arte pré-história

Transcrição

arte pré-história
FACULDADE DE ENGENHARIA E ARQUITETURA
CURSO DE ARQUITETURA
Disciplina: História da Arte
Profª Esp.Laile Almeria de Miranda
Texto Sonia Leni Chamon
ARTE PRÉ-HISTÓRIA
Introdução
A Pré-História não apresenta nenhum documento escrito, pois é exatamente a época
anterior à escrita. Tudo o que sabemos ou conjeturamos sobre os homens que viveram
nesse tempo é o resultado da pesquisa, análise comparada e reflexão de antropólogos,
historiadores e dos estudos da moderna ciência arqueológica, que reconstituíram a
cultura do homem a partir de seus resíduos materiais. As primeiras inserções humanas
no meio natural, como seixos e pedras desbastadas ou talhadas datam de
aproximadamente 400.000 a.C. As mais antigas pinturas rupestres, pertencem ao
Paleolítico Final, cerca de 30.000 a.C (JANSON, 1977).
Sobre este período, escreve Gombrich1: “Chamamos a estes povos ‘primitivos’ não
porque sejam mais simples do que nós – os seus processos de pensamento são, com
freqüência, mais complicados do que os nossos – mas por estarem mais próximos do
estado donde, em dado momento, emergiu toda a humanidade. Entre estes primitivos
não há diferença entre edificar e fazer imagens, no que se refere à utilidade. Suas
cabanas existem para abrigá-los da chuva, sol e vento, e para os espíritos que geram
tais eventos; as imagens são feitas para protegê-los contra outros poderes que, para
eles, são tão reais quanto as forças da natureza. Pinturas e estátuas, por outras
palavras, são usadas para realizar trabalhos de magia”. Toda a arte rupestre teve forte
cunho mágico de caráter propiciatório, principalmente no período Paleolítico, onde os
desenhos naturalistas eram protagonistas de rituais. A estilização do desenho, no
período Neolítico, indica uma minimização da magia, ou transformação do processo
propiciatório em registros e comunicação.
Arte Paleolítica
Os primeiro registros humanos de que temos notícias são mãos em negativo espalmadas
sobre paredes de cavernas. Assim como crianças pequenas desenham sua própria mão
(quem não se lembra?) usando-a como molde sobre o papel, numa bela simbologia de
constatação de seu eu, os hominídeos deixaram sua marca, identidade, posse,
reconhecimento como ser vivente, produtor de cultura.
1
GOMBRICH,E.H. A História da Arte (Terceira edição). Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983. p. 20
1
1.- Caverna das Mãos,
Patagônia – Argentina. C. de
7.000a.C
2. Mão negativa e pontos, Pech Merle –
França. C. 25.000 a.C.
A pintura rupestre paleolítica caracteriza-se por ser figurativa, ou mais exatamente,
naturalista. É o registro da impressão visual imediata, livre de qualquer restrição
intelectual ou apuro compositivo. Os animais são retratados em seu instante perceptivo,
em um flagrante de movimento só atingido pela pintura impressionista do séc. XIX
(HAUSER, 1982).
Qual a razão destas pinturas? Por que será que nossos longínquos ancestrais se
preocuparam em fazer arte vivendo em um meio tão agressivo, no qual a sobrevivência
era tão frágil e o medo tão constante? Quando algumas destas pinturas foram
descobertas em cavernas européias, ainda no século XIX, arqueólogos recusaram-se a
acreditar que estas obras de arte tivessem sido feitas pelos homens da Época Glacial
(GOMBRICH, 1983). Acreditou-se em uma farsa, talvez ligada aos seguidores do
criacionismo (crença de que o Homem foi gerado no Gênese bíblico permanecendo
imutável, ideia contrária às de Charles Darwin ligadas ao evolucionismo) - como um
primitivo teria tal senso estético diante de um cenário cotidiano de luta pela
sobrevivência? Vamos observar algumas peculiaridades desta arte que dão indícios
para a formulação de hipóteses.
 Lembremos que este homem era nômade e sobrevivia basicamente da caça e
coleta, sem intervenções significativas em seu meio.
 As pinturas paleolíticas eram feitas em locais de difícil acesso nas cavernas, com
pouca ou nenhuma luminosidade (provavelmente as pinturas eram feitas à luz de
lamparinas de gordura animal). Isto já descarta qualquer intenção de decoração
ou mesmo comunicação.
 Não havia nenhum rigor compositivo - os desenhos eram sobrepostos livremente
(tendo alguns, imensos intervalos de tempo). Observe a fig 3.
 Podemos observar a ausência quase absoluta de pinturas com figuras humanas,
eram predominantemente de animais vigorosos e em movimento.
 Existiam nos locais vestígios de objetos e marcas ritualísticas.
A razão mais provável para esta arte é a magia propiciatória: ao pintar animais tão
reais este artista-caçador já estava garantindo a sua caça, apoderando-se da “alma” do
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animal, assegurando, assim, a sua sobrevivência (HAUSER, 1982). Muitas pinturas e
esculturas apresentam orifícios e marcas de flechas (fig. 3) o que sugere que estas
imagens tinham a função de ser um substituto simbólico do animal a ser caçado – por
isso a necessidade da semelhança absoluta com o ser real. A forte identificação entre o
ser vivo e sua imagem é a explicação psicológica subjacente (JUNG,1977). Isso lhe
parece estranho? Você deliberadamente furaria os olhos de uma fotografia de alguém
que goste muito? Sem sentir nenhum incômodo? Não, realmente a imagem é muito
poderosa, sua força colaborou para a sobrevivência de nossos amigos – ancestrais, e
continua sendo usada, com diversos fins, na publicidade, meios de comunicação e arte.
A bela arte paleolítica era, na realidade, um instrumento de caça, um ato de magia, a
qual permanece impregnada na representação de imagens até os nossos dias.
Os amuletos
Os artistas do Paleolítico realizaram também escultura, principalmente estatuetas
pequenas que deveriam servir como amuletos, propiciatórios como toda a arte do
período. Há diversos exemplares de figuras femininas, com cabeças apenas esboçadas,
seios volumosos quadris e ventre em evidência. Estas belas senhoritas paleolíticas
deveriam estar ligadas ao culto da fertilidade, tanto sexual (um grupo nômade numeroso
detinha mais poder na escolha de um sítio de fixação – uma prole grande deveria ser
desejável), quanto da natureza. Podemos observar a Vênus de Willendorf (fig. 4),
poderosa em seus 11,5 cm de altura. Este pequeno seixo entalhado apresenta um
pormenor encantador: o umbigo não foi talhado com instrumentos, ele já existia no
seixo original (JANSON,1992). Isso nos dá uma dica do processo criativo do artistacaçador: deveria estar ligado à intuição perceptiva, isto é, o olhar aguçado que vê em
nuances visuais a forma total.
Fig. 3 – Bisão Ferido – c. 25.000a.C.. Gruta de
Lascaux, França
Fig. 4 - Vênus de Willendorf – c. 25.000 –
20.000 a.C.. Museu de História Natural, Viena
Arte Neolítica
A primeira modificação estilística da História da Arte se dá com o fim da época
paleolítica (HAUSER, 1982). Modificações primordiais no estilo de vida do homem
pré-histórico possibilitam as alterações na arte. O homem passa gradativamente a ser
sedentário, cultivando a terra, domesticando ou mantendo animais em cativeiros e
manadas, produzindo um artesanato mais sofisticado, exercendo ritos religiosos e atos
de culto. O naturalismo mágico do paleolítico dá lugar a um geometrismo (fig. 5) de
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sinais esquemáticos e convencionais, que sugerem formas e não reproduções da
experiência empírica.
O homem passa a ser retratado nas pinturas, em cenas de caça ou guerra ou ainda
como seres semi-humanos (JUNG, 1977) disfarçados de animais, envoltos em peles,
com cabeça ou chifres de algum animal. Provavelmente seria o “Rei dos Animais”
figura misteriosas de domínio animal que subverte de seu portador a sua
individualidade humana. Ainda temos vestígios desses costumes em grupos primitivos,
cujos xamãs, ao portarem adereços apropriados, não “representam” animais, são os
animais. Essa nova arte, geométrica, abstrata, simbólica, inicia o conceito de arte como
objeto autônomo que se perpetua no decorrer nos séculos.
O homem neolítico , com seu novo gênero de vida, passa a desenvolver diversas
técnicas artesanais: cerâmicas decoradas, tecelagem, trançados e, a partir de ac. 5.000
a.C, metalurgia, com pequenos artefatos.
Fig. 5
Arquitetura Neolítica
O sedentarismo do homem neolítico possibilitou o aparecimento das primeiras cidades.
Por volta de 7.000a.C. surgem as primeiras construções urbanizadas em Jericó (atual
Jordânia) fig. 6. São desta época os crânios gessados, muitos ricamente decorados(fig.
7), que sugerem a crença da alma localizada no crânio e a veneração dos antepassados.
Dentro da cidade fortificada (com muralhas e torres), casa de pedra pavimentadas de
gesso, guardavam o corpo do morto enterrado em posição fetal com a cabeça (decorada)
acima do chão.
Fig. 7– Crânio gessado de Jerico.
Museu arqueológico de Amã,
Jordânia
Fig. 6- Ruínas de Jericó - c. de 7.000 a.C.
Jordânia
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Çatal Hüyük, na Anatólia,
também é uma compacta cidade organizada
urbanisticamente, com casas em terraços e aberturas pelo teto. Pinturas revelam vistas
da cidade e do vulcão (JANSON, 1992).
Fig. 8 - Reprodução possível de Çatal
Hüyük
De cunho religioso ou astronômico os homens do neolítico edificaram os monumentos
megalíticos (pedras imensas). Pedras não trabalhadas têm, em diversas culturas
primitivas, forte significação simbólica – servindo de lápides, marcos ou objetos de
veneração religiosa. A configuração dada pelo arranjo das pedras (alinhamentos
geométricos, círculos) também pode nos remeter à divindade (JUNG, 1977).
Estas imensas pedras fixadas no chão, sem nenhum tipo de argamassa, denominam-se
dolmens quando organizada em forma de mesa ou portas (fig.9) – normalmente,
ligavam-se ao culto aos mortos. Dolmens dispostos em círculos regulares são chamados
de cromlechs (fig. 10), sendo o mais famoso o Stonehenge, no sul da Inglaterra. O
conjunto está direcionado ao ponto onde nasce o Sol no solstício de Verão, indício de
que se destinava ao culto ao Sol.
Fig. 9 Dólmen de Carnac – c 1500a.C.
Fig.10 – Stonehenge, c. 2000a. C. Wiltshire, Lnglaterra.
Arte Pré-Cabralina
As origens do Homem nas Américas remontam há 12 mil anos a.C. 2,durante um período
de glaciação que possibilitou a passagem de grupos pelo Estreito de Behring. Estes
2
Escavações feitas no boqueirão da Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara, pela equipe
da arquitetônica Niède Guidon encontraram o que eles acreditam ser restos de uma fogueira e pedras
lascadas, datadas em mais de 50 mil anos. A comunidade científica internacional se dividiu sobre o tema.
5
grupos nômades deixaram indícios de suas passagens em locais hoje chamados sítios. O
Iphan (Instituto do patrimônio histórico e artístico nacional) tem identificados cerca de
10mil sítios arqueológicos em território nacional. São tombados: Sambaqui do Pindaí,
em São Luis-MA; Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato-PI
(fig.1); Inscrições Pré-Históricas do Rio Ingá, em Ingá-PB; Sambaqui da Barra do Rio
Itapitangui, em Cananéia-SP; Lapa da Cerca Grande, em Matozinhos-MG; Quilombo
do Ambrosio: remanescentes, em Ibiá-MG; e Ilha do Campeche, em Florianópolis-SC
(Iphan).
Fig. 1 Toca do Boqueirão da Pedra Furada (Pintura
escolhida para a logomarca do Parque Nacional).
Na região do Parque Nacional da Capivara, no Piauí, estão cadastrados mais de 1.200
sítios com arte rupestre – podendo esta ser pintura (fig.2) ou gravura (tipo de abrasão
sobre a rocha formando uma espécie de baixo relevo) (fig. 3).
Figura 2 Nicho policrômico - Toca do
Figura 3. Gravuras rupestres no sítio
Boqueirão da Pedra Furada.
Caldeirão do Deolindo, situado dentro
do
Parque
Nacional,
no
alto
da
chapada
Alguns rechaçam essas pesquisas, ponderando que a suposta fogueira pode ter sido na verdade madeira
incinerada por um raio e que nada garante que as rochas não foram lascadas durante a queda de um bloco.
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As manifestações gráficas dos grupos étnicos que passaram na região formam um
sistema de comunicação de base icônica que ajudam a compreender as especificidades
dos grupos, mas não permitem a decifração de seu significado pois não temos mais os
códigos para tal.
Existem várias tradições – estilos predominantes de imagens – que podem ser datados e
utilizados como instrumento de análise dos grupos étnicos (figs. 4, 5, 6). Há grafismos
reconhecíveis (figuras humanas, animais, plantas e objetos) e grafismos puros,
abstratos, os quais não podem ser identificados. Algumas representações humanas são
apresentadas revestidas de atributos culturais, tais como enfeites de cabeça, objetos
cerimoniais nas mãos, etc. Algumas composições representam ações cotidianas ou
ligadas à cerimoniais, como dança, práticas sexuais, caça e manifestações rituais em
torno de uma árvore, e ações as quais não compreendemos.
Fig. 4 Toca do Arapuá do Gongo
Fig. 5 Toca do Morcego
Fig. 6 Toca do Salitre
Apesar da riqueza e potencialidade turística dos sítios arqueológicos brasileiros a
agressão e vandalismo são fatos reais, chegando a atingir 3% do patrimônio nacional. O
Iphan, responsável pela fiscalização dos bens tombados, não tem condições de evitar
esses crimes (fig. 7). "São milhares de sítios, muitas vezes em locais de difícil acesso, e
7
pinturas isoladas, que ficam a centenas de quilômetros umas das outras. É impossível
vigiar tudo", diz o diretor do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do
Iphan, Dalmo Vieira Filho.
Fig. 7 CACHOEIRA DO ENCANTADO, BAHIA: depredação de um patrimônio ainda pouco
conhecido e estudado
A solução, entretanto, não está fora de alcance. O Parque Nacional Serra da Capivara,
no Piauí, reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, é
pesquisado desde a década de 1970 por Niède Guidon e sua equipe, que o tornaram uma
referência internacional. Quando decidiram abri-lo à visitação, em 1993, sofreram um
revés imediato: em menos de um mês de visitas, começaram a aparecer nomes escritos
sobre as pinturas. Desde então, a diretoria do parque só permite visitação com
acompanhamento de um guia devidamente treinado, o que praticamente acabou com o
vandalismo. Hoje, a Serra da Capivara recebe 10.000 visitantes por ano, tem 240
funcionários e um orçamento anual de 3 milhões de reais, a maior parte bancada por
empresas que utilizam o incentivo da Lei Rouanet. Aqui, “ninguém atenta para o
número de empregos que pode ser criado em torno dessas áreas”, diz Niède Guidon.
Arquitetura
Para saber mais
Livros ou capítulos

História Social da Literatura e da Arte. Inicie pelos capítulos “Período do
Paleolítico, Magia e Naturalismo” e “Período da Pedra Polida – Animismo e
Geometrismo”. Hauser é um autor fundamental, que permeará todo este
Fascículo. De forma clara e empolgante ele explica e exemplifica as origens
pré-históricas da arte. Veja as referências.

A História da Arte. Gombrich é peça chave para iniciarmos o estudo da
História da Arte. Se você só puder comprar um livro sobre o assunto,
recomendo este –vale o investimento muitas e muitas vezes. Inicie pela
“Introdução” – nos indica as diversas possibilidades da análise da imagem – e o
capítulo “Estranhos começos” – que aborda a arte de diversos povos
primitivos.Veja as referências.
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
O Homem e seus Símbolos. Jung decidiu escrever este livro a partir de um
sonho. Buscou tornar acessível aos não iniciados as suas teorias ligadas às
questões simbólicas que acompanham o Homem. O capítulo “O simbolismo nas
artes plásticas - Símbolos sagrados: a pedra e o animal” trata de assuntos
interessantes vistos nesta Unidade. Veja referências.

As 100 melhores histórias da mitologia – O livro nos apresenta, com narrativa
acessível e interessante, a rica mitologia grego-romana, a qual permeia nosso
imaginário e os alicerces culturais do mundo ocidental. Veja referências.
Sites

Links para grandes sites arqueológicos:
http://www.culture.gouv.fr/culture/arcnat/fr/
Em especial : visita virtual na Gruta de Lascaux:
 http://www.lascaux.culture.fr
Filmes

A Guerra do Fogo (La Guerre du feu, 81, FRA/CAN)
Dir.: Jean-Jacques Annaud. –
Remonta aos primeiros hominídeos, a
possibilidade civilizatória do Homo Erectus usar as mãos, desenvolvendo as
tecnologias mais básicas a partir do domínio do fogo. O aparecimento das
linguagens e da comunicação são questões abordadas no filme.

2001 – Uma Odisséia no Espaço ( A Space Odissey, 68, ING/EUA)
Dir.: Stanley Kubrick – É uma ficção científica de primeira. Mostra, a partir de
um monolito, saltos no desenvolvimento humano. A primeira cena, onde um
ancestral hominídeo “descobre” a possibilidade da ferramenta e portanto da
cultura (ao som de “Assim Falou Zaratustra”) é genial!

A Era do Gelo (Ice Age, 2002, EUA)
Dir.: Chris Wedge e Carlos Saldanha. É um delicioso e engraçado desenho
animado, no Período Glacial. Observe com atenção a encantadora animação de
pinturas rupestres.
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