FIONA EM SHREK 3

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FIONA EM SHREK 3
A MARgem - Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes / ISSN 2175-2516
FIONA EM SHREK 3: O CAMINHO DA MATERNIDADE
Vanessa Cristina dos Santos (FAPEMIG/UFU)1
Resumo: Tendo ciência da importância que a multiplicidade de releituras contemporâneas dos contos de fadas tem ganhado no
que diz respeito à quebra das tradições, pretende-se apresentar neste artigo parte das análises sistemáticas que focalizaram a
constituição da personagem Fiona na sequência de animação Shrek 1, 2 e 3. O presente trabalho tem como metas principais
apontar o caráter revisionista da figura feminina Fiona em Shrek 3, uma princesa irreverente, nada convencional, e identificar o
grau de ruptura alcançado na composição da personagem em relação às princesas dos clássicos contos de fadas. Para tal, este
estudo foi realizado tomando-se como base a noção de “re-visão” de Adrienne Rich, o conceito de carnavalização de Mikhail
Bakhtin e os níveis de revisionismo teorizados por Maria Cristina Martins.
Palavras-chaves: Contos de fadas, Fiona, Revisionismo.
Introdução
Os filmes Shrek 1, 2 e 3 constituem uma sequência fílmica instigante para os estudos sobre o
revisionismo contemporâneo dos contos fadas. Essa sequência faz-se irreverente e estimuladora por causa
da própria forma como são constituídos os seus enredos. Apesar de lançar mão de elementos recorrentes de
vários contos de fadas mundialmente conhecidos, os filmes dessa sequência se diferenciam e se distanciam
significativamente de outras obras cinematográficas que também contemplam os contos maravilhosos,
como as versões dos Estúdios Disney, por exemplo.
A brilhante série Shrek, promovida pela DreamWorks foi lançada em 2001 e dirigida por Andrew
Adamson e Vicky Jenson. Baseada no livro de Willian Steig (1990), conta a história de um horroroso ogro
verde chamado Shrek que se torna o protagonista e herói de toda a trama para ajudar as personagens dos
clássicos contos de fadas, banidas de seus reinos por Lord Farquaad.
A série Shrek conta com um enredo fílmico parodístico. Segundo Graça Paulino et al, a paródia
seria, “uma forma de apropriação que, em lugar de endossar o modelo retomado, rompe com ele, sutil ou
abertamente” (1995, p. 36). Além disso, Shrek também se constitui a partir da combinação de vários
intertextos, não somente dos clássicos contos de fadas, mas também de outras fontes fílmicas diversas, o
que nos remete à questão da intertextualidade. Conforme explica Carolina Marinho em Poéticas do
Maravilhoso no cinema e na literatura,
O conceito de intertextualidade procura compreender a literatura como um texto que não se
esgota em si mesmo, mas busca em outros textos sua construção e expressão narrativa. Essa
intertextualidade estabelece ainda redes nas quais o entrecruzamento de vozes pronunciase nos textos que vão se apropriando de outros.
[...]
O cinema pode se apropriar do texto literário como ponto de partida para a elaboração do
roteiro, adaptando a narrativa para o texto cinematográfico [...] Talvez possamos pensar
numa intertextualidade imanente do cinema, na medida em que ele incorpora, por sua
própria natureza, outros sistemas de linguagem. (2009, p. 150-1)
Este artigo é parte de uma pesquisa de Iniciação Científica intitulada "O caráter transgressor da figura feminina Fiona em Shrek" e
orientada pela professora Dra. Maria Cristina Martins. E-mail: [email protected].
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Em suma, os filmes Shrek 1, 2 e 3 podem ser tomados como um conjunto sequencial que retoma
os contos de fadas, principalmente versões fílmicas consagradas, como as dos Estúdios Disney, mas sob uma
perspectiva contemporânea. Apesar de essa série fílmica permitir inúmeras investigações, o propósito
central da presente análise é discutir o caráter transgressor da personagem Fiona em Shrek 3 (2007).
Uma análise de Fiona a caminho da maternidade
O casamento é considerado uma transformação social, na qual duas pessoas se unem, passando
do estado civil de solteiro para o de casado. A maternidade é uma das decorrências comuns nos casamentos.
No entanto, a mesma não se dá somente nestas circunstâncias, pois mulheres solteiras podem conceber um
filho fora de uniões socialmente instituídas. Apesar de a maternidade ter implicações sociais variadas, ela é
também um processo biológico que se dá no corpo da mulher, a partir da fecundação.
Enquanto o casamento é um ato que decorre da opção de duas pessoas que decidem viver juntas
pelos mais variados motivos,
a opção de uma mulher em ser mãe nem sempre é algo previsível e quando esse estágio
chega à vida feminina ela se torna tão significativa quanto o casamento. Dar a luz a uma
criança exige forças, atenção. A atenção a ser dada a uma criança é algo, praticamente,
desmedido, compulsivo, afinal, na contemporaneidade uma mulher doa-se não somente ao
casamento, quando casada, mas aos pais, pois nasceu filha, aos escalões de sua carreira e
mais significativamente em ser Mãe. A mulher sofre ao longo da vida inúmeras
transformações, filha, solteira, casada, mãe, entretanto, “ela vive intacta somente porque é
mutável.” (GOULD, 2007, p. 214)
Nos filmes de animação Shrek (2001) e Shrek 2 (2004) nos deparamos com transformações na
vida da princesa Fiona. O primeiro filme nos apresenta essa protagonista de forma atípica, dando a ela voz e
muita vivacidade, o que não se observa nas versões parafrásticas dos clássicos contos de fadas traduzidos
para o cinema pelos estúdios Disney, por exemplo.
Fiona passa por transformações significativas: primeiro nos deparamos com a fase da atração, ou
seja, do apaixonar-se por aquele que seria o seu verdadeiro príncipe encantado, que vem a ser, na verdade,
um “Ogro desencantado”, o que rompe frontalmente com o estereótipo dos belos e valorosos heróis dos
contos de fadas tradicionais. Posteriormente, depois de algumas aventuras, Fiona e Shrek selam sua paixão
com o famoso “beijo do verdadeiro amor”, após o qual, a bela princesa assume e opta, de maneira
consciente, por sua forma de Ogra, que era decorrente de um feitiço lançado sobre ela. O beijo teria o poder
de quebrar essa maldição que a mantinha na forma de princesa durante o dia e de ogra, à noite,
devolvendo-lhe a condição de bela. A escolha de Fiona subverte, no sentido do carnaval de Bakhtin, o
resultado das transformações convencionais dos contos de fadas, que fazem o feio ou monstruoso ser
devolvido ao seu estado original de beleza e perfeição.
É importante observar que, semelhante ao que ocorre no primeiro filme dessa divertida série, no
qual a história se apresenta de modo parodístico e revisionista em relação aos contos de fadas tradicionais,
subvertendo seus valores, o segundo filme da série, de forma não muito diferente, mostra aquilo que os
consagrados contos de fadas em suas versões clássicas impressas e também nas consagradas adaptações
fílmicas apresentadas pelos Estúdios Disney não contaram, que é o que ocorre além do conhecido desfecho
“e foram felizes para sempre”.
No que diz respeito a Fiona, em Shrek 2, ela afirma diante dos pais a sua identidade assumida de
ogra, o que significa sua renuncia à oportunidade de ser uma bela princesa. Entre outras coisas, a ogra
desafia o pai, permanecendo convicta de que o amor de sua vida é mesmo o ogro do pântano. Além disso,
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sua atitude mostra ao marido que ela tinha capacidade de escolher aquilo que realmente desejava,
independentemente das opiniões tanto dele quanto do pai, ou seja, dos homens que tanto ela amava.
Em Shrek 3 (2007), a Ogra nos é apresentada em um novo papel, que os contos de fadas não nos
dão a conhecer: o de ser mãe. Ao desempenhar esse papel Fiona mostra ser doce e amável, características
básicas não só das princesas nos contos de fadas tradicionais, como também características daquela mulher
que dará toda a sua atenção aos filhos como também ao esposo.
Fiona: Pense só, mais uns dias e voltaremos para casa, para nosso chalé cheio de vermes e
fungos, cheirando a lama podre e sujeira.
Shrek: Já me ganhou no cheiro de vermes.
Fiona: E talvez até com barulho de pezinhos pelo chão
Shrek: É mesmo. Os ratos estarão procriando.
Fiona: Não. Pensei em algo um pouco maior que um rato.
Shrek: No burro?
Fiona: Não Shrek. E, se teoricamente, fossem pezinhos de bebê ogro?
Shrek: Amor, vamos ser racionais. Viu um bebê recentemente? Eles só comem, fazem cocô e
choram depois. Choram quando fazem cocô e fazem cocô quando choram. Agora, imagine só
um bebê ogro. É um mega choro e um mega cocô.
Fiona: Shrek, nunca pensou em ter uma família?
Shrek: Neste momento, você é minha família.2
Nesse diálogo, Fiona já grávida, tenta preparar Shrek para a novidade e sinaliza seu desejo de ter
filhos e construir uma família ao lado do homem que ama. A reação de Shrek, no entanto, coloca em
evidência o lado complicado, trabalhoso e nada poético do cuidado de recém-nascidos, que, segundo ele,
seria pior ainda no caso dos bebês ogros. Diante disso, Fiona só confirmará posteriormente a gravidez ao
esposo que, apesar do espanto, se alegra com a notícia.
Outro fator que merece ser considerado como parte da caracterização da personagem é o fato de
Fiona demonstrar discernimento suficiente para não se deixar levar ou abater pelos comentários de um
grupo de princesas dos canônicos contos de fadas que pareciam lhe mostrar o quando era difícil a
maternidade.
Hora dos presentes. – canta Branca de Neve.
Fiona abra o meu primeiro, é esse da frente. – Diz Cinderela.
“Parabéns pelo seu novo bagunceiro”, bagunceiro! – exclama Fiona, lendo o cartão ao abrir
o presente dado por Cinderela. – “ Tomara que isso ajude, com amor Cinderela” – lê a ogra
com um riso amarelo.3
Entre alguns dos presentes que Fiona recebe, chama nossa atenção um dos sete anões ser dado a
ela por Branca de Neve:
O que é? – pergunta a Ogra
É uma mini babá. – Responde Branca de Neve risonha.
Onde está o bebê? – pergunta o anão.
Você é muito fofa Branca, mas não posso aceitar. – diz Fiona rindo.
Não é nada, tenho mais seis em casa. – responde Branca tomando chá.
O que ele faz? – pergunta Fiona.
Limpa. – responde Cinderela.
Alimenta. – diz Branca.
Faz arrotar. – diz o Anão.
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Transcrição nossa do filme Shrek 3 (2007).
Transcrição nossa do filme Shrek 3 (2007).
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O que eu e Shrek vamos fazer? – questiona a Ogra Fiona
Cuidar do casamento. – diz Rapunzel.
Obrigada, Rapunzel, mas o que quer dizer com isso? – pergunta Fiona.
Fala sério, Fiona. Você sabe o que rola. – estranha Rapunzel.
Vai ficar cansada o tempo todo. – diz Bela Adormecida (acordando com o tapa de Cinderela).
– Começa a se descuidar.
Marcas de estrias. – diz Biscoito.
Diga adeus ao romance. – conclui Rapunzel.
Me desculpem, mas quantas de vocês têm filhos? – pergunta inteligentemente Fiona.
Ela tem razão. – 62apoia uma das irmãs más de Cinderela. – Um bebê vai fortalecer o amor
entre Shrek e Fiona. E como ele reagiu quando contou a ele?
Quando eu contei a ele, Shrek disse...4
Nesse momento o Dragão dá um grito interrompendo o diálogo entre as personagens, pois o
castelo em que ocorria o chá de bebê estava sendo invadido. E, mesmo estando grávida, mas contando com
a ajuda de sua própria mãe, de amigas de contos de fadas consagrados, como “Branca de Neve”,
“Cinderela”, “A Bela Adormecida”, e até de uma das irmãs más de Cinderela, Fiona, liderando uma espécie
de “liga das princesas”, enfrenta o vilão, neste caso, o Príncipe Encantado. Fiona enfrenta essa situação, e
podemos dizer que sua demonstração de força e sagacidade ao salvar o próprio esposo e também o Reino
Tão Tão distante é algo praticamente inusitado nos enredos de contos de fadas tradicionais, nos quais
acontece geralmente o contrário, ou seja, são figuras masculinas que, na maioria das vezes, vencem
obstáculos e/ou inimigos.
Esse grande feito de Fiona em Shrek 3 não é novidade na sequência, pois já no primeiro filme da
série, ela se comporta de forma que surpreende inclusive o próprio Shrek. Essa forma de agir, no entanto,
não significa sua “masculinização”, mas sim, a capacidade de agenciamento feminino. Tanto que essa
princesa-ogra, corajosa, determinada, destemida e nada convencional revela também em Shrek 3 a sua
capacidade e competência para lidar com a questão da maternidade, ou seja, com a experiência de ser mãe,
que é parte do universo das mulheres.
Fiona, portanto, dá mostras de estar pronta tanto para enfrentar situações de risco, como é o
caso da invasão do reino, como para assumir a maternidade, para ser uma mãe realmente protetora, capaz
de resguardar a segurança de seus filhos. O amor de Fiona por Shrek é tal que consegue socializar e
transformar o ogro verde ou “pária, em um marido e pai, que terá de aceitar os arreios da vida doméstica
daqui por diante.” (GOULD, 2007, p. 207). Para Joan Gould, essa transformação seria um dos efeitos
positivos da força feminina quando colocada em ação.
Apesar de Fiona ser apresentada como filha de reis, herdeira de um trono, o que estaria em
perfeita consonância com o que se observa em boa parte dos enredos dos contos de fadas tradicionais, a
constituição dessa personagem no papel de mãe, escreve além do final feliz das histórias e é atípica, quando
comparada à caracterização das heroínas dos contos da tradição, cujas histórias geralmente são encerradas
com a união ou casamento. A heroína da série Shrek, em sua trajetória da primeira à terceira edição, é
colocada dentro do imaginário atual da mulher. Em linhas gerais, quando analisada à luz do conceito de “revisão” de Adrienne Rich e da noção de carnaval de Bakhtin, a caracterização de Fiona, “re-vê” os estereótipos
de papeis sexuais e destrona a noção convencional das princesas dos contos de fadas.
Entende-se “re-visão” como sendo “o ato de olhar para trás, de ver com novos olhos, de entrar
em um texto antigo a partir de uma nova direção crítica” (RICH, 1985, p. 2045)5. Essa noção de Rich tem se
mostrado bastante eficaz em estudos contemporâneos que analisam instâncias revisionistas,
principalmente aquelas que dizem respeito à reavaliação da imagem da mulher no cenário social
contemporâneo. No revisionismo cria-se uma nova leitura de histórias consagrados (no caso, os contos de
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Transcrição nossa do filme Shrek 3 (2007).
No original: “the act of looking back, of seeing with fresh eyes, of entering an old text from a new critical direction”
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fadas e suas adaptações em versões fílmicas), que promove alterações ao reavaliá-los a partir de uma ótica
crítica, criando uma “nova” história e, consequentemente, abrindo espaço para o surgimento de novos
significados.
Fiona, personagem feminina da série Shrek, pode ser considerada uma “nova” heroína que
dialoga com a tradição por apresentar em sua constituição elementos típicos das narrativas tradicionais,
mas que também dessacraliza boa parte deles. A princesa-ogra, que tem encantado crianças e adultos,
quando vista a partir do conceito de carnavalização de Bakhtin, é uma heroína “às avessas”, já que tanto ela
como o “herói” Shrek e o enredo em que estão inseridos – a série Shrek – são constituídos de forma
carnavalizada.
O nível de revisão na caracterização de Fiona
Maria Cristina Martins define nível de revisão, como “o alcance subversivo e transgressor de cada
releitura, ou seja, até que ponto os textos resultantes subvertem ou transgridem as histórias originais.”
(2005, p. 215). Para ela, releituras revisionistas dos tradicionais contos de fadas na contemporaneidade
podem apresentar diferentes graus de subversão e de transgressão. Os níveis de revisionismo definidos por
Martins são: o questionador, o transgressor ou subversivo e o reconstrutivo.
O primeiro, o revisionismo questionador, seria a revisão que “expõe ao questionamento ou
desestabiliza aspectos ou significados importantes dos contos de fadas tradicionais sem, no entanto,
subverter tão radicalmente as histórias” (MARTINS, 2005, p. 215). O segundo, revisionismo transgressor ou
subversivo, aponta as intervenções narrativas que “resultam em textos que não só questionam, mas
conseguem subverter frontalmente leituras, interpretações tradicionais e significados, cristalizados no
processo de transmissão dos contos de fadas ao longo dos tempos” (MARTINS, 2005, p. 216). O terceiro, o
revisionismo reconstrutivo, refere-se a releituras que “não só questionam e subvertem, mas que também
contrapõem propostas alternativas às narrativas tradicionais” (MARTINS, 2005, p. 216). Tais níveis podem
ser aplicados na caracterização da personagem feminina Fiona da série Shrek.
O caráter revisionista da princesa Fiona em Shrek 3 se dá pela maneira como ela foi sendo
caracterizada desde o primeiro filme da série, iniciando-se no momento que ela aceita e mantém sua forma
original de ogra, passando pela apresentação de sua vida pós-nupcial, ou seja, além do “e foram felizes para
sempre”, momento em que essa nova heroína é capaz de enfrentar as adversidades, como por exemplo, a
oposição do pai ao seu casamento, o que já supera em muitos aspectos qualquer outra princesa dos contos
de fadas e, finalmente como uma mulher casada que, mesmo estando grávida, demonstra ser capaz de
liderar o resgate de seu esposo e de salvar seu Reino. Vale ainda salientar que Fiona não é a personagem
principal da trama, porém ela se tornou assim. Foi dada a Fiona uma história de ação, o que já é além
daquilo que estamos acostumados a imaginar quando pensamos em princesa.
Neste terceiro filme da série, a Princesa Fiona também se torna mãe, sem que isso signifique
fragilidade ou dependência. Pelo contrário, essa personagem continua demonstrando sua força e
capacidade de agenciamento, como nas duas versões anteriores, e mantém-se profundamente apaixonada
por seu esposo Shrek. Desse modo, podemos afirmar que Fiona, em seu conjunto, é uma personagem
transgressora e subversiva no que concerne aos estereótipos das princesas tradicionais. Ela representa o
resultado de uma forte tendência contemporânea de mover-se rumo a uma nova forma de caracterização
das princesas de contos de fadas, atingindo assim o nível de revisionismo reconstrutivo. (MARTINS, 2005, p.
216).
Considerações finais
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Adaptações fílmicas contemporâneas de contos de fadas, como as da série Shrek da DreamWorks
são manifestações artísticas que podem estimular o questionamento, tanto de representações de um
determinado momento histórico como de concepções e significados ratificados pela tradição desse gênero
literário.
A personagem Fiona, através do riso que provoca, como também através de sua postura crítica,
suscita tanto em crianças como em adultos reflexões sobre uma sociedade que caminha para a igualdade,
mesmo que seja a passos muito pequenos.
Quanto às técnicas de animação empregadas na construção de enredos fílmicos como os da
sequência de Shrek, o cinema contemporâneo tem demonstrado saber usá-las para se afastar, a cada nova
edição, do modelo tradicional dos contos de fadas, inventando assim novas histórias e um novo modelo de
heroínas de contos de fadas, muito bem recebidos e aclamados pelo público da contemporaneidade.
No que diz respeito ao nível de revisionismo alcançado em relação à caracterização da
personagem feminina central da série, notamos que em cada estágio de sua vida, a princesa Fiona parece
galgar um degrau, tendo em vista que o percurso dela de Shrek a Shrek 3 parece seguir sequencialmente os
três níveis de revisão propostos por Martins (2005): quando era uma donzela em busca de um príncipe
encantado apresenta postura questionadora na maior parte do enredo; quando assume publicamente sua
forma de ogra e se casa com o ogro verde Shrek, enfrentando firmemente sua decisão perante seus pais,
atinge seu nível subversivo; e, ao querer permanecer ogra, ascende para o nível reconstrutivo, tendo filhos e
retornando ao terrível pântano com seu esposo, como se fosse o melhor lugar do mundo.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense-Universitaria,
1981.
CURY, Maria Z. Ferreira; PAULINO, Graça; WALTY, Ivete. Intertextualidades: teoria e prática. Belo Horizonte: Ed. Lê, 1995.
(Coleção Letras).
GOULD, Joan. Fiando palha, tecendo ouro: o que os contos de fadas revelam sobre as transformações na vida da mulher.
Tradução de Ana Deiró. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
MARINHO, Carolina. Poéticas do maravilhoso no cinema e na literatura. Belo Horizonte: PUC Minas, Autêntica Editora,
2009.
MARTINS, Maria Cristina. "E foram(?) felizes para sempre...": (sub)versões do feminino em Margaret Atwood, A. S. Byatt e
Angela Carter. Belo Horizonte: UFMG, 2005. 301 f. Tese (Doutorado) − Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, FALE,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.
RICH, Adrienne. When we dead awaken: writing as re-vision. In: GILBERT, Sandra M.; GUBAR, Susan (Orgs.). The Norton
anthology of literature by women: the tradition in english. New York : W.W. Norton, 1985. p. 2044-56.
SHREK the Third. Direção: Chris Miller. Produção: Aron Warner, Andrew Adamson, Denise Nolan Cascino. Estados Unidos:
Dreamworks, 2007.
STEIG, William. Shrek. New York : Farrar Stians Giroux (FSG), 1990.
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