O `galerista` dos designers

Transcrição

O `galerista` dos designers
SENSAÇÕES
PERFIL
O ‘galerista’ dos designers
A história de Luís de Oliveira e da De La Espada, que gere a carreira de reputados designers
internacionais e está a fazer furor em Londres. TEXTO DE SARA GOMES, EM LONDRES
PAULO NUNES DOS SANTOS/ 4SEE
S
D
iz “Bom dia!” em
português, mas
logo avisa que a
entrevista terá de
ser em inglês. Não
perde tempo. “Se quer que lhe
fale sobre o meu trabalho, só
assim. Em português, apenas sei
contar histórias para crianças,
que é o que faço com as minhas
filhas”, diz em inglês. Luís de
Oliveira nasceu em Portugal há
39 anos, mas há mais de vinte
que se mudou para Inglaterra.
Vive em Londres, onde lidera a
De La Espada, uma empresa
que, além de uma coleção original, se dedica à gestão das marcas pessoais de alguns importantes designers, como Matthew
Hilton ou a Autoban. O sucesso
em sido tal que mereceu grande
destaque na revista “How to
Spend It“ do prestigiado “Financial Times“.
“O nosso trabalho é muito
parecido com o de uma galeria
de arte, que tem uma relação
muito próxima com os seus
artistas, promovendo o seu trabalho”, explica. A De La Espada é uma empresa global, descentralizada, muito embora
com três polos principais: Londres, Nova Iorque e Mira, em
Portugal, onde funciona a fábrica da empresa. “Também temos
a componente industrial. Somos
responsáveis pela produção dos
designs. Tanto podemos fazer
uma só cadeira como mil.”
Nem sempre foi assim. A De
La Espada nasceu no final da
década de 80 em Espanha. A
esposa de Luís e o irmão dela
queriam encontrar um novo
mercado e começaram por se
dedicar ao fabrico de móveis à
medida, feitos em madeira.
“Era uma espécie de carpinta-
ria”, descreve Luís, que veio
juntar-se à empresa em 1993,
assumindo a posição de vendedor. “Tinha acabado o curso de
engenharia civil, que nunca
cheguei a exercer, e estava um
pouco sem direção. Foi então
que descobri o design de móveis. Depois, com a crise dos
anos 90 em Espanha, em que
não havia trabalho, eu e a minha esposa decidimos que queríamos mudar para Londres.”
Em 1995, a De La Espada deixou de ser espanhola e passou a
ser britânica.
Na capital inglesa, a empresa continuou a dedicar-se ao
retalho e abriu a sua primeira
loja. ‘’É uma história engraçada. Na época também se vivia
uma grande crise em Londres e
as lojas estavam vazias. Aliás,
muito mais vazias do que agora.
Mas é nestas alturas que surgem as oportunidades e acabámos por conseguir alugar um
espaço comercial a um preço
que hoje seria impossível.” Seguiu-se a abertura de outras
lojas, desta vez em Nova Iorque, Amesterdão e São Francisco. “Fazíamos tudo. Ccomo
éramos a cara da empresa, fazíamos os desenhos e criávamos
os nossos produtos.”
Líder de uma revolução? Porém, entre 2003 e 2006, a De
La Espada enfrentou um momento de crise e a sua sobrevivência foi ameaçada. “Ninguém
comprava. Lembro-me de pensar a determinada altura que
nunca mais ia conseguir vender
um móvel. Não havia maneira
de segurar aquele império. Parecia que nos estava a acontecer o
mesmo que ao império português.” Luís de Oliveira somava
já na altura mais de 100 viagens
só a São Francisco, mas sabia
que aquele era tempo de encontrar novas soluções. “Penso que
o que acontece com todas as
pequenas empresas é que chega
um momento em que a corda
estica demasiado e é preciso
apostar noutra estratégia.”
O jovem empresário decidiu
então desfazer-se das lojas. E
foi no meio do processo de restruturação da empresa que, em
2006, se cruzou em Londres
com os designers que assinam
como Autoban. “A nossa marca
não era forte o suficiente para
chamar à atenção das pessoas.
Tínhamos de encontrar parceiro”, recorda. E foi assim que a
De La Espada começou a gerir
a Autoban. “Eles pensaram que
queríamos uma cadeira e alguns desenhos, mas acabámos
por ficar com o nome e com o
portefólio todo. Era óbvio para
mim que se não o fizesse alguém acabaria por tentar obter
essa vantagem.”
‘‘
O nosso trabalho é muito parecido com o de
uma galeria de
arte, que tem
uma relação
muito próxima
com os artistas,
promovendo o
seu trabalho
Foi o momento de viragem
da empresa de Luís de Oliveira.
A partir de então, a De La Espada começou a gerir as marcas
pessoais de importantes designers, incluindo a Autoban, Charlene Mullen, Leif.designpark,
Matthew Hilton e Studioilse.
Muito em breve, contará também com a Soren Rose Studio e
a Benjamin Hubert Studio. O
atrativo para os designers é
grande: “Pomos o design à frente de tudo o resto, damos muita
liberdade e pagamos royalties
bastante mais altos do que é
normal na indústria, o que permite ao designer dedicar-se
mais às suas criações.”
Uma forma de devolver o
poder ao designer? “Sim. O
designer que trabalha com muitas empresas tem pouco controlo sobre a sua vida. A empresa
só paga quando vende e a compensação é baixa, logo o designer tem de repartir os seus desenhos por muitas empresas.
Ou seja, tem que fazer muitas
apostas. Ao fazer isso, dilui o
seu nome.”
A De La Espada não exige
exclusividade aos designers,
muito embora queira uma colaboração privilegiada. “Não atamos o designer a nós. O trabalho com outras empresas é positivo. Às vezes voltam com outras ideias que não teriam trabalhando sempre connosco. Mas
somos nós que gerimos as suas
marcas pessoais.”
O novo conceito trazido pela
De La Espada valeu-lhe um
extenso artigo na revista “How
to Spend It”, do jornal ”Financial Times”, que colocou Luís
de Oliveira no epicentro de
uma mudança no mundo do
design. Verdade? “Damos
73
S
SENSAÇÕES
Os cinco designs preferidos
prioridade ao criador e não à
nossa empresa. É essa a grande
diferença em relação ao modelo
italiano, que primeiro realça o
nome da empresa e só depois
quem desenhou. Porém, o modelo italiano existe, é bem sucedido e não vamos virar as mesas. Quando o artigo saiu, parecia que já tínhamos um peso
enorme nas nossas costas, que
já éramos líderes de uma revolução. Na verdade, estamos apenas muito tranquilamente a
trabalhar o nosso nicho.”
Artesãos são portugueses. Por
detrás dos designs, não está
apenas o designer, mas também
o artesão. “Acredito que o que
falta hoje ao design de alta gama é uma forma honesta de
justificar os preços. Para mim,
o artesão é uma das vertentes
que nos permite justificar esse
preço.” Quanto é preciso para
entrar no universo De La Espada? “Ainda se consegue com
400 euros, mas para comprar
algo que se veja, talvez entre os
três e os seis mil euros.”
É numa fábrica em Mira,
no distrito de Coimbra, que
cerca de 40 pessoas têm as
mãos habituadas a transformar ideias em móveis de madeira. Porém, nem tudo o que
a De La Espada vende é feito
dentro das instalações da sua
fábrica. Cerca de 40 outras
pessoas também produzem
materiais importantes para a
empresa. “Há coisas que não
sabemos fazer e pedimos a
outras fábricas, geralmente
mais pequenas. Gosto de pensar que somos um centro de
excelência e, ao mesmo tempo, um catalisador da indústria portuguesa. Mudamos
74
REVISTA ÚNICA · 05/11/2011
Jarra Finlândia, Alvar Aalto, 1937
“Não quero viver no passado, mas podemos
olhar para trás para identificar momentos
que realmente modificaram o curso da história do design. Alvar Aalto é uma das razões por que o movimento moderno se
tornou tão importante na Escandinávia. Um
gigante no seu campo, os seus interesses
estenderam-se a todos os objetos. A jarra de vidro relembra-nos
como o modernismo só se generaliza quando abrange a humanidade, a beleza e o conforto.”
Cadeira Lounge PK22,
Poul Kjaerholm, 1957
“Cada peça de design industrial é uma máquina
do tempo desde o momento em que foi criada.
Mas os designs verdadeiramente bons conseguem
continuar atuais ao longo
dos anos, muito embora a
minha grande paixão seja
por coisas que são realmente contemporâneas,
de hoje, deste momento. Poul Kjaerholm foi buscar inspiração
aos mestres dinamarqueses e, ao mesmo tempo, virou-lhes as
costas para criar um objeto que continua a ser atual mesmo 50
anos depois da sua criação. Olhar para o passado, viver hoje e
desenhar para o futuro é a lição a tirar daqui.”
Caneta Bic Cristal,
Marcel Bich, 1950
“Um produto que me
lembra o fantástico apelo do design industrial
moderno quando um
objeto pode melhorar o
modo como as pessoas trabalham e gozam a vida e que, apesar
da sua simplicidade, se torna essencial.”
Helvética, Max Miedinger
e Edouard Hoffman 1957
“Outra representação do design que
é produto de um momento muito
particular, o nascimento da escola
suíça de design gráfico, que privilegia a simplicidade e clareza na apresentação da informação, bem como
o otimismo da era do pós-guerra. Demasiado usado, mas ainda
assim algo que continua a rodear-nos 50 anos depois.”
iPhone Apple 2007
“Finalmente um objeto que é verdadeiramente do nosso tempo. Durante 20 anos, vimos as
comunicações por telemóvel, a Internet, as
redes sociais, os serviços locais e o interface
do design a dirigirem-se para um momento
em que todos começam a convergir e a mudar
a nossa vida. Esta é a razão pela qual estou
bem consciente de que não poderíamos diferenciar-nos mais das pessoas que viveram há
cerca de duas gerações, apesar da apreciação
de todos os objetos mencionados acima, a
maioria deles com mais de 50 anos. Teremos
literalmente o mundo nos nossos dedos.”
essas empresas tanto quanto
elas nos ajudam.”
Luís acredita que o que se faz
na fábrica portuguesa também
poderia ser feito noutro país. No
entanto, realça a harmonia portuguesa como um fator determinante na qualidade do produto
final: “Estamos localizados numa área rural. As pessoas quando saem do trabalho ainda vão
para o campo, muitas ainda fazem vinho, que é um jogo de
paciência, em que é preciso esperar para ver os resultados. Isto
passou para o espírito daquelas
pessoas e isso é muito importante neste trabalho, em que o grau
de perfeccionismo é muito elevado.” O princípio basilar é o respeito pelo trabalho do autor.
“Não mandamos o produto para
uma fábrica que depois altera
500 coisas, porque era mais fácil
de executar ou mais barato.”
Numa altura em que Portugal atravessa um período de
crise, Luís não tem dúvidas de
que a única saída é procurar
nichos de mercado: “Já não
somos baratos mas também
não somos caros. Temos de
conseguir marcar a diferença
com um produto de alta qualidade e depois dar a volta ao mundo. O país está virado para a
exportação para a Europa ou
Angola. Isso é vender o passado. É um grande erro. Temos
de pensar em novos mercados
como a Ásia, os Estados Unidos
e mesmo a América Latina.”
E a De La Espada, quanta
diversidade ainda pode oferecer? “Gerir sete marcas continua a ser viável, mas temos que
ir vendo onde está o limite para
que o designer não se transforme em mais um número.” n
[email protected]