferenciação de si mesmo se relaciona com o grau em que
uma pessoa vai se diferenciando emocionalmente dos pais. Em um sentido
amplo, o filho se separa fisicamente da mãe no momento do nascimento,
mas o processo de separação é lento, complicado e incompleto.
Inicialmente depende muito de fatores inatos da mãe e de sua capacidade
de permitir ao filho crescer separando-se dela, mais do que de fatores
inatos do filho. Existem também muitos outros fatores, como o grau que a
mãe foi capaz de se diferenciar de sua família de origem, a natureza de sua
relação com o marido, com seus pais e com outras pessoas significativas, e
por último, como se apresenta a realidade e sua capacidade de suportar a
tensão. (Bowen, 1978, p. 70).
Guimarães et al (2009) lembram-nos que a drogadicção pode ser considerada como parte de
um processo cíclico, que envolve três ou mais indivíduos, normalmente o adolescente em situação de
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uso de drogas e seus pais. Essa consideração reforça os pressupostos de Bowen sobre a presença
de triângulos e das ansiedades que os sustentam. As ansiedades constituem-se em virtude das
proximidades que cada membro estabelece com o outro, em função do que ele chama de fusão
emocional, a qual se baseia no apego ansioso, que pode se manifestar como dependência ou como
isolamento. A estrutura familiar, na dependência química, costuma se organizar na forma de
triângulos rígidos, em que o dependente está presente em uma dupla rígida, vivendo uma relação
simbiótica e conflituosa com o outro membro com quem faz o par. (Carmo G. A.,2003).
Assim como a dependência se estabelece no processo da relação disfuncional do usuário
com a substância, no contexto familiar a dependência se desenvolve na interação da família, pelos
padrões relacionais que facilitam esta dinâmica. Como afirma Beattie (1992):
Mas um segundo dado, mais comum, é a existência de regras silenciosas e
veladas que se desenvolvem na família e estabelecem o ritmo dos
relacionamentos. Essas regras proíbem discussão direta dos problemas,
expressão aberta dos sentimentos; comunicação honesta e franca;
expectativas
realistas
como
ser
humano
vulnerável
e
imperfeito,
individualidade; confiança nos outros e em si mesmo; diversão; abalo
delicado no equilíbrio familiar por meio de crescimento e mudança, por mais
saudável e benéfico que possa ser o movimento. São regras comuns aos
sistemas familiares dos alcoólatras [...]. (Beattie, 1992, p. 45).
Berger e Luckman (1985) assinalam que através da socialização primária a criança aprende
regras do convívio por meio das mensagens explícitas e implícitas que são produzidas nas relações
familiares. Neste relacionamento a criança adquire padrões relacionais que irão nortear suas noções
de convívio durante a vida, resultando em novos padrões relacionais, tanto no núcleo familiar quanto
em outros grupos e instituições fora da família.
Dependendo do grau de flexibilidade da família, através da interação de seus padrões
relacionais, o sistema pode reagir se fechando ou se atualizando diante de novas circunstâncias. Se
o sistema se organiza de forma a que só suporte graus mínimos de mudança, os padrões relacionais
serão rígidos, trazendo sofrimento aos seus membros, devido ao engessamento do sistema. Vale
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ressaltar que o engessamento citado pode não ser uma condição estrutural permanente, e, sim,
momentânea, voltada para alguns assuntos específicos, ou em algumas fases mais delicadas.
Entretanto, caso não haja uma intervenção no sentido de identificar a dificuldade, este estado de
rigidez poderá se cronificar produzindo padrões que se repetirão por gerações, perpetuando a
momentânea disfuncionalidade. (Carmo G. A.,2003).
Minuchin (1990) afirma que o discurso da família sobre suas relações pode ser
completamente incoerente quando confrontado com o comportamento. Mães podem verbalizar que
estão cansadas de lidar com os filhos, mas provavelmente são as primeiras a desqualificar a posição
paterna quando reage e toma atitude. O desenvolvimento da dependência proporciona o
estabelecimento de padrões relacionais rígidos e estereotipados que se perpetuam nas famílias.
Desta forma a família também sofre um processo de adaptação ao comportamento sintomático, onde
um indivíduo funciona de forma a reforçar a dependência no sistema familiar. Este fenômeno é
caracterizando como: co-dependência. (Beattie, 1992).
No caso da dependência química, por exemplo, Stanton (1999) observa que a adição entra
na família em uma determinada geração e costuma se perpetuar as outras gerações. As pessoas à
volta do dependente “abraçam” seu estilo de vida respondendo de forma complementar ao
comportamento disfuncional perpetuando o padrão. Percebem-se, neste caso, comportamentos
complementares e de manutenção do status quo. Este padrão, se não for revisto, pode se perpetuar
por gerações, fazendo com que atitudes disfuncionais se tornem automáticas e de motivação invisível
(Carmo G. A., 2003).
A teoria de Bowen (1978) descreve também que, a partir do processo de transmissão
intergeracional, a ansiedade perpassa de geração para geração e em cada uma delas o filho mais
envolvido na fusão familiar avança para um nível mais baixo de diferenciação do self e para uma
ansiedade crônica; enquanto o filho menos envolvido avança para um nível mais elevado de
diferenciação e maior ansiedade. Nas famílias com adolescentes envolvidos com drogas, resta a eles
o fardo de ser o “problema da família”, e aos outros membros da fratria, a aliança com os pais
aumenta em virtude de representarem os “puritanos” da casa e, em vez de aprender a pensar por si
mesmos, esses filhos funcionam em reação aos desejos dos pais que retroalimentam suas
ansiedades.
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Nesse ponto, evidenciam-se as dificuldades de comunicação e a formação das alianças
impossibilitando que o adolescente sinta-se capaz de dar conta de sua individualidade. Os pais, por
sua vez, mobilizam-se em função de triangulações emocionais, o que gera o distanciamento entre
eles e impossibilita o fluxo de comunicações saudáveis para a resolução dos conflitos. Um dos
objetivos da terapia, neste sentido, é de fortalecer o par como unidade educadora, bem como
favorecer a construção de vínculos saudáveis ao casal, para que se sintam reconhecidos como tal, e
possam conceder aos filhos a possibilidade de se individuar de forma estruturante.
Andolfi (1996, p. 31), ainda, citando Bowen, descreve que “o triângulo é um modo natural de
ser [...]”, e como tal, é compreendido como um instrumento que permite descrever a natureza
dinâmica das relações dentro de um sistema emocional, com suas tensões e seus equilíbrios. Ao
visualizar os triângulos emocionais o terapeuta pode compreender o processo dinâmico interno dos
sistemas emotivos que envolvem a dinâmica familiar, caracterizando-se como um recurso viável para
a entrada do terapeuta na construção de novas possibilidades de mudança.
A partir das triangulações, das alianças e ansiedades transmitidas, são reforçadas as
disputas de poder e a adulteração de papéis, fatos que “são reverberações de processos sociológicos
mais amplos que condicionam a história familiar” Kalina, Kolvadolf e Korin (apud OSÓRIO, 2009, p.
351). No contexto das adições, assim como encontramos padrões relacionais rígidos, também
encontramos duplas rígidas, onde o fortalecimento de sua relação se dá com o intenso envolvimento
de uma dupla com o intenso afastamento do terceiro membro. Para Carmo (2003) esse triângulo é
mantido tanto pelas conseqüências do uso patológico de substâncias psicoativas, quanto pelos
comportamentos facilitadores: os de co-dependência, por exemplo, citados anteriormente.
Para Krestan e Bepko (1995) definir os aspectos disfuncionais do sistema adictivo é
particularmente complicado se a dependência aparece naquele sistema pelo menos em três
gerações, sinalizando dificuldades de individuação que atravessam a história da família.
Todd e Selekman (1991) afirmam que o desenvolvimento do abuso de drogas em
adolescentes, por exemplo, é indicativo de dificuldades no desenvolvimento do sistema
intergeracional familiar, e são os adolescentes os mais vulneráveis ao desenvolvimento da
dependência.
O adolescente, com pouca habilidade para suportar a pressão familiar acaba por encontrar no
processo de dependência uma “saída” para a pressão vinda da família e do seu processo de
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amadurecimento. Carmo (2003) assinala que estes fatores, combinados com um padrão
intergeracional de abuso de substâncias muitas vezes presente nas famílias, contribuem para que o
adolescente tenha quase todas as condições necessárias para se tornar um dependente químico.
Na teoria sistêmica da família, segundo a perspectiva de Bowen (1978), os membros
familiares são profundamente influenciados pelos pensamentos, ações e emoções dos outros
membros. Assim, ocorre a transmissão intergeracional entre pais e filhos a vários níveis interligados
entre si, numa escala desde o ensino à aprendizagem da informação (modelagem), até à
programação automática e inconsciente das reações emocionais e dos comportamentos dos
indivíduos.
Um grande número de pesquisadores tem discutido o processo de transmissão de
comportamentos, principalmente das mães em relação a seus filhos. Lundberg, Perris, Schlette e
Adolfsson (2000), ao estudarem a transmissão intergeracional, concluíram que há correlação entre os
valores experienciados e os que são repassados a futuras gerações.
Belsky e cols. (2003), ao realizar uma pesquisa sobre relações de intergeracionalidade,
concluiu que ambientes familiares mais encorajadores prevêem relações entre pais e filhos,
futuramente, mais positivas e menos negativas. Nesta pesquisa, ficou evidenciada a transmissão
intergeracional dos aspectos negativos, como punição inadequada, modelos inconsistentes, entre
outras variáveis; no entanto, as mudanças ocorridas nos casos de não transmissão, foram para
melhor – mais envolvimento, mais afeto e maior comunicação entre mães e filhos.
A título de contribuição teórica, partir de uma perspectiva psicanalítica, Trachtenberg (2005)
postula que heranças psíquicas arcaicas podem se tornar poderosas na forma de fantasmas que
habitam um ou mais membros de um grupo, predominantemente o familiar, pela impossibilidade de
um luto ou por falhas nas regras de filiação: trata-se da transgeracionalidade. Segundo essa teoria,
alguns afetos e algumas representações significativas ligadas a um objeto, são transmitidos através
das gerações. O conceito da transgeracionalidade permite compreender o caminho das
“dependências” presentes nas famílias disfuncionais e sua representatividade geracional, caminho
pelo qual a família envolvida se vê impossibilitada de modificar.
Por estas razões, o tratamento familiar é de extrema importância na abordagem da
dependência química. Desse modo, se todos os membros da família não estiverem de acordo com a
reestruturação do sistema, provavelmente não acontecerão mudanças efetivas. Os objetivos centrais
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deste trabalho estão localizados no desafio de que os membros da família reconheçam seus papéis,
definindo as fronteiras de cada subsistema, pai, mãe, casal, filhos, avós, etc., e, assim sejam
estabelecidos de maneira nítida fazendo surgir novas formas de interação em que sejam respeitadas
as individualidades e estabelecidos os limites a cada “lugar” que se ocupa na relação familiar.
“Quando um membro da família se recupera, se torna necessária uma readaptação para
incluí-lo em sua antiga posição ou ajudá-lo a assumir uma nova posição no sistema.” (Minuchin,
1980, p. 58), e este é um dos grandes desafios que devemos enfrentar com as famílias que nos
buscam para tratamento.
O Retrato das Famílias e suas Características
As famílias apresentadas neste estudo foram assistidas em atendimento clínico psicológico
semanalmente por um período de nove meses, totalizando 30 encontros sob supervisão acadêmica.
Os nomes, citados no presente trabalho, são fictícios para preservar a identificação dos participantes.
Como característica predominante, devemos considerar o fato de serem os dependentes químicos
dois adolescentes; um em regime de internação em uma Comunidade Terapêutica para Adolescentes
(CT) e outro que recentemente concluíra o tratamento de nove meses, também em uma CT. Neste
breve trabalho, não pretendemos descrever o processo terapêutico, mas demonstrar a presença da
dependência química através da intergeracionalidade como fenômeno das “famílias adcitas”, uma vez
que alguns aspectos teóricos foram discutidos.
Família de André
André tem 17 anos e está internado em uma Comunidade Terapêutica para adolescentes em
função do seu envolvimento com drogas. Luzia, a mãe, não sabe dizer quando se deu a entrada de
André no mundo das drogas. No primeiro atendimento, a preocupação da mãe é com o filho mais
velho Andrey, 19 anos, que apresenta um quadro de Transtorno Bipolar. Luzia relatou que o rapaz é
bastante introvertido, o que a impossibilita de ter abertura para estabelecer um diálogo franco com
seu filho, dessa forma, a mãe apresenta dificuldades em fortalecer vínculo afetivo com o filho.
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Luzia casou-se com Gilmar aos 15 anos e ele 16. Logo que foram morar juntos na casa de
Maria, mãe de Gilmar, Luzia engravidou de Andrey. Dois anos mais tarde, Luzia engravidou de
André, e esses foram os dois filhos do casal, ocorrendo a separação após seis anos de união. Maria ,
então, aliou-se à ex-nora, nos cuidados com as crianças.
Nas famílias de origem percebemos, através do genetograma (tabela 1), separações e novas
alianças onde as figuras masculinas (Joaquim, Américo e Natalino) apresentam comportamentos
adictos em relação ao álcool. Carmen e Joaquim, pais de Luzia, foram casados por vinte anos.
Segundo Carmen, seu esposo fazia uso de bebidas alcoólicas e cigarro desde que namoravam. Este
comportamento permaneceu e se intensificou após a chegada dos filhos, dentre eles Luzia, que
“sempre tiveram que conviver com a presença do pai bêbado em casa.”- nas palavras de Carmen,
que salienta, ainda: “Quando via Joaquim naquele estado (bêbado), lembrava de meu pai, ele
também bebia muito”.
Maria foi casada por 18 anos com Natalino. Um dos motivos da separação teria sido o uso
excessivo de álcool, por parte de Natalino. A relação de Maria com Natalino deu origem a um filho
chamado Gilmar (pai de André). Mais tarde, Maria uniu-se a Américo que também mantinha um
comportamento de beber compulsivo desde seu primeiro casamento, com Joana. Desta primeira
relação, Américo e Joana tiveram um filho chamado Pedro. Atualmente, Maria relata que o atual
marido, Américo, diminuiu o consumo de álcool em virtude de problemas de saúde.
A família nuclear e parental tem dificuldades para estabelecer limites de convivência tornando
os subsistemas confusos, onde alguns membros interferem nos papéis e funções de outros membros,
e os comportamentos disfuncionais fazem emergir conflitos que caracterizam um emaranhamento
nas relações. A avó paterna dos meninos, Maria, 72 anos, tem uma forte influência na vida de Luzia,
inclusive nas tomadas de decisões pessoais da ex-nora.
Em relação à família materna, Luzia sempre manteve certo distanciamento e uma relação
conflituosa com Carmen, sua mãe, principalmente nos últimos tempos. Carmen separou-se quando
Luzia ainda era criança, uma vez que Joaquim, seu esposo, não correspondia, segundo ela, às suas
expectativas. Joaquim, conforme mencionado anteriormente, mantinha um comportamento aditivo em
relação ao álcool, fato que descontentava a esposa.
Dois anos após a separação de Luzia, na época com 24 anos, ela iniciou um relacionamento
estável com Pedro, 46 anos, incentivada por Maria. Luzia vislumbrava na nova relação com ascensão
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financeira, tendo em vista a posição privilegiada que o atual companheiro apresentava. Pedro rompeu
uma relação de vinte anos de casamento para ficar com Luzia. Do relacionamento com Pedro,
nasceu Lucas, atualmente com 10 anos. Luzia relatou que, neste período, vivenciou situações de
infidelidade, inclusive tendo um envolvimento com Fred (neto de Maria).
Segundo Luzia, Fred, na época com 17 anos, morava com o casal e seguidamente contava a
ela que Pedro mantinha relações extraconjugais, “encorajando-a” a ficar com ele. Luzia relatou que
Fred era apaixonado por ela, e como ela não amava o marido cedeu aos encantos do jovem, fato que
até hoje faz sentir-se culpada e envergonhada.
Quando Lucas tinha cinco anos, Luzia ficou viúva de Pedro, que faleceu por problemas de
saúde motivados, principalmente, pelo uso abusivo de álcool. Esta situação desestabilizou a família,
pois os bens de Pedro foram requeridos pelos filhos do seu primeiro casamento, restando a Lucas a
casa onde a família reside atualmente, em um bairro da periferia.
Hoje com 35 anos, Luzia tem um novo relacionamento, há dois anos, com Jorge 41 anos.
Jorge teve um relacionamento anterior com Débora, do qual tiveram filho chamado Saulo, 12 anos,
que reside junto à mãe nas proximidades da residência de Luzia e do pai. Jorge também fez uso de
drogas por muitos anos, tendo cessado, após conhecer Luzia.
Ela relata ter uma relação conjugal conturbada. O atual marido, Jorge, foi usuário de drogas
durante muito tempo e por ter parado voluntariamente, não acredita no tratamento de André.
Atualmente, moram com o casal: Andrey 19 anos e Lucas 10 anos. As relações distantes e
conflituosas são compartilhadas por outros membros da família, principalmente pela mãe de Luzia,
Carmen e sua ex-sogra Maria que apóiam e incentivam o fim do relacionamento conjugal, fato que
deixa Luzia confusa e insegura.
Ela se culpa pelo fato de o filho, André, ter se tornado dependente químico. Acredita que, não
ter deixado a guarda dos meninos (André e Andrey) com o pai biológico, tenha sido um fator que
contribuiu muito para que o adolescente entrasse para o mundo das drogas. O pai biológico, Gilmar,
36 anos, não tem contato freqüente com os filhos e atualmente reside em outra cidade.
Pode-se perceber, neste caso, a partir da leitura das inúmeras separações e das tentativas de
novos relacionamentos que o fenômeno intergeracional apresenta-se pelo encontro dos vários
comportamentos dependentes, sejam eles emocionais, financeiros ou pelo uso de substâncias. As
figuras femininas (Carmen, Maria e Luzia) repetem através das gerações, vínculos semelhantes aos
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das famílias de origem, buscando companheiros adictos e/ou dependentes emocionalmente. Este
fato reforça a idéia de que elas necessitem, talvez, assegurar-se na posição de cuidadoras e na falta
de um marido adito pode-se delegar ao filho esta posição, como no caso de Luzia para com André,
que encontra dificuldades de se individuar, e, de maneira eficaz consolidar-se como adulto jovem.
Tabela1: Genetograma – Família de André
Família de Júlio
Júlio tem 17 anos e concluiu os nove meses de tratamento na Comunidade Terapêutica,
agora se encontra em fase de adaptação e reinserção social. Valéria, 37 anos, a mãe, relatou na
primeira entrevista ter dificuldades de se adequar às novas demandas do filho, após seu retorno para
casa: “Não sei, ele voltou diferente e nós não conseguimos nos entender em algumas coisas ainda.”
Ela reconhece uma posição disciplinadora e rígida, mas admite que deva mudar para melhor se
relacionar com o filho.
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Júlio começou a fumar cigarros aos nove anos de idade, aos onze teve sua primeira
experiência com maconha, aos treze começou a usar ‘loló’/cola e aos quinze anos entrou para o
mundo do crack.
Através do genetograma (tabela 2), percebemos nas famílias de origem, inúmeras
separações e novas alianças onde, como no caso anterior, as figuras masculinas (Carlos, Juca,
Ricardo, Ernesto, Felipe e Vanderlei) apresentam comportamentos adictos em relação ao álcool e
outras drogas. Carlos e Ana separaram-se após o nascimento do neto Júlio. Valéria relatou que os
pais se separaram em virtude dos comportamentos adictos adotados pelo pai em relação ao álcool.
Após a separação, Carlos passou a residir com a filha Valéria. Meses depois Ana veio a falecer de
infarto do miocárdio. Olga e Juca separaram-se, também, em virtude do “beber” abusivo de Juca. Dos
três filhos que tiveram, César tornou-se dependente químico na adolescência. Após a separação,
Olga uniu-se com Alaor. Da relação nasceram quatro filhos, dentre eles Ricardo, havendo, também,
um aborto espontâneo.
O adolescente Júlio foi fruto de um relacionamento que Valéria teve aos 20 anos, com
Ernesto, quatorze anos mais velho que ela. O pai biológico de Júlio fazia uso abusivo de álcool, e
abandonou Valéria grávida de sete meses. Neste intervalo de tempo, Valéria conheceu Ricardo, na
época 26 anos, que veio a assumir a paternidade do menino. Júlio não chegou a conhecer o pai
biológico, na época por vontade da mãe, e agora, segundo ela, por não expressar o desejo.
O relacionamento de Valéria e Ricardo teve duração de seis anos, período em que nasceu
Patrícia, agora com 15 anos. No momento, a adolescente está namorando um dependente químico
em recuperação, que recentemente concluiu seu tratamento. Este relacionamento é apoiado e
incentivado pela mãe.
A relação entre Valéria e Ricardo era conflituosa, e o casal era distante em função dos
comportamentos aditivos de Ricardo, principalmente relacionados ao consumo abusivo de álcool.
Após o término do relacionamento com Ricardo, que, segundo Valéria, foi motivado, “novamente”,
pelo uso abusivo de álcool, ela se uniu a Felipe, pai de Gustavo, o caçula, atualmente com 12 anos.
A relação com Felipe teve duração de aproximadamente dois anos. A causa da separação do
casal, novamente teria sido motivada, dentre outros, pelo comportamento abusivo de álcool por parte
do cônjuge.
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Atualmente, Valéria mantém uma união estável com Vanderlei, 35 anos.
Essa relação
mantém-se há cinco anos, nesse período, passando por conflitos e desafios semelhantes aos
enfrentados nos relacionamentos anteriores de Valéria. Ela relatou em uma das sessões que
Vanderlei já teve envolvimento com drogas e que, correntemente, vem apresentando um
comportamento aditivo relacionado ao consumo de álcool, que interfere nas relações familiares.
Devido às escolhas de Valéria, seus filhos estão cobrando um posicionamento e normalmente
a questionam: “Por que você não ficou casada com o nosso pai, já que era pra ficar com outro
bêbado?”.
O avô materno de Júlio, Carlos, 67 anos, reside com a filha Valéria, o genro Vanderlei e os
netos Júlio, Patrícia e Gustavo. Segundo Valéria, o avô sempre cedeu aos pedidos de Júlio. “Ele
sabia nos seduzir, contava as histórias mais terríveis, e quando víamos, ele já nos tinha conquistado
o dinheiro, principalmente de seu avô, que sempre deu tudo o que ele quis.”- relatou Valéria. Neste
sentido o avô mantêm um comportamento co-dependente que reforça a dependência química do neto
Júlio.
Diante dessas situações, a família percebe-se envolvida em conflitos entre a comunicação e
os limites que as figuras paternas não conseguem estabelecer. As figuras femininas (principalmente
Valéria e Patrícia) repetem ligações e relacionamentos semelhantes aos da família de origem, como
no caso discutido anteriormente, o que evidencia o fenômeno da intergeracionalidade. Parece que a
“herança” dessa família está em cultivar comportamentos que reforçam a necessidade de cuidado em
que essas mulheres acabam por reforçar padrões interacionais de modo a cultivar o fenômeno da
dependência, anulando as figuras masculinas diante de sua situação de adito. Nestes casos, o
adolescente tende a desenvolver a dependência em virtude de uma inabilidade em individuar-se
dessa família, principalmente de uma mãe co-dependente como Valéria, para conquistar o mundo
adulto.
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Tabela 2: Genetograma – Família de Júlio
Considerações Finais
A partir da análise e da discussão dos casos, pode-se perceber que em ambas as famílias de
origem, na família de André: Carmen e Joaquim; Natalino, Maria e Américo; e, na família de Júlio:
Carlos e Ana, Alaor, Olga e Juca; o domínio materno, a passividade e a dependência das figuras
paternas representativas impossibilitam a identificação de modelos saudáveis às gerações futuras.
Os pais estão ausentes nas relações familiares e, esse fato, pode ter ocorrido de duas maneiras: para
a obtenção de ganhos secundários, tendo em vista que se sentem fragilizados ou dependentes
emocionalmente dessas relações; ou ainda por uma herança intergeracional, que carregam de suas
próprias famílias de origem, em que a figura masculina se fazia presente a partir da passividade com
os afetos deslocados para a dependência de alguma substância. As mulheres, por sua vez, procuram
relacionamentos em que os parceiros apresentam algum tipo de comportamento dependente, seja ele
emocional ou relacionado ao uso de substâncias. Situações que podem ter sido desencadeadas pela
co-dependência como mantenedor homeostático. No entanto, quando seus parceiros não
correspondem às expectativas, principalmente relacionadas ao comportamento de cuidador (esposa)
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e dependente (pai adito), as figuras femininas tendem a buscar novos relacionamentos, e, ainda a
preencher o seu vazio com as figuras dos filhos, que acabam assumindo o papel de dependência ao
invés de alcançarem algum tipo de individuação.
A dependência está presente em ambas as famílias tanto as de personalidade, pela falta de
diferenciação do self e pelas alianças, quanto pelo uso de substâncias psicoativas como álcool e
drogas. As matriarcas carregam consigo as responsabilidades pela família toda, evitando
aproximações de seus cônjuges para a divisão das cargas de responsabilidade, na tentativa de
mostrarem sua força e seu poder. Apesar disso, são mulheres que se sentem fracas diante da
possibilidade do amadurecimento de seus pupilos, uma vez que a busca pela droga pode ser
compreendida como meio que o adolescente escolhe para chamar a atenção diante de suas
dificuldades na tentativa de atingir um novo ciclo vital – a vida adulta. Eles, os adolescentes, ficam
impossibilitados de buscar recursos saudáveis de crescimento e se individualizar.
O tratamento clínico sistêmico-familiar busca a conscientização dos papéis que cada um dos
membros está ocupando na família para que possa construir alternativas funcionais diante dos
conflitos que a cercam. Segundo Guerin (2000): “O êxito duradouro da terapia depende em geral de
certa resolução dos principais triângulos que rodeiam o problema trazido para a terapia “(p. 49).
Poderíamos ressaltar que um dos objetivos trabalhados nos atendimentos das famílias
apresentadas, foi o fortalecimento do par como unidade básica educadora, bem como o
favorecimento da construção da “cultura do casal” que serviu de campo a diversas possibilidades de
combinações parentais e pessoais. Neste sentido pode-se trabalhar a individuação dos filhos
adolescentes e seus desapegos de forma consistente e eficaz para que se desenvolvam como
adultos em seu ciclo evolutivo natural.
Consideramos ser fundamental, nesses casos, trabalhar a família e não só o problema da
drogadicção. O pensamento sistêmico tem colaborado de forma eficaz para o entendimento mais
relacional, e, conseqüentemente, amplo e inclusivo desta patologia. Esta visão tem nos
proporcionado alicerces teóricos para compreender a dependência química dentro de uma dinâmica
familiar específica, e não à parte desta, passando ela a ser considerada uma patologia provocadora
de certas dinâmicas familiares e, ao mesmo tempo, conseqüência destas. É a circularidade que deve
entrar em campo para que a dinâmica familiar possa evoluir em seus desafios e alcançar níveis
saudáveis de convivência.
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Para que cada membro assuma seu papel dentro do grupo, adotamos o pensamento
sistêmico a respeito do comportamento aditivo, proporcionando, assim, uma mudança mais efetiva,
intensa e ampliada na conduta destes que servirão de principal suporte para o tratamento: a família e
suas redes de apoio social.
Desse modo, é provável que os membros do grupo familiar consigam atingir autonomia e
viver sem a carga de ter que repetir as mesmas problemáticas do passado, fazendo florescer novas
formas de interação na tentativa eterna de buscar a tão almejada felicidade sem que se cumpra a
profecia ditada pela famosa música de Belchior - “Minha dor é perceber que apesar de termos feito
tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.
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Endereço para correspondência
[email protected]
[email protected]
[email protected]
Sobre os autores
Maria Ivone Grilo Martini: Docente no Curso de Graduação em Psicologia da Faculdade da Serra
Gaúcha (FSG). Especialista em Terapia Familiar e Coordenadora do Projeto “Clínica Psicológica e
Dependência Química: Um Olhar Sistêmico para a Família”. – [email protected]
Maiton Bernardelli: Acadêmico do curso de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG), Bolsista
de Iniciação Científica do Projeto - Clínica Psicológica e Dependência Química: Um Olhar Sistêmico
para a Família – [email protected]
Vanessa Pagliarini: Acadêmica do curso de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG),
Bolsista de Iniciação Científica do Projeto - Clínica Psicológica e Dependência Química: Um Olhar
Sistêmico para a Família – [email protected]