Trajetória do PCB passa na Escola de Revolução da URSS
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Trajetória do PCB passa na Escola de Revolução da URSS
''BP}::/^w;-P):ia;x^^'0:>6s:iç:iít^:'V^;^ Í 2 — 2 ' f»i- Jorail io Bfi»n, Domliiia, IM-íS Trajetória do PCB passa na Escola de Revolução da URSS prensa — que continuou gorando de legalidade, privada apenas do emblema da foice e martelo, e que enfrentou todos os ataques da Polícia, sem poder recuar: tiroteio e empastelamento de oficinas gráficas. Inclusive no Rio e em São Paulo, invasões de redação, prisões e espancamento de jornalistas . Isso não obstante, o PCB conservou muitas forças ainda, graças à influência de que dispunha e aos recursos financeiros que lhe eram proporcionados por vários meios. Pouco a pouco, foi construindo um complexo e dispendioso aparelho clandestino. Pôde a.ssim combinar a atuação ilegal com a atuação legal, através da imprensa comunista, dos poucos parlamentares que conseguia «teger na chapa de outros partidas, dos comícios e conferências, em que prepostos dos dirigentes tinham oportunidade de falar ao povo, e da participação de seus membros nas as«ociagões e sindicatos profissionais. De minha parte, exerci atividades ora legais, ora Ilegais, ora simultaneamente legais e ilegais, como membro de ó r g ã o s auxiliares do Comitê Central (Comissão de Imprensa, Comissão de Agitação e Propaganda e outras), participando de reuniões do Comitê Central, só com direito a voz, dirigindo a oficina gráfica e o jornal diário Imprensa Popular ou secretariando a revista teórica Problema e executando outros trabalhos. No desempenho dessas tarefas, revelei-me um elemento obediente, capaz d»: cumprir todas as ordens, por mais absurdas que f o s s e m . Trabalhada habitualmente 14 ou mais horas por dia. vivendo num regime de sono crônico, embora muitos outros funcionários ficassem esquecidos, por vezes, em casas do Aparelho, só comendo e dormindo, um mês ou mais. Além disso, eu havia passado mais de um ano alimentando-me apenas uma vez por dia, apesar de me achar na direção de um jornal legal do Partido, onde recebia um vale diário de vinte cruzeiros, como os demais jornalistas, sem reclamar nem estranhar sequer que, ao mesmo tempo, fossem gastas altas somas com o envio de emissários do PCB e delegações cultift-als, juvenis etc. à URSS. Tudo isso,, entretanto, credenciou-me, aos olhos da Direção, como um militante sensato, digno de ser enviada ã e s c o l a de revolucionários na União Soviética. O JORNAL DO BRASIL inicia, hoje, a publicação dos principais trechos do li* vro em que o Sr. Osvaldo Peralva, ex-representante do PCB no Kominforni, conta a história do comunismo no Brasil e que, por seu caráter de testemunho, está destinado a se tornar um dos best-sellerê políticos do Brasil. Hoje, o Sr. Peralva narra seu ingresso no partido e o que viu na Rússia de Stalin, durante o curso que fêz na Escola de Revolução da URSS. Sobrevivência 1. TRAJETÓRIA DO PCB PCB foi fundado em 25 de março de 1922, num congresso de representantes dos diversos srupos comunistas existentes no País. Mal saíra desse conBresso, caiu na clande.stinidade, devido ao estado de sítio que se abateu sôbr^ o Pais, após o fracasso da chamada revolta dos tenentes do Exército, no Rio, o que se prolongou, com breves Intervalos, até 1926. Em 1930, quando as Porcas Armadas e o» líderes políticos liberais desencadearam a Insurreição que depôs o Presidente Washington Luís e conduziu Getúlío Vargas ao Palácio do Catete, o Partido Comunista ae absteve de participar nesse movimento, considerando-o «imples resultado do entrechoque de Interesses ingleses e norte-americanos no B r a s i l . Luís Carlos Prestes, ex-Capitâo do Exército e entáo a figura política mais popular do Brasil, ainda não pertencia ao PCB, mas Já aíinava por êle as suas atitudes. Assim, recu.sou o convite que lhe foi oferecido para assumir a chefia militar daquele movimento. Em 1934, achando-.>ie em Moscou, Prestes ingres.sou no Partido Comunista. No ano seEUhite, em agosto, a Internacional Comunista (Komintern) lançou a palavra-de-ordem de formarão das frentes populares. Precisamente uma organização desse tipo formou-se no Brasil, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), por iniciativa dos comunistas, sendo Pre.stes eleito «eu presidente de honra. Nos poucos meses que teve de atuação legal, a ANL desenvolveu por todo o território nacional uma campanha agitacionista que teve funda penetração nos meios pequeno-burgueses, entre estudantes, escritores e .lornalistas, bem como entre a tropa e a oficialidade das Forças Armadas. As.sim, em 24 de novembro de 1935 desencadeouse. em nome da ANL, a insurreição armada nos Estados do Rio Grande do Norte e Pernambuco, circunscrita q u a s e exclusivamente às suas respectivas Capitais — Natal e Recife; três dias depois, sublevaram-se no Rio de Janeiro o 3." Regimento de Infantaria e a Escola de Aviação Militar. Mas em poucos dias a insurreição foi dominada. O PCB pagou caro essa aventura. Seus chefes principais, Juntamente com numerosos políticos de esquerda e com oficiais, soldados e marinheiros Implicados na revolta, foram presos, processados e condenados a longas penas de cárcere, e muitos deles sofreram tortura» físicas as mais terríveif nas mios dos policiais. A malograda Insurreição comunista abriu caminho para a IniplanfaçSo. dois anos depois, em 10 At novembro de 1127. do reitime para>fascÍ8ta do Estado Novo, que TÍgorou até 194S. Durante esse período, restaram apenas umas minúsculas organizações comunistas, dispersas pelo País, cóni funcionamento precário. E quando, em maio de 194S, o PCB sè Cortverteu num partido legal, havia em suas fileiras menos de 4 000 membros.' Eu era um deles. Em Busca do Sonho Numerosos e vários são os caminhos que levam ao comunismo. Quando nasci, em agosto de 1918, existia algo de novo no mundo, mas se passaram ainda uhs três lustros antes que eu tomasse eonsciéncia dessa novidade: vivi no interior da.. Bahia, onde na minha Infância de menino pobre, .a palavra comunismo tinha uma acepção vaga e sem atrativos. E, sem sabê-lo, eu ia sendo preparado para receber sua mensagem, ao testemunhar cenas de miséria e opressão tão chocantes que se gravaram para sempre em minha retina: oandos de camponeses famintos, tangidos pela seca, esmola.ndo de porta em porta; um homem indefeso vomitando golfadas de sangue, sob os golpes de sabre que lhe vibravam nas costas e no peito dois soldados do destacamento policial... Aos 15 anos de idade eu me sentia plenamente realizado em minha cidade: compunha e publicava sonetos, tocava pistào, eia dactilógrafo e traballtava como telegrafistaauxiliar na repartição dos Telégrafos. Partindo em bu.sca de horizontes mais amplos, cheguei à Capital de meu E.stado e ali comecei logo a sentir a efervescência do movimento esquerdista e.a sonhar os mais belos sonhos de felicidade humana. E quando rebentou no nordeste do Brasil a insurreição comunista, em novembro de 1935, e o soldado amarelo, de rosto chupado e bigode ralo, me falou sobre Prestes e sobre os objetivos da Revolução, encontrou em mim plena receptividade. Dai por diante, na Bahia e depois no Rio, para onde me transferi em setembro de 1937, mantive contatos com o PCB na qualidade d« simpatizante. Em 1940 caiu nas mãos da Policia a nova direção do Partido, que por algum tempo ficou acéfalo e quase totalmente destroçado; perdi então o contato que tinha com o PCB. O ambiente ditatorial era cada vez mais irrespirável, com os policiais onipresentes, espionando, fazendo provocações, censurando boçalmente na imprensa as noticias mais simples. Eu trabalhava então como radiotelegrafista em algumas agências noticiosas, fazia traduções • escrevia coisas literárias para jornais e revi.stas, • é liassei a sentir um nójo insuportável da ditadura. Tomei um navio misto, fui parar no Ctult, ondt rivi tun A^m ano, seguindo depois para a Argentina, onde estive poucos meses e regressando ao Rio em meados de 1941, com o propósito de seguir com destino a. Colômbia, onde já tinha emprego me esperahdo. Entrementes. a Alemanha atacou a União Soviética, na qual eu via um símbolo de Hbertaçào do homem da opressão e da miséria e a garantia de uma vida digna e- feliz para toda a humanidade. Desisti da Colômbia, permaneci no Brasil, buscando aproximação com o PCB. Queria participar da luta contra o nazi.s:no, em defesa dos povos soviéticos. Em 1942 ingressei voluntariamente na Força Aérea Brasileira como sargento radiotelegrafista; pedi para ser enviado à Eurc^ja, integrando a tropa" expedicionária brasileira, mas, em ver. dlssp, me mandaram para a Base Aérea de Salvador, na Bahia. Foi lá que estabeleci ligação com os dirigentes da organização comunista regional, e formei na Base um grupo comunista, passando ao mesmo tempo a escrever crônicas políticas num matutino de tendência liberal, O Imparcial. Is.so me valeu a antipatia e a perseguição sistemática do comandante da Ba.se e uma severa advertência do General Dermeval Peixoto, que comandava a Região Militar. Desprezando imprudentemente e.s.sa advertência, continuei a publicar crônicas esquerdistas até que fui convocado ao QuartelGeneral da Região, onde compareci à paisana e onde o General — que ignorava minha condição de militar, porquanto, servindo na Aviação, não me encontrava sob seu comando — verberou o esquerdismo de meus artigos e ameaçou-me de processo e prisão. Obtive entStt transferência para a Base Aérea de Fortaleza e depois para a do Recife, continuando nessas duas capitais a escrever artigos e.squerdistas. a recrutar é organizar em células os militares que mostravam simpatias por Prestes ou pela URSS. E chegamos a 1945. com a derrota militar da Alemanha nazista, o restabelecimento no Brasil das liberdades democráticas, a anistia para os presos políticos e a legalização do Partido Comunista, que passou a se organizar « crescer frenêtlcamente. Nas eleições gerais de fins daquele ano, obteve 600 mil votos para o candidato que apresentou à Presidência na República o que significava I0':c da votação total. Elegeu 14 deputados federais e 1 senador (Prestes). Posteriormente, nas eleições estaduais de 1948, foram eleitos, na legenda do Partido Social Progressista íPSP) mais dois deputados federais, os dirigente» Diógenas Arruda e Pedro Pomar, além de numerosoa diiPuUdoa MtaàUAii • Tir«t4o- Embora os golpes sofridos — • cisão, a quebra do encantamento que exercia sobre os militantes, o relaxamento forçado da disciplina de ferro e do terror ideológico, que o tornavam um bocado monolítico — o PCB ainda é um fator a ser levado em (K}nta. Capitalizando para a sua propaganda os êxitos científicos da União Soviética 'da mesma forma que os integralistas outroí, . ' ;, dos *xit»^ 1^' Vi Alrijpiinii , tia InliUéncla que lhe confere a situação de fato de Embaixador da URSS e da China e organizador das delegações de vi.sitas àqueles países, o PCB poderia continuar a viver ao menos em conseqüência e em função disso. Mas êle também sê aproveita do fato de que é uma organização de ativistas em permanente funcionamento, ao passo que os filiados aos demais partidos só atuam nas vésperas de eleições; de que os partidos Socialista e Trabalhista brasileiros não têm ainda um programa em que os trabalhadores vejam nitidamente refletidos seus interesses e reivindicações, ao que o PCB possui um prores i s câmaras municipais. As. pas.so grama radicai, que as mas.<ias, inscrições partidárias eleva- em de desespero, poram-se em pouco mais de um dem momenlo mesmo com preano a quase 200 mil membros. juízo aceitar, dns liberdades; de que as Cometeu, porém, o PCB uma quotas de sacrifício impostas série de erros grosseiros e po- pelo desenvolvimento econômide assim ser derrotado, com a co não são equitativas, pesando cassação de seu registro eleitomuito mais sobre as classes poral cm maio de 1947 e, meses bres e intermediários da sociedepois, com a cassação dos dade, enquanto que a inflação mandatos de todos os seus e a corrupção geram, ao calor parlamentares, exceto os dois dos favores oficiais, grandes eleitos na chapa do PSP. foni.-lhas de novos-rlcos — o que também trabalha em favor Eu atravessei esses dois anos do PCB. cujas soluções são rede legalidade comunista mulprováveis, mas muitas de cujas tando ativamente nas fileiras criticas são justas e aceitas pedo PCB. Em começos de 1946, lo povo. ao obter licenciamento das forcas armadas, saí de Recife e O agravamento de todps esses fui para o Rio, onde ingressei erros, aliado a certas circunsImediatamente como repórter tâncias internacionais, podena Tribuna Popular, d i á r i o riam transformar novamente a fundado pelo PCB. Até fins de seita pecebista numa poderosa 1947 trabalhei também em oue influente organização de mastras empresas jornalísticas do sas. Mas se, advertidos pelas Partido e na Secretaria Geral freqüentes explorações de redo Comitê Central. Em Janeivolta popular, os governantes do ro de 1948, encontrando-se o País corrigirem os abusos que PCB na clandestinidade, fui praticam ou consentem em dechamado para dirigir o escritrimento dos trabalhadores; se tório da P^ração Parlamentar, o processo de industrialização que antes funcionava como asnacional vencer, como decerto sessoria dos deputados comuVencerá, esta fase critica ein nistas, mas que agora, restanque ainda consome quantidades do na Câmara iòmenle os dois colos.^mis de divisas, em lugar que acima mencionivmos. se de produzi-las; í>e, como há inhavia transformado praticadícios, a estrutura dos partidos mente no escritório da Secrenão rí.sisiir ao impacto da pretaria Geral do Partido. Além sente cíijnpnnha eleitonil, deterdisso, pas.síi a atuar como seminando modificações que facicretário de Arruda, subchefe litem o desenvolvimento e unido PCB e já então, na prática, ficação de forças políticas satitular efetivo daquela Secretadias, já' náo haverá o perigo de ria. Es.^ia e.stranha figura, que que o totalitarismo se abata sopovoará muitas das paginas sebre e.sta Nação. lia veremos de guintes, procurava em t u d o alcançar, por vias democráticas, imitar Stalin. desde o tipo de o enriquecimento de nosso povo bigode e o modo grosseiro de e a supres.são à\s injustiças sotratar os camaradas, até a haciais. Então, dentre as forças bilidade com que, a partir de políticas em que se dividir "^a 1948, montou sua própria másociedade brasileira, o PCB sequina no PCB, convertendo-se rá apenas uma fração despreem ditador Inconteste des.sa íível. organização. 2. O HOMEM DO APARELHO A ilegalização do PCB foi recebida com surpresa por seus dirigentes, que nela não acreditavam. Daí o despreparo em que se viu para voltar i. clanImpossível precisar ó dia. destinidade. O próprio PresRecordo-me apenas que foi tes escapou de ser preso, mais em 1953. na segunda quinzena de uma vez, naqueles dias, por de agosto. Impossível precisar mero acaso. Certa noite teve tampouco em que Estado do de fugir pelos fundos da casa Brasil me encontrava eu — em que se achava rer.nido com Rio de Janeiro, Minas Gerais a l g u n s correligionários <um ou São Paulo. Recorda-me apartamento térreo na Rua apenas que o lugar distava Dias Ferreira, no Leblon, que umas quatro horas do Rio, de era habitado pelo d i r i g e n t e ' onde eu partira em automóMaurício Graboisi, tendo salvel, certa noite, fazendo todo tado vários muros com uma o trajeto em alta velocidade, agilidade de adolescente. E at os olhos fechadas, como de escapou da polícia porque foi praxe. Agora achava-me em abrigar-se no Hotel Glória, no melo de vasta chácara, no apartamento do então Depuquintal de uma casa que era tado Otávio Mangabcira, que peça integrante do aparelho telefonou para o Presidente da clandestino do Partido. Por República, General Dutra, proaquela época servia de sede a testando contra a perseguição mais um curso de 15 dias. de policial a um senador. marxismo-leninismo, do qual participavam umas trinta pesNumerosos militantes, funsoais, em sistema de internato. cionários remunerados do PCB, Mesmo sem ser aluno, desemficaram em casa longo tempo, penhando então outra tarefa, sem ter o que fazer, à espera eu me enquadiava nn regime de ligação com os dirigentes, vigente, «judando nos .serviem pleno ócio intranquilo. Só ços doméstlcoí, dormindo em um setor permaneceu íunclomtMru M ahta • «atruute B&ad> ftttvuncnta, • 4» im- mtmm^ na escaja dê plantonlstas que se revezavam durante a noite, armadoa ou desarmados, conforme o caso. titentos a quaisquer ruídos ou fenômenos e.stranhos que sursissem. Fazia unia semana oue eu havia chegado ali e minha tarefa e.stava quase concluída. Encontrava-me no momento folheando o Que Kaieí? de Lènin, em busca de uma citação para intercalar no trabalho -^ que eu reelaborava e dactilografava — de um dirigente do PCB. O dono do trabalho arrastou a cadeira para junto de mlin, falou: — Como vai isso? — Terminando... eie abaixou a voz, prosseguiu: — Escuta aqui, tu fõgte a Viena, há alguns meses, para o Congresso da Paz; naturalmente teu pai3saporte está em ordem, não está? Bem, então vai-íe preparando discrietamente (cuidado, não deixa tua companl«ira perceber!) porque dentro de uma ou duas Lieinanas vais embarcar para o exterior... Fêz um Instante de xuspense e logo. como quem oferece o paraíso numa bandeja, esclareceu, balançando a cabeça: — Vais para URSS. Tentei dissimular a felicidade que me banhava a alma. E perguntei quanto tempo iria ficar por lá. Gle franziu a testa, impeliu para cima, com um movimento do queixo, o lábio superior, coberto pelo bigode largo e espesso, fêz um gesto vago com a mão direita: — Uns dois ou três anos... Levantou-se. estava feita a comunicação, saiu. Eu fiquei desarvorado e só. Era de tarde e fazia sol, mas nesse momento tudo me pareceu escuro e confuso. Conhecer Moscou, a Meca do comunismo internacional, era a grande aspiração acariciada por todos nós. È esta possibilidade agora me Inundava de alegria. Mas eis q^ue, ao mesmo tempo, em sentido contrário. Intervieram outros sentimentos. É que, estreitamente vinculadas a mim pelo amor, pelo contato diário, por um hábito de convivência que se transformara em necessidade, exiistiam duas pessoas — minha filha, de três anos de idade, e a mulher com quem me casara fazia quatro anos, e a idéia da separação provocara em' mim uma angústia sufocante. Devo esclarecer que desde piultos anos antes eu me achava voluntariamente submetido fc rígida disciplina partidária e procurava colocar sempre os Interêsaes do Partido acima de meus interesses pessoais. Que ofereci muitas provas difuo, ninguém poderia negá-lo. Algumas vezes aconteceu-me deixar minha mulher em casa, ã noite, doente « sem dinheiro com a criança pequenina, e lair para executar tarefas do Partido. De outras v e z e s , «chando-me em casa, recebia um ponto (chamado para encontro com algum camarada na rua ou num apartamento ou num automóvell e saía, supondo t dizendo que voltaria -111 t c n i p o p:i)i> i.lmo**!» •• *-fí-*"" «aparecia durante uma semana ou um mêi, tendo levado apenas a roupa do corpo. Mas quando regressava, o cabelo cobrindo as orelhas, o corpo «ujo, a roupa suja, os dentes amarelecidos pela falta de escova, cansado dSâ noites mal dorhiidfts no chão duro. mas com a tarefa executada, havia em noisso quarto e em nossos coraç6es o alvoroço das alegrias puras. Eu cuidava de preparar o espirito para o pior — prisão, tortui;as físicas na Polícia, a morte num comício dissolvido a balas ou em outras circunstâncias oferecidas pela militança no Partido. Mas tudo isso poderia ocorrer como contingência da luta em que me achava empenhado. Agora era diferente: devia separar-me, por «nos a fio, das pe.ssoas a quem mais queria, e isto sem ser imposto pelos Inimigos, mas pelos próprios companheiros, InterrogaVa-nic a mim mesmo: por que não mandam para essa tarefa pessoas solteiras ? Ou, então: por que não enviam também minha' companheira ? Ela trabalhava ativamente no Partido e sempre deu prova, de combatividade, realizando tarefas aniscadas, portando-se com bravura ante a polícia e no cárcere — por que não irmos Juntos? Assim também pensava ela, Eu Jhe mentira que ia em viagem semiclandestina pelos países latino-americanos, recolher material para uma série de reportagens; que voltaria dentro de seis meses, talvez mais. Ela não se conformava de modo Bjgum e me dizia que cumprir essa ordem significava abandonar a família, sem razão política aceitável; que Prestes, quando veio de Moscou para comandar a insurreição comunista de 1935. trouxe consigo a esposa. Estávamos, pois. de acordo, mas não lhe quis manifestar minha opinião, para não me opor a uma ordem da Direção. Ao contrário, tratei dé defender, perante ela, a iusteza dessa medida, e liquidei o assunto, fingindo-me Irritado e acusando-a de incompreensão política. Para mim era doloro.so fazer isso, mas só me restava uma coisa: trincar os dentes e fazê-lo. Confesso que durante alguns segundos embalei-me n u m a ilusão ebsurcfn: não aceitar a tarefa. Aparentemente, eu era livre de cumpri-la ou recusála. Decerto, há circunstâncias em que a pessoa ê coagida a praticar um ato contra sua vontade e a.tê mesmo contra sua consciência. Pode acontecer que o filho seja moralmente forcado a agir assim, sob imposição da autoridade paterna. Mas eu não era menor, nem o homem que me falou era meu pai: nove anos antes, eu Ignorava até sua existência. Pode acontecer também que o militar leja dlsciplinarmente forçado, sobretudo em tempo de guerra, a entrar numa embarcação, por exemplo, sem sequer conhecer qual o destino. Mas eu não era militar, nem estávatinox em estado de guerra. Pode acontecer ainda que a pessoa, para não perder uma situação econômica vantajosa, se submeta a uma imposição semelhante. Mas eu ganhava, como funcionário do Partido, infinitamente menos do que poderia ganhar exercendo minha profissão na vida civil. Enfim, não se configurava ali nenhum dos casos típicos. Entretanto, se eu cheguei a vacilar alguns segundos sobre a aceitação da tarefa, o mesmo não aconteceu ao indivíduo de bigode largn: êle finh» absoluta certeza de «ui Ml a aMltarU • pára IMO limitou-se a comunicar quando eu deveria partir. Com efeito, maior que a autoridade paterna, mais rígida que a disciplina militar, mal: eficaz que a coação econômica eram a autoridade, a disciplina e o poder coativo desse indivíduo. Porque éle manejava uma das máquinas mais eficientes que os homens inventaram para despersonalizar os próprios homens: o Aparelho do Partido Comunista. Com esse fim, o Aparelho põe em funcionamento, quando necessário, as seguintes engrenagens: 1) o apelo & mística partidária; 2) o terrorismo ideológico; 3) a pressão das opiniões coletivas de grupos partidários e periféricos; 4) a ameaça de expulsão e, em certos casos, de violência física; 5) os canais de difamação. Pode-se imaginar, portanto, como é difícil, dificílimo mesmo, a um militante comunista que faça parte do Aparelho, opor-se a suas decisões. Esse militante, em geral, é uma pessoa sem vontade própria, nem consciência própria. Não se pertence: de unidade (indivíduo) converte-se em parcela Inseparável de uma entidade (o Partido). Em suma, o homem do Aparelho é, espiritualmente, um alienado. E eu era um homem do Aparelho. I - A ESCOLA DA REVOLUÇÃO A Eac»ta, em Moscou, para a formarão de revolucionários de tipo bolchevista, não se restringia ao ensino dos fundamentos teóricos do Biarxismox-leninismo. Através da pressão ideológica e do próprio regime de internato, onde se fazia a apologia da obediência cega, e o endeusa mente de tudo que fosse soviético, buscava-se transformar c a d a aluno num indivíduo. despersonallzado, sem quaisquer Interesses ou vontade que não fossem os Interesses e a vontade da direção do Partido; que aceitasse voluntariamente uma disciplina «upermllitarizada, sendo capaz de cumprir, sem vacilar, as ordens mais absurdas; que não tentasse pensar, a não ser por melo de chavões, para evitar desvios da linha do Partido, fixada pela direção suprema; que considerasse a f I d e lidad* «nte a URSS e o PCUS coma "a pedra de toque do Internaciònallsmo proletário", conslituindu-se dentro de MU próprio partido num homem de Moscou. ]. Mifisão em Moscou Que íamos fazer em Moscou? Aprender a arte da revolução Lenin dissera: "Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário". Stalin disseraA prática, sem a teoria, é cega". Essas frases lapidares cir'^"'avam nos meios dirigentes do '"' • 19,51. S('>;\iiniln oes soviéticas, 1' .,..:.ir amplos recursos na criação e funcionamento de uma rede de escolas. Nelas davam-se cursos, em sistema de inttrnato. cuja duração variava de três dias a três meses. ^ Nesses cmtsos transmltlfl-se a experiência de funcionamento da maquina partidária, forneciam-se rudimentos de economia política e filosofia, tudo rigorosamente de acordo com os compêndios .soviéticos. Em alguns deles, jmarginalmente, ensmava-se a fabricar bombas Molotov, a enfrentar a cavalaria jogando punhados de cortiça no chio para que os animais escorfcgassem e caíssem, outras l i ç o * mais de lutas de rua. Mas o principal era sempi* o aprendizado da teoria Em 1954, no IV Congresso do PCB, um dps participantes — figurando oom o nome-de-guerra de SabihO Bahia — dava o .seguinte balanço dé.sse traballio (ver o n." 64 de Problemas. revista teórica do Partido)- "A partir de 1951, até agora, passaram pelos cursos elementares do Partido, de 4 e menos dias I 960 alunos; pelos cursos médios, de 6 (| 15 dias, 1 492: e pelo curso «uperior do Comitê Central, 554 ^ilunos". Mas esses cursos formavam apenas os cabos e sargentos do exército revolucionário. Os elementos mais categorizados, as quadros da oficialidade deveriam sair da Escola do PCUS. Os soviéticos consideravam o PCB como um dos partidos mais capazes, na América Latina, de realizar a revolução social. Era o partido mais numeroso desta região, tinha pas.sado pelo "ensaio geral" de 1935 (comparação da insurreição comunista brasileira de 1935 com a revolução ruisa de 1905. da qual afirmara Lênin ter sido o "ensaio geral" para a revolução de 19171. po.s.suía o único dirigente , • - - • : • - ' a latino-americano • com prestigio e.xtrap i.^to é. entre grandes massas populares, dava mostra de combatividade, estava apoiado diretamente no proletariado e scBUia fielmente as recomendações do PCUS. Só lhe faltavam, pois,/ao PCB, quadros marxistas-Ienistas devidamente prepaiíidos. Esse ''apoio direto no proletariado'' corria por conta das mentiras pregadas em Moscou pelos dirigentes peceblstas e ratificadas, indiretamente, pela policia brasileira, com seus exageros em relação à força dos comunistas. Segundo os emissários do PCB a Moscou, todas as greves, passeatas e outras manifestações de trabalhadores ocorridas no Brasil eram dirigidas pelas organizações comunistas. É certo que em muitas greves surgidas espontaneamente, eles conseguiam penetrar e assumir a direção: é certo também que eles forjavam greves artificiais, fazendo parar aventurelramente uma seção de fábrica ou toda uma fábrica, com argumentos de pistoleiros, isto é. apontando revólveres para os operários: era o que eles mesmos chamavam "arrancar greve", í certo até que comandaram greves de justas reivindicações. Entretanto, muitas vezes o desencadeamento dessas lutas se dava à sua revelia, constituindo mesmo vergonhosa surpresa para eles. RecordO-m« perfeitamente de uma reunião clandestina do' Comitê Central, de fins de março para começos de abril de 1953, perto do Rio. De repente, .soube-se pelo rádio que 300 mil trabalhadores paulwtanos, ou seja, a totalidade do proletariado da Capital de Sãn Paulo, Mtavam «m tr»v Mral e faziam formidáveis demonstrações de rua. Pois bem. oa principais dirigentes comunistas de São Paulo encontravamse nessa reunião e, tendo vindo de lá poucos dias antes, nem sabiam que tal greve estava sendo articulada. "Tiveram de abandonar precipitadamente a reunião e voltar correndo a seus postos, na vã esperança de aproveitarem o movimento e assumir-lhe a direção . Não tardou, contudo, a seguir um emissário a Moscou com um relatório sobre a greve, pintada de tal modo que entusiasmou até ao delírio os mentores soviéticos do PCB. E o emissário, de toma-viagem, trouxe a seguinte opinião, algo acaciana, que era comentada festivamente nos círculos dirigentes: "Se esse movimento tivesse contado com o apoio de parte substanciai das massas camponesas do Brasil e de sua pequena burguesia urbapa, Vargas teria sido posto abaixo". Essa idéia da derrubada revolucionária do Governo causava frenesi nos presentes, e para revigorá-la, o dirigente ajuntava com fingida modéstia e genuíno servilismo: "E quem diz isso n i o somos nós; sfio os camaradas soviéticos, que sabem onde têm o nariz". Um mês depois, em maio, o Secretariado do PCB rediniu e publicou no número 53 de Problemas um manifesto sobre a greve, com a assinatura do Comitê Central e com a falsa data de 4 de abril. Quem lesse o manifesto hoje em dia pensaria que fôra redigido e publicado no • decorrer da própria greve. Iniciava-se assim: "Saudemcs calorosamente o heróico proletariado de São Paulo que se levanta neste momento contra a miséria e a fome e enfrenta com coragem e decisão a política as-sassína de Getúlío e Garcez. Uma onda de indignação popular varre o País inteiro, de Norte a Sul, contra a polícia de guerra, de traição nacional, de miséria crescente e de terror policial de Vargas e demais politiqueiros que o apoiam". E concluía clamando: "Por um Governo democrático-popular!" Pizer;^ isso naturalmente para qiíe, no futuro, constasse dos anais revolucionários ter sido o PCB o dirigente dessa luta e para coonestar o relatório mentiroso e gabola apresentado aos soviéticos sobre o assunto. E essas falsidades náo eram inúteis. Por elas se convenceram os burocratas do PCUS de que os comunistas brasileiros poderiam reaUzar a revolução dentro em pouco. Tratava-se, pois, de ajudar a formar urgentemente os necessários quadrois, armadas da teoria marxista-leninista, da experiência tática e estratégica das lutas revolucionárias, capazes não só de abalar e faíer ruir, através da agitação, da propaganda e de vigorosas ações insurrecionais, o regime vigente no Brasil, como também de erguer e consolidar o novo regime. Daí que tenham decidido chamar nova rurma de coimmiítiis para outro cu;.iü eu. Moscou, Em certo sentido, eu diria que nossa turma foi fruto daquele movimento operário de São Paulo. Com efeito, não tardaram a se iniciar os preparativos para nosso embarque, que se efetuou quatro meses após a greve. Vários militantes receberam ordens de providenciar para s; mesmos os documentos rotineiros que todos os cidadãos possuem, tais como certidão de idade e certificado de reservista das Forças Armadas, para com eles, cm seguida, obterem hpus passaportes. Mas os dia.-! se passavam c alguns dèssM camarada? não consep;uiam desincumbir-.=e da tarefa. A Direção resolveu, por isso. entregar-me a solução do caso. Frisou que esse pessoal precisava viajar logo. se bem que não di.s.í;esie para onde. Mais de vinte pessoas me foram apresentadas para esse fim. E cada qual tinha seus problemas: umas estavam processadas e não podiam pi-atl-ar a peouena formalidade de ir até o Departamento de Ordem Política e Social, na Policia Central, a fim de serem interrogadas, pois tanto podiam sair de lá com seus passaportes, como ficar encarceradas: outras não eram reservi?taa nem estavam dispensadas do serviço militar: e a"gumas nem existiam civilmente. pois não possuíam documento oessoal algum, nem mesmo a certidão de nascimento. No desempenho dessa missão, passei a trabalhar e « me movimentar como um :ouco, apelando para advogadcs. escrivães, juizes e funcionários de diferentes repartições, que fossem amigos ou membros do Partido; e as dificuldades me assoberbavam. Ao mesmo tempo, através de um despachante que me auxiliou ues.se periodo. fui descobrindo que o caminho mais fácil era o do suborno a funcionários. Adquiri, nesse sentido, uma experiência notável, convertendô-me em poucos dias num dos mais d e s e m baraçados corruptores desta praça. Se o juiz dificultava um despacho, eu lhe pedia humildemente que o apressasse, mesmo que fô.s«e necessária alguma despesa extra (e é'.e K^ vezes me remetia ao escrivão, que aceitava o dinheiro e logo obtinha o despacho): se o policial insistia em que aquele romuna devia comparecer ã Ordem Política, porque o. caso dele era sério, eu enviava alguns milhares de cruzeiros, em lugar do comuna. e ' o pfs^aporte era liberado. Um dta perguntei ao funcionário de certa repartição: "Em quanto tempo o Sr. me dá esse documento? E quanto custa?" E êle me respondeu: "Bem. como o Sr. é recomendado de meu .amigo Fulano, vou ser franco: pela lei nós temos o prazo de um mês para entregá-lo e custa 50 wuzelros: mas, o Sr. sabe. em cada mesa põe-se, uma pedra em cima e o papel vai-se atrelando, de modo que só sai mesmo no prazo de uns três. meses .• Agora, se o Sr. me dá mil cruzei-os eu o entregarei amanhã ao meio-dia, O Sr. tem que me dar o dinheiro adiantado, porque ê com éle que eu vou levantar as pedras que forem pondo em cima do papel, mas esteja tranqüilo, pois eu sou. graças a Deus, um cidadão honesto. Pode vir amanhã ao meio-dia". Dei. fui no dia seguinte, e o honestíssimo cidadão Já me esperava à porta, dr documento em punho. Deesa forma, fui-me desinrumbindo com êxito da deeatradivel tarefa. 12 BfS 3." r;ifl.. .fornal dn Brtíil. Domin|o, 21-8-69 A^J,P)iO X<í«.0. 6s-|, ^ C l . 4 / g , p.5. A Escola de Revolucionários da URSS e o cHefe russo do PCB .V- 04 ! ) : • . Dv Oi \. ; • * • UC M- •..;j ot. ..1' • i»i. •. ^ • ',' .."''«,,'• DK l.!»- :• mpfí. •• -tRi.» ' '•' ; • •V ' » • > Í : - , • !• • , ••••• i ri A Escola de Revolucionários da URSS levaria, primeiramente, a tristeza e depois a decepção a uma parte do grupo brasileiro que lá fora aprender como se muda o regime. O JORNAL DO BRASIL continua hoje a transcrição de trechos do livro do jornalista Osvaldo Peralva, O RETRATO, em que o ex-membro do PCB continua narrando os acontecimentos que o levaram a abrir mão das idéias por que tanto combatera. Ainda hoje, Peralva, que terá seu livro lançado em breve pela Editora Itatiaia, narra episódios da Escola de Revolucionários. Ui. •}, N u m t dewas tardes moscovitas morlainiente cinzentas, faltamos dos dois aviões que nos conduziram de Praga. No aeroporto, esperando-nos, Koriònov e seu subordinado Andrel Mikhállovitcli Sivolóbov. Era em setembro de 1953, faíia frio, porém mais fria que o tempo foi a recepção. Não houve sorrisos, nem cordiais boas-vindas, nem qualquer gesto fraternal. O ambiente era o de um pátio de quartel. Ordens ríspidas e curtas cruzavam o ar, e nós agarrávamos a bagagem e seguíamos o chefe mais imediato, um brasileiro, flue por sua vez seguia Sivolóbov, que iti a n á a úo Kuin>"t>v. E quando este, sem se voltar, deu as últimas ordens e partiu em seu automóvel — ordens slbilantes, numa língua que nós náo entendíamos — nosso grupo, mudo e atônito, entrou no ônibus e lá se foi, sob o comando de Sivolóbov, como que para o campo de batalha. Passamos por algumas casas Isoladas, por um homem t a n gendo mansamente duas vacas, divisamos adiante grandes blocos de edifícios, penetramos na cidade, atravessamos o centro, vimos as torres do Kremlin, continuamos, d e i x a m o s para trás algumas aldeolas, até que, com o adensamento das primeiras sombras da noite, ura vasto portáo se abriu, nos tragou e rangeu atrás de nós. Era ali a Escola. Picamos todos muito orgulhosos, decerto, com a condição de alunos de "ciência da revolução proletária". No íntimo, alguns de nós chegamos a abrigar a ilusão de que, com os eflúvios leninistas emanados da Escola, faríamos saltar em pedaços, quando aqui regressássemos, os alicerces do regime. Outros eram menos otimistas. Rccordo-me que uma vez, ante R bulha que se estava fazendo, cm certo intervalo das aulas, Felipe, um dos dirigentes do coletivo, comentou comigo, sorrindo um tanto cético: — Os camaradas soviéticos, vendo toda essa algazarra, hao de dizer com seus b o t õ e s : "Esses piroquetes (*> brasileiros váo fazer revolução coi.sa nenhuma!" Mas equivocava-se. O próprio Korlflnov, alto burocrata do C o m i t ê Central do PCUS, manifestou, n u m a saudação que nos féz no encerramento do curso (que durou ano e meiol, sua confiança em que cumpriríamos nossa, honrosa e histórica missão". E Sivolóbov, auxiliar de Koriônov, não estava menos confiante, segundo se podia depreender de uma conversa que teve conosco. Durante o banquete de nossa formatura como "marxistas-lenlnistas", é\e praticara uma grosseria e, ao que parece, desejava desfazer a má impressão deixada em nós. Estávanic.<i todos muito alegres e ruido.s<;5, erguendo brindes, falando alto. náo porque Já nos sentíssemos capazes de efetuar ,i revolução bolcheviata no Brasil, mas simplesmente porque se aproximava o dia do regresso i, Pátria • ao selo da família — por mais burgueses ou peauenoburgueses que fossem tais sentimentos. Mas Sivolóbov teria interpretado mal. Supun h a que aquele ruído todo era produto da auto-suficiéncia, do orgulho de quem se julgasse mestre n a arte revolucionária, no manejo do leninismo. E r e solveu lançar um jato de aizua fria sobre aquela ebulição tropical. Mobilizou o tradutor espanhol Perez, e começou, cora sua voz lenta e pastosa: Mnoga xuma iz nitohevô... (Munto barulho em torno de n a d a . . .^ Perez traduziu, Sivolóbov limpou a garganta. Houve uma pausa, fez-se um silêncio profundo. E êle prosseguiu, referindo certa parábola que n e nhum de nós entendeu e n a qual se falava de uma pedra çue rolara da montanha, rolara, rolara, se desgastara e s« íôra polindo. Segundo Pérez, era a terceira vez que em b a n quetes aemelhantes Sivolóbov uiava essa - parábola, m a s o 9 próprio Pérez confessou que, embora traduzindo-a ao pe da letra, jamais compreendea tooo o seu sentido. Imaginava, iio entanto, que encerrasse boa lição de moral afirmou, esboçando um sorriso. De todo modo, o banquete tei'minou melancòllcamente. Ainda bem que havia o baile, na outra sala, e fomos dançar. No dia seguinte, Sivolóbov aproximou-se cordialmente de um grupo nosso e começou a distribuir, à queima-roupa, elogios gratuitos. E n a l t e c e u a, grande vocação de um para a economia política, a de outro para a filosofi.i. a rip um terceiro para o aprendizado do r u s s o . . . Em seguida, falou cie nossa responsabilidade na revolução brasileira. Sabia, peb.í biografias nossas que éle possuía no Comitê Central, em que Estado nascera ou atuava cada um de nós. — Breve vocês estarão dirigindo as lutas das massas trabalhadoras no Brasil — disse. — E quando eu receber a informação de que tu, Sniégov, estás à frente da luta em Pernambuco, ou tu, Viçok, estás comandando os favelados do Rio, ou t u . . . (e ia citando os nomesde-guerra, quase todos cm TUSSO, que nos deram logo após a nossa chegada a Moscou) — então estarei tranqüilo, porque sei que a revolução estará ern boas mãos. (•) Termo pejorativo, da gíria partidária, significando iiiilitante pouco sensato e pouco sério em sua atividade. Corruptela da palavra espiroquet a : micróbio de forma helicoidal. flexível, com movimentação própria, segundo explica o dicionário. 3. o CHEFE (RUSSO) DO PCB Quando se verificou a rebelião no seio do PCB. aí pelo segundo semestre de 1956. um companheiro do Comitê Central, Que lutou conosco contra a política dos dirigentes de entio, relatou-nos um fato pitortsco. E s s e companheiro, cujo nome de guerra era Batlm, muitas vêzea vira retornar de Moscou um emissário do PCB, entregar uma carta a Arruda e este, ao abri-la, exclamar com um ar entre emocionado e misterioso: — É do camarada Silva! Os circunstantes não perguntavam quem era o camarada Silva, mas tratavam de adivinhar, e guardavam, ante aquela exclamação, um silêncio carregado de respeito. "Silva — dizia Batim com seus botões — é o camarada Stalin". Essa suposição se robusteceu quando, em começo de 1953, estando Stalin ainda vivo, houve uma reunião do Comitê Central do PCB para a primeira discussão do projeto do Programa, que aliás só veio a ser publicado em fins daquele «no. Ne.ssa reunião, Diógenes Arruda, que estivera em outubro do ano anterior na União Soviética, como delegado ao X I X Congresso do PCUS. declarou que as teses centrais do programa brasileiro (•) foram elaboradas pelo próprio Stalin, tendo Prestes dado apenas a forma verbal do documento. De pé, quase no meio da sala, com a barba por fazei', os cabelos cuidadosamente amarfanhados, a camisa de um tecido grosso de xadrez displicentemente caída por fora das calças. Arruda aparecia assim como a própria figura da simplicidade comuniista. E ei-lo que de súbito abriu um caderno « ammclou a leitura das respostas dadas por Stalin às perguntas que lhe formulara. A platéia, quero dizer, o plenário, pendia de suas palavras. O artista tossiu um pouco, limpou a boca n a manga da camisa, começou: — Eu p e r g u n t e i . . . (lia uma >ergunta) e o camarada S t a in respondeu... (Ha a respost a ) . Entáo eu tornei a perB u n t « r . . . (lia outra pergunta) f 4 'S e o camarada Stalin respond e u . . . (lia outra re.spostat. E a cada resposta. Arruda fazia um gesto com a mão e dava entonação diferente à voz. como a repetir o gesto e • própria voz de Staliti. Aquele, para nós, foi um momenio de mística felicidade. Acabáramos de escutar a reprodução de ura diálogo entre duas potênoia» partidárias, atravée de uma conversa do grande AiTUda com o Imenso Stalin. Quanto a Batlm. náo teve mais dúvida.^: para éle. o Silva, que se correspondia com Arruda, era o próprio Stalin. Mas Stalin morreu e Arruda continuou a receber cartas, nnunciando entre emocionado « misterioso: — É do camarada Silva! Aí Batim ficou e.stupefatu: pois o Silva, i.sto é. Stalin. não tinha morrido? Ah. desconfiou: Silva é o p.seudónimo do chefe do Partido, do Secretário Geral do PCUS. seja éle Stalin, seja Malienkov. Somente em janeiro de 1956, ao chegar á capital soviética, como delegado fraternal du PCB ao XX Congresso, é que Batim pôde conhecer o verdadeiro Silva. Era um homem de cara sardenta, com jeito de camponês, altura mediana, n a casa dos quarenta, a fala pa<stosa, engrolando um espanhol de estudante do primeiro ano. Arruda féz as apresentações: (•) Eram quatro as teses principais: 1. Concentrar o fogo oontra o imperial^mo americano e não contra todos os imperialismos: 2. Não preconizar a nacionalização da terra, que deveria ser tomada aos latifundiáiios, e distribuída aos camponeses; 3. Anunciar que seriam confiscados somente os capitais e empré.sas dos grandes capitalistas aliados aos Imperialistais americanos: 4. Apresentar a palavra de ordem de conquista de um Estado democrático-popuJar. — Batim, aqui o camarada Bilva. E vendo o pasmo na caia de Batim, acrescentou : — O camarada Silva Lobo. Ali estava, em carne e osso, • chefe (russo) do P a r t i do Comunista do Braisil: nem Stalin, nem Malienkov, mas simplesmente um funcionário da Seção Estrangeira do Comitê Central do PCUS — Andriei Mlkhailovitch Sivolóbov (•). Era com éle e não com Stalin que An-uda se entendia; era dele e não de Stalin que recebia instruções. A cena das perguntas e respostas, na reunião do CC do PCB, não passou de uma farsa. Parece certo, no entanto, que as teses centrais do programa do PCB são realmente soviéticas, obra talvez do próprio Stalin. A elas, sobietudo, é que se referem as palavras de Prestes, escritas por ocasião da morte do tirano soviético: "Os ensinamentos que tivemos a ventura de receber do camarada S t a l i n . . . " . Mas é certo t a m bém que não foram transmitidas dii-etamente a Arruda pelo senhor do Kremlin, que não costumava rebaixar-se a t a n to. Não me confessou o mesmo Anuda, anos mais tarde, que não tinha a honra de ser recebido sequer por um dos mais obscuros do CC do PCUS? V e a honra in»:firTra- em B«r recebido pelo chefe de Sivolóbov, o Príncipe Koriônov? Falar de Sivolóbov é falar das relações entre o PCUS e o PCB. Essas i-elaçô€vs, que ficaram interrompidas desde o Início da 11 Guerra Mundial, e de modo oficial a partir de 1943, quando Stáün mandou dissolver a Internacional Comunista (Komintern), foram reatadas em 1949, quando Arruda compareceu a um conpresso dos comunistas techecoeslovacos, em Pi'aga. Através do PC tcheco, que convidou representantes de quase todos os partidos comunistas do m u n do, Stalin tratou de recolher os fios que antigamente atavam ao Kremlin esses partidos. Dois anos antes, em setembro de 1947. ao realizar-se na cidade polonesa de Szklarska Poreba a primeira reunião do Komlnform, Andriei Jdànov, chefe da delegação russa, disse que a experiência mostrara que "um tal isolamento dos F P . CC. não é justo, é nocivo e substancialmente íal»o". Agora, além de tudo, h a via o perigoso precedente da Iugoslávia relaelando-se contra e tutela russa. Dal a urgência de vincular, de novo. diretamente a Moscou, esses partidas comunistas disseminados pelo vasto mundo. Entretanto, dessa vez a ligação não foi estabelecida. Arruda só podia tentar uma aborí^igiem aos russos, através do tradutor tcheco, o qual só podia servir-lhe de Intérprete com ordem expressa de Gemlndei', chefe da Seção Estrangeira do PC tcheco. E este teria, sob vários pi-etextos. obstaculizado e tornado impossível então um contato com os r u s s o s . Quando Gemlnder, mais tarde, foi fuzilado, j u n tamente com Slansky e outros dirigentes, sob a acusação de titismo e sionismo, An-uda me disse: "Estou vingado. Foi esse patife que sabotou a ligação de nosso partido com o PCUS". Menos de um ano depois do Congresso de Piaga. no entanto, efetuou-se a ligação. Observe-se que nes.sa época, o PCB havia sofrido sérios reveses, tendo perdido uma após outra as posições legais conquistadas nos anos de 1945 e 1946. E.síava. pois, numa predisposição natural para acatar os conselhos, recomendações, instruções e finalmente ordens vindas de Mo.scou. Era uma nova forma de trabalho para aquela direção: ser cüm.Tiidada pelos comuniistas ru;'sos, que tinham longa, rica e vitoriosa exf>eriéncia revolucionária. E.ssa experiência, reconhecida e acatada, representava uma das fontes de submi.s.são do PCB ao PCUS. Outra fonte: o apoio e.^tatal que lhe podia dar. e dava, o PCUS. proeorcíonando aos comunistas rasileiros. a seus simpatizantes e aliados, constantes viagens à Europa e à Ásia, gratuitas e com magnífico trato em matéria de ho.spedagem e de incensamento, em particular no que diz respeito aos simpatizantes e aliados. O PCB gozava assim do prestígio de genuíno embaixador de uma grande potência, que além do mais era cabeça dirigente de numerosos países europeus. A terceira fonte dessa submissão se achava na promessa rusea de ajudar, no momento oportuno, as fòi-ças comunistas brasileira."; em caso de guerra civil. Certa vez. nn E.«cola. Sivolóbov declarou, com tôdá* nn letru, Que akó Mrla úilicú aaw viar armas em meio a carregamentos de trigo, para I:inçála» em algum ponto determinado da costa. (•> Silva Lobo é mera corniptela do sobrenome de nosso personagem Sivolóbov. E Silva é a forma abreviada dessa corruptela. O fato é que desde entáo 1949-50). as tarefas principais dos conuuii.stas brasileiros passaram a .ser reflexo e parte da.s t a r e f a s internacionais; campanha.^ de assinaturas contra a bomba atômica, em favor do Apelo de E.stocolmo. reuniões naciüimis preparatórias de congiessü.s internacionuis — de Jovens, escritores, mulheres, operários, camponeses — pela paz mundial. A própria revista teórica do PCB — Problemas — converteu-se em simples boletim de traduções de artigos soviéticos. O PCB se entregou de pés e mãos at.idos ao PCUS. O .supremo dirigente dos comunistas bra^iileircs passou a ser Sivolóbov. De dois em dois meses, no máximo de três em três, mas em certos periodcs até uma ou duas vezes por mês. ia um alto dirigente do PCB transmitir um informe a Sivolóbov. Levava livros, r e vistas, materiais estatísticos. Picava por lá dez. quinze dias, e regressava com novas ordens. Passaram também a visitar a União Soviética delegações de todos os tipos — jovens, intelectuais, mulheres, juristas — organizadas pelo PCB. mediante instruções de Sivolóbov. E onde quer que estivesse, em Moscou, uma delegação brasileira, lá estava êle a procurar o secretário da mesma (que era sempre um comunista i e cobrar-lhe encomendas e informações do Bra.sil e do PCB. De.3sa época para cá (pelo menos até antes dos acontecimentos que culminaram com a cisão do comunismo no Brasil), não houve um só documento considerado de importância, no PCB. que não tivesse sido submetido á apreciação de Sivolóbov e recebido seu imprimatur antes de ser divulgado. Começou com o famigerado Manifesto de Agosto (19501, que concitava á criação da Frente Democrática de Libertação Nacional e do Exército Popular de Libertação Nacional, CO mvistas à instauração revolucionária de um Governo Democrátlco-Popular — isso num momento em que o PCB se achava em plena retirada, sob os golpes das forças políticas dominantes. Pude verificar, não só como auxiliar da direção do PCB no Brasil, como na Escola em Mcscou e depois no Bureau de Informação, era Bucareste, a que grau de subordinação tinham chegado as relações do PCB com o PCUS. Antes de partirmos para » Esoola, recebemos instruções terminantes de dar todas as informações pedidas pelos soviéticos sobre tudo e sobre todos, e ao mesmo temoo de nada revelarmos a outrcs partidos comunistas. mesmo aos das democracias populares. , ^ — Nosso partido não tem segredos para o PCUS — disse Arruda. Relatórios mlnuclo.sos eram IUÍUCI-HÍÜS .T Sivolóbov. tíinto sobre o trabalho interno do PCB, como sobre seu trabalho nas chamadas organizações de massa — sindicatos, a.ssoclações profissionais, culturais e outras semelhantes. De uma feita, assisti a Arruda fornecer a Sivolóbov, verbalmente, as mais recentes ocorrências na organização partidária, quem era o novo secretário político do Comitê Regional de Piratininga (em S. Paulo), por que o outro tinha sido afastado: quantos novos membros foram recrutados no Distrito Federal, e assim por diante. Assisti também a Sivolóbov dar Instruções a Arruda sobre o desencadeamento desta ou daquela campanha, sobre a organização desta ou daquela iniciativa. Numa das reuniões em que participei, em Julho de 1956, Sivolóbov deu as seguintes instruções, que Arruda me mandou anotar: li Enviar-lhe materiais sobre a história do Brasil, relacionados com a questão da terra no Início da Colônia, com a escravidão e O feudallsmo; 2) Preparar e enviar-lhe um estudo sobre a Indústria de Instrumentos agrlpolas no Brasil; 3i Preparar novo congresso de emancipação nacional; 4) Preparar um congresso do Movimento Nacional Popular Trabalhista, com participação da Liga de Emancipação Nacional e da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas Brasileiros: 5) Elaborar um documento )rogramático para o campo, evantando reivindicações que Íinteressem às várias camadas do campeslnado, inclusive a construção de uma indústria de Instrumentos agrícolas (aproveitando para isso Volta Redonda) e uma indústria de adubos. Naquela mesma Apoca, Isto é. em meados de 1956. ainda se desenvolvia no Brasil u m i campanha pela reforma agrária, dirigida pelo PCB, decerru por encomenda ou ao menos com a aprovação dos soviéticos. Acompanhei .seu desenrolar através do órgão oficial do PCB. Voz Operária, que eu recebia em Bucareste, chegando mesmo a pronunciar sobre o assunto uma conferência no Komlnform. A campanha vinha contando com apoio de autoridades executivas e le'rlslativas de muitas regiões. Creio que ls.so assustou um pouco a Sivolóbov. pois o objetivo comunista da campanha não era a reforma em si, mas a agitação que pudesse provocar entre os camponeses. A campanha devia despertar as ma.ssas do campo, mobilizá-las, . levá-las a lutas parciais, para um posterior coordenamento de.ssas lutas com os movimentos das ma.ssas trabalhadoras urbanas, tendo em vista finalmente a Insurreição, a tomada do poder e a instauração do "lovêrno democrático-populnr". Só depois disto é que seria feita a reforma agrária, nos moldes comunistas. E o que assustava a Sivolóbov é que a campanha, organizada pelos comunistas, pudesse conduzir & realização da reforma agrária pelo governo brasileiro. I êle advertia: — Ls.so * um perigo multo «érlo. Pode acontecer ao PCB o mesmo que aconteceu, recentemente, ao PCrtaponês. Os camaradas Japoneses levantaram a bandeira da reforma agrária, e o gnvéinn resolveu realizar A reformii. n que nSn trt dillcll. sou JuvlA •*.-4%: multo pouca terra para distribuir. O Governo féz uma pequena reforma agrária e as.sim afastou a influência do PCJ no camio. o que contribuiu para Isoá-lo ainda mais. depois que já havia perdido, para cs socialistas, as posi(;óes, dirigentes nos meios sindicais. É elementar no leninismo que o destino da revolução nos países atrasados depende dos camponeses: se o proletariado conseguir atraílo como aliado, pa.ssará a exercer a hegemonia na revolução; mas se os camponeses se tornarem aliados da burguesia, então esta é que terá a hegemonia. Tomem cuidado, porque se o Governo burguês no Brasil fizer a reforma agrária, vocês ficarão .sem apoio no campo para a revolução. Arruda llmitava-se a balançar a cabeça, afirmativamente. Era evinente durante todos esses dias a má-vontade que manifestava para com Sivolóbov. E quando este partiu, êle lomentou. a sós comigo: — Esses burocratas são assim. Dão diretivas, a gente faz o impossível para cumprir, e ouando tudo dá certo eles colhem para si os êxitos, afirmando que a vitória foi devida a suas Justas Instruções: se ha errado, então acusam a gente de não ter aplicado bem as instruções. Chamou-me a atenção ali náo ter havido di.scussâo a respeito dessas diretivas. É certo que. segundo a lei bolchevista, diretiva não .se discute, cumpre-se. Mas. essas de todo modo, não foram cumpridas porque Arruda, chegando ao Brasil, algumas s e m a n a s depois, teve de empenhar-se a fundo na luta interna do PCB. visando a salvar sua própria posição dirigente, e tudo mais, inclusive as ordens de seus chefes .soviéticos, passou a ca.! recer de importância. Muitas vezes Sivolóbov. com sua vaidade doentia, enchia-se de caprichos e impunha o castigo implacável de um dirigente brasileiro. Assim aconteceu, por exemplo, no ca.so de João Batista de Lima e Silva, então diretor da Voi Operária. João Batista estivera em Moscou como secretário de uma delegação de intelectuais e sua atuação desagradara a Sivolóbov. Quando este lhe perguntou certos pormenores da vida interna do PCB. Batista cometeu a inabilidade de responder que não tinha recebido autorização para informar sobre essas coisas; quando lhe .perguntou quantas centenas de "comitês de libertação nacion a l " já estavam formados por todo o País lessa foi uma diretiva soviética inteiramente fora da realidade e que não deu o menor resultado; mas os dirigentes do PCB mentiam-lhe que Já existiam numerosos desses comitês revolucionários no Brasil), Batista respondeu que se haviam formado dois ou três comitês, mas mesmo ê.sses Já não existiam. Então, u.sando outro fato como pretexto, Sivolóbov exigiu do PCB a destituição de Bati.sta do cargo de diretor do Jornal. Os dirigentes pecebistas, é bem verdade, procuraram esquivar-se ao cumprimento da ordem absurda, contornando a situação, f t.xnnando tempo, désrnlpíindo- se para ver se o iracuiidS b u rocrata abandonava sua exigência. Mas nSo a abandonava: tòdã semana, quando ia chegava a Voi Operária, a primeira coisa que êle lia era o expediente e. verificando que Batista continuava como diretor, exasperava-se. O camarada brasileiro que se encontrava em Moscou representando o PCB alegava dificuldades da lei brasileira para modificar a direção do Jornal, mas êle não se deixava iludir, e quando chegou a Moscou o próximo emissário do PCB, êle protestou energicamente: — Haâ que cambiarle ai director. He dicho esc varias veces jr, sin embargo. Batista sigue como director de! órgano central. Eso no está bien. E Batista ' foi rebaixado de diretor a redator da Voi Operária. Próximo a flndar-se o nosso curso, ocorreu outro caso bem expressivo de sua mórbida vaidade. Sivolóbov organizara um seminário sobre questão agrária no Brasil. Subiu então à tribuna Máritch Ave, e pôs-se a ler seu trabalho. Tomando como base os dados estatísticos disponíveis na Escola, êle chegaria à conclu.são de que, em bloco, no Brasil, as pequenas propriedades eram mais produtivas que as grandes. Sivolóbov. que presidia o seminário, interrompeu-o e disse-lhe moderadamente que aquilo era faKso, pois Lenine afirmara que as pequenas propriedades eram menos produtivas que as grandes. Máritch tentou justificar sua conclusão, alegando que, nessas grandes propriedades computadas na estatística ali existente, estavam incluídos naturalmente muitos latifúndios improdutivos e que. por ls.so... Não pôde concluir o pensamento. Sivolóbov. com o rosto avermelhado como se o houve.sse mergulhado numa bacia' de sanstue. as veias do pescoço intume.seldas. ergue-se e ordenou que Míritch se senta.sse. Foi então êle próprio à tribuna e. com a fúria de um energúmeno, féz um acalorado discur.so em defesa da te.se lenlnJsta. Nas afirmações de Máritch êle descobriu não sei que dIabóMcas desvios, náo sei que suspeitas Implicações reacionárias. Falava, falava (em russo, Perez traduzindo para o espanhol) e de vez em quando esticava o indicador na direção de MSritch, e gritava-lhe: — Panimaich ill nlet? (Compreendes ou não?i Supus que o incidente estivesse encerrado ai com a vitória total e irrecorrível do chefe russo do PCB. Mas, qual! Êle considerava e.ssa vitória incompleta e féz tudo para expulsar Máritch do Comitê Central do PCB. E só nSo o con.segulu porque, alem da intervenção d» Arruda em favor de Már'tch. o XX Congresso — partindo, com seu impacto, certo» laços dlscipllnare» — chegou a tempo de salvá-lo. Anti-semita confes.so, Sivolóbov reprochava sempre aos dirigentes pecebistas o fato de que a juventude comunista brasileira estava muito Infiltrada de judeus. E nem no primeiro riem no segundo curso para dirigentes brasileiros em Mo.scou participaram Judeus: x6 no terceiro e que entiaram «Iguns Abel. Sablnn Bahia, náo sei se outros mais tita terceiro cufio leve Inldo quando Já começavam a soprar alguns ventos llberalizantes, Isto é, meses antes do XX Congresso, que se instalou em princípios de 1956. Dal provavelmente que Sivolóbov tenha admitido a participação desses dois companheiros Judeus. Mas éle nunca escondeu seu anti-semitismo. Havia na Excola, em nos.so tempo, um professor de movimento operário chinês, um Israelita ru.sso de nome Dubinsky. Os professores eram designados pela diretoria da Escola Central, sem prévia consulta a Sivolóbov. Mas este, quando via Dubinsky chegar, fechava a cara, e certa vez resmungou, desabafando seu antisemitismo, na presença de André Vitor: — AI vem ê.sse Judeu. Certo dia, em julho de 19.56, em conversa com Arruda e comigo, êle di.sse que o problema dos Judeus na União Soviética náo tinha .solução. Alegou que o Governo tentara congregá-los numa região central da URSS, mas Isso não deu certo, porque eles só queriam viver nas grandes cidades ou próximos do litoral — e não mereciam confiança para habitar nas imediações de qualquer fronteira soviética . Por essa mesma ocasião, houve uma disputa futebolística entre uma equipe vinda de Israel e um selecionado soviético. Sivolóbov, que nos levou ao estádio com ele, dizia os piores nomes contra os israelenses, mostrando continuar um iudofob, isto é, um homem que tinha fobia pelos Judeus. Muitos se espantavam de que Sivolóbov. sendo de uma mediocridade iniludivel. se mantivesse nesse posto por tantos anos. Era capaz de dizer os maiores absurdos, tirando conclusões apressadas de leituras superficiais. A revista soviética Tempoi Xovos, às vésperas do último pleito presidencial no Brasil, publicou um artigo de Sivolóbov — ao qual o Jornal O Globo, do Rio, fêz menção, estampando o fac-símile da capa daquela publicação. Nes.se artigo, êle dizia que Kubitschek estava sõlidamente apoaido em três partidos de massas trabalhadoras: o Partido Comunista do Brasil, Trabalhi.sta Brasileiro e o Partido Social-Democrata. Quer dizer. Sivolóbov. sem conhecer nem examinar as particularidades da vida política brasileira, simolesmente confundiu o nosso PSD — agremiação de forças conservadoras — com os partidos social-democratas europeus . Um belo dia, na Escola, Sivolóbov nos apareceu com uma novidade: o Brasil não era um ancelito explorado por outras potências, e nada mais. Se por um lado era vítima da exploração capitalista norte-americana, por outro lado explorava países menos desenvolvidos, como o Paraguai o Uruguai e o Chile, em competição com a Argentin a . Todo o linguajar habitualmente utilizado com referência aos países Imperialistas. segundo as te.ses de Lênin. foi aplicado por Sivolóbov em relação ao Brasil: falava do capital financeiro brasileiro, na sua luta por esferas de influência e supremacia no sul do Continente, no papel dos monopólios brasileiros e na exportação de capitais para o Paraguai. E »rgummlHvti, eiloiiiiu fatos. Clietsuu até a apontar alguns imperialistas brasileiros, entre os quais o rei do café, Lunardelli, que estaria penetrando no Paraguai. Só faltou mesmo pitar as colônias brasileiras... Mas disso me incumbi eu, que era minha intervenção considerei os Estados nordestinos praticamente como colônias do Sul industrializado. E por fim, Sivolóbov declarou o Brasil ura País iraperlalista, no qual notavam-se contradições entre os grandes capitalistas brasileiros e os imperialistas americanos, na luta pelo predomínio em nosso mercado, na disputa do maior quinhão de maís-valia a ser extraída da mão-de-obra brasileira, enfim na concorrência para a obtenção de lucros máximos no Brasil. Dias depois velo lermoláiev que fazia parte da mesma comissão latino-americana, subordinada a Koriônov — e, sem se i-eferir diretamente a tese de Sivolóbov, procurou ridicularizá-la, afirmando que não se podia falar em imperialismo latino-americano, a não ser como caricatura, confundindo com os grandes monopolistas internacionais alguns capitalistas ou latifundiários que monopolizavara plantações de café ou ban a n a . .. Estabeleceu-se a confusão. Perguntamos ao diretor como se explicava essa divergência entre os dois conferencistas. Afinal, nós. Brasil, éramos ou não é r a m o s imperialistas? Também explorávamos ou só nos deixávamos explorar? Isso para nós tinha uma importância menos política que psicológica. Todos notávamos que os grandes países capitalistas eram mencionados na Epoola, às vozes com ódio, mas sempre com respeito, ao paaoe que os países atrasados despertavam sempre compaixão misturada de de.^rézo. E:a «>mo se nos dissessem: "Que diabo! Vocês não fazem uma rívoluçÃo pi-olctárlâ, como os ru«» SOS. e nem sequer uma revoUioáo burguesa, como os americanos! Afinal, que fazem vocês?" No íntimo, amarguravanois e.ssa situação. E quando Sivolóbov nos declarou imperialistas. a noticia — aceita ?ior uns. rechaçada por ouros — foi acolhida sem mágoa e antes com certo orgulho. Travavam-se discu-ssões constantes a re.spelto. O caso chegou R0« ouvidos de Koriônov. É uma tarde, logo após as aulas, fomos mandados repentinamente de volta à sala: Sivolóbov chegara. E o chefe do PCB, quase gaguejando, acusou-nos de não termos pre*tado a devida atenção a suas palavras, cioníiindindo ass'iin as coisas, file não difsea>a que o Braiüll eaa pi-òpíiamenbe imperialísta, não colocara o Braell em pé de igualdade com os Estados Unidos ou a Inglaterr a . Apenas citara alguns fatos e dera alguns argumentos como advertência de que no Brasil, como em qualquer país de estrutura, capitalista, existiam le acentuou cada uma das palavras que se seguem, escandlndo-as) indícios, ninai*. • mostras, germcü, elemento* não desenvolvido* de um futuro imperialismo! A um escritor brasilsim em visita a Moscou êle informou que no Brasil — cuando tomemos ei poder — teria que ser formada a República Autônoma das Negros. Explicoulhe o escritor .que o número de negix)8 puros em noAso País w s pequeníssimo, que nivs.vje rle«rol>r,doi-e.< e rolonizadoi-e» Doitusuèie», dtetituidiae d* pre- conceito racial, se misturaram com a população negra, pioduzindo magníficas gerações mulatas. Mas não adiantou a explicação, êle não podia compreendê-la, pois esse fenômeno não tinha sido considera ao nas obras do camarada Stálin sobre a questão nacional e colonial. .. E era esse homem que deva ordens e instruções obedecidas sem discussão por todos os dirigentes do PCB. a começar pelo disciplinado Capitão Luís Carlos Prestes. Eu mesmo tive o ensejo de transmitir ordens suas. Foi depois do XX Congref-so. A delegação brasileira ainda se encontrava na China, e ao Brasil havia chegado apenas o relato parcial do Congresso, através do<* documentos oficiais. As leves criticas a Stálin (o informe seoi'eto de Kruschev continuava secreto) atordoaram muita gente. Prestes e demais dirigentes brasileiros encolhei-am-se. não davam sinal de vida. Nas páginas da Voz Operária nada transpirava. Foi como se nada houvesse acontecido. Uma tarde, achava-me em Bucareste, em meu gabinete no Kominform, quanao fui chamado poa- Bazanov aO telefoíne. Do Comitê Central, em Moscou, velo a voz de Sivolóbov, perguntando-me se eu tinha meios de me comunicar com 05 camaradas do Brasil. Respondi que sim, embora os meioe não fossem muito seguros. Ele insistiu em que eu fizesse todo o possível para transmitir a direção do PCB sua profunda estranheza e seu profundo desagrado pela maneira com que a Voz Operária vinha ti-atando o XX Congresso — isto é, com o silêncio. Que era preciso escrever algo imediatamente. Em carta para pessoa de minha família, mandei uma bolinha de papel envolta em fita gomada, contendo iiesumidamente o recado de Sivolóbov. Expliquei à destinatária que a bolinha devia ser entregue a um auxiliar da direção, cujo nome-d2-gvieiTa mencionei, para que éle paesasise adiante. Tudo correu bem. Duas semanas depois esperei preocupado e curioso que chegasse a Voz Operária — pois habitualmente ia para Bucareste, de onde eu recambiava a Moscou, em avião espacial do Komlnform . Enquanto esperava, eu imaginava quem iria escrever o artiíjo ordenado por Sivolóbov. Lembrei-me então de José de Sousa, lá no Curso em Moscou, falando sempre de cabeça baixa, e tive o pressentimento de que o artigo seria escrito ppr éle. Pensei em M."rlghella, tâo dexti-o em tomar da pena e encher várias laudas de afirmações superfioiaie. Afinal chegou o coareio. recebi a Voi Operária e caí das nuvens. Ah eslava o artigo pedido. Mas seu autor não , era o subserviente Sousa. Nâo era sequer o tréfego Marighella. Nenhum dos dirigentes menores. Era o próprio Pi-estes. 4. REVOLUCIO1S.\RI0S SOB MEDIDA Vocês vão tratados como príncipes. ... o Vocês vão ser considerados cidadãos soviéticos. Vocês só terão deveres; n e nhum direito. — Se alguma coisa não lhes agradar, ofeixem para reclamar aqui. quando voltarem. Eis o que nos foi dito. categoricamente, à véspera de nossa partida do Rio para Moscou. Essas afirmações misturavam-se em nossa cabeça e nos pareciam contraditórias, se bem tivessem, no bolchevismo. uma lógica especial. Por exemplo: como se poderia conceber um príncipe sem direitos? Na Escola deram-nos roupa nova, capote, chapéu — e comida. Segundo a concepção de um comunismo que brotou e floresceu num país atrasado, flagelado pela fome periódica e em massa, um príncipe deve caracterizar-se pelo fato de poísuir roupa nova e boa comida, mesmo sem gozar de direitos individuais. Efetivamente, desde o primeiro dia foram suprimidos nossos direitos individuais. Sob a direção de José Sousa, formou-se logo um comitê com podêres ditatoriai.s sobre todos nós. instaurando um regime marcado pela humilhação » pelo terrorisnw). Por aqueles dias. relendo o Manifesto Comunista, observei que Kail Marx sonhara com uma sociedade "em que o livre desenvolvimento de cada um fosse a condição para o livre desenvolvimento de todos". Mas tudo indicava que o objetivo ali era. pelo contrário, destruir-nos a vontade, o amorpróprio, qualquer vestígio de independência e personalidade, de livre desenvolvimento, transformando-nos em seres desfibrados e autônomos. A primeira iniciativa do Comitê foi recolher os objetos de uso pe.-soal, que havíamos levado, a fim de joclallzá-los, í'*-di>triba!nd6-6s «m quanticiaoes Iguais e parceladamente. Tomaram-nos as carteiras de cigarros e as lâminas de barbear que leváramos (as so'vléticas cortavam mais a carne que cs pelos), os sabonetes e outros objetos semelhantes. Em seauida o Comitê decidiu reduzir a 6 o número de cigarres que cada aluno Iria receber para fumar durante o dia. provocando assim uma onda de revolta surda e de murmúricis Indignados. Depois estabeleceu o prazo de dias para a duração de cada lâmina de barbear, embora as barbas variassem, tendo umas ásperas, outras moles, ademais àe haver pes.soas quase imberbes. Mae os dirigentes do Comitê tinham uma concepção muito especial de comunismo e igualismo. A redistribuição dos objetos era feita por Mônatche, um velho membro de PCB, antigo ' operário têxtil, que esteve pre«0 e foi torturado pela Polid a nos tempcs da ditadura de Vargaí, sendo promovido em Í945 ao Comitê Central. De natureza aíável, converteu-sé. no entanto, sob as críticas da Direção ("tu é>s um liberal: precisas te bolchevlzari"), num vordugo odioso. De fato. desde Praga, onde nos reunimos todos — os que viemos de avião e os que vieram de navio — 41e começou a pôr as mangas df fora. ameaçando-nos. posando de duro. de bolchevista. E nn Escola, quando alguém I» pedir, por exemplo, uma lAmlns nova. linha que ouvir dele Interpelações gros.seiras t vexAtárui: — J á terminou aquela?! t preciso economizar... Amolou na palma da mfto? Não? Pois amole, que dura uns dias mais. Ah, amolou? Pois amole, mais. Quer poupar a palma da mão para coisas mais importantes? Um comunista tem que saber poivpar. Isto aqui é dinheiro do proletariado. Capitalista « que só u.sa cada gilete uma vez, porque vive (ia exploração dos outros e dinheiro para êle não tem valor. É preciso Ir-se educando! esse <ííscur.so, com pequenas variações, era repetido a quase todos nós, com mais ou menos rispidez. dependendo de quem se tratasse. Quando lá chegamoí, nôs mesmos escolhemos, de acordo com as afinidades e o grau de conhecimento, os companheiros de mesa. Houve uraa seleção natural. Mas logo que Sousa chegou, de regresso do Cáucaso, onde estivera fazendo uma estação de águas Juntamente com seu secretário Máritch Ave, mandou um membro do comitê dirigente fazer uma redistribuição de pessoas e mesas, procedendo ainda a novas alterações de tempo» em tempos. Em seu entender, a permanência de camaradas li mesma, mesa durante multo tempo poderia criar entre êles uma tendência gruplsta. Inventou a ginástica. E . t a n to os Jovens de vinte e poucos anos como pes.soas de mais d t cinqüenta, todos tinham que fazer a mesma coisa, tle m a nhã cedinho. Era mais um elemento de militarizai^o do grupo, para fazer de nôs revolucionários sob medida soviética. Seguindo a regra de ouro de todos os déspotas, Sousa procurava dividir-nos para remar sobre nós. Não é difícil adivin h a r que tenha chamado vários elementos, cada um por sua vez, e lhes haja confiado a "homosa tarefa" de vigiar seus priJprios companheiro». Orlou as.slm um ambiente em que o» próprios humilhados, com exceção de reduzido grupo, se tornaram espiões, censores a delatores uns dos outros. Alguns deles eu mesmo pilhei em flagrante quando denunciavam seus camaradas. Além disso, qualquer camarada se achava no direito de fazer críticas sabre problemas absolutamente Íntimos de qualquer outro. Todos os atos, gestos e atitude» de uma pessoa eram notados e censurados pelos demais: quaisquer defeitos eram destacado» e exibidos em público. Nunca \'ira em toda a minha vida tanta hostilidade mútua e gratuita, mesmo quando se manifestava em tom de pilhéria. Todos os nomes feios do léxico p a r t i d i r i o — individualismo, pequeho-burgués, liberalóidc, nacionalista — e todas a» frases feitas: subestimaçSo da tarefa, falta de espirito autocrítico. Ideologia estranha ao proletariado, origem de classe, tendência íracionista — eram atirados, como pedras, por uns contra outros. O h o mem tornava-se o lobo do homem. E. a rigor, nenhum de nós escapou a isso. Essa preocupação de separar os camaradas entre si checou ao cúmulo com a separação d» c o n j u g e j . .£aíi-a uma hnritc-iimn casais, isto é. dbis ca.matsda» que vieram para o curso com suas esposas, as quais eram também alunas. Mas foram postos em quartos diferente» — os maridos na parte destinada aos homens, vigiados pelos outros maridos que n&o tiveram a sorte de vir com .suai mulheres; e as esposas ("companheiras", no dicionário comunista) na parte destinada ás mulheres, sob a mira da» solteiras ou das casadas que vieram sem seus maridos. Uma noite, terminada t hor» do estudo individual nas sala», um desses casais aproveitou a saída das outras pessoas e Sun» mãos se uniram e certamente os dois trocaram palavias carinhosas. Eu dormia no mesmo âuarto de um dos ferrabraze» o comitê dirigente e vi chegar uma espiã que, sem notar minha presença, foi logo denunciando, esbaforida e arquejante: — O P á l í t c h . . . está agarrad o . . . na . . . mão da muiher. Esclareça-se: da mulher dél» próprio, da mulher com quem se casara um més antes de ser enviado à Escola. E essa situação estúpida, ridícula e desumana só terminou quando Fálitch. criando um caio com a direção do Coletivo, teve de se explicar perante o próprio diretor da Escola, que declarou ignorar fossem éle» casados e mandou acabar com o regime de separação de corpos, com uma só condição: não obedecer ao mandato bíblico da «e multiplicarem. A questão sexual foi largamente explorada pelo comitê dirigente, tornando-se a obsessão do coletivo em geral. Como no» colégios de freiras, os homens deviam sentar-se separadamente das mulheres. Mas duas delas estavam misturadas entre os homens: uraa a meu lado. outra ao lado de outro camarada. Cada um de nos quatro foi chamado ao Comitê, advertido s6bre os perigos da carne, sobretudo numa situação como aquele, e houve o devido afa.stainento — que mais tarde foi anulado voltan•do a reinar a mistura entre homens e mulheres. Mesmo assim, a.s mulheres se portavam a principio como aquelas freiras do convento de CoUingham, que, ameaçada» pela inva,sfio dos normandos, cortaram o nariz e o lábio superior para assim preservar a própria honra. Mas no convento moscovita, a repetição do fato histórico tinha traços caricaturais. Em conversas que logo transpiravam, através do» dois maridos, umas chamavam a atenção para o "olliar lübrico" de Fulano e recomendavam cuidado com éle; outras sugeriam que não saíssem pelo quintal a passear com camaradas do se.xo masculino, a não ser cora Sicrano ou Beltrano, que Já eram idosos (um destes qualificado de idoso, não gostou da deferência. aliás, protestando que também era Jiomem>: outras ainda propunham atitude de colaboração com os homens, não mostrando muito as perna.<t nem fazendo requebros femlnii. E quando Sousa, num gesto de generosid^ide, autorizou que tocássemos na vitrola alguns discos de música brasileira, levados por nós. a fim de alegrar as noites domingueiras, recomendou que só podiam dançar homens com homem ou mulher com mulher. Alguns me.ses depois, entretanto. Já se viam homens e mulheres enlaçado.*, rodopiando na sala sem danos para o futuro d« revoluçío comunista no Brasil. 4 '^•í- ü^iteAittlAi^ I mmttit^ê» ^^^^^^^^^^^^^^^^i^i^igi^^^^gtgt^gii^^^itÊ^aÊÊÊÊimÊmÊÊIÊÊÊÊÊmmÈÊÊÊÊ^ÊmÊÍÊÊÊÈÊmÊÊÊÊÈàÊmÊÊÊÊI^ÊIÊÊálÊá^lÊ^àÊ^Ê^ÊÊÊÊÊa^ÊÊÊÊÊÊt ^^^ " U • * ^w^^mmm •7 • 1 2 "* S.*' cad., Jornal do Braiil, Domingo, 4-9-60 Wí •í';; •,:»*,• Bucarest*, • finalmente, em cair em seus braçtss, basta fados-lrmSos tinham «eus Babt-' bniiccs ao lado, redatores da zer menção de cair; isso todo netes no mesmo edifício do de reação soviética, um ou outro mundo sabe como representar, Mítin; os dos partidos-primos, redator das outras edições. Nas não precisa ensaiar. E quanto e no outro edifício. Os dos parreuniões secretas participavam ao l)cijo, também, basta dar nó tidos-irmãos tinham automóBpenai> os chefes, isto é, os redia mesmo da representação." veis próprios; os dos partidospresentantes. primos utUlzavam os automóTudo isso foi dito a um canQuando Mítin estava ausenveis comuiB, de propriedade do to da sala e não se poderia te, quem dirigia o Jornal e preKominform. Para as demais afirmar que suas advertências sidia as reuniões era o redatorpessoas, quando se tratava de fossem exageradas, mas os dois ^-À chefe; na ausência de ambos, Ir a Snágov ou a uma excursão,' atores se irritaram, atraindo a o representante francês ou, em havia os ônibus. Quanto aoa atenção dos demais artistas • lugar deste, o italiano. Que soviéticos, três deles possuíam presentes, e a discussão se geme lembre, só uma vez tocou automóveis de luxo: Mítin, Baneralizou. A mulher declarou a Moranino, o italiano, a prezànov e o redator-chefe — Roque se o marido se portava cosidência da reunião. E nós, mânov e, depois, Blessúdnov. mo um senhor feudal e não alguns de seus camaradais mais Mas o automóvel do diretor era como um Jovem comunista, o Íntimos, de brincadeira, finginmarca ZIS, produto da fábrica melhor era mudar de atores. do que íamos cocar a cabeça, Stálin, de Moscou, e os dois ouO tradutor de italiano, por sua batíamos-lhe disslmuladamentros, embora tamt>ém grandes « veZi proclamou que assim, com te uma continência. Mas êle, ' essa desconfiança, confortáveis, eram menos luse sentia imperturbável, concedia a pa- .até ofendido e se recusava a xuosos, produtos da fábrica lavraj a um, a outro, dava pe- 'continuar trabalhando: "poMolotov, que ficava na Cidade quenas ordens ao secretário de (Bórki. dem procurar outro; de agora soviético que se achava à sua ..em diante não trabalho mais Animado pelo êxito no resdireitp, reinando com a mesna peça." Essa atitude cau.sou taurante, tentei democratizai ma .solenidade com que reinaalvoroço e receios de que tudo também os transportes, entran-. va Mítin. i se estragas.se, pois estávamos do em um ônibus para Snágov. A hierarquia ej-a válida para , às vésperas da festa. O teleMas como o veículo estivesse todos os efeitos imagináveis, i; grafista, que dirigia os ensaios, muito cheio, minha presença Quando participei da primeira s suplicou: "Vamos, Aiiocha, náo despertou não só estranheza reunião da direção colegiada. ; queiras bancar o Otelo; pede como indignação. Sendo dos ficou claro para Será, o argendesculpas pelas bobagens que V primeiros a chegar, encontrei tino — chegado ali um mês disseste, e deixa-nos trabavaga para ir s e n t a d o , ma.t antes de mim — que sua posil h a r . " A mulher de Aiiocha, quando lotou o veiculo e vária» ção, na escala hierárquica nevvosai enxugava algumas lápessoas foram entrando e fiera imediatamente superior à grimas com o lencinho que, na cando de pé, cada qual me m i n h a . E demonstrou-o em meçA servia para acenar da olhava de modo significativo, seguida; no sábado' fomos a Janela ao namorado: o traducomo se achasse que eu tinha Snágov e, como ambos estitor de italiano. Irredutível em tomado, índèbitamente, seu luvé.ssemos sem nossas famílias, seü propósito, nào aceitava gar. Então levantei-me, cedi o deram-ncfe na casa de campo conselho de ninguém, mas, afium mesmo quarto,' no qual h a assento a uma senhora, que não nal, por insistência do próprio via duas camas, uma grande, queria aceitar, mas aceitou. Lá marido zeloso, decidiu-se a de casal, e outra menor, de fora sobraram ainda três pesprosseguir nos ensaios. E a solteiro. Será ocupou a maior, soas. O motorista dLsse que não O funcionam<F;nto do Kominform. sob sem paz caiu de novo sobre o palco. sequer me consultar; sucabia mais, esperasísem pelo _ No dia da representação os pus que se tratasse de falta ônibus, dali a uma iioo peso da vigilância constante e da discri- de educação, e não dei maior dois atores foram aplaudidís- rpróximo a . E vi que os três me olhaimportância ao caso. Depois é simos; trabalharam magnificavam pela Janela e esquadrinhaminação soviética, é narrado, hoje, por dois que notei que êle havia posto mente no papel de apaixona- vam com os olhares o interior dos. Na platéia viam-se numee:n prática simplesmente um do veículo, para ver se outro» rosas bocas femininas falando capítulos de O Retrato, livro em que o jor- direito que lhe assistia. usurpadores haviam t o m a d o ao ouvido do próximo, nas cesuas vagas. Permaneci firme s Ês.çe argentino e eu trabanas mais emocionantes. Perto nalista Osvaldo Peralva narra, minuciosa- lhávamos fiz o incômodo trajeto de uma em salas vizinhas, ds mim uma voz sussurrou dlhora, de pé, em nome da igualapenas por uma s a rigindo-se a meu vizinho. mente, sua experiência com o comunisnío separadas dade Comunista e da democraleta onde ficavam nossos dois tização da vida no Kominform. tradutores. Quando se convomundial. cava uma reunião, a secretária Repeti a proeza duas vèze.i — Olhe. olhe, camarada Mode Mítin tocava o telefone, mais. Entretanto, além de inranino! Co.mo trabalha bem avisando, primeiro para Kárcômoda, aquela atitude era r i seu tradutor! Como beija! Copov. tradutor do argentino: mo abraça! dícula e mal vista pelos passadepois para Pavlienko, meu geiros, que não se sentiam h o n ih?''*» ^"'^'^' * espanhola, que tradutor. Em verdade, bastae sim prejudicados com I t - á / T ' ,f 1f "•"« «^addra rados va avisa" a um dos dois, porminha presença. Voltei ao autprin r,^ o italiano, meio agasque suas esc.-ivaninhas distatomóvel, justificando para mim tado, por entre os dentesvam apenas dois metros uma mesmo o meu fracas.so com a — Ecco. Demasiado bem pada outi'a, e quando Káipov alegação de que assim eu po«tendia o telefone avisava deria dar carona a duas OU três Jogo não só a Será como a Se traljalhasse tão bem para pessoas. mim. Mas a secretária, mes- mim, ja estaria condecorado, Resisti, porém, em vários oumo sabendo disso, desligava e s p m . i h / ^ f . ^ " ' f °' comentários tros casos, sobretudo no trato tornava a ligar para a mesa cM^vf-í*"'" impregnados de de Pavlienko. porque assim com os camaradas. Nós. os rcr mecânicos e pilotos do avião, * eu mesmo fiz a correção, deT^lí % ^-ssavam de boca em mandava o ritual. presentantes de partidos-pri6; contabilidade e tesouraria, 8; volvendo-a. Na segunda prova, í^«Vi»y'"-' ''°'^^f ^ ° tradutor mos. formávamos o círculo, por telefonistas e dactilógrafas, 8; notei de novo a mesma falta. Mas eis que um dia, ao che- a.sse-ihe ao ouvido, certa vez assim dizer, dos oficiais inferiodocumentação, 4; Bazànov e Procurando esclarecer o assungarmos á reunião, o argentino qualquer coisa sobre o assunto) res; E, conforme me explicou duas secretárias, 3. Total: 40. to, ouvi de Pavlienko a confissentou-se no lugar de costume, e ele replicou em voz alta: Pavlienko, meu secretário e t r a Redação: redatores russos. 12; são ds ter sido êle próprio que ao lado do húngaro e antes de Você está equivocado! Ela dutor, eu não devia estender a chefes de edições, 5: secretárias, cortara a palavra, supondo tramim; verificou então que sô- f.- Paia mim, uma grande ar mão ao camarada Mítin, como 6; bibliotecárias, 3; seção de tar-se de equívoco meu, pois b"e a mesa, em frente dele, ci- tista, mulher admirável, cheia costumava fazer, ao entrar em Verificação, 3; funcionários das achava Impossível existir teletava a pasta de papéis com o de nobres qualidades, É uma seu gabinete. Devia pronunciar edições estrangeiras, 18: traduvisão no Brasil. Perguntei-lhe nome RIBEIRO e em frente mulher ideal. um cumprimento e esperar que tores, 8: revlsores, 5; tipógraem que baseava essa suposição, da minha cadeira, a pasta com De todo modo, ^les eram visêle me desse a mão: se des.se, íos, 5. Total: 65. Total geral de e éle argumentou: o nome SERÁ. tos ecnpre juntos, decerto conbem: se não desse, não haveria funcionários russos: 105. Some— Aqui na Romênia, que é — Tche, essa pasta é a mi- versando sobre teatro. Quinze aperto de mãos: a iniciativa se a isso mais uma dúzia de um país socialista, agora e que nha — disse-me êle — toma dias depois, o marido pa.ssou a devia partir dele. outros que escaparam a minha estão montando televisão: só a t u a . Houve um engano, tro- fazer refeições no restaurante: memória, e teremos uns 120 — os países adiantados têm tele— 5" na saída? — perguntei. caram. sepa:ara-se da essôsa. I.'ais a camada dominante da burovisão, e a Grande Enciclopédia Da pró.xima vez, a secretária quinze dias, e a mulher ideal — Na saída, também. cracia kominformista. Soviética diz que o Brasil é úe Mítin tocou o telefone pri- era enviada à União Soviética, um País agrário, atrasado . . . A organização do Kominform — Vocês precisam corrigir e meiro para meu tradutor, dedizem que com deítino a uma Afinal, a palavra foi publicaimportava num gasto mensal ritual, camarada Pavlenko: pois para o dele. Será ficou cidade do Interior, onde vivia da, mas não creio ter convencienorme, para mim impossível de pois, se no momento de eu me desconfiado,' e ao chesarmos à sua fkmília. Mais outros quin- retirar, êle tomar a iniciativa do ao zeloso Pavlienko sobre a calcular. Sei, porém, que era sala de reunião, antes de sen- ze dias. e o tradutor de itaexistência da televisão brasileifinanciado pelos governos das de me estender a mão. signifira, apesar de lhe haver recordemocracias populares e da ' tar-se, olhou os nomes nas liano era enviado a Moscou, por ca estar mandando que eu vá pastas e empalideceu: estavam nao estar à altura das respondado que a Grande EnciclopéURSS. Os soviéticos, presumiembora, e isso é deselegante. outra vez t-ocadas. Os buro- sabilidades de funcionário do dia Soviética também proclavelmente, e n t r a v a m com a — Ah. camarada, quando há cratas do Kominform tinham Kcminfo,-m. mara Gandhi um agente do maior quota. Mas, por isso boa vontade, tudo se faz. Basverificado que. na ordem coimperialismo britânico, para mesmo que davam o dinheiro, O outro caso teve desfecho ta incUnar a cabeça e fazer o munista internacional, a Ardepois, sob o protesto do Emdavam também as ordens. "O ar de quem se vai retirar « gentina vinha depois do Bra- diferente. Tratava-se de uma baixador da Índia, rasgar essa Partido Bolchevista é um paréle estenderá a mão, se quiser sil. E passaram o represen- jovem russa, solteira, alta, loupágina e escrever outra, retitido disciplinado: quando dá estendé-la. n.ssima, perfil grego, muito simtante argentino para trás. rado a acusação. uma ordem, gosta de ser obePara desgosto de Pavlenko, Recusei, porém, a retificação, e pática. Reclamava amiúde con- continuei, O predomínio soviético era decido", conforme nos declarou tomando a continuei sentando-me indiscl- tra o fato de só existii-em doi.s Iniciativa deporém, sensível até nas relações famium dia, com tranqüilidade e a m&o a plinadamente derjois de Sa-a. ou três r«p9ze.s. de só enviarem Mítin. que eraestender liares. As crianças estrangeirai, firmeza, um personagem que uma espécie de homens casados para trabalhaEu cuidava de chegar um poupouco depois de ali chegarem, circulou na primeira parte desoficial-general. Mas houve um co antes dele, trocava as p a s - rem no'Kominfor :. Definitivaaprendiam a falar, cantar e te livro: o Inolvldável Mikháíem que o chefe do Komintas e me sentava em seu lu- mente ela detestava a solidão. dia brigar em .soviético, com a meslov. íorm marcou bastante a disgar: o húngaro, por mímica, e. na falta de um solteiro, busma facilidade que inm esquetância que nos separava: foi apelava para que me sentasse caria partilhar da companhia cendo seu próprio idioma. Asno banquete de despedida do na outra cadeira, a síu lado, de um casado. Assediou Bie.ssú7 . O RITUAL sim aconteceu aos garotos do redator-chefe Românov, que m i s eu, achando muito diver- dnov. o secretário do Jornal, e casal húngaro. Estudavam n u m a tinha sido transferido para tido tudo aqui, balançava o não foi d:..cíl conquistá-lo. escola soviética, na cidade; outro posto em Moscou. O HIERÁRQUICO dedo no »'• respondendo que Parece que Bles.sudnov se conviviam com outras crianças, banquete em si Já constituía não E esta minha atitude, apaixonou de verdade, porque uma no Kominform, falando em sodiscriminação, só foDepois do XX Congresso do ainda que mal vista, era to- fechou olhos e ouvidos a todo ram convidados parapois viético, e em soviético falavam êle os r e PCUS. houve um momento de lerada, graoas ao abrandameno mundo. Mandou a família com o pai. Sua mãe foi pase individualmento da disciplina, que se seguiu passar uns tempos na URSS. e preisentantes, sar dois meses em Budapeste, liberalização em que a imprente, sem suas famílias. Prepasa soviétic., dentro do espírito á morte de Stálin. ficou só com a louríssima; em e ao regressar ficou desesperararam-no em sigilo, pelo simdo relatório secreto de K h r u s Tanto que o camarada Mltln pleno idíiio, sentava-se horas a ples gosto, suponho, da: ela só "sabia falar húngaro de envoltchov, começou a reabilitar pesainda se achou no dever de e francês, e os filhos agora só fio com ela no banco, sob a ver tudo em mistério. soas, t c e s e corrent3s condedesagravar o PC brasileiro, por copa de uma árvore. As pessoas entediam soviético. Nessa noite bebemos todos nadri3 ao tompo do absolutistão duradouro equívoco, e re- Iam e vinham, olhavam e coem abundância, — Mítin tcrPresenciei-a a convei'sar num mo stalinista. O Marechal T u feriu-se em duas reuniões con- mentavam, e eles indiferentes. nou-se caloroso e alegre, blingrupo e a dizer que resolvera katchewsky, herói do Exércisecutivas ao "camarada Pres- Até que a família déie regresdando com freqüência, rindo voltar em definitivo para Budato Vermelho, fuzilado como estes, uma das personalidades sou. Então os idflíos passaram alto. Depois, fêz um discurso peste, com os filhos; se o P a r t i - pião, teve ssu retrato emoldubem conhecidas do movimento a ser mais curtos, mais disfar- em que salientou a grande do quisesse mandar substituto rado c dependurado de novo comunista internacional . honra consistente em trabapara o marido dela, bem: se no salão nobre da Casa do çados, porém continuaram. E Também alguns redatores ruslhar no órgão kominfcrmista não. paciência, ela é que não Exército. O órgão teórico do sos fizeram questão de mpstrar um dia a louríssima veio des- Por uma paz duradoura, por ficaria mais ali; partiria na sepedir-se de nós; viajaria no PCUS — kommunist — publique sabiam estar o Brasil colouma democracia popular. Comgunda-feira íe p a r t i u ) . Ne.ssa cou um editorial asseverando cado antes da Argentina. E dia seguinte. No dia seguinte, pa;-ou. Disse que honra igual ocasião, várias senhoras concorâU3, contrariamente ao que se quando passávamos juntos. S ' - houve reunião do Colcgiado, e eva trabalhar na Pravda. o 6rdaram em que era desagradáBicsúdnov ausente: seguira issera ate ali, cs manoncvisra e eu, e cumpriment'vamos Cão oficial do PCUS. Inforvel o que lhe ocorrera, e minha não foram espiões nem agenao mesmo temoo Tim camara- para Moscou no mesmo avião mou que todos aqi'êl?s que mulher interveio, fornecendo tes do imperialiismo estrangeida russo, êle re.soondia de que a louríssima. Ela ficou por passaram pela redação da uma receita para evitar o mal: lá, èle regressou na outra .sero, mas um corrente do moviacordo com a nova ordem; Pravda se consideravam sem— É por isso que eu não deimana. mento operário e socialista — Zdrávstvitie. tavárich Ripre e eram sempre consideraxo que a minha fale russo em russo. E a revista Partinnaia Menos de um mês se passabeiro. Zdrávstvltie, tavárich dos como pravdist — O que casa, nem com a cozinheira, J i / n (Vida Partidária) denunra, nuando Românov foi trans- representava um titulo de honSerá, que é romena, mas entende um ciava a desigualdade de t r a t a ferido para Moscou, abrindo ra todo especial. Assim t a m ; pouco de russo. Outro dia, até mento na vida soviética e enuma vasa de redator-chefe. pabém — acrescentou êle — ó a mim se dirigiu em ru.sso. Entre os própros camaradas üe ra a qual foi promovido Biescamarada Românov. como totrou na sala e foi dizendo: MaPartido, observando que o suRurinov. Er:a promoção- não dcs nós que ali estávamo', ma, s k a j i . . . Mas eu cortei loNo restaurante existiam duas bordinado chamava ao supeteve boa acolhida entre as semesmo depois de deixar o Z* go; mostrei-lhe a chinela e dissalas — uma reservada ao.i rior de Tjr (vós) e por éle era nhoras kominformístas. Numa pritchnii mir (Por uma p a i se: "olha aqui o skaji; russo, chefes, outra para os empregachamado de ty (tu) duradoura), haveria de conslda porta para fora; aqui dentro dos. Ignorando a discri-nini- roda feminina, a mulher cio dsrar-se sempre e de ser semsó me fales o português". Essa desigualdade, nos meios ção, eu fazia minhas refeições italiano protestou, com apoio da.s outras: pre considerado... do Kominform. era mais acenE as mesmas senhoras, todas ora numa sala. ora em outra. — Isso não é Juíto. Castigam tuada ainda que na Escola em estrangeiras, balançaram a caVacilou, ergueu a taça, nós Só fui mesmo alertado para o Moscou, e me causava verdabeça, dizendo que ela fazia muiersuemos as ncs.?aí, e ficamos fato quando, um dia, indo o a moça. tomando-lhe o eranrcdeiro choque. Em primeiro lugo e mandando-a quem sab« to bem. k espera do adjetivo que Mírepresentante italiano almoçar gar porque, tendo desaparecitin Iria derivar do quilométriA atividade cultural, os esali, encontrou-me na segunda lá para onde, enquanto êle ê do, como se proclamava, o anco título de ncsso jornal para portes e todos os divertimensala e. sentando à minha me- pro:novido.. Os homens se protagonismo de classes na societesem uns aos outros. ajilicar em Românov. Eu, de tos eram dirigidos pelos russos. sa, pilherlou corrigo: dade soviética, não poderia h a minha parte, após tcdo o álOs responsáveis pelos jogos de Só a mu'her do novo secretá— Fazendo sua demagogia, ver mais base para as diferencool que ingerira naquela noivolibol e pela guarda do materio do jornal é que encarava o hein? Almoçando na salaf dos ças de tratamento. Em eegunte, seria incapaz de derivar rial esportivo eram russos, ,dea.ssunto por outro prisma. empregados... do lugar porque as diferenças qualquer coisa. O mesmo esta.signados pela célula dos comu— Pois eu penso diferente. Manifestei-lhe estranheza e nos países burgueses, a que eu ria acontecendo com os denistas russos. Quando se orgareijulsa por tanta discrimina- A promoção dele eu até commais. Entrementes. havia um nizou uin , torneio de volibol, estava acostumado, não obedepreendo: o outro foi embora, o ção. Felizmente o PCB não ciam a essa gradaçào existen•uapenae... O orador tempeainda eram os rusS3S que taatingira ainda esse grau de dl- lugar cabia a êle. E sou insuste na U R S S . É claro qu,í mirou a garganta, p a r a ganhar ziam tudo, que controlavam ferenclaçfto burocrática, peita para dizer isso. porque se nha experiência se limitava aos tempo, e elevou a mão em tudo, não abrindo mão pase bem tendese, nos últimos êle nSo fosse promovido, talvez ciicuics partidários. Mas o concha, à altura da cabeça, ra um estrangeiro s e q u e r do o beneficiado fosse meu maritempos, a adotar certas noviPCUS não era o educador e como se fôs.se colher a precioposto de juiz. Ensaiava-se uma do. Acho que ela é que devia dades de inspiração visivelportanto o espelho em que s; sa palavra. E arrematou: peça de teatro, o metteur-enmente soviética. Mesmo na ser c.stigada severamente, pormiravam os cidadãos soviéti— ...considerado como úm scène era russo; organizava-.se que foi quem provocou o hocos? Escola em Moscou não se cheum banquete, o animador (pesravdJst do Za Prntchnli ntir. . gava a tanto. Por que ifso? E maiij. todos sabem disso. Mas, soa que dirigia a parte cultural Assim como nos quartéis, em lebamcs, p o i s , à saúde do ela, ao invés de ser castigada o Italiano exclamou, sorrindo: do mesmo, reclamando de A ou que há o círculo dos soldados pravdist do Za prôtchnil mir, — Ecco. Aqui é assim. Que minha filha, foi até promovi- nosso querido camarada RoB que usas.se da palavra; sugee cabos, depois o círculo dcs da. Êle mesmo arraniou para mânov. rindo fossem cantadas tais ou fazer? sargentos e suboflciais, depois quais canções revolucionárias; o circulo dos oficiais inferiores Por espirito de oposição, in- ela, no Ministério do Exterior, Emborcamos nossas taças • ganhando «olaudimos tempestuosamente. propondo várias outras coisas) e o dcs suiMriores, e finalmendignado com tamanha estupi- um ótimo luiar, também era russo. te o dcs cficii-.is generais, tamdez reacionária, pass:l a almo- multo bem. Isso é que não é Foi então que assisti a esta bim no Kominform liavia os Dei-me ao trabalho certa vez, çar somente na sala dos em- ju.--to. cena inacreditável: Mítin foi E assim ê.sses dois casos fodiversos círculos. E dentro de no cinema, de calcular o núao encontio de Românov t pregados. O italiano e o arram resolvidos de maneira tocada círculo, as diferenças ae mero de pessoas que lotavam beijou-o na boca. prolongada gentino passaram a proceder posto. a sala; somei o número de cae ardentemente, como os cado mesmo modo. Deoois, ou- talmente diversa, de acordo com deiras de cada fila e multipliNas reuniões do Coleglado, tros representantes de países Um .só critério: o da posição sais apaixonados ncs filmes d* quei pelo número de filas. Depor exemplo, a dispcsição dos Hollywocd. Até aí. nada de capitalistas e até de democrii- hierárquica de seus personapois, arbitrei certo número parepresentantes, à meia (não mais; esse é um costume soclas populares. Estavíi lançada Rens. ra os ausentes e para as crianredonda), obedecia a uma hieAliás, não só pessoas, como viético — homens se beijarem a confusão. Apagara-se a liças, e concluí que no.ssa popurarquia rigorosa. A cabeceira nha imaginária que separava, também organizações se enqua- na boca — que encerra granlação era de umas 500 almas, ficava Mítin, como diretor do dravam nesse critério, como é de pureza e simplicidade. Lsso as duas salas. todas elas — à parte a comuJornal; à direita. ImediataMas essas Unhas discrimina- o caso dos partidos comunistas. em geral acontece em momennidade Infantil — membros de mente depois dele. o redatortórias surgiam por toda parte, Assim é que os P P . CC. das tos da mais alta emoção. Num partidos comunistas ou das orchefe e o secretário, ambos eram compêndio soviético, usado na* até mesmo nos problemas democracias populares ganizações comunistas juvenis. russcs; depois vinham oa reescolas primárias, existe uma amorosos, conforme pude veri- considerados partidos-irmáos do ilustração Em números apro.xlmados. eles preícntantes da Polônia, Romêque aparece um ficar por dois casos criados, em PCUS; naturalmente, os par- soldado, oem fuzil se distribuíam assim: 100 e nia e Hungria: e logo Argena tiracolo, de países capitalistas ocasiões diferentes, em torno tidos tantos funcionários russos e tina, Brasil, Cuba e I r ã . Do abraçando e beijando na boca eram partldos-primos. Outrora, de duas mulheres bonitas. mais uns 200 membros de suas lado esquerdo da mesa. imediaum camtKjnés de enormes Uma delas, casada com Aiio- quando só o PCUS se achava famílias: cerca de 50 romenos, tamente depois de Mítin, vibigodes. Eu meinio tive a cha, o chefe da célula local da no poder, todos os partidos co30 espanhóis, 15 franceses, e nham a França (apesar de ter oportunidade de receber, na Juventude comunista r u s s a , munistas eram considerados irnumerosos grupos de 6 a 2 pesum partido menor que o d^ URSS, a contragosto, sememãos do PCUS e irmãos entre ensaiava um drama de amor. a soas, que trabalhavam nas ouItália, levava-se em conta que lhante prova de grande e pu.ser levado em nosso palco, Ri, e assim se tratavam, ao metras edições estrangeiras ou faera mais industrializada, posra amizade. Mar, no caso de como parte dos festejos de nos no papel. Mas a situação ziam parte das famílias dos resuía colônias e era considerada Mítin foi diferente: beijou Romudava e eis que um dia, pauma data soviética. Tinha copresentantes. um dos Quatro Grandes, a mânov na bôea, depois abramo companheiro de ensaio, no ra surpresa dcs representantes Itália, a Tcheco-Eslováquia, a çou e beijou na boca um por Como se explica que houveslatino-americanos, que ouvíapapel de galã, um jovem rus.so, Bulgária (por ser o país de um dos representantes <l»s dese tanta gente para fazer uin mos aquilo pela primeira vez, .solteiro, tradutor de italiano. Dmítrov. o herói de Leipzlg, mocracias populares; em sesemanário de quatro páginas, Mítin fêz essa distinção, d« E começou o namoro entre antigo secretário da Internaguida, abraçou e beijou nas quase todas ocupadas por loncional Comunista), a Alemaeles. Soube-se, posteriormente, passagem, como se fosse algo duas faces os representantes de gos artigos de dirigentes comunotório: "Quero pedir aos renha Oriental, o Canadá, a In, que o marido, notando o expaíses capitalistas: e por últinistas? Explicar náo posso, mas donésia, Slria-Líbano. Quf^ndo mo. apena.5 abraçou e apertou cesso de realismo com que am- presentantes de todos os parsou capaz de reconstituir, com chegou o representante JapoRS mãos dos representantes de bos ensaiavam, c h a m o u a tidos aqui representados, .sobreestreita margem de erro. onde nês, abriram-lhe uma vaga enatenção deles para o fato, ale- tudo aos camaradas Fulano, países semicoloniais. Eram bei.se encontravam os cento e tanBeltrano e Sicrano imencionou tre o Canadá e a Indonésia. jes políticos e burocráticos, rítos russos. Comecemos pelo Degando ser preciso evitar maleDepois ainda, de ambos os lapartamento de Informação e dicênclas. Recomendou que al- o tcheco. o polonês, outro.s Bidamente enquadrados na ordcs. seguiam-se ns camarada.' dem hierárquica. pela parte administrativa do gumas cenas fossem ensaiadas maisi. isto é. aos repre.sentani'Uí>.ns enranegados rla.s pdljornal: na .secàn po.stal. 5: gaNâo exagero, não invento, rir modo .simbólico, exemplifi- tpí do.s partido' irmãos.. . " gões eftran[|eiras impressas em ragem, 4, posto sanitário, 2; Os representantes doi P!^'tináo pilherio. Aconteceu assim. cando; "no moiTi^nto de ela ^J'-l^.: Sob o comando da URSS funcionava o Kominform •r 5. SOB O COMANDO RUSSO Para cada edlçfto tirada em Bucareste, funcionava no Kominform uma redação separada, tendo sempre como chefe um russo e, como subchefe, um redator da nacionalidade correspondente. Por exemplo: -o chefe da redação espanhola era um russo, Perfíliev, que conhecia regularmente o espan h o l ; o subchefe era um espanhol, que conhecia muito bem seu idioma e sabia muito mais russo do que Perfíliev sabia espanhol. Só havia duas exceções: a redação francesa, que tinha como chefe e subchefe dois franceses; e a inglesa, cujos chefe e subchefe eram ambos russos, não obstante se encontrarem naquela redação quatro camaradas vindos da Inglaterra. De fato, ninguém acre(iítava ali no revolucionarismo do PC britânico; freqüentemente ouviam-se referências irônicas às constantes vilegiaturas de seu secretáriogeral. Harry Pollitt, á URSS, a China e a outros países do mundo comunista. Dai que, na redação inglesa do Jornal kominformista, não confiassem a um camarada britânico sequer a subchefia da redação. (*) A hierarquização da vida «oviétlca estendeu-se a todo o movimento comimiala, liqüidando a igualdade entre os partidos que o compunham e subordinando todos eles ao da C K S S . No Kominíorm esse tipo de relações interpartidárias era p a t e n t e . Estávamos todos ali sob comando russo. A redação central era rusrsa. Isso significa que tòda.s as outras redações (inclusive a romena, em territsório ' r o meno) eram consideradas estrangeiras. A russa compunhase de 12 redatores, com as mais diversas especialidades: em economia, filosofia, assuntos europeus e de outi-os continentes, e havia até, curiosamente, um especialista em Lên i n . Não se tratava de um analista do leninismo; era simplesmente um homem que sabia de memória a biografia e bibliografia do fundador do Estado Soviético, que podia localizar imediatamente o , capítulo e até a página em que se encontravam frases a éle atribuídas; se a citação vinha em forma vaga, o especialista seria capaz de, em alguns (•) Os russos tratavam d» disminutos, dar-lhe a forma exasimular ê&se desprezo p«los Int a e enquadrá-la entre aspas. gleses com gestos diplomáticos. ciência, qualificávamos de "iluO editorial, via de regra, era Recoido-me de que numa íest» sões pequeno-burguesas do caescrito por um desses redatonossa v&rlos grupos estrangeiros res, e só depois de sugestão entoaram cançfies reToluclonárias marada X " , ou "modo nacioíeito pelo camarada Kucky, o de seus países (cs ItalUnos, a nalista de enfocar o probletcheco, é que se passou a, de Bandeira Rossa, os franceses La m a " , escrevíamos uma nota ou vez em quando, conceder a Carmagnole e Ça ira, ça Ira, os artigo, tomando como base os espanhóis, El Quinto Regimiento íatos contidos nesses materiais, Um de nós, representantes, a e t c ) . Os russos entio bateram mas procurando enquadrá-los honra de escrevê-lo. A coluna palmas e exigiram que os Ingle- nos pontos-de-vista em vigor intitulada Notas Políticas, a • única que discutia os assuntos sas cantassem a sua. Kntio um no Kominform. A esses escridos Ingleses segredou algo à sua tos, redigidos em nossos gabicom leveza e graça, tornandomulher, pôs a língua de fora e a netes em Bucareste, dávamos se muito popular no mundo corecolheu como a saborear uma pi- um antetítulo indicando a falmunista, era assinada sempre lhéria, e se puseram a cantar alcom o pseudônimo de l a n Maprocedência ("Carta de Bogo em seu Idioma, num tom épi- sa reie — que muitos leitores penco, que os russos aplaudiram gotá", " C a r t a de Nova Iorsavam ser o nome genuíno de multo, supondo tratar-se afinal q u e " , "Carta do Rio de Janeium comentarista. Dai que chede um chamado às massas para ro") e assinando-os com um gassem, amiúde, dirigida a êle, que Incendiassem a Câmara dOs pseudônimo apropriado ao idiocartas de comunistas de BomLordes. E era apenas a velha can- ma do pais a que se referisse. baim, Santiago do Chile, H a çRo folclórica She'U be coming Não raro dirigentes comunistas vi-e ou Melbourne, e cuja lei'round the moutain, com um es- de tai.s países nos enviavam tura, no inicio de nossas reutrlbllho onomatopaico ihi hi yip- queixas* amargas contra a deniões, provocava sorrisos e copy yippy hl) « estrofes como turpação, por nós feita, de almentários jocosos. Essa coluguns fatos, e sobretudo contra na era escrita, em rodízio, por a orientação política que imtrês Jornalistas russos. Mitin '•He'll be wearlng &l\V: pyjamas primíamos a tais escritos, em chamou-me a atenção para um when she comes (Repeat) desacordo com os de seu? pardeles, certo dia, indicando o Heil be wearlng sllk pyjamas tidos. Mas a opinião deles não wearlng Rllk pyjamas camarada alquebrado, amarelissimo, de menos de cingüenWearlng sllk pyjama» when she tinha, para nós, valor algum. movimento comunista era ta anos de idade, que saía de [comes." O como um vasto exército, sob o seu gabinete : Em relação com as funções vmy\«nàa- dos esiaa.tesíista.s russos, e só a ésles devíamos obe— este é o nosso melhor l a n exigiam, para maior facilidade diência. Marek — disse. E a juntou, de .seu desempenho, a particiNo dia em que o jornal tinha mudando de tom: — É u m pação de camaradas do País. os de rodar, nos ficávamos de homem sem família: os pais, cargos de chefia sempre cabiam irmãos, tios, todos os parentes aos ru.ssos; e os de subchefia, plantão — Mítin, um representante de democracia popular próximos pereceram durante a aos romenos. Assim, o,chefe capitalista ou da garem era um ru.sso: o e um de pais (Êssê l a n Márek, que vivia subchefe, um romeno. A mé- subdesenvolvido. Depois de todas as correções de última hosempre doente, teve seu esta- dica e a dentista, rusSa.*;: as do de saúde agravado, embar- enfermeiras, romenas. Oa ar- ra, imprímiam-se três exemplacou para Moscou e, após uma tesãos romenos tinham • como res da edição soviética. Entjão semana, chegou a notícia de subchefe um conterrâneo seu, nós dávamos uma derradeira que ttrnia morrido). olhadela (se o representante mas o chefe de todos eles era Nessa redação havia bons um russo. Na seção postal, n ã o conhecia bem o russo, Jornalistas, m a s todos ou qua- trabalhava uma romena, mas recebia o auxílio de seu tradutor), catando erros eventuse todos muito dogmáticos, seu chefe era russo. ais, e se encontrávamos algo sempre agarrados ao texto dos O avião especial era ru.s.so; de gravidade, o que só rarateóricos marxistas consagraseus tripulantes, todos ru.ssai. dos, e alguns eram evidentemente acontecia, fazia-se a mente modestos de inteligên- E o próprio campo de pouso, emenda tipográfica na edição cia e conhecimentos. Certa vez, que lhe foi de.stinado. aa Ro- soviética e em todas as outras queixando-me das tolices ou- mênia, era praticamente terri- edições, tirava-se novo flâ da vidas de um deles, cujo nome tório ru.s.so. página em que houvera o ê n o , Indiquei, em conversa com um O papel dos representantes fundla-se outra telha daquela espanhol, este íéz um muxoxo estrangeiros no Kominform era página, e uma vez mais ímorie m e . afirmou, perto do ou- sobretudo formal: em muitos miàm-se três exemplares. Tudo casos servia apenas para saisso era feito com grande r a — ' Aquilo é um charlatão cramentar, com a chancela da pidez. Dentro de uma hora, esdiplomado... opinião coletiva, aquilo que os távamos examinando o novo fisses redaítores não se li- russos decidiam. Competia-nos exemplar. Findo o exame, Mímitavam a escrever os edito- ler as provas tipográfica.s dos tin perguntava: riais e notas; eram incumbi- principais trabalhos e verificar — Então, tavárich, posso asdos de dar forma, em russo, a se não havia algo em desacor- sinar? tudo que se destinasse a publi- do com os documentos políticos Dizíamos que sim; êle apucação no jornal. Só depois dis- oficiais em visor, isto é, com n h a sua assinatura ao pé de so é que «lualquer trabalho po- os documentos soviéticos ou cada página, em dois exempladia ser traduzido para as deres, dos quais guardava um. mais línguas em que se editava aprovados : los soviéticos, Tor- Recebendo outro exemplar o Por uma paz duradoura. Se nando-nos autênticos caçadores assinado poro Mítin, em nome de pcrola.s. E fosse de quem vinha um artigo em francês, era vertido para o russo, e essa íós.ss o trabalho, menos dos de nós três, o administrador da versão, depois de polida, t a - lussoS, c, le eram intocáveis, oficina tlDOgráfica. um camauma rada soviético, para lá corria lhada e retalhada por um propúnhamos modificar membro da redação central, frase ou suprimi-la, estabele- em seu Jipe. Uma impressora passava a ser considerada como cendo-se às vezes uma discus- começava então a rodar a edio texto original. Então é que são que concluía com a decisão ção soviética. Daí a pouco oupodia ser traduzido para as deadotada por Mítin c que éle tras impressoras, no mesmo lomais línguas, mesmo para o dizia .ser a média das opiniões cfsl, começavam a rodar as edições estranseiras. Era de mafrancês. E a esse trabalho de emitidas. drugada: nesse dia só haveria polimento, amputação e até enNossa eficiência se reveV.iva meio expediente, a partir das xerto, chamava-se tranqlulamnnte redigir, ou seja, em rus- na agudeza com que desco- 14 horas. so — riedaktirovat. Mas, nes- brisíDmos frases ligeiramente Os soviéticos centralizavam sa riedaktirovânie, com fie- em de.sacòrdo com os t3xtos sa- tudo e Mítin semore dava a Süência alterava-se o sentido grados. Às vezes alguém es- última palavra. Crítica só vie uma frase, supriraía-se um crevia algo assim: "Uma ex- gorava de cima para baixo: de. trecho que o autor reputava perié::cla notável da çohiítru- baixo para cima, desagradava, indispensável, aparecia miste- ção do socialismo na URSS es- encontrava réplicas hostis. Toriosamente uma expressão que tá em que... " O i pugnador ardas as tentativas de mudar esn í o constava do texto p n m i - gumentaria que a frase era am- se estado de coisas resultaram • t'vo Então o representante a bígua, podendo dar a impres- Inúteis. E decerto constituía um quem estava afeto o artigo ia são de que o sociali.smo soviéti- luxo, verdadeiro esbanjamento discutir com o redator russo, co estava ainda sendo construí- de quadros o fato de que o PC reclamar, protestar, obtendo do, e isso seria capaz de con- tcheco, por exemolo. retirasse êxito em alguns casos e fra- fundir centenas de milhares de Vladimir Kúcky da direção do casso em outros. leitores nossos no mundo in- Rude Pravo, Jornal diário ediem P r a i a , para deixá-lo Os redatores russos descon- teiro. Mítin então apartearia tado aprovativamente ("kharachó, como representante do Kominfiavam de todo pensamento k h a r a c h ó " — "bem, muito form. com a fiuioão de aprovar que não fosse lugar-comum, PS resoluções soviéticas, catar bem", dizia), porque segundo o que não correspondesse a uma ponto-de-vista oficial, a URSS frases dubitntivas nos artip^os fórmula usual. A possibilidade a serem publicados e responder de desvios da linha oficial apa- já terminou a construção do a Mítin. de madrugada, que vorava-os, e um dos recursos socialismo e se acha cm mar- podia assinar o exemplar-mopor eles utilizados era arrancar cha batida para o comunismo. dêlo da edição daquela .semana. As vezes alguém escrevia isto: pela raiz a coisa duvidosa. Por Por isso, os diversos partidos isso Togliatti deixou em defini- " O s povos querem ardentemenforam chamando seus repretivo de escrever para aquele te, a paz, sobretudo porque sa- sentantes e substituindo-os por periódico: apenas permitia que bem que uma guerra nuclear outros menos categorizados, cose transcrevessem informes ou seria uma catástrofe sem premo aconteceu com o búliaro. o cedentes, a destruição e a morartigos seus Já publicados na polonês, o tcheco e o francês. te de milhões e m i l h õ e s . . . " imprensa comunista italiana. Podia-se raciocinar que a Mesmo assim, como Stálin lhe Aparecia então um impugnador, pre.çenoa dos representantes espara protestar: " O espírito houvesse pespegado a etiqueta traneeíros se fazia necessária de oportunista, os redatores de.ssa frase está mUito derro- poroue cnda um deles era nati.sta e faz, portanto, o jogo turalmente um especialista e-n russos viam fantasmas de guerra, onestões de seu próorio pils. oportunismo até nas pntreli- dos provocadores de nhas dos escritos do chefe do que querem Intlmidar-nos e for- Mas a pi'etensa onlsciència dos concessões. soviéticos levava-os a fazerem P C J . E talhavam, então lá Ia car-nos a fazer alterações em trabalhos de Moranino. desesperado, arran- Em verdade, uma guerra nuclear não .seria o fim da cividirigentes de díver.sos partidos, cando da cabeça os escassos fios de cabelo, seguido de .seu tra- lização, como eles dizem, mas sem prévia consulta a o ' reso fim apenas da civilização ca- pectivo.^ representantes. E essa dutor, interpelar os russos: pitalista, como acentuou o ca- pretensão era de tal modD nve — Ma, perchè? até alguns tradutores se atreO Jornal Por uma paz dura- marada Molotov". E suprimia-se a malsinada viam a alterar os textos em doura, por uma democracia poque trabalhavam, áfsde oi'e pular se editava em 21 idio- frase. qunlquêr desacordo E.screviamos cartas e artigos notassem mas, sem excetuar o português, com as sagradas escrituras fopubllcando-se aqui no Brasil com pseudônimos (só os rus- viétícas. sob o título Democracia Popu- sos e os das democracias popuSucedeu-me, por exemplo, eslar. Mas em Buca reste só se lares usavam .seus próprios no- crever nota sobre det9l'pro- mlnada uma Imprimiam seis edições: ru.^sa, mes), procurando expor campanha nolítica que romena, francesa, alemã. In- blemas dos países que a nós se desenrolava no Brasil, e esglesa e espanhola. As demais, estavam afetos, mas dentro da pecifiquei que ela se fazia atracomo a italiana, tcheca, polo- orientação geral do Komin- vés da imorensa, da rádio e da nesa, húngara, chinesa e t a n - form, vale dizer, soviética. Re- televi.são. Pedinii-a em espanhol tas outras, eram publicadas cebíamos do Haiti, Venezuela e dei-a a Pavllcnko para que a •hos respectivos países, com ou Uruguai diversos materiais vertesse ao soviético e a encamanifesto.s, minhasse. Quando me veio a atraso que variava de aleuns • folhetos, cartas, dias a duas semanas, em rala- informes, jornaisJ C depois de nota da tipocrafia, compo.sta ção às edições feitas na Ko- r;iaminá-Io.s e nnntar o que. de em liriQiia soviética, observei longe e do alto^de nossa sufimênt^. V que faltava a palavra telCT^pio, mm i ê -1 ->%. ^^mt^ma^m^rmm Bf^ 4//. p,j>) x^'0.e^ 4/8. ».f 1 2 — 2.» cad.. Joniil á» Britil, Dissolução do Kominform foi uma exigência do Mar. Tito O JORNAL DO BRASIL prossegue hoje na publicação do livro O Retrato, do jornalista Osvaldo Peralva. Esta parte refere-se ao relatório secreto de Kruschev, denunciando os crimes de Stalin e as manobras desenvolvidas pela União Soviética para afastar a Iugoslávia da influência ocidental e levar Tito de volta ao "campo socialista". Explica o autor as razões da dissolução do. Kominform e sua ressurreição, tudo dentro dos processos soviéticos de conduzir sua política internacional. Também o ridículo a que foi levado o velho dirigente Harry Pollitt, do Partido Comunista da Inglaterra, de volta do XX Congresso e, sem nada saber por inteiro do relatório de Kruschev e sua posterior substituição, estão igualmente relatados nos capítulos que se seguem. vezes, parava, Indagava dele de um ou outro que entendia o francês ou o inglês, se tinha escutado, a propósito de um relatório secreto, a Rádio de A bomba do relatório secreta Paris ou a BBC. A resposta de Kruschev, sobre os mons- vinha sempre acompanhada de truosos crimes praticados por um sorriso infantil, que preStálin, não explodiu de vez tendia ser superior: — Já estamos acostumados sobre o Kominform; chegou através de estilhaços, que com as calúnias das rádios burguesas, tavárich. V i v e m (;aiam a Intervalos, em forma de noticias transmitidas àbôca- para isso. Não perco meu tempequena ou de trechos repro- po em escutá-las. Pelo que pude apurar, a pririu7ádos em diversos jornais eu- meira leitura do intoirae seiopeus. creto foi feita perante os memPessoalmente eu tinha acesso bros do Central do normal não só a jornais e re- PCUS (ou Comitê perante todos vistas brasileiros, como aos de os delegadostalvez ao Condiversos países da Kuropa, re- sre&so), maissoviéticos os representancebidos por outros representan- tes dos partidos comunistas da tes de partidos. *- não só jor- China, Pi-ança, Itália e das renais comunistas, como até an- públicas populares européias. ticomunistas. Era um privilégio Aos demais dirigentes não foi que se nos facultava, porque dada a confiança ao menos deviam considerar-nos vacina- de advertir que havia um redos contra a propaganda bur- latório falando sobre crimes guesa. Os franceses, íacilita- de Stalin. O resultado é que vam-me a leitura de Le Monde Harry Pollitt, por exemplo, o c rHumanlté; os Italianos, a velho dirigente do Partido Coleitura de Paese Será, Rinasci- munista da Inglaterra, BÓ sata, II Contemporâneo, L'Unità bia do assunto aquilo que os e até de Jornais de Trieste, que informes oficiais revelaram: seguim a linha titoista. Com criticas veladas a Stalin. Mas os ingleses eu obtinha não só enquanto êle se demorava em o Daily Worker, como a edição Moscou, ainda duas semanas após o Congresso, na mais saneuropéia do New Yorli Times. Pol lendo alguns dc-:2s Jor- ta ignorância, a imprensa inJá havia divulgado os nais e tam-ím escutando es- glesa trechos principais do relatório tações de rádio estrangeiras. secreto. no t|ue os representantes italiano, aeroporto Aoemdesembarcar Londres, uma argentino e eu, por exemplo, legião de repórteres e fotógratomamos conhecimento — pri- fos o assediou. Nunca em seu meiro, de que existia imi rela- país êle havia despertado tatório secreto, e, depois, de tre- manho interesse. Crivaramchos me:mos desse relatório. no de perguntas sobre Stalin, Não quisemos desde logo acre- os crimes de Stalin, o relatóditar nessas notícias. O próprio rio secreto contra Stalin, e a Le Monde publicou com reser- tudo o bom homem respondia vas o primeiro trc "••o, obser- com'os chavões habituais: cavando que a veracidade daquela lúnias, invenções, Stalin concorrespondência era de respon- tinuava amado pelos comunissabilidade exclu: . de seu en- tas do mundo inteiro. Os jorviado a Moscou. Por sua vez, nalistas notaram que êle de os correspondentes f a z i a m nada sabia, e o puseram em questão de advertir que não ridículo, apresentando-o como lhes cabia o mérito por tão consumado Idiota. sensacionais fure • eram jos diAbriu-se então nas páginas rigentes soviéticos mesmos que do Daily VVorker londrino um estavam dando fugas (fuites, debate em torno do Congres-" dizia o enviado francês) a tre- so do PCUS. Pollit escreveu chos do relatório. Parece que, um artigo sob o titulo O Papel a princípio, tanto os jornais de Stalin (The Role ot Stacomo seus correspondentes te- lin), na edição de 24 de março miam estar sendo vítimas de de 1956, repetindo os mesmos espetacular barriga, como se chavões e as mesmas acuisadiz na gíria de imprensa, vi- ções formais contidos nos dosando a desmoralizá-los. cumentos públicos do conclaE quanto a nós, supúnhamos ve antistalinista. Nada que revelasse o mais leve espirito que se tratasse de mais uma critico em relação aos fatos invencionice desses jornais... novoe. Mas, membros de Mas a insistência na divulgação base, através dos de cartas e artice outros trechos, desvendando gos, começaram a mulaspectos desconhecidos de acon- tas críticas. No diasurglt estamtecimentos públicos e notórios, pou-se uma carta do 26leitor W. acabou rasgando etn nossa que assim principiava: consciência a admissão da pos- S.,"Por que o partido até o mosibilidade — não ainda de que mento não conseguiu atrair as acvsações fossem verdadeiem seu apoio, neste ms, mas de que Kruschev as massas Jamais fomos capazes houvesse feito. Era a primeira, pais? de admitir isto que se ocultahrecha, que os fatos iriam alar- va em nossas mentes — que gar com ímpeto cada vez maior. tem havido bastante verdade Senti que entrara em estado na crítica de nossos inimigos de crise: obsecado, passei a fa- de que nós éramos instrumenzer-me mil e uma perguntas tos de Moscou, e é precisaque não encontravam resposta. mente iiõso que tem afastado a buscar mil e uma explicações muitas pessoas que provavelque simplesmente não existiam. mente nos apoiariam". Parece que todas as luzes se Dia 27, em carta que recebeu haviam apagado . eu me mo- o titulo de Covardia Moral, o via como um fantasma em leitor J. St. John escrevia: plena e:;uridão. "E:speramos que os atuais liSerria possível agora, de re- deres soviéticos estejam repapente, a quem tanto admirarando os erros que, como coda e amava antes? E as cenas laboradores de Stalin, presudo relatório voltavam a em- mivelmente ajudaram a comepolgar-me. e a Esfinge — o ter, mais a gente percebe no próprio Stalin, com seu ca- artigo de Pollitt uma contichimbo, seus bigodes, sua blu- nuação do mesmo velho e absa — voltava a me propor seu Jecto entusiasmo por tudo que eles dizem ou fazem. — Por enigma, ameaçando: que, por exemplo, êle não os — Ou me decifras ou te decritica por não publicarem um voro. E de suas mãos crispadas relatório completo do discurso de Krustchev na sessão privagotejava o sangue. Eu abria ca olhos • desistia da tentati- da do 20." Congresso, agora va de dormir. Refletia, lem- que muitas partes dele escapabrava coisas abandonadas nos ram? — Êle podia também confins da memória, mudava censurá-los porque o convidade posição na cama. Levanta- ram a ir a Moscou e depois o va-me de manhã cedinho, os mandaram de volta a seu pais depois de lhe haverem dito olhos empapuçados. saía para meu gabinete. Antes de lá apenas uma parte da verdade". chegar, encontrava a l g u m membro da redação soviética, Na mesma edição publicavacumprimentava -o: se outra carta, firmada com — ZdrávsToiUe. Nu, kak, ta- as iniciais S. C , comentando: E êle, com a maior tranqüi"Harry Pollitt escreveu sálidade do mundo, o rosto re- bado que "se os erros passado» pousado, um sorriso de crian- têm de ser corrigidos . . . a verça grande: dade sobre o passado deve — Zdrávstvuitle. No, kak, ta- ser dita publicamente" (grifo Tárich: vció Kliarachó? (Sal- meu). — Isto é precisamente o ve. E que tal, camarada, tudo que não tem sido feito. DÍSMbem?). ram-nos na edição do Daily Às vêze» eu respondia for- Worker da última segundamalmente que "tudo bem'. As feira (19 de marco) que ;m o RELATÓRIO SECRETO reuniões assistidas por mais de 30 milhões de pessoas está sendo discutido o informe apresentado por Kruschev numa sessão privada do Congresso. — Apenas fragmentos desse informe chegaram até nós — ao que parece, deliberadamente — e é na base desses fragmentos que Pollitt escreve um artigo sobre o papel de Stalin". Pouco depois reuniu-se o Comitê Central do Partido Comunista Britânico. Pollitt, jã desmoralizado era público, foi declnitido doente, e a direção do Partido passou ás mãos de John GoUan. Acompanhei esses fatos ainda em Bucareste, lendo e dactilografando cartas e artigo.s inteiros aparecidos nos jornai.s Ingleses, que me emprestavam com a recomendação de devolver em seguida. Estive com vários dirigentes que transitavam pela Romênia, de regresso de Moscou, revelando a mesma ignorância de Pollitt sobre o relatório secreto. Passaram-se semanas, dissolveu-se o Kominform, fui à Hungria, depol* rumei para a Tcheco-Eslováuia, e ainda ali vi chegarem irigentes comunistas estrangeiros que nada, sabiam do assunto, be Cuba vinha a notícia de que um dirigente comunista, entrevistado pela Rádio, declarara que o "relatório secreto" não passava de mais uma "infa.me invencione do FBI e do Departamento de Estado norte-americano". Camaradas chegados da França e da Itália falavam da confusão reinante em seus partidos. Um deputado comunista italiano, cheio de cólera, interpelara Togllatti: "E tu, que eras Secretário do Komintern, qual é tua responsabilidade em todos esses crimes?!" Togliatti respondera que, na prática, êle lôra apenas um modesto funcionário daguela organização. Numa reuniao do Comitê Central do PCP, gritaram a Thorez: "Tu também tens as mãos tintas de sangue! Eras um dos dirigentes do Komintern..." Então o Bureau Político do PCF deu uma nota estranhando que o relatório secreto, agora aivulgado na União Soviética e transcrito na imprensa burguesa, ainda não pudesse ser comunicado oficialmente aos camaradas franceses... E sugeria sua publicação na França. Mas a direção do Partido soviético convidou o PCP a enviar uma delegação a Moscou para discutirem o assunto pessoalmente. Daí resultou apenas um longo artigo editorial no Pravda, em que se dizia uma pequena parte da verdade sobre Stajin, mas a publicação oficial do sensacional documento foi proibida. Em julho de 1956, indo a Moscou para me encontrar com Arruda, que chefiara a delegação brasileira ao XX Congresso do P(TUS, dele ouvi a confissão de que, após o conclave, seguira para a China sem sequer suspeitar da existência desse informe especial. Em Pequim é que lhe foi dito algo a respeito, mas só agora. de volta à Capital soviética e a instâncias suas, é que Koriônov autorizara a um tradutor de espanhol que o lesse para éle. proibindo-o entretanto de tomar anotações do mesmo. Por aqueles dias a disciplina se havia relaxado, e Arruda pôde copiar longos trechos, escritos a mão, num ca,derno pautado, que depois me mostrou. Mesmo assim, desconfiado que houvessem suprimido, na leitura, partes do relatório, fêz-me várias perguntas sobre seu conteúdo, e eu Ia dizendo de memória tudo quanto lembrava. Por esse cotejo, verifiquei que lhe foi feita a leitura completa. a « * * Porque o grupo de Kruschev, então composto de Bulgânin, Mikoyan, Chepilov e poucos mais, resolveu denunciar Stálin ante o XX Congresso, da maneira violenta por que o fêz? fisse mesmo grupo, vários meses antes, precisamente a 26 de maio de 1955, desembarcou no aeroporto de Belgrado, e o chefe da delegação, N i k 11 a Kruschev, surpreendeu o mundo e aos próprios iugoslavos com um discurso em que pretendia liquidar as graves divergências cavadas entre os dois países, apenas passando uma esponja sobre elas, de maneira simplória, para não dizer cínica. Em vez de se dirigir cerimoniosamente ao chefe do Governo Iugoslavo, conforme as regras mais comesinhas da diplomacia, visto que se tratava de uma delegação governamental, Nikita agarrou o microfone e assim começou: "Querido camarada Tito!" Adiante, declarou lamentar o que acontecera e o atribuiu ao "papel provocador desempenhado nas relações entre a Iugoslávia e a URSS pelos inimigos do povo atualm^^nte desmascarados B é r i a , Abakúmov e outros". Prosseguiu: "Estudamos a fundo os materiais sobre os quais se baseavam as pesadas acusações e os ultrajes lançados então contia os dirigentes da Iugo,slávla. Os fatos mostram que esses materiais foram fabricados pelos inimigos do povo, pelos desprezíveis agentes do imperialismo que se haviam infiltrado, por melo da duplicidade, nas fileiras de no-sso partido". Por essas tiradas não esperava o líder iugoslavo, que as recebeu com indignação, como se estivesse sendo empurrado para uma armadilha. Tanto que, terminado o discurso de Nikita, quando o repórter radiofônico aproximou de Tito o microfone, este o afastou bruscamente com a mão e não leu a saudação protocolar que tinha levado para dar as boas-vindas aos delegados soviéticos. Era evidente e enorme o interesse manifestado pelos soviéticos em acabar, à sua maneira, com aqueles desentendimentos. Em fins de 1954, assisti em Moscou ao Ifuçamento de uma obra, intitulada Materialismo Histórico, cujo principal autor era um membro-correspondente da Academia de Ciências e memblo-suplente do CC do PCUS, F. V. fconstantínov. Embora se tratasse de obra filosófica, não faltaram ai os xingamentos mais duros contra Tito e outros dirigentes iugoslavos. O Embaixador da Iugoslávia leu e protestou; então os soviéticos recolheram aquela edição, lançaram outra, expurgada das diatribes contra Tito, e f i z e r a m severa critica a Konstantlnov, q u a 11 ficando-o de "poUticamertte míope", pois não via que logo após a morte de Stálin a Pravda e o órgão do Kominform cessaram seus ataques á Iugoslávia, se bem tampouco a elogias.sem. Ademais, p o u c o antes desse incidente, Molotov conversou com o Embaixador iugoslavo e propôs: — Vamos resolver amigavelmente nossas divergências. O que passou, passou, Façamos de conta que foi tudo um malentendido. Vocês atribuem a culpa a DJilas, de seu lado, e nós atribuímos aqui a culpa a Béria. A proposta foi repelida, e agora, no discurso do aeroporto, Kruschev repetiu-a, com uma variante, como se dl.ssesse: "Bem, então admitamos <^ue a culpa foi Ró nossa, isto e, de Béria, e façamos as pazes". Mas os iugoslavos queriam ir ao fundo da questão, e tampouco aceitaram a nova proposta. Sei disso porque, em reunião secreta no Kominform, Mitin nos transmitiu o relato feito por Kruschev das conversações em Belgrado. Primeiramente, houve um convite a Tito para ir a Moscou. Mas o Marechal iugoslavo não se sentia em segurança para ir à URSS, pois bem conhecia os métodos stalinistas, e contrapropôs que st encontrassem à m a r g e m do Danúbio, num ponto qualquer da fronteira com a Hungria ou a Romênia. A isso contestara Kruschev: — A União Soviética é uma nação demasiado grande para caber debaixo de uma árvore na fronteira; nesse caso, preferimos ir ao vosso encontro em Belgrado. Foram. No curso das negociações, que se desenrolavam no plano intergovernamental, houve, entretanto, longa e áspera discussão em torno de questões partidárias, porque os soviéticos queriam atribuir todas as perseguições, calúnias, boicotes, conspirações contra a Iugoslávia a esses dois camaradas, que êles Já tinham passado pelas armas: Béria e Abakúmov. Mas Tito obstinava-se em declarar que Béria e Abakúmov eram simples lacaio» de StiUn. E concluía: — O responsável por tudo foi o próprio Stalin. Aí o temperamental Nikita ameaçou teatralmente romper as conversações, declarando: — Você, camarada Tito, ô incoerente, porque se diz Leninista e, ao mesmo tempo, agride Stalin, o melhor discípulo de Lênine. Se os camaradas insistirem nessa atitude, arrumaremos as malas e partiremos de volta O . Stállna niè dadine ! E ao representar esse ponto dos debates, Mítin, colocandose na pele do protagonista, vibrou um murro na mesa e repetiu com ênfase: — iittàlina niê dadime! — gritou-lhe o camarada Kruschev. A expressão russa quer dizer, ao pé da letra: "Não daremos Stafin", e tem o sentido de "Não sacrificaremos Stalin", "Não entregaremos Stalin às feras". MORTE E RESSURREIÇÃO DO KOMINFORM Dois ônibus estavam postados no recinto do Kominform e m u i t a s pessoas giravam em torno deles, aguardando o momento da partida para a excursão. Era num domingo pela manhã, dia 15 de abril de 1956. Nisso chegou Bazânov e, cumprindo ordens do Mitin, interditou a saída de quem quer que fosse. Declaravam-se sem efeito o domingo e a excursão. O dia de descanso foi transformado em dia de trabalho. Todos a postos! Convocou-se u m a reunião secreta dos representantes, sob a presidência de Mitin. Não durou muito. Fomos informados de que os dirigentes máximos dos partidos que oficialmente compunham o Bureau de Informação d e c i d i r a m , em Moscou, logo após o XX Congresso do PCUS, dissolver aquele organismo. Incumbiram ao PC soviético de escolher a data mais propicia a essa medida e combinaram reunir-se no futuro para encontrar novas e mais adequadas formas de vinculação entre os partidos comunistas e operários. Mitin leu a nota assinada pelos comitês centrais dos partidos comunistas e operários da Bulgária, Hungria, Itália, Polônia, Romênia, União Soviética, Tcheco-Eslováquia e França. As assinaturas vinham na ordem acima estabelecida de acordo com o alfabeto russo. E trazia literalmente este título: "Comunicado Informativo sobre a Cessação da Atividade do Bureau de Informação dos P a r t i d o s Comunistas e Operários". A primeira parte do último parágrafo da nota dizia : • Os Comitês Centrais dos Partidos Comunistas e Operários, que participavam do Bureau de üjformação, consideram que cada partido ou grupo de paj'tidos, na luta pelas interesses da classe operária, pela causa da paz, da democra^^ia e do socialismo, desenvolvendo sua atividade de acordo com os objetivos e tarefas gerais dos partidos marxistasleninistas e com as particularidades e condições nacionais de seus países, encontrarão novas e proveitosas formas para o estabelecimento de laços e contatos entre si". A reunião decorreu e se encerrou sem comentários. Tratava-se de trabalhar naquele (•) Trata-se de simples imitação da chantagem feita pelo Ministro russo Witte. Quando, em 1905, negociava com os Japoneses o tratado de paz, após a fragorosa derrota sofrida pela marinha tsarista, tratou de arrancar-lhes melhores condições, ameaçando an°umar as malas e partir, rompendo as negociações. Os Japoneses cederam. Mas Nikita esquecia-se de que, segundo Mark, todos o.t fatos e personagens de grande importância na História mundial acontecem, por assim dizer, duas vezes: a primeira vez como tragédia; a s e g u n d a , remo farsa. E &ua farsa não produziu efeito. mesmo dia, apressando o ser- Iugoslávia conservara sua in- tão diabólica, de um bistru» viço para a salda do último dependência nacional e podia mento de ação tão efetivo e de número do Jornal, que rodou ser considerada um país so- tamanha amplitude como esse. numa quarta-feira. 18 de abril, cialista, mas não mantinha la- Nem os maiores impérios, nem rom data de 17, talvez em ho- ços partidários com os cama- os mais poderosos trustes inniensagem a Kruschev, que radas soviéticos e das demo- ternacionais conseguirara esse precisamente nesse dia aomple- cracias p o p u l a r e s (Komin- grau de eficiência e essa capatavft sessenta e dois anos de form), não participava dos cidade de confundir os espíriIdade. Esse número era o 16." planos econômicos comuns e, tos, de formar a opinião publidaquele ano, o 389." de toda a portanto, não estava integrada ca, apagar a lucidez de raciosua existência. Da América no "campo socialista". cínio em milhões de pessoas, Latina pLiblicaram-se, nessa na base da falsiNão descobri outra causa real desencadear, edição, uma nota sobre Õuba, dade e da mentira, tempestaoutia sobre o Brasil e uma para a dissolução do Komin- des de paixão coletiva, caluruCarta de Caracas. E ao alto form, além da exigência de denegrindo, infamando. ' da primeira página, em gordos Tito. Mas nem o relatório se- ando, Essa máquina estava cons-, caracteres, em coluna dupla, creto, que abalou os fundamen- trulda para atacar os Inlml- , vinha estampado o comunicado tas morais do comunismo, nem gos, mas também para sujeitar,„ «obre á dissolução do Komin- a liquidação do Kominform os amigos controle soviétiform. con.':3guiram aquilo que os so- co. De queao ninguém poderia'^** Esse comunicado devia apa- viéticos mais desejavam: trazer escapar Impunemente a êssem. rezLT, dia 18, em Por uma paz de volta a seu r íl a tresma- controle, tivemos um exempk.iírt duradoura, por uma democra- lhada ovelha iugosla bem írisante no caso da lugos*.;,. * « • cia popular e em todos os órPoi este o único dos pai-. Desde o momento mesmo da lávia. gãos centrais dos partidos coses de democracia popular na í munistas oficialmente repre- dissolução do Kominform, uma Europa em que os comunistas \ sentadas no Kominfüi-m. As- coisa ficou clara: êle Ia desao jjoder independensim, a notlcia-bomba explodi- parecer apenas o tempo sufi- tomaram temente da ajuda militar so- \ ria simultaneamente em oito ciente para mudar de cenário jáética. Com efeito, antes do capitais européias: Moscou, e de fanta.stfc. fim rfa guerra. Já os comandos Sofia, Varsóvia, Bucareste, BuUm ano após. numa rcutilSo , âr Tito dominavam o Paií^ dapeste. Praga, Roma e Paris. do Comitê Central do Partido^eimassem em %& opiForam tomadas, para Isso, as Comunista do Brasil, alguém nião .propfIa~-aas_^^aí.: proivldênclas necessárias. E transmitiu uma proposta-convi- dirigidas pelos sB i rffWélsi cuidou-se. naturalmente, de te dos soviéticos para que a diDaí também . que a noticia não transpirasse, reção do PCB envias.se um re- Kominform. a mais moastruosa de que aos ouvidos dos iorna- presentante a Praga a fim de sofressem de todas as campanhas Jamais listas burgueses não chegasse tomar parte na criação e fun- desencadeada de modo sistedualquer rumor sobre o fecha- cionamento da nova organiza- mático por um grupo de namento do Kominform. Foram ção do movimento comunista ções contra outra nação. tomadas, também para isso. as -1, que, â semelhanEssa campanha difamatória, devidas precauções. Aos repre- Intemacir. do Kominform, iria publi- executada através do Jornal sentantes pediu-se que, daque- ça também um periódico: Por uma paz duradoura, por le dia em diante, até à saída car Problemas 4a Faz t do Socia- uma democracia popular, condo jornal, não fossem à cida- lismo. A ocasião não era pro- venceu não só aos comunistas, de. E aos demais funcionários pícia, pois além da cLsão en- como & maioria dos homens de foi dada a mesma ordem, só que de forma mais categórica, cabeçada por Agildo Barata e esquerda, em todos os países, significativas, de que Tito e seus auxiliares proibindo terminantemente que outras menos cruzassem o portão. Só saíam travava-se então no Comitê imediatos eram espiões da Central do PCB acirrada pugna Gestapo, que passaram a traalgumas pessoas, com permissão especial e a sei-vico do entre os velhos dirigentes — balhar para a polícia nortejornal, tal como uma viagem Arruda, Amazoni:s, Grabois e americana, depois que esta de jipe à tipografia, ostensiva- outros ~ que estavam sendo lhes mostrou as fichas deles, mente acompanhadas de um alijados e os nu os dirigentes apreendidas nos arquivos alepolicial. Mas, apesar de tudo. que emeifriam, agrupados em mães. Centenas de notas e arRS estações de rádio ocidentais torno de Prestes. Dai que este tigos foram escritos nesse penão .'o noticiaram, na véspera. último, evitando aumentar a riódico, assinados petos nomes o fechamento daquele organis- pauta bem sortida dos proble- mais famosos do movimento mo, como reproduziram tre- mas internos do Partido, tenha comunista, contendo f.cusações chos da nota que só no dia se- proposto e obtido a transferên- desse teor. Um homem cora a guinte foi publicada em nosso cia da discus.são desse assun- responsabilidade de chefe do Jornal — fato que a alguns to para outra ocasião. Nesse governo romeno, como Gheorcausou estupefação, enquanto tempo ea já havia rompido ghe Gheorghlu-DeJ. proferiu que a outros simplesmente di- com o PCB. mas um dos par- um informe em que qualificavertiu, provocando exclamaçõe.<; ticipantes da reunião velo con- va aos governantes iugoslavos "espiões e assassinos no poassim: lar-me o episódio, dando a en- de der". A dirigente espanhola tender que essa atitude de — Que coisa extraordinária. Prestes significava o propósito Dolores Ibárruri, num desses artigos, chegou a revelar de e.ssa de levarmos um furo so- de cortar os laços de subordi- como Tito. enviado pela Gesbre o fechamento de nosso nação ao PCUS. tapo, esteve na Espanha, a .serpróprio jornal! Estamos para «empi-e d e s c i a .ssificados em Posteriormente, aparecia em viço de Franco! E todos esses quaisquer páreos Jornalísti- mãos de alguns comunistas no artigos eram reproduzidos em cos... Rio o nrimeiro número uec^a centenas de outras publicações. Agora era arnimar as ma- publicação do novo Kominform. Assim, por toda parte, de Gilas e cada qual regressar a seu Não procurava esse órgão dis- braltar aos Urais, de Mlami a pais. Nomeou-se uma comis- farçar-se muito. Trazia, debai- Calcutá, de Santiago do Chile são constituída pelos represen- xo do titulo, na página inter- a Tóquio, onde quer que existantes italiano, romeno, polo- na, c:ta indicação: Revista tisse um comunista, estaria nês, francês, além do redator- Teórica de Informação Inter- ?ironto êle a vilipendiar, insular, cobrir de ódio e desprezo a chefe, Biessudnov, a fim de nacional. A palavra Informainventariar os bens materiais ção não surgia ai por acaso, seus camaradas iugoslavos! E do Kominform e dar-lhes des- mas como um ponto indicativo da pequenina Albânia & potino. Ao fim de dois meses, a aos comunistas do mundo In- tente União Soviética, estenComissão encerrou suas ativi- teiro de que se tratava de deu-se a rede da conspirata, dades, sem nunca ter-se reu- porta-voz da nova central co- da sabotagem e do boicote econido nem atuado. Os funcio- munista. A revista trazia ainda nômico contra a Iugoslávia! nários soviéticos fizeram todo o algumas seções que eram iguais trabalho e no final chamaram ou semelhantes às do antigo De repente, o órgão do KoOK membros da Comissão para órgão kominformista, tais coassinarem o Inventário. Arqui- mo Nos ''artidos Comunistas e minform — que cliefiava a orquestra das difamações — susvos, móveis, livros, coleções de Operários (igual) e Livros e jornais, tudo foi encaixotado e Revistas (imitação da seção de pendeu, .sem qualquer aviso ou colocado sob a guarda do Par- Crítica e Bibliografia, do Por explicação, os ataques aos iugoslavos. Conseqüentemente, tido Operário Romeno. Então já estava decidido que os par- uma paz duradoura). No anti- toda a imprensa mundial do tidos comunistas iriam ter go órgão, tínhamos as cartas comunismo cessou também seus "novas e proveitosas formas redigidas na redação e data- ataques nessa direção. Até que nara o estabelecimento de la- , das como sendo de um país es- a Belgrado checou o novo dono ços e contatos entre si", fala- trangeiro, indlcando-se como da máquina de infâmi.is e va-se mesmo que o centro pa- procedência a capital ou prin- berrou, extrovertido: "Querido ra o estabelecimento desses cipal cidade do pais em ques- camarada Tito. Nós estávamos "laços e contatos" ficaria em tão (Carta do Rio, Carta equivocados. Aliás, fomos enPraga. Assim, esses materiais. de Nova Iorque): agora, no ganados por Béria e AbaconseiTados em Bucareste, se- novo órgão, continuava-se a kúmov, estes. sim. que eram riam removidcs futuramente publicar cartas dés.se tipo. ape- agentes do imperialismo e popara a Capitai tcheco-eslo- nas Indicando como procedên- liciais. Vocês nãn são nsda disvaca. cia o nor e do pais (Carta da so que dissemos. Mas esqueçaInglaterra, Carta dos Esta- mos o passado e venha de lá dos Unidos). E o próprio ti- um apertado abraço. Por que foi fechado o Ko- tulo da revista '- idêntico ao Um dia, em Estocolmo, o minform? Qual o motivo real do jornal kominformista, ligei- Conselho Mundial ^da Paz, dessa decisão? Pelo que sei, a ramente encurtado. No jor- órgão criado e dirigido pelos única voz que se ergueu, no nal, compunham o titulo as ex- soviéticos, decidiu lançar uma mundo comunista, para recla- pres.sões paz durrí^ura e de- campanha de a.ssinaturas em mar sua dissolução, foi a de mocracia popular; na revista, favor da paz — não da paz em Joslp Broz-Tlto, por ocasião da suprimiu-se o adjetivo dura- geral, mas da "paz soviética". ida de Mikoyan ã Iugoslávia, doura, deixando somente Paz, Então, semanalmente, o Jornal em fins de 1955, a pretexto de e substituiu-se a expressão do Kominform dava noticias e aU passar suas férias. Pouco democracia popular, por um instruções a respeito. Tratavase de apresentar a URSS como antes estiveram naquele país sinônimo Socialismo. "campeã da paz", e os Estao u t r o s dirigentes soviéticos, Desfazendo as ilusões daquele dos Unidos, como "provocadomas os líderes iugoslavos fu- meu informante, que partici- res de guerra". Essa, luna das g i r a m sistematicamente ás para da reunião do CC do finalidades essenciais. E tais discussões sobre assuntos par- PCB, o pedido de Prestes, para palavras, através dos partidos tidários. Basta lembrar que transferir o debate do assunto, comunistas, se transformavam Edvard KardelJ, reconhecida- era simples manobra tática. em ação: estudantes organizamente um dos teóricos de Não tardou multo tempo e viu- vam passeatas, mullieres famaior projeção no seu partido, se que a publicação do novo ziam comícios-relâmpago, piao ser provocado por Chepilov Kominform começava a ser chadores escreviam nos muros sobre alguns problemas con- reeditada também no Brasil, os slogans recém-chegados de troversos, esquivava-se, dizen- em língua portuguesa. A tem- Bucareste, por todos os meios do: "Isso é uma questão teó- pestade das oposições no PCB concitava-se aos soldados nos rica, e eu sou apenas um tra- causara muitos estragos, mas quartéis, a que não servissem "carne para canhão", enbalhador prático". Mas na vi- passara: P r e s t e s já podia de quanto os soldados soviéticos sita de Mikoyan, foram abor- tranqüila e oficialmente reco- se adestravam cada vez mais. locar o pescoço na canga sodados informalmente alguns „ .. Numa reunião da direção da assuntos partidários, entre os viética. Era verdade, a União Sovié- Federal Mundial da Juventude quais as relações da Iugoslá- tica, ao menos desde que Stá- Democrática, dirigida pelos sovia com o Kominform. Re- lin passou a reinar ali de mo- viéticos, o representante da gressando á URSS, Mikoyan do soberano, o "inter- URSS insistia cm que era preapresentou, numa reunião se- nacionalismo reduziu proletário", de ciso adotar uma resolução lancreta do Comitê Central, um que falavam Marx e Engels, a çando no mundo inteiro a camInforme sobre suas "férias". este ponto: a subordinação de panha contra o serviço militar Mitin, que participou da reu- todos os partidos comunistas obrigatório. O representante nião, nos transmitiu depois a do mundo à vontade e aos in- brasileiro, Demóstenes Lobo, informação de que ocorrera teresses da política exterior so- ponderou que essa era palalongo debate entre Tito e Mi- viética. Stálin chegou mesrao vra de ordem excessivamente koyan, sendo opinião do pri- a cunhar uma frase que teve a radical, bastando lembrar que meiro que o Kominform de- mais vasta clículaçãq; "a pe- na URSS e nas democracias via ser dissolvido. Alegara que dra de itoeiue do internaclona- populares isso iria prejudicar esse organismo, servindo de lismo proletário é a atitude o esforço de defesa do campo Instrumento a Stahn, fora o ante a URSS". Para que essa socialista. Mas o Jovem represoviético arrasou esse principal meio de envenamen- frase produzisse os almejados sentante retrucando de moto das relações entre os co- efeitos era preciso organizar argumento, do Inapelável: URSS e munistas da URSS e os dos um aparelho que controlasse nas democracias"Na esdemais países; que sua exis- todos esses partidos, dispondo sa resolução não populares, será publicatência não contribuía para eli- de um órgão capaz de trans- da. É só para os paises capiminar os desentendimentos e mitir-lhes, periodicamente, as talistas" (•). sim para conservá-los, além de Instruções necessárias; E no BrasU, numn sala em semr como pretexto para proO órgão do Kominform era, reunido conosco vocações e intrigas por parte Jornallsticamente. mal feito, a Copacabana, num domingo, o homem do dos inimigos da paz. começar pelo título, mas não Partido esclarecia: reivinse poderia negar-lhe eficácia, dicação de paz é a "A mais sim— E que se deveria criar — levando em conta seus reais ples, que pode mobilizar o perguntou Mikoyan — para objetivos. E era diferente de maior a número de pessoas. substituir o Kominform como qualquer outro Jornal existente Quando todas essas pessoas esinstrumento de vinculação dos em nosso planeta. Estranho tiverem em movimento, podepartidos comunistas entre si e Jornal, em verdade, esse cujos remos experimentar c e r t a s de intercâmbio de experiên- dirigentes e articulistas eram, ações armadas e. conforme o quase todos, homens que pas- resultado, recuar ou avançar cias? — Por enquanto não se de- saram pelas escolas soviéticas para a insurreição". E assim foi durante a guervia criar nenhum órgão seme- de revolucionários: que conheciam, quase todos, o idioma ra da Coréia e durante muitos lhante — respondeu Tito. russo; que possuíam, quase tooutros acontecimentos InterAparentemente a reação dos dos, largo tirocinio político; e nacionais. dirigentes soviéticos a essa quase todos temperados, como Entre as solenldades com disexigência de Tito, foi negativa nas viclssitudes da cursos recheados de chavões, c mesmo irônica. Porque era lutadores, clandestinidade, tendo cursado os de semana em Snágov. sorrindo. Ironicamente, que Mi- a escola prática das prisões os fins artigos eivados de teses tin repetia as palavras de Tito. políticas, dos campos de con- dogmáticas, em meio a tudo sobretudo a frase em que êle centração e das guerrilhas, du- que era secundário ou até dissera ser necessário fechar o rante a segunda conflagração mesmo Idiota, o jornal do KoKominform. Ademais, chegou- mundial. minform fazia algo de terrise mesmo, após esses fatos, a A eficácia desse jornal con- velmente eficaz: sobre qualdirigir convites a outros par- sistia em que tinha uma rêda quer problema, dava a versão tidos comunistas a fim de que mundial de reedições e redls- soviética e distribuía semanalenviassem representantes ao tribuição, transmitindo a mi- mente Instruções a respeito, em todos os quadrantes Kominform. lhares de dirigentes comunis- queglobo se transformavam loMas, em melo a tudo Isso. tas em todos os países, no do go em ação. sussurrava-se em tomo da im- prazo de alguns dias, as palaÊ fácil compreender, pois, portância de afastar a Iugos- vras-de-ordem dos soviéticos, que dissolução do Kominform lávia da influência ocidental e sua orientação e seus argu- foi auma medida tática com trazê-la de volta ao "campo mentos a respeito dos proble- objetivos Imediatistas. Tanto socialista". Os argrumentos le- mas políticos, econômicos e so- assim que os meios materiais vantados não se referiam à ciais de maior atualidade. Não de seu re-ssuraimento foram sorte do socialismo ou do co- se tratava de um jornal essen- guardados em Bucareste e, no munismo, mas fc correlação de cialmente de propaganda, em- instante preci.so, transferidos forças militares na Europa. bora publicasse, as vezes, arti- para a nova sede. em Praga. Argumentava-se com o fato de gos típicos de propaganda. Moscou não poderia passar que a Iugoslávia era vizinha Sua finalidade principal era a sem um Instrumento assim. agitação, e se destinava aos da URSS, de que possuía grandirigentes superiores e médios (•) Não se Interprete daí que de número de divisões milita- de os partidos comunis- o Governo soviético, sobretudo res bem treinadas, de que par- tas.todos Por isso, cada semana êle seu Chefe Kruschev. seja a faticipava do Pacto Balcânico diretivas — sacra- vor da guerra. Este fato s» pocom a Turquia. Mesmo depois difundia mentadas com a chancela da servir como argumento de das conversações de Belgrado, "direção coletiva", do colégio de que todos os atos e campanhas entre Kruschev e Tito, ficou de representantes — que logo soviéticos são enquadrados em estabelecido que « Iugoslávia SC tr»nsfonnarIam em aç&o. sua estratégia totalitária de não pertencia ao "campo soque falo em outra parte déstt Jamais potência alguma no cialista". Segundo Kruschev, a mundo dispôs de uma u m a Uvi-o. \ . ^^•^^^ BPi-Ah-l.S^:: r 1 2 — 5 * MÍ-» Jofn»! J» í r « U , D«inÍB|ii, '•^i^i Gst^/ict.^ \t-94t Líder sem modéstia é dono do comunismo rias, embora seu partido continue ilegal e éle mesmo sofra algumas restrições em seus direitos civis, não podendo, por exemplo, candidatar-se a cargos eletivos oficiais. O período de clande.stinidade, diiicuUandu uma aferição real dos méritos do chefe comunista, favoreceu um maior endeu.samento dele, e eu fui um dos mais ativos de seus endeusadores. Sobre éle e.screvi numerosos artigos na imprensa, e até o verbete que hoje con.sta da Grande Encirlop;Uia Soviética, apre.sentando-lhe os dados biográficos, foi e.sorito por mim em Moscou. Cantei-lhe as façanhas de grande militar, grande político e grande pensador, com um exagero que não era fruto de insinceridade, mas de um misticismo que velava e retocava a realidade; de uma servidão mental que me anestesiava por completo a sensibilidade crítica. Se alguns de seus atos chegaram a me decepcionar, a d e c e p ç ã o terá sido passageira, pois eu estava sempre disposto a revelar o que fraqueEsse estado de insatisfação ' considerava pequenas política, essa quase rebelião dos zas de um grande homem. Só intelectuais comunistas serviu depois de agosto de 1956. quannão só para dar cobertura ao do empi-eendi a revisão de redator indisciplinado, João concepções que antes eram Batista de Lima e Silva, como ponto pacifico para mim, pude ao não menos indisciplinado reavaliar também a figura' de diretor da Voz Operária, Ay- Prestes e perceber a enormidadano do Couto Ferraz. Mais do de das deformações causadas que isso, tornou i m p o s s í v e l em sua personalidade pela m á qualquer manobra no Comitê quina infernal do bolchevi.smo. Central no sentido de adiar, J á em 1930, sem pertencer uma vez mais, em torno aos às fileiras do problemas do XX Congresso, formalmente uma discussão que já se ini- PCB, por êle se orientava e adotou pessoalmente a mesma ciara em todas as c a b e ç a s . . . O Projeto de Resolução, a p r o - posição absurda daquele partivado pelo Comitê Central em do, qual fosse a não participaafetou sua reunião de outubro de 1956, ção num embate quê num clima realmente democrá- toda a Nação, a pretex'o ce tico, continha algumas criticas que a revolução de 1930 era de Ainda ao PCUS, fazia uma severa au- origem Imperialista. tocrítica e declarava aberta a oito anos depois, em carta ao discussão... Em verdade, a dis- Ten. Severo Fournier, dizia cussão j á tenha sido aberta; o este disparate: "No entanto, documento do CC veio apenas que conseguiram eles com o oficializá-la, reconhecendo as- movimento de 1930?! Substituir sim uma situação de fato cria- Bernardes ou Washington Luís da pelo Sinédrio. por G e t ú l i o ! . . . " Assim, um acontecimento que a.s.sinalou nova etapa na história de nosso País, para êle não passou de uma substituição de h o mens no poder. discu.ssão que Já se iniciou em todas as cabeças") e apressome em trazer-te meu abraço e minhas felicitações. Artigo pioneiro, a r t i g o nece.ssário, abrindo um debate que e.stá "em todas as cabeça.s" e que, como ainda não saiu das cabeças, sufoca todos os peito.s, impede toda a ação, todo o trabalho, pois ninguém pode ler entusiasmo 4 falo, é claru, de gente honesta e sã e não de oportunistas e carreiristas) quando se sente cercado de sangue e lama e quando as consciências exigem que uma profunda, clara, completa e absolutamente livre análise dos erros seja feita, e de público da qual todos participemos, desde o mais alto dirigente até a grande massa, que é a no.ssa própria razão de existir. Aproximamo-nos, meu caro, dos nove me.ses de distância do X X Congresso do PCUS, o tempo de uma gestação. Demasiado larga essa gravidez de silêncio e todos perguntam o que ela pode encobrir, se por acaso a m o n t a n h a não vai parir um rato." ^ Continuando a transcrição de alguns capítulos do livro O Retrato^ o JORNAL DO BRASIL mostra hoje como o jornalista Osvaldo Peralva, depois de suas experiências no mundo comunista, encontrou o PCB e seu principal líder. Por essa época, os comunistas brasilei* ros discutiam as teses do XX Congresso em que a verdade do jugo estalinista foi dissecada e a URSS, com base no relatório de Kruschev, preparava-se para reconstruir uma outra verdade. 2 . LUÍS CARLOS PRESTES o Partido Comunista do Bra*Ü, feito â imagem e semelhança do PCUS, é uma orgamzição complexa, contraditól'ia, absorvente e, até certo ponto, incognoscivel. Em situação normal, os que estão fora não tém m e i o s t)ara rxamiiiar-lhe as entranhas; os que estão dentro jã não tém isenção para fazê-lo. £ m íete meses de luta interna, trocando informações e anali*ando-as, aprendemos m u i t o mais «obre a essência desse partido do que em v ã r 1 o s Justros de mihtança ativa. A parte mais cpmpacta e ntuante do PCB é formada pe]o Aparelho; essa máquma 'unciona num ambiente de «ombras e entretons, de segredos e de sortilégiois e mistificações. Aquele que infrinja seu ritual, é esconjurado, excomungado e condenado i s penas do inferno. Como todas as sociedades secretas, só tem porta de entrada. Para sair, tem-se de escapar pela Janela da execração, sob o apupo ululante dos que ficam. Oriundo, embora, do humanismo mais puro, pretensamente a serviço dos ideais mais nobres, o Partido Comunista converteu-se no contrário de si mesmo, revelando-se um instrimiento de degradação, um melo de envilecimento do homem pelo homem, uma escola de terror e opressão. 1. O SINÉDRIO Em fins de agâsto de 1956, após três anos de ausência do Bra.sil, desembarquei no Rio de Jantiro com o coração dolorido, mas com os meus ideais r-enovados pelas melhores esperanças. Aqueles foram três anos de lutas, decepções, surpresas, amarguras e também de experiências. Eu ainda não tinha localizado a causa prorunaa de tantos erros, agora reconhecidos, de tanto crime e sordidez, agora proclamados. 3entia-me cúmplice e vitima de tudo isso, e meu consolo e minha alegria estavam em pensar e decidir que de então cm diante não compactuaria maiis, sequer pelo silêncio, com qualquer atent.ido aos direitos e à liberdade do homem. A agitação oriunda do X X Congresso produzia, por toda parte, uma renovação da atmosfera comunista, durante muitos anos viciada por todas as impurezas do stalinismo. Essa renovação seria uma marcha triunf ante das n o v a s IdéJae, dos novos métodos, através de uma autocrítica ger a l . Só uma insignificante minoria, supunha eu, haveria de mostrar-se reacionária e Impenitente. Mas não aconteceu assim, e depois de tudo tive que tomar das armas, ao lado de alguns companheiros, e me lançar ao combate. Meu papel, nesse conflito, não teve destaque especial. Se aqui refiro sobretudo aqueles fatos em que me envolvi, não o faço cora a pretensão de me achar no centro dos acontecimentos, mas porque decidi manufaturar este trabalho apenas com a matéria-prima de minha experiência e de meu testemunho pessoal. Por coincidência, um mês após minha chegada ao Rio, abriu-se na imprensa do PCB, à revelia da Direção, um debate em tomo às questões suscitadas pelo XX CongresiO do PCUS. No curso desse debate, • exemplo de outros companheiros, escrevi diversos artifos no semanário Voz Operária CV.O.) e no diário Imprensa Popular (LP.), órgãos Comunistas que então ee editavam no Rio. A um desses artigos, a revista Kommunisl, llC Moscou, concedeu excessiva Importância, ocupando-se em rebater uma tese minha. Posteriormente, essa mesma revista, falando sobre a onda revisionista que se erguia no movimento comunista internacional, citou os representantes dessa corrente nos diversos partidos comunistas, apontando-me. Juntamente com o Jornalista João Batista de Lima e Silva e o antigo tesoureiro do C. C , Aglldo Barata, como seu representante no Brasil. Tudo i£so, com suas repercussões na imprensa brasileira, terá levado o Jornalista Antônio Porto Sobrinho, repórter político de O Jornal, do Rio. a asseverar que a batalha no seio do PCB começara com meu regresso de Moiscou. A verdade, entretanto, é que os protagonistas desse movimento que conduziu à desagregação do PCB foram o Sinédrio. de que eu era simples membro, e Agildo Barata. Do outro lado da barricada, tínhamos como protagonistas Luís Carlos Prestes, Diógenes Arruda, João Amazonas, Maurício Grabols. Pedro Pomar e Carlos Marighella, todos eles membros do Presídium, com exceção de Pomar, que Já não o era. Os artigos que mais repercussão alcançaram, no debate — alguns d("3s verdadeiras bombas lançadas nos arraiais do situcionismo comunista — foram quase todos de autoria de membros do Sinédrio. O próprio debate foi aberto pelo Sinédrio. O X X Congresso terminara seus trabalhos em fevereiro de 1956 e até setembro daquele ano a direção do PCB se inanteve muda e queda, com a cabeça enfiada na areia, esperando que a tempestade passasse. Houve apenas uma" exceção: em fins de março de 1955 apareceu na Voi Operária um artigo sôbr alguns aspectos do conclave soviético, assinado por Luís Carlos Prestes. Esse trabalho, vago, hesitante, indefinido, foi escrito por exigência de fiivolóbov, conforme Já menclpnei, é bem mostrava que o dirigente máximo do PCB estava a jrt^oado e não sabia -ou- riâo podia discutir um tema, para o qual não existiam r.inda as muletas da frase feita e ,ias fórmulas consagradas. Porque era a isso, a um repetidor <'e frases feitas, que se havia recluzido o a n t i g o Cavaleiio da Esperança. Em um folheto lançado em 1957, a redação da Voz Operária esboçou um quav<ro da vida no PCL, naqueles meses q u e precederam a abertura dos debates, bem digno de transcrição: "Durante me.. •; a redação do órgão central ficou sem contato com o Presidium e o Secretariado do CC. As coisas chegaram a tal ponto que, em um period de três m: :3, todo o contato entre a direção e o Jornal limitou-se a um rápido encontro de rua entre o camarada-diretor e o camarada P r a r a. Houvéssemos acompanhada a omissão que caracterizou, nesse período, o Presidium e o próprio CC, e o nos.so semanário teria deixado de circular ou ter-s;-ia transformado em um boletim incolor, imprestável ás suai finalidades. Buscamos cumprir nosso dever: de um ;ado. orientamos as matérias políticas p e l o s principais documentos do P a r tido e, por outro lado, demos abrigo, em nossa.s colunas, ás principais manifestações do movimento com .nista mundial, pois era imprescindível pôr ao alcance do Partido o« docuthentoa QU« faclllttiMm aos militantes o estudo e a discussão dos problemas decorrentes do XX Congresso do PCUS, a começar pelos próprios informes, discursos e resoluções d e s t e . Assinalamos — sem qualquer intuito de vangloria, mas para caracterizar a omissão dos órgãos dirigentes também a esse respeito — que não o fizemos sem esforço. A publicação do informe do camarada Kruschev (•), que propusemos ao Secretariado fazer mediante ajuda financeira extra, pois que não dispúniiamos dos recursos necessários, foi, afinal, — porque não recebemos a totalidade da prometic'a ajuda — feita á custa dos recursos ordinários do Jornal, resultando em um déficit <'e Cr$ 20 000,00 (vinte mil cruzeiros), que velo a recair sobre os salários dos seus redatores e funcionários. Mesmo assim continuamos a publicar os materiais do XX Congresso (discLursos dos membros do Presidium do PCUS), até que o camarada Prag i ordenasse a suspensão dos mesmos, sob a alegação de que seriam publicados na revista mensal de cultura política. Continuamos, porém i tornar públicos os mais importantes pronunciamentos de partidos ou dirigentes comunistas, que contribuíam para melhor esclarecer nossos militantes quanto aos problemas surgidos n o Congresso do PCUS, ou por éle encaminhados. Confiávamos em que, a qualquer instante, os organismos responsáveis assumissem os deveres a que vinham fugindo. Evitávamos por isso, abrir um debate interno, fora de nossa alçada. Mas a desarticulação, o desconforto nas fileiras partidárias, os sinais de desânimo, desconfiança desagregação, o perigo manifesto de crise ainda maior em nossas fileiras, impunham-nos, como nos impuseram, assumir nova quota de responsabilidade, em beneficio da unidade parildària. Encontramo-nos ante uma situação que exigia atitude firme. A nossa redação chegavam informações — responsáveis — dando conta do quanto era realmente grave essa situação. O Partido se achava praticamente parado. Militante.s e organismos declaravam-se dispostos a nada fazer enquanto não se abrisse a discussão sobre os temas do XX Congresso, disposição que se refletia Inclusive na queda da difusão do órgão central." (•) Es.se estado de coisas provocou a formação do Sinédrio. O núcleo inicial se formou na redação da Voz Operária, na troca de idéias que se ia desenvolvendo. Depois, para que essas idéias pudessem ser mais franca e amplamente debatidas, convocou-se uma reunião para a casa de Ernesto Luís Maia, surplndo assim o embrião do Sinédrio. Para reuniões posteriores, foram sendo convidados outros camaradas que vinham freqüentando a redação da Voz Operária e ali participando de uma ou outra discussão sobre assuntos ventilados no XX Congresso do PCUS. tais como Armando Lopes da Cunha, Zacarias Carvalho, outros mais. Contaram-me que Zacarias, na primeira reunião do Sinédrio em que compareceu, mostrou-se de início extremamente (•) Refere-se i.o informe oficial, pronunciado publicamente, e não ao "relatório secreto". (") o órfto Central ». a Dcmnrntizaçio to Partido (folheto rrllgldr « edUtdn pel» rKUcâc <<• Voa OpwiiUi), pii*. • t T. Bis. cuidadoso. Quando falaram na estagnação em que se encontrava o Partido e n a necessidade de faíer «Igo para corrigir essa situação anômala, éle concordou em que se devia achar um meio de combater isso, ressalvando, porém, que era preciso agir "em pleno acordo com o sábio Comitê C e n t r a l . . . " Ernesto Luís Maia, muito radical, aparteou-o, frisando que era preciso agir de qualquer modo, com ou sem o "sábio Comitê C e n t r a l " . . . E deu á palavra "sábio" um tom de evidente ironia. Zacarias olhou em t o m o e verificou que ninguém ficara de cabelos eriçados ante tamanha heresia, e compreendeu que a Jogada era para valer. Esfregou u'a mão na outra, como se se preparasse para o embate, e prosseguiu: — Bem, vejo que a coisa aqui está a v a n ç a d a . . . Sorriu, Integrando-se no clima, propôs: — Se esses sacrlpantas da Direção não tomam medida nenhuma, tomemps nós, por nossa conta: C o m b i n o u-s e então que Maurício Pinto Ferreira, de Emancipação, escrevesse à Voz Operária, estranhando essa calmaria, e que João Batista de Lima e Silva, redator deste último, respondesse. Assim foi íelto, assim se abriu o debate. Quando saiu o artigo de Batista, simultaneamente na Voz Operária e na Imprensa Popular, dia 6 de outubro de 1956, sob o título "Não se pode adiar uma discussão que j á se iniciou em todas as cabeças", o Comitê Central estava reunido. e alguns de seus membros receberam com ira o fato consum a d o, chegando a rosnar ameaças. — isso ê uma indisciplina: — exclamou, da tribuna, Marighella. — Lav^^o o meu protesto contra essa indisciplina! — féz Arruda, do meio do plenário. — Pois eu, camaradas, saúdo os que tiveram a coragem de abrir os debates — contraaparteou Chiquinho. As opiniões se dividiram em torno da Justeza ou não da abertura da discussão. Os preconizadores de sanções disciplinares eram poucos, invocavam artigos estatutários, repetiam os chavões habituais. Outros limití}vam-.se a comentar, em tom de quelxume, que aquilo ficava feio para um partido di.sclplinado como o nosso. E afirmavam, compungidos: — Logo agora... Eles deviam Imaginar que nós estivés.semos reunidos e que naturalmente Iríamos abrir a discussão. £ sempre -o diabo da pressa pequeno-burguesa! Outros ainda concordavam em que tinha sido um ato grave de indi.sciplina, mas se autocrítica vam: — Também tivemos culpa nisso. Não demos a devida assistência aos rapazes. A.sslm se desenrolavam os comentários. Os bonzos mais iracundos queriam, mas ao mesmo tempo temiam propor medidas concretas de punição. E não tardaram a ser totalmente desencorajados nesse de.sejo pela chegada de alKun.<i números da I . P . , contendo cartas de solidariedade a JoSo Batista de Lima e Silva, as.sinadas, pelos principais redatorores do Jornal literário Para Todos. No mesmo dia 6, o romancista Jorge Amado, diretor dessa publicação, enviou a Batista uma carta, estampada na T. P . do dia 11, que assim principiava: "Meu querido Batista: Venho de ler teu artigo n« T N ( " N I O M peds táiu unu ^ 1 Regressando de Moscou em Essa hora dramática, a principal figura do movimento co- 1935 e encontrando um a m munista no Brasil primava pela biente propicio ao desenvolviausência. Ausência física na mento da Aliança Nacional Liveuni^Q do Comitê CentraJL-au- bertadora, Prestes apelou para sência nas decisões tomadas pe- a quartelada, provocando a los demais dirigentes, ausência derrota das forças esquerdistas nos debates travados na im- e oferecendo ã reação o preprensa do PCB. texto de que necessitava e se Enquanto isso, milhares de serviu para instaurar no País i militantes, desarvorados, per- uma ditadura policial que se guntavam por éle. Porque Luis prolongou por pouco menos de Carlos Prestes não era um diri- um decênio. Em 1945, em conseqüência gente qualquer, eventualmente exercendo a Secretarla-Geral do direta do prestigio militar da União Soviética no mundo e P C B . Êle representava para a quase totalidade dos comunis- da auréola de heroísmo e m a r tas e mesmo para ponderáveis tírio de que vinha cingido, após setores de nossa população o nove anos de prisão. Prestes espelho e a encarnação das me- colocou-se à frente do PCB • lhores qualidades que se a t r i - obteve grandes vitórias partibuíam ao Partido: combatlvida- dárias. Elegeram uma bancada de, honra, inteligência e espí- de dezena e meia de parlarito de sacrifício. mentares federais, fizeram surBaixo, âe compleição atléti- gir centenas de comitês popuca, beui apessüadu. Prestes n a s - lares no .'ais, tiveram notáceu em 1898 no Rio Grande do veis conquistas de posição nos Sul e féz o curso de oficiai do meios sindicais, organizaram Exército,, na arma àe Enge- uma vasta réd* de jornais no de n h a r i a . Em 1924 participou de País inteiro, participaram um movimento insurrecional, numerosas câmaras parlamenpercorrendo todo o Brasil, des- tares de âmbito estadual e mude entãü, à frente de uma tro- nicipal, sendo majoritários nas pa do Exército, que tomou a eleições em várias grandes cidesignação de Coluna Prestei, dades. Além disso, foram presaté 1927, quando a dissoveu, in- tigiados pela adesão de alguns ternando-se na Bolívia. Pelos dos nomes mais consagrados brilhantes feitos militares des- nos círculos intelectuais, e as sa Coluna e por sua mensa- suas hostes atraíram considegem de liberdade, sagrou-se ráveis parcelas da classe opePrestes herói popular, ficando í rária e da pequena burguesia. conhecido no Brasil e até no . Mas todos esses êxitos, proexterior como o Cavaleiro da porcionados por uma situação Esperança. objetiva toda especial, foram Atraído pelas idéias marxis- sendo malbaratados pela inatas, mas não tendo sido acei- bilidade política de Prestes e to nas fileiras do PCB, sob a de .seus auxiliares mais graacusação de ser um revolucioduackos. Começaram proclanário não proletário e sim p e - mando seu próprio monopólio queno-burgués, viajou éle em das idéias progressistas, e sô 1831 para a URSS, onde t r a que se conb a l h o u como engenheiro, a aceitavam aliados de antemão, em princípio, sendo depois recruta- formassem, do, a 1.° (te agosto de 1934, pa- ficar sob a hegemonia comura o Partido Comunista, á re- nista. O resultado é que se velia dos dirigentes comunis- isolaram, e já em abril de tas brasileiros. Assim, Ingres- 1948, o próprio Prestes pergunsou êle no movimento comunis- tava, desarvorado: "Por que ta, não como os demais mem- diminuiu, a partir do pleito de bros, através das respectivas se- 2 de dezembro, de eleição em ções nacionais, e sim por cima, eleição, com raras exceções, levado pela mão de seu desco- num ou noutro lugar, a votabridor, Manuilsky O . Em 1935, ção obtida pela legenda de no VII Congresso da I n t e r n a - nosso P a r t i d o ? " Um ano decional Comunista (Komintern), pois, voltava a lamentar-se: foi eleito membro de sua Co- •'Orgulha vamo-nos de nossos missão Executiva. No mesmo duzentos m i 1 m e m b r o s . . . " ano, recebeu a tarefa de vir ao " . . . í a m o s ficando em geral a Brasil comandar a revolução reboque dos acontecimentos, nacional-oibertadora que ex- que repetidamente nos surplodiu em novembro. prendiam. Assim aconteceu a Nos primeiros dias de m a r - 7 de janeiro de 1948, quando ço de 1936, Prestes e sua espo- da cassação dos m a n d a t o s . . . " sa Olga Benário, de nacionaliSim, éramds todos testemudade alemã, foram presos. Mais nlias de que o ambiente inditarde, Olga Benário, apesar de cava que o registro do PCB ia se achar právida, foi deportaser cassado, mas Prestes até da para a Alemanha nazista, sendo lançada dali num cárceo último minuto afirmava que re e depois iiaiii campo de connão, e com tal convicção, com centração «!(1e ;< «."isassinaram, tal cegueira, que não provipouco a m e s do término da denciou sequer a retirada da guerra, num& câmara de gás. sede central do Partido dos doEm 1945, com centenas de oucumentos mais importantes. tros CQinunistas, Prestes foi Tais imprevidências fizeram anistiado e pa.ssou a reorganicom que a Policia se apoderaszar o PÇB, sendo eleito nase do fichário de membros do quele m^^i2) ano Senador pelo PCB e pudesse prejudicar e Distrito r e d e r a l . Logo no iniperseguir atrozmente milhares cio de suas atividades parlade pes-soas simples que tinham mentares, em 1946, teve a inépido bii5.car nas filtiras do PCB cia de deílarar que. se o Braa esperança de melhores consil entras.se numa guerra tmdições de vida. perialistS contra a URSS. os A propósito da cas.sação do comunisl,as pegariam em armas registre do PCB, Diógenes Arcontra o Governo brasileiro — ruda relatou-nos, a mim e a declaração e.ssa que provocou um jornalista brasileiro que se uma vaga de protestos IndiRachava em Moscou, em 1956, o nados no Parlamento e na imseguinte: às vésperas do Juliçaprensa, pm fins de 1947, antes mento. o Juiz Rocha Lagoa, mesmo de ter seu mandatp casque relatou o proceá.so e votou sado, niji-gulhou na mais rigopela cassação, pedira duzentos ro.sa clandestinidade. Em 1950 mil cruzeiros para votar a í a foi expedido por um Juiz fedevOr do PCB, mas Prestes não ral mandado de prisão prevenaceitou a barganha porque não tiva, cífiitra êle. coonestando aciedltava na üegalização do assim a perseguição que Já lhe Partido. E quando o Tribunal, vinha sendo movida pela Policia. Aniilada essa ordem de por 3 a 2. pronunciou seu veprisão, «pi 1958, voltou a cirredicto. Prestes teve uma sm-cular legalmente no País e a prêsa e um desgosto tamanhos desenvolver atividades partidáque. segundo ainda afirmou Arruda, falou em .suicidar-se. (•) DJBtry Zakharovltch MaTais são alguns exemplos da nullsky flBB então secretário do Inabilidade e imprevldência poComitê jExeciilivo do Kominlítica de Prestes, que levaram tern e ripiwnsávcl direto p>elos seu Partido a definhar, de derp a r t i (|f> • comunistas lalinorota em derrota, ate ílcar reamerlcaao,''. Foi um dos produzido a IF.S0 que at está. motoresftüa sangrenta depuraPoder-.ie-ia pensar que, emção de '^838. na URSS. Pouco bora mau político, talvez fôsdepois dd segunda guerra m u n - .se j m teórico da questão ecodial, foi' Mini.stro do Exterior nômico-soclal. Entretanto, veda Ucrânia e, como tal, seu rerificou-se que suas teses prinpresentajíte nas conferências, cipais, neste comício, sendo da ONU-v Em .seguida, foi- daapenas o transplante mecânico do como gravemente enfermo, de te.-es gerais levantadas nos mas tinha de fato caldo no osorganismos Internacionais do traciscn e foi mantido na pricomunismo. Fofreram o mais são até 1954, quando seu nome rotundj desmentido. apareceu.numa extensa li.sta de Por exemplo,: em 1946 estecondenados reabilitados. Nesse ve no Brasil o Sr. Nelson R o mesmo (no surgiu nova edição ckefeller, foi ao Senado e ali do Dicionário Enciclopédico Soconversou com vários senadoviético, de Vvedensky, no qual res, inclusive com Prestes, ante já constrfva dr novo .sua fntn n qua'. defendeu o ponto-deacompanliadfi de dado."; bíoirrávista de que rra necessário nipticos, indicando isso total reai-anizni a aRncultura brasileibiUt«cie. r a . Pratte* rai>Ucou «u« l u o era impos.sível, porquanto os proprietários de teiTa não iriam empatar capital em maqulna.^, que lhes sairiam mais caro que a mão-de-obra existente em abundância no campo. Ora, nessa ocasião existiam no Brasil nienos de 5 mil tratores: atualmente, 14 anos apôs e.ssa categórica afirmativa, Já sobe a mais de 60 mil o numero d» tratores em nossa agricultura. Outra afirmação repetidls.*!ma de Prestes era que o capitalismo não poderia de.senvolverse. de modo algum, no Brasil, enquanto não fizesse a reforma agrária, único meio que êle via de ampliar o mercado interno. Ora, ninguém poderá negar a Importância da reforma agrária para o desenvolvimento da economia capitalista: mas transformar i.sso num dogma é de uma ignorância infinita. J á seu mestre Lênin encarava o problema de modo diferente, ao afirmar: "Com a economia mercantil, constituem-se unidades econômicas heterogêneas, aumenta o número de ramos da economia e diminui a quantidade de fazendas que cumprem idêntica função econômica. Esse desenvolvimento progressivo da divisão social do trabalho ê o elemento fundamental no processo de criação do mercado interno para o capitalismo". E adiante concluiu: "A divisão social do trabalho é. pois, a base de todo o processo de desenvolvimento da economia mercantil e do capitalismo". (•> Foi assim que a realidade brasileira pregou uma boa peça no chefe comunista, pois enquanto êle vivia a falar no " a t r a s o progressivo" do Brasil, os fatos e as cifras indicavam o oposto. Segundo uma publicação da ONU, na década que se seguiu à terminação da última guerra mundial, a taxa média anual de expansão de no.ssa economia foi de aproximadamente srr. ou seja, "mais que o dobro da taxa histórica do desenvolvimento nos países Industrializados." (**) Em suma. o que se supunha ser um pensador brilhante, um teórico dos problemas econômicos nacionais, era apenas um vulgarizador de teses gerais, que êle aplicava de modo u n i lateral, superficial e esquematico ( • • • ) . Al porém, de quem ousâssí discordar dele. Tendo construído uma poderosa máquina de difamação, e seguindo fielmente a linha tática stalinista. Prestes agredia furiosamente a todos OR homens progressistas que não se submetessem aos inieré.s.ses pecebistas ou que lhe fizessem restrições. A difamação m a i s corriqueira era a de "agente do imperiaiLSmjo ameiicano". Vítimas de.s.sa infâmia foram, entre outros, o Sr. Juraci Magalhães e os diriafentes do Partido Sociali-sta »rasileiro, Joáo Mangabeira e Domingos Velasco. Somente porque declarou: "Não acredito na melhoria de nossas condições econômicas sem uma ampla Injeção de capital estrangeiro", o atual Governador da Bahia foi qualificado de "conhecido agente do Imperialismo ianque". ( • ) . ,Aos ouUos dons, Prestes assim tratava: "Na arena política, acaba de aparecer no campo do imperialismo, aqui em nossa terra, mais um lidador voluntário e decidido para o combate do anticomunismo s i s t e mãtico. Trata-se agora do Sr. Domingos Veiasco..." (*•) E de outra feita, escreveu: " . . . 0 imperialismo sabe tão bem avaliar a vantagem da permanência desse eetado de coisas que já utiliza agora a demagogia "socialista" do Sr. João M a n g a b e i r a . . . " — " . . . sua submissão à reação e ao imperialismo..." (***) E quanto à revista Panfleto, que sempre se distinguiu por uma posição de esquerda e na qual até colaboravam jornalistas e escritores comunistas, o ca>30 chegou a ser cômico. Um dia, seu diretor, Lourival Coutinho, recebeu a visita de um policial, que fora intimá-lo a comparecer na Polícia Central, sob a suspeita de estar publicando "propaganda subversiva". Coutinho tirou então da gaveta o último número de Problemas, assinalou uma página em que Prestes asseverava estar aquela publicação a serviço do imperialismo, e pediu-lhe que a mostrasse ao Delegado de Ordem Política e Social. O agente da Polícia foi-se embora e nunca mais voltou a importuná-lo. Bssa agressividade delirante, da parte de Prestes, só encontrava paralelo nas arengas com que outrora em seu bons tempos, o chefe fascista Plftiio SaJgado ameaçava de castigo "ate os indiferentes". E essa Identidade nab era casual; a m bos pensaram sempre de acordo com a natureza dos regimes que pregavam, Isto é, de niodo totalitário. Todo dirigente comunista é, por definição, um homem modesto, sem vaidades nem a m bições pessoais. "A modéstia é a aureola do revolucionário", proclamava-se. Por coniseguinte. uma das qualidades de Prestes seria necessariamente a modéstia, e nó.s, jornalistas e escritores comunistas, nunca nos esquecíamos, em nossos escritos, de destacar-lhe essa virtude. Entretanto, era ao menos de estranhar que esse homem tão modesto permitisse a seus companheiros de direção e a todo o partido chamarem-no publicamente, em sua presença, de "gênio", "guia genial" e outros t í t u l o s grandiloqüentes que provocavam o riso das pessoas mais sensatas,. Recordo-me de uma reunião do Comitê Central ocorrida poucos dias após as eleições no Diistrito Federal, em começos de 1947. Os comunistas elegeram então uma bancada de 18 vereadores, para uma Câmara composta de 50 membros. Mas o s c c r e t á r i o - g e r a l do PCB achou que isso* não bastava. <*) V. I. Lênin — O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, cap. I, itens I a III — Edições em Línguas Estrangeiras — Moscou. ('•) The Eronomic Development of Brazil. 11, pâg. 3 — N. Iorque, 1956. Problemas, n.° 9, pág. 31 — Rio. (•••» Problemas, n." 19 (junho-julho de 1949), pág. 68 — Rio. (•). (*') e i " * ) Problema», n." 9, pág. 21: n.» 12 (julho, 19481. pág. 4 e n." 14 'outubro, 1948), p i g . 33 — BJo. e, enumerando os pontos fracos da campanha eleitoral, r e clamou, referindo-se a «1 mesmo, na terceira pessoa, A m a neira indígena: "Além disso, os camaradas não utilizaram bem o prestigio do camarada Prestes no Distrito Federal". A tirada espantou-me, mas, olhando em torno, vi que todas as outras pessoas pareciam ter recebido aquilo com naturalidade. Afinal, quase todos ali eram mais antigos que eu no partido, tinham mais experiência. Então procurei, com meus próprios recursos, u m a explicação — e arranjei uma, a l g o complicada, que transmiti a mim mesmo e rri» dei por satisfeito. 6 que sua modéstia era tamanha que éle. Prestes, fazia abstração de si mesmo, tornava-se impessoal, via em si apenas um Instrumento do partido, tanto que falava de si próprio, não n a primeira, mas na terceira pessoa. Também me c h a m o u n atenção a resposta que êle deu a um aparte do Deputado Pereira da Silva n a Ass e m b I é i a Constituinte, em 1946. Discursava Prestes em torno de sua posição no caso em que o Brasil participasse numa guerra contra a URSS, quando seu anarteante salientou que na Rússia éle não poderia defender com plena liberdade, como e tava fazendo aqui. iemclhantes idéias. A isso Prestes retrucou com veemência: "Na Rússia, eu seria Marechal do Exército Vermelho, se n ' o tivesse morrido na guerra". (•) No mesmo discurso. Prestes «severou que as Idéias não se arrancam pela forca. E acrescentou, a titulo de exemplo: "Picou provado Isto agora mesmo no Brasil: durante dez anos meu nome íol silenciado por ordem do D I P (•) • nenhum Jornal podia publicar algo sobre a minha pessoa. Em Julho de 1943 minha mãe faleceu. Meu advogado, Dr. Scbral Pinto, quis divulgar o fato, inserindo no Jornal do Comércio pequen; nota. Foi permitido o registro, porém, com a condição de que não se dissesse que era s. mSe de Luís Carlos Prestes". "De que valeu toda c ja opressão, de que valeram esses 9 anos de perseguição, esses 23 anos de vida clandestina' do Partido Comunista, se em dez meses de vida lesai, durante o ano ds 1945. esse Partido progrediu rapidamente e passou, c'e um partido clandestino de 3 4 000 membros, para um partido coni mais de 100 000, e que levou ès urnas 600 000 votos nas últimas eleições?" (••) Note-se que em lugar d« d a r um exemplo da perseguição aos comunistas em geral, porque outros também sofreram, e alguns mais do que êle, decidiu exemplificar com sua própria pessoa, num evidente pendor para a autobiografia . P o d e r i a formar-se mesmo uma antologia com òs exemplos citados, na primeira pe.ssoa, pelo Sr. Prestes, u m a artologia bem digna do título Eu. Em começos de 1958, ao voltar legalmente à circulação, foi o chefe peceblst» entrevistado p e l o Jornalista Lourival Coutinho, a q u e m féz a estarrecedora afirmativa de que o malogrado golpe comunista de novembro de 1935 impedira a implantação do fascismo no Brasil. Ante a estupefação do repórter, que lhe recordou a ditadura do Estado Novo instaurada em no vembro de 1937, Prestes afirmou, à guisa de explicação: "Quero dizer: se o regime Instaurado, então, no Brasil, fôsce realmente fascista, com todas as monstruosidades que caracterizam um regúne dessa natureza, eu. evidentemente, não teria sido poupado, e, deste modo, creio que a esta» horas não estaria aqui, vivo e são, conversando com o senhor". (•) Como observou o Jornalista, "durante a vigência do chamado Estado Novo cerca de 17 000 brasileiros foram vitimas de sicários que cercavam Vargas i' aos quais nunca Vargas puniu. Os comunistas, principalmente, foram os que mais padeceram naquela época ominosa". (••) Entretanto, como o S r . Prestes foi apenas preso, c não torturado e fuzilado, como numerosos correligionários seus, então não houve fascismo, pois éle é o grande, maior, o único ponto de referência político n a vida brasileira. Pelo visto, o líder comunista tomou d e masiado ao pé da letra a asserção de Protágoras, p a r * quem "o h o m : m é a medida de todas as coisas". • Ainda em começos de outubro de 1959, a camintiq);L'lüa China, foi o homem-rrietro Interrogado por Jornalistas franceses sobre a situação brasileira, e concedeu que havia atualmente um poucochinho de democracia no Brasil, como provava o íato de que êle, processado Judicialmente ma« gozando de liberdade condicional, obtivera permlssãd" dO Juiz para ausentar-se do País. Algum tempo atrás, em plena "luta contra o culto à personalidade", na discussão pública que se iniciara no PCB em outubro de 1956, êle escreveu uma carta-aberta ao Comitê Central, de que fazia parte e que o elegera secretário-geral, colocando-se soberanamente acima do CC e de todo o Partido, ao asseverar, lá de cima de si mesmo: "Confio no Comitê Central, que s a b e r á cumprir seu dever, como deposito igualmente u m a confiança sem limites no p a r tido em seu conjjnto". (***) Assim, não era êle que devia merecer a conflinça do PC e do CC; ao contrário, o CC • o PC é que deviam merecer sua confiança. "L'í;tat c'e»t moi", dizia o Rei-Sol. "O Partido sou eu", dizia esse rei da modéstia. (•) L. C. Prestes — Problemas Atuais da Democracia, pág. 292 — R i j . *) Sigla do Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão criado pela ditadura que ae estabeleceu Brasil, em 1937. com funções de propaganda do Oovêmo e de censun. sobre a imprensa. (••) L. C. Prestes — P r o blemas Atuais da Democracia, pág. 292 — Rio. (*) e (••) Revista Panfleto, n" 1 (junho <'J 1958), págs. 52 e 53 — Rio. <**•) Jornal Imprensa Pnmilar, 25/11,1956, pág. 3 — Kio. ÉMÜÉ^ttttAÉflÜtt^lftÉHMa ÜMI -36^' t(\ Df\ 1 2 — )•" ' * ' « lorufl io Brtiil, Damiafo. 1S-9.M Processos ''pacíficos" chineses para liquidar a burguesia Csi. '^^^ <?••=-. O JORNAL DO BRASIL continua, aqui. a flivulgarão do livio O RETRATO (Editora Itatiaia), do jornalista Osvaldo Peralva, O capítulo de hoj* mostra as diferenças que assinalaram as revoluçõc» da URSS e da Clilna, quando uma teve »eu cstopiin na insatisfação do proletariado das cidades e a outra do proletariado;? dos campos. Osvaldo Peralva denuncia, igualmente, os processos pacíficos dos chineses para liquidar a burguesia, que iam do castigo físico à dela(,;ão de erros conjugais. Reunindo marido, mulher e amante nuu\a mesma sala, conseguiam arrancar da esposa ofendida a confissão das trapaças econômicas dos «eu» esposos. Quarenta mil mulheres, por esse processo, denunciaram seus maridos e, em conseqüência dele, 400 maridos se suicidaram. Havia em Xangai 100 mil amantes de capitalistas. DUAS REVOLUÇÕES tíIFERENTES ir 1 >i ausência de um representante chinês no Kominform só poderia cxpIícar-se pelo objetivo de íuglr ao controle soviético ou evitar atritos ideológicos com os dirigentes do PCUS. Sabese que, desde os tempos do Komintern. Mao Tsé-Tung re«istia à orientação stalinista, desmereceiK'0, assim, em muitos casos, i a ajuda material russa. É certo que. q u a n í o se fundou o Kominform, os comunistas chineses ainda nâo tin h a m estabelecido seu poder sobre toda a China, o que poderia, no Inicij, Justificar a ausência, naquele organismo, do mais popL'-so dos países bolchevistas. ao lado do menoc populoso — a Albânia. Mas, posteriormente, foi endereçado aos chineses um convite para que se fizessem representar ali, e eles não mandaram representante nem dis.«eram que não iriam m a n d a r . Essa atitude dúbia se basearia nas seguintes razões: eles fizeram sòzinlios sua revolução, mas o Pais se achava merguIhrdo na mais extrema miséria € o arranco para o desenvolvimento econômico nâo poderia «er dado sem uma substancial ajuda soviética. Se tivessem representantes no Kominform, os choques de orientação com os soviéticos seriam fatais, dificultando, reduzindo e até impedindo o auxilio material do Kremlin ao Governo chinês. Ou entlo as teses soviéticas prevaleceriam sempre sobre as teses chinesas, desmoralizando-»* ante os partidos comunistas de países semiooloniais. sobre os quais o PC chinês p r e t e n d i a , como veremos adiante, exercer hegemonia. As divergências ideológicas com os soviéticos g i r a v a m principalmente em torno destes dois pontos: a» a Revolução de Outubro de 1917 como modelo único d: revolução comunista; b) a possibilidade de desenvolvimento pacífico, após a tomada do poder. Com efeito, os soviéticos sempre proclamaram que a Revolução de Outubro dt 1917 na Rússia era modelo clássico de revolução comunista, nela devendo brsear-se todos os demais partidos comunistas do mundo. Os chineses tentaram alcançar o poder pela via soviética, a t r a v é s de movimentos de massa nos grandes c e n t r o s urbanos, mas fracassaram e, aprendendo com a própria experiência, mudaram de rota, a despeito das diretivas em contrário do Komintern e do próprio Stalln. Nos últimos anos da insurreição comunista chisesa, as desavenças eram tais que oa eitérclto» soviéticos, ao derrotar ai tropas japonesas de Kwantung, em 1945, e podendo então ter auxiliado com àrnlas aos camaradas chineses, não o fizeram. "Em certo momento e em certo local por onde passaram as forças soviéticas, seria bastante largar no chão as armas, e os soldados do Exército Popular de Libertação Chinês iriam apanhálas. Mas, ao invés dis.so, os soviéticos carregaram consigo att os fjzls velhos, para não rtêixá-los a n c s o alcance" — afirmou Liu Chao-tsl. SecretJrijj-Gera! do PC C h i n ê s , num» reunião sigilosa em Peuim. em maio de 1956, com irisentes 1 a t Ino-americanos, «n^re o» quais se encontrava Diógenes Arruda. Isso coincide, aliás, com o fiue nos disse Koriônov em Moscou. Observou qqf a revo- â luçfto chinesa c o n t a r a com grandes vantagens, em relação a soviética, e entre elas apontou a ajuda ( i n d i r e t a ) do Exército soviético, salientaftdo nismo resses. baseia ta de gundo que rcêrca Snt<-.^da f^N, t^ifJ ^ dc"=tvni(:ft(i d^.' Irreconelilivel de inteNisto, precisamente, se a teoria marxista da luclasses. Mas agora, sea teoria de Bukhárin r!« rvolturão pacfflr* forças japoné.sa , do Kwantung, dos capitalistas para o sociaem 1945, a situação do Exérlismo; sueede qu« tudo isso vicito popular' chinês era muira de pernas para o ar, que to difícil. A ajuda, segundo desaparece o antagonismo irreKoriônov. foi indireta, quanconciliável entre os interesses de do poderia, segundo Liu Chaoclas.se dos exploradores e dos tsi, ter sido diieta. explorados e que oa exploradores evoluem para o looíaEntretanto, d"poií de proclallsmo." mada a República Popular Aí estava a negação rotunda Chinesa e com a ida de Mao da tese que os (^inêses agora Tsé-Tung t Moscou, os Chevinham de esposar. E os sofes dos dois maiores países viéticos, nos bastidores, conticomunizantes Mao e Stalin) nuavam opondo-se a ela, ridiconseguiram acertar os poncularizando-a. Quando ainda teiros de seus relógios. Ao meme encontrava na Escola, em nos no terreno diplomático, esMoscou, no segundo semestre tavam sanadas as divergências de 1954, Koriônov fêz uma principais. No teiTcno partiviagem à China e de regresso, dário, porém, contiruavara. numa conferência para nós, ciMas, os soviéticos tiveram fitou vários fatos para contranalmente que admitir, a conditar aquela tese. Entre outras tra-gôsto, o caráter especifico coisas, disse-nos: da revolução chinesa, já que 11 Na China se fala em lisua influência sobre outros quidar a burguesia por meios países asiáticos era crescente e indiscutível. Molotov e outros pacíficos, através de uma redirigentes russos passaram a educação ideológica. Durante os cinco primeiros anos após admitir, aí pelos meados de a vitória da Revolução- foram 1955, uma espécie de sociedade presos, somente em Pequim, limitada com os chineses na 12 000 contra-revolucionárlos direção dos "países do campo importantes, dos quais 1 400 socialista" e, implicitamente, na direção do movimento co- passados pelas armas. E em Changai, nesses mesmos cinco munista mundial. Antes, os anos, o número de contrasoviéticos falavam em "campo revolucionários presos elevousocialista, tendo à frente a se a 80 000; e desses, também União Soviética"; agora, falamilhares foram executados. vam em "campo socialista, tenConvenhamos que isso não é do à frente a União Soviética muito pacffco. e a República Popular Chinesa", Nas reuniões do Colégio a fi^ssim, os partidos comunispresença chine.sa se manifestatas dos países asiáticos subde- ' va de vários modos, sobretudo senvolvidos converteram-se em nas opiniões emitidas por alesfera de influência do PC guns representantes de, países Chinês. Depois, essa esfera atrasados, como o indonésio ampliou-se, abrangendo, incluSurrati, que fizera um curso sive alguns partidos latinode marxismo-leninismo na Chiamericanos. O Brasil, por na e apoiava sempre suas afirexemplo, enviou à China vários mativas em citações de Mao dirigentes para realizarem ali Tsé-tung e não de Lènin ou um cur$o de. seis meses, logo Stálin. Isso i s vezes era toleapós o XX Congresso do j'ado, mas em alguns casos PCUS. por considerarem (os exasperava o diretor. Assim dirigentes brasileiros e os chiaconteceu quando pronunciei neses'» que a experiência revouma alocução sobre a diferenlucionóia da China era mais ça entre as revoluções soviétiaplicável ao Brasil que a soviéca e chinesa. Sabia que a retica. . ceptividade podia não -ser boa, e por isso preferi levá-la j á escrita, receo.so de que falando de A outra questão de que diímprovi.so, ã base de peduenas vergiam os soviéticos era mais notas, tive.s.se o curso de minha recente: datava da fundação oração desviado por apartes ou da República Popular Chinesa minha palavra cerceada por e dizia respeito ã tese de Mao meio de um e.stratagema qualTsé-tung da integração pacífiquer do diretor. A.s.sim, redigi ca, no socialismo, da burguesia em espanhol algunins laudas rural e industrial, por melo da sobre o tema, mandando pasreeducação, do trabalho ideosá-las para o ru.s.so. E na lógico. Essa tese colidia fronreunião, á maneira soviética, talmente com a opinião de eu li em e.spanhol o trecho iniStálin e fora defendida na cial e meu tradutor o repetiu URSS por um homem que teve em russo; dai prosseguiu, êle, amargo fim: Bukhárin. Não só ne.sse idioma, a leitura do resfoi considerado "renegado", to, parando perto do fim. En"e.spião", "agente dos imperiatão eu 11 em espanhol o trecho llstas estrangeiros',' "inimigo do povo" e 'traidor da pátria", íinal e êle o repetiu em russo. Mas essa leitura não decorreu como, por tudo Isso, o fuzilasem obstáculos. r a m . E certo que a situação de Mao Tsé-tung, como chefe de Após um preâmbulo, em que govêmo de uma imensa nação, tomava como pretexto certo diferia multo da de Bukhárin, trabalho publicado no número mas de todo modo a tese de anterior de nos.so Jornal, enum era igual à do outro, e fotrei no assunto das resoluções. ra estigmatizada pelo próprio Observei que nas três revoluStálin, que, em 1929. polemições rus.sas — a de 1905-1907, zando com Rossit, dizia: a de fevereiro-março de 1917 e a Revolução Socialista de Ou" . . . o erro de Bukhárin contubro de 1917 — a força masiste, precisamente, nisto, em terial predominante, foi a clascrer que os kúlaks e os concesse operária; o meio fundamensionários, sendo "até certo tal de pôr as ma.ssas em moponto um corpo e.stranho", vimento foram as greves, partievoJuem, apesar de tudo, para cularmente as greves gerais e o .socialismo. Eis aí a que abas manifestações de rua que se surdo."! leva a teoria de Bkhátransformavam em in.surrcirin. Os capitalista» da cidade e ções armadas. 0.s camponé.ses do campo, os kúlaks e o» conaluavam ali como íórça secuncessionários, evoluindo para o dária, em apoio do proletariasocialismo! Eis aí onde foi pado. A sorte da revolução se derar Bukhárin! Não, camaradas, cidia, portanto, nas grandes cinão é esse "socialismo" o que dades, nos centros industriais nós necessitamos. Que Bukhá— Petrogrado, Moscou, Baku, rin fique com êle. se quser!" Níjni-Novgoro(i e t c , irradian"Até agora, nós, os marxsdo-se depois para a periferia. t.as-lenlni.sta.s sempre havíamos Enquanto o tradutor lia ispensado que entre os capitaso, um silêncio glacial envollistas da cidade c do campo. d« via a sala de reuniões. Nos um lado. e a cla.sse operária, olhos de Mítin. » «xpertatjva. de outro, existi» um antagoO tradutor contiauou; "Nu M«i m^ mm China, por outro lado. a fõi-ça material predominante foram os camponeses, não obstante o camarada Mao Tsé-tung con.siderar que o operariado era - a clnsse hcsrmõiiiCii <!a rcTolviçáo, O meio fundamental de pôr as massas era movimento foi a luta armada dos guerrilheiros e das unidades regulares do exército revolucionário. A revolução se desenvolvia e se decidia no interior, nas áreas libertadas, irradiando-se para o centro, para as grandes cidades somente na ultima fase da luta, quando se aproximava o momento da proclamação da República P o p u l a r . . . " A esta altura, quando o contraste entre as características de uma e outra revoluções estava marcante, o camarada Mítin, perdendo a paciência, sacudiu o braço e, sem ocultar .seu mal-estar, ordenou ao tradutor que apressasse aquilo: — Davai, davai (vamos, vamos), taíárich Pavlienko! Aproveitei a interrupção para ler em espanhol a parte final, que o tradutor, nervoso, acelerando o ritmo e gaguejando, repetiu em russo; "Até 1928, os camaradas chineses tentaram alcançar o poder seguindo o exemplo russo das insurreições operárias nos centros industrais, sofreram vários fracassos. . . " Pavlienko Interrompeu-se um segundo, a boca semiaberta, e fitou Mitin, como a perguntarlhe que fazer. E Mitin, a testa enrugada, visivelmente íuribundo, fêz um gesto com a mão, mandando prosseguir. E êle prosseguiu: " . . . vários fracassos, porque as condições nos dois países eram diferentes. Aí foi quando o VI Congresso do PC Chinês determinou a f u n d a ç ã o do Exército Vermelho, o estabelecimento de bases revolucionárias no campo e a distribuição de terras nessas áreas, transferindo o centro da atividade do Partido das cidades, onde o inimigo era relativamente forte, para os distritos rurais, onde o inimigo era relativamente débil". Terminada a leitura, após algumas palavras mais, houve alívio geral, mesmo para mim. No encerramento da reunião, Mítin não se dignou sequer fazer uma alusão a tudo o que eu havia dito. 2i De fato. a burguesia nacional chinesa, sendo inimiga do proletariado, por um lado, tem suas conta.s a acertar_ com os imperialistas e.strahgeiros. por outro lado. Daí que o PC chinês tratas.se de utilizã-la, por algum tempo, em favor do socialismo. Mas is.so era uma que.stâo de tática. Tanto que, desde fins de 1952 a começos de 1953, o Governo pas.sou i ofensiva contra a burguesia — já isolada de seus aliados internos los latifundiários, liquidados com a reforma agrária) e de seus aliados externos (com a saída dos americanos da Coréia, ficaram os burgueses sem po.ssibilldades de se apoiar neles. Uma vez l.solada a burguesia — prosseguiu Koriônov — o Governo e o PC lançaram a campanha da "Luta contra os 5 Males": 1) Roubo dos recursos estatais; 2) Roubo e entrega ao inimigo de informações técnicas (espionagem econômica); 3i Corrupção de funcionários do Estado; 4> Sonegação de impostos ao Estado; 5i Roubo de materiais do Estaoo E.ssa campanha contra os ".5 Males "não se fãí de maneira suave; não é lá- muito pacífica que se diga. Senão, vejamosí 31 Nessa campanha, o PC utilizou os seguintes meios: a) organizou brigadas de operários para comprovar o estado de coisas existente nas empré.<*as particulares Só pm Xangai loram utUlzado* nsuu b r b n d a i , 80 mil operãrlon. Exlmirwvam tudo, denunciavam, os capitalistas, multavamnos' bi investigavam, descobriífn e revelavam à.s mulheres das capitalistas as amante» ídâstes. Só em Xangai haví-i um mil amantes de taplo Partido colocava os m a r i d o , mulher e amante' .lunto.s, mima mesma .sula, e «niilü a espo.sj, uleudidu eui íèu ' amor-próprio, denunciava as .trapaças econômicas e flnâiiceíras do marido. Assim, 4Í mil mulheres denunciaram xéus maridos capitalistas, muitos dos quais receberam pesadas multas pela prática de fraudes, arruinaram-.se e pedirain ao Governo para entrar na* empresas mistas, enquanto que 400 outros se suicidaram. Nada disso nos parece as.sim tão pacifico, nem muito ideológica essa forma de reeducação. 4) Nessas emprésa.i"*-mistas, o diretor é o capitalista, que rtcebe um salário de 3 milhões de iuans (1 rublo é igual a í mil iuan), além de uma parte dos lucros. O diretor tem dois suplentes, que são comunistas, em geral ex-oficials do Exército de Libertação. Os cheques do Banco são assinados pelo suplente. E as questões mais importantes da empresa são resolvidas pelo Comitê do PC na fábrica. Podefe dizer que o capitalista, nessas condições, esteja resignado mas, estará ideologicamente reeducado? 5) Por esses e outros méto,.• dos semelhantes os capitalistas ' s ã o forçados a cooperar com o Estado, sob a direção déstf.. É quando nenhum desses motodos dá certo, usa-se o castiKO físico. Uma das formas d« castigo adotados é a de esboíetear o oapitali<-ta e deixá-lo de pé, numa sala, hora., a fio, com os braços na posição f^éstes nossos aviões a jacto i\ocès já viram, não?), que têm as asas voltadas para tixs, de forma oblíqua. (Ai, perdendo sua compostura principesca, Koriônov sorriu e imitou a posição de castigo: curvando-se um pouco para a frente, colocou os braços para trás, afastados do corpo, num ângulo de 45 graus). Se este castigo não resolve, aplica-se outro mais duro. Mas os capitalistas nâo sáo resistentes como os comunistas; em geral cedem logo. Ou, como talvez prefiram dií e r nossos queridos camaradas chineses; "evoluem" logo. Mas será realmente pacífica essa evolução? Era assim visível o despeito de Koriônov pelo modo peculiar de os chineses resolverem seus problemas, independente e ate contrariamente aos pontos-devista soviéticos. . Em realidade, esse caminho chinês chegará a ser tentado nos primeiros tempos do governo bolchevista. Com muita insistência, Lenin enaltecera as vantagens do capitalismo de Estado, para a situação da Rússia, após a Revolução de OiUiibro, isto é, uma colaboração do pequeno e médio capital com o Estado Soviético a fim de .soerguer a economia nacional. Seria uma etapa na con.strução do socialismo. Mas essa tese fracassou, no caso concreto da Rússia, e seu governo ter ve de seguir por outro caminho. '.Tá o* chineses adotaram, cora exilo, H via do capitalismo lie Estado, em parte graças a sua tradicional habilidade, e em parte graças a condições mais favoráveis para Is.so, na China. Ali a luta de classes, após a vitória da insurreição, foi muito menos f e r o z do que na URSS, contrariando certa* teses de Stalin e até de Lenin. Os capitalistas chineses compreenderam que a única maneira de prolongar sua existência como classe, por alguns anos mais. era colaborando com o Estado, Como bons discípulos de Confúcio, para quem a submissão das massas aos que estivessem acima delas era uma fatalidade comparável á da relva curvando-se à passagem do vento, os d ó c e i s capitalistas chineses comentavam: "A sitnação aqui é igual a de um trem que paesa pela estação correndo: quem tiver olho vivo subirá logo para a primeira classe; quem fôr lerdo, só en•fciará na segunda classe; quem se atrasar demais, ficará privado de tudo, porque terá perdido o t r e m " . Outros diziam: "Estamos aqui como numa cadeira de barbeiro: quem se mejcer. poderá levar um talho na cara, e se se mexer demasiado, poderá até ter o pescoço cortado". E foram colaborando. Pouco tempo depois da proclamação da República Popular Chinesa e da realização da reforma agrária, com a distribuição de teiTas aos camponeses que nelas trabalhavam, iniciou-se o processo inverso — a reunificação das terras nas fazendas coletivas, do tipo dos kotkhnzes russos. Os técnicos soviéticos que se encontravam na China deram o alarma; seria catástrofe fazer Isso. De acordo com a experiência soviética, a coletivização só seria possível quando se pude.sse entregar ao campo dezenas ou mesmo centenas de milhares de tratores, e para isso a Clilnà teria que primeiramente construir indústria mecânica, capaz de fabricar esses tratores. Os chineses desprezaram, porém, e.ssa- advertência e empreenderam a coletivização das terras, sflm máquinas agrícolas. Era outra peculiaridade do caminho chinês para o .socialismo, o que aumentou o de.speito dos .soviéticos. Tinha-.se a Impressão, por vezes, de que o Governo de Pequim fazia questão de salientai:, ante o mundo e ante seu próprio povo, as dlfçrenças de métodos e caminlios entre a .sua revolução e a dos ru.ssos. Segundo o testemunho de Koriônov, o,PC chinês deu como tarefa a todos os seus membros estudar os últimos capítulos do compêndio soviético de "História do PCUS". Depois de certo prazo, cada comunista era obrigado a di.scorrer, ante a direção do organismo a que pertení;es.^e, sobre estes três pontos: 1) caráter da revolução chinesa; 2) método da construção socialista na URSS; J) caminhos da construção socialista na China. O NACIONALISMO CHINÊS No fundo de tudo isso, mal se disfarçava o sentimento nacionalista dos chineses. Uma das formas nvals agudas de que se revestia a miséria, a exploração^e a opressão do púvo chinês, e.stava na dominação estrangeira. Num trabalho datado de dezembro de 1939, que em sua versão inglesa tomou o titulo dr. The Chinese Revoliition and the Chinesr Comunisl Tutf, Mao Tji4-Tunf tscrevau: "A contradição entre o Imperialismo e a nação chinesa e a contradição entre o feudalismo e as grandes massas do povo são as principais contradições na moderna sociedade chinesa. Sem dúvida existem outras conlradlçóes, tais como as contradições entre a burguesia e o proletntiiidu e as cunlrudiçõe,>í dentro dus próprias classes reuciunárius dirigentes. A cuntradiçúo entre o liiiperialisiiio e u iiuçãü clline.sa, contudo, é a principal, entre as váriiix coiiUadiçórs". A revolução chinesa era voltada, pois, antes de tudo, contra o estrangeiro que ocupava suas terras, "arrendava" seus portos, saqueava suas riquezas. Nessa situação se encontrava a China, ao ser proclamada a República Popular em 1 de outuljio de 1949. Por essa época, ja haviam ocorrido alguns dos fatos que levaram os dirigentes do PC Chinês, através de um editorial do Jin-Mln-Ji-Pao, a dizer após o XX Congresso do PCUS: "Nas relações com os países e Partidos irmãos, Stalin teve, no conjunto, uma posição internacionallsta e ajudou as lutas dos outros povos e o crescimento do campo socialista; mas, na solução de certas questões concretas, mostrou uma tendência para o chauvinismo de grande potência (grifo meu — OP) e careceu de espírito de igualdade, não pôde educar a massa dos quadros no espírito da modéstia. Algumas vezes mesmo interveio erradamente, com muitas conseqüências graves, nos assuntos internos de certos países (grifo meu — OP) e P a r tidos irmãos". (•) Eram j á bastante conhecidos também os acontecimentos que levariam depois o Marechal J o sip Broz-Tito a proclamar sem rebuços que a União Soviética se havia convertido numa potência imperialista: "Por outro lado, as lamentações das populações dos países que estão sen-; do saqueados e oprimidos pelos Imperialistas soviéticos, sob o pretexto de que as demais nações devem ajudar a fortalecer a União Soviética, como pretenso bastião da paz, chegam até nossos ouvicíos claramente". (*) Assim, chegando ao poder; Mao Tsé-Tung não podia deixar de estranhar que em nome do "internacionalismo proletário" e da "assistência mútua", os soviéticos estacionassem tropas nas repúblicas populares da Europa, embora nâo houvesse na URSS tropas de nenhuma dessas repúblicas; que, ainda em nome desse "Internacionalismo", continuassem com direitos especiais sobre a ferrovia de C h a n g c h u n e ocupando os territórios chineses de Port Arthur e Dairen, "arrendados" pêlo Tsar. E sua p r i m e i r a reivindicação, nos acordos feitos com o kremlin, íoi a plena reintegração desses portos e ferrovia na soberania chinesa, com a conseqüente retirada das tropas soviéticas, Com efeito, menos de cinco meses após a proclamação da República Papular na China, precisamente a 14 de fevereiro de 1950, foi assinado em Moscou um tratado de amizade, aliança e assistência mútua entre os dois países, seguido de um acordo suplementar pelo (jual a URSS prometia devolver a China, antes do fim de 1952, todos os direitos sobre a estrada de ferro de Changchun mais os portos de Dairen e Port Arthur, com a evacuação das forças SQvuMica.s daquela base naval. Recalcada pela secular opressão estrangeira, a China empenhava-se em expressar, por t o dos os modos, que agora era uma nação independente, em marcha para se tornar uma grande potência econômica e militar. Mesmo antes da vitória revolucionária, Mao TséTung costumava destacar, em «eus e.scrítos, as grandezas territorial e populacional de seu país: "A China é um dos maiores paises do mundo, com um território quase tão vasto como o de toda a Europa". Ou então: "sua população representa cerca de uma quarta p a r te da população do globo". Depois da vitória, essa consciência da própria grandeza expressava-se já de forma arrogante em figuras hiperhólicas: "Se todos os chineses batessem com os pés no chão ao mesmo tempo, haveria um terremoto: se todos os chineses respirassem com força, ao mesmo tempo, haveria um furacão". Esse espírito arrogante tem Impregnado até as conversações diplomáticas de seus dirigentes. Uma personalidade chinesa, em palestra com o representante de um país do Oriente Médio afirmava h á algum tempo: "se baixarmos apenas um centímetro nos vestidos das mulheres de nosso pais, toda a vossa produção algodoeira será esgotada!." Os soviéticos, de quem não se poderia dizer, sem Injustiça, que são lentos de raoiocíi\lo, compreenderam logo que se achavam em face de um fenômeno novo, dlalèticamente explicável como um aliado ao qual era preciso proteger e ajudar, mas contra o qual era preciso se pôr em guarda, pois evoliúa perigosamente no sentido de se transformar num concorrente e até num inimigo temível. Basta um olhar sobre o mapa da Eurásia para que salte á vista uma grande contradição russo-chinesa. A URSS tem o maior território do mundo (22 milhões de km2), habitado por 220 milhões de pessoas, com uma densidade demográfica, portanto, de 10 habitantes por km2. Daí resulta que enormes espaços vazios se encontram nesse território. Já cafti a China acontece o contrário: num território de menos de 9 milhões de km2 vivem mais 600 mlhões de pessoas, com uma densidade demográfica de quase 70 habitantes por km2. Assim, o problema do espaço vital coloca-se com muita preméneia para a China, E e de tal modo que grande número de chineses já vinha habitando nos próprios barcos em que pescavam, nos rios e lagos, e uma lei foi aprovada proibindo ás pessoas que nasciam nas águas passar à terra. Ora, os chineses têm assim fortes argumentos para reivindicar que os rus.sos cedam à China uma parte de seu território, na ampla fronteira de uns dez milhões de quilômetros (incluindo-se aí a fronteira com a Mongólia Exterior, praticamente uma república soviética), que separam ê.sses dois países gigantes. Com argumentos históricos, poderá reivindicar desde logo, que a República Popular da Mongólia, que até 1922 era parte de território dependente da China, regresse ao seio da mãepátrla. Com argumentos geupolíticos, em que o fator geográfico viesse colorido pelo fator político do "Internacionalismo proletário", poderá reivindicar a anexação de vários territórios de repúblicas autônomas localizadas na Sibéria e qua foram oonauista^ai a fer- ro f fogo peloi Imperialistas russos em meados do século XIX. Precisamente há um século, em 1860, Pequim foi forcada a firmar um tratado cedendo à Rússia vastos territórios na Sibéria, que Iam desde o Ussurl até o Oceano Pacífico, em cuja costa, nesse mesmo ano, foi eriiilda a fortaleza ru.ssa de Vladivistock. Pol meditando prudentemente em tudo isso, que os soviéticos decidiram, em 1953. empreender a colonização dos espaços vazios da Sibéria — as chamadas "terra« virgens". A {iretexto de desenvolver a produção agrícola, o Governo soviético começou a mobilizar trabalhadores, sobretudo jovens, a fim de que se transferi.s.sem com armas e bagagens para a longínqua e gélida região siberiana. Estando na Escola em Moscou, lembro-me de que alguém estranhou o fato e perguntou se as terras européias estavam todas já aproveitadas para a agricultura, se não era possível aumentar-lhes a produtividade, O professor respondeu que não se tratava disso; que se tratava, de fato, de não deixar no abandono uma vasta região com tantas riquezas naturais inexploradas. A sombra amarela projetava-se ameaçadoramente sobre a vastidão siberiana. Daí a necessidade "agrícola" de cultivar as terras virgens. O CLEVECINO DELIRANTE Os êxitos obtidos pelos chineses no emprego de soluções peculiares para seus problemas, na reivindicação referente a Dairen e Port Artur, nas batalhas travadas com poderosas forcas estrangeiras, durante a guerra da Coréia, não só despertavam o despeito e o medo dos soviéticos, como subiam á cabeça de Mao Tsé-Tung e a transformavam. Na introdução a seu livTO Materialismo e Empiriocritlcinno, Lenin reproduziu trechos de uma polêmica filosófica entre D'Alembret e Díderot, em torno do fenômeno sensação, como fonte de conhecimento. Comparau(io o tomem a um "clavecino organizado", Diderot dizia à certa altura: "Houve um momento de delírio em que o clavecino sensível pensou que fosse o único clavecino existente no mundo e que toda a harmonia do Universo ressoava nele (se paasait en lui), Parece que esse delírio também atacou, no momento do XX Congresso do PCUS, ao organizadlssimo clavecino Mao TséTung. Morto Stálin, nâo havia na URSS, entre os dirigentes comunistas, nenhum teórico da estatura do chefe chinês. Além disso, a denúncia dos erros e crimes do stalinlsmo, de par com as vitórias chinesas no campo do desenvolvimento econômico, indicavam que o centro do movimento comuniíta poderia de.slocar-se para Pequim. Os elementos mais realistas continuavam agarrados ao barco soviético, certos de que a tempestade passaria, mas grandes setores do movimento comunista Internacional começaram a manifestar preferências e simpatias pela experiência da China, considerando-a mais humana, mais liberal, mais sensata que a dos russos. Qttfindo .arruda regressou da Clrina e nos encontramos em Moscou, em julho de 1956, notei que êle também tinha essa preferência. Mostrava-se entusiasmado com a autorização de enviar dirigentes brasileiros para fazerem um curso na Escola do PC Chinês. Referindo-se aos dois meses que passei em Praga, sem nada fazer, esperando por êle, em cumprimento da ordem que me enviara por telegrama a Bucareste, logo apôs o encerramento do Kominform, dizia que eu não tinha perdido meu tempo, pois me reservara importante tarefa: dactilografar, em finíssimo papel de seda, e trazer comigo para o Brasil, as anotações que êle tomara dos "preciosos ensinamentos dos camaradas chineses". Em conversa comigo, elogiava Mao, Chu En-Lai, Liu Chao-Tsi, e criticava seus velhos ídolos soviéticos. Discutia com Koriônov quase em pé de igualdade e chegou a destratar Sívolóbov, reprochando-lhe por telefone o não cumprimento de determinada promessa, a l i á s «em maior significação. O momento era de grande confusão, e Sívolóbov agüentava, calado, tais despropósitos. Por tudo isso compreendi que Arruda estava convencido de que Ia mudar de senhores, de que Moscou, como então Praga, passaria a ser apenas um ponto de escala na rota para a nova sede do comunismo mundial: Pequim. Não tardou a verificar xjue se havia equivocado. E esse equivoco custou-lhe caro. Não sei se por malícia ou porque estivesse realmente convencido disso, Koriônov deu a seguinte resposta a uma pergunta de Arruda sobre a China: — Como russo, talvez nâo seja mruito p,itriótico de minha parte fazer esta afirmação. Mas digo que dentro de 10 a 15 ancõ, a China será a p:lmeira potência mundial. Os Estados Unidos compreendem isso, e não é por acaso que procuram dificultarllie o desenvolvimento. O grande prestigio da China, na Asiu, decorre de que foi o primeiro país no Oriente a fazer a revolução. Enquanto seu prestigio cresce naquela região, diminui o dos Estados Uríidos. Acontece qUe ela tem como vizinhos paí.ses amigos: URSS, Índia, Birmânia etc., ao passo que os Estados Unidos têm como ponto de apoio somente as Filipinas, a Coréia do Sul, Formosa, pouco mais. Quanto a Mao Tsé-Tung, não h á dúvida de que, no movimento comunista internacional, êle é atualmente o maior pensador; depois dele, vem Togliattl. Arruda sorriu por baixo de seus grossos bigodes e balançou a cabeça aprovativamente. Koriônov prosseguiu: — O Partido aproveitou bem o tradicional sentimento de obediência dos chineses ao Estado, e o i-esultado foi imi alto grau de organização. £ certo que a revolução chinesa contou com grandes vantagens: a existência do campo socialista e seu apoio concreto. O Governo chinês recebe da URSS equipamentos industriais, especialistas e técnicos; pôde dispor da experiência teórica de outros paises que já haviam aberto a rota da construção socialista. A URSS construiu 141 empresas industriais na China, e agora constrói mais 15. Cada ano passam pelas escolas superiores soviéticas cerca de mil chineses, além do que realizam cursos prático.^ trabalhando em nossas empresas. Eles partiram de um ponto multo baixo, de uma ml.séri» extrema. Antes, o homem do povo tinha arroz & mesa apenas duas ou três vezes por ano. Allmentava-se de qualquer bicho que corress* W I A superfície da terra: cobras lagartos, ratos. Hoje já come arroz uma vez por dia. Isto representou verdadeira revolução na China. Dé.sse modo, com nos.sa ajuda, a China será dentro de pouco tempo a maior potência mundial. Em tais circunstanciai, com tais penspectlvas, Mao Tsétung publicou, sem assinatura, um artigo no Tin-Mig-Tí-Pao analisando alguns dos erro» teóricos de Stalin e dando a entender que a China os h a via evitado. Convocou um congresso partidário em que preconizou várias medidas liberallzantes, entre as quais a tese das "cem flores" (existência de diferentes escolas no terreno das letras, das artes e das ciências) e o direito de p e quenas greves de protesto contra as conseqüências do burocratismo. Era toda uma plataforma para conquistar a direção do movimento comunista mundial. Convém lembrar que Togliattl, por sua vez, aspirava ao exercido de uma parcela de poder na redistribuição do comando comunista Intei nacional. Lançou então a tese de uma "direção policêntrica" para o movimento bolchevista; quer dizer, que não houvesse mais um centro único (Moscou), e sim vários centros regionais, com suas zonas de influência delimitadas. E apresentando sua candidatura # direção de um desses centroi. proclamou que a Itália t a m bém posuía um acervo de experiências de que poderiam benefíclar-se, estudando-as • a.ssimllando-as, vários partidos comunistas. Recordou mesmo que, em Moscou, durante o XX Congi-e,s.so, alguns dirigentes latino-americanos foram procurá-lo para ouvir seus conselhos e opiniões em torno de diversos problemas daquela região. Depreende-se que Togliattl pretendia a direção da parte latina deste Continente. Se não houvesse outra justificação para Isso, haveria ao menos uma afinidade: a Itália era também uma nação latin a . Aliás, éle poderia ilustrar sua afirmativa, sobre os que o procuravam, com a fotografia publicada n a quinta página do jornal moscovita Pravda, de 20 de fevereiro de 1956, isto é, durante o desenrolar do X X Congresso. Lá aparecem, entre outros, o chefe do PC argentino, Vlctorio Codovilla. com a» mãos enfiadas nos bolsos das calças, a cabeça inclinada p a ra a frente em atitude de quem escuta atentamente, e a Seu lado, gesticulando com as mãos, a boca aberta como quem est* perorando, êle próprio — T o gliattl. Procurando capitalizar o sen^ tiraento de descontentament» dos comunistas do mundo in* teiro, em face das revelações do "relatório secreto", Togliattl chegou a proclamar que t i nha havido "degenereecêncja' do sistema soviético. Maa bem pouco durou tuflj- isso. Kruschev, o autor (!• "relatório" publicou uma azeda contestação à afirmativa de Togliattl (que não dispunha da autoridade, do prestigio e da força de atração qu» possuem os dirigentes comunistas no poder estatal) e o reduziu ao silêncio. Também manifestou de púbUco divergir do PC chinês, e isso era importante, nâo pela autoridade teórica do sagaz ucramano, mas por ser êle o senhor de uma poderosa nação industrializada, sem cuja ajuda a China nâo poderia realizar, no ritmo desejado, seu programa de desenvolvimento. As medldaa liberalizantes, preconizadas pelos chineses, foram tornadas sem efeito. Os que tentaram utilizá-las foram parar na cadela. Mao Tsé-Tung, porém, continuou a delirar. Resolveu construir, sobre um nível de vida miserável, um regime comunista (comunas agrícolas, comunas populares) bem semelhante ao comunismo primitivo e militarizado dos Incas, no Peru dos tempos da conquista espanhola, mas que n a da tinha a ver com o comunismo pregado por Marx, o qual deveria basear-se na superabundância dos produtos como resultado de uma economia tecnicamente desenvolvida no mais alto grau. Paz menos de um ano, ouvi de pessoa realmente fidedigna e bem informada esta revelação que lhe fizera u m dc.3 participante» daquela reunião de partidos comunistas que se efetuou em Moscou, poucos dias após o 7 de n o vembro de 1957. quadragéslrao aniversário da Revolução Socialista Soviética. Mao TséTung. que estava nessa reunião, .'èz um discurso de hora • m;ia, durante o qual proferia longos trechc« jntei:amente sem nexo. Os ouvintes se en~ treolhavam. achando esquisito, pois ninguém entendia n a d a . Então éle próiirio, notando n estranheza de vez em quando revelada pelo plenário, roc'ou o indicador em frente da cabeça, num gesto signifioativò, como a admitir certa alienação mental. Horas depois, como os representantes iugoslavos ise recusassem — e foram os únicos — a assinar o documento em que todos os partidos comunistas p r e s e n tea reafirmavam a mesma posição de subordinação á URSS e ao PCUS. Mai Tsé-Tung t e ve quase um ataque de nervos, êle que sempre revelou uma calma tão chinesa. Agarrando o documento, gritava para oa iugoslavos: — Vocês têm que assinar! Vocês têm que assinar I Não demorou muito e foi afastado da Presidência da República Popular Chinesa. As ordens para organizar comunas foram sustentadas ou refreadas. Nas comemorações do X aniversário da República Popular, em outubro de 199», êle compareceu em solenidá des, foi fotografado ao lado db várias personalidades estrangeiras, falou-se que partícljjou de algumas reuniões bem importantes, mas não abriu a boca em público. Todtjs os latos estão a indicar que a maior cabeça pensante do movimento comunista Internacional, da atualidade, perdeu a lucidez. (•) JIN-AIIM-Jl-PAO — Ainda asbre • Kxperténcli His. tórica da Ditadura do Proletariado, pág. 25 — Editorial Vitória — Rio. (*) .Tosip Broz-Tito: La Lucha de los Comunistas de Tugoslavia' por Ia Democracia Socialista (Informe aí VI Conrreso dei Partido rnmunjsta de Yugoslavii) — Folheto, Janeiro de 19Õ,'!, páf. 10. Ver em aiifendice (Mrtio* dn inrnrmr nobre o asnunlo. 3h 4 / ^ , P)/0 X-í^.O. 5C!,/^CL ^'5/ôvf.> 12 — !-° eidn Jornal do B n i i l , Oomin|o, 2-10-6I O 11 de Novembro visto pelo PCB chega ao Kominform como uma vitória dos comunistas O JORNAL DO BRASIL cncprra a publicarão de capítulos do livro O Rptrato (Editora Itatiaia>, em que o jornalista Osvsldo Peralva relata as experiências por que passou crnio membro do Partido Comunista do Brasil, como aluno da Escohi de Revolucionários da L^nião Soviética e como membro do Kominform. Ressalva-se, ainda uma vez, que muitos du* nomes citados por Peralva, no texto do livro, não correspondem aos nomes verdadeiros, por motivos óbvios. Nessa última parte da publicação de O Retraio pelo JB, narra-se como o PC, desfigurando a verdade, informou a seus membro? no exterior sobre fcua participarão no movimento do 11 de Novembr). Para completar, Osvaldo Peralva traça um rápido desenho das íiguras que integrava o Núcleo Dirigente do PCB na época em que êle foi posto na ilegalidade, apresentando, também, o Sr. Agildo Barutü que. sem participar do Núcleo, viria mais tarde a desfechar sobre ele golpes demolidoreí-. Quando os tanques do Exército brasileiro desceram sòbie o centro do Rio, na madrugada cie 11 de novembro de I9õ5, eu me encontrava nos confins da União Soviética, numa cidade balneárla do Cáucaso — Kislovodsk. situada a 900 metros acima do nível ds mar e famosa por suas águas minerais Narzan. Minha família recém-chepada do Brasil e, como era a época cm que os representantes saiam de férias, pedimos a Mitin para passarmuõ as nossas na URSS. Concordou, mas com a restrição de que não poderíamos ficar em Moscou, pois estávamos em começos de novembro e ali iam chegar, para as comemorações da Revolução Socialista, no dia 7, numerosas delegações de todas as partes do mundo, e Já não era possível reservar-nos lugares em hotel. De Moscou partimos em avião para o Cáucaso, com todas as {lonras de estilo conferidas a úm membro do Komlnform. Em todo lugar onde aterrlsávamos, vinha o chefe do aeroporto c. quando os passageiros começavam a descer a cscadinha, èle chamava por meu nome, batia-me continência e nos conduzia, a mim e aos meus, para um salão reservado, onde tudo era melhor que no salão comum — a comida, os móveis, a limpeza. Em um desses lugares, saímos a dar uma volta em torno e pedi que nos avisasse quando se aproximasse o momento da partida do avião. "Pode ir tranqüilo; o avião só partirá quando o camarada estiver a bordo", assegurou-me o chefe do aeroporto. Em Kislovodsk, a mesma solicitude. Ficamos hospedados num E?natório que fora outror i residência do escritor Ivan Turguiéniev. e onde se encontravam, aonde chegavam e de onde partiam quase diariamente dirigentes comunistas soviéticos, membros do Comitê Centnil u;is, outros não, mas todos coro funções governamentais ou partidárias em diversas zonas soviéticas. A vida rodava com lentidão. D á v a m o s pequenos pas.seios em tórho da cidade, escalávamos a montanha onde o poeta Liérmontov teria t r a vado um duelo e tombado morto, chegávamos até à rocha a que, segundo a mitologia. P r o meteu esteve acorrentado, até ser saJvo por Hércules. Era proibido beber álcool, mais muito amiúde inventavase pretexto para violar o regulamento do sanatório: organizava-se um banquete para h o menagear alguém que chegava ou que partia ou que fazia anos ou que vinlia de outro sanatório ver um amigo. Então corriam a vodca e o conhaque. E quando faltava um motivo local, arranjava-se outro, menos próximo. Assim foi quando se soube ali que Bulgânin e Kruschev partiriam em vi.sita à índia e outros países asiáticos. Por iniciativa de um soviético srordo, forte e calvo, membro d o C C do PCUS, tivemos que beber e brindar, conforme é!e acentuava, "?.& velikuiu missiu" ipcla grande mis.são). Entoi'namos muitos cálioes de vodca, todos de pé, enquanto éle comandava, com sua autoridade fie dirigente do partido-chefe <lo movimento comunista mundial : — Do kantsá! 'Até o íim, até o fundo do copoh Chegáramos àquela cidade ks vésperas do dia 7, que foi de grandes festas. Do alto de uma colunata, num palanque ornamentado, assistimos ao longo tiesfile em honra da Grande Ilcvolui^io Socialista de Outubro. Pirecia que toda a populiiçáo participava da passeata, cjiipunhando bandeiras e cart.izes alusivos à data. O desfile devia dispeisar-se uns duzentos metros mais adisnte. Entrcl..nlo. bem e:n frente a nós. uni (ics manifestantes, que tentava s.-irtíí forn:i ai! lapsmo, argub i e n n n d o com um policial « ^^a^ paisana, » mostrando-lhe t perna inchada, era empurrado para o meio da passeata, « teve de continuar. Nesse momento descemos do palanque, e minha mulher, sob oò olhares complacentes dos policiais- — em geral muito atenciosos com os estrangeiros — introduziu nossa filha no desfile, para filmá-la ao lado dos demais manifestantes. Queria guardar, numa película, esse Instante glorioso, para que a garota, quando moça, pudesse revê-lo, projetado numa tela, e dele se orgulhar. Mas em .seguida ocorreu outro incidente, que empanou nossa alegria. Agora era uma senhora, com uma gardtinha, que tentava sair da pa.^seata: alegou que não agüentava mais, tinha desfilado o tempo todo com a criança nos braços e, além disso, a menina queria urinar. O miliciano negava-se a consentir. Então minha mulher começou a reclamar, em voz alta, com indignação: — Isso é um absurdo! Se a mulher quer sair, por que náo d e i x a r ? ! Então a manifestação é obrigatória, como no tempo do Estado Novo, no Brasil?! Expressava-se em português, mas o policial à paisana notou que ela se referia ao caso da mulher com a criança, e ordenou ao miliciano que a deixasse sair. Esse fato amargou-me a alma. Por mais que tentasse esquecê-lo, sua lembrança perseguiu-me durante o banquete, à noite; acompanhou-me até á. cama, dlficultou-me a conciliação do sono. Eu vira. em outras ocasiões, alguns fatos desagradáveis e aceitara as explicações oferecidas para eles: crianças esmolando, acompanhadas de sua mãe (por quê ? Resposta: são ciganos, não querem trabalhar): um mutilado de guerra, com uma perna só, esmolando também (por quê ? Resposta: êle tem metade de sua capacidade de trabalho: poderia trabalhar em vez de esmolar), Eu mesmo cheguei a criar, espontaneamente, explicação para outros fatos. Quando minha mulher chegou ao luxuoso metropolitano de Moscou, achou que era um absurdo tanto desperdício de dinheiro naquelas estações .subterrâneas, onde as pessoas passavam apenas alguns minutos, esperando o trem, enquanto que no caminho do aeroporto para a Cidade, e em outros pontos, podiam ver-se numerosos casebres, em cujo desconforto seus habitantes deviam passar muita.'! « multas horas por dia. Por que — indagava ela — não se construíram melhores moradias para aquela gente e não deixaram essas obras suntuosas, para quando tivesse desaparecido toda a miséria que resta no País? E eu prontamente repliquei que se tratava de uma obra para o futuro, uma obra definitiva do comunismo, isto e, para uma sociedade em que tudo seria em abundância e suntuoso. Por que construir agora um metropolitano modesto e ter de refazê-lo alguma.^ décadas depois ? Além disso, ela devia notar que as obras suntuosas eram todas para u.so coletivo, era o que se poderia chamar o "luxo para as massas". Eu temia que ela sofres.se decepção e aJudava-a a vencer suas "incompreensões". Entretanto, diante dessa cena da mulher com a criança nos braços querendo sair do desfile e sendo impedida pelo miliciano, diante da indignação de minha mulher por esse pequeno ato de coerçao, permaneci mudo e sem e::plicação. Não era, difícil aceitar que um país ainda curando as feridas da guerra, um país ainda em luta para liquidar os restos do enorme atraso econômico herdado do tsarl.smo, pudesse apresentar deficiências. Mas o Governo desse pais não tinha a necessidade nem o direito de obrigar ninguém a homenageai r n novo regime f » revolução que o instituiu. I s s o era mais estranho e mais chocante que tudo. Quatro dias depois fomos Informados pela Rádio de Moscou que se produzira no Brasil um golpe de Estado, por meios militares, tendo á frente o General Teixeira Lott. Ministro da Guerra, e essa nova e séria preocupação féz-me esquecer o desagradável incidente presenciado durante o desfile. Outros hóspedes tomaram conhecimento da notícia e quiseram saber se o golpe era hostil aos comunLstas Expliquei-lhes, em linhas gerais, a situação: o chefe do golpe era ministro da Guerra de um governo que considerávamos reacionário; um candidato à Presidência da República, Sr. Juscelino Kubitschek. aue contara com o apoio do PCB, fora eleito, mas ainda não empossado. Não S3 sabia se o golpe era para facilitar a posse do eleito ou para instaurar uma ditadura militar. Acharam meus ouvintes que devia ser para dar posse a nosso candidato: de todo modo fui considerado o homem do dia, ali no Cáucaso do Norte, e só não me homenagearam e beberam à minha saúde porque eu me revelei demasiado intranqüilo com a situação. Telefonei para o Comitê Central do PCUS, em Moscou: Sivolóbov não estava bem informado. Prometeu, porém, comunicar-me qualquer novidade que soubesse. Pouco a pouco as escassas notícias que nos chegavam, a respeito, foram desenhando um quadro mais tranqüilizador. Mesmo assim, tratamos de abreviar a partida. De regresso a Moscou, a meio caminho, num aeroporto, lemos num jornal local o telegrama sobre novo golpe, dado a 21 de novembro, pelo mesmo General tiOtt, a fim de impedir a volta do Sr. Café Filho à Presidência da República. Finalmente, em Moscou, recebemos no Hotel Sovlétskaia a visita de Slvolóbov. Êle se mostrava radiante com as informações recebidas do Brasil. Pouco antes houvera no Rio uma reunião clandestina de dirisentjs comunistas latino-americanos. Um dos participantes, diris^nte urueuaio — que eu conhecera anos antes — foi colhido, ainda no Brasil, pelos acontecimentos do dia H e trouxe aos soviéticos a versão oficial do PCB sobre esses fatos. Slvolóbov mandou-o ao Hotel Sovlétskaia transmitir-lhe o informe sobre o 11 de novembro, e me preveniu que Almeida, então membro do Presidium do PCB, chegaria daí a dois dias, e em seguida êle o enviaria a meu hotel para que completasse as informações. E assim sucedeu. Primeiro veio o uruguaio, depois Almeida. E o informe de um confirmava plenamente o de outro. Almeida estava, nes,se dia, pouco loounz. É que na hierarquia do PCB. êle .se achava colocado bastante acima de mim, mas. naquele caso. era diferente, poroue eu reoresentava o Kominform. Tinha que saber de tudo nos mínimos detalhes, a fim de DOder transmitir aos comunistas do mundo inteiro, esnecialmente aos dns países scmicoloniais, através do Por uma paz duradoura, por uma democracia popular, a preciosa experiência d a q u e l e golpe progressista. E èle, em posição de inferioridade, tornou-se humilde e encabulado. Tive que fazer-lhe numerosas perguntas para que êle recuperasse a loquacidade. Depois de certo ponto, entusiasmou-se e falou demorada e fluentemente de como o PCB decidiu dos acontecimentos. Sua v e r s ã o , coincidente com a do uruguaio, porém mais rica de fatos, foi resumidamente a seguinte: — O Governo de Café Filho não queria dar oosse ao candidato Juscelino Kubitschek. eleito por uma coliaacâo de partidos, de que narticipava o PCB. Por isso urdiram uma consnirata, segundo a qual Café *^- Iho devia adoecer para que o Presidente da Câmara dos Deputados. CarloS Luz, assumisse a chefia do Governo, de.sse um golpe e formasse um governo forte, ditatorial, que negaria posse a JK. E como o Ministro da Guerra, General Lott, constituía um ob.stáculo a tais planos (pois, acostumado aos regulamentos militares, era a favor da posse de JK, em cumprimento à Constituição que considerava como um regulamento para todos os cidadãos), a primeira medida seria demitir Lott. Demitido, Lott se conformou com a demissão e foi para casa. Mas, a essa altura, interveio o PCB de modo mais firme. A direção se reuniu, e.-tabeleceu contato com os oficiais comunistas do Exército, e estes, através de alguns generais sobre os quais tinham influência, convenceram a Lott de que devia assumir o comando do contragolpe. E quando Lott assumiu o comando, viu-se diante de vários fatos consumados. Por exemplo: quando éle, falando com um grupo de oficiais, determinou o cerco, por tropas do Exército, das bases aéreas do Rio (que permaneciam fiéis ao Governo Café Filho—Carlos Luz e dispostas ao golpe para negar posse a J K ) , um oficial comunista Informou : — J á estão cercadas, meu General. Lott teria ficado muito Impressionado com a eficiência dos oficiais comunistas, os quais — segundo Almeida — traçaram e puseram cm prática um plano perfeito de ocupação dos pontos estratégicos da cidade, o que determinou o êxito completo dessa operaçfto-mlhtar. No dia seguinte, na Câmara Federal, o único representante comunista ali existente. Deputado Biuzzi de Mendonça, seguindo instruções da direção do PCB, fêz com oue o Deputado José Maria Alkmim, mais tarde escolhido Ministro da Fazenda de Kubitschek, assumisse então a liderança da maioria parlamentar, por ser um homem com atitude firme em relação aos problemas do momento. O Vice-Presidente do Senado. Nireu Rnmos. assumiu a Presidência da República, e estabeleceu censura sobre todos os jornais, menos sobre o diário comunista. Nereu chamou Bruzzl a Palácio e disse que ia colocar um censor também na redação do jornal comunista Imprensa Popular. Bruzzl consultou a direção do PCB c voltou a Palácio dizendo que, absolutamente, o PCB não aceitaria censura sôbre seu Jornal, o que exigia o levantamento da censura em geral, respondendo judicialmente cada jornal por quaisquer atos nocivos à .segurança do novo Governo. E a censura foi levantada. Dois dias após o golpe. Lott foi entrevistado pela United Press. Interrogado sôbre quem eram os golpistas, disssra os nomes do Brigadeiro Eduardo Gomes, do Almirante Amorlm do Vale e de vários outros que constavam da lista publicada pelo jornal comunista. Entretanto — prosseguiu Almeida, esfriando de súbito seu entusiasmo e baixando a vista — devemos ser modestos, não deixar que os êxitos nos subam à cabeça, como dizia o camarada Stalin, e fazer nossa autocrítica pelo grave êiro que cometemos. Tínhamos todas as concíiçõss para participar do Governo de Nereu. mas não exigimos isso a fim de não sectarizá-lo. Decidimos não participar, e quando resolvemos o contrário, era tarde: Já não havia condições para nossa participação. Apesar disso, temos gente de confiança no Governo. O Ministro do Trabalho, Deputado trabalhista Nelson Omegna. disse-nos que só aceitaria o Ministério se nós concordássemos com sua escolh.i; nó.s concordamos. Mais ou menos a mesma coisa se deu rom outros Ministérloa — disse, em concluiào. Regressei Imediatamente a Bucare-ste, fiz uma longa conferência sobre o assunto, no Departamento de Informação, a pedido de Bazânov, e escrevi um artigo, cm forma de "Carta do Rio", assinada com o pseudônimo de Silvio Mala, dentro do espirito do info-me iransmitido pelo uruguaio e por Almeida. Mas naquela edição em que devia sair o artigo, houve uma disputa por espaço no jornal — discutimos muito, especialmente o búlgaro e eu, cada qual defendendo ante o Colegiado a urgência e imporáncia de sua matéria. Entre jutras coisas, alegou o búlgaro, apoiado pelo húngaro, que o golpe de 11 de Novembro era algo t-emendamente confuso, que ninguém entendia e que em um simples artigo como o meu (embora eles não o houvessem lido ainda) não se poderia e.sclarecé-lo por completo. Assim, poderia ficar para próxima semana. Mas argumentei com tanta sinceridade e entusiasmo, defendendo a relevância da imediata publicação de meu trabalho, que venci. Foi publicado na edição de 16 de dezembro, sob o título A Situação no Brasil. Nele me expressei com todo cuidado, receoso de que íòíse aproveitado, de forma provoca (iora, p e l a imprensa reacionária em outros países. Entretanto, o artigo refletia decerto toda a minha certeza de que o Partido Comunista fora o elemento decisivo dos acontecimentos. Tanto a.ssim que o húngaro, após lê-lo, veio .sorridente saudar-me, num Jeito autocritico : — Tavárich Ribeiro, meus parabéns. Seu artigo esclarece perfeitamente a situação. Essa América Latina tem sua própria maneira de fazer as coisas. Mais um golpe de Estado no Brasil e lá teremos uma democracia popular. Mas eis que. de regresso ao Brasil, no curso da luta que empreendemos no PCB e que culminou com a cisão da qual Aeildo Barata foi a figura mais expressiva, muitas versões foram retificadas, muitas verdades vieram k tona. Em um dos grupos de luta contra a orientação peceblsta, de que participei, havia um membro dn Comitê Central, que estabelecia as ligações da direção do PCB com o gi-upo de oficiais comunistas do E.Kército. E êle me disse : — Es.sa gente (direção do PCB) não quer n a d a . . . tem medo de tudo: medo de assumir responsabilidade, medo de ser presa, medo do pode-. Em relação com o movimento de 11 de Novembro, a direção se omitiu completamente. Isso que o Almeida te contou em Moscou é pura fantasia. Enquanto se preparava o movimento nos meios mlhtares, Ari-uda. Amazonas, essa cachorrada toda estava escondida com o rabo entre as pernas. Nossos companheiros mlllcos me pergunt a v a m : "E a direção, que é que diz?" E eu sem te" o que rcsnonder. Alguns se impacientavam, mas outros confiavam: "Vamos esperar, a direção sabe o que faz". E a direção não dava um pio. escondidinha. .Me que os companheiros militares disseram: "Bem, você diga aos companheiros da direção que ou nós almoçamos o Carlos Luz, ou éle nos j a n tará. Que no Exercito a tendência da oficialidade democrática é resistir". A resposta devia vir com urgência. Transmiti o recado a Amazonas e marcamos um encontro para obter a resposta, acertando que se éle não chegasse na hora, eu devia voltar ao mesmo ponto três horas depois. Êle não veio. Fui aos camaradas militares e eles me disseram: "Bem. se não vem nenhuma indicação, então nós vamos participar no movimento por nossa conta. J á ninguém pode deter o desencadeamento do contragolpe". Quando voltei ao ponto, na segunda vez, lá est.Tva .amazonas. Com muita solenidade, êle me disse: "Bem, a di"eção discutiu seriamente a questão, pesou os prós e os contras, e resolveu traçar a seguinte diretiva: se êles acham que têm força, que façam o movimento". Eu então tive vontade de rir, e expliquei: "Camarada, êles já decidiram participar no movimento. Com êles ou sem êles, o movimento ia rebentar. Agora não adianta mais ir procurá-los. AUás, tu deve iv tratando de cair fora, porque daqui a pouco os tanques vão rolar sôbre Q cidade" Não há muito tempo encontrei na rua o ex-deputado e ex-comunista Bruzzl Mendonça. Interroguei-o sôbre o 11 de Novembro, de ccmo o PCB, através dele, féz com que Alkmim assumisse a liderança da maioria; de como, -eguindo Instruções do PCB, êle exigiu e obteve que o Presidentí Nereu Ramos abolisse a censura à imprensa. Bruzzl achou graça, comentou: — Eu cada dia me convenço mai.5 que o PCB fazia muito era p a l h a ç a d a . . . Isso do Alkmim e do Nereu não tem pé nem cabeça. Ê verdade que êles puseram censor em todos os Jornais, menos na Imprensa Popular, mas Isso sempre constituiu um mistério para nós. Um dos redatores dê:se jornal, Paulo JJjta Lima, chegou a suspeitar, conforme me disse, que se tratasse de uma armadilha do Governo, mas talvez a razão fosse outra. O fato ê que, depois de levantar a censura, sam nenhuma intervenção nossa, o Governo Nereu restabeleceu-a, m a i i s tarde, e dessa vez atingindo também o Jornal comunista. A direção do PSB estava como barata tonta, cada comunista fazia o que entendia. Como eu me achaíse numa frente de trabalho legal, o Parlamento, podendo ser mais facilmente colhido nas malhas da polícia, no caso de haver um golpe desfechado por Caries Luz. pedi a um dirigente do PCB. na víispera do 11 de Novembro, que me assegurasse refúgio para o caso de necessidade. E êle se limitou a recomendar que me escondesse em casa de um amigo meu que morava num prédio em frente ao edifício em que moro. Bruzzl sorriu e ajuntou: — Ora, para me esconder em casa de um amigo meu, não precisava de ajuda da direção. Depois, esse esconderijo seria uma Idiotice, logo na vizinhança, em casa de um amigo. E agora eu me pergunto com indignação retardada: por que esses dirigentes do PCB mentiam tanto aos seus chefes soviéticos? Por que me levaram, no caso em apreço, a fazer circular cm todo o mundo comunista, através do jornal do Kominform. uma voríão descaradamente f a l s a daqueles aconteolmentcis? A grandeza do PCB era construída em boa parte com a ajuda do.s soviéticos: com seus donativos, seus convites para f n v l a r delegações t URSS, seus Prêmios Stalin a brasiUircs... E era preciso mentir, vangloriar-se de façanhais imaginárias, e x a g e r ar seu prestigio e Influência, para poder receber maiores donativos, convites ainda mais freqüentes, novos Prémics Stalin, Se os milhares de militantes abnegados e Idealistas, que enfrentavam a policia política e todo tipo de perseguições, que sacrificavam todas as suas horas disponíveis trabalhando anonimamente nas campanhas empresadas pelo PCB. que arriscavam suas posições e sua vida numa luta que supunham aureolada de grandeza cívico-social, pudessem cheirar o que se passava na direção do Partido, sua reação Imediata, instintiva, seria levar o lenço ao nariz. o "Núcleo Dirigente" Diógenes Arruda Diógenes de Arruda Câmara era quem encabeçava o "núcleo dirigente", no período seguinte à ilegalizaçâo do PCB, em 1947. Se um dia ganhasse estátua, penso que o escultor, pautando-se pelo realismo socialista, deveria talhá-la em madeira, a golpes de machado Prepotente, náo fumava e não permitia que ninguém fumasse nas reuniões em que êle estava. Extremamente desorganizado, marcava a mesma hoi'a para que dez pessoas diferentes viessem falar com êle; atendia a quatro ou cinco, e ao fim de umas duas horas, saia — alegando ter coisa urgente e importante a fazer — e mandava que os restantes e outros mais, chegados depois, voltassem no dia seguinte, quando a mesma cena se repetia. Nos primeiros tempos em que fui trabalhar como seu secretário, tentei organizar-lhe as audiências, mas êle mesmo marcava as horas (Dois não admitia que ninguém fizesse nada em seu nome) e minha boa intenção se tornou impraticável. P a r e cia mesmo que essa desorganização, no caso das audiências, era proposital para se dar importância. Certa vez, marcou entrevista com um grupo de intelectuais comunistas, entre os quais havia nomes da maior projeção. Advertiu que todos estivessem lá às 8 horas, sem falta, pois não podia perder tempo, esperando por êles. Bem sabia que sacrifício seria para aqueles homens, habituados a dormir tarde, chegar tão çédo a uma reunião. E o pior é oue êle próprio só apareceu no local da entrevista às 9 h 30 m, quando alguns j á se dispiinham a ir-se embora. Cabelo despenteado, barba por fazer. Arruda — que dormira até 8 h 30 m — entrou na sala e foi dizendo, à guisa de cumprimento: — Isso é que é vida! Todos bem dormidos, de cara repousada, enquanto eu nem pude fazer a barba . . . Vamos, vamo» logo começar isso. que eu tenho muito que fazer hoje. Com o ar superior de um coronel da roça. quando se diçnava tratar alguém com intimidade, chamava-o " p e r n a - d r - p a u " ; quando queria exprimir um sentimento de desgosto por qualquer coisa, usava Interjeições muito próprias e pitorescas i " a h ! meus setecentos clavlnotos!"!. que sciis admirad.ores passavam a repetir. Quando escrevia, sua letra desalinhada, em grandes caracteres, enchia logo a página e era quase ilegível: alem disso, a ortografia era de semi-analfabeto (escrevia deicha com cli em lugar de x) e praticava todas as Infrações gramaticais. Sendo a maior negação que j á vi para idiomas, atravessou várias vezes a Europa, de ponta a ponta, sem quaisquer dificuldades, conversando apenas por mímica, como os surdos-mudos. Mesmo em português, seu vocabulário era reduzidíssimo. Contudo, manejando essas poucas palavras, ajudado por sua srande inteligência e forte personalidade, éle pontificava sôbre todos os assuntos — economia, música, aviação, história do Brnsil, culinária, materialismo dialético, cosmogo nia, tática revolucionária leninista. e a.sronomla — em que era formado. Enorme era sua capacidade de trabalho. Passava às vezes uma semana dormindo duas ou três horas por noite, mas quando terminava a tarefa e arriava o corpo, onde ouer que se achas.se, dormia até fartar-se. Certa vez deitou-se, em sua casa, depois do almoço, pretendendo levantar-se às 18 horas, mas faltou a todos os encontros e só foi acordar no dia seguinte às 19 horas. Dormiu então 29 horas seguidas, e ao despertar sentiu, como éle mesmo'disse, dlsoosicão de pegar touro a unha. Como que andava aos solavancos, mas andava sempre cara adiante e fazia todo o Partido andar. Em fins de 1940, o Partido Comunista estava esfacelado em São Paulo e no Pais inteiro. Alguns velhos militantes qu° tinham escapado de ser préòos. nas repres.sões policiais daquele ano. formaram no Rio uma Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP). Arruda então veio ao Rio e, proclamando-se reorganizador do Partido em SÃO Paulo, isto é. no maior centro operário do Pais. negociou a reunificação dos dois grupos em bases vantajcslssimas para éle. Acontece, porém — conforme me referiu um camarada que com êle residia então — que em São Paulo ainda não existia organização comunista alguma, e em nome dessa organização inexi.stente éle as.sumiu praticamente a direção da que se formara no Rio. Quando a situação política o permitiu, êle enviou emissários a alguns pontos do Brasil, estabelecendo ligação com outros grupos que restaram de pé »u se vinham reorganizando. Assim, com a saída de Prestes da prisão em 1945 e a .sub.seqüente vinda do PCB para a legalidade, crescendo com vertiginosa rapidez — graças à onda emocional provocada pelo martirológio dos comunistas pré.«os e torturados, bem como pelas vitórias militares dos .soviéticos — o nome de Arruda estava definido .iá como o segundo dirigente do PCB. As tentativas de Pedro Pomar de passá-lo para trás, fracassaram. « ** Pedro Pomar Pedro Pomar tinha uns trinta anos de idade, quando o PCB veio para a legalidade. Era alto, magro, amarelado, ligeiramente fanhoso. meio careca, os bigodes ralos cór de cobre. Ex-estudante de Medicina, possuía cultura abaixo da média; expressava-.se com dificuldade tanto oralmente como por escrito, mas não se podia dizer que fosse obtuso. Considerava-se ine.smo como um dos intelectuais da direção do Partido e. como tal, foi es- madamente", "talvez", "a b e m . colhido para prefaciar o livro dizer", "segundo penso".,. Piscava o '^'ho, puxava »i» Problemas Atuais da Democracia, de autoria de Luís Carlos ponta do nariz com dois de•:; Prestes, um volume de 515 dos, deduzia: — Do contrá'10, meu velho, páginas,'aparecido em 1946, no qual se enfeixavam as obras você não vai longe,.. Nunca. completas do líder comunista, ouviu falar na comparação que a partir de 1935: carta, bilhe- o velho Stalin féz do partido?.. tes e telegramas a correligioná- O velho disse que o partic'o é „ rios políticos e a Jornais, de como um trenó óescendo uma montanha em grande velocimistura com informes e discidade: quem não se segurar cursos. Conheci Pomar nos seus mais bem, pula fora e fica no meia gloriosos dias, quando èle fa- do caminho. Pois na Direção a coisa é pior ainda! zia parte do Pres' 'ium do ParNão obstante, esse homem. tido, desempenhava as funções mec'íocre e ig .orante foi elede Secretário de Educação e vado às culminâncias da direPropaganda do Comitê Central ção partidária. Ocupava um e de diretor da Tribuna Popular, além de ser 4." Secretário lugar no Prisldium e no S e - , cretariado uo CC. teve seu da Câmara dos Deputados. nome incluído entre os " c a n - . Ademais, exercia sôbre Prestes didatos preferenciais" do paruma influência tão sensível que tido nas eleiçõe- para o ParArruda cla.ssiflcou de "nefas- lamento, em 1945. scn^Io post a " . Em várias ocasiões, pro- teriormente desis..iido líder da curou aumentar a distância bancada comunista na Câmaque o separava de outros diri- ra Federal, dessa mesma bangentes que vinham logo após cada de quj p a r 11 c ipavam ' êle, na escala hierárquica, co- Arruda, Amazonas e outros dimo João Amazonas e Maurí- rigentes de nível político bascio Grabois. Mas, sobretudo, tante superior ao seu, além d e ' tentou conquistar o posto de intelectual.; de renome como lu^ar-tei - ite de Prestes, des- Jorge Amado. Mas A r r u d a bancando Arruda. Não o con- queria ter no postos-chave seguiu, porém, e quando em homens de seu grupo, e assim,' fins de 1947 Prestes refugiouquando alguém fazia restrise nos ;,abterrâneos da clan- ções a Grabois, éle o defendia: destinidade, Pedro Pomar, que — Você está enganado- Maunêlc se apoiava, ficou â mercê tem grandes qualidades. de Arruda e foi sendo por este rício todos nós dirigentes é o que perseguido, castigado, sistemà- De possui maior visão tática. ticament. rebaixado, até perder toda sua capacidade de concorrência. Primeiro foi afastado do Secretariado, depois do quadro de membros efetivos do Presidium, depois do quadro de .suplentes do Presidium, depois do quadro de membros efetivos do Comitê Central, ficando apenas como suplente desse organismo. Foi, ainda, alijado do plano nacional de atuação e enviado para o Rio Grande do SuV como dirigente regional. Quando o trouxeram de volta ao plano federal, como encarregado nacional de Educação, era já um homem batido, sem quaisquer veleidades de competir com Arruda. João Amazonas Durante muito tempo, só dois homens tinham, pois, lugares fixos na hierarquia do PCB: Prestes e Arruda, O terceiro homem só iria definir-se aí pelo ano de 1950, na pessoa de João Amazonas, que logo em meados de 1945 repontou entre o grupo dirigente que cercava Prestes. Pouco antes fugira, com Pedro Pomar, da prisão em que se achavam, no Pará, Estado natal de ambos, e viera para o Rio, onde passou a trabalhar no Sindicato da Construção Civil, como contador, segundo uns, ou como desenhista técnico, segundo outros. A sua ente achavam-se então Pomar e Grabois. Mas a estrada ficou desimpedida para o avanço do astuto Amazonas. Enquanto isso. Arruda cuidou de, segundo a expressão que costumava usar, "quebrar a crista" de seu substituto eventual: em presença de vários outros camaradas, a qualquer pretexto ou sem pretexto, dava-lhe 'duros' violentos, tratava-o a gritos. E éle replicava em seu tom habitual, sereno, sem se irritar, sem franzir o cenho; e quando Arruda, amainando a lempc.-ilade que armara de propósito, desanuviava o rosto e sorria, já encontrava Amazonas de sorriso esboçado no canto da boca. Naturalmente não bastava ser humilde para a.scender àquela posição. Amazonas possuía outros títulos: estlvera preso várias vezes, era um bom orador, redigia com facilidade (dentro do reduzido vocabulário e da despreocupação e Ignorância gramatical comuns aos dirigentes comunistas) e, em dois anos de Parlamento, como deputado federal pelo PCB, não tez má figura. Sobretudo, nunca teve a veleidade de pôr a cabeça para pensar: assimilava os dogmas da "Unha justa" e se esforçava para colocálos em prática. Mas foi vendo nele um indivíduo humilde até o servilismo, aparentemente incapaz de ambicionai-lhe o posto, que Arruda o elevou à situação de ViceChefe Executivo do Partido. E êle ali ficou, não sem ambição, mas sem ousadia de disputarlhe o lugar, até que a reviravolta no Partido afastou-os, a ambos, da direção nacional, MAURÍCIO GRABOIS Encontrava-.se também no "núcleo dirigente" o Indivíduo Maurício CJrabois. figura gaIhofeira que muita gente não levava a sério. Como falasse pelos cotovelos, puseram-lhe o apelido de "Vitrola". Tem ho-. je perto de 50 anos de idade, mas continua do mesmo modo: cercado de dirigentes menos graduados, delicia-se em contar casos sôbre si mesmo ou sôbre outros, em tom pretensamente humorístico e dos quais éle próprio acha uma graça infinita. Como estudara alguns anos no Colégio Militar, aprendeu de matemática o suficiente para resolver uma equação de segundo grau. E narra numerosos episódios, relacionados com as matemáticas, que representam em verdade aoenas este, com variações mínimas: chegou em casa de um companheiro, a filha do homem estava atrapalhada com os deveres escolares, sem saber resolver uma equação de segundo grau, aí êle resolveu e ensinou a resolver, a mocinha ficou encabulada como era que um dirigente comunista sabia essis coi.sas, e êle arrematava a história, exclamando: — Ora, vejam só. Essa gente pensa que nós somos uns ignorantes! Grabois não acreditava em teorias. Era o oue se chamava, na gíria partidária, um praticista. De Marx. Engels. Lênine ou Stalin. autores obris-atórios no movimento comunista, éle • .só havia lido os títulos de algumas obras ou trechos esoarsos de outras. Devora>• todo um livro daqueles era façanha dp oue jamnls s? pnboii. Da Hisfória do PCUS, a bíblia rio bolohpvismo. .só conhecia eoi.sódios e citações, aprendldo.s de oitiva nas reuniões da Direção. Entre seus nomes de guerra figurava, por Ironia de alguns companheiros, o de Profe.ssor. Era freqüente alguém sorrir e comentar em certas rodas da Direção: "O Profes.sor não acredita nessa história de livros; nada além do Jornal." De acordo com sua fi'o.sofia de fazer tudo para não s?V rebaixado da Direção, Grabois nos advertia contra o perieo das afirmaeôes cateeóricxs. E nos t"nn.'=mitia sua exnerlêncla: — Você tem n-e deixar sempre uma salda, uma mareem pfra manob"!'!. Isso é oue é dialéfca. Eu. por PN"mr!lo. oiiando afirmo vtv\ coisa, ponho .sempre um calco uma expres'-Ão nue me possa defender dsonis. Basta acrcscenfir Pm "mais ou menos", "aproxi- Carlos Marighella J á o caso de Carlos Marighella diferi; dos o u t r o s membros do -úcleo dirigente. sob certos aspectos, e se assemelhava ao de Agildo Barata, porque ambos g o z a v a m de prestígio entre as massas populares, ao pi. D que os outros dirigentes aqui mencionados, salvo Prestes, possuíam apenas um prestígio circunstancial e precário, conferido pelo posto que ocupavam. Por Lsso mesmo tanto Marighella como Barata ofreram violenta campanha por parte do grupo encastelado na D i r e ç ã o E r a m me- bios do Comitê Central, mas não do Presidium nem do Secretariado. Para subir ac,uéles dois degraus, teriam de se .dobrar, amoldando-se à situação, humilhando-se ante o grupo de Arruda- Agildr Barata não se amoldou, não „e humilhou e por isso Jamais chegou a ser membro do Presidium ou do Secretariado- Marishella. porém, deixou-se triturar nas engrenagens do Apf.relho e terminou conq'istando um lugar naqueles órgãos. Agildo Baruta Agildo Barata não pertencia ao núcleo dirigente. Teria sido preciso dobrar-se, como .se dobrou Marighella, é êle não se dobrou. Talvez por isso mesmo foi o único membro do Comlt* Central que teve a coragem moral de enfrentar, de peito aberto, a luta interna no PCB, sem as tergiversações e manobras em que sempre se mostraram tão hábfis as raposas vermelhas da direção. Formou no Nordeste, o tríunvlrato com Jutrez Távora e J u raci Magalhães, Foi secretária geral do chamado vice-reinado do Norte, cujo vice-rei era J u a rez. TornoLi-.se então popularl.sslmo em todo o País, como um dos jovens chefes militares do movimento de 30. Mas já em 19í,2. colocando-se em oposição a Vargas, tomou das armas em São Paulo, na luta pela constltucionahzação do Pais. Derrotado mllitarmente este movimento, exilou-se êle na Europa, de onde voltou não muito tempo depois, relntegrando-se na» fileiras do Exército. Em novembro de 1935 já pertencia ao PCB. cumprindo instruções de Pi-estes. que chegara de Moscou, comandou a sublevaçâo do 3." Regimento de Infantaria. Foi então preso, processado e condenado, sendo posto em liberdade somente dez anos depois, beneficiado pela anistia aos presos políticos em 1845. A popularidade que cercava seu nome, os episódios que se contavam reveladores de sua bravura física, de seu desprezo pela morte, de sua firmeza política, tudo isso era uma tortura para o grupo de aventureiros que se apossara dos postos dirigentes. Eles temiam a concorrência dos homens de prestígio e tratavam de sabotá-los. A Inclusão de Agildo Barata no Comitê Central, em 1945, só foi feita mesmo por exigência de Prestes. Mas quando se ia publicar na Imprensa a hsta dos membros do CC, o Secretariado mandava suprimir o nome de AgilCo Barata, a pretexto de que Is.so poderia prejudicar suw reversão ao Exército, quando o próprio Agildo não esperava nem pretendia voltar às suas fileiras. Em 1946, durante uma reunião do CC, Barata referiuse a essa omissão de seu nome e exigiu que se definisse de uma vez por todas se êle pertencia ou não ao Comitê Central, pol» não queria ficar como a corrente do português da anedota, que ora é de ouro, ora não é . . . Decidiram que sim. Seu nome passou a figurar publicamente na relação dos membros do CC. Entretanto, êle continuou sofrfndo limitações por parte do grupo dirigente, E mais não sofreu porque, a partir de 1948. como tesoureiro do Comitê Central, montou uma vasta máquina de angariar recursos financeiros, paralela às organizaçõe» do PCB, fortificando assim concomitantemente sua posição nc Aparelho. Chegaram até a denominar e s s a máquina, no.s meios partidários, de PCF: Partido Comunista das FinançasO tom com que o diziam era de brincadeira, mas nessa brincadeira se expressava a preocupação do chamado "núcleo dirigente". Além dessas, havia duas outra? fontes, não regulares, ma.i imensamente lucrativas: a ajuda do Kremlin e a venda dos votos do Partido a um candidato ou mesmo a três diferentes candidatos a um só cargo eletivo. Essas duas maneiras de obter ouro eram. porém, monopólio do "núcleo dirigente^: cinco ou seis pessoas é que tra.tavam com os dirigentes menor res, da venda de votos ou do recebimento de dinheiro soviético e de sua aplicação. Esse dinheiro n ã o passava pelas mãos de Agildo, que até ignorava sua existência. Em verdade, éle só tomou conhecimento dessa fonte estrangeira, em 1957, às vésperas de seu rompimento com o PCB, Mas, de todo modo sua máquina financeira convertera-se numa potência d i g n a do maior respeito, quando em agosto de 1956, deflagrou-se a luta interna, Agildo pôde desferir, graças à posição que assim desfrutava, golpes, muito demolidores no "núcleo dirigente" do Partido.