resistência e recriação camponesa a partir do programa de

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resistência e recriação camponesa a partir do programa de
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
JAMERSON RANIERE MONTEIRO DE SOUZA
RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA A
PARTIR DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE
ALIMENTOS NO MUNICÍPIO DE LAGOA SECA - PB
JOÃO PESSOA - PB
2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
JAMERSON RANIERE MONTEIRO DE SOUZA
RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA A
PARTIR DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE
ALIMENTOS NO MUNICÍPIO DE LAGOA SECA - PB
Dissertação apresentada como requisito à
obtenção do título de Mestre em Geografia pelo
Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal da Paraíba (PPGG/UFPB),
sob a orientação do Professor Dr. IVAN
TARGINO MOREIRA.
Área de Concentração: Território, Trabalho e Ambiente.
JOÃO PESSOA - PB
2015
Ficha catalográfica
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus avós, pessoas que eu
amo: Antônio de Souza (in memorian), Maria
Martins de Souza, João Monteiro (in memorian) e
Maria do Socorro Bezerra Monteiro, por terem sido
meus exemplos e terem colocado no mundo e
educado os meus pais.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, primeiramente, por permitir a realização dos meus sonhos, por me
dar o dom da vida, por ser o meu protetor, no meu recolhimento, nas minhas súplicas, tem
sempre me honrado na hora que eu preciso.
Agradeço aos meus pais, José Martins de Souza e Rosilda Monteiro de Souza, minhas
irmãs Janiérika Monteiro de Souza e Janaina Monteiro de Souza, que sempre juntos me
ajudaram na construção deste trabalho. Sem eles nada eu seria, de onde vem muita força,
muito incentivo e muito orgulho.
Agradeço a minha futura esposa, Denize Maria Leal Ramalho, pela companhia, pelo
entendimento necessário em todas as horas. Pela sua ajuda incansável, nas longas viagens até
João Pessoa. Com muito carinho e atenção sempre.
Agradeço ao meu orientador o Prof. Dr. Ivan Targino Moreira, por quem eu tenho
muita admiração, homem que ensina pelo exemplo. Nem nas horas mais difíceis pelas quais
passou, nunca abandonou a seriedade e o compromisso de seu trabalho, sempre me ensinando,
em tudo o que diz.
Agradeço a Eduardo N. Ferreira de Melo, pela ajuda na construção deste trabalho,
pelos grandes momentos de estudo, também a Arthur Monteiro Araújo, Denis Pereira da Silva
e José Regivaldo Leal Albuquerque, pelas companhias nas viagens até João Pessoa.
Agradeço aos meus colegas de mestrado, especialmente aos de Campina Grande,
David Luíz, Mônica Macedo e Jéssica Lima que me auxiliaram na construção deste sonho,
que agora realizo.
Agradeço a UFPB e ao PPGG, por terem me dado esta oportunidade, de conviver com
grandes professores como Emília Moreira, Ivan Targino, Marco Mitidiero, Maria Franco,
Bartolomeu, dentre outros. Grandes profissionais que só enriquecem esta caminhada.
Agradeço à todos os colaboradores desta pesquisa, as pessoas entrevistadas, que
contribuiram para a realização deste trabalho, e por terem me dado a oportunidade de mostrar
questões referentes ao meu povo.
RESUMO
A agricultura familiar no Brasil, historicamente preterida pelos poderes públicos, ainda é
importante em termos de geração de produto e de emprego. A resistência e recriação
camponesa é um fenômeno que tem desafiado pesquisadores de diversos campos do
conhecimento. O avanço do capitalismo no campo, embora tenha acelerado a concentração de
terras e expropriado pequenos produtores rurais, não conseguiu destruir completamente a
produção camponesa. A agricultura familiar no município de Lagoa Seca - PB encontra-se no
meio desse conflito. Um dos principais problemas enfrentado é a comercialização da sua
produção, dominada pela ação de atravessadores, que se apropriam do sobretrabalho. Deste
modo, as políticas públicas, voltadas para o mercado institucional, têm se mostrado atenuantes
deste processo de exploração. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que adquire
produtos diretamente da agricultura familiar para atender populações em situação de
vulnerabilidade social, emerge como elemento importante para esta forma de produzir
continuar resistindo e se recriando. Neste contexto, a pesquisa objetiva discutir as formas de
resistência e adaptação da agricultura camponesa em Lagoa Seca - PB, destacando o papel
desempenhado pelo PAA. A dissertação resgata o debate clássico e atual sobre a
desintegração do campesinato versus sua possibilidade de reprodução/recriação. Ressalta os
impactos das políticas públicas do governo federal no tocante à reprodução/recriação da
“agricultura familiar”. De modo particular analisa a ação do PAA em Lagoa Seca - PB como
alternativa a este processo. Utilizaram-se os seguintes procedimentos metodológicos:
levantamento bibliográfico; pesquisa documental sobre o programa; levantamento dos dados
censitários; e pesquisa de campo que compreendeu: visitas às unidades de produção e de
comercialização; realização de vinte e quatro entrevistas semiestruturadas com: produtores
familiares, atravessadores e responsáveis pelo programa no município. A análise efetuada
mostrou a importância do PAA para a sustentação da produção camponesa no munícipio
estudado, apesar de ainda ser restrita em termos de unidades produtivas beneficiadas e do
valor da cota de cada produtor.
Palavras-Chave: Agricultura familiar. Campesinato. Resistência. Lagoa Seca. Políticas
Públicas.
ABSTRACT
Family agriculture in Brazil, historically passed over by the government, it is still important in
terms of generating output and employment. The resistance and peasant recreation is a
phenomenon that has challenged researchers from various fields of knowledge. The advance
of capitalism in the countryside, although it has accelerated the concentration of lands and
dispossessed small farmers, failed to completely destroy peasant production. Family
agriculture in the city of Lagoa Seca-PB is in the middle of this conflict. A major problem
faced is the marketing of products, dominated by the action of middlemen, who appropriate
the surplus. Therefore, public policies, aimed at the institutional market, have proven
mitigating this process of exploitation. The Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),
which acquire products directly from family farms to help people in a social vulnerability,
emerges as an important element in this way to keep the production, resistance and recreating.
In this context, the research aims to discuss the forms of resistance and adaptation of peasant
agriculture in Lagoa Seca-PB, highlighting the role played by the PAA. The dissertation
brings back the classic and current debate about the disintegration of the peasantry versus
their ability to reproduce / recreate. It emphasizes the impacts of public policies of the federal
government regarding the resistance / recreation of "family agriculture". In particular it
analyzes the action of the PAA in Lagoa Seca-PB as an alternative to this process. The
following methodological procedures were used: bibliographical research; documentary
research on the program; survey of census data; and field research that included: visits to
production and marketing units. Also were made twenty-four semi-structured interviews with
family farmers, middlemen and the people responsible for the program in the city. The
analysis results showed the importance of the PAA for support of peasant production in Lagoa
Seca city, although still restricted in terms of benefit productive units and the value of the
quota of each producer.
Keywords: Family agriculture. Peasantry. Resistance. Lagoa Seca. Public policy.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 –
Localização do Município de Lagoa Seca - PB em relação à Paraíba.
61
Figura 02 –
Ruínas do Engenho Araticum, Sítio Araticum, Lagoa Seca................
66
Figura 03 –
Casa de Farinha de 1921- Sítio Oití, Lagoa Seca.................................
70
Figura 04 –
Produção de laranja - Sítio Oití - Lagoa Seca......................................
73
Figura 05 –
Produção de banana - Sítio Mineiro - Lagoa Seca...............................
74
Figura 06 –
Produção de feijão, Sítio Campinote - Lagoa Seca..............................
74
Figura 07 –
Aspectos da produção de alface e coentro - Sítio Alvinho - Lagoa
Seca......................................................................................................
75
Figura 08 –
Latadas de chuchu - Sítio Rosa Branca - Lagoa Seca..........................
75
Figura 09 –
Pequena criação de gado - Sítio Jucá do Cumbe - Lagoa Seca...........
76
Figura 10 –
Produção Agrícola por Região em Lagoa Seca...................................
76
Figura 11 –
Plantação alagada devido às fortes chuvas de junho de 2011 em
Lagoa Seca...........................................................................................
78
Figura 12 –
Reservatório seco devido ao período de estiagem de 2014..................
79
Figura 13 –
Agricultores familiares preparando o solo para cultivo.......................
79
Figura 14 –
Irrigação manual - Sítio Alvinho - Lagoa Seca....................................
80
Figura 15 –
Feira Agroecológica de Lagoa Seca.....................................................
97
Figura 16 –
Feira Agroecológica da UFCG, Campina Grande - PB.......................
97
Figura 17 –
Venda de bananas da cidade de Lagoa Seca na Empasa de Campina
Grande..................................................................................................
98
Figura 18 –
Caminhão dos atravessadores em Lagoa Seca.....................................
98
Figura 19 –
Agricultor prepara compostagem orgânica..........................................
100
Figura 20 –
Marcha das Mulheres pela agroecologia 2015, Lagoa Seca................
101
Figura 21 –
Aquisição de novas máquinas para produção no Sítio Retiro..............
126
Figura 22 –
Construção de pequenos criadouros - Sítio Lagoa do Barro - Lagoa
Seca......................................................................................................
126
Figura 23 –
Plantação agroecológica Sítio Jucá do Cumbe, Lagoa Seca................
128
Figura 24 –
Agricultor consome da própria plantação............................................
128
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 –
Lagoa Seca: Tamanho das propriedades rurais (2006).................... 81
Tabela 02 –
Lagoa Seca: Pessoa que dirige a propriedade (2006)......................
Tabela 03 –
Lagoa Seca: Agricultura familiar e não familiar (2006).................. 82
Tabela 04 –
Lagoa Seca: Produtores por sexo e idade (2006)............................. 83
Tabela 05 –
Lagoa Seca: Condição do produtor e nível de instrução (2006)...... 84
Tabela 06 –
Lagoa Seca: Utilização das terras (2006)........................................
Tabela 07 –
Lagoa Seca: Área plantada, quantidade produzida e valor da
82
84
produção de lavouras permanentes, por estabelecimentos
familiares e não familiares (2006)...................................................
85
Tabela 08 –
Lagoa Seca: Produtos da lavoura temporária (2006)....................... 86
Tabela 09 –
Lagoa Seca: produtos da horticultura (2006)................................... 86
Tabela 10 –
Lagoa Seca: Produção animal (2006)..............................................
Tabela 11 –
Lagoa Seca: Estabelecimentos que fazem uso da irrigação por
tipo de irrigação (2006)...................................................................
Tabela 12 –
87
88
Lagoa Seca: Número de estabelecimentos com uso de agrotóxico,
esterco e adubo (2006)..............................................................................
89
Tabela 13 –
Lagoa Seca: Uso de máquinas e implementos agrícolas.................
89
Tabela 14 –
Lagoa Seca: Pessoal ocupado por tipo de Agricultura (2006)................
90
Tabela 15 –
Comparação de preços de produtos da agricultura familiar (agosto
2015)................................................................................................
93
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 –
Tempo na agricultura dos não fornecedores........................................ 111
Gráfico 02 –
Forma de aquisição da terra dos não fornecedores.............................. 112
Gráfico 03 –
Forma de acesso à terra dos não fornecedores..................................... 112
Gráfico 04 –
Tamanho das propriedades dos não fornecedores...............................
113
Gráfico 05 –
Membros que trabalham nas propriedades dos não fornecedores.......
113
Gráfico 06 –
Propriedade de transporte por parte dos produtores............................
115
Gráfico 07 –
Tempo na agricultura dos fornecedores PAA...................................... 118
Gráfico 08 –
Forma de aquisição da terra dos fornecedores do PAA....................... 119
Gráfico 09 –
Forma de acesso à terra dos fornecedores do PAA.............................
119
Gráfico 10 –
Tamanho das propriedades dos fornecedores PAA.............................
120
Gráfico 11 –
Membros que trabalham na propriedade dos fornecedores PAA........
120
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 01 –
Produção do espaço geográfico agrário de Lagoa Seca - PB.......
Ilustração 02 –
Cadeia de comercialização da agricultura familiar de Lagoa
Seca...............................................................................................
49
93
Ilustração 03 –
Sequência da elaboração do projeto do PAA local....................... 107
Ilustração 04 –
Circuito da mercadoria do PAA entre o município e o destino
final...............................................................................................
108
LISTA DE SIGLAS
ASA - Articulação do Semiárido
AS-PTA - Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa
BSM - Brasil Sem Miséria
CAD-SUAS - Cadastro Nacional de Entidades do Sistema Único de Assistência Social
CEASA - Centrais de Abastecimento
CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento
COOPAF - Cooperativa da Agricultura Familiar
COOPACNE - Cooperativa de Projetos Assistência Técnica Capacitação do Nordeste Ltda.
CPRM - Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais
CRAS - Centros de Referência de Assistência Social
CREAS - Centros de Referência Especializada de Assistência Social
DAP - Declaração de Aptidão do Pronaf
EMPASA - Empresa Paraibana de Abastecimentos e Serviços Agrícolas
FHC - Fernando Henrique Cardoso
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IPCL - Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
ONG´s - Organizações Não Governamentais
PAA - Programa de Aquisição de Alimentos
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PIB - Produto Interno Bruto
P1MC - Programa Um Milhão de Cisternas Rurais
PNAE - Programa Nacional da Alimentação Escolar
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
REDESAN - Rede de Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição
SESAN - Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
SESC - Serviço Social do Comércio
SIDRA - Sistema IBGE de Recuperação Automática
STR´s - Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
UEPB - Universidade Estadual da Paraíba
UFCG - Universidade Federal de Campina Grande
15
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO..................................................................................................
17
2
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E TEÓRICOS..........................
23
2.1
Termos utilizados...............................................................................................
23
2.2
Categorias de análise.........................................................................................
23
2.3
O problema da pesquisa....................................................................................
26
2.4
Método e Metodologias......................................................................................
27
3
RECRIAÇÃO DA PEQUENA PRODUÇÃO E APONTAMENTOS
PARA UMA RESSIGNIFICAÇÃO DO CAMPESINATO FRENTE AO
CAPITALISMO.................................................................................................
30
A discussão clássica sobre o campesinato........................................................
31
3.1.1 O pensamento de Karl Marx sobre o campesinato..............................................
32
3.1.2 A visão dos marxistas ortodoxos..........................................................................
33
3.1.3 A visão dos marxistas heterodoxos......................................................................
35
3.2
A discussão brasileira sobre a extinção do campesinato................................
38
3.3
O atraso das políticas públicas para a agricultura familiar..........................
45
3.4
Espaço, políticas públicas e a agricultura camponesa....................................
46
3.4.1 A formação do PRONAF e outras políticas para a agricultura familiar............
50
3.4.2 Avaliações do PAA...............................................................................................
53
3.1
4
A
PRODUÇÃO
CAMPONESA
EM
LAGOA
SECA
E
SUA
COMERCIALIZAÇÃO....................................................................................
58
4.1
Aspectos geográficos do município de Lagoa Seca e início do povoamento.
60
4.2
Características do povoamento e formação do campesinato.........................
64
4.3
A produção familiar atual do município de Lagoa Seca................................
72
4.4
Aspectos da agricultura familiar segundo os dados do Censo
agropecuário do IBGE (2006)...........................................................................
81
4.4.1 Estrutura fundiária..............................................................................................
81
4.4.2 Estrutura organizacional das propriedades........................................................
82
4.4.3 Perfil do produtor quanto a sexo, idade, grau de instrução e condição do
16
produtor...............................................................................................................
83
4.4.4 Utilização das terras............................................................................................
84
4.4.5 Padrão tecnológico..............................................................................................
88
4.4.6 Pessoal ocupado..................................................................................................
90
4.5
As formas de comercialização da agricultura familiar do município de
Lagoa Seca..........................................................................................................
91
4.6
A Agroecologia como um processo de recriação camponesa.........................
99
5
A ATUAÇÃO DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS.......
103
5.1
A atuação do Programa de Aquisição de Alimentos no Brasil......................
103
5.1.1 Objetivos e Modalidades do PAA........................................................................
104
5.1.2 Os beneficiários do Programa de Aquisição de Alimentos.................................
105
5.2
O funcionamento e a visão dos responsáveis pelo PAA no município..........
105
5.3
As características e a visão dos não beneficiários do PAA.............................
110
5.4
As características e a visão dos beneficiários do PAA....................................
118
5.5
Resistência e recriação camponesa a partir do PAA......................................
130
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................
132
REFERÊNCIAS.................................................................................................
137
APÊNDICE.........................................................................................................
143
17
1. INTRODUÇÃO
Apesar das exigências da atual sociedade de mercado, que estão relacionadas ao
desenvolvimento da tecnologia, à especialização da força de trabalho e à lógica produtivista
(exigências que são fomentadas pelas particularidades da Terceira Revolução Industrial e que
têm seus desdobramentos em todos os setores da economia mundial, inclusive na agricultura),
mesmo assim, a realidade da produção camponesa continua importante, permanecendo na
pauta das pesquisas e dos estudos acadêmicos.
Contrariamente às previsões de alguns pesquisadores, a agricultura de base camponesa
permanece sendo importante para alimentar pessoas em todo o globo terrestre e para gerar
emprego e renda para um número significativo de pessoas (OLIVEIRA, 2013). Sua estrutura
contraditória chama a atenção de vários pesquisadores que se debruçam sobre suas nuances. A
sua resistência e recriação mesmo submetida a um comércio predatório é uma delas. Na
verdade, a agricultura camponesa está presente em todo o mundo, em diversos graus de
articulação com o mercado. E também atuando como força política em diversas sociedades
(WOLF, 2003). Desta forma, a agricultura camponesa se mostra responsável pela reprodução
da vida de milhões de famílias no Brasil e em outras partes do mundo, sendo assim basilar
para a economia, pois responde por parte significativa da produção de alimentos e de matérias
primas.
No Brasil, apesar das particularidades regionais existentes, pela dimensão continental
e pela heterogeneidade das formas de produção, os dados do censo agropecuário do IBGE de
2006 apontam para essa significação. Segundo eles, foram identificados 4.367.902
estabelecimentos de caráter familiar, o que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros.
Muito embora esta quantidade seja bastante expressiva em termos de número dos
estabelecimentos, a agricultura familiar utiliza 80,2 milhões de hectares, ou seja, 24,3% da
área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Além disso, é, sem dúvida, o
tipo de agricultura que mais mantém as pessoas ocupadas no Brasil. Foram registradas 12,3
milhões de pessoas vinculadas a esse tipo de organização, representando 74,4% do pessoal
ocupado no setor agropecuário nacional. Apesar de cultivar uma área menor com lavouras e
pastagens (17,7 e 36,4 milhões de hectares, respectivamente), a agricultura familiar é
responsável por garantir boa parte da alimentação do nosso país (EVANGELISTA, 2000).
Este tipo de agricultura mesmo sendo tão importante para o país, contraditoriamente,
não oferece à maioria destes pequenos produtores uma qualidade de vida digna, sendo estes
muitas vezes relegados à própria sorte da economia competitiva de mercado e condenados a
18
viver de forma precária. Esta relação é que os leva, na maioria das vezes, a depender das
políticas públicas de transferência de renda direta, destinadas a prover principalmente a
alimentação, ao mesmo tempo em que produzem alimentos para sustentar o país.
É importante ressaltar que esse grande contingente de unidades de produção
camponesa possui uma lógica própria de organização e de reprodução, um modo de viver, de
produzir e de reproduzir-se no espaço de forma diferente, não obedecendo à lógica da
acumulação capitalista. Entretanto, ela tem sofrido, historicamente, fortes influências na sua
dinâmica interna em decorrência das suas articulações com o mercado. A questão central que
tem sido colocada pelos estudiosos é como essa articulação afeta a produção familiar, no
sentido de determinar ou não sua extinção, ou se a partir dessa articulação o capital subordina
essa forma de organização da produção aos seus interesses de reprodução e de acumulação,
mas preservando-a. Em outras palavras, como o campesinato resiste aos ditames do mercado,
se reproduzindo ou se recriando. Julga-se, portanto, relevante discutir a dinâmica e as
particularidades dessa articulação, e sua importância para a manutenção da qualidade de vida
das famílias camponesas.
A pressão dos movimentos populares tem exigido do Estado ações que forneçam
melhores condições estruturais para os pequenos produtores. Dentre uma série de conquistas
dos movimentos sociais, estão as políticas públicas que redefinem a posição dos sujeitos
sociais envolvidos, dando-lhes formas de poder diferenciada que repercutem no tempo e no
espaço. Estas políticas públicas são alvos de muitos estudiosos da lógica camponesa e, por
extensão, da ordem econômica, já que, indubitavelmente, interferem não somente em escala
local, mas tem peso relevante, também, no contexto macroeconômico.
Imerso na vivência da pequena agricultura desde os primeiros anos de idade, na zona
rural do município de Lagoa Seca, na Paraíba, o autor deste estudo desde cedo teve o interesse
despertado para compreender as relações internas da comercialização daquela forma de
produção, pois afetava a vida de um grande contingente de pessoas, boa parte delas sempre
insatisfeita com o aviltamento dos preços dos produtos. Chamava-lhe a atenção sempre os
assuntos que estivessem ligados às questões relacionadas com a dinâmica de produção
camponesa, em particular com a sua integração com o mercado.
Durante o curso de Licenciatura Plena em Geografia, na Universidade Estadual da
Paraíba, o autor foi envolvido nas discussões relativas ao campesinato. Assim, conseguiu
consolidar o interesse pela forma de ser camponesa, focalizando principalmente na
comercialização dos produtos. Ao final de 2011, produziu um trabalho monográfico sobre a
relação entre os produtores e atravessadores na comercialização da agricultura familiar de
19
Lagoa Seca. Na oportunidade, foi realizada pesquisa durante seis meses, centrada na
observação dos preços das mercadorias nas comunidades rurais de Lagoa Seca - PB,
comparando-os com os preços praticados nas feiras mais próximas. Para a execução desse
trabalho, utilizou-se também técnica de aplicação de questionários e de realização de
entrevistas com representantes de vinte e cinco unidades familiares, em quatro comunidades
rurais diferentes.
Nesse estudo de Souza (2011), constatou-se uma grande diferença entre os preços
pagos pelos atravessadores e os praticados nas feiras livres. Eles compravam a mercadoria a
um preço muito barato, de tal forma que subordinavam toda a produção familiar,
sobrecarregando a unidade familiar de carências econômicas. Em consequência, muitas
pessoas eram levadas a deixar a unidade familiar para integrar-se na economia urbana como
mão de obra barata, na indústria ou no comércio. Os produtos eram revendidos por um preço
elevado em outras feiras, constituindo-se como mecanismo central de extração do
sobretrabalho realizado na unidade camponesa. Por outro lado, isso ocasionava uma
percepção ilusória por parte da sociedade de que os pequenos produtores estavam ganhando
bem.
Entretanto, a ação desses atravessadores era condição importante para que o pequeno
produtor tivesse acesso ao mercado e, assim, garantisse seu sustento. Pois estes eram quase
que a única forma viável de escoar a produção. Sem escolaridade, sem conhecimento de
mercado, sem acesso ao crédito e sem transporte, o produtor familiar situa-se como refém da
estrutura comercial capitalista. Embora alguns produtores se utilizem da venda direta, isso não
se aplica à maioria dos camponeses, devido à perda contínua de espaços e canais de
comercialização.
Este primeiro estudo possibilitou uma discussão importante sobre a exploração
imposta pelos comerciantes aos pequenos produtores. Fato que já era observado no cotidiano,
mas que pôde ser comprovado, cientificamente, gerando interesse maior de aprofundar os
conhecimentos sobre a comercialização da agricultura familiar e por consequência o papel dos
atravessadores neste comércio. Após a defesa do trabalho monográfico, a pesquisa fomentou
vários artigos em torno dessa mesma discussão, levando a concluir que a comercialização da
agricultura familiar no município de Lagoa Seca era o seu principal problema, mas, mesmo
assim, não se constituía em impedimento para que os camponeses continuassem resistindo e
recriando-se.
O contato com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal,
que compra produtos diretos da agricultura familiar para fornecer à diversas instituições
20
públicas, fez despertar o interesse do autor por esta forma de ação pensada a partir do Estado
capitalista. Essas políticas públicas geram repercussões nas formas de produção que não
obedecem totalmente às formas capitalistas de produção. Vários estudos têm constatado a
importância dessas políticas públicas no processo de resistência camponesa (ZIMMERMAN e
FERREIRA, 2008; MATTEI, 2015). Fica evidenciada a ação contraditória do Estado: se, de
um lado, consolida a estrutura de mercado capitalista, por outro, propicia condições para a
reprodução camponesa.
No município estudado, as conversas entre os produtores giram sempre em torno do
preço pago pelos atravessadores e a diferença entre os que são pagos nas feiras e, atualmente,
nos supermercados, tendo em vista que a demanda por produtos agrícolas tem aumentado
bastante nos últimos anos, seja pelo aumento da população seja pela busca de alimentos mais
saudáveis, além do compromisso mais atual com a segurança alimentar.
Portanto, o assunto em discussão é basilar para entender as contradições das formas
em que se dá o comércio da agricultura camponesa em Lagoa Seca, elemento essencial para a
compreensão dos processos de resistência dessa forma de organização produtiva. Nessa
perspectiva, o presente trabalho pretende ser um instrumento para a discussão em associações
e sindicatos de trabalhadores rurais do próprio município e, assim, subsidiar a ação da
Secretaria de Agricultura e Planejamento Municipal.
Por fim, não se deve esquecer que essa realidade não é específica do município de
Lagoa Seca, mas constitui um dos principais problemas da agricultura familiar brasileira. Ela
condiciona o desenvolvimento da realidade local de muitos municípios, particularmente do
comércio local dos pequenos municípios, provocando muitas perdas para uma parcela ainda
significativa da população. Desse modo, estudar o local pode lançar luzes para o
entendimento do contexto da produção familiar de base camponesa no contexto estadual,
regional e nacional. Nessa medida, pode trazer contributos para o entendimento dos fluxos
migratórios de origem rural, pois muitos agricultores são repelidos da sua região de origem
por não terem recursos suficientes para aí sobreviverem.
Sem dúvida, interessa que se melhorem as condições estruturais da produção
camponesa, dando-lhes melhores condições de trabalho e oportunidades, inclusive por parte
do Estado. Mas, claro, sem destruir todo um modo de vida que historicamente não obedeceu
aos ditames do capitalismo e sobreviveu até os dias atuais, adaptando-se aos movimentos
cíclicos do mesmo. É importante destacar que as condições estruturais da organização da
agricultura camponesa em Lagoa Seca e em diversos locais do Brasil estão longe de serem
consideradas exemplares, em termos de uma distribuição mais equânime da renda e,
21
consequentemente, de acesso à melhor qualidade de vida dessas populações. Fatores tanto de
ordem econômica, quanto social e natural afetam essas condições estruturais. Historicamente,
as terras ocupadas por esse segmento produtivo foram as marginais aos sistemas produtivos
dominantes e explorados por produtores de mais baixo nível educacional e de poder
aquisitivo. (WANDERLEY, 1979).
Desta forma, esta pesquisa objetiva discutir as formas de resistência e adaptação da
agricultura camponesa em Lagoa Seca, destacando o papel desempenhado pelo PAA. Além
desse objetivo geral, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos.
a) resgatar o debate clássico sobre a desintegração do campesinato, bem como sua
possibilidade de reprodução/recriação;
b) resgatar as contribuições de autores brasileiros sobre a temática;
c) discutir a construção e os impactos das políticas públicas do governo federal no
tocante ao contexto de reprodução/recriação da agricultura familiar;
d) discutir a partir da compreensão do território, a ação do Programa de Aquisição de
Alimentos em Lagoa Seca como alternativa a este processo.
Tendo em vista atender os objetivos acima estabelecidos, a dissertação está dividida
em cinco seções, além desta introdução, a saber:

A primeira refere-se aos procedimentos metodológicos adotados, especificando as
categorias principais de estudo, os principais conceitos, a descrição e justificativa do
método e das suas metodologias.

A segunda trata de aspectos teórico metodológicos do trabalho, destacando os
conceitos, as categorias de análise, o problema e os procedimentos metodológicos.

A terceira aborda o debate da questão camponesa a partir dos autores clássicos.
Também é feita uma recuperação das contribuições recentes de alguns autores que
procuraram entender, tanto no Brasil quanto no mundo, como a classe camponesa
responde aos avanços do capitalismo, se recriando e se ressignificando.

Na quarta, busca-se entender como o campesinato se organiza no município em sua
teia de relações com o mercado. Nesse capítulo, consta uma descrição da geografia
do mesmo e de sua composição histórica, buscando-se, concomitantemente,
recuperar a origem do seu campesinato, as suas produções específicas, bem como as
22
principais tendências de integração no comércio entre pequenos produtores e
atravessadores.

Na quinta, procura-se analisar como funciona o PAA no município e o que ele tem a
oferecer como melhoria de renda para a classe trabalhadora, enquanto elemento de
sua recriação ou ressignificação, conforme discutido na seção dois. Esta análise está
fundada na pesquisa de campo.

Na última seção, faz-se uma retomada das principais conclusões da pesquisa, como
também os apontamentos para os trabalhos futuros e as principais questões de
prosseguimentos da pesquisa como aquelas que não foram possíveis de aferir ou
responder no trabalho.
23
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E TEÓRICOS
Nesta pesquisa, preferiu-se expor em separado para o melhor entendimento os
procedimentos metodológicos utilizados.
2.1 Termos utilizados
Primeiramente, é importante esclarecer que nesta optou-se por utilizar os termos
“agricultura camponesa” e “agricultura familiar” como equivalentes, mesmo aceitando que a
nomenclatura “agricultura familiar” seja um termo, que embora conste nos textos clássicos,
teve uma divulgação mais recente, popularizada pela quantidade de pesquisas acerca do
PRONAF, e não como um desdobramento/evolução da agricultura camponesa. Entendemos
que ela é capaz de se adequar de diferentes formas no tempo e no espaço. Do mesmo modo,
se utilizou como sinônimos “pequeno produtor”, “produtor camponês” e “produtor familiar”,
gestor familiar da unidade de produção.
Além disso, utilizaram-se os termos “atravessador” e “intermediários” como
equivalentes, para designar os comerciantes que podem ser pessoas ou instituições que
compram a mercadoria direta do produtor e a revendem para o consumidor final ou para
outros estabelecimentos e que são bastante comuns no comércio da agricultura familiar da
maior parte dos municípios da Paraíba. Boa parte deles se aproveita da vantagem de obter um
transporte de carga, o que facilita a sua locomoção para feiras e supermercados de outras
cidades maiores.
2.2 Categorias de análise
Do ponto de vista teórico, foram escolhidas como categorias principais do estudo:
espaço geográfico, território e campesinato.
Entende-se o espaço geográfico, dentro da perspectiva da geografia crítica, perspectiva
que nasce contrária à corrente neopositivista, que considerava o espaço de forma autônoma e
homogênea. A corrente crítica teve influência de quatro tendências: a anarquista, influenciada
pelo pensamento de Réclus e Kropotkin; a popular-radical, que defende o contato direto dos
geógrafos com as populações das áreas e bairros a serem investigados; a geografia voltada
para o terceiro mundo, que se debruça sobre os estudos particularmente sobre o imperialismo;
e a de orientação marxista, fundamentadas na obra de Marx e Engels, que se baseia na procura
24
de pressuposto teórico para o entendimento da sociedade dentro do sistema capitalista.
(MOREIRA, 2010)
Nesta pesquisa, considera-se o espaço como um produto histórico-social, fruto da
evolução da sociedade, das lutas de classe, da produção humana como um todo, articuladas
nas materializações das formações econômico-sociais e que se sucederam ao longo do tempo.
Sobre o conceito de espaço concordamos com a abordagem de Saquet, quando afirma:
[...] como um produto da dinâmica socioespacial, ou seja, das relações sociais que os
homens mantêm entre si, com a natureza nata (meio natural, sua natureza exterior) e
consigo mesmo, com sua natureza interior. Este espaço é dia-a-dia reproduzido
através do trabalho e demais atividades do homem e revela as contradições e
desigualdades sociais. Espaço, simultaneamente, resultado e condição dos processos
sociais. (2002, p. 14-15).
A escolha da categoria espaço para o embasamento da pesquisa prende-se ao fato dela
possibilitar a reflexão crítica sobre o processo de produção e evolução do próprio espaço ao
longo do tempo histórico. Na construção teórica dessa categoria, destacam-se as contribuições
de Léfèbvre que influenciaram significativamente o trabalho de Milton Santos.
Para Henry Léfèbvre (1974), há uma relação intrínseca entre o tempo histórico e o
espaço, sendo que este último é um produto social. Milton Santos (1980) é influenciado pelas
ideias de Léfèbvre, e o define como “testemunho” e ao criar expressões como “rugosidades do
espaço” ele admite a historicidade, e o espaço como um produto que materializa as formações
sociais que estão presentes nas paisagens (SANTOS, 1997). Espaço e território estão
imbricados, um não existe sem o outro, há uma relação de produção de tal forma que as
relações de poder se materializam no próprio espaço. No caso da pesquisa, o espaço está
submetido ao processo de exploração característico do sistema capitalista.
Se levarmos em conta que nas sociedades estruturadas no modo de produção
capitalista, o espaço acha-se antes de tudo subordinado às necessidades de
acumulação de capital (produção de mais-valia) e que este processo de acumulação é
desigual (ele se dá de forma diferenciada quer entre setores da atividade, quer entre
as diversas regiões do mesmo país), concluiremos que o espaço, enquanto produto
das necessidades de acumulação, sofre as diferenciações decorrentes desse processo.
Pode-se mesmo afirmar que a cada forma assumida pelo processo de acumulação,
corresponde uma forma regionalmente diferenciada de organização espacial.
(MOREIRA e TARGINO, 2014, p. 8).
Entende-se que o espaço é reflexo e produto social dinâmico das relações
estabelecidas pelas classes sociais e suas territorialidades. Estas são manifestadas de forma
latente ou de forma simbólica pela desigualdade de poder entre as classes. A luta
25
classista/territorial se materializa no espaço, na verdade, dizendo de outro modo, ela produz o
espaço.
Quanto à opção pela categoria território, ela explica-se por destacar as relações de
poder como elementos centrais da sua constituição. A recuperação dessa categoria de análise
foi feita a partir das contribuições de Raffestin (1993), Léfèbvre (1974) e Souza (2001). Estes
autores comungam da ideia de poder como elemento central na construção da categoria
território.
Paul Claval (1999) identifica três eixos na análise do território. Um eixo é o do poder,
com ênfase no Estado-Nação (apropriação do espaço por um grupo). Outro eixo é a da
realidade social, onde entra a questão da naturalização do território e a abordagem crítica e
marxista do espaço (território). O terceiro eixo diz respeito aos símbolos e à representação, ou
seja, à dimensão simbólica do território, entendido como espaço vivido.
Robert Sack (1986) afirma que território implica controle do acesso, neste caso os
territórios são formas socialmente construídas de relações sociais e seus efeitos dependem dos
sujeitos sociais que controlam e dos seus propósitos.
Segundo Rogério Haesbaert e Ester Limonad (1999), existem basicamente três
abordagens conceituais de território:
1. Abordagem jurídico-política (majoritária na Geografia) que considera o território no
âmbito do Estado-Nação e as diversas organizações políticas envolvidas;
2. Abordagem culturalista, que considera o lugar, o cotidiano e a identidade dos atores
para com o território;
3. Abordagem econômica, que trata da divisão territorial do trabalho, classes sociais e
relações de produção no território.
No caso específico deste estudo, preferimos optar pela terceira abordagem, a
abordagem em que se sublinha o conflito entre trabalho e capital que se manifesta através dos
atravessadores, que extraem o excedente da produção dos camponeses, sujeitando-a ao
capital. De acordo com Saquet:
Há um movimento da sujeição do trabalhador assalariado ao capital, no movimento
de autovalorização deste. No caso do trabalho familiar, agrícola e/ou artesanal, o
mesmo processo se dá, porém, disfarçadamente, através de elementos/forças
mediadoras, ou seja, através das relações que o produtor familiar mantém com os
emissários dos capitais comercial, industrial e financeiro. (SAQUET, 2002, p. 27).
Alguns autores definem o território a partir da ideia de conflito entre as classes/forças
sociais e as estruturas de poder daí decorrentes. Essas formas produzem não só o território,
26
mas estabelecem suas territorialidades. Esses conflitos resultam das formas de exploração e
subordinação do trabalho próprias do modo de produção capitalista; com efeito, entende-se a
dinâmica da acumulação capitalista como desigual e contraditória, que precisa de formas de
produção não necessariamente capitalistas para se desenvolver. Uma delas é a forma de fazer
camponesa.
Quanto ao conceito de campesinato, precisa-se, primeiramente, pensá-lo como um
modo de vida e como classe social que tem pressupostos de produção próprios, articulados
com o tamanho da família, que se adapta e se readapta aos modos de produção em diversas
temporalidades, como ressaltou Chayanov (1981). O uso do conceito de campesinato aqui é
colocado, previamente, ao definir os camponeses como classe social. Com efeito, a pesquisa
aborda o campesinato dentro do sistema capitalista nas suas relações de poder com as classes
dominantes, ou seja, suas territorialidades nas formas de resistência e recriação. O conceito de
campesinato e o seu desaparecimento frente ao sistema capitalista foi estudado por diversos
estudiosos que serão expostos no trabalho. Ressalta-se que este conceito não é atemporal nem
estático, e está em permanente evolução.
Uma contribuição que se observa na retomada do conceito de camponês em novos
estudos sobre a questão agrária é devida a Sevilla e Molina (2013), autores que fazem uma
análise do campesinato na antiga tradição dos estudos sobre os camponeses e na nova
tradição, que destaca a contribuição do campesinato para a agroecologia.
Procura-se entender na pesquisa o processo de recriação da produção camponesa
frente à exploração sofrida pelo capitalismo. Admite-se que a exploração é inerente ao
processo de produção capitalista e que a exploração de outras formas de produção é
necessária, ou seja, o sistema capitalista sobrevive de uma acumulação primitiva constante.
Entretanto, há outro processo que é o da recriação camponesa que acontece como fruto da luta
política das entidades camponesas, traduzidas tanto em políticas públicas quanto na retomada
da forma de produzir que lhe é característica, processo pelo qual observamos sempre nas
crises cíclicas do capital.
2.3 O problema da pesquisa
Manipulados via preço dos produtos, os produtores são vítimas de um comércio
predador que se materializa no espaço geográfico estudado, o município de Lagoa Seca. Esse
comércio também passa a ser elemento de desintegração do campesinato, pois expropria o
27
camponês do seu excedente, impedindo-o de expandir a sua produção e de melhorar as
condições de vida e de produção da unidade camponesa.
Por outro lado, a venda aos atravessadores é a principal forma de comercialização que
garante a manutenção das pequenas unidades familiares no município. Sem os atravessadores,
é praticamente impossível escoar toda a produção, por isso a dependência. O comércio da
produção agrícola é a principal interligação entre a forma de produção camponesa e o modo
de produção capitalista no município estudado, nesse caso a forma de fazer não capitalista
contribui para a acumulação de capital por parte da classe burguesa.
Com a implantação do Programa de Aquisição de Alimentos, por exemplo, há um
novo redesenho desse processo, só que via ação estatal, que possibilita a mediação do Estado
neste comércio. Esta nova possibilidade de comércio pode fornecer aos camponeses algumas
alternativas à exploração sofrida no comércio com os atravessadores, reforçando
características do próprio campesinato. Os pequenos produtores rurais de Lagoa Seca têm se
deparado com as explorações sofridas no processo de comercialização do seu produto, seja
pelo aviltamento do preço de seus produtos, seja simplesmente pelo fato de alguns
atravessadores não pagarem pelos produtos negociados.
Nas discussões teórico-metodológicas realizadas ao longo do curso, compreende-se a
abordagem dialética como aquela que pode fornecer um maior suporte para as análises. A
dialética vê a realidade como algo que precisa ser compreendido, a partir de sua relação com o
todo. O materialismo histórico dialético principalmente tem como um princípio básico que “a
ideia materialista do mundo reconhece que a realidade existe independentemente da
consciência” (TRIVIÑOS, 1987, p. 50), sendo assim, a realidade se constitui a priori como
matéria em si, para depois desenvolver a consciência do que é vivido.
O estudo sobre relações de classes sociais como aqui é estabelecido não pode
desmerecer esta abordagem, julgada como a que melhor permite o entendimento do processo
conflituoso das classes sociais dentro dos modos de produção e das formações
socioeconômicas.
2.4 Método e metodologias
Considerando que “a metodologia da pesquisa deve esclarecer os métodos que serão
utilizados para que o problema proposto seja respondido”, e que seus “métodos dizem
respeito ao caminho à estrutura metodológica que será adotada” (MALHEIROS, 2011, p. 71),
é necessário que se descreva o processo metodológico da referida pesquisa.
28
Tendo em vista estudar a realidade da reconfiguração territorial da comercialização da
agricultura familiar em Lagoa Seca, foram adotados os seguintes procedimentos:
a) Pesquisa bibliográfica: o levantamento bibliográfico acerca da temática abordada
permitirá a construção do referencial teórico sobre a agricultura campesina ou
familiar a partir dos teóricos clássicos e seu desdobramento no Brasil e relacionar,
posteriormente, as pesquisas do município estudado, bem como proporcionará fazer
um diagnóstico da realidade da pequena produção familiar em Lagoa Seca em sua
contextualização histórico-temporal e com o Programa de Aquisição de Alimentos;
b) Pesquisa documental sobre a Política de Aquisição de Alimentos (PAA), adotada
pelo governo federal, no contexto do Programa Fome Zero. Esta pesquisa, é
“utilizada quando existe a necessidade de se analisar, criticar, rever ou ainda
compreender um fenômeno específico ou fazer alguma consideração que seja viável
com base na análise de documentos” (MALHEIROS, 2011, p. 86). Essa é basilar
para entender o funcionamento do Programa no Brasil e no município, tendo em
vista que o mesmo programa é previsto e regulado com base no artigo 19 da Lei
10.696/2003.
c) Levantamento de dados estatísticos: para elaborar o contexto da agricultura familiar
de base camponesa no município, serão levantados os dados fornecidos pelo Censo
Agropecuário de 2006 e de 1995/96; serão levantadas informações a respeito da
estrutura fundiária municipal, a composição da produção agrícola e pecuária, as
relações de trabalho e a base técnica de produção.
d) Pesquisa de campo: realizou-se uma pesquisa de campo que compreendeu:
I-
Visitas às unidades de produção e às unidades de comercialização para levantamento
das condições de intermediação da produção; durante elas realizaram-se vinte e
quatro entrevistas semiestruturadas (veja roteiro em anexo): dez com os pequenos
produtores atendidos pelo PAA; dez com produtores não beneficiários; duas com
atravessadores, no sentido de levantar as condições reais da produção e da
comercialização do produto; foram também entrevistados dois responsáveis pelo
PAA no município. As entrevistas, como instrumento de pesquisa, foram escolhidas
visando sua vantagem de permitir como nenhuma outra técnica, a captação da
informação desejada. “Uma entrevista bem-feita pode permitir o tratamento de
assuntos de natureza estritamente pessoal e íntima, assim como temas de natureza
complexa e de escolhas nitidamente individuais.” (LUDKE, 1986, p. 34); As
entrevistas foram gravadas e arquivadas em modo de transcrição. Os agricultores que
29
foram entrevistados compreendem os grupos de agricultores aptos ao Programa
conforme o previsto na Lei 10.696/2003.
II-
Visita aos lugares de comercialização dos produtos para identificar as formas de
venda direta ao consumidor, os apoios institucionais recebidos nesse processo, as
condições de comercialização, a periodicidade dessas vendas, etc. Visitas informais
junto aos produtores e aos intermediários para levantar as condições de produção
(organização da produção, canais de comercialização, ação dos intermediários,
condições oferecidas pelo PAA, articulação com os órgãos públicos adquirentes dos
produtos, formas organizativas e articulação com grupos de assessorias, etc.);
Quantitativamente distribuiu-se assim o número de entrevistas realizadas ao
total de 24 entrevistas semiestruturadas, sendo:

02 com responsáveis diretos pelo PAA no município.

10 com agricultores beneficiários do PAA.

10 com agricultores não beneficiários do PAA.

02 com intermediários do município.
e) Registro das atividades de campo: todas as etapas das atividades de campo foram
registradas através de fotografias, anotações e gravações.
f) Tratamento e apresentação dos dados: Os dados levantados foram trabalhados com
base na estatística descritiva e serão apresentados sob a forma de tabelas e gráficos.
30
3. RECRIAÇÃO DA PEQUENA PRODUÇÃO E APONTAMENTOS PARA UMA
RESSIGNIFICAÇÃO DO CAMPESINATO FRENTE AO CAPITALISMO
A recriação da pequena produção camponesa e sua forma de fazer é colocada em
cheque pelas transformações e avanços da ação do capitalismo. Esta forma de agir tende à
uniformização das relações de produção no campo, assemelhando-as às da indústria, como,
por exemplo, a transformação de algumas propriedades camponesas em verdadeiros
estabelecimentos industriais, com a proletarização e assalariamento da força de trabalho.
É bem verdade que existe uma mudança significativa que vem sendo sentida no
campo, através da ação do capitalismo. Pequenos produtores não resistem ao comércio
predatório, advindo da concorrência, e a expansão fundiária das grandes propriedades e
acabam migrando para outras atividades. A sustentabilidade das pequenas propriedades
camponesas não está centrada na lucratividade evidentemente, mas em uma forma de
organização própria que vem sendo subordinada pelas relações comerciais ao capital.
O comércio é a ligação principal da forma de fazer camponesa com o mundo
capitalista de produção. Há uma subordinação do pequeno produtor ao comerciante quando o
atravessador, por exemplo, paga pelo produto uma quantidade ínfima, ele está explorando a
força de trabalho do pequeno produtor via preço do produto. Esta relação é peculiar ao modo
de produção capitalista que precisa explorar outras formas de produção para sobreviver, como
ressaltou Luxemburgo (1985).
Atualmente, é destacado o papel da agricultura familiar na economia brasileira seja
como fonte de abastecimento do mercado interno, contribuindo para a segurança alimentar,
seja como garantia da geração de empregos diretos. Mas, esta forma de produzir precisa se
sustentar para garantir o bom funcionamento dentro do quadro atual da economia. É preciso
dar melhores condições aos pequenos produtores para resistirem às pressões impostas pelo
comércio exploratório.
A família está completamente subordinada à lógica da pequena produção. Em algumas
delas, há aqueles que trabalham até fora do lócus de produção, em atividades que se
constituem em trabalhos acessórios, que auxiliam na renda gerada pela pequena produção,
pois muitas vezes ela não é suficiente. É sabido que é preciso condições extremas de pobreza
para que o camponês se desapegue da sua fonte de sustento, para migrar para outras
atividades, já que este tem um apego simbólico e de sobrevivência com a terra.
É preciso lembrar que o debate sobre a recriação ou o desaparecimento parcial ou total
das pequenas unidades produtoras é já bastante antigo e o campesinato também atua de forma
31
dinâmica respondendo a estes processos. O conhecimento do pensamento dos autores
clássicos como Karl Marx, Karl Kautsky, Vladimir Lênin, Alexander Chayanov e Rosa
Luxemburgo sugerem uma base instigante para o debate sobre a atual forma de pensar a
sustentabilidade das pequenas propriedades e principalmente fomentar uma perspectiva crítica
sobre as ações dos poderes públicos na atualidade.
Já a literatura brasileira conta com vários autores que dedicaram suas pesquisas a
aprofundar este debate e adequá-lo à realidade brasileira, são exemplos: Ricardo Abramovay,
Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Bernardo Mançano Fernandes, dentre outros. É bem
verdade que a maior parte da produção destes autores é voltada para áreas onde a produção
camponesa é fruto da luta pela terra em assentamentos rurais, fato que dificulta um pouco a
relação com a forma de campesinato adaptada ao município de Lagoa Seca. Nesse município,
historicamente, a estrutura fundiária é caracterizada pelo minifúndio advindo da subdivisão
dos lotes por herança. Essa tradição de passagem da propriedade e as características da
própria produção e formas de produção se alinham ao modo camponês de ser e fazer. Sob esta
ótica é importante ressaltar o pluralismo do campesinato brasileiro colocado por Carvalho
(2005), onde há no Brasil uma incapacidade de contabilizar todos os camponeses, pela
pluralidade de formas de uso da terra, suas formas de fazer, suas diferentes nomenclaturas,
suas origens e seus graus de articulação com o mercado, etc.
O objetivo desse capítulo é resgatar, através do levantamento teórico de alguns dos
principais clássicos, os olhares sobre a sustentabilidade da pequena produção camponesa e de
como se atualizam seus pensamentos numa visão ressignificada do campesinato.
3.1 A discussão clássica sobre o campesinato
O século XIX provocou grandes mudanças no campo, sobretudo, por causa do processo
de subordinação da agricultura à lógica da acumulação do capital. Este fato trouxe à tona uma
série de discussões sobre a possibilidade ou não de permanência das formas camponesas de
organização da produção. Podem ser identificadas duas correntes de opiniões a esse respeito: de
um lado, os que advogavam o fim do campesinato tais como Karl Marx, Karl Kautsky e
Vladimir Lênin, e, de outro lado, os que defendiam a possibilidade de permanência dessa forma
de produção, a exemplo de Rosa Luxemburgo e Alexander Chayanov.
32
3.1.1 O pensamento de Karl Marx sobre o campesinato
Quanto às posições de Marx sobre a recriação da pequena agricultura em vista do avanço
capitalista, é importante compreender os estágios da trajetória intelectual deste. Além disso,
sabe-se que o campesinato não foi objeto principal de sua análise embora esteja atrelado às
transformações do sistema de acumulação do capital. Para Correia (2011), é preciso dividir a
posição do autor em três momentos históricos diferentes: a) na juventude; b) na maturidade; e c)
no último Marx. Para entender o pensamento do próprio Marx é indispensável recordar o seu
tempo de vida. Viveu de 1818 a 1883, morrendo aos sessenta e quatro anos, analisando as
realidades principalmente da Inglaterra, da Alemanha e da França.
Ao primeiro Marx, pertencem os escritos de sua juventude que vão de 1840 a 1843.
Nessa fase ele é influenciado pelo idealismo de Hegel, mais particularmente pela esquerda
Hegeliana. Este ainda não estava convertido ao comunismo e direcionou seus estudos para as
mudanças da concepção de estado e política. Ainda no início da sua produção intelectual,
analisou a exploração das classes subalternas pela burguesia. A primeira relação de Marx com o
campesinato se dá na defesa dos viticultores de Mosella, mostrando certa preocupação com a
ordem vigente.
Os primeiros esforços de compreensão da questão agrária e camponesa
foram feitos pelo próprio Marx quando, ainda no primeiro período de sua
vida, realizou um estudo sobre a situação de miséria dos viticultores de
Mosella, ocasião em que assumiu a defesa dos camponeses, exigindo do
governo providências urgentes para solucionar o problema. (FABRINI e
MARCOS, 2010, p. 9).
Entretanto ele ainda não tinha, nesta fase, um pensamento sistematizado sobre o
funcionamento do capitalismo e da economia política, mas já apontava ao governo um início da
deterioração das condições de vida de famílias camponesas. Este ainda não identificava o
camponês como um ser atrasado, extremamente conservador e antirrevolucionário.
No segundo Marx, período da sua maturidade entre 1844 e 1870, o campesinato
reaparece na visão do autor ao estudar o modo de produção capitalista. Ao dissecar o processo de
acumulação, Marx identifica a separação do produtor direto em relação aos meios de produção e
a transformação desses últimos em capital como a origem de todo processo de acumulação
(MARX, 1975). Liberto dos meios de produção, o campesinato e os artesãos transformam-se em
trabalhadores disponíveis à valorização do capital. Desse modo, haveria uma tendência à
33
extinção e insuficiência do campesinato à medida que o modo de produção capitalista se tornasse
homogêneo.
O último Marx, no período final de sua obra, que corresponde ao intervalo entre 1871 e
1883, assume uma posição mais flexível a respeito da possibilidade de permanência do
campesinato, bem como da possibilidade de sustentar-se, se realizadas sob as formas de
cooperação e solidariedade existentes nas sociedades camponesas que poderiam ser uma
alavanca para se chegar ao socialismo, conforme está expresso em suas respostas à carta de Vera
Zasulitch (MALAGODI, 2005).
As análises sobre o campesinato na obra de Marx se deram em duas correntes distintas:
de um lado, estão aqueles que defendem a desintegração completa do campesinato em virtude da
ampliação do capitalismo e do desenvolvimento industrial chamada de marxismo ortodoxo e, de
outro, os autores que buscam justificar a possibilidade de permanência do campesinato, chamado
de marxismo heterodoxo.
3.1.2 A visão dos marxistas ortodoxos
O debate sobre a superioridade econômica da grande propriedade intensificou-se após
os anos 1890. O alemão Karl Kautsky, um dos representantes do chamado marxismo
ortodoxo, em sua obra A Questão Agrária, publicada em 1899, faz prognósticos sobre o fim
da pequena propriedade em virtude do avanço do capitalismo no campo. Para Kautsky (1972,
p. 129) “Quanto mais o capitalismo se desenvolve na agricultura, mais aumenta a diferença
qualitativa entre a técnica da grande exploração e a da pequena”. Segundo ele, a grande
propriedade se adapta muito melhor do que a pequena às mudanças técnicas possibilitadas
pelas inovações do século XIX. No seu texto em crítica ao professor Sering a quem intitula de
grande entusiasta da pequena exploração, ele observa que:
Considerando todas as vantagens da grande exploração na agricultura –
menos superfície inculta, economia de homens, animais e instrumentos,
completa utilização de todos os objetos, possibilidades de empregar
máquinas (interdita à pequena exploração), divisão do trabalho, direção
confiada a agrónomos, superioridade comercial, maior facilidade de
conseguir dinheiro – dificilmente se concebe que o professor Sering possa
afirmar resolutamente: Não há a menor dúvida de que qualquer ramo de
cultura do solo pode ser praticado na média e na pequena propriedade tão
racionalmente como na grande e mesmo de que, ao contrário da evolução da
indústria, a intensidade crescente da cultura do solo dá à pequena
propriedade uma superioridade considerável sobre a grande. (KAUTSKY,
1972, p. 146)
34
O autor sublinha que dificilmente a pequena exploração terá chances competitivas
contra a grande. Consequentemente, na opinião dele, o campesinato estaria fadado a
desaparecer ou diminuir, enquanto que o destino dos lavradores das pequenas propriedades
seria perder as terras e migrar para as cidades, tornando-se mão de obra para o
desenvolvimento industrial. Kautsky aponta situações de extrema miséria entre os
camponeses inclusive citando a sua má nutrição.
Outro autor que se destaca como expoente desta corrente é Vladimir Lênin. Na obra O
Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, publicada em 1899, ao observar a realidade
daquele país, destacou a desintegração progressiva do campesinato em três grupos: os
camponeses ricos que se transformaram em proprietários capitalistas; os camponeses pobres
que se transformaram em assalariados; e os camponeses médios que tenderiam a se subdividir
entre os dois grupos anteriores. Esse processo se intensifica com a integração ao mercado
deste campesinato. Este serviria, pois, para a formação de um mercado consumidor que
fortaleceria o capitalismo. Para ele o que existia era uma decadência acentuada do
campesinato em detrimento de empresários rurais.
A desintegração do campesinato provoca um desenvolvimento dos grupos
extremos, em detrimento do campesinato “médio”, criando dois tipos novos de
população rural, cujo denominador comum é o caráter mercantil, monetário da
economia. O primeiro desses tipos é a burguesia rural ou o campesinato rico
englobando os cultivadores independentes (que praticam agricultura mercantil
sob todas as suas formas) [...] O outro tipo é o proletariado rural, a classe dos
operários assalariados que possuem um lote comunitário. Esse tipo envolve o
campesinato pobre, incluindo aí os que não possuem nenhuma terra. Mas, o seu
representante típico, entre nós, é o assalariado agrícola, o diarista, o peão, o
operário da construção civil ou qualquer outro operário com lote de terra.
(LÊNIN, 1982, p. 115-116).
Como se pode observar no texto acima, para Lênin, só existiria com o avanço do
capitalismo duas classes sociais, que a partir da dissolução do campesinato se dividiria na
aproximação dos eixos extremos. Uma parte estaria fadada à desintegração completa, até virar
mão de obra assalariada para as atividades citadinas e rurais, enquanto a outra se incorporaria
à burguesa, com progressiva tendência ao aumento das propriedades em vista da regressão da
outra parte empobrecida.
Lênin é outro autor que destaca a dificuldade de se manter economicamente a pequena
produção em virtude do avanço das ações do capitalismo. Em sua opinião, os camponeses vão
sendo sucumbidos pela atração de novos empregos que surgem com o desenvolvimento da
indústria, principalmente.
35
Entre os marxistas ortodoxos, a forma de produzir campesina estaria fadada a ser
sucumbida pelas formas capitalistas de produção. Entretanto, outros autores não avaliaram
dessa maneira. Seus escritos falam diferente da relação do campesinato com o capitalismo
entre eles se destacam Rosa Luxemburgo e Alexander Chayanov.
3.1.3 A visão dos marxistas heterodoxos
Rosa Luxemburgo (1985), em sua obra, discorda da interpretação de Karl Marx quanto
à exclusividade do modo de produção capitalista. Para ela, o capitalismo precisa explorar
outras formas de produção, para completar o ciclo de realização desta. Existe, portanto, uma
relação de dominação entre os modos de produção, desta forma a autora não previu o
desaparecimento do campesinato no modo capitalista, pois a expansão do sistema capitalista
depende da existência de “setores externos” a ele. O campesinato passaria por transformações,
adaptando-se ao ciclo produtivo do modo de produção dominante, mas sem necessariamente
se extinguir.
(...) historicamente, a acumulação de capital é o processo de troca de
elementos que se realiza entre os modos de produção capitalistas e os não
capitalistas. Sem esses modos, a acumulação de capital não pode efetuar-se.
Sob esse prisma, ela consiste na mutilação e assimilação dos mesmos, e daí
resulta que a acumulação do capital não pode existir sem as formações não
capitalistas, nem permite que estas sobrevivam a seu lado. Somente com a
constante destruição progressiva dessas formações é que surgem as
condições de existência da acumulação de capital. (LUXEMBURGO, 1985,
p. 285).
Rosa Luxemburgo evidencia uma tentativa de preencher as lacunas deixadas pelo
Capital de Marx, no que se refere à acumulação e rompe com a visão ortodoxa de admitir
apenas duas classes sociais dentro do capitalismo, quando fala na coexistência de modos de
produção. A autora defende a ideia de formações econômico-sociais, onde existe na realidade
a predominância de um modo de produção sobre os demais. Neste caso, as trocas entre os
modos de produção dentro dessa ótica seriam de relações exploratórias. No entanto, deixa
claro que no capitalismo esta relação é primordial para o processo de acumulação contínuo, e
que é o próprio movimento do capitalismo que gera a exploração e resistência do camponês.
Outro autor que discorda da visão ortodoxa é Alexander Chayanov (1981). Ele
observou a questão do campesinato na Rússia de um prisma diferente dos demais, destacando
a lógica interna da unidade familiar. Segundo ele, a organização da unidade de produção
camponesa estava baseada no núcleo de trabalho familiar e no balanço trabalho-consumo.
36
Dessa forma, Chayanov contesta as formas de análise da produção familiar baseada no
conceito de lucro e de salário.
Com efeito, o camponês ou artesão que dirige sua empresa sem trabalho
pago recebe, como resultado de um ano de trabalho, uma quantidade de
produtos que, depois de trocada no mercado, representa o produto bruto de
sua unidade econômica. Deste produto bruto devemos deduzir uma soma
correspondente ao dispêndio material necessário no transcurso do ano; restanos então o acréscimo em valor dos bens materiais que a família adquiriu
com seu trabalho durante o ano ou, para dizê-lo de outra maneira, o produto
de seu trabalho. Este produto do trabalho familiar é a única categoria de
renda possível, para uma unidade de trabalho familiar camponesa ou
artesanal, pois não existe maneira de decompô-la analítica ou objetivamente.
Dado que não existe o fenômeno social dos salários, o fenômeno social de
lucro líquido também está ausente. Assim é impossível aplicar o cálculo
capitalista do lucro. (CHAYANOV, 1981, p. 138).
Assim, ele discorda do que havia colocado Lênin sobre a desintegração do
campesinato. Para Chayanov, o que existia na verdade era uma estratégia peculiar à própria
organização, o mesmo é colocado como um modo de produção diferente, que não está
baseado nos pressupostos de acumulação do capitalismo. É exatamente essa peculiaridade da
produção camponesa que permite a sua sobrevivência. Os preços de seus produtos não são
estabelecidos a partir de um levantamento de custos, de acordo com a lógica do lucro. O
campesinato sofre o preço estabelecido no mercado, e a partir desse preço a unidade
camponesa define a quantidade a ser produzida, levando em consideração o balanço entre
trabalho e consumo, deduzidos os preços do dispêndio material necessário à produção. Desse
modo, é através da venda dos produtos que o sobretrabalho da unidade de produção
camponesa é apropriado pelo capital.
Erick Wolf (1970) reforça essas conclusões de Chayanov. Na sua análise, ele
acrescenta outras variáveis ao balanço trabalho-consumo, incorporando considerações a
respeito dos fundos de cerimoniais e dos fundos de manutenção:
A esta altura, é importante recordar que os esforços na vida de um camponês
não são regulados exclusivamente por exigências relacionadas ao seu modo
de vida. O campesinato sempre existe dentro de um sistema maior. Em
consequência, a quantidade de esforço que deverá ser despendido para
sustentar os seus meios de produção ou para cobrir as suas despesas
cerimoniais estará condicionada à maneira pela qual o trabalho na sociedade
a que o camponês pertence, bem como as regras que orientam a divisão do
trabalho. (WOLF, 1970, p. 22).
Para Wolf, os excedentes da produção camponesa devem ser utilizados para o fundo
de manutenção que é mediado pela sociedade à qual o camponês pertence. A geração desses
37
excedentes exerce também influência sobre a unidade camponesa. Wolf nesse aspecto vai
além de Chayanov. Uma sociedade cujo modo de produção é capitalista provoca prejuízos
significativos à estrutura camponesa que terá que se readaptar a questão do poder aquisitivo
para conseguir resistir.
[...] Mas onde as redes de trocas são mais abrangentes e obedecem a
pressões que não levam em consideração o poder aquisitivo da população
local, um cultivador terá que aumentar de muito a sua produção para obter a
quantia necessária para a manutenção. Sob tais condições, uma porção
considerável do fundo de manutenção do camponês poderá torna-se o “fundo
de lucro” de outrem. (WOLF, 1970, p. 23).
Como os equipamentos de manutenção são gerados no setor capitalista, estão sujeitos
a um controle de preços, fazendo com que a sua aquisição pela economia camponesa requeira
uma quantidade crescente de produto excedente. Desse modo, o canal de comercialização se
constitui em mecanismo de extração do sobretrabalho camponês representado pelo fundo de
manutenção.
Outro autor que se debruçou sobre a questão do desaparecimento ou não do
campesinato é Teodor Shanin. Ao analisar o aumento do número de estabelecimentos
camponeses no Brasil e no México, o autor sublinha a não dissolução do campesinato e a sua
integração à economia capitalista como uma forma complementar, uma espécie de
acumulação primitiva contínua, integrante do sistema. Para Shanin:
Parece querer dizer que, sob certas condições, os camponeses não se
dissolvem, nem se diferenciam em empresários capitalistas e trabalhadores
assalariados, e tampouco são simplesmente pauperizados. Eles persistem, ao
mesmo tempo em que se transformam e se vinculam gradualmente à
economia capitalista circundante, que pervade suas vidas. Os camponeses
continuam a existir, correspondendo a unidades agrícolas diferentes em
estrutura e tamanho, do clássico estabelecimento rural familiar camponês,
em maneiras já parcialmente exploradas por Kautsky. Os camponeses são
marginalizados, a importância da agricultura camponesa dentro da economia
nacional diminui, o crescimento mais lento de sua produção torna-a atrasada.
O mesmo pode estar acontecendo com a posição dos camponeses dentro da
“nação”. Eles servem ao desenvolvimento capitalista em um sentido menos
direto, um tipo de “acumulação primitiva” permanente, oferecendo mão-deobra barata, alimentação barata e mercados para bens que geram lucros. Eles
produzem, ainda, saudáveis e tolos soldados, policiais, criadas, cozinheiras e
prostitutas; o sistema pode sempre fazer algo mais de cada um deles. E,
obviamente, eles, isto é, os camponeses, dão trabalho e problemas para os
estudiosos e funcionários, que quebram a cabeça em torno “da questão do
seu não-desaparecimento”. (SHANIN, 2005, p. 8).
38
Este debate que é instigado por Shanin (2005) também esteve presente na pauta dos
intelectuais brasileiros. Já na década de 1950, acirraram-se os debates sobre a questão agrária,
sobretudo, por causa das mudanças estruturais que aconteceram no campo, com o processo de
modernização da agricultura. Entre os autores brasileiros, podem ser identificadas duas
correntes sobre a questão do campesinato: uma que aponta para o seu desaparecimento em
virtude do avanço do capitalismo na agricultura, e a outra que entende o desenvolvimento
capitalista no Brasil como desigual e contraditório e que dá espaços para a recriação do
campesinato.
3.2 A discussão brasileira sobre a extinção do campesinato
O campesinato, na literatura brasileira, também foi intensamente debatido sob os
enfoques marxistas. Eles servem de plano de fundo para toda a discussão sobre a
viabilidade/desaparecimento do campesinato, como classe social e até como modo de
produção. É evidente que é preciso considerar as particularidades da evolução da organização
do espaço agrário brasileiro e dos avanços tecnológicos sobre a forma de produzir camponesa.
O interesse, neste capítulo, não é discutir a evolução dos modos de produção, embora
se deva destacar a forte influência que tem esta visão sobre os autores apresentados. A maior
parte desses autores está centrada na ideia sequencial dos modos de produção, e que o
campesinato por sua vez está refém dessa evolução, transformando-se quase sempre em
proletariado ou trabalhador da indústria.
É importante não deixarmos de considerar a forte ação do capitalismo em seus
avanços e recuos sobre a organização do modo de fazer camponês. Mas, consideramos que o
campesinato resiste e se readapta, ao esquema de exploração exercido pelo modo de produção
no decorrer do período histórico. Ele não desaparecerá por completo, seus traços ainda são
evidentes em diversos espaços, inclusive no objeto de nossa investigação. O campesinato
disputa forças dentro do território sendo explorado pelas forças burguesas, no caso da
presente pesquisa, trata-se da apropriação do sobretrabalho camponês via preço do produto.
O conceito de formação econômica e social pode responder melhor ao que se analisa
na pesquisa, onde existem não apenas um modo de produção, mas uma coexistência destes,
que se articulam. Afirma-se que existe um modo de produção subordinando outras formas.
Entretanto, essas não deixam de ser importantes para que o capitalismo complete o seu ciclo
produtivo como bem observou Rosa Luxemburgo (1985).
39
Primeiramente é importante ressaltar aqui a posição de Alberto Passos Guimarães em
seu livro Quatro Séculos de Latifúndio (1968), escrito em 1963. O autor considera claramente
que o Brasil era uma formação social híbrida que guardou traços marcantes do modo de
produção feudal, não acompanhando assim a metrópole que já sinalizava para uma
organização econômica segundo o modo de produção mercantil.
Para Guimarães, membro do PCB, de visão marxista ortodoxa, era preciso destruir as
relações que ele considerava pré-capitalistas e a classe camponesa era tratada como “restos
feudais”. Desse modo, o campesinato deveria sucumbir, até porque o autor se sustentava na
hipótese sequencial de sobrevivência dos modos de produção, e que para se chegar ao
comunismo era preciso esgotar todas as etapas anteriores, inclusive o capitalismo, visão
influenciada por Lênin. Mesmo que se concorde com o autor que a forma de organização da
sociedade poderia até se assemelhar aos traços feudais, não se pode esquecer que
praticamente toda a produção brasileira da época colonial era vendida ao comércio exterior
pela metrópole, como mercadoria.
Outro autor que é importante lembrar é Caio Prado Júnior. Este se diferenciava de
Guimarães por defender que a economia brasileira desde o início da colonização foi
organizada como uma economia capitalista. Essa tese foi claramente defendida no livro A
Questão Agrária. Implicitamente, essa visão deixa transparecer que com a industrialização do
campo, o campesinato estaria fadado ao desaparecimento. Ele discorda de que haveria restos
feudais na economia brasileira, mas que havia, sim, restos escravistas.
O autor, no livro A Questão Agrária (1979), defende a tese de que na economia
colonial já havia relações assalariadas, sendo o preço do escravo e as despesas com sua
manutenção um valor capitalizado de seus salários. O que denota que o autor tinha uma visão
ortodoxa do processo histórico da sucessão progressiva dos modos de produção, assim como
também pensava Guimarães e não em uma coexistência de formas de produção1.
É preciso considerar que em outro livro, Formação do Brasil Contemporâneo, Caio
Prado Júnior dedica um dos capítulos à agricultura de subsistência. Dessa forma, ele
reconhece, implicitamente, a pequena agricultura dentro da formação econômica capitalista,
mas considera as relações de trabalho nela envolvidas como relação tipicamente capitalista. E
defende algumas dessas relações como forma de pagamento ajustadas como no caso do
sistema de parceria.
1
Essa visão de Caio Prado, foi contestada por Jacob Gorender (2011), quando defendeu a existência de um
modo de produção escravista colonial. Em Gênese e Desenvolvimento do Capitalismo no Campo Brasileiro
(2013), Jacob Gorender sugere que no caso brasileiro houve outro tipo de modo de produção, único em suas
características adaptados à realidade da colônia. No caso, o Modo de Produção Escravista Colonial.
40
Com o Golpe Militar de 1964 é feita uma série de rupturas na discussão sobre o
campesinato brasileiro. A chamada necessidade de uma reforma agrária como pré-condição
para o desenvolvimento brasileiro foi descartada. O governo militar assegurou o processo de
modernização da agricultura brasileira, sem efetivar a reforma agrária2. De acordo com
Correia:
Nas décadas seguintes, com o modelo político e econômico implantado pelo
regime militar e o desenvolvimento do capitalismo no campo pautado na
modernização da agricultura, a questão agrária brasileira ganha novos
contornos. É neste contexto que se inserem as contribuições de José
Graziano da Silva sobre o campesinato vinculado às transformações
capitalistas. Ele corrobora, como será visto a seguir, com a ideia de que o
desenvolvimento do capitalismo no campo culmina com o desaparecimento
do campesinato, no entanto, faz ressalvas ao caso brasileiro, uma vez que,
para ele, no Brasil, a insuficiência do desenvolvimento do capitalismo na
agricultura não foi suficiente para expropriar completamente os camponeses
de seus meios de produção. (CORREIA, 2011, p. 86).
José Graziano da Silva, em seu livro A Modernização Dolorosa (1982), destaca o
papel do avanço da mecanização do campo brasileiro, e suas repercussões quanto à utilização
da força de trabalho. Influenciado pelas ideias leninistas, no caso específico dessa obra,
destaca o processo de assalariamento que ocorria na agropecuária brasileira, sem considerar
que o capitalismo necessita explorar outros modos de produção para a sua sobrevivência.
Desta forma, também corrobora com as posições dos intelectuais já apresentados de
destruição da forma de fazer camponesa em virtude do avanço das relações capitalista no
campo. Assim, as formas de trabalho campesinas seriam dominadas pelo assalariamento
progressivo e pela monetarização das relações de trabalho.
A partir da década de 1980 com o avanço considerável da modernização do campo
brasileiro, os debates foram mudando de rumo e aparecendo uma nova nomenclatura a ser
popularizada: a de agricultor familiar. Essa categoria está bem vinculada às ideias de José Eli
da Veiga e de Ricardo Abramovay. Estas reformulações estão atreladas à popularização do
termo agricultura familiar e que tanto influenciou a aplicação das políticas públicas vigentes
desde a década de 1980 no país. E, consequentemente, as ações do governo federal através do
PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e do PAA, que é
colocado em foco por esta pesquisa.
2
Esta postura do governo militar não impediu que fosse promulgado o Estatuto da Terra (Lei 4504/1964), que
em princípio regulava a realização da reforma agrária no Brasil. Tanto é, que o Capítulo I que trata da reforma
agrária, foi o menos utilizado pelos militares. Toda ênfase foi dada ao Capítulo III, referente ao desenvolvimento
rural e menos enfaticamente ao capítulo sobre colonização.
41
Para José Eli da Veiga, no artigo Fundamentos do Agrorreformismo, a agricultura
familiar precisa racionalizar sua forma de produção de modo a adequá-la à maneira
empresarial ou até industrial do fazer. Por extensão, as pequenas propriedades agrícolas
devem buscar o aumento da produtividade, uma melhor adequação às exigências de mercado
para que ocorra a sua integração progressiva. Nesse contexto, seria responsabilidade do
Estado fomentar as políticas públicas capazes de dar condição à agricultura familiar de
alavancar esse processo de transição. Dessa forma, ele imaginaria uma competição entre os
pequenos produtores que inviabilizaria aqueles que permanecessem com certo grau de atraso.
Para ele há a adaptação do camponês à parábola do Treadmill3, criada no final dos anos 1950
por Willard W. Cochrane.
A parábola de Cochrane é, resumidamente, a seguinte: o agricultor que adota
a última palavra em tecnologia (The early-bird farmer) constata que seus
custos de produção unitários foram, de fato, reduzidos. Como resultado
dessa adoção, Mr. Early-Bird aumenta o output de sua firma e obtém lucro.
Ele continuará a obter esse lucro enquanto o preço se mantiver no nível
inicial. O preço pode ficar nesse nível devido a situação automatizada do
setor. O aumento do output realizado no estabelecimento do senhor EarlyBird terá influência infinitesimal na oferta setorial. Assim, a mesma
possibilidade de lucro estará aberta aos outros inovadores que logo passarão
a imitá-lo. Então, a produção aumentará consideravelmente e – Numa
situação de livre mercado – este aumento causará a queda do preço.
(VEIGA, 2013, p.93).
Como se pode ver, as palavras de José Eli da Veiga estão totalmente voltadas para o
aumento da tecnologia na produção familiar para integrar-se positivamente ao mercado.
Entretanto, Veiga sugere a participação do setor estatal para a mediação do comércio.
Concordamos com a participação, sim, do setor estatal na regulação do mercado para esta
modalidade, bem como a fomentação de políticas públicas, mas não que isso tenda a ser
necessariamente um processo destruidor de um modo de vida e de uma forma de produção.
Pode-se entender que em consonância com esses pontos de vista estão os trabalhos de
Ricardo Abramovay, um dos expoentes na discussão das políticas públicas e na disseminação
do termo “agricultura familiar”. Para ele, é preciso que haja uma superação do agricultor
camponês do passado. Ele interpreta a agricultura familiar como uma nova categoria social,
baseando-se principalmente no locus de suas pesquisas, ou seja, na região Sul do país. Na sua
tese de doutorado, Paradigmas do capitalismo agrário em questão (1990), o autor afirma, de
certa forma, o não desaparecimento da pequena agricultura, mas uma superação de antigas
3
Trata-se de um aparelho, muito usado até o século XVIII, para transformar o andar humano em força motriz.
Os infelizes, em geral prisioneiros, subiam em pedais fixados em torno de um cilindro, fazendo girar seu eixo,
sem que, no entanto, saíssem do lugar. (VEIGA, 2013, p. 93)
42
formas, dando ao agricultor a posse de um novo formato de agricultura pautado no progresso
técnico de suas atividades. Considera que o Estado deve intervir de forma a dar condições de
transformação principalmente através do crédito. O autor afirma o modo camponês como
bastante atrasado e que necessita de integração ao mercado:
O próprio caráter comunitário da vida camponesa, além da existência de
natureza extra-econômica regendo o uso dos recursos materiais de produção
e consumo, bloqueiam a livre entrada e saída dos produtores e não elevam a
eficiência do critério importante de sobrevivência econômica. Aqui, muito
mais importante que a capacidade competitiva típica em uma estrutura
comercial de mercado, é a formação da cadeia de patronagem, clientelismo e
dependência que a reprodução camponesa se apoia. (ABRAMOWAY, 1990,
p. 126)
Para Abramovay, a agricultura camponesa está baseada no que ele chama de mercado
incompleto e a superação deve vir a partir de uma conversão dos camponeses em agricultores,
sugerindo superações numa ótica produtivista, como se o agricultor se “metamorfoseasse” em
um novo ator social, dando-lhe mais visibilidade perante os órgãos de governo. Esse novo
olhar sobre a agricultura camponesa influenciou a propagação do termo” agricultura familiar”
como uma nova categoria em que se basearia em melhor acesso ao crédito, aumentando a
produtividade da terra, o que tornaria a economia mais dinâmica.
Entretanto “admitir a metamorfose do camponês em agricultor familiar é subavaliar a
diversidade de formas possíveis de serem assumidas pelo campesinato e as estratégias por ele
desenvolvidas na interação com o modo de produção capitalista.” (GIRARDI, 2008, p. 104)
Para o capitalismo, é, sem dúvida, interessante transformar uma classe social antagônica e
historicamente resistente aos seus processos em uma massa homogeneizada, uma nova
categoria que se integra ao movimento do capital de forma livre e processual sendo, portanto,
uma nova categoria consumista. Visualizar a homogeneização da “agricultura familiar”
brasileira via lógica produtivista é primeiramente ignorar as formas de produção espalhadas
em todo o país e contribuir para que as práticas agroecológicas, referidas aqui como um modo
de vida, desapareçam ou estejam subordinadas ao grande capital.
Essas opiniões influenciaram muito a ideia de produtividade e homogeneização para a
nova categoria, algo que talvez se dê realmente de forma um pouco diferenciada no Sul do
país, mas que não se manifesta de maneira latente nas demais regiões, principalmente na
região Nordeste. Estas ideias sobre a produção familiar e as críticas a elas podem ser
observadas no livro Agricultura Familiar e Reforma Agrária no século XXI (2001).
43
A viabilidade de a agricultura familiar absorver progresso tecnológico tem
origem nas especificidades naturais do setor agrícola, as quais
condicionaram sua evolução tecnológica. O camponês viu seus instrumentos
de trabalho se aperfeiçoarem enormemente, sem que o processo de trabalho
tivesse sofrido mudanças da mesma ordem daquelas observadas no processo
de trabalho do artesão, que foi deslocado pela manufatura e, depois, pela
grande indústria. O trator substituiu o cavalo, os fertilizantes químicos a
matéria orgânica; as ferramentas e equipamentos se sofisticaram e
diversificaram, mas continuam a ser instrumentos cuja boa utilização
depende da arte e habilidade do agricultor e que, portanto, dificultam um
trabalho de supervisão capitalista caso o agricultor seja um trabalhador
assalariado. (GUANZIROLI et al., 2001, p. 20-21).
De acordo com essas posições, a agricultura familiar seria um meio de o agricultor
superar as barreiras do “atraso” e ter condições a partir do progresso técnico de competição
com as grandes empresas capitalistas, dando ênfase às características que são peculiares à
grande produção. É nesse contexto que nascem as principais políticas públicas brasileiras
voltadas para a agricultura familiar.
Como assinalam inúmeros autores, de modo geral a unidade técnica de base
da produção agrícola permaneceu, apesar da modernização, ao alcance das
unidades familiares. Os assalariados de uma produção capitalista vão utilizar
as mesmas máquinas e equipamentos que os produtores familiares, os quais
são manejados tal como os instrumentos de um artesão. [...] Nesses casos, do
ponto de vista técnico, a concentração de capitais na agricultura implica
simplesmente na multiplicação de módulos de produção, definidos em razão
da escala ótima de operação dos equipamentos agrícolas. Desse modo, uma
grande exploração composta de dez módulos equivale a soma aritmética de
dez módulos cada uma. Não existe, portanto, superioridade técnica das
grandes unidades sobre as pequenas, desde que o tamanho destas últimas
seja igual ou maior do que aquele que corresponde ao módulo mínimo. Este
módulo mínimo, por sua vez, embora tenha aumentado progressivamente ao
longo do tempo, permaneceu dentro do alcance dos produtores familiares.
(GUANZIROLI et al., 2001, p. 21).
É importante concentrar-se na evolução do pensamento de modernização por parte de
José Eli da Veiga e Ricardo Abramovay, porque são estes pensamentos que vão influenciar as
políticas do governo brasileiro para esse segmento da produção, a exemplo do que ocorreu no
governo de Fernando Henrique Cardoso, com o aparecimento do PRONAF.
No entanto, alguns autores dão também continuidade à discussão sobre o destino da
agricultura familiar no Brasil. Dentre eles se destacam Bernardo Mançano Fernandes e
Ariovaldo Umbelino de Oliveira, que dão contribuições diferentes e instigantes ao debate.
Eles sublinham um processo em que a agricultura familiar resiste e se adapta. Para Fernandes:
44
A organização do trabalho familiar no campo existe desde os primórdios da
história da humanidade. Em seu processo de formação, a organização do
trabalho camponês realizou-se em diferentes tipos de sociedade: escravista,
feudal, capitalista e socialista. No capitalismo, a sua destruição não se
efetivou conforme prognosticado, porque sua recriação acontece na
produção capitalista das relações não capitalistas de produção e por meio da
luta pela terra e pela reforma agrária (FERNANDES, 2000, p. 279-280).
Para o autor, não existirá destruição da forma de fazer camponesa, mas uma recriação
do campesinato. Com efeito, este não desapareceu nos modos de produção anteriores e é um
componente articulado à produção capitalista, necessário ao seu desenvolvimento. Por outro
lado, essa recriação do campesinato também se dá através da luta pela terra e pela reforma
agrária, à medida que multiplica a pequena propriedade de base camponesa.
Ariovaldo Umbelino de Oliveira, bastante influenciado pelas ideias de Rosa
Luxemburgo, destaca o papel essencial da produção camponesa para a produção capitalista.
Para esse autor, o fundamental para o capital é a sujeição da renda da terra, pois a partir daí,
ele tem as condições necessárias para sujeitar também o trabalho que se dá na terra.
Primeiramente, o capital sujeita a renda da terra e, em seguida, subjuga o trabalho nela
praticado. Na visão de Oliveira o capital monopoliza o território sem, no entanto
territorializar-se.
O desenvolvimento capitalista se faz movido pelas suas contradições. Ele é,
portanto, em si, contraditório e desigual. Isso significa dizer que, para que
seu desenvolvimento seja possível, ele tem que desenvolver aspectos
aparentemente contraditórios. É por isso que vamos encontrar no campo
brasileiro, junto com o processo geral de desenvolvimento capitalista que se
caracteriza pela implantação das relações de trabalho assalariado – os boiasfrias, por exemplo –, a presença das relações de trabalho não capitalistas,
como, por exemplo, a parceria, o trabalho familiar camponês etc.
(OLIVEIRA, 2013, p. 56).
Concordamos com o autor que o capital não necessariamente precisa territorializar-se.
Trazendo para o caso da pesquisa, sabe-se da relação entre a renda da terra e o preço das
mercadorias por ela produzidas. Dessa forma, o capital comercial nas suas diferentes
manifestações (atravessadores, redes de supermercado, etc.) no município de Lagoa Seca se
apropria do sobretrabalho da produção camponesa, que nessa medida contribui para o
processo de acumulação do capital. Em outras palavras há progressiva subordinação dos
produtores familiares ao capital.
45
3.3 O atraso das políticas públicas para a agricultura familiar
Apesar da existência de um campesinato numeroso e bastante diverso, a preocupação
com esse segmento do setor produtivo brasileiro é relativamente recente. Durante muito
tempo, as políticas agrícolas brasileiras estiveram voltadas para o fortalecimento da produção
na grande propriedade, voltada preferencialmente para o mercado externo. Só recentemente,
depois do incentivo dado pelo Banco Mundial para a pequena produção, na década de 1980,
onde foram colocados em práticas alguns programas como o Projeto Nordeste, é que o
governo federal começou, através dos seus ministérios, a articular programas visando
desenvolver a “agricultura familiar”, a exemplo do PRONAF, respondendo também à pressão
dos movimentos sociais rurais. Além deste programa, no governo FHC, foram estabelecidos
outros programas como o abordado por esta pesquisa, o PAA, no governo de Luiz Inácio Lula
da Silva. Lembra-se que o PAA surgiu articulado com o Programa Fome Zero, que visava
acabar com a fome no país.
Na verdade, o primeiro é um dos braços do segundo, garantindo a segurança alimentar,
através das compras advindas da agricultura camponesa, sem intervenção de um
intermediário. Retomando o que já foi dito, estas ações têm tido impactos importantes na
organização da produção camponesa, sobretudo nas formas de comercialização, que
reposiciona os sujeitos sociais envolvidos, daí a importância de serem analisados e discutidos.
Alguns estudiosos apontam para a influência do programa na recriação na forma camponesa
de produção, ressaltando os aspectos referentes à resistência camponesa como o trabalho de
Vieira e Viana (2014) e de Doretto e Michellon (2014).
PAA tem influenciado os agricultores a permanecerem ou a retornarem ao
modo específico de funcionamento do campesinato, principalmente em
relação ao sistema de policultivo, à diversificação da produção. A
necessidade de elaborar um cronograma de entrega para atender às entidades
a serem beneficiadas tem incentivado o plantio de diferentes tipos de
produtos, visando à melhor remuneração de cada agricultor e ao atendimento
regular às instituições. (VIERA e VIANA, 2014, p. 8).
O programa abriu mercado para aqueles agricultores com baixa produção e
de locais distantes da sede municipal. Um aspecto importante que
manifestaram foi que ao elaborar a proposta já tinham a garantia do preço e
também da certeza de que ao entregarem a produção receberiam
integralmente o valor total. (DORETTO e MICHELLON, 2014, p. 135).
46
Além disso, o PAA não deixa de considerar que o desenvolvimento regional/local tem
sido destacado nas estratégias de promoção da melhoria das condições de vida das
populações. Isto é, o estabelecimento de políticas macroeconômicas de desenvolvimento não
pode desconsiderar as dimensões de escala, particularmente aquelas de caráter local. O
desenvolvimento local implica, necessariamente, num processo de articulação entre vários
atores e instâncias de modo que só uma análise da realidade concreta poderá desvendar as
tramas envolvidas em cada lugar.
3.4 Espaço, políticas públicas e agricultura camponesa
Alguns estudos sobre política pública para agricultura familiar dentro da literatura
brasileira se dão dentro do marxismo ortodoxo, no ideal da progressão dos modos de
produção. Essa visão vem pela ótica do desenvolvimentismo, presente na sociologia e no
campo do desenvolvimento rural. São representantes desta corrente Ricardo Abramovay e
José Eli da Veiga. Ao estudarem o PRONAF, a primeira significativa política pública para a
agricultura familiar, eles aferem principalmente realidades referidas ao crédito agrícola e
desenvolvem o conceito de agricultor familiar como uma nova classe social.
Entretanto, é impossível entender o movimento de expansão do capital limitando-o às
formas como o capitalismo se deu na Inglaterra. Nesse sentido, não é a integração com o
mercado que dará ao camponês um status de nova classe social como já debatemos
anteriormente. É preciso considerar o espaço à luz da sua história, e da sua condição para que
determinados processos se desenvolvam. Para Girardi:
A diferenciação espacial do campesinato permite diferentes formas e graus
de integração ao mercado, de produção e de qualidade de vida, pois os
diferentes espaços em que o campesinato está inserido irão lhe propiciar
diferentes oportunidades: protegendo, tal como nos países desenvolvidos,
com políticas protecionistas para a agricultura camponesa, ou então o
deixando à deriva no ambiente totalmente hostil do mercado e do capital.
Não se trata de um determinismo espacial como alguns podem pensar, mas
sim admitir a importância do espaço na produção e reprodução espacial do
campesinato. Ao mesmo tempo em que o camponês está compreendido no
espaço ele também contribui para a sua construção através da sua luta para
produzir e reproduzir. Desta forma, em escala mundial e até mesmo regional,
podemos verificar uma diferenciação espacial do campesinato. Logicamente
que a diferenciação espacial também é social, contudo, o espaço desempenha
papel importante para este processo. Toda diferenciação espacial também é
social, mas nem toda diferenciação social é necessariamente espacial, já que
em um mesmo espaço ocorre a diferenciação social. (GIRARDI, 2008,
p.103).
47
O modo de tratar o conceito de “agricultura familiar” como um progresso ou uma
superação das formas camponesas é contrastante com a luta do camponês para se recriar ou se
reproduzir, buscando para isto diversas formas. Dizendo de outro modo, é comparar o
camponês ao arcaísmo como querem os capitalistas. Esta forma equivocada de pensar
subestima o próprio espaço e faz da articulação com o mercado, sinônimo de avanços para
uns e de atraso para outros. Julga com arbitrariedade ao tratar, sobretudo, o espaço como se
ele fosse homogêneo. E apenas as políticas públicas de modernização e integração ao
mercado bastariam para resolver os problemas dos camponeses.
Dessa forma, não deixamos de considerar as interferências que o capitalismo tem
sobre as formas de articulação camponesa e sua exploração como consideram Lênin e
Kautsky, que a priori numa leitura superficial nos leva a entender que se extinguirão as
formas camponesas, dadas as proporções da exploração do capitalismo sobre estas. Mas,
consideramos a contribuição de Chayanov quando entende o lócus de produção de uma forma
diferente que lhe ajuda inclusive a resistir a estes ditames. E nos fundamentamos também em
Rosa Luxemburgo quando considera que há também uma necessidade do próprio capital de
continuar explorando as classes subalternas, ou seja, é preciso que elas resistam para o próprio
capitalismo funcionar.
O campesinato como classe social subalterna pode continuar existindo para sustentar o
lucro dos capitalistas. Isto é, o campesinato pode ser explorado por várias vias: fornecimento
de mão de obra barata; arrendamento de suas terras; fornecimento de matéria-prima barata;
mercado complementar à produção capitalista, etc. Nesse sentido, retomamos Wolf. Mas,
precisa-se compreender que o camponês não é uma tribo atemporal, que não se transforma
com o tempo ou que este não pode se adaptar às tecnologias ou integrar-se ao mercado,
inclusive tornando-se uma força política.
São comuns os movimentos sociais onde os camponeses estiveram organizados e
interferiram como força política como, por exemplo, na Revolução Francesa e na Revolução
Zapatista no México (WOLF, 1984). Por isso, é preciso entender o campesinato atualmente
como uma força política que é capaz de se organizar e de obter ganhos dentro da relação de
poder das classes sociais. E, inclusive, interferir na construção de políticas públicas, que lhes
forem favoráveis na sua demanda por resistência e recriação. Com isso, entende-se equívoca a
forma de pensar de Ricardo Abamoway e José Eli da Veiga, bem como as ideias colocadas
por Lamarche e Hespanhol no sentido em considerar a superação e falar de antigas formas de
trabalho, e desenvolver a noção de transformação como se o camponês deixasse de existir.
48
Lamarche (1993, 1998) coloca uma diferenciação entre agricultor camponês e
agricultor familiar. Nesse sentido, ele confirmaria Kautsky e Lênin com respeito à
desintegração do camponês. Entretanto, suas ideias são duramente criticadas por não fazer
muito sentido de acordo principalmente com a perspectiva histórica de Bernardo Mançano
Fernandes, quando afirma a existência do camponês em resistência e recriação em todos os
modos de produção.
Contrariamente a essa posição, tem-se a colocação de Hespanhol ao afirmar que a
categoria campesinato e similares perderam o seu poder explicativo:
[...] que a utilização na década de 1990, da categoria de análise agricultura
familiar para designar genericamente as unidades produtivas, nas quais a
terra, os meios de produção e o trabalho encontram-se estreitamente
vinculados ao grupo familiar, deve ser aprendida como um reflexo das
alterações recentes ocorridas na agricultura brasileira e que, em última
análise, levaram a valorização do segmento familiar. Nesse sentido, as
categorias de análise até então utilizadas para caracterizarem essas unidades
de produção, como campesinato, pequena produção, agricultura de
subsistência, produção de baixa renda, entre outras, perderam seu poder
explicativo, favorecendo a emergência de novas concepções teóricas
consubstanciadas na categoria agricultura familiar. (HESPANHOL, 2000, p.
2).
Consideramos que a forma de pensar esta relação como “nova” compromete o
raciocínio. Preferimos considerar a ideia de Bernando Mançano Fernandes de que o
campesinato se redefine e se recria em todos os modos de produção. Entretanto ele se recria e
resiste não apenas de forma latente como na luta pela terra, mas em todos os ganhos latentes
ou não na luta territorial pela sobrevivência.
Entendemos, nesse conflito, a luta do camponês para resistir na terra, ou seja, no seu
espaço territorial. Ressalta-se que aqui um território é entendido como um conjunto de forças
que estão em conflito e que essas forças se estabelecem enquanto conflito de classes sociais.
Nesse caso, os atravessadores e comerciantes representam a classe dominante burguesa, e os
camponeses a classe subalterna. Esse conflito de classes sociais por sua vez está materializado
no espaço que aqui não é entendido como palco, mas como produto de relações de conflito
das classes sociais.
Estes conflitos de classes sociais durante toda a história dos modos de produção se
deram sob a forma de dominação e subordinação. Porém, existem formas de dominação
através de canais de contato entre as duas forças, tal como ocorre na mídia, por exemplo, as
classes dominantes subordinam e dominam a classe subalterna através da criação de hábitos e
cultura que lhes favoreçam.
49
Este conflito, por exemplo, se materializa no crescimento dos latifúndios, que a partir
do aumento da especulação das terras para a geração de lucro, tem expropriado milhões de
trabalhadores de suas terras. O espaço geográfico vira resultado da materialização desse
processo. Cada vez mais segmentado e dividido entre ricos e pobres. O território é a arena
desses conflitos. (ver Ilustração 01).
O interesse econômico prevalece nesses conflitos e ele está acima de outras
motivações e se materializam no que chamamos de canais de dominação interterritorial, que
se estabelecem na zona de contato entre as classes sociais e provocam a sua dominação. No
caso estudado, esse canal é o comércio. O comércio predatório que impede o pequeno
produtor de permanecer na unidade familiar provocando migrações. A classe dominante
recebe pelo produto um valor bem maior, mas paga ao pequeno um preço ínfimo,
estabelecendo lucros que são exorbitantes, a diferença entre o que ganham os comerciantes e
os pequenos produtores é sigificativa, vale dizer que as forças de dominação sempre
aumentam tendo como este canal de viabilização o comércio.
ARENA
INFLUENCIAS DO CAPITAL
AREA DE
CONFLITO
TERRITORIALIDADE CAMPONESA
ESPAÇO GEOGRÁFICO AGRÁRIO DE LAGOA SECA-PB
Ilustração 01 – Produção do espaço geográfico agrário de Lagoa Seca - PB.
Por outro lado, as classes subalternas ganham forças na arena quando as forças
dominantes passam por crises. Mas, passadas as crises, as classes subalternas não deixam de
50
existir, pois as classes dominantes precisam explorar, e para tal precisam do explorado. Esse
processo é inerente à luta de classes. Esse ganho de forças é muitas vezes materializado em
políticas públicas e é pensado algumas vezes pela classe dominante para dar fôlego ao
dominado. Na maioria das vezes esse fôlego é estratégico ao pensamento do dominante.
Como na senzala é importante alimentar o escravo para que ele dê mais ajuda na lavoura. A
luta dos camponeses é primordial neste processo e se materializa na sua organização enquanto
classe social, que pressiona os poderes públicos na esfera do Estado. No Brasil, a luta
organizada dos camponeses se traduziu em muitos movimentos ao longo da nossa história
para a construção das primeiras políticas públicas, tais como a ação das Ligas Camponesas, da
Pastoral da Terra, do MST, da Via Campesina, dos sindicatos rurais locais, etc.
3.4.1 A formação do PRONAF e outras políticas para a agricultura familiar
A agricultura familiar, apesar de preterida e secundarizada pelos agentes públicos,
durante quase todo o século XX, conseguiu estabelecer um espaço nessa arena de conflitos.
Transformou-se em assunto estratégico seja para o capital seja para a legitimação do Estado.
O movimento contínuo de exploração gerou contingentes de emigrantes de alguns locais
causando concentração e inchaços em outros e pressão popular. Por outro lado, o preço dos
alimentos foi inflacionado em algumas áreas pela diminuição das terras que se destinavam à
agricultura familiar, atualmente maior provedora de alimentos ao mercado.
As pressões populares, aliadas às descobertas científicas, começaram a condenar
alimentos com alto nível de agrotóxicos e a divulgar um padrão de vida saudável baseado no
consumo de produtos orgânicos, entre outros fatores como a própria segurança nutricional. A
demanda do mercado e a pressão popular se revelaram importantes para que, a partir dos anos
1980, se formulassem políticas públicas que fomentassem os interesses da agricultura
familiar. Mesmo sendo um agente que promove principalmente os interesses das classes
dominantes, o Estado neoliberal precisa, contraditoriamente, ceder forças e fazer
determinadas concessões em determinados momentos, sobretudo nos de crise.
Apesar de não haver consenso entre os pesquisadores sobre a definição de políticas
públicas, admite-se que é uma ação do governo materializada a partir de uma ideia ou
planejamento. De acordo com esta definição, essa é uma necessidade do Estado para atingir
determinado problema. Entre estas políticas surgem as mais diversas tipologias de acordo com
tipos de Estados, que podem ser democráticos ou não.
51
Theodor Lowi (apud SOUZA, 2006) desenvolveu estudos sobre tipologias de políticas
públicas, sobre a qual elaborou a seguinte: a política pública se faz a partir da política. Com
essa frase Lowi quis dizer que cada tipo de política pública vai encontrar diferentes formas de
apoio e de rejeição e que disputas em torno de sua decisão passam por arenas diferenciadas.
Para este autor, a composição de forças dentro do Estado influencia, significativamente, as
decisões que ele venha a tomar. A decisão das políticas públicas vem de acordo com as
pressões de classe.
Importante contribuição no resgate do lugar das políticas públicas no contexto de
classes sociais encontra-se em Souza (2006):
Debates sobre políticas públicas implicam responder à questão sobre o
espaço que cabe aos governos na definição e implementação de políticas
públicas. [...] reflete tão-somente as pressões dos grupos de interesse, como
diria a versão mais simplificada do pluralismo. Também não se defende que
o Estado opta sempre por políticas definidas exclusivamente por aqueles que
estão no poder, como nas versões também simplificadas do elitismo, nem
que servem apenas aos interesses de determinadas classes sociais, como
diriam as concepções estruturalistas e funcionalistas do Estado. (SOUZA,
2006, p. 27).
Nestas arenas sugiram o PRONAF, o Programa Fome Zero e o Programa de Aquisição
de Alimentos. Não necessariamente adotaremos a construção histórica dos enfoques sobre
políticas públicas porque não é o objetivo da pesquisa, mas pode-se distinguir a ação do
Estado na agricultura familiar em três momentos, de acordo com a redistribuição dos recursos.
Tendo por base os três governos mais recentes.
No governo FHC, é lançado o PRONAF, através do decreto Presidencial n. 1946, de
28 de julho de 1996. Este foi um marco na pauta do interesse público pela pequena produção
familiar, quando o Estado passou a se preocupar com as necessidades das pequenas
propriedades agrícolas, dando-lhes acesso à assistência creditícia, tal como o Estado já tinha
feito nos anos 1960 com a agricultura patronal.
Tal programa marcou a presença da agricultura familiar na agenda das políticas
públicas no Brasil, embora numa tendência mercadológica.
A formulação do PRONAF foi permeada pela ótica da transformação do camponês em
agricultor familiar, ótica aqui considerada como equivocada. Sobretudo, porque apenas o
crédito não foi suficiente para realizar as mudanças que deveriam dar proteção aos
agricultores familiares. O olhar do governo nesse período para o desenvolvimento da
agricultura familiar foi análogo ao que aconteceu com a agricultura patronal, na chamada
52
“modernização dolorosa” onde se privilegiou o crédito agrícola. O resultado ocasionou muitos
agricultores endividados principalmente no Nordeste.
O censo agropecuário (2006) questionou a dívida média dos agricultores familiares do
grupo B do PRONAF que tinham algum débito em aberto no período de referência do Censo.
“Na região Nordeste, cada agricultor de baixa renda devia, em média, R$ 2.922, sendo o
maior valor individual registrado na Paraíba (R$ 3.631) e o menor, no Ceará (R$ 2.029)”.
(IPEA, 2013, p. 57). Segundo o mesmo censo, o Nordeste responde por 53,04% do
endividamento desta linha de crédito.
A criação do PRONAF mostra que o Estado cede e faz concessões através de políticas
públicas para manter o dominado ativo e atendendo aos seus interesses. Estas ações do Estado
servem para dar fôlego às forças subalternas já que elas são primordiais para o processo de
acumulação como ressaltou Luxemburgo. Entretanto, no caso específico desta política as
pressões dos movimentos sociais foram importantes para a sua criação.
Este programa, que em larga medida foi formulado como resposta às
pressões do movimento sindical rural, realizadas desde o início dos anos 90,
nasceu com a finalidade de prover crédito agrícola e apoio institucional às
categorias de pequenos produtores rurais que vinham sendo alijadas das
políticas públicas ao longo da década de 1980 e encontravam sérias
dificuldades para se manter na atividade (SILVA e SCHNEIDER, 2009, p.
147).
O PRONAF foi analisado por diversos autores que popularizaram o termo “agricultura
familiar”, como uma evolução do camponês na sua integração com o mercado, inclusive a
integração com o mercado exterior. Os objetivos da política neoliberal de ampliação de
mercados de certa forma coincidiam com o objetivo de modernização agrícola realizada em
parte da agricultura camponesa no Brasil, principalmente na região Sul, o que levou
determinados autores a distanciar o olhar para a agricultura camponesa que se encontra no
Nordeste. Essa que persiste em se readaptar e resistir aos ditames do capitalismo.
É preciso lembrar que, no contexto do início da década de 1990, a
agricultura brasileira, e particularmente a da região Meridional do Brasil,
estava fortemente afetada pelo processo de abertura comercial e de
desregulamentação dos mercados, fatores que a submetiam a uma
concorrência intensa com os países do Mercosul. Em vista das sucessivas
dificuldades decorrentes da crise da segunda metade dos anos oitenta,
particularmente no que se refere à disponibilidade de crédito e da queda da
renda, os agricultores familiares da região Sul do Brasil, e em menor medida
os agricultores da região Nordeste (sobretudo os produtores de algodão),
encontravam-se debilitados diante da nova conjuntura econômica e
comercial. (SCHNEIDER, CAZELLA e MATTEI, 2015, p. 2).
53
Observa-se que, no contexto de formação deste programa, os camponeses em
momento algum estão alheios aos processos de luta. Pelo contrário, os camponeses, desde que
organizados, conseguem concessões importantes e atuam como uma força importante na
negociação por mais espaço nas decisões políticas. A luta dos camponeses foi primordial para
formulação e implantação das políticas públicas direcionadas a esse segmento produtivo no
Brasil.
No governo Lula, a pressão popular sobre um governo de esquerda, principalmente no
tocante às questões sociais faz com que os grupos subalternos tivessem mais força dentro do
cenário nacional. Nesse contexto, surge primeiramente o Programa Fome Zero, que visava
acabar com a fome no Brasil, e houve também a ampliação dos programas de transferência
direta de renda. O governo Lula surge como uma possibilidade de resposta mais clara às
pressões sociais. Daí, a criação de programas como o PAA e outros programas como o PNAE
(Programa Nacional da Alimentação Escolar).
As reformas dentro do PRONAF se deram no campo da distribuição de recursos e nas
modalidades assistidas. Com estas políticas novas demandas foram sendo atendidas como:
políticas de compra, políticas de incentivo a criação de estoques de alimentos, e uma política
contínua de garantia de preços mínimos. Tais medidas serviram como atenuantes na questão
da fome.
Já no governo de Dilma Rousseff, o combate à miséria passa a ser um importante
mote, com a instituição do programa Brasil Sem Miséria. Há, no geral, uma continuação das
políticas adotadas pelo governo anterior, mas há um aumento lento e progressivo de algumas
questões sociais no Brasil, que também podem ser sentidas no campo.
O surgimento das políticas públicas é primordial para a manutenção do camponês no
campo. A recriação camponesa se dá não somente pela reterritorialização, mas também a
partir da manutenção do camponês produzindo na terra. Encontrar formas para que isso
aconteça fornece base para um desenvolvimento alheio às interpretações mercadológicas.
3.4.2 Avaliações do PAA
Desde o surgimento do Programa de Aquisição de Alimentos houve diversas
avaliações sobre o mesmo nos mais diversos lugares do Brasil. Alguns destes trabalhos
merecem destaque, embora a maioria deles se baseie em uma concepção mercadológica, do
54
paradigma do capitalismo agrário, estes trabalhos demonstram os efeitos positivos do
programa para os agricultores familiares.
Em Delgado, Conceição e Oliveira (2005, 2015), é feita uma avaliação formal do
programa. Os autores destacam a recuperação dos preços das mercadorias que beneficiam
tanto os produtores diretos como os benefícios indiretos daí decorrentes.
Um aspecto que muitas vezes não é considerado nas análises sobre o
Programa de Aquisição de Alimentos − além do apoio à produção para o
autoconsumo, do excedente para comercialização e do subsídio ao consumo
– são os benefícios indiretos advindos da recuperação dos preços recebidos
pelos produtores. Isso tem ocorrido tanto nos locais de abrangência dos
pólos de compra da Conab quanto nos demais, onde são realizadas as
compras institucionais através dos convênios firmados pelo MDS com os
estados e as prefeituras municipais. Há casos em que o simples anúncio da
compra pública de determinada quantidade de produto é suficiente para
elevar os preços agropecuários. (DELGADO, CONCEIÇÃO e OLIVEIRA,
2005, p. 18).
Para Miller (2007), a agricultura familiar encontra no governo Lula um novo
redirecionamento. A autora destaca uma característica diferente do PAA em relação ao
PRONAF. Isto é, para a implantação do PAA houve uma discussão mais lenta e mais
aprofundada entre pesquisadores, políticos e movimentos sociais. Essa composição resultou
em um programa que inter-relaciona agricultura familiar, abastecimento e segurança
alimentar.
O PAA traz elementos em sua concepção que apontam para um
redirecionamento do entendimento sobre o papel que a agricultura familiar
exerce no desenvolvimento da sociedade brasileira, principalmente nas
perspectivas de desenvolvimento mais equitativo, com a incorporação de
setores excluídos da economia e com a valorização dos agricultores
familiares enquanto atores. O acompanhamento da evolução destes temas na
esfera de debates sobre políticas públicas e mesmo de estratégias de
desenvolvimento se faz necessário, para que as opções sejam feitas de
maneira consciente e consequente. (MULLER, 2007, p. 119).
De fato, o governo Lula abriu portas para que alguns movimentos sociais que
estiveram tradicionalmente fora do governo pudessem participar dos debates em torno das
políticas públicas. Foi a permeabilidade do Estado brasileiro nesse momento que permitiu
maior integração entre sociedade civil e Estado para se estabelecer as relações necessárias
para novas roupagens nas políticas públicas.
55
Zimmermann e Ferreira (2008) fazem uma avaliação sobre os resultados do PAA, em
Mirandiba - PE, e sublinha dentre os aspectos positivos do programa, a melhoria na qualidade
de vida da população local:
Los resultados y evaluaciones del PAA indican que el programa ha tenido
incidencia en la alteración de la matriz productiva y del consumo de la
agricultura famliar menos capitalizada, bien como en la matriz del consumo
de las entidades beneficiadas con las donaciones. Esto se debe a que muchos
agricultores pasaron a darle valor/producir productos locales, aumentaron
sus ingresos, calificaron su producción y el consumo doméstico al incorporar
frutas y hortilizas a la dieta familiar. Los beneficios en términos del consumo
también abarcaron a las entidades beneficiadas por los donativos, lo que
resultó en una alimentación más saludable para la población victimizada por
la inseguridad alimentaria. Los datos estudiados muestran que el programa
arroja resultados numéricos significativos en recursos invertidos, así como
en beneficiarios directos e indirectos. (ZIMMERMANN e FERREIRA,
2008, p. 38).
Para as autoras, no município, houve toda uma mudança da estrutura produtiva e do
consumo dos produtores da agricultura familiar. Estes benefícios foram estendidos para os
consumidores. Para elas, o maior benefício está na qualidade da alimentação, pois foi
introduzida no cardápio uma maior quantidade de frutas e hortaliças. Essa conjectura tende a
fortalecer a segurança alimentar que é um dos principais objetivos do programa.
Para Lauro Mattei (2015), um dos principais teóricos a estudar o PAA, dentre outros
benefícios, o programa ajuda o agricultor duplamente: oferecer preços superiores aos de
mercado e em manter um preço fixo.
Neste sentido, um dos aspectos mais citados pelos agricultores e suas
organizações foi a possibilidade de organizar e planejar parte da produção a
partir de uma lógica local, ou seja, a demanda dos mercados locais foi
considerada um importante fator de estímulo à produção de vários tipos de
alimentos que não estavam sendo priorizados no plano de atividades das
unidades de produção. Paralelamente a isto, os agricultores passaram a ter
um compromisso relativo à periodicidade de fornecimento dos alimentos às
entidades credenciadas pelas coordenações locais, fato que os obriga a adotar
uma estratégia clara em relação ao processo produtivo. [...] Outro ponto
relevante diz respeito ao processo de definição dos preços dos produtos
agropecuários, que possibilitou o estabelecimento de um preço “mais justo”,
segundo a interpretação da maioria dos entrevistados. Este aspecto é
essencial, especialmente para aqueles segmentos de agricultores mais
vulneráveis e que geralmente têm pouco poder de barganha para defender
melhores preços aos seus produtos quando conseguem se inserir nos
mercados locais e regionais (MATTEI, 2015, p. 6).
Segundo o autor, surge a possibilidade de planejamento da produção por parte do
agricultor familiar em escala local. Os agricultores familiares garantem a periodicidade de
56
suas vendas de alimentos. Isso alavancou inclusive a produção de outros alimentos que sequer
estavam na matriz produtiva destes municípios. Além disso, estes agricultores são
beneficiados por preços “mais justos”. Neste caso, este programa além de uma política
agrícola também se justifica como política social, por fornecer uma renda a estes pequenos
produtores.
Doretto e Michellon (2014) fazem uma análise dos resultados do programa no estado
do Paraná. Eles ressaltam o aumento da rede de fornecimentos do PAA. O que gera para o
pequeno produtor mais opções de mercado, consequentemente.
O Programa tem sido excelente para fortalecer a agricultura familiar e
atender a demanda de escolas, creches, hospitais e outros que necessitam de
alimentos saudáveis e em quantidade para o pleno desenvolvimento de suas
funções acadêmicas e físicas. Vale ressaltar que o tempo de deslocamento
(ida e volta) das crianças da área rural até a escola é grande, aliada à baixa
condição de vida das famílias, logo, é justo servir merenda de qualidade,
principalmente porque boa parte delas tem no período de permanência na
escola o maior suprimento alimentar diário. (DORETTO e MICHELLON,
2014, p. 135).
Dentre vários benefícios destacados pelos autores, as escolas são favorecidas com o
Programa. Crianças que, em alguns lugares do Brasil, levam muito tempo para chegar ao seu
lugar de estudo e dependem de uma alimentação de qualidade podem ter acesso a ela. Estas
crianças muitas vezes tem a merenda escolar como fundamental para suportar a jornada
diária.
Nascimento Neto (2012) fez uma avaliação sobre o PAA, no próprio município de
Lagoa Seca, tendo como pressuposto o desenvolvimento regional.
É perceptível que existem várias deficiências nas unidades familiares
estudadas, pois carecem de necessidades básicas para a realização do
trabalho e da produção como esterco, mão de obra e insumos, etc. O PAA
não resolve todas essas deficiências, mas, segundo os agricultores, ele resulta
em um auxílio satisfatório; até pela situação de vulnerabilidade econômica
em que eles se encontram, qualquer impacto financeiro, mesmo não
representando muito será sempre quantificado como acréscimo na renda.
(NASCIMENTO NETO, 2012, p. 130).
Ele conclui que o PAA é um auxílio pequeno, mas que responde satisfatoriamente ao
acréscimo da renda dos pequenos produtores. Ele destaca, dentre outros fatores, o fato dos
agricultores fornecedores estarem em situação tal de vulnerabilidade que qualquer auxílio
57
financeiro seria positivo. Nesse sentido, ele observa as carências produtivas das plantações e a
falta de capitalização dos produtores.
Vieira e Viana (2014) em uma pesquisa mais ampla em praticamente todos os estados
do Brasil constatam diversos avanços, dentre eles a tendência à diminuição do fluxo de
pessoas para grandes cidades.
O PAA pode estar influenciando os agricultores a alterarem suas estratégias
de trabalho e alocação dos recursos financeiros e humanos. Segundo suas
respostas nas oficinas de documentação do PAA, os agricultores têm se
voltado à produção agrícola, deixando de migrar para a cidade. (VIEIRA e
VIANA, 2014, p. 8).
As autoras tentam fazer uma conexão entre o programa e o modo de funcionamento da
agricultura familiar. Segundo as mesmas, o programa tem evitado o êxodo rural e tem
incentivado que o agricultor continue produzindo, mesmo aqueles que já haviam deixado a
atividade. Percebe-se que essa tendência se repete nos estudos de Grisa et al. (2011, 2015) e
Andrade Júnior (2009).
Percebe-se que nos trabalhos analisados que a realidade do contexto local é importante
para se entender as dinâmicas do programa em cada espaço. Nesse sentido, é preciso entender
o município de Lagoa Seca e a sua carência de políticas públicas para em posterior momento
analisar o funcionamento do PAA no município.
58
4 A PRODUÇÃO CAMPONESA EM LAGOA SECA E SUA COMERCIALIZAÇÃO
Para o município de Lagoa Seca a atividade agrícola familiar se mostra extremamente
importante, uma vez que diz respeito à reprodução da vida da maioria da população do
município. Dos quase 30.000 habitantes (IBGE, 2010), aproximadamente 60% habitam a
zona rural e têm a vida relacionada à atividade primária. Mesmo na zona urbana, são muitos
os trabalhadores que trabalham direta ou indiretamente na atividade como boias-frias,
carroceiros, sacoleiros, fretistas e atravessadores. No município estudado, as transformações
na organização da produção familiar atingem diretamente ou indiretamente a maioria da sua
população.
As formas de comercialização dos produtos da agricultura familiar, bastante
tradicionais, podem ser consideradas como um dos principais problemas enfrentados pelos
produtores desse município. A ação dos atravessadores faz com que o preço praticado dos
produtos no mercado eleve-se, de forma considerável, sem beneficiar o produtor. Este se vê
cada vez com menos capacidade de manter sua unidade familiar. Em decorrência desta
realidade, muitos agricultores estão sendo repelidos desta forma de atividade, transformandose em mão de obra barata para serviços urbanos pesados que não careçam de instrução. Eles
são relegados à sorte do chamado “trabalho acessório” para assegurar a sobrevivência, quando
não há condições de garanti-la em atividades relacionadas com sua origem camponesa.
A escolha de estudar a dinâmica da comercialização da produção familiar de base
camponesa no município se justifica pela importância que tem essa forma de organização
produtiva no município, certamente um dos mais expressivos nesse aspecto entre todos os
municípios paraibanos. As condições naturais favoráveis e a cultura sedimentada tem
propiciado, historicamente, o desenvolvimento da produção de hortaliças e frutas, em
pequenas unidades de produção de caráter camponesa. Essas características permitem
identificar a produção do município estudado como tal.
A conjuntura geográfica do município, principalmente de clima e solo propicia
condições bastante favoráveis ao desenvolvimento da agricultura familiar. Municípios
limítrofes já perceberam esse potencial e desenvolveram programas de fortalecimento das
suas potencialidades econômicas como no caso de Alagoa Nova - PB, com o incentivo à
produção de galinha de capoeira e Matinhas - PB, com o incentivo à produção de laranja.
Já em Lagoa Seca, a relação parece contraditória mesmo com condições bastante
interessantes de desenvolvimento e aproveitamento econômico da produção familiar, o
município tem sofrido a tendência do êxodo rural registrada em todo o Brasil, diagnosticada
59
pelo IBGE (2010). Segundo esse censo, a população total era de 25.900 habitantes e destes
10.570 residiam na área urbana e 15.330 na área rural, respectivamente 40,8% e 59,2%,
enquanto que no censo IBGE de (2000) o total de habitantes foi de 24.174 habitantes dos
quais 8.112 viviam na área urbana e 16.042 viviam em áreas rurais, 33,6% e 66,4%.
No município a população rural vem diminuindo tanto em termos absolutos como em
percentual na participação geral, considerando inclusive que, nesse intervalo de tempo, este
não teve nenhuma área desmembrada e também nenhuma área nova considerada como zona
urbana. Essa condição é interessante para pensarmos a nossa agricultura familiar. Segundo o
censo agropecuário do IBGE de 1995/96, foram registrados 2200 unidades agrícolas, e no
censo agropecuário de 2006, foram registrados 1820, uma redução de 380 unidades o que
representa uma redução de 15% nos estabelecimentos agrícolas.
Esses dados apontam para uma situação de êxodo rural extremamente contraditória
com as condições naturais favoráveis do município de Lagoa Seca. Visto que em dez anos
mesmo a população total tendo apresentado aumento, a população rural diminuiu tanto em
termos percentuais quanto em termos absolutos. Essa realidade contrasta, aparentemente, com
observações de campo que indicam um aumento considerável do número de casas e
construções.
É importante lembrar que outros fatores têm interferido na dinâmica da organização do
espaço agrário do município, que explica o contraste entre os dados censitários e o dinamismo
da construção rural. Destaca-se a especulação imobiliária nas áreas rurais que tem contribuído
para a criação de condomínios e granjas que servem principalmente à população de alta renda
do município de Campina Grande. Isso é expressivo nas áreas mais próximas do acesso pela
BR 104, fator que tem provocado à diminuição de áreas que se destinavam as pequenas
criações de gado, mas que ainda não tem atingido na mesma intensidade a produção agrícola.
A expansão urbana do município de Campina Grande pode gerar nos próximos anos a
existência de uma conurbação entre as zonas urbanas das duas cidades. Este fato tem feito
com que algumas áreas do município de Lagoa Seca se transformem em região periurbana,
gerando aumento da criminalidade na zona rural do município, que também pode ser um fator
que tem gerado a migração de várias pessoas para a área urbana da cidade.
A oportunidade de empregos oferecidos, na cidade de Campina Grande, por empresas
de médio e grande porte como, por exemplo, a Alpargatas S/A e as redes de atacarejos4
presentes também naquele município, como o Supermercado Atacadão, têm atraído boa
4
Grandes redes de supermercado que vendem tanto no atacado quanto no varejo
60
parcela dos jovens que não vislumbram futuro na agricultura familiar, uma vez que a mesma
não oferece condições de sustento para os filhos dos camponeses, ou mesmo, ser sinônimo de
atraso e de condições de pobreza e miserabilidade, para boa parte destes jovens.
A produção de base camponesa é bastante expressiva atualmente no município. E, por
extensão, no estado da Paraíba é uma das mais notáveis já que a maior parte desta produção se
destina ao abastecimento alimentar de outros municípios. Este status é fruto de uma
combinação de diversos fatores como localização e características geográficas, histórico do
povoamento, construção cultural e divisão fundiária que resultam num processo de
ressignificação da produção camponesa e de resistência diante das ações do capitalismo.
Para efeito de estudo se considera o espaço agrário de Lagoa Seca como um território
de base camponesa uma vez que a maior parte da população do município residente nesta área
tem traços característicos desta forma de ser e produzir. A história contínua de adaptação às
formas de ação do capitalismo remodela a partir desta integração o espaço agrário do
município que é intensamente recriado, dando formas e contornos paisagísticos diferentes
como frutos desta resistência. Ao logo da história, a população camponesa tem buscado
resistir de diversas formas aos ditames do capital para a sobrevivência da unidade familiar,
priorizando este ou aquele alimento a ser produzido. Mas permanece a relação de
subordinação desigual e contraditória, que se manifesta no espaço por vezes de forma
materializada ou na própria dimensão invisível do espaço, aquela dos fluxos e das ações.
4.1 Aspectos geográficos do município de Lagoa Seca e início do povoamento
Segundo o IBGE (2010), o município se localiza na mesorregião do Agreste Paraibano
e na microrregião de Campina Grande. Compreende uma área de 108 Km². Limita-se ao
Norte com os municípios de São Sebastião de Lagoa de Roça, Matinhas e Esperança (apenas
100 metros); ao Sul, com o município de Campina Grande; a Leste, com o município de
Massaranduba; e a Oeste, com os municípios de Puxinanã e Montadas. (Ver figura 01).
O mesmo está situado nas seguintes coordenadas: latitude 27º17’09” Sul, e longitude
48º55’17” Oeste. Sua distância à capital João Pessoa é de 129 km por rodovia e o principal
centro próximo é Campina Grande, apenas 7 km. Desde 2009, participa da Região
Metropolitana de Campina Grande uma das maiores do interior do Nordeste.
Figura 01: Localização do Município de Lagoa Seca - PB em Relação à Paraíba.
Fonte: Plano Diretor da Prefeitura Municipal de Lagoa Seca - PB.
36° 00' W
Estrada em Leito Natural
Estrada Pavimentada
Divisão Municipal
Curso d'água
Açudes
Sede Municipal
Convenções Cartográficas
BR-104
BR-104
BR-104
BR-104
BR-104
BR-104
pe
ua
ng
ma
Ma
o
Ri
PB-097
PB-097
PB-097
PB-097
PB-097
PB-097
BR-104
BR-104
BR-104
BR-104
BR-104
BR-104
Lagoa Seca
BR-104
BR-104
BR-104
BR-104
BR-104
BR-104
LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE LAGOA SECA EM
RELAÇÃO AO ESTADO DA PARAIBA
PB-095
PB-095
PB-095
PB-095
PB-095
PB-095
35° 48' W

7° 12' S
61
62
O relevo está incluso totalmente no Planalto da Borborema. Sendo, portanto, bastante
movimentado e ondulado com pontos de até 675 metros de altitude. Por causa da sua
topografia o município registra um bom número de nascentes do Rio Mamanguape e do Baixo
Paraíba, caracterizando-se como divisor de águas, tendo a maior parte do seu território
incluída na bacia hidrográfica do primeiro.
O clima predominante é o Tropical Quente e Úmido; com temperatura média anual em
torno dos 22ºC, com mínimas de 17ºC e máximas de 33 º. A precipitação anual média
encontra-se entre as isoietas de 1100 a 1200 m/ano. O período de chuvas estende-se de março
a agosto, com maior volume de chuvas entre maio e julho (OLIVEIRA et al., 2014).
Os principais solos dividem-se em: planossolos, os podzólicos, os litólicos. Os
planossolos são encontrados tanto nas superfícies suave onduladas a onduladas, quanto nos
vales dos rios e riachos; eles têm fertilidade natural mediana (nas superfícies onduladas) e alta
(nos vales). Os Podzólicos também são encontrados nas superfícies onduladas, apresentando
fertilidade natural média. Os líticos, presentes nas elevações, são rasos com fertilidade natural
média (CPRM, 2005).
O município encontra-se com sua vegetação primitiva, a mata semidecidual,
intensamente devastada. A vegetação de caatinga se faz presente em áreas mínimas de difícil
acesso. A maior parte da vegetação que existia encontra-se em estado de antropismo
caracterizado pelas atividades agrícolas, que ali se desenvolvem, a maior parte destinada à
produção de frutas e hortaliças.
Lagoa Seca recebe influência direta do polo geoeconômico de Campina Grande que
complementa/oferece vários serviços além de constituir o principal ponto de escoamento da
produção de hortifrutigranjeiros do município. A economia rural também é baseada na
pecuária principalmente de bovinos, suínos e ovinos. Na zona urbana, tem uma pequena rede
de comércio e uma pequena indústria de cadarços para calçados.
Segundo os dados do Censo Agropecuário do IBGE (2006), o pessoal ocupado em
estabelecimentos agropecuários era de 4.854 pessoas, o que mostra que a atuação na área
agrícola detém a maioria da População Economicamente Ativa do município. O IDH
calculado em 2010 pelo PNUD era de 0,627 configurando um IDH médio. O PIB per capita
em 2010 era de R$ 4.108,55, bem inferior à média estadual que é de 9.348,00.
Um dos fatores a se considerar no processo histórico de constituição do município é
sem dúvida a influência religiosa disseminada na cidade a partir dos franciscanos5 que
5
Os franciscanos deram início à construção do Seminário franciscano em janeiro de 1940, o qual superou as
expectativas pela dimensão da obra. O convento foi construído com dinheiro que vinha da Alemanha e com
63
chegaram por volta de 1939. Os primeiros frades, vindos da Alemanha, a chegarem ao lugar
foram: Frei Pedro Westermann e Frei Lamberto Hoetting, e Frei Manfredo Panttenburg.
Além da presença religiosa, o mesmo se destaca no artesanato de estopa e de madeira,
fruto da Escola de Economia Doméstica de Lagoa Seca, que se estabeleceu nas décadas de
1970 e 1980. Entretanto, a comercialização encontra-se difícil, pois os artesãos não dispõem
de um espaço adequado para a mesma e têm que expor suas obras em feiras de outros
municípios, estados e/ou em outras regiões do país ou em eventuais oportunidades dentro da
própria cidade. Além disso, uma parte destes artistas se encontra insatisfeita com a falta de
reconhecimento da profissão.
O comércio interno é relativamente bem diversificado com lojas de materiais de
construção, supermercado, mercadinhos, lojas de roupas, calçados e bijuterias, farmácias,
padarias, sorveterias, restaurantes, serralharias, movelarias, postos de gasolina, sacolões,
dentre outros. Entretanto, predominam na zona urbana pessoas que trabalham/vivem do
comércio da agricultura familiar, alguns trabalham no comércio lojista ou na indústria em
Campina Grande, outros são trabalhadores públicos municipais locais e também aposentados.
Lagoa Seca ainda concentra um bom número de potencialidades que são pouco
exploradas como o turismo religioso e rural, destacando-se o Convento Ipuarana, a Imagem
da Virgem dos Pobres, a Chácara Mariama, o Colégio Marista, dentre outros. Alguns são
centros de encontro que recebem pessoas de diversos lugares do Brasil, a arquitetura típica
dos franciscanos alemães remonta ao período das grandes guerras mundiais e é marca da
história da população local.
No caso do turismo rural, a paisagem campesina da produção agrícola se configura
como bastante expressiva, embora não seja explorado. Este, por ser considerado “Portal do
Brejo”, pelos habitantes locais, se difere pelo verde das plantações de hortifrutigranjeiros de
alguns municípios mais secos do entorno.
O município não difere das realidades de pequenas cidades que têm por característica a
falta de diversificação que causa estagnação e dependência exacerbada do serviço público. O
ajuda dos habitantes locais. Este se constitui atualmente como o principal ponto turístico da cidade pela sua
imponência arquitetônica. O Seminário recebeu muitos estudantes ao longo do tempo, de cidades da Paraíba e
até de outros estados, alunos que nem sempre buscavam a vida religiosa, mas queriam garantir o local de estudo
até então escasso na região. Outra ordem religiosa presente na cidade é a dos Irmãos Maristas, que chegaram por
volta de 1953. Durante muito tempo funcionou a formação dos noviços. O colégio Marista funcionava no
regime de internato e também recebeu vários estudantes. Hoje o Colégio Marista de Lagoa Seca funciona como
Casa de encontros. Ainda na cidade há a presença das Irmãs Damas. A Virgem dos Pobres também se configura
como um importante ponto religioso e turístico da cidade. A imagem trazida da Europa, em 1958, é alvo de
peregrinação da população da cidade em novenas realizadas nas segundas feiras. Recebe também muitas visitas
de pessoas de outros municípios.
64
clientelismo político, a fragilidade perante as questões de dependências do mercado ou de
uma cidade maior afeta a economia. A composição do valor agregado reflete a realidade dos
demais municípios do estado, isto é, a superioridade do setor de serviços, que responde por
74,3% do valor agregado municipal. Apesar da preponderância das atividades terciárias em
termos de composição do valor agregado, o setor agropecuário se destaca em termos de
absorção da força de trabalho. Além disto, deve ser lembrado que todas as outras formas de
vivência estão a estas relacionadas. Assim é preciso atentar pela segurança deste modo de
produzir para garantir a circulação de recursos que dá vida às relações comerciais locais.
4.2 Características do povoamento e formação do campesinato
O município de Lagoa Seca teve seu povoamento ligado às mesmas características que
outros que compreendem a Mesorregião do Agreste paraibano, região situada entre as
mesorregiões da Mata Paraibana e da Borborema. Conforme Moreira e Targino (1997).
Trata-se de uma área fortemente diversificada, tanto no que se refere aos aspectos
naturais, quanto ao uso da terra, às relações de trabalho e ao potencial econômico.
Essa Mesorregião compreende duas grandes áreas: o Agreste Baixo, situado
imediatamente à retaguarda do Litoral no trecho que se estende da Depressão
Sublitorânea até os primeiros contrafortes da Borborema e; o Agreste Alto, que
compreende o Brejo Paraibano, o Agreste Ocidental (à retaguarda do Brejo), as
Serras do Norte (região elevada do Cutimataú), e as de Natuba e Umbuzeiro. O
Brejo Paraibano se distingue como uma mancha úmida que se individualiza no
interior do agreste. (MOREIRA e TARGINO, 1997, p. 79).
Os relatos dos autores pesquisados destacam que antes de começarem a serem
povoadas, as terras que hoje pertencem ao município pertenciam aos índios do aldeamento
dos Bultrins, grupo que pertencia à Nação Cariri. Elisângela Santos enfatiza que: “[...] os
Bultrins ocupavam a região entre os Cariris Velhos, Pilar e Alagoa Nova” (SANTOS, 2007, p.
24).
A autora esclarece que a palavra Bultrins relaciona-se ao lugar onde eram aldeados os
índios Cariris pelos missionários. Os indígenas deixaram o município por volta de 1670, pois
os interesses da Coroa Portuguesa entraram em conflito com o interesse dos jesuítas, sendo os
últimos expulsos do país. Com isto os índios retornaram para a missão Nossa Senhora do Pilar
em Taipu, deixando as terras como propriedade do Estado.
Essa conjectura corrobora com as afirmações de Moreira e Targino (2015). A corrente
de povoamento, no entanto, ficou restrita, inicialmente, ao Agreste Baixo, seguindo o vale do
Rio Paraíba. A ocupação do Agreste Alto foi retardada pela conjugação de fatores tais como:
65
vegetação de floresta, relevo elevado, presença de indígenas e falta de disponibilidade de
capital. Com o passar do tempo, as terras foram ocupadas por algumas famílias e algumas
partes foram vendidas e doadas a particulares que queriam morar e desenvolver alguma
atividade econômica, estas ligadas principalmente à agropecuária que depois se desenvolveria
na área.
Alguns dos fatores que também influenciaram o início do povoamento do município
de Lagoa Seca foram o desenvolvimento econômico da cidade Brejo de Areia e a
consolidação da comercialização de algodão por parte da cidade de Campina Grande. A
primeira já tinha uma produção agrícola considerável, escoando seus produtos para diversas
áreas do sertão e do litoral. A segunda destacava-se pela feira que atraia comerciantes de
vários lugares. Estabeleceu-se assim uma rota comercial entre Brejo de Areia e Campina
Grande. As principais mercadorias eram a rapadura e a cachaça, estas eram carregadas nos
lombos de burros pelos tropeiros que faziam esta rota.
O processo inicial de ocupação e de povoamento do Agreste esteve, da mesma
forma que no caso sertanejo, relacionado ao desenvolvimento da atividade
açucareira. Esta, como foi anteriormente colocado, promoveu, em seu período áureo,
a separação da produção agrícola e pecuária, determinando uma divisão espacial do
trabalho: o Litoral se especializou na produção do açúcar, enquanto a lavoura
alimentar e a pecuária passaram a ser produzidas no Sertão e no Agreste.
(MOREIRA e TARGINO, 1997, p. 79).
O cultivo das terras, que atualmente pertencem a Lagoa Seca, de início foi
estabelecido por fazendeiros que destinaram-se ao plantio da cana-de-açúcar, da mandioca e
da produção de subsistência e remontam a segunda metade do século XIX e início do século
XX. Um exemplo em Lagoa Seca é o engenho Araticum para a produção de cachaça e de
rapadura.
Nesta época as várias culturas que se desenvolviam no lugar, aproveitando a boa
disponibilidade de água, atraíram muitas famílias para o trabalho nesses cultivos, advindas de
diversas regiões da Paraíba, como das cidades do Brejo, do Cariri e do Sertão. O acesso à
terra se manifestava de diversas maneiras. Sendo a mais comum o sistema de aforamento,
enquanto os foreiros trabalhavam em seus pequenos cultivos em alguns dias, em outros
trabalhavam no eito.
66
Figura 02: Ruínas do Engenho Araticum, Sítio Araticum.
Fonte: Pesquisa de campo
Segundo os habitantes do lugar, nessa época havia alguns engenhos nessa região, na
pesquisa observou-se um deles que pertencia à família Tavares, detentora de outros engenhos
como, por exemplo, o engenho Macaíba em Alagoa Nova. As relações trabalhistas desta
época não eram tipicamente capitalistas. Ao mesmo tempo em que trabalhavam sazonalmente
no engenho, podiam cultivar seus roçados e tinham o direito à moradia assegurada pelo
senhor de engenho.
Ainda nesta época, o preço da terra não tinha adquirido o valor de mercado que tem
hoje o que ajudou na configuração fundiária atual. O desmembramento era comum, inclusive
doações para novas pessoas que se interessassem em desenvolver os plantios.
O primeiro morador do lugar onde está a sede do município foi o senhor Cícero
Faustino da Silva. No ano de 1929, observando o constante movimento da estrada, ele
construiu uma casa simples com uma tenda, onde ele matava bois. Nesta tenda, ele cortava a
carne para vender aos tropeiros e aos moradores dos sítios vizinhos. Conforme Santos (2007,
p. 31) “O local escolhido por Cícero Faustino da Silva para vender carne logo ficou sendo
chamado pelas pessoas da redondeza de Tarimba6”. Descreve Moreira e Targino (1997, p. 80)
6
Desta forma o primeiro nome do lugar ficou sendo Tarimba. Segundo os habitantes locais, Cícero Faustino
construiu posteriormente um galpão, onde os tropeiros paravam para comprar carne para consumo próprio,
descansar e dar água aos burros. Configurando, portanto, um ponto de parada para estes. O nome de Tarimba
67
que “Contribuiu para ocupação do Agreste o surgimento de currais e de ponto de pouso, para
gado e vaqueiros oriundos da região sertaneja quando dos longos percursos em direção ao
litoral”.
Um fator que contribuiu para o adensamento populacional de Lagoa Seca foi a
chegada dos frades franciscanos, na década de 1930. Fundaram um convento que durante
muito tempo também serviu de seminário para a ordem franciscana.
Conforme Nascimento Neto (2009), “Somente em 1938 é que Lagoa Seca teve
ascensão à condição de vila através do decreto-lei 311” (p.15). E isto aconteceu por força do
interventor Argemiro de Figueirêdo no dia 15 de Novembro, segundo o Histórico da
Prefeitura Municipal de Lagoa Seca. Depois de todos estes acontecimentos, Lagoa Seca
começou a alavancar o seu crescimento com pequenos estabelecimentos comerciais,
adensando uma pequena mancha urbana. A urbanização do local, com o calçamento das ruas
na década de 50 e a construção da BR 104 na década de 60, acabou por impulsionar a
emancipação política.
Em 1964, no dia 04 de janeiro, apesar da negatividade de algumas lideranças, que
queriam continuar dependentes, por falta de recursos principalmente, ocorreu a emancipação
política do município, desmembrando-se de Campina Grande. Recém-criado teve
dificuldades, mas continuou aumentando a sua população, principalmente na zona rural.
O município crescia em número de habitantes na zona rural, com a disponibilidade de
terras agricultáveis. A pluviosidade característica proporcionava a presença de solos mais
profundos e férteis que favoreceu ao desenvolvimento de algumas monoculturas como a canade-açúcar, o sisal, o cultivo da mandioca.
Segundo os relatos locais, nas décadas de 50 e 60 também foi cultivado o sisal7. São
registrados também alguns engenhos e, posteriormente, muitas casas de farinha.
permaneceu por um bom tempo, pois Cícero Faustino conseguiu êxito nos negócios, passando a comercializar de
tudo. Outros moradores foram chegando, com destaque para a família Borges que conseguiu implantar vários
pontos comerciais e uma pequena feira. Depois de Tarimba o município também foi chamado de Lama da Gata,
Floresta dos Leões e Ipuarana. Segundo os habitantes locais mais antigos e também o Livro Tarimba Aspectos
históricos e culturais de Lagoa Seca 1929-1969 (2007), o nome de Lama da Gata se deu por causa de uma gata
encontrada morta em uma lagoa que ficava mais abaixo da Tarimba. A denominação Floresta dos Leões teria
relações com as matas encontradas aos arredores do lugar e Ipuarana seria de origem indígena com base na
língua Tupi-guarani, IPU= Lagoa, ARANA= Ruim/Seca, mas não encontrou apoio popular na época, pois a
nomenclatura Lagoa Seca já estava impregnada na população local. Segundo a versão do IBGE (2010), o nome
da cidade tem relação com o proprietário de engenho, morador antigo da cidade, denominado Coronel Vila Seca.
Entretanto, os populares dão outra versão para este nome que tem origem na mesma lagoa. Dizem que esta não
segurava a água, apesar de chover na região o suficiente para isto acontecer, e os tropeiros ao passar no local a
denominaram de Lagoa Seca. Assim, portanto, acabou virando ponto de referência, encontro e espera entre os
tropeiros.
7
O sisal é uma fibra resistente produzida pela “Agave Rígida”, planta da família das “Amarilidáceas”, originária
do México e da América Central. Expandiu-se no Agreste a partir de 1940. Concorreu para isto a conjuntura
68
O impacto da expansão sisaleira na região Agrestina se fez sentir através da
revalorização das terras, da abertura de novas estradas, renovação das habitações dos
proprietários de terra, com destaque para os senhores de Engenho do Brejo e,
sobretudo, no nível e sazonalidade do emprego rural e nas relações de trabalho.
(MOREIRA e TARGINO, 1997, p. 82).
O sisal contribuiu para inserção do trabalho assalariado no campo no município de
Lagoa Seca, tendo em vista que as relações antes praticadas raramente eram monetarizadas. O
sisal servia para complementar a renda dos trabalhadores principalmente no período de corte,
que coincidia com a época mais seca do ano onde a produção agrícola não era tão rentável.
A principal forma de manter a alimentação era a existência dos roçados, nos quais os
trabalhadores cultivavam raízes como a batata doce, o cará, o inhame, a macaxeira, o feijão e
o milho. Os pequenos produtores faziam estas roças geralmente ao redor das suas moradias.
As trocas entre estes se davam de forma contínua, e as plantações configuravam uma base de
produção camponesa nas formas dos roçados. Nestes estava envolvida toda a família,
inclusive é importante chamar atenção para o trabalho de mulheres e crianças que aprendiam
hereditariamente o cuidado com o solo na manutenção das tradições.
A pequena produção camponesa fornecia alimentos aos trabalhadores, como forma
suplementar às outras atividades. Nesse período, podemos destacar também a produção do
fumo em pequena parcela, que também foi citada pelos habitantes locais, fortalecendo a
característica de policultura. A pequena produção de alimentos se consolidara nos interstícios
de outras formas de produções, possibilitando a organização do espaço agrário caracterizado
pela diversidade nas formas de produção e relação de trabalho, ao mesmo tempo em que
formara uma classe social camponesa.
A presença religiosa e o artesanato foram então aliados à atividade agrícola que
sempre foram as potencialidades do município contribuindo para o crescimento do mesmo.
Segundo os habitantes mais antigos, a atividade agrícola sempre esteve presente na
constituição das práticas da população. Já a implantação de uma feira em Lagoa Seca teve
dificuldades de ocorrer por uma série de fatores, dentre elas, a proximidade com Campina
Grande, porque tinha já constituído um polo comercial com mais variedades para compra de
produtos comercializáveis. Como explica Santos:
Durante alguns anos, tentaram criar a feira de Lagoa Seca, mas sempre sem sucesso
devido à proximidade entre as duas cidades (Campina Grande e Lagoa Seca) e pelo
externa favorável (altos preços e demanda), além das condições ecológicas propícias. (MOREIRA E TARGINO,
1997, p. 82).
69
fato da região ser muito rica em frutas e verduras que a população plantava em sua
própria casa para consumo próprio. A maioria das pessoas preferia fazer as suas
compras na feira de Campina. (SANTOS, 2007, p. 119-120).
A atuação de uma feira como centro de distribuição em Lagoa Seca não era viável
naquele tempo, pois a agricultura camponesa era dominante, os sítios eram ricos e os roçados
abundantes, a alimentação para os habitantes locais não era problema. Hoje o município
possui apenas uma pequena feirinha destinada aos produtos orgânicos que acontece aos
sábados, sob a coordenação da AS-PTA.
Portanto, Lagoa Seca tem sua essência na atividade da agricultura a partir da sua
forma camponesa, principalmente de roçados de raízes, frutas e verduras. Já a mandioca
sempre teve bastante destaque na agricultura do município, e durante muito tempo foi a
principal atividade agrícola, constituindo também a principal atividade industrial com a
produção de farinha de mandioca. Santos (2007, p. 121) enfatiza que:
A produção de farinha de mandioca atingiu números muito altos em Lagoa Seca,
quando foi instalada em 20 de janeiro de 1936 a cooperativa dos beneficiadores de
mandioca de Lagoa Seca com o Apoio de Argemiro Batista e Antônio Borges a
usina de farinha do senhor José Jerônimo da Costa, sendo grande quantidade do
produto destinada à feira de Campina Grande e de lá ao sertão e litoral.
A obra Tarimba (2007), sendo a principal sobre Lagoa Seca, deixa a desejar quanto à
descrição precisa da importância da atividade agrícola para o município, em especial da
mandioca e produção de farinha, tendo em vista que entre as décadas de 1930 e 1970 a
produção de mandioca e as casas de farinha se espalhavam por todas as regiões deste, se
constituindo como uma organização importante.
Podemos observar o quanto a atividade agrícola já era arraigada no lugar. O município
ainda preserva a cultura da mandioca, mas os seus derivados ganham importância no novo
cenário: a massa e a goma, ficando a farinha em segundo plano. Para Nascimento Neto (2009,
p. 19) “As atividades agrícolas e pecuárias são o cerne da atividade econômica do município.
Ao longo dos anos Lagoa Seca se consolidou como produtor de hortifrutigranjeiros, sendo os
produtos mais representativos, a banana e a produção de hortaliças”.
Na verdade, com o fechamento de várias casas de farinha nas décadas de 60 e 70
houve uma queda da produção da mandioca, com problemas principalmente na ordem do
preço do produto. O que ocasionou o fortalecimento da agricultura de hortaliças e fruteiras,
que atualmente predomina como os principais produtos da agricultura familiar do município,
o que alterou algumas configurações no campo do município.
70
Figura 03: Casa de Farinha de 1921- Sítio Oití, Lagoa Seca.
Fonte: Pesquisa de Campo.
Na produção de farinha trabalhavam um grande número de trabalhadores, desde o
grande roçado, onde trabalhavam os homens, como no processo de prensa, na eliminação da
manipueira e no forno. As mulheres tinham o papel de raspar a mandioca. Das pequenas
criações e da agricultura de subsistência participava toda a família. Sempre presentes,
enquanto os homens trabalhavam no eito, as mulheres ficavam em suas casas, cuidando das
pequenas criações, muitas vezes variadas, como suínos, ovinos e aves. Normalmente
possuíam pequenas hortas no quintal de casa, a fim de abastecer toda a família e ao redor de
casa era comum o cultivo de fruteiras, como mangueiras, bananeiras, jaqueiras, laranjeiras,
goiabeiras, dentre outros.
Como os sítios produziam muito para o autoconsumo da família, raramente os
pequenos produtores concorriam entre si, o que fortalecia traços de solidariedade que ainda
estão presentes, embora em menor frequência. Era comum um trabalhador ajudar o vizinho no
seu roçado, ou na produção de farinha.
Nestes pequenos roçados, havia plantações no regime consorciado de milho, feijão e
fava, muitas vezes o cará e o inhame. Estes produtos eram sempre vendidos na feira de
Campina Grande e serviam tanto para o autoconsumo quanto para o comércio. Práticas que
pouco agrediam o meio ambiente como um todo, pois nas plantações não havia o uso de
71
agrotóxicos e nem de adubos químicos. Proporcionava à população local segurança alimentar
e completava a renda do que faltava com o que era vendido na feira. É bastante comum
encontrar na zona rural do município unidades familiares com parte do “terreiro” calçados em
pedra ou em cimento, devido aos grandes roçados de feijão. Estes eram usados para bater o
feijão e deixá-lo secar.
O crescimento populacional de Campina Grande fez com que aumentasse a demanda
por alimentos advindos da atividade agrícola, o que impulsionou a produção de hortaliças e
fruteiras.
Outro motivo para o aumento da demanda de produtos agrícolas foi a abertura da
Ceasa naquela cidade, que hoje recebe o nome de Empasa, a empresa de abastecimento deu
impulso ao crescimento das plantações. Já que de lá estas mercadorias eram transportadas em
caminhões para outros centros do estado como João Pessoa, Guarabira, dentre outros.
Esta conjectura acentuou a produção e o comércio de hortifrutigranjeiros entre as duas
cidades. O aumento da demanda ocasionou o aumento no preço do frete e o interesse dos
próprios fretistas nessa comercialização, o que fez muitos pequenos produtores deixar de fazer
a venda direta nas feiras. O preço das ferramentas de trabalho, bem como das sementes e dos
adubos para manter essa rotatividade de plantação aumentaram muito. Isso também fez com
que o produtor permanecesse mais tempo na produção, sem ter tempo para realizar as
atividades referentes à comercialização.
Percebendo a lucratividade muitos comerciantes entraram no negócio se aproveitando
de possuir o transporte, ou de obter uma clientela definida. O que fez muitos pequenos
produtores se submeterem aos comerciantes para comercializar os seus produtos. Entre as
décadas de 1970 e 1980, se expandiram significativamente as áreas de plantação de hortaliças
no município, sendo bastante importante na época a produção de chuchu. A cultura que
precisava de muita água provocou o aumento da construção de pequenas barragens no
município. Dada a grande quantidade desse produto na época, Lagoa Seca passou a ser
chamada de “Terra do chuchu”, esse aumento provocou uma elevação significativa da
população rural, atualmente, uma das regiões rurais de maior densidade demográfica do
Brasil.
Os trabalhadores que antes trabalhavam na produção de farinha passaram a se integrar
na nova conjuntura, ampliando o que antes eram as suas produções domésticas a fim de
prover a unidade familiar. A alface e o coentro passaram a ser culturas bastante comerciais
com alta rotatividade, o que garantia um retorno mais rápido que outras e os camponeses se
adequaram parcialmente a esta tendência. Mesmo explorando algumas produções mais
72
comerciais o camponês não abandona o autoconsumo da sua produção. Muitos dos que
plantam o milho para colher na festa de São João não somente plantam para vender o produto,
mas para satisfazer também uma dimensão simbólica, pode-se citar que, análogo a este caso,
alguns agricultores plantam flores destinadas ao dia de finados em novembro.
Com melhor condição financeira e observando o crescimento da demanda, alguns
comerciantes foram comprando os pontos de feira mais comerciais na cidade de Campina
Grande. Os pequenos produtores que antes faziam a venda direta nas feiras não suportando o
endividamento com o frete, com a elevação dos custos de produção e o próprio custo de vida
optaram por deixar a insegurança da venda de mercado para vender aos atravessadores.
Muitos pequenos produtores rurais deixaram de vender nas feiras ou na Empasa em
Campina Grande, pela dificuldade de sair de casa para vender seus produtos, pois diversas
vezes o atravessador ia à própria produção em pontos extremamente longínquos e de difícil
acesso e compravam-na ainda na fase de plantio. Fato que acontecia principalmente na baixa
de mercadorias, período de “falta” e proporcionava uma condição ilusória ao pequeno
produtor.
Os atravessadores foram se especializando no comércio de frutas e hortaliças e
atualmente há atravessadores (donos de caminhão) que compram diretamente dos produtores
rurais, que vendem a outros atravessadores (donos de pontos de venda nas feiras) que vendem
a novos atravessadores que comercializam (que vendem a varejo em mercadinhos de bairro).
O que encarece o preço do produto na ponta final do sistema, mas não beneficia o pequeno
produtor.
4.3 A produção familiar atual do município de Lagoa Seca.
A história do campesinato em Lagoa Seca é fruto da luta pela permanência no campo,
frente às dinâmicas do capitalismo. A lei da oferta de da procura, submete o pequeno produtor
a mudar as características da plantação, ou seja, adaptar-se para conseguir a sobrevivência.
Quando há a retração da demanda por um produto no campo ele procura cultivar outro, mas
sem deixar a sua campesinidade.
A limitada oferta de terras e a divisão progressiva por herança levou o município a ter
como característica marcante uma estrutura fundiária desconcentrada, predominando os
estabelecimentos com área entre 1 a 20 hectares destinados a desenvolver a policultura.
Associando-se o minifúndio e a policultura, temos uma produção diversificada, como:
produção de frutas (laranja e banana, ver figuras 4 e 5), feijão (ver figura 6) e verduras
73
(chuchu, coentro e alface, principalmente, ver figuras 7 e 8), e também a criação de pequenos
rebanhos (ver figura 9).
Algumas áreas se destacam no cultivo de frutas e outras no cultivo de hortaliças.
Nascimento Neto elucida que:
Segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca e da ASPTA, o município apresenta seis diferentes regiões com atividades produtivas
específicas: Região dos Roçados (mandioca, feijão e batatinha), Região das
Verduras (alface, coentro, tomate, pimentão, repolho, cebolinha e alguns
verdureiros plantam flores), Região do Encontro dos Rios (criação de pequenos
rebanhos), Região das Frutas (banana, tangerina e laranja cravo), Região das
Ladeiras (manga, jaca, banana, maracujá, caju, laranja, macaxeira e feijão) e a
Região do Agreste (a maioria das terras é de fazendas de gados e alguns poucos
agricultores plantam mandioca, milho e feijão). (NASCIMENTO NETO,
2009, p. 19)
Conforme descreve o autor, as atividades agrícolas localizam-se em lugares
específicos do município, isso se deve aos lugares terem diferentes contextos e serem
favoráveis a alguns tipos de produtos e outros não, é o caso da Região das Ladeiras onde não
se planta muitas hortaliças e da Região do Agreste, onde se desenvolve muito mais a pecuária,
nas proximidades do município de Massaranduba. Esta distribuição projeta-se em um mosaico
de culturas, na diversidade de formas de relação de trabalho, e de formas de resistência e
permanência na terra.
Figura 04: Produção de laranja - Sítio Oití - Lagoa Seca.
Fonte: Pesquisa de Campo.
74
Figura 05: Produção de banana - Sítio Mineiro - Lagoa Seca.
Fonte: Pesquisa de Campo.
Figura 06: Produção de feijão - Sítio Campinote - Lagoa Seca.
Fonte: Pesquisa de Campo.
75
Figura 07: Aspectos da produção de alface e coentro - Sítio Alvinho - Lagoa Seca
Fonte: Pesquisa de Campo.
Figura 08: Latadas de chuchu - Sítio Rosa Branca - Lagoa Seca
Fonte: Pesquisa de Campo.
76
Figura 09: Pequena criação de gado - Sítio Jucá do Cumbe - Lagoa Seca.
Fonte: Pesquisa de Campo.
Figura 10: Produção Agrícola por Região em Lagoa Seca.
Fonte: Plano Diretor do Município de Lagoa Seca. Adaptado.
77
A figura 10 está baseada na divisão feita pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Lagoa Seca, fruto de um trabalho conjunto com pequenos agricultores e a AS-PTA. Ele
destaca as regiões do município associado às atividades econômicas. Esta divisão foi
aproveitada pela Coopacne para a construção do plano diretor do município e consta no seu
anexo cartográfico.
A produção familiar no município de Lagoa Seca é muito diversificada tanto no que se
refere às pequenas propriedades que produzem uma grande quantidade de produtos, e
inclusive também aquelas que produzem variedades da mesma cultura. Produzem também
lavouras cujos ciclos são mais longos e outras de ciclos mais curtos, usam lavouras que são
permanentes e também as lavouras temporárias. Para que se aproveite a rotatividade da terra,
cuja disponibilidade é pequena.
A produção de banana e laranja merece destaque na Região das Frutas, onde se
localizam principalmente os sítios: Mineiro, Cumbe, Jucá, Boa Vista e Amaragi. Entretanto, a
sazonalidade reflexa dos períodos de entressafra da planta submetem alguns produtores a
plantarem roçados ou verduras nesses períodos. Esses são intercalados de forma a dar o
retorno que é conveniente à unidade familiar.
Além disso, tem como característica as profundas raízes familiares, sendo bastante
comum que os filhos plantem nas mesmas terras que seus pais plantaram. É comum que
envolvam toda ou parte da família na produção. Um dos problemas é que por herança estes
espaços de plantio foram divididos em minifúndios cada vez menores, na razão inversa do
tamanho das famílias. A unidade familiar muito pequena por vezes se torna um problema para
a sua própria manutenção. Assim condicionado, há pouco produto nestes espaços.
A maioria das propriedades usa técnicas muito rudimentares de cultivo, degradando o
solo e atingindo o meio ambiente. Para Nascimento Neto (2009, p. 19) “As propriedades
agrícolas do município são minifúndios, bastante explorados, adotando-se apenas, em casos,
de rotação de cultura, ficando o pousio, por sua vez descartado”. Devido às pequenas
extensões das propriedades, os solos são submetidos a uma grande pressão, e dessa forma têm
que ser corrigidos por adubos e fertilizantes químicos.
Na maioria das propriedades, as técnicas de plantio foi passada de forma hereditária e
resiste até hoje junto com a resistência do próprio camponês. Baseada nas tradições e nos
conhecimentos antigos. Evidentemente que também por falta de recursos para manter a
tecnologia tão presente em outras áreas do país e que elevam a produtividade da terra.
Outro problema que se poderia citar é uma dependência demasiada das condições
climáticas a que se submetem os plantios. Essa realidade que pode ser observada nas Figuras
78
11 e 12 é um dos principais problemas que permeiam a agricultura familiar municipal, e
condicionam o comércio local, provocando muitas perdas e danos. Muitos agricultores são
repelidos da atividade por trabalhar em demasiado para conseguir o sustento da unidade
familiar. Na região a maioria dos camponeses não tem recursos suficientes para superar estas
dificuldades impostas pelo clima e pelas condições econômicas.
Condições que associadas à exploração baseada no preço do produto dificultam as
condições dos pequenos agricultores, que desta forma poderão optar em se integrar a novas
formas de atividades, ou ter que depender do Estado através de políticas públicas de cunho
assistencial.
Na produção familiar do espaço em questão, o camponês é reconhecido como
agricultor familiar em virtude da difusão das políticas públicas que o reconheceram como tal.
Essas têm no Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município um suporte na sua efetivação
local. No entanto, a burocracia referente ao crédito agrícola e, as vezes, a própria resistência
do camponês a assistência técnica bloqueiam o alcance do poder público.
Figura 11: Plantação alagada devido às fortes chuvas de junho de 2011 em Lagoa Seca.
Fonte: Pesquisa de Campo.
79
Figura 12: Reservatório seco devido ao período de estiagem de 2014.
Fonte: Pesquisa de Campo.
Figura 13: Agricultores familiares preparando o solo para cultivo.
Fonte: Pesquisa de Campo.
80
Figura 14: Irrigação Manual - Sítio Alvinho - Lagoa Seca
Fonte: SOUZA, Jamerson Raniere Monteiro de. Pesquisa de Campo.
Alguns problemas podem ser detectados na organização das unidades familiares
rurais. Dentre eles podem ser lembrados: a) falta de disponibilidade de solos; b) utilização de
práticas que resultam em agravos ao solo, por exemplo, a preparação do solo muitas vezes é
acompanhada de coivara, e feita em áreas de encostas; c) o plantio é feito manualmente e as
sementes normalmente são compradas e armazenadas muitas vezes em ambientes impróprios
(ver Figura 13). A ação de organização não governamental, a exemplo da AS-PTA, tem
ajudado a reverter alguns desses problemas com a difusão da prática agroecológica, o uso das
sementes da paixão, e o uso do manejo agrosilvopastoril8.
A irrigação também é feita manualmente por mangueiras e, em alguns casos, por
microaspersão auxiliada por motores de pequeno porte no caso das ladeiras. Em algumas são
utilizados os adubos químicos e agrotóxicos. (Ver figura acima).
Os processos de limpeza das ervas daninhas também é feito de forma manual com
auxílio de enxadas. A colheita é feita de forma tradicional sem seleção específica, apenas nas
épocas de “boia” são escolhidos os melhores produtos por pressão do atravessador.
Como se pode observar, a agricultura de Lagoa Seca tem características muito
tradicionais. A comercialização pode ser citada como um dos fatores que causa o problema,
8
Sistema complexo que integrar lavoura, espécies florestais e pastagens e outros espaços para os animais,
considerando os aspectos paisagísticos e energéticos.
81
pois os fundos para manter a produção, que são retirados da atividade, são extremamente
inconstantes, e o atravessador submete o produtor a condições de plantio pouco produtivas.
Existem ainda muitas técnicas antigas neste tipo de produção, que é limitada principalmente
pelo pouco ganho do produtor, que raramente eleva o nível de produtividade da terra e não
tem condições de competir com um mercado tecnológico e competitivo como o atual.
Apesar de todos os problemas apresentados na produção, o município se destaca pela
quantidade de alimentos produzida. Certamente, dentro do Agreste policultor, como um dos
que mais contribuem para a efetiva produção de alimentos no estado da Paraíba.
4.4 Aspectos da agricultura familiar segundo os dados do Censo Agropecuário de 2006 9
Os dados do Censo Agropecuário do IBGE de 2006 são importantes no sentido de
traçar um perfil da produção agropecuária do município de Lagoa Seca, identificando dados
importantes como: a) estrutura fundiária; b) estrutura das propriedades; c) perfil do produtor;
d) utilização das terras; e) lavouras e criações; f) padrão tecnológico e g) pessoal ocupado.
4.4.1 Estrutura fundiária
Com relação à estrutura fundiária, segundo o Censo Agropecuário do IBGE (2006) há
um predomínio do minifúndio, 90,12% das propriedades rurais do município tem menos de
10 hectares (ver Tabela 01).
Tabela 01 - Lagoa Seca: Tamanho das propriedades rurais (2006)
Tamanho das propriedades
Até 1 ha
De1 a menos de 2 ha
De 2 a menos de 3 ha
De 3 a menos de 4 ha
De 4 a menos de 5 ha
De 5 a menos de 10 ha
De 10 a menos de 20 ha
De 20 a menos de 50 ha
De 50 a menos de 100 ha
De 100 a menos de 200 ha
De 200 a menos de 500 ha
De 500 a menos de 1000 ha
9
N. de estabelecimentos
Fr. Absoluta
%
336
18,46
414
22,75
309
16,98
212
11,65
141
7,75
228
12,53
101
5,55
35
1,92
4
0,22
4
0,22
2
0,11
2
0,11
Área
Fr. Abs
117
473
653
661
578
1.425
1.244
985
266
429
X
X
%
0,62
2,52
3,48
3,53
3,08
7,60
6,64
5,25
1,42
2,29
Indisponível
Indisponível
O Censo Agropecuário do IBGE (2006) por motivo de segurança não disponibiliza alguns dados, os
identificando como X.
82
De 1000 a menos de 2500 ha
De 2500 ha e mais
Produtor sem área
Total
1
1
30
1.820
0,05
0,05
1,65
100
X
X
18.747
Indisponível
Indisponível
100
Fonte: SIDRA - Sistema IBGE de recuperação automática - Censo Agropecuário de 2006
Entretanto, esse número expressivo de propriedades não se reflete na área que esses
estabelecimentos ocupam, esta se mostra concentrada, uma vez que estes mesmos 90,12%
representam 20,08% desta. Esta estrutura é possibilitada pela divisão progressiva da terra
devido à herança. Enquanto outra parte da terra é concentrada nas mãos de poucos.
4.4.2 Estrutura organizacional das propriedades
Com relação à estrutura geral das propriedades do município, sobressaem as que possuem
proprietários individuais 98,13% (ver Tabela 02).
Tabela 02 - Lagoa Seca: Pessoa que dirige a propriedade (2006)
Total
Proprietário individual
Condomínio, consórcio ou sociedade de pessoas
Cooperativa
Sociedade anônima ou por cotas de responsabilidade limitada
Instituição de utilidade pública
Governo (federal, estadual ou municipal)
Outra condição
1.820
1.786
17
1
5
2
1
8
18.747
18.415
95
X
39
X
X
32
Fonte: SIDRA - Sistema IBGE de recuperação automática - Censo Agropecuário de 2006
Os dados do IBGE também mostram que no município predominam os agricultores
familiares em detrimento dos não familiares. 87,47% e 12,53%, respectivamente. Todavia, os
agricultores familiares dispõem de apenas 25,18% da área das propriedades e os produtores da
agricultura não familiar dispõem de 74,82% (ver Tabela 03).
Tabela 03 - Lagoa Seca: Agricultura familiar e não familiar (2006)
Agricultura
Não Familiar
Agricultura familiar
Total
Núm. de estabelecimentos
228
1592
1820
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006
Área dos estabelecimentos
14026
4721
18747
83
4.4.3 Perfil do produtor quanto a sexo, idade, grau de instrução e condição do produtor
Com relação ao sexo do produtor, na agricultura familiar do município, constata-se um
predomínio do sexo masculino 85,05% contra 14,95% do sexo feminino. Além desse
desequilíbrio, constata-se também outro, 66,27% das propriedades familiares são dirigidas por
agricultores de 45 anos de idade ou mais. Observa-se que há também um predomínio da
população masculina e também da parcela da população mais velha na agricultura familiar,
que demonstra por sua vez o desinteresse do jovem pela atividade (ver Tabela 04).
Tabela 04 - Lagoa Seca: Produtores por sexo e idade (2006)
Idade dos produtores
Total
Menor de 25 anos
De 25 a menos de 35 anos
De 35 a menos de 45 anos
De 45 a menos de 55 anos
De 55 a menos de 65 anos
De 65 anos e mais
Totais
1.592
51
194
292
340
341
374
Masc
1.354
46
178
263
291
277
299
Fem
238
5
16
29
49
64
75
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006
Com relação à condição legal dos produtores familiares, predominam os proprietários
diretos da terra que são 89,95%, embora o censo também cite os ocupantes 6,60% em menor
número. Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006.
Embora a direção das unidades produtivas esteja sobretudo nas mãos dos proprietários,
entre os produtores familiares dominam os sem instrução e com primeiro grau incompleto.
Dos 1592 produtores familiares do município, 85,6% não frequentaram a escola, estão em
cursos de alfabetização ou não completaram o ensino fundamental. Esta situação indica o
baixo nível de escolaridade desses produtores que dirigem as unidades produtivas (ver Tabela
05).
Tabela 05 - Lagoa Seca: Condição do produtor e nível de instrução (2006)
Nível de instrução do produtor
Total
Alfabetização de adultos
Ensino fundamental incomp.
Ensino fundamental completo
Total
1.592
66
674
108
Prop.
1.432
60
595
99
Arrend.
Parceiro
10
5
-
17
1
9
2
Ocupante
105
3
54
7
Prod. sem
área
28
2
11
-
84
Ensino médio incompleto
Ensino médio completo
Engenheiro agrônomo
Outra formação superior
Nenhum (sabe ler ou escrever)
Não sabe ler e escrever
11
64
2
43
215
409
11
58
2
43
195
369
1
4
1
4
3
15
23
2
4
9
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006
Essa situação é mais grave entre os produtores que têm acesso precário à terra, como
arrendatários, ocupantes, parceiros e produtores sem-terra.
4.4.4 Utilização das terras
No que se refere à utilização das terras, predomina a área com matas naturais
(41,27%), já as áreas com lavouras temporárias e permanentes representam 35,47%, e as
pastagens 10,16%. Nas áreas de lavoura, as culturas temporárias sobressaem e estão presentes
em 81,81% dos estabelecimentos agrícolas e 62,28% da área destinada às lavouras.
Com relação as lavouras, há um predomínio das temporárias. Entretanto, revela-se
em número considerável a área que se submete as culturas permanentes, presentes em 51,59%
dos estabelecimentos agrícolas, ocupando 37,72% das áreas de lavoura. Ocupadas com
banana e laranja principalmente. Muitas propriedades utilizam as duas formas de cultura para
pode sustentar-se durante o ano todo. A área está predominantemente preenchida com lavoura
a despeito das pastagens, já que esta área se destina sobretudo a produção de alimentos.
No que concerne às unidades familiares, predominam as áreas destinadas às lavouras
(61,7%), predominando as temporárias. Tem também importância as áreas de pastagens que
respondem por 19,4% (ver Tabela 06). Nos estabelecimentos não familiares, a maior parte das
terras estão destinadas às matas naturais (53%).
Tabela 06 - Lagoa Seca: Utilização das terras (2006)
Total
Familiar
Não familiar
Utilização das terras
Nº
Área
Nº
Área Nº
Área
est.
est.
est.
Lavouras - permanentes
939
2.508
805 1.235 134
1.273
Lavouras - temporárias
1.489
4.141 1.330 1.701 159
2.441
Forrageiras para corte
157
326
50
228
50
228
Cultivo de flores viveiros de mudas, estufas
9
35
4
2
5
34
de plantas e casas de vegetação.
Pastagens - naturais
512
1.304
422
663
90
641
Pastagens - plantadas degradadas
58
209
49
67
9
143
85
Pastagens - plantadas em boas condições
Matas - naturais destinadas à preservação
permanente ou reserva legal
Matas - naturais (exclusive área de
preservação permanente e as em sistemas
agroflorestais)
Matas - florestas plantadas com essências
florestais
Sistemas agroflorestais - área cultivada com
espécies florestais também usadas para
lavouras e pastoreio por animais
Tanques, lagos, açudes e/ou área de águas
públicas para exploração da aquicultura.
Construções, benfeitorias ou caminhos.
Terras degradadas (erodidas, desertificadas,
salinizadas, etc.)
Terras inaproveitáveis para agricultura ou
pecuária (pântanos, areais, pedreiras, etc.)
Total
143
391
106
189
37
203
41
107
28
40
13
66
160
7.629
120
195
40
7.434
3
20
2
X
1
X
33
58
25
27
8
31
269
152
207
65
62
87
786
1.410
659
287
127
1.123
12
36
9
5
3
31
166
421
138
129
28
291
1.820
18.747
1.592
4.721
228
14.026
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006
Dentre as lavouras permanentes, a laranja e a banana são as principais, com forte
predominância nos estabelecimentos familiares. A laranja embora presente em menos
unidades produtivas que a banana, ela é mais expressiva na quantidade produzida e no valor
da venda. (Ver tabela 07)
Tabela 07 - Lagoa Seca: Área plantada, quantidade produzida e valor da produção de lavouras
permanentes, por estabelecimentos familiares e não familiares 2006
Produtos
Total
Banana
Laranja
Área
plantada
(Hectares)
527
245
282
Familiar
Quantidade
(Toneladas)
Não familiar
Valor da
Área
Quantidade
produção
plantada (Toneladas)
(Reais)
(Hectares)
3.020.242 17.202.597
72
424.330
780.953 1.114.033
29
126.857
2.239.289 16.088.564
43
297.473
Valor da
produção
(Reais)
149.484
51.042
98.442
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006
Entre as lavouras temporárias se destacam diversas variedades de feijão, da mandioca,
da fava, do milho e da bata inglesa que foi lembrada em menor número. Presentes na região
designada como Região dos Roçados, estas são, na maioria das vezes, intercaladas durante o
ano pelos pequenos produtores familiares para tentar prover a renda da família.
86
Tabela 08 - Lagoa Seca: Produtos da lavoura temporária (2006)
Produtos da Lavoura Temporária
Batata inglesa
Cana-de-açúcar
Fava em grão
Feijão preto em grão
Feijão de cor em grão
Feijão fradinho em grão
Feijão verde
Mandioca (aipim, macaxeira)
Milho em grão
Milho forrageiro
Sementes de feijão
Sementes de milho
Sementes de batata inglesa
Unidades
48
4
105
144
427
416
252
502
750
5
4
4
2
Toneladas
184
2
28
1.006
1.424
204
127
1.832
631
0
0
0
X
Mil Reais
56
1
24
975
1.664
184
81
246
239
0
1
0
X
Fonte: SIDRA - Sistema IBGE de recuperação automática - Censo Agropecuário de 2006
A presença da horticultura no município também é bastante expressiva, tanto no que se
refere à quantidade produzida, quanto ao valor da produção, em 2006. Sublinha-se, também, a
variedade da sua produção. Destacam-se: o chuchu, o coentro e a alface como os produtos
mais representativos desse segmento, responsáveis por 83,8% do valor da produção de
horticultura em 2006. Estas hortaliças são produzidas principalmente na área designada como
região das verduras.
Tabela 09 - Lagoa Seca: produtos da horticultura (2006)
Produtos da
horticultura
Número
de estab.
Quantidade
(Toneladas)
Abobrinha
Acelga
Agrião
Alecrim
Alface
Batata-doce
Berinjela
Beterraba
Brócolis
Cará
Cebolinha
Cenoura
Chicória
Chuchu
Coentro
Couve
8
1
3
5
152
156
18
4
2
2
49
6
1
56
165
28
10
X
2
2
2.973
1.359
54
165
X
X
179
5
X
10.913
4.236
330
Quantidade
vendida
(Toneladas)
10
X
2
2
2.963
1.314
53
165
X
170
5
X
10.912
4.218
316
Valor da
produção
(Mil Reais)
5
X
2
3
1.299
386
30
42
X
X
197
4
X
3.983
2.057
275
Valor da
produção
(Percentual)
0,06
X
0,02
0,04
14,83
4,41
0,34
0,47
X
X
2,25
0,04
X
45,48
23,49
3,14
87
Couve-flor
Ervilha (vagem)
Espinafre
Hortelã
Inhame
Jiló
Manjericão
Maxixe
Milho verde (espiga)
Nabo
Pepino
Pimentão
Rabanete
Repolho
Salsa
Tomate
(estaqueado)
Vagem (feijão)
3
1
12
2
1
17
1
17
128
4
24
52
2
5
5
12
1
X
6
X
X
30
X
46
264
0
101
342
X
50
1
51
1
X
5
X
X
30
X
43
175
0
101
335
X
49
1
50
2
X
5
X
X
14
X
14
122
1
43
193
X
25
1
38
0,02
X
0,06
X
X
0,16
X
0,16
1,40
0,01
0,49
2,20
X
0,28
0,01
0,44
14
18
18
7
0,08
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006
Na criação de rebanhos, o destaque é para bovinos, ovinos e suínos. A mesma para
caprinos é limitada, tendo em vista tratar-se de uma área agrícola por excelência. Elas
predominam na Região do Encontro dos Rios, e na Região do Agreste, onde o solo não é tão
favorável para a agricultura. Em muitas dessas propriedades a criação é associada com a
plantação. A produção de aves tem encontrado uma forte difusão no município, sobretudo a
produção em parceria com empresas especializadas nesse tipo de produção.
Tabela 10 - Lagoa Seca: Produção animal (2006)
Criação
Bovinos
Equinos
Asininos
Muares
Caprinos
Ovinos
Suínos
Aves
Outras aves
Número de
estabelecimentos
837
61
55
27
65
107
253
562
88
Número de
cabeças
5.340
298
59
30
499
1.903
1.231
57.000
5.663
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006
88
4.4.5 Padrão tecnológico
De acordo com os dados do censo agropecuário de 2006, observa-se que o padrão
tecnológico pode ser considerado restrito tendo em vista a difusão de algumas tecnologias,
como será visto a seguir:
a) A irrigação
Apesar de se tratar de uma área com predomínio da horticultura, o uso da irrigação
ainda é limitado. Com efeito, dos 1820 estabelecimentos recenseados apenas 272 fazem uso
dessa tecnologia, o que representa 14,9%. A grande maioria dos estabelecimentos (79,8%)
que usam irrigação pertencem à categoria de agricultura familiar (veja Tabela 11).
Grupos de área
FAMILIARES
0 – 5 ha
5 - 10 ha
10 - 20 ha
20 - 50 ha
50 - 100 ha
100 - 200 ha
200 - 500 ha
500 ha e mais
Sem declaração
Total
TOTAL
0 – 5 ha
5 - 10 ha
10 - 20 ha
20 - 50 ha
50 - 100 ha
100 - 200 ha
200 - 500 ha
500 ha e mais
Sem declaração
Total
Tabela 11 - Lagoa Seca: Estabelecimentos que fazem uso
da irrigação por tipo de irrigação (2006).
Total
Inundação Sulcos
Aspersão Localizado
Outros
Est
Área
Est
Est
189
21
1
4
2
217
181
34
X
8
X
239
1
1
2
X
X
X
1
1
X
X
34
5
1
1
41
228
29
7
4
1
238
60
50
8
X
1
2
272
X
X
460
1
1
2
X
X
X
1
1
X
X
41
7
3
1
1
1
54
Área
Est
Área
Est
Área
Est
Área
Área
42
9
X
X
56
2
2
4
X
X
7
152
13
1
2
1
169
132
21
X
X
X
171
53
14
11
X
X
X
84
4
4
2
10
X
6
X
25
188
19
6
2
1
1
1
218
178
40
26
X
X
X
X
347
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006
Nota: (X) o censo não coloca a informação para não identificar o informante.
Observa-se que os métodos mais utilizados de irrigação são a microaspersão e a
irrigação manual (incluída na categoria “outros”, na tabela acima). Vale dizer que além de
89
limitada do ponto de vista numérico, o uso da irrigação também é limitado do ponto de vista
do método, prevalecendo os procedimentos mais tradicionais como a irrigação manual.
b) Uso de adubos
Com relação ao uso de agrotóxicos, observa-se no mesmo censo que sua participação em
75 unidades, destas 86,7% não recebeu nenhuma orientação técnica, 77,33% usam
pulverizador costal e foram registradas duas pessoas intoxicadas. O uso do esterco está
presente em 1,65% das propriedades, o uso de adubos de diversos tipos está presente em 773
unidades sendo que destas, o censo agropecuário do IBGE de (2006) registra que 93,01% não
receberam nenhuma assistência técnica para uso.
Tabela 12 - Lagoa Seca: Número de estabelecimentos com uso de agrotóxico, esterco e adubo (2006)
Padrão tecnológico
Agricultura familiar
Uso de Agrotóxico
Uso de esterco
Uso de adubo
Agricultura não
familiar
15
9
-
60
21
-
Total
75
30
773
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006
O baixo uso de agrotóxicos deve ser atribuído, fundamentalmente, ao trabalho
desempenhado pela AS-PTA no município. Essa Organização Não Governamental faz um
trabalho de difusão de procedimentos agroecológicos entre os pequenos produtores rurais
(AS_PTA, 2013).
c) Uso de mecanização
O nível de mecanização é baixo nos estabelecimentos familiares no município, devido
as características peculiares destes. Apenas 148 estabelecimentos possuem máquinas e
implementos agrícolas. E os tipos mais difundidos são grades rotativas, roçadeiras e arados.
(Veja Tabela 13)
Tabela 13 - Lagoa Seca: Uso de máquinas e implementos agrícolas
Especificação
Número de
estabelecimentos
Tipo de máquina e implemento agrícola
Total
Possui
Arados
Grades e/ou enxadas rotativas
Roçadeiras
1.592
148
38
70
55
Número de
máquinas e
implementos
383
383
50
183
92
90
Semeadeiras e/ou plantadeiras
Colheitadeiras
Pulverizadores e/ou atomizadores
Ceifadeiras (picadeira de forragens)
Não possui
Trator
Tipo de meio de transporte
Total
Utilizam
Caminhões
Utilitários
Automóveis
Reboques
Motos
Veículos de tração animal
Não utilizam
2
2
12
11
1.444
4
2
2
12
12
4
1.820
234
18
42
99
3
79
39
1.586
332
332
19
49
136
3
81
44
-
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006
A quantidade de tratores registrada também é muito pequena. O uso de meios de
transporte também é pouco expressivo, particularmente o uso de caminhões e de utilitários,
que dificulta a possibilidade de escoar a produção sem a ajuda de um atravessador ou o
pagamento do frete.
4.4.6 Pessoal ocupado
Com relação ao pessoal ocupado na agricultura familiar, nos deparamos com outra
contradição. Pois, mesmo ocupando uma área menor, a agricultura familiar é a que mais
mantém o pessoal ocupado. Com efeito, 90,7% do pessoal ocupado na agricultura municipal é
absorvido pelos estabelecimentos familiares. Além disso, ao se observar o total do pessoal
ocupado na agricultura, praticamente um quarto da população economicamente ativa está
ocupado nesse segmento produtivo, o que reflete a importância da manutenção deste tipo de
produção para o município.
Tabela 14 - Lagoa Seca: Pessoal ocupado por tipo de Agricultura (2006)
Pessoal ocupado
Agricultura
familiar
Número
Pessoal ocupado familiar - com 14 anos ou mais.
Pessoal ocupado familiar - com menos de 14 anos.
3.735
223
%
88,13
5,26
Agricultura
não familiar
Número
294
2
%
47,73
0,32
91
Pessoal ocupado familiar que recebia salários - com 14
anos ou mais.
Empregados permanentes
Empregados temporários
Parceiros (empregados)
Outra condição
13
0,31
40
6,49
60
213
7
1,42
5,03
0,17
206
95
6
13
33,44
15,42
0,97
2,11
Fonte: IBGE - Censo Agropecuário de 2006
Chama a atenção a presença do trabalho de crianças, o que é uma característica da
organização das unidades familiares rurais. Por outro lado, há também o registro de
empregados, sobretudo temporários.
4.5 As formas de comercialização da agricultura familiar do município de Lagoa Seca
A comercialização é um grande gargalo na dinâmica da organização dos produtores
familiares nordestinos. A manutenção da unidade familiar é dependente da relação entre a
produção e os recursos provenientes dela para o abastecimento da família. Ao longo do tempo
as necessidades da unidade camponesa foram aumentando, tanto em relação ao consumo
doméstico, quanto em relação ao aprovisionamento de componentes do processo produtivo,
como: energia, adubos químicos, equipamentos, etc., que exigiram da agricultura familiar um
aporte maior de recursos. A inclusão desses novos itens na organização da unidade de
produção torna-se um elemento de agravamento interno, impondo uma maior necessidade de
comercialização da sua produção. No município de Lagoa Seca, há um predomínio da venda
dos produtos agrícolas por atravessadores, que, na maioria das vezes, não remuneram o
produto de modo a cobrir o valor do trabalho incorporado à sua produção.
Esse conflito entre valor de uso da mercadoria e valor de troca é uma relação típica do
capitalismo. O valor da produção dos pequenos produtores, com labor que excede muitas
vezes onze ou doze horas de trabalho diárias no roçado ou na horta não é devolvido em sua
renda mensal familiar pelos preços pagos pelos atravessadores, tal como preconizaram
Chayanov (1981) e Wolf (1970). Esse conflito entre capital e trabalho é mediatizado pela ação
dos intermediários.
O atravessador ou intermediário é o sujeito social de maior mobilidade na relação de
comercialização. É ele quem escoa a produção, comprando-a dos produtores e não precisa ser
exatamente uma pessoa física, pode ser também um supermercado, uma mercearia, etc. Na
maioria das vezes, o atravessador é quem tem o controle de transportar e vender onde quiser
esses produtos. Os intermediários de Lagoa Seca, geralmente, vendem os produtos na Empasa
92
(Empresa Paraibana de Abastecimentos e Serviços Agrícolas) ou na Feira Central de Campina
Grande e em feiras de outros municípios, inclusive nas capitais mais próximas da região como
João Pessoa - PB, Natal - RN e Recife - PE.
A cadeia de comercialização pode não ser feita apenas por um intermediário, ela pode
ser constituída de mais etapas até que o produto chegue ao consumidor final. Ou seja, é
formada uma cadeia de intermediação, com diversas possibilidades até que a produção chegue
ao seu destino: o intermediário local muitas vezes adquire a produção de um número restrito
de produtores; ele leva os produtos para a Empasa, vendendo-o a um grossista, que revende as
mercadorias para supermercados, mercadinhos, restaurantes e pequenos comerciantes
varejistas por exemplo (veja Ilustração 02). Essa cadeia de intermediação faz com que o
produto encareça, pois cada um dos elos desta cadeia tira o seu lucro entre a compra e a venda
das mercadorias.
Pereira (2003, p. 9) afirma que “A figura do atravessador ao interferir no processo,
apresenta um encarecimento nos preços dos produtos, retirando as vantagens econômicas das
atividades de produção do comércio”.
Eu compro direto do produtor e repasso para um mercadinho em Picuí-PB,
também forneço para uma cozinha industrial na cidade de Campina
Grande-PB e para restaurantes. Tem uns que vendem para a Ceasa, aí tem
supermercado que vai comprar na Ceasa; Tem gente que sai comprando de
vários produtores para colocar para outro comprador maior; tem gente que
vende a empresas como a “Hortaliças sempre verde” de Alagoa Nova que
repassa para supermercados de Recife, João Pessoa, Natal; já tem outros
que repassam para outras pessoas e assim vai. (D.P.S., atravessador
entrevistado).
O produtor está na base da cadeia de comercialização e cada vez que a produção é
repassada para outra comercialização, o intermediário incorpora a sua margem de lucro,
encarecendo o produto até que chegue ao consumidor final. Este percurso inclusive provoca
perdas durante todo o circuito. A eliminação completa dessa cadeia de intermediação
promove vantagens tanto para o pequeno produtor, que pode determinar a que preço ele irá
comercializar a produção, quanto para o consumidor, que possivelmente comprará um
produto com o custo mais baixo. (Ver Tabela 15).
O produtor me vende o molho de coentro a trinta centavos e repasso a
oitenta para o mercadinho que revende a um e quarenta e nove para o
consumidor. Na alface, hoje eu compro a quarenta centavos do produtor a
unidade e repasso ao mercado também a oitenta e o mercadinho repassa a
93
um e quarenta e nove para o consumidor. (D. P. S., atravessador
entrevistado, 2015).
Ilustração 02: Cadeia de comercialização da agricultura familiar de Lagoa Seca
O aumento de atravessadores na cadeia de intermediação permite enxergar uma rede
de pessoas que escoam a produção do campo até o consumidor final, encarecendo o preço do
produto. No mês de agosto de 2015 a pesquisa observou o comportamento dos preços em
alguns pontos de comercialização de Lagoa Seca e Campina Grande, a comparação de preços
era a seguinte:
Tabela 15 – Comparação de preços de produtos da agricultura familiar agosto 2015
Produto
Chuchu (Kg)
Feijão verde (Kg)
Frango caipira (Kg)
Pepino (Kg)
Milho verde em espiga (Kg)
Batata doce (Kg)
Coentro (Kg)
Alface (Kg)
Banana Pacovan (Kg)
Última
cotação
disponível
no site da
CONAB
1,55
2,57
9,50
1,13
2,25
1,53
3,47
6,14
1,46
Preço no
comércio
Local.
Preço médio
vendido na
Empasa
Preço médio
vendido nos
Superm. de
C. Grande
0,50
5,00
6,00
0,70
0,70
1,50
2,00
2,00
0,90
1,00
7,00
7,50
1,50
1,00
2,50
4,00
4,00
2,00
1,80
8,90
10,00
2,20
3,00
3,00
7,50
7,50
3,00
94
Laranja cravo (Kg)
1,30
0,60
1,00
1,59
Fonte: Pesquisa de Campo
Observa-se que quanto mais distante o produto está do produtor mais ele aumenta de
valor. Entretanto, o atravessador é na maioria das vezes mais dotado de conhecimento de
mercado que o produtor da zona rural. O pequeno produtor geralmente tem menos
escolaridade e menor instrução, é uma presa fácil no mercado competitivo, como ressalta
Souza (1979):
O produtor nordestino, em geral, está à mercê do intermediário, do sistema
de “venda na folha” do algodão, milho e arroz, isto é, a safra é vendida antes
da colheita, geralmente a preço vil. Desta forma, ele não pode soerguer-se,
nem tampouco levantar o nível de produtividade da terra. A comercialização
constitui, sem dúvida, um dos maiores problemas da agricultura do Nordeste.
(p. 257).
Como se pode observar na fala do autor supracitado há uma dependência do produtor
com relação ao atravessador. O agricultor tem problemas ainda com infraestrutura de
armazenagem e a falta de melhorias técnicas, sendo assim, ao ingressar no mercado
competitivo ele não tem condições de concorrência, por isso não pode se soerguer.
O atravessador é um dos problemas da agricultura familiar não apenas do município,
mas da realidade nordestina, pois, é na etapa da comercialização que ele se apropria do
sobretrabalho da produção camponesa via preço do produto. Portanto, observa-se que o
produtor familiar está na dependência econômica imposta pelo atravessador. Infelizmente essa
situação tornou-se tão banalizada, que muitos produtores deixam a atividade, em função do
baixo preço pago pelas mercadorias.
Esta situação é ainda piorada em lugares mais afastados, onde a dificuldade com o
transporte é uma imensa barreira, como ressalta Manuel Correia de Andrade:
Em algumas regiões mais afastadas a produção agrícola é vendida
primeiramente a um proprietário de caminhão, que a obtém no meio rural e a
revende a comerciante estabelecido no primeiro centro urbano de alguma
importância; este revende esta mercadoria a um grossista estabelecido em
um grande centro urbano, que transporta para seus armazéns, para revendê-la
mais uma vez ao retalhista por intermédio de quem a mercadoria chega ao
consumidor. (ANDRADE, 1981, p. 214)
Pode-se observar isso comumente no município de Lagoa Seca. Os donos dos
caminhões vão até às propriedades comprar a produção para levá-las a supermercados e feiras
localizadas em cidades próximas, através dos centros de distribuição e de outros
95
intermediários, os produtos chegam a lugares mais distantes, ou em mercearias e mercadinhos
de bairros periféricos. Moreira e Targino (2007) alertam que estas relações existem até
mesmo dentro dos assentamentos, e só com as políticas públicas de aquisição de alimentos
possam ser superadas ou atenuadas.
A ausência quase absoluta de canais alternativos de comercialização, à
exceção de algumas experiências isoladas, tem contribuído não só para a
permanência do sistema de “atravessador” como, em alguns casos, para a sua
expansão dentro dos próprios assentamentos, através do surgimento da
figura do “atravessador assentado”. Verifica-se, em alguns casos, o
desenvolvimento de um processo de produção na forma de franquia atrelado
a um processo de comercialização dependente de setores agroindustriais,
sobretudo no que se refere à produção de aves. As últimas medidas tomadas
pela CONAB, permitindo a aquisição de produtos da agricultura familiar,
provavelmente terá impactos significativos nas condições de sustentação
desse segmento da agricultura nacional. (MOREIRA e TARGINO, 2007, p.
86).
O atravessador por sua vez configura-se como um elemento quase imprescindível para
que o pequeno produtor escoe a sua produção. Dessa forma, não se pode ver este elemento
apenas como vilão no processo, embora se admita que haja os que atuam como tal. Pois sem
estes, o agricultor não tem como comercializar a sua produção, que ficaria condenada à perda.
A indignação observada no cotidiano de pessoas humildes e trabalhadoras, quanto à
remuneração recebida sobre os produtos e o fato de serem tão constantemente ludibriados
pelos atravessadores, que não cumprem suas promessas, acentuam a necessidade de se estudar
até que ponto o atravessador é um dos responsáveis pela limitação do espaço de articulação do
produtor rural de Lagoa Seca. E no que consiste ao mercado institucional como um atenuante
deste problema.
Não consigo nem contar quantas vezes já me enganaram aqui, esses
atravessadores só querem pagar barato e quando compram a mercadoria,
às vezes, deixa pra lá, diz que não deu. São cheios de história, agora
mercedinha nova e casa boa só é quem tem. (JRLA, agricultor entrevistado,
2015).
Vieram aqui na seca e compraram uma alface minha boa, vendi barato pra
época porque prometeram que iam ficar tirando na boia, mas quando eles já
tem nos deles, eles não tiram no da gente, não. Passam aí e nem ligam, a
minha agora vou passar todinha a enxada. (JMS, agricultor entrevistado,
2015).
Constatam-se nas pesquisas in loco, dois tipos de períodos característicos durante o
ano para o comércio da pequena produção rural, que são bastante contratantes: a “falta” e a
“boia”:
96
a) A “falta”: se caracteriza como o período de entressafra ou quando as características
climáticas interferem na plantação, por exemplo, nos anos de muita seca, ou de muita
chuva. Geralmente, nesse período, os preços se elevam podendo inclusive gerar
ganhos aos pequenos produtores. O que possibilita em alguns pequenos produtores
uma relação ilusória de um preço justo. Mesmo assim, nesse período, as margens de
lucro do atravessador não diminuem. Entretanto, nesse período, quem consegue um
bom proveito são aqueles produtores mais capitalizados, que têm uma estrutura
melhor. Na maioria das vezes, o preço se eleva porque a maior parte dos pequenos
produtores não tem a produção. Ou seja, a não ser pela sorte de um acerto, ele estará
fadado a passar dificuldades durante esse período.
b) A “boia”: normalmente, esse período recebe esse nome dos pequenos agricultores
pelas sobras de produtos. A produção se eleva normalmente pelas condições
climáticas favoráveis, mas não se verifica aumento na demanda. Geralmente, nesse
período, os preços caem, provocando perdas para muitos produtores que não têm a
quem vender os produtos. Os atravessadores se veem sobrecarregados e não escoam
toda a produção. Muitos dos agricultores, sem condições de manter a unidade familiar
por falta dos recursos, tentam vender a sobra de toda maneira, a qualquer preço.
As principais formas de venda dos agricultores familiares do município de Lagoa Seca são:

Venda direta em pequenas feiras: nesse caso, os próprios agricultores conseguem
vender seus produtos sem a necessidade de um atravessador. Esses produtores, em sua
maioria, agroecológicos, se dirigem às estes espaços para vender suas mercadorias
diretamente ao consumidor. Esses locais estão principalmente na cidade de Campina
Grande, como na UFCG, mas também há espaço em Lagoa Seca. Este tipo de venda
se caracteriza por ser muito inconstante.

Venda ao atravessador: Essa é a principal forma de venda; os pequenos agricultores
vendem a sua mercadoria ainda na propriedade a um possuidor de transporte de carga,
normalmente a um preço muito menor do que o valor comercial da mercadoria nos
principais lugares de comercialização; este comerciante transporta a mercadoria para
feiras ou para supermercados, integrando essa pequena produção ao que Milton Santos
(1979) chama de circuito inferior da economia urbana. Esta venda por sua vez se
97
configura numa rede; no município de Lagoa Seca, há casos que um atravessador
escoa a produção de dez unidades familiares.
Figura 15: Feira Agroecológica de Lagoa Seca.
Fonte: Pesquisa de Campo.
Figura 16: Feira Agroecológica da UFCG, Campina Grande - PB.
Fonte: Pesquisa de Campo.
98
Figura 17: Venda de bananas da cidade de Lagoa Seca na Empasa de Campina Grande.
Fonte: Pesquisa de Campo.
Figura 18: Caminhão dos atravessadores em Lagoa Seca.
Fonte: Pesquisa de Campo.
99

Venda direta para instituições públicas: há uma aquisição por parte dos poderes
públicos de uma fração desta produção, que embora limitada, consegue dar um apoio
aos pequenos produtores durante o ano. Entretanto, esses benefícios são de alcance
limitado. Alguns programas se enquadram nesse sentido, como o PAA ou outros como
o PNAE (Programa Nacional da Alimentação Escolar) que também atua no município.
4.6 A Agroecologia como um processo de recriação camponesa
Diante das necessidades de convivência mais harmoniosa com a natureza, um grupo
de agricultores do município de Lagoa Seca decidiu por construir um modo de vida e de
produção que recupera as formas de produzir em consonância com as nuances naturais da
produção. A agroecologia é introduzida neste processo. Através da agroecologia há uma
retomada de antigas formas de produzir que ao invés de agredir o meio ambiente, procuram
formas de convivência harmoniosa com a produção.
O município de Lagoa Seca tem sido privilegiado com a atuação de diversos grupos
que colaboram com o tipo de produção agroecológica e convive há algum tempo com este
modelo de produção, embora não seja a maioria no contingente de produtores familiares,
algumas experiências já apontam para o sucesso que este tipo de produção terá com o passar
do tempo.
A Agroecologia –strictu senso– pode ser definida como uma (re)aproximação entre
a Agronomia e a Ecologia, ao estudar os sistemas agrícolas desde uma perspectiva
ecológica, de modo a orientar o redesenho de agroecossistemas em bases mais
sustentáveis. Em que pese a importância fundamental da compreensão dos processos
ecológicos na agricultura, a Agronomia e a Ecologia seguiram, na maior parte das
vezes, por caminhos paralelos. Mais recentemente, enorme esforço vem sendo feito
por agroecólogos com o propósito de resgatar conceitos e processos ecológicos.
(CAPORAL, COSTABEBER e PAULUS, 2015, p. 3).
Boa parte dos camponeses tem buscado este processo ao longo do tempo, seja na
retomada dos conhecimentos tradicionais ou em muito outros campos do conhecimento como
a agronomia e a ecologia. Os agricultores camponeses já têm bases agroecológicas há muito
tempo. Entretato, há um novo redesenho com o reconhecimento desta forma de produzir. No
município de Lagoa Seca, a agroecologia é muito mais do que isso, ela se configura como um
movimento.
100
Figura 19: Agricultor prepara compostagem orgânica.
Fonte: Pesquisa de Campo.
O próprio mercado já aponta para esta significação. É cada vez maior a demanda por
produtos que venham da agricultura familiar e que sejam mais saudáveis. Além disso, o valor
agregado destes produtos por sua qualidade específica dá ao pequeno produtor chances de
manter a sua qualidade de vida, a unidade familiar e chances de manter vivo um modo de
produção que parecia estar adormecido, embora muitos camponeses nunca tenham fugido
deles.
A agroecologia é multifacetada no sentido de ser entendida por diversos prismas,
como uma disciplina científica, como um modo de vida, como uma utopia. Ela redefine um
conjunto de formas de tratamento com a terra no campo.
Há várias entidades que dão apoio à agroecologia no município, dentre elas algumas se
destacam como:

AS-PTA: é uma associação de direito civil sem fins lucrativos que, desde 1983, atua
para o fortalecimento da agricultura familiar no Brasil. Há experiência acumulada pela
entidade na contribuição do enfoque agroecológico. A AS-PTA participa e atua em
diversas redes da sociedade civil voltadas para a promoção do desenvolvimento rural
sustentável. Atua também construindo espaços de aprendizado coletivo articuladas
101
com organizações e movimentos da sociedade para influenciar na elaboração,
implantação e monitoramento de políticas públicas.
Figura 20: Marcha das Mulheres pela agroecologia 2015 - Lagoa Seca.
Fonte: Pesquisa de Campo.

Polo Sindical da Borborema: é formado por uma rede de 15 sindicatos de
trabalhadoras e trabalhadores rurais (STRs), aproximadamente 150 associações
comunitárias e uma organização regional de agricultores ecológicos. Dentre estes está
a atuação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca, sindicato que é
bastante atuante no desenvolvimento de novas formas de produção no campo
agroecológico e na luta pelas políticas públicas que vão assegurar mais mercados e
mais recursos para esta atividade.

ASA- Articulação do Semiárido: caracteriza-se por ser uma organização formada por
diversas entidades da sociedade civil que atuam no desenvolvimento de políticas de
convivência com a seca na região semiárida. Uma dessas políticas é o Programa Um
Milhão de Cisternas Rurais (PIMC), que vem desenvolvendo movimentos de
articulação e convivência sustentável com o ecossistema Semiárido na forma de
102
construção de cisternas, bem como promover a mobilização, o engajamento e
capacitação das famílias.

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca: concede apoio aos filiados
promovendo ações, como: eventos, reuniões, palestras, minicursos e confecção de
cartilhas que divulgam a agricultura orgânica e agroecológica. Atualmente, o
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca é o mais atuante na promoção
desse tipo de atividade na região.

UEPB – Centro de Ciências Agrárias e Ambientais - Campus II: Além do curso
técnico em Agropecuária, oferece desde 2008 o curso superior de Bacharelado em
Agroecologia que deverá formar mão de obra nesse sentido. No entanto, a sua ação
ainda é insipiente e está vinculada principalmente a minicursos relacionados ao
manejo da terra.

Associações rurais de produtores: são entidades formadas por pequenos agricultores
que se unem vislumbrando maior fortalecimento dentro do mercado, além de ampliar a
variedade de produtos comercializados.
A agricultura familiar do município de Lagoa Seca, embora condicionada a diversos
problemas advindos da articulação com o capitalismo, (concentração de terra, falta de
infraestrutura, falta de tecnologia, falta de canais de comercialização, etc.) permanece na
produção do espaço. A resistência e recriação da pequena agricultura se reflete na força que
esta classe social historicamente demonstra nessa relação.
A atuação das políticas públicas é fruto da luta dessa população por melhores
condições de sobrevivência na terra. Em longo prazo, elas podem amenizar os problemas
decorrentes da relação conflituosa entre campesinato e capitalismo. E, por conseguinte, ser
um elemento de fortalecimento da luta pela permanência na terra.
103
5
A ATUAÇÃO DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS
Neste capítulo, estuda-se a política pública do governo federal de suporte à agricultura
familiar, através da atuação do PAA no município. Pretende-se identificar se os agricultores
que foram contemplados com o programa tiveram uma melhora na sua capacidade de manter
a unidade familiar e se a ampliação do programa seria eficaz para atenuar problemas vividos
pela agricultura familiar e lançar luzes sobre o entendimento do caminho da resistência e
recriação camponesa, isto é, se a intervenção estatal faz com que os pequenos produtores se
insiram no mercado competitivo e convencional.
5.1 A atuação do Programa de Aquisição de Alimentos no Brasil
Segundo o site do Ministério de Desenvolvimento Agrário, que dispõe das
informações a respeito dessa política, o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, criado
pelo art. 19 da Lei nº 10.696, de 02 de julho de 2003, possui duas finalidades básicas:
promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar. O programa adquire
alimentos, sem licitação obrigatória, produzidos na agricultura familiar e os destina a uma
rede socioassistencial, que visa, no geral, garantir a segurança alimentar de pessoas em
situação de vulnerabilidade, alcançando, consequentemente, os dois objetivos supracitados.
O Programa é financiado através de recursos do Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome - MDS e do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA e é
executado a partir de seis modalidades: aquisição de sementes, compra direta, doação
simultânea, incentivo à produção e ao consumo de leite, compra institucional e apoio à
formação de estoques.
Com relação à execução do programa, ela vem se dando por todo país em atuação
conjunta com a CONAB e com o MDS.
Embora tenha sido criado pela Lei nº 10.696, de 02 de julho de 2003, no governo Lula,
dentro da esfera do Programa Fome Zero, a Lei sofreu alteração no governo Dilma através da
Lei nº 12.512, de 14 de outubro de 2011 e regimentada através de decretos; o vigente é o de nº
7.775, de 4 de julho de 2012. O PAA faz parte de um plano de ações que constituem o eixo
Inclusão Produtiva Rural, do plano Brasil Sem Miséria - BSM.
104
5.1.1 Objetivos e Modalidades do PAA
As diversas modalidades do PAA apresentam, apesar de suas particularidades, quatro
objetivos específicos, buscando apresentar um caráter inovador ao programa:
a) Simplificar e agilizar o escoamento da produção;
b) Promover e ampliar a inserção socioeconômica dos agricultores familiares
e assentados da reforma agrária;
c) Disponibilizar alimentos adequados à nutrição das populações em situação
de vulnerabilidade social e insegurança alimentar;
d) Habilitar os agricultores familiares para controlar a comercialização de
seus produtos, o que resulta no aumento real de suas rendas e no abandono
de uma relação de desvantagem com as redes de atravessadores. (MDA,
2010, p. 4-5)
Quanto às modalidades, o MDA ressalta quatro modalidades do Programa, a seguir
elencadas:
a) Compra direta da agricultura familiar - Nesse caso, os recursos provêm do MDA, e é
executado pela CONAB. Há uma garantia de preços de alguns dos principais produtos
produzidos pela agricultura familiar, como, por exemplo: o arroz, o milho, a farinha de
mandioca, o feijão, dentre outros. Estes alimentos se destinam a formação de um estoque
para distribuição gratuita às comunidades em situação de vulnerabilidade social.
b) Formação de estoques pela agricultura familiar - Neste caso, os recursos também são
providos pelo MDA e executados pela CONAB, é destinado à formação de estoques para
a venda na entressafra, onde os preços são maiores que o de mercado e também adquirir
alimentos para formação de estoques dentro das próprias associações/grupos formais. Por
causa do preço mais alto esta modalidade visa melhorar a comercialização.
c) Compra da Agricultura Familiar para Doação Simultânea - Neste caso, esta modalidade
é coordenada pela SESAN (Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional).
Ela visa doações a pessoas em situação de risco alimentar vinculada a rede de proteção
social e ONG’s. Os alimentos podem ter origem agropecuária, extrativa ou da indústria
familiar. É operada pela CONAB, por estados e por municípios em todo Brasil. Os
alimentos se destinam a creches, escolas, abrigos, dentre outros, e contemplam tanto
agricultores familiares de cooperativas e associações, como agricultores não associados.
d) Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite - IPCL ou PAA-Leite - Neste caso, a
prioridade ao consumo de leite voltado a crianças, gestantes, idosos e outros. Visa-se
incentivar a produção leiteira na agricultura familiar com produção de no máximo cento e
cinquenta litros por dia na região de atuação da SUDENE. O leite é distribuído para
famílias cadastradas em situação de pobreza.
105
No município de Lagoa Seca a modalidade que está implantada é a Compra da
Agricultura familiar para doação simultânea. O programa nacional é mediado pela CONAB,
com escritório em Campina Grande, em parceria com a prefeitura municipal.
5.1.2 Os Beneficiários do Programa de Aquisição de Alimentos
O PAA é uma estratégia por parte do Estado que visa a segurança alimentar da
população mais pobre, bem como a garantia de mercado para os pequenos produtores, por
isso que ele admite dois públicos de beneficiários:
a) Produtores de alimentos: agricultores familiares e empreendedores familiares
rurais enquadrados no art. 3º da lei n° 11.326, de 24 de julho de 2006, que
institui o programa nacional de fortalecimento da agricultura familiar
(PRONAF), incluídos aquicultores, pescadores artesanais, silvicultores,
extrativistas, indígenas, membros de comunidades remanescentes de
quilombos e agricultores assentados.
b) Consumidores de alimentos: pessoas e famílias em vulnerabilidade social,
com iminente risco de insegurança alimentar e nutricional, atendidas por:
programas de promoção de segurança alimentar e nutricional, em especial a
Rede de Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição – REDESAN,
composta por Restaurantes Populares, Cozinhas Comunitárias e Bancos de
Alimentos; entidades sócio-assistenciais preferencialmente cadastradas no
Cadastro Nacional de Entidades do Sistema Único de Assistência Social –
CAD-SUAS; Centros de Referência de Assistência Social – CRAS e Centros
de Referência Especializada de Assistência Social - CREAS ou escolas da
rede pública de ensino, atendidas pelo Programa Nacional de Alimentação
Escolar – PNAE. (MDA, 2010, p. 8-9)
Podem participar do Programa de Aquisição de Alimentos todos os agricultores que
possuem a DAP (Declaração de Aptidão ao PRONAF).
5.2 O funcionamento e a visão dos responsáveis pelo PAA no município
O PAA é uma política pública que busca ampliar os mercados para agricultores
familiares em todo o Brasil através do mercado institucional, além de ser um programa que na
maioria das vezes complementa a renda dos produtores e dá segurança nutricional às pessoas
carentes, através de uma rede socioassistencial. O governo federal desta forma atinge dois
objetivos, um relacionado aos pequenos produtores e outro relacionado aos consumidores
destes produtos.
106
Apesar de ser de caráter nacional é na escala local que ele transforma a vida de
pessoas e ajuda a população de base camponesa no processo de recriação e resistência. A
perda de mercados para a agricultura familiar é uma característica histórica, no entanto, a
resposta atual do mercado, inclusive com este programa é de uma retomada que impulsiona os
modos mais tradicionais de produzir. Para o município de Lagoa Seca se torna uma nova
experiência do ponto de vista do mercado, uma revalorização de práticas que já vem de muito
tempo com estes produtores tradicionais.
Com relação ao PAA em Lagoa Seca, procuramos identificar através de entrevistas
semiestruturadas a posição e o pensamento dos responsáveis diretos pelo funcionamento do
programa no município, a fim de que eles mostrassem a estrutura de funcionamento e as
características gerais deste, como a forma de pagamento, regularidade, geração de renda, etc.
Entrevistou-se o secretário de Agricultura e Meio ambiente do município e a responsável
pelos projetos, por parte da secretaria.
Primeiramente, perguntou-se sobre como estes responsáveis avaliavam a agricultura
familiar para o município. As duas respostas foram no sentido de destacar a importância da
atividade agrícola familiar, enquanto uma fonte importante de renda do município e a que
envolve mais pessoas. Já que a maior parte vive na zona rural e desta atividade depende para
sustentar-se.
A segunda pergunta foi fundamentada em como funciona o PAA no município de
Lagoa Seca e quais os produtos que são adquiridos. Com base nas respostas que se obteve
elaborou-se um esquema para mostrar como é posto em prática o funcionamento do programa
o local estudado (Ver Ilustração 03).
Na primeira fase, elabora-se o projeto junto com as associações de produtores rurais
das comunidades e a Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente. Após essa
primeira etapa, o projeto é enviado para a avaliação da CONAB que, por sua vez, submete o
projeto a uma avaliação por parte de uma comissão que visita os agricultores e confere a
autenticidade dos produtos. Uma vez aprovado, o projeto é posto em funcionamento. Os
principais produtos fornecidos pelos pequenos agricultores, são eles: a laranja cravo, a
banana, o couve, a alface, o coentro, a cebolinha, a galinha caipira, o abacate, a manga e o
feijão vagem.
107
Elaboração do projeto
Avaliação do CONAB
Seção de Visitas aos produtores
Aprovação do Projeto
Ilustração 03: Sequência da elaboração do projeto do PAA local.
Na terceira pergunta, questionamos sobre o perfil dos produtores que fornecem ao
PAA (micros, pequenos, médios produtores). A resposta dada pelo secretário de agricultura é
que predominam os pequenos agricultores (até 10 hectares), aqueles de vida mais humilde que
inclusive participam de outros programas sociais para a geração de renda.
Na quarta pergunta, questionou-se quantos produtores têm cadastrados no Programa.
A resposta fornecida pela secretaria de agricultura foi que há quarenta fornecedores que estão
cadastrados nas associações de produtores rurais comunitárias e que estão aptos a participar.
Destaca-se nesse caso um número reduzido de agricultores, já que a maioria não procura a
secretaria de agricultura ou as associações. Há comunidades que nem possuem associações, e
isso dificulta o conhecimento do programa e uma aversão do próprio camponês em possuir,
por exemplo, a DAP (Declaração de Aptidão do PRONAF) que dá direito ao acesso a estes
programas federais.
Na questão subsequente, perguntou-se quais as formas de transporte das mercadorias
do produtor até o PAA. A resposta foi que normalmente o transporte é feito pelo próprio
presidente da associação comunitária até as escolas conveniadas e o SESC - Banco de
Alimentos, em Campina Grande; quando o presidente não pode fazer este processo ele
determina outra pessoa. Com relação a isso se pode observar um grande controle na mão do
presidente da associação, que detém grande poder pessoal sobre a execução do programa.
Seria recomendável que a prefeitura dispusesse do transporte para buscar estes alimentos.
108
As mercadorias são destinadas a escolas e SESC - Banco de Alimentos
(Mesa Brasil) Campina Grande. O representante do SESC envia esses
alimentos para comunidades carentes, Lar da Sagrada Face, etc. (J. C.,
responsável pela elaboração do programa no município, 2015).
Em seguida, perguntou-se qual o destino das mercadorias adquiridas pelo PAA.
(escolas, creches, restaurantes populares). A resposta foi que há diversos lugares que recebem
produtos advindos da agricultura familiar de Lagoa Seca. Há escolas conveniadas no próprio
município e à sede do SESC de Campina Grande, que mantém um banco de alimentos,
identificado como Mesa Brasil; o representante do SESC envia estes alimentos para as
comunidades carentes como o próprio lar da Sagrada Face, abrigo para idosos que fica no
município de Lagoa Seca.
Após esta pergunta se questionou pela deterioração das mercadorias e se existe, em
que proporção. Eles disseram não saber qual a porcentagem nem qual o produto que sofre
maior deterioração durante o transporte. O próprio secretário afirmou que provavelmente
exista deterioração, mas que não sabe informar. Já a responsável pela elaboração e
coordenação de projetos afirmou que provavelmente o SESC ou as escolas atendidas possam
dar a informação.
Diante das respostas se optou por desenhar um esquema para melhor compreensão
desse circuito que faz a mercadoria depois que os pequenos produtores levam até a sede das
associações (veja Ilustração 04).
Produtores
Produtores
Produtores
Produtores
Associações
Associações
Associações
Associações
SESC- Alimentos
Restaurantes
Asilos
Creches
Escolas
Abrigos
Ilustração 04: Circuito da mercadoria do PAA entre o município e o destino final.
109
Após se obter o percurso que a mercadoria faz durante a execução do programa se
perguntou: O senhor acredita que o Programa de Aquisição de Alimentos tem gerado mais
renda para o agricultor familiar no município de Lagoa Seca? Por quê? Os responsáveis pelo
programa no município foram bem enfáticos na resposta afirmativa. O que foi relatado por
eles é que os beneficiários do programa têm adquirido veículos e equipamentos para melhorar
o plantio depois do programa. A geração de renda obtida pelo pequeno produtor rural pode
mudar as estruturas produtivas de modo a permitir uma geração maior de renda do que a
anterior. Isto impulsiona o pequeno produtor a continuar na terra e produzir alimentos,
recriando-se e resistindo.
Com relação aos preços dos produtos, se perguntou se os pagos pelo PAA são
inferiores ou superiores aos praticados no mercado ou se eles têm se mantido constantes e
qual a última atualização. Segundo os responsáveis, é feita uma pesquisa pela CONAB no
comércio e a partir daí são estabelecidos os preços que são pagos ao produtor durante a
vigência do projeto. Nesse contexto, eles não são nem inferiores nem superiores. São neste
caso referentes ao período pesquisado. No entanto, há oscilação de preços no mercado durante
a vigência do projeto, enquanto que os preços recebidos pelos produtores permanecem
constantes.
Na décima pergunta, questionou-se se os produtores têm se queixado dos preços e
quais as principais queixas. Com relação aos preços praticados, não houve reclamação de
acordo com os responsáveis pelo programa. Segundo eles, o que há é uma reclamação quanto
à cota que no período estudado era de até seis mil reais para cada pequeno produtor durante o
período em que vigora o projeto, na verdade eles queriam que elevasse esta cota para dez mil.
Os pequenos produtores acham a cota insuficiente para o volume de mercadoria produzido
por eles.
Perguntou-se também como é feito o pagamento e se existe regularidade. Segundo
eles, o pagamento é feito quando os produtores fazem as entregas no SESC ou nas escolas
conveniadas. O responsável pela elaboração do projeto emite a nota fiscal direto para a
CONAB, em seguida essa libera o pagamento, o presidente da associação saca o dinheiro e
faz o pagamento para os fornecedores. A regularidade do pagamento é mediante as entregas,
alguns fornecedores fazem entregas mensais e outros fazem entregas trimestrais. Dessa forma,
só recebe quem entregar a mercadoria.
Depois de perguntar sobre a regularidade dos pagamentos dos produtos, perguntou-se
sobre a capacidade do programa em incentivar novas práticas agrícolas: O senhor acredita que
o Programa de Aquisição de Alimentos pode reforçar práticas de agricultura mais saudáveis,
110
como a agroecologia? De que forma? As respostas foram positivas, no sentido de dizer que a
maior parte dos fornecedores planta sem agrotóxicos e isso é do conhecimento dos
consumidores. Uma das dificuldades dos pequenos produtores é a falta do selo, que comprova
que a produção é agroecológica; segundo eles, para conseguir o selo é muito caro para pagar
as certificadoras, por isso a produção agroecológica que a secretaria sabe que existe no
município entra no projeto como agricultura convencional, o que leva os pequenos produtores
a uma perda considerável já que os preços dos produtos agroecológicos são maiores do que os
produtos convencionais. Sem dúvidas, os pequenos produtores não estão sendo contemplados
na sua plenitude de direito no programa pela falta de recursos para certificar a procedência do
seu produto, e também pela burocracia exigida para consegui-la.
Perguntou-se também quais as dificuldades e sugestões para o aprimoramento do
Programa de Aquisição de Alimentos. Foi citado apenas o aumento da cota para o pequeno
produtor que nesse projeto é de apenas seis mil reais durante um ano. Essa cota representa
uma receita média de quinhentos reais por mês, valor que é insuficiente para sustentar uma
família inclusive bem menor do que um salário mínimo. Nesse sentido, podemos dizer que o
programa é um auxílio para complementar a renda, mas não se constitui um vetor realmente
transformador das condições do pequeno produtor.
Por último, se perguntou aos responsáveis: O Senhor considera o Programa de
Aquisição de Alimentos suficiente para absorver a oferta dos pequenos produtores de Lagoa
Seca? Qual o percentual dessa oferta que é adquirida pelo PAA? Nesse sentido, as respostas
foram negativas, embora eles não tivessem conhecimento sobre um percentual. Eles
informaram categoricamente que a oferta é muito maior do que a capacidade de compra do
PAA, que o programa deveria ser ampliado para pelo menos suavizar a perda de mercado
destes pequenos agricultores.
5.3 As características e a visão dos não beneficiários do PAA
Depois de discutir, com base em entrevistas semiestruturadas, o funcionamento do
PAA no município de Lagoa Seca e colher algumas informações sobre a opinião dos
responsáveis, buscou-se captar a visão dos pequenos produtores que não são contemplados
pelo programa, e retirar o seu perfil. Ao todo foram utilizadas dez entrevistas
semiestruturadas.
Na primeira pergunta, questionamos sobre o tempo que o agricultor está na atividade e
no caso de não ser própria, qual a principal forma de acesso à terra. Os resultados
111
acompanharam os dados fornecidos pelo IBGE (2006). No caso do tempo em que os
agricultores
entrevistados
vivem
da
agricultura
encontramos
uma
tendência
ao
envelhecimento destes produtores. Predominaram os que responderam ter mais de trinta anos
de atividade na agricultura. De certo a combinação dos dados do censo demográfico do IBGE
de 2010 e do censo agropecuário do IBGE de 2006, que já discutimos, indica uma perda de
população na agricultura que deve ser relacionada com a saída da população jovem e com a
queda da natalidade no campo.
Menos de 30 anos
30 anos ou mais
20%
80%
Gráfico 01: Tempo na agricultura dos não fornecedores
Fonte: Pesquisa direta
Na questão da forma de aquisição da terra, predominam os que adquiriram as terras
por herança e em menor número por compra. A divisão progressiva da terra por herança
aprofunda um processo de minifundiarização. As propriedades ficam cada vez menores e nem
sempre oferecem condições de sustento da unidade familiar, o que deve ser um indício que
está ocasionando: o trabalho acessório e migrações. Ou mesmo a venda das propriedades. Já
que mesmo com estre processo de minifundiarização, os dados do censo agropecuário do
IBGE (95/1996) e (2006) apontam para diminuição do número de propriedades. (ver gráfico
02).
Na segunda questão, perguntou-se a forma de acesso à terra. As respostas confirmaram
o censo demográfico do IBGE que diz que predominam no município de Lagoa Seca os
proprietários individuais. Sabendo que a aquisição da terra é principalmente por herança, no
caso do acesso a terra ser própria é uma consequência. Registraram-se também outras formas
como posseiros e arrendatários na pesquisa. Que também se remete ao pluralismo do campo
brasileiro nas suas formas de relações de produção. (ver gráfico 03)
112
herança
compra
doação
11%
33%
56%
Gráfico 02: Forma de aquisição da terra dos não fornecedores.
Fonte: Pesquisa direta.
própria
posseiro
arrendatário
10%
10%
80%
Gráfico 03: Forma de acesso à terra dos não fornecedores.
Fonte: Pesquisa direta.
Na terceira questão, foi indagado o tamanho das propriedades. O resultado confirma
este processo de minifundiarização. A maioria das propriedades que foram questionadas por
esta pesquisa afirmam não ter nem cinco hectares. Como já foi ressaltado, observa-se uma
fragilidade nestas propriedades em manter sua própria estrutura. Talvez este processo indique
porque a população camponesa, que tem por características a produção de alimentos, esteja
dentro da dependência da complementação de renda.
113
menos de 5 hectares
5 hectares ou mais
10%
90%
Gráfico 04: Tamanho das propriedades dos não fornecedores
Fonte: Pesquisa direta.
Na quarta questão, indagamos sobre a organização do trabalho, quem trabalhava junto
com o produtor. Observamos que a maior parte declarou que a família tem participação, que
reforça o caráter familiar destas unidades de produção. Essa divide o trabalho, diferentemente
do trabalho assalariado a família trabalha na unidade para manter-se. Características que
foram ressaltadas por Chayanov (1981). Entretanto, em 40% das entrevistas os produtores
declararam contratar trabalhadores. Entre os membros que trabalham na propriedade os mais
citados foram filhos e esposa/esposo.
filhos
esposa/esposo
6%
irmãos
sobrinhos
7%
27%
60%
Gráfico 05: Membros que trabalham nas propriedades dos não fornecedores
Fonte: Pesquisa direta
114
Na quinta pergunta, indagamos quais os produtos cultivados. Foram lembrados: a)
verduras: alface, coentro, chuchu, jiló, berinjela, cebolinha, salsa, salsão, alho, rúcula, agrião,
nabo, rabanete, jerimum; b) frutas: laranja, banana, acerola, limão, caju, manga, pitomba,
seriguela e maracujá; c) raízes: inhame, mandioca, macaxeira, cará, batata-doce; d) grãos:
feijão, milho, fava.
A prática da policultura pode ser entendida como uma forma de resistência da unidade
familiar, pois é uma forma de garantir um fluxo de venda mais estável, fugindo de problemas
eventuais na produção e na demanda. Por outro lado, é um mecanismo de garantir o
fornecimento de bens para o consumo familiar.
Na sexta questão, perguntamos sobre como este agricultor comercializa os seus
produtos, sobre a clientela e a sua relação com o preço e se acha justo o preço pago pelos
atravessadores. Neste caso, encontramos três grupos principais: os que fazem a venda direta
em feiras, os que vendem a atravessadores e os que praticam as duas modalidades. Entre os
que vendem nas feiras, alguns têm clientela certa e outros não. Já entre os que vendem a
atravessadores apresentam uma clientela mais fixa. O terceiro grupo vende a maior parte da
produção a atravessadores e a parte que sobra é negociada nas feiras. Entretanto, a maioria
dos produtores questiona o preço praticado pelos atravessadores.
Eu vendo nas feiras por aí e na Ceasa (Empasa). Sim, tenho clientes, vários
clientes. Não acho justo, os atravessadores compram barato para poderem
ganhar muito na mercadoria. (JCR, agricultor entrevistado, 2015).
Eu vendo aos atravessadores. Não tenho cliente certo, às vezes, vendo a
mandioca para as casas de farinha. Eu não acho justo o valor que eles
pagam a gente, o que eles compram por um preço, vendem praticamente
pelo dobro. (ADR, agricultor entrevistado, 2015).
A gente vende ao atravessador e o que sobra a gente dá um jeito de levar
para a Ceasa, lá alguém compra para revender. Tem cliente certo. Não,
porque assim, eu acho que merecia que ele pagasse mais, né? Por exemplo,
uma coisa que é vendida a dez reais ele compra por dois e cinquenta ou três,
né? (JRLA, agricultor entrevistado, 2015).
Uma parte vende, pequena. Mas, a maior parte repassa ao atravessador.
Sim, tenho cliente certo. O preço pago pelo atravessador, ele ganha mais da
metade, o atravessador já pega pronto e não tem trabalho. (JMS, agricultor
entrevistado, 2015).
Rapaz, a quem chega eu vendo. Não tenho comprador certo, não, no caso a
atravessador. Rapaz, tem tempo que sim, tem tempo que não. É que o
atravessador sempre ganha mais do que a gente que trabalha (FSS,
agricultor entrevistado, 2015).
115
Na visão destes agricultores pesquisados, o preço pago pelos atravessadores não é
justo. Estes apontam para a questão de que o preço que eles revendem a mercadoria é
exacerbadamente mais alto do que o que eles pagam pela mercadoria. Em virtude desta
relação, os produtores têm que trabalhar muito para poder sustentar a unidade familiar não
sobrando tempo para comercializar.
Outra questão proposta foi a respeito do transporte. Na maior parte dos casos o
produtor, além de não ter tempo disponível, já que a produção requer cuidados diários, não
possui o transporte para comercializar a mercadoria em lugares mais distantes ou em feiras.
Nem este transporte é fornecido pelos poderes públicos ou outros órgãos. Este fato faz com
que o pequeno produtor dependa quase que exclusivamente do atravessador para
comercializar a sua mercadoria e assim se submeta aos preços por eles determinados. Por sua
vez, esta conjuntura está tão banalizada que alguns pequenos agricultores tratam a
lucratividade operada pelo atravessador como uma relação normal. Outros ainda acham o
atravessador como uma espécie de salvação por ser o único veículo pelo qual estes possam
escoar a sua produção.
30%
70%
possui transporte
não possui transporte
Gráfico 06: Propriedade de transporte por parte dos produtores.
Fonte: Pesquisa direta.
Na oitava questão, tentamos capturar a percepção do produtor quanto ao atravessador,
questionando se ele considera o intermediário como um problema na comercialização da
agricultura familiar: Os produtores ficaram divididos quanto a esta percepção, alguns
consideraram que sim outros que não. Observamos alguns casos:
116
Depende dos casos, porque no momento em que a mercadoria está com
preço alto não precisa de atravessador, mas quando a mercadoria está com
preço baixo, é ele a salvação! (JRLA, agricultor entrevistado, 2015).
Sim, porque a gente acaba perdendo dinheiro, vendendo nossas mercadorias
por um valor muito baixo. (ADR, agricultor entrevistado, 2015).
É não, visse. Porque a gente não tem tempo de estar dentro das feiras e eles
tem, né? (FSS, agricultor entrevistado, 2015).
Não, não considero. Eu acho que todos devem ganhar o pão de cada dia.
(SSL, agricultor entrevistado, 2015).
Observa-se que existe uma relação entre as respostas e os dois períodos conhecidos na
comercialização da agricultura familiar, com relação a “boia” e a “falta”. E esta como se
observou é uma relação ilusória tendo em vista que nos períodos de entressafra os preços das
mercadorias aumentam, mas isso acontece porque nem todos os agricultores tem o produto.
Existem os produtores que encaram essa ocasião como um período que podem ganhar bem,
mas na verdade é uma loteria. Outros não percebem a exploração no preço do produto por
causa do aumento relativo dos preços pagos aos pequenos produtores.
A maioria dos produtores acha injusto o preço pago pelas suas mercadorias, citam o
aumento das despesas e a falta de tempo para comercializar. Entretanto, como o atravessador
é o principal canal de escoamento dos produtos, prefere-se suavizar ou naturalizar a sua
atuação.
Na décima questão, perguntamos se existem dificuldades para se vender a mercadorias
e também quais as principais despesas dos pequenos agricultores. A maior parte revelou não
ter dificuldades para vender as suas mercadorias, apenas em vinte por cento dos casos se
afirmou ter um tipo de dificuldade no caso de “boia”, quando a mercadoria está com o preço
baixo os atravessadores não querem comprar. Entre as principais despesas foram lembradas
estrume, adubo, energia, equipamentos, o frete e a mão de obra contratada.
Referente à décima primeira questão, perguntou-se se o entrevistado teve contato com
o PAA; e se teve, porque deixou de negociar. Todos os entrevistados disseram que não tinham
conhecimento do que se tratava o PAA. As principais justificativas giram em torno de que os
mesmos não têm apoio de algum órgão ou entidade responsável, nem recebem informações
sobre esse programa do governo, ou seja, esses se encontram no esquecimento do poder
público.
Com relação à décima segunda questão, foi perguntado se o agricultor teve contato ou
chegou a participar de alguma cooperativa entre pequenos produtores, a questão ainda
indagava sobre a opinião do produtor se a participação em cooperativas de pequenos
117
produtores melhoraria a condição familiar. Em 80% das respostas os agricultores declararam
que não tiveram contato com nenhuma cooperativa de pequenos produtores de alimento;
quanto se melhoraria a condição familiar, a maioria respondeu que sim:
Também, não. Melhoraria, sim, porque garantiria a compra, a gente não
ficava sem vender (JRLA, agricultor entrevistado, 2015).
Não. Eu acho que sim, acho que melhoraria uma produção orgânica,
comprada direto, por um preço justo. (JMS, agricultor entrevistado, 2015).
Rapaz, já apareceu, mas eu nunca peguei, não. Melhoraria porque eles
ajudavam a gente, né? Nos preços principalmente. (FSS, agricultor
entrevistado, 2015).
Na décima terceira questão, pediu-se aos entrevistados sugestões para o poder público
melhorar a condição dos pequenos produtores. Foram citadas: a formação de cooperativas de
produtores, concessão de empréstimo a juros baixos, melhoria das estradas, doação de horas
de tratores, fornecimento de máquinas para construção de barragens, fornecimento de
sementes, tratamento das águas, assistência técnica, dentre outros. O que denota que esses
produtores estão em estado de muita carência e requerem por parte do poder público a
promoção de políticas públicas voltadas aos pequenos produtores.
Na questão de número catorze, perguntou-se a opinião do entrevistado sobre a
produção agroecológica ou produção orgânica. A maior parte revelou achar bastante positiva,
ressaltando a confiança de consumir um produto saudável e com procedência. Alguns não
souberam afirmar nada sobre e outros revelaram não conseguirem produzir em quantidade
suficiente para sustentar a unidade familiar:
Acho importante, porque hoje em dia a gente não pode nem confiar no que
come. Esses agrotóxicos trazem doenças às pessoas. (ADR, agricultor
entrevistado, 2015).
Eu acho difícil produzir em grande quantidade para que se mantenham
todas as despesas da produção. (JMS, agricultor entrevistado, 2015).
É boa, porque não ofende a ninguém, o veneno ofende de mais, né? (FSS,
agricultor entrevistado, 2015).
Muito bom, é obrigar a todos fazerem. (SSL, agricultor entrevistado, 2015).
Por fim, se questionou se o entrevistado tem a pretensão de vender a terra ou de deixar
de trabalhar na agricultura. A maioria dos agricultores entrevistados respondeu que não
pretende vender a sua terra ou deixar a unidade familiar. Entretanto, nas justificativas, não se
118
verificou motivações econômicas para isso, foi citado principalmente a baixa escolaridade e a
necessidade de deixar as terras de herança para os filhos.
5.4 As características e a visão dos beneficiários do PAA
Após inquirir sobre o perfil dos agricultores que não são fornecedores do PAA,
buscou-se levantar as características e as opiniões dos fornecedores do PAA no município.
Entendendo que esta diferença entre fornecedores e não fornecedores possa municiar a
pesquisa e lançar as luzes necessárias quanto o cerne da discussão do trabalho.
As primeiras questões nos fornecem dados quanto às características destes
fornecedores, assim como foi feito para os não fornecedores. Com relação e esta estrutura não
foram notadas diferenças cruciais. O que podemos dizer é que se repetem as mesmas
características estruturais da primeira, ou seja, dos não fornecedores. Com relação ao tempo
de agricultura e forma de acesso a terra as tendências são as mesmas.
Menos de 30 anos
30 anos ou mais
30%
70%
Gráfico 07: Tempo na agricultura dos fornecedores PAA.
Fonte: Pesquisa direta
Com relação ao tempo em que trabalham na agricultura, não se encontrou diferenças
para os não fornecedores. Existe praticamente a mesma tendência de envelhecimento da
atividade agrícola familiar. No entanto, o que podemos ressaltar que apareceu na pesquisa foi
um bom número de posseiros que estão recebendo os títulos de terra agora através das ações
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca que vem regularizando as terras no
município.
119
própria
posseiro
30%
70%
Gráfico 08: Forma de aquisição da terra dos fornecedores do PAA
Fonte: Pesquisa direta
herança
compra
36%
posse
36%
28%
Gráfico 09: Forma de acesso à terra dos fornecedores do PAA
Fonte: Pesquisa direta
Várias destas propriedades revelaram composições fruto da história do próprio
campesinato no município. Por exemplo, existem unidades que parte da propriedade é fruto de
compra e outra foi adquirida por herança, ou também, parte foi posse e parte foi compra, por
vezes configura-se um misto dessas relações. Entretanto, alheio a estes fatores todos
produzem na terra e gerenciam a produção, configurando-se como pequenos produtores
familiares.
Com relação ao tamanho das propriedades se identifica a mesma configuração dos não
beneficiários. Predominam as propriedades com menos de cinco hectares ou mesmo todas
próximos disso. Como já ressaltamos estas propriedades são muito pequenas para conseguir
manter as famílias. Este processo faz com que muitos procurem o trabalho acessório como
120
forma de se manter na unidade familiar. Reflete a subdivisão feita em casos de herança e
também de posse quando é retirada a licença referente a usucapião.
menos de 5 hectares
5 hectares ou mais
40%
60%
Gráfico 10: Tamanho das propriedades dos fornecedores PAA.
Fonte: Pesquisa direta
Com relação aos familiares dos pequenos produtores trabalharem na propriedade
encontrou-se uma boa participação: 90% dos entrevistados informaram a contribuição de um
dos membros da família ou mais, no caso os mais lembrados foram os filhos, esposa/esposo e
irmãos. O que reforça a caracterização da produção da área ser predominantemente familiar,
não diferindo das características encontradas entre os não fornecedores.
filhos
esposa/esposo
irmãos
17%
16%
67%
Gráfico 11: Membros que trabalham na propriedade dos fornecedores PAA
Fonte: Pesquisa direta
121
Com relação aos produtos cultivados por estes agricultores familiares foram lembrados
verduras, legumes, tubérculos e animais de granja, como: coentro, couve, maxixe, quiabo, feijão
vagem, pepino, batata-doce, macaxeira, laranja, banana, maracujá, manga, jaca, abacate, milho,
galinha de capoeira, porcos e frango caipira. Nestas propriedades predominam um determinado teor de
autoconsumo do produto, e o excedente é destinado à venda ao PAA e a outros canais de
comercialização.
Na sexta pergunta, questionou-se qual o destino destes produtos, se havia cliente certo e
também se considerava o preço do atravessador justo. As respostas nos mostraram que a maioria dos
fornecedores do Programa de Aquisição de Alimentos possui outros canais de comercialização para
sustentar a unidade familiar, e também não consideram o preço pago pelos atravessadores um preço
justo.
Eu entrego, só tá faltando aprovar para o programa PAA e Feira Central e
Feira da Prata. (...) é um preço muito bom esse do projeto. (...) e não é mais
baixo, por causa que tem semana que pode ser mais baixo e tem semana que
pode ser mais alto, porque esse projeto depois da gente assinar é fixo. Tanto
faz a mercadoria subir como baixar que o preço é o mesmo. Depois que
assinar o documento é assim, que a gente tem aquela confiança que é aquele
preço justo. (J. C. G. L., agricultor entrevistado, 2015)
Vendo a atravessador, vendo na porta, vendo no PAA, tendo aqui é pra
vender, é igual à feira, tem esse negócio, não, pra gente quanto mais vender
mais é melhor. Rapai era bem melhor pra o PAA, né, mas o problema do
PAA é o limite, parece que o limite é da gente vender só 8.500,00 por ano,
só da pra um mês praticamente, porque é tudo em cima de uma DAP, né,
cada produtor tem uma DAP, aí pronto, só pode vender aquele limite pra o
governo, aí eles fala o seguinte: o que exceder você tem que dar seu jeito, ou
vender pra feira ou particular, você tem que dar seu jeito. Só que 8.000,00 é
o que a gente produz no mês. (E. G. S., agricultor entrevistado, 2015)
Tem venda em feiras, aos atravessador e a comerciantes que levam direto e
o PAA e PNAE. Políticas públicas, né? (...) Só pro PNAE e PAA que tem o
preço tabelado em nove reis o quilo, e se for feira atravessador aí é cerca de
vinte reais a unidade. (...) em um ano? (...) o mais barato é o atravessador
que compra bem mais barato, né? (...) o quilo sai a sete reais. Sete, seis
reais. (L. O. L., agricultor entrevistado, 2015)
No tempo que a gente estava participando do projeto a gente bota mais
laranja, a minha sobra pra feira, né? Aí vai pra feira livre que, aí o menino
faz duas vezes por semana. (...) Rapaz pro PAA é muito melhor, né? Os
projetos são bons, né? Mas, por época, né? Tem tempo que a gente apura
melhor na feira e tem tempo que a gente no programa do governo sai
melhor. (A. J. N. agricultor entrevistado, 2015)
A maioria dos agricultores apontou muitas vantagens em relação ao Programa de
Aquisição de Alimentos, que são primordiais para a garantia de sustento para a unidade
122
familiar. Foram citados: o preço fixo e tabelado; o preço mais alto do que no comércio local; e
a segurança de ter a sua venda garantida.
Com relação ao preço fixo e tabelado há a garantia de que não haverá variação no
preço do produto, assim o agricultor pode planejar a sua produção. Independente de os preços
dos produtos oscilarem nos mercados exteriores, o agricultor tem a garantia de que até o fim
da vigência do projeto de fornecimento o preço será o mesmo. Situação bem diferente da
encontrada por ele no mercado comum onde as mercadorias sobem e descem com muita
fluidez, fazendo com que o agricultor seja refém da parceria com o atravessador.
Outro fator citado é que no geral os preços afixados na tabela de fornecimento do PAA
são maiores do que o pago pelos atravessadores e pelas feiras. Essa situação fortalece o
pequeno agricultor familiar, gerando mais renda e dando condições para investir e permanecer
na terra. Sair da exploração dos preços pagos pelo atravessador é uma das principais
vantagens que o mercado institucional pode trazer. Dizendo de outra maneira, o agricultor que
participa deste programa tem uma condição diferenciada, ou seja, mais segurança quanto a
sua produção.
Um fator que é interessante é a questão da garantia do fornecimento por DAP,
cadastrada no projeto, que atualmente é de oito mil reais. Essa garantia ajuda os pequenos
produtores na oportunidade de ser um canal de comercialização certa. Pois, em alguns casos,
principalmente em situação de “boia”, muitos fornecedores perderiam a produção por não ter
a quem vender. Fato que é parcialmente contornado por esta política.
Alguns fornecedores revelaram fornecer a mais de uma política pública, como o
PNAE (Programa Nacional da Alimentação Escolar), este programa complementa em alguns
casos o PAA, pois esta mercadoria se dirige às escolas públicas do município, enquanto o
PAA é coordenado pela CONAB, para instituições públicas que oferecem ajuda às pessoas
carentes.
Um dos fatores negativos é a cota de fornecimento ter um valor muito baixo, que não
sustenta por completo uma unidade familiar. Os excedentes que não são fornecidos pelos
agricultores, são vendidos por outros canais de comercialização como as feiras livres, ou a
venda autônoma de porta em porta. O que revela que esta política pública ainda tem um
caráter limitado na sua função de assegurar o comércio da agricultura familiar. Entretanto, ela
se configura como uma ajuda interessante na promoção da melhoria da geração de renda no
campo brasileiro.
Também se questionou sobre o tempo em que o agricultor fornece para o programa.
Esse que começou no município em 2006 vem crescendo em número de fornecedores, que
123
pouco a pouco vão divulgando o projeto. Também foi perguntado se o programa é vantajoso.
Nesse sentido, as respostas foram positivas:
Vai fazer uns três anos. Que sempre meu cunhado me chamava, porque eu
sou realista, ele me chamava e eu não tava nem ligando, mas a pessoa só
sente quando o sapato está apertado. E foi aumentando porque a gente vê
que vai dando certo. (...) É bom! O programa é bom. É bom o programa, é
bom as reuniões que a gente participa. E são uns projetos honestos. (J. C. G.
L., agricultor entrevistado, 2015)
Faz mais ou menos uns..., dois mil e sete, dois mil e oito. Comecei através do
sindicato, de lá pra cá eu sempre participo, aí já foi abrindo... Aí daqui
acolá já fui aumentando, aí tem outro programa bom pela associação. (...)
É, começou com três mil reais, e agora já está em oito mil reais por
agricultura. Até infelizmente agora a pouco recebemos uma notícia que os
recursos PAA poderia ser cortado pelo governo federal. Tem até um projeto
grande da associação da gente tá terminando para ser enviado. É porque
primeiro envia o projeto pelo computador e depois é que envia a
documentação. Agora nós acabamos de enviar um novo projeto. São trinte e
oito agricultores esse ano. Mas começou de pouquinho. No começo era um
ou dois. Aí foi aumentando, o povo vai vendo o melhoramento, a gente vai
divulgando. É porque a prioridade do PAA é que o agricultor produza, né?
Mas com essa estiagem de agora, né? (M. I. S., agricultor entrevistado,
2015)
De quando Joel? É desde o tempo que Joel também entrou, nós tudo aqui
reunido, nós somos tudo a turminha ó, dos agricultor aqui é. (...) Demais
meu filho, bom demais. (...) é na renda. É porque ali você sempre... ali você
recebe aquele dinheiro você dá pra investir mais, né? Bem melhor. (C. S.
M., agricultor entrevistado, 2015)
É! Já faz três anos. É, a gente também faz parte do CAE, Conselho de
Alimentação Escolar, então a gente tem o conhecimento. Fornecemos tanto
para o PNAE, como o PAA. A gente gosta muito do programa, porque
fortalece, né? É um dinheiro seguro. Esse governo foi muito bom com esses
programas para o agricultor familiar. (N. D. A., agricultor entrevistado,
2015)
Segundo os agricultores que fornecem para o programa, havia um temor inicial para
participar, pois além de ser algo novo, também havia a questão burocrática que se tornou um
empecilho para alguns, havia também o receio de não conseguir manter a produção
continuamente devido às intempéries climáticas. Mas, superados os problemas e o receio,
todos demonstraram satisfação em estar no mesmo, citando a garantia da venda, bem como da
geração de renda, tanto para manutenção familiar, quanto para eventuais investimentos.
As associações rurais comunitárias e cooperativas têm um papel importante nesse
processo, no sentido de divulgação do projeto. As reuniões, feitas mensalmente,
proporcionam tanto interação entre os agricultores, quanto conhecimento das políticas
124
públicas. No geral, as regiões em que os agricultores são mais articulados são favorecidas pela
sua organização, o que permite a assistência das políticas públicas. Já nas áreas onde não há
esse tipo de articulação, a penetração desse tipo de ação governamental é ineficiente.
Na pergunta de número oito, questionou-se sobre qual a porcentagem da produção que
era fornecida ao programa; e também o que o agricultor faz com o excedente da produção que
não é destinada ao programa:
Dá mais, dá quase cem por cento na safra. O que sobra a gente desmantela
de qualquer jeito. (G. C. l., agricultor entrevistado, 2015)
Da produção? A gente tem um limite de DAP de 8 mil reais, já foi de 4 mil
reais, e também de seis. É porque é um produto caro vamos dizer. Por
exemplo, oito mil conto só dá oitocentos e quarenta e quatro quilos de
galinha, deve dar aproximadamente um lote de trezentas aves. Dá mais ou
menos de dez por cento da produção. Quando você vende oito mil já
completou a sua cota. Aí tu já não pode passar, agora só no próximo ano.
(E. D. A., agricultor entrevistado, 2015)
É por que cada agricultor tem aquela porcentagem, né, só pode atingir
aquele teto, né? É oito mil e não pode ultrapassar aquele limite. É mais ou
menos uns dez por cento. Se pudesse colocar tudo que a gente produz era
excelente. (...) O resto é Feira Central e CEASA. (M. l. S., agricultor
entrevistado, 2015)
Dá mais. Dependendo do produto chega até a quarenta por cento. (...) O
resto da mercadoria eu vendo na Feira Central e na Feira da Prata, já tem
os cliente já certo. (J. C. G. L., agricultor entrevistado, 2015)
Nesse sentido, observou-se haver bastante variação no que concerne à porcentagem do
fornecimento. Alguns agricultores falaram em 10%, outros em 40% e até 100% da produção
destinada ao programa. Essa variação é decorrente da cota ser fixa. Considerando que há uma
diversidade de produtos fornecidos, uma variação do tamanho das produções e também que os
preços são diferentes de cada produto, como, por exemplo, o frango caipira que, por sua vez,
tem o preço bem diferente do abacate, e assim sucessivamente, porém a cota é igual para
todos os fornecedores.
Com relação ao excedente, os fornecedores revelaram vender de qualquer maneira,
seja a atravessadores, seja de porta em porta, ou nas feiras da cidade de Campina Grande.
Como o excedente é bastante variável de produtor para produtor, assim como o custo da
produção, a busca por outros canais de comercialização ainda se faz necessária. Mesmo que
venda a preços inferiores é importante que o agricultor não tenha perdas ou que essas sejam
minimizadas.
125
Na nona questão, perguntou-se como funciona a venda de mercadoria para o
programa. Os fornecedores confirmaram o que já haviam dito os responsáveis por este no
município. Os próprios fornecedores, através das associações destinam os produtos para a
CONAB, em seguida, a mesma os destina para os locais atendidos pela rede socioassistencial
cadastrada pelo programa. O pagamento é feito para a associação e, que por sua vez, o repassa
para os membros fornecedores.
Na décima pergunta, questionou-se se esses fornecedores faziam parte de alguma
cooperativa. No caso dos fornecedores de frango caipira, a maioria faz parte da COOPAF
(Cooperativa da Agricultura Familiar). Os demais são associados ao Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca e fazem parte de associações rurais de produtores. Essas
articulações permitem aos produtores maior acesso ao mercado e maior ciência das políticas
públicas.
A questão onze questionou-se se o agricultor também tinha conseguido melhorar as
condições de produção e aumentar a produtividade da terra. As respostas foram positivas
neste sentido:
Com certeza. (...) Investi em tecnologia também, questão de carro, moto,
casa também que era solteiro, consegui cercar o sítio também, ajuda no
material que a gente não tem. (L. O. L., agricultor entrevistado, 2015)
Sim, foi muito bom. Que pena que não durou. Quando a gente tava tomando
gosto na coisa parou. Não deixou nem nós tomar gosto. (...) Era sempre
investindo esse dinheiro em casa mesmo, ajeitando as coisas, organizando
as coisas em casa mesmo. (C. S. M., agricultor entrevistado, 2015)
Teve, e se o abatedouro funcionar mesmo aí é que fica melhor, né, o intuito
é o abatedor. Eu já construí um galpão, comprei tela, comprei cimento, tudo
isso através da galinha. (L. G. A., agricultor entrevistado, 2015)
Com certeza já compramos máquinas novas, compramos caixas para a
comercialização e estamos fazendo novos criadouros. (N. D. A., agricultor
entrevistado, 2015)
Segundo os fornecedores do PAA, apesar da cota ser baixa por agricultor, em alguns
casos foi possível fazer alguns investimentos. Foi citada a compra de máquinas agrícolas;
material para o cultivo e criação; e também no auxílio em outras despesas como
beneficiamento do terreno através da construção de cercas e a compra de carro, moto e até
ajuda na manutenção da casa. No mais consistiu em ajuda importante para a manutenção da
unidade produtiva, de forma mais confortável.
126
Figura 21: Aquisição de novas máquinas para produção no sítio Retiro.
Fonte: Pesquisa de Campo.
Figura 22: Construção de pequenos criadouros - Sítio Lagoa do Barro - Lagoa Seca.
Fonte: Pesquisa de Campo.
127
Notou-se que a partir do ingresso no programa, vários fornecedores puderam fazer
investimentos nas suas produções, no sentido de melhorar e ampliar suas culturas. Tais
melhorias se deram através de construção de pequenos criadouros de aves (frangos caipira),
bem como maquinarias para a ampliação da produção agrícola. Esse, portanto, garante a
manutenção das unidades familiares no campo, ao passo que se configura como um auxílio
financeiro importante.
No que se refere à décima segunda questão, foi perguntado se o produtor acredita que
o PAA pode reforçar a prática de agriculturas mais saudáveis, como a agroecologia; e de que
forma. Também foi questionado se o produtor consome da própria mercadoria.
Com certeza o PAA, tem um preço especial para os produtos
agroecológicos, a dificuldade da gente é só com o selo, mas nós estamos
para conseguir. (...) Consumo assim aqui a gente não usa. (N. D. A.,
agricultor entrevistado, 2015)
Ajuda, pela... Procura comprar assim diretamente do produtor, que, às
vezes, o pessoal não tem aí vai na Ceasa e quer colocar. (...) Com certeza aí
o pessoal tem essa preocupação de não estar usando agrotóxicos também.
Aí direciona melhor o produtor a ter esta consciência de estar usando o
produto mais saudável. (L. O. L., agricultor entrevistado, 2015)
É, ajuda muito, né? Porque mesmo as lá de casa não foi proverizada
(pulverizada) nada. (...) Consumo, sim. (C. S. M., agricultor entrevistado,
2015)
Pode. (...) Consumo, e gosto que o pessoal filme eu consumindo ela. É
porque eu sou aquela confiança do que tou consumindo e do que eu tou
vendendo. E a minha família também. (J. C. G. L., agricultor entrevistado,
2015)
Os produtores demonstraram que o PAA reforça as práticas de agriculturas mais
saudáveis, tais como a agricultura orgânica e as práticas agroecológicas. Para isso, o programa
oferece um preço diferente para estes produtos, cerca de 30% a mais, segundo os
entrevistados. A dificuldade citada pelos produtores e também pelos responsáveis pelo PAA
no município, é a retirada do selo agroecológico, tanto pelo custo, como também pela questão
burocrática. Por isso que a maior parte dos produtos destinados ao programa no município,
mesmo sendo agroecológicos, são vendidos como produtos convencionais, ou seja, por um
preço inferior.
Os incentivos financeiros públicos a partir do governo federal possibilitam uma
inserção dos agricultores do mercado competitivo, particularmente no âmbito dos produtos
agroecológicos. As práticas agroecológicas contribuem para uma vida mais saudável. É
128
importante no sentido de incentivar o produtor a produzir desta maneira. Com esta ação, o
programa dá um passo importante no fomento à recriação camponesa, pois incentiva os
pequenos produtores a se reencontrarem com seus modos de produzir fundantes.
Figura 23: Plantação agroecológica Sítio Jucá do Cumbe, Lagoa Seca.
Fonte: Pesquisa de Campo.
Figura 24: Agricultor consome da própria plantação.
Fonte: Pesquisa de Campo.
129
Na pesquisa, os produtores demonstraram muito cuidado com as práticas ecológicas
no manejo com a manutenção da agricultura familiar. Todos afirmaram consumir da própria
produção. Este fato reforça a confiança que o agricultor tem na mesma. Incentivados pelo
programa, estes agricultores encontram uma valorização diferente. Que permite a estes
continuar produzindo desta maneira e evitar o uso dos agrotóxicos.
Na décima terceira questão, perguntou-se ao entrevistado se o mesmo havia constatado
algum problema no programa e quais sugestões o mesmo daria para o PAA. A principal
dificuldade apontada pelos produtores foi a questão da cota ser baixa para cada fornecedor:
oito mil reais. Também foi citada a burocracia para a entrada no programa. Com relação à
cota, realmente o valor se mostra insuficiente para a manutenção da atividade familiar,
entretanto já existiram situações piores, onde não existia interesse público pela agricultura
familiar, portanto, mesmo com este valor o sentimento dos agricultores é, na maioria das
vezes, de satisfação para com o programa.
Nas principais sugestões, constatou-se uma vontade dos agricultores pelo aumento
dessa cota, pelo menos em mais dois mil reais em valores atuais, isso ajudaria em termos
mensais na garantia de uma parcela maior da produção para o programa, o que auxiliaria na
diminuição da dependência dos outros canais de comercialização. E citaram também a
desburocratização e ampliação do projeto para outras áreas.
Na décima quarta questão, questionou-se se o programa seria suficiente para absorver
a oferta dos pequenos produtores do município. E disseram que não. Mesmo com a forte
estiagem que assola o município, e que tem diminuído significativamente a produção,
obrigando vários produtores a dependerem de outras políticas públicas. Existe uma oferta
maior do que a demanda do programa.
Na décima quinta questão, foi perguntado ao entrevistado se ele tinha pretensões de
vender a sua terra ou de deixar de trabalhar na agricultura.
Não, porque eu já criei uma estrutura, né, realmente eu já tenho uma
estrutura e um investimento alto. E você partir para arrumar um emprego
sem ter capacidade nem conhecimento na área, né, vai ficar difícil. (E. D.
A., agricultor entrevistado, 2015)
Tenho, não, viu? A gente construiu muita coisa e agora é seguir em frente.
Vamos conquistando e trabalhando. Temos que ter fé, né? E principalmente
trabalhar já que fazem por nós, temos que retribuir. (N. D. A., agricultor
entrevistado, 2015)
Só quando eu morrer, né? Enquanto eu tiver vida e puder trabalhar eu
trabalho. Se criamos nisso. (G. C. L., agricultor entrevistado, 2015)
130
Eu não, eu não tenho. (...) é, só saio daqui quando Deus quiser, como se diz
pro cemitério, né? No sítio, é aqui como se diz não tem aborrecimento de
nada, né? Na rua, né, às vezes, você pega um vizinho complicado, né? Aí é
som, é tudo no mundo. E aqui não existe isso (A. J. N., agricultor
entrevistado, 2015).
Nenhum dos entrevistados demonstrou interesse em se desfazer da sua propriedade,
nem mesmo para a especulação imobiliária, que é crescente no município. As condições de
vida mais simples no campo quanto à manutenção da unidade familiar, e também quanto ao
sossego de viver próximo as suas origens e tradições. Nesse sentido, o PAA tem um papel
importante em manter o homem no campo, diminuir o fluxos de migrantes para áreas urbanas
ou outras regiões do país.
5.5 Resistência e recriação camponesa a partir do PAA
Um dos aspectos importantes estudados por esta pesquisa se revela na resistência
camponesa; entendida aqui como a manutenção do homem produzindo na terra, e também
com sua recriação; que, por sua vez, é compreendida como o reencontro com suas formas
mais tradicionais de produzir, como a agroecologia. Entende-se que o Programa de Aquisição
de Alimentos tem dado a sua contribuição das duas formas.
A manutenção do homem na terra tem se colocado como primordial para amenizar a
desordem urbana. A saída do homem do campo deve ser atenuada, ela só contribui para o
inchaço nas grandes cidades, a concentração de terras, a inflação sobre os alimentos
tradicionais e outros problemas de ordem estrutural. Nesse contexto, o PAA pode dar uma
contribuição importante.
A garantia da venda no mercado institucional se configura como uma proteção ao
mercado da agricultura familiar. Embora não seja suficiente nem tenha grande impacto na
economia do país, alivia a condição de vulnerabilidade destes produtores, reduzindo a
dependência dos atravessadores que se apropriam de parte significativa do valor do produto
sem praticamente ter contribuído para tal. A geração de renda possibilitada pelo programa
ajuda na manutenção da unidade familiar.
O fomento à produção agroecológica é uma das maneiras em que o Programa de
Aquisição de Alimentos ajuda na recriação camponesa. Além disso, oferece um subsídio
financeiro maior a estes produtores. Enfim, o programa dá um passo importante no reencontro
entre os camponeses e suas práticas mais genuínas de produzir. Para o município de Lagoa
131
Seca tem se tornado providencial em meio ao mercado competitivo, que se estabeleçam
condições de produzir naturalmente em convivência harmônica com o meio ambiente.
132
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de alguns estudiosos terem preconizado o desaparecimento do campesinato
com o avanço do capitalismo na agricultura, ele permanece como uma realidade no campo
brasileiro e em outras partes do mundo. A articulação deste com o próprio capitalismo e com
outras formas de produção submete o campesinato a uma contínua necessidade de se
reconfigurar para continuar existindo. Por sua vez, o campesinato encontra fases de regressão
e avanço, sendo explorado pelo capital, mas se recriando em suas crises. Dizendo de outra
maneira, o campesinato encontra na essência de crise do próprio capitalismo, espaço para se
reproduzir, se readaptando às novas configurações impostas por este.
No Brasil, a agricultura familiar se mostrou durante muito tempo abandonada pelos
órgãos de Estado. Esta conjuntura de omissão provocou sérios danos à estrutura das
comunidades campesinas. O abandono da terra devido à especulação para o grande capital, a
dificuldade de continuar produzindo e a integração no mercado provocaram a desintegração
de inúmeras unidades campesinas cuja mão de obra foi absorvida precariamente pela indústria
ou pelos serviços. Com isso, cresceram as áreas destinadas à agricultura patronal, voltada à
produção de commodities ou para a produção de combustível no mercado interno.
Apesar dessa conjuntura, a agricultura familiar em vários municípios do Brasil, como
Lagoa Seca, ainda envolve a maioria da população. Fruto de um campesinato desenvolvido
historicamente da subserviência ao dono da terra, seja pelo foro, pela meação e outras
relações de produção. Desenvolveram-se pequenas plantações que foram se constituindo
como fonte de sobrevivência para sua população.
Entretanto, além da expropriação do camponês da terra que gerou, historicamente, um
contingente muito alto no Brasil de pessoas sem terra, a comercialização em algumas áreas
também se tornou um canal de expropriação do excedente camponês. Por isso, entende-se ser
necessário garantir acesso a canais de comercialização que permitam a manutenção da
unidade familiar. Não adianta garantir a posse da terra, como, por exemplo, pelos
assentamentos, se as condições de venda do excedente não forem asseguradas.
Embora tenha havido uma valorização pelo mercado dos produtos da agricultura
familiar nos últimos anos, não há garantias de que o pequeno produtor seja o mais beneficiado
com isso. O acesso dos pequenos produtores aos canais de comercialização foi diminuído. A
comercialização foi perdendo espaço na jornada diária deste, que para conseguir algo mais
teve de dedicar mais tempo à produção na unidade campesina. O atravessador tem se
beneficiado, impedindo que o pequeno produtor ganhe com esse processo, e dominando o
133
comércio se apropria de uma parte considerável do valor incorporado ao produto, sem ter na
maioria das vezes despesas que justifiquem esta apropriação.
A relação de dependência ao atravessador deixa o pequeno produtor vulnerável. Como
no município de Lagoa Seca, onde o comércio de hortaliças e frutas advindas da agricultura
familiar fornece o maior acesso ao sustento destas famílias, há uma exploração severa através
dos preços dos produtos. Em contraponto, na atual estrutura municipal, o atravessador é um
elemento importante para que o pequeno agricultor consiga escoar a sua mercadoria.
O mercado institucional abre portas para que o agricultor saia desta relação de
dominação, embora ainda não exista uma demanda para aquisição de grande parte dos
produtos da agricultura familiar. O mercado institucional se revela importante para os
pequenos produtores por garantir melhor proteção para eles. A concorrência desleal do
mercado comum e a dependência demasiada do atravessador faz com que o produto baixe
consideravelmente de preço, fazendo com que o pequeno produtor tenha que trabalhar ainda
mais para sustentar a unidade familiar.
Há em parte dos agricultores uma resistência ao cooperativismo e à sindicalização,
bem como em participar de associações rurais. O fato de muitos destes produtores não
entenderem a relação de exploração a que são submetidos, pois em muitos casos a
acessibilidade ao atravessador é a garantia de não perder o excedente de produção. Estes
agricultores são muito menos articulados, o que dificulta a penetração e o conhecimento das
políticas públicas.
Há uma diferença considerável na articulação e parceria dos agricultores não
fornecedores do Programa de Aquisição de Alimentos e dos fornecedores. Os agricultores não
fornecedores revelam isolamento e fragilidade. Já para os fornecedores há uma relação de
politização diferenciada. A menor dependência do atravessador é importante no sentido de dar
maior poder de negociação para estes agricultores, onde há uma comercialização primária
para os programas com pagamento garantido e mais seguro e uma comercialização secundária
com o atravessador.
Na maioria das propriedades estudadas, os preços pagos pelo Programa de Aquisição
de Alimentos são mais altos do que os pagos pelos atravessadores. A pesquisa feita pela
CONAB é baseada em preços de feira, estes por sua vez são superiores aos preços pagos pelos
atravessadores, que vão até as pequenas propriedades negociar. Por isso há uma relação de
prioridade com relação ao programa, também satisfação e ganho do pequeno produtor. Essa
diferença de preço possibilita a estes fornecedores uma consciência maior com relação à
venda aos atravessadores, o que não acontece com os não fornecedores.
134
A maioria dos entrevistados revelou impacto na geração de renda que possibilita ao
agricultor não depender necessariamente de outras fontes. Isso permite ao agricultor a
resistência em permanecer na terra produzindo. Evita que o pequeno produtor vire mão de
obra barata em grandes centros. No lugar onde é possível estabelecer viabilidade das relações
econômicas, é muito mais difícil a expropriação do camponês, seja pela força da posse da
terra, seja pelo comércio exploratório.
Mais do que o preço maior, o PAA oferece outra vantagem com relação à
comercialização que é a regularidade dos preços. Essa possibilita aos pequenos produtores
maior planejamento com relação à previsibilidade do pagamento. A cota por produtor é feita
com base em um preço tabelado. Neste caso, o programa assegura o preço fixo durante a
vigência do projeto, situação bem menos vulnerável do que a venda no mercado comum, onde
os preços variam de forma volátil.
Na maioria das propriedades beneficiadas, o programa possibilitou investimentos na
produção, como compra de máquinas e equipamentos, que elevam a produtividade. Desta
forma o agricultor atingido por esta política pública pode continuar produzindo mais. Nas
entrevistas, percebeu-se uma melhoria na condição de vida de parte da população como:
aquisição de motos, construção de cercas dos sítios, aquisição de novas áreas, construção de
novos criadouros e etc.
Com relação à comercialização no geral, o programa possibilitou ao camponês uma
ampliação do mercado consumidor, dando a ele mais opções de canais de comercialização,
embora no município haja um número muito pequeno de fornecedores do PAA e os recursos
de cota sejam limitados. Os contemplados pela política pública se distanciam dos demais, pois
há uma configuração diferenciada em relação àqueles que não são contemplados. De todo
modo, os recursos que são adquiridos pelo fornecimento dos produtos ao programa se
configuram numa ajuda interessante, mesmo ainda não se mostrando suficiente para manter a
unidade produtiva.
O PAA não beneficia somente o produtor, também beneficia aqueles que consomem o
produto e participam da rede socioassistencial, embora não seja o foco da pesquisa. O
programa beneficia diretamente pessoas em situação de vulnerabilidade social, o que deve ser
levado em conta. Assim o programa busca atenuar dois problemas, a vulnerabilidade da
agricultura familiar, e proporcionar uma alimentação de qualidade as pessoas que não tem
condições para isso.
O programa também possibilitou apoio à produção agroecológica, oferecendo
vantagens financeiras nos preços dos produtos que são produzidos desta forma. Este subsídio
135
fomenta o reencontro destes agricultores com suas formas mais genuínas de produção,
proporcionando, desta forma, uma recriação camponesa, uma readaptação face ao
capitalismo. Este tipo de produção ajuda na diminuição do uso de agrotóxicos e produtos
químicos, resultando em um produto de maior qualidade e na manutenção das formas
tradicionais de produzir.
O programa também apresenta alguns pontos negativos. Ele não consegue substituir
completamente o atravessador como canal de comercialização. A cota é baixa. Por exemplo,
atualmente é de seis mil reais por ano. Com os preços atuais, a renda auferida no PAA é
insuficiente para manter uma unidade familiar. Isso faz com que o agricultor busque
alternativas para a venda de seus produtos. Alguns produtores complementam a venda com o
PNAE, que possibilita um maior alcance destas produções.
Alguns agricultores relataram a burocracia como um ponto negativo. O fato de ter
acesso à DAP (Declaração de Aptidão do PRONAF) ser através de projeto limita o acesso.
Foi lembrada, também, a questão de existir uma pausa entre o encerramento de um projeto e
início da vigência de outro, assim como a questão dos atrasos na liberação dos recursos. As
políticas públicas se configuram num universo formalista, enquanto que a produção familiar
não se enquadra bem nesse modelo.
De certa forma é percebido uma relativa concentração do programa nas mãos de
determinadas pessoas que têm influência no cenário político local. A exemplo de outros
lugares, no município de Lagoa Seca, a quantidade de pessoas que participam é pequena com
relação ao universo de produtores. E os que são beneficiados geralmente têm parentesco uns
com os outros. Além disso, determinadas áreas do município são totalmente deixadas de lado
em detrimento de outras.
Percebe-se também uma centralização de poder muito grande nas mãos dos
presidentes das associações rurais de produtores. Estes recebem o dinheiro, fazem transporte
de mercadorias, coordenam a elaboração dos projetos, coordenam entrada e saída de pessoas
no programa. Este fato favorece a perseguição política, e põe em risco a democratização do
acesso ao programa.
Em alguns, a dificuldade na certificação de alguns produtos faz com que o agricultor
tenha perdas financeiras. Vários produtores que possuem produção agroecológicas, tem os
seus produtos pagos como convencionais. No caso da produção dos avicultores do município,
os mesmos revelaram abater os produtos no município de Monteiro, a mais de 120 km de
distância, porque não dispõem de uma certificadora pública nas proximidades. Esta relação
tem obrigado vários agricultores a se desmotivarem com esta política pública.
136
O Programa de Aquisição de Alimentos se configura enfim como uma base de
sustentação ainda pequena para o agricultor, mas demonstra que um dos caminho para tirar a
agricultura familiar da inércia é o desenvolvimento do mercado institucional. Esse canal
sendo ampliado pode ser um reforço significativo para a resistência e a recriação camponesa.
Em suma, o programa pode ser o início de um movimento novo na construção de políticas
públicas que atendam as necessidades dos pequenos produtores.
137
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143
APÊNDICE
144
Roteiro de Entrevista com os responsáveis pelo Programa de Aquisição de Alimentos.
Nome do Entrevistado: ____________________________________________
1- Como o senhor avalia a importância da produção agrícola familiar para a população do
município de Lagoa Seca?
2- Como funciona o Programa de Aquisição de Alimentos no município de Lagoa Seca?
Quais os produtos que são adquiridos?
3- Qual o perfil dos produtores que fornecem ao PAA (micros, pequenos, médios
produtores)?
4- Quantos produtores têm cadastrados no Programa?
5- Quais as formas de transporte das mercadorias do produtor até o PAA?
6- Qual o destino das mercadorias adquiridas pelo PAA (escolas, creches, restaurantes
populares, ver o percentual dessa distribuição)?
7- Existe deterioração das mercadorias? Se existe, em que proporção?
8- O senhor acredita que o Programa de Aquisição de Alimentos tem gerado mais renda
para o agricultor familiar no município de Lagoa Seca? Por quê?
9- Os preços pagos pelo PAA são inferiores ou superiores aos praticados no mercado?
Eles têm se mantido constantes? Qual a última atualização?
10- Os produtores têm se queixado dos preços? Quais as principais queixas?
11- Como é feito o pagamento? Existe regularidade?
12- O senhor acredita que o Programa de Aquisição de Alimentos pode reforçar práticas de
agricultura mais saudáveis, como a agroecologia? De que forma?
13- Quais as dificuldades e sugestões que o senhor daria para o Programa de Aquisição de
Alimentos?
14- O senhor considera o Programa de Aquisição de Alimentos suficiente para absorver a
oferta dos pequenos produtores de Lagoa Seca? Qual o percentual dessa oferta que é
adquirida pelo PAA?
145
Roteiro de Entrevista com o agricultor não fornecedor do Programa de Aquisição de
Alimentos.
Nome do Entrevistado: ____________________________________________
1- O senhor é agricultor há quanto tempo? A terra que o senhor cultiva é própria? Se não
for própria, qual a forma de acesso (arrendamento, parceria, posse, etc.)?
2- Como adquiriu a terra no caso da terra ser própria (herança, compra, doação, outros)?
3- Qual o tamanho da terra que o senhor cultiva?
4- Sua família também se envolve na produção? Quem? Contratam trabalhadores,
quantos?
5- Quais são os produtos que o senhor produz?
6- Como é feita a venda da sua mercadoria? O senhor mesmo vende? Aonde vende: em
feiras, em casa, outros? Atravessadores? O senhor tem cliente certo? Caso venda a
atravessadores, considera o preço pago pelo atravessador, um preço justo?
7- O senhor tem transporte próprio para carregar a mercadoria? Ou o cliente vem buscar
na sua propriedade?
8- O senhor considera o atravessador um problema na comercialização da agricultura
familiar?
9- O senhor considera justos os preços pagos pelos produtos que produz?
10- O senhor tem dificuldades para vender sua mercadoria? Quais as despesas que o senhor
tem?
11- O senhor já teve algum contato com o Programa de Aquisição de Alimentos do
governo federal, que faz a compra de produtos agroecológicos direto do produtor? Se já
teve, por que não negocia mais com o PAA?
12- O senhor já teve contato com uma Cooperativa entre os pequenos produtores? O senhor
acha que melhoraria a condição da agricultura familiar no município?
13- Quais as sugestões que o senhor deixaria para o poder público, para melhorar a
condição dos pequenos produtores?
14- O que o senhor acha da produção agroecológica ou da produção orgânica?
15- O senhor tem pretensão de vender a sua terra ou de deixar de trabalhar na agricultura?
Por quê?
146
Roteiro de Entrevista com os beneficiários do Programa de Aquisição de Alimentos.
Nome do Entrevistado: ____________________________________________
1- O senhor é agricultor há quanto tempo? A terra que o senhor cultiva é própria? Se não
for própria, qual a forma de acesso (arrendamento, parceria, posse, etc.)?
2- Como adquiriu a terra no caso da terra ser própria (herança, compra, doação, outros)?
3- Qual o tamanho da terra que o senhor cultiva?
4- Sua família também se envolve na produção? Quem?
5- Quais são os produtos que o senhor produz?
6- Qual o destino desses produtos (autoconsumo, venda direta aos consumidores,
atravessadores, PAA, etc.)? Caso venda a atravessadores, considera o preço pago pelo
atravessador muito diferente do preço dos produtos na feira?
7- O senhor faz parte do Programa de Aquisição de Alimentos no município de Lagoa
Seca? Desde quando? O programa é bom?
8- Que parte da sua produção é vendida ao Programa de Aquisição de Alimentos? Se não
vender toda ao PAA, o que o senhor faz com o resto da mercadoria?
9- Como funciona a venda da mercadoria para o Programa?
10- O senhor faz parte de alguma Cooperativa?
11- Tem havido uma melhoria na sua condição depois da entrada no programa? O senhor
conseguiu melhorar a sua condição?
12- O senhor acredita que o Programa de Aquisição de Alimentos pode reforçar práticas de
agricultura mais saudáveis, como a agroecologia? De que forma? O senhor também
consome da sua mercadoria?
13- O senhor acha que o programa tem algum problema? Quais as dificuldades e sugestões
que o senhor daria para o Programa de Aquisição de Alimentos?
14- O senhor considera o Programa de Aquisição de Alimentos suficiente para absorver a
oferta dos pequenos produtores de Lagoa Seca?
15- O senhor tem pretensão de vender a sua terra ou de deixar de trabalhar na agricultura?
Por quê?