Edição 65 – Dezembro/2009 - Curso de Jornalismo

Transcrição

Edição 65 – Dezembro/2009 - Curso de Jornalismo
Editorial
Reflexões sociais
A essência do jornalismo está em reportar a
realidade do contexto sócio-cultural em que o veículo de comunicação está inserido. Como formadora de opinião, cabe à imprensa alertar a comunidade sobre suas questões mais prementes.
Nesta perspectiva, o Projétil traz uma série de
temáticas que revelam a preocupação dos futuros
jornalistas com o seu meio social.
Esta edição abre com uma entrevista com a
presidente da Planurb, Marta Lúcia, que revela as
transformações pelas quais a cidade passará nos
próximos vintes anos. Na seqüência, as polêmicas em torno da nova lei que disciplina a prática
da pesca no estado. Na saúde pública, uma reportagem sobre como Campo Grande vem atuando no combate a Dengue.
Reportagens sobre a certificação de qualidade para os alimentos orgânicos e sobre o projeto
de arborização da cidade e recuperação das árvores centenárias são destaques.
O comportamento social também tem seu espaço. A matéria sobre o Projeto Padrinho, que dá
apoio às crianças em abrigos, mostra o quanto o
campo-grandense é solidário, mas também o quanto ainda é preciso ajudar para que nossas crianças não fiquem ao abandono. Outros temas polêmicos são a discriminação sexual que será passível de punição com nova lei que tramita no Congresso e as polêmicas sobre jogos de azar.
A popularização da música erudita de Campo
Grande e as dificuldades que a população do interior enfrenta para buscar auxílio médico na capital
também entraram na pauta.
Como reportagem no suplemento especial, as
dificuldades de reintegração dos detentos no meio
social.
Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –
Produzido pelos acadêmicos do 3º ano de Jornalismo, sob
orientação dos professores José Márcio Licerre (Planejamento Gráfico II), Mário Luis Fernandes (Edição) e Mario Marques Ramires (Redação e Expressão Oral em Jornalismo II).
Jornalistas responsáveis: Mário Luis Fernandes (DRT-PR
2513) e Mario Marques Ramires (DRT-SP 12602)
Produção: Aline Saraiva, André Patroni, Eduardo
Maia, Flávia Melo, Kleomar Carneiro, Laís Inagaki, Lauanna
Alcará, Mariana Fercard, Renata Bastos, Súzan Benites,
Vinícius Bazenga e Vinícius Berton.
Correspondência: Jornal Projétil – Departamento
de Comunicação Jornalismo (DJO / CCHS) – Cidade Universitária s/nº - CEP 79070-900 – Campo Grande – MS.
Fone (67) 3345-7600 – E-mail: projé[email protected]. Tiragem: 5.000 exemplares. Impresso na Centro Imagem (Contrato ....) Distribuição Grátuita
As matérias veiculadas não representam necessariamente a opinião da UFMS ou de seus dirigentes,
nem da totalidade da turma.
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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 2
Entrevista
Campo Grande repaginada
Eduardo Maia
Na rua 14 de Julho os carros darão espaço
para os pedestres e calçadões. O bairro será
recuperado e preservado. A Orla Morena chegará à Afonso Pena. Os camelôs vão para a
rodoviária antiga, que será revitalizada. No
mercadão e em outros lugares, os estacionamentos serão subterrâneos e explorados por
particulares. Haverá mais ciclovias e transporte. Essas propostas do Plano Local das Zonas
Especiais de Interesse Cultural da Região Urbana do Centro, da PLANURB de Campo
Grande, que além de muito dinheiro levará
cerca de 20 anos para ser concluído, dependendo do compromisso e empenho de pelo
menos mais quatro prefeitos. O Plano de
Revitalização do Centro, como também é conhecido, foi assinado pelo prefeito Nelson Trad
Filho em 25 de março deste ano. Nesta entrevista exclusiva, Marta Lúcia, presidente da
PLANURB, Instituto Municipal de Planejamento Urbano, fala sobre esse audacioso projeto. Marta é engenheira civil e arquiteta e está
na PLANURB desde 1988.
Quais são os principais eixos do projeto?
M.L: Em 2006, quando fizemos a revisão do Plano Diretor de 1995, foi feita a revisão do que nós chamamos de Política de Desenvolvimento Urbano. Nela
há quatro grandes eixos: saneamento ambiental, política
habitacional, transporte e mobilidade urbana e gestão
democrática.
O que são as ZEICs?
M.L: Dentro do Plano Diretor, que orienta o desenvolvimento e o crescimento da cidade, instituímos
algumas áreas de interesse coletivo. Dentre elas, as Zonas Especiais de Interesse Cultural, as ZEICs. Parte delas está ligada ao centro da cidade, mas existem outros
pontos, como, por exemplo, o Museu João Antônio
Pereira, na região do Anhanduizinho. São ícones que
representam marcos históricos da cidade e já estão definidos no Plano Diretor como áreas de interesse cultural. Todas essas zonas necessitam que nós tenhamos um
plano de desenvolvimento específico.
Como surgiu o projeto?
M.L: Não podemos fazer um conjunto de ações
desarticulas. Por própria exigência do banco financiador,
temos que realizar algumas ações que chamamos de
“amostras”. A Orla Morena e a Orla Ferroviária são
mostras do projeto. Fica evidente a necessidade da elaboração de um plano, o Plano de Revitalização do Centro, cuja primeira etapa seria a Rua 14 de julho. Esse
plano não saiu do nada, ele foi criado a partir do Plano
Diretor.
Como se decidiram as intervenções a serem
feitas?
M.L: A nossa grande premissa é melhorar a questão da acessibilidade e do conforto. O projeto tem quatro grandes objetivos, um, que originou a idéia do Plano de Revitalização é a preocupação com a preservação do patrimônio histórico-cultural. Outro grande eixo
seria a preocupação com o fortalecimento do comércio e do turismo. Um terceiro eixo é a valorização do
espaço público, a preocupação com o pedestre, com a
despoluição visual, a fiação embutida e outras questões
ligadas ao poder público. E um último eixo que trata da
animação cultural no centro da cidade, que é fundamental. A partir desses quatro eixos nós elaboramos o
conjunto de intervenções.
Quais serão as principais mudanças em virtude do Plano de Revitalização?
M.L: O Plano propõe uma padronização e aumento na largura das calçadas, bem como a utilização
do espaço que hoje serve de estacionamento para promover animação cultural. A idéia é que a iniciativa privada faça os estacionamentos com alguns incentivos do
poder público.
Além disso, foi definido um conjunto de empreendimentos que tem interesse histórico, alguns para tombamento, outros para acautelamento, visando a preservação. Com o patrimônio tombado, teremos alguns
roteiros turísticos, que potencializam o turismo e o comércio. Os roteiros passarão por circuitos históricos da
cidade. Esse projeto será integrado com outras ações
da prefeitura, como o Centro de Belas Artes, o parque
da Imigração Japonesa e a Orla Morena.
Outra modificação ocorrerá no espaço da antiga
estação rodoviária. A idéia é fortalecer esse espaço com
o turismo. Com a transferência dos ônibus
intermunicipais para a nova rodoviária, esse espaço seria destinado à entrada e saída dos ônibus da City Tour,
com atendimento aos turistas e venda de produtos das
incubadoras. Pretendemos remanejar o camelódromo
para o espaço da rodoviária, que terá uma série de
melhorias e adaptações, como escadas rolantes e elevadores. Haverá também uma reforma na Praça
Aquidauana. Com relação ao Parque Esplanada, pretendemos revitalizar a Rotunda, que fazia parte do complexo ferroviário, e instalar áreas para atividades teatrais,
com choperias, praça de alimentação e cinemas populares. Além disso, o Museu Ferroviário será implantado.
Os moradores das casas consideradas
patrimônio histórico terão que se mudar?
M.L: Existe a necessidade de remanejamento de
algumas famílias devido à descaracterização da vila dos
ferroviários. O objetivo da moradia nesse lugar é a
manutenção do patrimônio, mas algumas construções
foram completamente modificadas. Nesse caso os imóveis seriam desapropriados, mas a prefeitura iria cons-
3 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
à condição original ganha o município, porque todo o
Parque da Esplanada será reformado. Haverá muitos
debates, inclusive com a Associação dos Ferroviários. À
medida que o projeto caminha, nós damos continuidade, precisamos estudar a região, ver quais são as famílias
passíveis de remanejamento e isso nós ainda não temos.
O Plano de Revitalização tem previsão de duração de
20 anos, é um processo gradativo.
Como pretendem tirar os carros da Rua 14 de
julho?
M.L: Pretendemos melhorar o calçamento e tirar o fluxo de passagem. Assim, não haverá mais o
transporte coletivo na via, ele vai se deslocar para outras ruas. Haverá apenas duas pistas, justamente para
aumentar o espaço dos pedestres e os estacionamentos serão remanejados. Fora isso, pretendemos melhorar a sinalização, com tempo do pedestre no semáforo, promover a despoluição visual, utilizar uma iluminação específica que também ilumine as calçadas e
favoreça as vitrines.
Marta Lúcia, presidente da Planurb
truir um multi residencial ao lado do complexo ferroviário.
Existe ressarcimento dos investimentos feitos por essas pessoas nos imóveis?
M.L: Esses imóveis já são tombados pelo município. As famílias não pagam IPTU, como forma de incentivo para que preservem o local e façam a manutenção, sem descaracterizá-lo. Quando a Prefeitura desapropria um imóvel é feita uma avaliação e as famílias
recebem o valor real do mesmo. Além disso, a prioridade é que essas famílias sejam remanejadas para o
residencial. Também não é algo que acontecerá no ano
que vem. Existe todo um plano de ação para que comece a delinear o que seria necessário desapropriar. Talvez seja só uma pequena parte das edificações que precisem ser desapropriadas.
O que será feito no local?
M.L: Vamos implantar o Museu Ferroviário e pretendemos colocar uma unidade administrativa nesse local.
Queremos um circuito com passeio de 2,5km num trem
turístico, na alça dos trilhos, e criar os “vagões itinerantes”,
que poderão ser ocupados com lanchonetes, bibliotecas, lan houses, podendo ser movidos de lugar e funcionar até mesmo como um palco. É uma forma de
acabar com a descontinuidade de uso da região central
-muito movimento durante o dia e pouco à noite.
Os moradores estão de acordo?
M.L: Quando nós dizemos que o Plano diretor
definiu algumas áreas de interesse coletivo significa a
questão do interesse público em relação ao interesse individual. A Prefeitura nunca teve uma política de imposição, existe um trabalho de diálogo com os proprietários e se houver a possibilidade de que o imóvel retorne
A cidade de Campo Grande cresce 1,4% ao
ano e o número de caros 5,4%. O plano de
Revitalização não busca tratar o problema na sua
conseqüência quando deveria tratar suas causas?
M.L: A facilidade de aquisição dos veículos de uso
individual é uma política nacional, como resposta à crise, sob a justificativa de ampliação de emprego e liberação de recursos para aumentar o poder aquisitivo das
pessoas. Não há como o município lutar contra isso. O
que cabe fazer é estabelecer uma política de fortalecimento dos outros meios de transporte. Hoje se pretende uma série de incentivos para reduzir os custos do
transporte coletivo. Nosso objetivo não é que as pessoas não tenham seu veículo de uso individual, mas fazer
com que utilizem o transporte público, o que será possível na medida em que efetuarmos mudanças nas vias
e o conforto dos veículos de uso coletivo. Ainda propomos a intermodalidade. Muitas vezes as pessoas não
pegam o ônibus coletivo porque demora uma hora
para ir do terminal ao destino desejado, a
intermodalidade permitirá que essas pessoas venham
de bicicleta até o terminal, estacionem essas bicicletas
com segurança e peguem os novos coletivos, que seriam veículos leves e rápidos sobre rodas.
Na cidade é praticamente impossível o tráfego de bicicleta. Onde serão feitas as ciclovias previstas no Plano?
M.L: Na Calógeras, inclusive com o projeto de
revisão da Orla Morena. A idéia é fazê-la desde o
córrego Imbiruçu, passando pela Via Morena, Orla
Morena, circuito histórico até à estação ferroviária. No
sentido oposto, vindo da UFMS pela Via Morena até a
26 de Agosto. Existe um projeto de se implantar 130
km de ciclovias que irão passar pelo centro e pelas grandes avenidas. As ciclovias que existem na cidade não são
interligadas; quando a ciclovia termina, o ciclista tem
que disputar espaço com os outros veículos.
Como os camelôs serão remanejados?
M.L: A intenção é ter no Mercado Municipal um
estacionamento subterrâneo e fazer com que a via Morena chegue à avenida Afonso Pena, para dar continuidade até ao aeroporto. Atualmente a Via Morena termina na rua 26 de Agosto e há um estrangulamento
Entrevista
dessa via pelo camelódromo. A estrutura metálica do
camelódromo pode ser retirada e reaproveitada em
outro local. Remanejar esses camelôs para a Rodoviária
velha e ali também abrigar os vendedores ambulantes,
que antes estavam na rua, não significa a retirada dos
outros vendedores que já trabalhavam lá. Hoje, cerca
de 30% do espaço da Rodoviária é da prefeitura e esse
espaço se resume aos terminais e o piso superior correspondente. Há cerca de 300 lojas, das quais 70 estão
funcionando. Existem lojas com dívidas enormes com
a prefeitura por causa do aluguel e na parte de baixo há
um estacionamento para 200 lugares. Nosso objetivo
não é tirar ninguém de lá, apenas vamos abrigar os camelôs no local e utilizar o espaço disponível da rodoviária. Queremos fortalecer o comércio do local e estamos
formulando, inclusive, um protocolo com diversas instituições para capacitar, dar uma visão empreendedora
para esse comerciante.
Qual a previsão de início das obras?
M.L: Para o ano que vem temos recursos para
implantar parte das modificações na 14 de Julho e os
recursos da Orla Ferroviária, que fazem parte do contrato com o BID, assinado há dois anos. O complexo
da Estação Ferroviária é tombado em nível municipal e
estadual e o IPHAN está com um processo, há cerca de
quatro anos, para o tombamento em nível nacional.
Assim que for aprovado, faremos parte das cidades
históricas do país, o que tornaria possível buscar recursos no PAC para a continuidade do projeto.
As obras do Plano de Revitalização do Centro
estão previstas para durarem 20 anos. Nesse período a cidade não terá mudado? Não haverá outras
preocupações e necessidades?
M.L: Com certeza. Por isso, em janeiro de 2010
estaremos com esse trabalho concluído, assim como os
projetos de lei para regulamentação e implementação
das obras. Dentro do plano, certamente nós teremos
algumas revisões e haverá um monitoramento das ações
através de indicadores. Temos hoje na região central cerca
de 400 estabelecimentos comerciais fechados. Um dos
objetivos é reduzir esse número. Se o comércio estiver
mais forte, mais lojas serão abertas, também haverá
maior mão de obra nessa área.
Em 20 anos há tempo para cinco mandatos,
como a PLANURB pretende garantir que o projeto continue?
M.L: Por mais que a gente institua isso numa lei, o
único processo que realmente garante essa continuidade é a discussão democrática. Fazemos essa discussão
de forma aberta com a população, existe também um
Conselho Municipal de Desenvolvimento e Urbanização, que, através de relatorias, acompanha esse projeto
na Câmara dos Vereadores. Dentro desse conselho de
desenvolvimento estão representantes do conselho regional do centro. A prefeitura trabalha através desses
conselhos e do que nós chamamos de “rede viva”, que
é a apresentação e discussão do projeto com a população por meio de audiências públicas. Essa é a única forma de garantir a continuidade do projeto, porque começa outro mandato, tudo muda e pode-se, inclusive,
mudar uma lei. É assim que esse processo se consolida.
[email protected]
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 4
Pesca no MS
Nova lei
cria polêmica
Descerramento da placa durante solenidade
Jornalismo da UFMS é
homenageado pela AL
Em sessão solene realizada no
dia 25 de novembro na Assembléia
Legislativa, o curso de Jornalismo da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul foi homenageado pelos
seus vinte anos de atividades. A homenagem foi uma iniciativa do presidente do Legislativo, deputado
Pedro Kemp. Ao ato, compareceram
a reitora da UFMS, Célia Maria Oliveira, o presidente do Sindicato dos
Jornalistas de MS, Kleiton Sales, autoridades universitárias, professores,
alunos e egressos do curso.
Em seu pronunciamento, Pedro
Kemp falou da importância do curso de Jornalismo para a democratização da informação e defendeu a
exigência do diploma universitário
para o exercício da profissão de jornalista. A reitora destacou a importância do curso no âmbito da universidade e cumprimentou a todos
que fizeram e fazem sua história.
Falaram ainda o professor Edson Silva, Kleiton Sales e ex-alunos
que prestaram diversas homenagens.
Ao final, foi descerrada placa comemorativa à data. Muitos egressos participaram da homenagem
Muitos egressos participaram
da homenagem
Ninguém discorda que é necessária
aregulamentação da pesca, mas nem todos
concordam com as novas determinações
Lauanna Alcará
A qualquer momento pode ser
aprovada a Lei da Pesca de Mato
Grosso do Sul, que está criando muita
polêmica por regulamentar o uso de
petrechos como joão-bobo, bóia fixa
e anzol de galho, além de permitir
embarcações estrangeiras nos rios do
Pantanal. A discordância maior é porque alguns consideram predatório esse
tipo de armadilha enquanto outros alegam que sem esses instrumentos os
pescadores profissionais não tem
como sobreviver.
O projeto de lei 119/09, que regulamenta as atividades da pesca no
Estado, foi aprovado por três votos
contra um pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação. Levado a
plenário, obteve vinte votos a favor e
três contra, para satisfação dos quase
400 pescadores que acompanharam de
perto a votação. Resta agora ser aprovado pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável;
Agricultura, Pecuária, e Políticas Rural,
Agrária e Pesqueira.
As reações mais incisivas contra a
nova lei partem de 22 entidades, que
assinaram nota de repúdio e pretendem aproveitar o tempo que cada
relator pode ficar com o projeto (até
cinco sessões), para tentar reverter a
situação. Além da Associação dos Pescadores Amadores e Defensores do
Pantanal (Aspadama), que também
pretende organizar manifestações e recolher assinaturas contra a nova lei.
Representantes da Aspadama afirmam que há pescadores contra a lei e
que acreditam que a proposta “é uma
lei da pesca predatória”. Para a associação, além da liberação de petrechos,
há o problema da definição de pescador profissional, que na lei seria definido como quem vive “principalmente
da pesca” e não “exclusivamente da
pesca”. O conselheiro da associação,
João Ilgenfritz, afirma ainda que “se
não se conscientizarem, vão acabar com
os peixes e não haverá mais turistas”.
5 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
Os pescadores profissionais, representados pela Associação dos Pescadores de Mato Grosso do Sul, são
totalmente a favor do projeto. O presidente da Associação, Armindo Batista dos Santos Filho, afirma: “Nós
precisamos legalizar a pesca dentro do
Estado. A nova lei não está liberando
nada que não se pode fazer, que não
se possa usar, quer apenas legalizar esta
situação”.
Para a ONG Ecoa, a lei não depreda o meio ambiente. Seu representante, Jean Fernandes dos Santos, alega
que a lei inclusive limita a quantidade
de petrechos permitida na lei federal.
“O grande problema é que estes deputados desinformados distorcem as
informações. Existe um decreto do
IBAMA que permite o uso de 25 anzóis de galho para cada pescador, nós
estamos limitando este uso para 15. Na
lei federal, de julho de 2009, também
são permitidos 25. O que nós queremos é regulamentar isso tudo. Nós
estamos limitando essa quantidade. A
respeito do uso de tarrafas e redes, isto
é uma inverdade. Não vai ser permitido, não tem escrito isso em nenhum
lugar da lei.”
Quanto à definição de pescador
profissional, Jean Fernandes explica:
“Hoje os pescadores são limitados à
atividade pesqueira. O que queremos
é permitir que ele tenha a pesca como
fonte principal, mas que possa ter também outra fonte de renda”.
Ecoa, fundada em 1989 e com
sede em Campo Grande, tem unidades ambientais onde atua diretamente:
a bacia do rio da Prata, o Sistema
Paraguai-Paraná de Áreas Úmidas, o
Cerrado e o Pantanal. A instituição tem
participação direta desde 2007 na criação deste projeto de lei .
Sangue verde
A nova lei não afeta somente os
pescadores ou interessados na preservação ambiental, mas também os responsáveis pela fiscalização. A determinação de uma quantidade limitada de
instrumentos para os pescadores exercerem sua função não é suficiente para
proteger a fauna aquática da pesca
predatória.
O representante da Ecoa afirma
que a polícia é muito capacitada, mas
reconhece que a fiscalização ainda não
é suficiente para a demanda. “A fiscalização é carente de algumas coisas [...].
Mas temos excelentes profissionais
dentro da Polícia Militar Ambiental,
responsável pela fiscalização.”
O sargento Escobar, da Polícia
complicada. Diz que nos últimos anos
Militar Ambiental do Estado (PMA/
não viu um profissional que esteja numa
MS), afirma que “tem que ter o sancondição boa, ganhando dinheiro limgue verde, como diz o nosso comanpo sem problemas. Acrescenta que “a
dante. Pra não esquentar a cabeça com
maioria tá tudo lascado, só quer trabapernilongo, tomar chuva, sol, frio... tolhar na irregularidade. O atravessador
dos fatores adversos que muitos não
sempre ganha nas costas deles” e o
gostam de passar”.
peixe ainda é vendido pelo dobro do
Diz ainda que a comunicação é um
preço que foi comprado do pescador.
dos maiores desafios da fiscalização:
“E é um pessoal
“A comunicação
sofrido, tem esse
por celular hoje é
outro lado. Às veboa pra nós que
Além de abrir o
estamos no rio, Pantanal a embarcaçoes zes o cara ta precisando do dinheiro
porque às vezes
estrangeiras, a nova lei e faz isso mesmo.
estamos precisanEle não pensa no
do de apoio e tepermite o uso de
futuro dos filhos
mos como ligar.
armadilhas como
dele”, ressalta
Mas é bom tamjoão-bobo, bóia fixa e
Escobar.
bém para os infraCom a nova
tores, pois eles fianzol de galho.
lei, se aprovada,
cam monitorando
também serão
nossas ações. A
permitidas embarcações estrangeiras
gente tem que usar meios pra poder
nos rios do Estado. Para Escobar,
burlar essa comunicação do pessoal que
as regiões mais críticas são Coxim,
pretende praticar a pesca predatória ou
Co-rumbá e Bela Vista. “A região de
pescar mesmo no período da
fronteira é a que mais dá problema.
piracema”.
Paraguai e Bolívia são terras sem lei,
O sargento Escobar desempenha
não existe lei de crimes ambientais,
a atividade de fiscalização há três anos
eles pescam do jeito que querem.
e relata que “infelizmente hoje a rede
Mas quando a gente pega, a gente
ainda é uma das práticas rotineiras”.
apreende.”
Segundo o Presidente da Associação
dos Pescadores, Armindo Batista, “a
classe é cem por cento contra a utilizaRegulamentação
ção de redes aqui nos nossos rios”.
Pescadores, deputados, ambienPorém, fatos revelam situações
talistas ou até mesmo curiosos tem suas
contrárias. Na operação pré-piracema
opiniões a respeito do que deve ser
deste ano, mais de 40 pescadores fofeito para garantir um “futuro melhor”.
ram presos, e desde o início da
São inúmeras as denúncias de
piracema em novembro, ocorreram
assoreamento e depredação dos rios
novas prisões.
mas, apesar disso, Mato Grosso do Sul
Quanto à condição dos pescadoainda mantém boas áreas preservadas.
res, Escobar vê uma situação bastante
Um exemplo é o rio Coxim, que ain-
Polícia Militar Ambiental apreende peixes fora da medida
Pesca no MS
da possui grande quantidade de peixes
e paisagens preservadas. Escobar concorda: “aquele local ali está bem preservado. Você vê que ainda tem matas
e logo em seguida já tem um pedaço
bem depredado.”
Entretanto, a conscientização da
população é precária. Nesta piracema
já foi apreendida mais de uma tonelada de pescado em vários estabelecimentos por falta de declaração de estoque.
E várias pessoas foram presas não só
por pescarem na piracema, mas por
utilizarem petrechos irregulares, como
a rede.
Escobar explica que este ano os
peixes começaram a se movimentar
antes da época normal da piracema,
tendo que ser vigiados para conseguirem alcançar seu destino. “A gente vai
acompanhando pra ver se eles chegam
até a desova, por que se não o pessoal
passa a rede ali e já leva um monte.”
Além do acompanhamento, a preservação exigiria atitudes mais severas.
Para Escobar a pesca tinha que fechar
completamente por um determinado
tempo. “Porque, que nem este ano, foi
muito atípico... No Pantanal, no rio
Paraguai não teve cheia. Foi um ano
fora do normal. Você vê que o ciclo
dos peixes se desorganizou, tem cardumes de peixes subindo fora de época. No rio Coxim mesmo eu acompanhei um cardume de pintado do
lado do Caronal lá, desde maio subindo o cardume, não só de pintado, mas
lambari e outras espécies. Desde
maio!”
A Lei está a dois passos de ser
aprovada e não há discordâncias quanto à necessidade de regulamentação da
pesca. Mas, apesar de todo o discurso
de respeito à natureza, os fatos não
condizem com as palavras.
Este ano, no primeiro dia de
piracema, os policiais autuaram vários
pescadores com redes e tarrafas. O
próprio filho de Armindo Batista dos
Santos Filho, Presidente da Federação
dos Pescadores de Mato Grosso do
Sul, foi preso pescando com rede em
época de piracema, um dia após seu
pai fazer a seguinte declaração ao Projétil: “Nós somos totalmente contra o
uso de rede. Esta é uma confusão que
a mídia está fazendo, mas nós queremos falar sobre o uso de anzol de galho, bóia fixa e joão bobo. Sem estes
materiais a gente não trabalha. A nossa
classe é cem por cento contra a utilização de redes aqui nos nossos rios”.
[email protected]
Combate à dengue
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 6
Unidos contra o mosquito
Três anos após o maior surto de dengue que atingiu Mato Grosso do Sul, em especial Campo
Grande, quais as medidas que estão sendo tomadas para que a história não se repita?
Vinicius Bazenga
Em 2007, Alexandre Merli Oliveira Lima achou que ia morrer. Ficou
internado durante cinco dias, com fortes dores por todo o corpo, principalmente nas costas. Para ele, esses foram
os piores dias de sua vida. “Eram dores em tudo, febre nas alturas, mal andava. Achei que ia morrer”.
Em 2007, o educador físico
Eduardo Bittencourt Bilo veio até
Campo Grande visitar seu pai e, pela
segunda vez na vida, teve que passar
alguns dias de suas férias em repouso,
sem vontade de fazer nada. “Era febre sempre acima de 39 graus, muita
moleza e dor no corpo, e não tinha
paladar nenhum”.
2007 foi o ano em que Mato
Grosso do Sul, principalmente Cam-
po Grande, foi atingido pelo maior
surto da doença que estragou parte das
férias de Eduardo e internou Alexandre: a dengue.
Com o intuito de evitar que o verão de 2010 seja, para muitos
campograndenses e brasileiros, o que
2007 foi para Eduardo e Alexandre, a
administração municipal e o ministério da saúde têm colocado em prática
ações que visam evitar a reprodução
do Aedes Aegypti, o mosquito transmissor da doença.
Municipal
A Prefeitura municipal de Campo Grande realiza, desde outubro, a
gincana “Bairros Unidos Contra a
Dengue”. Em sua terceira edição, o
principal atrativo da ‘brincadeira’ este
ano é o prêmio em dinheiro: 93 mil
reais, sendo R$ 30 mil para a equipe
campeã. Com o slogan “Mobilize sua
família e seus vizinhos e dê uma geral
em seu bairro, DENGUE MATA!”,
a campanha exige que nesta edição os
participantes atuem não apenas em seus
bairros, mas nas regiões que registraram grandes focos do mosquito nos
anos anteriores.
O coordenador da gincana, Juarez
Carrilho de Arantes, explica que neste
ano o diferencial e principal ponto
positivo da iniciativa é o papel de despertar em cada participante a consciência de reeducar as pessoas de seu
convívio sobre o que fazer para que a
dengue deixe de ser uma preocupação
nacional. Para ele, os participantes precisam ser os multiplicadores dessas
ideias.
Para Arantes, 2009 será o ano da
grande virada no combate à dengue.
Isso porque nesta edição da competição, além da presença da equipe vencedora de 2007 e 2008, que já possui
experiência, outras novas equipes formadas por escolas assumiram o papel
de conscientização, devido, especialmente, às iniciativas educacionais realizadas nas salas de aula. “Eles estão
mostrando que é preciso entrar nesta
guerra”, conclui Arantes.
Além da gincana contra a dengue,
os técnicos do Centro de Controle de
Zoonoses da capital estão sendo treinados por pesquisadores da Fiocruz
(Fundação Oswaldo Cruz) e do Ministério da Saúde, como parte integrante
do Programa Nacional de Combate à
Dengue.
O treinamento consiste em explicar aos agentes de saúde como fun-
Combate à dengue
7 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
ciona o uso das armadilhas elaboradas para a captura de mosquitos e
ovos destes insetos transmissores da
dengue. Este programa vai ter dois
anos de duração e, durante este período, as armadilhas serão colocadas, durante sete dias úteis de cada
mês, nos bairros Guanandi, Vila
Carlota e Vila Planalto, locais considerados pelas planilhas do curso
como os com grandes focos de incidência da doença.
O programa será custeado pelo
Ministério da Saúde, que irá fornecer
as armadilhas, os palm tops utilizados
pelos agentes, e um computador que
será usado para a organização das informações e posterior distribuição das
armadilhas.
Nacional
Em âmbito nacional, o Ministério
da Saúde lançou, no final de outubro
deste ano, as estratégias para a campanha 2009/2010 contra a doença. A
campanha pretende dar continuação às
ações já realizadas no Brasil para o
combate à dengue. Entre 1º de janeiro
e 1º de agosto de 2009, as medidas
anteriores trouxeram quedas de 63%
no número de óbitos, 46% no número de casos gerais e de 80% nos casos
graves de dengue se comparados ao
mesmo período de 2008. No entanto,
os números emvMato Grosso do Sul
são menos otimistas. Nas primeiras trinta semanas deste ano, 12.441 casos da
doença foram registrados no estado,
número três vezes maior dos que os
registrados no ano passado. Já em
Campo Grande, são 661 casos em
2009, contra os 211 registrados no
mesmo período em 2008.
Sob o slogan “Brasil Unido contra a Dengue”, o Ministério da Saúde
quer alertar a população para a importância de manter a mesma linha de atuação na prevenção da doença, e evitar
que o número de casos volte a aumentar. O ministro da saúde José Gomes
Temporão esteve em visita a Mato
Grosso do Sul no mês de novembro,
e afirmou que o estado é um dos seis
do país que registrou aumento no número de notificações da doença neste
ano.
Além da campanha em nível nacional, Temporão disse que o Brasil deve
começar a produzir, no prazo de cinco anos, uma vacina contra a dengue.
De acordo com o ministro, há uma
pesquisa sendo realizada pela Fiocruz,
vinculada ao Ministério da Saúde, e uma
indústria farmacêutica particular para
que esta vacina seja desenvolvida. “É a
primeira vez que um laboratório público e uma multinacional se associam
para desenvolver uma tecnologia para
um problema de saúde pública brasileiro”, disse Temporão.
Segundo o ministro, cerca de 155
milhões de reais serão investidos na
pesquisa. O governo brasileiro é responsável por metade do investimento
e o laboratório privado, pela outra
metade.
As armadilhas
Campo Grande é uma das quatro cidades do Brasil que irão testar as
armadilhas atualmente disponíveis para a captura de ovos e adultos do Aedes
Aegypti. Além da capital sul-mato-grossense, as cidades de Duque de
Caxias, no Rio de Janeiro, Paranamirim, no Rio Grande do Norte, e a cidade
paraense de Santarém também receberão as armadilhas. Essas cidades foram
Armadilhas para captura de
ovos e mosquitos
Informes e dicas
A divulgação da campanha 2009/1010 de prevenção à dengue
será constituída por informes televisivos, palestras para gestores,
profissionais de saúde e educadores, entre outras peças publicitárias
ainda não divulgadas.
Os informes começam a ser veiculados dois meses antes do início
do período de maior incidência dos casos da doença, que acontece de
janeiro a maio. Serão quatro filmes de TV e cinco spots para incentivar
a mobilização social, o combate aos criadouros do mosquito Aedes
Aegypti, e o reconhecimento dos sintomas da doença. A novidade este
ano é que pela primeira vez as crianças terão um filme direcionado para
elas, que pretende convocar os pequenos a integrar a “Turma do
combate” e eliminar os focos do mosquito, em casa e na rua.
O Ministério da Saúde suegere ainda em seu site medidas
preventivas simples que afastam o mosquito das residências quando o
cidadão já fez a sua parte mas o seu vizinho não. São elas:
Espirais ou vaporizadores elétricos: Devem ser colocados ao
amanhecer e/ou no final da tarde, antes do pôr-do-sol, horários em que
os mosquitos da dengue mais picam.
Mosquiteiros: Devem ser usados principalmente nas casas com
crianças, cobrindo as camas e outras áreas de repouso, tanto durante o
dia quanto à noite.
Repelentes: Podem ser aplicados no corpo, mas devem ser adotadas
precauções quando utilizados em crianças pequenas e idosos, em virtude
da maior sensibilidade da pele.
Telas: Usadas em portas e janelas, são eficazes contra a entrada de
mosquitos nas casas.
selecionadas devido ao alto índice de infestação do mosquito da dengue em
anos anteriores.
As armadilhas, desenvolvidas em parceria pelo Ministério da Saúde
e a Fiocruz, serão instaladas em residências nos bairros que apresentaram
elevado número de focos da doença em anos anteriores. São quatro tipos
de armadilhas, que serão colocadas ao nível do solo, em locais de pouco
acesso dos moradores.
Armadilhas para captura de
mosquitos adultos
Alimentos
Fotos: Laís Inagaki
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 8
Orgânicos terão selo de qualidade
Nova lei regulamenta certificado para indicar que os produtos orgânicos
comercializados em supermercados foram cultivados sem agroquímicos
Flávia Melo
Laís Inagaki
Os consumidores terão a garantia
de que os alimentos orgânicos encontrados nos supermercados são realmente livres de agrotóxicos, adubos
químicos, transgênicos e outras substâncias sintéticas. Além disso, esses alimentos devem resultar de sistemas produtivos em que se faça uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais, respeitando-se
as relações sociais e culturais. De acordo com as novas regras, para conseguir a certificação dos alimentos e poder comercializá-los como orgânicos,
os produtores e processadores deverão se cadastrar no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa).
A certificação dos orgânicos tem
sido também uma exigência de amplos
segmentos do mercado mundial especialmente voltados para a qualidade dos
alimentos. E o Brasil tem grande interesse em garantir espaço e boa imagem nesse mercado. Segundo dados
da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos, em 2004 o Brasil
exportou US$ 115 milhões em produtos orgânicos. Os maiores compradores foram América do Norte (51%)
e Europa (46%), onde a população está
preocupada em consumir alimentos
comprovadamente mais saudáveis e
produzidos de forma sustentável.
Novos prazos
A data limite para os produtores
conseguirem a certificação seria até o
dia 30 de dezembro deste ano, mas
segundo o técnico do setor de políticas agrícolas da Superintendência Federal de Agricultura (SFA/MS),
Augusto César Pessoa de Farias, o prazo deverá ser adiado para o final de
2010. “Até agora ninguém apresentou
a documentação necessária, então não
vai dar tempo de conseguir a
certificação até o final do ano”.
As instruções normativas que tratam da regulamentação dos orgânicos
foram publicadas no Diário Oficial da
União em maio deste ano. Preveem a
obrigatoriedade do uso de boas práticas de manuseio e processamento dos
alimentos e que seja possível saber os
métodos de controle e informação da
qualidade desses produtos.
De acordo com o técnico da SFA,
a medida cria uma ferramenta de controle da qualidade do alimento e ga-
rante ao consumidor, através do selo
do Ministério, que o produto orgânico vendido no supermercado está livre de agroquímicos.
Segundo Farias, há três tipos de
certificação: por Controle Social,
indicada para cooperativas, associações e consórcios, que serve apenas
para comércio local e venda direta,
sem sair do município; por Organismos Participativos, que tem um selo
da entidade fiscalizadora e um do
Mapa, indicada também para cooperativas, associações e consórcio, que
serve para comércio nacional; e por
Auditoria, que já é utilizada para os
agricultores que exportam seus produtos, geralmente utilizada apenas por
grandes produtores em função do elevado custo.
Conforme o presidente da Asso-
Alimentos
9 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
dutor decidiu experimentar o cultivo
orgânico. “Quando eu já tomava conta da fazenda é que resolvi experimentar uma coisa diferente. Também porque os custos com insumos para manutenção da lavoura eram muito altos",
conta.
Para cultivar produtos orgânicos,
Komori teve de fazer grandes investimentos nos primeiros anos. A conversão do convencional para o orgânico
foi radical. Ele deixou de utilizar qualMuito complexo
quer insumo proibido pelas normas de
Em Mato Grosso do Sul, 12 proprodução orgânica, o que acarretou
priedades já possuem certificação por
vários problemas. “O período de conauditoria. Dessas, oito criam boi orgâversão para lavouras permanentes é de
nico, uma produz soja e as outras três
três anos, mas isso varia
são do setor de horde acordo com as contifruti. O produtor
dições de desequilíbrio
Francisco Haruo Sasáki
"Como a mídia
ambiental de cada proé dono de uma delas.
tem
falado
muito
priedade. No meu caso,
Cultiva 17 tipos de horda qualidade dos somente após cinco
taliças numa área de
anos é que algum resulquatro hectares, no muprodutos
tado começou a surgir”.
nicípio de Terenos, e
orgânicos, muita
Ainda conforme
sempre quis trabalhar
Komori, durante o pecom uma atividade susgente quer
de conversão, a
tentável. “Em 2002 eu
comprar, então o ríodo
produção orgânica é
comprei a propriedade
preço aumenta" mais cara. “Iniciar a projá pensando em fazer
dução orgânica numa
orgânico. A terra teve
propriedade totalmente
que descansar durante
degradada ecologicamente – como a
dois anos, até a vegetação se recommaioria das propriedades da nossa repor”, conta. Mas os cuidados não se
gião – acarreta altos custos e tempo
limitam ao manejo do solo. “A água
para resgatar o seu equilíbrio e a capanão pode estar contaminada e os funcidade produtiva dos seus solos”. Após
cionários devem estar registrados. Além
o equilíbrio do sistema produtivo, os
disso, tem as regras com transporte, arcustos tendem a diminuir por não ser
mazenagem e rotulagem”.
necessária a utilização de insumos exSó a Associação de Produtores de
ternos e também pela redução de mão
Orgânicos de Mato Grosso do Sul
de obra.
(APOMS) tem 200 famílias distribuídas pelos municípios de Jaraguari,
Oferta e procura
Dourados, Ponta Porã, Glória de DouApesar dos custos da produção
rados, Ivinhema, Nova Andradina,
orgânica serem, a médio prazo, pratiItaquiraí, Juti e Bonito. Segundo o cocamente iguais aos da convencional,
ordenador da APOMS, Olácio
os preços no supermercado são muiMamoru Komori, a Associação terá a
to diferentes. Segundo Augusto César
certificação por organismos
de Farias da SFA/MS, os alimentos
participativos. “Os produtores ligados
orgânicos são mais caros porque os
à APOMS almejam a construção do
supermercados utilizam o produto
Sistema Participativo de Garantia da
para atrair consumidores com alto
Qualidade Orgânica (SPG) e, já em
poder aquisitivo. “Também tem a
conversação junto à Comissão Estaquestão da oferta e da procura.
dual da Produção Orgânica
Como a mídia tem falado muito da
(CEPOrg/MS), apresentarão, no iníqualidade dos produtos orgânicos,
cio de 2010 os documentos solicitanmuita gente quer comprar, então o
do o credenciamento como Organispreço aumenta”.
mo Participativo de Acreditação e
Com preços mais acessíveis, a feiControle”.
ra de produtos orgânicos, que aconteKomori é produtor e processador
ce todas as quartas-feiras de manhã na
de café orgânico em Glória de DouPraça do Rádio Clube, oferece alimenrados. Sua fazenda já produzia o grão
tos de qualidade à população de Camde forma convencional, utilizando ferpo Grande. É promovida pela Secretilizantes, agrotóxicos e adubos químitaria Municipal de Desenvolvimento
cos havia 46 anos. Mas em 1998 o prociação de Produtores e Processadores
de Orgânicos do Brasil (Brasil Bio),
José Alexandre Ribeiro, a produção de
orgânicos no país cresceu 40% no ano
passado e 90% do que é produzido
vem da agricultura familiar. Além disso, as novas medidas do Mapa devem
abrir o mercado para mais produtores e para as empresas de alimentos
processados.
Econômico, de Ciência e Tecnologia e
do Agronegócio (Sedesc), com apoio
do Mapa.
Desde o dia 23 de setembro deste ano, cerca de 50 pequenos agricultores comercializam seus produtos
nesse espaço. Cleuza Sampaio da Costa começou a produzir orgânicos há
apenas seis meses e acredita que o cultivo é mais trabalhoso. “A gente tem
que usar receitas caseiras com pimenta, alho, cinza, fumo e urina de vaca
para não ter pragas. Mas nem sempre
essas receitas dão certo, e então tem
que fazer de novo. Da forma convencional, a gente passava veneno uma
vez a cada 15 dias e podia ficar
tranquilo. Agora tem que ficar cuidando a cada três dias”.
Segundo a diretora de Agronegócios da Sedesc, Karla Espíndola, os
agricultores que trabalham na feira são
assessorados pela prefeitura e estão no
período de conversão. “Como eles
vendem os produtos de forma direta,
não precisam de selo. Além disso, os
três anos do período de conversão são
necessários apenas para obter a
certificação”.
[email protected]
[email protected]
Alimentos orgânicos são
mais nutritivos
Pesquisas indicam que o alimento orgânico tem maior diversidade de
vitaminas, sais minerais e outras substâncias importantes para a saúde do que
o alimento convencional. De acordo com a professora de nutrição da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Osvaldinete Lopes de Oliveira, a
composição química dos alimentos depende de muitos fatores, que vão desde
o tipo de solo ao grau de maturação. “Estudos mostram que a fertilização química do solo aumenta o conteúdo de nitratos, oxalatos e outras substâncias indesejáveis e diminui o conteúdo de vitamina C. Já na agricultura orgânica, observa-se maior produção de certos nutrientes, especialmente os minerais”.
Em trabalho científico publicado em 1993 no Journal of Applied Nutrition, o
cientista Bob L. Smith comparou os teores de minerais e metais pesados no
trigo, no milho, na batata, na maçã e na pêra produzidos de forma orgânica e
convencional. Smith observou que os alimentos orgânicos têm maiores teores
de cálcio (63%), ferro (59%), magnésio (138%), fósforo (91%), potássio (125%),
selênio (390%), zinco (72,5%). Já o conteúdo de metais pesados como mercúrio (25%), chumbo (29%) e alumínio (40%) é maior nos alimentos convencionais.
Ainda não está comprovado cientificamente, mas alguns estudos tendem
a confirmar a crença popu-lar de que o sabor dos alimentos orgânicos é melhor. Segundo a nutricionista, as características do alimento são influenciadas
por vários fatores como grau de matu-ração, composição do solo e, sobretudo,
a avaliação subjetiva de qual sabor é o melhor.
A consumidora Maria Marreira não vê diferença de sabor entre os alimentos orgânicos e os convencionais, mas afirma que prefere comprar os que são
produzidos sem agroquímicos. “É mais caro, mas como são produzidos de
forma natural, são mais saudáveis. A gente acaba pagando mais pela saúde”.
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 10
500
mil
árvores em 3 anos
Súzan Benites
Área Verde
Além da revitalização das árvores
centenárias, Campo Grande amplia ainda mais
sua cobertura vegetal
Na avenida Mato Grosso concentram-se algumas das árvores mais antigas de Campo Grande, que recebem cuidados especiais
Súzan Benites
“As árvores são vistas apenas
como sombras para os carros”, diz o
engenheiro florestal para explicar que
“as pessoas não se atentam para a função ambiental e nem para a influência
das árvores sobre o clima”. Na verdade, nem sempre as pessoas sequer percebem a presença de certas árvores que,
por seu porte, beleza ou idade, mereceriam senão reverência, pelo menos
maiores atenções.
Apesar de ser uma cidade jovem,
Campo Grande já tem suas árvores
quase centenárias, a maioria delas plantadas em 1914, quando o prefeito Dr.
Arlindo de Andrade Gomes mandou
trazer do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro cerca de mil mudas. Foi o primeiro plano de arborização da capital,
que se estendeu pelas ruas Dom Aquino,
O último trabalho de recuperação foi
passando pela 14 de Julho, Calógeras,
realizado em fevereiro de 2005,
13 de Maio, Cândido Mariano, Barão
direcionado a 50 exemplares de ingás e fido Rio Branco, 15 de Novembro,
gueiras, mas mesmo essas já pedem novas
Afonso Pena e Mato Grosso. Em muiatenções pelas ações
tas dessas ruas já
do tempo e de pragas
não existe nem
como os cupins. Conlembrança dessas
“Se todo mundo
o secretário-adárvores. As que
cuidasse do seu quintal forme
junto da Secretaria Muresistem até hoje
e plantasse a sua árvore, nicipal de Meio Amestão a maior
biente e Desenvolviparte nas avenia cidade ficaria mais
mento
Urbano
das Afonso Pena
bonita e o ar mais
(Semadur), João Ale Mato Grosso.
fresco”.
berto dos Santos, “o
E é sobre 80 destratamento das árvosas “senhoras”
Ninfa Ferreira
res é importante, pois
quase centenárias
estas trazem a melhora
que recaem as
climática e da paisagem. E, por isso, precimaiores atenções do Plano de Resam de cuidados especiais”.
vitalização das Árvores Centenárias de
Campo Grande, iniciado em 10 de ouO tratamento
tubro com término previsto para 10 de
O cuidado com as árvores inclui
dezembro.
nutrição, tratamento fitossanitário e
podas de limpeza e adequação. Para a
recuperação nutricional das árvores são
feitos no chão buracos de aproximadamente 25 cm, onde é depositado um
adubo especial oriundo do processamento biológico de lixo orgânico
urbano. Cada árvore recebe 100 kg de
adubo por ano. As podas são de quatro tipos: a de limpeza, que retira galhos secos e partes adoecidas da planta; a de manejo, em que são retirados
os galhos de áreas indesejadas e
brotações desnecessárias; a de adequação, que retira os galhos que de alguma forma interfiram na urbanização;
e a poda de emergência, que tira os
galhos que ofereçam algum tipo de risco para a população.
Com esses cuidados, garantem os
técnicos, o tempo de vida dessas árvores será maior, para que cheguem
11 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
500 mil árvores
Campo Grande é uma das cidades mais arborizadas do país. Enquanto a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) define 15 m²/
habitante como o índice mínimo ideal
de cobertura vegetal, Campo Grande
atinge 74 m²/habitante. De acordo
com João Alberto, da Semadur, “além
de manter, é preciso recompor o índice de cobertura vegetal da capital”. Por
isso foi criado o Programa de
Arborização Urbana.
O programa visa “aproveitar os
efeitos benéficos ambientais e
paisagísticos da arborização, que contribui para o controle da poluição atmosférica, sonora e visual na cidade,
promovendo a melhoria da qualidade
de vida dos seus moradores”. O objetivo é “incrementar o número de árvores, porque algumas regiões da cidade são menos arborizadas que outras” explica Juliana de Mendonça
Casadei, chefe da Divisão de Fiscalização e Políticas Sustentáveis e Educação Ambiental. Ela acredita que até o
começo de 2010 já terão sido plantadas as 70 mil mudas previstas para a
fase inicial. 30 mil já foram distribuídas à população na véspera do Dia da
Árvore, 20 de setembro. Segundo
Juliana, “o plano é ousado, pois a meta
é atingir 500 mil árvores até 2012”.
Estão sendo priorizadas as áreas
que integram regiões urbanas cujo índice de cobertura vegetal encontra-se
em valores menores que a média do
município. As espécies nativas são distribuídas principalmente nas áreas de
Preservação Permanente (APPs). A região do Prosa é a mais arborizada da
capital, com uma cobertura vegetal de
154 m²/habitante. E a região menos
arborizada é a do Lagoa, com 35 m²/
habitante.
De acordo com Juliana, é importante rearborizar as matas ciliares para
a conservação das nascentes. “E é necessário o plantio contínuo porque a
vegetação ameniza o efeito estufa no
meio urbano à medida que contribui
para a manutenção do equilíbrio climático”. O efeito imediato contra o
aquecimento global é perceptível pelo
controle da temperatura, pois sua influência está relacionada ao controle da
radiação solar, da ventilação e da umidade relativa do ar.
A educação ambiental também é
meta do projeto: “Realizamos plantio nas escolas para que as crianças
cresçam com consciência de que é pre-
ciso cuidar da nossa cidade”, diz
Juliana. Além dos resultados obtidos
com a distribuição das árvores e o
plantio que está sendo realizado, ela
acredita que “o campo-grandense valoriza essa característica da cidade. As
pessoas, em sua maioria, ajudam a cuidar da vegetação. Porque é cultural sentar em frente às suas casas para tomar
tereré em baixo da sombra de uma
árvore”.
A acadêmica Aline Peixoto não se
entusiasma com a ideia de distribuir
mudas: “Não acredito que funcione.
Tem que cuidar é das áreas verdes já
existentes. Por exemplo, no Parque dos
Poderes uma boa parte da área foi reduzida por conta dos condomínios de
luxo. O projeto de arborização em si é
bom, contudo, eles têm que fazer alguma fiscalização, porque só plantar e
não cuidar vai ser um trabalho em vão”.
Para o futuro
Segundo estatísticas da Secretaria
Municipal de Meio Ambiente, com o
plantio de 500 mil árvores até 2012 o
índice de cobertura vegetal da cidade
será elevado para 81 m²/habitante.
Um estudo do Observatório do
Clima (Rede Brasileira de Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais em Mudanças Climáticas), publicado em junho de 2009,
assegura que a temperatura média no
Brasil subiu cerca de 0,75ºC ao longo
do século 20, o que deve ser visto
como sinal de alerta para a promoção
de mudanças em cada localidade. A
melhor arborização da capital serve
para promover melhorias no
microclima da cidade, que já sente suas
implicações no aumento da temperatura média local.
Segundo o Portal SOS Mata
Atlântica, seis árvores são suficientes
para compensar o que um carro a gasolina lança no ar em forma de
poluentes. Se esse cálculo, extremamente otimista, estiver correto, poderíamos dizer que as 70 mil árvores plantadas em Campo Grande representam
a neutralização do carbono emitido
por mais de 12 mil veículos. E se a
meta de 500 mil árvores plantadas for
alcançada, estaríamos compensando os
prejuízos ecológicos de aproximadamente 83 mil carros.
[email protected]
Súzan Benites
ao centenário frondosas, bonitas e fortes. Além, é claro, da melhora do visual e de sua função ambiental. “É necessário que acompanhemos o desenvolvimento dessas árvores, que a manutenção seja contínua. Por isso temos
que fazer o monitoramento”, explica
Rubens Nogueira da Rosa, engenheiro
florestal responsável pela revitalização
das árvores.
Rubens acha que é preciso ainda
desenvolver uma cartilha destinada aos
profissionais que fazem a manutenção
das árvores, com instruções completas sobre a maneira correta de se fazer
a poda. “Se não for feita da maneira
correta pode-se até matar a árvore. Por
isso, é preciso orientar bem as pessoas
que exercem essa função”.
Mas não é preciso ser técnico para
notar os benefícios desses cuidados. A
costureira Ninfa Ferreira diz ter percebido diferença na paisagem: “Quando
você passa pela Afonso Pena tem a
sensação de que o centro está mais limpo, porque as árvores estão mais bonitas e parecem até maiores”. Ninfa
acha que “se todo mundo cuidasse do
seu quintal e plantasse a sua árvore, a
cidade ficaria mais bonita e o ar mais
fresco”.
Área Verde
Dentro de três anos teremos árvores suficientes para compensar a poluição de mais 83 mil carros
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 12
Aline Saraiva
Projeto Social
Conheça o projeto sul mato-grossense que é referência em todo o Brasil
Aline Saraiva
“Tia, você vai mostrá isso pra
juíza? E vai arrumá um padrinho pra
mim?”, pergunta Patrícia, de sete anos,
e logo explica o porquê: “pra eu ir pra
casa dele nos fins de semana!”.
Em um terreno grande, perto da
Avenida Zahran, três casas abrigam
crianças e adolescentes afastados de suas
famílias e com processos de guarda
correndo na Justiça. Protegidos pela
Vara da Infância e Juventude, os abri-
gos são como casas normais, a exemplo da Casa da Criança Peniel, uma organização cristã, não-governamental,
que tem 43 abrigados.
As crianças desta Casa, mesmo
com pouca idade, já têm muitas histórias para contar. Como os irmãos
Gabriela, de 12 anos, João e Sabrina,
gêmeos de 11 anos, que esperam adoção: “Eu não conheço meu pai. Minha
mãe e meu tio roubaram, minha irmã
mais velha matou um cara, e todos eles
estão presos há dois anos”, conta
Sabrina.
Mas, por mais complicado que seja
o histórico familiar, para as crianças é
muito difícil se separar da família para
morar em casas de abrigo junto com
pessoas desconhecidas. Visando amenizar essa situação e aproximar essas
crianças da sociedade, em 26 de junho
de 2000 foi lançado em Campo Grande o Projeto Padrinho, por iniciativa
da juíza da Vara da Infância e Juventude, Maria Isabel de Matos Rocha. Hoje
o Projeto atende 11 abrigos com 154
moradores, na capital e nas cidades de
Aquidauana, Corumbá, Rio Brilhante,
Coxim e Jardim.
Apesar de receberem moradia,
alimentação, cuidados básicos e educação, o desenvolvimento psicossocial
das crianças é afetado. Carência afetiva,
baixa auto-estima, atrasos no desenvolvimento psicomotor, além de sentimento de culpa. Segundo a coordenadora do Projeto, Rosa Pires de Aquino,
alguns abrigados acham que estão nessa condição por terem sido desobedi-
Projeto Social
13 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
Quem apadrinha
São quatro os tipos de apadrinhamento. Como explica a funcionária do
Projeto, Rosângela de Oliveira, há o
“padrinho afetivo”, que dá carinho e
atenção para a criança ou adolescente,
levando-a para passear nos finais de
semana; a “família acolhedora”, que
abriga a criança em sua casa enquanto
a Justiça decide o caso; o “padrinho
prestador de serviço”: dentistas, fisioterapeutas, professores e outros profissionais que prestam serviços gratuitos; e há a empresa, entidade ou instituição que apadrinha material ou financeiramente, presta serviços, realiza atividades culturais, de lazer e de formação profissional.
No caso de irmãos, a juíza tenta
ao máximo fazer com que eles não se
separem, mas nem sempre isso é possível. João, que já tem padrinho, comenta “eu quero ser adotado, eu e
minhas irmãs! Mas tem que ser eu em
uma esquina e elas em outra”. Mas, se
é difícil conseguir padrinhos para os
abrigados, mais difícil ainda é conseguir a adoção.
Com o apadrinhamento, que na
maioria dos casos é afetivo, as crianças
saem dos abrigos no sábado à tarde e
voltam no domingo. Parece pouco
tempo, mas para eles significa tanto, que
os que ainda não tem padrinho são loucos por um. “Na casa do meu padrinho eu como uva, assisto televisão,
tomo banho de piscina, saio para passear, ganho presente”, conta Gabriela,
com um enorme sorriso no rosto. A
maioria dos padrinhos são de classe
média e com filhos adolescentes ou
adultos.
O Projeto Padrinho não visa à
adoção, mas há 52 casos em que os
padrinhos adotaram seus afilhados.
Christofer, de 13 anos, conta que seus
padrinhos falam em adoção. “Meus
padrinhos são pastores. Eles já pediram para a juíza para me adotar, mas
agora eles estão viajando muito e desde junho não vou para a casa deles”.
Este menino é do Rio Grande do Sul,
e desde 2005 está em Campo Grande.
Sua vida nos abrigos começou cedo.
Aos sete anos foi para um abrigo, já
que o pai chegava bêbado em casa e
batia em sua mãe. Depois de algum
tempo retornou à família e veio para
Mato Grosso do Sul, mas a história se
repetiu e ele voltou para o abrigo. Hoje
voltam no domingo. “Eu jogava bola
com meu padrinho, tomava banho de
piscina, fazia churrasco, comia um
monte de coisa” conta Christofer.
No processo para se tornar um
padrinho, a pessoa, maior de 18 anos,
preenche um cadastro de voluntário e
recebe a visita de um assistente social
para uma entrevista. É gerado um relatório, que é avaliado por um psicólogo e receberá o parecer de um juiz.
Em seguida, a equipe do Projeto Padrinho entra em contato com o voluntário, para escolha do afilhado. A
criança ou adolescente é escolhida pela
psicóloga, de acordo com o seu perfil
e o do padrinho.
Para quem deseja saber mais, ou
se tornar um padrinho, basta ir à sede
do Projeto Padrinho, no Fórum de
Campo Grande e fazer seu cadastro.
Mas, como lembra a coordenadora, “é
importante frizar que o projeto não
encurta o processo de adoção. Se você
deseja adotar uma criança deve ir direto na Vara da Infância e Juventude”.
Duarte, 21 anos, trabalha como educador social há um ano na Casa Peniel.
Corumbaense que já trabalhava com
crianças, foi convidado a vir para Campo Grande. Mora no abrigo com as
crianças e outra educadora. “Neste ano
Prêmio nacional
que moro aqui, já vi duas crianças serem adotadas e muitas voltarem às suas
A iniciativa do Poder Judiciário de
famílias.”
Mato Grosso do Sul teve maior recoEle conta que
nhecimento em
as crianças ficam
2007, quando
ansiosas para que
conquistou um
“É importante frizar
chegue o final de
prêmio nacional:
que o projeto não
semana para elas
primeiro lugar na
irem com os pacategoria “Poder
encurta o processo de
drinhos, e que os
Judiciário”, no
adoção, se você deseja
voluntários levam
concurso “Mude
adotar uma criança deve as crianças para
um destino”, reapassear em parlizado pela Assoir direto na Vara da
ques e praças, e
ciação dos MagisInfância
e
Juventude”.
assim amenizam a
trados Brasileiros
falta das outras
– AMB.
crianças e do próO
prio padrinho.
apadrinhamento é importante para que
Dentro do abrigo durante a semana as
as crianças, na incerteza do futuro, não
crianças têm horários, obrigações, atipercam saúde, alegria, motivação para
vidades de esporte e lazer, e nos fins
estudar, esperança e, acima de tudo, não
de semana saem no sábado à tarde e
tenha seus direitos preservados. Rafael
a família perdeu a guarda de Christofer
e ele espera ser adotado. Mas sua vontade era “voltar para o Sul e morar com
minha vó”.
* Os nomes das crianças são fictícios
[email protected]
O que os números
mostram
Aline Saraiva
entes com seus pais. E outros não, já
entendem os reais motivos: abuso,
abandono, vícios dos pais, etc.
- Segundo o Levantamento Nacional do IPEA (2004), no Brasil há
589 abrigos, sendo que 65% destes
são não governamentais;
- 58,6% dos abrigos brasileiros
foram criados após a promulgação
do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990;
- A pesquisa do IPEA (2003) apontou como principais motivos de
abrigamento a pobreza, o abandono,
a violência doméstica, a dependência química dos responsáveis, a violência de rua e a orfandade;
- A Associação dos Magistrados
Brasileiros estima que existem cerca
de 80 mil crianças em situação de
abrigo, em âmbito nacional.
- O levantamento feito pelo IPEA/
CONADA (2004) mostrou que a maioria dos abrigados é: 58,5% meninos;
63,6% afro descendentes; 61,3% têm
entre sete e 15 anos e 11,7% têm
menos de três anos de idade.
- Nem todas as crianças e adolescentes que vivem nos abrigos podem ser adotados. Apenas 10,7% estão judicialmente disponíveis para
adoção, seja porque seus pais entregaram para adoção ou perderam o
poder familiar por decisão da justiça.
Jogos de azar
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 14
O lugar da sorte
Kleomar Carneiro
Breno Vilalba acabava de almoçar
quando fora informado sobre a vaga
que sobrou no carro, já que seu irmão
desistiu de viajar. Logo telefona para
Jorge Santos*, convidando-o para ir a
Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia
que faz fronteira com Ponta Porã, no
sul de Mato Grosso do Sul. Jorge ainda
não responde, primeiro verifica se seu
dinheiro é suficiente. Faz as contas, só
então devolve uma resposta positiva a
Breno e começa a arrumar as malas.
Antes, liga para o trabalho e pede para
ser dispensado do restante do expediente. A liberação no emprego é tranquila, sem que Jorge precise inventar desculpas. Pegam a estrada sob o sol forte
do início da tarde.
Seis horas depois do telefonema
eles chegam em Ponta Porã. Como não
tinham reservas, saem à procura de um
hotel. A movimentação de turistas é intensa na cidade. O feriado em respeito
ao dia da consciência negra, celebrado
em alguns municípios brasileiros, somado à baixa cotação do dólar, gera grande volume de visitantes, a maioria em
busca dos baixos preços do comércio
local. Ao contrário deles, Jorge e Breno
vão a Pedro Juan atraídos pelo torneio
de pôquer promovido pelo Hotel Casino Amambay. “R$ 25.000,00. Ponha
as cartas na mesa. Aposte em você”, é
o mote estampado no cartaz espalhado pela cidade.
É assim, para conseguir encontrar
um cassino sem desrespeitar a lei, Breno e Jorge enfrentam 336 Km de distância e quatro horas de viagem. No
Brasil, a proibição dos cassinos e jogos de azar foi instituída em 30 de abril
de 1946, pelo decreto-lei n° 9215, assina-do pelo presidente Eurico Gaspar
Dutra. O ato “a favor da tradição moral jurídica e religiosa do povo brasileiro” gerou forte prejuízo à economia de cidades que viviam do turismo
liga-do aos jogos, como Petrópolis, no
Rio de Janeiro. Na época, existiam 71
cassi-nos no Brasil que empregavam
mais de 53 mil pessoas.
Paraguai, juntamente com Uruguai
Você só sente o coração bater mais forte quando
faz a primeira aposta. Não senti medo, apenas nervosismo e ansiedade, mas não tremia”
e Argentina, acolhe esses “turistas do
jogo”, brasileiros que querem apostar
sem se deslocarem muito. Na constituição paraguaia, a exploração dos jogos de “suerte o azar” é estabelecida
pela lei 1.016/97. Assinada em 30 de
junho de 1997 pelo ministro da Fazenda Miguel Angel Maidana Zayas e pelo
presidente Juan Carlos Wasmosy, a lei
autoriza várias modalidades de jogo,
como black jack, roleta, bingo, dados
e máquinas de caça-níquel. A fiscalização, emissão e controle de licitações
dos cassino, válidas por cinco anos, são
responsabilidades do CONAJZAR,
Comisión Nacional De Juegos De
Azar. Cinco membros compõem a
comissão. Um representante do ministério da Fazenda, um do ministério do
Interior, um entre os governadores estaduais, indicado por maioria simples
de votos entre os governantes, um também entre os prefeitos, e outro da
DIBEN, Dirección de Beneficencia y
Ayuda Social.
O artigo 25 da lei prevê que a concessão para exploração dos cassinos
será liberada exclusivamente para Assunção e os estados de Alto Paraná,
Itapúa, Amambay, Cordillera, Misiones
e Central. Somente poderão funcionar
mais de um cassino nas cidades dos
estados com mais de duzentos e cinquenta mil habitantes. De acordo com
os artigos 28 e 30, os recursos arrecadados provenientes dos jogos de azar
deverão ser destinados à administração nacional, aos setores de saúde pública, educação escolar e bem-estar
social, “preferencialmente em capital
ou equipamentos”. Do total arrecadado, 30% são destinados ao município,
30% ao estado, 30% à DIBEN e 10%
vão para o Tesouro Nacional. De janeiro a setembro de 2009, a
CONAJZAR arrecadou mais de US$
8 milhões, 13,37% a mais em relação
ao recolhi-mento do ano passado.
Além da receita gerada pelos im-
postos, os cassinos movimentam a economia, empregam funcionários e contribuem para o crescimento do tí-mido
turismo paraguaio. Breno, hoje com 18
anos, frequenta o Hotel Casino
Amambay desde os oito anos, quando acompanhava seu pai. “Eu ficava
só nos caça-níqueis. Não era tudo
eletrô-nico como é hoje. Não tinha nem
tele-bingo, e ainda era aquela máquina
com manivela”, recorda.
Para Jorge, essa é a primeira visita
a um cassino. Acostumado com a grandiosidade de Las Vegas, retratada por
Hollywood, Jorge se frustra. “Não sei,
esperava aquela coisa que a gente vê
nos filmes. “Achei pequeno, não porque o lugar é pequeno, mas porque
esperava que fosse bem maior.” Ele
passa rápido pelo corredor de entrada, com uma parede de espelhos e
várias máquinas de apostas eletrônicas
do ou-tro lado. Vira à direita, acompanhando Breno, e segue direto para
o local onde ocorre a 84ª edição do
torneio de pôquer do Amambay, no
canto do saguão. Como não querem
competir entre si, Breno sugere que
Jorge se inscreva primeiro. Pelas regras
da disputa, cada mesa é composta por
oito jogadores, distribuídos conforme
a ordem de inscrições. Jorge paga a taxa
de R$ 250,00 e aguarda ser chamado
para a quarta mesa do campeonato.
Como é noite de sexta, o cassino
está cheio. Muitos garçons circulam
constantemente entre os clientes, levando bebidas e comida aos apostadores.
Num dos cantos do saguão principal
há um pequeno palco, com o letreiro
“Le Concert” em azul escuro. Ali músicos se apresentam, invariavel-mente
tocando sucessos internacionais, além
das conhecidas músicas para-guaias.
Mas é pela roleta que Jorge se interessa. “Então, se eu acertar o nú-mero eu
ganho 35 vezes a minha aposta?” Ele
analisa e questiona os movimentos dos
apostadores, ten-tando entender a ló-
gica do jogo. Não tem tempo suficiente, pois Danielle Marques, gerente de
marketing do cassino e coordenadora
do torneio de pôquer, o alerta sobre o
início da competição.
Do Texas para Pedro Juan
Há muito espaço para debate e
poucas provas que evidenciem a origem do pôquer. Nos torneios do Hotel Casino Amambay se joga a variante
Texas Hold’em, cuja criação é oficialmente atribuída à cidade de Robstown,
no Texas, por volta do início do século XX. Em 1967, um grupo de
apostadores texanos introduz o Texas
Hold’em em Las Vegas. Aos poucos o
jogo ganha popularidade nos Estados
Unidos e em 1969 acontece o primeiro torneio, durante a “Second Annual
Gambling Fraternity Con-vention”. No
ano seguinte, os direitos da convenção,
que inclui o campeonato, são vendidos
a Benny e Jack Binion, donos do
Binion’s Horseshoe Casino. Eles alteram o nome do evento para World
Series of Poker, que em 1971 tem o
Texas Hold’em como main event da
convenção.
Graças às câmeras posicionadas
embaixo de uma mesa de vidro, a série
britânica de televisão “Late Night Poker”,
criada por Nic Szeremeta, em 1999, foi
um sucesso instantâneo. Pro-duzida no
Reino Unido pelo Channel 4, o programa pagava o equivalente a R$150.000,00
ao vencedor. O extra-ordinário êxito do
programa gerou maior interesse pelo
Texas Hold’em. Pouco tempo depois,
séries no mesmo segmento surgiram nos
Estados Unidos.
Foi com a cobertura do World
Series of Poker pela rede ESPN que o
Hold’em teve sua explosão de popularidade. O ganhador dessa edição, em
2003, foi Chris Moneymaker, um jogador inexperiente, que havia conquistado uma vaga para o torneio através da internet. A vitória de Moneymaker alimentou a ideia de que qualquer pessoa pode se tornar um campeão mundial.
Jorge e Breno foram influenciados pela fama crescente do pôquer
15 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
Texas Hold’em. Há quase três anos eles
jogam em reuniões feitas em casas de
amigos, apostando quantias modestas,
de R$ 50,00 no máximo. “A diferença
entre Campo Grande e Pedro Juan é
que em Campo Grande só tem amador”, Breno ironiza. Jorge avalia que
as regras no cassino “são mais rígidas,
influenciam mais no seu jogo”. “Em
Campo Grande ninguém aposta alto.
O jogo é monótono. Eu sempre jogo
aloprado. No cassino não dá, os jogadores são melhores.”
A definição de uma quantia fixa
inicial, com a qual todos os competidores começam o jogo, é padrão nos
campeonatos de Texas Hold’em. No
Amambay, cada jogador recebe dez mil
em fichas de várias cores. As vermelhas valem 100 pontos, as azuis 500, as
verdes 1000 e as pretas equivalem a
2000 pontos. O valor da aposta mínima obrigatória, conhecida como blind,
cresce a cada doze minutos. Isso força
os apostadores a traçar uma estratégia
para conseguir superar os adversários.
Pelo ordenamento das inscrições,
Jorge se senta ao lado esquerdo da
crupiê, uma morena de cabelos encaracolados e expressão sempre fechada. Próximo a Jorge está Fabinho, conhecido na região devido a sucessivas
participações no site PokerStars.net. Ele
protagoniza a primeira jogada da mesa
quatro. Tinha em mãos o jogo perfeito, uma sequência de 10 ao Ás, com
todas as cartas do naipe de Copas. Um
começo forte, mas não assusta Jorge,
que não havia apostado nessa rodada.
“Você só sente o coração bater mais
forte quando faz a primeira aposta. A
primeira que fui, eu ganhei. Não senti
medo, apenas nervosismo e ansiedade, mas não tremia.”
Enquanto Jorge vence o nervosismo e tenta impor seu jogo, Breno
se distrai nas máquinas caça-níqueis. Na
realidade, nenhuma das máquinas do
Hotel Casino Amambay funciona com
moedas. O apostador insere notas que
são diretamente convertidas para créditos. Caso ele tenha “lucrado”, um botão chama a atendente que reconverte o
valor em créditos para dinheiro. Apesar
do cassino ficar no Paraguai, todas as
apostas são feitas em real, e não em
guarani, moeda local. Dezenas dessas
máquinas estão espalhadas pelo cassino,
além das duas seções reservadas somente para elas. Esses ambi-entes são mais
escuros, a iluminação vem quase toda
dos monitores dos aparelhos. São vários os tipos e moti-vos, uns têm figuras
de monstros, outros de piratas e mágicos, mas o sistema do jogo é o tradici-
Jogava há bastante tempo, mas essa foi
onal. Cada combinação de elementos
a primeira vez que joguei com essas
na tela equivale a uma pontuação. Os
regras, nesse estilo.” Vários competiefeitos sonoros produzidos pelas mádores, ao serem eliminados, fazem
quinas são constantes, impedindo o sioutra inscrição para compor uma nova
lêncio. Nesses espaços, a circulação de
mesa. Não há restrição para isso, mas
mu-lheres e crianças é maior, mesmo
Jorge já gastou R$ 500,00, o que não é
com o aviso, colado na parede, proipouco para ele. Sua aparência é de debindo a permanência de menores de 18
cepção, talvez um pouco assustado.
anos no local.
“Eu não me arrependo de ter jogado,
Mais uma vez Danielle entra em
nem das jogadas que fiz. Acho que pocena. Agora é a vez de Breno começar
deria ser melhor eu não ter comprado
o campeonato. Na mesa cinco a méo rebuy, para poder entrar em outra
dia de idade dos jogadores é menor.
mesa, mas eu me empolguei. Não era
Entre todos da competição, Breno é o
esse o meu plano”.
mais novo. Nessa mesa também está a
Agora ele precisa aguardar Breno,
única mulher do torneio, uma loira atraque ainda está jogando. Para se distrair
ente, por volta dos seus trinta anos,
e evitar pensar na derrota, Jorge se senta
mais nova apenas do que Cogo, um
em frente a um caça-níquel. A sorte que
senhor com mais de sessenta, assíduo
lhe faltou no torneio, parece ter surgino Amambay. O clima nessa mesa é
do. Em menos de cinco minutos, ele
mais tranquilo, os jogadores conversam
fatura R$ 80,00. Isso já basta para comais e mantêm o bom humor nos dilocar um sorriso de volta em seu rosálogos. Aquela agitação sentida por
to. Contudo, o clima de repentina aleJorge não acomete Breno. Essa é sua
gria de Jorge acaba com o retorno de
segunda participação nos torneios do
Breno. Ele tamAmam-bay, sem
bém foi desclassicontar as apostas
ficado, o quarto
em cash game, mais
Na entrada,
em sua mesa. “Jouma variante do
guei com muita
pôquer, em que se
as frases “Sea
cau-tela, deixei de
joga diretamente
bienvenido.
Buena
apostar algumas
com dinheiro, em
suerte.” em neon
vezes, disputei
vez de fichas.
poucas mãos, deEstá previsto
verde e rosa
veria ter jogado
nas regras da commais meu [estilo
petição que cada
de] jogo”, lamenta
jogador tem direiBreno. A noite acaba com algumas
to ao rebuy. Caso tenha perdido todas
bebidas num bar do lado brasileiro. Os
as fichas, o competidor pode comprar
planos para o dia seguinte são de commais, a mesma quantidade do início do
pras pela manhã e estrada à tarde.
jogo (10 mil em fichas), pelo mesmo
valor pago para inscrição. Esse recurMais uma chance para a sorte
so, porém, só pode ser acionado uma
única vez. Todos os jogadores da mesa
Novo dia, pequenas compras, alquatro usaram o rebuy, Jorge foi o pemoço apressado, mas uma forte chunúltimo. Na rodada seguinte à
va começa. Surge a ideia de voltar ao
recompra das fichas ele aposta tudo e
cassino, enquanto o tempo não melhoconsegue ganhar, assim sobrevive um
ra. São 16h21 e o cassino, com quase 5
pouco mais na partida. “Como eu
mil m² de área, está prati-camente vacomprei o rebuy tarde, ele não vale
zio. Na entrada, as frases “Sea
muito porque a aposta mínima era de
bienvenido. Buena suerte.” em neon
2 mil, aí sou obrigado a arriscar.”
verde e rosa, são ofuscadas pela luz do
No decorrer do campeonato, Jordia. Somente os caça-níqueis funcioge tenta se lembrar dos ensinamentos
nam, os outros jogos iniciam apenas
tirados do Livro Verde do Pôquer, publidepois das 19h. Jorge gasta nas mácação de autoria de Phil Gordon,
quinas eletrônicas o que restou de-pois
apostador profissional. “Me lembro de
das compras, computando mais prealgumas dicas, como sempre aumenjuízos. Breno, ao contrário, não para de
tar a aposta, nunca diminuir. Foi útil.
ganhar. “Eu vou ganhar R$ 250,00,
Isso serve pra evitar que os outros adivocê vai ver.” Fatura cinquenta, perde
vinhem o que você tem em mãos.”
trinta, ganha mais dez, cem, e, quando
A duração do jogo excede uma
percebe, já tem o suficiente para uma
hora e Jorge precisa eliminar mais dois
nova inscrição no torneio. Sorte, sorte,
jogadores para avançar no torneio. Isso
muita sorte.
não acontece. “Me faltou experiência.
O jogo começa quase imediata-
Jogos de azar
mente após o pagamento da inscrição.
Essa é a nona mesa do campeonato, totalmente composta por apostadores que
já haviam jogado na noite anterior. Agora Breno, além de um boné ver-melho,
usa óculos escuros. Depois da série de
vitórias nos caça-níqueis, está bastante
confiante. Jorge não suporta mais ficar
no cassino. Sai, não vê Breno jogar, passeia pela cidade, toma umas cervejas.
No cassino a situação de Breno se
complica. Três jogadores precisam sair
do jogo para que ele avance para a
próxima fase, e, no momento, ele tem
poucas fichas. “No pôquer você tem
que ter habilidade, mas sem sorte você
também não joga. Digo que 30% é
sorte, e 70% é habilidade.” Mais um
adversário é eliminado, faltam dois.
Breno resiste. Em três jogadas consecutivas, Breno aposta tudo o que tem.
Os jogadores da mesa comentam entre si, em tom irônico, “está difícil tirar
esse guri, hein”, seguido de risadas. As
joga-das atraem o público. Várias pessoas agora cercam a mesa. Outro
compe-tidor se despede do campeonato. Restam apenas três no jogo, mas
somente dois se classificam. Breno está
eufórico, tomado por adrenalina e ainda mais confiante. “Os caras bons se
diferenciam porque eles usam 100% a
cabeça, e os ruins, a maioria do tempo, usam a cabeça, mas na hora da decisão agem pela emoção.”
O celular de Jorge Santos toca
poucos minutos após as 21h. Com
poucas palavras, Breno pede que ele
retorne ao cassino. Quando entra no
carro, ele lamenta, “fiquei por um, por
um, Jorge”. “Mas não dá pra se arrepender, eu perdi com jogo. Dessa vez
foi quase, o próximo eu ganho.” Breno
ainda acredita na sua sorte e pretende
voltar ao Paraguai para jogar mais. Jorge ainda não sabe. Seguem para Campo Grande sem conhecerem os primeiros colocados do campeonato.
Pela lei paraguaia que autoriza o
funcionamento dos cassinos, o jogo de
apostas é definido como “juego de
suerte o de azar”. No decreto de
Gaspar Dutra, o jogo é apenas definido como “de azar”, mas se aplica
quando “o ganho e a perda dependem
exclusiva ou principalmente da sorte.”
Isso mesmo, quando depende da sorte. No caminho de volta, Jorge e Breno
debatem a diferença nas legislações dos
países, e, a certa altura da discussão,
indagam: “...é proibido, mas, e a Tele
Sena?”.
* Nome fictício, a pedido do entrevistado.
[email protected]
Homofobia
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 16
Aprovar ou Rejeitar?
Mariana Fercard
No final de novembro um travesti foi
morto em Campo Grande, poucos meses
depois de um homem de 37 anos, homossexual, ter sido assassinado com 37 facadas
em Corumbá. Representantes desse coletivo suspeitam que os motivos das mortes
estejam ligados ao preconceito contra a orientação sexual dessas pessoas. Segundo o coordenador do Centro de Referência em
Direitos Humanos, Prevenção e Combate à
Homofobia (Centrho) de Campo GrandeMS, Leonardo Bastos, estima-se que a cada
dois dias um LGBT (lésbicas, gays,
bissexuais, travestis) é violentamente assassinado no Brasil, e que no Mato Grosso do
Sul esse tipo de incidência está aumentando.
O Código Penal já prevê punição para
qualquer tipo de homicídio. Mas, se for
aprovado o substitutivo do Projeto de Lei
PLC 122/2006, em tramitação no Senado
Federal, outros tipos de agressão aos homossexuais serão considerados crimes passíveis de punição.
A tentativa de transformar em crime
os atos de homofobia tem início em 07/
08/2001, quando a deputada Iara Bernardi
(PT/SP) apresentou na Câmara Federal projeto de lei que “determina sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas”. Em 23/11/2006
o projeto foi aprovado pela Câmara e encaminhado ao Senado. Ao chegar ao Senado, recebeu o número PLC 122/2006 e,
no dia 07/02/2007, foi encaminhado ao
gabinete da Senadora Fátima Cleide (PT/
RO), designada como relatora na Comissão de Direitos Humanos (CDH), que apresentou voto favorável à aprovação do projeto. A proposição já estava pronta para
entrar em pauta de votação quando a
relatora, em 15/03/2007, pediu a sua retirada para “reexame da matéria”. Foi uma
retirada estratégica para propor um
substitutivo, pois o Senado estava recebendo
muitas mensagens de protesto.
A maioria desses protestos considerava
abusivo o projeto, que pretendia também garantir
por lei a liberdade de demonstração de afeto entre os homossexuais, como andar de mãos dadas
e se beijar em público. Mas o substitutivo apresentado pela senadora Fátima Cleide em 07/03/2007
procura contornar as resistências estendendo o projeto de lei aos idosos e portadores de deficiência.
Mesmo assim as resistências são grandes, o processo está parado, sem uma data prevista pra
votação pelos senadores.
Enquanto isso, o Senado promove no seu
site www.senado.gov.br, uma enquete para saber se os internautas são contra ou a favor da
aprovação da lei. Por enquanto 51% são contra. Além do Senado Federal, outros sites por
todo o Brasil estão promovendo enquetes a
respeito. No www.shekinah-soulivre.blogpost.
com, site ligado à Igreja de Cristo Jesus, mais
de 505.580 mil pessoas (60% dos votantes) são
contra a aprovação da lei.
Lei que pune
discriminação aos
homossexuais
causa polêmica no
Senado Federal e
divide opiniões da
sociedade.
Fundamentalismo
De acordo com o estudante carioca Luan
Borges, 16 anos, homossexual assumido, “este
é um projeto de lei que precisa ser aprovado o
mais rápido possível. A nossa lei, no que diz
respeito a preconceito, é muito poética mas nem
um pouco eficaz.” Na sua opinião, o preconceito no Brasil é muito grande, e no Congresso
Nacional existem vários bispos-senadores e pastores-deputados que colocam o preconceito da
religião antes dos interesses nacionais. Como é
o caso do senador Bispo Marcello Crivella, que
declarou que, “em breve o homossexualismo
será obrigatório”. “Isso é um preconceito imenso”, diz Luan, “quase o mesmo que se eu dissesse que em breve todos deverão ser da Universal. O que nós homossexuais queremos é respeito, dignidade, amparo pela lei, direitos iguais”.
Julian Rodrigues, consultor do projeto
ALIADAS-ABGLT, explica que desde 2006,
quando o projeto chegou ao Senado, vem batalhando pela sua aprovação. “Fizemos campanhas, paradas temáticas, abaixo-assinados, manifestações, cartas, e-mails, telefonemas, ofícios”. Ele entende que “o fundamentalismo religioso, que transformou a oposição à criminalização da homofobia em pauta teológicopolítica, além da ignorância de muitos e a omissão de vários par lamentares e, claro, a
homofobia institucional, tornam tudo mais difícil. Passamos por obstáculos fortíssimos à criminalização da
homofobia, tanto pela reação dos religiosos, quanto
pela ignorância de muitas pessoas e parlamentares que
ficam em cima do muro”.
Em posição contrária, o Pe. Luiz Carlos Lodi da
Cruz acredita que “a lei que pretende conceder privilégios ao homossexualismo, criando a figura penal da
‘homofobia’, defendida pelos homossexuais militantes
organizados em associações, conta com o apoio do
Homofobia
17 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
governo e o aplauso dos meios de comunicação
social, e vêm obtendo junto ao Judiciário indenizações por ‘danos morais’, pensão alimentícia após
a morte do ‘companheiro’ e inclusive o direito de
adotar crianças”.
Em sua opinião, “o motivo central pelo qual
esse projeto deve ser totalmente rejeitado é que ele
pretende dar direitos ao vício. O homossexualismo
não acrescenta direitos a ninguém. Se um homossexual praticante tem algum direito, conserva-o
apesar de ser homossexual, e não por ser homossexual. O mesmo se pode dizer de qualquer outro
vício. O bêbado, o adúltero, a prostituta... só têm
direitos como pessoas, mas não por causa da embriaguez, do adultério ou da prostituição.”
Estereótipos
O termo homofobia se popularizou no final
da década de 1960 para caracterizar os sentimentos de medo, aversão, ódio, repulsa que alguns heterossexuais sentem por homossexuais. O termo
ganhou outros sentidos e hoje não é usado mais
apenas para designar um tipo de fobia, mas sim
para quaisquer atitudes preconceituosas com os
homosexuais.
Leonardo Bastos, coordenador do Centrho de
Campo Grande, classifica a homofobia por três
grandes fatores: primeiro encaram o homossexualismo como doença, como algo anormal; segundo, o comportamento de ódio de acordo com
a ótica religiosa e o argumento da razão; e por
último o entendimento da homossexualidade como
um crime. “Ódio resulta em ódio para
toda a sociedade”.
Felipe, estudante
de administração em
Campo Grande, que
não quis dar o nome
completo, manifestou
sua opinião como heterossexual sem qualquer participação em
nenhum grupo ativista, acredita que “as
pessoas compartilham os mesmos valores da sociedade, o
que dá a sensação de
inclusão. Penso que a
homofobia se dá a
partir do medo de
ser confundido com um homossexual por estar
conversando com ele”.
O jornalista e integrante do movimento de estudos sobre liberdade, sexualidade e ativismo de
Mato Grosso do Sul (Mescla) Antonio Sardinha,
acredita que é preciso desconstruir o estereótipo,
desconstruir toda aquela lógica de preconceito. “É
importante para que a sociedade aprenda que a
forma legítima de sexualidade não é mais só a
heterossexualidade”.
[email protected]
GLBT POWER
A VII Parada da Diversidade
Sexual de Campo Grande
tomou conta da cidade um dia
inteiro. Além de shows artísticos
e venda de artesanato, havia
barracas para informação do
público e esclarecimento de
dúvidas. Com a participação de
mais de sete mil pessoas, a
festa deixou mais colorido todo
o centro da cidade.
Punições previstas:
O projeto de lei em votação no Senado
prevê as seguintes penalidades para os crimes de homofobia:
“Art. 5º Impedir. recusar ou proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado,
aberto ao público; Pena : reclusão de um a
três anos”
Art. 7º Sobretaxar, recusar, preterir ou
impedir a hospedagem em hotéis, motéis,
pensões ou similares; Pena — reclusão de
três a cinco anos”
“Art. 8º-A. Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no artigo 1º; Pena: reclusão de dois a
cinco anos.”
Cultura
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 18
Quebrando Barreiras
Dificuldades e preconceitos
não impedem que a música erudita
ganhe força na cena cultural
de Campo Grande.
Renata Bastos
ReBastos
No “Encontro com a música erudita” Viveane Carvalho
interpreta músicas eruditas para uma platéia atenta
É noite de gala. Canapés e champanhe esperam pelos convidados. Paletós e longos vestidos são os trajes
adequados e os clássicos preto e branco predominam. Cabelos fixados por
gel ficam com aspecto molhado à luz.
No palco, instrumentos e vozes apresentam uma música acústica. O público tem hora certa para aplaudir os artistas.
Esses são códigos de conduta geralmente relacionados aos espetáculos
de música erudita. Mas as pessoas que
querem assistir não são obrigadas a segui-los. Essas regras fazem parte de um
estereótipo de elegância que gira em
torno desse gênero musical e podem
afastar ou aproximar o público. Afastar pelo preconceito de algo desconhecido, destinado apenas às elites. E aproximar pela imagem de glamour e sofisticação. O professor, pesquisador e
regente do Coral da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS),
Manuel Câmara Rasslan, explica isso
com um exemplo: “Bancos dão concertos de música erudita, da mesma
forma que dão, todos os anos, uma
agenda a seus clientes. Porque é chique”.
Esse estereótipo de elegância também se estende ao aprendizado da
música erudita. Segundo Eduardo
Martinelli, regente da Orquestra Sinfônica Municipal de Campo Grande,
muitos pais levam seus filhos às escolas de música por que acham que é algo
intelectual, que traz status social. Entretanto, bons professores conseguem criar
um espírito crítico nos alunos, que passam a ter for mação musical e
desconstroem o estereótipo de nobreza em torno do gênero. E isto alcança
também os pais, que acabam se familiarizando com o gênero.
A pianista e musicista formada
pela USP, Irma da Conceição Martins,
proprietária e professora de uma escola de música em Campo Grande,
percebe que o número de alunos aumentou a partir da criação do curso
de música na UFMS, e também em
função dos eventos que acontecem na
cidade. “O campo-grandense está
mudando sua cultura musical, conhecendo melhor. As pessoas assistem,
gostam e querem aprender. A música
traz muitos benefícios, como, por
exemplo, a melhora na concentração”.
Na audição de final de ano realizada por sua escola em 28 de novembro no auditório do Sebrae, apresentaram-se cerca de 50 alunos entre adultos e crianças. Irma constata que as crianças, ao entrarem na escola, geralmente dão preferência à música popular.
Somente aquelas crianças cujos pais já
têm uma formação musical erudita,
optam pelo ensino clássico. E alguns
adolescentes procuram à escola em
função da religião: “Eles querem
aprender para tocar na banda da igreja”. Os alunos em idade adulta são os
que mais dão preferência à música erudita. Mas a professora garante que os
alunos na iniciação aprendem os dois
segmentos, e só mais tarde optam por
um ou outro para aprofundá-lo.
Muito por melhorar
Segundo o professor Rasslan, existem bons projetos para a popularização
da música erudita em Mato Grosso do
Sul, mostrando às pessoas que não é
algo apenas para a elite, nem mesmo
apenas produzido por ela. O curso de
música da UFMS e as escolas de música contribuem para a valorização desse gênero musical e estimulam a produção de pesquisas nessa área. Conforme explica Rasslan, o que falta são
estrutura e condições para definir conceitos, discutir por meio da imprensa
a obra apresentada, para desenvolver
um espírito crítico e não apenas levá-la
19 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
Cultura
ReBastos
do o regente Eduardo Martinelli, são
imprensa e material gráfico. Conformas apresentações. E lembra que na
ao público. Cita exemplos como a Sala
importantes para a formação de púme a gestora, o projeto “veio para moapresentação da Orquestra Sinfônica de
São Paulo, que abre a oportunidade
blico, que só tem aumentado ao longo
vimentar o cenário cultural com periMato Grosso, que veio pelo projeto
para alunos assistirem ensaios gerais de
dos dois anos de existência da orquesodicidade” e tem como principal ob“Quarta Erudita” da Fundação de
orquestras e depois discutirem sobre
tra. “Em uma ocasião, no teatro Aracy
jetivo fomentar e difundir a música
Cultura de Mato Grosso do Sul
os conceitos apresentados. Entretanto
Balabanian, tivemos que fazer outra
clássica, incentivando assim a forma(FCMS), o teatro Manuel de Barros
em Campo Grande ainda não existe
seção porque o espaço lotou e tinha
ção de platéia. Os ingressos são R$15
estava lotado porque houve grande
uma sala de ensaio, nem um teatro
muita gente esperando lá fora.”
(inteira) e R$7,50 (meia entrada).
divulgação e investimento. “Vivemos
municipal, nem qualquer espaço com
Martinelli lembra também de uma
num mundo onde
estruturas adequaapresentação em uma praça de CamOportunidades não faltam
quem grita mais
das para isso.
po Grande, em que pessoas de todos
Outros eventos de música erudita
alto sai ganhando”
Sobre entrada
os tipos, vestidas com roupas de pasque acontecem em Campo Grande são
brinca o regente.
gratuita nesses
seio, vinham para assistir ao espetácuas apresentações da Orquestra SinfôConfirmando
eventos, Rasslan diz
“Quem
lo. Outras eram surpreendidas pelo
nica Municipal, iniciativa da Fundação
o que diz o regenque “não é de todo
movimento ao passarem casualmente
de Cultura de Campo Grande
te, a gestora de culpositiva, porque se
grita mais
pela praça, e acabavam ficando. Mes(FUNDAC). Composta por 40 a 46
tura da FCMS,
fosse cobrado ao
alto sai
mo sem a acústica apropriada para um
músicos, dependendo do espetáculo.
Ângela Finger, exmenos cinco reais,
concerto, as pessoas se encantavam e,
A
orquestra
faz
diversas
apresentações
plica
que
naquela
os músicos podeganhando.”
empolgadas, se manifestavam com
a cada ano, na maioria gratuitas. No
ocasião, o projeto,
riam fazer muito
aplausos em todos os momentos, anmês de dezembro participa do “Enque em geral é reamais do que fazem
tes mesmo que a música terminasse.
contro com a música clássica”, um feslizado no Teatro
hoje”. Ressalta a
Rasslan
O regente não se incomoda com
tival realizado pelas fundações de culAracy Balabanian
dificuldade de proos aplausos fora de hora. “Eu procutura do estado e municipal. O encon(que tem capacidaduzir shows de
ro explicar, contar a história dos músitro é anual e nessa terceira edição, além
de para 300 pessomúsica erudita,
cos que vamos apresentar e mostrar o
dos artístas de Mato Grosso do Sul, o
as), foi transferido para o Manuel de
pois os próprios artistas têm que fazer
formato do espetáculo. Mas não ligo
evento traz nomes como o quarteto
Barros. Os 1.005 lugares estavam
um pouco de tudo, desde divulgação
se aplaudem na hora errada, pois é
de violões Quaternaglia, o violista Jairo
lotados e as escadarias e a coxia tamaté levar convidados para jantar. Trauma forma das pessoas dizerem que
Chaves, Antonio Vaz pianista de São
bém foram ocupadas pelos espectazem renomados músicos, mesmo de
estão gostando. Se recebem broncas
Paulo e Nailson Simôes, trompetista do
dores. O projeto começou este ano, e
fora do país, por cachês baixíssimos, e
por isso, não retornam”.
Ceará.
abre espaço para as apresentações nas
assim dependem da boa vontade de
A periodicidade e a divulgação em
primeiras quartas-feiras de cada mês.
outras pessoas para ajudá-los.
massa desses eventos musicais, segunOferece, além do teatro, divulgação na
O regente Martinelli acredita ser
[email protected]
positiva a entrada franca, pois “é obrigação do governo prover cultura para
sociedade, que paga através dos impostos”. Marineide Cervigne, funcionária pública e produtora de eventos
culturais, que há 17 anos coordena as
atividades do Teatro Glauce Rocha,
afirma que “quando o espetáculo é
grátis lota!”. Ela acredita que somada
a uma boa divulgação, com link ao vivo
na TV, a gratuidade determina a quantidade de público. Outro fator
determinante, em sua opinião, é a quantidade de músicos que se apresentam
em cada espetáculo: “Quando é orquestra são muitos músicos, e eles trazem seus familiares, amigos, cachorro,
gato...”. Marineide percebe, analisando
os borderôs (controle do número de
platéia) que isso não acontece apenas
com eventos de música erudita, mas
também em outros espetáculos artísticos. “Campo Grande não tem a cultura de ir ao teatro”.
Contrapondo-se à produtora, o
regente Rasslan diz que as platéias não
são apenas familiares dos músicos.
Existem muitas pessoas que têm disposição e interesse, mas que, por falha
de divulgação, nem ficam sabendo dos
espetáculos. Diz que as pessoas leigas,
A Orquestra Sinfônica de Campo Grande lota, mais uma vez, o Teatro Aracy Balabanian
que vão por curiosidade, são as que
em apresentação no “Encontro com a música clássica”
mais passam a acompanhar as próxi-
Saúde
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 20
Pé na estrada pela saúde
Pacientes que vem de
outras cidades em busca
de tratamento médico
na capital estimulam
comércio informal
próximo aos hospitais
Antes das sete horas e o movimento em frente aos hospitais já é intenso. São pessoas de várias partes do
estado e da região. Em comum, todos
tem a necessidade de vir a Campo
Grande atrás de tratamento médico,
que, por falta de estrutura, não existe
em suas cidades.
Elisângela da Cruz, 47 anos, é uma
dessas pessoas. Ela acompanha seu sobrinho de oito anos a sua primeira consulta no hospital “Fundação para o
Estudo e Tratamento de Deformidades Crânio-Faciais” (FUNCRAF).
“Sou de Três Lagoas, é uma pena a
gente ter que andar mais de trezentos
quilômetros para conseguir atendimento, mas não temos escolha”. Rafael tem
um problema auditivo e estava ansioso para sua primeira consulta. “Espero que eles resolvam meu problema,
né?”, torce o garoto.
Quando a família percebeu que
havia algo errado com Rafael, foram
atrás de tratamento. Depois de procurar referências na área, descobriram o
hospital na cidade e agiram rápido. “Demorou um pouquainho, mas ainda bem
que conseguimos”, desabafa Elisângela.
Dona Elisabete Cunha é outro
exemplo de quem precisa vir à capital
para solucionar seu problema. A aposentada de 63 anos mora em Sonora,
região norte do estado, e vem à cidade
geralmente três vezes na semana para
fazer hemodiálise na Santa Casa. Dona
Elisabete diz que tem “sorte e azar ao
mesmo tempo”. Sorte porque tem
condições de vir a Campo Grande
sempre que é preciso, e azar por ter
que “depender da hemodiálise para sobreviver”, lamenta a aposentada.
Dona Elisabete sofre de insuficiência renal crônica, mal que se caracteriza pelo resultado de lesões
irreversíveis provocadas por outras doenças que tornam o rim incapaz de realizar suas funções básicas: filtrar o sangue e eliminar substâncias tóxicas do
organismo. Ela tem diabetes e pressão
alta, além de histórico familiar da doença. “Ia ser difícil eu escapar dessa’,
relata com bom humor.
Dona Elisabete sonha com um
transplante de rim. “Só assim eu me
Vinícius Berton
Vinícius Berton
Ônibus do interior com pacientes chega ao Hospital Universitário da capital.
livraria dessa chatice que é a heentela é fiel, tem gente que está aqui
modiálise”, diz a senhora. Ela passa a
toda semana”, comemora o comercisemana mais em Campo Grande que
ante.
em casa. “Minha sorte é que tenho uma
Além das bebidas, seu José tamirmã aqui, e fico na casa dela, mas quebém vende almoços, lanches e petisro muito me livrar disso, ninguém mecos. Das 10:30 da manhã até às duas
rece viver assim”, desabafa.
da tarde ele chega a vender 40 pratos
Inevitavelmente, quando o assunfeitos, quando o movimento está bom.
to é “transplante de órgãos”, surge o
Como a propaganda é a alma do neapelo pela doação. Para
gócio, José tratou de faa aposentada é um abzer a sua, “o prato feito
surdo que as pessoas se
custa seis reais, e vem bem
“É uma pena a gente
recusem a doar os órcheio, você precisa expeter que andar mais
gãos de seus familiares.
rimentar”.
“Porque não doar o
Ele depende somende trezentos
rim, se ele pode ser útil
te do bar para sobreviver.
pra alguém que precisa
Tem três filhos, a esposa
quilômetros para
dele pra viver? O meu
é dona de casa, e com o
conseguir
apelo é pra que as pesdinheiro que ele ganha no
soas reflitam mais, tebar, sustenta toda a famíatendimento, mas
nham espírito de solidalia. “Tenho família, funcinão temos escolha”
riedade. Só quem passa
onários, os custos são
por esse tipo de problegrandes, né? Não ganho
ma sabe o que significa
muito, mas sobrevivo e
Elisângela da Cruz
essa atitude”, completa
faço meus churrascos no
Dona Elisabete.
fim de semana, pra mim
isso é o suficiente”, se alegra José
Uma chance para crescer
Henrique.
O grande movimento de pessoas
Epitácio Pessoa do Nascimento,
nos hospitais influencia no surgimento
50 anos, viu no hospital de deformide oportunidades de emprego e cresdades crânio-faciais uma chance de aucimento de pequenos estabelecimentos.
mentar sua renda, improvisando uma
José Henrique Gomes, 52 anos, é
barraca de água de coco e salgadinhos
dono de um bar próximo a Santa Casa
no porta-malas de seu carro. Epitácio
há mais de 15 anos e afirma que 70%
vendia água de coco na Afonso Pena,
de seu faturamento mensal vem dos
mas não deu certo. Foi quando decipacientes ou dos acompanhantes que
diu vender seus produtos em frente ao
chegam a ficar horas esperando pelo
hospital. “Vim pra cá faz uns seis meatendimento no hospital. “Minha clises mais ou menos, e não saí mais”,
conta o senhor.
Durante a semana ele fica em frente ao hospital das uma às cinco da tarde, depois vai ao Parque do Sóter,
onde fica até as nove da noite. Em dias
de bastante movimento, ele chega a
vender 30 cocos.
É com sua barraca de água de
coco que seu Epitácio paga todas as
suas despesas. “Com o que eu ganho
pago todas as minhas contas, energia,
água, supermercado. Consigo tirar uma
grana boa, o meu único sustento”, comemora o senhor.
O único restaurante da região fecha logo depois do almoço. Depois
disso, as pessoas vem comprar água e
salgadinhos com ele, “principalmente
os motoristas de ônibus e vans que ficam esperando os pacientes, é muito
tempo parado, precisam de uma água
pra refrescar”, completa o simpático
senhor.
Os números
Só neste ano (até 25 de novembro) mais de 2 mil pessoas do interior do estado foram atendidas na Santa
Casa de Campo Grande (cerca de
96% do total). As cinco cidades com
maior participação foram: Sidrolândia,
com 514 atendimentos; Terenos, com
368; Aquidauana, com 307; Ribas do
Rio Pardo, com 218 consultas e
Coxim, com 217. Os outros 4% são
provenientes de outros estados, com
destaque para São Paulo, Mato Grosso e Goiás