A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DOS NEGROS NO SÉCULO XIX, NA
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A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DOS NEGROS NO SÉCULO XIX, NA
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DOS NEGROS NO SÉCULO XIX, NA ÓTICA DA CLASSE SENHORIAL CARIRIENSE Damiana Francalino de Lima* Universidade Regional do Cariri - URCA E-mail: [email protected] RESUMO O presente artigo tem por objetivo analisar a visão da classe senhorial sobre a população negra, imagem que construída a partir das relações sociais. Tal construção, em muitos casos, está relacionada com as questões do mundo do trabalho. Historicamente tem base nas relações entre senhores e escravizados, que em sua maioria eram negros. Para a realização desse trabalho serão utilizadas fontes do Centro de Documentação do Cariri – CEDOCC, tais como jornais e processos criminais e civis, relativos ao século XIX. Palavras chave: Negros, Escravidão, Relações Sociais, Classe Senhorial Introdução As relações sociais entre a classe senhorial e as classes de homens e mulheres livres pobres, libertos ou escravizados, estavam condicionadas pela desigualdade social. Dentre aquele contingente, havia uma população negra, que muitas vezes ficou esquecida na discussão historiográfica ou na elaboração de uma memória sobre o Cariri. A população negra vivenciou diversas situações, constituiu famílias, laços de solidariedade, compadrio, formas de resistência e luta e transitou em diversas condições sociais, aludidas acima: escravizados, fugitivos, libertos e livres. O Cariri é uma região do sul do Ceará, identificado muitas vezes com a Chapada do Araripe, porém, não diz respeito somente à ela. Conforme a organização administrativa atual, vários municípios são identificados com a região, como por exemplo, Abaira, Araripe, Barbalha, Barro, Brejo Santo, Caririaçu, Crato, Farias Brito, 1 Graduanda em História na Universidade Regional do Cariri (URCA), bolsista estagiária no Centro de Documentação do Cariri – CEDOCC. E-mail: [email protected] Grangeiro, Jardim, Jati, Juazeiro do Norte, Mauriti, Milagres, Missão Velha, Nova Olinda, Pena Forte, Porteiras, Potengi e Santana do Cariri. No século XIX, o Cariri tinha uma organização administrativa diferente, contudo, o espaço de vivência da população era o extremo sul da Província do Ceará. Segundo José de Figueiredo Filho, na primeira metade do século XIX, as cidades do Cariri não tinham grandes construções tampouco eram muito elaboradas, havia somente alguns sobrados, casas, de telha, palha ou taipa (FILHO, 1966, p. 144). Mesmo diante desse quadro, havia um mundo rural, baseado na posse da terra, nas atividades agrárias como a agricultura e a pecuária, e, a utilização de trabalhadores escravizados e livres. O contingente de escravizados fazia parte do patrimônio de muitas famílias, principalmente das mais ricas. Anúncios de jornal demonstram as transações relativas aos escravos. ANNUNCIO Vende-se uma casa de bom commodo na rua laranjeira desta cidade ao lado esquerdo do beco que parte da Igreja de s.vigente. Se recebe em pagamento escravo, gado, animal,.ou pelo praso d, alguns meses a dinheiro. (O ARARIPE, 10 de Dezembro de 1855). O que se pode notar é que os grandes fazendeiros tinham como objetivo possuir cada vez mais escravos e animais para o trabalho no arado da terra. Mas também utilizavam trabalhadores livres ou libertos. Trabalhadores do meio rural e do meio urbano, pequenos posseiros ou moradores, negros, brancos, mestiços, alguns com mais recursos, outros vivendo numa situação de pobreza, fugitivos, remanescentes dos povos indígenas e quilombolas, nas mais diversas atividades econômicas e tarefas. Elaboraram sua própria identidade na convivência do espaço, uma experiência muitas vezes sufocada pela classe senhorial (REIS JR: 2014). Na perspectiva aqui adotada, o poder dos senhores sobre os trabalhadores estava presente, tanto nas relações de trabalho coletivo, como em outras esferas da vida social. Nessas situações, os trabalhadores procuravam resistir de diferentes maneiras, não obstante sua condição econômica e de existência material muitas vezes ser precária. Lima Barreto é citado por Sidney Chalhoub no livro Trabalho, Lar e Botequim. Faço aqui a transcrição do trecho, pela representatividade da situação. Admirava-me que essa gente pudesse viver, lutando contra a fome, contra a moléstia e contra a civilização; que tivesse energia para viver cercada de tantos males, de tantas privações e dificuldades. Não sei que estranha tenacidade a leva a viver e porque essa tenacidade é tanto mais forte quanto mais humilde e miserável.(BARRETO apud Chalhoub:2001, 52) O trabalho no Cariri Cearense em relação fazendas senhoriais estava voltado para produção da cana-de-açúcar, fabricação de rapaduras em engenhos, e cultivo da farinha de mandioca entre outro papeis desenvolvidos pelos escravos domestico na casa de seu senhor, sendo copeiro, alfaiate, ama de leite para os filhos dos patrões, e informantes. Entretanto Darlan Reis Junior em sua tese descreve: “Trabalhadores subordinados, fossem livres ou escravizados, apareciam nos discursos da classe senhorial como necessários, os “ideais”, os “bons” aqueles que forneceriam a força de trabalho necessária para o enriquecimento dos senhores” (REIS JR: 2014,85). Logo, nessa perspectiva o que se percebe é que toda mão-de-obra fosse ela desenvolvida por negros, trabalhadores livres ou escravo, estaria no olhar do senhor como indivíduos que deveriam servir, muitas vezes acabavam sendo tratados como objetos, no jogo de manipulação e poder. Segundo Lilia Moritz Schwarcz: as formas de tratamento que classificavam que “negro bom é negro escravo” começaram pela submissão do mesmo, esperando que acreditassem que se fossem bons e leais teriam melhor, moradia e um pedaço de terra para trabalhar e tirar direito a uma vida o sustento da família (SCHWARCZ: 2012, 75 ). Na pratica isso não acontecia, seria só uma maneira de manter-lhes sobre suas ordens, e aqueles que não seguissem, eram jogados a própria sorte, sem emprego, moradia ou educação, vivendo em cortiços, favelas e vilarejos sem “Fim” sem “Lei” e sem “Rei”. Entretanto a preocupação era manter esses alforriados sobre as leis dos senhores para serem reeducados. Após a liberdade essas relações não poderiam ser rompidas totalmente como bem pretendessem, pois seria ruim para com esses recém- libertos nessa triste condição e Perdigão Malheiro sendo um conservador a favor da tutela sobre a guarda dos senhores pelo certo tempo: [...] entendo que não podemos impunemente afrouxar as relações do escravo para com o senhor, que hoje prende tão fortemente um ao outro, e que são o único elemento moral para conter os escravos nessa triste condição em que atualmente se acham, quais são as que resultam daquele poder. Se nós ompermos violentamente esses laços, de modo a não se afrouxarem somente, mas a cortá-los, como a proposta o faz [...] a conseqüência será a desobediência, a falta de respeito e de sujeição. Eis um dos mais graves perigos. “Essa proposta, em todo seu contexto, não tende a nada menos do que romper violentamente esses laços morais que prendem o escravo ao senhor”.(MALHEIRO apud Chalhoub: 1990, 142) Essa forma de ideologia que beneficia o senhores como a pessoa certa para reeducar esses recém libertos no meio social, traduzem-se em leis implantadas para classificar o escravo, o negro e os mulatos em grupos problemáticos e subordinados, desprovido da classe social, porém se definindo a classe majoritária no pensamento dos abolicionistas e das imigrações que lutava por leis racistas, composta por pequenos proprietários brancos. Célia Marinho de Azevedo menciona que muitas dessas ideologias estão fundamentadas acerca do racismo, do preconceito e da predominância da desigualdade social e racial onde o negro é classificado como inferiores mesmo com a alforria, pois não tem preparação para conviver numa sociedade poderia ser “desordeiros”, “vadios” e preguiçosos, mas eles se revoltaram contra seus senhores passando a fazer rebeliões para garantia de fugas nas fazendas e o jornal O Araripe relatava constantemente sobre esses episódios, nas paginas dedicadas a anúncios sobre escravos fugidos: ANNUNCIO Quiteria, acaboculada de 22 anos de idade, fugiu a 5 do corrente. Essa escreva: julga-se estar cecula na povoação do Juazeiro, Pau-seco, ou em S. Pedro da Barbalha, onde a escrava tem parentes. O annunciante prolesta usar dos recursos legaes contra quem se descobrir ter dado azilo a sua escrava, e paga bem, a quem a pegar e a trouxer em sua casa. Crato 20 de março de 1856, ANNUNCIO Jose, cabra, de idade de 17 annos, alto e secco do corpo, cabeça regular, cabelles, olhos pretos e vivos, rosto descarnado, tem junto de um peito um signal, um dedo do pé grosso por causa de ter cortado com um talho de enxada: fugiu a deis de Março próximo passado, apparendo noticia de ter sido encontrado na estrada do posso dos páus; quem dito escravo pegar e o condusir a esta cidade a ser entregue a seo senhor José Geraldo Biserra Junior que é o abaixo assignado receberá todo trabalho, e despesas feitas com o dito escravo. Mediante dessas noticias que podiam ser conhecidas pela população o que se mostra é que essas práticas de publicações em anúncios sobre a fuga desses escravos eram comuns, primeiro por que jornal mostra claramente que tinha um lado conservador. Abraçando a causa dos senhores ao publicar essas notas de aviso, o que facilita a captura dos mesmos, e deixa evidente a sua posição a favor da escravidão para com esses escravos ou recém libertos, sujeitos a serem escravizados por não ter proteçãoe trazer com sigo a “mal sorte da cor”. Antonia Márcia Pedroza teve como objetivo principal A pequena “Hypolita em sua dissertação a descreve: “ Hypolita nasceu de mãe liberta e foi batizada, portanto, como pessoa livre. Mas era escravizada mediante a cor, pois “a designação de ‘pardo’ era usada, antes, como forma de registrar uma diferenciação social, variável conforme o caso, na condição mais geral de não branco”. (PEDROZA, 2013) Lilia Schwarcz, define que “raça” e “cor” seriam mais complexas na medida em que as regras fossem implantadas de forma fixas no país, ou viesse de descendência da origem de ex-cravos. Kwame Appiah argumenta “a verdade é que não existem raças: não há no mundo algo capaz de fazer aquilo que pedimos que a raça faça por nós[...] até a noção do biólogo, tem usos limitados”.Raça, “ antes de um conceito biólogo, é uma realidade social, uma das formas de identifica pessoas em nossa própria mente”(APPIAH, apud Schwarcz: 2012, 33). O preconceito sobre a figura do negro está presente em todo lugar, se manifesta de forma direta ou indiretamente. Por pessoas que nunca o sofreram ou que pensam não ter presenciado o racismo, como também por aqueles que já sofreram descriminação, ou ainda sofre, mas que não estão livres de preconceituar, como no caso de Labatut que não deixou boa impressão na terra cearense, porque seus homens saldados da tropa de guerra eram quase todos negros, do sul da Bahia. Onde o número de preto era relativamente diminuto, o que ocasionou extranheza entre os caboclos do ceará . Que descriminou a todos da tropa: “ Fecha aporta, La vem Labatut com tropa de negros Merda e Mais merda; parece urubu” (FILHO,1966,P.36). A realidade é que o preconceito existe e está presente, em todo lugar, pode ser praticado por qualquer ser vivente no meio social. Mas isso não impede que se construam família, laços de solidariedade, compadrio, e respeito no mundo do trabalho. No cariri cearense existia a família escrava que estabelecia relações como forma de sobrevivência, e era a principal responsável pela organização social no cativeiro e segundo Ana Sara Cortez que trabalhou com a família escrava no Cariri Cearense em (1850- 1884) analisa: “O mais forte e mais coeso espaço de autonomia criado pelos escravos no cativeiro foi a constituição de laços familiares. Sua formação se deve não somente a uma mera estratégia dos cativos para obter a própria sobrevivência ou se contrapor a um regime que eles não suportassem, mas pelo empenho em estabelecer unidades familiares com pessoas do seu convívio, fossem elas livres, libertas ou escravas, na medida em que abria espaço para que o cativo se apresentasse dono de si, sem a figura constante do senhor.( CORTEZ,2008,P.93) Entretanto a intensificações das relações entre essas famílias no Cariri, estabelecia um espaço para a ocupação dos mesmos, formando uma teia social. Colocavam-se como sujeitos com objetivos de ter autonomia e desenvolver trabalhos com caráter independente sem a interferência do senhor. Assim o auxilio na construção desses laços, costumes e tradições ficaram mais fortes. Essa pratica de convívio não só se restringiu as unidades familiares, aos espaços fechados de sua condição social. Estimulou a criação de laços para com indivíduos de outros estratos sociais, pois os caminhos percorridos pela família escrava foram diversos. (CORTEZ, 2008, P.28) O trabalho no cultivo da mandioca, das lavouras de canas e das produções das rapaduras nos engenho permanecia sempre monitorado pelos feitores, que tinha o papel de castigar ou regrar qualquer individuo que se encontrasse fora de seu serviço. Não importa o estado em que estivesse o que sentia em função do cansaço mediante a todos os dias de trabalho rotineiro. O objetivo era manter todos em rédeas curtas para que a tarefa fosse concluída. Ferreira Vianna diante dos parlamentares, em tom patético no ano de 1888 citado por Sidney Chalhoub na obra Trabalho, Lar e Botequim esclarece: Já dizia Cícero que a escravidão não se podia manter, quando o senhor não dispunha do escravo como do seu boi, do seu arado, do seu carro e de sua força. Era preciso que dele pudesse usar e abusar. (VIANNA apud Chalhoub, 2001,52) E factível que essas comparações fossem presentes no mundo do trabalho, os escravos sempre foram sujeitos e objetos em todos os aspectos no olhar da classe senhorial e nas mãos dos senhores, usar e abusar seria só, mas uma maneira de exercer o poder sobre os próprios, que muitas vezes se encontravam em pleno trabalho eram surpreendidos por outros fazendeiros e feitores que tentam lhe tirar a vida. O Processo seguinte referente ao ano de 1878 de mostra o ocorrido entre Rufino, escravo e esses senhores - Thomas da Costa Palma, Manuel da Costa Palmo, Marcos da Costa Palmo, Esmael de tal, vulgo capitão: “Estando Rufino, escravo de Francisco de Souza Rolim.em uma plantação de cana quando se deparou com os réus que empunhavam facas e facões, e Manuel da Costa que portava uma espingarda, disparou contra Rufino, mas o tiro pegou de raspão.” (PROCESSO, caixa 3,pasta 32,) Diante dessa forma, abusiva onde os senhores queriam exercer o poder até fora de suas fazendas o que se percebe é que os escravos: Eram reféns e estavam á mercê do poder senhorial. E a ótica senhorial ainda fazia a distinção entre o bom trabalhador, obediente, solícito, agradecido pelos anos de relação e o mau trabalhador, o delinqüente ou dissoluto capaz de enveredar pelo caminho da criminalidade. Esperava um comportamento de fidelidade, obediência, deferência e gratidão, por permitir que, em seus domínios, trabalhassem. (REIS JR, 2014, P.185) Assim começou a existir uma relação entre senhor de engenho e os escravos, ou trabalhadores livre, alguns queriam conquistar a confiança dos patrões. Para construir suas casinhas próximas a dele. Dessa maneira, as terras do senhor, com o passar do tempo, ficaria povoadas de agregados, e dos chamados ‘moradores de condição e segundo José Carvalho “Estendem-se, valle acima, até as fraldas do Araripe as casarias de habitação e de engenhos, alvas umas, vermelhas outras, e logo seguidas pelas casinhas de palhas de palmeiras – rude habitação dos pobres moradôres. Hoje são habitadas por homens livres; substituíram as choças dos escravos que out´rora formavam ao redor da casa da Fasenda a misera sensala” ( CARVALHO apud Cortez,2008p.85) Logo nessa perspectiva, o que me chamou atenção nesse trabalho foi a permanência no passar das gerações, os conceitos, regras, os valores que existiram em pleno século XIX na ótica da classe senhorial, como também as formas de resistência desses trabalhadores fosse livres ou escravizados, mas que tentavam construir em meio a tanto preconceito e privacidade o seu espaço, os valores éticos dentro das comunidades, formas de viver a partir dos laços familiar, o respeito a solidariedade, a dinamicidade. Esse trabalho, da ênfase ás construções das relações entre senhores e escravizados, e libertos no meio social. Entretanto, o meu lugar social não se limita a escolha do objeto, que também incluir a seletividade do sujeito refere-se também aos conceitos, históricos e sociais, os objetivos, a construção do problema, a instauração dos métodos as referencia teóricas, aspectos selecionados e desenvolvidos a partir das inquietações do historiador, como bem nos demonstra Certeau. Assim sendo, a relações sociais entre a classe senhorial e as classes de homens e mulheres livres pobres, libertos ou escravizados, é entendido nesse trabalho como uma experiência que reflete, simultaneamente. O passado dando ênfase no presente. Logo, assume o status de fonte documental. É nessa perspectiva que as referencias teóricas foram construídas e definidas a partir da analise das fontes. O presente trabalho ressalta o desejo de mostra como era construída a imagem dos negros no século XIX, na ótica da classe senhorial a partir das relações sociais dento do mundo de trabalho, as percepções de melhoria familiaridade, solidariedade e liberdade e igualdade que muitas vezes foram “sufocadas” pela classe senhorial, para com esses escravos, trabalhadores ou recém libertos que aborda as imagens plurais do passado vivido. Dessa forma percebe-se que o Cariri cearense foi um amplo espaço para essas relações entre senhores e escravizados, no século XIX envolvendo também as formas de produções econômicas, mediante o trabalho que impulsionou para o crescimento da cidade que hoje é requisitada por varias origens, culturas e crenças e tradições no espaço histórico. REFERÊNCIAS FIGUEIREDO FILHO, José de. História do Cariri. Vol. 2. Crato. Faculdade de Filosofia do Crato. 1964. _______________. História do Cariri. Vol. 3. Crato. Faculdade de Filosofia do Crato. 1966. REIS JUNIOR, O. 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