O futuro da arte.ARTIGO PARA 1 ANO

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O futuro da arte.ARTIGO PARA 1 ANO
O futuro da arte
Novos meios, ideias e artistas subvertem o conceito da arte e acabam com os limites entre tradição e
vanguardismo
JONES ROSSI
Nunca foi tão difícil definir o que é arte. Estamos passando
por um novo Renascimento, mas sem Da Vincis e nem
Michelangelos. Ou melhor, os Da Vincis de hoje não estão
em um ateliê, mas na frente de um computador, ou com
uma câmera na mão e muitas ideias na cabeça.
Velhos conceitos sobre arte não conseguem enquadrar os
vídeos do YouTube ou videogames de última geração.
Filmes blockbuster, desprezados pela crítica, são telas vivas
do momento em que vivemos, assim como as melhores e
mais inovadoras obras dos últimos séculos.
Uma das releituras da Monalisa feita pelo artista inglês
Banksy, alçado ao status de celebridade artística. Em
recente exibição em Los Angeles, Angelina Jolie gastou
US$ 328 mil em suas obras
Enquanto a música erudita estacionou, a música pop
não para de produzir novos ritmos, e criar fusões
inéditas de gêneros e estilos. Nas artes plásticas, novos nomes como o inglês Damien Hirst e Banksy
alcançam o status de ídolos pop com obras atraentes e provocadoras. Nas próximas páginas, descubra os
filmes, games, pessoas e ideias que estão mudando radicalmente a nossa maneira de entender o que é arte.
CINEMA
SOBRE ROBÔS E INGMAR BERGMAN
Transformers é barulhento, caótico, confuso. Tem uma
história quase infantil. Custou US$ 150 milhões. Ganhou
uma continuação ainda mais cara. Predicados pouco
artísticos? Não para Janine Basinger, coordenadora do curso
de cinema da Wesleyan University de Connecticut e exprofessora de Michael Bay, diretor do filme.
Ela defende seu pupilo com unhas, dentes e bons
argumentos. "Ingmar Bergman disse que todo grande
cineasta precisa definir o cinema em seus próprios termos",
disse ao jornal Miami Herald. "Para algumas pessoas, isto
significa fazer takes demorados ou mensagens sociais. Para
Michael, significa ritmo acelerado e movimentos rápidos.
Ele é, na verdade, um artista abstrato na maneira em que ele
usa tempo, espaço, luz e cor em seus filmes. É quase um
diretor experimental."
Dois filmes de Michael Bay (A Rocha e Armageddon)
foram selecionados para integrar o catálogo da
Criterion, editora americana especializada em filmes de
arte e diretores como Akira Kurosawa
O crítico de cinema Inácio Araújo, da Folha de S. Paulo, cita os dois filmes de Batman dirigidos por
Tim Burton, além de Titanic, o blockbuster de James Cameron, como exemplos de arrasa-quarteirões que
vão além do que se espera de filmes do gênero. "Burton confere um viés político que faz a diferença,
enquanto o sucesso de Cameron, pensado hoje, teve uma percepção do desastre para o qual o mundo
estava indo", afirma.
Os blockbusters sempre foram alvo da crítica especializada. Mas, aos poucos,
filmes antes vistos apenas como espetáculos de explosões e barulho estão sendo
reabilitados
TELEVISÃO
A NOVA TV ESTÁ NO YOUTUBE
Filmagens sem cenário, feitas somente em locações. Nada de efeitos especiais, filtros ou iluminação
artificial. Som direto. Câmera na mão. Há 14 anos, essas foram as resoluções tomadas no manifesto
Dogma 95, um movimento vanguardista criado por cineastas dinamarqueses - entre eles Lars Von Trier
(Dançando no Escuro, Dogville, Anticristo).
Mas esses são os mesmos princípios usados (involuntariamente, ou intuitivamente) pela maioria dos
vídeos postados no YouTube. Sem recursos, feitos em casa, com câmeras amadoras, o site criado no final
de 2005 se transformou em uma espécie de laboratório de experimentalismo não mais visto na TV.
"Convenções narrativas e estéticas são alteradas todos os dias no YouTube", afirma a videoartista
canadense Emily Vey Duke.
As convenções narrativas não estão mais na mão de
poucos artistas. Qualquer um dos milhões de usuários
do YouTube pode criar suas regras e ter sua própria
audiência, como Jessica Rose, que se tornou famosa
como Lonelygirl_15
Cena de Os Idiotas, do cineasta dinamarquês Lars Von
Trier: um dos fundadores do manifesto artístico Dogma
95, antecipou em dez anos a estética YouTube
ARTES PLÁSTICAS
SHOW DOS MILHÕES
Os novos artistas plásticos parecem executivos dos anos
80. São jovens, ambiciosos, cheios de atitude. Símbolo de
todo um movimento batizado YBAs (Young British Artists,
em português jovens artistas britânicos), Damien Hirst, 44
anos, é o Andy Warhol do século 21. Execrado por parte da
crítica - "É arte atrelado ao midiático, ao mercado; o
conceito aí é o que menos importa", afirma o crítico Ricardo
Resende.
Hirst vem chamando atenção por ter a morte como tema
recorrente de seus trabalhos e pelos milhões que o
Hirst está brigado com a crítica desde quando era
transformaram no mais valorizado artista vivo. Uma de suas
estudante de arte e teve um trabalho avaliado como
obras mais famosas, "A impossibilidade física da morte na
sendo de "segunda classe". Hoje, é inspiração para a
nova geração de artistas britânicos
mente de alguém vivo", um tubarão conservado em formol
dentro de uma redoma de vidro, foi vendido por seis
milhões de libras (quase R$20 milhões). "Hirst age no limite", diz o crítico Tiago Mesquita. "Ele tem
consistência no uso dos objetos e um discurso poético muito forte."
ARTE CABEÇA
Para o Decapitador, arte, crime e publicidade caminham próximos. O artista londrino - que se mantém
anônimo - ganhou notoriedade em 2007, arrancando a cabeça dos modelos expostos em outdoors e
cartazes publicitários. No lugar, ele deixa um pedaço de osso e muito sangue, como se a cabeça de um
personagem de desenho animado tivesse explodido.
Irônico, ataca desde cartazes de marcas de alto luxo até anúncios de filmes infantis. Esteve em São
Paulo na primeira semana de julho, e deixou sua marca dentro da Villa Daslu. Mais ironia: a crítica que o
Decapitador faz à publicidade acaba promovendo as lojas atacadas.
A francesa Sophie Calle ao lado de peça da sua exposição "Cuide-se": ela pediu para diferentes pessoas analisarem
o e-mail de rompimento enviado pelo seu ex-namorado, misturando arte e vida privada
QUANDO O PRÓPRIO CORPO VIRA ARTE
Um exemplo de manifestação da arte em territórios
inesperados costuma rodar o mundo, não em exposições, mas
atrelado ao corpo do escritor mexicano Mario Bellatin.
Vítima de uma deformação de nascimento causada pela
droga talidomida, ingerida por sua mãe, ele utiliza uma
prótese no lugar do antebraço direito.
Na ponta do artefato, em vez de uma mão artificial,
aparecem peças exclusivas desenhadas por artistas plásticos a
convite de Bellatin. Os desenhos são dos mais inusitados. Em
julho último, convidado da Festa Literária Internacional de
Paraty, o autor provocou polêmica ao surgir com a figura de um pênis.
Entre os 15 modelos, há formatos de flor e ganchos de design apurado. "Tive a ideia há cinco anos,
depois de jogar fora a prótese convencional no rio Ganges, na Índia, como se fosse um funeral", explica
Bellatin. "Passei então a notar a dependência que tinha dela, não de um modo prático, pois não preciso da
prótese para escrever, mas psicológico; não conseguia tomar decisões, refletir sobre problemas, por
exemplo." Mais de dez artistas plásticos já desenvolveram "obras" para o escritor.
VIDEOGAME
A NOVA LITERATURA
Esqueça aquele papo de que videogame é o novo
cinema. Não é. Videogame é a nova literatura. A inovação
tecnológica alcançada nos aparelhos de última geração não
serviu apenas para incrementar os gráficos, cada vez mais
realistas. Agora os programadores podem inventar mundos
quase infinitos, repletos de possibilidades e alternativas,
com personagens densos e cheios de personalidade.
Por isso, jogos como Fallout 3 têm uma atmosfera tão
convincente e diálogos tão realistas que criam aquele tipo
de afeição aos personagens que só desenvolvemos quando
lemos os melhores romances de Machado de Assis e
William Faulkner.
Fallout 3 tem uma atmosfera tão convincente e diálogos
e personagens tão bens construídos que o jogo
ultrapassa a fronteira dos games para ficar próximo da
literatura
A narrativa do jogo, que se passa em um hipotético cenário no qual os EUA entraram em uma guerra
nuclear contra a China, leva o jogador a explorar profundas questões morais e filosóficas. Você já ouviu
falar de algo assim. Chama-se literatura. E agora você não encontra somente nas bibliotecas. Está também
no seu PlayStation 3.
+3 JOGOS BEM ESCRITOS
PRINCE OF PERSIA (PS3, Xbox 360, PC) O antigo game foi
reformulado para a nova geração e trouxe mudanças significativas. Uma
narrativa mais próxima da literatura e do cinema, e personagens que
mudam de personalidade durante o jogo. Para o escritor Daniel Galera, foi
o jogo que iniciou uma abordagem mais séria da morte nos videogames.
BIOSHOCK (PS3, Xbox 360 e PC) Rapture foi
programado por cientistas para ser um mundo
perfeito, mas algo dá errado. Altamente complexo, o
jogo alia uma atmosfera lúgubre a um roteiro quase filosófico. E levanta
uma série de questionamentos morais, como decidir entre ajudar ou
explorar os moradores deixados à própria sorte.
SHADOW OF THE COLOSSUS (PS2) Um
guerreiro que enfrenta colossos de pedra para recuperar a alma de uma
jovem virou metáfora para o diretor Mike Binder no filme Reine Sobre
Mim. Ele usa os vastos cenários silenciosos do jogo para mostrar a solidão
do personagem de Adam Sandler, que perdeu mulher e filha nos atentados
de 11 de setembro.
MÚSICA
CANÇÕES PARA ALIENÍGENAS
Uma sinfonia vale mais que três acordes dos Ramones
ou que o Moonwalk de Michael Jackson? "Inovação e
liberdade são as coisas mais importantes da arte", diz Luís
Antônio Giron, editor de cultura da revista Época. "E hoje
você encontra as duas qualidades mais na música pop que
na música clássica."
Para o crítico João Marcos Coelho, a música pop soube
absorver elementos da música erudita e transformar isso em
algo novo. "Björk faz arte com sua música e estudou com
Stockhausen, compositor alemão, morto em 2007, aos 79
anos, que também influenciou os Beatles." O crítico lembra
ainda músicos como Elvis Costello, Lou Reed e Frank
Zappa e seus trabalhos "contrabandeados" do erudito.
A cantora islandesa Björk e o grupo alemão Kraftwerk
foram influenciados pelo compositor alemão Karlheinz
Stockhausen, pioneiro da música eletrônica
Há grupos que quebram essa barreira entre alta cultura e música pop, como a banda inglesa Radiohead.
"Eles unem eletrônica com versos densos e fragmentos poéticos", diz Giron. Kid A e Amnesiac, discos
que a banda lançou respectivamente em 2000 e 2001, soam ainda hoje como uma trilha sonora para
alienígenas.
CINCO EM UM
Michael Jackson mudou a cara da música. "Ele
representou uma renovação no modo de produzir um disco
pop, além de criar um novo tipo de artista, capaz de eletrizar
seu público não apenas pela música, mas também pelo seu
gestual. É um dos grandes do século 20", afirma Luís
Antônio Giron.
*com reportagem de Orlando Margarido
GALILEU . Edição 217 -­‐ Ago de 2009