a pantera cor de rosa na formação de educadores matemáticos

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a pantera cor de rosa na formação de educadores matemáticos
A PANTERA COR DE ROSA NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES
MATEMÁTICOS
Tassia Ferreira Tartaro 1
Não se perguntará o que os princípios são, mas o que eles fazem.
Gilles Deleuze
A educação pode ser considerada um dos espaços para a preparação do cidadão frente
ao mundo de trabalho. Por conta disso, conforme Mizukami (2006) as reformas educacionais
trazem para o foco a discussão da formação docente, objetivando qualificar o professor, tendo
como perspectiva a aprendizagem do aluno.
Visando esta aprendizagem os cursos de licenciatura em matemática se centram em
tornar o conhecimento mais acessível às novas gerações. “[...] A didática da matemática é,
sem dúvida alguma, a pedra basilar da formação do professor dessa área, uma vez que oferece
as condições básicas para que ele se torne um determinado conhecimento passível de ser
apropriado pelos alunos.” (VARIZO, 2006, p. 55).
Após as contribuições das duas autoras, pode-se perceber que a formação tem como
eixo central o ensino. Sendo assim, uma formação de professores de matemática tem como
objetivo a desenvolvimento do aluno para o domínio dos conteúdos matemáticos, assim
como, as técnicas de ensino desta disciplina.
No entanto, tal qual Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995), quando falam que não se
busca compreender um livro, mas com o que ele funciona, em conexões com o que ele faz
passar intensidades, em que multiplicidades ele se introduz. Também não buscamos o que
quer um curso de formação de professores de matemática, buscamos suas conexões, suas
multiplicidades. Perguntamos: o que pode este curso?
Pensamos em outra maneira de formar professores de matemática, para além dos
conteúdos matemáticos e técnicas de ensino. Pensamos em um mundo outro, onde as
preocupações se concentrem nas potencialidades do professor. Enfim, problematizar a
formação docente na tentativa de fazer explodir um sujeito, de caminhos múltiplos e
rizomáticos.
Este sujeito é o que chamamos de Educador Matemático, um além-professor. Este
Educador matemático, não é apenas um professor de matemática, está além deste professor,
pois ao ensinar técnicas matemáticas, oferece também à possibilidade de uma visão do mundo
pela matemática. É um educador que ao ensinar matemática discute também o mundo que
cerca seus orientandos. É a matemática elevada a um nível superior. A matemática como um
movimento de formar-se.
Entendemos que a formação se dá antes, durante e depois de um curso de licenciatura
em matemática, pois o movimento de formação ocorre no próprio sujeito. Sendo assim, a
formação seria um devir constante. Por meio das contribuições de Sócrates, em seus diálogos
escritos por Platão, a formação é um olhar para dentro de si, um cuidado de si.
Para Michel Foucault (2011) este cuidado de si caracteriza um princípio de formação do
sujeito, enquanto senhor de suas escolhas, durante toda a sua vida.
[...] essa atividade de ter cuidados com a própria alma deve ser praticada em
todos os momentos da vida, quando se é jovem e quando se é velho.
1
Profa. Ms. Tassia Ferreira Tartaro; Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da
UNESP (PPGEM) – Rio Claro, integrante do grupo Uns/PPGEM/RC que pesquisa temáticas em Educação
Matemática, apoiadas na literatura da Filosofia da Diferença, orientada pelo professor Dr. Antonio Carlos
Carrera de Souza. E-mail: [email protected]
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Entretanto, com duas funções diferentes: quando se é jovem trata-se de
preparar-se para a vida, armar-se, equipar-se para a existência; e no caso da
velhice, filosofar é rejuvenescer, isto é, voltar no tempo ou, pelo menos,
desprender-se dele, e isso graças a uma atividade de memorização que, para
os epicuristas, é a rememoração dos momentos passados (FOUCAULT, 2011,
p. 80-81).
Assim, estas práticas de si estão atreladas às relações que o sujeito tem com ele mesmo,
aos exercícios pelos quais o próprio sujeito se dá como objeto a conhecer. A ênfase é colocada
na relação consigo que consiste em não se levar pelos apetites e prazeres, que admite ter, em
relação a eles, o domínio e superioridade, conservar-se livre de qualquer tipo de sujeição
interna das paixões e alcançar um modo de ser definido sobre uma soberania sobre si mesmo.
(FOUCAULT, 1984).
Ao narrar a história da formação a partir da vontade do eu, do Educador Matemático de
singularidades e não multiplicidades, pois não existe nenhuma fôrma universal que transforma
o sujeito, ou melhor, todos os sujeitos. O que existe é uma forma na qual um sujeito se forma,
pois a formação é individual, intransferível, acontece em um sujeito singular.
A formação é singular de cada sujeito, pois se constitui um processo de subjetivação.
Para Deleuze (2008) um processo de subjetivação não pode ser confundido apenas com um
sujeito, a subjetivação é uma individuação, particular ou coletiva, que caracteriza um
acontecimento. “[...] Ora, existem vários tipos de individuação, há individuação do tipo
“sujeito” (é você..., sou eu...), mas há também individuação do tipo acontecimento, sem
sujeito: um vento, uma atmosfera, uma hora do dia, uma batalha...” (Deleuze, 2008, p. 143).
Sendo assim, não há, pois, um caminho para nossos cursos de licenciatura. São vários
os seus caminhos. Pensamos em formação de um profissional... Não certo tipo de
profissional... Defendemos a existência de vários tipos de educadores, em um só. Estamos
falando da multiplicidade do eu, existente no interior de um curso de formação.
Para compreender melhor o que vem a ser multiplicidade, Deleuze e Guattari (1995) as
relaciona com os fios da marionete, que nada tem haver com a vontade do artista, mais com
os possíveis caminhos que o mesmo pode tomar.
Desta forma, se pode falar de um curso de formação que faça o múltiplo.
[...] não acrescentando sempre uma dimensão superior, mas, ao contrário, da
maneira simples, com força de sobriedade, no nível das dimensões de que se
dispõe, sempre n-1 (é somente assim que o uno faz parte do múltiplo,
estando sempre subtraído dele). Subtrair o único da multiplicidade a ser
constituída; escrever a n-1. Um tal sistema poderia ser chamado de rizoma.
(DELEUZE, 1995, p. 13)
O múltiplo entendido não pelo acréscimo de mais um em um sistema, mas sim por sua
retirada, é o n-1. Os caminhos são múltiplos, pois apresentam múltiplas entradas e saídas,
apresentam linhas de fuga. Um curso de formação tem que ser agenciador de multiplicidades,
isto é, quando se tira um dos sujeitos, este sistema não aumenta nem diminui, ele continua o
mesmo. Sendo assim, um curso de formação de Educadores Matemáticos poderia ser
chamado de rizoma.
A formação do Educador Matemático pode ser dita rizoma se for composta por linhas
que podem ser percorridas por quem estiver dentro deste processo. Que estas linhas podem
ser rompidas em qualquer momento e nascer deste rompimento outras linhas que podem ser
trilhadas ou não. As rupturas existentes no rizoma criam linhas de fuga, que não param de
levar a outras linhas.
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A linha de fuga marca, ao mesmo tempo: a realidade de um número de
dimensões finitas que a multiplicidade preenche efetivamente; a impossibilidade
de toda dimensão suplementar, sem que a multiplicidade se transforme segundo
esta linha; a possibilidade e a necessidade de achatar todas estas multiplicidades
sobre um mesmo plano de consistência ou de exterioridade, sejam quais forem
suas dimensões. (DELEUZE E GUATTARI, 1995, p. 16).
Em um curso de formação existem linhas que se conectam, que nos fazem pertencer ou
permanecer em determinado território, também existem linhas que se quebram, que nos
desterritorializam, para nos territorializarem novamente em outro movimento. Linhas se
abrem, se cruzam, se transformam, isto é o que chamamos de agenciamentos.
Um curso de formação não é o único agenciamento do qual o sujeito faz parte. O sujeito
que está em um curso de licenciatura, não é agenciado apenas por este curso, existem outros
agenciamentos agindo ao mesmo tempo neste sujeito. Existe uma conexão de agenciamentos
que atuam neste eu.
Este eu, conforme Deleuze e Guattari (1995), é constituído pelas dobras das linhas do
fora, ou seja, as subjetivações. “[...] Uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas
somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude de
natureza.” (DELEUZE E GUATTARI, 1995, p. 16).
Este fora, cujas dobras constituem o sujeito, é o reino do devir, uma tempestade de
forças, o não estratificado, o informe, um espaço anterior, de singularidades, no qual as coisas
não são ainda. O lado de fora é uma dimensão, sem forma específica, onde circula uma
pluralidade de forças. Nesta dimensão nada é determinado, tudo está para acontecer.
(DELEUZE, 2005).
Para Deleuze (2005), Foucault se preocupou profundamente com o tema do duplo, que
entendia sendo como uma interiorização do lado de fora. Assim, o que Foucault busca nos
gregos é esta relação com você mesmo que deriva das relações com os outros. Como se as
relações com o fora se dobrassem para criar um dentro com uma dimensão própria, que seria
esta relação consigo como domínio.
Poder entendido como relações de forças. Estas forças são antes de qualquer coisa uma
ação, sempre uma ação, por conta disso é impossível dizer aonde elas se encontram, elas não
são localizáveis, na realidade são pontos singulares que compõem uma rede de relações ainda
não existentes. “O poder é local porque nunca é global, mas ele não é local nem localizável
porque é difuso.” (DELEUZE, 2005, p. 36).
Se o poder é ação então ele se exerce no dia-a-dia que compõe a formação dos
educadores. Estas relações de forças que compõem os sujeitos estão em uma dimensão que
representa o fora, o fora é formado por todas as relações de força existentes. É a abertura de
um futuro, no qual nada termina. Para Deleuze (2005) o fora é um espaço de relações de
força, no entanto, o fora só é visível se dobrarmos a linha e constituirmos um dentro.
Este autor relata que, Foucault chega à conclusão que os gregos dobraram a força, sem que
ela deixasse de ser força e a relacionaram consigo mesma, assim antes de ignorarem a
subjetividade, eles inventaram o sujeito, mas o inventaram como derivada da subjetivação. Assim
descobriram um forro, esta relação com si mesmo, uma regra facultativa do homem livre.
Este sujeito, entendido como derivada da subjetivação, não é fixo, ele vai se
transformando a todo instante, mudando seus modos, resistindo ou não aos poderes e saberes
impostos. Sendo assim, não existe um eu, existem vários Eu’s em meu lado de dentro. O
dentro composto por subjetivações individuais deste eu.
No entanto, quem forma quem? De fato o curso de formação abre caminhos para a
formação de um eu educador, enquanto que este educador carrega para fora deste curso de
formação um dentro que contém este curso, mas que não é exatamente este curso, são as
subjetivações produzidas enquanto um dos Eu’s que o compunha.
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Considerações finais
Assim, pode se imaginar que um curso de licenciatura é um agenciamento, repleto de
pontos singulares de poder, pronto para afetar o sujeito. Um curso de licenciatura é um espaço
onde se produz e reproduz vários Eu’s. Não existe um caminho único para nosso curso de
formação, pois não existe um sujeito único neste curso. O que existe são vários Eu’s, infinitos
Eu’s, tão infinitos quanto os pontos singulares de poder existentes nas relações entre dois
sujeitos. Desta forma, faz todo sentido perguntar o que pode um curso de formação, como ele
funciona, em que multiplicidades ele se introduz.
O que pode um curso de formação se coloca no sentido de descobrir quais agenciamentos
este curso pode proporcionar àqueles que desejam ser educadores. Pois ser Educador, depende do
próprio eu que forma, depende de suas rotas de fuga, de suas escolhas, do cuidado com si mesmo.
Olhar o Educador como o próprio responsável por sua formação é vê-lo enquanto devir, um ser
que pinta o mundo com sua cor, conforme o vê, tal qual a Pantera cor de rosa, de Deleuze e
Guattari (1995), que ao pintar o mundo de rosa, nada imita ou reproduz, é seu devir-mundo. O
que a Pantera faz é torna-se imperceptível, ao criar suas rotas de fuga, suas rupturas.
O curso de formação que imaginamos para este Educador Matemático, pode ser que ainda
não exista, pode não ser o atual, o tipo de profissional que se encontra nas escolas ou nas
faculdades de hoje. No entanto, acreditamos tal qual Deleuze, que o virtual – Educador
Matemático – a qualquer momento pode se atualizar no real – o Professor de Matemática –.
Referências
Deleuze, Gilles. Conversações. Editora 34, 2008.
Deleuze, Gilles; Guattari, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia, vol 1. Tradução de
Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. 1 Ed. Rio de Janeiro: Ed.34, 1995.
Deleuze, Gilles. Foucault, São Paulo: Brasiliense, 2005.
Foucault, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. 8 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
Foucault, Michel. A hermenêutica do sujeito. 3 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
Levy, Tatiana Salem. A experiência do fora: Blanchot, Foucault e Deleuze. Civilização
Brasileira, 2011.
Mizukami, Maria das Graças Nicoletti. Aprendizagem da docência: conhecimentos
específicos, contextos e práticas pedagógicas. In: Nacarato, Adair Mendes; Paiva, Maria
Auxiliadora Vilela. A formação do professor que ensina matemática: perspectivas e
pesquisas. Autêntica, 2006.
Platão. Apologia de Sócrates. São Paulo: Martin Claret. 1999.
Platão. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 11 Ed. Lisboa: Calouste
Gulbenkian. 2010. p. 315 a 359.
Varizo, Zaíra da Cunha Melo. Os caminhos da didática e sua relação com a formação de
professores de Matemática. In: Nacarato, Adair Mendes; Paiva, Maria Auxiliadora Vilela. A
formação do professor que ensina matemática: perspectivas e pesquisas. Autêntica, 2006.
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