resistência e recriação camponesa a partir do programa de
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resistência e recriação camponesa a partir do programa de
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA JAMERSON RANIERE MONTEIRO DE SOUZA RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA A PARTIR DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS NO MUNICÍPIO DE LAGOA SECA - PB JOÃO PESSOA - PB 2015 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA JAMERSON RANIERE MONTEIRO DE SOUZA RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA A PARTIR DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS NO MUNICÍPIO DE LAGOA SECA - PB Dissertação apresentada como requisito à obtenção do título de Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba (PPGG/UFPB), sob a orientação do Professor Dr. IVAN TARGINO MOREIRA. Área de Concentração: Território, Trabalho e Ambiente. JOÃO PESSOA - PB 2015 Ficha catalográfica DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus avós, pessoas que eu amo: Antônio de Souza (in memorian), Maria Martins de Souza, João Monteiro (in memorian) e Maria do Socorro Bezerra Monteiro, por terem sido meus exemplos e terem colocado no mundo e educado os meus pais. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, primeiramente, por permitir a realização dos meus sonhos, por me dar o dom da vida, por ser o meu protetor, no meu recolhimento, nas minhas súplicas, tem sempre me honrado na hora que eu preciso. Agradeço aos meus pais, José Martins de Souza e Rosilda Monteiro de Souza, minhas irmãs Janiérika Monteiro de Souza e Janaina Monteiro de Souza, que sempre juntos me ajudaram na construção deste trabalho. Sem eles nada eu seria, de onde vem muita força, muito incentivo e muito orgulho. Agradeço a minha futura esposa, Denize Maria Leal Ramalho, pela companhia, pelo entendimento necessário em todas as horas. Pela sua ajuda incansável, nas longas viagens até João Pessoa. Com muito carinho e atenção sempre. Agradeço ao meu orientador o Prof. Dr. Ivan Targino Moreira, por quem eu tenho muita admiração, homem que ensina pelo exemplo. Nem nas horas mais difíceis pelas quais passou, nunca abandonou a seriedade e o compromisso de seu trabalho, sempre me ensinando, em tudo o que diz. Agradeço a Eduardo N. Ferreira de Melo, pela ajuda na construção deste trabalho, pelos grandes momentos de estudo, também a Arthur Monteiro Araújo, Denis Pereira da Silva e José Regivaldo Leal Albuquerque, pelas companhias nas viagens até João Pessoa. Agradeço aos meus colegas de mestrado, especialmente aos de Campina Grande, David Luíz, Mônica Macedo e Jéssica Lima que me auxiliaram na construção deste sonho, que agora realizo. Agradeço a UFPB e ao PPGG, por terem me dado esta oportunidade, de conviver com grandes professores como Emília Moreira, Ivan Targino, Marco Mitidiero, Maria Franco, Bartolomeu, dentre outros. Grandes profissionais que só enriquecem esta caminhada. Agradeço à todos os colaboradores desta pesquisa, as pessoas entrevistadas, que contribuiram para a realização deste trabalho, e por terem me dado a oportunidade de mostrar questões referentes ao meu povo. RESUMO A agricultura familiar no Brasil, historicamente preterida pelos poderes públicos, ainda é importante em termos de geração de produto e de emprego. A resistência e recriação camponesa é um fenômeno que tem desafiado pesquisadores de diversos campos do conhecimento. O avanço do capitalismo no campo, embora tenha acelerado a concentração de terras e expropriado pequenos produtores rurais, não conseguiu destruir completamente a produção camponesa. A agricultura familiar no município de Lagoa Seca - PB encontra-se no meio desse conflito. Um dos principais problemas enfrentado é a comercialização da sua produção, dominada pela ação de atravessadores, que se apropriam do sobretrabalho. Deste modo, as políticas públicas, voltadas para o mercado institucional, têm se mostrado atenuantes deste processo de exploração. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que adquire produtos diretamente da agricultura familiar para atender populações em situação de vulnerabilidade social, emerge como elemento importante para esta forma de produzir continuar resistindo e se recriando. Neste contexto, a pesquisa objetiva discutir as formas de resistência e adaptação da agricultura camponesa em Lagoa Seca - PB, destacando o papel desempenhado pelo PAA. A dissertação resgata o debate clássico e atual sobre a desintegração do campesinato versus sua possibilidade de reprodução/recriação. Ressalta os impactos das políticas públicas do governo federal no tocante à reprodução/recriação da “agricultura familiar”. De modo particular analisa a ação do PAA em Lagoa Seca - PB como alternativa a este processo. Utilizaram-se os seguintes procedimentos metodológicos: levantamento bibliográfico; pesquisa documental sobre o programa; levantamento dos dados censitários; e pesquisa de campo que compreendeu: visitas às unidades de produção e de comercialização; realização de vinte e quatro entrevistas semiestruturadas com: produtores familiares, atravessadores e responsáveis pelo programa no município. A análise efetuada mostrou a importância do PAA para a sustentação da produção camponesa no munícipio estudado, apesar de ainda ser restrita em termos de unidades produtivas beneficiadas e do valor da cota de cada produtor. Palavras-Chave: Agricultura familiar. Campesinato. Resistência. Lagoa Seca. Políticas Públicas. ABSTRACT Family agriculture in Brazil, historically passed over by the government, it is still important in terms of generating output and employment. The resistance and peasant recreation is a phenomenon that has challenged researchers from various fields of knowledge. The advance of capitalism in the countryside, although it has accelerated the concentration of lands and dispossessed small farmers, failed to completely destroy peasant production. Family agriculture in the city of Lagoa Seca-PB is in the middle of this conflict. A major problem faced is the marketing of products, dominated by the action of middlemen, who appropriate the surplus. Therefore, public policies, aimed at the institutional market, have proven mitigating this process of exploitation. The Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), which acquire products directly from family farms to help people in a social vulnerability, emerges as an important element in this way to keep the production, resistance and recreating. In this context, the research aims to discuss the forms of resistance and adaptation of peasant agriculture in Lagoa Seca-PB, highlighting the role played by the PAA. The dissertation brings back the classic and current debate about the disintegration of the peasantry versus their ability to reproduce / recreate. It emphasizes the impacts of public policies of the federal government regarding the resistance / recreation of "family agriculture". In particular it analyzes the action of the PAA in Lagoa Seca-PB as an alternative to this process. The following methodological procedures were used: bibliographical research; documentary research on the program; survey of census data; and field research that included: visits to production and marketing units. Also were made twenty-four semi-structured interviews with family farmers, middlemen and the people responsible for the program in the city. The analysis results showed the importance of the PAA for support of peasant production in Lagoa Seca city, although still restricted in terms of benefit productive units and the value of the quota of each producer. Keywords: Family agriculture. Peasantry. Resistance. Lagoa Seca. Public policy. LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Localização do Município de Lagoa Seca - PB em relação à Paraíba. 61 Figura 02 – Ruínas do Engenho Araticum, Sítio Araticum, Lagoa Seca................ 66 Figura 03 – Casa de Farinha de 1921- Sítio Oití, Lagoa Seca................................. 70 Figura 04 – Produção de laranja - Sítio Oití - Lagoa Seca...................................... 73 Figura 05 – Produção de banana - Sítio Mineiro - Lagoa Seca............................... 74 Figura 06 – Produção de feijão, Sítio Campinote - Lagoa Seca.............................. 74 Figura 07 – Aspectos da produção de alface e coentro - Sítio Alvinho - Lagoa Seca...................................................................................................... 75 Figura 08 – Latadas de chuchu - Sítio Rosa Branca - Lagoa Seca.......................... 75 Figura 09 – Pequena criação de gado - Sítio Jucá do Cumbe - Lagoa Seca........... 76 Figura 10 – Produção Agrícola por Região em Lagoa Seca................................... 76 Figura 11 – Plantação alagada devido às fortes chuvas de junho de 2011 em Lagoa Seca........................................................................................... 78 Figura 12 – Reservatório seco devido ao período de estiagem de 2014.................. 79 Figura 13 – Agricultores familiares preparando o solo para cultivo....................... 79 Figura 14 – Irrigação manual - Sítio Alvinho - Lagoa Seca.................................... 80 Figura 15 – Feira Agroecológica de Lagoa Seca..................................................... 97 Figura 16 – Feira Agroecológica da UFCG, Campina Grande - PB....................... 97 Figura 17 – Venda de bananas da cidade de Lagoa Seca na Empasa de Campina Grande.................................................................................................. 98 Figura 18 – Caminhão dos atravessadores em Lagoa Seca..................................... 98 Figura 19 – Agricultor prepara compostagem orgânica.......................................... 100 Figura 20 – Marcha das Mulheres pela agroecologia 2015, Lagoa Seca................ 101 Figura 21 – Aquisição de novas máquinas para produção no Sítio Retiro.............. 126 Figura 22 – Construção de pequenos criadouros - Sítio Lagoa do Barro - Lagoa Seca...................................................................................................... 126 Figura 23 – Plantação agroecológica Sítio Jucá do Cumbe, Lagoa Seca................ 128 Figura 24 – Agricultor consome da própria plantação............................................ 128 LISTA DE TABELAS Tabela 01 – Lagoa Seca: Tamanho das propriedades rurais (2006).................... 81 Tabela 02 – Lagoa Seca: Pessoa que dirige a propriedade (2006)...................... Tabela 03 – Lagoa Seca: Agricultura familiar e não familiar (2006).................. 82 Tabela 04 – Lagoa Seca: Produtores por sexo e idade (2006)............................. 83 Tabela 05 – Lagoa Seca: Condição do produtor e nível de instrução (2006)...... 84 Tabela 06 – Lagoa Seca: Utilização das terras (2006)........................................ Tabela 07 – Lagoa Seca: Área plantada, quantidade produzida e valor da 82 84 produção de lavouras permanentes, por estabelecimentos familiares e não familiares (2006)................................................... 85 Tabela 08 – Lagoa Seca: Produtos da lavoura temporária (2006)....................... 86 Tabela 09 – Lagoa Seca: produtos da horticultura (2006)................................... 86 Tabela 10 – Lagoa Seca: Produção animal (2006).............................................. Tabela 11 – Lagoa Seca: Estabelecimentos que fazem uso da irrigação por tipo de irrigação (2006)................................................................... Tabela 12 – 87 88 Lagoa Seca: Número de estabelecimentos com uso de agrotóxico, esterco e adubo (2006).............................................................................. 89 Tabela 13 – Lagoa Seca: Uso de máquinas e implementos agrícolas................. 89 Tabela 14 – Lagoa Seca: Pessoal ocupado por tipo de Agricultura (2006)................ 90 Tabela 15 – Comparação de preços de produtos da agricultura familiar (agosto 2015)................................................................................................ 93 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01 – Tempo na agricultura dos não fornecedores........................................ 111 Gráfico 02 – Forma de aquisição da terra dos não fornecedores.............................. 112 Gráfico 03 – Forma de acesso à terra dos não fornecedores..................................... 112 Gráfico 04 – Tamanho das propriedades dos não fornecedores............................... 113 Gráfico 05 – Membros que trabalham nas propriedades dos não fornecedores....... 113 Gráfico 06 – Propriedade de transporte por parte dos produtores............................ 115 Gráfico 07 – Tempo na agricultura dos fornecedores PAA...................................... 118 Gráfico 08 – Forma de aquisição da terra dos fornecedores do PAA....................... 119 Gráfico 09 – Forma de acesso à terra dos fornecedores do PAA............................. 119 Gráfico 10 – Tamanho das propriedades dos fornecedores PAA............................. 120 Gráfico 11 – Membros que trabalham na propriedade dos fornecedores PAA........ 120 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 01 – Produção do espaço geográfico agrário de Lagoa Seca - PB....... Ilustração 02 – Cadeia de comercialização da agricultura familiar de Lagoa Seca............................................................................................... 49 93 Ilustração 03 – Sequência da elaboração do projeto do PAA local....................... 107 Ilustração 04 – Circuito da mercadoria do PAA entre o município e o destino final............................................................................................... 108 LISTA DE SIGLAS ASA - Articulação do Semiárido AS-PTA - Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa BSM - Brasil Sem Miséria CAD-SUAS - Cadastro Nacional de Entidades do Sistema Único de Assistência Social CEASA - Centrais de Abastecimento CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento COOPAF - Cooperativa da Agricultura Familiar COOPACNE - Cooperativa de Projetos Assistência Técnica Capacitação do Nordeste Ltda. CPRM - Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais CRAS - Centros de Referência de Assistência Social CREAS - Centros de Referência Especializada de Assistência Social DAP - Declaração de Aptidão do Pronaf EMPASA - Empresa Paraibana de Abastecimentos e Serviços Agrícolas FHC - Fernando Henrique Cardoso IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH - Índice de Desenvolvimento Humano IPCL - Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ONG´s - Organizações Não Governamentais PAA - Programa de Aquisição de Alimentos PCB - Partido Comunista Brasileiro PIB - Produto Interno Bruto P1MC - Programa Um Milhão de Cisternas Rurais PNAE - Programa Nacional da Alimentação Escolar PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar REDESAN - Rede de Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição SESAN - Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional SESC - Serviço Social do Comércio SIDRA - Sistema IBGE de Recuperação Automática STR´s - Sindicatos dos Trabalhadores Rurais UEPB - Universidade Estadual da Paraíba UFCG - Universidade Federal de Campina Grande 15 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 17 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E TEÓRICOS.......................... 23 2.1 Termos utilizados............................................................................................... 23 2.2 Categorias de análise......................................................................................... 23 2.3 O problema da pesquisa.................................................................................... 26 2.4 Método e Metodologias...................................................................................... 27 3 RECRIAÇÃO DA PEQUENA PRODUÇÃO E APONTAMENTOS PARA UMA RESSIGNIFICAÇÃO DO CAMPESINATO FRENTE AO CAPITALISMO................................................................................................. 30 A discussão clássica sobre o campesinato........................................................ 31 3.1.1 O pensamento de Karl Marx sobre o campesinato.............................................. 32 3.1.2 A visão dos marxistas ortodoxos.......................................................................... 33 3.1.3 A visão dos marxistas heterodoxos...................................................................... 35 3.2 A discussão brasileira sobre a extinção do campesinato................................ 38 3.3 O atraso das políticas públicas para a agricultura familiar.......................... 45 3.4 Espaço, políticas públicas e a agricultura camponesa.................................... 46 3.4.1 A formação do PRONAF e outras políticas para a agricultura familiar............ 50 3.4.2 Avaliações do PAA............................................................................................... 53 3.1 4 A PRODUÇÃO CAMPONESA EM LAGOA SECA E SUA COMERCIALIZAÇÃO.................................................................................... 58 4.1 Aspectos geográficos do município de Lagoa Seca e início do povoamento. 60 4.2 Características do povoamento e formação do campesinato......................... 64 4.3 A produção familiar atual do município de Lagoa Seca................................ 72 4.4 Aspectos da agricultura familiar segundo os dados do Censo agropecuário do IBGE (2006)........................................................................... 81 4.4.1 Estrutura fundiária.............................................................................................. 81 4.4.2 Estrutura organizacional das propriedades........................................................ 82 4.4.3 Perfil do produtor quanto a sexo, idade, grau de instrução e condição do 16 produtor............................................................................................................... 83 4.4.4 Utilização das terras............................................................................................ 84 4.4.5 Padrão tecnológico.............................................................................................. 88 4.4.6 Pessoal ocupado.................................................................................................. 90 4.5 As formas de comercialização da agricultura familiar do município de Lagoa Seca.......................................................................................................... 91 4.6 A Agroecologia como um processo de recriação camponesa......................... 99 5 A ATUAÇÃO DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS....... 103 5.1 A atuação do Programa de Aquisição de Alimentos no Brasil...................... 103 5.1.1 Objetivos e Modalidades do PAA........................................................................ 104 5.1.2 Os beneficiários do Programa de Aquisição de Alimentos................................. 105 5.2 O funcionamento e a visão dos responsáveis pelo PAA no município.......... 105 5.3 As características e a visão dos não beneficiários do PAA............................. 110 5.4 As características e a visão dos beneficiários do PAA.................................... 118 5.5 Resistência e recriação camponesa a partir do PAA...................................... 130 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 132 REFERÊNCIAS................................................................................................. 137 APÊNDICE......................................................................................................... 143 17 1. INTRODUÇÃO Apesar das exigências da atual sociedade de mercado, que estão relacionadas ao desenvolvimento da tecnologia, à especialização da força de trabalho e à lógica produtivista (exigências que são fomentadas pelas particularidades da Terceira Revolução Industrial e que têm seus desdobramentos em todos os setores da economia mundial, inclusive na agricultura), mesmo assim, a realidade da produção camponesa continua importante, permanecendo na pauta das pesquisas e dos estudos acadêmicos. Contrariamente às previsões de alguns pesquisadores, a agricultura de base camponesa permanece sendo importante para alimentar pessoas em todo o globo terrestre e para gerar emprego e renda para um número significativo de pessoas (OLIVEIRA, 2013). Sua estrutura contraditória chama a atenção de vários pesquisadores que se debruçam sobre suas nuances. A sua resistência e recriação mesmo submetida a um comércio predatório é uma delas. Na verdade, a agricultura camponesa está presente em todo o mundo, em diversos graus de articulação com o mercado. E também atuando como força política em diversas sociedades (WOLF, 2003). Desta forma, a agricultura camponesa se mostra responsável pela reprodução da vida de milhões de famílias no Brasil e em outras partes do mundo, sendo assim basilar para a economia, pois responde por parte significativa da produção de alimentos e de matérias primas. No Brasil, apesar das particularidades regionais existentes, pela dimensão continental e pela heterogeneidade das formas de produção, os dados do censo agropecuário do IBGE de 2006 apontam para essa significação. Segundo eles, foram identificados 4.367.902 estabelecimentos de caráter familiar, o que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros. Muito embora esta quantidade seja bastante expressiva em termos de número dos estabelecimentos, a agricultura familiar utiliza 80,2 milhões de hectares, ou seja, 24,3% da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Além disso, é, sem dúvida, o tipo de agricultura que mais mantém as pessoas ocupadas no Brasil. Foram registradas 12,3 milhões de pessoas vinculadas a esse tipo de organização, representando 74,4% do pessoal ocupado no setor agropecuário nacional. Apesar de cultivar uma área menor com lavouras e pastagens (17,7 e 36,4 milhões de hectares, respectivamente), a agricultura familiar é responsável por garantir boa parte da alimentação do nosso país (EVANGELISTA, 2000). Este tipo de agricultura mesmo sendo tão importante para o país, contraditoriamente, não oferece à maioria destes pequenos produtores uma qualidade de vida digna, sendo estes muitas vezes relegados à própria sorte da economia competitiva de mercado e condenados a 18 viver de forma precária. Esta relação é que os leva, na maioria das vezes, a depender das políticas públicas de transferência de renda direta, destinadas a prover principalmente a alimentação, ao mesmo tempo em que produzem alimentos para sustentar o país. É importante ressaltar que esse grande contingente de unidades de produção camponesa possui uma lógica própria de organização e de reprodução, um modo de viver, de produzir e de reproduzir-se no espaço de forma diferente, não obedecendo à lógica da acumulação capitalista. Entretanto, ela tem sofrido, historicamente, fortes influências na sua dinâmica interna em decorrência das suas articulações com o mercado. A questão central que tem sido colocada pelos estudiosos é como essa articulação afeta a produção familiar, no sentido de determinar ou não sua extinção, ou se a partir dessa articulação o capital subordina essa forma de organização da produção aos seus interesses de reprodução e de acumulação, mas preservando-a. Em outras palavras, como o campesinato resiste aos ditames do mercado, se reproduzindo ou se recriando. Julga-se, portanto, relevante discutir a dinâmica e as particularidades dessa articulação, e sua importância para a manutenção da qualidade de vida das famílias camponesas. A pressão dos movimentos populares tem exigido do Estado ações que forneçam melhores condições estruturais para os pequenos produtores. Dentre uma série de conquistas dos movimentos sociais, estão as políticas públicas que redefinem a posição dos sujeitos sociais envolvidos, dando-lhes formas de poder diferenciada que repercutem no tempo e no espaço. Estas políticas públicas são alvos de muitos estudiosos da lógica camponesa e, por extensão, da ordem econômica, já que, indubitavelmente, interferem não somente em escala local, mas tem peso relevante, também, no contexto macroeconômico. Imerso na vivência da pequena agricultura desde os primeiros anos de idade, na zona rural do município de Lagoa Seca, na Paraíba, o autor deste estudo desde cedo teve o interesse despertado para compreender as relações internas da comercialização daquela forma de produção, pois afetava a vida de um grande contingente de pessoas, boa parte delas sempre insatisfeita com o aviltamento dos preços dos produtos. Chamava-lhe a atenção sempre os assuntos que estivessem ligados às questões relacionadas com a dinâmica de produção camponesa, em particular com a sua integração com o mercado. Durante o curso de Licenciatura Plena em Geografia, na Universidade Estadual da Paraíba, o autor foi envolvido nas discussões relativas ao campesinato. Assim, conseguiu consolidar o interesse pela forma de ser camponesa, focalizando principalmente na comercialização dos produtos. Ao final de 2011, produziu um trabalho monográfico sobre a relação entre os produtores e atravessadores na comercialização da agricultura familiar de 19 Lagoa Seca. Na oportunidade, foi realizada pesquisa durante seis meses, centrada na observação dos preços das mercadorias nas comunidades rurais de Lagoa Seca - PB, comparando-os com os preços praticados nas feiras mais próximas. Para a execução desse trabalho, utilizou-se também técnica de aplicação de questionários e de realização de entrevistas com representantes de vinte e cinco unidades familiares, em quatro comunidades rurais diferentes. Nesse estudo de Souza (2011), constatou-se uma grande diferença entre os preços pagos pelos atravessadores e os praticados nas feiras livres. Eles compravam a mercadoria a um preço muito barato, de tal forma que subordinavam toda a produção familiar, sobrecarregando a unidade familiar de carências econômicas. Em consequência, muitas pessoas eram levadas a deixar a unidade familiar para integrar-se na economia urbana como mão de obra barata, na indústria ou no comércio. Os produtos eram revendidos por um preço elevado em outras feiras, constituindo-se como mecanismo central de extração do sobretrabalho realizado na unidade camponesa. Por outro lado, isso ocasionava uma percepção ilusória por parte da sociedade de que os pequenos produtores estavam ganhando bem. Entretanto, a ação desses atravessadores era condição importante para que o pequeno produtor tivesse acesso ao mercado e, assim, garantisse seu sustento. Pois estes eram quase que a única forma viável de escoar a produção. Sem escolaridade, sem conhecimento de mercado, sem acesso ao crédito e sem transporte, o produtor familiar situa-se como refém da estrutura comercial capitalista. Embora alguns produtores se utilizem da venda direta, isso não se aplica à maioria dos camponeses, devido à perda contínua de espaços e canais de comercialização. Este primeiro estudo possibilitou uma discussão importante sobre a exploração imposta pelos comerciantes aos pequenos produtores. Fato que já era observado no cotidiano, mas que pôde ser comprovado, cientificamente, gerando interesse maior de aprofundar os conhecimentos sobre a comercialização da agricultura familiar e por consequência o papel dos atravessadores neste comércio. Após a defesa do trabalho monográfico, a pesquisa fomentou vários artigos em torno dessa mesma discussão, levando a concluir que a comercialização da agricultura familiar no município de Lagoa Seca era o seu principal problema, mas, mesmo assim, não se constituía em impedimento para que os camponeses continuassem resistindo e recriando-se. O contato com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal, que compra produtos diretos da agricultura familiar para fornecer à diversas instituições 20 públicas, fez despertar o interesse do autor por esta forma de ação pensada a partir do Estado capitalista. Essas políticas públicas geram repercussões nas formas de produção que não obedecem totalmente às formas capitalistas de produção. Vários estudos têm constatado a importância dessas políticas públicas no processo de resistência camponesa (ZIMMERMAN e FERREIRA, 2008; MATTEI, 2015). Fica evidenciada a ação contraditória do Estado: se, de um lado, consolida a estrutura de mercado capitalista, por outro, propicia condições para a reprodução camponesa. No município estudado, as conversas entre os produtores giram sempre em torno do preço pago pelos atravessadores e a diferença entre os que são pagos nas feiras e, atualmente, nos supermercados, tendo em vista que a demanda por produtos agrícolas tem aumentado bastante nos últimos anos, seja pelo aumento da população seja pela busca de alimentos mais saudáveis, além do compromisso mais atual com a segurança alimentar. Portanto, o assunto em discussão é basilar para entender as contradições das formas em que se dá o comércio da agricultura camponesa em Lagoa Seca, elemento essencial para a compreensão dos processos de resistência dessa forma de organização produtiva. Nessa perspectiva, o presente trabalho pretende ser um instrumento para a discussão em associações e sindicatos de trabalhadores rurais do próprio município e, assim, subsidiar a ação da Secretaria de Agricultura e Planejamento Municipal. Por fim, não se deve esquecer que essa realidade não é específica do município de Lagoa Seca, mas constitui um dos principais problemas da agricultura familiar brasileira. Ela condiciona o desenvolvimento da realidade local de muitos municípios, particularmente do comércio local dos pequenos municípios, provocando muitas perdas para uma parcela ainda significativa da população. Desse modo, estudar o local pode lançar luzes para o entendimento do contexto da produção familiar de base camponesa no contexto estadual, regional e nacional. Nessa medida, pode trazer contributos para o entendimento dos fluxos migratórios de origem rural, pois muitos agricultores são repelidos da sua região de origem por não terem recursos suficientes para aí sobreviverem. Sem dúvida, interessa que se melhorem as condições estruturais da produção camponesa, dando-lhes melhores condições de trabalho e oportunidades, inclusive por parte do Estado. Mas, claro, sem destruir todo um modo de vida que historicamente não obedeceu aos ditames do capitalismo e sobreviveu até os dias atuais, adaptando-se aos movimentos cíclicos do mesmo. É importante destacar que as condições estruturais da organização da agricultura camponesa em Lagoa Seca e em diversos locais do Brasil estão longe de serem consideradas exemplares, em termos de uma distribuição mais equânime da renda e, 21 consequentemente, de acesso à melhor qualidade de vida dessas populações. Fatores tanto de ordem econômica, quanto social e natural afetam essas condições estruturais. Historicamente, as terras ocupadas por esse segmento produtivo foram as marginais aos sistemas produtivos dominantes e explorados por produtores de mais baixo nível educacional e de poder aquisitivo. (WANDERLEY, 1979). Desta forma, esta pesquisa objetiva discutir as formas de resistência e adaptação da agricultura camponesa em Lagoa Seca, destacando o papel desempenhado pelo PAA. Além desse objetivo geral, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos. a) resgatar o debate clássico sobre a desintegração do campesinato, bem como sua possibilidade de reprodução/recriação; b) resgatar as contribuições de autores brasileiros sobre a temática; c) discutir a construção e os impactos das políticas públicas do governo federal no tocante ao contexto de reprodução/recriação da agricultura familiar; d) discutir a partir da compreensão do território, a ação do Programa de Aquisição de Alimentos em Lagoa Seca como alternativa a este processo. Tendo em vista atender os objetivos acima estabelecidos, a dissertação está dividida em cinco seções, além desta introdução, a saber: A primeira refere-se aos procedimentos metodológicos adotados, especificando as categorias principais de estudo, os principais conceitos, a descrição e justificativa do método e das suas metodologias. A segunda trata de aspectos teórico metodológicos do trabalho, destacando os conceitos, as categorias de análise, o problema e os procedimentos metodológicos. A terceira aborda o debate da questão camponesa a partir dos autores clássicos. Também é feita uma recuperação das contribuições recentes de alguns autores que procuraram entender, tanto no Brasil quanto no mundo, como a classe camponesa responde aos avanços do capitalismo, se recriando e se ressignificando. Na quarta, busca-se entender como o campesinato se organiza no município em sua teia de relações com o mercado. Nesse capítulo, consta uma descrição da geografia do mesmo e de sua composição histórica, buscando-se, concomitantemente, recuperar a origem do seu campesinato, as suas produções específicas, bem como as 22 principais tendências de integração no comércio entre pequenos produtores e atravessadores. Na quinta, procura-se analisar como funciona o PAA no município e o que ele tem a oferecer como melhoria de renda para a classe trabalhadora, enquanto elemento de sua recriação ou ressignificação, conforme discutido na seção dois. Esta análise está fundada na pesquisa de campo. Na última seção, faz-se uma retomada das principais conclusões da pesquisa, como também os apontamentos para os trabalhos futuros e as principais questões de prosseguimentos da pesquisa como aquelas que não foram possíveis de aferir ou responder no trabalho. 23 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E TEÓRICOS Nesta pesquisa, preferiu-se expor em separado para o melhor entendimento os procedimentos metodológicos utilizados. 2.1 Termos utilizados Primeiramente, é importante esclarecer que nesta optou-se por utilizar os termos “agricultura camponesa” e “agricultura familiar” como equivalentes, mesmo aceitando que a nomenclatura “agricultura familiar” seja um termo, que embora conste nos textos clássicos, teve uma divulgação mais recente, popularizada pela quantidade de pesquisas acerca do PRONAF, e não como um desdobramento/evolução da agricultura camponesa. Entendemos que ela é capaz de se adequar de diferentes formas no tempo e no espaço. Do mesmo modo, se utilizou como sinônimos “pequeno produtor”, “produtor camponês” e “produtor familiar”, gestor familiar da unidade de produção. Além disso, utilizaram-se os termos “atravessador” e “intermediários” como equivalentes, para designar os comerciantes que podem ser pessoas ou instituições que compram a mercadoria direta do produtor e a revendem para o consumidor final ou para outros estabelecimentos e que são bastante comuns no comércio da agricultura familiar da maior parte dos municípios da Paraíba. Boa parte deles se aproveita da vantagem de obter um transporte de carga, o que facilita a sua locomoção para feiras e supermercados de outras cidades maiores. 2.2 Categorias de análise Do ponto de vista teórico, foram escolhidas como categorias principais do estudo: espaço geográfico, território e campesinato. Entende-se o espaço geográfico, dentro da perspectiva da geografia crítica, perspectiva que nasce contrária à corrente neopositivista, que considerava o espaço de forma autônoma e homogênea. A corrente crítica teve influência de quatro tendências: a anarquista, influenciada pelo pensamento de Réclus e Kropotkin; a popular-radical, que defende o contato direto dos geógrafos com as populações das áreas e bairros a serem investigados; a geografia voltada para o terceiro mundo, que se debruça sobre os estudos particularmente sobre o imperialismo; e a de orientação marxista, fundamentadas na obra de Marx e Engels, que se baseia na procura 24 de pressuposto teórico para o entendimento da sociedade dentro do sistema capitalista. (MOREIRA, 2010) Nesta pesquisa, considera-se o espaço como um produto histórico-social, fruto da evolução da sociedade, das lutas de classe, da produção humana como um todo, articuladas nas materializações das formações econômico-sociais e que se sucederam ao longo do tempo. Sobre o conceito de espaço concordamos com a abordagem de Saquet, quando afirma: [...] como um produto da dinâmica socioespacial, ou seja, das relações sociais que os homens mantêm entre si, com a natureza nata (meio natural, sua natureza exterior) e consigo mesmo, com sua natureza interior. Este espaço é dia-a-dia reproduzido através do trabalho e demais atividades do homem e revela as contradições e desigualdades sociais. Espaço, simultaneamente, resultado e condição dos processos sociais. (2002, p. 14-15). A escolha da categoria espaço para o embasamento da pesquisa prende-se ao fato dela possibilitar a reflexão crítica sobre o processo de produção e evolução do próprio espaço ao longo do tempo histórico. Na construção teórica dessa categoria, destacam-se as contribuições de Léfèbvre que influenciaram significativamente o trabalho de Milton Santos. Para Henry Léfèbvre (1974), há uma relação intrínseca entre o tempo histórico e o espaço, sendo que este último é um produto social. Milton Santos (1980) é influenciado pelas ideias de Léfèbvre, e o define como “testemunho” e ao criar expressões como “rugosidades do espaço” ele admite a historicidade, e o espaço como um produto que materializa as formações sociais que estão presentes nas paisagens (SANTOS, 1997). Espaço e território estão imbricados, um não existe sem o outro, há uma relação de produção de tal forma que as relações de poder se materializam no próprio espaço. No caso da pesquisa, o espaço está submetido ao processo de exploração característico do sistema capitalista. Se levarmos em conta que nas sociedades estruturadas no modo de produção capitalista, o espaço acha-se antes de tudo subordinado às necessidades de acumulação de capital (produção de mais-valia) e que este processo de acumulação é desigual (ele se dá de forma diferenciada quer entre setores da atividade, quer entre as diversas regiões do mesmo país), concluiremos que o espaço, enquanto produto das necessidades de acumulação, sofre as diferenciações decorrentes desse processo. Pode-se mesmo afirmar que a cada forma assumida pelo processo de acumulação, corresponde uma forma regionalmente diferenciada de organização espacial. (MOREIRA e TARGINO, 2014, p. 8). Entende-se que o espaço é reflexo e produto social dinâmico das relações estabelecidas pelas classes sociais e suas territorialidades. Estas são manifestadas de forma latente ou de forma simbólica pela desigualdade de poder entre as classes. A luta 25 classista/territorial se materializa no espaço, na verdade, dizendo de outro modo, ela produz o espaço. Quanto à opção pela categoria território, ela explica-se por destacar as relações de poder como elementos centrais da sua constituição. A recuperação dessa categoria de análise foi feita a partir das contribuições de Raffestin (1993), Léfèbvre (1974) e Souza (2001). Estes autores comungam da ideia de poder como elemento central na construção da categoria território. Paul Claval (1999) identifica três eixos na análise do território. Um eixo é o do poder, com ênfase no Estado-Nação (apropriação do espaço por um grupo). Outro eixo é a da realidade social, onde entra a questão da naturalização do território e a abordagem crítica e marxista do espaço (território). O terceiro eixo diz respeito aos símbolos e à representação, ou seja, à dimensão simbólica do território, entendido como espaço vivido. Robert Sack (1986) afirma que território implica controle do acesso, neste caso os territórios são formas socialmente construídas de relações sociais e seus efeitos dependem dos sujeitos sociais que controlam e dos seus propósitos. Segundo Rogério Haesbaert e Ester Limonad (1999), existem basicamente três abordagens conceituais de território: 1. Abordagem jurídico-política (majoritária na Geografia) que considera o território no âmbito do Estado-Nação e as diversas organizações políticas envolvidas; 2. Abordagem culturalista, que considera o lugar, o cotidiano e a identidade dos atores para com o território; 3. Abordagem econômica, que trata da divisão territorial do trabalho, classes sociais e relações de produção no território. No caso específico deste estudo, preferimos optar pela terceira abordagem, a abordagem em que se sublinha o conflito entre trabalho e capital que se manifesta através dos atravessadores, que extraem o excedente da produção dos camponeses, sujeitando-a ao capital. De acordo com Saquet: Há um movimento da sujeição do trabalhador assalariado ao capital, no movimento de autovalorização deste. No caso do trabalho familiar, agrícola e/ou artesanal, o mesmo processo se dá, porém, disfarçadamente, através de elementos/forças mediadoras, ou seja, através das relações que o produtor familiar mantém com os emissários dos capitais comercial, industrial e financeiro. (SAQUET, 2002, p. 27). Alguns autores definem o território a partir da ideia de conflito entre as classes/forças sociais e as estruturas de poder daí decorrentes. Essas formas produzem não só o território, 26 mas estabelecem suas territorialidades. Esses conflitos resultam das formas de exploração e subordinação do trabalho próprias do modo de produção capitalista; com efeito, entende-se a dinâmica da acumulação capitalista como desigual e contraditória, que precisa de formas de produção não necessariamente capitalistas para se desenvolver. Uma delas é a forma de fazer camponesa. Quanto ao conceito de campesinato, precisa-se, primeiramente, pensá-lo como um modo de vida e como classe social que tem pressupostos de produção próprios, articulados com o tamanho da família, que se adapta e se readapta aos modos de produção em diversas temporalidades, como ressaltou Chayanov (1981). O uso do conceito de campesinato aqui é colocado, previamente, ao definir os camponeses como classe social. Com efeito, a pesquisa aborda o campesinato dentro do sistema capitalista nas suas relações de poder com as classes dominantes, ou seja, suas territorialidades nas formas de resistência e recriação. O conceito de campesinato e o seu desaparecimento frente ao sistema capitalista foi estudado por diversos estudiosos que serão expostos no trabalho. Ressalta-se que este conceito não é atemporal nem estático, e está em permanente evolução. Uma contribuição que se observa na retomada do conceito de camponês em novos estudos sobre a questão agrária é devida a Sevilla e Molina (2013), autores que fazem uma análise do campesinato na antiga tradição dos estudos sobre os camponeses e na nova tradição, que destaca a contribuição do campesinato para a agroecologia. Procura-se entender na pesquisa o processo de recriação da produção camponesa frente à exploração sofrida pelo capitalismo. Admite-se que a exploração é inerente ao processo de produção capitalista e que a exploração de outras formas de produção é necessária, ou seja, o sistema capitalista sobrevive de uma acumulação primitiva constante. Entretanto, há outro processo que é o da recriação camponesa que acontece como fruto da luta política das entidades camponesas, traduzidas tanto em políticas públicas quanto na retomada da forma de produzir que lhe é característica, processo pelo qual observamos sempre nas crises cíclicas do capital. 2.3 O problema da pesquisa Manipulados via preço dos produtos, os produtores são vítimas de um comércio predador que se materializa no espaço geográfico estudado, o município de Lagoa Seca. Esse comércio também passa a ser elemento de desintegração do campesinato, pois expropria o 27 camponês do seu excedente, impedindo-o de expandir a sua produção e de melhorar as condições de vida e de produção da unidade camponesa. Por outro lado, a venda aos atravessadores é a principal forma de comercialização que garante a manutenção das pequenas unidades familiares no município. Sem os atravessadores, é praticamente impossível escoar toda a produção, por isso a dependência. O comércio da produção agrícola é a principal interligação entre a forma de produção camponesa e o modo de produção capitalista no município estudado, nesse caso a forma de fazer não capitalista contribui para a acumulação de capital por parte da classe burguesa. Com a implantação do Programa de Aquisição de Alimentos, por exemplo, há um novo redesenho desse processo, só que via ação estatal, que possibilita a mediação do Estado neste comércio. Esta nova possibilidade de comércio pode fornecer aos camponeses algumas alternativas à exploração sofrida no comércio com os atravessadores, reforçando características do próprio campesinato. Os pequenos produtores rurais de Lagoa Seca têm se deparado com as explorações sofridas no processo de comercialização do seu produto, seja pelo aviltamento do preço de seus produtos, seja simplesmente pelo fato de alguns atravessadores não pagarem pelos produtos negociados. Nas discussões teórico-metodológicas realizadas ao longo do curso, compreende-se a abordagem dialética como aquela que pode fornecer um maior suporte para as análises. A dialética vê a realidade como algo que precisa ser compreendido, a partir de sua relação com o todo. O materialismo histórico dialético principalmente tem como um princípio básico que “a ideia materialista do mundo reconhece que a realidade existe independentemente da consciência” (TRIVIÑOS, 1987, p. 50), sendo assim, a realidade se constitui a priori como matéria em si, para depois desenvolver a consciência do que é vivido. O estudo sobre relações de classes sociais como aqui é estabelecido não pode desmerecer esta abordagem, julgada como a que melhor permite o entendimento do processo conflituoso das classes sociais dentro dos modos de produção e das formações socioeconômicas. 2.4 Método e metodologias Considerando que “a metodologia da pesquisa deve esclarecer os métodos que serão utilizados para que o problema proposto seja respondido”, e que seus “métodos dizem respeito ao caminho à estrutura metodológica que será adotada” (MALHEIROS, 2011, p. 71), é necessário que se descreva o processo metodológico da referida pesquisa. 28 Tendo em vista estudar a realidade da reconfiguração territorial da comercialização da agricultura familiar em Lagoa Seca, foram adotados os seguintes procedimentos: a) Pesquisa bibliográfica: o levantamento bibliográfico acerca da temática abordada permitirá a construção do referencial teórico sobre a agricultura campesina ou familiar a partir dos teóricos clássicos e seu desdobramento no Brasil e relacionar, posteriormente, as pesquisas do município estudado, bem como proporcionará fazer um diagnóstico da realidade da pequena produção familiar em Lagoa Seca em sua contextualização histórico-temporal e com o Programa de Aquisição de Alimentos; b) Pesquisa documental sobre a Política de Aquisição de Alimentos (PAA), adotada pelo governo federal, no contexto do Programa Fome Zero. Esta pesquisa, é “utilizada quando existe a necessidade de se analisar, criticar, rever ou ainda compreender um fenômeno específico ou fazer alguma consideração que seja viável com base na análise de documentos” (MALHEIROS, 2011, p. 86). Essa é basilar para entender o funcionamento do Programa no Brasil e no município, tendo em vista que o mesmo programa é previsto e regulado com base no artigo 19 da Lei 10.696/2003. c) Levantamento de dados estatísticos: para elaborar o contexto da agricultura familiar de base camponesa no município, serão levantados os dados fornecidos pelo Censo Agropecuário de 2006 e de 1995/96; serão levantadas informações a respeito da estrutura fundiária municipal, a composição da produção agrícola e pecuária, as relações de trabalho e a base técnica de produção. d) Pesquisa de campo: realizou-se uma pesquisa de campo que compreendeu: I- Visitas às unidades de produção e às unidades de comercialização para levantamento das condições de intermediação da produção; durante elas realizaram-se vinte e quatro entrevistas semiestruturadas (veja roteiro em anexo): dez com os pequenos produtores atendidos pelo PAA; dez com produtores não beneficiários; duas com atravessadores, no sentido de levantar as condições reais da produção e da comercialização do produto; foram também entrevistados dois responsáveis pelo PAA no município. As entrevistas, como instrumento de pesquisa, foram escolhidas visando sua vantagem de permitir como nenhuma outra técnica, a captação da informação desejada. “Uma entrevista bem-feita pode permitir o tratamento de assuntos de natureza estritamente pessoal e íntima, assim como temas de natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais.” (LUDKE, 1986, p. 34); As entrevistas foram gravadas e arquivadas em modo de transcrição. Os agricultores que 29 foram entrevistados compreendem os grupos de agricultores aptos ao Programa conforme o previsto na Lei 10.696/2003. II- Visita aos lugares de comercialização dos produtos para identificar as formas de venda direta ao consumidor, os apoios institucionais recebidos nesse processo, as condições de comercialização, a periodicidade dessas vendas, etc. Visitas informais junto aos produtores e aos intermediários para levantar as condições de produção (organização da produção, canais de comercialização, ação dos intermediários, condições oferecidas pelo PAA, articulação com os órgãos públicos adquirentes dos produtos, formas organizativas e articulação com grupos de assessorias, etc.); Quantitativamente distribuiu-se assim o número de entrevistas realizadas ao total de 24 entrevistas semiestruturadas, sendo: 02 com responsáveis diretos pelo PAA no município. 10 com agricultores beneficiários do PAA. 10 com agricultores não beneficiários do PAA. 02 com intermediários do município. e) Registro das atividades de campo: todas as etapas das atividades de campo foram registradas através de fotografias, anotações e gravações. f) Tratamento e apresentação dos dados: Os dados levantados foram trabalhados com base na estatística descritiva e serão apresentados sob a forma de tabelas e gráficos. 30 3. RECRIAÇÃO DA PEQUENA PRODUÇÃO E APONTAMENTOS PARA UMA RESSIGNIFICAÇÃO DO CAMPESINATO FRENTE AO CAPITALISMO A recriação da pequena produção camponesa e sua forma de fazer é colocada em cheque pelas transformações e avanços da ação do capitalismo. Esta forma de agir tende à uniformização das relações de produção no campo, assemelhando-as às da indústria, como, por exemplo, a transformação de algumas propriedades camponesas em verdadeiros estabelecimentos industriais, com a proletarização e assalariamento da força de trabalho. É bem verdade que existe uma mudança significativa que vem sendo sentida no campo, através da ação do capitalismo. Pequenos produtores não resistem ao comércio predatório, advindo da concorrência, e a expansão fundiária das grandes propriedades e acabam migrando para outras atividades. A sustentabilidade das pequenas propriedades camponesas não está centrada na lucratividade evidentemente, mas em uma forma de organização própria que vem sendo subordinada pelas relações comerciais ao capital. O comércio é a ligação principal da forma de fazer camponesa com o mundo capitalista de produção. Há uma subordinação do pequeno produtor ao comerciante quando o atravessador, por exemplo, paga pelo produto uma quantidade ínfima, ele está explorando a força de trabalho do pequeno produtor via preço do produto. Esta relação é peculiar ao modo de produção capitalista que precisa explorar outras formas de produção para sobreviver, como ressaltou Luxemburgo (1985). Atualmente, é destacado o papel da agricultura familiar na economia brasileira seja como fonte de abastecimento do mercado interno, contribuindo para a segurança alimentar, seja como garantia da geração de empregos diretos. Mas, esta forma de produzir precisa se sustentar para garantir o bom funcionamento dentro do quadro atual da economia. É preciso dar melhores condições aos pequenos produtores para resistirem às pressões impostas pelo comércio exploratório. A família está completamente subordinada à lógica da pequena produção. Em algumas delas, há aqueles que trabalham até fora do lócus de produção, em atividades que se constituem em trabalhos acessórios, que auxiliam na renda gerada pela pequena produção, pois muitas vezes ela não é suficiente. É sabido que é preciso condições extremas de pobreza para que o camponês se desapegue da sua fonte de sustento, para migrar para outras atividades, já que este tem um apego simbólico e de sobrevivência com a terra. É preciso lembrar que o debate sobre a recriação ou o desaparecimento parcial ou total das pequenas unidades produtoras é já bastante antigo e o campesinato também atua de forma 31 dinâmica respondendo a estes processos. O conhecimento do pensamento dos autores clássicos como Karl Marx, Karl Kautsky, Vladimir Lênin, Alexander Chayanov e Rosa Luxemburgo sugerem uma base instigante para o debate sobre a atual forma de pensar a sustentabilidade das pequenas propriedades e principalmente fomentar uma perspectiva crítica sobre as ações dos poderes públicos na atualidade. Já a literatura brasileira conta com vários autores que dedicaram suas pesquisas a aprofundar este debate e adequá-lo à realidade brasileira, são exemplos: Ricardo Abramovay, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Bernardo Mançano Fernandes, dentre outros. É bem verdade que a maior parte da produção destes autores é voltada para áreas onde a produção camponesa é fruto da luta pela terra em assentamentos rurais, fato que dificulta um pouco a relação com a forma de campesinato adaptada ao município de Lagoa Seca. Nesse município, historicamente, a estrutura fundiária é caracterizada pelo minifúndio advindo da subdivisão dos lotes por herança. Essa tradição de passagem da propriedade e as características da própria produção e formas de produção se alinham ao modo camponês de ser e fazer. Sob esta ótica é importante ressaltar o pluralismo do campesinato brasileiro colocado por Carvalho (2005), onde há no Brasil uma incapacidade de contabilizar todos os camponeses, pela pluralidade de formas de uso da terra, suas formas de fazer, suas diferentes nomenclaturas, suas origens e seus graus de articulação com o mercado, etc. O objetivo desse capítulo é resgatar, através do levantamento teórico de alguns dos principais clássicos, os olhares sobre a sustentabilidade da pequena produção camponesa e de como se atualizam seus pensamentos numa visão ressignificada do campesinato. 3.1 A discussão clássica sobre o campesinato O século XIX provocou grandes mudanças no campo, sobretudo, por causa do processo de subordinação da agricultura à lógica da acumulação do capital. Este fato trouxe à tona uma série de discussões sobre a possibilidade ou não de permanência das formas camponesas de organização da produção. Podem ser identificadas duas correntes de opiniões a esse respeito: de um lado, os que advogavam o fim do campesinato tais como Karl Marx, Karl Kautsky e Vladimir Lênin, e, de outro lado, os que defendiam a possibilidade de permanência dessa forma de produção, a exemplo de Rosa Luxemburgo e Alexander Chayanov. 32 3.1.1 O pensamento de Karl Marx sobre o campesinato Quanto às posições de Marx sobre a recriação da pequena agricultura em vista do avanço capitalista, é importante compreender os estágios da trajetória intelectual deste. Além disso, sabe-se que o campesinato não foi objeto principal de sua análise embora esteja atrelado às transformações do sistema de acumulação do capital. Para Correia (2011), é preciso dividir a posição do autor em três momentos históricos diferentes: a) na juventude; b) na maturidade; e c) no último Marx. Para entender o pensamento do próprio Marx é indispensável recordar o seu tempo de vida. Viveu de 1818 a 1883, morrendo aos sessenta e quatro anos, analisando as realidades principalmente da Inglaterra, da Alemanha e da França. Ao primeiro Marx, pertencem os escritos de sua juventude que vão de 1840 a 1843. Nessa fase ele é influenciado pelo idealismo de Hegel, mais particularmente pela esquerda Hegeliana. Este ainda não estava convertido ao comunismo e direcionou seus estudos para as mudanças da concepção de estado e política. Ainda no início da sua produção intelectual, analisou a exploração das classes subalternas pela burguesia. A primeira relação de Marx com o campesinato se dá na defesa dos viticultores de Mosella, mostrando certa preocupação com a ordem vigente. Os primeiros esforços de compreensão da questão agrária e camponesa foram feitos pelo próprio Marx quando, ainda no primeiro período de sua vida, realizou um estudo sobre a situação de miséria dos viticultores de Mosella, ocasião em que assumiu a defesa dos camponeses, exigindo do governo providências urgentes para solucionar o problema. (FABRINI e MARCOS, 2010, p. 9). Entretanto ele ainda não tinha, nesta fase, um pensamento sistematizado sobre o funcionamento do capitalismo e da economia política, mas já apontava ao governo um início da deterioração das condições de vida de famílias camponesas. Este ainda não identificava o camponês como um ser atrasado, extremamente conservador e antirrevolucionário. No segundo Marx, período da sua maturidade entre 1844 e 1870, o campesinato reaparece na visão do autor ao estudar o modo de produção capitalista. Ao dissecar o processo de acumulação, Marx identifica a separação do produtor direto em relação aos meios de produção e a transformação desses últimos em capital como a origem de todo processo de acumulação (MARX, 1975). Liberto dos meios de produção, o campesinato e os artesãos transformam-se em trabalhadores disponíveis à valorização do capital. Desse modo, haveria uma tendência à 33 extinção e insuficiência do campesinato à medida que o modo de produção capitalista se tornasse homogêneo. O último Marx, no período final de sua obra, que corresponde ao intervalo entre 1871 e 1883, assume uma posição mais flexível a respeito da possibilidade de permanência do campesinato, bem como da possibilidade de sustentar-se, se realizadas sob as formas de cooperação e solidariedade existentes nas sociedades camponesas que poderiam ser uma alavanca para se chegar ao socialismo, conforme está expresso em suas respostas à carta de Vera Zasulitch (MALAGODI, 2005). As análises sobre o campesinato na obra de Marx se deram em duas correntes distintas: de um lado, estão aqueles que defendem a desintegração completa do campesinato em virtude da ampliação do capitalismo e do desenvolvimento industrial chamada de marxismo ortodoxo e, de outro, os autores que buscam justificar a possibilidade de permanência do campesinato, chamado de marxismo heterodoxo. 3.1.2 A visão dos marxistas ortodoxos O debate sobre a superioridade econômica da grande propriedade intensificou-se após os anos 1890. O alemão Karl Kautsky, um dos representantes do chamado marxismo ortodoxo, em sua obra A Questão Agrária, publicada em 1899, faz prognósticos sobre o fim da pequena propriedade em virtude do avanço do capitalismo no campo. Para Kautsky (1972, p. 129) “Quanto mais o capitalismo se desenvolve na agricultura, mais aumenta a diferença qualitativa entre a técnica da grande exploração e a da pequena”. Segundo ele, a grande propriedade se adapta muito melhor do que a pequena às mudanças técnicas possibilitadas pelas inovações do século XIX. No seu texto em crítica ao professor Sering a quem intitula de grande entusiasta da pequena exploração, ele observa que: Considerando todas as vantagens da grande exploração na agricultura – menos superfície inculta, economia de homens, animais e instrumentos, completa utilização de todos os objetos, possibilidades de empregar máquinas (interdita à pequena exploração), divisão do trabalho, direção confiada a agrónomos, superioridade comercial, maior facilidade de conseguir dinheiro – dificilmente se concebe que o professor Sering possa afirmar resolutamente: Não há a menor dúvida de que qualquer ramo de cultura do solo pode ser praticado na média e na pequena propriedade tão racionalmente como na grande e mesmo de que, ao contrário da evolução da indústria, a intensidade crescente da cultura do solo dá à pequena propriedade uma superioridade considerável sobre a grande. (KAUTSKY, 1972, p. 146) 34 O autor sublinha que dificilmente a pequena exploração terá chances competitivas contra a grande. Consequentemente, na opinião dele, o campesinato estaria fadado a desaparecer ou diminuir, enquanto que o destino dos lavradores das pequenas propriedades seria perder as terras e migrar para as cidades, tornando-se mão de obra para o desenvolvimento industrial. Kautsky aponta situações de extrema miséria entre os camponeses inclusive citando a sua má nutrição. Outro autor que se destaca como expoente desta corrente é Vladimir Lênin. Na obra O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, publicada em 1899, ao observar a realidade daquele país, destacou a desintegração progressiva do campesinato em três grupos: os camponeses ricos que se transformaram em proprietários capitalistas; os camponeses pobres que se transformaram em assalariados; e os camponeses médios que tenderiam a se subdividir entre os dois grupos anteriores. Esse processo se intensifica com a integração ao mercado deste campesinato. Este serviria, pois, para a formação de um mercado consumidor que fortaleceria o capitalismo. Para ele o que existia era uma decadência acentuada do campesinato em detrimento de empresários rurais. A desintegração do campesinato provoca um desenvolvimento dos grupos extremos, em detrimento do campesinato “médio”, criando dois tipos novos de população rural, cujo denominador comum é o caráter mercantil, monetário da economia. O primeiro desses tipos é a burguesia rural ou o campesinato rico englobando os cultivadores independentes (que praticam agricultura mercantil sob todas as suas formas) [...] O outro tipo é o proletariado rural, a classe dos operários assalariados que possuem um lote comunitário. Esse tipo envolve o campesinato pobre, incluindo aí os que não possuem nenhuma terra. Mas, o seu representante típico, entre nós, é o assalariado agrícola, o diarista, o peão, o operário da construção civil ou qualquer outro operário com lote de terra. (LÊNIN, 1982, p. 115-116). Como se pode observar no texto acima, para Lênin, só existiria com o avanço do capitalismo duas classes sociais, que a partir da dissolução do campesinato se dividiria na aproximação dos eixos extremos. Uma parte estaria fadada à desintegração completa, até virar mão de obra assalariada para as atividades citadinas e rurais, enquanto a outra se incorporaria à burguesa, com progressiva tendência ao aumento das propriedades em vista da regressão da outra parte empobrecida. Lênin é outro autor que destaca a dificuldade de se manter economicamente a pequena produção em virtude do avanço das ações do capitalismo. Em sua opinião, os camponeses vão sendo sucumbidos pela atração de novos empregos que surgem com o desenvolvimento da indústria, principalmente. 35 Entre os marxistas ortodoxos, a forma de produzir campesina estaria fadada a ser sucumbida pelas formas capitalistas de produção. Entretanto, outros autores não avaliaram dessa maneira. Seus escritos falam diferente da relação do campesinato com o capitalismo entre eles se destacam Rosa Luxemburgo e Alexander Chayanov. 3.1.3 A visão dos marxistas heterodoxos Rosa Luxemburgo (1985), em sua obra, discorda da interpretação de Karl Marx quanto à exclusividade do modo de produção capitalista. Para ela, o capitalismo precisa explorar outras formas de produção, para completar o ciclo de realização desta. Existe, portanto, uma relação de dominação entre os modos de produção, desta forma a autora não previu o desaparecimento do campesinato no modo capitalista, pois a expansão do sistema capitalista depende da existência de “setores externos” a ele. O campesinato passaria por transformações, adaptando-se ao ciclo produtivo do modo de produção dominante, mas sem necessariamente se extinguir. (...) historicamente, a acumulação de capital é o processo de troca de elementos que se realiza entre os modos de produção capitalistas e os não capitalistas. Sem esses modos, a acumulação de capital não pode efetuar-se. Sob esse prisma, ela consiste na mutilação e assimilação dos mesmos, e daí resulta que a acumulação do capital não pode existir sem as formações não capitalistas, nem permite que estas sobrevivam a seu lado. Somente com a constante destruição progressiva dessas formações é que surgem as condições de existência da acumulação de capital. (LUXEMBURGO, 1985, p. 285). Rosa Luxemburgo evidencia uma tentativa de preencher as lacunas deixadas pelo Capital de Marx, no que se refere à acumulação e rompe com a visão ortodoxa de admitir apenas duas classes sociais dentro do capitalismo, quando fala na coexistência de modos de produção. A autora defende a ideia de formações econômico-sociais, onde existe na realidade a predominância de um modo de produção sobre os demais. Neste caso, as trocas entre os modos de produção dentro dessa ótica seriam de relações exploratórias. No entanto, deixa claro que no capitalismo esta relação é primordial para o processo de acumulação contínuo, e que é o próprio movimento do capitalismo que gera a exploração e resistência do camponês. Outro autor que discorda da visão ortodoxa é Alexander Chayanov (1981). Ele observou a questão do campesinato na Rússia de um prisma diferente dos demais, destacando a lógica interna da unidade familiar. Segundo ele, a organização da unidade de produção camponesa estava baseada no núcleo de trabalho familiar e no balanço trabalho-consumo. 36 Dessa forma, Chayanov contesta as formas de análise da produção familiar baseada no conceito de lucro e de salário. Com efeito, o camponês ou artesão que dirige sua empresa sem trabalho pago recebe, como resultado de um ano de trabalho, uma quantidade de produtos que, depois de trocada no mercado, representa o produto bruto de sua unidade econômica. Deste produto bruto devemos deduzir uma soma correspondente ao dispêndio material necessário no transcurso do ano; restanos então o acréscimo em valor dos bens materiais que a família adquiriu com seu trabalho durante o ano ou, para dizê-lo de outra maneira, o produto de seu trabalho. Este produto do trabalho familiar é a única categoria de renda possível, para uma unidade de trabalho familiar camponesa ou artesanal, pois não existe maneira de decompô-la analítica ou objetivamente. Dado que não existe o fenômeno social dos salários, o fenômeno social de lucro líquido também está ausente. Assim é impossível aplicar o cálculo capitalista do lucro. (CHAYANOV, 1981, p. 138). Assim, ele discorda do que havia colocado Lênin sobre a desintegração do campesinato. Para Chayanov, o que existia na verdade era uma estratégia peculiar à própria organização, o mesmo é colocado como um modo de produção diferente, que não está baseado nos pressupostos de acumulação do capitalismo. É exatamente essa peculiaridade da produção camponesa que permite a sua sobrevivência. Os preços de seus produtos não são estabelecidos a partir de um levantamento de custos, de acordo com a lógica do lucro. O campesinato sofre o preço estabelecido no mercado, e a partir desse preço a unidade camponesa define a quantidade a ser produzida, levando em consideração o balanço entre trabalho e consumo, deduzidos os preços do dispêndio material necessário à produção. Desse modo, é através da venda dos produtos que o sobretrabalho da unidade de produção camponesa é apropriado pelo capital. Erick Wolf (1970) reforça essas conclusões de Chayanov. Na sua análise, ele acrescenta outras variáveis ao balanço trabalho-consumo, incorporando considerações a respeito dos fundos de cerimoniais e dos fundos de manutenção: A esta altura, é importante recordar que os esforços na vida de um camponês não são regulados exclusivamente por exigências relacionadas ao seu modo de vida. O campesinato sempre existe dentro de um sistema maior. Em consequência, a quantidade de esforço que deverá ser despendido para sustentar os seus meios de produção ou para cobrir as suas despesas cerimoniais estará condicionada à maneira pela qual o trabalho na sociedade a que o camponês pertence, bem como as regras que orientam a divisão do trabalho. (WOLF, 1970, p. 22). Para Wolf, os excedentes da produção camponesa devem ser utilizados para o fundo de manutenção que é mediado pela sociedade à qual o camponês pertence. A geração desses 37 excedentes exerce também influência sobre a unidade camponesa. Wolf nesse aspecto vai além de Chayanov. Uma sociedade cujo modo de produção é capitalista provoca prejuízos significativos à estrutura camponesa que terá que se readaptar a questão do poder aquisitivo para conseguir resistir. [...] Mas onde as redes de trocas são mais abrangentes e obedecem a pressões que não levam em consideração o poder aquisitivo da população local, um cultivador terá que aumentar de muito a sua produção para obter a quantia necessária para a manutenção. Sob tais condições, uma porção considerável do fundo de manutenção do camponês poderá torna-se o “fundo de lucro” de outrem. (WOLF, 1970, p. 23). Como os equipamentos de manutenção são gerados no setor capitalista, estão sujeitos a um controle de preços, fazendo com que a sua aquisição pela economia camponesa requeira uma quantidade crescente de produto excedente. Desse modo, o canal de comercialização se constitui em mecanismo de extração do sobretrabalho camponês representado pelo fundo de manutenção. Outro autor que se debruçou sobre a questão do desaparecimento ou não do campesinato é Teodor Shanin. Ao analisar o aumento do número de estabelecimentos camponeses no Brasil e no México, o autor sublinha a não dissolução do campesinato e a sua integração à economia capitalista como uma forma complementar, uma espécie de acumulação primitiva contínua, integrante do sistema. Para Shanin: Parece querer dizer que, sob certas condições, os camponeses não se dissolvem, nem se diferenciam em empresários capitalistas e trabalhadores assalariados, e tampouco são simplesmente pauperizados. Eles persistem, ao mesmo tempo em que se transformam e se vinculam gradualmente à economia capitalista circundante, que pervade suas vidas. Os camponeses continuam a existir, correspondendo a unidades agrícolas diferentes em estrutura e tamanho, do clássico estabelecimento rural familiar camponês, em maneiras já parcialmente exploradas por Kautsky. Os camponeses são marginalizados, a importância da agricultura camponesa dentro da economia nacional diminui, o crescimento mais lento de sua produção torna-a atrasada. O mesmo pode estar acontecendo com a posição dos camponeses dentro da “nação”. Eles servem ao desenvolvimento capitalista em um sentido menos direto, um tipo de “acumulação primitiva” permanente, oferecendo mão-deobra barata, alimentação barata e mercados para bens que geram lucros. Eles produzem, ainda, saudáveis e tolos soldados, policiais, criadas, cozinheiras e prostitutas; o sistema pode sempre fazer algo mais de cada um deles. E, obviamente, eles, isto é, os camponeses, dão trabalho e problemas para os estudiosos e funcionários, que quebram a cabeça em torno “da questão do seu não-desaparecimento”. (SHANIN, 2005, p. 8). 38 Este debate que é instigado por Shanin (2005) também esteve presente na pauta dos intelectuais brasileiros. Já na década de 1950, acirraram-se os debates sobre a questão agrária, sobretudo, por causa das mudanças estruturais que aconteceram no campo, com o processo de modernização da agricultura. Entre os autores brasileiros, podem ser identificadas duas correntes sobre a questão do campesinato: uma que aponta para o seu desaparecimento em virtude do avanço do capitalismo na agricultura, e a outra que entende o desenvolvimento capitalista no Brasil como desigual e contraditório e que dá espaços para a recriação do campesinato. 3.2 A discussão brasileira sobre a extinção do campesinato O campesinato, na literatura brasileira, também foi intensamente debatido sob os enfoques marxistas. Eles servem de plano de fundo para toda a discussão sobre a viabilidade/desaparecimento do campesinato, como classe social e até como modo de produção. É evidente que é preciso considerar as particularidades da evolução da organização do espaço agrário brasileiro e dos avanços tecnológicos sobre a forma de produzir camponesa. O interesse, neste capítulo, não é discutir a evolução dos modos de produção, embora se deva destacar a forte influência que tem esta visão sobre os autores apresentados. A maior parte desses autores está centrada na ideia sequencial dos modos de produção, e que o campesinato por sua vez está refém dessa evolução, transformando-se quase sempre em proletariado ou trabalhador da indústria. É importante não deixarmos de considerar a forte ação do capitalismo em seus avanços e recuos sobre a organização do modo de fazer camponês. Mas, consideramos que o campesinato resiste e se readapta, ao esquema de exploração exercido pelo modo de produção no decorrer do período histórico. Ele não desaparecerá por completo, seus traços ainda são evidentes em diversos espaços, inclusive no objeto de nossa investigação. O campesinato disputa forças dentro do território sendo explorado pelas forças burguesas, no caso da presente pesquisa, trata-se da apropriação do sobretrabalho camponês via preço do produto. O conceito de formação econômica e social pode responder melhor ao que se analisa na pesquisa, onde existem não apenas um modo de produção, mas uma coexistência destes, que se articulam. Afirma-se que existe um modo de produção subordinando outras formas. Entretanto, essas não deixam de ser importantes para que o capitalismo complete o seu ciclo produtivo como bem observou Rosa Luxemburgo (1985). 39 Primeiramente é importante ressaltar aqui a posição de Alberto Passos Guimarães em seu livro Quatro Séculos de Latifúndio (1968), escrito em 1963. O autor considera claramente que o Brasil era uma formação social híbrida que guardou traços marcantes do modo de produção feudal, não acompanhando assim a metrópole que já sinalizava para uma organização econômica segundo o modo de produção mercantil. Para Guimarães, membro do PCB, de visão marxista ortodoxa, era preciso destruir as relações que ele considerava pré-capitalistas e a classe camponesa era tratada como “restos feudais”. Desse modo, o campesinato deveria sucumbir, até porque o autor se sustentava na hipótese sequencial de sobrevivência dos modos de produção, e que para se chegar ao comunismo era preciso esgotar todas as etapas anteriores, inclusive o capitalismo, visão influenciada por Lênin. Mesmo que se concorde com o autor que a forma de organização da sociedade poderia até se assemelhar aos traços feudais, não se pode esquecer que praticamente toda a produção brasileira da época colonial era vendida ao comércio exterior pela metrópole, como mercadoria. Outro autor que é importante lembrar é Caio Prado Júnior. Este se diferenciava de Guimarães por defender que a economia brasileira desde o início da colonização foi organizada como uma economia capitalista. Essa tese foi claramente defendida no livro A Questão Agrária. Implicitamente, essa visão deixa transparecer que com a industrialização do campo, o campesinato estaria fadado ao desaparecimento. Ele discorda de que haveria restos feudais na economia brasileira, mas que havia, sim, restos escravistas. O autor, no livro A Questão Agrária (1979), defende a tese de que na economia colonial já havia relações assalariadas, sendo o preço do escravo e as despesas com sua manutenção um valor capitalizado de seus salários. O que denota que o autor tinha uma visão ortodoxa do processo histórico da sucessão progressiva dos modos de produção, assim como também pensava Guimarães e não em uma coexistência de formas de produção1. É preciso considerar que em outro livro, Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior dedica um dos capítulos à agricultura de subsistência. Dessa forma, ele reconhece, implicitamente, a pequena agricultura dentro da formação econômica capitalista, mas considera as relações de trabalho nela envolvidas como relação tipicamente capitalista. E defende algumas dessas relações como forma de pagamento ajustadas como no caso do sistema de parceria. 1 Essa visão de Caio Prado, foi contestada por Jacob Gorender (2011), quando defendeu a existência de um modo de produção escravista colonial. Em Gênese e Desenvolvimento do Capitalismo no Campo Brasileiro (2013), Jacob Gorender sugere que no caso brasileiro houve outro tipo de modo de produção, único em suas características adaptados à realidade da colônia. No caso, o Modo de Produção Escravista Colonial. 40 Com o Golpe Militar de 1964 é feita uma série de rupturas na discussão sobre o campesinato brasileiro. A chamada necessidade de uma reforma agrária como pré-condição para o desenvolvimento brasileiro foi descartada. O governo militar assegurou o processo de modernização da agricultura brasileira, sem efetivar a reforma agrária2. De acordo com Correia: Nas décadas seguintes, com o modelo político e econômico implantado pelo regime militar e o desenvolvimento do capitalismo no campo pautado na modernização da agricultura, a questão agrária brasileira ganha novos contornos. É neste contexto que se inserem as contribuições de José Graziano da Silva sobre o campesinato vinculado às transformações capitalistas. Ele corrobora, como será visto a seguir, com a ideia de que o desenvolvimento do capitalismo no campo culmina com o desaparecimento do campesinato, no entanto, faz ressalvas ao caso brasileiro, uma vez que, para ele, no Brasil, a insuficiência do desenvolvimento do capitalismo na agricultura não foi suficiente para expropriar completamente os camponeses de seus meios de produção. (CORREIA, 2011, p. 86). José Graziano da Silva, em seu livro A Modernização Dolorosa (1982), destaca o papel do avanço da mecanização do campo brasileiro, e suas repercussões quanto à utilização da força de trabalho. Influenciado pelas ideias leninistas, no caso específico dessa obra, destaca o processo de assalariamento que ocorria na agropecuária brasileira, sem considerar que o capitalismo necessita explorar outros modos de produção para a sua sobrevivência. Desta forma, também corrobora com as posições dos intelectuais já apresentados de destruição da forma de fazer camponesa em virtude do avanço das relações capitalista no campo. Assim, as formas de trabalho campesinas seriam dominadas pelo assalariamento progressivo e pela monetarização das relações de trabalho. A partir da década de 1980 com o avanço considerável da modernização do campo brasileiro, os debates foram mudando de rumo e aparecendo uma nova nomenclatura a ser popularizada: a de agricultor familiar. Essa categoria está bem vinculada às ideias de José Eli da Veiga e de Ricardo Abramovay. Estas reformulações estão atreladas à popularização do termo agricultura familiar e que tanto influenciou a aplicação das políticas públicas vigentes desde a década de 1980 no país. E, consequentemente, as ações do governo federal através do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e do PAA, que é colocado em foco por esta pesquisa. 2 Esta postura do governo militar não impediu que fosse promulgado o Estatuto da Terra (Lei 4504/1964), que em princípio regulava a realização da reforma agrária no Brasil. Tanto é, que o Capítulo I que trata da reforma agrária, foi o menos utilizado pelos militares. Toda ênfase foi dada ao Capítulo III, referente ao desenvolvimento rural e menos enfaticamente ao capítulo sobre colonização. 41 Para José Eli da Veiga, no artigo Fundamentos do Agrorreformismo, a agricultura familiar precisa racionalizar sua forma de produção de modo a adequá-la à maneira empresarial ou até industrial do fazer. Por extensão, as pequenas propriedades agrícolas devem buscar o aumento da produtividade, uma melhor adequação às exigências de mercado para que ocorra a sua integração progressiva. Nesse contexto, seria responsabilidade do Estado fomentar as políticas públicas capazes de dar condição à agricultura familiar de alavancar esse processo de transição. Dessa forma, ele imaginaria uma competição entre os pequenos produtores que inviabilizaria aqueles que permanecessem com certo grau de atraso. Para ele há a adaptação do camponês à parábola do Treadmill3, criada no final dos anos 1950 por Willard W. Cochrane. A parábola de Cochrane é, resumidamente, a seguinte: o agricultor que adota a última palavra em tecnologia (The early-bird farmer) constata que seus custos de produção unitários foram, de fato, reduzidos. Como resultado dessa adoção, Mr. Early-Bird aumenta o output de sua firma e obtém lucro. Ele continuará a obter esse lucro enquanto o preço se mantiver no nível inicial. O preço pode ficar nesse nível devido a situação automatizada do setor. O aumento do output realizado no estabelecimento do senhor EarlyBird terá influência infinitesimal na oferta setorial. Assim, a mesma possibilidade de lucro estará aberta aos outros inovadores que logo passarão a imitá-lo. Então, a produção aumentará consideravelmente e – Numa situação de livre mercado – este aumento causará a queda do preço. (VEIGA, 2013, p.93). Como se pode ver, as palavras de José Eli da Veiga estão totalmente voltadas para o aumento da tecnologia na produção familiar para integrar-se positivamente ao mercado. Entretanto, Veiga sugere a participação do setor estatal para a mediação do comércio. Concordamos com a participação, sim, do setor estatal na regulação do mercado para esta modalidade, bem como a fomentação de políticas públicas, mas não que isso tenda a ser necessariamente um processo destruidor de um modo de vida e de uma forma de produção. Pode-se entender que em consonância com esses pontos de vista estão os trabalhos de Ricardo Abramovay, um dos expoentes na discussão das políticas públicas e na disseminação do termo “agricultura familiar”. Para ele, é preciso que haja uma superação do agricultor camponês do passado. Ele interpreta a agricultura familiar como uma nova categoria social, baseando-se principalmente no locus de suas pesquisas, ou seja, na região Sul do país. Na sua tese de doutorado, Paradigmas do capitalismo agrário em questão (1990), o autor afirma, de certa forma, o não desaparecimento da pequena agricultura, mas uma superação de antigas 3 Trata-se de um aparelho, muito usado até o século XVIII, para transformar o andar humano em força motriz. Os infelizes, em geral prisioneiros, subiam em pedais fixados em torno de um cilindro, fazendo girar seu eixo, sem que, no entanto, saíssem do lugar. (VEIGA, 2013, p. 93) 42 formas, dando ao agricultor a posse de um novo formato de agricultura pautado no progresso técnico de suas atividades. Considera que o Estado deve intervir de forma a dar condições de transformação principalmente através do crédito. O autor afirma o modo camponês como bastante atrasado e que necessita de integração ao mercado: O próprio caráter comunitário da vida camponesa, além da existência de natureza extra-econômica regendo o uso dos recursos materiais de produção e consumo, bloqueiam a livre entrada e saída dos produtores e não elevam a eficiência do critério importante de sobrevivência econômica. Aqui, muito mais importante que a capacidade competitiva típica em uma estrutura comercial de mercado, é a formação da cadeia de patronagem, clientelismo e dependência que a reprodução camponesa se apoia. (ABRAMOWAY, 1990, p. 126) Para Abramovay, a agricultura camponesa está baseada no que ele chama de mercado incompleto e a superação deve vir a partir de uma conversão dos camponeses em agricultores, sugerindo superações numa ótica produtivista, como se o agricultor se “metamorfoseasse” em um novo ator social, dando-lhe mais visibilidade perante os órgãos de governo. Esse novo olhar sobre a agricultura camponesa influenciou a propagação do termo” agricultura familiar” como uma nova categoria em que se basearia em melhor acesso ao crédito, aumentando a produtividade da terra, o que tornaria a economia mais dinâmica. Entretanto “admitir a metamorfose do camponês em agricultor familiar é subavaliar a diversidade de formas possíveis de serem assumidas pelo campesinato e as estratégias por ele desenvolvidas na interação com o modo de produção capitalista.” (GIRARDI, 2008, p. 104) Para o capitalismo, é, sem dúvida, interessante transformar uma classe social antagônica e historicamente resistente aos seus processos em uma massa homogeneizada, uma nova categoria que se integra ao movimento do capital de forma livre e processual sendo, portanto, uma nova categoria consumista. Visualizar a homogeneização da “agricultura familiar” brasileira via lógica produtivista é primeiramente ignorar as formas de produção espalhadas em todo o país e contribuir para que as práticas agroecológicas, referidas aqui como um modo de vida, desapareçam ou estejam subordinadas ao grande capital. Essas opiniões influenciaram muito a ideia de produtividade e homogeneização para a nova categoria, algo que talvez se dê realmente de forma um pouco diferenciada no Sul do país, mas que não se manifesta de maneira latente nas demais regiões, principalmente na região Nordeste. Estas ideias sobre a produção familiar e as críticas a elas podem ser observadas no livro Agricultura Familiar e Reforma Agrária no século XXI (2001). 43 A viabilidade de a agricultura familiar absorver progresso tecnológico tem origem nas especificidades naturais do setor agrícola, as quais condicionaram sua evolução tecnológica. O camponês viu seus instrumentos de trabalho se aperfeiçoarem enormemente, sem que o processo de trabalho tivesse sofrido mudanças da mesma ordem daquelas observadas no processo de trabalho do artesão, que foi deslocado pela manufatura e, depois, pela grande indústria. O trator substituiu o cavalo, os fertilizantes químicos a matéria orgânica; as ferramentas e equipamentos se sofisticaram e diversificaram, mas continuam a ser instrumentos cuja boa utilização depende da arte e habilidade do agricultor e que, portanto, dificultam um trabalho de supervisão capitalista caso o agricultor seja um trabalhador assalariado. (GUANZIROLI et al., 2001, p. 20-21). De acordo com essas posições, a agricultura familiar seria um meio de o agricultor superar as barreiras do “atraso” e ter condições a partir do progresso técnico de competição com as grandes empresas capitalistas, dando ênfase às características que são peculiares à grande produção. É nesse contexto que nascem as principais políticas públicas brasileiras voltadas para a agricultura familiar. Como assinalam inúmeros autores, de modo geral a unidade técnica de base da produção agrícola permaneceu, apesar da modernização, ao alcance das unidades familiares. Os assalariados de uma produção capitalista vão utilizar as mesmas máquinas e equipamentos que os produtores familiares, os quais são manejados tal como os instrumentos de um artesão. [...] Nesses casos, do ponto de vista técnico, a concentração de capitais na agricultura implica simplesmente na multiplicação de módulos de produção, definidos em razão da escala ótima de operação dos equipamentos agrícolas. Desse modo, uma grande exploração composta de dez módulos equivale a soma aritmética de dez módulos cada uma. Não existe, portanto, superioridade técnica das grandes unidades sobre as pequenas, desde que o tamanho destas últimas seja igual ou maior do que aquele que corresponde ao módulo mínimo. Este módulo mínimo, por sua vez, embora tenha aumentado progressivamente ao longo do tempo, permaneceu dentro do alcance dos produtores familiares. (GUANZIROLI et al., 2001, p. 21). É importante concentrar-se na evolução do pensamento de modernização por parte de José Eli da Veiga e Ricardo Abramovay, porque são estes pensamentos que vão influenciar as políticas do governo brasileiro para esse segmento da produção, a exemplo do que ocorreu no governo de Fernando Henrique Cardoso, com o aparecimento do PRONAF. No entanto, alguns autores dão também continuidade à discussão sobre o destino da agricultura familiar no Brasil. Dentre eles se destacam Bernardo Mançano Fernandes e Ariovaldo Umbelino de Oliveira, que dão contribuições diferentes e instigantes ao debate. Eles sublinham um processo em que a agricultura familiar resiste e se adapta. Para Fernandes: 44 A organização do trabalho familiar no campo existe desde os primórdios da história da humanidade. Em seu processo de formação, a organização do trabalho camponês realizou-se em diferentes tipos de sociedade: escravista, feudal, capitalista e socialista. No capitalismo, a sua destruição não se efetivou conforme prognosticado, porque sua recriação acontece na produção capitalista das relações não capitalistas de produção e por meio da luta pela terra e pela reforma agrária (FERNANDES, 2000, p. 279-280). Para o autor, não existirá destruição da forma de fazer camponesa, mas uma recriação do campesinato. Com efeito, este não desapareceu nos modos de produção anteriores e é um componente articulado à produção capitalista, necessário ao seu desenvolvimento. Por outro lado, essa recriação do campesinato também se dá através da luta pela terra e pela reforma agrária, à medida que multiplica a pequena propriedade de base camponesa. Ariovaldo Umbelino de Oliveira, bastante influenciado pelas ideias de Rosa Luxemburgo, destaca o papel essencial da produção camponesa para a produção capitalista. Para esse autor, o fundamental para o capital é a sujeição da renda da terra, pois a partir daí, ele tem as condições necessárias para sujeitar também o trabalho que se dá na terra. Primeiramente, o capital sujeita a renda da terra e, em seguida, subjuga o trabalho nela praticado. Na visão de Oliveira o capital monopoliza o território sem, no entanto territorializar-se. O desenvolvimento capitalista se faz movido pelas suas contradições. Ele é, portanto, em si, contraditório e desigual. Isso significa dizer que, para que seu desenvolvimento seja possível, ele tem que desenvolver aspectos aparentemente contraditórios. É por isso que vamos encontrar no campo brasileiro, junto com o processo geral de desenvolvimento capitalista que se caracteriza pela implantação das relações de trabalho assalariado – os boiasfrias, por exemplo –, a presença das relações de trabalho não capitalistas, como, por exemplo, a parceria, o trabalho familiar camponês etc. (OLIVEIRA, 2013, p. 56). Concordamos com o autor que o capital não necessariamente precisa territorializar-se. Trazendo para o caso da pesquisa, sabe-se da relação entre a renda da terra e o preço das mercadorias por ela produzidas. Dessa forma, o capital comercial nas suas diferentes manifestações (atravessadores, redes de supermercado, etc.) no município de Lagoa Seca se apropria do sobretrabalho da produção camponesa, que nessa medida contribui para o processo de acumulação do capital. Em outras palavras há progressiva subordinação dos produtores familiares ao capital. 45 3.3 O atraso das políticas públicas para a agricultura familiar Apesar da existência de um campesinato numeroso e bastante diverso, a preocupação com esse segmento do setor produtivo brasileiro é relativamente recente. Durante muito tempo, as políticas agrícolas brasileiras estiveram voltadas para o fortalecimento da produção na grande propriedade, voltada preferencialmente para o mercado externo. Só recentemente, depois do incentivo dado pelo Banco Mundial para a pequena produção, na década de 1980, onde foram colocados em práticas alguns programas como o Projeto Nordeste, é que o governo federal começou, através dos seus ministérios, a articular programas visando desenvolver a “agricultura familiar”, a exemplo do PRONAF, respondendo também à pressão dos movimentos sociais rurais. Além deste programa, no governo FHC, foram estabelecidos outros programas como o abordado por esta pesquisa, o PAA, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Lembra-se que o PAA surgiu articulado com o Programa Fome Zero, que visava acabar com a fome no país. Na verdade, o primeiro é um dos braços do segundo, garantindo a segurança alimentar, através das compras advindas da agricultura camponesa, sem intervenção de um intermediário. Retomando o que já foi dito, estas ações têm tido impactos importantes na organização da produção camponesa, sobretudo nas formas de comercialização, que reposiciona os sujeitos sociais envolvidos, daí a importância de serem analisados e discutidos. Alguns estudiosos apontam para a influência do programa na recriação na forma camponesa de produção, ressaltando os aspectos referentes à resistência camponesa como o trabalho de Vieira e Viana (2014) e de Doretto e Michellon (2014). PAA tem influenciado os agricultores a permanecerem ou a retornarem ao modo específico de funcionamento do campesinato, principalmente em relação ao sistema de policultivo, à diversificação da produção. A necessidade de elaborar um cronograma de entrega para atender às entidades a serem beneficiadas tem incentivado o plantio de diferentes tipos de produtos, visando à melhor remuneração de cada agricultor e ao atendimento regular às instituições. (VIERA e VIANA, 2014, p. 8). O programa abriu mercado para aqueles agricultores com baixa produção e de locais distantes da sede municipal. Um aspecto importante que manifestaram foi que ao elaborar a proposta já tinham a garantia do preço e também da certeza de que ao entregarem a produção receberiam integralmente o valor total. (DORETTO e MICHELLON, 2014, p. 135). 46 Além disso, o PAA não deixa de considerar que o desenvolvimento regional/local tem sido destacado nas estratégias de promoção da melhoria das condições de vida das populações. Isto é, o estabelecimento de políticas macroeconômicas de desenvolvimento não pode desconsiderar as dimensões de escala, particularmente aquelas de caráter local. O desenvolvimento local implica, necessariamente, num processo de articulação entre vários atores e instâncias de modo que só uma análise da realidade concreta poderá desvendar as tramas envolvidas em cada lugar. 3.4 Espaço, políticas públicas e agricultura camponesa Alguns estudos sobre política pública para agricultura familiar dentro da literatura brasileira se dão dentro do marxismo ortodoxo, no ideal da progressão dos modos de produção. Essa visão vem pela ótica do desenvolvimentismo, presente na sociologia e no campo do desenvolvimento rural. São representantes desta corrente Ricardo Abramovay e José Eli da Veiga. Ao estudarem o PRONAF, a primeira significativa política pública para a agricultura familiar, eles aferem principalmente realidades referidas ao crédito agrícola e desenvolvem o conceito de agricultor familiar como uma nova classe social. Entretanto, é impossível entender o movimento de expansão do capital limitando-o às formas como o capitalismo se deu na Inglaterra. Nesse sentido, não é a integração com o mercado que dará ao camponês um status de nova classe social como já debatemos anteriormente. É preciso considerar o espaço à luz da sua história, e da sua condição para que determinados processos se desenvolvam. Para Girardi: A diferenciação espacial do campesinato permite diferentes formas e graus de integração ao mercado, de produção e de qualidade de vida, pois os diferentes espaços em que o campesinato está inserido irão lhe propiciar diferentes oportunidades: protegendo, tal como nos países desenvolvidos, com políticas protecionistas para a agricultura camponesa, ou então o deixando à deriva no ambiente totalmente hostil do mercado e do capital. Não se trata de um determinismo espacial como alguns podem pensar, mas sim admitir a importância do espaço na produção e reprodução espacial do campesinato. Ao mesmo tempo em que o camponês está compreendido no espaço ele também contribui para a sua construção através da sua luta para produzir e reproduzir. Desta forma, em escala mundial e até mesmo regional, podemos verificar uma diferenciação espacial do campesinato. Logicamente que a diferenciação espacial também é social, contudo, o espaço desempenha papel importante para este processo. Toda diferenciação espacial também é social, mas nem toda diferenciação social é necessariamente espacial, já que em um mesmo espaço ocorre a diferenciação social. (GIRARDI, 2008, p.103). 47 O modo de tratar o conceito de “agricultura familiar” como um progresso ou uma superação das formas camponesas é contrastante com a luta do camponês para se recriar ou se reproduzir, buscando para isto diversas formas. Dizendo de outro modo, é comparar o camponês ao arcaísmo como querem os capitalistas. Esta forma equivocada de pensar subestima o próprio espaço e faz da articulação com o mercado, sinônimo de avanços para uns e de atraso para outros. Julga com arbitrariedade ao tratar, sobretudo, o espaço como se ele fosse homogêneo. E apenas as políticas públicas de modernização e integração ao mercado bastariam para resolver os problemas dos camponeses. Dessa forma, não deixamos de considerar as interferências que o capitalismo tem sobre as formas de articulação camponesa e sua exploração como consideram Lênin e Kautsky, que a priori numa leitura superficial nos leva a entender que se extinguirão as formas camponesas, dadas as proporções da exploração do capitalismo sobre estas. Mas, consideramos a contribuição de Chayanov quando entende o lócus de produção de uma forma diferente que lhe ajuda inclusive a resistir a estes ditames. E nos fundamentamos também em Rosa Luxemburgo quando considera que há também uma necessidade do próprio capital de continuar explorando as classes subalternas, ou seja, é preciso que elas resistam para o próprio capitalismo funcionar. O campesinato como classe social subalterna pode continuar existindo para sustentar o lucro dos capitalistas. Isto é, o campesinato pode ser explorado por várias vias: fornecimento de mão de obra barata; arrendamento de suas terras; fornecimento de matéria-prima barata; mercado complementar à produção capitalista, etc. Nesse sentido, retomamos Wolf. Mas, precisa-se compreender que o camponês não é uma tribo atemporal, que não se transforma com o tempo ou que este não pode se adaptar às tecnologias ou integrar-se ao mercado, inclusive tornando-se uma força política. São comuns os movimentos sociais onde os camponeses estiveram organizados e interferiram como força política como, por exemplo, na Revolução Francesa e na Revolução Zapatista no México (WOLF, 1984). Por isso, é preciso entender o campesinato atualmente como uma força política que é capaz de se organizar e de obter ganhos dentro da relação de poder das classes sociais. E, inclusive, interferir na construção de políticas públicas, que lhes forem favoráveis na sua demanda por resistência e recriação. Com isso, entende-se equívoca a forma de pensar de Ricardo Abamoway e José Eli da Veiga, bem como as ideias colocadas por Lamarche e Hespanhol no sentido em considerar a superação e falar de antigas formas de trabalho, e desenvolver a noção de transformação como se o camponês deixasse de existir. 48 Lamarche (1993, 1998) coloca uma diferenciação entre agricultor camponês e agricultor familiar. Nesse sentido, ele confirmaria Kautsky e Lênin com respeito à desintegração do camponês. Entretanto, suas ideias são duramente criticadas por não fazer muito sentido de acordo principalmente com a perspectiva histórica de Bernardo Mançano Fernandes, quando afirma a existência do camponês em resistência e recriação em todos os modos de produção. Contrariamente a essa posição, tem-se a colocação de Hespanhol ao afirmar que a categoria campesinato e similares perderam o seu poder explicativo: [...] que a utilização na década de 1990, da categoria de análise agricultura familiar para designar genericamente as unidades produtivas, nas quais a terra, os meios de produção e o trabalho encontram-se estreitamente vinculados ao grupo familiar, deve ser aprendida como um reflexo das alterações recentes ocorridas na agricultura brasileira e que, em última análise, levaram a valorização do segmento familiar. Nesse sentido, as categorias de análise até então utilizadas para caracterizarem essas unidades de produção, como campesinato, pequena produção, agricultura de subsistência, produção de baixa renda, entre outras, perderam seu poder explicativo, favorecendo a emergência de novas concepções teóricas consubstanciadas na categoria agricultura familiar. (HESPANHOL, 2000, p. 2). Consideramos que a forma de pensar esta relação como “nova” compromete o raciocínio. Preferimos considerar a ideia de Bernando Mançano Fernandes de que o campesinato se redefine e se recria em todos os modos de produção. Entretanto ele se recria e resiste não apenas de forma latente como na luta pela terra, mas em todos os ganhos latentes ou não na luta territorial pela sobrevivência. Entendemos, nesse conflito, a luta do camponês para resistir na terra, ou seja, no seu espaço territorial. Ressalta-se que aqui um território é entendido como um conjunto de forças que estão em conflito e que essas forças se estabelecem enquanto conflito de classes sociais. Nesse caso, os atravessadores e comerciantes representam a classe dominante burguesa, e os camponeses a classe subalterna. Esse conflito de classes sociais por sua vez está materializado no espaço que aqui não é entendido como palco, mas como produto de relações de conflito das classes sociais. Estes conflitos de classes sociais durante toda a história dos modos de produção se deram sob a forma de dominação e subordinação. Porém, existem formas de dominação através de canais de contato entre as duas forças, tal como ocorre na mídia, por exemplo, as classes dominantes subordinam e dominam a classe subalterna através da criação de hábitos e cultura que lhes favoreçam. 49 Este conflito, por exemplo, se materializa no crescimento dos latifúndios, que a partir do aumento da especulação das terras para a geração de lucro, tem expropriado milhões de trabalhadores de suas terras. O espaço geográfico vira resultado da materialização desse processo. Cada vez mais segmentado e dividido entre ricos e pobres. O território é a arena desses conflitos. (ver Ilustração 01). O interesse econômico prevalece nesses conflitos e ele está acima de outras motivações e se materializam no que chamamos de canais de dominação interterritorial, que se estabelecem na zona de contato entre as classes sociais e provocam a sua dominação. No caso estudado, esse canal é o comércio. O comércio predatório que impede o pequeno produtor de permanecer na unidade familiar provocando migrações. A classe dominante recebe pelo produto um valor bem maior, mas paga ao pequeno um preço ínfimo, estabelecendo lucros que são exorbitantes, a diferença entre o que ganham os comerciantes e os pequenos produtores é sigificativa, vale dizer que as forças de dominação sempre aumentam tendo como este canal de viabilização o comércio. ARENA INFLUENCIAS DO CAPITAL AREA DE CONFLITO TERRITORIALIDADE CAMPONESA ESPAÇO GEOGRÁFICO AGRÁRIO DE LAGOA SECA-PB Ilustração 01 – Produção do espaço geográfico agrário de Lagoa Seca - PB. Por outro lado, as classes subalternas ganham forças na arena quando as forças dominantes passam por crises. Mas, passadas as crises, as classes subalternas não deixam de 50 existir, pois as classes dominantes precisam explorar, e para tal precisam do explorado. Esse processo é inerente à luta de classes. Esse ganho de forças é muitas vezes materializado em políticas públicas e é pensado algumas vezes pela classe dominante para dar fôlego ao dominado. Na maioria das vezes esse fôlego é estratégico ao pensamento do dominante. Como na senzala é importante alimentar o escravo para que ele dê mais ajuda na lavoura. A luta dos camponeses é primordial neste processo e se materializa na sua organização enquanto classe social, que pressiona os poderes públicos na esfera do Estado. No Brasil, a luta organizada dos camponeses se traduziu em muitos movimentos ao longo da nossa história para a construção das primeiras políticas públicas, tais como a ação das Ligas Camponesas, da Pastoral da Terra, do MST, da Via Campesina, dos sindicatos rurais locais, etc. 3.4.1 A formação do PRONAF e outras políticas para a agricultura familiar A agricultura familiar, apesar de preterida e secundarizada pelos agentes públicos, durante quase todo o século XX, conseguiu estabelecer um espaço nessa arena de conflitos. Transformou-se em assunto estratégico seja para o capital seja para a legitimação do Estado. O movimento contínuo de exploração gerou contingentes de emigrantes de alguns locais causando concentração e inchaços em outros e pressão popular. Por outro lado, o preço dos alimentos foi inflacionado em algumas áreas pela diminuição das terras que se destinavam à agricultura familiar, atualmente maior provedora de alimentos ao mercado. As pressões populares, aliadas às descobertas científicas, começaram a condenar alimentos com alto nível de agrotóxicos e a divulgar um padrão de vida saudável baseado no consumo de produtos orgânicos, entre outros fatores como a própria segurança nutricional. A demanda do mercado e a pressão popular se revelaram importantes para que, a partir dos anos 1980, se formulassem políticas públicas que fomentassem os interesses da agricultura familiar. Mesmo sendo um agente que promove principalmente os interesses das classes dominantes, o Estado neoliberal precisa, contraditoriamente, ceder forças e fazer determinadas concessões em determinados momentos, sobretudo nos de crise. Apesar de não haver consenso entre os pesquisadores sobre a definição de políticas públicas, admite-se que é uma ação do governo materializada a partir de uma ideia ou planejamento. De acordo com esta definição, essa é uma necessidade do Estado para atingir determinado problema. Entre estas políticas surgem as mais diversas tipologias de acordo com tipos de Estados, que podem ser democráticos ou não. 51 Theodor Lowi (apud SOUZA, 2006) desenvolveu estudos sobre tipologias de políticas públicas, sobre a qual elaborou a seguinte: a política pública se faz a partir da política. Com essa frase Lowi quis dizer que cada tipo de política pública vai encontrar diferentes formas de apoio e de rejeição e que disputas em torno de sua decisão passam por arenas diferenciadas. Para este autor, a composição de forças dentro do Estado influencia, significativamente, as decisões que ele venha a tomar. A decisão das políticas públicas vem de acordo com as pressões de classe. Importante contribuição no resgate do lugar das políticas públicas no contexto de classes sociais encontra-se em Souza (2006): Debates sobre políticas públicas implicam responder à questão sobre o espaço que cabe aos governos na definição e implementação de políticas públicas. [...] reflete tão-somente as pressões dos grupos de interesse, como diria a versão mais simplificada do pluralismo. Também não se defende que o Estado opta sempre por políticas definidas exclusivamente por aqueles que estão no poder, como nas versões também simplificadas do elitismo, nem que servem apenas aos interesses de determinadas classes sociais, como diriam as concepções estruturalistas e funcionalistas do Estado. (SOUZA, 2006, p. 27). Nestas arenas sugiram o PRONAF, o Programa Fome Zero e o Programa de Aquisição de Alimentos. Não necessariamente adotaremos a construção histórica dos enfoques sobre políticas públicas porque não é o objetivo da pesquisa, mas pode-se distinguir a ação do Estado na agricultura familiar em três momentos, de acordo com a redistribuição dos recursos. Tendo por base os três governos mais recentes. No governo FHC, é lançado o PRONAF, através do decreto Presidencial n. 1946, de 28 de julho de 1996. Este foi um marco na pauta do interesse público pela pequena produção familiar, quando o Estado passou a se preocupar com as necessidades das pequenas propriedades agrícolas, dando-lhes acesso à assistência creditícia, tal como o Estado já tinha feito nos anos 1960 com a agricultura patronal. Tal programa marcou a presença da agricultura familiar na agenda das políticas públicas no Brasil, embora numa tendência mercadológica. A formulação do PRONAF foi permeada pela ótica da transformação do camponês em agricultor familiar, ótica aqui considerada como equivocada. Sobretudo, porque apenas o crédito não foi suficiente para realizar as mudanças que deveriam dar proteção aos agricultores familiares. O olhar do governo nesse período para o desenvolvimento da agricultura familiar foi análogo ao que aconteceu com a agricultura patronal, na chamada 52 “modernização dolorosa” onde se privilegiou o crédito agrícola. O resultado ocasionou muitos agricultores endividados principalmente no Nordeste. O censo agropecuário (2006) questionou a dívida média dos agricultores familiares do grupo B do PRONAF que tinham algum débito em aberto no período de referência do Censo. “Na região Nordeste, cada agricultor de baixa renda devia, em média, R$ 2.922, sendo o maior valor individual registrado na Paraíba (R$ 3.631) e o menor, no Ceará (R$ 2.029)”. (IPEA, 2013, p. 57). Segundo o mesmo censo, o Nordeste responde por 53,04% do endividamento desta linha de crédito. A criação do PRONAF mostra que o Estado cede e faz concessões através de políticas públicas para manter o dominado ativo e atendendo aos seus interesses. Estas ações do Estado servem para dar fôlego às forças subalternas já que elas são primordiais para o processo de acumulação como ressaltou Luxemburgo. Entretanto, no caso específico desta política as pressões dos movimentos sociais foram importantes para a sua criação. Este programa, que em larga medida foi formulado como resposta às pressões do movimento sindical rural, realizadas desde o início dos anos 90, nasceu com a finalidade de prover crédito agrícola e apoio institucional às categorias de pequenos produtores rurais que vinham sendo alijadas das políticas públicas ao longo da década de 1980 e encontravam sérias dificuldades para se manter na atividade (SILVA e SCHNEIDER, 2009, p. 147). O PRONAF foi analisado por diversos autores que popularizaram o termo “agricultura familiar”, como uma evolução do camponês na sua integração com o mercado, inclusive a integração com o mercado exterior. Os objetivos da política neoliberal de ampliação de mercados de certa forma coincidiam com o objetivo de modernização agrícola realizada em parte da agricultura camponesa no Brasil, principalmente na região Sul, o que levou determinados autores a distanciar o olhar para a agricultura camponesa que se encontra no Nordeste. Essa que persiste em se readaptar e resistir aos ditames do capitalismo. É preciso lembrar que, no contexto do início da década de 1990, a agricultura brasileira, e particularmente a da região Meridional do Brasil, estava fortemente afetada pelo processo de abertura comercial e de desregulamentação dos mercados, fatores que a submetiam a uma concorrência intensa com os países do Mercosul. Em vista das sucessivas dificuldades decorrentes da crise da segunda metade dos anos oitenta, particularmente no que se refere à disponibilidade de crédito e da queda da renda, os agricultores familiares da região Sul do Brasil, e em menor medida os agricultores da região Nordeste (sobretudo os produtores de algodão), encontravam-se debilitados diante da nova conjuntura econômica e comercial. (SCHNEIDER, CAZELLA e MATTEI, 2015, p. 2). 53 Observa-se que, no contexto de formação deste programa, os camponeses em momento algum estão alheios aos processos de luta. Pelo contrário, os camponeses, desde que organizados, conseguem concessões importantes e atuam como uma força importante na negociação por mais espaço nas decisões políticas. A luta dos camponeses foi primordial para formulação e implantação das políticas públicas direcionadas a esse segmento produtivo no Brasil. No governo Lula, a pressão popular sobre um governo de esquerda, principalmente no tocante às questões sociais faz com que os grupos subalternos tivessem mais força dentro do cenário nacional. Nesse contexto, surge primeiramente o Programa Fome Zero, que visava acabar com a fome no Brasil, e houve também a ampliação dos programas de transferência direta de renda. O governo Lula surge como uma possibilidade de resposta mais clara às pressões sociais. Daí, a criação de programas como o PAA e outros programas como o PNAE (Programa Nacional da Alimentação Escolar). As reformas dentro do PRONAF se deram no campo da distribuição de recursos e nas modalidades assistidas. Com estas políticas novas demandas foram sendo atendidas como: políticas de compra, políticas de incentivo a criação de estoques de alimentos, e uma política contínua de garantia de preços mínimos. Tais medidas serviram como atenuantes na questão da fome. Já no governo de Dilma Rousseff, o combate à miséria passa a ser um importante mote, com a instituição do programa Brasil Sem Miséria. Há, no geral, uma continuação das políticas adotadas pelo governo anterior, mas há um aumento lento e progressivo de algumas questões sociais no Brasil, que também podem ser sentidas no campo. O surgimento das políticas públicas é primordial para a manutenção do camponês no campo. A recriação camponesa se dá não somente pela reterritorialização, mas também a partir da manutenção do camponês produzindo na terra. Encontrar formas para que isso aconteça fornece base para um desenvolvimento alheio às interpretações mercadológicas. 3.4.2 Avaliações do PAA Desde o surgimento do Programa de Aquisição de Alimentos houve diversas avaliações sobre o mesmo nos mais diversos lugares do Brasil. Alguns destes trabalhos merecem destaque, embora a maioria deles se baseie em uma concepção mercadológica, do 54 paradigma do capitalismo agrário, estes trabalhos demonstram os efeitos positivos do programa para os agricultores familiares. Em Delgado, Conceição e Oliveira (2005, 2015), é feita uma avaliação formal do programa. Os autores destacam a recuperação dos preços das mercadorias que beneficiam tanto os produtores diretos como os benefícios indiretos daí decorrentes. Um aspecto que muitas vezes não é considerado nas análises sobre o Programa de Aquisição de Alimentos − além do apoio à produção para o autoconsumo, do excedente para comercialização e do subsídio ao consumo – são os benefícios indiretos advindos da recuperação dos preços recebidos pelos produtores. Isso tem ocorrido tanto nos locais de abrangência dos pólos de compra da Conab quanto nos demais, onde são realizadas as compras institucionais através dos convênios firmados pelo MDS com os estados e as prefeituras municipais. Há casos em que o simples anúncio da compra pública de determinada quantidade de produto é suficiente para elevar os preços agropecuários. (DELGADO, CONCEIÇÃO e OLIVEIRA, 2005, p. 18). Para Miller (2007), a agricultura familiar encontra no governo Lula um novo redirecionamento. A autora destaca uma característica diferente do PAA em relação ao PRONAF. Isto é, para a implantação do PAA houve uma discussão mais lenta e mais aprofundada entre pesquisadores, políticos e movimentos sociais. Essa composição resultou em um programa que inter-relaciona agricultura familiar, abastecimento e segurança alimentar. O PAA traz elementos em sua concepção que apontam para um redirecionamento do entendimento sobre o papel que a agricultura familiar exerce no desenvolvimento da sociedade brasileira, principalmente nas perspectivas de desenvolvimento mais equitativo, com a incorporação de setores excluídos da economia e com a valorização dos agricultores familiares enquanto atores. O acompanhamento da evolução destes temas na esfera de debates sobre políticas públicas e mesmo de estratégias de desenvolvimento se faz necessário, para que as opções sejam feitas de maneira consciente e consequente. (MULLER, 2007, p. 119). De fato, o governo Lula abriu portas para que alguns movimentos sociais que estiveram tradicionalmente fora do governo pudessem participar dos debates em torno das políticas públicas. Foi a permeabilidade do Estado brasileiro nesse momento que permitiu maior integração entre sociedade civil e Estado para se estabelecer as relações necessárias para novas roupagens nas políticas públicas. 55 Zimmermann e Ferreira (2008) fazem uma avaliação sobre os resultados do PAA, em Mirandiba - PE, e sublinha dentre os aspectos positivos do programa, a melhoria na qualidade de vida da população local: Los resultados y evaluaciones del PAA indican que el programa ha tenido incidencia en la alteración de la matriz productiva y del consumo de la agricultura famliar menos capitalizada, bien como en la matriz del consumo de las entidades beneficiadas con las donaciones. Esto se debe a que muchos agricultores pasaron a darle valor/producir productos locales, aumentaron sus ingresos, calificaron su producción y el consumo doméstico al incorporar frutas y hortilizas a la dieta familiar. Los beneficios en términos del consumo también abarcaron a las entidades beneficiadas por los donativos, lo que resultó en una alimentación más saludable para la población victimizada por la inseguridad alimentaria. Los datos estudiados muestran que el programa arroja resultados numéricos significativos en recursos invertidos, así como en beneficiarios directos e indirectos. (ZIMMERMANN e FERREIRA, 2008, p. 38). Para as autoras, no município, houve toda uma mudança da estrutura produtiva e do consumo dos produtores da agricultura familiar. Estes benefícios foram estendidos para os consumidores. Para elas, o maior benefício está na qualidade da alimentação, pois foi introduzida no cardápio uma maior quantidade de frutas e hortaliças. Essa conjectura tende a fortalecer a segurança alimentar que é um dos principais objetivos do programa. Para Lauro Mattei (2015), um dos principais teóricos a estudar o PAA, dentre outros benefícios, o programa ajuda o agricultor duplamente: oferecer preços superiores aos de mercado e em manter um preço fixo. Neste sentido, um dos aspectos mais citados pelos agricultores e suas organizações foi a possibilidade de organizar e planejar parte da produção a partir de uma lógica local, ou seja, a demanda dos mercados locais foi considerada um importante fator de estímulo à produção de vários tipos de alimentos que não estavam sendo priorizados no plano de atividades das unidades de produção. Paralelamente a isto, os agricultores passaram a ter um compromisso relativo à periodicidade de fornecimento dos alimentos às entidades credenciadas pelas coordenações locais, fato que os obriga a adotar uma estratégia clara em relação ao processo produtivo. [...] Outro ponto relevante diz respeito ao processo de definição dos preços dos produtos agropecuários, que possibilitou o estabelecimento de um preço “mais justo”, segundo a interpretação da maioria dos entrevistados. Este aspecto é essencial, especialmente para aqueles segmentos de agricultores mais vulneráveis e que geralmente têm pouco poder de barganha para defender melhores preços aos seus produtos quando conseguem se inserir nos mercados locais e regionais (MATTEI, 2015, p. 6). Segundo o autor, surge a possibilidade de planejamento da produção por parte do agricultor familiar em escala local. Os agricultores familiares garantem a periodicidade de 56 suas vendas de alimentos. Isso alavancou inclusive a produção de outros alimentos que sequer estavam na matriz produtiva destes municípios. Além disso, estes agricultores são beneficiados por preços “mais justos”. Neste caso, este programa além de uma política agrícola também se justifica como política social, por fornecer uma renda a estes pequenos produtores. Doretto e Michellon (2014) fazem uma análise dos resultados do programa no estado do Paraná. Eles ressaltam o aumento da rede de fornecimentos do PAA. O que gera para o pequeno produtor mais opções de mercado, consequentemente. O Programa tem sido excelente para fortalecer a agricultura familiar e atender a demanda de escolas, creches, hospitais e outros que necessitam de alimentos saudáveis e em quantidade para o pleno desenvolvimento de suas funções acadêmicas e físicas. Vale ressaltar que o tempo de deslocamento (ida e volta) das crianças da área rural até a escola é grande, aliada à baixa condição de vida das famílias, logo, é justo servir merenda de qualidade, principalmente porque boa parte delas tem no período de permanência na escola o maior suprimento alimentar diário. (DORETTO e MICHELLON, 2014, p. 135). Dentre vários benefícios destacados pelos autores, as escolas são favorecidas com o Programa. Crianças que, em alguns lugares do Brasil, levam muito tempo para chegar ao seu lugar de estudo e dependem de uma alimentação de qualidade podem ter acesso a ela. Estas crianças muitas vezes tem a merenda escolar como fundamental para suportar a jornada diária. Nascimento Neto (2012) fez uma avaliação sobre o PAA, no próprio município de Lagoa Seca, tendo como pressuposto o desenvolvimento regional. É perceptível que existem várias deficiências nas unidades familiares estudadas, pois carecem de necessidades básicas para a realização do trabalho e da produção como esterco, mão de obra e insumos, etc. O PAA não resolve todas essas deficiências, mas, segundo os agricultores, ele resulta em um auxílio satisfatório; até pela situação de vulnerabilidade econômica em que eles se encontram, qualquer impacto financeiro, mesmo não representando muito será sempre quantificado como acréscimo na renda. (NASCIMENTO NETO, 2012, p. 130). Ele conclui que o PAA é um auxílio pequeno, mas que responde satisfatoriamente ao acréscimo da renda dos pequenos produtores. Ele destaca, dentre outros fatores, o fato dos agricultores fornecedores estarem em situação tal de vulnerabilidade que qualquer auxílio 57 financeiro seria positivo. Nesse sentido, ele observa as carências produtivas das plantações e a falta de capitalização dos produtores. Vieira e Viana (2014) em uma pesquisa mais ampla em praticamente todos os estados do Brasil constatam diversos avanços, dentre eles a tendência à diminuição do fluxo de pessoas para grandes cidades. O PAA pode estar influenciando os agricultores a alterarem suas estratégias de trabalho e alocação dos recursos financeiros e humanos. Segundo suas respostas nas oficinas de documentação do PAA, os agricultores têm se voltado à produção agrícola, deixando de migrar para a cidade. (VIEIRA e VIANA, 2014, p. 8). As autoras tentam fazer uma conexão entre o programa e o modo de funcionamento da agricultura familiar. Segundo as mesmas, o programa tem evitado o êxodo rural e tem incentivado que o agricultor continue produzindo, mesmo aqueles que já haviam deixado a atividade. Percebe-se que essa tendência se repete nos estudos de Grisa et al. (2011, 2015) e Andrade Júnior (2009). Percebe-se que nos trabalhos analisados que a realidade do contexto local é importante para se entender as dinâmicas do programa em cada espaço. Nesse sentido, é preciso entender o município de Lagoa Seca e a sua carência de políticas públicas para em posterior momento analisar o funcionamento do PAA no município. 58 4 A PRODUÇÃO CAMPONESA EM LAGOA SECA E SUA COMERCIALIZAÇÃO Para o município de Lagoa Seca a atividade agrícola familiar se mostra extremamente importante, uma vez que diz respeito à reprodução da vida da maioria da população do município. Dos quase 30.000 habitantes (IBGE, 2010), aproximadamente 60% habitam a zona rural e têm a vida relacionada à atividade primária. Mesmo na zona urbana, são muitos os trabalhadores que trabalham direta ou indiretamente na atividade como boias-frias, carroceiros, sacoleiros, fretistas e atravessadores. No município estudado, as transformações na organização da produção familiar atingem diretamente ou indiretamente a maioria da sua população. As formas de comercialização dos produtos da agricultura familiar, bastante tradicionais, podem ser consideradas como um dos principais problemas enfrentados pelos produtores desse município. A ação dos atravessadores faz com que o preço praticado dos produtos no mercado eleve-se, de forma considerável, sem beneficiar o produtor. Este se vê cada vez com menos capacidade de manter sua unidade familiar. Em decorrência desta realidade, muitos agricultores estão sendo repelidos desta forma de atividade, transformandose em mão de obra barata para serviços urbanos pesados que não careçam de instrução. Eles são relegados à sorte do chamado “trabalho acessório” para assegurar a sobrevivência, quando não há condições de garanti-la em atividades relacionadas com sua origem camponesa. A escolha de estudar a dinâmica da comercialização da produção familiar de base camponesa no município se justifica pela importância que tem essa forma de organização produtiva no município, certamente um dos mais expressivos nesse aspecto entre todos os municípios paraibanos. As condições naturais favoráveis e a cultura sedimentada tem propiciado, historicamente, o desenvolvimento da produção de hortaliças e frutas, em pequenas unidades de produção de caráter camponesa. Essas características permitem identificar a produção do município estudado como tal. A conjuntura geográfica do município, principalmente de clima e solo propicia condições bastante favoráveis ao desenvolvimento da agricultura familiar. Municípios limítrofes já perceberam esse potencial e desenvolveram programas de fortalecimento das suas potencialidades econômicas como no caso de Alagoa Nova - PB, com o incentivo à produção de galinha de capoeira e Matinhas - PB, com o incentivo à produção de laranja. Já em Lagoa Seca, a relação parece contraditória mesmo com condições bastante interessantes de desenvolvimento e aproveitamento econômico da produção familiar, o município tem sofrido a tendência do êxodo rural registrada em todo o Brasil, diagnosticada 59 pelo IBGE (2010). Segundo esse censo, a população total era de 25.900 habitantes e destes 10.570 residiam na área urbana e 15.330 na área rural, respectivamente 40,8% e 59,2%, enquanto que no censo IBGE de (2000) o total de habitantes foi de 24.174 habitantes dos quais 8.112 viviam na área urbana e 16.042 viviam em áreas rurais, 33,6% e 66,4%. No município a população rural vem diminuindo tanto em termos absolutos como em percentual na participação geral, considerando inclusive que, nesse intervalo de tempo, este não teve nenhuma área desmembrada e também nenhuma área nova considerada como zona urbana. Essa condição é interessante para pensarmos a nossa agricultura familiar. Segundo o censo agropecuário do IBGE de 1995/96, foram registrados 2200 unidades agrícolas, e no censo agropecuário de 2006, foram registrados 1820, uma redução de 380 unidades o que representa uma redução de 15% nos estabelecimentos agrícolas. Esses dados apontam para uma situação de êxodo rural extremamente contraditória com as condições naturais favoráveis do município de Lagoa Seca. Visto que em dez anos mesmo a população total tendo apresentado aumento, a população rural diminuiu tanto em termos percentuais quanto em termos absolutos. Essa realidade contrasta, aparentemente, com observações de campo que indicam um aumento considerável do número de casas e construções. É importante lembrar que outros fatores têm interferido na dinâmica da organização do espaço agrário do município, que explica o contraste entre os dados censitários e o dinamismo da construção rural. Destaca-se a especulação imobiliária nas áreas rurais que tem contribuído para a criação de condomínios e granjas que servem principalmente à população de alta renda do município de Campina Grande. Isso é expressivo nas áreas mais próximas do acesso pela BR 104, fator que tem provocado à diminuição de áreas que se destinavam as pequenas criações de gado, mas que ainda não tem atingido na mesma intensidade a produção agrícola. A expansão urbana do município de Campina Grande pode gerar nos próximos anos a existência de uma conurbação entre as zonas urbanas das duas cidades. Este fato tem feito com que algumas áreas do município de Lagoa Seca se transformem em região periurbana, gerando aumento da criminalidade na zona rural do município, que também pode ser um fator que tem gerado a migração de várias pessoas para a área urbana da cidade. A oportunidade de empregos oferecidos, na cidade de Campina Grande, por empresas de médio e grande porte como, por exemplo, a Alpargatas S/A e as redes de atacarejos4 presentes também naquele município, como o Supermercado Atacadão, têm atraído boa 4 Grandes redes de supermercado que vendem tanto no atacado quanto no varejo 60 parcela dos jovens que não vislumbram futuro na agricultura familiar, uma vez que a mesma não oferece condições de sustento para os filhos dos camponeses, ou mesmo, ser sinônimo de atraso e de condições de pobreza e miserabilidade, para boa parte destes jovens. A produção de base camponesa é bastante expressiva atualmente no município. E, por extensão, no estado da Paraíba é uma das mais notáveis já que a maior parte desta produção se destina ao abastecimento alimentar de outros municípios. Este status é fruto de uma combinação de diversos fatores como localização e características geográficas, histórico do povoamento, construção cultural e divisão fundiária que resultam num processo de ressignificação da produção camponesa e de resistência diante das ações do capitalismo. Para efeito de estudo se considera o espaço agrário de Lagoa Seca como um território de base camponesa uma vez que a maior parte da população do município residente nesta área tem traços característicos desta forma de ser e produzir. A história contínua de adaptação às formas de ação do capitalismo remodela a partir desta integração o espaço agrário do município que é intensamente recriado, dando formas e contornos paisagísticos diferentes como frutos desta resistência. Ao logo da história, a população camponesa tem buscado resistir de diversas formas aos ditames do capital para a sobrevivência da unidade familiar, priorizando este ou aquele alimento a ser produzido. Mas permanece a relação de subordinação desigual e contraditória, que se manifesta no espaço por vezes de forma materializada ou na própria dimensão invisível do espaço, aquela dos fluxos e das ações. 4.1 Aspectos geográficos do município de Lagoa Seca e início do povoamento Segundo o IBGE (2010), o município se localiza na mesorregião do Agreste Paraibano e na microrregião de Campina Grande. Compreende uma área de 108 Km². Limita-se ao Norte com os municípios de São Sebastião de Lagoa de Roça, Matinhas e Esperança (apenas 100 metros); ao Sul, com o município de Campina Grande; a Leste, com o município de Massaranduba; e a Oeste, com os municípios de Puxinanã e Montadas. (Ver figura 01). O mesmo está situado nas seguintes coordenadas: latitude 27º17’09” Sul, e longitude 48º55’17” Oeste. Sua distância à capital João Pessoa é de 129 km por rodovia e o principal centro próximo é Campina Grande, apenas 7 km. Desde 2009, participa da Região Metropolitana de Campina Grande uma das maiores do interior do Nordeste. Figura 01: Localização do Município de Lagoa Seca - PB em Relação à Paraíba. Fonte: Plano Diretor da Prefeitura Municipal de Lagoa Seca - PB. 36° 00' W Estrada em Leito Natural Estrada Pavimentada Divisão Municipal Curso d'água Açudes Sede Municipal Convenções Cartográficas BR-104 BR-104 BR-104 BR-104 BR-104 BR-104 pe ua ng ma Ma o Ri PB-097 PB-097 PB-097 PB-097 PB-097 PB-097 BR-104 BR-104 BR-104 BR-104 BR-104 BR-104 Lagoa Seca BR-104 BR-104 BR-104 BR-104 BR-104 BR-104 LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE LAGOA SECA EM RELAÇÃO AO ESTADO DA PARAIBA PB-095 PB-095 PB-095 PB-095 PB-095 PB-095 35° 48' W 7° 12' S 61 62 O relevo está incluso totalmente no Planalto da Borborema. Sendo, portanto, bastante movimentado e ondulado com pontos de até 675 metros de altitude. Por causa da sua topografia o município registra um bom número de nascentes do Rio Mamanguape e do Baixo Paraíba, caracterizando-se como divisor de águas, tendo a maior parte do seu território incluída na bacia hidrográfica do primeiro. O clima predominante é o Tropical Quente e Úmido; com temperatura média anual em torno dos 22ºC, com mínimas de 17ºC e máximas de 33 º. A precipitação anual média encontra-se entre as isoietas de 1100 a 1200 m/ano. O período de chuvas estende-se de março a agosto, com maior volume de chuvas entre maio e julho (OLIVEIRA et al., 2014). Os principais solos dividem-se em: planossolos, os podzólicos, os litólicos. Os planossolos são encontrados tanto nas superfícies suave onduladas a onduladas, quanto nos vales dos rios e riachos; eles têm fertilidade natural mediana (nas superfícies onduladas) e alta (nos vales). Os Podzólicos também são encontrados nas superfícies onduladas, apresentando fertilidade natural média. Os líticos, presentes nas elevações, são rasos com fertilidade natural média (CPRM, 2005). O município encontra-se com sua vegetação primitiva, a mata semidecidual, intensamente devastada. A vegetação de caatinga se faz presente em áreas mínimas de difícil acesso. A maior parte da vegetação que existia encontra-se em estado de antropismo caracterizado pelas atividades agrícolas, que ali se desenvolvem, a maior parte destinada à produção de frutas e hortaliças. Lagoa Seca recebe influência direta do polo geoeconômico de Campina Grande que complementa/oferece vários serviços além de constituir o principal ponto de escoamento da produção de hortifrutigranjeiros do município. A economia rural também é baseada na pecuária principalmente de bovinos, suínos e ovinos. Na zona urbana, tem uma pequena rede de comércio e uma pequena indústria de cadarços para calçados. Segundo os dados do Censo Agropecuário do IBGE (2006), o pessoal ocupado em estabelecimentos agropecuários era de 4.854 pessoas, o que mostra que a atuação na área agrícola detém a maioria da População Economicamente Ativa do município. O IDH calculado em 2010 pelo PNUD era de 0,627 configurando um IDH médio. O PIB per capita em 2010 era de R$ 4.108,55, bem inferior à média estadual que é de 9.348,00. Um dos fatores a se considerar no processo histórico de constituição do município é sem dúvida a influência religiosa disseminada na cidade a partir dos franciscanos5 que 5 Os franciscanos deram início à construção do Seminário franciscano em janeiro de 1940, o qual superou as expectativas pela dimensão da obra. O convento foi construído com dinheiro que vinha da Alemanha e com 63 chegaram por volta de 1939. Os primeiros frades, vindos da Alemanha, a chegarem ao lugar foram: Frei Pedro Westermann e Frei Lamberto Hoetting, e Frei Manfredo Panttenburg. Além da presença religiosa, o mesmo se destaca no artesanato de estopa e de madeira, fruto da Escola de Economia Doméstica de Lagoa Seca, que se estabeleceu nas décadas de 1970 e 1980. Entretanto, a comercialização encontra-se difícil, pois os artesãos não dispõem de um espaço adequado para a mesma e têm que expor suas obras em feiras de outros municípios, estados e/ou em outras regiões do país ou em eventuais oportunidades dentro da própria cidade. Além disso, uma parte destes artistas se encontra insatisfeita com a falta de reconhecimento da profissão. O comércio interno é relativamente bem diversificado com lojas de materiais de construção, supermercado, mercadinhos, lojas de roupas, calçados e bijuterias, farmácias, padarias, sorveterias, restaurantes, serralharias, movelarias, postos de gasolina, sacolões, dentre outros. Entretanto, predominam na zona urbana pessoas que trabalham/vivem do comércio da agricultura familiar, alguns trabalham no comércio lojista ou na indústria em Campina Grande, outros são trabalhadores públicos municipais locais e também aposentados. Lagoa Seca ainda concentra um bom número de potencialidades que são pouco exploradas como o turismo religioso e rural, destacando-se o Convento Ipuarana, a Imagem da Virgem dos Pobres, a Chácara Mariama, o Colégio Marista, dentre outros. Alguns são centros de encontro que recebem pessoas de diversos lugares do Brasil, a arquitetura típica dos franciscanos alemães remonta ao período das grandes guerras mundiais e é marca da história da população local. No caso do turismo rural, a paisagem campesina da produção agrícola se configura como bastante expressiva, embora não seja explorado. Este, por ser considerado “Portal do Brejo”, pelos habitantes locais, se difere pelo verde das plantações de hortifrutigranjeiros de alguns municípios mais secos do entorno. O município não difere das realidades de pequenas cidades que têm por característica a falta de diversificação que causa estagnação e dependência exacerbada do serviço público. O ajuda dos habitantes locais. Este se constitui atualmente como o principal ponto turístico da cidade pela sua imponência arquitetônica. O Seminário recebeu muitos estudantes ao longo do tempo, de cidades da Paraíba e até de outros estados, alunos que nem sempre buscavam a vida religiosa, mas queriam garantir o local de estudo até então escasso na região. Outra ordem religiosa presente na cidade é a dos Irmãos Maristas, que chegaram por volta de 1953. Durante muito tempo funcionou a formação dos noviços. O colégio Marista funcionava no regime de internato e também recebeu vários estudantes. Hoje o Colégio Marista de Lagoa Seca funciona como Casa de encontros. Ainda na cidade há a presença das Irmãs Damas. A Virgem dos Pobres também se configura como um importante ponto religioso e turístico da cidade. A imagem trazida da Europa, em 1958, é alvo de peregrinação da população da cidade em novenas realizadas nas segundas feiras. Recebe também muitas visitas de pessoas de outros municípios. 64 clientelismo político, a fragilidade perante as questões de dependências do mercado ou de uma cidade maior afeta a economia. A composição do valor agregado reflete a realidade dos demais municípios do estado, isto é, a superioridade do setor de serviços, que responde por 74,3% do valor agregado municipal. Apesar da preponderância das atividades terciárias em termos de composição do valor agregado, o setor agropecuário se destaca em termos de absorção da força de trabalho. Além disto, deve ser lembrado que todas as outras formas de vivência estão a estas relacionadas. Assim é preciso atentar pela segurança deste modo de produzir para garantir a circulação de recursos que dá vida às relações comerciais locais. 4.2 Características do povoamento e formação do campesinato O município de Lagoa Seca teve seu povoamento ligado às mesmas características que outros que compreendem a Mesorregião do Agreste paraibano, região situada entre as mesorregiões da Mata Paraibana e da Borborema. Conforme Moreira e Targino (1997). Trata-se de uma área fortemente diversificada, tanto no que se refere aos aspectos naturais, quanto ao uso da terra, às relações de trabalho e ao potencial econômico. Essa Mesorregião compreende duas grandes áreas: o Agreste Baixo, situado imediatamente à retaguarda do Litoral no trecho que se estende da Depressão Sublitorânea até os primeiros contrafortes da Borborema e; o Agreste Alto, que compreende o Brejo Paraibano, o Agreste Ocidental (à retaguarda do Brejo), as Serras do Norte (região elevada do Cutimataú), e as de Natuba e Umbuzeiro. O Brejo Paraibano se distingue como uma mancha úmida que se individualiza no interior do agreste. (MOREIRA e TARGINO, 1997, p. 79). Os relatos dos autores pesquisados destacam que antes de começarem a serem povoadas, as terras que hoje pertencem ao município pertenciam aos índios do aldeamento dos Bultrins, grupo que pertencia à Nação Cariri. Elisângela Santos enfatiza que: “[...] os Bultrins ocupavam a região entre os Cariris Velhos, Pilar e Alagoa Nova” (SANTOS, 2007, p. 24). A autora esclarece que a palavra Bultrins relaciona-se ao lugar onde eram aldeados os índios Cariris pelos missionários. Os indígenas deixaram o município por volta de 1670, pois os interesses da Coroa Portuguesa entraram em conflito com o interesse dos jesuítas, sendo os últimos expulsos do país. Com isto os índios retornaram para a missão Nossa Senhora do Pilar em Taipu, deixando as terras como propriedade do Estado. Essa conjectura corrobora com as afirmações de Moreira e Targino (2015). A corrente de povoamento, no entanto, ficou restrita, inicialmente, ao Agreste Baixo, seguindo o vale do Rio Paraíba. A ocupação do Agreste Alto foi retardada pela conjugação de fatores tais como: 65 vegetação de floresta, relevo elevado, presença de indígenas e falta de disponibilidade de capital. Com o passar do tempo, as terras foram ocupadas por algumas famílias e algumas partes foram vendidas e doadas a particulares que queriam morar e desenvolver alguma atividade econômica, estas ligadas principalmente à agropecuária que depois se desenvolveria na área. Alguns dos fatores que também influenciaram o início do povoamento do município de Lagoa Seca foram o desenvolvimento econômico da cidade Brejo de Areia e a consolidação da comercialização de algodão por parte da cidade de Campina Grande. A primeira já tinha uma produção agrícola considerável, escoando seus produtos para diversas áreas do sertão e do litoral. A segunda destacava-se pela feira que atraia comerciantes de vários lugares. Estabeleceu-se assim uma rota comercial entre Brejo de Areia e Campina Grande. As principais mercadorias eram a rapadura e a cachaça, estas eram carregadas nos lombos de burros pelos tropeiros que faziam esta rota. O processo inicial de ocupação e de povoamento do Agreste esteve, da mesma forma que no caso sertanejo, relacionado ao desenvolvimento da atividade açucareira. Esta, como foi anteriormente colocado, promoveu, em seu período áureo, a separação da produção agrícola e pecuária, determinando uma divisão espacial do trabalho: o Litoral se especializou na produção do açúcar, enquanto a lavoura alimentar e a pecuária passaram a ser produzidas no Sertão e no Agreste. (MOREIRA e TARGINO, 1997, p. 79). O cultivo das terras, que atualmente pertencem a Lagoa Seca, de início foi estabelecido por fazendeiros que destinaram-se ao plantio da cana-de-açúcar, da mandioca e da produção de subsistência e remontam a segunda metade do século XIX e início do século XX. Um exemplo em Lagoa Seca é o engenho Araticum para a produção de cachaça e de rapadura. Nesta época as várias culturas que se desenvolviam no lugar, aproveitando a boa disponibilidade de água, atraíram muitas famílias para o trabalho nesses cultivos, advindas de diversas regiões da Paraíba, como das cidades do Brejo, do Cariri e do Sertão. O acesso à terra se manifestava de diversas maneiras. Sendo a mais comum o sistema de aforamento, enquanto os foreiros trabalhavam em seus pequenos cultivos em alguns dias, em outros trabalhavam no eito. 66 Figura 02: Ruínas do Engenho Araticum, Sítio Araticum. Fonte: Pesquisa de campo Segundo os habitantes do lugar, nessa época havia alguns engenhos nessa região, na pesquisa observou-se um deles que pertencia à família Tavares, detentora de outros engenhos como, por exemplo, o engenho Macaíba em Alagoa Nova. As relações trabalhistas desta época não eram tipicamente capitalistas. Ao mesmo tempo em que trabalhavam sazonalmente no engenho, podiam cultivar seus roçados e tinham o direito à moradia assegurada pelo senhor de engenho. Ainda nesta época, o preço da terra não tinha adquirido o valor de mercado que tem hoje o que ajudou na configuração fundiária atual. O desmembramento era comum, inclusive doações para novas pessoas que se interessassem em desenvolver os plantios. O primeiro morador do lugar onde está a sede do município foi o senhor Cícero Faustino da Silva. No ano de 1929, observando o constante movimento da estrada, ele construiu uma casa simples com uma tenda, onde ele matava bois. Nesta tenda, ele cortava a carne para vender aos tropeiros e aos moradores dos sítios vizinhos. Conforme Santos (2007, p. 31) “O local escolhido por Cícero Faustino da Silva para vender carne logo ficou sendo chamado pelas pessoas da redondeza de Tarimba6”. Descreve Moreira e Targino (1997, p. 80) 6 Desta forma o primeiro nome do lugar ficou sendo Tarimba. Segundo os habitantes locais, Cícero Faustino construiu posteriormente um galpão, onde os tropeiros paravam para comprar carne para consumo próprio, descansar e dar água aos burros. Configurando, portanto, um ponto de parada para estes. O nome de Tarimba 67 que “Contribuiu para ocupação do Agreste o surgimento de currais e de ponto de pouso, para gado e vaqueiros oriundos da região sertaneja quando dos longos percursos em direção ao litoral”. Um fator que contribuiu para o adensamento populacional de Lagoa Seca foi a chegada dos frades franciscanos, na década de 1930. Fundaram um convento que durante muito tempo também serviu de seminário para a ordem franciscana. Conforme Nascimento Neto (2009), “Somente em 1938 é que Lagoa Seca teve ascensão à condição de vila através do decreto-lei 311” (p.15). E isto aconteceu por força do interventor Argemiro de Figueirêdo no dia 15 de Novembro, segundo o Histórico da Prefeitura Municipal de Lagoa Seca. Depois de todos estes acontecimentos, Lagoa Seca começou a alavancar o seu crescimento com pequenos estabelecimentos comerciais, adensando uma pequena mancha urbana. A urbanização do local, com o calçamento das ruas na década de 50 e a construção da BR 104 na década de 60, acabou por impulsionar a emancipação política. Em 1964, no dia 04 de janeiro, apesar da negatividade de algumas lideranças, que queriam continuar dependentes, por falta de recursos principalmente, ocorreu a emancipação política do município, desmembrando-se de Campina Grande. Recém-criado teve dificuldades, mas continuou aumentando a sua população, principalmente na zona rural. O município crescia em número de habitantes na zona rural, com a disponibilidade de terras agricultáveis. A pluviosidade característica proporcionava a presença de solos mais profundos e férteis que favoreceu ao desenvolvimento de algumas monoculturas como a canade-açúcar, o sisal, o cultivo da mandioca. Segundo os relatos locais, nas décadas de 50 e 60 também foi cultivado o sisal7. São registrados também alguns engenhos e, posteriormente, muitas casas de farinha. permaneceu por um bom tempo, pois Cícero Faustino conseguiu êxito nos negócios, passando a comercializar de tudo. Outros moradores foram chegando, com destaque para a família Borges que conseguiu implantar vários pontos comerciais e uma pequena feira. Depois de Tarimba o município também foi chamado de Lama da Gata, Floresta dos Leões e Ipuarana. Segundo os habitantes locais mais antigos e também o Livro Tarimba Aspectos históricos e culturais de Lagoa Seca 1929-1969 (2007), o nome de Lama da Gata se deu por causa de uma gata encontrada morta em uma lagoa que ficava mais abaixo da Tarimba. A denominação Floresta dos Leões teria relações com as matas encontradas aos arredores do lugar e Ipuarana seria de origem indígena com base na língua Tupi-guarani, IPU= Lagoa, ARANA= Ruim/Seca, mas não encontrou apoio popular na época, pois a nomenclatura Lagoa Seca já estava impregnada na população local. Segundo a versão do IBGE (2010), o nome da cidade tem relação com o proprietário de engenho, morador antigo da cidade, denominado Coronel Vila Seca. Entretanto, os populares dão outra versão para este nome que tem origem na mesma lagoa. Dizem que esta não segurava a água, apesar de chover na região o suficiente para isto acontecer, e os tropeiros ao passar no local a denominaram de Lagoa Seca. Assim, portanto, acabou virando ponto de referência, encontro e espera entre os tropeiros. 7 O sisal é uma fibra resistente produzida pela “Agave Rígida”, planta da família das “Amarilidáceas”, originária do México e da América Central. Expandiu-se no Agreste a partir de 1940. Concorreu para isto a conjuntura 68 O impacto da expansão sisaleira na região Agrestina se fez sentir através da revalorização das terras, da abertura de novas estradas, renovação das habitações dos proprietários de terra, com destaque para os senhores de Engenho do Brejo e, sobretudo, no nível e sazonalidade do emprego rural e nas relações de trabalho. (MOREIRA e TARGINO, 1997, p. 82). O sisal contribuiu para inserção do trabalho assalariado no campo no município de Lagoa Seca, tendo em vista que as relações antes praticadas raramente eram monetarizadas. O sisal servia para complementar a renda dos trabalhadores principalmente no período de corte, que coincidia com a época mais seca do ano onde a produção agrícola não era tão rentável. A principal forma de manter a alimentação era a existência dos roçados, nos quais os trabalhadores cultivavam raízes como a batata doce, o cará, o inhame, a macaxeira, o feijão e o milho. Os pequenos produtores faziam estas roças geralmente ao redor das suas moradias. As trocas entre estes se davam de forma contínua, e as plantações configuravam uma base de produção camponesa nas formas dos roçados. Nestes estava envolvida toda a família, inclusive é importante chamar atenção para o trabalho de mulheres e crianças que aprendiam hereditariamente o cuidado com o solo na manutenção das tradições. A pequena produção camponesa fornecia alimentos aos trabalhadores, como forma suplementar às outras atividades. Nesse período, podemos destacar também a produção do fumo em pequena parcela, que também foi citada pelos habitantes locais, fortalecendo a característica de policultura. A pequena produção de alimentos se consolidara nos interstícios de outras formas de produções, possibilitando a organização do espaço agrário caracterizado pela diversidade nas formas de produção e relação de trabalho, ao mesmo tempo em que formara uma classe social camponesa. A presença religiosa e o artesanato foram então aliados à atividade agrícola que sempre foram as potencialidades do município contribuindo para o crescimento do mesmo. Segundo os habitantes mais antigos, a atividade agrícola sempre esteve presente na constituição das práticas da população. Já a implantação de uma feira em Lagoa Seca teve dificuldades de ocorrer por uma série de fatores, dentre elas, a proximidade com Campina Grande, porque tinha já constituído um polo comercial com mais variedades para compra de produtos comercializáveis. Como explica Santos: Durante alguns anos, tentaram criar a feira de Lagoa Seca, mas sempre sem sucesso devido à proximidade entre as duas cidades (Campina Grande e Lagoa Seca) e pelo externa favorável (altos preços e demanda), além das condições ecológicas propícias. (MOREIRA E TARGINO, 1997, p. 82). 69 fato da região ser muito rica em frutas e verduras que a população plantava em sua própria casa para consumo próprio. A maioria das pessoas preferia fazer as suas compras na feira de Campina. (SANTOS, 2007, p. 119-120). A atuação de uma feira como centro de distribuição em Lagoa Seca não era viável naquele tempo, pois a agricultura camponesa era dominante, os sítios eram ricos e os roçados abundantes, a alimentação para os habitantes locais não era problema. Hoje o município possui apenas uma pequena feirinha destinada aos produtos orgânicos que acontece aos sábados, sob a coordenação da AS-PTA. Portanto, Lagoa Seca tem sua essência na atividade da agricultura a partir da sua forma camponesa, principalmente de roçados de raízes, frutas e verduras. Já a mandioca sempre teve bastante destaque na agricultura do município, e durante muito tempo foi a principal atividade agrícola, constituindo também a principal atividade industrial com a produção de farinha de mandioca. Santos (2007, p. 121) enfatiza que: A produção de farinha de mandioca atingiu números muito altos em Lagoa Seca, quando foi instalada em 20 de janeiro de 1936 a cooperativa dos beneficiadores de mandioca de Lagoa Seca com o Apoio de Argemiro Batista e Antônio Borges a usina de farinha do senhor José Jerônimo da Costa, sendo grande quantidade do produto destinada à feira de Campina Grande e de lá ao sertão e litoral. A obra Tarimba (2007), sendo a principal sobre Lagoa Seca, deixa a desejar quanto à descrição precisa da importância da atividade agrícola para o município, em especial da mandioca e produção de farinha, tendo em vista que entre as décadas de 1930 e 1970 a produção de mandioca e as casas de farinha se espalhavam por todas as regiões deste, se constituindo como uma organização importante. Podemos observar o quanto a atividade agrícola já era arraigada no lugar. O município ainda preserva a cultura da mandioca, mas os seus derivados ganham importância no novo cenário: a massa e a goma, ficando a farinha em segundo plano. Para Nascimento Neto (2009, p. 19) “As atividades agrícolas e pecuárias são o cerne da atividade econômica do município. Ao longo dos anos Lagoa Seca se consolidou como produtor de hortifrutigranjeiros, sendo os produtos mais representativos, a banana e a produção de hortaliças”. Na verdade, com o fechamento de várias casas de farinha nas décadas de 60 e 70 houve uma queda da produção da mandioca, com problemas principalmente na ordem do preço do produto. O que ocasionou o fortalecimento da agricultura de hortaliças e fruteiras, que atualmente predomina como os principais produtos da agricultura familiar do município, o que alterou algumas configurações no campo do município. 70 Figura 03: Casa de Farinha de 1921- Sítio Oití, Lagoa Seca. Fonte: Pesquisa de Campo. Na produção de farinha trabalhavam um grande número de trabalhadores, desde o grande roçado, onde trabalhavam os homens, como no processo de prensa, na eliminação da manipueira e no forno. As mulheres tinham o papel de raspar a mandioca. Das pequenas criações e da agricultura de subsistência participava toda a família. Sempre presentes, enquanto os homens trabalhavam no eito, as mulheres ficavam em suas casas, cuidando das pequenas criações, muitas vezes variadas, como suínos, ovinos e aves. Normalmente possuíam pequenas hortas no quintal de casa, a fim de abastecer toda a família e ao redor de casa era comum o cultivo de fruteiras, como mangueiras, bananeiras, jaqueiras, laranjeiras, goiabeiras, dentre outros. Como os sítios produziam muito para o autoconsumo da família, raramente os pequenos produtores concorriam entre si, o que fortalecia traços de solidariedade que ainda estão presentes, embora em menor frequência. Era comum um trabalhador ajudar o vizinho no seu roçado, ou na produção de farinha. Nestes pequenos roçados, havia plantações no regime consorciado de milho, feijão e fava, muitas vezes o cará e o inhame. Estes produtos eram sempre vendidos na feira de Campina Grande e serviam tanto para o autoconsumo quanto para o comércio. Práticas que pouco agrediam o meio ambiente como um todo, pois nas plantações não havia o uso de 71 agrotóxicos e nem de adubos químicos. Proporcionava à população local segurança alimentar e completava a renda do que faltava com o que era vendido na feira. É bastante comum encontrar na zona rural do município unidades familiares com parte do “terreiro” calçados em pedra ou em cimento, devido aos grandes roçados de feijão. Estes eram usados para bater o feijão e deixá-lo secar. O crescimento populacional de Campina Grande fez com que aumentasse a demanda por alimentos advindos da atividade agrícola, o que impulsionou a produção de hortaliças e fruteiras. Outro motivo para o aumento da demanda de produtos agrícolas foi a abertura da Ceasa naquela cidade, que hoje recebe o nome de Empasa, a empresa de abastecimento deu impulso ao crescimento das plantações. Já que de lá estas mercadorias eram transportadas em caminhões para outros centros do estado como João Pessoa, Guarabira, dentre outros. Esta conjectura acentuou a produção e o comércio de hortifrutigranjeiros entre as duas cidades. O aumento da demanda ocasionou o aumento no preço do frete e o interesse dos próprios fretistas nessa comercialização, o que fez muitos pequenos produtores deixar de fazer a venda direta nas feiras. O preço das ferramentas de trabalho, bem como das sementes e dos adubos para manter essa rotatividade de plantação aumentaram muito. Isso também fez com que o produtor permanecesse mais tempo na produção, sem ter tempo para realizar as atividades referentes à comercialização. Percebendo a lucratividade muitos comerciantes entraram no negócio se aproveitando de possuir o transporte, ou de obter uma clientela definida. O que fez muitos pequenos produtores se submeterem aos comerciantes para comercializar os seus produtos. Entre as décadas de 1970 e 1980, se expandiram significativamente as áreas de plantação de hortaliças no município, sendo bastante importante na época a produção de chuchu. A cultura que precisava de muita água provocou o aumento da construção de pequenas barragens no município. Dada a grande quantidade desse produto na época, Lagoa Seca passou a ser chamada de “Terra do chuchu”, esse aumento provocou uma elevação significativa da população rural, atualmente, uma das regiões rurais de maior densidade demográfica do Brasil. Os trabalhadores que antes trabalhavam na produção de farinha passaram a se integrar na nova conjuntura, ampliando o que antes eram as suas produções domésticas a fim de prover a unidade familiar. A alface e o coentro passaram a ser culturas bastante comerciais com alta rotatividade, o que garantia um retorno mais rápido que outras e os camponeses se adequaram parcialmente a esta tendência. Mesmo explorando algumas produções mais 72 comerciais o camponês não abandona o autoconsumo da sua produção. Muitos dos que plantam o milho para colher na festa de São João não somente plantam para vender o produto, mas para satisfazer também uma dimensão simbólica, pode-se citar que, análogo a este caso, alguns agricultores plantam flores destinadas ao dia de finados em novembro. Com melhor condição financeira e observando o crescimento da demanda, alguns comerciantes foram comprando os pontos de feira mais comerciais na cidade de Campina Grande. Os pequenos produtores que antes faziam a venda direta nas feiras não suportando o endividamento com o frete, com a elevação dos custos de produção e o próprio custo de vida optaram por deixar a insegurança da venda de mercado para vender aos atravessadores. Muitos pequenos produtores rurais deixaram de vender nas feiras ou na Empasa em Campina Grande, pela dificuldade de sair de casa para vender seus produtos, pois diversas vezes o atravessador ia à própria produção em pontos extremamente longínquos e de difícil acesso e compravam-na ainda na fase de plantio. Fato que acontecia principalmente na baixa de mercadorias, período de “falta” e proporcionava uma condição ilusória ao pequeno produtor. Os atravessadores foram se especializando no comércio de frutas e hortaliças e atualmente há atravessadores (donos de caminhão) que compram diretamente dos produtores rurais, que vendem a outros atravessadores (donos de pontos de venda nas feiras) que vendem a novos atravessadores que comercializam (que vendem a varejo em mercadinhos de bairro). O que encarece o preço do produto na ponta final do sistema, mas não beneficia o pequeno produtor. 4.3 A produção familiar atual do município de Lagoa Seca. A história do campesinato em Lagoa Seca é fruto da luta pela permanência no campo, frente às dinâmicas do capitalismo. A lei da oferta de da procura, submete o pequeno produtor a mudar as características da plantação, ou seja, adaptar-se para conseguir a sobrevivência. Quando há a retração da demanda por um produto no campo ele procura cultivar outro, mas sem deixar a sua campesinidade. A limitada oferta de terras e a divisão progressiva por herança levou o município a ter como característica marcante uma estrutura fundiária desconcentrada, predominando os estabelecimentos com área entre 1 a 20 hectares destinados a desenvolver a policultura. Associando-se o minifúndio e a policultura, temos uma produção diversificada, como: produção de frutas (laranja e banana, ver figuras 4 e 5), feijão (ver figura 6) e verduras 73 (chuchu, coentro e alface, principalmente, ver figuras 7 e 8), e também a criação de pequenos rebanhos (ver figura 9). Algumas áreas se destacam no cultivo de frutas e outras no cultivo de hortaliças. Nascimento Neto elucida que: Segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca e da ASPTA, o município apresenta seis diferentes regiões com atividades produtivas específicas: Região dos Roçados (mandioca, feijão e batatinha), Região das Verduras (alface, coentro, tomate, pimentão, repolho, cebolinha e alguns verdureiros plantam flores), Região do Encontro dos Rios (criação de pequenos rebanhos), Região das Frutas (banana, tangerina e laranja cravo), Região das Ladeiras (manga, jaca, banana, maracujá, caju, laranja, macaxeira e feijão) e a Região do Agreste (a maioria das terras é de fazendas de gados e alguns poucos agricultores plantam mandioca, milho e feijão). (NASCIMENTO NETO, 2009, p. 19) Conforme descreve o autor, as atividades agrícolas localizam-se em lugares específicos do município, isso se deve aos lugares terem diferentes contextos e serem favoráveis a alguns tipos de produtos e outros não, é o caso da Região das Ladeiras onde não se planta muitas hortaliças e da Região do Agreste, onde se desenvolve muito mais a pecuária, nas proximidades do município de Massaranduba. Esta distribuição projeta-se em um mosaico de culturas, na diversidade de formas de relação de trabalho, e de formas de resistência e permanência na terra. Figura 04: Produção de laranja - Sítio Oití - Lagoa Seca. Fonte: Pesquisa de Campo. 74 Figura 05: Produção de banana - Sítio Mineiro - Lagoa Seca. Fonte: Pesquisa de Campo. Figura 06: Produção de feijão - Sítio Campinote - Lagoa Seca. Fonte: Pesquisa de Campo. 75 Figura 07: Aspectos da produção de alface e coentro - Sítio Alvinho - Lagoa Seca Fonte: Pesquisa de Campo. Figura 08: Latadas de chuchu - Sítio Rosa Branca - Lagoa Seca Fonte: Pesquisa de Campo. 76 Figura 09: Pequena criação de gado - Sítio Jucá do Cumbe - Lagoa Seca. Fonte: Pesquisa de Campo. Figura 10: Produção Agrícola por Região em Lagoa Seca. Fonte: Plano Diretor do Município de Lagoa Seca. Adaptado. 77 A figura 10 está baseada na divisão feita pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca, fruto de um trabalho conjunto com pequenos agricultores e a AS-PTA. Ele destaca as regiões do município associado às atividades econômicas. Esta divisão foi aproveitada pela Coopacne para a construção do plano diretor do município e consta no seu anexo cartográfico. A produção familiar no município de Lagoa Seca é muito diversificada tanto no que se refere às pequenas propriedades que produzem uma grande quantidade de produtos, e inclusive também aquelas que produzem variedades da mesma cultura. Produzem também lavouras cujos ciclos são mais longos e outras de ciclos mais curtos, usam lavouras que são permanentes e também as lavouras temporárias. Para que se aproveite a rotatividade da terra, cuja disponibilidade é pequena. A produção de banana e laranja merece destaque na Região das Frutas, onde se localizam principalmente os sítios: Mineiro, Cumbe, Jucá, Boa Vista e Amaragi. Entretanto, a sazonalidade reflexa dos períodos de entressafra da planta submetem alguns produtores a plantarem roçados ou verduras nesses períodos. Esses são intercalados de forma a dar o retorno que é conveniente à unidade familiar. Além disso, tem como característica as profundas raízes familiares, sendo bastante comum que os filhos plantem nas mesmas terras que seus pais plantaram. É comum que envolvam toda ou parte da família na produção. Um dos problemas é que por herança estes espaços de plantio foram divididos em minifúndios cada vez menores, na razão inversa do tamanho das famílias. A unidade familiar muito pequena por vezes se torna um problema para a sua própria manutenção. Assim condicionado, há pouco produto nestes espaços. A maioria das propriedades usa técnicas muito rudimentares de cultivo, degradando o solo e atingindo o meio ambiente. Para Nascimento Neto (2009, p. 19) “As propriedades agrícolas do município são minifúndios, bastante explorados, adotando-se apenas, em casos, de rotação de cultura, ficando o pousio, por sua vez descartado”. Devido às pequenas extensões das propriedades, os solos são submetidos a uma grande pressão, e dessa forma têm que ser corrigidos por adubos e fertilizantes químicos. Na maioria das propriedades, as técnicas de plantio foi passada de forma hereditária e resiste até hoje junto com a resistência do próprio camponês. Baseada nas tradições e nos conhecimentos antigos. Evidentemente que também por falta de recursos para manter a tecnologia tão presente em outras áreas do país e que elevam a produtividade da terra. Outro problema que se poderia citar é uma dependência demasiada das condições climáticas a que se submetem os plantios. Essa realidade que pode ser observada nas Figuras 78 11 e 12 é um dos principais problemas que permeiam a agricultura familiar municipal, e condicionam o comércio local, provocando muitas perdas e danos. Muitos agricultores são repelidos da atividade por trabalhar em demasiado para conseguir o sustento da unidade familiar. Na região a maioria dos camponeses não tem recursos suficientes para superar estas dificuldades impostas pelo clima e pelas condições econômicas. Condições que associadas à exploração baseada no preço do produto dificultam as condições dos pequenos agricultores, que desta forma poderão optar em se integrar a novas formas de atividades, ou ter que depender do Estado através de políticas públicas de cunho assistencial. Na produção familiar do espaço em questão, o camponês é reconhecido como agricultor familiar em virtude da difusão das políticas públicas que o reconheceram como tal. Essas têm no Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município um suporte na sua efetivação local. No entanto, a burocracia referente ao crédito agrícola e, as vezes, a própria resistência do camponês a assistência técnica bloqueiam o alcance do poder público. Figura 11: Plantação alagada devido às fortes chuvas de junho de 2011 em Lagoa Seca. Fonte: Pesquisa de Campo. 79 Figura 12: Reservatório seco devido ao período de estiagem de 2014. Fonte: Pesquisa de Campo. Figura 13: Agricultores familiares preparando o solo para cultivo. Fonte: Pesquisa de Campo. 80 Figura 14: Irrigação Manual - Sítio Alvinho - Lagoa Seca Fonte: SOUZA, Jamerson Raniere Monteiro de. Pesquisa de Campo. Alguns problemas podem ser detectados na organização das unidades familiares rurais. Dentre eles podem ser lembrados: a) falta de disponibilidade de solos; b) utilização de práticas que resultam em agravos ao solo, por exemplo, a preparação do solo muitas vezes é acompanhada de coivara, e feita em áreas de encostas; c) o plantio é feito manualmente e as sementes normalmente são compradas e armazenadas muitas vezes em ambientes impróprios (ver Figura 13). A ação de organização não governamental, a exemplo da AS-PTA, tem ajudado a reverter alguns desses problemas com a difusão da prática agroecológica, o uso das sementes da paixão, e o uso do manejo agrosilvopastoril8. A irrigação também é feita manualmente por mangueiras e, em alguns casos, por microaspersão auxiliada por motores de pequeno porte no caso das ladeiras. Em algumas são utilizados os adubos químicos e agrotóxicos. (Ver figura acima). Os processos de limpeza das ervas daninhas também é feito de forma manual com auxílio de enxadas. A colheita é feita de forma tradicional sem seleção específica, apenas nas épocas de “boia” são escolhidos os melhores produtos por pressão do atravessador. Como se pode observar, a agricultura de Lagoa Seca tem características muito tradicionais. A comercialização pode ser citada como um dos fatores que causa o problema, 8 Sistema complexo que integrar lavoura, espécies florestais e pastagens e outros espaços para os animais, considerando os aspectos paisagísticos e energéticos. 81 pois os fundos para manter a produção, que são retirados da atividade, são extremamente inconstantes, e o atravessador submete o produtor a condições de plantio pouco produtivas. Existem ainda muitas técnicas antigas neste tipo de produção, que é limitada principalmente pelo pouco ganho do produtor, que raramente eleva o nível de produtividade da terra e não tem condições de competir com um mercado tecnológico e competitivo como o atual. Apesar de todos os problemas apresentados na produção, o município se destaca pela quantidade de alimentos produzida. Certamente, dentro do Agreste policultor, como um dos que mais contribuem para a efetiva produção de alimentos no estado da Paraíba. 4.4 Aspectos da agricultura familiar segundo os dados do Censo Agropecuário de 2006 9 Os dados do Censo Agropecuário do IBGE de 2006 são importantes no sentido de traçar um perfil da produção agropecuária do município de Lagoa Seca, identificando dados importantes como: a) estrutura fundiária; b) estrutura das propriedades; c) perfil do produtor; d) utilização das terras; e) lavouras e criações; f) padrão tecnológico e g) pessoal ocupado. 4.4.1 Estrutura fundiária Com relação à estrutura fundiária, segundo o Censo Agropecuário do IBGE (2006) há um predomínio do minifúndio, 90,12% das propriedades rurais do município tem menos de 10 hectares (ver Tabela 01). Tabela 01 - Lagoa Seca: Tamanho das propriedades rurais (2006) Tamanho das propriedades Até 1 ha De1 a menos de 2 ha De 2 a menos de 3 ha De 3 a menos de 4 ha De 4 a menos de 5 ha De 5 a menos de 10 ha De 10 a menos de 20 ha De 20 a menos de 50 ha De 50 a menos de 100 ha De 100 a menos de 200 ha De 200 a menos de 500 ha De 500 a menos de 1000 ha 9 N. de estabelecimentos Fr. Absoluta % 336 18,46 414 22,75 309 16,98 212 11,65 141 7,75 228 12,53 101 5,55 35 1,92 4 0,22 4 0,22 2 0,11 2 0,11 Área Fr. Abs 117 473 653 661 578 1.425 1.244 985 266 429 X X % 0,62 2,52 3,48 3,53 3,08 7,60 6,64 5,25 1,42 2,29 Indisponível Indisponível O Censo Agropecuário do IBGE (2006) por motivo de segurança não disponibiliza alguns dados, os identificando como X. 82 De 1000 a menos de 2500 ha De 2500 ha e mais Produtor sem área Total 1 1 30 1.820 0,05 0,05 1,65 100 X X 18.747 Indisponível Indisponível 100 Fonte: SIDRA - Sistema IBGE de recuperação automática - Censo Agropecuário de 2006 Entretanto, esse número expressivo de propriedades não se reflete na área que esses estabelecimentos ocupam, esta se mostra concentrada, uma vez que estes mesmos 90,12% representam 20,08% desta. Esta estrutura é possibilitada pela divisão progressiva da terra devido à herança. Enquanto outra parte da terra é concentrada nas mãos de poucos. 4.4.2 Estrutura organizacional das propriedades Com relação à estrutura geral das propriedades do município, sobressaem as que possuem proprietários individuais 98,13% (ver Tabela 02). Tabela 02 - Lagoa Seca: Pessoa que dirige a propriedade (2006) Total Proprietário individual Condomínio, consórcio ou sociedade de pessoas Cooperativa Sociedade anônima ou por cotas de responsabilidade limitada Instituição de utilidade pública Governo (federal, estadual ou municipal) Outra condição 1.820 1.786 17 1 5 2 1 8 18.747 18.415 95 X 39 X X 32 Fonte: SIDRA - Sistema IBGE de recuperação automática - Censo Agropecuário de 2006 Os dados do IBGE também mostram que no município predominam os agricultores familiares em detrimento dos não familiares. 87,47% e 12,53%, respectivamente. Todavia, os agricultores familiares dispõem de apenas 25,18% da área das propriedades e os produtores da agricultura não familiar dispõem de 74,82% (ver Tabela 03). Tabela 03 - Lagoa Seca: Agricultura familiar e não familiar (2006) Agricultura Não Familiar Agricultura familiar Total Núm. de estabelecimentos 228 1592 1820 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006 Área dos estabelecimentos 14026 4721 18747 83 4.4.3 Perfil do produtor quanto a sexo, idade, grau de instrução e condição do produtor Com relação ao sexo do produtor, na agricultura familiar do município, constata-se um predomínio do sexo masculino 85,05% contra 14,95% do sexo feminino. Além desse desequilíbrio, constata-se também outro, 66,27% das propriedades familiares são dirigidas por agricultores de 45 anos de idade ou mais. Observa-se que há também um predomínio da população masculina e também da parcela da população mais velha na agricultura familiar, que demonstra por sua vez o desinteresse do jovem pela atividade (ver Tabela 04). Tabela 04 - Lagoa Seca: Produtores por sexo e idade (2006) Idade dos produtores Total Menor de 25 anos De 25 a menos de 35 anos De 35 a menos de 45 anos De 45 a menos de 55 anos De 55 a menos de 65 anos De 65 anos e mais Totais 1.592 51 194 292 340 341 374 Masc 1.354 46 178 263 291 277 299 Fem 238 5 16 29 49 64 75 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006 Com relação à condição legal dos produtores familiares, predominam os proprietários diretos da terra que são 89,95%, embora o censo também cite os ocupantes 6,60% em menor número. Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006. Embora a direção das unidades produtivas esteja sobretudo nas mãos dos proprietários, entre os produtores familiares dominam os sem instrução e com primeiro grau incompleto. Dos 1592 produtores familiares do município, 85,6% não frequentaram a escola, estão em cursos de alfabetização ou não completaram o ensino fundamental. Esta situação indica o baixo nível de escolaridade desses produtores que dirigem as unidades produtivas (ver Tabela 05). Tabela 05 - Lagoa Seca: Condição do produtor e nível de instrução (2006) Nível de instrução do produtor Total Alfabetização de adultos Ensino fundamental incomp. Ensino fundamental completo Total 1.592 66 674 108 Prop. 1.432 60 595 99 Arrend. Parceiro 10 5 - 17 1 9 2 Ocupante 105 3 54 7 Prod. sem área 28 2 11 - 84 Ensino médio incompleto Ensino médio completo Engenheiro agrônomo Outra formação superior Nenhum (sabe ler ou escrever) Não sabe ler e escrever 11 64 2 43 215 409 11 58 2 43 195 369 1 4 1 4 3 15 23 2 4 9 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006 Essa situação é mais grave entre os produtores que têm acesso precário à terra, como arrendatários, ocupantes, parceiros e produtores sem-terra. 4.4.4 Utilização das terras No que se refere à utilização das terras, predomina a área com matas naturais (41,27%), já as áreas com lavouras temporárias e permanentes representam 35,47%, e as pastagens 10,16%. Nas áreas de lavoura, as culturas temporárias sobressaem e estão presentes em 81,81% dos estabelecimentos agrícolas e 62,28% da área destinada às lavouras. Com relação as lavouras, há um predomínio das temporárias. Entretanto, revela-se em número considerável a área que se submete as culturas permanentes, presentes em 51,59% dos estabelecimentos agrícolas, ocupando 37,72% das áreas de lavoura. Ocupadas com banana e laranja principalmente. Muitas propriedades utilizam as duas formas de cultura para pode sustentar-se durante o ano todo. A área está predominantemente preenchida com lavoura a despeito das pastagens, já que esta área se destina sobretudo a produção de alimentos. No que concerne às unidades familiares, predominam as áreas destinadas às lavouras (61,7%), predominando as temporárias. Tem também importância as áreas de pastagens que respondem por 19,4% (ver Tabela 06). Nos estabelecimentos não familiares, a maior parte das terras estão destinadas às matas naturais (53%). Tabela 06 - Lagoa Seca: Utilização das terras (2006) Total Familiar Não familiar Utilização das terras Nº Área Nº Área Nº Área est. est. est. Lavouras - permanentes 939 2.508 805 1.235 134 1.273 Lavouras - temporárias 1.489 4.141 1.330 1.701 159 2.441 Forrageiras para corte 157 326 50 228 50 228 Cultivo de flores viveiros de mudas, estufas 9 35 4 2 5 34 de plantas e casas de vegetação. Pastagens - naturais 512 1.304 422 663 90 641 Pastagens - plantadas degradadas 58 209 49 67 9 143 85 Pastagens - plantadas em boas condições Matas - naturais destinadas à preservação permanente ou reserva legal Matas - naturais (exclusive área de preservação permanente e as em sistemas agroflorestais) Matas - florestas plantadas com essências florestais Sistemas agroflorestais - área cultivada com espécies florestais também usadas para lavouras e pastoreio por animais Tanques, lagos, açudes e/ou área de águas públicas para exploração da aquicultura. Construções, benfeitorias ou caminhos. Terras degradadas (erodidas, desertificadas, salinizadas, etc.) Terras inaproveitáveis para agricultura ou pecuária (pântanos, areais, pedreiras, etc.) Total 143 391 106 189 37 203 41 107 28 40 13 66 160 7.629 120 195 40 7.434 3 20 2 X 1 X 33 58 25 27 8 31 269 152 207 65 62 87 786 1.410 659 287 127 1.123 12 36 9 5 3 31 166 421 138 129 28 291 1.820 18.747 1.592 4.721 228 14.026 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006 Dentre as lavouras permanentes, a laranja e a banana são as principais, com forte predominância nos estabelecimentos familiares. A laranja embora presente em menos unidades produtivas que a banana, ela é mais expressiva na quantidade produzida e no valor da venda. (Ver tabela 07) Tabela 07 - Lagoa Seca: Área plantada, quantidade produzida e valor da produção de lavouras permanentes, por estabelecimentos familiares e não familiares 2006 Produtos Total Banana Laranja Área plantada (Hectares) 527 245 282 Familiar Quantidade (Toneladas) Não familiar Valor da Área Quantidade produção plantada (Toneladas) (Reais) (Hectares) 3.020.242 17.202.597 72 424.330 780.953 1.114.033 29 126.857 2.239.289 16.088.564 43 297.473 Valor da produção (Reais) 149.484 51.042 98.442 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006 Entre as lavouras temporárias se destacam diversas variedades de feijão, da mandioca, da fava, do milho e da bata inglesa que foi lembrada em menor número. Presentes na região designada como Região dos Roçados, estas são, na maioria das vezes, intercaladas durante o ano pelos pequenos produtores familiares para tentar prover a renda da família. 86 Tabela 08 - Lagoa Seca: Produtos da lavoura temporária (2006) Produtos da Lavoura Temporária Batata inglesa Cana-de-açúcar Fava em grão Feijão preto em grão Feijão de cor em grão Feijão fradinho em grão Feijão verde Mandioca (aipim, macaxeira) Milho em grão Milho forrageiro Sementes de feijão Sementes de milho Sementes de batata inglesa Unidades 48 4 105 144 427 416 252 502 750 5 4 4 2 Toneladas 184 2 28 1.006 1.424 204 127 1.832 631 0 0 0 X Mil Reais 56 1 24 975 1.664 184 81 246 239 0 1 0 X Fonte: SIDRA - Sistema IBGE de recuperação automática - Censo Agropecuário de 2006 A presença da horticultura no município também é bastante expressiva, tanto no que se refere à quantidade produzida, quanto ao valor da produção, em 2006. Sublinha-se, também, a variedade da sua produção. Destacam-se: o chuchu, o coentro e a alface como os produtos mais representativos desse segmento, responsáveis por 83,8% do valor da produção de horticultura em 2006. Estas hortaliças são produzidas principalmente na área designada como região das verduras. Tabela 09 - Lagoa Seca: produtos da horticultura (2006) Produtos da horticultura Número de estab. Quantidade (Toneladas) Abobrinha Acelga Agrião Alecrim Alface Batata-doce Berinjela Beterraba Brócolis Cará Cebolinha Cenoura Chicória Chuchu Coentro Couve 8 1 3 5 152 156 18 4 2 2 49 6 1 56 165 28 10 X 2 2 2.973 1.359 54 165 X X 179 5 X 10.913 4.236 330 Quantidade vendida (Toneladas) 10 X 2 2 2.963 1.314 53 165 X 170 5 X 10.912 4.218 316 Valor da produção (Mil Reais) 5 X 2 3 1.299 386 30 42 X X 197 4 X 3.983 2.057 275 Valor da produção (Percentual) 0,06 X 0,02 0,04 14,83 4,41 0,34 0,47 X X 2,25 0,04 X 45,48 23,49 3,14 87 Couve-flor Ervilha (vagem) Espinafre Hortelã Inhame Jiló Manjericão Maxixe Milho verde (espiga) Nabo Pepino Pimentão Rabanete Repolho Salsa Tomate (estaqueado) Vagem (feijão) 3 1 12 2 1 17 1 17 128 4 24 52 2 5 5 12 1 X 6 X X 30 X 46 264 0 101 342 X 50 1 51 1 X 5 X X 30 X 43 175 0 101 335 X 49 1 50 2 X 5 X X 14 X 14 122 1 43 193 X 25 1 38 0,02 X 0,06 X X 0,16 X 0,16 1,40 0,01 0,49 2,20 X 0,28 0,01 0,44 14 18 18 7 0,08 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006 Na criação de rebanhos, o destaque é para bovinos, ovinos e suínos. A mesma para caprinos é limitada, tendo em vista tratar-se de uma área agrícola por excelência. Elas predominam na Região do Encontro dos Rios, e na Região do Agreste, onde o solo não é tão favorável para a agricultura. Em muitas dessas propriedades a criação é associada com a plantação. A produção de aves tem encontrado uma forte difusão no município, sobretudo a produção em parceria com empresas especializadas nesse tipo de produção. Tabela 10 - Lagoa Seca: Produção animal (2006) Criação Bovinos Equinos Asininos Muares Caprinos Ovinos Suínos Aves Outras aves Número de estabelecimentos 837 61 55 27 65 107 253 562 88 Número de cabeças 5.340 298 59 30 499 1.903 1.231 57.000 5.663 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006 88 4.4.5 Padrão tecnológico De acordo com os dados do censo agropecuário de 2006, observa-se que o padrão tecnológico pode ser considerado restrito tendo em vista a difusão de algumas tecnologias, como será visto a seguir: a) A irrigação Apesar de se tratar de uma área com predomínio da horticultura, o uso da irrigação ainda é limitado. Com efeito, dos 1820 estabelecimentos recenseados apenas 272 fazem uso dessa tecnologia, o que representa 14,9%. A grande maioria dos estabelecimentos (79,8%) que usam irrigação pertencem à categoria de agricultura familiar (veja Tabela 11). Grupos de área FAMILIARES 0 – 5 ha 5 - 10 ha 10 - 20 ha 20 - 50 ha 50 - 100 ha 100 - 200 ha 200 - 500 ha 500 ha e mais Sem declaração Total TOTAL 0 – 5 ha 5 - 10 ha 10 - 20 ha 20 - 50 ha 50 - 100 ha 100 - 200 ha 200 - 500 ha 500 ha e mais Sem declaração Total Tabela 11 - Lagoa Seca: Estabelecimentos que fazem uso da irrigação por tipo de irrigação (2006). Total Inundação Sulcos Aspersão Localizado Outros Est Área Est Est 189 21 1 4 2 217 181 34 X 8 X 239 1 1 2 X X X 1 1 X X 34 5 1 1 41 228 29 7 4 1 238 60 50 8 X 1 2 272 X X 460 1 1 2 X X X 1 1 X X 41 7 3 1 1 1 54 Área Est Área Est Área Est Área Área 42 9 X X 56 2 2 4 X X 7 152 13 1 2 1 169 132 21 X X X 171 53 14 11 X X X 84 4 4 2 10 X 6 X 25 188 19 6 2 1 1 1 218 178 40 26 X X X X 347 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006 Nota: (X) o censo não coloca a informação para não identificar o informante. Observa-se que os métodos mais utilizados de irrigação são a microaspersão e a irrigação manual (incluída na categoria “outros”, na tabela acima). Vale dizer que além de 89 limitada do ponto de vista numérico, o uso da irrigação também é limitado do ponto de vista do método, prevalecendo os procedimentos mais tradicionais como a irrigação manual. b) Uso de adubos Com relação ao uso de agrotóxicos, observa-se no mesmo censo que sua participação em 75 unidades, destas 86,7% não recebeu nenhuma orientação técnica, 77,33% usam pulverizador costal e foram registradas duas pessoas intoxicadas. O uso do esterco está presente em 1,65% das propriedades, o uso de adubos de diversos tipos está presente em 773 unidades sendo que destas, o censo agropecuário do IBGE de (2006) registra que 93,01% não receberam nenhuma assistência técnica para uso. Tabela 12 - Lagoa Seca: Número de estabelecimentos com uso de agrotóxico, esterco e adubo (2006) Padrão tecnológico Agricultura familiar Uso de Agrotóxico Uso de esterco Uso de adubo Agricultura não familiar 15 9 - 60 21 - Total 75 30 773 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006 O baixo uso de agrotóxicos deve ser atribuído, fundamentalmente, ao trabalho desempenhado pela AS-PTA no município. Essa Organização Não Governamental faz um trabalho de difusão de procedimentos agroecológicos entre os pequenos produtores rurais (AS_PTA, 2013). c) Uso de mecanização O nível de mecanização é baixo nos estabelecimentos familiares no município, devido as características peculiares destes. Apenas 148 estabelecimentos possuem máquinas e implementos agrícolas. E os tipos mais difundidos são grades rotativas, roçadeiras e arados. (Veja Tabela 13) Tabela 13 - Lagoa Seca: Uso de máquinas e implementos agrícolas Especificação Número de estabelecimentos Tipo de máquina e implemento agrícola Total Possui Arados Grades e/ou enxadas rotativas Roçadeiras 1.592 148 38 70 55 Número de máquinas e implementos 383 383 50 183 92 90 Semeadeiras e/ou plantadeiras Colheitadeiras Pulverizadores e/ou atomizadores Ceifadeiras (picadeira de forragens) Não possui Trator Tipo de meio de transporte Total Utilizam Caminhões Utilitários Automóveis Reboques Motos Veículos de tração animal Não utilizam 2 2 12 11 1.444 4 2 2 12 12 4 1.820 234 18 42 99 3 79 39 1.586 332 332 19 49 136 3 81 44 - Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006 A quantidade de tratores registrada também é muito pequena. O uso de meios de transporte também é pouco expressivo, particularmente o uso de caminhões e de utilitários, que dificulta a possibilidade de escoar a produção sem a ajuda de um atravessador ou o pagamento do frete. 4.4.6 Pessoal ocupado Com relação ao pessoal ocupado na agricultura familiar, nos deparamos com outra contradição. Pois, mesmo ocupando uma área menor, a agricultura familiar é a que mais mantém o pessoal ocupado. Com efeito, 90,7% do pessoal ocupado na agricultura municipal é absorvido pelos estabelecimentos familiares. Além disso, ao se observar o total do pessoal ocupado na agricultura, praticamente um quarto da população economicamente ativa está ocupado nesse segmento produtivo, o que reflete a importância da manutenção deste tipo de produção para o município. Tabela 14 - Lagoa Seca: Pessoal ocupado por tipo de Agricultura (2006) Pessoal ocupado Agricultura familiar Número Pessoal ocupado familiar - com 14 anos ou mais. Pessoal ocupado familiar - com menos de 14 anos. 3.735 223 % 88,13 5,26 Agricultura não familiar Número 294 2 % 47,73 0,32 91 Pessoal ocupado familiar que recebia salários - com 14 anos ou mais. Empregados permanentes Empregados temporários Parceiros (empregados) Outra condição 13 0,31 40 6,49 60 213 7 1,42 5,03 0,17 206 95 6 13 33,44 15,42 0,97 2,11 Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006 Chama a atenção a presença do trabalho de crianças, o que é uma característica da organização das unidades familiares rurais. Por outro lado, há também o registro de empregados, sobretudo temporários. 4.5 As formas de comercialização da agricultura familiar do município de Lagoa Seca A comercialização é um grande gargalo na dinâmica da organização dos produtores familiares nordestinos. A manutenção da unidade familiar é dependente da relação entre a produção e os recursos provenientes dela para o abastecimento da família. Ao longo do tempo as necessidades da unidade camponesa foram aumentando, tanto em relação ao consumo doméstico, quanto em relação ao aprovisionamento de componentes do processo produtivo, como: energia, adubos químicos, equipamentos, etc., que exigiram da agricultura familiar um aporte maior de recursos. A inclusão desses novos itens na organização da unidade de produção torna-se um elemento de agravamento interno, impondo uma maior necessidade de comercialização da sua produção. No município de Lagoa Seca, há um predomínio da venda dos produtos agrícolas por atravessadores, que, na maioria das vezes, não remuneram o produto de modo a cobrir o valor do trabalho incorporado à sua produção. Esse conflito entre valor de uso da mercadoria e valor de troca é uma relação típica do capitalismo. O valor da produção dos pequenos produtores, com labor que excede muitas vezes onze ou doze horas de trabalho diárias no roçado ou na horta não é devolvido em sua renda mensal familiar pelos preços pagos pelos atravessadores, tal como preconizaram Chayanov (1981) e Wolf (1970). Esse conflito entre capital e trabalho é mediatizado pela ação dos intermediários. O atravessador ou intermediário é o sujeito social de maior mobilidade na relação de comercialização. É ele quem escoa a produção, comprando-a dos produtores e não precisa ser exatamente uma pessoa física, pode ser também um supermercado, uma mercearia, etc. Na maioria das vezes, o atravessador é quem tem o controle de transportar e vender onde quiser esses produtos. Os intermediários de Lagoa Seca, geralmente, vendem os produtos na Empasa 92 (Empresa Paraibana de Abastecimentos e Serviços Agrícolas) ou na Feira Central de Campina Grande e em feiras de outros municípios, inclusive nas capitais mais próximas da região como João Pessoa - PB, Natal - RN e Recife - PE. A cadeia de comercialização pode não ser feita apenas por um intermediário, ela pode ser constituída de mais etapas até que o produto chegue ao consumidor final. Ou seja, é formada uma cadeia de intermediação, com diversas possibilidades até que a produção chegue ao seu destino: o intermediário local muitas vezes adquire a produção de um número restrito de produtores; ele leva os produtos para a Empasa, vendendo-o a um grossista, que revende as mercadorias para supermercados, mercadinhos, restaurantes e pequenos comerciantes varejistas por exemplo (veja Ilustração 02). Essa cadeia de intermediação faz com que o produto encareça, pois cada um dos elos desta cadeia tira o seu lucro entre a compra e a venda das mercadorias. Pereira (2003, p. 9) afirma que “A figura do atravessador ao interferir no processo, apresenta um encarecimento nos preços dos produtos, retirando as vantagens econômicas das atividades de produção do comércio”. Eu compro direto do produtor e repasso para um mercadinho em Picuí-PB, também forneço para uma cozinha industrial na cidade de Campina Grande-PB e para restaurantes. Tem uns que vendem para a Ceasa, aí tem supermercado que vai comprar na Ceasa; Tem gente que sai comprando de vários produtores para colocar para outro comprador maior; tem gente que vende a empresas como a “Hortaliças sempre verde” de Alagoa Nova que repassa para supermercados de Recife, João Pessoa, Natal; já tem outros que repassam para outras pessoas e assim vai. (D.P.S., atravessador entrevistado). O produtor está na base da cadeia de comercialização e cada vez que a produção é repassada para outra comercialização, o intermediário incorpora a sua margem de lucro, encarecendo o produto até que chegue ao consumidor final. Este percurso inclusive provoca perdas durante todo o circuito. A eliminação completa dessa cadeia de intermediação promove vantagens tanto para o pequeno produtor, que pode determinar a que preço ele irá comercializar a produção, quanto para o consumidor, que possivelmente comprará um produto com o custo mais baixo. (Ver Tabela 15). O produtor me vende o molho de coentro a trinta centavos e repasso a oitenta para o mercadinho que revende a um e quarenta e nove para o consumidor. Na alface, hoje eu compro a quarenta centavos do produtor a unidade e repasso ao mercado também a oitenta e o mercadinho repassa a 93 um e quarenta e nove para o consumidor. (D. P. S., atravessador entrevistado, 2015). Ilustração 02: Cadeia de comercialização da agricultura familiar de Lagoa Seca O aumento de atravessadores na cadeia de intermediação permite enxergar uma rede de pessoas que escoam a produção do campo até o consumidor final, encarecendo o preço do produto. No mês de agosto de 2015 a pesquisa observou o comportamento dos preços em alguns pontos de comercialização de Lagoa Seca e Campina Grande, a comparação de preços era a seguinte: Tabela 15 – Comparação de preços de produtos da agricultura familiar agosto 2015 Produto Chuchu (Kg) Feijão verde (Kg) Frango caipira (Kg) Pepino (Kg) Milho verde em espiga (Kg) Batata doce (Kg) Coentro (Kg) Alface (Kg) Banana Pacovan (Kg) Última cotação disponível no site da CONAB 1,55 2,57 9,50 1,13 2,25 1,53 3,47 6,14 1,46 Preço no comércio Local. Preço médio vendido na Empasa Preço médio vendido nos Superm. de C. Grande 0,50 5,00 6,00 0,70 0,70 1,50 2,00 2,00 0,90 1,00 7,00 7,50 1,50 1,00 2,50 4,00 4,00 2,00 1,80 8,90 10,00 2,20 3,00 3,00 7,50 7,50 3,00 94 Laranja cravo (Kg) 1,30 0,60 1,00 1,59 Fonte: Pesquisa de Campo Observa-se que quanto mais distante o produto está do produtor mais ele aumenta de valor. Entretanto, o atravessador é na maioria das vezes mais dotado de conhecimento de mercado que o produtor da zona rural. O pequeno produtor geralmente tem menos escolaridade e menor instrução, é uma presa fácil no mercado competitivo, como ressalta Souza (1979): O produtor nordestino, em geral, está à mercê do intermediário, do sistema de “venda na folha” do algodão, milho e arroz, isto é, a safra é vendida antes da colheita, geralmente a preço vil. Desta forma, ele não pode soerguer-se, nem tampouco levantar o nível de produtividade da terra. A comercialização constitui, sem dúvida, um dos maiores problemas da agricultura do Nordeste. (p. 257). Como se pode observar na fala do autor supracitado há uma dependência do produtor com relação ao atravessador. O agricultor tem problemas ainda com infraestrutura de armazenagem e a falta de melhorias técnicas, sendo assim, ao ingressar no mercado competitivo ele não tem condições de concorrência, por isso não pode se soerguer. O atravessador é um dos problemas da agricultura familiar não apenas do município, mas da realidade nordestina, pois, é na etapa da comercialização que ele se apropria do sobretrabalho da produção camponesa via preço do produto. Portanto, observa-se que o produtor familiar está na dependência econômica imposta pelo atravessador. Infelizmente essa situação tornou-se tão banalizada, que muitos produtores deixam a atividade, em função do baixo preço pago pelas mercadorias. Esta situação é ainda piorada em lugares mais afastados, onde a dificuldade com o transporte é uma imensa barreira, como ressalta Manuel Correia de Andrade: Em algumas regiões mais afastadas a produção agrícola é vendida primeiramente a um proprietário de caminhão, que a obtém no meio rural e a revende a comerciante estabelecido no primeiro centro urbano de alguma importância; este revende esta mercadoria a um grossista estabelecido em um grande centro urbano, que transporta para seus armazéns, para revendê-la mais uma vez ao retalhista por intermédio de quem a mercadoria chega ao consumidor. (ANDRADE, 1981, p. 214) Pode-se observar isso comumente no município de Lagoa Seca. Os donos dos caminhões vão até às propriedades comprar a produção para levá-las a supermercados e feiras localizadas em cidades próximas, através dos centros de distribuição e de outros 95 intermediários, os produtos chegam a lugares mais distantes, ou em mercearias e mercadinhos de bairros periféricos. Moreira e Targino (2007) alertam que estas relações existem até mesmo dentro dos assentamentos, e só com as políticas públicas de aquisição de alimentos possam ser superadas ou atenuadas. A ausência quase absoluta de canais alternativos de comercialização, à exceção de algumas experiências isoladas, tem contribuído não só para a permanência do sistema de “atravessador” como, em alguns casos, para a sua expansão dentro dos próprios assentamentos, através do surgimento da figura do “atravessador assentado”. Verifica-se, em alguns casos, o desenvolvimento de um processo de produção na forma de franquia atrelado a um processo de comercialização dependente de setores agroindustriais, sobretudo no que se refere à produção de aves. As últimas medidas tomadas pela CONAB, permitindo a aquisição de produtos da agricultura familiar, provavelmente terá impactos significativos nas condições de sustentação desse segmento da agricultura nacional. (MOREIRA e TARGINO, 2007, p. 86). O atravessador por sua vez configura-se como um elemento quase imprescindível para que o pequeno produtor escoe a sua produção. Dessa forma, não se pode ver este elemento apenas como vilão no processo, embora se admita que haja os que atuam como tal. Pois sem estes, o agricultor não tem como comercializar a sua produção, que ficaria condenada à perda. A indignação observada no cotidiano de pessoas humildes e trabalhadoras, quanto à remuneração recebida sobre os produtos e o fato de serem tão constantemente ludibriados pelos atravessadores, que não cumprem suas promessas, acentuam a necessidade de se estudar até que ponto o atravessador é um dos responsáveis pela limitação do espaço de articulação do produtor rural de Lagoa Seca. E no que consiste ao mercado institucional como um atenuante deste problema. Não consigo nem contar quantas vezes já me enganaram aqui, esses atravessadores só querem pagar barato e quando compram a mercadoria, às vezes, deixa pra lá, diz que não deu. São cheios de história, agora mercedinha nova e casa boa só é quem tem. (JRLA, agricultor entrevistado, 2015). Vieram aqui na seca e compraram uma alface minha boa, vendi barato pra época porque prometeram que iam ficar tirando na boia, mas quando eles já tem nos deles, eles não tiram no da gente, não. Passam aí e nem ligam, a minha agora vou passar todinha a enxada. (JMS, agricultor entrevistado, 2015). Constatam-se nas pesquisas in loco, dois tipos de períodos característicos durante o ano para o comércio da pequena produção rural, que são bastante contratantes: a “falta” e a “boia”: 96 a) A “falta”: se caracteriza como o período de entressafra ou quando as características climáticas interferem na plantação, por exemplo, nos anos de muita seca, ou de muita chuva. Geralmente, nesse período, os preços se elevam podendo inclusive gerar ganhos aos pequenos produtores. O que possibilita em alguns pequenos produtores uma relação ilusória de um preço justo. Mesmo assim, nesse período, as margens de lucro do atravessador não diminuem. Entretanto, nesse período, quem consegue um bom proveito são aqueles produtores mais capitalizados, que têm uma estrutura melhor. Na maioria das vezes, o preço se eleva porque a maior parte dos pequenos produtores não tem a produção. Ou seja, a não ser pela sorte de um acerto, ele estará fadado a passar dificuldades durante esse período. b) A “boia”: normalmente, esse período recebe esse nome dos pequenos agricultores pelas sobras de produtos. A produção se eleva normalmente pelas condições climáticas favoráveis, mas não se verifica aumento na demanda. Geralmente, nesse período, os preços caem, provocando perdas para muitos produtores que não têm a quem vender os produtos. Os atravessadores se veem sobrecarregados e não escoam toda a produção. Muitos dos agricultores, sem condições de manter a unidade familiar por falta dos recursos, tentam vender a sobra de toda maneira, a qualquer preço. As principais formas de venda dos agricultores familiares do município de Lagoa Seca são: Venda direta em pequenas feiras: nesse caso, os próprios agricultores conseguem vender seus produtos sem a necessidade de um atravessador. Esses produtores, em sua maioria, agroecológicos, se dirigem às estes espaços para vender suas mercadorias diretamente ao consumidor. Esses locais estão principalmente na cidade de Campina Grande, como na UFCG, mas também há espaço em Lagoa Seca. Este tipo de venda se caracteriza por ser muito inconstante. Venda ao atravessador: Essa é a principal forma de venda; os pequenos agricultores vendem a sua mercadoria ainda na propriedade a um possuidor de transporte de carga, normalmente a um preço muito menor do que o valor comercial da mercadoria nos principais lugares de comercialização; este comerciante transporta a mercadoria para feiras ou para supermercados, integrando essa pequena produção ao que Milton Santos (1979) chama de circuito inferior da economia urbana. Esta venda por sua vez se 97 configura numa rede; no município de Lagoa Seca, há casos que um atravessador escoa a produção de dez unidades familiares. Figura 15: Feira Agroecológica de Lagoa Seca. Fonte: Pesquisa de Campo. Figura 16: Feira Agroecológica da UFCG, Campina Grande - PB. Fonte: Pesquisa de Campo. 98 Figura 17: Venda de bananas da cidade de Lagoa Seca na Empasa de Campina Grande. Fonte: Pesquisa de Campo. Figura 18: Caminhão dos atravessadores em Lagoa Seca. Fonte: Pesquisa de Campo. 99 Venda direta para instituições públicas: há uma aquisição por parte dos poderes públicos de uma fração desta produção, que embora limitada, consegue dar um apoio aos pequenos produtores durante o ano. Entretanto, esses benefícios são de alcance limitado. Alguns programas se enquadram nesse sentido, como o PAA ou outros como o PNAE (Programa Nacional da Alimentação Escolar) que também atua no município. 4.6 A Agroecologia como um processo de recriação camponesa Diante das necessidades de convivência mais harmoniosa com a natureza, um grupo de agricultores do município de Lagoa Seca decidiu por construir um modo de vida e de produção que recupera as formas de produzir em consonância com as nuances naturais da produção. A agroecologia é introduzida neste processo. Através da agroecologia há uma retomada de antigas formas de produzir que ao invés de agredir o meio ambiente, procuram formas de convivência harmoniosa com a produção. O município de Lagoa Seca tem sido privilegiado com a atuação de diversos grupos que colaboram com o tipo de produção agroecológica e convive há algum tempo com este modelo de produção, embora não seja a maioria no contingente de produtores familiares, algumas experiências já apontam para o sucesso que este tipo de produção terá com o passar do tempo. A Agroecologia –strictu senso– pode ser definida como uma (re)aproximação entre a Agronomia e a Ecologia, ao estudar os sistemas agrícolas desde uma perspectiva ecológica, de modo a orientar o redesenho de agroecossistemas em bases mais sustentáveis. Em que pese a importância fundamental da compreensão dos processos ecológicos na agricultura, a Agronomia e a Ecologia seguiram, na maior parte das vezes, por caminhos paralelos. Mais recentemente, enorme esforço vem sendo feito por agroecólogos com o propósito de resgatar conceitos e processos ecológicos. (CAPORAL, COSTABEBER e PAULUS, 2015, p. 3). Boa parte dos camponeses tem buscado este processo ao longo do tempo, seja na retomada dos conhecimentos tradicionais ou em muito outros campos do conhecimento como a agronomia e a ecologia. Os agricultores camponeses já têm bases agroecológicas há muito tempo. Entretato, há um novo redesenho com o reconhecimento desta forma de produzir. No município de Lagoa Seca, a agroecologia é muito mais do que isso, ela se configura como um movimento. 100 Figura 19: Agricultor prepara compostagem orgânica. Fonte: Pesquisa de Campo. O próprio mercado já aponta para esta significação. É cada vez maior a demanda por produtos que venham da agricultura familiar e que sejam mais saudáveis. Além disso, o valor agregado destes produtos por sua qualidade específica dá ao pequeno produtor chances de manter a sua qualidade de vida, a unidade familiar e chances de manter vivo um modo de produção que parecia estar adormecido, embora muitos camponeses nunca tenham fugido deles. A agroecologia é multifacetada no sentido de ser entendida por diversos prismas, como uma disciplina científica, como um modo de vida, como uma utopia. Ela redefine um conjunto de formas de tratamento com a terra no campo. Há várias entidades que dão apoio à agroecologia no município, dentre elas algumas se destacam como: AS-PTA: é uma associação de direito civil sem fins lucrativos que, desde 1983, atua para o fortalecimento da agricultura familiar no Brasil. Há experiência acumulada pela entidade na contribuição do enfoque agroecológico. A AS-PTA participa e atua em diversas redes da sociedade civil voltadas para a promoção do desenvolvimento rural sustentável. Atua também construindo espaços de aprendizado coletivo articuladas 101 com organizações e movimentos da sociedade para influenciar na elaboração, implantação e monitoramento de políticas públicas. Figura 20: Marcha das Mulheres pela agroecologia 2015 - Lagoa Seca. Fonte: Pesquisa de Campo. Polo Sindical da Borborema: é formado por uma rede de 15 sindicatos de trabalhadoras e trabalhadores rurais (STRs), aproximadamente 150 associações comunitárias e uma organização regional de agricultores ecológicos. Dentre estes está a atuação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca, sindicato que é bastante atuante no desenvolvimento de novas formas de produção no campo agroecológico e na luta pelas políticas públicas que vão assegurar mais mercados e mais recursos para esta atividade. ASA- Articulação do Semiárido: caracteriza-se por ser uma organização formada por diversas entidades da sociedade civil que atuam no desenvolvimento de políticas de convivência com a seca na região semiárida. Uma dessas políticas é o Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (PIMC), que vem desenvolvendo movimentos de articulação e convivência sustentável com o ecossistema Semiárido na forma de 102 construção de cisternas, bem como promover a mobilização, o engajamento e capacitação das famílias. Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca: concede apoio aos filiados promovendo ações, como: eventos, reuniões, palestras, minicursos e confecção de cartilhas que divulgam a agricultura orgânica e agroecológica. Atualmente, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca é o mais atuante na promoção desse tipo de atividade na região. UEPB – Centro de Ciências Agrárias e Ambientais - Campus II: Além do curso técnico em Agropecuária, oferece desde 2008 o curso superior de Bacharelado em Agroecologia que deverá formar mão de obra nesse sentido. No entanto, a sua ação ainda é insipiente e está vinculada principalmente a minicursos relacionados ao manejo da terra. Associações rurais de produtores: são entidades formadas por pequenos agricultores que se unem vislumbrando maior fortalecimento dentro do mercado, além de ampliar a variedade de produtos comercializados. A agricultura familiar do município de Lagoa Seca, embora condicionada a diversos problemas advindos da articulação com o capitalismo, (concentração de terra, falta de infraestrutura, falta de tecnologia, falta de canais de comercialização, etc.) permanece na produção do espaço. A resistência e recriação da pequena agricultura se reflete na força que esta classe social historicamente demonstra nessa relação. A atuação das políticas públicas é fruto da luta dessa população por melhores condições de sobrevivência na terra. Em longo prazo, elas podem amenizar os problemas decorrentes da relação conflituosa entre campesinato e capitalismo. E, por conseguinte, ser um elemento de fortalecimento da luta pela permanência na terra. 103 5 A ATUAÇÃO DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS Neste capítulo, estuda-se a política pública do governo federal de suporte à agricultura familiar, através da atuação do PAA no município. Pretende-se identificar se os agricultores que foram contemplados com o programa tiveram uma melhora na sua capacidade de manter a unidade familiar e se a ampliação do programa seria eficaz para atenuar problemas vividos pela agricultura familiar e lançar luzes sobre o entendimento do caminho da resistência e recriação camponesa, isto é, se a intervenção estatal faz com que os pequenos produtores se insiram no mercado competitivo e convencional. 5.1 A atuação do Programa de Aquisição de Alimentos no Brasil Segundo o site do Ministério de Desenvolvimento Agrário, que dispõe das informações a respeito dessa política, o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, criado pelo art. 19 da Lei nº 10.696, de 02 de julho de 2003, possui duas finalidades básicas: promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar. O programa adquire alimentos, sem licitação obrigatória, produzidos na agricultura familiar e os destina a uma rede socioassistencial, que visa, no geral, garantir a segurança alimentar de pessoas em situação de vulnerabilidade, alcançando, consequentemente, os dois objetivos supracitados. O Programa é financiado através de recursos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS e do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA e é executado a partir de seis modalidades: aquisição de sementes, compra direta, doação simultânea, incentivo à produção e ao consumo de leite, compra institucional e apoio à formação de estoques. Com relação à execução do programa, ela vem se dando por todo país em atuação conjunta com a CONAB e com o MDS. Embora tenha sido criado pela Lei nº 10.696, de 02 de julho de 2003, no governo Lula, dentro da esfera do Programa Fome Zero, a Lei sofreu alteração no governo Dilma através da Lei nº 12.512, de 14 de outubro de 2011 e regimentada através de decretos; o vigente é o de nº 7.775, de 4 de julho de 2012. O PAA faz parte de um plano de ações que constituem o eixo Inclusão Produtiva Rural, do plano Brasil Sem Miséria - BSM. 104 5.1.1 Objetivos e Modalidades do PAA As diversas modalidades do PAA apresentam, apesar de suas particularidades, quatro objetivos específicos, buscando apresentar um caráter inovador ao programa: a) Simplificar e agilizar o escoamento da produção; b) Promover e ampliar a inserção socioeconômica dos agricultores familiares e assentados da reforma agrária; c) Disponibilizar alimentos adequados à nutrição das populações em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar; d) Habilitar os agricultores familiares para controlar a comercialização de seus produtos, o que resulta no aumento real de suas rendas e no abandono de uma relação de desvantagem com as redes de atravessadores. (MDA, 2010, p. 4-5) Quanto às modalidades, o MDA ressalta quatro modalidades do Programa, a seguir elencadas: a) Compra direta da agricultura familiar - Nesse caso, os recursos provêm do MDA, e é executado pela CONAB. Há uma garantia de preços de alguns dos principais produtos produzidos pela agricultura familiar, como, por exemplo: o arroz, o milho, a farinha de mandioca, o feijão, dentre outros. Estes alimentos se destinam a formação de um estoque para distribuição gratuita às comunidades em situação de vulnerabilidade social. b) Formação de estoques pela agricultura familiar - Neste caso, os recursos também são providos pelo MDA e executados pela CONAB, é destinado à formação de estoques para a venda na entressafra, onde os preços são maiores que o de mercado e também adquirir alimentos para formação de estoques dentro das próprias associações/grupos formais. Por causa do preço mais alto esta modalidade visa melhorar a comercialização. c) Compra da Agricultura Familiar para Doação Simultânea - Neste caso, esta modalidade é coordenada pela SESAN (Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). Ela visa doações a pessoas em situação de risco alimentar vinculada a rede de proteção social e ONG’s. Os alimentos podem ter origem agropecuária, extrativa ou da indústria familiar. É operada pela CONAB, por estados e por municípios em todo Brasil. Os alimentos se destinam a creches, escolas, abrigos, dentre outros, e contemplam tanto agricultores familiares de cooperativas e associações, como agricultores não associados. d) Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite - IPCL ou PAA-Leite - Neste caso, a prioridade ao consumo de leite voltado a crianças, gestantes, idosos e outros. Visa-se incentivar a produção leiteira na agricultura familiar com produção de no máximo cento e cinquenta litros por dia na região de atuação da SUDENE. O leite é distribuído para famílias cadastradas em situação de pobreza. 105 No município de Lagoa Seca a modalidade que está implantada é a Compra da Agricultura familiar para doação simultânea. O programa nacional é mediado pela CONAB, com escritório em Campina Grande, em parceria com a prefeitura municipal. 5.1.2 Os Beneficiários do Programa de Aquisição de Alimentos O PAA é uma estratégia por parte do Estado que visa a segurança alimentar da população mais pobre, bem como a garantia de mercado para os pequenos produtores, por isso que ele admite dois públicos de beneficiários: a) Produtores de alimentos: agricultores familiares e empreendedores familiares rurais enquadrados no art. 3º da lei n° 11.326, de 24 de julho de 2006, que institui o programa nacional de fortalecimento da agricultura familiar (PRONAF), incluídos aquicultores, pescadores artesanais, silvicultores, extrativistas, indígenas, membros de comunidades remanescentes de quilombos e agricultores assentados. b) Consumidores de alimentos: pessoas e famílias em vulnerabilidade social, com iminente risco de insegurança alimentar e nutricional, atendidas por: programas de promoção de segurança alimentar e nutricional, em especial a Rede de Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição – REDESAN, composta por Restaurantes Populares, Cozinhas Comunitárias e Bancos de Alimentos; entidades sócio-assistenciais preferencialmente cadastradas no Cadastro Nacional de Entidades do Sistema Único de Assistência Social – CAD-SUAS; Centros de Referência de Assistência Social – CRAS e Centros de Referência Especializada de Assistência Social - CREAS ou escolas da rede pública de ensino, atendidas pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. (MDA, 2010, p. 8-9) Podem participar do Programa de Aquisição de Alimentos todos os agricultores que possuem a DAP (Declaração de Aptidão ao PRONAF). 5.2 O funcionamento e a visão dos responsáveis pelo PAA no município O PAA é uma política pública que busca ampliar os mercados para agricultores familiares em todo o Brasil através do mercado institucional, além de ser um programa que na maioria das vezes complementa a renda dos produtores e dá segurança nutricional às pessoas carentes, através de uma rede socioassistencial. O governo federal desta forma atinge dois objetivos, um relacionado aos pequenos produtores e outro relacionado aos consumidores destes produtos. 106 Apesar de ser de caráter nacional é na escala local que ele transforma a vida de pessoas e ajuda a população de base camponesa no processo de recriação e resistência. A perda de mercados para a agricultura familiar é uma característica histórica, no entanto, a resposta atual do mercado, inclusive com este programa é de uma retomada que impulsiona os modos mais tradicionais de produzir. Para o município de Lagoa Seca se torna uma nova experiência do ponto de vista do mercado, uma revalorização de práticas que já vem de muito tempo com estes produtores tradicionais. Com relação ao PAA em Lagoa Seca, procuramos identificar através de entrevistas semiestruturadas a posição e o pensamento dos responsáveis diretos pelo funcionamento do programa no município, a fim de que eles mostrassem a estrutura de funcionamento e as características gerais deste, como a forma de pagamento, regularidade, geração de renda, etc. Entrevistou-se o secretário de Agricultura e Meio ambiente do município e a responsável pelos projetos, por parte da secretaria. Primeiramente, perguntou-se sobre como estes responsáveis avaliavam a agricultura familiar para o município. As duas respostas foram no sentido de destacar a importância da atividade agrícola familiar, enquanto uma fonte importante de renda do município e a que envolve mais pessoas. Já que a maior parte vive na zona rural e desta atividade depende para sustentar-se. A segunda pergunta foi fundamentada em como funciona o PAA no município de Lagoa Seca e quais os produtos que são adquiridos. Com base nas respostas que se obteve elaborou-se um esquema para mostrar como é posto em prática o funcionamento do programa o local estudado (Ver Ilustração 03). Na primeira fase, elabora-se o projeto junto com as associações de produtores rurais das comunidades e a Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente. Após essa primeira etapa, o projeto é enviado para a avaliação da CONAB que, por sua vez, submete o projeto a uma avaliação por parte de uma comissão que visita os agricultores e confere a autenticidade dos produtos. Uma vez aprovado, o projeto é posto em funcionamento. Os principais produtos fornecidos pelos pequenos agricultores, são eles: a laranja cravo, a banana, o couve, a alface, o coentro, a cebolinha, a galinha caipira, o abacate, a manga e o feijão vagem. 107 Elaboração do projeto Avaliação do CONAB Seção de Visitas aos produtores Aprovação do Projeto Ilustração 03: Sequência da elaboração do projeto do PAA local. Na terceira pergunta, questionamos sobre o perfil dos produtores que fornecem ao PAA (micros, pequenos, médios produtores). A resposta dada pelo secretário de agricultura é que predominam os pequenos agricultores (até 10 hectares), aqueles de vida mais humilde que inclusive participam de outros programas sociais para a geração de renda. Na quarta pergunta, questionou-se quantos produtores têm cadastrados no Programa. A resposta fornecida pela secretaria de agricultura foi que há quarenta fornecedores que estão cadastrados nas associações de produtores rurais comunitárias e que estão aptos a participar. Destaca-se nesse caso um número reduzido de agricultores, já que a maioria não procura a secretaria de agricultura ou as associações. Há comunidades que nem possuem associações, e isso dificulta o conhecimento do programa e uma aversão do próprio camponês em possuir, por exemplo, a DAP (Declaração de Aptidão do PRONAF) que dá direito ao acesso a estes programas federais. Na questão subsequente, perguntou-se quais as formas de transporte das mercadorias do produtor até o PAA. A resposta foi que normalmente o transporte é feito pelo próprio presidente da associação comunitária até as escolas conveniadas e o SESC - Banco de Alimentos, em Campina Grande; quando o presidente não pode fazer este processo ele determina outra pessoa. Com relação a isso se pode observar um grande controle na mão do presidente da associação, que detém grande poder pessoal sobre a execução do programa. Seria recomendável que a prefeitura dispusesse do transporte para buscar estes alimentos. 108 As mercadorias são destinadas a escolas e SESC - Banco de Alimentos (Mesa Brasil) Campina Grande. O representante do SESC envia esses alimentos para comunidades carentes, Lar da Sagrada Face, etc. (J. C., responsável pela elaboração do programa no município, 2015). Em seguida, perguntou-se qual o destino das mercadorias adquiridas pelo PAA. (escolas, creches, restaurantes populares). A resposta foi que há diversos lugares que recebem produtos advindos da agricultura familiar de Lagoa Seca. Há escolas conveniadas no próprio município e à sede do SESC de Campina Grande, que mantém um banco de alimentos, identificado como Mesa Brasil; o representante do SESC envia estes alimentos para as comunidades carentes como o próprio lar da Sagrada Face, abrigo para idosos que fica no município de Lagoa Seca. Após esta pergunta se questionou pela deterioração das mercadorias e se existe, em que proporção. Eles disseram não saber qual a porcentagem nem qual o produto que sofre maior deterioração durante o transporte. O próprio secretário afirmou que provavelmente exista deterioração, mas que não sabe informar. Já a responsável pela elaboração e coordenação de projetos afirmou que provavelmente o SESC ou as escolas atendidas possam dar a informação. Diante das respostas se optou por desenhar um esquema para melhor compreensão desse circuito que faz a mercadoria depois que os pequenos produtores levam até a sede das associações (veja Ilustração 04). Produtores Produtores Produtores Produtores Associações Associações Associações Associações SESC- Alimentos Restaurantes Asilos Creches Escolas Abrigos Ilustração 04: Circuito da mercadoria do PAA entre o município e o destino final. 109 Após se obter o percurso que a mercadoria faz durante a execução do programa se perguntou: O senhor acredita que o Programa de Aquisição de Alimentos tem gerado mais renda para o agricultor familiar no município de Lagoa Seca? Por quê? Os responsáveis pelo programa no município foram bem enfáticos na resposta afirmativa. O que foi relatado por eles é que os beneficiários do programa têm adquirido veículos e equipamentos para melhorar o plantio depois do programa. A geração de renda obtida pelo pequeno produtor rural pode mudar as estruturas produtivas de modo a permitir uma geração maior de renda do que a anterior. Isto impulsiona o pequeno produtor a continuar na terra e produzir alimentos, recriando-se e resistindo. Com relação aos preços dos produtos, se perguntou se os pagos pelo PAA são inferiores ou superiores aos praticados no mercado ou se eles têm se mantido constantes e qual a última atualização. Segundo os responsáveis, é feita uma pesquisa pela CONAB no comércio e a partir daí são estabelecidos os preços que são pagos ao produtor durante a vigência do projeto. Nesse contexto, eles não são nem inferiores nem superiores. São neste caso referentes ao período pesquisado. No entanto, há oscilação de preços no mercado durante a vigência do projeto, enquanto que os preços recebidos pelos produtores permanecem constantes. Na décima pergunta, questionou-se se os produtores têm se queixado dos preços e quais as principais queixas. Com relação aos preços praticados, não houve reclamação de acordo com os responsáveis pelo programa. Segundo eles, o que há é uma reclamação quanto à cota que no período estudado era de até seis mil reais para cada pequeno produtor durante o período em que vigora o projeto, na verdade eles queriam que elevasse esta cota para dez mil. Os pequenos produtores acham a cota insuficiente para o volume de mercadoria produzido por eles. Perguntou-se também como é feito o pagamento e se existe regularidade. Segundo eles, o pagamento é feito quando os produtores fazem as entregas no SESC ou nas escolas conveniadas. O responsável pela elaboração do projeto emite a nota fiscal direto para a CONAB, em seguida essa libera o pagamento, o presidente da associação saca o dinheiro e faz o pagamento para os fornecedores. A regularidade do pagamento é mediante as entregas, alguns fornecedores fazem entregas mensais e outros fazem entregas trimestrais. Dessa forma, só recebe quem entregar a mercadoria. Depois de perguntar sobre a regularidade dos pagamentos dos produtos, perguntou-se sobre a capacidade do programa em incentivar novas práticas agrícolas: O senhor acredita que o Programa de Aquisição de Alimentos pode reforçar práticas de agricultura mais saudáveis, 110 como a agroecologia? De que forma? As respostas foram positivas, no sentido de dizer que a maior parte dos fornecedores planta sem agrotóxicos e isso é do conhecimento dos consumidores. Uma das dificuldades dos pequenos produtores é a falta do selo, que comprova que a produção é agroecológica; segundo eles, para conseguir o selo é muito caro para pagar as certificadoras, por isso a produção agroecológica que a secretaria sabe que existe no município entra no projeto como agricultura convencional, o que leva os pequenos produtores a uma perda considerável já que os preços dos produtos agroecológicos são maiores do que os produtos convencionais. Sem dúvidas, os pequenos produtores não estão sendo contemplados na sua plenitude de direito no programa pela falta de recursos para certificar a procedência do seu produto, e também pela burocracia exigida para consegui-la. Perguntou-se também quais as dificuldades e sugestões para o aprimoramento do Programa de Aquisição de Alimentos. Foi citado apenas o aumento da cota para o pequeno produtor que nesse projeto é de apenas seis mil reais durante um ano. Essa cota representa uma receita média de quinhentos reais por mês, valor que é insuficiente para sustentar uma família inclusive bem menor do que um salário mínimo. Nesse sentido, podemos dizer que o programa é um auxílio para complementar a renda, mas não se constitui um vetor realmente transformador das condições do pequeno produtor. Por último, se perguntou aos responsáveis: O Senhor considera o Programa de Aquisição de Alimentos suficiente para absorver a oferta dos pequenos produtores de Lagoa Seca? Qual o percentual dessa oferta que é adquirida pelo PAA? Nesse sentido, as respostas foram negativas, embora eles não tivessem conhecimento sobre um percentual. Eles informaram categoricamente que a oferta é muito maior do que a capacidade de compra do PAA, que o programa deveria ser ampliado para pelo menos suavizar a perda de mercado destes pequenos agricultores. 5.3 As características e a visão dos não beneficiários do PAA Depois de discutir, com base em entrevistas semiestruturadas, o funcionamento do PAA no município de Lagoa Seca e colher algumas informações sobre a opinião dos responsáveis, buscou-se captar a visão dos pequenos produtores que não são contemplados pelo programa, e retirar o seu perfil. Ao todo foram utilizadas dez entrevistas semiestruturadas. Na primeira pergunta, questionamos sobre o tempo que o agricultor está na atividade e no caso de não ser própria, qual a principal forma de acesso à terra. Os resultados 111 acompanharam os dados fornecidos pelo IBGE (2006). No caso do tempo em que os agricultores entrevistados vivem da agricultura encontramos uma tendência ao envelhecimento destes produtores. Predominaram os que responderam ter mais de trinta anos de atividade na agricultura. De certo a combinação dos dados do censo demográfico do IBGE de 2010 e do censo agropecuário do IBGE de 2006, que já discutimos, indica uma perda de população na agricultura que deve ser relacionada com a saída da população jovem e com a queda da natalidade no campo. Menos de 30 anos 30 anos ou mais 20% 80% Gráfico 01: Tempo na agricultura dos não fornecedores Fonte: Pesquisa direta Na questão da forma de aquisição da terra, predominam os que adquiriram as terras por herança e em menor número por compra. A divisão progressiva da terra por herança aprofunda um processo de minifundiarização. As propriedades ficam cada vez menores e nem sempre oferecem condições de sustento da unidade familiar, o que deve ser um indício que está ocasionando: o trabalho acessório e migrações. Ou mesmo a venda das propriedades. Já que mesmo com estre processo de minifundiarização, os dados do censo agropecuário do IBGE (95/1996) e (2006) apontam para diminuição do número de propriedades. (ver gráfico 02). Na segunda questão, perguntou-se a forma de acesso à terra. As respostas confirmaram o censo demográfico do IBGE que diz que predominam no município de Lagoa Seca os proprietários individuais. Sabendo que a aquisição da terra é principalmente por herança, no caso do acesso a terra ser própria é uma consequência. Registraram-se também outras formas como posseiros e arrendatários na pesquisa. Que também se remete ao pluralismo do campo brasileiro nas suas formas de relações de produção. (ver gráfico 03) 112 herança compra doação 11% 33% 56% Gráfico 02: Forma de aquisição da terra dos não fornecedores. Fonte: Pesquisa direta. própria posseiro arrendatário 10% 10% 80% Gráfico 03: Forma de acesso à terra dos não fornecedores. Fonte: Pesquisa direta. Na terceira questão, foi indagado o tamanho das propriedades. O resultado confirma este processo de minifundiarização. A maioria das propriedades que foram questionadas por esta pesquisa afirmam não ter nem cinco hectares. Como já foi ressaltado, observa-se uma fragilidade nestas propriedades em manter sua própria estrutura. Talvez este processo indique porque a população camponesa, que tem por características a produção de alimentos, esteja dentro da dependência da complementação de renda. 113 menos de 5 hectares 5 hectares ou mais 10% 90% Gráfico 04: Tamanho das propriedades dos não fornecedores Fonte: Pesquisa direta. Na quarta questão, indagamos sobre a organização do trabalho, quem trabalhava junto com o produtor. Observamos que a maior parte declarou que a família tem participação, que reforça o caráter familiar destas unidades de produção. Essa divide o trabalho, diferentemente do trabalho assalariado a família trabalha na unidade para manter-se. Características que foram ressaltadas por Chayanov (1981). Entretanto, em 40% das entrevistas os produtores declararam contratar trabalhadores. Entre os membros que trabalham na propriedade os mais citados foram filhos e esposa/esposo. filhos esposa/esposo 6% irmãos sobrinhos 7% 27% 60% Gráfico 05: Membros que trabalham nas propriedades dos não fornecedores Fonte: Pesquisa direta 114 Na quinta pergunta, indagamos quais os produtos cultivados. Foram lembrados: a) verduras: alface, coentro, chuchu, jiló, berinjela, cebolinha, salsa, salsão, alho, rúcula, agrião, nabo, rabanete, jerimum; b) frutas: laranja, banana, acerola, limão, caju, manga, pitomba, seriguela e maracujá; c) raízes: inhame, mandioca, macaxeira, cará, batata-doce; d) grãos: feijão, milho, fava. A prática da policultura pode ser entendida como uma forma de resistência da unidade familiar, pois é uma forma de garantir um fluxo de venda mais estável, fugindo de problemas eventuais na produção e na demanda. Por outro lado, é um mecanismo de garantir o fornecimento de bens para o consumo familiar. Na sexta questão, perguntamos sobre como este agricultor comercializa os seus produtos, sobre a clientela e a sua relação com o preço e se acha justo o preço pago pelos atravessadores. Neste caso, encontramos três grupos principais: os que fazem a venda direta em feiras, os que vendem a atravessadores e os que praticam as duas modalidades. Entre os que vendem nas feiras, alguns têm clientela certa e outros não. Já entre os que vendem a atravessadores apresentam uma clientela mais fixa. O terceiro grupo vende a maior parte da produção a atravessadores e a parte que sobra é negociada nas feiras. Entretanto, a maioria dos produtores questiona o preço praticado pelos atravessadores. Eu vendo nas feiras por aí e na Ceasa (Empasa). Sim, tenho clientes, vários clientes. Não acho justo, os atravessadores compram barato para poderem ganhar muito na mercadoria. (JCR, agricultor entrevistado, 2015). Eu vendo aos atravessadores. Não tenho cliente certo, às vezes, vendo a mandioca para as casas de farinha. Eu não acho justo o valor que eles pagam a gente, o que eles compram por um preço, vendem praticamente pelo dobro. (ADR, agricultor entrevistado, 2015). A gente vende ao atravessador e o que sobra a gente dá um jeito de levar para a Ceasa, lá alguém compra para revender. Tem cliente certo. Não, porque assim, eu acho que merecia que ele pagasse mais, né? Por exemplo, uma coisa que é vendida a dez reais ele compra por dois e cinquenta ou três, né? (JRLA, agricultor entrevistado, 2015). Uma parte vende, pequena. Mas, a maior parte repassa ao atravessador. Sim, tenho cliente certo. O preço pago pelo atravessador, ele ganha mais da metade, o atravessador já pega pronto e não tem trabalho. (JMS, agricultor entrevistado, 2015). Rapaz, a quem chega eu vendo. Não tenho comprador certo, não, no caso a atravessador. Rapaz, tem tempo que sim, tem tempo que não. É que o atravessador sempre ganha mais do que a gente que trabalha (FSS, agricultor entrevistado, 2015). 115 Na visão destes agricultores pesquisados, o preço pago pelos atravessadores não é justo. Estes apontam para a questão de que o preço que eles revendem a mercadoria é exacerbadamente mais alto do que o que eles pagam pela mercadoria. Em virtude desta relação, os produtores têm que trabalhar muito para poder sustentar a unidade familiar não sobrando tempo para comercializar. Outra questão proposta foi a respeito do transporte. Na maior parte dos casos o produtor, além de não ter tempo disponível, já que a produção requer cuidados diários, não possui o transporte para comercializar a mercadoria em lugares mais distantes ou em feiras. Nem este transporte é fornecido pelos poderes públicos ou outros órgãos. Este fato faz com que o pequeno produtor dependa quase que exclusivamente do atravessador para comercializar a sua mercadoria e assim se submeta aos preços por eles determinados. Por sua vez, esta conjuntura está tão banalizada que alguns pequenos agricultores tratam a lucratividade operada pelo atravessador como uma relação normal. Outros ainda acham o atravessador como uma espécie de salvação por ser o único veículo pelo qual estes possam escoar a sua produção. 30% 70% possui transporte não possui transporte Gráfico 06: Propriedade de transporte por parte dos produtores. Fonte: Pesquisa direta. Na oitava questão, tentamos capturar a percepção do produtor quanto ao atravessador, questionando se ele considera o intermediário como um problema na comercialização da agricultura familiar: Os produtores ficaram divididos quanto a esta percepção, alguns consideraram que sim outros que não. Observamos alguns casos: 116 Depende dos casos, porque no momento em que a mercadoria está com preço alto não precisa de atravessador, mas quando a mercadoria está com preço baixo, é ele a salvação! (JRLA, agricultor entrevistado, 2015). Sim, porque a gente acaba perdendo dinheiro, vendendo nossas mercadorias por um valor muito baixo. (ADR, agricultor entrevistado, 2015). É não, visse. Porque a gente não tem tempo de estar dentro das feiras e eles tem, né? (FSS, agricultor entrevistado, 2015). Não, não considero. Eu acho que todos devem ganhar o pão de cada dia. (SSL, agricultor entrevistado, 2015). Observa-se que existe uma relação entre as respostas e os dois períodos conhecidos na comercialização da agricultura familiar, com relação a “boia” e a “falta”. E esta como se observou é uma relação ilusória tendo em vista que nos períodos de entressafra os preços das mercadorias aumentam, mas isso acontece porque nem todos os agricultores tem o produto. Existem os produtores que encaram essa ocasião como um período que podem ganhar bem, mas na verdade é uma loteria. Outros não percebem a exploração no preço do produto por causa do aumento relativo dos preços pagos aos pequenos produtores. A maioria dos produtores acha injusto o preço pago pelas suas mercadorias, citam o aumento das despesas e a falta de tempo para comercializar. Entretanto, como o atravessador é o principal canal de escoamento dos produtos, prefere-se suavizar ou naturalizar a sua atuação. Na décima questão, perguntamos se existem dificuldades para se vender a mercadorias e também quais as principais despesas dos pequenos agricultores. A maior parte revelou não ter dificuldades para vender as suas mercadorias, apenas em vinte por cento dos casos se afirmou ter um tipo de dificuldade no caso de “boia”, quando a mercadoria está com o preço baixo os atravessadores não querem comprar. Entre as principais despesas foram lembradas estrume, adubo, energia, equipamentos, o frete e a mão de obra contratada. Referente à décima primeira questão, perguntou-se se o entrevistado teve contato com o PAA; e se teve, porque deixou de negociar. Todos os entrevistados disseram que não tinham conhecimento do que se tratava o PAA. As principais justificativas giram em torno de que os mesmos não têm apoio de algum órgão ou entidade responsável, nem recebem informações sobre esse programa do governo, ou seja, esses se encontram no esquecimento do poder público. Com relação à décima segunda questão, foi perguntado se o agricultor teve contato ou chegou a participar de alguma cooperativa entre pequenos produtores, a questão ainda indagava sobre a opinião do produtor se a participação em cooperativas de pequenos 117 produtores melhoraria a condição familiar. Em 80% das respostas os agricultores declararam que não tiveram contato com nenhuma cooperativa de pequenos produtores de alimento; quanto se melhoraria a condição familiar, a maioria respondeu que sim: Também, não. Melhoraria, sim, porque garantiria a compra, a gente não ficava sem vender (JRLA, agricultor entrevistado, 2015). Não. Eu acho que sim, acho que melhoraria uma produção orgânica, comprada direto, por um preço justo. (JMS, agricultor entrevistado, 2015). Rapaz, já apareceu, mas eu nunca peguei, não. Melhoraria porque eles ajudavam a gente, né? Nos preços principalmente. (FSS, agricultor entrevistado, 2015). Na décima terceira questão, pediu-se aos entrevistados sugestões para o poder público melhorar a condição dos pequenos produtores. Foram citadas: a formação de cooperativas de produtores, concessão de empréstimo a juros baixos, melhoria das estradas, doação de horas de tratores, fornecimento de máquinas para construção de barragens, fornecimento de sementes, tratamento das águas, assistência técnica, dentre outros. O que denota que esses produtores estão em estado de muita carência e requerem por parte do poder público a promoção de políticas públicas voltadas aos pequenos produtores. Na questão de número catorze, perguntou-se a opinião do entrevistado sobre a produção agroecológica ou produção orgânica. A maior parte revelou achar bastante positiva, ressaltando a confiança de consumir um produto saudável e com procedência. Alguns não souberam afirmar nada sobre e outros revelaram não conseguirem produzir em quantidade suficiente para sustentar a unidade familiar: Acho importante, porque hoje em dia a gente não pode nem confiar no que come. Esses agrotóxicos trazem doenças às pessoas. (ADR, agricultor entrevistado, 2015). Eu acho difícil produzir em grande quantidade para que se mantenham todas as despesas da produção. (JMS, agricultor entrevistado, 2015). É boa, porque não ofende a ninguém, o veneno ofende de mais, né? (FSS, agricultor entrevistado, 2015). Muito bom, é obrigar a todos fazerem. (SSL, agricultor entrevistado, 2015). Por fim, se questionou se o entrevistado tem a pretensão de vender a terra ou de deixar de trabalhar na agricultura. A maioria dos agricultores entrevistados respondeu que não pretende vender a sua terra ou deixar a unidade familiar. Entretanto, nas justificativas, não se 118 verificou motivações econômicas para isso, foi citado principalmente a baixa escolaridade e a necessidade de deixar as terras de herança para os filhos. 5.4 As características e a visão dos beneficiários do PAA Após inquirir sobre o perfil dos agricultores que não são fornecedores do PAA, buscou-se levantar as características e as opiniões dos fornecedores do PAA no município. Entendendo que esta diferença entre fornecedores e não fornecedores possa municiar a pesquisa e lançar as luzes necessárias quanto o cerne da discussão do trabalho. As primeiras questões nos fornecem dados quanto às características destes fornecedores, assim como foi feito para os não fornecedores. Com relação e esta estrutura não foram notadas diferenças cruciais. O que podemos dizer é que se repetem as mesmas características estruturais da primeira, ou seja, dos não fornecedores. Com relação ao tempo de agricultura e forma de acesso a terra as tendências são as mesmas. Menos de 30 anos 30 anos ou mais 30% 70% Gráfico 07: Tempo na agricultura dos fornecedores PAA. Fonte: Pesquisa direta Com relação ao tempo em que trabalham na agricultura, não se encontrou diferenças para os não fornecedores. Existe praticamente a mesma tendência de envelhecimento da atividade agrícola familiar. No entanto, o que podemos ressaltar que apareceu na pesquisa foi um bom número de posseiros que estão recebendo os títulos de terra agora através das ações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca que vem regularizando as terras no município. 119 própria posseiro 30% 70% Gráfico 08: Forma de aquisição da terra dos fornecedores do PAA Fonte: Pesquisa direta herança compra 36% posse 36% 28% Gráfico 09: Forma de acesso à terra dos fornecedores do PAA Fonte: Pesquisa direta Várias destas propriedades revelaram composições fruto da história do próprio campesinato no município. Por exemplo, existem unidades que parte da propriedade é fruto de compra e outra foi adquirida por herança, ou também, parte foi posse e parte foi compra, por vezes configura-se um misto dessas relações. Entretanto, alheio a estes fatores todos produzem na terra e gerenciam a produção, configurando-se como pequenos produtores familiares. Com relação ao tamanho das propriedades se identifica a mesma configuração dos não beneficiários. Predominam as propriedades com menos de cinco hectares ou mesmo todas próximos disso. Como já ressaltamos estas propriedades são muito pequenas para conseguir manter as famílias. Este processo faz com que muitos procurem o trabalho acessório como 120 forma de se manter na unidade familiar. Reflete a subdivisão feita em casos de herança e também de posse quando é retirada a licença referente a usucapião. menos de 5 hectares 5 hectares ou mais 40% 60% Gráfico 10: Tamanho das propriedades dos fornecedores PAA. Fonte: Pesquisa direta Com relação aos familiares dos pequenos produtores trabalharem na propriedade encontrou-se uma boa participação: 90% dos entrevistados informaram a contribuição de um dos membros da família ou mais, no caso os mais lembrados foram os filhos, esposa/esposo e irmãos. O que reforça a caracterização da produção da área ser predominantemente familiar, não diferindo das características encontradas entre os não fornecedores. filhos esposa/esposo irmãos 17% 16% 67% Gráfico 11: Membros que trabalham na propriedade dos fornecedores PAA Fonte: Pesquisa direta 121 Com relação aos produtos cultivados por estes agricultores familiares foram lembrados verduras, legumes, tubérculos e animais de granja, como: coentro, couve, maxixe, quiabo, feijão vagem, pepino, batata-doce, macaxeira, laranja, banana, maracujá, manga, jaca, abacate, milho, galinha de capoeira, porcos e frango caipira. Nestas propriedades predominam um determinado teor de autoconsumo do produto, e o excedente é destinado à venda ao PAA e a outros canais de comercialização. Na sexta pergunta, questionou-se qual o destino destes produtos, se havia cliente certo e também se considerava o preço do atravessador justo. As respostas nos mostraram que a maioria dos fornecedores do Programa de Aquisição de Alimentos possui outros canais de comercialização para sustentar a unidade familiar, e também não consideram o preço pago pelos atravessadores um preço justo. Eu entrego, só tá faltando aprovar para o programa PAA e Feira Central e Feira da Prata. (...) é um preço muito bom esse do projeto. (...) e não é mais baixo, por causa que tem semana que pode ser mais baixo e tem semana que pode ser mais alto, porque esse projeto depois da gente assinar é fixo. Tanto faz a mercadoria subir como baixar que o preço é o mesmo. Depois que assinar o documento é assim, que a gente tem aquela confiança que é aquele preço justo. (J. C. G. L., agricultor entrevistado, 2015) Vendo a atravessador, vendo na porta, vendo no PAA, tendo aqui é pra vender, é igual à feira, tem esse negócio, não, pra gente quanto mais vender mais é melhor. Rapai era bem melhor pra o PAA, né, mas o problema do PAA é o limite, parece que o limite é da gente vender só 8.500,00 por ano, só da pra um mês praticamente, porque é tudo em cima de uma DAP, né, cada produtor tem uma DAP, aí pronto, só pode vender aquele limite pra o governo, aí eles fala o seguinte: o que exceder você tem que dar seu jeito, ou vender pra feira ou particular, você tem que dar seu jeito. Só que 8.000,00 é o que a gente produz no mês. (E. G. S., agricultor entrevistado, 2015) Tem venda em feiras, aos atravessador e a comerciantes que levam direto e o PAA e PNAE. Políticas públicas, né? (...) Só pro PNAE e PAA que tem o preço tabelado em nove reis o quilo, e se for feira atravessador aí é cerca de vinte reais a unidade. (...) em um ano? (...) o mais barato é o atravessador que compra bem mais barato, né? (...) o quilo sai a sete reais. Sete, seis reais. (L. O. L., agricultor entrevistado, 2015) No tempo que a gente estava participando do projeto a gente bota mais laranja, a minha sobra pra feira, né? Aí vai pra feira livre que, aí o menino faz duas vezes por semana. (...) Rapaz pro PAA é muito melhor, né? Os projetos são bons, né? Mas, por época, né? Tem tempo que a gente apura melhor na feira e tem tempo que a gente no programa do governo sai melhor. (A. J. N. agricultor entrevistado, 2015) A maioria dos agricultores apontou muitas vantagens em relação ao Programa de Aquisição de Alimentos, que são primordiais para a garantia de sustento para a unidade 122 familiar. Foram citados: o preço fixo e tabelado; o preço mais alto do que no comércio local; e a segurança de ter a sua venda garantida. Com relação ao preço fixo e tabelado há a garantia de que não haverá variação no preço do produto, assim o agricultor pode planejar a sua produção. Independente de os preços dos produtos oscilarem nos mercados exteriores, o agricultor tem a garantia de que até o fim da vigência do projeto de fornecimento o preço será o mesmo. Situação bem diferente da encontrada por ele no mercado comum onde as mercadorias sobem e descem com muita fluidez, fazendo com que o agricultor seja refém da parceria com o atravessador. Outro fator citado é que no geral os preços afixados na tabela de fornecimento do PAA são maiores do que o pago pelos atravessadores e pelas feiras. Essa situação fortalece o pequeno agricultor familiar, gerando mais renda e dando condições para investir e permanecer na terra. Sair da exploração dos preços pagos pelo atravessador é uma das principais vantagens que o mercado institucional pode trazer. Dizendo de outra maneira, o agricultor que participa deste programa tem uma condição diferenciada, ou seja, mais segurança quanto a sua produção. Um fator que é interessante é a questão da garantia do fornecimento por DAP, cadastrada no projeto, que atualmente é de oito mil reais. Essa garantia ajuda os pequenos produtores na oportunidade de ser um canal de comercialização certa. Pois, em alguns casos, principalmente em situação de “boia”, muitos fornecedores perderiam a produção por não ter a quem vender. Fato que é parcialmente contornado por esta política. Alguns fornecedores revelaram fornecer a mais de uma política pública, como o PNAE (Programa Nacional da Alimentação Escolar), este programa complementa em alguns casos o PAA, pois esta mercadoria se dirige às escolas públicas do município, enquanto o PAA é coordenado pela CONAB, para instituições públicas que oferecem ajuda às pessoas carentes. Um dos fatores negativos é a cota de fornecimento ter um valor muito baixo, que não sustenta por completo uma unidade familiar. Os excedentes que não são fornecidos pelos agricultores, são vendidos por outros canais de comercialização como as feiras livres, ou a venda autônoma de porta em porta. O que revela que esta política pública ainda tem um caráter limitado na sua função de assegurar o comércio da agricultura familiar. Entretanto, ela se configura como uma ajuda interessante na promoção da melhoria da geração de renda no campo brasileiro. Também se questionou sobre o tempo em que o agricultor fornece para o programa. Esse que começou no município em 2006 vem crescendo em número de fornecedores, que 123 pouco a pouco vão divulgando o projeto. Também foi perguntado se o programa é vantajoso. Nesse sentido, as respostas foram positivas: Vai fazer uns três anos. Que sempre meu cunhado me chamava, porque eu sou realista, ele me chamava e eu não tava nem ligando, mas a pessoa só sente quando o sapato está apertado. E foi aumentando porque a gente vê que vai dando certo. (...) É bom! O programa é bom. É bom o programa, é bom as reuniões que a gente participa. E são uns projetos honestos. (J. C. G. L., agricultor entrevistado, 2015) Faz mais ou menos uns..., dois mil e sete, dois mil e oito. Comecei através do sindicato, de lá pra cá eu sempre participo, aí já foi abrindo... Aí daqui acolá já fui aumentando, aí tem outro programa bom pela associação. (...) É, começou com três mil reais, e agora já está em oito mil reais por agricultura. Até infelizmente agora a pouco recebemos uma notícia que os recursos PAA poderia ser cortado pelo governo federal. Tem até um projeto grande da associação da gente tá terminando para ser enviado. É porque primeiro envia o projeto pelo computador e depois é que envia a documentação. Agora nós acabamos de enviar um novo projeto. São trinte e oito agricultores esse ano. Mas começou de pouquinho. No começo era um ou dois. Aí foi aumentando, o povo vai vendo o melhoramento, a gente vai divulgando. É porque a prioridade do PAA é que o agricultor produza, né? Mas com essa estiagem de agora, né? (M. I. S., agricultor entrevistado, 2015) De quando Joel? É desde o tempo que Joel também entrou, nós tudo aqui reunido, nós somos tudo a turminha ó, dos agricultor aqui é. (...) Demais meu filho, bom demais. (...) é na renda. É porque ali você sempre... ali você recebe aquele dinheiro você dá pra investir mais, né? Bem melhor. (C. S. M., agricultor entrevistado, 2015) É! Já faz três anos. É, a gente também faz parte do CAE, Conselho de Alimentação Escolar, então a gente tem o conhecimento. Fornecemos tanto para o PNAE, como o PAA. A gente gosta muito do programa, porque fortalece, né? É um dinheiro seguro. Esse governo foi muito bom com esses programas para o agricultor familiar. (N. D. A., agricultor entrevistado, 2015) Segundo os agricultores que fornecem para o programa, havia um temor inicial para participar, pois além de ser algo novo, também havia a questão burocrática que se tornou um empecilho para alguns, havia também o receio de não conseguir manter a produção continuamente devido às intempéries climáticas. Mas, superados os problemas e o receio, todos demonstraram satisfação em estar no mesmo, citando a garantia da venda, bem como da geração de renda, tanto para manutenção familiar, quanto para eventuais investimentos. As associações rurais comunitárias e cooperativas têm um papel importante nesse processo, no sentido de divulgação do projeto. As reuniões, feitas mensalmente, proporcionam tanto interação entre os agricultores, quanto conhecimento das políticas 124 públicas. No geral, as regiões em que os agricultores são mais articulados são favorecidas pela sua organização, o que permite a assistência das políticas públicas. Já nas áreas onde não há esse tipo de articulação, a penetração desse tipo de ação governamental é ineficiente. Na pergunta de número oito, questionou-se sobre qual a porcentagem da produção que era fornecida ao programa; e também o que o agricultor faz com o excedente da produção que não é destinada ao programa: Dá mais, dá quase cem por cento na safra. O que sobra a gente desmantela de qualquer jeito. (G. C. l., agricultor entrevistado, 2015) Da produção? A gente tem um limite de DAP de 8 mil reais, já foi de 4 mil reais, e também de seis. É porque é um produto caro vamos dizer. Por exemplo, oito mil conto só dá oitocentos e quarenta e quatro quilos de galinha, deve dar aproximadamente um lote de trezentas aves. Dá mais ou menos de dez por cento da produção. Quando você vende oito mil já completou a sua cota. Aí tu já não pode passar, agora só no próximo ano. (E. D. A., agricultor entrevistado, 2015) É por que cada agricultor tem aquela porcentagem, né, só pode atingir aquele teto, né? É oito mil e não pode ultrapassar aquele limite. É mais ou menos uns dez por cento. Se pudesse colocar tudo que a gente produz era excelente. (...) O resto é Feira Central e CEASA. (M. l. S., agricultor entrevistado, 2015) Dá mais. Dependendo do produto chega até a quarenta por cento. (...) O resto da mercadoria eu vendo na Feira Central e na Feira da Prata, já tem os cliente já certo. (J. C. G. L., agricultor entrevistado, 2015) Nesse sentido, observou-se haver bastante variação no que concerne à porcentagem do fornecimento. Alguns agricultores falaram em 10%, outros em 40% e até 100% da produção destinada ao programa. Essa variação é decorrente da cota ser fixa. Considerando que há uma diversidade de produtos fornecidos, uma variação do tamanho das produções e também que os preços são diferentes de cada produto, como, por exemplo, o frango caipira que, por sua vez, tem o preço bem diferente do abacate, e assim sucessivamente, porém a cota é igual para todos os fornecedores. Com relação ao excedente, os fornecedores revelaram vender de qualquer maneira, seja a atravessadores, seja de porta em porta, ou nas feiras da cidade de Campina Grande. Como o excedente é bastante variável de produtor para produtor, assim como o custo da produção, a busca por outros canais de comercialização ainda se faz necessária. Mesmo que venda a preços inferiores é importante que o agricultor não tenha perdas ou que essas sejam minimizadas. 125 Na nona questão, perguntou-se como funciona a venda de mercadoria para o programa. Os fornecedores confirmaram o que já haviam dito os responsáveis por este no município. Os próprios fornecedores, através das associações destinam os produtos para a CONAB, em seguida, a mesma os destina para os locais atendidos pela rede socioassistencial cadastrada pelo programa. O pagamento é feito para a associação e, que por sua vez, o repassa para os membros fornecedores. Na décima pergunta, questionou-se se esses fornecedores faziam parte de alguma cooperativa. No caso dos fornecedores de frango caipira, a maioria faz parte da COOPAF (Cooperativa da Agricultura Familiar). Os demais são associados ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca e fazem parte de associações rurais de produtores. Essas articulações permitem aos produtores maior acesso ao mercado e maior ciência das políticas públicas. A questão onze questionou-se se o agricultor também tinha conseguido melhorar as condições de produção e aumentar a produtividade da terra. As respostas foram positivas neste sentido: Com certeza. (...) Investi em tecnologia também, questão de carro, moto, casa também que era solteiro, consegui cercar o sítio também, ajuda no material que a gente não tem. (L. O. L., agricultor entrevistado, 2015) Sim, foi muito bom. Que pena que não durou. Quando a gente tava tomando gosto na coisa parou. Não deixou nem nós tomar gosto. (...) Era sempre investindo esse dinheiro em casa mesmo, ajeitando as coisas, organizando as coisas em casa mesmo. (C. S. M., agricultor entrevistado, 2015) Teve, e se o abatedouro funcionar mesmo aí é que fica melhor, né, o intuito é o abatedor. Eu já construí um galpão, comprei tela, comprei cimento, tudo isso através da galinha. (L. G. A., agricultor entrevistado, 2015) Com certeza já compramos máquinas novas, compramos caixas para a comercialização e estamos fazendo novos criadouros. (N. D. A., agricultor entrevistado, 2015) Segundo os fornecedores do PAA, apesar da cota ser baixa por agricultor, em alguns casos foi possível fazer alguns investimentos. Foi citada a compra de máquinas agrícolas; material para o cultivo e criação; e também no auxílio em outras despesas como beneficiamento do terreno através da construção de cercas e a compra de carro, moto e até ajuda na manutenção da casa. No mais consistiu em ajuda importante para a manutenção da unidade produtiva, de forma mais confortável. 126 Figura 21: Aquisição de novas máquinas para produção no sítio Retiro. Fonte: Pesquisa de Campo. Figura 22: Construção de pequenos criadouros - Sítio Lagoa do Barro - Lagoa Seca. Fonte: Pesquisa de Campo. 127 Notou-se que a partir do ingresso no programa, vários fornecedores puderam fazer investimentos nas suas produções, no sentido de melhorar e ampliar suas culturas. Tais melhorias se deram através de construção de pequenos criadouros de aves (frangos caipira), bem como maquinarias para a ampliação da produção agrícola. Esse, portanto, garante a manutenção das unidades familiares no campo, ao passo que se configura como um auxílio financeiro importante. No que se refere à décima segunda questão, foi perguntado se o produtor acredita que o PAA pode reforçar a prática de agriculturas mais saudáveis, como a agroecologia; e de que forma. Também foi questionado se o produtor consome da própria mercadoria. Com certeza o PAA, tem um preço especial para os produtos agroecológicos, a dificuldade da gente é só com o selo, mas nós estamos para conseguir. (...) Consumo assim aqui a gente não usa. (N. D. A., agricultor entrevistado, 2015) Ajuda, pela... Procura comprar assim diretamente do produtor, que, às vezes, o pessoal não tem aí vai na Ceasa e quer colocar. (...) Com certeza aí o pessoal tem essa preocupação de não estar usando agrotóxicos também. Aí direciona melhor o produtor a ter esta consciência de estar usando o produto mais saudável. (L. O. L., agricultor entrevistado, 2015) É, ajuda muito, né? Porque mesmo as lá de casa não foi proverizada (pulverizada) nada. (...) Consumo, sim. (C. S. M., agricultor entrevistado, 2015) Pode. (...) Consumo, e gosto que o pessoal filme eu consumindo ela. É porque eu sou aquela confiança do que tou consumindo e do que eu tou vendendo. E a minha família também. (J. C. G. L., agricultor entrevistado, 2015) Os produtores demonstraram que o PAA reforça as práticas de agriculturas mais saudáveis, tais como a agricultura orgânica e as práticas agroecológicas. Para isso, o programa oferece um preço diferente para estes produtos, cerca de 30% a mais, segundo os entrevistados. A dificuldade citada pelos produtores e também pelos responsáveis pelo PAA no município, é a retirada do selo agroecológico, tanto pelo custo, como também pela questão burocrática. Por isso que a maior parte dos produtos destinados ao programa no município, mesmo sendo agroecológicos, são vendidos como produtos convencionais, ou seja, por um preço inferior. Os incentivos financeiros públicos a partir do governo federal possibilitam uma inserção dos agricultores do mercado competitivo, particularmente no âmbito dos produtos agroecológicos. As práticas agroecológicas contribuem para uma vida mais saudável. É 128 importante no sentido de incentivar o produtor a produzir desta maneira. Com esta ação, o programa dá um passo importante no fomento à recriação camponesa, pois incentiva os pequenos produtores a se reencontrarem com seus modos de produzir fundantes. Figura 23: Plantação agroecológica Sítio Jucá do Cumbe, Lagoa Seca. Fonte: Pesquisa de Campo. Figura 24: Agricultor consome da própria plantação. Fonte: Pesquisa de Campo. 129 Na pesquisa, os produtores demonstraram muito cuidado com as práticas ecológicas no manejo com a manutenção da agricultura familiar. Todos afirmaram consumir da própria produção. Este fato reforça a confiança que o agricultor tem na mesma. Incentivados pelo programa, estes agricultores encontram uma valorização diferente. Que permite a estes continuar produzindo desta maneira e evitar o uso dos agrotóxicos. Na décima terceira questão, perguntou-se ao entrevistado se o mesmo havia constatado algum problema no programa e quais sugestões o mesmo daria para o PAA. A principal dificuldade apontada pelos produtores foi a questão da cota ser baixa para cada fornecedor: oito mil reais. Também foi citada a burocracia para a entrada no programa. Com relação à cota, realmente o valor se mostra insuficiente para a manutenção da atividade familiar, entretanto já existiram situações piores, onde não existia interesse público pela agricultura familiar, portanto, mesmo com este valor o sentimento dos agricultores é, na maioria das vezes, de satisfação para com o programa. Nas principais sugestões, constatou-se uma vontade dos agricultores pelo aumento dessa cota, pelo menos em mais dois mil reais em valores atuais, isso ajudaria em termos mensais na garantia de uma parcela maior da produção para o programa, o que auxiliaria na diminuição da dependência dos outros canais de comercialização. E citaram também a desburocratização e ampliação do projeto para outras áreas. Na décima quarta questão, questionou-se se o programa seria suficiente para absorver a oferta dos pequenos produtores do município. E disseram que não. Mesmo com a forte estiagem que assola o município, e que tem diminuído significativamente a produção, obrigando vários produtores a dependerem de outras políticas públicas. Existe uma oferta maior do que a demanda do programa. Na décima quinta questão, foi perguntado ao entrevistado se ele tinha pretensões de vender a sua terra ou de deixar de trabalhar na agricultura. Não, porque eu já criei uma estrutura, né, realmente eu já tenho uma estrutura e um investimento alto. E você partir para arrumar um emprego sem ter capacidade nem conhecimento na área, né, vai ficar difícil. (E. D. A., agricultor entrevistado, 2015) Tenho, não, viu? A gente construiu muita coisa e agora é seguir em frente. Vamos conquistando e trabalhando. Temos que ter fé, né? E principalmente trabalhar já que fazem por nós, temos que retribuir. (N. D. A., agricultor entrevistado, 2015) Só quando eu morrer, né? Enquanto eu tiver vida e puder trabalhar eu trabalho. Se criamos nisso. (G. C. L., agricultor entrevistado, 2015) 130 Eu não, eu não tenho. (...) é, só saio daqui quando Deus quiser, como se diz pro cemitério, né? No sítio, é aqui como se diz não tem aborrecimento de nada, né? Na rua, né, às vezes, você pega um vizinho complicado, né? Aí é som, é tudo no mundo. E aqui não existe isso (A. J. N., agricultor entrevistado, 2015). Nenhum dos entrevistados demonstrou interesse em se desfazer da sua propriedade, nem mesmo para a especulação imobiliária, que é crescente no município. As condições de vida mais simples no campo quanto à manutenção da unidade familiar, e também quanto ao sossego de viver próximo as suas origens e tradições. Nesse sentido, o PAA tem um papel importante em manter o homem no campo, diminuir o fluxos de migrantes para áreas urbanas ou outras regiões do país. 5.5 Resistência e recriação camponesa a partir do PAA Um dos aspectos importantes estudados por esta pesquisa se revela na resistência camponesa; entendida aqui como a manutenção do homem produzindo na terra, e também com sua recriação; que, por sua vez, é compreendida como o reencontro com suas formas mais tradicionais de produzir, como a agroecologia. Entende-se que o Programa de Aquisição de Alimentos tem dado a sua contribuição das duas formas. A manutenção do homem na terra tem se colocado como primordial para amenizar a desordem urbana. A saída do homem do campo deve ser atenuada, ela só contribui para o inchaço nas grandes cidades, a concentração de terras, a inflação sobre os alimentos tradicionais e outros problemas de ordem estrutural. Nesse contexto, o PAA pode dar uma contribuição importante. A garantia da venda no mercado institucional se configura como uma proteção ao mercado da agricultura familiar. Embora não seja suficiente nem tenha grande impacto na economia do país, alivia a condição de vulnerabilidade destes produtores, reduzindo a dependência dos atravessadores que se apropriam de parte significativa do valor do produto sem praticamente ter contribuído para tal. A geração de renda possibilitada pelo programa ajuda na manutenção da unidade familiar. O fomento à produção agroecológica é uma das maneiras em que o Programa de Aquisição de Alimentos ajuda na recriação camponesa. Além disso, oferece um subsídio financeiro maior a estes produtores. Enfim, o programa dá um passo importante no reencontro entre os camponeses e suas práticas mais genuínas de produzir. Para o município de Lagoa 131 Seca tem se tornado providencial em meio ao mercado competitivo, que se estabeleçam condições de produzir naturalmente em convivência harmônica com o meio ambiente. 132 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de alguns estudiosos terem preconizado o desaparecimento do campesinato com o avanço do capitalismo na agricultura, ele permanece como uma realidade no campo brasileiro e em outras partes do mundo. A articulação deste com o próprio capitalismo e com outras formas de produção submete o campesinato a uma contínua necessidade de se reconfigurar para continuar existindo. Por sua vez, o campesinato encontra fases de regressão e avanço, sendo explorado pelo capital, mas se recriando em suas crises. Dizendo de outra maneira, o campesinato encontra na essência de crise do próprio capitalismo, espaço para se reproduzir, se readaptando às novas configurações impostas por este. No Brasil, a agricultura familiar se mostrou durante muito tempo abandonada pelos órgãos de Estado. Esta conjuntura de omissão provocou sérios danos à estrutura das comunidades campesinas. O abandono da terra devido à especulação para o grande capital, a dificuldade de continuar produzindo e a integração no mercado provocaram a desintegração de inúmeras unidades campesinas cuja mão de obra foi absorvida precariamente pela indústria ou pelos serviços. Com isso, cresceram as áreas destinadas à agricultura patronal, voltada à produção de commodities ou para a produção de combustível no mercado interno. Apesar dessa conjuntura, a agricultura familiar em vários municípios do Brasil, como Lagoa Seca, ainda envolve a maioria da população. Fruto de um campesinato desenvolvido historicamente da subserviência ao dono da terra, seja pelo foro, pela meação e outras relações de produção. Desenvolveram-se pequenas plantações que foram se constituindo como fonte de sobrevivência para sua população. Entretanto, além da expropriação do camponês da terra que gerou, historicamente, um contingente muito alto no Brasil de pessoas sem terra, a comercialização em algumas áreas também se tornou um canal de expropriação do excedente camponês. Por isso, entende-se ser necessário garantir acesso a canais de comercialização que permitam a manutenção da unidade familiar. Não adianta garantir a posse da terra, como, por exemplo, pelos assentamentos, se as condições de venda do excedente não forem asseguradas. Embora tenha havido uma valorização pelo mercado dos produtos da agricultura familiar nos últimos anos, não há garantias de que o pequeno produtor seja o mais beneficiado com isso. O acesso dos pequenos produtores aos canais de comercialização foi diminuído. A comercialização foi perdendo espaço na jornada diária deste, que para conseguir algo mais teve de dedicar mais tempo à produção na unidade campesina. O atravessador tem se beneficiado, impedindo que o pequeno produtor ganhe com esse processo, e dominando o 133 comércio se apropria de uma parte considerável do valor incorporado ao produto, sem ter na maioria das vezes despesas que justifiquem esta apropriação. A relação de dependência ao atravessador deixa o pequeno produtor vulnerável. Como no município de Lagoa Seca, onde o comércio de hortaliças e frutas advindas da agricultura familiar fornece o maior acesso ao sustento destas famílias, há uma exploração severa através dos preços dos produtos. Em contraponto, na atual estrutura municipal, o atravessador é um elemento importante para que o pequeno agricultor consiga escoar a sua mercadoria. O mercado institucional abre portas para que o agricultor saia desta relação de dominação, embora ainda não exista uma demanda para aquisição de grande parte dos produtos da agricultura familiar. O mercado institucional se revela importante para os pequenos produtores por garantir melhor proteção para eles. A concorrência desleal do mercado comum e a dependência demasiada do atravessador faz com que o produto baixe consideravelmente de preço, fazendo com que o pequeno produtor tenha que trabalhar ainda mais para sustentar a unidade familiar. Há em parte dos agricultores uma resistência ao cooperativismo e à sindicalização, bem como em participar de associações rurais. O fato de muitos destes produtores não entenderem a relação de exploração a que são submetidos, pois em muitos casos a acessibilidade ao atravessador é a garantia de não perder o excedente de produção. Estes agricultores são muito menos articulados, o que dificulta a penetração e o conhecimento das políticas públicas. Há uma diferença considerável na articulação e parceria dos agricultores não fornecedores do Programa de Aquisição de Alimentos e dos fornecedores. Os agricultores não fornecedores revelam isolamento e fragilidade. Já para os fornecedores há uma relação de politização diferenciada. A menor dependência do atravessador é importante no sentido de dar maior poder de negociação para estes agricultores, onde há uma comercialização primária para os programas com pagamento garantido e mais seguro e uma comercialização secundária com o atravessador. Na maioria das propriedades estudadas, os preços pagos pelo Programa de Aquisição de Alimentos são mais altos do que os pagos pelos atravessadores. A pesquisa feita pela CONAB é baseada em preços de feira, estes por sua vez são superiores aos preços pagos pelos atravessadores, que vão até as pequenas propriedades negociar. Por isso há uma relação de prioridade com relação ao programa, também satisfação e ganho do pequeno produtor. Essa diferença de preço possibilita a estes fornecedores uma consciência maior com relação à venda aos atravessadores, o que não acontece com os não fornecedores. 134 A maioria dos entrevistados revelou impacto na geração de renda que possibilita ao agricultor não depender necessariamente de outras fontes. Isso permite ao agricultor a resistência em permanecer na terra produzindo. Evita que o pequeno produtor vire mão de obra barata em grandes centros. No lugar onde é possível estabelecer viabilidade das relações econômicas, é muito mais difícil a expropriação do camponês, seja pela força da posse da terra, seja pelo comércio exploratório. Mais do que o preço maior, o PAA oferece outra vantagem com relação à comercialização que é a regularidade dos preços. Essa possibilita aos pequenos produtores maior planejamento com relação à previsibilidade do pagamento. A cota por produtor é feita com base em um preço tabelado. Neste caso, o programa assegura o preço fixo durante a vigência do projeto, situação bem menos vulnerável do que a venda no mercado comum, onde os preços variam de forma volátil. Na maioria das propriedades beneficiadas, o programa possibilitou investimentos na produção, como compra de máquinas e equipamentos, que elevam a produtividade. Desta forma o agricultor atingido por esta política pública pode continuar produzindo mais. Nas entrevistas, percebeu-se uma melhoria na condição de vida de parte da população como: aquisição de motos, construção de cercas dos sítios, aquisição de novas áreas, construção de novos criadouros e etc. Com relação à comercialização no geral, o programa possibilitou ao camponês uma ampliação do mercado consumidor, dando a ele mais opções de canais de comercialização, embora no município haja um número muito pequeno de fornecedores do PAA e os recursos de cota sejam limitados. Os contemplados pela política pública se distanciam dos demais, pois há uma configuração diferenciada em relação àqueles que não são contemplados. De todo modo, os recursos que são adquiridos pelo fornecimento dos produtos ao programa se configuram numa ajuda interessante, mesmo ainda não se mostrando suficiente para manter a unidade produtiva. O PAA não beneficia somente o produtor, também beneficia aqueles que consomem o produto e participam da rede socioassistencial, embora não seja o foco da pesquisa. O programa beneficia diretamente pessoas em situação de vulnerabilidade social, o que deve ser levado em conta. Assim o programa busca atenuar dois problemas, a vulnerabilidade da agricultura familiar, e proporcionar uma alimentação de qualidade as pessoas que não tem condições para isso. O programa também possibilitou apoio à produção agroecológica, oferecendo vantagens financeiras nos preços dos produtos que são produzidos desta forma. Este subsídio 135 fomenta o reencontro destes agricultores com suas formas mais genuínas de produção, proporcionando, desta forma, uma recriação camponesa, uma readaptação face ao capitalismo. Este tipo de produção ajuda na diminuição do uso de agrotóxicos e produtos químicos, resultando em um produto de maior qualidade e na manutenção das formas tradicionais de produzir. O programa também apresenta alguns pontos negativos. Ele não consegue substituir completamente o atravessador como canal de comercialização. A cota é baixa. Por exemplo, atualmente é de seis mil reais por ano. Com os preços atuais, a renda auferida no PAA é insuficiente para manter uma unidade familiar. Isso faz com que o agricultor busque alternativas para a venda de seus produtos. Alguns produtores complementam a venda com o PNAE, que possibilita um maior alcance destas produções. Alguns agricultores relataram a burocracia como um ponto negativo. O fato de ter acesso à DAP (Declaração de Aptidão do PRONAF) ser através de projeto limita o acesso. Foi lembrada, também, a questão de existir uma pausa entre o encerramento de um projeto e início da vigência de outro, assim como a questão dos atrasos na liberação dos recursos. As políticas públicas se configuram num universo formalista, enquanto que a produção familiar não se enquadra bem nesse modelo. De certa forma é percebido uma relativa concentração do programa nas mãos de determinadas pessoas que têm influência no cenário político local. A exemplo de outros lugares, no município de Lagoa Seca, a quantidade de pessoas que participam é pequena com relação ao universo de produtores. E os que são beneficiados geralmente têm parentesco uns com os outros. Além disso, determinadas áreas do município são totalmente deixadas de lado em detrimento de outras. Percebe-se também uma centralização de poder muito grande nas mãos dos presidentes das associações rurais de produtores. Estes recebem o dinheiro, fazem transporte de mercadorias, coordenam a elaboração dos projetos, coordenam entrada e saída de pessoas no programa. Este fato favorece a perseguição política, e põe em risco a democratização do acesso ao programa. Em alguns, a dificuldade na certificação de alguns produtos faz com que o agricultor tenha perdas financeiras. Vários produtores que possuem produção agroecológicas, tem os seus produtos pagos como convencionais. No caso da produção dos avicultores do município, os mesmos revelaram abater os produtos no município de Monteiro, a mais de 120 km de distância, porque não dispõem de uma certificadora pública nas proximidades. Esta relação tem obrigado vários agricultores a se desmotivarem com esta política pública. 136 O Programa de Aquisição de Alimentos se configura enfim como uma base de sustentação ainda pequena para o agricultor, mas demonstra que um dos caminho para tirar a agricultura familiar da inércia é o desenvolvimento do mercado institucional. Esse canal sendo ampliado pode ser um reforço significativo para a resistência e a recriação camponesa. Em suma, o programa pode ser o início de um movimento novo na construção de políticas públicas que atendam as necessidades dos pequenos produtores. 137 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY. Ricardo. De camponeses a agricultores: paradigmas do capitalismo agrário em questão. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Tese (doutorado), 1990. ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia econômica. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 1981. ANDRADE JÚNIOR, Remy Corrêa de. 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O programa de aquisição de alimentos – PAA e sua relação com o modo de funcionamento da agricultura familiar. Disponível em: http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos/98d489686768a24d24fa7f0d1acabf81.. pdf. Acesso em: 21 de janeiro de 2014 WANDERLEY, M. N. B. Capital e propriedade fundiária: suas articulações na economia açucareira de Pernambuco. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1979. WOLF, Eric R. Sociedades camponesas. Tradução [Oswaldo Caldeira C. da Silva]. Revisão técnica de Gilberto Velho. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970. 142 ______. Guerras camponesas no século XX. Rio de Janeiro: Ed. Global, 1984. ZIMMERMANN, S.A.; FERREIRA, A.P. El programa de adquisición de alimentos de la agricultura familiar em Mirandiba-PE. In: SCOTTO, G. Aun hay tiempo para el sol: pobrezas rurales y programas sociales. Rio de Janeiro: Action Aid, 2008. 143 APÊNDICE 144 Roteiro de Entrevista com os responsáveis pelo Programa de Aquisição de Alimentos. Nome do Entrevistado: ____________________________________________ 1- Como o senhor avalia a importância da produção agrícola familiar para a população do município de Lagoa Seca? 2- Como funciona o Programa de Aquisição de Alimentos no município de Lagoa Seca? Quais os produtos que são adquiridos? 3- Qual o perfil dos produtores que fornecem ao PAA (micros, pequenos, médios produtores)? 4- Quantos produtores têm cadastrados no Programa? 5- Quais as formas de transporte das mercadorias do produtor até o PAA? 6- Qual o destino das mercadorias adquiridas pelo PAA (escolas, creches, restaurantes populares, ver o percentual dessa distribuição)? 7- Existe deterioração das mercadorias? Se existe, em que proporção? 8- O senhor acredita que o Programa de Aquisição de Alimentos tem gerado mais renda para o agricultor familiar no município de Lagoa Seca? Por quê? 9- Os preços pagos pelo PAA são inferiores ou superiores aos praticados no mercado? Eles têm se mantido constantes? Qual a última atualização? 10- Os produtores têm se queixado dos preços? Quais as principais queixas? 11- Como é feito o pagamento? Existe regularidade? 12- O senhor acredita que o Programa de Aquisição de Alimentos pode reforçar práticas de agricultura mais saudáveis, como a agroecologia? De que forma? 13- Quais as dificuldades e sugestões que o senhor daria para o Programa de Aquisição de Alimentos? 14- O senhor considera o Programa de Aquisição de Alimentos suficiente para absorver a oferta dos pequenos produtores de Lagoa Seca? Qual o percentual dessa oferta que é adquirida pelo PAA? 145 Roteiro de Entrevista com o agricultor não fornecedor do Programa de Aquisição de Alimentos. Nome do Entrevistado: ____________________________________________ 1- O senhor é agricultor há quanto tempo? A terra que o senhor cultiva é própria? Se não for própria, qual a forma de acesso (arrendamento, parceria, posse, etc.)? 2- Como adquiriu a terra no caso da terra ser própria (herança, compra, doação, outros)? 3- Qual o tamanho da terra que o senhor cultiva? 4- Sua família também se envolve na produção? Quem? Contratam trabalhadores, quantos? 5- Quais são os produtos que o senhor produz? 6- Como é feita a venda da sua mercadoria? O senhor mesmo vende? Aonde vende: em feiras, em casa, outros? Atravessadores? O senhor tem cliente certo? Caso venda a atravessadores, considera o preço pago pelo atravessador, um preço justo? 7- O senhor tem transporte próprio para carregar a mercadoria? Ou o cliente vem buscar na sua propriedade? 8- O senhor considera o atravessador um problema na comercialização da agricultura familiar? 9- O senhor considera justos os preços pagos pelos produtos que produz? 10- O senhor tem dificuldades para vender sua mercadoria? Quais as despesas que o senhor tem? 11- O senhor já teve algum contato com o Programa de Aquisição de Alimentos do governo federal, que faz a compra de produtos agroecológicos direto do produtor? Se já teve, por que não negocia mais com o PAA? 12- O senhor já teve contato com uma Cooperativa entre os pequenos produtores? O senhor acha que melhoraria a condição da agricultura familiar no município? 13- Quais as sugestões que o senhor deixaria para o poder público, para melhorar a condição dos pequenos produtores? 14- O que o senhor acha da produção agroecológica ou da produção orgânica? 15- O senhor tem pretensão de vender a sua terra ou de deixar de trabalhar na agricultura? Por quê? 146 Roteiro de Entrevista com os beneficiários do Programa de Aquisição de Alimentos. Nome do Entrevistado: ____________________________________________ 1- O senhor é agricultor há quanto tempo? A terra que o senhor cultiva é própria? Se não for própria, qual a forma de acesso (arrendamento, parceria, posse, etc.)? 2- Como adquiriu a terra no caso da terra ser própria (herança, compra, doação, outros)? 3- Qual o tamanho da terra que o senhor cultiva? 4- Sua família também se envolve na produção? Quem? 5- Quais são os produtos que o senhor produz? 6- Qual o destino desses produtos (autoconsumo, venda direta aos consumidores, atravessadores, PAA, etc.)? Caso venda a atravessadores, considera o preço pago pelo atravessador muito diferente do preço dos produtos na feira? 7- O senhor faz parte do Programa de Aquisição de Alimentos no município de Lagoa Seca? Desde quando? O programa é bom? 8- Que parte da sua produção é vendida ao Programa de Aquisição de Alimentos? Se não vender toda ao PAA, o que o senhor faz com o resto da mercadoria? 9- Como funciona a venda da mercadoria para o Programa? 10- O senhor faz parte de alguma Cooperativa? 11- Tem havido uma melhoria na sua condição depois da entrada no programa? O senhor conseguiu melhorar a sua condição? 12- O senhor acredita que o Programa de Aquisição de Alimentos pode reforçar práticas de agricultura mais saudáveis, como a agroecologia? De que forma? O senhor também consome da sua mercadoria? 13- O senhor acha que o programa tem algum problema? Quais as dificuldades e sugestões que o senhor daria para o Programa de Aquisição de Alimentos? 14- O senhor considera o Programa de Aquisição de Alimentos suficiente para absorver a oferta dos pequenos produtores de Lagoa Seca? 15- O senhor tem pretensão de vender a sua terra ou de deixar de trabalhar na agricultura? Por quê?