pdf (v2) - Revista Avessa

Transcrição

pdf (v2) - Revista Avessa
Revista
nº 5
Autores
Max Millian Rodrigues
Allan Lucena
Elsen Pontual
Tatiana Martins
Igor Freitas
Alex Faria Bezerra
Rone Cristiano da Silva
Pamela Chris
Octavio Augusto de Sousa
Sandro J. Erzinger
O Cão de Bastian
Conto por B. Craus Nantai
A evolução dos
contos de fada
Equipe
Editora-chefe
Mayara Barros
Conselho Editorial
Claudia Bianco
Marcelle Andrade
Marina Brandão
Mayara Barros
Vitória Pratini
Projeto Gráfico
Claudia Bianco
Marcelle Andrade
Mayara Barros
Victor Vicente
Vitória Pratini
Jornalistas
Claudia Bianco
Marcelle Andrade
Marina Brandão
Mayara Barros
Vitória Pratini
Colunistas
B. Craus Nantai
Ilustração de Capa
Lizie Evangelista
Revisão
Claudia Bianco
Contato
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A revista Avessa é uma
iniciativa independente
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da UERJ. Os textos
divulgados são de
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de seus autores e não
necessariamente refletem
a opinião da revista. Não
é permitida a reprodução
dos artigos e textos aqui
publicados.
Nº 5
1
A
jul/ago 2015
Jul/Ago 2015
Editorial
Mais uma vez trazemos uma edição da Revista Avessa
para vocês aproveitarem. Durante a produção deste número,
tivemos a oportunidade de abrir nossas asas e voar um pouco
mais alto, com novas parcerias e oportunidades. E buscamos
melhorar sempre.
Infelizmente, houve um atraso, não conseguimos entregar
a revista no dia 1º como prometido. Esperamos que isso não se
repita, faremos o nosso melhor para garantir que qualidade e
pontualidade sejam nosso lema. Imprevistos acontecem e ficamos muito gratas com o apoio que recebemos depois do
aviso do atraso.
A Revista também está prestes a comemorar 1 ano de vida
em agosto! Foi um ano de aprendizado e crescimento para
todos os envolvidos no trabalho e esperamos que o próximo
seja ainda melhor!
Mayara Barros
Editora-chefe
jul/ago 2015
A
2
7
prosa
12
prosa
14
prosa
Max Millian Rodrigues
Barba Negra
Conhecer o infinito
além do azul
Allan Lucena
Elsen Pontual
Era uma vez
22 Era uma vez uma menina
que cresceu
prosa
Tatiana Martins
Fábula sobre o ninguém 24
a dor e o amor
Igor Freitas
prosa
27
A evolução dos
contos de fada
artigo
O Cão de Bastian
31
B. Craus Nantai
coluna
33 O conto que me contaram
prosa
37
prosa
43
prosa
Alex Faria Bezerra
Rone Cristiano da Silva
Pamela Chris
O Fofoqueiro
Os Príncipes
Pelas periferias de um 45
reino distante
Octavio Augusto de Sousa
poesia
Um olhar diferente 50
Sandro J. Erzinger
poesia
Barba negra
Aviso: Contém linguagem forte e imagens de sangue e morte
Minhas fadas são de sangue. Ainda sinto o cheiro do esperma... Mesmo seco nesse lenço sem vida, consigo senti-lo molhado como se estivesse em meus lábios. É chegada a hora, não
devo fugir, não mais.
Meus olhos correram a sala, tentei me encontrar ali… Sabia que nada mais teria sentido para alguém como eu. Estava
livre das amarras que me prendiam na escuridão. Como cobra
minha língua se debatia dentro de minha boca… A erupção do
meu interior permanecia secreta para todos, menos para meu
verdadeiro eu. A sala estava limpa.
Ainda sinto o cheiro… A voz em minha cabeça não me
deixa percorrer o local. O cheiro permanece aqui. Quero muito
ficar, mas tenho que ir. Minha mala esta pronta. De minha erupção consigo sentir o amargo da boca, minha língua não para, ela
continua vibrante por trás de meus dentes. Quero beijar a boca
sangrenta.
Água gélida… Não me canso de dizer, até mesmo o frio é
mais maleável que meu coração. Aprecio como a água gelada
bate em minhas pupilas fechadas. O som do chuveiro ligado me
lembra o sopro de uma ventania. O sangue saiu com facilidade
da minha pele, não tive que esfregar tanto.
Estou cansado, minha mente esta exausta, meus joelhos
e panturrilha doem… Nunca senti dor tão exaustiva, trabalhar
com um serrote não é nada fácil, entretanto não existe melhor
som do que ouvir as veias e artérias do pescoço serem rompidas
como cordas… Sem dúvidas, isso é o melhor.
Não buscava tanta bagunça, sempre sou organizado, infelizmente acabei executando o ato na Sala de Estar mesmo…
Minha esposa não estava em casa então não se preocupe… E
para meu próprio bem, espero que ela não note nada de errado… Mulher desconfia de tudo, não gostaria da minha esposa
no meu pé por conta de um deslize.
A sensação das mãos no sangue é tão boa, me recordo de
quando era criança, sempre gostava de brincar na fazenda de
meus avós. O bom de um lugar grande é a vantagem de você
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explorá-lo, meu avô sempre dizia: Seja forte, não abaixe a cabeça e todos se curvarão perante você. Eu só não achei que até os
animais entrariam nessa soma.
Lembro que certa vez um cavalo chamou minha atenção…
Lindo, Esbelto, um animal sem sombra de dúvidas superior
a muitos daquele lugar. Eu o queria, mas ele não parava quieto, sempre se mexia, queria apreciá-lo, conhecer sua beleza…
Certo dia fui surpreendido com a morte… Ele estava em minha
frente, meu avô com uma espingarda em mãos disse: Não olhe
meu filho, não vai lhe fazer bem…
Eu não parei de apreciá-lo, toquei-o de todas as formas, um
cavalo estava a minha frente, o cavalo mais lindo que havia visto, de sua testa o sangue fluía, mais tarde entendi… Ele havia
sido sacrificado, estava doente, sofria… Mas permaneci ali, o
amando.
Por algum motivo meu avô sorriu, mais tarde fui chamado
de corajoso enquanto comíamos, mas quando meu avô se distanciou algo chamou minha atenção… O membro daquele animal chamou minha atenção.
Sabia sobre o prazer do homem e do animal, não tinha tanta diferença, já tinha idade… Criado com primos e aos 11 anos já
sabia até demais… Mas tocar naquele membro despertou em
mim sentimentos que desconhecia.
Não podia fazer muito, não sabia o que fazer, aquele animal imenso, lindo e morto diante de mim chamava minha atenção de maneira surreal, o sangue ainda estava quente, consigo
lembrar perfeitamente, como se fosse agora… Eu o tocava e em
meus pensamentos conseguia ouvir seus relinchos… Eu o tocava e observava seu lindo rosto coberto por sangue.
Imagine que essa água que sai desse chuveiro fosse sangue, ele estaria molhando meu rosto neste instante, isso me dá
prazer, naquela época já me dava, hoje então nem se fala. Banhado em sangue de cavalo, basicamente foi o que aconteceu
comigo… O calor daquele animal chamou minha atenção, não
queria sentir isso externamente… Queria o interno dele.
Só de pensar nisso até arrepio… Olhe? Viu? Nossa… aquilo
foi um banho de sangue. Eu sorri como na maioria das vezes,
olhei para meu avô que encobria o riso por detrás de um garfo.
Sentados a mesa estávamos todos... Meu sorriso permanecia
único, todos me elogiavam, sempre fui querido, e sempre gostei
dos afagos, dos colos e do dedilhar de alguns.
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Dedilhar... Dedilhei aquele corpo sedento por mim durante
tanto tempo, levei minha boca ao mastro ereto de tantas formas, fui convicto e invicto, fui doente e saudável... Os olhos de
meu avô não se desgrudaram de mim... Eram olhos doentes,
olhos sombrios... Em todo aquele pasto existiam apenas eu, o
cavalo e meu avô a observar.
Em determinado momento meu avô se aproximou de mim
com uma faca rudemente afiada que retirou da cela que segurava firme na mão esquerda. O céu se tornou escuro, a lâmina
me iludia com uma luz escarlate, e me debrucei sobre ela como
um brinquedo que abria caminhos pelo corpo do inerte cavalo...
Queria tanto que estivesse vivo! Queria tanto ouvi-lo gritar! Queria tanto ouvi-lo gemer!
Meu conto de fadas se perpetuou no instante em que rompi seu pescoço e desci vagarosamente a lâmina abrindo o caminho de sangue que escorria por meus braços.
— Eu quero! — disse sem me importar com a presença de
meu avô.
Não obedeceria a ninguém, meu desejo era aquilo. Atravessando a pele minha mão sentia-se quente com o sangue, tive
que ser duro, mas consegui colocar meu braço dentro daquele
pescoço sangrento. Delírio, desejo, arrepio... Morte. Vi minhas
fadas pela primeira vez.
Eu estava dentro dele, assim como estive dentro daquele
jovem. O som do chuveiro me alertava para as horas, a hora de
ir havia chegado e em momento algum deveria me atrasar para
meu compromisso.
A água escorria por meu corpo, estava reto por conta das
lembranças. Meus passos marcavam o chão, marcavam o momento da singela presença de liberdade. Eu nunca estaria livre
de meus pensamentos. Gosto de me enganar às vezes. A diversão está no engano.
Passos no corredor. Meus passos agitavam as fadas, podia
sentir sob suas asas o peso do sangue. Os duendes no jardim
analisavam minha postura nua ereta. Não me importo com eles.
Importo-me com ele. Tinha meu tesouro bem guardado, longe
daquele arco-íris maldito, agora estava comigo.
Conseguia sentir sua presença na casa. Ele estava encolhido... Cada gota d’água que escorregava por meu corpo era um
jato de prazer que se perdeu ao secá-las. Não me esqueço da
fazenda, não me esqueço das sangrentas tardes de domingo...
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Adoráveis tardes, retiradas de mim com a vinda da vida adulta.
Minha vida adulta se descarrilou muito rápido, as responsabilidades foram sempre devoradoras para mim. Tempo Privado
não Existia. Minhas fadas com seus potes de sangue estavam se
afastando cada vez mais. Eu necessitava delas e dos duendes.
O Rio de Janeiro sempre foi uma cidade interessante devido seu fluxo de pessoas, além da reunião de extravagâncias não
moderadas encontradas em diversas esquinas.
Encontrei minha presa numa noite de Sexta. A madrugada
era nossa companheira em minha casa. Certa noite a enforquei.
Não suportava a ideia de não poder tocar mais a fundo aquele
pescoço. Queria abri-lo por completo. Isso não aconteceu, nunca mais vi minha presa... Desapareceu, percebi que as esquinas
mudavam de rosto a cada noite.
Os veículos cintilavam em cores aos meus olhos, podia sentir as vozes dentro de minha cabeça... As fadas voltaram a minha
vida. Olhando pela janela do carro notei nas calçadas de todas
as quadras vários duendes indicando o caminho. Meu desejo é o
arco-íris de sangue.
Todas as aventuras que minha vida resguarda estão prestes a se encerrar, não que eu acredite em milagres, acredito
em fatos e o fim deste relato está prestes a surgir como uma
faca afiada cortando seus olhos. Estou no aeroporto. Muitos me
olham com desejo... Não os culpo.
Meu coração pulsa forte. Aperto minha mão na alça da
mala, não posso soltar. Tento sorrir. Não posso suar. Minha mente o vê em frente, atrás dele um cavalo com rosto sangrando...
Ele esta de pé em minha sala de estar. Os duendes me levaram
até ele. O cavalo relinchou ao meu ouvido, despertando meus
desejos mais uma vez.
Ele esta nu. Toquei seu rosto de maneira sedosa. As fadas
dançam em nossa direção. Estamos a sós. Ninguém ouve os
gemidos. Odeio gemidos. Ninguém vê os abraços. Suportei os
abraços. Ninguém sente os movimentos. Odeio movimentos.
Ninguém escuta seu grito. Odeio gritos.
O vermelho toma conta do lugar... Minha casa... Minha
vida. Eu estou recostado na parede com a cabeça dele entre minhas pernas. Levanto-a pelos cabelos lisos. Quase a derrubo por
conta do sangue. O esperma esta em sua garganta. Ele gostou,
sei disso.
Os pedaços de lembranças estão ali. Vez em quando as fadas retornavam, antes dele muitas tinham sido minhas presas.
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Ele foi o único que saciou. Durante anos aprendi a ocultar. Nunca fui recluso, a melhor forma de se esconder... É aparecendo.
Por algum motivo não conseguia me livrar daquele abraço.
Fazia três dias que consegui parar seus movimentos. Pela manhã mergulhei minha boca em seu tórax. Caminhei ao espelho...
Vi e senti o sangue escuro fétido em volta da boca. Sorri. Eu sou
Black Beard.
Todos me olhavam. Segurei firme a mala com minha mão
direita. Com a esquerda puxei um lenço no bolso da calça. Levei ao nariz. Fechei os olhos. Ainda sinto o cheiro do esperma...
Mesmo seco nesse lenço sem vida, consigo senti-lo molhado
como se estivesse em meus lábios.
Minha bagagem deveria ser entregue. Algo rotineiro. O Rio
de Janeiro nunca mais será o mesmo. Deveria eu entregar meu
abraço aquela mulher desconhecida que sorria como uma fada?
Não quero perder meu abraço. Todo sangue esta na mala. Sorri.
Pedaços de lembranças. Devorei seu tronco, devorei seus membros... Não sou um monstro. Eles não existem. Eu sou real.
Todas as fadas estão aqui. Os duendes se colocaram em
guarda. Ao longe avistei o cavalo sangrento. Senti a mão de meu
avô apertar meu ombro. Nunca estive sozinho.
É chegada a hora, não devo fugir, não mais. Esse é meu
conto de Fadas. Eu sou Barba Negra.
Max Millian Rodrigues
[email protected]
Max Millian Rodrigues é graduando de História pela Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Web Designer e se
aventura pela Psicologia. Amante da leitura e escrita, foi editor
da Revista Trilhas da Histórias e vive em Três Lagoas. Ganhador
do Nanowrimo 2012 com a obra “TODODKETAI - Demônios com
Asas” e mantém seu perfil no Wattpad publicando “Maldita Íris
Azul”, uma história de suspense e investigação.
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Conhecer o infinito
além do Azul
Eu sabia desde criança que não há nada mais mágico que
nossa imaginação, tudo estava na minha mente, e tudo que eu
precisava saber continua por aqui, tudo que eu queria que acontecesse, estava lá dentro da minha “massa cinzenta”, como dizia meu pai. O que mais me inquietava, e ainda me deixa muito
pensativo, é que as pessoas não acreditam nisso. Não acreditam
mais em quase nada. Não acreditam em histórias, nem mesmo
nas que aconteceram neste nosso mundo “real”. A realidade,
até onde eu sei, pode ser alterada de acordo com nossos gostos
ou nossas necessidades, mas na nossa imaginação tudo é exatamente como é pensado. Infelizmente existem pessoas que não
querem a magia por aqui, e também existem os que realmente
não acreditam na magia. Não sei dizer qual é o pior caso, não
mesmo.
Recentemente tive a oportunidade de voltar a ser criança,
de verdade!, fiquei até menor do que eu realmente sou, e nunca
me senti tão bem, tão livre, acho que se eu corresse bem rápido
e com uma asa feita de papel eu poderia voar por aí, mesmo sem
o pó das fadas da Terra do Nunca. Aprontei, pintei um gesso de
um pé quebrado que nunca tive de verdade e brinquei com meu
amigo atrapalhado como se não houvesse amanhã. Fui para a
escola, encontrei outros amigos, não fiz a lição de casa, brinquei
com sucata, me apaixonei, e escrevi poesia. Foi tudo tão lindo
de novo. E então eu voltei a ser grande, com a certeza de uma
infância feliz. Duplamente confirmada.
Nunca tive dúvidas, mas é bom reencontrar nosso Eu criança. Nos liberta de algumas amarras adquiridas no processo de
crescimento, pois esquecemos como é acreditar, esquecemos
de dar chances. Somos ensinados que “contos de fadas” não
existem! E isso é muito sério, dependendo de quão importante
a pessoa que te diz isso é para você pode machucar, pode ser
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Allan Lucena
www.umikizu.com
muito mais forte do que um chamado para a “realidade”. Pode
ser fatal para sua criança, e você cresce e se torna um adulto de
repente, muito rápido. E tudo fica azul, perdemos o arco-íris.
Mas sempre há esperança e por isso nos tornamos mães
e pais, para reencontrar a infância e finalmente entendê-la. E,
na medida do possível e até quando for necessário, impedir que
nossos filhos sejam traumatizados com o mundo real, deixar que
aquele pequeno e puro ser possa curtir cada minuto de sua mágica existência de criança. Nada pode ser mais gratificante que
isso. Eu ainda não sou pai, mas me considero pai de mim mesmo,
sou o cara mais velho que consegue levar a minha criança para
fazer tudo que ela sempre teve vontade, mas nunca conseguiu
convencer os adultos de que era forte o suficiente para aguentar! Lembro-me de uma vez que disse que seria um super-herói
e que salvaria a todos da pobreza e das injustiças. Acredite você
ou não, eu consegui convencer meu eu adulto de que isso é possível! E estamos aqui hoje lutando para conseguir nosso sucesso.
Hoje eu continuo acreditando nas histórias de magia, em
bruxos e feitiçaria, em todas as capacidades escondidas que todos nós, adultos ou crianças, temos dentro desse corpo frágil e
cheio de esperanças. Com forças sobrenaturais, poderes mágicos ou só as habilidades comuns de cada um, eu sou capaz de fazer coisas incríveis. E tenho que agradecer ao menino que ainda
vive em mim, sempre me dando muita energia para me ajudar a
viver, me guiando com sua sabedoria singular e inesperada para
conquistar os meus sonhos, e no caminho, fazer os dele cada
vez mais reais, mesmo aqueles nascidos da imaginação.
Se existe uma só coisa da minha infância que eu pudesse
mudar, não seria ter os presentes que não ganhei, apesar de
ainda querer muito um robô que não consegui aos 11 anos; não
gostaria de ser mais forte e ter mais amigos, afinal de contas,
os amigos que tive ainda estão por aqui, junto comigo; o que eu
pediria era conseguir voar, e desbravar o céu e seu eterno azul,
que me impede de ver o infinito.
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Era uma vez
Elsen Pontual
I.
Alguém um dia disse que a vida de um homem não deve
ser medida em anos, mas sim, em arrependimentos. Hoje não
tenho dúvida de que sou velho, pois possuo um bom número de
ambos. Agora que o restante de meus dias pode ser facilmente
contado no queimar de uma vela, e que meus próprios pecados
já estão esquecidos, pretendo revelar toda a verdade sobre o
mais insólito evento que me ocorreu nesta longa e penosa estada no mundo. Portanto, sente-se e feche a janela. O ar noturno
está trazendo fantasmas e essa história não é para os ouvidos
dos mortos.
Tudo começou nos distantes Reinos do Leste, meu trabalho como mercador me levara a explorar as ricas cidades às margens do Grande Deserto em busca de especiarias tão exóticas
quanto os pensamentos de uma cortesã e de sedas ainda mais
macias que os sonhos de uma criança.
No início, a sorte me sorrira com ternura e em poucos dias
eu já cumulara uma pequena fortuna em forma de inebriantes
temperos e tecidos coloridos. Feliz com meu próprio sucesso,
resolvi comemorar ao modo dos nativos e entornei diversas doses de uma estranha bebida purpúrea, destilada de uma flor local. O sabor rico e elegante me cativou de imediato e, antes que
pudesse perceber, já abandonava a consciência em favor de um
mundo de sonhos fantásticos e deliciosos delírios.
Era noite alta quando acordei. Sentia um incômodo pesar
na minha cabeça, e uma ainda mais incômoda sensação de leveza nos bolsos. Como já ouvira uma dúzia de histórias terríveis sobre a crueldade dos ladrões da região, ainda zonzo, tateie com
meu corpo em busca de ferimentos. Por fim, respirei aliviado
quando minhas mãos voltaram tremulas, mas livres de sangue.
Lutando contra o torpor que se apoderara dos meus músculos,
apoiei-me na areia fina e estranhamente gélida do chão e, com
extrema dificuldade, pus-me novamente de pé.
Só então percebi onde estava.
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A
14
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Facebook: Elsen Pontual
Twitter: @elsenpontual
Pernambucano
de Olinda,
contador de
estórias por
vocação, tem
no fantástico
e insólito seus
mais fiéis
companheiros.
Membro
convidado
do site @
Irmandade,
tem contos
publicados
nas antologias
Dragões (Draco,
2012), Contos de
Oficina (Bagaço,
2012), Contos
Fantásticos
- Desafios
literários
(ebook), Tomos
Fantásticos
(9Bravos,
2013), Conte
Uma Canção
(Multifoco,
2014) e Contos
da Irmandade
(CBJE 2014)
Um manto negro, pontilhado por infinitas estrelas, se estendia sobre todo o firmamento, finamente coroado por uma
lua que brilhava tão cheia e prateada que emudeceria até mesmo o mais lírico dos poetas. Abaixo do céu, a imensidão vazia
me cercava com imponência e para todas as direções que olhava, apenas o deserto me envolvia a vista. Antes de me desesperar e me considerar irremediavelmente perdido, busquei no
mapa celestial as constelações conhecidas, mas aquelas estrelas
não se pareciam com nada que eu houvesse visto antes. Brilhando com uma intensidade ímpar, eram como enormes fogueiras
azuis e prateadas que se recusavam a tomar as formas do zodíaco, organizando-se num caos pouquíssimo auspicioso.
Ainda confuso, comecei a caminhar a esmo, deixando que
o vento frio e cortante ditasse a direção da minha marcha. Não
precisei de muito tempo para perceber que essa não fora uma
boa ideia e já estava preparado para seguir de volta minhas próprias pegadas, quando vislumbrei uma tênue luz a brilhar no alto
de uma duna. Sei que o bom senso e a prudência nos ensinam a
não seguir luzes estranhas em desertos sombrios, mas, naquele
momento, o desespero era um conselheiro muito mais eloquente.
Escalei com certo esforço a montanha de areia e descobri
satisfeito que o brilho provinha de uma pequena fogueira de
acampamento e que ao redor da mesma havia um inusitado grupo de companheiros. O primeiro era um homem de pele queimada e nariz adunco, tinha o rosto sério e um porte nobre, apesar
de se vestir como os beduínos locais. Ostentava um pequeno
turbante e parecia estar bem à vontade na noite fria do deserto.
Como um contraponto a essa figura, sua companheira era
uma mulher belíssima com traços claramente europeus e longos cabelos da cor do trigo recém colhido. Vestia-se à moda da
corte, apesar de seu belo vestido branco apresentar diversos
rasgos e remendos, e seus olhos, de um azul invernal, fitavam o
horizonte com notável indiferença. Também estava lá o que de
início pensei tratar-se de um cão magro, mas que logo percebi
ser um mestiço de coiote, provavelmente a fera de estimação
do homem de turbante. Fora justamente o animal, o primeiro a
notar minha presença.
Ao ver que o canino levantara as orelhas e olhava na minha
direção, o homem de pele escura pôs-se de pé, tão veloz quanto
o vento que nos soprava, e levou uma das mãos à cintura bus15
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cando o cabo de uma bela espada de lâmina curva. No entanto,
ao me ver, seu semblante desanuviou e toda belicosidade desapareceu nas linhas da sua face. Sorrindo, ele voltou a se sentar,
fazendo gestos para que me juntasse a eles próximo ao fogo.
Diante da minha inatividade, falou com voz de barítono:
— Venha, sahib, você não perdeu nada, estávamos prestes
a começar.
Ainda bastante confuso e inseguro, ousei me aproximar e
sentei-me à direita da dama e de frente para o cão. Todos os três
me olharam com obvio interesse, mas nada disseram. Então me
senti no dever de me apresentar.
— Meu nome é... — comecei a falar, mas foi bruscamente
interrompido pelo homem de turbante.
— Onde estão seus modos, sahib? — disse ele. — Acaba
de chegar e acha que vai ser o primeiro? Não vê que temos uma
dama? Dela deveria ser a vez.
— Desculpem-me! — apressei-me em dizer. — Não conheço seus hábitos e não quis ofender ninguém...
— Não tem problema! — voltou a me interromper, desta
vez sorrindo. — Nenhum mal foi causado e nós, os desgraçados,
devemos nos unir. Agora façamos silêncio que já passa da hora
de começar. Minha dama, se tiver a bondade...
Com um aceno de cabeça, quase imperceptível, a jovem
mulher se ergueu com a delicadeza de uma rainha, limpou o pó
do desgastado vestido e, com a voz mais doce que já se ouviu
embaixo do céu, começou sua magnífica e extravagante narrativa.
— Meu nome é Izabella D’Aligeri e sou filha da sereníssima
cidade de Veneza. Corre em minhas veias sangue tão nobre e
antigo que meu estimado pai teve seu nome considerado para o
assento do Doge. Mas é claro que ele não foi nomeado, seu vício
no jogo nos roubou também esta honra.
II
Apesar de seu bom coração, meu pai tinha uma enorme
fraqueza pelas cartas e, ao tempo de meus quinze anos, nossa
antes incalculável fortuna havia escorrido por entre as mesas
dos bares e salões de carteado. Minha mãe há muito nos deixara
e só podíamos contar um com o outro.
Ao menos, era isso o que eu imaginava.
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Em uma tarde quente de primavera, meu pai me procurou,
todo sorrisos e gentilezas, então disse com voz serena:
— Minha filha, nossos problemas estão resolvidos! Arranjei-lhe o casamento perfeito. Alegra-te que, esta noite, teu pretendente, Giuseppe, vem nos visitar!
Quase me desmanchei em lágrimas ao ouvir aquelas palavras, mas não havia qualquer vestígio de alegria em minha
reação. Todos sabiam que Giuseppe, também conhecido como
“Príncipe”, era o mais velho e nojento usurário de toda Veneza e
nenhum pai teria orgulho de ver sua filha unida a ele. Desta forma, isso só poderia significar uma coisa: meu pai pegara dinheiro
emprestado com o Príncipe e me oferecera como garantia de
um pagamento que, todos sabíamos, jamais viria a acontecer.
Corri para o meu quarto e chorei de tristeza e desilusão até
que, em fim, fui vencida pelo sono. Quando a noite caiu, ouvi
vozes no andar de baixo e percebi que o meu “príncipe” já havia
chegado. Por um momento desejei poder não acordar e viver
eternamente nos meus próprios sonhos. Ouvi meu pai me chamar e a risada desagradável do meu pretendente e decidi:
Jamais acordaria.
Cerrei os olhos com força e não me movi quando a criada
veio me acordar, não levantei as pálpebras quando ela me sacudiu pelos ombros e nem quando meu pai e Giuseppe entraram e
berraram por mim. Permaneci imóvel como um cadáver quando
o médico da família me examinou e não voltei a me mexer até
estar novamente sozinha no quarto. Furtei um pouco de comida
e água e voltei para a cama. No dia seguinte, repeti este ato.
Assim, meses se passaram sem que ninguém me visse acorda ou conseguisse diagnosticar a moléstia da qual sofria. Ouvi
a criada dizer, enquanto banhava meu corpo “dormente” que
na cidade todos me chamavam de “Bella, a adormecida” e que
haviam feito um jogo de apostas sobre quando eu despertaria.
Tristemente, o único pensamento que e veio à cabeça foi: quanto será que meu pai apostou?
Não preciso dizer que tipo de inferno minha vida se tornara, fingindo dormir durante todo o dia e me esgueirando a noite
em busca de parcas refeições. Para piorar, Giuseppe me visitava
toda a semana na esperança de me ver despertar e juro, mesmo
de olhos fechados, eu podia sentir a lascívia daquele velho cafajeste.
Portanto, não foi surpresa alguma quando, em uma noite
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sem lua de outono, o maldito usurário tentou forçar seu corpo
contra o meu. O desgraçado esperou até que meu pai adormecesse e tirou em silêncio suas próprias vestes. Quando senti o
hálito asqueroso daquele velho e o toque áspero de sua pele
contra a minha, não pude mais manter a farsa.
Em um lampejo de força, busquei o objeto mais pontiagudo que pude encontrar, uma agulha de tricô que a criada deixara
ao lado de minha cama, e o cravei com brutalidade no pescoço
do atônito agiota. Confesso que sorri quando vi aquele verme
engolfar-se em seu próprio sangue.
Banhada pela vergonha do assassinato e temendo a cruel
justiça dos homens, deixei a cidade na calada da noite e nunca
mais cruzei os canais da Sereníssima.
Desde então, minha vida é a Eterna Fuga...
III
Fiquei deveras impressionado pelo relato da jovem e minha
cabeça fervilhava com perguntas, mas antes que pudesse abrir a
boca, o homem de turbante se ergueu e falou majestosamente:
— Meus caros, aqueles que hoje veem minha pobre e humilde figura, não imaginam que um dia eu já fui um príncipe.
Mas não se enganem, eu não era um daqueles monarcas gordos
e flatulentos que ocupam seu tempo com banquetes e orgias,
meu nome é Ali Ib Abha e eu era o Príncipe dos Ladrões!
IV
Meus súditos eram também meus irmãos e juntos formávamos os 41 patifes mais felizes de Bagdá...
Bagdá, oh Bagdá! Nenhuma cidade no mundo pode compara-se a ti, com teus mercados repletos de cheiros e teus labirintos de vielas sombrias, onde um homem pode, igualmente,
encontrar o amor na ponta de uma faca, ou a morte em um doce
beijo e letal!
A vida na maior cidade do mundo era tranquila para um
canalha como eu, as bolsas eram cheias e os guardas preguiçosos. Em suma, tinha tudo que sempre desejara. Mas o destino
é lobo matreiro e espreita o homem no seu momento de maior
fraqueza.
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Estava eu a perambular entediado, quando vi uma bela jovem de véu negro e olhos cor de esmeralda me chamar para as
sombras de um beco. Não estranho as cortesãs e seus modos
ousados, adotei meu gingado mais sedutor e a segui, antecipando prazeres indignos de serem mencionados na frente de uma
dama. Sua oferta, no entanto, estava bem aquém das minhas
expectativas.
— Ali, Príncipe dos Ladrões... — disse ela, oferecendo-me
um pergaminho. — Que tal se tornar o homem mais rico de toda
Bagdá?
Acostumado com toda a sorte de trapaceiros, dei de ombros e aceitei apenas para ver até onde aquela conversa me levaria. Desenrolando o papel, descobri tratar-se de um mapa das
regiões próximas à cidade. Quando voltei a erguer os olhos, a
misteriosa dama já não estava mais ali.
Tomado pela curiosidade, dirigi-me sem demora para onde
havia uma marcação no pergaminho e, lá chegando, não pude
esconder a minha frustração. Não havia nada no lugar além de
um grande paredão de pedra bruta assomando-se no horizonte
vazio do deserto. Olhando novamente para o mapa, percebi alguns rabiscos escritos e, apenas por descuido, os proferi em voz
alta.
— Abre-te, Sésamo!
Então, deu-se a maravilha! Uma grande caverna se abriu no
rochedo, como a boca de um gigante a bocejar, e dentro dela
havia uma infinidade de tesouros. Ouro, joias, tapeçarias... Mesmo que todos os sultões juntassem suas fortunas, ainda passariam vergonha diante de tamanha riqueza!
Corri como um louco para o interior da estranha caverna,
ignorando que seu solo era macio e molhado e as paredes revestidas de um couro rosado quase pulsante. Mal havia tocado
as primeiras moedas e a entrada novamente se fechou. Com o
coração batendo forte dentro do peito, ouvi o ribombar de uma
risada maléfica e entendi o que me ocorrera. Eu estava no estômago de um Djim, um demônio do deserto.
Porém, antes que a besta começasse a me banhar em seus
sucos digestivos, tive a ideia da qual me envergonho até hoje.
— Então serei devorado? — perguntei sorrindo para a escuridão. — Que tolo é o demônio que troca a refeição de quarenta homens por um mero petisco magricela!
Serei breve quanto ao resto. O Djim me obrigou a firmar
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um contrato de sangue e, pela salvação da minha vida, atrai
cada um de meus irmãos para a boca maléfica da fera. Depois,
corri da vergonha e dos fantasmas de quarenta ladrões que me
perseguem todas as noites.
Desde então, minha vida é a Eterna Fuga...
V
Por fim, ele voltou a se sentar e escondeu o rosto nas palmas das mãos. Pensei tê-lo ouvido soluçar... Só então, percebi
que o silêncio se estendera como uma mortalha sobre nossa pequena reunião e entendi que era chegada a hora de compartilhar
minha própria história. Relembrei com vergonha o meu passado
e estava prestes a me levantar e confessar meus pecados mais
infames àqueles estranhos, quando o impensável aconteceu.
O cão levantou a cabeça e começou a falar.
— Não tenho nome, assim como meu pai também não tinha, mas digo com firmeza a todos aqui: jamais confiem em garotinhas com capuzes vermelhos!
VI
A diabinha tinha um rosto angelical, belos cabelos castanhos e a voz de um rouxinol. Na verdade, nem era tão garotinha
assim, devia ter uns quinze anos, mais ou menos. Para mim é
difícil definir a idade dos membros da sua espécie.
— Venha para a casa da minha avó comigo, seu lobo —
disse-me a menina.
Respondi que não era lobo algum, mas ela insistiu.
— Não tem problema, só preciso que você me proteja na
floresta e quando eu entregar esses doces a minha vovozinha,
ela vai ficar tão feliz que vai passar um bife na manteiga para
você.
Eu já havia dito que ela estava carregando uma cestinha de
doces? Lembrem-se disso, é importante.
Assim, tomamos um atalho que ela conhecia e chegamos
ao cair da tarde na casa da maldita avó. Sei que contamos riqueza de uma forma diferente, mas até um cão podia dizer que a
velha era rica. A casa estava repleta de badulaques de ouro e
prata, e não havia uma única prateleira sem delicadas peças de
porcelana.
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A senhora, que mais parecia uma montanha de tão gorda,
nos recebeu com desagrado, mas mudou a expressão quando
viu os doces. Fomos para a sala de jantar e a velha não esperou
um segundo para começar a devorar os quitutes da cesta. Qual
não foi minha surpresa, quando a menina começou a berrar coisas sem o menor sentido.
— Vovó, que olhos grandes você tem!
Realmente os olhos da velha estavam meio esbugalhados...
— Vovó, que nariz grande a senhora tem!
Desta vez eu discordei. O focinho da velha era bem pequeno.
— Vovó, mas que boca grande você tem!
Quando fui reparar na boca da idosa, vi que ela não estava
mais mastigando há um bom tempo e que parecia até não estar
respirando também. Olhei de volta para a menina e tentei avisar.
— Menina — disse eu — Acho que sua velha está...
— SOCORRO! — berrou a maldita a plenos pulmões — Um
lobo está tentando comer minha avozinha!
O idiota aqui até olhou para os lados procurando o tal lobo.
Depois, a única coisa de que me lembro foi um gigantesco lenhador entrando com um machado descomunal e partindo para
cima de mim com fúria nos olhos. Escapei por uma janela e corri
como um desgraçado! Corri por três dias e, se não tivesse desmaiado, estaria correndo até hoje!
Dias mais tarde, soube que a “doce” garotinha havia se casado com o lenhador e, juntos, agora administravam a fortuna
da falecida avó...
Não aguentei de curiosidade e interrompi o relato do cão:
— E o que aconteceu? — perguntei sinceramente intrigado.
— O que você acha, seu imbecil? — respondeu o canino
mal humorado. — Eles foram felizes para sempre!
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Era uma vez,
uma menina que cresceu
Não minta guria, queres também encontrar o teu príncipe, sei também que queres ser livre, que essas estorinhas de
criança ficaram para trás, levando, felizmente, os ensinamentos
que pareciam sempre iguais, exceto os cabelos simétricos e os
vestidos das princesas. Aqueles conselhos narrados envoltos a
amores e aventuras, mostrando repetidas vezes, que apesar de
tudo, o bem sempre vence. Parece idiotice, e para alguém tão
prematuramente velha como eu, um simplório em demasia, porém ensinou que é possível ser doce e forte, que bravura não é
característica exclusiva de grandes guerreiros, nobreza não é só
para quem têm castelos e cavalos selados. Mostrou-nos como
ser grande, mesmo que pequena. A menina cresceu e ao invés
de beijar, acaba por engolir alguns sapos, as prioridades mudaram o feliz para sempre assusta mais que a reunião importante
com os diretores da matriz. Mas esse coraçãozinho ainda palpita
e sonha. Então menina, sonhe...
Libertou-se sem perder a ingenuidade, tendo lá no fundo a
certeza que uma hora ou outra necessita ser pares. Os tempos
podem até transformar, nunca o suficiente para a menina deixar
de acreditar na magia. Desconfio que estórias de amor e suas
desventuras ainda vendam mais que tabloides, porque quando
estão sozinhas podem despir das armaduras de mulher moderna. É só prestar atenção na popularidade dos livros do Sparks.
Isso não pode ser coincidência, certamente não compram os livros para enfeite, as pessoas naturalmente são clichês, principalmente nas relações amorosas e a necessidade de dividir sonhos,
lençóis, meias e a comida congelada da madrugada. Não vejo
qual a indigência de limitar sentimentos, numa tentativa estupida de ser forte negando a alma mui particular que todos temos;
em que ponto chegamos? Em tempos modernos onde o amor
virou coisa, opta-se em comprar do que viver. Pela comodidade
ou por medo?
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A mocinha percebeu que esperar a salvação, além de ser
tedioso é o grande ato falho da sociedade e hoje se arrisca em
botequins de esquina lançando-se de bandeja na vida, sem
medo, pudor ou frescurites, sabe que a vida é bem mais divertida quando se conquista seus próprios objetivos, sem depender e ou acreditar que um beijo apaixonado de um homem, com
uma legging mais justa que o saldo de minha conta bancária, irá
resolver todos os seus problemas. Ela sabe que tem de ir à luta,
que essa perfeição de felicidade eterna nada mais é que mercadoria com um excelente marketing comercial. A duras penas
aprendeu que a alegria independe de alguém. Na verdade é o
tipo de coisa que estar mais ligada com quem somos e o que
fazemos diante de nossas escolhas. Todo o resto é somente besteirol americano para um sábado à tarde;
Nessa de ir coisificando sentimentos, desejos e sonhos,
numa forma perigosa de levar a vida, estamos cada dia mais superficiais, mais solitários. Com essa ilusão de estar conectados
com o mundo. Assistir a vida pela tela do Smartphone parece
uma alternativa para não se machucar. Felizmente, ainda existem plebeias com mãos que insistem em dá carinhos, mesmo
que com alguns calos aparentes. Mulher tem disso, jeito camaleão. Ora frágil. Ora viril. Menina doida querendo um dengo, loba
velha seduzindo corações de pobres coitados e ingênuos em
acreditar que um mundinho perfeito de fantasia seria suficiente
para entender as linhas tênues e tortas do mapa de uma mulher.
Na prateleira cabem, agora, as libertinagens do velho Bukowski,
mas sempre haverá espaço para os sonetos do Poetinha.
Tatiana Martins
[email protected]
“Escrevo como hobby, refúgio, desabafo, qualquer coisa. A
escrita é meu jeito de transbordar, mesmo que em outras vidas,
estórias, amores... Sou do tipo sóbrio, mas que está sempre com
vontade de beber mais um pouquinho. uma alma que acredita
no melhor, um coração de menina levada e uns sorrisos - por
vezes - sinceros.”
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Fábula sobre o ninguém
a dor e o amor
- Hey, você! Isso mesmo, você!
- Eu?! Deve estar me confundindo com alguém... Só pode!
- Não, é você sim! Não me enganas mais, apesar das mentiras, máscaras e trajes fantasiosos que ousas usar para esconder
sua fronte!
- Sim, uso isso tudo, posso ser sua pior amiga ou sua melhor
inimiga. Mas não conheço você, quem ousaria tanta petulância?!
- Você me conhece, pois sou o Ninguém, um dos seus escolhidos. Pior que “A Escolha de Sofia”, é ser alvo de teu desejo.
Você é a Dor, que há algum tempo me escolheu sem mandar
recado.
- Escolho apenas os fortes, os corajosos, gosto de desafios.
- Quem te disseste que sou forte e bravo, como um touro?
- Ouvi dizer, resolvi chegar perto, seria uma boa aposta.
- Oh, que belo objeto de aposta hein! Apostou o Ninguém
com quem?
- Apostei com alguns por aí.
- Já sou Ninguém, eis que pelo menos respostas sois merecedor!
- Eu, a Dor, apostei com o Mundo, com a Vida, com o Amor
e mais alguns aí, que eu conseguiria chegar até você e te dar
algo em troca...
- Sei. Que interessante relato, chegar e me dar algo em troca. Precisaria eu, de mais o quê? Em vez da troca, tenho o troco,
o que sobra do objeto principal das relações que vivemos.
- Verdade, você assim permeia nessa existência desde sempre. Por exatamente conduzir-se pelo troco, achei que seria forte, para que eu chegasse com uma bela veste e um belo rosto.
- Pois é, você chegou e desnudou-se, ficou aberta, nua,
crua, mais forte, mais fulgorosa, mais, mais, mais...
- Olha lá, não diga mais atrocidades Ninguém. Cheguei,
pois me alimento da força, da coragem, pois meu relógio está
contando. Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
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- Como assim contando?
- Venho à sua morada, mas sou viajante. Algo deixarei com
você e algo deverá ir comigo.
- Mentiras, mentiras, mentiras, é só o que ouço. Não sou
forte, não sou corajoso e não tenho nada para levar consigo.
- Sei mais de ti do que todos os outros apostadores. És forte pois diariamente a tristeza está por aqui, o turno dela acabou,
aliás, ela nem na aposta está. És corajoso, pois enfrenta os outros apostadores, o mundo, a vida.
- E o amor?
- Ah, o amor está em todas as coisas, em todo o lugar, em
todo tempo, a todo momento. Com ele não dá para apostar,
nem dá expediente certo. Ele flui pelo tempo, pelo espaço, pelo
etéreo.
- Mesmo eu sendo a Dor, posso não doer. Já a amiga tristeza, essa daí, me chama para os programas mais furados, sempre
exagera e faz vergonha. Traz até o choro, acredita?
- Sei exatamente, são como unha e carne, siamesas, não se
largam. Mas teu caminho de Dor não é muito diferente.
- Claro, meu querido. Ora pois, hoje estou despida, sem
máscaras, vestes, sem mentiras. Você sabe que sou como Nova
York, nunca durmo.
- Sim, nunca adormece em meu ser, sempre ali, aqui e cá,
presente e prisão.
- Eu não largo os meus...
- E eu não aguento mais.
- Pois bem, para eu ir embora tenho que deixar algo e levar
algo comigo, o tempo se esgota.
- O que queres do Ninguém?
- Hahahahahaha, de ti, não quero nada. Eu que te pergunto, o que posso levar seu comigo?
- Sou Ninguém, mas você disse que tenho força e coragem,
certo? Pode levar...
- É... Mas tem outras coisas e eu quero ganhar a minha
aposta.
- Você indo embora com algo meu, não voltará mais?
- Bem, digamos que só volto se você pedir ao mundo e a
vida com muita força e coragem.
- Como assim?
- Queridinho, eu quero levar algo para não voltar. Prometo
que também deixarei uma coisinha.
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- O que queres para ir de vez infeliz?!
- Hahahaha, eu sobrevivo da sua infelicidade, gracinha. Que
apelido carinhoso!
- Vais embora, eu imploro! Tenho tristeza, tenho choro, não
tenho amor.
- Opa! Esse último aí você ainda tem, mas não foi disciplinado. Está fluido demais, deixou você assim, apenas forte e corajoso, para eu chegar. Eu quero o seu amor.
- Não! Ele me dá algum troco de vez em quando, para viver.
- Viver? Você não vive, és um espectro da tristeza, do amor
desorganizado e sempre está comigo.
- Mas a vida não apostou com você?
- Apostou. Por isso levarei seu amor, o do seu coração. O
que te dá os restos para sobreviver, ficará. Ficarás com muita
coragem, força e os teus trocos de amor que a vida ainda te deixa ter. Mas irei embora e levarei seu coração, e com ele, o mais
profundo amor. Deixarei para você a paz.
- Paz sem amor?!
- Sim. Ou prefere que eu não leve o amor, mas leve a sua
vida? Você é o Ninguém.
- Por quê não pode ser diferente? É injusto.
- Ah, fala para o mundo e para a vida o que é justo meu
querido. É justo eu ter que apostar com eles, ter que estar aqui
com você? Não, não o é! A única coisa justa era eu não precisar
ter que vir aqui.
- Por quê?
- Não queria estar fazendo esse trabalho. Você não merece
tanta dor da vida e do mundo. Só vou embora, se Todo amor que
houver nessa vida chegar agora.
Igor Freitas
[email protected]
“Estudo Relações Públicas na UERJ. As paixões me envolvem,
o Cinema, a Fotografia, a Literatura e as Artes. Com a poesia, o
conto e a crônica, deixo as letras se emaranharem. Com o doce,
a acidez e o amargo, aprendo que a vida agridoce tem um sabor
maravilhoso, é gosto de gente, de palavra, de olhar, de se levar.
E assim me levo por ela, um pouco artista, um pouco arteiro”.
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Imagem: Lizie Evangelista
A evolução dos
contos de fada.
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ranca de Neve, Cinderela e A Bela
e a Fera são histórias conhecidas
no mundo todo. Os contos de fada
povoam a nossa imaginação desde
que nos foram apresentados, seja
através de livros, peças de teatro,
jogos ou animações da Disney. O
que faz deles tão amados e revisitados é o seu ambiente fantástico e
sua ligação com a infância das pessoas - muitas vezes, esse é um dos
primeiros gêneros com que as crianças tem contato. Ligados à cultura
oral, são narrativas de tradição coletiva, transmitidas de geração em
geração. Com a chegada do livro,
esses contos foram reunidos em
coletâneas. Nomes como Perrault,
Hans Christian Andersen e os Irmão
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A
Grimm são famosos por terem colocado no papel essas histórias que
encantam até hoje.
A força dessas narrativas não
se encontra apenas em suas expressões literária e oral. O gênero tem
também autoridade visual. Um dos
exemplos mais significativos é o
conjunto de desenhos animados da
Walt Disney baseados em contos de
fadas: Cinderela, Branca de Neve, A
Bela e a Fera, A Pequena Sereia, e vários outros filmes da produtora são
sucesso até os dias de hoje, assistidos por pessoas de todo o mundo.
Diferentes versões se multiplicam
continuamente. Nos últimos anos,
histórias como a de Alice no País das
Maravilhas e Branca de Neve foram
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Foto: Mayara Barros
Lana Parrilla, Sean Maguire e Rebecca Mader na coletiva de imprensa do evento Ever After
recontadas em versões hollywoodianas.
Outros filmes e séries sobre as “princesas
da Disney” estão no processo de construção. Vemos os contos de fada inundarem as telas dos cinemas e das TVs em
filmes como Deu a Louca na Chapeuzinho
(2005); A Garota da Capa Vermelha (2011);
Espelho, espelho meu (2012); Branca de
Neve e o Caçador (2012), Malévola (2014),
Into the Woods (2014) e Cinderela (2015).
Essas histórias são revisitadas e reinterpretadas, atualizando o conteúdo.
A forma de contar mudou com as novas
possibilidades tecnológicas que surgiram
com o tempo. Na atualidade, os produtos
culturais estabelecidos pela mídia mantém uma relação com as mudanças da sociedade, acompanhando as transforma29
A
ções culturais. A mídia abrange questões
que espelham o cotidiano, estabelecendo
uma identificação do telespectador com
o produto, visando aproximar a ficção da
realidade e imergir o público no universo
apresentado.
Partindo do princípio dos contos de
fadas, sua função é prover a imaginação e
a esperança em relação ao futuro, a crença no “bem sempre vence” e na possibilidade de finais felizes. Foi-se o tempo em
que a Branca de Neve precisava de um
príncipe encantado para salvá-la da bruxa
má; hoje em dia, ela mesma se defende.
As princesas do século XX vão atrás do
que almejam, vão à luta.
Um exemplo dessas releituras é a série Once Upon a Time, em que os personajul/ago 2015
Divulgação
gens dos contos de fadas são trazidos ao
mundo real pela maldição da Rainha Má,
e vivem suas historias aqui, enquanto o
mundo encantado serve de pano de fundo para explicar a origem deles. O seriado
é um exemplo de como esses contos são
reinventados na atualidade; seus personagens ganham motivos e passados para
explicar suas ações; contos antes isolados
entre si, são unidos numa trama que já
avança para sua 5ª temporada, prestes a
estrear nos EUA. A produção mostra que
não há idade ou tempo de validade para a
fantasia criada por esse gênero tão queridos pelos fãs.
Atores da série, Lana Parrilla, que interpreta Rainha Má; Sean Maguire, o Robin Hood, e Rebecca Mader, que dá vida
à Zelena, a Bruxa Má do Oeste, estiveram
no Rio de Janeiro no final de junho para
participar da convenção Ever After. Durante a coletiva de imprensa do evento,
eles responderam perguntas sobre o futuro da série e seus personagens, dizendo
não saber aonde os roteiristas pretendem
Ever After aconteceu nos dias 27 e 28 de julho
no Rio de Janeiro
levá-los. Lana garantiu que prefere assim,
pois pode descobrir a história junto com
sua personagem. Sua Rainha Má talvez
seja o melhor exemplo sobre a contemporaneidade dos contos: originalmente
odiada, passou a personagem querida e
com grande torcida dos fãs pelo seu final
feliz e amor verdadeiro.
Mayara Barros
[email protected]
Claudia Bianco
[email protected]
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O conto que
me contaram
Era uma vez uma rainha que por muitos e muitos anos reinara nas terras distantes de Tropicalis, uma região encantada,
rica e próspera, de natureza exuberante, recheada de lendas e
muitos contos de fada. Certo dia, uma longa batalha se iniciou
pela tomada do trono, por conta da aparição de um irmão mais
novo de vossa Majestade, que outrora fora dado como morto,
mas agora voltara reivindicando o reinado. O povo ficara dividido e a rainha, que não esperava por isso, se pôs em guerra contra o intrometido derrotando-o.
Seu outro irmão, por parte de pai, mais um rival a pleitear
seu reinado, sofreria um pouco antes, uma queda a cavalo que
lhe seria fatal. Assim, com o caminho livre, a rainha, que segundo contam chamava-se Maldis de Parks, pôde dar continuidade
ao seu governo sem nenhuma ameaça.
Para seus muitos súditos que carregavam a bandeira rubra
do reino, foi a glória! Para os seus opositores, a maldição! Maldição essa que viera daquele que no passado figurou em várias
camadas da corte até ser coroado com o apoio do próprio povo.
Seu nome era Alul Siul.
O Rei Alul Siul, foi um dos mais populares de todas as dinastias. Era conhecido como mágico e espírito de pirata! Fazia
contas mirabolantes com as mãos, embora nelas não se contasse todos os dedos, pois lhe foram perdidos em uma batalha na
floresta de Metalul, quando um terrível tucano selvagem os arrancou, enquanto estava de tocaia no aguardo para o combate.
Alul, quando jovem, ficara conhecido por ser muito pobre,
e por sua luta contra os decretos firmados pelos Reis da época.
Residia em um pequeno vilarejo, mas sua casa era a floresta de
Metalul. Ali promovera muitas emboscadas contra guarnições
de soldados reais.
O reinado de Roloc Lome, o mais cruel Rei de todos os tempos, arrogante e amado por mulheres de vários reinos, mestre
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em lutas e muito inteligente, foi marcado por uma decisão que
acenderia a ira do povo e promoveria sua queda. O Rei mandara
confiscar várias propriedades, muitas de camponeses que só as
tinham para plantio e sustento próprio. Isso foi a gota d’água
para o povo, que não aguentava mais a corrupção e a tirania do
Rei. Uma rebelião foi armada, tomado foi o palácio, e Roloc então fugiu derrotado. Um reinado provisório fora estabelecido,
e mais tarde, como todos um dia sonharam Alul Siul, o grande
espírito de pirata, tornou-se Rei, reinando por muitos e muitos
anos. Mas um dia, em um golpe de seus inimigos de reinos próximos, Alul foi aprisionado e posteriormente morto.
Muito tempo se passou e muitos reis governaram; alguns
depostos, outros mortos, mas a história de Alul era sempre viva.
Alul, que fora enforcado em praça pública, carregava consigo
uma pequena garrafa de metal, presa em um cordão que ele
mesmo, habilidosamente, fizera. Quando estava para ser executado, colocou-a em sua boca e, em suas últimas palavras,
prometera que seria eterno e voltaria um dia para se vingar dos
inimigos e retomar o poder. No momento que a corda apertou
o seu pescoço, um tucano selvagem pousou no mastro de sua
forca. Parecia-lhe aos olhos, em seus últimos momentos, aquela
mesma ave selvagem, que no passado lhe arrancara alguns dos
dedos naquela mórbida batalha.
Diz a lenda que após seu enforcamento, Alul aparecera
várias vezes no palácio, assombrando todos os reis que por ali
passaram, sempre com aquele cordão de garrafinha metálica na
boca. Apavorados, todos os reis procuravam a ajuda de bruxos,
que preparavam poções mágicas no intuito de protegê-los do
fantasma de Alul.
Maldis, uma pequena jovem que viera de outro reino bem
distante, sempre escutava de sua avó, essa magnífica história, e
não se cansava de admirar aquele que, para ela, não era apenas
um rei, mas o seu verdadeiro príncipe encantado, a quem ela
esperava que reaparecesse em carne e osso um dia e a pedisse
em casamento.
Certa vez, um grande baile fora promovido pelo então Rei
Fernandis Heroclises nas dependências do palácio, em comemoração ao sucesso de um plano real de ataque a salteadores; homens vis e viris que vinham assolando aquelas terras há algumas
décadas, dando muito prejuízo a Coroa. Na lista de convidados,
figurava o nome da jovem Maldis. Com um lindo vestido vermejul/ago 2015
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lho, ficara deslumbrante, mas no baile, durante toda a noite,
não conseguira ver ninguém dentre os jovens condes, príncipes
e cavaleiros, que preenchesse seu coração. Ninguém. Então, ela
isolou-se em um canto, ao lado de um enorme quadro do famoso pintor Janius Piaçavis, que segundo a lenda, antes de pintar,
fora um rei que enlouquecera e renunciara ao trono. Por muito
tempo, Janius carregava uma vassoura que a chamava de “Grande pincel’ e com ela fez obras maravilhosas.
Sentou-se Maldis debaixo daquela intrigante pintura, recostando seu corpo em uma coluna de pedras decorativas. Pensou, pensou e adormeceu. E eis que uma pequena criatura com
uma vasta barba, falando coisas um pouco desconexas (sua língua parecia pedir liberdade) e com uma voz rouca, sussurrara
então ao ouvido da pequena Maldis: “Segure esse cordão com
essa garrafa mágica. Através dela conseguirás força para conquistar o reino. Então, terás poder e teu povo, temor”. Assustada, ela acordou e fugiu daquele sonho estranho. Voltou para
casa triste por não encontrar um amor e confusa por ter sonhado com aquele duende de fala engraçada.
Ao chegar, Maldis se despiu, e para sua surpresa dentro de
seu vestido, estava aquele cordão com a garrafinha de metal.
Tudo que ouvira de sua avó era verdade! Alul voltara! Aparecera como um duende em seus sonhos, mas deixara algo real em
suas mãos.
As profecias de Alul prosseguiram em cumprimento, e Maldis tornou-se rainha, a Rainha Maldis de Park de Tropicalis. E, por
meio dela, Alul pode vingar-se dos seus inimigos.
Em seu longo reinado, sempre que em apuros, Maldis invocava pelo duende Alul, que, embora não mais aparecesse a
ela, sempre lhe indicava o caminho a ser tomado para governar
Tropicalis. Também os bichos da floresta eram os mensageiros
do duende. Ele enviava pelas aves o pó mágico e invisível, bem
como a poderosa água encantada que os pássaros não bebiam;
água vinda dos lagos dos planaltos, que abastecia aquela garrafinha de metal. O pó aumentava o amor dos súditos pela rainha,
fazendo-os só terem olhos pra ela e serem fieis até a morte. Já a
água encantada enfeitiçava seus inimigos transformando-os em
poderosos aliados.
E na garrafinha continuaram gravadas duas letras, que Maldis demorara muito tempo para descobrir o seu significado. Um
dia recordando-se de seu estranho sonho, lembrou-se do sussur35
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ro enrolado do duende: “Então, terás poder e teu povo, temor”.
Poder e Temor! Agora ela compreendia o sentido daquelas duas
iniciais!
E assim Maldis de Park reinou para sempre. E muitos anciãos do povo juraram ter visto Alul passeando várias vezes pelos lagos do Condado de Distribrasis, uma ilha pertencente a
este distante reino de Tropicalis. Foi o que me contaram!
Alex Faria Bezerra
[email protected]
“Não vim do ovo, mas sou carioca da gema. Musicalmente
ativo, e temeroso quanto aos políticos, simpático para quem
me vê,antipático pra quem não me enxerga. Tenho três paixões:
família, mar, música e um amor verdadeiro, Deus! Não sou
pessoa quando sou perfeito, e sim sombra da hipocrisia! Mas
quando sou imperfeito, sou real e transparente”.
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O Fofoqueiro
Rone Cristiano da Silva
[email protected]
“Escrevo
romances há
mais de quinze
anos por hobby.
Disponibilizei
na Amazon
um romance
chamado
“Amor e
Ficção” e estou
terminando
uma coletânea
de contos
intitulada “Além
da Fogueira”.
Trabalho na
área fiscal com
processamento
de dados,
toco violino,
um pouco de
teclado e curto
um bom tempo
livre lendo e
escrevendo.
Tenho muito o
que aprender,
mas aos poucos
chego lá”.
E ali estava ela novamente. Sorriso arrogante, massageando os cabelos negros e lisos entre os dedos finos de unhas pontudas e negras. Seus olhos o procuravam, a única pessoa em
quem confiava.
Não era exatamente uma pessoa. Apenas um rosto, na
bem da verdade. Um espírito, talvez? Ou alguém em carne e
osso situado em outra dimensão?
Ela nem se importava com isso. Seu anseio, sua necessidade vital, era ouvir as minhas palavras, para sentir-se segura de
sua união com o rei: “Sim, minha rainha, a senhora é a mulher
mais linda deste reino!”
Porém, não foi isso que ela ouviu aquela noite. Usou uma
pesada maquiagem. Rugas e pés de galinha sumiram como mágica. Bem, ela podia fazer uma poção para isso, mas seus dons
para feitiços ficaram adormecidos após o casamento com o poderoso e influente rei.
Ela olhou para o espelho. Um objeto oval pouco menor que
o assento de uma cadeira, emoldurado em madeira. Chamou
por sua fonte de ânimo. Aos poucos, o reflexo de seu rosto exageradamente trabalhado para uma noite de gala (ou uma festa
do dia das bruxas) tomou uma forma masculina. Face redonda,
barba por fazer, olhos esbugalhados e injetados. Cabeça oval,
careca e reluzente. O nariz de batata fazia leves movimentos
para cima e para baixo, como um coelho. Lancei-lhe um sorriso conspiratório e minha voz fazia um eco sombrio por todo o
quarto:
- Já sei o que vai me perguntar e qual será a resposta.
- Mas quero ouvir de seus lábios, porque é meu espelho! resmungou a rainha.
- Está bem, mas creio que vai odiar isso… - ele fez uma pausa, pigarreando e depois, quase num sussurro – A mais bonita
do reino é Branca de Neve!
- NÃO, está mentindo! Aquela princesa sem graça e insuportável, a filha do rei? - bradou a mulher com ira.
- Tem que aceitar o fato dela ter herdado a beleza da mãe,
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que Deus a tenha. - fiz um gesto denotando meu luto – E a moça
está entrando na fase adulta. A senhora pareceu não perceber
que ela deixou de ser criança há muito tempo. - Posicionei a palma da mão direita ao lado da boca, para abafar o som da voz
– Parece que alguns empregados do reino já estão de olho nela!
- Ela é a princesa, com certeza vai ignorar qualquer pretendente do reino que seja um mero plebeu!
- Branca de Neve tem um coração puro. Se ela se apaixonar
por alguém, não vai se importar se o sujeito for da realeza.
- Bem, então é melhor ela perder esse coração o mais breve possível… - a rainha deu outro sorriso arrogante.
- O quê quer dizer com isso?
- Nada! O importante é que voltarei a ser a mulher mais
bela deste reino e de todos os outros.
A rainha era obcecada pela beleza. Achei que adulando-a
podia obter o que desejava. Como nunca ocorreu, mudei de tática mexendo com o que mais a irritava. Era de se esperar de uma
dama insegura, uma madrasta que mal podia cobrir a marca deixada pela mãe de Branca de Neve. O rei ainda se lembrava dela
com amor até o dia de sua morte.
A linda princesa de cabelos ondulados, rosto corado e lábios pequenos e vermelhos, ficou aos cuidados da madrasta. A
moça também tinha seu espelho, daqueles redondos com um
cabo que pode ser levado numa bolsa. E pouco tempo após a
morte do pai, concentrada em como driblar os maus tratos e o
desprezo da nova rainha, escutou uma voz ecoando dali. Abrindo a bolsa e vendo um rosto masculino no lugar do seu, ela atirou o objeto para longe com o susto. Ao bater na parede, uma
rachadura dividiu o vidro de lado a lado. Minha cara ainda era
visualizada ali, deformada pela rachadura. Os tímpanos doeram
com o impacto, mas a notícia que trazia era mais forte que qualquer dor.
- Menina, se eu fosse você tomava mais cuidado com a rainha.
- Por que? - gaguejou a jovem.
- Estive no quarto dela há pouco. Ela vai mandar um caçador te levar pra floresta. Não será nenhuma aventura em busca
de algum animalzinho para o jantar. O sujeito vai te matar!
Branca de Neve arfou, o peito subindo e descendo com a
respiração descompassada. Após descartar a ideia de alucinação ou ter possuído algo amaldiçoado, ela guardou o objeto
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partido que agora refletia seu rosto branco de susto dentro da
bolsa. Preparou uma mala com algumas peças de roupa, furtou
uns alimentos da cozinha real e fugiu do castelo. Disfarçou-se
de plebeia para furar a segurança dos guardas da realeza. Nesse
ponto, seu bom coração ajudou-a a fazer amizade com as empregadas da corte. Presenteá-la com uma roupa simples era o
mínimo que elas podiam fazer.
Horas mais tarde, no meio da floresta, a jovem princesa
notou estar perdida. Sentou-se ao pé de uma árvore, aos prantos. Se jogasse pedras para marcar sua trilha, talvez conseguisse
voltar. Espere, isso é outra história. O fato era que ela recorreu
a mim. Sim, mãe e enteada buscando minhas informações privilegiadas.
- Homem do espelho, por favor, fale comigo! - ela suplicou,
agarrando da bolsa o nosso elo de comunicação.
Respirei aliviado. Aquela bolsa era como a masmorra do
castelo sacolejando num terremoto, sem uma fresta de luz. O ar
puro da mata me fazia bem. O quarto da rainha, apesar de espaçoso, às vezes sufocava. Sorte poder ir a outros lugares. Sempre
podia.
- Estou perdida e tem um caçador atrás de mim! - a ouvia
desabafar antes mesmo de completar a ligação e ver seu rosto
amedrontado.
- Calma, menina, nada de mal vai te acontecer enquanto eu
estiver com você.
- O quê um espelho falante pode fazer para me defender? escutei um risinho debochado típico de adolescente.
- Apenas digo como proceder e você faz o resto, afinal, é
uma menina obediente, desde pequena.
- Sabe como sair dessa floresta?
Olhei a paisagem ao fundo da garota. Árvores, folhas caindo e farfalhando ao vento. Toda a mata é igual. Eu não tinha um
mapa. Mas entendia de corações.
- Deixe o caçador te achar. Sossegue, ele não terá coragem
de te matar. Aquele servo vai se derreter como sorvete quando
olhar para seu rostinho angelical. Talvez ele até te ajude a encontrar um lugar seguro, longe dos animais selvagens e da sua
madrasta.
Meus instintos nunca falhavam. A princesa foi encontrada
pelo caçador e seus cães farejadores ao anoitecer. Foi cercada
de ambos os lados pelos animais. A lâmina do machado reluziu
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a luz do luar e ali parou. O algoz não foi capaz de cumprir as ordens da rainha. Indicou uma direção a Branca de Neve e deixou-a fugir. Ele arranjaria um coração de uma caça para mostrar à
rainha, garantindo ser o órgão da garota. Só que não consegui o
que queria. Precisava fazer mais:
- Então Branca de Neve ainda está viva? - a madrasta rangia
os dentes, me encarando com aquele olhar de quem me enforcaria se não houvesse um vidro e uma longa distância entre nós.
- Exato, minha rainha. O caçador trouxe um órgão qualquer. Porém não tem que se preocupar, a jovem não duraria um
dia a mais na floresta sozinha.
Ao contrário do que pensei no início, Branca de Neve pareceu me esquecer quando avistou uma pequena casa no meio
da mata. A porta de entrada tinha pouco mais de um metro e
meio de altura. Ela podia enxergar por cima do telhado de lindas
telhas vermelhas. Agachou-se para bater a porta e chamar pelo
morador. Ninguém atendeu. Ela insistiu. Arriscou a maçaneta e
verificou estar destrancada.
Entrou na pequena construção. Não podia caminhar ereta por ali. Os móveis pareciam adaptados para crianças. Mesmo
com pouco mais de um metro e sessenta, ela se sentia uma gigante naquela casa. Cansada, ela arrastou a mesa da cozinha e
deitou-se no chão, usando todas as almofadas do sofá como travesseiro.
No meio da noite, os donos da casa chegaram. Eram sete
homens, com estatura inferior a um metro. Acho que posso
suprimir essa parte da aventura. Apenas digo claramente que
a invasora conquistou rapidamente o carinho daqueles anões.
Quando ela acordou e contou tudo que lhe acontecera, virou
uma hóspede especial por tempo indeterminado. Mestre, assim
como era chamado o líder daqueles homens, um velhote barbudo e óculos decidiu separar um cômodo para que ela se instalasse.
A jovem não tinha dinheiro, mas pagava pela hospedagem
cozinhando, lavando e limpando a casa, enquanto os anões trabalhavam nas minas durante o dia. A pouca vaidade da donzela
era um tédio pra mim. Ela usava as roupas que trouxera do castelo para recepcionar os anões e nas faxinas o traje simples de
plebeia.
Resumindo, ela não se importava em olhar para o espelho.
Cheguei a migrar para o espelho dos anões, um quadrado de uns
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trinta centímetros na parede do banheiro, e chamei. Ela cantarolava pela casa agitando um espanador e me ignorou.
Dias depois retornei ao castelo e contei à rainha tudo que
sabia. Ela já havia ouvido a respeito de anões que viviam no
bosque. Satisfeita, decidiu pôr em prática sua antiga arte de encantamentos. Em seu antigo caldeirão, preparou uma poção de
grande dificuldade, que segundo garantia, a pessoa que tomasse pareceria décadas mais velha.
- Por que tanto serviço? - questionei.
- Porque quero me aproximar de Branca de Neve sem que
ela me reconheça. Sendo uma velhinha frágil e humilde, ela certamente confiará em mim.
- E fará o quê?
- Vou acabar com ela usando esta maçã! - a bruxa mostrou
uma fruta vermelha, brilhante e suculenta, que até mesmo eu
fiquei com água na boca.
Chegou o momento dela beber a poção fumegante. Da minha parede, contemplei sua transformação, oposta ao natural.
Ela ganhou rugas, pés de galinha, cabelos brancos e uma corcunda grotesca. Usou seu mais velho vestido, o qual sabia que
a enteada nunca vira e depois, com seus dedos encarquilhados,
segurou a maçã em uma das mãos, fazendo um corte com a outra que portava uma faca. Um líquido branco e doce escorreu da
fruta. Na fenda que se abriu, ela introduziu seu poderoso veneno. Umas gotas bastariam para dispersá-lo em toda extensão,
inclusive na casca. Do jeito que conhecia a vítima, a madrasta
sabia que a moça inocente abocanharia um pedaço capaz de
nocauteá-la em segundos.
Claro que eu não deixaria isso acontecer. Mais uma chance
de mostrar meu valor e finalmente ganharia meu prêmio. Gritei como um louco naquele ambiente escuro e sufocante até a
dona me tirar daquela bolsa e fornecer ar fresco e uns segundos
de atenção, o que era ainda mais crucial:
- Minha menina, a rainha descobriu que está escondida
aqui. Ela virá disfarçada de velhinha e vai te matar com uma
maçã envenenada.
- Santo Deus, terei que fugir de novo?
- Não, essa perseguição continuará até que ela vença. Deixe-a vir até você, aceite a fruta e dê uma mordida. Mas NÃO ENGULA. Finja que caiu dura e segure a respiração até que ela verifique e se convença do sucesso.
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- Acha que vou me fazer de morta tão bem?
- Pense que depois disso ficará livre para sempre.
A princesa aquiesceu. Com efeito, durante aquela tarde, no
decorrer do trabalho dos anões na mina, uma frágil idosa abordou Branca de Neve enquanto esta varria a frente da casinha. Tal
como o homem do espelho previra, a idosa ofereceu uma maçã
apetitosa, retirada de um cestinho de vime. Para não desmascarar a impostora, a moça deu uma mordida e desabou. Segurou
a respiração como fora instruída e a bruxa sentiu-se satisfeita.
Pelo menos naquele instante. Esperou um tempo com palma da
mão cobrindo as vias aéreas da vítima. Com isso ela não contava. O veneno da maçã se dissolveria em sua boca e ela apagaria
de verdade. No entanto, a bruxa levantou-se e foi embora, pois
ouvira a aproximação de alguém.
Os anões acharam sua hóspede caída. Ela cuspira o pedaço
da fruta, mas não antes de notar o veneno formigar sua garganta. Ainda consciente, escutou meu chamado. O anão de nome
Zangado, invocado com a voz, trouxe sua bolsa. Tirou o espelho
inoportuno de lá e ordenou que se calasse:
- Vocês não sabem? A princesa adormecerá e só o beijo de
um príncipe tirará o efeito do veneno. Me ponham sobre o rosto
dela para que eu possa beijá-la.
- E você é príncipe por acaso? - questionou o anão irritado,
dando um singelo sorriso por se deparar com uma cara mais feia
que a dele. Maldito!
- Claro que sou! Ou acha que um homem jovem, bonito e
bem-vestido vai aparecer num cavalo-branco enquanto EU mando aqui?
- Jamais beijaria um traidor! - falou a moça, com os lábios
secos.
- COMO É? - bradei com toda fúria.
- Você vai contar a madrasta que sobrevivi ao veneno, igual
ao caçador. Você é um FOFOQUEIRO!
- Tudo que eu queria era um beijo seu ou da rainha… - choraminguei, derrotado.
- Depois dizem que as mulheres são fofoqueiras! - concluiu
o anão Mestre.
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Os Príncipes
Em seu quarto adornado, sobre a noite vinda vinha refletindo. Suas dezoito primaveras vieram sussurrar em seus ouvidos,
sempre a deixando pensar em seus objetivos. Até o fim da noite,
um príncipe precisava escolher, e com ele um futuro para o reino conceber.
Abriu as janelas do quarto, a manhã lhe abraçava com alegria. Olhou para o céu e pediu, pediu que as antigas rainhas dessem sua sabedoria. Porque não precisava apenas de um príncipe
majestoso, precisa de um príncipe que se preocupasse com o
povo. Afinal com ele se casaria, com ele o reino governaria. E
desde pequena tinha conhecimento que se dividido estava um
casamento, com ele um reino arruinaria.
Naquela aurora, como em todas as outras, disfarçou suas
majestosas roupas. Prendeu seus lisos cabelos no alto, sem perder tempo buscou um cavalo. Sua pele morena cobriu com uma
capa, e com coragem desceu à cidade em escapa. Lá, em disfarce, vivenciava tudo o que os ricos ignoravam, olhava para o seu
povo e para o que mais precisavam. Se o príncipe que escolhesse pensasse como ela, então um grandioso futuro para o reino
estava em espera.
À noite voltou ao castelo, para o baile que fizeram todo
belo. Lá encontraria príncipes de todos os lugares, para os quais
precisava atentar seus olhares. Olhou para as estrelas e pediu
novamente às rainhas antigas, que por favor, por favor, lhes
mostrasse o príncipe, que pelo bem do reino lutaria.
Foi recebida com gentileza, a mesma a que tratava seus súditos com destreza. E um príncipe como ela precisava encontrar,
para com ele um melhor reinado governar.
O primeiro lhe tomou pela mão, mas em pouco tempo percebeu que não tinha visão. Gostava do aqui e agora, não se importava com tempos outrora. O segundo foi educado, a tratou
bem um bocado. Porém logo percebeu seus vagos interesses,
com apenas palavras se fazia um homem desses. Logo o terceiro, quarto e quinto a tiraram para dançar, e em conversa percebia que não sabiam se importar. A necessidade do povo não
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estava em seus lábios, quem dera ainda soubessem o que era
ajudar aos necessitados.
Desgostosa saiu do baile, sob olhares intrigantes mas ninguém que se importasse. Foi ao jardim pensar, e às rainhas antigas questionar. Elas que governaram com tanta graça e doçura, qual o problema em atender um pedido cheio de ternura?
Apenas um príncipe precisa encontrar, aquele que com o povo
queria se importar.
Logo percebeu que não estava sozinha, pois um serviçal
logo lhe fazia companhia. Via em seus olhos a preocupação, de
um jovem que, quando criança, entregou-lhe o coração. Agora
ali, em sua frente estava, aquele rapaz que há meses se afastara.
Ele lhe perguntou o que tanto perturbava a princesa, aquela que ele sabia que com o povo não fazia desfeita. Pois há tempos ouvia a história de uma jovem morena que com o povo se
importava e queria saber de seu problema. Afinal um coração
real e bondoso, não devia ficar daquele jeito, desgostoso.
Por isso, sem demora, ofereceu-lhe a mão em dança, para
ver, na princesa alguma esperança. Ela, sem pestanejar, aceitou
de bom grado, daquele rapaz que não era príncipe de fato. Debaixo das estrelas, não tardaram a bailar, e as brilhantes do céu
começaram a o enfeitar. Suas roupas grossas ganharam pedras
preciosas, seus sapatos adornos e fios de ouro. Suas mãos mais
firmes seguraram a princesa, e continuou a dançar sem surpresa. Afinal as antigas rainhas atenderam ao seu pedido, e lhe deram o príncipe que era preciso.
Pamela Chris
[email protected]
Graças ao incentivo de amigas, começou a escrever aos doze
anos. O tempo e a pequena experiência adquirida permitiram
que sua escrita amadurecesse e sua criatividade aflorasse. Lê
desde romances a suspenses, mas é apaixonada por escrever
livros e contos de fantasia.
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Pelas periferias
de um reino distante
Estávamos eu e o príncipe Josias, andando à cavalo pelo
bosque que nenhum mero mortal jamais ousaria entrar. Por perigos como carrapatos, marimbondos e claro: lobos maus. Porém nós não sentíamos o menor medo de tais perigos, pois confiantes éramos em nossas armas e técnicas de batalha.
Eu ia atento, observando bem entre as árvores, aproveitando que ainda tínhamos alguns feixes de luz do Sol que se
arriscavam em entrar através das copas volumosas. O príncipe
Josias ia logo atrás, brandia sua espada que brilhava com intensidade, iluminando todo o caminho. O Prince não ia atrás por falta de coragem, fui eu quem disse para ele permanecer atrás de
mim. Eu era o seu escudeiro, ou seja, eu deveria ser seu escudo.
Foi graças ao meu pensamento sensato que Josi deixou
de levar uma pedrada na testa. Eu fui acertado em seu lugar e caí
do cavalo naquela lama do pântano. Não doeu nada e eu já levantei na mesma hora com a minha espada apontada para cima,
pronta para perfurar o maldito que tinha me acertado. Porém,
quando olhei, lá estava Josias lutando contra os três bandidos.
A sua espada banhada a ouro radiava a luz do Sol e espantava as trevas ao redor. Em um golpe rápido a lâmina do Prince
perfurou o ombro esquerdo de um dos vagabundos, o sangue
jorrou e ele afundou no pântano gritando. Outro dos bandidos
tentou acertá-lo, mas ele se esquivou e fez a espada atravessar
o abdômen do maldito. Já o terceiro, ao ver que não teria chance, deu um gritinho agudo e tentou correr.
Quis me mostrar útil e por isso lancei minha espada nas
costas do miserável que tentava fugir. Suas costas foram cravadas com perfeição pela minha borboleta assassina e ele tombou. O que aqueles cachorros imundos eram realmente, eram
sequestradores. Eles haviam raptado a prometida do príncipe e
como bons heróis, nós estávamos lá para salvá-la.
Fizemos bem em matar aqueles três, não eram nada
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mais, nada menos do que batedores. Isto é: guerreirinhos fracotes que ficam escondidos em cima de árvores, esperando vir
alguém para avisar aos outros guerreiros mais fortes.
Apesar de ferido, eu ainda estava em condições de continuar. Aquela pedra voadora tinha sido um golpe de sorte. Quem
sabe se tivesse tido mais oportunidades aquele pequenote teria
se tornado um grande arqueiro real, mas agora jaz mergulhado
nas merdas do pântano. Viraria comida de víboras e jacarés.
Devíamos estar próximos do acampamento dos Torturadores de Sardinhas, pois o fedor de peixe era latente em nossos
narizes. Josias tirou um lenço de dentro da sua armadura reluzente e borrifou uma espécie de poção mágica.
“É para que o cheio não me perturbe tanto.” – Ele explicou ao ver meus olhos curiosos. “O cheiro também me perturba
muito, mestre.” – Eu disse com uma intenção implícita de ter
acesso aos seus elementos mágicos. “Sinto muito, caro escudeiro. Esta é uma mágica forte demais para suas narinas de plebeu.
Quem sabe quando tu te tornares um cavaleiro, isto lhe seja permitido.”
Abaixei a cabeça concordando. O cheiro não estava tão
incomodo assim. Na verdade, aquele cheiro me trazia a nostalgia da minha cidade natal. Uma vez por ano, tsunami invadia a
cidade espalhando peixes por todo o porto. O que causava um
cheiro podre terrível durante semanas. Fiquei muito contente
por cogitar me tornar cavaleiro. Eu sabia que estava tendo progresso, mas ouvir isto da boca do príncipe foi impactante.
Entusiasmado, guiei o caminho para Josias, seguindo
aquele cheiro terrível, que eu sabia que nos guiaria direto para
a toca dos malvados e não foi de outro modo. Após alguns minutos de caminhada pela lamaceira do pântano, avistamos dois
maltrapilhos moscando diante da boca de uma montanha, o que
seria a entrada para uma caverna. Amarramos os cavalos bem
escondidos.
Pulamos nós dois frente aos meliantes, antes que eu pudesse desembainhar minha espada, Josias passou sua lâmina de
ouro arrancando a cabeça dos coitados. Eu não pude evitar uma
risadinha, o que fez com que o Prince me repreendesse por ser
um desrespeito com os mortos. Eu segurei a risada e então entramos na caverna.
O interior da caverna parecia algum portal dimensional
para as oitavas dimensões do quinto dos infernos. Estava cheio
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de luzes espalhadas por tudo quanto é lado e elas piscavam muito intensas. Várias cores diferentes: roxas, verdes, vermelhas e
azuis. O que emanava aquelas luzes estranhas eram mariposas
trancafiadas dentro de campos de forças. Eu sentia um pouco
de medo. Porventura, a determinação e o empenho do Prince
eram contagiantes e eu, mesmo com medo e ferido continuava.
Uma porta de uns três metros de altura surgiu na nossa
frente. Perguntei-me quem seria o monstro para precisar de
uma porta daquelas. No entanto, Josias parecia focado em apenas um único objetivo: salvar a sua prometida. Ele sentou o pé
naquela porta de três metros e ela abriu de uma vez.
Lá dentro estavam centenas de plebeus misturados com
nobres enfeitiçados. Eles se sacudiam de acordo com a vibração
de um cristal azul que lançava sonoridades como de um tambor
endemoniado. E as pessoas lá dentro se sacudiam, como se espíritos lhes penetrassem os corpos, escravizando a alma e obrigando seus recipientes a dançarem como marionetes.
“Onde está a princesa?”
Todos olharam para o Prince destemido. Eu me senti muito foda nessa hora. O cristal azul parou de vibrar, ficou um silêncio absoluto e por um momento pensei que estava tudo resolvido. Mas aí uma voz ressoou por toda a caverna, vinha de um
cidadão dos cabelos desgrenhados e vestindo trapos muito largos. Ele estava lá no alto do que parecia uma torre. Ele gritou: “Esse metido quer acabar com nossa festa. A gente vai deixar?”
– “Não!!!!” – Respondeu a multidão em coro.
“Eles estão sob o controle desse feiticeiro.” – Eu disse,
não na intenção de parecer esperto, mas sem saber como agir.
O príncipe concluiu: “Apenas bata. Não precisa matar. Mas dê o
soco mais forte que você conseguir.”
Eu entendi o recado. Era nocaute de primeira pra já poder
partir pro próximo. Hesitei, eu confesso. Acertar aqueles rostos
bonitos e lisos dos nobres seria uma tarefa difícil, contudo respirei fundo, fechei os punhos e lancei-me ao combate. Saí socando
todo mundo que eu via na frente. Josias fazia o mesmo. Fomos
limpando como duas vassouras, que Deus me perdoe, até perto
do feiticeiro de cabelos engrenhados.
“Liberte agora a princesa ou pague com a própria vida!”
– Josias gritou brandindo sua espada dourada e fazendo todos
os endemoniados se afastarem. “HAHAHAHA! Eu te desafio!” –
Disse o bruxo insolente.
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O Prince, danado que era, saltou e deu mortais no ar,
mostrando toda sua pompa antes de cair diante do feiticeiro
e apontar a lâmina de sua espada. “Renda-se agora, antes que
perca a cabeça. Literalmente eu quero dizer.” – Eu continuava
dando socos nos plebeus distraídos.
A batalha entre Josias e o feiticeiro causava fulgores de
luzes radiantes e após me cansar de distribuir socos. Eu sabia
que a prometida devia estar por ali entre alguma daquelas salas
luminosas.
Eu tinha a vantagem de não ter a roupa tão reluzente
como a do príncipe e nem os dentes tão brancos. Por isso pude
passar entre os guardas-demônio despercebido. Apesar de preocupado com meu amo, enquanto ele estivesse desafiado por um
duelo, ninguém mais poderia entrar na batalha, ou seria banido
pelos próprios deuses. E meus punhos já tinham eliminado mais
da metade daqueles filhos da poeira.
Atrás de uma porta encontro a prometida ao príncipe em
trajes não adequados. Ela vestia uma camiseta preta com a gola
visivelmente cortada, o começo dos seios à mostra, uma calça
jeans rasgada no joelho, provavelmente caiu e ralou no chão. Ela
estava possuída e eu sei disso porque esta estava destroçando
uma fada para poder aspirar seu pólen. Eu a interrompi antes
que ela cometesse tal sacrilégio. Em um berro ela assoprou todo
o pólen para as arestas da sala.
“O que pensas que estás fazendo?” – Ela perguntou tirando um objeto do nariz. Provavelmente uma varinha de domínio.
“Estou salvando sua vida.” – respondi. Ela se debateu e eu notei
que também estava enfeitiçada. Então, soquei sua cara o mais
forte que pude e ela parou. Joguei a prometida nas minhas costas e desci. Eu imaginava o quanto o Prince ficaria orgulhoso.
Corri com o corpo da prometida ao meu ombro, gritando
para irmos embora. Mas Josias estava concentrado em ensinar
modos ao feiticeiro. O feiticeiro por mais que tentasse se defender não era páreo aos movimentos do príncipe. Pelo menos não
jogando limpo. Em um golpe rápido, o feiticeiro jogou algum
tipo de magia que fez o príncipe ficar cego por alguns segundos. Então, se aproveitando desse único segundo, o feiticeiro
deu uma marretada no peito do príncipe que caiu para trás no
meio da multidão. Ele havia perdido o duelo. “Contemplem a
derrota do príncipe!” – Gritou o feiticeiro.
Em um desejo súbito de me lançar contra aquele círculo
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formado da multidão, larguei a prometida; Porém, esta já não
estava desfalecida. Ela se levantou e correu para os braços do
feiticeiro. O feiticeiro retirou sua túnica toda ensanguentada e
rasgada e revelou que não se tratava de um feiticeiro e sim de
uma feiticeira.
O príncipe se levantou com dificuldade a tempo de ver a
sua prometida e a feiticeira se beijarem. Os olhos da prometida não estavam vermelhos e suas testas não possuíam chifres,
como o livro dos caçadores revela que possuídos tenham.
A prometida pôs-se frente às pessoas e gritou: “Nunca
precisei de homem nenhum. Muito menos de você. Caso eu precisasse, o que seria muito improvável, teria pedido. Então por
favor, vá embora e deixe que eu e Marinav nos amemos em paz.
Tu não passas de uma espécie horrível de homem que pensa
que nós, mulheres guerreiras e independentes, precisamos de
vocês. Vá-te embora.”
“Meça suas palavras, Ó, nobre princesa!” – suplicou o
príncipe. – “Em nenhum momento quis subjugar sua capacidade
de tratar de seus próprios assuntos. Atirei-me em tal ato heroico
para assim estar à altura de levar tua mão ao altar. Mas vejo que
teu coração já tem dono e não cabe a mim mudar tal fato.”
A feiticeira levantou as mãos e a montanha começou a
tremer, seus dois pés se levantaram do chão e ela rodopiou,
uma espiral de poeira foi se formando sob seus pés.
“O homem que buscou a glória, encontrou apenas a escória. Cuide do que lhe restou e descubra quem sempre te amou.
Xin, xon, xato, língua de sapato, transforma o príncipe em sapo,
até que por amor ele seja beijado!”
Nesse momento uma névoa verde nos envolveu, escutei
tilintares de varinhas mágicas e os olhos do príncipe se esbugalharam, sua pele começou a se misturar com a cor da névoa e ele
foi diminuindo, como se derretesse pelo chão. Até que a névoa
desapareceu, e do meio das roupas vazias surgiu, o príncipe ensapoado. “Uerbet!”
Abri uma sacolinha que tinha enrolada à minha cintura e
abri para o príncipe-sapo, ele pulou rapidinho e entrou na sacola. Corri segurando Josias o mais firme possível até o meu cavalo, não olhei para trás para ver se no seguiam, mas meu coração
batia depressa.
Olhei para o sapo dentro da sacola e ao ver aqueles olhos
esbugalhados e melancólicos disse: “Meu Príncipe, não lamente
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a perda de sua prometida. Tu foste corajoso e honrado brandindo sua arma para dentro daquela caverna. No entanto, aquela
feiticeira deve ter feito alguma coisa para dominar a mente de
sua amada. Só assim para ela não perceber o homem incrível
que tu és.”
O sapo pulou lá de dentro e parou em meu ombro, ele se
esfregou em mim e suas as escamas geladas me deram arrepios.
Virei o pescoço em direção ao sapo, que me observava, eu não
entendia o que ele queria. Na verdade eu entendia, mas tinha
medo.
Estiquei meus lábios e lancei-os em direção ao príncipe,
que permaneceu paralisado até ser atingido pelo meu beijo. Esperei algo acontecer.
Uma explosão de fumaça roxa veio de dentro do príncipe
e faíscas brilhantes saltavam para dentro do pântano, seguido
de uma fragrância inexplicavelmente deliciosa. Quando a névoa
dissipou-se, revelou meu príncipe ajoelhado de cabeça baixa.
Enfraquecido, coitadinho.
Eu o levantei e o ajudei a subir no cavalo, retirei meu casaco
e lhe dei para cobrir o corpo nu. Subi no cavalo e o levei direito
para o seu reino.
E foi assim que fui condecorado, não apenas com o título
de cavaleiro, mas também de rainho. Assim tornei-me: Sir Rainho Felipe.
Octavio Augusto de Sousa
[email protected]
www.planetadainsanidade.com.br
“Ter a escrita como meio de sustento sempre foi minha maior
intenção, no entanto, aprecio a forma de escrita sincera,
que nasce espontaneamente em algum momento. Esses
pensamentos circulares que passam por minha cabeça se
transformam em minhas personagens para encarnarem as
contradições que existem no mundo e suas várias facetas. Sou
ator, diretor, escritor, baixista, folclorista e adoro jogos online!”
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Um olhar diferente
Não pensem, que o tempo fica no tempo, pois ele se repete, épocas e situações são metamorfoses constantes no relógio
do universo.
Johanes, um senhor de descendência germânica, de cabelos lisos e brancos, outrora loiros. Toda noite sentava junto à
cabeceira da cama de seu neto Alex, para narrar ou ler estórias,
quase sempre carregadas de magia.
- Não esqueça Alex, a magia existe, ela apenas não é compreendida por aqueles que se prendem à ciência. Aprendi isso
quando criança, preso à curiosidade, algo típico de toda criança.
Então preste atenção, pois a história que vou narrar a seguir, ela
é verdadeira, e você poderá contar aos seus descendentes. Sem
contar, que você mudará para sempre a forma de você olhar um
bosque.
- Era noite, e a grande lua cheia iluminava cada nuvem.
Eu brincava de contar algumas estrelas, quando ouvi uma voz
suave me chamar. – Menino, ei menino. – Quando olhei, vi uma
bela garota loira, longos e ondulados, vestindo um longo vestido amarelo. Junto à ponte, do outro lado do regato. – Que bom,
você me ouve, és um espírito puro, não tenha medo, vamos venha cá!
- Tomado pela curiosidade e beleza incomum da enigmática garota, caminhei até ela. – Tenho muitas coisas belas para te
mostrar, que mudará para sempre, a forma de você olhar para
um bosque; então, quer vir comigo? – Ainda atônito com a situação, balancei a cabeça afirmativamente. Então, ela erguendo
a mão direita, descreveu um círculo com o dedo indicador no
ar. Não tardando, para vir do céu em nossa direção, um enorme
animal, com corpo de leão alado, com uma enorme cabeça de
águia. Chegando ao solo, ficou ao nosso lado. – Este é um grifo,
não tenha medo, ele é meu amigo e me leva para onde eu quiser. Flexionando as pernas, até a barriga tocar no chão, permaneceu imóvel.
- Venha, monte, não tenha medo!
- Após ela montar, agarrou-se às penas do pescoço, tam50
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bém montei, logo atrás dela, agarrei-me aos pelos do dorso. Ao
comando dela, o portentoso animal, levantou-se, e com um salto, acompanhado de um formidável som, misto de rosnado com
grito agudo de ave, levantou voo. – Passado alguns instantes,
voávamos sobre o bosque, de onde conseguíamos ver toda a
mata abaixo.
Diante de meu espantado olhar, inúmeras figuras curiosas, nunca dantes vistas, movimentavam-se, algumas lépidas,
outras, com movimentos suaves e harmoniosos.
E soltando a mão esquerda, ela começou a apontar e
identificar as diversas criaturas, abaixo de nós. – Vês aquelas figuras, com corpo de mulher, saindo do interior das árvores? Elas
são as Dríades, os espíritos protetores. Cada árvore possui seu
espírito protetor. Centenas de anos atrás, quando os homens
possuíam espíritos simples ou puros, conseguiam visualiza-las
antes de abater as árvores e muitos destes ou enlouqueciam,
ou saíam correndo como loucos, abandonando seu machado, e
nunca mais voltavam ao local.
Agora, vês aqueles saltitando alegremente, cintura para
cima homem, cintura para baixo bode. Estes são os faunos, dóceis criaturas que tocam suas flautas, para despertar e alegrar
todas as criaturas. Aquelas pequenas meninas com asas, sobrevoando as flores, são as fadas florais, encarregadas de despertar
as flores, sem elas as flores não abrem. Ha, não esquecendo,
você já deve ter ouvido, uma espécie de lamúria, em algumas vezes no vento. Aquele, sempre que você ouvir, saiba que são os
choros, de todas as criaturas mágicas da floresta, quando veem
ou sentem algo acontecendo de mal, com alguma outra floresta.
- Passado uma fração de tempo, voltamos ao lugar de
onde saímos. – Quanto à mim, sou a fada Noturnia, encarregada de supervisionar tudo, e encontrar mortais, espíritos puros,
iguais à você, os únicos capazes de nos ver e ouvir. Agora vá, volte apara sua casa, e quando quiser, poderás encontrar-me aqui,
neste mesmo local, onde estarei visível, na primeira noite de lua
cheia.
- Então... Alex, de todas as histórias que já lhe contei, esta
é verdadeira. Sem esquecer, que se você também for, um espírito puro, e uma noite de lua cheia, você encontrar uma bela
garota, junto à uma ponte, do lado oposto do rio, vá até ela e
peça-lhe para mostrar a verdadeira e mágica vida dos bosques.
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Será algo único e inesquecível.
Lembre-se, nossas vidas são demasiadas efêmeras, portanto, jamais devemos nos prender unicamente à ciência dos
homens. A magia existe! Ela está lá fora, basta-nos usar de simplicidade e pureza para descobri-la.
Sandro J Erzinger
[email protected]
Natural da cidade Joinville, estado de Santa Catarina possui
antologias: Círculo de narrativas Abrace – Bianchi editores ano
2005 / Cuento Gotas IV- Bianchi editores ano2006 / Cuento gotas
V/Bianchi editores ano 2007. Todos de âmbito internacional –
Gênero conto / entre outras de âmbito nacional, de contos e
poesias.
Livro Solos de Pedra – poesias – gênero hermetismo – ano de
publicação: 2009
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Gosta de escrever e gostaria de ser um autor publicado?
Conhece alguém que se encaixa nessa descrição?
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abre espaço para escritores
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Cada edição será construída
em cima de um tema. Os
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serão escolhidos pelo
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base nas regras indicadas no
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