Trajetória do PCB passa na Escola de Revolução da URSS

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Trajetória do PCB passa na Escola de Revolução da URSS
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Í 2 — 2 ' f»i- Jorail io Bfi»n, Domliiia, IM-íS
Trajetória do PCB passa na Escola de Revolução da URSS
prensa — que continuou gorando de legalidade, privada
apenas do emblema da foice e
martelo, e que enfrentou todos
os ataques da Polícia, sem poder recuar: tiroteio e empastelamento de oficinas gráficas.
Inclusive no Rio e em São
Paulo, invasões de redação,
prisões e espancamento de jornalistas .
Isso não obstante, o PCB
conservou muitas forças ainda,
graças à influência de que dispunha e aos recursos financeiros que lhe eram proporcionados por vários meios. Pouco a
pouco, foi construindo um complexo e dispendioso aparelho
clandestino. Pôde a.ssim combinar a atuação ilegal com a
atuação legal, através da imprensa comunista, dos poucos
parlamentares que conseguia
«teger na chapa de outros partidas, dos comícios e conferências, em que prepostos dos dirigentes tinham oportunidade
de falar ao povo, e da participação de seus membros nas as«ociagões e sindicatos profissionais. De minha parte, exerci
atividades ora legais, ora Ilegais, ora simultaneamente legais e ilegais, como membro de
ó r g ã o s auxiliares do Comitê
Central (Comissão de Imprensa, Comissão de Agitação e
Propaganda e outras), participando de reuniões do Comitê
Central, só com direito a voz,
dirigindo a oficina gráfica e o
jornal diário Imprensa Popular
ou secretariando a revista teórica Problema e executando outros trabalhos. No desempenho
dessas tarefas, revelei-me um
elemento obediente, capaz d»:
cumprir todas as ordens, por
mais absurdas que f o s s e m .
Trabalhada habitualmente 14 ou
mais horas por dia. vivendo num
regime de sono crônico, embora
muitos outros funcionários ficassem esquecidos, por vezes,
em casas do Aparelho, só comendo e dormindo, um mês ou
mais. Além disso, eu havia
passado mais de um ano alimentando-me apenas uma vez
por dia, apesar de me achar
na direção de um jornal legal
do Partido, onde recebia um
vale diário de vinte cruzeiros,
como os demais jornalistas, sem
reclamar nem estranhar sequer
que, ao mesmo tempo, fossem
gastas altas somas com o envio
de emissários do PCB e delegações cultift-als, juvenis etc. à
URSS. Tudo isso,, entretanto,
credenciou-me, aos olhos da
Direção, como um militante
sensato, digno de ser enviada ã
e s c o l a de revolucionários na
União Soviética.
O JORNAL DO BRASIL inicia, hoje,
a publicação dos principais trechos do li*
vro em que o Sr. Osvaldo Peralva, ex-representante do PCB no Kominforni, conta
a história do comunismo no Brasil e que,
por seu caráter de testemunho, está destinado a se tornar um dos best-sellerê políticos do Brasil.
Hoje, o Sr. Peralva narra seu ingresso
no partido e o que viu na Rússia de Stalin,
durante o curso que fêz na Escola de Revolução da URSS.
Sobrevivência
1.
TRAJETÓRIA
DO PCB
PCB foi fundado em 25 de
março de 1922, num congresso
de representantes dos diversos
srupos comunistas existentes
no País. Mal saíra desse conBresso, caiu na clande.stinidade,
devido ao estado de sítio que se
abateu sôbr^ o Pais, após o
fracasso da chamada revolta
dos tenentes do Exército, no
Rio, o que se prolongou, com
breves Intervalos, até 1926. Em
1930, quando as Porcas Armadas e o» líderes políticos liberais desencadearam a Insurreição que depôs o Presidente
Washington Luís e conduziu
Getúlío Vargas ao Palácio do
Catete, o Partido Comunista
ae absteve de participar nesse movimento, considerando-o
«imples resultado do entrechoque de Interesses ingleses e
norte-americanos no B r a s i l .
Luís Carlos Prestes, ex-Capitâo do Exército e entáo a figura política mais popular do
Brasil, ainda não pertencia ao
PCB, mas Já aíinava por êle
as suas atitudes. Assim, recu.sou
o convite que lhe foi oferecido
para assumir a chefia militar
daquele movimento.
Em 1934, achando-.>ie em
Moscou, Prestes ingres.sou no
Partido Comunista. No ano seEUhite, em agosto, a Internacional Comunista (Komintern)
lançou a palavra-de-ordem de
formarão das frentes populares.
Precisamente uma organização
desse tipo formou-se no Brasil,
a Aliança Nacional Libertadora (ANL), por iniciativa dos
comunistas, sendo Pre.stes eleito
«eu presidente de honra. Nos
poucos meses que teve de atuação legal, a ANL desenvolveu
por todo o território nacional
uma campanha agitacionista
que teve funda penetração nos
meios pequeno-burgueses, entre estudantes, escritores e
.lornalistas, bem como entre a
tropa e a oficialidade das Forças Armadas. As.sim, em 24 de
novembro de 1935 desencadeouse. em nome da ANL, a insurreição armada nos Estados do
Rio Grande do Norte e Pernambuco, circunscrita q u a s e
exclusivamente às suas respectivas Capitais — Natal e Recife; três dias depois, sublevaram-se no Rio de Janeiro o
3." Regimento de Infantaria e
a Escola de Aviação Militar.
Mas em poucos dias a insurreição foi dominada.
O PCB pagou caro essa aventura. Seus chefes principais,
Juntamente com numerosos políticos de esquerda e com oficiais, soldados e marinheiros
Implicados na revolta, foram
presos, processados e condenados a longas penas de cárcere, e muitos deles sofreram tortura» físicas as mais terríveif
nas mios dos policiais. A malograda Insurreição comunista
abriu caminho para a IniplanfaçSo. dois anos depois, em 10
At novembro de 1127. do reitime
para>fascÍ8ta do Estado Novo,
que TÍgorou até 194S. Durante
esse período, restaram apenas
umas minúsculas organizações
comunistas, dispersas pelo País,
cóni funcionamento precário. E
quando, em maio de 194S, o
PCB sè Cortverteu num partido
legal, havia em suas fileiras
menos de 4 000 membros.' Eu
era um deles.
Em Busca do Sonho
Numerosos e vários são os
caminhos que levam ao comunismo. Quando nasci, em agosto de 1918, existia algo de novo
no mundo, mas se passaram
ainda uhs três lustros antes
que eu tomasse eonsciéncia
dessa novidade: vivi no interior da.. Bahia, onde na
minha Infância de menino pobre, .a palavra comunismo tinha uma acepção vaga e sem
atrativos. E, sem sabê-lo, eu ia
sendo preparado para receber
sua mensagem, ao testemunhar
cenas de miséria e opressão
tão chocantes que se gravaram
para sempre em minha retina:
oandos de camponeses famintos, tangidos pela seca, esmola.ndo de porta em porta; um
homem indefeso vomitando golfadas de sangue, sob os golpes
de sabre que lhe vibravam nas
costas e no peito dois soldados
do destacamento policial...
Aos 15 anos de idade eu
me sentia plenamente realizado em minha cidade: compunha e publicava sonetos, tocava pistào, eia dactilógrafo e
traballtava como
telegrafistaauxiliar na repartição dos Telégrafos. Partindo em bu.sca
de horizontes mais amplos, cheguei à Capital de meu E.stado
e ali comecei logo a sentir a
efervescência
do movimento
esquerdista e.a sonhar os mais
belos sonhos de felicidade humana. E quando rebentou no
nordeste do Brasil a insurreição comunista, em novembro de
1935, e o soldado amarelo, de
rosto chupado e bigode ralo,
me falou sobre Prestes e sobre
os objetivos da Revolução, encontrou em mim plena receptividade. Dai por diante, na
Bahia e depois no Rio, para
onde me transferi em setembro de 1937, mantive contatos
com o PCB na qualidade d«
simpatizante.
Em 1940 caiu nas mãos da
Policia a nova direção do Partido, que por algum tempo ficou acéfalo e quase totalmente destroçado; perdi então o
contato que tinha com o
PCB.
O ambiente ditatorial
era cada vez mais irrespirável, com os policiais onipresentes, espionando,
fazendo
provocações, censurando boçalmente na imprensa as noticias
mais simples. Eu trabalhava
então como radiotelegrafista
em algumas agências noticiosas, fazia traduções • escrevia
coisas literárias para jornais e
revi.stas, • é liassei a sentir um
nójo insuportável da ditadura.
Tomei um navio misto, fui parar no Ctult, ondt rivi tun
A^m
ano, seguindo depois para a
Argentina, onde estive poucos
meses e regressando ao Rio em
meados de 1941, com o propósito de seguir com destino a.
Colômbia, onde já tinha emprego me esperahdo. Entrementes. a Alemanha atacou a
União Soviética, na qual eu
via um símbolo de Hbertaçào
do homem da opressão e da
miséria e a garantia de uma
vida digna e- feliz para toda a
humanidade. Desisti da Colômbia, permaneci no Brasil,
buscando aproximação com o
PCB. Queria participar da luta
contra o nazi.s:no, em defesa
dos povos soviéticos. Em 1942
ingressei voluntariamente na
Força Aérea Brasileira como
sargento radiotelegrafista; pedi para ser enviado à Eurc^ja,
integrando a tropa" expedicionária brasileira, mas, em ver.
dlssp, me mandaram para a
Base Aérea de Salvador, na
Bahia.
Foi lá que estabeleci ligação
com os dirigentes da organização comunista regional, e formei na Base um grupo comunista, passando ao mesmo tempo a escrever crônicas políticas
num matutino de tendência liberal, O Imparcial.
Is.so me valeu a antipatia e
a perseguição sistemática do
comandante da Ba.se e uma severa advertência do General
Dermeval Peixoto, que comandava a Região Militar. Desprezando imprudentemente e.s.sa
advertência, continuei a publicar crônicas esquerdistas até
que fui convocado ao QuartelGeneral da Região, onde compareci à paisana e onde o General — que ignorava minha
condição de militar, porquanto,
servindo na Aviação, não me
encontrava sob seu comando —
verberou o esquerdismo de
meus artigos e ameaçou-me de
processo e prisão. Obtive entStt
transferência
para a
Base
Aérea de Fortaleza e depois
para a do Recife, continuando
nessas duas capitais a escrever
artigos e.squerdistas. a recrutar
é organizar em células os militares que mostravam simpatias por Prestes ou pela URSS.
E chegamos a 1945. com a
derrota militar da Alemanha
nazista, o restabelecimento no
Brasil das liberdades democráticas, a anistia para os presos políticos e a legalização do
Partido Comunista, que passou
a se organizar « crescer frenêtlcamente. Nas eleições gerais
de fins daquele ano, obteve
600 mil votos para o candidato que apresentou à Presidência na República o que significava I0':c da votação total.
Elegeu 14 deputados federais e
1 senador (Prestes). Posteriormente, nas eleições estaduais
de 1948, foram eleitos, na legenda do Partido Social Progressista
íPSP)
mais dois
deputados federais, os dirigente» Diógenas Arruda e Pedro
Pomar, além de numerosoa
diiPuUdoa MtaàUAii • Tir«t4o-
Embora os golpes sofridos —
• cisão, a quebra do encantamento que exercia sobre os militantes, o relaxamento forçado
da disciplina de ferro e do terror ideológico, que o tornavam
um bocado monolítico — o PCB
ainda é um fator a ser levado
em (K}nta. Capitalizando para a
sua propaganda os êxitos científicos da União Soviética 'da
mesma forma que os integralistas outroí, . '
;, dos
*xit»^ 1^'
Vi
Alrijpiinii
, tia
InliUéncla que lhe confere a situação de fato de Embaixador
da URSS e da China e organizador das delegações de vi.sitas
àqueles países, o PCB poderia
continuar a viver ao menos em
conseqüência e em função disso.
Mas êle também sê aproveita
do fato de que é uma organização de ativistas em permanente funcionamento, ao passo
que os filiados aos demais partidos só atuam nas vésperas de
eleições; de que os partidos Socialista e Trabalhista brasileiros não têm ainda um programa em que os trabalhadores vejam nitidamente refletidos seus
interesses e reivindicações, ao
que o PCB possui um prores i s câmaras municipais. As. pas.so
grama radicai, que as mas.<ias,
inscrições partidárias
eleva- em
de desespero, poram-se em pouco mais de um dem momenlo
mesmo com preano a quase 200 mil membros. juízo aceitar,
dns liberdades; de que as
Cometeu, porém, o PCB uma quotas de sacrifício
impostas
série de erros grosseiros e po- pelo desenvolvimento econômide assim ser derrotado, com a co não são equitativas, pesando
cassação de seu registro eleitomuito mais sobre as classes poral cm maio de 1947 e, meses bres e intermediários da sociedepois, com a cassação dos dade, enquanto que a inflação
mandatos de todos os seus e a corrupção geram, ao calor
parlamentares, exceto os dois dos favores oficiais, grandes
eleitos na chapa do PSP.
foni.-lhas de novos-rlcos — o
que também trabalha em favor
Eu atravessei esses dois anos
do PCB. cujas soluções são rede legalidade comunista mulprováveis, mas muitas de cujas
tando ativamente nas fileiras
criticas são justas e aceitas pedo PCB. Em começos de 1946,
lo povo.
ao obter licenciamento das forcas armadas, saí de Recife e
O agravamento de todps esses
fui para o Rio, onde ingressei
erros, aliado a certas circunsImediatamente como repórter
tâncias internacionais, podena Tribuna Popular, d i á r i o
riam transformar novamente a
fundado pelo PCB. Até fins de
seita pecebista numa poderosa
1947 trabalhei também em oue influente organização de mastras empresas jornalísticas do
sas. Mas se, advertidos pelas
Partido e na Secretaria Geral
freqüentes explorações de redo Comitê Central. Em Janeivolta popular, os governantes do
ro de 1948, encontrando-se o País corrigirem os abusos que
PCB na clandestinidade, fui
praticam ou consentem em dechamado para dirigir o escritrimento dos trabalhadores; se
tório da P^ração Parlamentar, o processo de industrialização
que antes funcionava como asnacional vencer, como decerto
sessoria dos deputados comuVencerá, esta fase critica ein
nistas, mas que agora, restanque ainda consome quantidades
do na Câmara iòmenle os dois
colos.^mis de divisas, em lugar
que acima mencionivmos. se
de produzi-las; í>e, como há inhavia transformado
praticadícios, a estrutura dos partidos
mente no escritório da Secrenão rí.sisiir ao impacto da pretaria Geral do Partido. Além
sente cíijnpnnha eleitonil, deterdisso, pas.síi a atuar como seminando modificações que facicretário de Arruda, subchefe
litem o desenvolvimento e unido PCB e já então, na prática,
ficação de forças políticas satitular efetivo daquela Secretadias, já' náo haverá o perigo de
ria. Es.^ia e.stranha figura, que
que o totalitarismo se abata sopovoará muitas das paginas sebre e.sta Nação. lia veremos de
guintes, procurava em t u d o
alcançar, por vias democráticas,
imitar Stalin. desde o tipo de
o enriquecimento de nosso povo
bigode e o modo grosseiro de
e a supres.são à\s injustiças sotratar os camaradas, até a haciais. Então, dentre as forças
bilidade com que, a partir de
políticas em que se dividir "^a
1948, montou sua própria másociedade brasileira, o PCB sequina no PCB, convertendo-se
rá apenas uma fração despreem ditador Inconteste des.sa
íível.
organização.
2.
O HOMEM DO
APARELHO
A ilegalização do PCB foi recebida com surpresa por seus
dirigentes, que nela não acreditavam. Daí o despreparo em
que se viu para voltar i. clanImpossível precisar ó dia.
destinidade. O próprio PresRecordo-me apenas que foi
tes escapou de ser preso, mais
em
1953. na segunda quinzena
de uma vez, naqueles dias, por
de agosto. Impossível precisar
mero acaso. Certa noite teve
tampouco em que Estado do
de fugir pelos fundos da casa
Brasil me encontrava eu —
em que se achava rer.nido com
Rio
de Janeiro, Minas Gerais
a l g u n s correligionários <um
ou São Paulo. Recorda-me
apartamento térreo na Rua
apenas que o lugar distava
Dias Ferreira, no Leblon, que
umas quatro horas do Rio, de
era habitado pelo d i r i g e n t e
'
onde eu partira em automóMaurício Graboisi, tendo salvel, certa noite, fazendo todo
tado vários muros com uma
o trajeto em alta velocidade,
agilidade de adolescente. E at
os olhos fechadas, como de
escapou da polícia porque foi
praxe. Agora achava-me em
abrigar-se no Hotel Glória, no
melo de vasta chácara, no
apartamento do então Depuquintal de uma casa que era
tado Otávio Mangabcira, que
peça integrante do aparelho
telefonou para o Presidente da
clandestino do Partido. Por
República, General Dutra, proaquela época servia de sede a
testando contra a perseguição
mais um curso de 15 dias. de
policial a um senador.
marxismo-leninismo, do qual
participavam umas trinta pesNumerosos militantes, funsoais, em sistema de internato.
cionários remunerados do PCB,
Mesmo sem ser aluno, desemficaram em casa longo tempo,
penhando então outra tarefa,
sem ter o que fazer, à espera
eu me enquadiava nn regime
de ligação com os dirigentes,
vigente, «judando nos .serviem pleno ócio intranquilo. Só
ços doméstlcoí, dormindo em
um setor permaneceu íunclomtMru
M ahta • «atruute
B&ad> ftttvuncnta, • 4» im-
mtmm^
na escaja dê plantonlstas que
se revezavam durante a noite,
armadoa ou desarmados, conforme o caso. titentos a quaisquer ruídos ou fenômenos e.stranhos que sursissem.
Fazia unia semana oue eu
havia chegado ali e minha tarefa e.stava quase concluída.
Encontrava-me no momento
folheando o Que Kaieí? de
Lènin, em busca de uma citação para intercalar no trabalho -^ que eu reelaborava e
dactilografava — de um dirigente do PCB. O dono do trabalho arrastou a cadeira para
junto de mlin, falou:
— Como vai isso?
— Terminando...
eie abaixou a voz, prosseguiu:
— Escuta aqui, tu fõgte a
Viena, há alguns meses, para
o Congresso da Paz; naturalmente teu pai3saporte está em
ordem, não está? Bem, então
vai-íe preparando discrietamente (cuidado, não deixa tua
companl«ira perceber!) porque dentro de uma ou duas
Lieinanas vais embarcar para o
exterior...
Fêz um Instante de xuspense
e logo. como quem oferece o
paraíso numa bandeja, esclareceu, balançando a cabeça:
— Vais para URSS.
Tentei dissimular a felicidade que me banhava a alma.
E perguntei quanto tempo iria
ficar por lá. Gle franziu a
testa, impeliu para cima, com
um movimento do queixo, o
lábio superior, coberto pelo bigode largo e espesso, fêz um
gesto vago com a mão direita:
— Uns dois ou três anos...
Levantou-se. estava feita a
comunicação, saiu. Eu fiquei
desarvorado e só. Era de tarde e fazia sol, mas nesse momento tudo me pareceu escuro
e confuso. Conhecer Moscou,
a Meca do comunismo internacional, era a grande aspiração acariciada por todos nós.
È esta possibilidade agora me
Inundava de alegria. Mas eis
q^ue, ao mesmo tempo, em sentido contrário. Intervieram outros sentimentos. É que, estreitamente vinculadas a mim
pelo amor, pelo contato diário,
por um hábito de convivência
que se transformara em necessidade, exiistiam duas pessoas — minha filha, de três
anos de idade, e a mulher com
quem me casara fazia quatro
anos, e a idéia da separação
provocara em' mim uma angústia sufocante.
Devo esclarecer que desde
piultos anos antes eu me achava voluntariamente submetido
fc rígida disciplina partidária
e procurava colocar sempre os
Interêsaes do Partido acima de
meus interesses pessoais. Que
ofereci muitas provas difuo,
ninguém poderia negá-lo. Algumas vezes aconteceu-me deixar minha mulher em casa, ã
noite, doente « sem dinheiro
com a criança pequenina, e
lair para executar tarefas do
Partido. De outras v e z e s ,
«chando-me em casa, recebia
um ponto (chamado para encontro com algum camarada
na rua ou num apartamento
ou num automóvell e saía, supondo t dizendo que voltaria
-111 t c n i p o
p:i)i>
i.lmo**!» ••
*-fí-*""
«aparecia durante uma semana ou um mêi, tendo levado
apenas a roupa do corpo. Mas
quando regressava, o cabelo
cobrindo as orelhas, o corpo
«ujo, a roupa suja, os dentes
amarelecidos pela falta de escova, cansado dSâ noites mal
dorhiidfts no chão duro. mas
com a tarefa executada, havia
em noisso quarto e em nossos
coraç6es o alvoroço das alegrias puras.
Eu cuidava de preparar o espirito para o pior — prisão,
tortui;as físicas na Polícia, a
morte num comício dissolvido
a balas ou em outras circunstâncias oferecidas pela militança no Partido. Mas tudo isso
poderia ocorrer como contingência da luta em que me achava
empenhado. Agora era diferente: devia separar-me, por
«nos a fio, das pe.ssoas a quem
mais queria, e isto sem ser imposto pelos Inimigos, mas pelos
próprios companheiros, InterrogaVa-nic a mim mesmo: por
que não mandam para essa tarefa pessoas solteiras ? Ou, então: por que não enviam também minha' companheira ? Ela
trabalhava ativamente no Partido e sempre deu prova, de
combatividade, realizando tarefas aniscadas, portando-se com
bravura ante a polícia e no
cárcere — por que não irmos
Juntos?
Assim também pensava ela,
Eu Jhe mentira que ia em viagem semiclandestina pelos países latino-americanos, recolher
material para uma série de
reportagens; que voltaria dentro de seis meses, talvez mais.
Ela não se conformava de modo Bjgum e me dizia que cumprir essa ordem significava
abandonar a família, sem razão política aceitável; que
Prestes, quando veio de Moscou para comandar a insurreição comunista de 1935. trouxe
consigo a esposa. Estávamos,
pois. de acordo, mas não lhe
quis manifestar minha opinião,
para não me opor a uma ordem
da Direção. Ao contrário, tratei dé defender, perante ela, a
iusteza dessa medida, e liquidei
o assunto, fingindo-me Irritado e acusando-a de incompreensão política. Para mim
era doloro.so fazer isso, mas só
me restava uma coisa: trincar
os dentes e fazê-lo.
Confesso que durante alguns
segundos embalei-me n u m a
ilusão ebsurcfn: não aceitar a
tarefa. Aparentemente, eu era
livre de cumpri-la ou recusála. Decerto, há circunstâncias
em que a pessoa ê coagida a
praticar um ato contra sua
vontade e a.tê mesmo contra
sua consciência. Pode acontecer
que o filho seja moralmente
forcado a agir assim, sob imposição da autoridade paterna.
Mas eu não era menor, nem o
homem que me falou era meu
pai: nove anos antes, eu Ignorava até sua existência. Pode
acontecer também que o militar leja dlsciplinarmente forçado, sobretudo em tempo de
guerra, a entrar numa embarcação, por exemplo, sem sequer
conhecer qual o destino. Mas eu
não era militar, nem estávatinox em estado de guerra. Pode
acontecer ainda que a pessoa,
para não perder uma situação
econômica vantajosa, se submeta a uma imposição semelhante. Mas eu ganhava, como
funcionário do Partido, infinitamente menos do que poderia
ganhar exercendo minha profissão na vida civil. Enfim, não
se configurava ali nenhum dos
casos típicos. Entretanto, se eu
cheguei a vacilar alguns segundos sobre a aceitação da
tarefa, o mesmo não aconteceu
ao indivíduo de bigode largn:
êle finh» absoluta certeza de
«ui Ml a aMltarU • pára IMO
limitou-se a comunicar quando
eu deveria partir.
Com efeito, maior que a autoridade paterna, mais rígida
que a disciplina militar, mal:
eficaz que a coação econômica eram a autoridade, a disciplina e o poder coativo desse
indivíduo. Porque éle manejava uma das máquinas mais eficientes que os homens inventaram para despersonalizar os
próprios homens: o Aparelho
do Partido Comunista. Com esse fim, o Aparelho põe em funcionamento, quando necessário,
as seguintes engrenagens:
1) o apelo & mística partidária; 2) o terrorismo ideológico; 3) a pressão das opiniões
coletivas de grupos partidários
e periféricos; 4) a ameaça de
expulsão e, em certos casos, de
violência física; 5) os canais de
difamação.
Pode-se imaginar, portanto,
como é difícil, dificílimo mesmo, a um militante comunista
que faça parte do Aparelho,
opor-se a suas decisões. Esse
militante, em geral, é uma pessoa sem vontade própria, nem
consciência própria. Não se
pertence: de unidade (indivíduo) converte-se em parcela
Inseparável de uma entidade
(o Partido). Em suma, o homem do Aparelho é, espiritualmente, um alienado. E eu era
um homem do Aparelho.
I - A ESCOLA
DA REVOLUÇÃO
A Eac»ta, em Moscou, para
a formarão de revolucionários de tipo bolchevista, não
se restringia ao ensino dos
fundamentos teóricos do
Biarxismox-leninismo. Através da pressão ideológica e
do próprio regime de internato, onde se fazia a apologia da obediência cega, e
o endeusa mente de tudo que
fosse soviético, buscava-se
transformar c a d a aluno
num indivíduo. despersonallzado, sem quaisquer Interesses ou vontade que não
fossem os Interesses e a
vontade da direção do Partido; que aceitasse voluntariamente uma disciplina
«upermllitarizada, sendo capaz de cumprir, sem vacilar, as ordens mais absurdas; que não tentasse pensar, a não ser por melo de
chavões, para evitar desvios
da linha do Partido, fixada
pela direção suprema; que
considerasse a f I d e lidad*
«nte a URSS e o PCUS coma "a pedra de toque do
Internaciònallsmo proletário", conslituindu-se dentro
de MU próprio partido num
homem de Moscou.
].
Mifisão em
Moscou
Que íamos fazer em Moscou?
Aprender a arte da revolução
Lenin dissera: "Sem teoria revolucionária não há movimento
revolucionário". Stalin disseraA prática, sem a teoria, é cega". Essas frases lapidares cir'^"'avam nos meios dirigentes do
'"'
• 19,51. S('>;\iiniln
oes soviéticas,
1'
.,..:.ir amplos recursos na criação e funcionamento de uma rede de escolas. Nelas davam-se cursos, em sistema de inttrnato. cuja duração
variava de três dias a três meses.
^
Nesses cmtsos transmltlfl-se a
experiência de funcionamento
da maquina partidária, forneciam-se rudimentos de economia política e filosofia, tudo
rigorosamente de acordo com os
compêndios .soviéticos. Em alguns deles, jmarginalmente, ensmava-se a fabricar
bombas
Molotov, a enfrentar a cavalaria jogando punhados de cortiça no chio para que os animais escorfcgassem e caíssem,
outras l i ç o * mais de lutas de
rua. Mas o principal era sempi* o aprendizado da teoria
Em 1954, no IV Congresso do
PCB, um dps participantes —
figurando oom o nome-de-guerra de SabihO Bahia — dava o
.seguinte balanço dé.sse traballio (ver o n." 64 de Problemas.
revista teórica do Partido)- "A
partir de 1951, até agora, passaram pelos cursos elementares
do Partido, de 4 e menos dias
I 960 alunos; pelos cursos médios, de 6 (| 15 dias, 1 492: e
pelo curso «uperior do Comitê
Central, 554 ^ilunos".
Mas esses cursos formavam
apenas os cabos e sargentos do
exército revolucionário. Os elementos mais categorizados, as
quadros da oficialidade deveriam sair da Escola do PCUS.
Os soviéticos consideravam o
PCB como um dos partidos
mais capazes, na América Latina, de realizar a revolução social. Era o partido mais numeroso desta região, tinha pas.sado pelo "ensaio geral" de 1935
(comparação da insurreição comunista brasileira de 1935 com
a revolução ruisa de 1905. da
qual afirmara Lênin ter sido o
"ensaio geral" para a revolução
de 19171. po.s.suía o único dirigente , • - - • : • - ' a latino-americano •
com prestigio
e.xtrap
i.^to é. entre
grandes massas populares, dava mostra de combatividade, estava apoiado diretamente no
proletariado e scBUia fielmente as recomendações do PCUS.
Só lhe faltavam, pois,/ao PCB,
quadros marxistas-Ienistas devidamente prepaiíidos.
Esse ''apoio direto no proletariado'' corria por conta das
mentiras pregadas em Moscou
pelos dirigentes peceblstas e ratificadas,
indiretamente, pela
policia brasileira, com seus exageros em relação à força dos
comunistas. Segundo os emissários do PCB a Moscou, todas
as greves, passeatas e outras
manifestações de trabalhadores
ocorridas no Brasil eram dirigidas pelas organizações comunistas. É certo que em muitas
greves surgidas espontaneamente, eles conseguiam penetrar e
assumir a direção: é certo também que eles forjavam greves
artificiais, fazendo parar aventurelramente uma seção de fábrica ou toda uma fábrica, com
argumentos de pistoleiros, isto
é. apontando revólveres para os
operários: era o que eles mesmos chamavam "arrancar greve", í certo até que comandaram greves de justas reivindicações. Entretanto, muitas vezes o desencadeamento dessas
lutas se dava à sua revelia,
constituindo mesmo vergonhosa
surpresa para eles.
RecordO-m« perfeitamente de
uma reunião clandestina do'
Comitê Central, de fins de
março para começos de abril
de 1953, perto do Rio. De repente, .soube-se pelo rádio que
300 mil trabalhadores paulwtanos, ou seja, a totalidade do
proletariado da Capital de Sãn
Paulo, Mtavam «m tr»v Mral
e faziam formidáveis demonstrações de rua. Pois bem. oa
principais dirigentes comunistas de São Paulo encontravamse nessa reunião e, tendo vindo de lá poucos dias antes,
nem sabiam que tal greve estava sendo articulada. "Tiveram de abandonar precipitadamente a reunião e voltar
correndo a seus postos, na vã
esperança de aproveitarem o
movimento e assumir-lhe a direção .
Não tardou, contudo, a seguir um emissário a Moscou
com um relatório sobre a greve, pintada de tal modo que
entusiasmou até ao delírio os
mentores soviéticos do PCB. E
o emissário, de toma-viagem,
trouxe a seguinte opinião, algo
acaciana, que era comentada
festivamente nos círculos dirigentes: "Se esse movimento
tivesse contado com o apoio de
parte substanciai das massas
camponesas do Brasil e de
sua pequena burguesia urbapa,
Vargas teria sido posto abaixo". Essa idéia da derrubada
revolucionária do Governo causava frenesi nos presentes, e
para revigorá-la, o dirigente
ajuntava com fingida modéstia
e genuíno servilismo: "E quem
diz isso n i o somos nós; sfio os
camaradas soviéticos, que sabem onde têm o nariz".
Um mês depois, em maio, o
Secretariado do PCB rediniu e
publicou no número 53 de Problemas um manifesto sobre a
greve, com a assinatura do Comitê Central e com a falsa
data de 4 de abril. Quem lesse o manifesto hoje em dia
pensaria que fôra redigido e
publicado no • decorrer da própria greve. Iniciava-se assim:
"Saudemcs calorosamente o
heróico proletariado de São
Paulo que se levanta neste momento contra a miséria e a
fome e enfrenta com coragem
e decisão a política as-sassína
de Getúlío e Garcez. Uma onda de indignação popular varre o País inteiro, de Norte a
Sul, contra a polícia de guerra, de traição nacional, de miséria crescente e de terror policial de Vargas e demais politiqueiros que o apoiam". E
concluía clamando: "Por um
Governo democrático-popular!"
Pizer;^ isso naturalmente
para qiíe, no futuro, constasse
dos anais revolucionários ter
sido o PCB o dirigente dessa
luta e para coonestar o relatório mentiroso e gabola apresentado aos soviéticos sobre o
assunto. E essas falsidades náo
eram inúteis. Por elas se convenceram os burocratas do
PCUS de que os comunistas
brasileiros poderiam reaUzar a
revolução dentro em pouco.
Tratava-se, pois, de ajudar a
formar urgentemente os necessários quadrois, armadas da
teoria marxista-leninista, da
experiência tática e estratégica das lutas revolucionárias,
capazes não só de abalar e faíer ruir, através da agitação,
da propaganda e de vigorosas
ações insurrecionais, o regime
vigente no Brasil, como também de erguer e consolidar o
novo regime. Daí que tenham
decidido chamar nova rurma
de coimmiítiis para outro cu;.iü eu. Moscou, Em certo sentido, eu diria que nossa turma foi fruto daquele movimento operário de São Paulo. Com
efeito, não tardaram a se iniciar os preparativos para nosso embarque, que se efetuou
quatro meses após a greve.
Vários militantes receberam
ordens de providenciar para s;
mesmos os documentos rotineiros que todos os cidadãos possuem, tais como certidão de
idade e certificado de reservista das Forças Armadas, para
com eles, cm seguida, obterem
hpus passaportes. Mas os dia.-!
se passavam c alguns dèssM
camarada?
não consep;uiam
desincumbir-.=e da tarefa. A
Direção resolveu, por isso. entregar-me a solução do caso.
Frisou que esse pessoal precisava viajar logo. se bem que
não di.s.í;esie para onde. Mais
de vinte pessoas me foram
apresentadas para esse fim. E
cada qual tinha seus problemas: umas estavam processadas e não podiam pi-atl-ar a
peouena formalidade de ir até
o Departamento de Ordem Política e Social, na Policia Central, a fim de serem interrogadas, pois tanto podiam sair
de lá com seus passaportes,
como ficar encarceradas: outras não eram reservi?taa nem
estavam dispensadas do serviço militar: e a"gumas nem
existiam civilmente. pois não
possuíam documento oessoal
algum, nem mesmo a certidão
de nascimento.
No desempenho dessa missão, passei a trabalhar e « me
movimentar como um :ouco,
apelando para advogadcs. escrivães, juizes e funcionários
de diferentes repartições, que
fossem amigos ou membros do
Partido; e as dificuldades me
assoberbavam. Ao mesmo tempo, através de um despachante que me auxiliou ues.se periodo. fui descobrindo que o caminho mais fácil era o do suborno a funcionários. Adquiri, nesse sentido, uma experiência notável, convertendô-me
em poucos dias num dos mais
d e s e m baraçados corruptores
desta praça. Se o juiz dificultava um despacho, eu lhe pedia
humildemente que o apressasse,
mesmo que fô.s«e necessária alguma despesa extra (e é'.e K^
vezes me remetia ao escrivão,
que aceitava o dinheiro e logo
obtinha o despacho): se o policial insistia em que aquele
romuna devia
comparecer ã
Ordem Política, porque o. caso
dele era sério, eu enviava alguns milhares de cruzeiros, em
lugar do comuna. e ' o pfs^aporte era liberado. Um dta
perguntei ao funcionário de
certa repartição: "Em quanto
tempo o Sr. me dá esse documento? E quanto custa?" E
êle me respondeu: "Bem. como o Sr. é recomendado de
meu .amigo Fulano, vou ser
franco: pela lei nós temos o
prazo de um mês para entregá-lo e custa 50 wuzelros:
mas, o Sr. sabe. em cada mesa
põe-se, uma pedra em cima e o
papel vai-se atrelando, de modo que só sai mesmo no prazo de uns três. meses .• Agora,
se o Sr. me dá mil cruzei-os
eu o entregarei amanhã ao
meio-dia, O Sr. tem que me
dar o dinheiro adiantado, porque ê com éle que eu vou levantar as pedras que forem
pondo em cima do papel, mas
esteja tranqüilo, pois eu sou.
graças a Deus, um cidadão
honesto. Pode vir amanhã ao
meio-dia". Dei. fui no dia seguinte, e o honestíssimo cidadão Já me esperava à porta,
dr documento em punho.
Deesa forma, fui-me desinrumbindo com êxito da deeatradivel tarefa.
12
BfS
3." r;ifl.. .fornal dn Brtíil. Domin|o, 21-8-69
A^J,P)iO X<í«.0. 6s-|, ^ C l . 4 / g , p.5.
A Escola de Revolucionários da URSS e o cHefe russo do PCB
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A Escola de Revolucionários da URSS levaria, primeiramente, a tristeza e depois a decepção a uma parte do grupo brasileiro que lá
fora aprender como se muda o regime. O
JORNAL DO BRASIL continua hoje a transcrição de trechos do livro do jornalista Osvaldo
Peralva, O RETRATO, em que o ex-membro do
PCB continua narrando os acontecimentos que
o levaram a abrir mão das idéias por que tanto
combatera. Ainda hoje, Peralva, que terá seu
livro lançado em breve pela Editora Itatiaia,
narra episódios da Escola de Revolucionários.
Ui.
•}, N u m t dewas tardes moscovitas morlainiente cinzentas,
faltamos dos dois aviões que
nos conduziram de Praga. No
aeroporto, esperando-nos, Koriònov e seu subordinado Andrel Mikhállovitcli Sivolóbov.
Era em setembro de 1953, faíia frio, porém mais fria que
o tempo foi a recepção. Não
houve sorrisos, nem cordiais
boas-vindas, nem qualquer gesto fraternal. O ambiente era
o de um pátio de quartel. Ordens ríspidas e curtas cruzavam o ar, e nós agarrávamos
a bagagem e seguíamos o chefe
mais imediato, um brasileiro,
flue por sua vez seguia Sivolóbov, que iti a n á a úo Kuin>"t>v.
E quando este, sem se voltar,
deu as últimas ordens e partiu em seu automóvel — ordens
slbilantes, numa língua que nós
náo entendíamos — nosso grupo, mudo e atônito, entrou no
ônibus e lá se foi, sob o comando de Sivolóbov, como que
para o campo de batalha.
Passamos por algumas casas
Isoladas, por um homem t a n gendo mansamente duas vacas,
divisamos adiante grandes blocos de edifícios, penetramos na
cidade, atravessamos o centro, vimos as torres do Kremlin, continuamos, d e i x a m o s
para trás algumas aldeolas, até
que, com o adensamento das
primeiras sombras da noite, ura
vasto portáo se abriu, nos tragou e rangeu atrás de nós.
Era ali a Escola.
Picamos todos muito orgulhosos, decerto, com a condição de alunos de "ciência da
revolução proletária". No íntimo, alguns de nós chegamos a
abrigar a ilusão de que, com
os eflúvios leninistas emanados
da Escola, faríamos saltar em
pedaços, quando aqui regressássemos, os alicerces do regime.
Outros eram menos otimistas.
Rccordo-me que uma vez, ante
R bulha que se estava fazendo,
cm certo intervalo das aulas,
Felipe, um dos dirigentes do
coletivo, comentou comigo, sorrindo um tanto cético:
— Os camaradas soviéticos,
vendo toda essa algazarra, hao
de dizer com seus b o t õ e s :
"Esses piroquetes (*> brasileiros váo fazer revolução coi.sa
nenhuma!"
Mas equivocava-se. O próprio
Korlflnov, alto burocrata do
C o m i t ê Central do PCUS,
manifestou, n u m a saudação
que nos féz no encerramento do
curso (que durou ano e meiol,
sua confiança em que cumpriríamos nossa, honrosa e histórica missão". E Sivolóbov, auxiliar de Koriônov, não estava menos confiante, segundo
se podia depreender de uma
conversa que teve conosco. Durante o banquete de nossa formatura como "marxistas-lenlnistas", é\e praticara uma grosseria e, ao que parece, desejava desfazer a má impressão
deixada em nós. Estávanic.<i
todos muito alegres e ruido.s<;5,
erguendo brindes, falando alto.
náo porque Já nos sentíssemos
capazes de efetuar ,i revolução
bolcheviata no Brasil, mas simplesmente porque se aproximava o dia do regresso i, Pátria
• ao selo da família — por
mais burgueses ou peauenoburgueses que fossem tais sentimentos. Mas Sivolóbov teria interpretado mal. Supun h a que aquele ruído todo era
produto da auto-suficiéncia, do
orgulho de quem se julgasse
mestre n a arte revolucionária,
no manejo do leninismo. E r e solveu lançar um jato de aizua
fria sobre aquela ebulição tropical. Mobilizou o tradutor espanhol Perez, e começou, cora
sua voz lenta e pastosa:
Mnoga xuma iz nitohevô...
(Munto barulho em torno de
n a d a . . .^
Perez traduziu, Sivolóbov limpou a garganta. Houve uma
pausa, fez-se um silêncio profundo. E êle prosseguiu, referindo certa parábola que n e nhum de nós entendeu e n a
qual se falava de uma pedra
çue rolara da montanha, rolara, rolara, se desgastara e s«
íôra polindo. Segundo Pérez,
era a terceira vez que em b a n quetes aemelhantes Sivolóbov
uiava essa - parábola, m a s o
9
próprio Pérez confessou que,
embora traduzindo-a ao pe da
letra, jamais compreendea tooo
o seu sentido. Imaginava, iio
entanto, que encerrasse boa
lição de moral afirmou, esboçando um sorriso. De todo
modo, o banquete tei'minou melancòllcamente. Ainda bem que
havia o baile, na outra sala, e
fomos dançar.
No dia seguinte, Sivolóbov
aproximou-se cordialmente de
um grupo nosso e começou a
distribuir, à queima-roupa, elogios gratuitos. E n a l t e c e u a,
grande vocação de um para a
economia política, a de outro
para a filosofi.i. a rip um terceiro para o aprendizado do
r u s s o . . . Em seguida, falou cie
nossa responsabilidade na revolução brasileira. Sabia, peb.í
biografias nossas que éle possuía no Comitê Central, em que
Estado nascera ou atuava cada
um de nós.
— Breve vocês estarão dirigindo as lutas das massas trabalhadoras no Brasil — disse. —
E quando eu receber a informação de que tu, Sniégov, estás
à frente da luta em Pernambuco, ou tu, Viçok, estás comandando os favelados do Rio, ou
t u . . . (e ia citando os nomesde-guerra, quase todos cm TUSSO, que nos deram logo após
a nossa chegada a Moscou) —
então estarei tranqüilo, porque
sei que a revolução estará ern
boas mãos.
(•) Termo pejorativo, da gíria partidária, significando iiiilitante pouco sensato e pouco
sério em sua atividade. Corruptela da palavra espiroquet a : micróbio de forma helicoidal. flexível, com movimentação
própria, segundo explica o dicionário.
3.
o CHEFE
(RUSSO)
DO PCB
Quando se verificou a rebelião no seio do PCB. aí pelo
segundo semestre de 1956. um
companheiro do Comitê Central, Que lutou conosco contra
a política dos dirigentes de
entio, relatou-nos um fato pitortsco. E s s e companheiro,
cujo nome de guerra era Batlm, muitas vêzea vira retornar de Moscou um emissário
do PCB, entregar uma carta
a Arruda e este, ao abri-la, exclamar com um ar entre emocionado e misterioso:
— É do camarada Silva!
Os circunstantes não perguntavam quem era o camarada Silva, mas tratavam de
adivinhar, e guardavam, ante
aquela exclamação, um silêncio
carregado de respeito. "Silva
— dizia Batim com seus botões — é o camarada Stalin".
Essa suposição se robusteceu
quando, em começo de 1953,
estando Stalin ainda vivo, houve uma reunião do Comitê
Central do PCB para a primeira discussão do projeto do
Programa, que aliás só veio a
ser publicado em fins daquele
«no. Ne.ssa reunião, Diógenes
Arruda, que estivera em outubro do ano anterior na União
Soviética, como delegado ao
X I X Congresso do PCUS. declarou que as teses centrais do
programa brasileiro (•) foram
elaboradas pelo próprio Stalin,
tendo Prestes dado apenas a
forma verbal do documento.
De pé, quase no meio da sala,
com a barba por fazei', os cabelos cuidadosamente amarfanhados, a camisa de um tecido
grosso de xadrez displicentemente caída por fora das calças. Arruda aparecia assim como a própria figura da simplicidade comuniista. E ei-lo que
de súbito abriu um caderno «
ammclou a leitura das respostas dadas por Stalin às perguntas que lhe formulara. A
platéia, quero dizer, o plenário, pendia de suas palavras.
O artista tossiu um pouco,
limpou a boca n a manga da
camisa, começou:
— Eu p e r g u n t e i . . . (lia uma
>ergunta) e o camarada S t a in respondeu... (Ha a respost a ) . Entáo eu tornei a perB u n t « r . . . (lia outra pergunta)
f
4
'S
e o camarada Stalin respond e u . . . (lia outra re.spostat.
E a cada resposta. Arruda
fazia um gesto com a mão e
dava entonação diferente à
voz. como a repetir o gesto e
• própria voz de Staliti. Aquele, para nós, foi um momenio
de mística felicidade. Acabáramos de escutar a reprodução de ura diálogo entre duas
potênoia» partidárias, atravée
de uma conversa do grande
AiTUda com o Imenso Stalin.
Quanto a Batlm. náo teve
mais dúvida.^: para éle. o Silva, que se correspondia com
Arruda, era o próprio Stalin.
Mas Stalin morreu e Arruda continuou a receber cartas,
nnunciando entre emocionado
« misterioso:
— É do camarada Silva!
Aí Batim ficou e.stupefatu:
pois o Silva, i.sto é. Stalin. não
tinha morrido? Ah. desconfiou: Silva é o p.seudónimo do
chefe do Partido, do Secretário Geral do PCUS. seja éle
Stalin, seja Malienkov.
Somente em janeiro de 1956,
ao chegar á capital soviética,
como delegado fraternal du
PCB ao XX Congresso, é que
Batim pôde conhecer o verdadeiro Silva. Era um homem
de cara sardenta, com jeito de
camponês, altura mediana, n a casa dos quarenta, a fala pa<stosa, engrolando um espanhol
de estudante do primeiro ano.
Arruda féz as apresentações:
(•) Eram quatro as teses
principais: 1. Concentrar o
fogo oontra o imperial^mo
americano e não contra todos
os imperialismos: 2. Não preconizar a nacionalização da
terra, que deveria ser tomada
aos latifundiáiios, e distribuída aos camponeses; 3. Anunciar que seriam
confiscados
somente os capitais e empré.sas
dos grandes capitalistas aliados aos Imperialistais americanos: 4. Apresentar a palavra de ordem de conquista de
um Estado democrático-popuJar.
— Batim, aqui o camarada
Bilva.
E vendo o pasmo na caia de
Batim, acrescentou :
— O camarada Silva Lobo.
Ali estava, em carne e osso,
• chefe (russo)
do P a r t i do Comunista do Braisil: nem
Stalin, nem Malienkov, mas
simplesmente um funcionário
da Seção Estrangeira do Comitê Central do PCUS — Andriei Mlkhailovitch Sivolóbov
(•). Era com éle e não com
Stalin que An-uda se entendia; era dele e não de Stalin que recebia instruções. A
cena das perguntas e respostas, na reunião do CC do PCB,
não passou de uma farsa.
Parece certo, no entanto, que
as teses centrais do programa
do PCB são realmente soviéticas, obra talvez do próprio Stalin. A elas, sobietudo, é que se
referem as palavras de Prestes,
escritas por ocasião da morte
do tirano soviético: "Os ensinamentos que tivemos a ventura de receber do camarada
S t a l i n . . . " . Mas é certo t a m bém que não foram transmitidas dii-etamente a Arruda pelo
senhor do Kremlin, que não
costumava rebaixar-se a t a n to. Não me confessou o mesmo Anuda, anos mais tarde,
que não tinha a honra de ser
recebido sequer por um dos
mais obscuros do CC do PCUS?
V e a honra in»:firTra- em B«r
recebido pelo chefe de Sivolóbov, o Príncipe Koriônov?
Falar de Sivolóbov é falar
das relações entre o PCUS e
o PCB. Essas i-elaçô€vs, que ficaram interrompidas desde o
Início da 11 Guerra Mundial,
e de modo oficial a partir de
1943, quando Stáün mandou
dissolver a Internacional Comunista (Komintern), foram
reatadas em 1949, quando Arruda compareceu a um conpresso dos comunistas techecoeslovacos, em Pi'aga. Através
do PC tcheco, que convidou
representantes de quase todos
os partidos comunistas do m u n do, Stalin tratou de recolher
os fios que antigamente atavam ao Kremlin esses partidos.
Dois anos antes, em setembro de 1947. ao realizar-se na
cidade polonesa de Szklarska
Poreba a primeira reunião do
Komlnform, Andriei Jdànov,
chefe da
delegação russa,
disse que a experiência mostrara que "um tal isolamento
dos F P . CC. não é justo, é
nocivo e substancialmente íal»o". Agora, além de tudo, h a via o perigoso precedente da
Iugoslávia relaelando-se contra
e tutela russa. Dal a urgência de vincular, de novo. diretamente a Moscou, esses partidas comunistas disseminados
pelo vasto mundo.
Entretanto, dessa vez a ligação não foi estabelecida. Arruda só podia tentar uma aborí^igiem
aos russos, através
do tradutor tcheco, o qual só
podia servir-lhe de Intérprete
com ordem expressa de Gemlndei', chefe da Seção Estrangeira do PC tcheco. E este teria, sob vários pi-etextos. obstaculizado e tornado impossível
então um contato com os
r u s s o s . Quando Gemlnder,
mais tarde, foi fuzilado, j u n tamente com Slansky e outros
dirigentes, sob a acusação de
titismo e sionismo, An-uda me
disse: "Estou vingado. Foi esse
patife que sabotou a ligação
de nosso partido com o PCUS".
Menos de um ano depois do
Congresso de Piaga. no entanto, efetuou-se a ligação.
Observe-se que nes.sa época,
o PCB havia sofrido sérios reveses, tendo perdido uma após
outra as posições legais conquistadas nos anos de 1945 e
1946. E.síava. pois, numa predisposição natural para acatar
os conselhos, recomendações,
instruções e finalmente ordens
vindas de Mo.scou. Era uma
nova forma de trabalho para
aquela direção: ser cüm.Tiidada pelos comuniistas ru;'sos,
que tinham longa, rica e vitoriosa exf>eriéncia revolucionária. E.ssa experiência, reconhecida e acatada, representava
uma das fontes de submi.s.são
do PCB ao PCUS. Outra fonte: o apoio e.^tatal que lhe podia dar. e dava, o PCUS. proeorcíonando aos comunistas
rasileiros. a seus simpatizantes e aliados, constantes viagens à Europa e à Ásia, gratuitas e com magnífico trato
em matéria de ho.spedagem e
de incensamento, em particular
no que diz respeito aos simpatizantes e aliados. O PCB gozava assim do prestígio de genuíno embaixador de uma
grande potência, que além do
mais era cabeça dirigente de
numerosos países europeus. A
terceira fonte dessa submissão
se achava na promessa rusea de ajudar, no momento
oportuno, as fòi-ças comunistas
brasileira."; em caso de guerra
civil. Certa vez. nn E.«cola. Sivolóbov declarou, com tôdá* nn
letru, Que akó Mrla úilicú aaw
viar armas em meio a carregamentos de trigo, para I:inçála» em algum ponto determinado da costa.
(•> Silva Lobo é mera corniptela do sobrenome de nosso
personagem Sivolóbov. E Silva
é a forma abreviada dessa corruptela.
O fato é que desde entáo
1949-50). as tarefas principais
dos conuuii.stas brasileiros passaram a .ser reflexo e parte
da.s t a r e f a s internacionais;
campanha.^ de assinaturas contra a bomba atômica, em favor
do Apelo de E.stocolmo. reuniões naciüimis preparatórias
de congiessü.s internacionuis —
de Jovens, escritores, mulheres,
operários, camponeses — pela
paz mundial. A própria revista teórica do PCB — Problemas — converteu-se em simples boletim de traduções de
artigos soviéticos.
O PCB se entregou de pés e
mãos at.idos ao PCUS. O .supremo dirigente dos comunistas bra^iileircs passou a ser Sivolóbov. De dois em dois meses, no máximo de três em
três, mas em certos periodcs
até uma ou duas vezes por
mês. ia um alto dirigente do
PCB transmitir um informe a
Sivolóbov. Levava livros, r e vistas, materiais
estatísticos.
Picava por lá dez. quinze dias,
e regressava com novas ordens.
Passaram também a visitar
a União Soviética delegações
de todos os tipos — jovens,
intelectuais, mulheres, juristas
— organizadas pelo PCB. mediante instruções de Sivolóbov.
E onde quer que estivesse, em
Moscou, uma delegação brasileira, lá estava êle a procurar
o secretário da mesma (que
era sempre um comunista i e
cobrar-lhe encomendas e informações do Bra.sil e do PCB.
De.3sa época para cá (pelo
menos até antes dos acontecimentos que culminaram com
a cisão do comunismo no Brasil), não houve um só documento considerado de importância, no PCB. que não tivesse sido submetido á apreciação de Sivolóbov e recebido
seu imprimatur antes de ser
divulgado. Começou com o famigerado Manifesto de Agosto
(19501, que concitava á criação da Frente Democrática de
Libertação Nacional e do Exército Popular de Libertação Nacional, CO mvistas à instauração revolucionária de um Governo Democrátlco-Popular —
isso num momento em que o
PCB se achava em plena retirada, sob os golpes das forças
políticas dominantes.
Pude verificar, não só como
auxiliar da direção do PCB no
Brasil, como na Escola em
Mcscou e depois no Bureau de
Informação, era Bucareste, a
que grau de subordinação tinham chegado as relações do
PCB com o PCUS. Antes de
partirmos para » Esoola, recebemos instruções terminantes
de dar todas as informações
pedidas pelos soviéticos sobre
tudo e sobre todos, e ao mesmo temoo de nada revelarmos
a outrcs partidos comunistas.
mesmo aos das democracias populares.
, ^
— Nosso partido não tem segredos para o PCUS — disse
Arruda.
Relatórios mlnuclo.sos eram
IUÍUCI-HÍÜS
.T Sivolóbov.
tíinto
sobre o trabalho interno do
PCB, como sobre seu trabalho
nas chamadas organizações de
massa — sindicatos, a.ssoclações profissionais, culturais e
outras semelhantes.
De uma feita, assisti a Arruda fornecer a Sivolóbov, verbalmente, as mais recentes ocorrências na organização partidária, quem era o novo secretário político do Comitê Regional de Piratininga (em S. Paulo), por que o outro tinha sido
afastado: quantos novos membros foram recrutados no Distrito Federal, e assim por diante. Assisti também a Sivolóbov dar Instruções a Arruda
sobre o desencadeamento desta ou daquela campanha, sobre
a organização desta ou daquela
iniciativa. Numa das reuniões
em que participei, em Julho de
1956, Sivolóbov deu as seguintes instruções, que Arruda me
mandou anotar: li Enviar-lhe
materiais sobre a história do
Brasil, relacionados com a
questão da terra no Início da
Colônia, com a escravidão e O
feudallsmo; 2) Preparar e enviar-lhe um estudo sobre a Indústria de Instrumentos agrlpolas no Brasil; 3i Preparar
novo congresso de emancipação nacional; 4) Preparar um
congresso do Movimento Nacional
Popular
Trabalhista,
com participação da Liga de
Emancipação
Nacional e da
União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas Brasileiros:
5)
Elaborar um
documento
)rogramático para o campo,
evantando reivindicações que
Íinteressem
às várias camadas
do campeslnado, inclusive a
construção de uma indústria
de Instrumentos
agrícolas
(aproveitando para isso Volta
Redonda) e uma indústria de
adubos.
Naquela mesma Apoca, Isto
é. em meados de 1956. ainda se
desenvolvia no Brasil u m i
campanha pela reforma agrária, dirigida pelo PCB, decerru
por encomenda ou ao menos
com a aprovação dos soviéticos. Acompanhei .seu desenrolar através do órgão oficial do
PCB. Voz Operária, que eu recebia em Bucareste, chegando
mesmo a pronunciar sobre o
assunto uma conferência no
Komlnform. A campanha vinha contando com apoio de
autoridades executivas e le'rlslativas
de muitas
regiões.
Creio que ls.so assustou
um
pouco a Sivolóbov. pois o objetivo comunista da campanha
não era a reforma em si, mas
a agitação que pudesse provocar entre os camponeses. A
campanha devia despertar as
ma.ssas do campo, mobilizá-las, .
levá-las a lutas parciais, para
um posterior
coordenamento
de.ssas lutas com os movimentos das ma.ssas trabalhadoras
urbanas, tendo em vista finalmente a Insurreição, a tomada
do poder e a instauração do
"lovêrno democrático-populnr".
Só depois disto é que seria feita a reforma agrária, nos moldes comunistas. E o que assustava a Sivolóbov é que a campanha, organizada pelos comunistas, pudesse conduzir & realização da reforma agrária pelo governo brasileiro. I êle
advertia:
— Ls.so * um perigo multo
«érlo. Pode acontecer ao PCB
o mesmo que aconteceu, recentemente, ao PCrtaponês. Os
camaradas Japoneses levantaram a bandeira da reforma
agrária, e o gnvéinn resolveu
realizar A reformii. n que nSn
trt dillcll.
sou JuvlA
•*.-4%:
multo
pouca terra para distribuir. O
Governo féz uma pequena reforma agrária e as.sim afastou
a influência do PCJ no camio. o que contribuiu para Isoá-lo ainda mais. depois que já
havia perdido, para cs socialistas, as posi(;óes, dirigentes nos
meios sindicais. É elementar
no leninismo que o destino da
revolução nos países atrasados
depende dos camponeses: se o
proletariado
conseguir atraílo como aliado, pa.ssará a exercer a hegemonia na revolução;
mas se os camponeses se tornarem aliados da burguesia,
então esta é que terá a hegemonia. Tomem cuidado, porque se o Governo burguês no
Brasil fizer a reforma agrária,
vocês ficarão .sem apoio no
campo para a revolução.
Arruda llmitava-se a balançar a cabeça, afirmativamente.
Era evinente durante todos esses dias a má-vontade que manifestava para com Sivolóbov.
E quando este partiu, êle lomentou. a sós comigo:
— Esses burocratas são assim. Dão diretivas, a gente faz
o impossível para cumprir, e
ouando tudo dá certo eles colhem para si os êxitos, afirmando que a vitória foi devida
a suas Justas Instruções: se ha
errado, então acusam a gente
de não ter aplicado bem as
instruções.
Chamou-me a atenção ali
náo ter havido di.scussâo a respeito dessas diretivas. É certo
que. segundo a lei bolchevista,
diretiva não .se discute, cumpre-se. Mas. essas de todo modo, não foram cumpridas porque Arruda, chegando ao Brasil, algumas s e m a n a s
depois, teve de empenhar-se a
fundo na luta interna do PCB.
visando a salvar sua própria
posição dirigente, e tudo mais,
inclusive as ordens de seus
chefes .soviéticos, passou a ca.!
recer de importância.
Muitas vezes Sivolóbov. com
sua vaidade doentia, enchia-se
de caprichos e impunha o castigo implacável de um dirigente brasileiro. Assim aconteceu,
por exemplo, no ca.so de João
Batista de Lima e Silva, então
diretor da Voi Operária. João
Batista estivera em Moscou
como secretário de uma delegação de intelectuais e sua
atuação desagradara a Sivolóbov. Quando este lhe perguntou certos pormenores da vida
interna do PCB. Batista cometeu a inabilidade de responder que não tinha recebido
autorização para informar sobre essas coisas; quando lhe
.perguntou quantas centenas de
"comitês de libertação nacion a l " já estavam formados por
todo o País lessa foi uma diretiva soviética
inteiramente
fora da realidade e que não
deu o menor resultado; mas os
dirigentes do PCB mentiam-lhe
que
Já existiam
numerosos
desses comitês revolucionários
no Brasil), Batista respondeu
que se haviam formado dois
ou três comitês, mas mesmo
ê.sses Já não existiam. Então,
u.sando outro fato como pretexto, Sivolóbov exigiu do PCB a
destituição de Bati.sta do cargo de diretor do Jornal. Os dirigentes pecebistas, é bem verdade, procuraram
esquivar-se
ao cumprimento da ordem absurda, contornando a situação,
f
t.xnnando
tempo,
désrnlpíindo-
se para ver se o iracuiidS b u rocrata abandonava sua exigência. Mas nSo a abandonava: tòdã semana, quando ia
chegava a Voi Operária, a primeira coisa que êle lia era o
expediente e. verificando que
Batista continuava como diretor, exasperava-se. O camarada brasileiro que se encontrava em Moscou representando o
PCB alegava dificuldades
da
lei brasileira para modificar a
direção do Jornal, mas êle não
se deixava iludir, e quando
chegou a Moscou o próximo
emissário do PCB, êle protestou energicamente:
— Haâ que cambiarle ai director. He dicho esc varias
veces jr, sin embargo. Batista
sigue como director de! órgano
central. Eso no está bien.
E Batista ' foi rebaixado de
diretor a redator da Voi Operária.
Próximo a flndar-se o nosso
curso, ocorreu outro caso bem
expressivo de sua mórbida vaidade. Sivolóbov organizara um
seminário sobre questão agrária no Brasil. Subiu então à
tribuna Máritch Ave, e pôs-se
a ler seu trabalho. Tomando
como base os dados estatísticos
disponíveis na Escola, êle chegaria à conclu.são de que, em
bloco, no Brasil, as pequenas
propriedades eram mais produtivas que as grandes.
Sivolóbov. que presidia o seminário, interrompeu-o e disse-lhe moderadamente
que
aquilo era faKso, pois Lenine
afirmara que as pequenas propriedades eram menos produtivas que as grandes. Máritch
tentou justificar sua conclusão,
alegando que, nessas grandes
propriedades computadas
na
estatística ali existente, estavam incluídos
naturalmente
muitos latifúndios
improdutivos e que. por ls.so...
Não pôde concluir o pensamento. Sivolóbov. com o rosto avermelhado como se o houve.sse mergulhado numa bacia'
de sanstue. as veias do pescoço
intume.seldas. ergue-se e ordenou que Míritch se senta.sse.
Foi então êle próprio à tribuna e. com a fúria de um energúmeno, féz um acalorado discur.so em defesa da te.se lenlnJsta. Nas afirmações de Máritch êle descobriu não sei que
dIabóMcas desvios, náo sei que
suspeitas Implicações reacionárias. Falava, falava (em russo,
Perez traduzindo para o espanhol) e de vez em quando esticava o indicador na direção
de MSritch, e gritava-lhe:
— Panimaich ill nlet? (Compreendes ou não?i
Supus que o incidente estivesse encerrado ai com a vitória total e irrecorrível do chefe
russo do PCB. Mas, qual! Êle
considerava e.ssa vitória incompleta e féz tudo para expulsar
Máritch do Comitê Central do
PCB.
E só nSo o con.segulu
porque, alem da intervenção
d» Arruda em favor de Már'tch. o XX Congresso — partindo, com seu impacto, certo»
laços dlscipllnare» — chegou a
tempo de salvá-lo.
Anti-semita confes.so, Sivolóbov reprochava sempre aos
dirigentes pecebistas o fato de
que a juventude
comunista
brasileira estava muito
Infiltrada de judeus. E nem no
primeiro riem no segundo curso para dirigentes brasileiros
em Mo.scou participaram Judeus: x6 no terceiro e que entiaram «Iguns
Abel. Sablnn
Bahia, náo sei se outros mais
tita terceiro cufio leve Inldo
quando Já começavam a soprar
alguns
ventos
llberalizantes,
Isto é, meses antes do XX Congresso, que se instalou em princípios de 1956. Dal provavelmente que Sivolóbov tenha admitido a participação desses
dois companheiros Judeus.
Mas éle nunca escondeu seu
anti-semitismo. Havia na Excola, em nos.so tempo, um professor de movimento operário
chinês, um Israelita ru.sso de
nome Dubinsky. Os professores
eram designados pela diretoria
da Escola Central, sem prévia
consulta a Sivolóbov. Mas este,
quando via Dubinsky chegar,
fechava a cara, e certa vez resmungou, desabafando seu antisemitismo, na presença de André Vitor:
— AI vem ê.sse Judeu.
Certo dia, em julho de 19.56,
em conversa com Arruda e comigo, êle di.sse que o problema
dos Judeus na União Soviética
náo tinha .solução. Alegou que
o Governo tentara congregá-los
numa região central da URSS,
mas Isso não deu certo, porque
eles só queriam viver nas grandes cidades ou próximos do litoral — e não mereciam confiança para habitar nas imediações de qualquer fronteira soviética .
Por essa mesma ocasião, houve uma disputa futebolística entre uma equipe vinda de Israel
e um selecionado soviético. Sivolóbov, que nos levou ao estádio com ele, dizia os piores nomes contra os israelenses, mostrando continuar um iudofob,
isto é, um homem que tinha fobia pelos Judeus.
Muitos se espantavam de que
Sivolóbov. sendo de uma mediocridade iniludivel. se mantivesse nesse posto por tantos anos.
Era capaz de dizer os maiores
absurdos, tirando conclusões
apressadas de leituras superficiais.
A revista soviética
Tempoi
Xovos, às vésperas do último
pleito presidencial no Brasil,
publicou um artigo de Sivolóbov
— ao qual o Jornal O Globo,
do Rio, fêz menção, estampando o fac-símile da capa daquela publicação. Nes.se artigo, êle
dizia que Kubitschek estava sõlidamente apoaido em três partidos de massas trabalhadoras:
o Partido Comunista do Brasil,
Trabalhi.sta Brasileiro e o Partido Social-Democrata. Quer
dizer. Sivolóbov. sem conhecer
nem examinar as particularidades da vida política brasileira,
simolesmente confundiu o nosso PSD — agremiação de forças conservadoras — com os
partidos social-democratas europeus .
Um belo dia, na Escola, Sivolóbov nos apareceu com uma
novidade: o Brasil não era um
ancelito explorado por outras
potências, e nada mais. Se por
um lado era vítima da exploração capitalista norte-americana,
por outro lado explorava países
menos desenvolvidos, como o
Paraguai o Uruguai e o Chile,
em competição com a Argentin a . Todo o linguajar habitualmente utilizado com referência
aos países Imperialistas. segundo as te.ses de Lênin. foi aplicado por Sivolóbov em relação
ao Brasil: falava do capital financeiro brasileiro, na sua luta
por esferas de influência e supremacia no sul do Continente,
no papel dos monopólios brasileiros e na exportação de capitais para o Paraguai. E »rgummlHvti, eiloiiiiu fatos. Clietsuu
até a apontar alguns imperialistas brasileiros, entre os quais
o rei do café, Lunardelli, que
estaria penetrando no Paraguai.
Só faltou mesmo pitar as colônias brasileiras... Mas disso
me incumbi eu, que era minha
intervenção considerei os Estados nordestinos
praticamente
como colônias do Sul industrializado. E por fim, Sivolóbov declarou o Brasil ura País iraperlalista, no qual notavam-se
contradições entre os grandes
capitalistas brasileiros e os imperialistas americanos, na luta
pelo predomínio em nosso mercado, na disputa do maior quinhão de maís-valia a ser extraída da mão-de-obra brasileira, enfim na concorrência para
a obtenção de lucros máximos
no Brasil.
Dias depois velo lermoláiev
que fazia parte da mesma comissão
latino-americana, subordinada a Koriônov — e, sem
se i-eferir diretamente a tese de
Sivolóbov, procurou ridicularizá-la, afirmando que não se
podia falar em imperialismo latino-americano, a não ser como
caricatura, confundindo com os
grandes monopolistas internacionais alguns capitalistas ou
latifundiários que monopolizavara plantações de café ou ban a n a . ..
Estabeleceu-se a confusão.
Perguntamos ao diretor como
se explicava essa divergência
entre os dois conferencistas.
Afinal, nós. Brasil, éramos ou
não é r a m o s
imperialistas?
Também explorávamos ou só
nos deixávamos explorar? Isso
para nós tinha uma importância menos política que psicológica. Todos notávamos que
os grandes países capitalistas
eram mencionados na Epoola,
às vozes com ódio, mas sempre com respeito, ao paaoe que
os países atrasados despertavam sempre compaixão misturada de de.^rézo. E:a «>mo
se nos dissessem: "Que diabo!
Vocês não fazem uma rívoluçÃo pi-olctárlâ, como os ru«»
SOS. e nem sequer uma revoUioáo burguesa, como os americanos! Afinal, que fazem vocês?" No íntimo, amarguravanois e.ssa situação. E quando
Sivolóbov nos declarou imperialistas. a noticia — aceita
?ior uns. rechaçada por ouros — foi acolhida sem mágoa e antes com certo orgulho.
Travavam-se discu-ssões constantes a re.spelto. O caso chegou R0« ouvidos de Koriônov.
É uma tarde, logo após as aulas, fomos mandados repentinamente de volta à sala: Sivolóbov chegara. E o chefe
do PCB, quase
gaguejando,
acusou-nos de não termos pre*tado a devida atenção a suas
palavras, cioníiindindo ass'iin as
coisas, file não difsea>a que o
Braiüll eaa pi-òpíiamenbe imperialísta, não colocara o Braell em pé de igualdade com os
Estados Unidos ou a Inglaterr a . Apenas citara alguns fatos e dera alguns argumentos
como advertência de que no
Brasil, como em qualquer país
de estrutura, capitalista, existiam le acentuou cada uma
das palavras que se seguem,
escandlndo-as) indícios, ninai*.
• mostras, germcü, elemento*
não desenvolvido* de um futuro imperialismo!
A um escritor brasilsim em
visita a Moscou êle informou
que no Brasil — cuando tomemos ei poder — teria que
ser formada a República Autônoma das Negros. Explicoulhe o escritor .que o número
de negix)8 puros em noAso País
w s pequeníssimo, que nivs.vje
rle«rol>r,doi-e.< e rolonizadoi-e»
Doitusuèie», dtetituidiae d* pre-
conceito racial, se misturaram
com a população negra, pioduzindo magníficas gerações
mulatas. Mas não adiantou a
explicação, êle não podia compreendê-la, pois esse fenômeno não tinha sido considera ao
nas obras do camarada Stálin
sobre a questão nacional e colonial. ..
E era esse homem que deva
ordens e instruções obedecidas
sem discussão por todos os dirigentes do PCB. a começar
pelo disciplinado Capitão Luís
Carlos Prestes. Eu mesmo tive
o ensejo de transmitir ordens
suas. Foi depois do XX Congref-so. A delegação brasileira
ainda se encontrava na China,
e ao Brasil havia chegado apenas o relato parcial do Congresso, através do<* documentos
oficiais. As leves criticas a
Stálin (o informe seoi'eto de
Kruschev continuava secreto)
atordoaram muita gente. Prestes e demais dirigentes brasileiros encolhei-am-se. não davam sinal de vida. Nas páginas da Voz Operária nada
transpirava. Foi como se nada
houvesse acontecido.
Uma tarde, achava-me em
Bucareste, em meu gabinete no
Kominform, quanao fui chamado poa- Bazanov aO telefoíne.
Do Comitê Central, em Moscou, velo a voz de Sivolóbov,
perguntando-me se eu tinha
meios de me comunicar com
05 camaradas do Brasil. Respondi que sim, embora os meioe
não fossem muito seguros. Ele
insistiu em que eu fizesse todo
o possível para transmitir a
direção do PCB sua profunda
estranheza e seu profundo desagrado pela maneira com que
a Voz Operária vinha ti-atando o XX Congresso — isto é,
com o silêncio. Que era preciso escrever algo imediatamente.
Em carta para pessoa de
minha família, mandei uma
bolinha de papel envolta em
fita gomada, contendo iiesumidamente o recado de Sivolóbov. Expliquei à destinatária
que a bolinha devia ser entregue a um auxiliar da direção,
cujo nome-d2-gvieiTa mencionei, para que éle paesasise adiante. Tudo correu bem. Duas
semanas depois esperei preocupado e curioso que chegasse
a Voz Operária — pois habitualmente ia para Bucareste,
de onde eu recambiava a Moscou, em avião espacial do Komlnform .
Enquanto esperava, eu imaginava quem iria escrever o
artiíjo ordenado por Sivolóbov.
Lembrei-me então de José de
Sousa, lá no Curso em Moscou,
falando sempre de cabeça baixa, e tive o pressentimento de
que o artigo seria escrito ppr
éle. Pensei em M."rlghella, tâo
dexti-o em tomar da pena e encher várias laudas de afirmações superfioiaie. Afinal chegou o coareio. recebi a Voi
Operária e caí das nuvens.
Ah eslava o artigo pedido. Mas
seu autor não , era o subserviente Sousa. Nâo era sequer
o tréfego Marighella. Nenhum
dos dirigentes menores.
Era o próprio Pi-estes.
4.
REVOLUCIO1S.\RI0S
SOB MEDIDA
Vocês vão tratados como
príncipes.
...
o
Vocês vão ser considerados
cidadãos soviéticos.
Vocês só terão deveres; n e nhum direito.
— Se alguma coisa não lhes
agradar, ofeixem para
reclamar aqui. quando voltarem.
Eis o que nos foi dito. categoricamente, à véspera de nossa partida do Rio para Moscou. Essas afirmações misturavam-se em nossa cabeça e
nos pareciam
contraditórias,
se bem tivessem, no bolchevismo. uma lógica especial. Por
exemplo: como se poderia conceber um príncipe sem direitos? Na Escola deram-nos roupa nova, capote, chapéu — e
comida. Segundo a concepção
de um comunismo que brotou
e floresceu num país atrasado,
flagelado pela fome periódica
e em massa, um príncipe deve
caracterizar-se pelo fato de
poísuir roupa nova e boa comida, mesmo sem gozar de
direitos individuais.
Efetivamente, desde o primeiro dia foram suprimidos
nossos direitos individuais. Sob
a direção de José Sousa, formou-se logo um comitê com
podêres ditatoriai.s sobre todos
nós. instaurando um regime
marcado pela humilhação »
pelo terrorisnw). Por aqueles
dias. relendo o Manifesto Comunista, observei que Kail
Marx sonhara com uma sociedade "em que o livre desenvolvimento de cada um fosse
a condição para o livre desenvolvimento de todos". Mas
tudo indicava que o objetivo
ali era. pelo contrário, destruir-nos a vontade, o amorpróprio, qualquer vestígio de
independência e personalidade, de livre desenvolvimento,
transformando-nos
em seres
desfibrados e autônomos.
A primeira iniciativa do Comitê foi recolher os objetos
de uso pe.-soal, que havíamos
levado, a fim de joclallzá-los,
í'*-di>triba!nd6-6s «m quanticiaoes Iguais e parceladamente. Tomaram-nos as carteiras
de cigarros e as lâminas de
barbear que leváramos (as so'vléticas cortavam mais a carne que cs pelos), os sabonetes
e outros objetos semelhantes.
Em seauida o Comitê decidiu
reduzir a 6 o número de cigarres que cada aluno Iria receber para fumar durante o dia.
provocando assim uma onda
de revolta surda e de murmúricis Indignados. Depois estabeleceu o prazo de dias
para a duração de cada lâmina de barbear, embora as barbas variassem, tendo umas ásperas, outras moles, ademais
àe haver pes.soas quase imberbes. Mae os dirigentes do Comitê tinham uma concepção
muito especial de comunismo
e igualismo.
A redistribuição dos objetos
era feita por Mônatche, um
velho membro de PCB, antigo
' operário têxtil, que esteve pre«0 e foi torturado pela Polid a nos tempcs da ditadura de
Vargaí, sendo promovido em
Í945 ao Comitê Central. De
natureza aíável, converteu-sé.
no entanto, sob as críticas da
Direção ("tu é>s um liberal:
precisas te bolchevlzari"), num
vordugo odioso. De fato. desde Praga, onde nos reunimos
todos — os que viemos de avião
e os que vieram de navio —
41e começou a pôr as mangas
df fora. ameaçando-nos. posando de duro. de bolchevista.
E nn Escola, quando alguém
I» pedir, por exemplo, uma lAmlns nova. linha que ouvir
dele Interpelações gros.seiras t
vexAtárui:
— J á terminou aquela?! t
preciso economizar... Amolou
na palma da mfto? Não? Pois
amole, que dura uns dias mais.
Ah, amolou? Pois amole, mais.
Quer poupar a palma da mão
para coisas mais importantes?
Um comunista tem que saber
poivpar. Isto aqui é dinheiro
do proletariado. Capitalista «
que só u.sa cada gilete uma vez,
porque vive (ia exploração dos
outros e dinheiro para êle não
tem valor. É preciso Ir-se educando!
esse <ííscur.so, com pequenas
variações, era repetido a quase
todos nós, com mais ou menos
rispidez. dependendo de quem
se tratasse.
Quando lá chegamoí, nôs
mesmos escolhemos, de acordo
com as afinidades e o grau de
conhecimento, os companheiros de mesa. Houve uraa seleção natural. Mas logo que
Sousa chegou, de regresso do
Cáucaso, onde estivera fazendo
uma estação de águas Juntamente com seu secretário Máritch Ave, mandou um membro do comitê dirigente fazer
uma redistribuição de pessoas
e mesas, procedendo ainda a
novas alterações de tempo» em
tempos. Em seu entender, a
permanência de camaradas li
mesma, mesa durante multo
tempo poderia criar entre êles
uma tendência gruplsta.
Inventou a ginástica. E . t a n to os Jovens de vinte e poucos
anos como pes.soas de mais d t
cinqüenta,
todos tinham que
fazer a mesma coisa, tle m a nhã cedinho. Era mais um
elemento de militarizai^o do
grupo, para fazer de nôs revolucionários sob medida soviética.
Seguindo a regra de ouro de
todos os déspotas, Sousa procurava dividir-nos para remar
sobre nós. Não é difícil adivin h a r que tenha chamado vários elementos, cada um por
sua vez, e lhes haja confiado a
"homosa tarefa" de vigiar seus
priJprios companheiro». Orlou
as.slm um ambiente em que o»
próprios humilhados, com exceção de reduzido grupo, se
tornaram
espiões, censores a
delatores uns dos outros. Alguns deles eu mesmo pilhei em
flagrante quando denunciavam
seus camaradas. Além disso,
qualquer camarada se achava
no direito de fazer críticas sabre problemas
absolutamente
Íntimos de qualquer outro. Todos os atos, gestos e atitude»
de uma pessoa eram notados e
censurados pelos demais: quaisquer defeitos eram destacado»
e exibidos em público. Nunca
\'ira em toda a minha vida
tanta hostilidade mútua e gratuita, mesmo quando se manifestava em tom de pilhéria.
Todos os nomes feios do léxico
p a r t i d i r i o — individualismo, pequeho-burgués, liberalóidc, nacionalista — e todas a»
frases feitas: subestimaçSo da
tarefa, falta de espirito autocrítico. Ideologia estranha ao
proletariado, origem de classe,
tendência
íracionista —
eram atirados, como pedras,
por uns contra outros. O h o mem tornava-se o lobo do homem. E. a rigor, nenhum de
nós escapou a isso.
Essa preocupação de separar
os camaradas entre si checou
ao cúmulo com a separação d»
c o n j u g e j . .£aíi-a
uma hnritc-iimn
casais, isto é. dbis ca.matsda»
que vieram para o curso com
suas esposas, as quais eram
também alunas. Mas foram
postos em
quartos diferente»
— os maridos na parte destinada aos homens, vigiados pelos outros maridos que n&o tiveram a sorte de vir com .suai
mulheres; e as esposas ("companheiras", no dicionário comunista) na parte destinada
ás mulheres, sob a mira da»
solteiras ou das casadas que
vieram sem seus maridos.
Uma noite, terminada t hor»
do estudo individual nas sala»,
um desses casais aproveitou a
saída das outras pessoas e Sun»
mãos se uniram e certamente
os dois trocaram palavias carinhosas. Eu dormia no mesmo
âuarto de um dos ferrabraze»
o comitê dirigente e vi chegar
uma espiã que, sem notar minha presença, foi logo denunciando, esbaforida e arquejante:
— O P á l í t c h . . . está agarrad o . . . na . . . mão da muiher.
Esclareça-se: da mulher dél»
próprio, da mulher com quem
se casara um més antes de ser
enviado à Escola.
E essa situação estúpida, ridícula e desumana só terminou
quando Fálitch. criando um caio com a direção do Coletivo,
teve de se explicar perante o
próprio diretor da Escola, que
declarou ignorar
fossem éle»
casados e mandou acabar com
o regime de separação de corpos, com uma só condição: não
obedecer ao mandato bíblico da
«e multiplicarem.
A questão sexual foi largamente explorada pelo comitê
dirigente, tornando-se a obsessão do coletivo em geral. Como no» colégios de freiras, os
homens deviam sentar-se separadamente das mulheres.
Mas duas delas estavam misturadas entre os homens: uraa
a meu lado. outra ao lado de
outro camarada. Cada um de
nos quatro foi chamado ao Comitê, advertido s6bre os perigos da carne, sobretudo numa
situação como aquele, e houve o devido afa.stainento — que
mais tarde foi anulado voltan•do a reinar a mistura
entre
homens e mulheres.
Mesmo assim, a.s mulheres se
portavam a principio
como
aquelas freiras do convento de
CoUingham, que, ameaçada»
pela inva,sfio dos normandos,
cortaram o nariz e o lábio superior para assim preservar a
própria honra. Mas no convento moscovita, a repetição do fato histórico tinha traços caricaturais. Em conversas que logo transpiravam, através do»
dois maridos, umas chamavam
a atenção para o "olliar lübrico" de Fulano e recomendavam
cuidado com éle; outras sugeriam que não saíssem pelo quintal a passear com camaradas
do se.xo masculino, a não ser
cora Sicrano ou Beltrano, que
Já eram idosos (um destes qualificado de idoso, não gostou da
deferência.
aliás, protestando
que também era Jiomem>: outras ainda propunham atitude
de colaboração com os homens,
não mostrando muito as perna.<t
nem fazendo requebros femlnii.
E quando Sousa, num gesto
de generosid^ide, autorizou que
tocássemos na vitrola
alguns
discos de música brasileira, levados por nós. a fim de alegrar
as noites domingueiras, recomendou que só podiam dançar
homens com homem ou mulher
com mulher. Alguns me.ses depois,
entretanto. Já se viam
homens e mulheres enlaçado.*,
rodopiando na sala sem danos
para o futuro d« revoluçío comunista no Brasil.
4
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ü^iteAittlAi^
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1 2 "* S.*' cad., Jornal do Braiil, Domingo, 4-9-60
Wí
•í';;
•,:»*,•
Bucarest*, • finalmente, em
cair em seus braçtss, basta fados-lrmSos tinham «eus Babt-'
bniiccs ao lado, redatores da
zer menção de cair; isso todo
netes no mesmo edifício do de
reação soviética, um ou outro
mundo sabe como representar,
Mítin; os dos partidos-primos,
redator das outras edições. Nas
não precisa ensaiar. E quanto
e no outro edifício. Os dos parreuniões secretas participavam
ao l)cijo, também, basta dar nó
tidos-irmãos tinham
automóBpenai> os chefes, isto é, os redia mesmo da representação."
veis próprios; os dos partidospresentantes.
primos utUlzavam os automóTudo isso foi dito a um canQuando Mítin estava ausenveis comuiB, de propriedade do
to da sala e não se poderia
te, quem dirigia o Jornal e preKominform.
Para as demais
afirmar que suas advertências
sidia
as
reuniões
era
o
redatorpessoas, quando se tratava de
fossem exageradas, mas os dois
^-À
chefe; na ausência de ambos,
Ir a Snágov ou a uma excursão,'
atores se irritaram, atraindo a
o representante francês ou, em
havia os ônibus. Quanto aoa
atenção dos demais artistas
• lugar deste, o italiano. Que
soviéticos, três deles possuíam
presentes, e a discussão se geme lembre, só uma vez tocou
automóveis de luxo: Mítin, Baneralizou. A mulher declarou
a Moranino, o italiano, a prezànov e o redator-chefe — Roque se o marido se portava cosidência da reunião. E nós,
mânov e, depois, Blessúdnov.
mo um senhor feudal e não
alguns de seus camaradais mais
Mas o automóvel do diretor era
como um Jovem comunista, o
Íntimos, de brincadeira, finginmarca
ZIS, produto da fábrica
melhor era mudar de atores.
do que íamos cocar a cabeça,
Stálin, de Moscou, e os dois ouO tradutor de italiano, por sua
batíamos-lhe disslmuladamentros, embora tamt>ém grandes «
veZi proclamou que assim, com
te uma continência. Mas êle, ' essa desconfiança,
confortáveis, eram menos luse sentia
imperturbável, concedia a pa- .até ofendido e se recusava a
xuosos, produtos da fábrica
lavraj a um, a outro, dava pe- 'continuar trabalhando: "poMolotov, que ficava na Cidade
quenas ordens ao secretário
de (Bórki.
dem procurar outro; de agora
soviético que se achava à sua ..em diante não trabalho mais
Animado pelo êxito no resdireitp, reinando com a mesna peça." Essa atitude cau.sou
taurante, tentei
democratizai
ma .solenidade com que reinaalvoroço e receios de que tudo
também os transportes, entran-.
va Mítin.
i se estragas.se, pois estávamos
do em um ônibus para Snágov.
A hierarquia ej-a válida para , às vésperas da festa. O teleMas como o veículo estivesse
todos os efeitos imagináveis, i; grafista, que dirigia os ensaios,
muito
cheio, minha
presença
Quando participei da primeira s suplicou: "Vamos, Aiiocha, náo
despertou
não só estranheza
reunião da direção colegiada. ; queiras bancar o Otelo; pede
como indignação. Sendo dos
ficou claro para Será, o argendesculpas pelas bobagens que
V
primeiros a chegar, encontrei
tino — chegado ali um mês
disseste, e deixa-nos trabavaga para ir s e n t a d o , ma.t
antes de mim — que sua posil h a r . " A mulher de Aiiocha,
quando lotou o veiculo e vária»
ção, na
escala
hierárquica
nevvosai enxugava algumas lápessoas foram entrando e fiera imediatamente superior à
grimas com o lencinho que, na
cando
de pé, cada qual me
m i n h a . E demonstrou-o em
meçA servia para acenar da
olhava de modo significativo,
seguida; no sábado' fomos a Janela
ao
namorado:
o
traducomo se achasse que eu tinha
Snágov e, como ambos estitor de italiano. Irredutível em
tomado, índèbitamente, seu luvé.ssemos sem nossas famílias, seü
propósito,
nào aceitava
gar. Então levantei-me, cedi o
deram-ncfe na casa de campo conselho
de ninguém, mas, afium mesmo quarto,' no qual h a assento a uma senhora, que não
nal, por insistência do próprio
via duas camas, uma grande,
queria aceitar, mas aceitou. Lá
marido
zeloso,
decidiu-se a
de casal, e outra menor, de
fora sobraram ainda três pesprosseguir nos ensaios. E a
solteiro. Será ocupou a maior,
soas. O motorista dLsse que não
O funcionam<F;nto do Kominform. sob sem
paz caiu de novo sobre o palco.
sequer me consultar; sucabia mais, esperasísem pelo
_ No dia da representação os
pus que se tratasse de falta
ônibus, dali a uma iioo peso da vigilância constante e da discri- de educação, e não dei maior dois atores foram aplaudidís- rpróximo
a . E vi que os três me olhaimportância ao caso. Depois é simos; trabalharam magnificavam pela Janela e esquadrinhaminação soviética, é narrado, hoje, por dois que notei que êle havia posto mente no papel de apaixona- vam com os olhares o interior
dos. Na platéia viam-se numee:n prática simplesmente um
do veículo, para ver se outro»
rosas bocas femininas falando
capítulos de O Retrato, livro em que o jor- direito que lhe assistia.
usurpadores haviam t o m a d o
ao ouvido do próximo, nas cesuas
vagas. Permaneci firme s
Ês.çe argentino e eu trabanas mais emocionantes. Perto
nalista Osvaldo Peralva narra, minuciosa- lhávamos
fiz o incômodo trajeto de uma
em salas vizinhas, ds mim uma voz sussurrou dlhora, de pé, em nome da igualapenas por uma s a rigindo-se a meu vizinho.
mente, sua experiência com o comunisnío separadas
dade Comunista e da democraleta onde ficavam nossos dois
tização da vida no Kominform.
tradutores. Quando se convomundial.
cava uma reunião, a secretária
Repeti a proeza duas vèze.i
— Olhe. olhe, camarada Mode Mítin tocava o telefone,
mais. Entretanto, além de inranino! Co.mo trabalha
bem
avisando, primeiro para Kárcômoda, aquela atitude era r i seu tradutor! Como beija! Copov. tradutor do argentino:
mo abraça!
dícula e mal vista pelos passadepois para Pavlienko, meu
geiros, que não se sentiam h o n ih?''*» ^"'^'^' * espanhola, que
tradutor. Em verdade, bastae sim prejudicados com
I t - á / T ' ,f 1f "•"« «^addra rados
va avisa" a um dos dois, porminha
presença. Voltei ao autprin r,^ o italiano, meio agasque suas esc.-ivaninhas distatomóvel,
justificando para mim
tado, por entre os dentesvam apenas dois metros uma
mesmo o meu fracas.so com a
— Ecco. Demasiado bem pada outi'a, e quando Káipov
alegação de que assim eu po«tendia
o telefone
avisava
deria dar carona a duas OU três
Jogo não só a Será como a Se traljalhasse tão bem para
pessoas.
mim. Mas a secretária, mes- mim, ja estaria condecorado,
Resisti, porém, em vários oumo sabendo disso, desligava e s p m . i h / ^ f . ^ " ' f °' comentários
tros casos, sobretudo no trato
tornava a ligar para a mesa cM^vf-í*"'"
impregnados de
de
Pavlienko.
porque
assim
com
os camaradas. Nós. os rcr
mecânicos
e
pilotos
do
avião,
* eu mesmo fiz a correção, deT^lí % ^-ssavam de boca em
mandava o ritual.
presentantes de partidos-pri6; contabilidade e tesouraria, 8;
volvendo-a. Na segunda prova,
í^«Vi»y'"-'
''°'^^f
^
°
tradutor
mos. formávamos o círculo, por
telefonistas e dactilógrafas, 8;
notei de novo a mesma falta.
Mas eis que um dia, ao che- a.sse-ihe ao ouvido, certa vez
assim dizer, dos oficiais inferiodocumentação, 4; Bazànov e
Procurando esclarecer o assungarmos á reunião, o argentino qualquer coisa sobre o assunto)
res;
E, conforme me explicou
duas
secretárias,
3.
Total:
40.
to, ouvi de Pavlienko a confissentou-se no lugar de costume, e ele replicou em voz alta:
Pavlienko, meu secretário e t r a Redação: redatores russos. 12;
são ds ter sido êle próprio que
ao lado do húngaro e antes de
Você está equivocado! Ela
dutor, eu não devia estender a
chefes de edições, 5: secretárias,
cortara a palavra, supondo tramim; verificou então que sô- f.- Paia mim, uma grande ar
mão ao camarada Mítin, como
6; bibliotecárias, 3; seção de
tar-se de equívoco meu, pois
b"e a mesa, em frente dele, ci- tista, mulher admirável, cheia
costumava fazer, ao entrar em
Verificação, 3; funcionários das
achava Impossível existir teletava a pasta de papéis com o de nobres qualidades, É uma
seu gabinete. Devia pronunciar
edições estrangeiras, 18: traduvisão no Brasil. Perguntei-lhe
nome RIBEIRO e em frente mulher ideal.
um cumprimento e esperar que
tores, 8: revlsores, 5; tipógraem que baseava essa suposição,
da minha cadeira, a pasta com
De
todo
modo,
^les
eram
visêle me desse a mão: se des.se,
íos, 5. Total: 65. Total geral de
e éle argumentou:
o nome SERÁ.
tos ecnpre juntos, decerto conbem: se não desse, não haveria
funcionários russos: 105. Some— Aqui na Romênia, que é
— Tche, essa pasta é a mi- versando sobre teatro. Quinze
aperto de mãos: a iniciativa
se a isso mais uma dúzia de
um país socialista, agora e que
nha — disse-me êle — toma dias depois, o marido pa.ssou a
devia partir dele.
outros que escaparam a minha
estão montando televisão: só
a t u a . Houve um engano, tro- fazer refeições no restaurante:
memória, e teremos uns 120 —
os países adiantados têm tele— 5" na saída? — perguntei.
caram.
sepa:ara-se da essôsa. I.'ais
a camada dominante da burovisão, e a Grande Enciclopédia
Da pró.xima vez, a secretária quinze dias, e a mulher ideal
— Na saída, também.
cracia kominformista.
Soviética diz que o Brasil é
úe Mítin tocou o telefone pri- era enviada à União Soviética,
um País agrário, atrasado . . .
A organização do Kominform
— Vocês precisam corrigir e
meiro para meu tradutor, dedizem que com deítino a uma
Afinal, a palavra foi publicaimportava num gasto mensal
ritual, camarada
Pavlenko:
pois
para
o
dele.
Será
ficou
cidade
do
Interior,
onde
vivia
da, mas não creio ter convencienorme, para mim impossível de
pois, se no momento de eu me
desconfiado,' e ao chesarmos à sua fkmília. Mais outros quin- retirar, êle tomar a iniciativa
do ao zeloso Pavlienko sobre a
calcular. Sei, porém, que era
sala de reunião, antes de sen- ze dias. e o tradutor de itaexistência da televisão brasileifinanciado pelos governos das
de me estender a mão. signifira, apesar de lhe haver recordemocracias
populares e da ' tar-se, olhou os nomes nas liano era enviado a Moscou, por
ca estar mandando que eu vá
pastas e empalideceu: estavam nao estar à altura das respondado que a Grande EnciclopéURSS. Os soviéticos, presumiembora, e isso é deselegante.
outra vez t-ocadas. Os buro- sabilidades de funcionário do
dia Soviética também proclavelmente, e n t r a v a m com a
— Ah. camarada, quando há
cratas do Kominform tinham Kcminfo,-m.
mara Gandhi um agente do
maior quota. Mas, por isso
boa vontade, tudo se faz. Basverificado
que.
na
ordem
coimperialismo britânico, para
mesmo que davam o dinheiro,
O outro caso teve desfecho ta incUnar a cabeça e fazer o
munista internacional, a Ardepois, sob o protesto do Emdavam também as ordens. "O
ar de quem se vai retirar «
gentina vinha depois do Bra- diferente. Tratava-se de uma
baixador da Índia, rasgar essa
Partido Bolchevista é um paréle estenderá a mão, se quiser
sil. E passaram o represen- jovem russa, solteira, alta, loupágina e escrever outra, retitido disciplinado:
quando dá
estendé-la.
n.ssima,
perfil
grego,
muito
simtante argentino para
trás.
rado a acusação.
uma ordem, gosta de ser obePara desgosto de Pavlenko,
Recusei, porém, a retificação, e pática. Reclamava amiúde con- continuei,
O predomínio soviético era
decido", conforme nos declarou
tomando a
continuei sentando-me indiscl- tra o fato de só existii-em doi.s Iniciativa deporém,
sensível até nas relações famium dia, com tranqüilidade e
a m&o a
plinadamente derjois de Sa-a. ou três r«p9ze.s. de só enviarem Mítin. que eraestender
liares. As crianças estrangeirai,
firmeza, um personagem que
uma
espécie de
homens
casados
para
trabalhaEu
cuidava
de
chegar
um
poupouco depois de ali chegarem,
circulou na primeira parte desoficial-general. Mas houve um
co antes dele, trocava as p a s - rem no'Kominfor :. Definitivaaprendiam a falar, cantar e
te livro: o Inolvldável Mikháíem que o chefe do Komintas e me sentava em seu lu- mente ela detestava a solidão. dia
brigar em .soviético, com a meslov.
íorm marcou bastante a disgar: o húngaro, por mímica, e. na falta de um solteiro, busma facilidade que inm esquetância
que nos separava: foi
apelava para que me sentasse caria partilhar da companhia
cendo seu próprio idioma. Asno banquete de despedida do
na outra cadeira, a síu lado, de um casado. Assediou Bie.ssú7 . O RITUAL
sim aconteceu aos garotos do
redator-chefe Românov, que
m i s eu, achando muito diver- dnov. o secretário do Jornal, e
casal húngaro. Estudavam n u m a
tinha sido transferido para
tido tudo aqui, balançava o não foi d:..cíl conquistá-lo.
escola soviética, na cidade;
outro
posto em Moscou. O
HIERÁRQUICO
dedo no »'• respondendo que
Parece que Bles.sudnov se
conviviam com outras crianças,
banquete em si Já constituía
não E esta minha atitude, apaixonou de verdade, porque uma
no Kominform, falando em sodiscriminação,
só foDepois do XX Congresso do
ainda que mal vista, era to- fechou olhos e ouvidos a todo ram convidados parapois
viético, e em soviético falavam
êle os r e PCUS.
houve
um
momento
de
lerada,
graoas
ao
abrandameno mundo. Mandou a família
com o pai. Sua mãe foi pase individualmento da disciplina, que se seguiu passar uns tempos na URSS. e preisentantes,
sar dois meses em Budapeste, liberalização em que a imprente, sem suas famílias. Prepasa soviétic., dentro do espírito
á morte de Stálin.
ficou só com a louríssima; em
e ao regressar ficou desesperararam-no
em
sigilo, pelo simdo relatório secreto de K h r u s Tanto que o camarada Mltln pleno idíiio, sentava-se horas a ples gosto, suponho,
da: ela só "sabia falar húngaro
de envoltchov,
começou
a
reabilitar
pesainda
se
achou
no
dever
de
e francês, e os filhos agora só
fio com ela no banco, sob a
ver tudo em mistério.
soas, t c e s e corrent3s condedesagravar o PC brasileiro, por copa de uma árvore. As pessoas
entediam soviético.
Nessa noite bebemos todos
nadri3 ao tompo do absolutistão duradouro equívoco, e re- Iam e vinham, olhavam e coem abundância, — Mítin tcrPresenciei-a a convei'sar num
mo stalinista. O Marechal T u feriu-se em duas reuniões con- mentavam,
e
eles
indiferentes.
nou-se
caloroso e alegre, blingrupo e a dizer que resolvera
katchewsky, herói do Exércisecutivas ao "camarada Pres- Até que a família déie regresdando com freqüência, rindo
voltar em definitivo para Budato Vermelho, fuzilado como estes, uma das personalidades sou. Então os idflíos passaram
alto. Depois, fêz um discurso
peste, com os filhos; se o P a r t i - pião, teve ssu retrato emoldubem conhecidas do movimento
a ser mais curtos, mais disfar- em que salientou a grande
do quisesse mandar substituto rado c dependurado de novo
comunista
internacional .
honra
consistente em trabapara o marido dela, bem: se no salão nobre da Casa do
çados,
porém
continuaram.
E
Também alguns redatores ruslhar no órgão kominfcrmista
não. paciência, ela é que não Exército. O órgão teórico do
sos fizeram questão de mpstrar um dia a louríssima veio des- Por
uma paz duradoura, por
ficaria mais ali; partiria na sepedir-se de nós; viajaria
no
PCUS — kommunist — publique sabiam estar o Brasil colouma democracia popular. Comgunda-feira íe p a r t i u ) . Ne.ssa
cou um editorial asseverando
cado antes da Argentina. E dia seguinte. No dia seguinte, pa;-ou.
Disse que honra igual
ocasião, várias senhoras concorâU3, contrariamente ao que se
quando passávamos juntos. S ' - houve reunião do Colcgiado, e
eva trabalhar na Pravda. o 6rdaram em que era desagradáBicsúdnov
ausente:
seguira
issera ate ali, cs manoncvisra e eu, e cumpriment'vamos
Cão oficial do PCUS. Inforvel o que lhe ocorrera, e minha
não foram espiões nem agenao mesmo temoo Tim camara- para Moscou no mesmo avião mou
que todos aqi'êl?s que
mulher interveio, fornecendo
tes do imperialiismo estrangeida russo, êle re.soondia de que a louríssima. Ela ficou por
passaram
pela
redação da
uma receita para evitar o mal:
lá, èle regressou na outra .sero, mas um corrente do moviacordo com a nova ordem;
Pravda se consideravam sem— É por isso que eu não deimana.
mento operário e socialista
—
Zdrávstvitie.
tavárich
Ripre e eram sempre consideraxo que a minha fale russo em
russo. E a revista Partinnaia
Menos de um mês se passabeiro.
Zdrávstvltie, tavárich
dos como pravdist — O que
casa, nem
com a cozinheira, J i / n (Vida Partidária) denunra, nuando Românov foi trans- representava um titulo de honSerá,
que é romena, mas entende um
ciava a desigualdade de t r a t a ferido
para
Moscou,
abrindo
ra todo especial. Assim t a m ;
pouco de russo. Outro dia, até
mento na vida soviética e enuma vasa de redator-chefe. pabém — acrescentou êle — ó
a mim se dirigiu em ru.sso. Entre os própros camaradas üe
ra a qual foi promovido Biescamarada Românov. como totrou na sala e foi dizendo: MaPartido, observando que o suRurinov. Er:a promoção- não
dcs
nós que ali estávamo',
ma, s k a j i . . . Mas eu cortei loNo
restaurante
existiam
duas
bordinado chamava ao supeteve
boa
acolhida
entre
as
semesmo depois de deixar o Z*
go; mostrei-lhe a chinela e dissalas — uma reservada ao.i
rior de Tjr (vós) e por éle era
nhoras
kominformístas.
Numa
pritchnii mir (Por uma p a i
se: "olha aqui o skaji; russo,
chefes, outra para os empregachamado de ty (tu)
duradoura), haveria de conslda porta para fora; aqui dentro
dos. Ignorando a discri-nini- roda feminina, a mulher cio
dsrar-se sempre e de ser semsó me fales o português".
Essa desigualdade, nos meios
ção, eu fazia minhas refeições italiano protestou, com apoio
da.s outras:
pre considerado...
do Kominform. era mais acenE as mesmas senhoras, todas
ora numa sala. ora em outra.
— Isso não é Juíto. Castigam
tuada ainda que na Escola em
estrangeiras, balançaram a caVacilou, ergueu a taça, nós
Só fui mesmo alertado para o
Moscou, e me causava verdabeça, dizendo que ela fazia muiersuemos as ncs.?aí, e ficamos
fato quando, um dia, indo o a moça. tomando-lhe o eranrcdeiro choque. Em primeiro lugo
e
mandando-a
quem
sab«
to bem.
k
espera do adjetivo que Mírepresentante italiano almoçar
gar porque, tendo desaparecitin Iria derivar do quilométriA atividade cultural, os esali, encontrou-me na segunda lá para onde, enquanto êle ê
do, como se proclamava, o anco título de ncsso jornal para
portes e todos os divertimensala e. sentando à minha me- pro:novido.. Os homens se protagonismo de classes na societesem uns aos outros.
ajilicar em Românov. Eu, de
tos eram dirigidos pelos russos.
sa, pilherlou corrigo:
dade soviética, não poderia h a minha parte, após tcdo o álOs responsáveis pelos jogos de
Só a mu'her do novo secretá— Fazendo sua demagogia,
ver mais base para as diferencool
que ingerira naquela noivolibol e pela guarda do materio
do
jornal
é
que
encarava
o
hein? Almoçando na salaf dos
ças de tratamento. Em eegunte, seria incapaz de derivar
rial esportivo eram russos, ,dea.ssunto por outro prisma.
empregados...
do
lugar
porque
as
diferenças
qualquer coisa. O mesmo esta.signados pela célula dos comu— Pois eu penso diferente.
Manifestei-lhe estranheza e
nos países burgueses, a que eu
ria acontecendo com os denistas russos. Quando se orgareijulsa por tanta discrimina- A promoção dele eu até commais. Entrementes. havia um
nizou uin , torneio de volibol, estava acostumado, não obedepreendo: o outro foi embora, o
ção.
Felizmente
o
PCB
não
ciam a essa gradaçào existen•uapenae... O orador tempeainda eram os rusS3S que taatingira ainda esse grau de dl- lugar cabia a êle. E sou insuste na U R S S . É claro qu,í mirou a garganta, p a r a ganhar
ziam
tudo, que controlavam
ferenclaçfto
burocrática, peita para dizer isso. porque se
nha experiência se limitava aos
tempo, e elevou a mão em
tudo, não abrindo mão pase bem tendese, nos últimos êle nSo fosse promovido, talvez
ciicuics partidários. Mas o
concha,
à altura da cabeça,
ra um estrangeiro s e q u e r do
o
beneficiado
fosse
meu
maritempos,
a
adotar
certas
noviPCUS não era o educador e
como se fôs.se colher a precioposto de juiz. Ensaiava-se uma
do.
Acho
que
ela
é
que
devia
dades
de
inspiração
visivelportanto
o
espelho
em
que
s;
sa
palavra.
E arrematou:
peça de teatro, o metteur-enmente soviética.
Mesmo na ser c.stigada severamente, pormiravam os cidadãos soviéti— ...considerado como úm
scène era russo; organizava-.se
que
foi
quem
provocou
o
hocos?
Escola em Moscou não se cheum banquete, o animador (pesravdJst do Za Prntchnli ntir. .
gava a tanto. Por que ifso? E maiij. todos sabem disso. Mas,
soa que dirigia a parte cultural
Assim como nos quartéis, em
lebamcs, p o i s , à saúde do
ela,
ao
invés
de
ser
castigada
o
Italiano
exclamou,
sorrindo:
do mesmo, reclamando de A ou
que há o círculo dos soldados
pravdist do Za prôtchnil mir,
— Ecco. Aqui é assim. Que minha filha, foi até promovi- nosso querido camarada RoB que usas.se da palavra; sugee cabos, depois o círculo dcs
da. Êle mesmo arraniou para mânov.
rindo fossem cantadas tais ou
fazer?
sargentos e suboflciais, depois
quais canções revolucionárias;
o circulo dos oficiais inferiores
Por espirito de oposição, in- ela, no Ministério do Exterior,
Emborcamos nossas taças •
ganhando «olaudimos tempestuosamente.
propondo várias outras coisas)
e o dcs suiMriores, e finalmendignado com tamanha estupi- um ótimo luiar,
também era russo.
te o dcs cficii-.is generais, tamdez reacionária, pass:l a almo- multo bem. Isso é que não é
Foi então que assisti a esta
bim no Kominform liavia os
Dei-me ao trabalho certa vez,
çar somente na sala dos em- ju.--to.
cena inacreditável: Mítin foi
E assim ê.sses dois casos fodiversos círculos. E dentro de
no cinema, de calcular o núao encontio de Românov t
pregados. O italiano e o arram
resolvidos
de
maneira
tocada
círculo,
as
diferenças
ae
mero de pessoas que lotavam
beijou-o na boca. prolongada
gentino passaram a proceder
posto.
a sala; somei o número de cae ardentemente, como os cado mesmo modo. Deoois, ou- talmente diversa, de acordo com
deiras de cada fila e multipliNas reuniões do Coleglado,
tros representantes de países Um .só critério: o da posição sais apaixonados ncs filmes d*
quei pelo número de filas. Depor exemplo, a dispcsição dos
Hollywocd. Até aí. nada de
capitalistas e até de democrii- hierárquica de seus personapois, arbitrei certo número parepresentantes, à meia (não
mais; esse é um costume soclas populares. Estavíi lançada Rens.
ra os ausentes e para as crianredonda), obedecia a uma hieAliás,
não
só
pessoas,
como
viético
— homens se beijarem
a confusão. Apagara-se a liças, e concluí que no.ssa popurarquia rigorosa. A cabeceira
nha imaginária que separava, também organizações se enqua- na boca — que encerra granlação era de umas 500 almas, ficava Mítin, como diretor do
dravam nesse critério, como é de pureza e simplicidade. Lsso
as duas salas.
todas elas — à parte a comuJornal; à direita. ImediataMas essas Unhas discrimina- o caso dos partidos comunistas. em geral acontece em momennidade Infantil — membros de
mente depois dele. o redatortórias surgiam por toda parte, Assim é que os P P . CC. das tos da mais alta emoção. Num
partidos comunistas ou das orchefe e o secretário, ambos
eram compêndio soviético, usado na*
até
mesmo
nos
problemas democracias populares
ganizações comunistas juvenis.
russcs; depois vinham oa reescolas primárias, existe uma
amorosos, conforme pude veri- considerados partidos-irmáos do ilustração
Em números apro.xlmados. eles
preícntantes da Polônia, Romêque aparece um
ficar por dois casos criados, em PCUS; naturalmente, os par- soldado, oem fuzil
se distribuíam
assim:
100 e
nia e Hungria: e logo Argena tiracolo,
de países capitalistas
ocasiões diferentes, em torno tidos
tantos funcionários russos e
tina, Brasil, Cuba e I r ã . Do
abraçando
e
beijando
na boca
eram partldos-primos. Outrora,
de
duas
mulheres
bonitas.
mais uns 200 membros de suas
lado esquerdo da mesa. imediaum camtKjnés
de enormes
Uma delas, casada com Aiio- quando só o PCUS se achava
famílias: cerca de 50 romenos,
tamente depois de Mítin, vibigodes. Eu meinio tive a
cha, o chefe da célula local da no poder, todos os partidos co30 espanhóis, 15 franceses, e
nham a França (apesar de ter
oportunidade de receber, na
Juventude comunista r u s s a , munistas eram considerados irnumerosos grupos de 6 a 2 pesum partido menor que o d^
URSS, a contragosto, sememãos
do
PCUS
e
irmãos
entre
ensaiava
um
drama
de
amor.
a
soas, que trabalhavam nas ouItália, levava-se em conta que
lhante prova de grande e pu.ser levado em nosso palco, Ri, e assim se tratavam, ao metras edições estrangeiras ou faera mais industrializada, posra
amizade. Mar, no caso de
como parte dos festejos de nos no papel. Mas a situação
ziam parte das famílias dos resuía colônias e era considerada
Mítin foi diferente: beijou Romudava
e
eis
que
um
dia,
pauma data soviética. Tinha copresentantes.
um dos Quatro Grandes, a
mânov na bôea, depois abramo companheiro de ensaio, no ra surpresa dcs representantes
Itália, a Tcheco-Eslováquia, a
çou e beijou na boca um por
Como se explica que houveslatino-americanos,
que
ouvíapapel
de
galã,
um
jovem
rus.so,
Bulgária
(por
ser
o
país
de
um
dos representantes <l»s dese tanta gente para fazer uin
mos aquilo pela primeira vez,
.solteiro, tradutor de italiano.
Dmítrov. o herói de Leipzlg,
mocracias populares; em sesemanário de quatro páginas,
Mítin
fêz
essa
distinção,
d«
E começou o namoro entre
antigo secretário da Internaguida, abraçou e beijou nas
quase todas ocupadas por loncional Comunista), a Alemaeles. Soube-se, posteriormente, passagem, como se fosse algo
duas faces os representantes de
gos artigos de dirigentes comunotório:
"Quero
pedir
aos
renha
Oriental,
o
Canadá,
a
In,
que
o
marido,
notando
o
expaíses capitalistas: e por últinistas? Explicar náo posso, mas
donésia, Slria-Líbano. Quf^ndo
mo. apena.5 abraçou e apertou
cesso de realismo com que am- presentantes de todos os parsou capaz de reconstituir, com
chegou o representante JapoRS mãos dos representantes de
bos ensaiavam,
c h a m o u a tidos aqui representados, .sobreestreita margem de erro. onde
nês, abriram-lhe uma vaga enatenção deles para o fato, ale- tudo aos camaradas Fulano, países semicoloniais. Eram bei.se encontravam os cento e tanBeltrano
e
Sicrano
imencionou
tre
o
Canadá
e
a
Indonésia.
jes
políticos e burocráticos, rítos russos. Comecemos pelo Degando ser preciso evitar maleDepois ainda, de ambos os lapartamento de Informação e
dicênclas. Recomendou que al- o tcheco. o polonês, outro.s Bidamente enquadrados na ordcs. seguiam-se ns camarada.'
dem hierárquica.
pela parte
administrativa do
gumas cenas fossem ensaiadas maisi. isto é. aos repre.sentani'Uí>.ns enranegados rla.s pdljornal: na .secàn po.stal. 5: gaNâo exagero, não
invento,
rir modo .simbólico, exemplifi- tpí do.s partido' irmãos.. . "
gões
eftran[|eiras
impressas
em
ragem, 4, posto sanitário, 2;
Os representantes doi P!^'tináo pilherio. Aconteceu assim.
cando; "no
moiTi^nto de ela
^J'-l^.:
Sob o comando da URSS
funcionava o Kominform
•r
5.
SOB O
COMANDO
RUSSO
Para cada edlçfto tirada em
Bucareste, funcionava no Kominform uma redação separada, tendo sempre como chefe
um russo e, como subchefe, um
redator da nacionalidade correspondente. Por exemplo: -o
chefe da redação
espanhola
era um russo, Perfíliev, que conhecia regularmente o espan h o l ; o subchefe era um espanhol, que conhecia muito bem
seu idioma e sabia muito mais
russo do que Perfíliev sabia espanhol. Só havia duas exceções: a redação francesa, que
tinha como chefe e subchefe
dois franceses; e a inglesa,
cujos chefe e subchefe eram
ambos russos, não obstante se
encontrarem naquela redação
quatro camaradas vindos da
Inglaterra. De fato, ninguém
acre(iítava ali no revolucionarismo do PC britânico; freqüentemente
ouviam-se referências irônicas às constantes
vilegiaturas de seu secretáriogeral. Harry Pollitt, á URSS, a
China e a outros países do
mundo comunista. Dai que, na
redação inglesa do Jornal kominformista, não confiassem a
um camarada britânico sequer
a subchefia da redação. (*)
A hierarquização da vida
«oviétlca estendeu-se a todo o
movimento comimiala, liqüidando a igualdade entre os
partidos que o compunham e
subordinando todos eles ao da
C K S S . No Kominíorm esse
tipo de relações interpartidárias era p a t e n t e . Estávamos
todos ali sob comando russo.
A redação central era rusrsa. Isso significa que tòda.s
as outras redações (inclusive
a romena, em territsório ' r o meno) eram consideradas estrangeiras. A russa compunhase de 12 redatores, com as
mais diversas especialidades:
em economia, filosofia, assuntos europeus e de outi-os continentes, e havia até, curiosamente, um especialista em Lên i n . Não se tratava de um
analista do leninismo; era simplesmente um homem que sabia de memória a biografia e
bibliografia
do fundador do
Estado Soviético, que podia localizar imediatamente o , capítulo e até a página em que se
encontravam frases a éle atribuídas; se a citação vinha
em forma vaga, o especialista seria capaz de, em alguns
(•) Os russos tratavam d» disminutos, dar-lhe a forma exasimular ê&se desprezo p«los Int a e enquadrá-la entre aspas.
gleses com gestos diplomáticos. ciência, qualificávamos de "iluO editorial, via de regra, era
Recoido-me de que numa íest» sões pequeno-burguesas do caescrito por um desses redatonossa v&rlos grupos estrangeiros
res, e só depois de sugestão
entoaram cançfies reToluclonárias marada X " , ou "modo nacioíeito pelo camarada Kucky, o
de seus países (cs ItalUnos, a nalista de enfocar o probletcheco, é que se passou a, de
Bandeira Rossa, os franceses La m a " , escrevíamos uma nota ou
vez em quando, conceder a
Carmagnole e Ça ira, ça Ira, os artigo, tomando como base os
espanhóis, El Quinto Regimiento íatos contidos nesses materiais,
Um de nós, representantes, a
e t c ) . Os russos entio bateram mas procurando enquadrá-los
honra de escrevê-lo. A coluna
palmas e exigiram que os Ingle- nos pontos-de-vista em vigor
intitulada Notas Políticas, a
• única que discutia os assuntos sas cantassem a sua. Kntio um no Kominform. A esses escridos Ingleses segredou algo à sua tos, redigidos em nossos gabicom leveza e graça, tornandomulher, pôs a língua de fora e a netes em Bucareste, dávamos
se muito popular no mundo corecolheu como a saborear uma pi- um antetítulo indicando a falmunista, era assinada sempre
lhéria,
e se puseram a cantar alcom o pseudônimo de l a n Maprocedência ("Carta de Bogo em seu Idioma, num tom épi- sa
reie — que muitos leitores penco, que os russos
aplaudiram gotá", " C a r t a de Nova Iorsavam ser o nome genuíno de
multo, supondo tratar-se afinal q u e " , "Carta do Rio de Janeium comentarista. Dai que chede um chamado às massas para ro") e assinando-os com um
gassem, amiúde, dirigida a êle,
que Incendiassem a Câmara dOs pseudônimo apropriado ao idiocartas de comunistas de BomLordes. E era apenas a velha can- ma do pais a que se referisse.
baim, Santiago do Chile, H a çRo folclórica She'U be coming Não raro dirigentes comunistas
vi-e ou Melbourne, e cuja lei'round the moutain, com um es- de tai.s países nos enviavam
tura, no inicio de nossas reutrlbllho onomatopaico ihi hi yip- queixas* amargas contra a deniões, provocava sorrisos e copy yippy hl) « estrofes como
turpação, por nós feita, de almentários jocosos. Essa coluguns fatos, e sobretudo contra
na era escrita, em rodízio, por
a
orientação política que imtrês Jornalistas russos. Mitin
'•He'll be wearlng &l\V: pyjamas primíamos
a tais escritos, em
chamou-me a atenção para um
when she comes (Repeat)
desacordo com os de seu? pardeles, certo dia, indicando o
Heil be wearlng sllk pyjamas
tidos. Mas a opinião deles não
wearlng Rllk pyjamas
camarada alquebrado, amarelissimo, de menos de cingüenWearlng sllk pyjama» when she tinha, para nós, valor algum.
movimento comunista
era
ta anos de idade, que saía de
[comes." O
como um vasto exército, sob o
seu gabinete :
Em relação com as funções vmy\«nàa- dos esiaa.tesíista.s russos, e só a ésles devíamos obe— este é o nosso melhor l a n exigiam, para maior facilidade diência.
Marek — disse. E a juntou, de .seu desempenho, a particiNo dia em que o jornal tinha
mudando de tom: — É u m pação de camaradas do País. os
de rodar, nos ficávamos de
homem sem família: os pais, cargos de chefia sempre cabiam
irmãos, tios, todos os parentes aos ru.ssos; e os de subchefia, plantão — Mítin, um representante de democracia popular
próximos pereceram durante a aos romenos. Assim,
o,chefe
capitalista ou
da garem era um ru.sso: o e um de pais
(Êssê l a n Márek, que vivia subchefe, um romeno. A mé- subdesenvolvido. Depois de todas as correções de última hosempre doente, teve seu esta- dica e a dentista, rusSa.*;: as
do de saúde agravado, embar- enfermeiras, romenas. Oa ar- ra, imprímiam-se três exemplacou para Moscou e, após uma tesãos romenos tinham • como res da edição soviética. Entjão
semana, chegou a notícia de subchefe um conterrâneo seu, nós dávamos uma derradeira
que ttrnia morrido).
olhadela (se o representante
mas o chefe de todos eles era
Nessa redação havia bons um russo. Na seção postal, n ã o conhecia bem o russo,
Jornalistas, m a s todos ou qua- trabalhava uma romena, mas recebia o auxílio de seu tradutor), catando erros eventuse todos muito dogmáticos, seu chefe era russo.
ais, e se encontrávamos algo
sempre agarrados ao texto dos
O avião especial era ru.s.so; de gravidade, o que só rarateóricos marxistas consagraseus
tripulantes,
todos
ru.ssai.
dos, e alguns eram evidentemente acontecia, fazia-se a
mente modestos de inteligên- E o próprio campo de pouso, emenda tipográfica na edição
cia e conhecimentos. Certa vez, que lhe foi de.stinado. aa Ro- soviética e em todas as outras
queixando-me das tolices ou- mênia, era praticamente terri- edições, tirava-se novo flâ da
vidas de um deles, cujo nome tório ru.s.so.
página em que houvera o ê n o ,
Indiquei, em conversa com um
O papel dos representantes fundla-se outra telha daquela
espanhol, este íéz um muxoxo estrangeiros no Kominform era página, e uma vez mais ímorie m e . afirmou, perto do ou- sobretudo formal: em muitos miàm-se três exemplares. Tudo
casos servia apenas para saisso era feito com grande r a — ' Aquilo é um charlatão cramentar, com a chancela da pidez. Dentro de uma hora, esdiplomado...
opinião coletiva, aquilo que os távamos examinando o novo
fisses redaítores não se li- russos decidiam. Competia-nos exemplar. Findo o exame, Mímitavam a escrever os edito- ler as provas tipográfica.s dos tin perguntava:
riais e notas; eram incumbi- principais trabalhos e verificar
— Então, tavárich, posso asdos de dar forma, em russo, a se não havia algo em desacor- sinar?
tudo que se destinasse a publi- do com os documentos políticos
Dizíamos que sim; êle apucação no jornal. Só depois dis- oficiais em visor, isto é, com n h a sua assinatura ao pé de
so é que «lualquer trabalho po- os documentos soviéticos ou cada página, em dois exempladia ser traduzido para as deres, dos quais guardava um.
mais línguas em que se editava aprovados : los soviéticos, Tor- Recebendo
outro exemplar
o Por uma paz duradoura. Se nando-nos autênticos caçadores assinado poro Mítin,
em nome
de
pcrola.s.
E
fosse
de
quem
vinha um artigo em francês,
era vertido para o russo, e essa íós.ss o trabalho, menos dos de nós três, o administrador da
versão, depois de polida, t a - lussoS, c, le eram intocáveis, oficina tlDOgráfica. um camauma rada soviético, para lá corria
lhada e retalhada por um propúnhamos modificar
membro da redação central, frase ou suprimi-la, estabele- em seu Jipe. Uma impressora
passava a ser considerada como cendo-se às vezes uma discus- começava então a rodar a edio texto original. Então é que são que concluía com a decisão ção soviética. Daí a pouco oupodia ser traduzido para as deadotada por Mítin c que éle tras impressoras, no mesmo lomais línguas, mesmo para o dizia .ser a média das opiniões cfsl, começavam a rodar as edições estranseiras. Era de mafrancês. E a esse trabalho de emitidas.
drugada: nesse dia só haveria
polimento, amputação e até enNossa eficiência se reveV.iva meio expediente, a partir das
xerto, chamava-se
tranqlulamnnte redigir, ou seja, em rus- na agudeza com que desco- 14 horas.
so — riedaktirovat. Mas, nes- brisíDmos frases ligeiramente
Os soviéticos centralizavam
sa riedaktirovânie, com fie- em de.sacòrdo com os t3xtos sa- tudo e Mítin semore dava a
Süência alterava-se o sentido grados. Às vezes alguém es- última palavra. Crítica só vie uma frase, supriraía-se um crevia algo assim: "Uma ex- gorava de cima para baixo: de.
trecho que o autor reputava perié::cla notável da çohiítru- baixo para cima, desagradava,
indispensável, aparecia miste- ção do socialismo na URSS es- encontrava réplicas hostis. Toriosamente uma expressão que tá em que... " O i pugnador ardas as tentativas de mudar esn í o constava do texto p n m i - gumentaria que a frase era am- se estado de coisas resultaram
• t'vo Então o representante a bígua, podendo dar a impres- Inúteis. E decerto constituía um
quem estava afeto o artigo ia são de que o sociali.smo soviéti- luxo, verdadeiro esbanjamento
discutir com o redator russo, co estava ainda sendo construí- de quadros o fato de que o PC
reclamar, protestar,
obtendo do, e isso seria capaz de con- tcheco, por exemolo. retirasse
êxito em alguns casos e fra- fundir
centenas de milhares de Vladimir Kúcky da direção do
casso em outros.
leitores nossos no mundo in- Rude Pravo, Jornal diário ediem P r a i a , para deixá-lo
Os redatores russos descon- teiro. Mítin então apartearia tado
aprovativamente
("kharachó, como representante do Kominfiavam
de todo
pensamento
k h a r a c h ó " — "bem, muito form. com a fiuioão de aprovar
que não fosse lugar-comum,
PS resoluções soviéticas, catar
bem", dizia), porque segundo o
que não correspondesse a uma
ponto-de-vista oficial, a URSS frases dubitntivas nos artip^os
fórmula usual. A possibilidade
a
serem publicados e responder
de desvios da linha oficial apa- já terminou a construção do
a Mítin. de madrugada, que
vorava-os, e um dos recursos socialismo e se acha cm mar- podia assinar o exemplar-mopor eles utilizados era arrancar cha batida para o comunismo.
dêlo da edição daquela .semana.
As vezes alguém escrevia isto:
pela raiz a coisa duvidosa. Por
Por isso, os diversos partidos
isso Togliatti deixou em defini- " O s povos querem ardentemenforam chamando seus repretivo de escrever para aquele te, a paz, sobretudo porque sa- sentantes e substituindo-os por
periódico: apenas permitia que bem que uma guerra nuclear
outros
menos categorizados, cose transcrevessem informes ou seria uma catástrofe sem premo aconteceu com o búliaro. o
cedentes,
a
destruição
e
a
morartigos seus Já publicados na
polonês, o tcheco e o francês.
te de milhões e m i l h õ e s . . . "
imprensa comunista italiana.
Podia-se raciocinar que a
Mesmo assim, como Stálin lhe Aparecia então um impugnador, pre.çenoa dos representantes espara
protestar:
"
O
espírito
houvesse pespegado a etiqueta
traneeíros se fazia necessária
de oportunista, os redatores de.ssa frase está mUito derro- poroue cnda um deles era nati.sta
e
faz,
portanto,
o
jogo
turalmente
um especialista e-n
russos
viam
fantasmas
de
guerra, onestões de seu próorio pils.
oportunismo até nas pntreli- dos provocadores de
nhas dos escritos do chefe do que querem Intlmidar-nos e for- Mas a pi'etensa onlsciència dos
concessões.
soviéticos levava-os a fazerem
P C J . E talhavam, então lá Ia car-nos a fazer
alterações em trabalhos de
Moranino. desesperado, arran- Em verdade, uma guerra nuclear
não
.seria
o
fim
da
cividirigentes de díver.sos partidos,
cando da cabeça os escassos fios
de cabelo, seguido de .seu tra- lização, como eles dizem, mas sem prévia consulta a o ' reso fim apenas da civilização ca- pectivo.^ representantes. E essa
dutor, interpelar os russos:
pitalista, como acentuou o ca- pretensão era de tal modD nve
— Ma, perchè?
até alguns tradutores se atreO Jornal Por uma paz dura- marada Molotov".
E suprimia-se a malsinada viam a alterar os textos em
doura, por uma democracia poque trabalhavam, áfsde oi'e
pular se editava em 21 idio- frase.
qunlquêr desacordo
E.screviamos cartas e artigos notassem
mas, sem excetuar o português,
com
as sagradas escrituras fopubllcando-se aqui no Brasil com pseudônimos (só os rus- viétícas.
sob o título Democracia Popu- sos e os das democracias popuSucedeu-me, por exemplo, eslar. Mas em Buca reste só se lares usavam .seus próprios no- crever
nota sobre det9l'pro- mlnada uma
Imprimiam seis edições: ru.^sa, mes), procurando expor
campanha nolítica que
romena,
francesa, alemã. In- blemas dos países que a nós se desenrolava no Brasil, e esglesa e espanhola. As demais, estavam afetos, mas dentro da pecifiquei que ela se fazia atracomo a italiana, tcheca, polo- orientação geral do Komin- vés da imorensa, da rádio e da
nesa, húngara, chinesa e t a n - form, vale dizer, soviética. Re- televi.são. Pedinii-a em espanhol
tas outras, eram
publicadas cebíamos do Haiti, Venezuela e dei-a a Pavllcnko para que a
•hos respectivos
países, com ou Uruguai diversos materiais vertesse ao soviético e a encamanifesto.s, minhasse. Quando me veio a
atraso que variava de aleuns • folhetos, cartas,
dias a duas semanas, em rala- informes, jornaisJ C depois de
nota da tipocrafia, compo.sta
ção às edições feitas na Ko- r;iaminá-Io.s e nnntar o que. de
em liriQiia soviética, observei
longe
e
do
alto^de
nossa
sufimênt^.
V
que faltava a palavra telCT^pio,
mm
i
ê
-1
->%.
^^mt^ma^m^rmm
Bf^ 4//. p,j>)
x^'0.e^
4/8. ».f
1 2 — 2.» cad.. Joniil á» Britil,
Dissolução do Kominform foi
uma exigência do Mar. Tito
O JORNAL DO BRASIL prossegue hoje na
publicação do livro O Retrato, do jornalista Osvaldo
Peralva. Esta parte refere-se ao relatório secreto de
Kruschev, denunciando os crimes de Stalin e as
manobras desenvolvidas pela União Soviética para
afastar a Iugoslávia da influência ocidental e levar
Tito de volta ao "campo socialista".
Explica o autor as razões da dissolução do.
Kominform e sua ressurreição, tudo dentro dos processos soviéticos de conduzir sua política internacional. Também o ridículo a que foi levado o velho
dirigente Harry Pollitt, do Partido Comunista da
Inglaterra, de volta do XX Congresso e, sem nada
saber por inteiro do relatório de Kruschev e sua
posterior substituição, estão igualmente relatados
nos capítulos que se seguem.
vezes, parava, Indagava dele
de um ou outro que entendia
o francês ou o inglês, se tinha
escutado, a propósito de um
relatório secreto, a Rádio de
A bomba do relatório secreta Paris ou a BBC. A resposta
de Kruschev, sobre os mons- vinha sempre acompanhada de
truosos crimes praticados por um sorriso infantil, que preStálin, não explodiu de vez tendia ser superior:
— Já estamos acostumados
sobre o Kominform; chegou
através de estilhaços, que com as calúnias das rádios
burguesas,
tavárich. V i v e m
(;aiam a Intervalos, em forma
de noticias transmitidas àbôca- para isso. Não perco meu tempequena ou de trechos repro- po em escutá-las.
Pelo que pude apurar, a pririu7ádos em diversos jornais eu- meira
leitura do intoirae seiopeus.
creto foi feita perante os memPessoalmente eu tinha acesso bros
do
Central do
normal não só a jornais e re- PCUS (ou Comitê
perante todos
vistas brasileiros, como aos de os delegadostalvez
ao Condiversos países da Kuropa, re- sre&so), maissoviéticos
os representancebidos por outros representan- tes
dos partidos comunistas da
tes de partidos. *- não só jor- China, Pi-ança, Itália e das renais comunistas, como até an- públicas populares européias.
ticomunistas. Era um privilégio Aos demais dirigentes não foi
que se nos facultava, porque dada a confiança ao menos
deviam considerar-nos vacina- de advertir que havia um redos contra a propaganda bur- latório falando sobre crimes
guesa. Os franceses, íacilita- de Stalin. O resultado é que
vam-me a leitura de Le Monde Harry Pollitt, por exemplo, o
c rHumanlté; os Italianos, a velho dirigente do Partido Coleitura de Paese Será, Rinasci- munista da Inglaterra, BÓ sata, II Contemporâneo, L'Unità bia do assunto aquilo que os
e até de Jornais de Trieste, que informes oficiais revelaram:
seguim a linha titoista. Com criticas veladas a Stalin. Mas
os ingleses eu obtinha não só enquanto êle se demorava em
o Daily Worker, como a edição Moscou, ainda duas semanas
após o Congresso, na mais saneuropéia do New Yorli Times.
Pol lendo alguns dc-:2s Jor- ta ignorância, a imprensa inJá havia divulgado os
nais e tam-ím escutando es- glesa
trechos principais do relatório
tações de rádio estrangeiras. secreto.
no
t|ue os representantes italiano, aeroporto Aoemdesembarcar
Londres, uma
argentino e eu, por exemplo, legião de repórteres
e fotógratomamos conhecimento — pri- fos o assediou. Nunca
em seu
meiro, de que existia imi rela- país êle havia despertado
tatório secreto, e, depois, de tre- manho interesse. Crivaramchos me:mos desse relatório. no de perguntas sobre Stalin,
Não quisemos desde logo acre- os crimes de Stalin, o relatóditar nessas notícias. O próprio rio secreto contra Stalin, e a
Le Monde publicou com reser- tudo o bom homem respondia
vas o primeiro trc "••o, obser- com'os chavões habituais: cavando que a veracidade daquela lúnias, invenções, Stalin concorrespondência era de respon- tinuava amado pelos comunissabilidade exclu: . de seu en- tas do mundo inteiro. Os jorviado a Moscou. Por sua vez, nalistas notaram que êle de
os correspondentes
f a z i a m nada sabia, e o puseram em
questão de advertir que não ridículo, apresentando-o como
lhes cabia o mérito por tão consumado Idiota.
sensacionais fure • eram jos diAbriu-se então nas páginas
rigentes soviéticos mesmos que do Daily VVorker londrino um
estavam dando fugas (fuites, debate em torno do Congres-"
dizia o enviado francês) a tre- so do PCUS. Pollit escreveu
chos do relatório. Parece que, um artigo sob o titulo O Papel
a princípio, tanto os jornais de Stalin (The Role ot Stacomo seus correspondentes te- lin), na edição de 24 de março
miam estar sendo vítimas de de 1956, repetindo os mesmos
espetacular barriga, como se chavões e as mesmas acuisadiz na gíria de imprensa, vi- ções formais contidos nos dosando a desmoralizá-los.
cumentos públicos do conclaE quanto a nós, supúnhamos ve antistalinista. Nada que revelasse o mais leve espirito
que se tratasse de mais uma critico
em relação aos fatos
invencionice desses jornais... novoe. Mas,
membros de
Mas a insistência na divulgação base, através dos
de cartas e artice outros trechos, desvendando gos, começaram
a
mulaspectos desconhecidos de acon- tas críticas. No diasurglt
estamtecimentos públicos e notórios, pou-se uma carta do 26leitor
W.
acabou rasgando etn nossa
que assim principiava:
consciência a admissão da pos- S.,"Por
que
o
partido
até
o
mosibilidade — não ainda de que mento não conseguiu atrair
as acvsações fossem verdadeiem seu apoio, neste
ms, mas de que Kruschev as massas
Jamais fomos capazes
houvesse feito. Era a primeira, pais?
de
admitir
isto que se ocultahrecha, que os fatos iriam alar- va em nossas
mentes — que
gar com ímpeto cada vez maior. tem
havido bastante verdade
Senti que entrara em estado na crítica
de nossos inimigos
de crise: obsecado, passei a fa- de que nós éramos instrumenzer-me mil e uma perguntas tos de Moscou, e é precisaque não encontravam resposta. mente iiõso que tem afastado
a buscar mil e uma explicações muitas pessoas que provavelque simplesmente não existiam. mente nos apoiariam".
Parece que todas as luzes se
Dia 27, em carta que recebeu
haviam apagado . eu me mo- o titulo de Covardia Moral, o
via como um fantasma em leitor J. St. John escrevia:
plena e:;uridão.
"E:speramos que os atuais liSerria possível agora, de re- deres soviéticos estejam repapente, a quem tanto admirarando os erros que, como coda e amava antes? E as cenas
laboradores de Stalin, presudo relatório voltavam a em- mivelmente ajudaram a comepolgar-me. e a Esfinge — o ter, mais a gente percebe no
próprio Stalin, com seu ca- artigo de Pollitt uma contichimbo, seus bigodes, sua blu- nuação do mesmo velho e absa — voltava a me propor seu Jecto entusiasmo por tudo que
eles dizem ou fazem. — Por
enigma, ameaçando:
que, por exemplo, êle não os
— Ou me decifras ou te decritica por não publicarem um
voro.
E de suas mãos crispadas relatório completo do discurso
de Krustchev na sessão privagotejava o sangue. Eu abria
ca olhos • desistia da tentati- da do 20." Congresso, agora
va de dormir. Refletia, lem- que muitas partes dele escapabrava coisas abandonadas nos ram? — Êle podia também
confins da memória, mudava censurá-los porque o convidade posição na cama. Levanta- ram a ir a Moscou e depois o
va-me de manhã cedinho, os mandaram de volta a seu pais
depois de lhe haverem dito
olhos empapuçados. saía para
meu gabinete. Antes de lá apenas uma parte da verdade".
chegar, encontrava a l g u m
membro da redação soviética,
Na mesma edição publicavacumprimentava -o:
se outra carta, firmada com
— ZdrávsToiUe. Nu, kak, ta- as iniciais S. C , comentando:
E êle, com a maior tranqüi"Harry Pollitt escreveu sálidade do mundo, o rosto re- bado que "se os erros passado»
pousado, um sorriso de crian- têm de ser corrigidos . . . a verça grande:
dade sobre o passado deve
— Zdrávstvuitle. No, kak, ta- ser dita publicamente" (grifo
Tárich: vció Kliarachó? (Sal- meu). — Isto é precisamente o
ve. E que tal, camarada, tudo que não tem sido feito. DÍSMbem?).
ram-nos na edição do Daily
Às vêze» eu respondia for- Worker da última segundamalmente que "tudo bem'. As feira (19 de marco) que ;m
o RELATÓRIO
SECRETO
reuniões assistidas por mais de
30 milhões de pessoas está sendo discutido o informe apresentado por Kruschev numa
sessão privada do Congresso.
— Apenas fragmentos desse informe chegaram até nós — ao
que parece, deliberadamente —
e é na base desses fragmentos
que Pollitt escreve um artigo
sobre o papel de Stalin".
Pouco depois reuniu-se o
Comitê Central do Partido Comunista Britânico. Pollitt, jã
desmoralizado era público, foi
declnitido doente, e a direção
do Partido passou ás mãos de
John GoUan.
Acompanhei esses fatos ainda em Bucareste, lendo e dactilografando cartas e artigo.s
inteiros aparecidos nos jornai.s
Ingleses, que me emprestavam
com a recomendação de devolver em seguida. Estive com vários dirigentes que transitavam
pela Romênia, de regresso de
Moscou, revelando a mesma
ignorância de Pollitt sobre o
relatório secreto. Passaram-se
semanas, dissolveu-se o Kominform, fui à Hungria, depol*
rumei para a Tcheco-Eslováuia, e ainda ali vi chegarem
irigentes comunistas estrangeiros que nada, sabiam do assunto, be Cuba vinha a notícia de que um dirigente comunista, entrevistado pela Rádio, declarara que o "relatório secreto" não passava de
mais uma "infa.me invencione do FBI e do Departamento
de Estado norte-americano".
Camaradas chegados da França e da Itália falavam da confusão reinante em seus partidos. Um deputado comunista
italiano, cheio de cólera, interpelara Togllatti:
"E tu, que eras Secretário do Komintern, qual é
tua responsabilidade em todos
esses crimes?!" Togliatti respondera que, na prática, êle
lôra apenas um modesto funcionário daguela organização.
Numa reuniao do Comitê Central do PCP, gritaram a Thorez: "Tu também tens as mãos
tintas de sangue! Eras um dos
dirigentes do Komintern..."
Então o Bureau Político do
PCF deu uma nota estranhando que o relatório secreto, agora aivulgado na União Soviética e transcrito na imprensa
burguesa, ainda não pudesse
ser comunicado oficialmente
aos camaradas franceses... E
sugeria sua publicação na França. Mas a direção do Partido
soviético convidou o PCP a
enviar uma delegação a Moscou para discutirem o assunto
pessoalmente. Daí resultou apenas um longo artigo editorial no
Pravda, em que se dizia uma
pequena parte da verdade sobre Stajin, mas a publicação
oficial do sensacional documento foi proibida.
Em julho de 1956, indo a
Moscou para me encontrar com
Arruda, que chefiara a delegação brasileira ao XX Congresso do P(TUS, dele ouvi a
confissão de que, após o conclave, seguira para a China
sem sequer suspeitar da existência desse informe especial.
Em Pequim é que lhe foi dito
algo a respeito, mas só agora.
de volta à Capital soviética e
a instâncias suas, é que Koriônov autorizara a um tradutor
de espanhol que o lesse para
éle. proibindo-o entretanto de
tomar anotações do mesmo.
Por aqueles dias a disciplina
se havia relaxado, e Arruda
pôde copiar longos trechos, escritos a mão, num ca,derno
pautado, que depois me mostrou. Mesmo assim, desconfiado que houvessem suprimido,
na leitura, partes do relatório,
fêz-me várias perguntas sobre
seu conteúdo, e eu Ia dizendo
de memória tudo quanto lembrava. Por esse cotejo, verifiquei que lhe foi feita a leitura
completa.
a
« * *
Porque o grupo de Kruschev, então composto de Bulgânin, Mikoyan, Chepilov e
poucos mais, resolveu denunciar
Stálin ante o XX Congresso,
da maneira violenta por que o
fêz? fisse mesmo grupo, vários
meses antes, precisamente a 26
de maio de 1955, desembarcou
no aeroporto de Belgrado, e o
chefe da delegação, N i k 11 a
Kruschev, surpreendeu o mundo e aos próprios iugoslavos
com um discurso em que pretendia liquidar as graves divergências cavadas entre os dois
países, apenas passando uma
esponja sobre elas, de maneira
simplória, para não dizer cínica.
Em vez de se dirigir cerimoniosamente ao chefe do Governo
Iugoslavo, conforme as regras
mais comesinhas da diplomacia,
visto que se tratava de uma delegação governamental, Nikita
agarrou o microfone e assim
começou: "Querido camarada
Tito!" Adiante, declarou lamentar o que acontecera e o atribuiu ao "papel provocador desempenhado nas relações entre
a Iugoslávia e a URSS pelos
inimigos do povo atualm^^nte
desmascarados B é r i a , Abakúmov e outros". Prosseguiu:
"Estudamos a fundo os materiais sobre os quais se baseavam as pesadas acusações e os
ultrajes lançados então contia
os dirigentes da Iugo,slávla. Os
fatos mostram que esses materiais foram fabricados pelos
inimigos do povo, pelos desprezíveis agentes do imperialismo
que se haviam infiltrado, por
melo da duplicidade, nas fileiras de no-sso partido".
Por essas tiradas não esperava o líder iugoslavo, que as recebeu com indignação, como se
estivesse sendo empurrado para uma armadilha. Tanto que,
terminado o discurso de Nikita,
quando o repórter radiofônico
aproximou de Tito o microfone,
este o afastou bruscamente com
a mão e não leu a saudação
protocolar que tinha levado para dar as boas-vindas aos delegados soviéticos. Era evidente
e enorme o interesse manifestado pelos soviéticos em acabar,
à sua maneira, com aqueles desentendimentos. Em fins de
1954, assisti em Moscou ao Ifuçamento de uma obra, intitulada Materialismo Histórico, cujo
principal autor era um membro-correspondente da Academia de Ciências e memblo-suplente do CC do PCUS, F. V.
fconstantínov. Embora se tratasse de obra filosófica, não faltaram ai os xingamentos mais
duros contra Tito e outros dirigentes iugoslavos. O Embaixador da Iugoslávia leu e protestou; então os soviéticos recolheram aquela edição, lançaram
outra, expurgada das diatribes contra Tito, e f i z e r a m
severa critica a Konstantlnov,
q u a 11 ficando-o de "poUticamertte míope", pois não via que
logo após a morte de Stálin a
Pravda e o órgão do Kominform cessaram seus ataques á
Iugoslávia, se bem tampouco a
elogias.sem. Ademais, p o u c o
antes desse incidente, Molotov
conversou com o Embaixador
iugoslavo e propôs:
— Vamos resolver amigavelmente nossas divergências. O
que passou, passou, Façamos
de conta que foi tudo um malentendido. Vocês atribuem a
culpa a DJilas, de seu lado, e
nós atribuímos aqui a culpa a
Béria.
A proposta foi repelida, e
agora, no discurso do aeroporto, Kruschev repetiu-a, com
uma variante, como se dl.ssesse:
"Bem, então admitamos <^ue a
culpa foi Ró nossa, isto e, de
Béria, e façamos as pazes".
Mas os iugoslavos queriam ir
ao fundo da questão, e tampouco aceitaram a nova proposta. Sei disso porque, em reunião secreta no Kominform,
Mitin nos transmitiu o relato
feito por Kruschev das conversações em Belgrado.
Primeiramente, houve um
convite a Tito para ir a Moscou. Mas o Marechal iugoslavo não se sentia em segurança para ir à URSS, pois
bem conhecia os métodos stalinistas, e contrapropôs que st
encontrassem à m a r g e m do
Danúbio, num ponto qualquer
da fronteira com a Hungria ou
a Romênia. A isso contestara
Kruschev:
— A União Soviética é uma
nação demasiado grande para
caber debaixo de uma árvore
na fronteira; nesse caso, preferimos ir ao vosso encontro
em Belgrado.
Foram. No curso das negociações, que se desenrolavam
no plano intergovernamental,
houve, entretanto, longa e áspera discussão em torno de
questões partidárias, porque os
soviéticos queriam atribuir todas as perseguições, calúnias,
boicotes, conspirações contra a
Iugoslávia a esses dois camaradas, que êles Já tinham passado pelas armas: Béria e
Abakúmov. Mas Tito obstinava-se em declarar que Béria e
Abakúmov eram simples lacaio»
de StiUn. E concluía:
— O responsável por tudo
foi o próprio Stalin.
Aí o temperamental Nikita
ameaçou teatralmente romper
as conversações, declarando:
— Você, camarada Tito, ô
incoerente, porque se diz Leninista e, ao mesmo tempo,
agride Stalin, o melhor discípulo de Lênine. Se os camaradas insistirem nessa atitude,
arrumaremos as malas e partiremos de volta O . Stállna
niè dadine !
E ao representar esse ponto
dos debates, Mítin, colocandose na pele do protagonista, vibrou um murro na mesa e repetiu com ênfase:
— iittàlina niê dadime! — gritou-lhe o camarada Kruschev.
A expressão russa quer dizer,
ao pé da letra: "Não daremos
Stafin", e tem o sentido de
"Não sacrificaremos Stalin",
"Não entregaremos Stalin às
feras".
MORTE E
RESSURREIÇÃO
DO KOMINFORM
Dois ônibus estavam postados
no recinto do Kominform e
m u i t a s pessoas giravam em
torno deles, aguardando o momento da partida para a excursão. Era num domingo pela
manhã, dia 15 de abril de 1956.
Nisso chegou Bazânov e, cumprindo ordens do Mitin, interditou a saída de quem quer
que fosse. Declaravam-se sem
efeito o domingo e a excursão.
O dia de descanso foi transformado em dia de trabalho.
Todos a postos!
Convocou-se u m a reunião
secreta dos representantes, sob
a presidência de Mitin. Não
durou muito. Fomos informados de que os dirigentes máximos dos partidos que oficialmente compunham o Bureau de
Informação d e c i d i r a m , em
Moscou, logo após o XX Congresso do PCUS, dissolver aquele organismo. Incumbiram ao
PC soviético de escolher a data
mais propicia a essa medida e
combinaram reunir-se no futuro para encontrar novas e
mais adequadas formas de vinculação entre os partidos comunistas e operários.
Mitin leu a nota assinada
pelos comitês centrais dos partidos comunistas e operários da
Bulgária, Hungria, Itália, Polônia, Romênia, União Soviética, Tcheco-Eslováquia e França. As assinaturas vinham na
ordem acima estabelecida de
acordo com o alfabeto russo.
E trazia literalmente este título: "Comunicado Informativo sobre a Cessação da Atividade do Bureau de Informação
dos P a r t i d o s Comunistas e
Operários". A primeira parte
do último parágrafo da nota
dizia :
• Os Comitês Centrais dos
Partidos Comunistas e Operários, que participavam do Bureau de üjformação, consideram que cada partido ou grupo de paj'tidos, na luta pelas
interesses da classe operária,
pela causa da paz, da democra^^ia e do socialismo, desenvolvendo sua atividade de acordo
com os objetivos e tarefas gerais dos partidos marxistasleninistas e com as particularidades e condições nacionais de
seus países, encontrarão novas
e proveitosas formas para o estabelecimento de laços e contatos entre si".
A reunião decorreu e se encerrou sem comentários. Tratava-se de trabalhar naquele
(•) Trata-se de simples imitação da chantagem feita pelo
Ministro russo Witte. Quando, em 1905, negociava com os
Japoneses o tratado de paz,
após a fragorosa derrota sofrida pela marinha tsarista, tratou de arrancar-lhes melhores
condições, ameaçando an°umar
as malas e partir, rompendo as
negociações. Os Japoneses cederam. Mas Nikita esquecia-se
de que, segundo Mark, todos o.t
fatos e personagens de grande
importância na História mundial acontecem, por assim dizer, duas vezes: a primeira vez
como tragédia; a s e g u n d a ,
remo farsa. E &ua farsa não
produziu efeito.
mesmo dia, apressando o ser- Iugoslávia conservara sua in- tão diabólica, de um bistru»
viço para a salda do último dependência nacional e podia mento de ação tão efetivo e de
número do Jornal, que rodou ser considerada um país so- tamanha amplitude como esse.
numa quarta-feira. 18 de abril, cialista, mas não mantinha la- Nem os maiores impérios, nem
rom data de 17, talvez em ho- ços partidários com os cama- os mais poderosos trustes inniensagem a Kruschev, que radas soviéticos e das demo- ternacionais conseguirara esse
precisamente nesse dia aomple- cracias p o p u l a r e s (Komin- grau de eficiência e essa capatavft sessenta e dois anos de form), não participava dos cidade de confundir os espíriIdade. Esse número era o 16." planos econômicos comuns e, tos, de formar a opinião publidaquele ano, o 389." de toda a portanto, não estava integrada ca, apagar a lucidez de raciosua existência. Da América no "campo socialista".
cínio em milhões de pessoas,
Latina pLiblicaram-se, nessa
na base da falsiNão descobri outra causa real desencadear,
edição, uma nota sobre Õuba,
dade e da mentira, tempestaoutia sobre o Brasil e uma para a dissolução do Komin- des
de
paixão
coletiva, caluruCarta de Caracas. E ao alto form, além da exigência de
denegrindo, infamando. '
da primeira página, em gordos Tito. Mas nem o relatório se- ando,
Essa máquina estava cons-,
caracteres, em coluna dupla, creto, que abalou os fundamen- trulda
para atacar os Inlml- ,
vinha estampado o comunicado tas morais do comunismo, nem gos, mas
também para sujeitar,„
«obre á dissolução do Komin- a liquidação do Kominform
os
amigos
controle soviétiform.
con.':3guiram aquilo que os so- co. De queao ninguém
poderia'^**
Esse comunicado devia apa- viéticos mais desejavam: trazer escapar Impunemente a êssem.
rezLT, dia 18, em Por uma paz de volta a seu r íl a tresma- controle, tivemos um exempk.iírt
duradoura, por uma democra- lhada ovelha iugosla
bem írisante no caso da lugos*.;,.
* « •
cia popular e em todos os órPoi este o único dos pai-.
Desde o momento mesmo da lávia.
gãos centrais dos partidos coses de democracia popular na í
munistas oficialmente repre- dissolução do Kominform, uma Europa
em que os comunistas \
sentadas no Kominfüi-m. As- coisa ficou clara: êle Ia desao jjoder independensim, a notlcia-bomba explodi- parecer apenas o tempo sufi- tomaram
temente
da ajuda militar so- \
ria simultaneamente em oito ciente para mudar de cenário jáética. Com
efeito, antes do
capitais européias: Moscou, e de fanta.stfc.
fim rfa guerra. Já os comandos
Sofia, Varsóvia, Bucareste, BuUm ano após. numa rcutilSo , âr Tito dominavam o Paií^
dapeste. Praga, Roma e Paris. do Comitê Central do Partido^eimassem em %& opiForam tomadas, para Isso, as Comunista do Brasil, alguém nião .propfIa~-aas_^^aí.:
proivldênclas necessárias. E transmitiu uma proposta-convi- dirigidas pelos sB i rffWélsi
cuidou-se. naturalmente, de te dos soviéticos para que a diDaí também .
que a noticia não transpirasse, reção do PCB envias.se um re- Kominform.
a mais moastruosa
de que aos ouvidos dos iorna- presentante a Praga a fim de sofressem
de todas as campanhas Jamais
listas burgueses não chegasse tomar parte na criação e fun- desencadeada
de modo sistedualquer rumor sobre o fecha- cionamento da nova organiza- mático
por um grupo de namento do Kominform. Foram ção do movimento comunista ções contra
outra
nação.
tomadas, também para isso. as
-1, que, â semelhanEssa campanha difamatória,
devidas precauções. Aos repre- Intemacir.
do Kominform, iria publi- executada através do Jornal
sentantes pediu-se que, daque- ça
também um periódico: Por uma paz duradoura, por
le dia em diante, até à saída car
Problemas
4a Faz t do Socia- uma democracia popular, condo jornal, não fossem à cida- lismo. A ocasião
não era pro- venceu não só aos comunistas,
de. E aos demais funcionários pícia, pois além da
cLsão en- como & maioria dos homens de
foi dada a mesma ordem, só
que de forma mais categórica, cabeçada por Agildo Barata e esquerda, em todos os países,
significativas, de que Tito e seus auxiliares
proibindo terminantemente que outras menos
cruzassem o portão. Só saíam travava-se então no Comitê imediatos eram espiões da
Central
do
PCB
acirrada
pugna Gestapo, que passaram a traalgumas pessoas, com permissão especial e a sei-vico do entre os velhos dirigentes — balhar para a polícia nortejornal, tal como uma viagem Arruda, Amazoni:s, Grabois e americana, depois que esta
de jipe à tipografia, ostensiva- outros ~ que estavam sendo lhes mostrou as fichas deles,
mente acompanhadas de um alijados e os nu os dirigentes apreendidas nos arquivos alepolicial. Mas, apesar de tudo. que emeifriam, agrupados em mães. Centenas de notas e arRS estações de rádio ocidentais torno de Prestes. Dai que este tigos foram escritos nesse penão .'o noticiaram, na véspera. último, evitando aumentar a riódico, assinados petos nomes
o fechamento daquele organis- pauta bem sortida dos proble- mais famosos do movimento
mo, como reproduziram tre- mas internos do Partido, tenha comunista, contendo f.cusações
chos da nota que só no dia se- proposto e obtido a transferên- desse teor. Um homem cora a
guinte foi publicada em nosso cia da discus.são desse assun- responsabilidade de chefe do
Jornal — fato que a alguns to para outra ocasião. Nesse governo romeno, como Gheorcausou estupefação, enquanto tempo ea já havia rompido ghe Gheorghlu-DeJ. proferiu
que a outros simplesmente di- com o PCB. mas um dos par- um informe em que qualificavertiu, provocando exclamaçõe.<; ticipantes da reunião velo con- va aos governantes iugoslavos
"espiões e assassinos no poassim:
lar-me o episódio, dando a en- de
der". A dirigente espanhola
tender
que
essa
atitude
de
— Que coisa extraordinária. Prestes significava o propósito Dolores Ibárruri, num desses
artigos, chegou a revelar de
e.ssa de levarmos um furo so- de
cortar os laços de subordi- como Tito. enviado pela Gesbre o fechamento de nosso nação
ao
PCUS.
tapo, esteve na Espanha, a .serpróprio jornal! Estamos para
«empi-e d e s c i a .ssificados em
Posteriormente, aparecia em viço de Franco! E todos esses
quaisquer páreos Jornalísti- mãos de alguns comunistas no artigos eram reproduzidos em
cos...
Rio o nrimeiro número uec^a centenas de outras publicações.
Agora era arnimar as ma- publicação do novo Kominform. Assim, por toda parte, de Gilas e cada qual regressar a seu Não procurava esse órgão dis- braltar aos Urais, de Mlami a
pais. Nomeou-se uma comis- farçar-se muito. Trazia, debai- Calcutá, de Santiago do Chile
são constituída pelos represen- xo do titulo, na página inter- a Tóquio, onde quer que existantes italiano, romeno, polo- na, c:ta indicação: Revista tisse um comunista, estaria
nês, francês, além do redator- Teórica de Informação Inter- ?ironto êle a vilipendiar, insular, cobrir de ódio e desprezo a
chefe, Biessudnov, a fim de nacional. A palavra Informainventariar os bens materiais ção não surgia ai por acaso, seus camaradas iugoslavos! E
do Kominform e dar-lhes des- mas como um ponto indicativo da pequenina Albânia & potino. Ao fim de dois meses, a aos comunistas do mundo In- tente União Soviética, estenComissão encerrou suas ativi- teiro de que se tratava de deu-se a rede da conspirata,
dades, sem nunca ter-se reu- porta-voz da nova central co- da sabotagem e do boicote econido nem atuado. Os funcio- munista. A revista trazia ainda nômico contra a Iugoslávia!
nários soviéticos fizeram todo o algumas seções que eram iguais
trabalho e no final chamaram ou semelhantes às do antigo
De repente, o órgão do KoOK membros da Comissão para órgão kominformista, tais coassinarem o Inventário. Arqui- mo Nos ''artidos Comunistas e minform — que cliefiava a orquestra
das difamações — susvos, móveis, livros, coleções de Operários (igual) e Livros e
jornais, tudo foi encaixotado e Revistas (imitação da seção de pendeu, .sem qualquer aviso ou
colocado sob a guarda do Par- Crítica e Bibliografia, do Por explicação, os ataques aos
iugoslavos. Conseqüentemente,
tido Operário Romeno. Então
já estava decidido que os par- uma paz duradoura). No anti- toda a imprensa mundial do
tidos comunistas iriam ter go órgão, tínhamos as cartas comunismo cessou também seus
"novas e proveitosas formas redigidas na redação e data- ataques nessa direção. Até que
nara o estabelecimento de la- , das como sendo de um país es- a Belgrado checou o novo dono
ços e contatos entre si", fala- trangeiro, indlcando-se como da máquina de infâmi.is e
va-se mesmo que o centro pa- procedência a capital ou prin- berrou, extrovertido: "Querido
ra o estabelecimento desses cipal cidade do pais em ques- camarada Tito. Nós estávamos
"laços e contatos" ficaria em tão (Carta do Rio, Carta equivocados. Aliás, fomos enPraga. Assim, esses materiais. de Nova Iorque): agora, no ganados por Béria e AbaconseiTados em Bucareste, se- novo órgão, continuava-se a kúmov, estes. sim. que eram
riam removidcs
futuramente publicar cartas dés.se tipo. ape- agentes do imperialismo e popara a Capitai tcheco-eslo- nas Indicando como procedên- liciais. Vocês nãn são nsda disvaca.
cia o nor e do pais (Carta da so que dissemos. Mas esqueçaInglaterra, Carta dos Esta- mos o passado e venha de lá
dos Unidos). E o próprio ti- um apertado abraço.
Por que foi fechado o Ko- tulo da revista '- idêntico ao
Um dia, em Estocolmo, o
minform? Qual o motivo real do jornal kominformista, ligei- Conselho Mundial ^da Paz,
dessa decisão? Pelo que sei, a ramente encurtado. No jor- órgão criado e dirigido pelos
única voz que se ergueu, no nal, compunham o titulo as ex- soviéticos, decidiu lançar uma
mundo comunista, para recla- pres.sões paz durrí^ura e de- campanha de a.ssinaturas em
mar sua dissolução, foi a de mocracia popular; na revista, favor da paz — não da paz em
Joslp Broz-Tlto, por ocasião da suprimiu-se o adjetivo dura- geral, mas da "paz soviética".
ida de Mikoyan ã Iugoslávia, doura, deixando somente Paz, Então, semanalmente, o Jornal
em fins de 1955, a pretexto de e substituiu-se a expressão do Kominform dava noticias e
aU passar suas férias. Pouco democracia popular, por um instruções a respeito. Tratavase de apresentar a URSS como
antes estiveram naquele país sinônimo Socialismo.
"campeã da paz", e os Estao u t r o s dirigentes soviéticos,
Desfazendo as ilusões daquele dos Unidos, como "provocadomas os líderes iugoslavos fu- meu informante, que partici- res de guerra". Essa, luna das
g i r a m sistematicamente ás para da reunião do CC do finalidades essenciais. E tais
discussões sobre assuntos par- PCB, o pedido de Prestes, para palavras, através dos partidos
tidários. Basta lembrar que transferir o debate do assunto, comunistas, se transformavam
Edvard KardelJ, reconhecida- era simples manobra tática. em ação: estudantes organizamente um dos teóricos de Não tardou multo tempo e viu- vam passeatas, mullieres famaior projeção no seu partido, se que a publicação do novo ziam comícios-relâmpago, piao ser provocado por Chepilov Kominform começava a ser chadores escreviam nos muros
sobre alguns problemas con- reeditada também no Brasil, os slogans recém-chegados de
troversos, esquivava-se, dizen- em língua portuguesa. A tem- Bucareste, por todos os meios
do: "Isso é uma questão teó- pestade das oposições no PCB concitava-se aos soldados nos
rica, e eu sou apenas um tra- causara muitos estragos, mas quartéis, a que não servissem
"carne para canhão", enbalhador prático". Mas na vi- passara: P r e s t e s já podia de
quanto os soldados soviéticos
sita de Mikoyan, foram abor- tranqüila e oficialmente reco- se
adestravam
cada vez mais.
locar
o
pescoço
na
canga
sodados informalmente alguns
„ ..
Numa reunião da direção da
assuntos partidários, entre os viética.
Era verdade, a União Sovié- Federal Mundial da Juventude
quais as relações da Iugoslá- tica,
ao menos desde que Stá- Democrática, dirigida pelos sovia com o Kominform. Re- lin passou
a reinar ali de mo- viéticos, o representante da
gressando á URSS, Mikoyan do soberano,
o "inter- URSS insistia cm que era preapresentou, numa reunião se- nacionalismo reduziu
proletário", de ciso adotar uma resolução lancreta do Comitê Central, um que falavam Marx
e Engels, a çando no mundo inteiro a camInforme sobre suas "férias". este ponto: a subordinação
de panha contra o serviço militar
Mitin, que participou da reu- todos os partidos comunistas
obrigatório. O representante
nião, nos transmitiu depois a do mundo à vontade e aos in- brasileiro, Demóstenes Lobo,
informação de que ocorrera teresses da política exterior so- ponderou que essa era palalongo debate entre Tito e Mi- viética. Stálin chegou mesrao vra de ordem excessivamente
koyan, sendo opinião do pri- a cunhar uma frase que teve a radical, bastando lembrar que
meiro que o Kominform de- mais vasta clículaçãq; "a pe- na URSS e nas democracias
via ser dissolvido. Alegara que dra de itoeiue do internaclona- populares isso iria prejudicar
esse organismo, servindo de lismo proletário é a atitude o esforço de defesa do campo
Instrumento a Stahn, fora o ante a URSS". Para que essa socialista. Mas o Jovem represoviético arrasou esse
principal meio de envenamen- frase produzisse os almejados sentante
retrucando de moto das relações entre os co- efeitos era preciso organizar argumento,
do
Inapelável:
URSS e
munistas da URSS e os dos um aparelho que controlasse nas democracias"Na
esdemais países; que sua exis- todos esses partidos, dispondo sa resolução não populares,
será publicatência não contribuía para eli- de um órgão capaz de trans- da. É só para os paises capiminar os desentendimentos e mitir-lhes, periodicamente, as talistas" (•).
sim para conservá-los, além de Instruções necessárias;
E no BrasU, numn sala em
semr como pretexto para proO órgão do Kominform era,
reunido conosco
vocações e intrigas por parte Jornallsticamente. mal feito, a Copacabana,
num domingo, o homem do
dos inimigos da paz.
começar pelo título, mas não Partido
esclarecia:
reivinse poderia negar-lhe eficácia, dicação de paz é a "A
mais sim— E que se deveria criar — levando em conta seus reais ples,
que pode mobilizar o
perguntou Mikoyan — para objetivos. E era diferente de maior a número
de pessoas.
substituir o Kominform como qualquer outro Jornal existente Quando todas essas pessoas esinstrumento de vinculação dos em nosso planeta. Estranho tiverem em movimento, podepartidos comunistas entre si e Jornal, em verdade, esse cujos remos experimentar c e r t a s
de intercâmbio de experiên- dirigentes e articulistas eram, ações armadas e. conforme o
quase todos, homens que pas- resultado, recuar ou avançar
cias?
— Por enquanto não se de- saram pelas escolas soviéticas para a insurreição".
E assim foi durante a guervia criar nenhum órgão seme- de revolucionários: que conheciam, quase todos, o idioma ra da Coréia e durante muitos
lhante — respondeu Tito.
russo;
que
possuíam,
quase
tooutros
acontecimentos InterAparentemente a reação dos dos, largo tirocinio político; e
nacionais.
dirigentes soviéticos a essa quase
todos temperados, como
Entre as solenldades com disexigência de Tito, foi negativa
nas viclssitudes da cursos recheados de chavões,
c mesmo irônica. Porque era lutadores,
clandestinidade,
tendo
cursado
os
de semana em Snágov.
sorrindo. Ironicamente, que Mi- a escola prática das prisões os fins
artigos eivados de teses
tin repetia as palavras de Tito. políticas, dos campos de con- dogmáticas,
em meio a tudo
sobretudo a frase em que êle centração e das guerrilhas, du- que era secundário ou até
dissera ser necessário fechar o rante a segunda conflagração mesmo Idiota, o jornal do KoKominform. Ademais, chegou- mundial.
minform fazia algo de terrise mesmo, após esses fatos, a
A eficácia desse jornal con- velmente eficaz: sobre qualdirigir convites a outros par- sistia
em que tinha uma rêda quer problema, dava a versão
tidos comunistas a fim de que mundial de reedições e redls- soviética e distribuía semanalenviassem representantes ao tribuição, transmitindo a mi- mente Instruções a respeito,
em todos os quadrantes
Kominform.
lhares de dirigentes comunis- queglobo
se transformavam loMas, em melo a tudo Isso. tas em todos os países, no do
go
em
ação.
sussurrava-se em tomo da im- prazo de alguns dias, as palaÊ fácil compreender, pois,
portância de afastar a Iugos- vras-de-ordem dos soviéticos, que
dissolução do Kominform
lávia da influência ocidental e sua orientação e seus argu- foi auma
medida tática com
trazê-la de volta ao "campo mentos a respeito dos proble- objetivos Imediatistas. Tanto
socialista". Os argrumentos le- mas políticos, econômicos e so- assim que os meios materiais
vantados não se referiam à ciais de maior atualidade. Não de seu re-ssuraimento foram
sorte do socialismo ou do co- se tratava de um jornal essen- guardados em Bucareste e, no
munismo, mas fc correlação de cialmente de propaganda, em- instante preci.so, transferidos
forças militares na Europa. bora publicasse, as vezes, arti- para a nova sede. em Praga.
Argumentava-se com o fato de gos típicos de propaganda.
Moscou não poderia passar
que a Iugoslávia era vizinha Sua finalidade principal era a sem um Instrumento assim.
agitação,
e
se
destinava
aos
da URSS, de que possuía grandirigentes superiores e médios
(•) Não se Interprete daí que
de número de divisões milita- de
os partidos comunis- o Governo soviético, sobretudo
res bem treinadas, de que par- tas.todos
Por
isso,
cada
semana
êle
seu Chefe Kruschev. seja a faticipava do Pacto Balcânico
diretivas — sacra- vor da guerra. Este fato s» pocom a Turquia. Mesmo depois difundia
mentadas
com
a
chancela
da
servir como argumento de
das conversações de Belgrado, "direção coletiva", do colégio de
que todos os atos e campanhas
entre Kruschev e Tito, ficou de
representantes — que logo
soviéticos são enquadrados em
estabelecido que « Iugoslávia SC tr»nsfonnarIam
em aç&o.
sua estratégia totalitária de
não pertencia ao "campo soque falo em outra parte déstt
Jamais potência alguma no
cialista". Segundo Kruschev, a mundo dispôs de uma u m a
Uvi-o.
\ .
^^•^^^
BPi-Ah-l.S^::
r 1 2 — 5 * MÍ-» Jofn»! J» í r « U , D«inÍB|ii,
'•^i^i
Gst^/ict.^
\t-94t
Líder sem modéstia é dono do comunismo
rias, embora seu partido continue ilegal e éle mesmo sofra
algumas restrições em seus direitos civis, não podendo, por
exemplo, candidatar-se a cargos eletivos oficiais.
O período de clande.stinidade, diiicuUandu uma aferição
real dos méritos do chefe comunista, favoreceu um maior
endeu.samento dele, e eu fui
um dos mais ativos de seus
endeusadores. Sobre éle e.screvi numerosos artigos na imprensa, e até o verbete que
hoje con.sta da Grande Encirlop;Uia Soviética, apre.sentando-lhe os dados biográficos, foi
e.sorito por mim em Moscou.
Cantei-lhe as façanhas
de
grande militar, grande político
e grande pensador, com um
exagero que não era fruto de
insinceridade, mas de um misticismo que velava e retocava
a realidade; de uma servidão
mental que me anestesiava por
completo a sensibilidade crítica. Se alguns de seus atos
chegaram a me decepcionar,
a d e c e p ç ã o terá sido passageira, pois eu estava sempre disposto a revelar o que
fraqueEsse estado de insatisfação ' considerava pequenas
política, essa quase rebelião dos zas de um grande homem. Só
intelectuais comunistas serviu depois de agosto de 1956. quannão só para dar cobertura ao do empi-eendi a revisão de
redator
indisciplinado,
João concepções que antes eram
Batista de Lima e Silva, como ponto pacifico para mim, pude
ao não menos
indisciplinado reavaliar também a figura' de
diretor da Voz Operária, Ay- Prestes e perceber a enormidadano do Couto Ferraz. Mais do de das deformações causadas
que isso, tornou i m p o s s í v e l em sua personalidade pela m á qualquer manobra no Comitê quina infernal do bolchevi.smo.
Central no sentido de adiar,
J á em 1930, sem pertencer
uma vez mais, em torno aos
às fileiras do
problemas do XX
Congresso, formalmente
uma discussão que já se ini- PCB, por êle se orientava e
adotou pessoalmente a mesma
ciara em todas as c a b e ç a s . . .
O Projeto de Resolução, a p r o - posição absurda daquele partivado pelo Comitê Central em do, qual fosse a não participaafetou
sua reunião de outubro de 1956, ção num embate quê
num clima realmente democrá- toda a Nação, a pretex'o ce
tico, continha algumas criticas que a revolução de 1930 era de
Ainda
ao PCUS, fazia uma severa au- origem Imperialista.
tocrítica e declarava aberta a oito anos depois, em carta ao
discussão... Em verdade, a dis- Ten. Severo Fournier, dizia
cussão j á tenha sido aberta; o este disparate: "No entanto,
documento do CC veio apenas que conseguiram eles com o
oficializá-la, reconhecendo as- movimento de 1930?! Substituir
sim uma situação de fato cria- Bernardes ou Washington Luís
da pelo Sinédrio.
por G e t ú l i o ! . . . " Assim, um
acontecimento que
a.s.sinalou
nova etapa na história de
nosso País, para êle não passou de uma substituição de h o mens no poder.
discu.ssão que Já se iniciou em
todas as cabeças") e apressome em trazer-te meu abraço e
minhas
felicitações.
Artigo
pioneiro, a r t i g o nece.ssário,
abrindo um debate que e.stá
"em todas as cabeça.s" e que,
como ainda não saiu das cabeças, sufoca todos os peito.s, impede toda a ação, todo o trabalho, pois ninguém pode ler
entusiasmo
4 falo, é claru, de
gente honesta e sã e não de
oportunistas
e
carreiristas)
quando se sente cercado de
sangue e lama e quando as
consciências exigem que uma
profunda,
clara, completa e
absolutamente livre análise dos
erros seja feita, e de público
da qual todos
participemos,
desde o mais alto dirigente até
a grande massa, que é a no.ssa
própria razão de existir. Aproximamo-nos, meu caro, dos
nove me.ses de distância do X X
Congresso do PCUS, o tempo
de uma gestação. Demasiado
larga essa gravidez de silêncio
e todos perguntam o que ela
pode encobrir, se por acaso a
m o n t a n h a não vai parir um
rato."
^
Continuando a transcrição de alguns
capítulos do livro O Retrato^ o JORNAL
DO BRASIL mostra hoje como o jornalista
Osvaldo Peralva, depois de suas experiências no mundo comunista, encontrou o
PCB e seu principal líder.
Por essa época, os comunistas brasilei*
ros discutiam as teses do XX Congresso em
que a verdade do jugo estalinista foi dissecada e a URSS, com base no relatório de
Kruschev, preparava-se para reconstruir
uma outra verdade.
2 . LUÍS CARLOS
PRESTES
o Partido Comunista do Bra*Ü, feito â imagem e semelhança do PCUS, é uma orgamzição complexa, contraditól'ia, absorvente e, até certo
ponto, incognoscivel. Em situação normal, os que estão
fora não tém m e i o s t)ara
rxamiiiar-lhe as entranhas;
os que estão dentro jã não
tém isenção para fazê-lo. £ m
íete meses de luta interna,
trocando informações e anali*ando-as, aprendemos m u i t o
mais «obre a essência
desse
partido do que em v ã r 1 o s
Justros de mihtança ativa.
A parte mais cpmpacta e
ntuante do PCB é formada pe]o Aparelho; essa máquma
'unciona num ambiente de
«ombras e entretons, de segredos e de sortilégiois e mistificações. Aquele que infrinja seu
ritual, é esconjurado, excomungado e condenado i s penas do inferno. Como todas
as sociedades secretas, só tem
porta de entrada. Para sair,
tem-se de escapar pela Janela
da execração, sob o apupo ululante dos que ficam.
Oriundo, embora, do humanismo mais puro, pretensamente a serviço dos ideais
mais nobres, o Partido Comunista converteu-se no contrário de si mesmo, revelando-se
um instrimiento de degradação, um melo de envilecimento do homem pelo homem,
uma escola de terror e opressão.
1. O SINÉDRIO
Em fins de agâsto de 1956,
após três anos de ausência do
Bra.sil, desembarquei no Rio
de Jantiro com o coração dolorido, mas com os meus ideais
r-enovados pelas melhores esperanças. Aqueles foram três
anos de lutas, decepções, surpresas, amarguras e também
de experiências. Eu ainda não
tinha localizado a causa prorunaa de tantos erros, agora
reconhecidos, de tanto crime e
sordidez, agora
proclamados.
3entia-me cúmplice e vitima
de tudo isso, e meu consolo e
minha alegria estavam em
pensar e decidir que de então
cm diante não compactuaria
maiis, sequer pelo silêncio, com
qualquer atent.ido aos direitos e à liberdade do homem.
A agitação oriunda do X X
Congresso produzia, por toda
parte, uma renovação da atmosfera
comunista, durante
muitos anos viciada por todas
as impurezas do stalinismo.
Essa renovação seria uma marcha triunf ante das n o v a s
IdéJae, dos novos métodos,
através de uma autocrítica ger a l . Só uma insignificante minoria, supunha eu, haveria de
mostrar-se reacionária e Impenitente. Mas não aconteceu
assim, e depois de tudo tive
que tomar das armas, ao lado
de alguns companheiros, e me
lançar ao combate. Meu papel,
nesse conflito, não teve destaque especial. Se aqui refiro
sobretudo aqueles fatos em
que me envolvi, não o faço
cora a pretensão de me achar
no centro dos acontecimentos,
mas porque decidi manufaturar este trabalho apenas com
a matéria-prima de minha experiência e de meu testemunho pessoal.
Por coincidência, um mês
após minha chegada ao Rio,
abriu-se na imprensa do PCB,
à revelia da Direção, um debate em tomo às questões suscitadas pelo XX CongresiO do
PCUS. No curso desse debate,
• exemplo de outros companheiros, escrevi diversos artifos no semanário Voz Operária CV.O.) e no diário Imprensa Popular (LP.), órgãos
Comunistas que então ee editavam no Rio. A um desses
artigos, a revista Kommunisl,
llC Moscou, concedeu excessiva
Importância, ocupando-se em
rebater uma tese minha. Posteriormente, essa mesma revista, falando sobre a onda
revisionista que se erguia no
movimento comunista internacional, citou os representantes
dessa corrente nos diversos
partidos comunistas, apontando-me. Juntamente com o Jornalista João Batista de Lima
e Silva e o antigo tesoureiro
do C. C , Aglldo Barata, como seu representante no Brasil. Tudo i£so, com suas repercussões na imprensa brasileira,
terá levado o Jornalista Antônio Porto Sobrinho, repórter
político de O Jornal, do Rio.
a asseverar que a batalha no
seio do PCB começara com
meu regresso de Moiscou. A
verdade, entretanto, é que os
protagonistas desse movimento que conduziu à desagregação do PCB foram o Sinédrio.
de que eu era simples membro, e Agildo Barata. Do outro lado da barricada, tínhamos como protagonistas Luís
Carlos Prestes, Diógenes Arruda, João Amazonas, Maurício
Grabols. Pedro Pomar e Carlos Marighella, todos eles membros do Presídium, com exceção de Pomar, que Já não o
era.
Os artigos que mais repercussão alcançaram, no debate
— alguns d("3s verdadeiras
bombas lançadas nos arraiais
do situcionismo comunista —
foram quase todos de autoria
de membros do Sinédrio. O
próprio debate foi aberto pelo
Sinédrio. O X X Congresso
terminara seus trabalhos em
fevereiro de 1956 e até setembro daquele ano a direção do
PCB se inanteve muda e queda, com a cabeça enfiada na
areia, esperando que a tempestade passasse. Houve apenas uma" exceção: em fins de
março de 1955 apareceu na
Voi Operária um artigo sôbr alguns aspectos do conclave soviético, assinado por
Luís Carlos Prestes. Esse trabalho, vago, hesitante, indefinido, foi escrito por exigência de fiivolóbov, conforme Já
menclpnei, é bem mostrava
que o dirigente máximo do
PCB estava a jrt^oado e não
sabia -ou- riâo podia discutir
um tema, para o qual não
existiam r.inda as muletas da
frase feita e ,ias fórmulas consagradas. Porque era a isso,
a um repetidor <'e frases feitas, que se havia recluzido o
a n t i g o Cavaleiio da Esperança.
Em um folheto lançado em
1957, a redação da Voz Operária esboçou um quav<ro da
vida no PCL, naqueles meses
q u e precederam a abertura
dos debates, bem digno de
transcrição:
"Durante me.. •; a redação
do órgão central ficou sem
contato com o Presidium e o
Secretariado do CC. As coisas chegaram a tal ponto que,
em um period de três m: :3,
todo o contato entre a direção e o Jornal limitou-se a um
rápido encontro de rua entre
o camarada-diretor e o camarada P r a r a.
Houvéssemos
acompanhada a omissão que
caracterizou, nesse período, o
Presidium e o próprio CC, e
o nos.so semanário teria deixado de circular ou ter-s;-ia
transformado em um boletim
incolor, imprestável ás suai
finalidades.
Buscamos cumprir nosso dever: de um ;ado. orientamos
as matérias políticas p e l o s
principais documentos do P a r tido e, por outro lado, demos
abrigo, em nossa.s colunas, ás
principais manifestações
do
movimento com .nista mundial, pois era imprescindível
pôr ao alcance do Partido o«
docuthentoa QU« faclllttiMm
aos militantes o estudo e a
discussão dos problemas decorrentes do XX Congresso do
PCUS, a começar pelos próprios informes, discursos e resoluções d e s t e . Assinalamos
— sem qualquer intuito de
vangloria, mas para caracterizar a omissão dos órgãos
dirigentes também a esse respeito — que não o fizemos
sem esforço. A publicação do
informe do camarada Kruschev (•), que propusemos ao
Secretariado fazer mediante
ajuda financeira extra, pois
que não dispúniiamos dos recursos necessários, foi, afinal,
— porque não recebemos a totalidade da prometic'a ajuda
— feita á custa dos recursos
ordinários do Jornal, resultando em um déficit <'e
Cr$ 20 000,00 (vinte mil cruzeiros), que velo a recair sobre os salários dos seus redatores e funcionários. Mesmo
assim continuamos a publicar
os materiais do XX Congresso (discLursos dos membros do
Presidium do PCUS), até que
o camarada Prag i ordenasse
a suspensão dos mesmos, sob
a alegação de que seriam publicados na revista mensal de
cultura política. Continuamos,
porém i tornar públicos os
mais importantes pronunciamentos de partidos ou dirigentes comunistas, que contribuíam para melhor esclarecer
nossos militantes quanto aos
problemas surgidos n o Congresso do PCUS, ou por éle
encaminhados.
Confiávamos
em que,
a qualquer
instante, os organismos responsáveis
assumissem os deveres a que
vinham fugindo.
Evitávamos
por isso, abrir um debate
interno, fora de nossa alçada.
Mas a desarticulação, o desconforto nas fileiras partidárias, os sinais de desânimo,
desconfiança
desagregação, o
perigo manifesto de crise ainda
maior em nossas fileiras, impunham-nos, como nos impuseram, assumir nova quota de
responsabilidade, em beneficio
da unidade parildària. Encontramo-nos ante uma situação
que exigia atitude firme. A
nossa redação chegavam informações — responsáveis — dando conta do quanto era realmente grave essa situação. O
Partido se achava praticamente parado. Militante.s e organismos declaravam-se dispostos a nada fazer enquanto não
se abrisse a discussão sobre os
temas do XX Congresso, disposição que se refletia Inclusive na queda da difusão do órgão central." (•)
Es.se estado de coisas provocou a formação do Sinédrio. O
núcleo inicial se formou na redação da Voz Operária, na troca de idéias que se ia desenvolvendo. Depois, para que essas
idéias pudessem ser mais franca e amplamente
debatidas,
convocou-se uma reunião para
a casa de Ernesto Luís Maia,
surplndo assim o embrião do
Sinédrio. Para reuniões posteriores, foram sendo convidados
outros camaradas que vinham
freqüentando a redação da Voz
Operária e ali participando de
uma ou outra discussão sobre
assuntos ventilados no XX
Congresso do PCUS. tais como
Armando Lopes da Cunha, Zacarias Carvalho, outros mais.
Contaram-me que Zacarias,
na primeira reunião do Sinédrio em que compareceu, mostrou-se de início extremamente
(•) Refere-se i.o informe
oficial, pronunciado publicamente, e não ao "relatório secreto".
(") o órfto Central ». a Dcmnrntizaçio to Partido (folheto rrllgldr « edUtdn pel» rKUcâc <<•
Voa OpwiiUi), pii*. • t T. Bis.
cuidadoso. Quando falaram na
estagnação em que se encontrava o Partido e n a necessidade de faíer «Igo para corrigir
essa situação anômala, éle
concordou em que se devia
achar um meio de combater
isso, ressalvando, porém, que
era preciso agir "em pleno
acordo com o sábio Comitê
C e n t r a l . . . " Ernesto Luís Maia,
muito radical, aparteou-o, frisando que era preciso agir de
qualquer modo, com ou sem o
"sábio Comitê C e n t r a l " . . . E
deu á palavra "sábio" um tom
de evidente ironia. Zacarias
olhou em t o m o e verificou que
ninguém ficara de cabelos eriçados ante tamanha heresia, e
compreendeu que a Jogada era
para valer. Esfregou u'a mão
na outra, como se se preparasse para o embate, e prosseguiu:
— Bem, vejo que a coisa
aqui está a v a n ç a d a . . .
Sorriu, Integrando-se no clima, propôs:
— Se esses sacrlpantas da
Direção não tomam medida
nenhuma, tomemps nós, por
nossa conta:
C o m b i n o u-s e então que
Maurício Pinto Ferreira, de
Emancipação, escrevesse à Voz
Operária, estranhando
essa
calmaria, e que João Batista
de Lima e Silva, redator deste
último, respondesse. Assim foi
íelto, assim se abriu o debate.
Quando saiu o artigo de Batista, simultaneamente na Voz
Operária e na Imprensa Popular, dia 6 de outubro de 1956,
sob o título "Não se pode adiar
uma discussão que j á se iniciou em todas as cabeças", o
Comitê Central estava reunido.
e alguns de seus membros receberam com ira o fato consum a d o, chegando a rosnar
ameaças.
— isso ê uma indisciplina:
— exclamou, da tribuna, Marighella.
— Lav^^o o meu
protesto
contra essa indisciplina! — féz
Arruda, do meio do plenário.
— Pois eu, camaradas, saúdo
os que tiveram a coragem de
abrir os debates — contraaparteou Chiquinho.
As opiniões se dividiram em
torno da Justeza ou não da
abertura da discussão. Os preconizadores de sanções disciplinares eram poucos, invocavam artigos estatutários, repetiam os chavões
habituais.
Outros limití}vam-.se a comentar, em tom de quelxume, que
aquilo ficava feio para um
partido di.sclplinado como o
nosso. E afirmavam, compungidos:
— Logo agora... Eles deviam
Imaginar que nós estivés.semos
reunidos e que
naturalmente
Iríamos abrir a discussão. £
sempre -o diabo da pressa pequeno-burguesa!
Outros ainda concordavam
em que tinha sido um ato grave de indi.sciplina, mas se autocrítica vam:
— Também tivemos culpa
nisso. Não demos a devida assistência aos rapazes.
A.sslm se desenrolavam os
comentários. Os bonzos mais
iracundos queriam, mas ao
mesmo tempo temiam propor
medidas concretas de punição.
E não tardaram a ser totalmente
desencorajados
nesse
de.sejo pela chegada de alKun.<i
números da I . P . , contendo
cartas de solidariedade a JoSo
Batista de Lima e Silva, as.sinadas, pelos principais redatorores do Jornal literário Para
Todos. No mesmo dia 6, o romancista Jorge Amado, diretor
dessa publicação, enviou a Batista uma carta, estampada na
T. P . do dia 11, que assim
principiava:
"Meu querido Batista:
Venho de ler teu artigo n«
T N ( " N I O M peds táiu
unu
^ 1
Regressando de Moscou em
Essa hora dramática, a principal figura do movimento co- 1935 e encontrando um a m munista no Brasil primava pela biente propicio ao desenvolviausência. Ausência
física na mento da Aliança Nacional Liveuni^Q do Comitê CentraJL-au- bertadora, Prestes apelou para
sência nas decisões tomadas pe- a
quartelada, provocando a
los demais dirigentes, ausência derrota das forças esquerdistas
nos debates travados na im- e oferecendo ã reação o preprensa do PCB.
texto de que necessitava e se
Enquanto isso, milhares de serviu para instaurar no País
i
militantes, desarvorados, per- uma ditadura policial que se
guntavam por éle. Porque Luis prolongou por pouco menos de
Carlos Prestes não era um diri- um decênio.
Em 1945, em
conseqüência
gente qualquer, eventualmente
exercendo a Secretarla-Geral do direta do prestigio militar da
União
Soviética
no
mundo e
P C B . Êle representava para a
quase totalidade dos comunis- da auréola de heroísmo e m a r tas e mesmo para ponderáveis tírio de que vinha cingido, após
setores de nossa população o nove anos de prisão. Prestes
espelho e a encarnação das me- colocou-se à frente do PCB •
lhores qualidades que se a t r i - obteve grandes vitórias partibuíam ao Partido: combatlvida- dárias. Elegeram uma bancada
de, honra, inteligência e espí- de dezena e meia de parlarito de sacrifício.
mentares federais, fizeram surBaixo, âe compleição atléti- gir centenas de comitês popuca, beui apessüadu. Prestes n a s - lares no .'ais, tiveram notáceu em 1898 no Rio Grande do veis conquistas de posição nos
Sul e féz o curso de oficiai do meios sindicais, organizaram
Exército,, na arma àe Enge- uma vasta réd* de jornais no
de
n h a r i a . Em 1924 participou de País inteiro, participaram
um movimento
insurrecional, numerosas câmaras parlamenpercorrendo todo o Brasil, des- tares de âmbito estadual e mude entãü, à frente de uma tro- nicipal, sendo majoritários nas
pa do Exército, que tomou a eleições em várias grandes cidesignação de Coluna Prestei, dades. Além disso, foram presaté 1927, quando a dissoveu, in- tigiados pela adesão de alguns
ternando-se na Bolívia. Pelos dos nomes mais consagrados
brilhantes feitos militares des- nos círculos intelectuais, e as
sa Coluna e por sua mensa- suas hostes atraíram considegem de liberdade, sagrou-se ráveis parcelas da classe opePrestes herói popular, ficando í rária e da pequena burguesia.
conhecido no Brasil e até no . Mas todos esses êxitos, proexterior como o Cavaleiro da porcionados por uma situação
Esperança.
objetiva toda especial, foram
Atraído pelas idéias marxis- sendo malbaratados pela inatas, mas não tendo sido acei- bilidade política de Prestes e
to nas fileiras do PCB, sob a de .seus auxiliares mais graacusação de ser um revolucioduackos.
Começaram proclanário não proletário e sim p e - mando seu próprio monopólio
queno-burgués, viajou éle em das idéias progressistas, e sô
1831 para a URSS, onde t r a que se conb a l h o u como engenheiro, a aceitavam aliados
de antemão, em
princípio, sendo depois recruta- formassem,
do, a 1.° (te agosto de 1934, pa- ficar sob a hegemonia comura o Partido Comunista, á re- nista. O resultado é que se
velia dos dirigentes comunis- isolaram, e já em abril de
tas brasileiros. Assim, Ingres- 1948, o próprio Prestes pergunsou êle no movimento comunis- tava, desarvorado: "Por que
ta, não como os demais mem- diminuiu, a partir do pleito de
bros, através das respectivas se- 2 de dezembro, de eleição em
ções nacionais, e sim por cima, eleição, com raras exceções,
levado pela mão de seu desco- num ou noutro lugar, a votabridor, Manuilsky O . Em 1935, ção obtida pela legenda de
no VII Congresso da I n t e r n a - nosso P a r t i d o ? " Um ano decional Comunista (Komintern), pois, voltava a lamentar-se:
foi eleito membro de sua Co- •'Orgulha vamo-nos de nossos
missão Executiva. No mesmo duzentos m i 1 m e m b r o s . . . "
ano, recebeu a tarefa de vir ao " . . . í a m o s ficando em geral a
Brasil comandar a revolução reboque dos
acontecimentos,
nacional-oibertadora que ex- que repetidamente nos surplodiu em novembro.
prendiam. Assim aconteceu a
Nos primeiros dias de m a r - 7 de janeiro de 1948, quando
ço de 1936, Prestes e sua espo- da cassação dos m a n d a t o s . . . "
sa Olga Benário, de nacionaliSim, éramds todos testemudade alemã, foram presos. Mais
nlias de que o ambiente inditarde, Olga Benário, apesar de
cava que o registro do PCB ia
se achar právida, foi deportaser cassado, mas Prestes até
da para a Alemanha nazista,
sendo lançada dali num cárceo último minuto afirmava que
re e depois iiaiii campo de connão, e com tal convicção, com
centração «!(1e ;< «."isassinaram,
tal cegueira, que não provipouco a m e s do término
da
denciou sequer a retirada da
guerra, num& câmara de gás.
sede central do Partido dos doEm 1945, com centenas de oucumentos mais
importantes.
tros CQinunistas, Prestes foi
Tais imprevidências
fizeram
anistiado e pa.ssou a reorganicom que a Policia se apoderaszar o PÇB, sendo eleito nase do fichário de membros do
quele m^^i2) ano Senador pelo
PCB e pudesse prejudicar e
Distrito r e d e r a l . Logo no iniperseguir atrozmente milhares
cio de suas atividades parlade pes-soas simples que tinham
mentares, em 1946, teve a inépido bii5.car nas filtiras do PCB
cia de deílarar que. se o Braa esperança de melhores consil entras.se numa guerra tmdições de vida.
perialistS contra a URSS. os
A propósito da cas.sação do
comunisl,as pegariam em armas
registre do PCB, Diógenes Arcontra o Governo brasileiro —
ruda
relatou-nos, a mim e a
declaração e.ssa que provocou
um jornalista brasileiro que se
uma vaga de protestos IndiRachava em Moscou, em 1956, o
nados no Parlamento e na imseguinte: às vésperas do Juliçaprensa, pm fins de 1947, antes
mento. o Juiz Rocha
Lagoa,
mesmo de ter seu mandatp casque relatou o proceá.so e votou
sado, niji-gulhou na mais rigopela cassação, pedira duzentos
ro.sa clandestinidade. Em 1950
mil cruzeiros para votar a í a foi expedido por um Juiz fedevOr do PCB, mas Prestes não
ral mandado de prisão prevenaceitou a barganha porque não
tiva, cífiitra êle. coonestando
aciedltava na üegalização do
assim a perseguição que Já lhe
Partido. E quando o Tribunal,
vinha sendo movida pela Policia. Aniilada
essa ordem de
por 3 a 2. pronunciou seu veprisão, «pi 1958, voltou a cirredicto. Prestes teve uma sm-cular legalmente no País e a prêsa e um desgosto tamanhos
desenvolver atividades partidáque. segundo ainda
afirmou
Arruda, falou em .suicidar-se.
(•) DJBtry Zakharovltch MaTais são alguns exemplos da
nullsky flBB então secretário do Inabilidade e imprevldência poComitê jExeciilivo do Kominlítica de Prestes, que levaram
tern e ripiwnsávcl direto p>elos seu Partido a definhar, de derp a r t i (|f> • comunistas lalinorota em derrota, ate ílcar reamerlcaao,''. Foi um dos produzido a IF.S0 que at está.
motoresftüa sangrenta depuraPoder-.ie-ia pensar que, emção de '^838. na URSS. Pouco
bora mau político, talvez fôsdepois dd segunda guerra m u n - .se j m teórico da questão ecodial, foi' Mini.stro do Exterior
nômico-soclal. Entretanto, veda Ucrânia e, como tal, seu rerificou-se que suas teses prinpresentajíte nas conferências,
cipais, neste comício, sendo
da ONU-v Em .seguida, foi- daapenas o transplante mecânico
do como gravemente enfermo,
de
te.-es gerais levantadas nos
mas tinha de fato caldo no osorganismos
Internacionais do
traciscn e foi mantido na pricomunismo. Fofreram o mais
são até 1954, quando seu nome
rotundj desmentido.
apareceu.numa extensa li.sta de
Por exemplo,: em 1946 estecondenados reabilitados. Nesse
ve
no Brasil o Sr. Nelson R o mesmo (no surgiu nova edição
ckefeller, foi ao Senado e ali
do Dicionário Enciclopédico Soconversou com vários senadoviético, de Vvedensky, no qual
res, inclusive com Prestes, ante
já constrfva dr novo .sua fntn
n qua'. defendeu o ponto-deacompanliadfi de dado."; bíoirrávista de que rra necessário nipticos, indicando isso total reai-anizni a aRncultura brasileibiUt«cie.
r a . Pratte* rai>Ucou «u« l u o
era impos.sível,
porquanto os
proprietários de teiTa
não
iriam empatar capital em maqulna.^, que lhes sairiam mais
caro que a mão-de-obra existente em abundância no campo. Ora, nessa
ocasião existiam no Brasil nienos de 5 mil
tratores: atualmente, 14 anos
apôs e.ssa categórica afirmativa, Já sobe a mais de 60 mil o
numero d» tratores em nossa
agricultura.
Outra afirmação repetidls.*!ma de Prestes era que o capitalismo não poderia de.senvolverse. de modo algum, no Brasil,
enquanto não fizesse a reforma agrária, único meio que êle
via de ampliar o mercado interno. Ora, ninguém
poderá
negar a Importância da reforma agrária para o desenvolvimento da economia capitalista: mas transformar i.sso num
dogma é de uma ignorância
infinita. J á seu mestre Lênin
encarava o problema de modo
diferente, ao afirmar: "Com a
economia
mercantil,
constituem-se unidades econômicas
heterogêneas,
aumenta o
número de ramos da economia
e diminui a quantidade de fazendas que cumprem idêntica
função econômica. Esse desenvolvimento progressivo da
divisão social do trabalho ê o
elemento fundamental no processo de criação do mercado
interno para o capitalismo".
E adiante concluiu: "A divisão
social do trabalho é. pois, a
base de todo o processo de desenvolvimento da
economia
mercantil e do capitalismo".
(•> Foi assim que a realidade
brasileira pregou uma boa peça
no chefe comunista, pois enquanto êle vivia a
falar no
" a t r a s o progressivo" do Brasil, os fatos e as cifras indicavam o oposto. Segundo uma
publicação da ONU, na década que se seguiu à terminação
da última guerra mundial, a
taxa média anual de expansão
de no.ssa economia foi de aproximadamente srr. ou seja,
"mais que o dobro da taxa histórica do desenvolvimento nos
países Industrializados." (**)
Em suma. o que se supunha
ser um pensador brilhante, um
teórico dos problemas econômicos nacionais, era apenas um
vulgarizador de teses
gerais,
que êle aplicava de modo u n i lateral, superficial e esquematico ( • • • ) .
Al porém, de quem ousâssí
discordar dele. Tendo construído uma poderosa máquina
de difamação, e seguindo fielmente a linha tática stalinista.
Prestes agredia
furiosamente
a todos OR homens progressistas que não se submetessem
aos inieré.s.ses pecebistas ou
que lhe fizessem restrições. A
difamação m a i s corriqueira
era a de "agente do imperiaiLSmjo ameiicano".
Vítimas
de.s.sa infâmia
foram, entre
outros, o Sr. Juraci Magalhães
e os diriafentes do Partido Sociali-sta »rasileiro, Joáo Mangabeira e Domingos Velasco.
Somente porque declarou: "Não
acredito na melhoria de nossas condições econômicas sem
uma ampla Injeção de capital
estrangeiro", o atual Governador da Bahia foi qualificado
de "conhecido agente do Imperialismo ianque". ( • ) .
,Aos ouUos dons, Prestes assim tratava:
"Na arena política, acaba de
aparecer no campo do imperialismo, aqui em nossa terra,
mais um lidador voluntário e
decidido para o combate do
anticomunismo s i s t e mãtico.
Trata-se agora do Sr. Domingos Veiasco..." (*•)
E de outra feita, escreveu:
" . . . 0 imperialismo sabe tão
bem avaliar a vantagem da
permanência desse eetado de
coisas que já utiliza agora a
demagogia "socialista" do Sr.
João M a n g a b e i r a . . . " — " . . .
sua submissão à reação e ao
imperialismo..." (***)
E quanto à revista Panfleto,
que sempre se distinguiu por
uma posição de esquerda e na
qual até colaboravam jornalistas e escritores comunistas, o
ca>30 chegou a ser cômico. Um
dia, seu diretor, Lourival Coutinho, recebeu a visita de um
policial, que fora intimá-lo a
comparecer na Polícia Central,
sob a suspeita de estar publicando "propaganda subversiva". Coutinho tirou então da
gaveta o último número de
Problemas, assinalou uma página em que Prestes asseverava estar aquela publicação a
serviço do imperialismo, e pediu-lhe que a mostrasse ao
Delegado de Ordem Política e
Social. O agente da Polícia
foi-se embora e nunca mais
voltou a importuná-lo.
Bssa agressividade delirante, da parte de Prestes, só encontrava paralelo nas arengas
com que outrora em seu bons
tempos, o chefe fascista Plftiio
SaJgado ameaçava de castigo
"ate os indiferentes". E essa
Identidade nab era casual; a m bos pensaram sempre de acordo com a natureza dos regimes que pregavam, Isto é, de
niodo totalitário.
Todo dirigente comunista é,
por definição, um homem modesto, sem vaidades nem a m bições pessoais. "A modéstia
é a aureola do revolucionário",
proclamava-se. Por coniseguinte. uma das qualidades de Prestes seria necessariamente a
modéstia, e nó.s, jornalistas e
escritores comunistas, nunca
nos esquecíamos, em
nossos
escritos, de destacar-lhe essa
virtude.
Entretanto, era ao menos de
estranhar que esse homem tão
modesto permitisse a seus companheiros de direção e a todo
o partido chamarem-no publicamente, em sua presença, de
"gênio", "guia genial" e outros
t í t u l o s grandiloqüentes que
provocavam o riso das pessoas
mais sensatas,.
Recordo-me de uma reunião
do Comitê Central ocorrida
poucos dias após as eleições no
Diistrito Federal, em começos
de 1947. Os comunistas elegeram então uma bancada de 18
vereadores, para uma Câmara
composta de 50 membros. Mas
o s c c r e t á r i o - g e r a l do PCB
achou que isso* não bastava.
<*) V. I. Lênin — O Desenvolvimento do Capitalismo na
Rússia, cap. I, itens I a III —
Edições em Línguas Estrangeiras — Moscou.
('•) The Eronomic Development of Brazil. 11, pâg. 3 —
N. Iorque, 1956.
Problemas, n.° 9, pág. 31 —
Rio.
(•••» Problemas, n." 19 (junho-julho de 1949), pág. 68
— Rio.
(•). (*') e i " * ) Problema»,
n." 9, pág. 21: n.» 12 (julho,
19481. pág. 4 e n." 14 'outubro, 1948), p i g . 33 — BJo.
e, enumerando os pontos fracos da campanha eleitoral, r e clamou, referindo-se a «1 mesmo, na terceira pessoa, A m a neira indígena: "Além disso,
os camaradas não utilizaram
bem o prestigio do camarada
Prestes no Distrito Federal".
A tirada espantou-me, mas,
olhando em torno, vi que todas as outras pessoas pareciam ter recebido aquilo com
naturalidade. Afinal, quase todos ali eram mais antigos que
eu no partido, tinham
mais
experiência. Então procurei,
com meus próprios recursos,
u m a explicação — e arranjei
uma, a l g o complicada, que
transmiti a mim mesmo e rri»
dei por satisfeito. 6 que sua
modéstia era tamanha que éle.
Prestes, fazia abstração de si
mesmo, tornava-se impessoal,
via em si apenas um Instrumento do partido, tanto que
falava de si próprio, não n a
primeira, mas na terceira pessoa.
Também me c h a m o u n
atenção a resposta que êle
deu a um aparte do Deputado Pereira da Silva n a Ass e m b I é i a Constituinte, em
1946. Discursava Prestes em
torno de sua posição no caso
em que o Brasil participasse
numa guerra contra a URSS,
quando seu anarteante salientou que na Rússia éle não poderia defender com plena liberdade, como e tava fazendo aqui. iemclhantes idéias.
A isso Prestes retrucou com
veemência: "Na Rússia, eu
seria Marechal do Exército
Vermelho, se n ' o tivesse morrido na guerra". (•)
No mesmo discurso. Prestes
«severou que as Idéias não se
arrancam pela forca. E acrescentou, a titulo de exemplo:
"Picou provado Isto agora
mesmo no Brasil: durante dez
anos meu nome íol silenciado por ordem do D I P (•) •
nenhum Jornal podia publicar
algo sobre a minha pessoa.
Em Julho de 1943 minha mãe
faleceu. Meu advogado, Dr.
Scbral Pinto, quis divulgar o
fato, inserindo no Jornal do
Comércio pequen; nota. Foi
permitido o registro, porém,
com a condição de que não
se dissesse que era s. mSe de
Luís Carlos Prestes".
"De que valeu toda c ja
opressão, de que valeram esses 9 anos de perseguição,
esses 23 anos de vida clandestina' do Partido Comunista, se
em dez meses de vida lesai,
durante o ano ds 1945. esse
Partido progrediu rapidamente e passou, c'e um partido
clandestino de 3 4 000 membros, para um partido coni
mais de 100 000, e que levou
ès urnas 600 000 votos nas últimas eleições?" (••)
Note-se que em lugar d«
d a r um exemplo da perseguição aos comunistas em geral,
porque outros também sofreram, e alguns mais do que
êle, decidiu exemplificar com
sua própria pessoa, num evidente pendor para a autobiografia . P o d e r i a formar-se
mesmo uma antologia com òs
exemplos citados, na primeira
pe.ssoa, pelo Sr. Prestes, u m a
artologia bem digna do título Eu. Em começos de 1958,
ao voltar legalmente à circulação, foi o chefe peceblst»
entrevistado p e l o Jornalista
Lourival Coutinho, a q u e m
féz a estarrecedora afirmativa de que o malogrado golpe
comunista de novembro de
1935 impedira a implantação
do fascismo no Brasil. Ante a
estupefação do repórter, que
lhe recordou a ditadura do
Estado Novo instaurada em no
vembro de 1937, Prestes afirmou, à guisa de explicação:
"Quero dizer: se o regime
Instaurado, então, no Brasil,
fôsce realmente fascista, com
todas as monstruosidades que
caracterizam um regúne dessa natureza, eu. evidentemente, não teria sido poupado, e,
deste modo, creio que a esta»
horas não estaria aqui, vivo
e são, conversando com o senhor". (•)
Como observou o Jornalista,
"durante a vigência do chamado Estado Novo cerca de
17 000 brasileiros foram vitimas de sicários que cercavam
Vargas i' aos quais nunca
Vargas puniu. Os comunistas,
principalmente, foram os que
mais padeceram naquela época ominosa". (••) Entretanto, como o S r . Prestes foi
apenas preso, c não torturado
e fuzilado, como numerosos
correligionários
seus, então
não houve fascismo, pois éle
é o grande,
maior, o único
ponto de referência político
n a vida brasileira. Pelo visto,
o líder comunista tomou d e masiado ao pé da letra a asserção de Protágoras, p a r *
quem "o h o m : m é a medida
de todas as coisas".
• Ainda em começos de outubro de 1959, a camintiq);L'lüa
China, foi o homem-rrietro Interrogado por Jornalistas franceses sobre a situação brasileira, e concedeu que havia
atualmente um poucochinho
de democracia no Brasil, como
provava o íato de que êle,
processado Judicialmente ma«
gozando de liberdade condicional, obtivera permlssãd" dO
Juiz para ausentar-se do País.
Algum tempo atrás, em plena "luta contra o culto à personalidade", na discussão pública que se iniciara no PCB
em outubro de 1956, êle escreveu uma carta-aberta ao Comitê Central, de que fazia
parte e que o elegera secretário-geral, colocando-se soberanamente acima do CC e de
todo o Partido, ao asseverar,
lá de cima de si mesmo: "Confio no Comitê Central, que
s a b e r á cumprir seu dever,
como deposito igualmente u m a
confiança sem limites no p a r tido em seu conjjnto". (***)
Assim, não era êle que devia
merecer a conflinça do PC e
do CC; ao contrário, o CC •
o PC é que deviam merecer
sua confiança. "L'í;tat c'e»t
moi", dizia o Rei-Sol. "O Partido sou eu", dizia esse rei da
modéstia.
(•) L. C. Prestes — Problemas Atuais da Democracia,
pág. 292 — R i j .
*) Sigla do Departamento
de Imprensa e Propaganda,
órgão criado pela ditadura que
ae estabeleceu
Brasil, em
1937. com funções de propaganda do Oovêmo e de censun. sobre a imprensa.
(••) L. C. Prestes — P r o blemas Atuais da Democracia,
pág. 292 — Rio.
(*) e (••) Revista Panfleto,
n" 1 (junho <'J 1958), págs.
52 e 53 — Rio.
<**•) Jornal Imprensa Pnmilar, 25/11,1956, pág. 3 —
Kio.
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1 2 — )•" ' * ' « lorufl io Brtiil, Damiafo. 1S-9.M
Processos ''pacíficos" chineses
para liquidar a burguesia
Csi.
'^^^
<?••=-.
O JORNAL DO BRASIL continua, aqui. a flivulgarão do livio O RETRATO (Editora Itatiaia),
do jornalista Osvaldo Peralva, O capítulo de hoj*
mostra as diferenças que assinalaram as revoluçõc»
da URSS e da Clilna, quando uma teve »eu cstopiin
na insatisfação do proletariado das cidades e a outra
do proletariado;? dos campos.
Osvaldo Peralva denuncia, igualmente, os processos pacíficos dos chineses para liquidar a burguesia, que iam do castigo físico à dela(,;ão de erros
conjugais. Reunindo marido, mulher e amante nuu\a
mesma sala, conseguiam arrancar da esposa ofendida a confissão das trapaças econômicas dos «eu»
esposos.
Quarenta mil mulheres, por esse processo, denunciaram seus maridos e, em conseqüência dele,
400 maridos se suicidaram.
Havia em Xangai 100 mil amantes de capitalistas.
DUAS
REVOLUÇÕES
tíIFERENTES
ir
1
>i ausência de um representante chinês no Kominform só
poderia cxpIícar-se pelo objetivo
de íuglr ao controle soviético
ou evitar atritos ideológicos com
os dirigentes do PCUS. Sabese que, desde os tempos do
Komintern. Mao Tsé-Tung re«istia à orientação stalinista,
desmereceiK'0, assim, em muitos casos, i a ajuda material
russa.
É certo que. q u a n í o se fundou o Kominform, os comunistas chineses ainda nâo tin h a m estabelecido seu poder
sobre toda a China, o que poderia, no Inicij, Justificar a
ausência, naquele organismo,
do mais popL'-so dos países
bolchevistas. ao lado do menoc populoso — a Albânia.
Mas, posteriormente, foi endereçado aos chineses um convite para que se fizessem representar ali, e eles não mandaram representante nem dis.«eram que não iriam m a n d a r .
Essa atitude dúbia se basearia
nas seguintes razões: eles fizeram sòzinlios sua revolução,
mas o Pais se achava merguIhrdo na mais extrema miséria
€ o arranco para o desenvolvimento econômico nâo poderia
«er dado sem uma substancial
ajuda soviética. Se tivessem
representantes no Kominform,
os choques de orientação com
os soviéticos seriam fatais, dificultando, reduzindo e até impedindo o auxilio material do
Kremlin ao Governo chinês.
Ou entlo as teses soviéticas
prevaleceriam sempre sobre as
teses chinesas, desmoralizando-»* ante os partidos comunistas de países semiooloniais.
sobre os quais o PC chinês
p r e t e n d i a , como veremos
adiante, exercer hegemonia.
As divergências ideológicas
com os soviéticos g i r a v a m
principalmente em torno destes dois pontos: a» a Revolução de Outubro de 1917 como
modelo único d: revolução comunista; b) a possibilidade de
desenvolvimento pacífico, após
a tomada do poder.
Com efeito, os soviéticos sempre proclamaram que a Revolução de Outubro dt 1917 na Rússia era modelo clássico de revolução comunista, nela devendo
brsear-se todos os demais partidos comunistas do mundo.
Os chineses tentaram alcançar
o poder pela via soviética,
a t r a v é s de movimentos de
massa nos grandes c e n t r o s
urbanos, mas fracassaram e,
aprendendo com a própria experiência, mudaram de rota, a
despeito das diretivas em contrário do Komintern e do próprio Stalln.
Nos últimos anos da insurreição comunista chisesa, as
desavenças eram tais que oa
eitérclto» soviéticos, ao derrotar ai tropas japonesas de
Kwantung, em 1945, e podendo então ter auxiliado com
àrnlas aos camaradas chineses,
não o fizeram. "Em certo momento e em certo local por
onde passaram as forças soviéticas, seria bastante largar
no chão as armas, e os soldados do Exército Popular de Libertação Chinês iriam apanhálas. Mas, ao invés dis.so, os
soviéticos carregaram consigo
att os fjzls velhos, para não
rtêixá-los a n c s o alcance" —
afirmou Liu Chao-tsl. SecretJrijj-Gera! do PC C h i n ê s ,
num» reunião sigilosa em Peuim. em maio de 1956, com
irisentes 1 a t Ino-americanos,
«n^re o» quais se encontrava
Diógenes Arruda.
Isso coincide, aliás, com o
fiue nos disse Koriônov em
Moscou. Observou qqf a revo-
â
luçfto chinesa c o n t a r a com
grandes vantagens, em relação
a soviética, e entre elas apontou a ajuda ( i n d i r e t a ) do
Exército soviético, salientaftdo
nismo
resses.
baseia
ta de
gundo
que
rcêrca
Snt<-.^da
f^N,
t^ifJ
^
dc"=tvni(:ft(i
d^.'
Irreconelilivel de inteNisto, precisamente, se
a teoria marxista da luclasses. Mas agora, sea teoria de Bukhárin
r!« rvolturão
pacfflr*
forças japoné.sa , do Kwantung,
dos capitalistas para o sociaem 1945, a situação do Exérlismo; sueede qu« tudo isso vicito popular' chinês era muira de pernas para o ar, que
to difícil. A ajuda, segundo
desaparece o antagonismo irreKoriônov. foi indireta, quanconciliável entre os interesses de
do poderia, segundo Liu Chaoclas.se dos exploradores e dos
tsi, ter sido diieta.
explorados e que oa exploradores evoluem para o looíaEntretanto, d"poií de proclallsmo."
mada a República Popular
Aí estava a negação rotunda
Chinesa e com a ida de Mao
da tese que os (^inêses agora
Tsé-Tung t Moscou, os Chevinham de esposar. E os sofes dos dois maiores países
viéticos, nos bastidores, conticomunizantes Mao e Stalin)
nuavam opondo-se a ela, ridiconseguiram acertar os poncularizando-a. Quando ainda
teiros de seus relógios. Ao meme encontrava na Escola, em
nos no terreno diplomático, esMoscou, no segundo semestre
tavam sanadas as divergências
de 1954, Koriônov fêz uma
principais. No teiTcno partiviagem à China e de regresso,
dário, porém, contiruavara.
numa conferência para nós, ciMas, os soviéticos tiveram fitou vários fatos para contranalmente que admitir, a conditar aquela tese. Entre outras
tra-gôsto, o caráter especifico coisas,
disse-nos:
da revolução chinesa, já que
11 Na China se fala em lisua
influência
sobre outros
quidar a burguesia por meios
países asiáticos era crescente e
indiscutível. Molotov e outros pacíficos, através de uma redirigentes russos passaram a educação ideológica. Durante
os cinco primeiros anos após
admitir, aí pelos meados de
a vitória da Revolução- foram
1955, uma espécie de sociedade
presos, somente em Pequim,
limitada com os chineses na
12 000
contra-revolucionárlos
direção dos "países do campo
importantes, dos quais 1 400
socialista" e,
implicitamente,
na direção do movimento co- passados pelas armas. E em
Changai, nesses mesmos cinco
munista mundial. Antes, os
anos, o número de contrasoviéticos falavam em "campo
revolucionários
presos elevousocialista, tendo à frente a
se a 80 000; e desses, também
União Soviética"; agora, falamilhares
foram
executados.
vam em "campo socialista, tenConvenhamos que isso não é
do à frente a União Soviética
muito pacffco.
e a República Popular Chinesa",
Nas reuniões do Colégio a
fi^ssim, os partidos comunispresença chine.sa se manifestatas dos países asiáticos subde- ' va de vários modos, sobretudo
senvolvidos converteram-se em
nas opiniões emitidas por alesfera de influência do PC guns representantes de, países
Chinês.
Depois, essa esfera
atrasados,
como o indonésio
ampliou-se, abrangendo, incluSurrati, que fizera um curso
sive alguns partidos latinode marxismo-leninismo na Chiamericanos.
O Brasil, por
na e apoiava sempre suas afirexemplo, enviou à China vários
mativas em citações de Mao
dirigentes para realizarem ali
Tsé-tung e não de Lènin ou
um cur$o de. seis meses, logo
Stálin. Isso i s vezes era toleapós o XX Congresso do j'ado, mas em alguns casos
PCUS. por considerarem (os
exasperava o diretor.
Assim
dirigentes brasileiros e os chiaconteceu quando
pronunciei
neses'» que a experiência revouma alocução sobre a diferenlucionóia da China era mais ça entre as revoluções soviétiaplicável ao Brasil que a soviéca e chinesa. Sabia que a retica. .
ceptividade podia não -ser boa,
e por isso preferi levá-la j á escrita, receo.so de que falando de
A outra questão de que diímprovi.so, ã base de peduenas
vergiam os soviéticos era mais
notas, tive.s.se o curso de minha
recente: datava da fundação
oração desviado por apartes ou
da República Popular Chinesa
minha palavra cerceada por
e dizia respeito ã tese de Mao
meio de um e.stratagema qualTsé-tung da integração pacífiquer do diretor. A.s.sim, redigi
ca, no socialismo, da burguesia
em espanhol algunins
laudas
rural e industrial, por melo da
sobre o tema, mandando pasreeducação, do trabalho ideosá-las para o ru.s.so. E na
lógico. Essa tese colidia fronreunião, á maneira
soviética,
talmente
com a opinião de
eu li em e.spanhol o trecho iniStálin e fora defendida na
cial e meu tradutor o repetiu
URSS por um homem que teve
em russo; dai prosseguiu, êle,
amargo fim: Bukhárin. Não só
ne.sse idioma, a leitura do resfoi
considerado
"renegado",
to, parando perto do fim. En"e.spião", "agente dos imperiatão eu 11 em espanhol o trecho
llstas
estrangeiros',' "inimigo
do povo" e 'traidor da pátria", íinal e êle o repetiu em russo.
Mas essa leitura não decorreu
como, por tudo Isso, o fuzilasem obstáculos.
r a m . E certo que a situação de
Mao Tsé-tung, como chefe de
Após um preâmbulo, em que
govêmo de uma imensa nação,
tomava como
pretexto certo
diferia multo da de Bukhárin,
trabalho publicado no número
mas de todo modo a tese de
anterior de nos.so Jornal, enum era igual à do outro, e fotrei no assunto das resoluções.
ra estigmatizada pelo próprio
Observei que nas três revoluStálin, que, em 1929. polemições rus.sas — a de 1905-1907,
zando com Rossit, dizia:
a de fevereiro-março de 1917 e
a Revolução Socialista de Ou" . . . o erro de Bukhárin contubro de 1917 — a força masiste, precisamente, nisto, em
terial predominante, foi a clascrer que os kúlaks e os concesse operária; o meio fundamensionários, sendo "até certo
tal
de pôr as ma.ssas em moponto um corpo e.stranho",
vimento foram as greves, partievoJuem, apesar de tudo, para
cularmente as greves gerais e
o .socialismo. Eis aí a que abas manifestações de rua que se
surdo."! leva a teoria de Bkhátransformavam
em in.surrcirin. Os capitalista» da cidade e
ções armadas. 0.s camponé.ses
do campo, os kúlaks e o» conaluavam ali como íórça secuncessionários, evoluindo para o
dária, em apoio do proletariasocialismo! Eis aí onde foi pado. A sorte da revolução se derar Bukhárin! Não, camaradas,
cidia, portanto, nas grandes cinão é esse "socialismo" o que
dades, nos centros industriais
nós necessitamos. Que Bukhá— Petrogrado, Moscou, Baku,
rin fique com êle. se quser!"
Níjni-Novgoro(i e t c , irradian"Até agora, nós, os marxsdo-se depois para a periferia.
t.as-lenlni.sta.s sempre havíamos
Enquanto o tradutor lia ispensado que entre os capitaso, um silêncio glacial envollistas da cidade c do campo. d«
via a sala de reuniões.
Nos
um lado. e a cla.sse operária,
olhos de Mítin. » «xpertatjva.
de outro, existi» um antagoO tradutor contiauou; "Nu
M«i
m^
mm
China, por outro lado. a fõi-ça
material predominante
foram
os camponeses, não obstante o
camarada Mao Tsé-tung con.siderar que o operariado era - a
clnsse hcsrmõiiiCii <!a rcTolviçáo, O meio fundamental de
pôr as massas era movimento
foi a luta armada dos guerrilheiros e das unidades regulares do exército revolucionário.
A revolução se desenvolvia e se
decidia no interior, nas áreas
libertadas, irradiando-se para
o centro, para as grandes cidades somente na ultima fase
da luta, quando se aproximava
o momento da proclamação da
República P o p u l a r . . . "
A esta altura, quando o contraste entre as características
de uma e outra revoluções estava marcante, o camarada Mítin, perdendo a paciência, sacudiu o braço e, sem ocultar
.seu mal-estar, ordenou ao tradutor que apressasse aquilo:
— Davai, davai (vamos, vamos), taíárich Pavlienko!
Aproveitei a interrupção para ler em espanhol a parte final, que o tradutor, nervoso,
acelerando o ritmo e gaguejando, repetiu em russo; "Até 1928,
os camaradas chineses tentaram alcançar o poder seguindo
o exemplo russo das insurreições operárias nos centros industrais, sofreram vários fracassos. . . "
Pavlienko Interrompeu-se um
segundo, a boca semiaberta, e
fitou Mitin, como a perguntarlhe que fazer. E Mitin, a testa
enrugada, visivelmente íuribundo, fêz um gesto com a mão,
mandando prosseguir. E êle
prosseguiu:
" . . . vários fracassos, porque
as condições nos dois países
eram diferentes. Aí foi quando
o VI Congresso do PC Chinês
determinou a f u n d a ç ã o do
Exército Vermelho, o estabelecimento de bases revolucionárias no campo e a distribuição
de terras nessas áreas, transferindo o centro da atividade
do Partido das cidades, onde o
inimigo era relativamente forte, para os distritos rurais, onde o inimigo era relativamente
débil".
Terminada a leitura,
após
algumas palavras mais, houve
alívio geral, mesmo para mim.
No encerramento da reunião,
Mítin não se dignou sequer fazer uma alusão a tudo o que eu
havia dito.
2i De fato. a burguesia nacional chinesa, sendo inimiga
do proletariado, por um lado,
tem suas conta.s a acertar_ com
os imperialistas
e.strahgeiros.
por outro lado. Daí que o PC
chinês
tratas.se de utilizã-la,
por algum tempo, em favor do
socialismo. Mas is.so era uma
que.stâo de tática. Tanto que,
desde fins de 1952 a começos
de 1953, o Governo pas.sou i
ofensiva contra a burguesia —
já isolada de seus aliados internos los latifundiários, liquidados com a reforma agrária) e
de seus aliados externos (com
a saída dos americanos da Coréia, ficaram os burgueses sem
po.ssibilldades de se
apoiar
neles.
Uma vez l.solada a burguesia
— prosseguiu Koriônov — o
Governo e o PC lançaram a
campanha da "Luta contra os
5 Males": 1) Roubo dos recursos estatais; 2) Roubo e entrega ao inimigo de informações
técnicas (espionagem econômica); 3i Corrupção de funcionários do Estado; 4> Sonegação
de impostos ao Estado; 5i
Roubo de materiais do Estaoo
E.ssa
campanha
contra
os
".5 Males "não se fãí de maneira suave; não é lá- muito
pacífica que se diga.
Senão,
vejamosí
31 Nessa campanha, o PC
utilizou os seguintes meios: a)
organizou brigadas de operários para comprovar o estado
de coisas existente nas empré.<*as particulares Só pm Xangai loram utUlzado*
nsuu
b r b n d a i , 80 mil operãrlon.
Exlmirwvam tudo, denunciavam, os capitalistas, multavamnos' bi investigavam, descobriífn e revelavam à.s mulheres das capitalistas as amante» ídâstes. Só em Xangai haví-i um mil amantes de taplo Partido colocava os
m a r i d o , mulher e amante' .lunto.s, mima mesma .sula,
e «niilü a espo.sj, uleudidu eui
íèu ' amor-próprio, denunciava
as .trapaças econômicas e flnâiiceíras do marido.
Assim,
4Í mil mulheres denunciaram
xéus maridos capitalistas, muitos dos quais receberam pesadas multas pela prática de
fraudes, arruinaram-.se e pedirain ao Governo para entrar
na* empresas mistas, enquanto
que 400 outros se suicidaram.
Nada disso nos parece as.sim
tão pacifico, nem muito ideológica essa forma de reeducação.
4) Nessas emprésa.i"*-mistas,
o diretor é o capitalista, que
rtcebe um salário de 3 milhões
de iuans (1 rublo é igual a
í mil iuan), além de uma parte dos lucros. O diretor tem
dois suplentes, que são comunistas, em geral ex-oficials do
Exército de Libertação.
Os
cheques do Banco são assinados pelo suplente. E as questões mais importantes da empresa são resolvidas pelo Comitê do PC na fábrica. Podefe dizer que o capitalista, nessas condições, esteja resignado
mas, estará ideologicamente reeducado?
5) Por esses e outros méto,.• dos semelhantes os capitalistas
' s ã o forçados a cooperar com
o Estado, sob a direção déstf..
É quando nenhum desses motodos dá certo, usa-se o castiKO físico. Uma das formas d«
castigo adotados é a de esboíetear o oapitali<-ta e deixá-lo
de pé, numa sala, hora., a fio,
com os braços na posição f^éstes nossos aviões a jacto i\ocès já viram, não?), que têm
as asas voltadas para tixs, de
forma oblíqua.
(Ai, perdendo
sua
compostura principesca,
Koriônov sorriu e imitou a posição de castigo: curvando-se
um pouco para a frente, colocou os braços para trás, afastados do corpo, num ângulo de
45 graus). Se este castigo não
resolve, aplica-se outro mais
duro. Mas os capitalistas nâo
sáo resistentes como os comunistas; em geral cedem logo.
Ou, como talvez prefiram dií e r nossos queridos camaradas
chineses; "evoluem" logo. Mas
será realmente pacífica
essa
evolução?
Era assim visível o despeito
de Koriônov pelo modo peculiar
de os chineses resolverem seus
problemas, independente e ate
contrariamente aos pontos-devista soviéticos.
.
Em realidade, esse caminho
chinês chegará a ser tentado
nos primeiros tempos do governo bolchevista. Com muita
insistência, Lenin enaltecera as
vantagens do capitalismo de
Estado, para a situação da Rússia, após a Revolução de OiUiibro, isto é, uma colaboração do
pequeno e médio capital com o
Estado Soviético a fim de .soerguer a economia nacional.
Seria uma etapa na con.strução do socialismo. Mas essa
tese fracassou, no caso concreto da Rússia, e seu governo ter
ve de seguir por outro caminho.
'.Tá o* chineses adotaram, cora
exilo, H via do capitalismo lie
Estado, em parte graças a sua
tradicional habilidade, e em
parte graças a condições mais
favoráveis para Is.so, na China.
Ali a luta de classes, após a
vitória da insurreição, foi muito menos f e r o z do que na
URSS, contrariando certa* teses de Stalin e até de Lenin.
Os capitalistas chineses compreenderam que a única maneira de prolongar sua existência
como classe, por alguns anos
mais. era colaborando com o
Estado, Como bons discípulos
de Confúcio, para quem a submissão das massas aos que estivessem acima delas era uma
fatalidade comparável á da relva curvando-se à passagem do
vento, os d ó c e i s capitalistas
chineses comentavam: "A sitnação aqui é igual a de um
trem que paesa pela estação
correndo: quem tiver olho vivo
subirá logo para a primeira
classe; quem fôr lerdo, só en•fciará na segunda classe; quem
se atrasar demais, ficará privado de tudo, porque terá perdido o t r e m " . Outros diziam:
"Estamos aqui como numa cadeira de barbeiro: quem se mejcer. poderá levar um talho na
cara, e se se mexer demasiado,
poderá até ter o pescoço cortado".
E foram colaborando.
Pouco tempo depois da proclamação da República Popular Chinesa e da realização da
reforma agrária, com a distribuição de teiTas aos camponeses que nelas trabalhavam, iniciou-se o processo inverso — a
reunificação das terras nas fazendas coletivas, do tipo dos
kotkhnzes russos. Os técnicos
soviéticos que se encontravam
na China deram o alarma; seria catástrofe fazer Isso. De
acordo com a experiência soviética, a coletivização só seria
possível quando se pude.sse entregar ao campo dezenas ou
mesmo centenas de milhares de
tratores, e para isso a Clilnà
teria que primeiramente construir indústria mecânica, capaz
de fabricar esses tratores. Os
chineses desprezaram, porém,
e.ssa- advertência e empreenderam a coletivização das terras,
sflm máquinas agrícolas. Era
outra peculiaridade do caminho
chinês para o .socialismo, o que
aumentou o de.speito dos .soviéticos.
Tinha-.se a Impressão, por vezes, de que o Governo de Pequim fazia questão de salientai:, ante o mundo e ante seu
próprio povo, as dlfçrenças de
métodos e caminlios entre a .sua
revolução e a dos ru.ssos. Segundo o testemunho de Koriônov, o,PC chinês deu como tarefa a todos os seus membros
estudar os últimos capítulos do
compêndio soviético de "História do PCUS". Depois de certo prazo, cada comunista era
obrigado a di.scorrer, ante a direção do organismo a que pertení;es.^e, sobre estes três pontos: 1) caráter da revolução
chinesa; 2) método da construção socialista na URSS; J) caminhos da construção socialista na China.
O NACIONALISMO
CHINÊS
No fundo de tudo isso, mal
se disfarçava o sentimento nacionalista dos chineses. Uma
das formas nvals agudas de que
se revestia a miséria, a exploração^e a opressão do púvo chinês, e.stava na dominação estrangeira. Num trabalho datado de dezembro de 1939, que
em sua versão inglesa tomou o
titulo dr. The Chinese Revoliition and the Chinesr Comunisl
Tutf, Mao Tji4-Tunf tscrevau:
"A contradição entre o Imperialismo e a nação chinesa e a
contradição entre o feudalismo
e as grandes massas do povo
são as principais contradições
na moderna sociedade chinesa.
Sem dúvida existem outras
conlradlçóes, tais como as contradições entre a burguesia e
o proletntiiidu e as cunlrudiçõe,>í dentro dus próprias classes reuciunárius dirigentes. A
cuntradiçúo entre o liiiperialisiiio e u iiuçãü clline.sa, contudo, é a principal, entre as váriiix coiiUadiçórs".
A revolução chinesa era voltada, pois, antes de tudo, contra o estrangeiro que ocupava
suas terras, "arrendava" seus
portos, saqueava suas riquezas.
Nessa situação se encontrava a
China, ao ser proclamada a República Popular em 1 de outuljio de 1949. Por essa época,
ja haviam ocorrido alguns dos
fatos que levaram os dirigentes
do PC Chinês, através de um
editorial do Jin-Mln-Ji-Pao, a
dizer após o XX Congresso do
PCUS: "Nas relações com os
países e Partidos
irmãos,
Stalin teve, no conjunto, uma
posição internacionallsta e ajudou as lutas dos outros povos
e o crescimento do campo socialista;
mas, na solução de
certas questões concretas, mostrou uma
tendência para o
chauvinismo de grande potência (grifo meu — OP) e careceu de espírito de igualdade,
não pôde educar a massa dos
quadros no espírito da modéstia. Algumas vezes mesmo interveio erradamente, com muitas conseqüências graves, nos
assuntos internos de certos países (grifo meu — OP) e P a r tidos irmãos". (•)
Eram j á bastante conhecidos
também os acontecimentos que
levariam depois o Marechal J o sip Broz-Tito a proclamar sem
rebuços que a União Soviética
se havia convertido numa potência imperialista: "Por outro
lado, as lamentações das populações dos países que estão sen-;
do saqueados e oprimidos pelos Imperialistas soviéticos, sob
o pretexto de que as demais
nações devem ajudar a fortalecer a União Soviética, como
pretenso bastião da paz, chegam até nossos ouvicíos claramente". (*)
Assim,
chegando ao poder;
Mao Tsé-Tung não podia deixar de estranhar que em nome do "internacionalismo proletário" e da "assistência mútua", os soviéticos estacionassem tropas nas repúblicas populares da Europa, embora nâo
houvesse na URSS tropas de
nenhuma
dessas repúblicas;
que, ainda em nome desse "Internacionalismo", continuassem
com direitos especiais sobre a
ferrovia de C h a n g c h u n e
ocupando os territórios chineses de Port Arthur e Dairen,
"arrendados" pêlo Tsar. E sua
p r i m e i r a reivindicação, nos
acordos feitos com o kremlin,
íoi a plena reintegração desses
portos e ferrovia na soberania
chinesa, com a conseqüente retirada das tropas soviéticas,
Com efeito, menos de cinco meses após a proclamação da República Papular na China, precisamente a 14 de fevereiro de
1950, foi assinado em Moscou
um tratado de amizade, aliança e assistência mútua entre os
dois países, seguido de um acordo suplementar pelo (jual a
URSS prometia devolver a China, antes do fim de 1952, todos
os direitos sobre a estrada de
ferro de Changchun mais os
portos de Dairen e Port Arthur,
com a evacuação das forças SQvuMica.s daquela base naval.
Recalcada pela secular opressão estrangeira, a China empenhava-se em expressar, por t o dos os modos, que agora era
uma nação independente, em
marcha para se tornar uma
grande potência econômica e
militar. Mesmo antes da vitória revolucionária, Mao TséTung costumava destacar, em
«eus e.scrítos, as grandezas territorial e populacional de seu
país: "A China é um dos maiores paises do mundo, com um
território quase tão vasto como o de toda a Europa". Ou
então: "sua população representa cerca de uma quarta p a r te da população do globo". Depois da vitória, essa consciência da própria grandeza expressava-se já de forma arrogante em figuras hiperhólicas: "Se
todos os chineses batessem com
os pés no chão ao mesmo tempo, haveria um terremoto: se
todos os chineses respirassem
com força, ao mesmo tempo,
haveria um furacão".
Esse espírito arrogante tem
Impregnado até as conversações diplomáticas de seus dirigentes.
Uma
personalidade
chinesa, em palestra com o representante de um país do Oriente Médio afirmava h á algum
tempo: "se
baixarmos
apenas um centímetro nos vestidos das mulheres de nosso
pais, toda a vossa produção algodoeira será esgotada!."
Os soviéticos, de quem não
se poderia dizer, sem Injustiça,
que são lentos de raoiocíi\lo,
compreenderam logo que se
achavam em face de um fenômeno novo, dlalèticamente explicável como um aliado ao
qual era preciso proteger e ajudar, mas contra o qual era
preciso se pôr em guarda, pois
evoliúa perigosamente no sentido de se transformar num
concorrente e até num inimigo temível.
Basta um olhar sobre o mapa da Eurásia para que salte á
vista uma grande contradição
russo-chinesa. A URSS tem o
maior território do mundo (22
milhões de km2), habitado
por 220 milhões de pessoas,
com uma densidade demográfica, portanto, de 10 habitantes
por km2. Daí resulta que enormes espaços vazios se encontram nesse território. Já cafti
a China acontece o contrário:
num território de menos de 9
milhões de km2 vivem mais 600
mlhões de pessoas, com uma
densidade demográfica de quase 70 habitantes por km2. Assim, o problema do espaço vital coloca-se com muita preméneia para a China, E e de
tal modo que grande número
de chineses já vinha habitando nos próprios barcos em que
pescavam, nos rios e lagos, e
uma lei foi aprovada proibindo ás pessoas que nasciam nas
águas passar à terra.
Ora, os chineses têm assim
fortes argumentos para reivindicar que os rus.sos cedam à
China uma parte de seu território, na
ampla fronteira de
uns dez milhões de quilômetros
(incluindo-se aí a
fronteira
com a Mongólia Exterior, praticamente uma república soviética), que separam ê.sses dois
países gigantes. Com
argumentos históricos, poderá reivindicar
desde logo, que a
República Popular da Mongólia, que até 1922 era parte de
território dependente da China, regresse ao seio da mãepátrla. Com argumentos geupolíticos, em que o fator geográfico viesse colorido pelo fator político do "Internacionalismo proletário", poderá reivindicar a anexação de vários
territórios de repúblicas autônomas localizadas na Sibéria e
qua foram oonauista^ai a fer-
ro f fogo peloi
Imperialistas
russos em meados do século
XIX. Precisamente há um século, em 1860, Pequim foi forcada a firmar um tratado cedendo à Rússia vastos territórios na Sibéria, que Iam desde
o Ussurl até o Oceano Pacífico,
em cuja costa, nesse mesmo
ano, foi eriiilda a
fortaleza
ru.ssa de Vladivistock.
Pol
meditando
prudentemente em tudo isso, que os soviéticos decidiram, em 1953.
empreender a colonização dos
espaços vazios da Sibéria — as
chamadas "terra« virgens". A
{iretexto de desenvolver a produção agrícola, o Governo soviético começou a mobilizar
trabalhadores, sobretudo jovens, a fim de que se transferi.s.sem com armas e bagagens
para a longínqua e gélida região siberiana. Estando na Escola em Moscou, lembro-me de
que alguém estranhou o fato e
perguntou se as terras européias estavam todas já aproveitadas para a agricultura, se
não era possível aumentar-lhes
a produtividade, O professor
respondeu que não se tratava
disso; que se tratava, de fato,
de não deixar no abandono
uma vasta região com tantas
riquezas naturais inexploradas.
A sombra amarela projetava-se ameaçadoramente sobre
a vastidão siberiana. Daí a necessidade "agrícola" de cultivar
as terras virgens.
O CLEVECINO
DELIRANTE
Os êxitos obtidos pelos chineses no emprego de soluções
peculiares para seus problemas,
na reivindicação referente a
Dairen e Port Artur, nas batalhas travadas com poderosas
forcas estrangeiras, durante a
guerra da Coréia, não só despertavam o despeito e o medo
dos soviéticos, como subiam á
cabeça de Mao Tsé-Tung e a
transformavam. Na introdução
a seu livTO Materialismo e Empiriocritlcinno, Lenin reproduziu trechos de uma polêmica filosófica entre D'Alembret e Díderot, em torno do fenômeno
sensação, como fonte de conhecimento. Comparau(io o tomem a um "clavecino organizado", Diderot dizia à certa altura: "Houve um momento de
delírio em que o clavecino sensível pensou que fosse o único
clavecino existente no mundo e
que toda a harmonia do Universo ressoava nele (se paasait
en lui),
Parece que esse delírio também atacou, no momento do XX
Congresso do PCUS, ao organizadlssimo clavecino Mao TséTung. Morto Stálin, nâo havia
na URSS, entre os dirigentes
comunistas, nenhum teórico da
estatura do chefe chinês. Além
disso, a denúncia dos erros e
crimes do stalinlsmo, de par
com as vitórias chinesas no
campo do desenvolvimento econômico, indicavam que o centro
do movimento comuniíta poderia de.slocar-se para Pequim. Os
elementos mais realistas continuavam agarrados ao barco soviético, certos de que a tempestade passaria, mas grandes setores do movimento comunista
Internacional começaram a manifestar preferências e simpatias pela experiência da China,
considerando-a mais humana,
mais liberal, mais sensata que
a dos russos.
Qttfindo .arruda regressou da
Clrina e nos encontramos em
Moscou, em julho de 1956, notei que êle também tinha essa
preferência. Mostrava-se entusiasmado com a autorização de
enviar dirigentes brasileiros para fazerem um curso na Escola
do PC Chinês. Referindo-se aos
dois meses que passei em Praga, sem nada fazer, esperando
por êle, em cumprimento da ordem que me enviara por telegrama a Bucareste, logo apôs
o encerramento do Kominform,
dizia que eu não tinha perdido meu tempo, pois me reservara importante tarefa: dactilografar, em finíssimo papel
de seda, e trazer comigo para o
Brasil, as anotações que êle tomara dos "preciosos ensinamentos dos camaradas chineses". Em conversa comigo, elogiava Mao, Chu En-Lai, Liu
Chao-Tsi, e criticava seus velhos ídolos soviéticos. Discutia
com Koriônov quase em pé de
igualdade e chegou a destratar
Sívolóbov, reprochando-lhe por
telefone o não cumprimento de
determinada promessa, a l i á s
«em maior significação. O momento era de grande confusão,
e Sívolóbov agüentava, calado,
tais despropósitos. Por tudo isso compreendi que Arruda estava convencido de que Ia mudar
de senhores, de que Moscou,
como então Praga, passaria a
ser apenas um ponto de escala
na rota para a nova sede do comunismo mundial: Pequim.
Não tardou a verificar xjue se
havia equivocado. E esse equivoco custou-lhe caro.
Não sei se por malícia ou
porque estivesse realmente convencido disso, Koriônov deu a
seguinte resposta a uma pergunta de Arruda sobre a China:
— Como russo, talvez nâo
seja mruito p,itriótico de minha
parte fazer esta afirmação. Mas
digo que dentro de 10 a 15 ancõ,
a China será a p:lmeira potência mundial. Os Estados Unidos
compreendem isso, e não é por
acaso que procuram dificultarllie o desenvolvimento. O grande prestigio da China, na Asiu,
decorre de que foi o primeiro
país no Oriente a fazer a revolução. Enquanto seu prestigio cresce naquela região, diminui o dos Estados Uríidos.
Acontece qUe ela tem como vizinhos paí.ses amigos: URSS,
Índia, Birmânia etc., ao passo
que os Estados Unidos têm como ponto de apoio somente as
Filipinas, a Coréia do Sul, Formosa, pouco mais. Quanto a
Mao Tsé-Tung, não h á dúvida
de que, no movimento comunista internacional, êle é atualmente o maior pensador; depois
dele, vem Togliattl.
Arruda sorriu por baixo de
seus grossos bigodes e balançou a cabeça aprovativamente.
Koriônov prosseguiu:
— O Partido aproveitou bem
o tradicional sentimento
de
obediência dos chineses ao Estado, e o i-esultado foi imi alto
grau de organização. £ certo
que a revolução chinesa contou com grandes vantagens: a
existência do campo socialista
e seu apoio concreto. O Governo chinês recebe da URSS
equipamentos industriais, especialistas e técnicos; pôde dispor da experiência teórica de
outros paises que já haviam
aberto a rota da construção
socialista. A URSS construiu
141 empresas industriais na
China, e agora constrói mais
15. Cada ano passam pelas escolas superiores soviéticas cerca de mil chineses, além do
que realizam cursos prático.^
trabalhando em nossas empresas. Eles partiram de um ponto multo baixo, de uma ml.séri»
extrema. Antes, o homem do
povo tinha arroz & mesa apenas duas ou três vezes por
ano. Allmentava-se de qualquer bicho que corress* W I A
superfície da terra: cobras
lagartos, ratos. Hoje já come
arroz uma vez por dia. Isto
representou verdadeira revolução na China. Dé.sse modo, com
nos.sa ajuda, a China será dentro de pouco tempo a maior
potência mundial.
Em tais circunstanciai, com
tais penspectlvas, Mao Tsétung publicou, sem assinatura,
um artigo no Tin-Mig-Tí-Pao
analisando alguns dos erro»
teóricos de Stalin e dando a
entender que a China os h a via evitado.
Convocou
um
congresso partidário em que
preconizou várias medidas liberallzantes, entre as quais a
tese das "cem flores" (existência de diferentes escolas no
terreno das letras, das artes e
das ciências) e o direito de p e quenas greves de protesto contra as conseqüências do burocratismo. Era toda uma plataforma para conquistar a direção do movimento comunista
mundial.
Convém lembrar que Togliattl, por sua vez, aspirava
ao exercido de uma parcela de
poder na redistribuição do comando comunista Intei nacional. Lançou então a tese de
uma "direção policêntrica" para o movimento bolchevista;
quer dizer, que não houvesse
mais um centro único (Moscou), e sim vários centros regionais, com suas zonas de influência delimitadas. E apresentando sua candidatura #
direção de um desses centroi.
proclamou que a Itália t a m bém posuía um acervo de experiências de que poderiam benefíclar-se,
estudando-as
•
a.ssimllando-as, vários partidos
comunistas. Recordou mesmo
que, em Moscou, durante o
XX Congi-e,s.so, alguns dirigentes latino-americanos
foram
procurá-lo para ouvir seus
conselhos e opiniões em torno
de diversos problemas daquela
região. Depreende-se que Togliattl pretendia a direção da
parte latina deste Continente.
Se não houvesse outra justificação para Isso, haveria ao
menos uma afinidade: a Itália
era também uma nação latin a . Aliás, éle poderia ilustrar
sua afirmativa, sobre os que o
procuravam, com a fotografia
publicada n a quinta página do
jornal moscovita Pravda, de 20
de fevereiro de 1956, isto é,
durante o desenrolar do X X
Congresso. Lá aparecem, entre
outros, o chefe do PC argentino, Vlctorio Codovilla. com a»
mãos enfiadas nos bolsos das
calças, a cabeça inclinada p a ra a frente em atitude de quem
escuta atentamente, e a Seu
lado, gesticulando com as mãos,
a boca aberta como quem est*
perorando, êle próprio — T o gliattl.
Procurando capitalizar o sen^
tiraento de descontentament»
dos comunistas do mundo in*
teiro, em face das revelações
do "relatório secreto", Togliattl chegou a proclamar que t i nha havido "degenereecêncja'
do sistema soviético.
Maa bem pouco durou
tuflj-
isso. Kruschev, o autor (!•
"relatório" publicou uma azeda contestação à
afirmativa
de Togliattl (que não dispunha da autoridade, do prestigio e da força de atração qu»
possuem os dirigentes comunistas no poder estatal) e o
reduziu ao silêncio. Também
manifestou de púbUco divergir do PC chinês, e isso era
importante, nâo pela autoridade teórica do sagaz ucramano, mas por ser êle o senhor
de uma poderosa nação industrializada, sem cuja ajuda a
China nâo poderia realizar, no
ritmo desejado, seu programa
de desenvolvimento. As medldaa liberalizantes, preconizadas pelos chineses, foram tornadas sem efeito. Os que tentaram utilizá-las foram parar
na cadela.
Mao Tsé-Tung, porém, continuou a delirar. Resolveu construir, sobre um nível de vida
miserável, um regime comunista (comunas agrícolas, comunas populares) bem semelhante ao comunismo primitivo e militarizado dos Incas,
no Peru dos tempos da conquista espanhola, mas que n a da tinha a ver com o comunismo pregado por Marx, o
qual deveria basear-se na superabundância dos produtos
como resultado de uma economia tecnicamente desenvolvida no mais alto grau.
Paz menos de um ano, ouvi de pessoa realmente fidedigna e bem informada esta
revelação que lhe fizera u m
dc.3 participante» daquela reunião de partidos comunistas
que se efetuou em Moscou,
poucos dias após o 7 de n o vembro de 1957. quadragéslrao
aniversário da Revolução Socialista Soviética. Mao TséTung. que estava nessa reunião, .'èz um discurso de hora •
m;ia, durante o qual proferia
longos trechc« jntei:amente
sem nexo. Os ouvintes se en~
treolhavam. achando esquisito,
pois ninguém entendia n a d a .
Então éle próiirio, notando n
estranheza de vez em quando
revelada pelo plenário, roc'ou
o indicador em frente da cabeça, num gesto signifioativò,
como a admitir certa alienação mental. Horas depois, como os representantes iugoslavos ise recusassem — e foram
os únicos — a assinar o documento em que todos os partidos comunistas p r e s e n tea
reafirmavam a mesma posição de subordinação á URSS
e ao PCUS. Mai Tsé-Tung t e ve quase um ataque de nervos,
êle que sempre revelou uma
calma tão chinesa. Agarrando
o documento, gritava para oa
iugoslavos:
— Vocês têm que assinar!
Vocês têm que assinar I
Não demorou muito e foi
afastado da Presidência da
República Popular
Chinesa.
As ordens para organizar comunas foram sustentadas ou
refreadas. Nas comemorações
do X aniversário da República
Popular, em outubro de 199»,
êle compareceu em solenidá
des, foi fotografado ao lado db
várias personalidades estrangeiras, falou-se que partícljjou de algumas reuniões bem
importantes, mas não abriu a
boca em público. Todtjs os latos estão a indicar que a
maior cabeça pensante do movimento comunista Internacional, da atualidade, perdeu
a lucidez.
(•) JIN-AIIM-Jl-PAO — Ainda asbre • Kxperténcli His.
tórica da Ditadura do Proletariado, pág. 25 — Editorial Vitória
— Rio.
(*) .Tosip Broz-Tito: La Lucha de los Comunistas de Tugoslavia' por Ia Democracia Socialista (Informe aí VI Conrreso dei
Partido rnmunjsta de Yugoslavii) — Folheto, Janeiro de 19Õ,'!,
páf. 10. Ver em aiifendice (Mrtio* dn inrnrmr nobre o asnunlo.
3h
4 / ^ , P)/0 X-í^.O. 5C!,/^CL
^'5/ôvf.>
12 — !-° eidn Jornal do B n i i l , Oomin|o, 2-10-6I
O 11 de Novembro visto pelo
PCB chega ao Kominform como
uma vitória dos comunistas
O JORNAL DO BRASIL cncprra a publicarão
de capítulos do livro O Rptrato (Editora Itatiaia>,
em que o jornalista Osvsldo Peralva relata as experiências por que passou crnio membro do Partido Comunista do Brasil, como aluno da Escohi
de Revolucionários da L^nião Soviética e como
membro do Kominform.
Ressalva-se, ainda uma vez, que muitos du*
nomes citados por Peralva, no texto do livro, não
correspondem aos nomes verdadeiros, por motivos
óbvios.
Nessa última parte da publicação de O Retraio
pelo JB, narra-se como o PC, desfigurando a verdade, informou a seus membro? no exterior sobre
fcua participarão no movimento do 11 de Novembr).
Para completar, Osvaldo Peralva traça um rápido
desenho das íiguras que integrava o Núcleo Dirigente do PCB na época em que êle foi posto na ilegalidade, apresentando, também, o Sr. Agildo Barutü
que. sem participar do Núcleo, viria mais tarde a
desfechar sobre ele golpes demolidoreí-.
Quando os tanques do Exército brasileiro desceram sòbie
o centro do Rio, na madrugada
cie 11 de novembro de I9õ5, eu
me encontrava nos confins da
União Soviética, numa cidade
balneárla do Cáucaso — Kislovodsk. situada a 900 metros acima do nível ds mar e famosa
por suas águas minerais Narzan. Minha família recém-chepada do Brasil e, como era a
época cm que os representantes saiam de férias, pedimos a
Mitin para passarmuõ as nossas na URSS. Concordou, mas
com a restrição de que não poderíamos ficar em Moscou, pois
estávamos em começos de novembro e ali iam chegar, para
as comemorações da Revolução
Socialista, no dia 7, numerosas
delegações de todas as partes
do mundo, e Já não era possível
reservar-nos lugares em hotel.
De Moscou partimos em avião
para o Cáucaso, com todas as
{lonras de estilo conferidas a
úm membro do Komlnform.
Em todo lugar onde aterrlsávamos, vinha o chefe do aeroporto c. quando os passageiros
começavam a descer a cscadinha, èle chamava por meu nome, batia-me continência e nos
conduzia, a mim e aos meus,
para um salão reservado, onde
tudo era melhor que no salão
comum — a comida, os móveis,
a limpeza. Em um desses lugares, saímos a dar uma volta em
torno e pedi que nos avisasse
quando se aproximasse o momento da partida do avião.
"Pode ir tranqüilo; o avião só
partirá quando o camarada estiver a bordo", assegurou-me o
chefe do aeroporto.
Em Kislovodsk, a mesma solicitude. Ficamos hospedados
num E?natório que fora outror i residência do escritor Ivan
Turguiéniev. e onde se encontravam, aonde chegavam e de
onde partiam quase diariamente dirigentes comunistas soviéticos, membros do Comitê Centnil u;is, outros não, mas todos
coro funções governamentais ou
partidárias em diversas zonas
soviéticas. A vida rodava com
lentidão. D á v a m o s pequenos
pas.seios em tórho da cidade,
escalávamos a montanha onde
o poeta Liérmontov teria t r a vado um duelo e tombado morto, chegávamos até à rocha a
que, segundo a mitologia. P r o meteu esteve acorrentado, até
ser saJvo por Hércules.
Era proibido beber álcool,
mais muito amiúde inventavase pretexto para violar o regulamento do sanatório: organizava-se um banquete para h o menagear alguém que chegava
ou que partia ou que fazia anos
ou que vinlia de outro sanatório ver um amigo. Então corriam a vodca e o conhaque. E
quando faltava um motivo local, arranjava-se outro, menos
próximo. Assim foi quando se
soube ali que Bulgânin e Kruschev partiriam em vi.sita à
índia e outros países asiáticos.
Por iniciativa de um soviético
srordo, forte e calvo, membro
d o C C do PCUS, tivemos que
beber e brindar, conforme é!e
acentuava, "?.& velikuiu missiu"
ipcla grande mis.são). Entoi'namos muitos cálioes de vodca,
todos de pé, enquanto éle comandava, com sua autoridade
fie dirigente do partido-chefe
<lo movimento comunista mundial :
— Do kantsá! 'Até o íim, até
o fundo do copoh
Chegáramos àquela cidade ks
vésperas do dia 7, que foi de
grandes festas. Do alto de uma
colunata, num palanque ornamentado, assistimos ao longo
tiesfile em honra da Grande
Ilcvolui^io Socialista de Outubro. Pirecia que toda a populiiçáo participava da passeata,
cjiipunhando bandeiras e cart.izes alusivos à data. O desfile
devia dispeisar-se uns duzentos
metros mais adisnte. Entrcl..nlo. bem e:n frente a nós. uni
(ics manifestantes, que tentava
s.-irtíí forn:i ai! lapsmo, argub i e n n n d o com um policial «
^^a^
paisana, » mostrando-lhe t
perna inchada, era empurrado
para o meio da passeata, «
teve de continuar.
Nesse momento descemos do
palanque, e minha mulher, sob
oò olhares complacentes dos
policiais- — em geral
muito
atenciosos com os estrangeiros
— introduziu nossa filha no
desfile, para filmá-la ao lado
dos demais manifestantes. Queria guardar, numa película, esse Instante glorioso, para que
a garota, quando moça, pudesse revê-lo, projetado numa tela, e dele se orgulhar. Mas em
.seguida ocorreu outro incidente, que empanou nossa alegria.
Agora era uma senhora, com
uma gardtinha, que tentava
sair da pa.^seata: alegou que
não agüentava mais, tinha desfilado o tempo todo com a criança nos braços e, além disso,
a menina queria urinar. O miliciano negava-se a consentir.
Então minha mulher começou
a reclamar, em voz alta, com
indignação:
— Isso é um absurdo! Se a
mulher quer sair, por que náo
d e i x a r ? ! Então a manifestação
é obrigatória, como no tempo
do Estado Novo, no Brasil?!
Expressava-se em português,
mas o policial à paisana notou
que ela se referia ao caso da
mulher com a criança, e ordenou ao miliciano que a deixasse
sair.
Esse fato amargou-me a alma. Por mais que tentasse esquecê-lo, sua lembrança perseguiu-me durante o banquete, à
noite; acompanhou-me até á.
cama, dlficultou-me a conciliação do sono. Eu vira. em outras ocasiões, alguns fatos desagradáveis e aceitara as explicações oferecidas para eles:
crianças esmolando, acompanhadas de sua mãe (por quê ?
Resposta: são ciganos, não querem trabalhar): um mutilado
de guerra, com uma perna só,
esmolando também (por quê ?
Resposta: êle tem metade de
sua capacidade de trabalho:
poderia trabalhar em vez de
esmolar), Eu mesmo cheguei
a criar, espontaneamente, explicação para outros fatos.
Quando minha mulher chegou
ao luxuoso metropolitano de
Moscou, achou que era um
absurdo tanto desperdício de
dinheiro naquelas estações .subterrâneas, onde as pessoas passavam apenas alguns minutos,
esperando o trem, enquanto que
no caminho do aeroporto para
a Cidade, e em outros pontos,
podiam ver-se numerosos casebres, em cujo desconforto seus
habitantes deviam passar muita.'! « multas horas por dia. Por
que — indagava ela — não se
construíram melhores moradias
para aquela gente e não deixaram essas obras suntuosas, para quando tivesse desaparecido
toda a miséria que resta no
País? E eu prontamente repliquei que se tratava de uma
obra para o futuro, uma obra
definitiva do comunismo, isto
e, para uma sociedade em que
tudo seria em abundância e
suntuoso. Por que construir
agora um metropolitano modesto e ter de refazê-lo alguma.^
décadas depois ? Além disso,
ela devia notar que as obras
suntuosas eram todas para u.so
coletivo, era o que se poderia
chamar o "luxo para as massas". Eu temia que ela sofres.se decepção e aJudava-a a vencer suas "incompreensões".
Entretanto, diante dessa cena da mulher com a criança
nos braços querendo sair do
desfile e sendo impedida pelo
miliciano, diante da indignação de minha mulher por esse
pequeno ato de coerçao, permaneci mudo e sem e::plicação.
Não era, difícil aceitar que um
país ainda curando as feridas
da guerra, um país ainda em
luta para liquidar os restos do
enorme atraso econômico herdado do tsarl.smo, pudesse
apresentar deficiências. Mas o
Governo desse pais não tinha a
necessidade nem o direito de
obrigar ninguém a homenageai r
n novo regime f » revolução
que o instituiu. I s s o era mais
estranho e mais chocante que
tudo.
Quatro dias depois fomos Informados pela Rádio de Moscou que se produzira no Brasil
um golpe de Estado, por meios
militares, tendo á frente o General Teixeira Lott. Ministro
da Guerra, e essa nova e séria
preocupação féz-me esquecer o
desagradável incidente presenciado durante o desfile. Outros
hóspedes tomaram conhecimento da notícia e quiseram saber
se o golpe era hostil aos comunLstas Expliquei-lhes, em linhas gerais, a situação: o chefe do golpe era ministro da
Guerra de um governo que
considerávamos reacionário; um
candidato à Presidência da República, Sr. Juscelino Kubitschek. aue contara com o apoio
do PCB, fora eleito, mas ainda
não empossado. Não S3 sabia
se o golpe era para facilitar a
posse do eleito ou para instaurar uma ditadura militar. Acharam meus ouvintes que devia
ser para dar posse a nosso candidato: de todo modo fui considerado o homem do dia, ali
no Cáucaso do Norte, e só não
me homenagearam e beberam à
minha saúde porque eu me revelei demasiado intranqüilo com
a situação.
Telefonei para o Comitê Central do PCUS, em Moscou: Sivolóbov não estava bem informado. Prometeu, porém, comunicar-me qualquer novidade que
soubesse. Pouco a pouco as
escassas notícias que nos chegavam, a respeito, foram desenhando um quadro mais tranqüilizador. Mesmo assim, tratamos de abreviar a partida. De
regresso a Moscou, a meio caminho, num aeroporto, lemos
num jornal local o telegrama
sobre novo golpe, dado a 21 de
novembro, pelo mesmo General
tiOtt, a fim de impedir a volta
do Sr. Café Filho à Presidência da República.
Finalmente, em Moscou, recebemos no Hotel Sovlétskaia a
visita de Slvolóbov. Êle se mostrava radiante com as informações recebidas do Brasil. Pouco
antes houvera no Rio uma reunião clandestina de dirisentjs
comunistas latino-americanos.
Um dos participantes, diris^nte urueuaio — que eu conhecera anos antes — foi colhido,
ainda no Brasil, pelos acontecimentos do dia H e trouxe aos
soviéticos a versão oficial do
PCB sobre esses fatos. Slvolóbov mandou-o ao Hotel Sovlétskaia transmitir-lhe o informe sobre o 11 de novembro,
e me preveniu que Almeida,
então membro do Presidium do
PCB, chegaria daí a dois dias,
e em seguida êle o enviaria a
meu hotel para que completasse
as informações. E assim sucedeu.
Primeiro veio o uruguaio, depois Almeida. E o informe de
um confirmava plenamente o
de outro. Almeida estava, nes,se
dia, pouco loounz. É que na
hierarquia do PCB. êle .se achava colocado bastante acima de
mim, mas. naquele caso. era
diferente, poroue eu reoresentava o Kominform. Tinha que
saber de tudo nos mínimos detalhes, a fim de DOder transmitir aos comunistas do mundo
inteiro, esnecialmente aos dns
países scmicoloniais, através do
Por uma paz duradoura, por
uma democracia popular, a
preciosa experiência d a q u e l e
golpe progressista. E èle, em
posição de inferioridade, tornou-se humilde e encabulado.
Tive que fazer-lhe numerosas
perguntas para que êle recuperasse a loquacidade. Depois de
certo ponto, entusiasmou-se e
falou demorada e fluentemente
de como o PCB decidiu dos
acontecimentos. Sua v e r s ã o ,
coincidente com a do uruguaio,
porém mais rica de fatos, foi
resumidamente a seguinte:
— O Governo de Café Filho
não queria dar oosse ao candidato Juscelino Kubitschek. eleito por uma coliaacâo de partidos, de que narticipava o PCB.
Por isso urdiram uma consnirata, segundo a qual Café *^-
Iho devia adoecer para que o
Presidente da Câmara dos
Deputados. CarloS Luz, assumisse a chefia do Governo,
de.sse um golpe e formasse um
governo forte, ditatorial, que
negaria posse a JK. E como o
Ministro da Guerra, General
Lott, constituía um ob.stáculo a
tais planos (pois, acostumado
aos regulamentos militares, era
a favor da posse de JK, em
cumprimento à Constituição
que considerava como um regulamento para todos os cidadãos), a primeira medida seria
demitir Lott. Demitido, Lott se
conformou com a demissão e
foi para casa. Mas, a essa altura, interveio o PCB de modo
mais firme. A direção se reuniu, e.-tabeleceu contato com os
oficiais comunistas do Exército,
e estes, através de alguns generais sobre os quais tinham
influência, convenceram a Lott
de que devia assumir o comando do contragolpe. E quando
Lott assumiu o comando, viu-se diante de vários fatos consumados. Por exemplo: quando
éle, falando com um grupo de
oficiais, determinou o cerco,
por tropas do Exército, das bases aéreas do Rio (que permaneciam fiéis ao Governo Café
Filho—Carlos Luz e dispostas
ao golpe para negar posse a
J K ) , um oficial comunista Informou :
— J á estão cercadas, meu
General.
Lott teria ficado muito Impressionado com a eficiência
dos oficiais comunistas, os quais
— segundo Almeida — traçaram e puseram cm prática um
plano perfeito de ocupação dos
pontos estratégicos da cidade,
o que determinou o êxito completo dessa operaçfto-mlhtar.
No dia seguinte, na Câmara Federal, o único representante comunista ali existente.
Deputado Biuzzi de Mendonça,
seguindo instruções da direção
do PCB, fêz com oue o Deputado José Maria Alkmim, mais
tarde escolhido Ministro da Fazenda de Kubitschek, assumisse então a liderança da maioria parlamentar, por ser um
homem com atitude firme em
relação aos problemas do momento.
O Vice-Presidente do Senado. Nireu Rnmos. assumiu a
Presidência da República, e
estabeleceu censura sobre todos
os jornais, menos sobre o diário comunista. Nereu chamou
Bruzzl a Palácio e disse que ia
colocar um censor também na
redação do jornal comunista
Imprensa Popular. Bruzzl consultou a direção do PCB c voltou a Palácio dizendo que,
absolutamente, o PCB não
aceitaria censura sôbre seu
Jornal, o que exigia o levantamento da censura em geral,
respondendo judicialmente cada jornal por quaisquer atos
nocivos à .segurança do novo
Governo. E a censura foi levantada.
Dois dias após o golpe. Lott
foi entrevistado pela United
Press. Interrogado sôbre quem
eram os golpistas, disssra os
nomes do Brigadeiro Eduardo
Gomes, do Almirante Amorlm
do Vale e de vários outros que
constavam da lista publicada
pelo jornal comunista.
Entretanto — prosseguiu Almeida, esfriando de súbito seu
entusiasmo e baixando a vista
— devemos ser modestos, não
deixar que os êxitos nos subam
à cabeça, como dizia o camarada Stalin, e fazer nossa
autocrítica pelo grave êiro que
cometemos. Tínhamos todas as
concíiçõss para participar do
Governo de Nereu. mas não
exigimos isso a fim de não sectarizá-lo. Decidimos não participar, e quando resolvemos o
contrário, era tarde: Já não
havia condições para nossa
participação. Apesar disso, temos gente de confiança no Governo. O Ministro do Trabalho, Deputado trabalhista Nelson Omegna. disse-nos que só
aceitaria o Ministério se nós
concordássemos com sua escolh.i; nó.s concordamos. Mais ou
menos a mesma coisa se deu
rom outros Ministérloa — disse, em concluiào.
Regressei Imediatamente a
Bucare-ste, fiz uma longa conferência sobre o assunto, no
Departamento de Informação,
a pedido de Bazânov, e escrevi
um artigo, cm forma de "Carta do Rio", assinada com o
pseudônimo de Silvio Mala,
dentro do espirito do info-me
iransmitido pelo uruguaio e por
Almeida. Mas naquela edição
em que devia sair o artigo,
houve uma disputa por espaço
no jornal — discutimos muito,
especialmente o búlgaro e eu,
cada qual defendendo ante o
Colegiado a urgência e imporáncia de sua matéria. Entre
jutras coisas, alegou o búlgaro, apoiado pelo húngaro, que
o golpe de 11 de Novembro era
algo t-emendamente confuso,
que ninguém entendia e que
em um simples artigo como o
meu (embora eles não o houvessem lido ainda) não se poderia e.sclarecé-lo por completo. Assim, poderia ficar para
próxima semana.
Mas argumentei com tanta
sinceridade e entusiasmo, defendendo a relevância da imediata publicação de meu trabalho, que venci. Foi publicado na edição de 16 de dezembro, sob o título A Situação no
Brasil. Nele me expressei com
todo cuidado, receoso de que
íòíse aproveitado, de forma
provoca (iora, p e l a
imprensa
reacionária em outros países.
Entretanto, o artigo refletia
decerto toda a minha certeza
de que o Partido Comunista
fora o elemento decisivo dos
acontecimentos. Tanto a.ssim
que o húngaro, após lê-lo, veio
.sorridente saudar-me, num Jeito autocritico :
— Tavárich Ribeiro, meus
parabéns. Seu artigo esclarece
perfeitamente a situação. Essa
América Latina tem sua própria maneira de fazer as coisas. Mais um golpe de Estado
no Brasil e lá teremos uma democracia popular.
Mas eis que. de regresso ao
Brasil, no curso da luta que
empreendemos no PCB e que
culminou com a cisão da qual
Aeildo Barata foi a figura mais
expressiva, muitas versões foram retificadas, muitas verdades vieram k tona. Em um
dos grupos de luta contra a
orientação peceblsta, de que
participei, havia um membro
dn Comitê Central, que estabelecia as ligações da direção
do PCB com o gi-upo de oficiais comunistas do E.Kército.
E êle me disse :
— Es.sa gente (direção do
PCB) não quer n a d a . . . tem
medo de tudo: medo de assumir responsabilidade, medo de
ser presa, medo do pode-. Em
relação com o movimento de
11 de Novembro, a direção se
omitiu completamente. Isso que
o Almeida te contou em Moscou é pura fantasia. Enquanto se preparava o movimento
nos meios mlhtares, Ari-uda.
Amazonas, essa cachorrada toda estava escondida com o rabo
entre as pernas. Nossos companheiros mlllcos me pergunt a v a m : "E a direção, que é
que diz?" E eu sem te" o que
rcsnonder. Alguns se impacientavam, mas outros confiavam: "Vamos esperar, a direção sabe o que faz". E a direção não dava um pio. escondidinha. .Me que os companheiros militares disseram: "Bem,
você diga aos companheiros da
direção que ou nós almoçamos
o Carlos Luz, ou éle nos j a n tará. Que no Exercito a tendência da oficialidade democrática é resistir". A resposta
devia vir com urgência. Transmiti o recado a Amazonas e
marcamos um encontro para
obter a resposta, acertando que
se éle não chegasse na hora,
eu devia voltar ao mesmo ponto três horas depois. Êle não
veio. Fui aos camaradas militares e eles me disseram:
"Bem. se não vem nenhuma
indicação, então nós vamos
participar no movimento por
nossa conta. J á ninguém pode
deter o desencadeamento do
contragolpe". Quando voltei ao
ponto, na segunda vez, lá est.Tva .amazonas. Com muita
solenidade, êle me disse: "Bem,
a di"eção discutiu seriamente
a questão, pesou os prós e os
contras, e resolveu traçar a
seguinte diretiva: se êles acham
que têm força, que façam o
movimento". Eu então tive
vontade de rir, e expliquei:
"Camarada, êles já decidiram
participar no movimento. Com
êles ou sem êles, o movimento ia rebentar. Agora não
adianta mais ir procurá-los.
AUás, tu deve iv tratando de
cair fora, porque daqui a pouco os tanques vão rolar sôbre
Q cidade"
Não há muito tempo encontrei na rua o ex-deputado e
ex-comunista Bruzzl Mendonça. Interroguei-o sôbre o 11 de
Novembro, de ccmo o PCB,
através dele, féz com que Alkmim assumisse a liderança
da maioria; de como, -eguindo
Instruções do PCB, êle exigiu
e obteve que o Presidentí Nereu Ramos abolisse a censura
à imprensa. Bruzzl achou graça, comentou:
— Eu cada dia me convenço
mai.5 que o PCB fazia muito
era p a l h a ç a d a . . . Isso do Alkmim e do Nereu não tem pé
nem cabeça. Ê verdade que
êles puseram censor em todos
os Jornais, menos na Imprensa Popular, mas Isso sempre
constituiu um mistério para
nós. Um dos redatores dê:se
jornal, Paulo JJjta
Lima,
chegou a suspeitar, conforme
me disse, que se tratasse de
uma armadilha do Governo,
mas talvez a razão fosse outra.
O fato ê que, depois de levantar a censura, sam nenhuma
intervenção nossa, o Governo
Nereu restabeleceu-a, m a i i s
tarde, e dessa vez atingindo
também o Jornal comunista.
A direção do PSB estava como
barata tonta, cada comunista
fazia o que entendia. Como
eu me achaíse numa frente
de trabalho legal, o Parlamento, podendo ser mais facilmente colhido nas malhas da
polícia, no caso de haver um
golpe desfechado por Caries
Luz. pedi a um dirigente do
PCB. na víispera do 11 de Novembro, que me assegurasse
refúgio para o caso de necessidade. E êle se limitou a recomendar que me escondesse
em casa de um amigo meu que
morava num prédio em frente ao edifício em que moro.
Bruzzl sorriu e ajuntou:
— Ora, para me esconder
em casa de um amigo meu,
não precisava de ajuda da direção. Depois, esse esconderijo seria uma Idiotice, logo na
vizinhança, em casa de um
amigo.
E agora eu me pergunto com
indignação retardada: por que
esses dirigentes do PCB mentiam tanto aos seus chefes soviéticos? Por que me levaram,
no caso em apreço, a fazer
circular cm todo o mundo comunista, através do jornal do
Kominform. uma voríão descaradamente f a l s a daqueles
aconteolmentcis?
A grandeza do PCB era
construída em boa parte com
a ajuda do.s soviéticos: com
seus donativos, seus convites
para f n v l a r delegações
t
URSS, seus Prêmios Stalin a
brasiUircs... E era
preciso
mentir, vangloriar-se de façanhais imaginárias, e x a g e r ar
seu prestigio e Influência, para poder receber maiores donativos, convites ainda mais
freqüentes, novos Prémics Stalin, Se os milhares de militantes abnegados e Idealistas,
que enfrentavam a policia política e todo tipo de perseguições, que sacrificavam
todas
as suas horas disponíveis trabalhando anonimamente nas
campanhas empresadas pelo
PCB. que arriscavam suas posições e sua vida numa luta
que supunham aureolada de
grandeza cívico-social, pudessem cheirar o que se passava
na direção do Partido, sua
reação
Imediata, instintiva,
seria levar o lenço ao nariz.
o "Núcleo
Dirigente"
Diógenes Arruda
Diógenes de Arruda Câmara
era quem encabeçava o "núcleo
dirigente", no período seguinte
à ilegalizaçâo do PCB, em
1947. Se um dia ganhasse estátua, penso que o escultor,
pautando-se pelo realismo socialista, deveria talhá-la em
madeira, a golpes de machado
Prepotente, náo fumava e
não permitia que ninguém fumasse nas reuniões em que êle
estava. Extremamente desorganizado, marcava a mesma hoi'a
para que dez pessoas diferentes viessem falar com êle; atendia a quatro ou cinco, e ao fim
de umas duas horas, saia —
alegando ter coisa urgente e
importante a fazer — e mandava que os restantes e outros
mais, chegados depois, voltassem no dia seguinte, quando
a mesma cena se repetia. Nos
primeiros tempos em que fui
trabalhar como seu secretário,
tentei organizar-lhe as audiências, mas êle mesmo marcava
as horas (Dois não admitia que
ninguém fizesse nada em seu
nome) e minha boa intenção
se tornou impraticável. P a r e cia mesmo que essa desorganização, no caso das audiências,
era proposital para se dar importância. Certa vez, marcou
entrevista com um grupo de intelectuais comunistas, entre os
quais havia nomes da maior
projeção. Advertiu que todos
estivessem lá às 8 horas, sem
falta, pois não podia perder
tempo, esperando por êles. Bem
sabia que sacrifício seria para
aqueles homens, habituados a
dormir tarde, chegar tão çédo
a uma reunião. E o pior é oue
êle próprio só apareceu no local da entrevista às 9 h 30 m,
quando alguns j á se dispiinham
a ir-se embora. Cabelo despenteado, barba por fazer. Arruda — que dormira até 8 h 30 m
— entrou na sala e foi dizendo, à guisa de cumprimento:
— Isso é que é vida! Todos
bem dormidos, de cara repousada, enquanto eu nem pude
fazer a barba . . . Vamos, vamo»
logo começar isso. que eu tenho
muito que fazer hoje.
Com o ar superior de um
coronel da roça. quando se diçnava tratar alguém com intimidade, chamava-o " p e r n a - d r - p a u " ; quando queria exprimir um sentimento de desgosto por qualquer coisa, usava
Interjeições muito próprias e
pitorescas i " a h ! meus setecentos clavlnotos!"!. que sciis
admirad.ores passavam a repetir. Quando escrevia, sua letra
desalinhada, em grandes caracteres, enchia logo a página e
era quase ilegível: alem disso,
a ortografia era de semi-analfabeto (escrevia deicha com cli
em lugar de x) e praticava todas as Infrações gramaticais.
Sendo a maior negação que j á
vi para idiomas, atravessou várias vezes a Europa, de ponta
a ponta, sem quaisquer dificuldades, conversando apenas
por mímica, como os surdos-mudos. Mesmo em português,
seu vocabulário era reduzidíssimo. Contudo, manejando essas poucas palavras, ajudado
por sua srande inteligência e
forte personalidade, éle pontificava sôbre todos os assuntos
— economia, música, aviação,
história do Brnsil, culinária,
materialismo dialético, cosmogo
nia, tática revolucionária leninista. e a.sronomla — em que era
formado. Enorme era sua capacidade de trabalho. Passava às
vezes uma
semana dormindo
duas ou três horas por noite,
mas quando terminava a tarefa e arriava o corpo, onde ouer
que se achas.se, dormia até fartar-se. Certa vez deitou-se, em
sua casa, depois do almoço,
pretendendo levantar-se às 18
horas, mas faltou a todos os
encontros e só foi acordar no
dia seguinte às 19 horas. Dormiu então 29 horas seguidas, e
ao despertar sentiu, como éle
mesmo'disse, dlsoosicão de pegar touro a unha. Como que
andava aos solavancos, mas andava sempre cara adiante e
fazia todo o Partido andar.
Em fins de 1940, o Partido
Comunista estava
esfacelado
em São Paulo e no Pais inteiro. Alguns velhos militantes
qu° tinham escapado de ser
préòos. nas repres.sões policiais
daquele ano. formaram no Rio
uma Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP).
Arruda então veio ao Rio e,
proclamando-se
reorganizador
do Partido em SÃO Paulo, isto
é. no maior centro operário do
Pais. negociou a reunificação
dos dois grupos em bases vantajcslssimas para éle. Acontece, porém — conforme me referiu um camarada que com
êle residia então — que em
São Paulo ainda não existia
organização comunista alguma,
e em nome dessa organização
inexi.stente éle as.sumiu praticamente a direção da que se
formara no Rio. Quando a situação política o permitiu, êle
enviou emissários a alguns pontos do Brasil, estabelecendo ligação com outros grupos que
restaram de pé »u se vinham
reorganizando. Assim, com a
saída de Prestes da prisão em
1945 e a .sub.seqüente vinda do
PCB para a legalidade, crescendo com vertiginosa rapidez
— graças à onda emocional
provocada
pelo
martirológio
dos comunistas pré.«os e torturados, bem como pelas vitórias
militares dos .soviéticos — o nome
de Arruda estava definido .iá
como o segundo dirigente do
PCB. As tentativas de Pedro
Pomar de passá-lo para trás,
fracassaram.
« **
Pedro Pomar
Pedro Pomar tinha uns trinta anos de idade, quando o
PCB veio para a legalidade.
Era alto, magro, amarelado, ligeiramente fanhoso. meio careca, os bigodes ralos cór de
cobre. Ex-estudante de Medicina, possuía cultura abaixo da
média; expressava-.se com dificuldade tanto oralmente como por escrito, mas não se podia dizer que fosse obtuso.
Considerava-se ine.smo como
um dos intelectuais da direção
do Partido e. como tal, foi es- madamente", "talvez", "a b e m .
colhido para prefaciar o livro dizer", "segundo penso".,.
Piscava o '^'ho, puxava »i»
Problemas Atuais da Democracia, de autoria de Luís Carlos ponta do nariz com dois de•:;
Prestes, um
volume
de 515 dos, deduzia:
— Do contrá'10, meu velho,
páginas,'aparecido em 1946, no
qual se enfeixavam as obras você não vai longe,.. Nunca.
completas do líder comunista, ouviu falar na comparação que
a partir de 1935: carta, bilhe- o velho Stalin féz do partido?..
tes e telegramas a correligioná- O velho disse que o partic'o é „
rios políticos e a Jornais, de como um trenó óescendo uma
montanha em grande velocimistura com informes e discidade: quem não se segurar
cursos.
Conheci Pomar nos seus mais bem, pula fora e fica no meia
gloriosos dias, quando èle fa- do caminho. Pois na Direção
a coisa é pior ainda!
zia parte do Pres' 'ium do ParNão obstante, esse homem.
tido, desempenhava as funções
mec'íocre
e ig .orante foi elede Secretário de Educação e
vado às culminâncias da direPropaganda do Comitê Central
ção partidária. Ocupava um
e de diretor da Tribuna Popular, além de ser 4." Secretário lugar no Prisldium e no S e - ,
cretariado
uo CC. teve seu
da Câmara
dos Deputados.
nome incluído entre os " c a n - .
Ademais, exercia sôbre Prestes didatos
preferenciais" do paruma influência tão sensível que
tido nas eleiçõe- para o ParArruda cla.ssiflcou de "nefas- lamento,
em 1945. scn^Io post a " . Em várias ocasiões, pro- teriormente desis..iido líder da
curou aumentar a distância bancada comunista na Câmaque o separava de outros diri- ra Federal, dessa mesma bangentes que vinham logo após cada de quj p a r 11 c ipavam '
êle, na escala hierárquica, co- Arruda, Amazonas e outros dimo João Amazonas e Maurí- rigentes de nível político bascio Grabois. Mas, sobretudo, tante superior ao seu, além d e '
tentou conquistar o posto de
intelectual.; de renome como
lu^ar-tei - ite de Prestes, des- Jorge Amado. Mas A r r u d a
bancando Arruda. Não o con- queria ter no
postos-chave
seguiu, porém, e quando em homens de seu grupo, e assim,'
fins de 1947 Prestes refugiouquando alguém fazia restrise nos ;,abterrâneos da clan- ções a Grabois, éle o defendia:
destinidade, Pedro Pomar, que
— Você está enganado- Maunêlc se apoiava, ficou â mercê
tem grandes qualidades.
de Arruda e foi sendo por este rício
todos nós dirigentes é o que
perseguido, castigado, sistemà- De
possui maior visão tática.
ticament. rebaixado, até perder toda sua capacidade de
concorrência.
Primeiro foi afastado do Secretariado, depois do quadro
de membros efetivos do Presidium, depois do quadro de .suplentes do Presidium, depois
do quadro de membros efetivos
do Comitê Central, ficando
apenas como suplente desse
organismo. Foi, ainda, alijado
do plano nacional de atuação
e enviado para o Rio Grande
do SuV como dirigente regional. Quando o trouxeram de
volta ao plano federal, como
encarregado nacional de Educação, era já um homem batido, sem quaisquer veleidades
de competir com Arruda.
João Amazonas
Durante muito tempo, só
dois homens tinham, pois, lugares fixos na hierarquia do
PCB: Prestes e Arruda, O terceiro homem só iria definir-se
aí pelo ano de 1950, na pessoa
de João Amazonas, que logo
em meados de 1945 repontou
entre o grupo dirigente que
cercava Prestes. Pouco antes
fugira, com Pedro Pomar, da
prisão em que se achavam, no
Pará, Estado natal de ambos,
e viera para o Rio, onde passou a trabalhar no Sindicato
da Construção
Civil, como
contador, segundo uns, ou como desenhista técnico, segundo
outros.
A sua
ente achavam-se então Pomar e Grabois.
Mas a estrada ficou desimpedida para o avanço do astuto
Amazonas.
Enquanto isso. Arruda cuidou de, segundo a expressão
que costumava usar, "quebrar
a crista" de seu
substituto
eventual: em presença de vários outros camaradas, a qualquer pretexto ou sem pretexto,
dava-lhe
'duros'
violentos,
tratava-o a gritos. E éle replicava em seu tom habitual, sereno, sem se irritar, sem franzir o cenho; e quando Arruda,
amainando a lempc.-ilade que
armara de propósito, desanuviava o rosto e sorria, já encontrava Amazonas de sorriso
esboçado no canto da boca.
Naturalmente não bastava
ser humilde para
a.scender
àquela posição. Amazonas possuía outros títulos:
estlvera
preso várias vezes, era um bom
orador, redigia com facilidade
(dentro do reduzido vocabulário e da despreocupação e Ignorância gramatical comuns aos
dirigentes comunistas) e, em
dois anos de Parlamento, como
deputado federal
pelo PCB,
não tez má figura. Sobretudo,
nunca teve a veleidade de pôr
a cabeça para pensar: assimilava os dogmas da "Unha justa" e se esforçava para colocálos em prática.
Mas foi vendo nele um indivíduo humilde até o servilismo,
aparentemente incapaz de ambicionai-lhe o posto, que Arruda o elevou à situação de ViceChefe Executivo do Partido. E
êle ali ficou, não sem ambição,
mas sem ousadia de disputarlhe o lugar, até que a reviravolta no Partido afastou-os, a
ambos, da direção nacional,
MAURÍCIO GRABOIS
Encontrava-.se também no
"núcleo dirigente" o Indivíduo
Maurício CJrabois. figura gaIhofeira que muita gente não
levava a sério. Como falasse
pelos cotovelos, puseram-lhe o
apelido de "Vitrola". Tem ho-.
je perto de 50 anos de idade,
mas continua do mesmo modo:
cercado de dirigentes menos
graduados, delicia-se em contar casos sôbre si mesmo ou sôbre outros, em tom pretensamente humorístico e dos quais
éle próprio acha uma graça infinita. Como estudara alguns
anos no Colégio Militar, aprendeu de matemática o suficiente
para resolver uma equação de
segundo grau. E narra numerosos episódios, relacionados
com as matemáticas, que representam em verdade aoenas
este, com variações mínimas:
chegou em casa de um companheiro, a filha do homem estava atrapalhada com os deveres
escolares, sem
saber resolver
uma equação de segundo grau,
aí êle resolveu e ensinou a resolver, a mocinha ficou encabulada como era que um dirigente comunista sabia essis
coi.sas, e êle arrematava a história, exclamando:
— Ora, vejam só. Essa gente
pensa que nós somos uns ignorantes!
Grabois não acreditava em
teorias. Era o oue se chamava,
na gíria partidária, um praticista. De Marx. Engels. Lênine
ou Stalin. autores obris-atórios
no movimento comunista, éle •
.só havia lido os títulos de algumas obras ou trechos esoarsos de outras. Devora>• todo
um livro daqueles era façanha
dp oue jamnls s? pnboii. Da
Hisfória do PCUS, a bíblia rio
bolohpvismo. .só conhecia eoi.sódios e citações,
aprendldo.s
de oitiva nas reuniões da Direção. Entre seus nomes de guerra figurava, por Ironia de alguns companheiros, o de Profe.ssor. Era freqüente alguém
sorrir e comentar em certas
rodas da Direção: "O Profes.sor
não acredita nessa história de
livros; nada além do Jornal."
De acordo com sua fi'o.sofia
de fazer tudo para não s?V
rebaixado da Direção, Grabois
nos advertia contra o perieo
das afirmaeôes cateeóricxs. E
nos t"nn.'=mitia sua exnerlêncla:
— Você tem n-e deixar sempre uma salda, uma mareem
pfra manob"!'!. Isso é oue é
dialéfca. Eu. por PN"mr!lo.
oiiando afirmo vtv\ coisa, ponho .sempre um calco uma expres'-Ão nue me possa defender dsonis. Basta acrcscenfir
Pm "mais ou menos", "aproxi-
Carlos Marighella
J á o caso de Carlos Marighella diferi; dos o u t r o s
membros do -úcleo dirigente.
sob certos aspectos, e se assemelhava ao de Agildo Barata,
porque ambos g o z a v a m de
prestígio entre as massas populares, ao pi. D que os outros dirigentes aqui mencionados, salvo Prestes, possuíam
apenas um prestígio circunstancial e precário, conferido
pelo posto que ocupavam. Por
Lsso mesmo tanto Marighella
como Barata ofreram violenta campanha por parte do grupo encastelado na D i r e ç ã o E r a m me- bios do Comitê
Central, mas não do Presidium nem do Secretariado.
Para subir ac,uéles dois degraus, teriam de se .dobrar,
amoldando-se à situação, humilhando-se ante o grupo de
Arruda- Agildr Barata não se
amoldou, não „e humilhou e
por isso Jamais chegou a ser
membro do Presidium ou do
Secretariado- Marishella. porém, deixou-se triturar nas engrenagens do Apf.relho e terminou conq'istando um lugar
naqueles órgãos.
Agildo Baruta
Agildo Barata não pertencia
ao núcleo dirigente. Teria sido preciso dobrar-se, como .se
dobrou Marighella, é êle não se
dobrou. Talvez por isso mesmo
foi o único membro do Comlt*
Central que teve a coragem moral de enfrentar, de peito aberto, a luta interna no PCB, sem
as tergiversações e manobras
em que sempre se mostraram
tão hábfis as raposas vermelhas da direção.
Formou no Nordeste, o tríunvlrato com Jutrez Távora e J u raci Magalhães, Foi secretária
geral do chamado vice-reinado
do Norte, cujo vice-rei era J u a rez. TornoLi-.se então popularl.sslmo em todo o País, como um
dos jovens chefes militares do
movimento de 30. Mas já em
19í,2. colocando-se em oposição
a Vargas, tomou das armas em
São Paulo, na luta pela constltucionahzação do Pais. Derrotado mllitarmente este movimento, exilou-se êle na Europa,
de onde voltou não muito tempo depois, relntegrando-se na»
fileiras do Exército. Em novembro de 1935 já pertencia ao
PCB. cumprindo instruções de
Pi-estes. que chegara de Moscou, comandou a sublevaçâo do
3." Regimento de Infantaria.
Foi então preso, processado e
condenado, sendo posto em liberdade somente dez anos depois, beneficiado pela anistia
aos presos políticos em 1845.
A popularidade que cercava
seu nome, os episódios que se
contavam reveladores de sua
bravura física, de seu desprezo
pela morte, de sua firmeza política, tudo isso era uma tortura para o grupo de aventureiros
que se apossara dos postos dirigentes. Eles temiam a concorrência dos homens de prestígio e tratavam de sabotá-los.
A Inclusão de Agildo Barata no
Comitê Central, em 1945, só foi
feita mesmo por exigência de
Prestes. Mas quando se ia publicar na Imprensa a hsta dos
membros do CC, o Secretariado
mandava suprimir o nome de
AgilCo Barata, a pretexto de
que Is.so poderia prejudicar suw
reversão ao Exército, quando o
próprio Agildo não esperava
nem pretendia voltar às suas fileiras. Em 1946, durante uma
reunião do CC, Barata referiuse a essa omissão de seu nome
e exigiu que se definisse de uma
vez por todas se êle pertencia
ou não ao Comitê Central, pol»
não queria ficar como a corrente do português da anedota,
que ora é de ouro, ora não é . . .
Decidiram que sim. Seu nome
passou a figurar publicamente
na relação dos membros do CC.
Entretanto, êle continuou sofrfndo limitações por parte do
grupo dirigente, E mais não
sofreu porque, a partir de 1948.
como tesoureiro do Comitê Central, montou uma vasta máquina de angariar recursos financeiros, paralela às organizaçõe»
do PCB, fortificando assim concomitantemente sua posição nc
Aparelho. Chegaram até a denominar e s s a máquina, no.s
meios partidários, de PCF: Partido Comunista das FinançasO tom com que o diziam era de
brincadeira, mas nessa brincadeira se expressava a preocupação do chamado "núcleo dirigente".
Além dessas, havia duas outra? fontes, não regulares, ma.i
imensamente lucrativas: a ajuda do Kremlin e a venda dos
votos do Partido a um candidato ou mesmo a três diferentes candidatos a um só cargo
eletivo. Essas duas maneiras de
obter ouro eram. porém, monopólio do "núcleo dirigente^:
cinco ou seis pessoas é que tra.tavam com os dirigentes menor
res, da venda de votos ou do
recebimento de dinheiro soviético e de sua aplicação. Esse
dinheiro n ã o passava pelas
mãos de Agildo, que até ignorava sua existência. Em verdade, éle só tomou conhecimento dessa fonte estrangeira, em
1957, às vésperas de seu rompimento com o PCB, Mas, de
todo modo sua máquina financeira convertera-se numa
potência d i g n a
do maior
respeito, quando em agosto
de 1956, deflagrou-se a luta interna, Agildo pôde desferir, graças à posição que assim desfrutava, golpes, muito
demolidores no "núcleo dirigente" do Partido.

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