MEDIAÇÃO ED DE NOV 2006 COM CAPA.p65

Transcrição

MEDIAÇÃO ED DE NOV 2006 COM CAPA.p65
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Diretor
Pe. Raimundo Kroth, S.J.
Vice-diretor
Prof. Adalberto Fávero
Coordenador Administrativo e Financeiro
Gilberto Vizini Vieira
Coord. Comunitário e de Esporte
Prof. Francisco Alexandre Faigle
Coordenação Editorial e Revisão
Nilton Cezar Tridapalli
Luciana Nogueira Nascimento
(MTB 2927/82v)
Projeto Gráfico e Diagramação
Sonia Oleskovicz
Ilustrações
Melissa Gurek de Oliveira
Fotografias
Arquivo Medianeira
Marcos Pereira
Colaboraram nesta edição
Claudia Furtado de Miranda, Ester
Cardoso Candelori, Francisco Carlos
Rehme, Isabel Cristina Piccinelli
Dissenha, Klaus Zanuncio Protil, Loivo
José Mallmann, Luciane Hagemeyer,
Manoel Caetano Antônio de Oliveira,
Marcelo Cambraia Sanches, Maristella
Gabardo, Milana Bernartt, Pe. Dionísio
Siebel S.J., Pe. Domingos Chagas S.J.
Tiragem
4.000 exemplares
Papel
Reciclato Suzano 90g/m2 (miolo)
Reciclato Suzano 240 g/m2 (capa)
Número de Páginas
52
CTP
Edições Loyola
Impressão e Acabamento
Edições Loyola
ISSN 1808-2564
revista de educação editada e
produzida pelo colégio medianeira
Criança, família, leitura e escola
Luciane Hagemeyer ....................................................................................................................................... 5
Maria, Medianeira de todas as graças
Pe. Dionísio Siebel, S.J. ................................................................................................................................. 10
Sobre a Sociologia
Ester Cardoso Candelori ............................................................................................................................... 15
A Filosofia... no Ensino Médio... no vestibular... na vida
Loivo José Mallmann ..................................................................................................................................... 21
Sensibilidade e percepção do meio
Francisco Carlos Rehme ................................................................................................................................ 25
O Império contra-ataca: a construção do colonialismo na
América Latina
Maristella Gabardo ......................................................................................................................................... 30
Ensino Fundamental de nove anos: perspectivas e debates
Claudia Furtado de Miranda ........................................................................................................................... 35
Ver para crer?
Milana Bernartt ............................................................................................................................................... 41
“Levanta-te, vem para o meio!” Vale a pena fazer este convite...
Isabel Cristina Piccinelli Dissenha ................................................................................................................ 44
EQUIPE PEDAGÓGICA
Educação Infantil e Ensino
Fundamental de 1ª à 4ª séries
Coordenadora
Profª Silvana do Rocio Andretta Ribeiro
Ensino Fundamental de 5ª e 6ª séries
Coordenadoras
Profª Eliane Zaionc (manhã)
Profª Carolina Queiroz Lopes de Araújo (tarde)
Ensino Fundamental de 7ª e 8ª séries
Coordenador
Prof. Marcelo Pastre
SJR: uma missão junto dos pobres mais pobres
Pe. Domingos Chagas, S.J. ............................................................................................................................ 48
Sociedade Pseudo-ecológica
Klaus Zanuncio Protil ...................................................................................................................................... 53
Banda
Manoel Caetano Antônio de Oliveira ............................................................................................................ 54
Prof. Edilson Ribeiro
Centro de Espiritualidade
Pe. Hilário José Kochhann, S.J.
Comunicação e Marketing
Luciana Nogueira Nascimento
Os artigos publicados são de inteira
responsabilidade dos autores e não
refletem necessariamente a opinião
dos editores e do Colégio Nossa
Senhora Medianeira. A reprodução
parcial ou total dos textos é
permitida desde que devidamente
citada a fonte e autoria.
BR 476, Km 130, nº 10546
Prado Velho • Curitiba • Paraná
fone 41 3218-8000/ fax 41 3218-8040
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www.colegiomedianeira.com.br
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Portuguès e Literatura do Colégio Medianeria
Coordenador de Pastoral
Marcelo Cambraia Sanches - Professor de
Ensino Médio
Coordenador
Profª Roberta Uceda Vieira
Quem tem medo da Filosofia?
A Sociologia e a Antropologia estão no currículo do Colégio Medianeira desde 2000, embora
já façam parte do cotidiano dos estudantes há
muito mais tempo, permeando a abordagem de
outras ciências com uma ênfase tão grande quanto a reservada à Filosofia, à qual nossos alunos
se dedicam formalmente desde 1960.
A resolução do Conselho Nacional de Educação que a partir de 2006 instituiu a Filosofia e a
Sociologia no Ensino Médio, portanto, somente
veio reforçar a confiança do Medianeira no pensamento humanista e sua vocação para a apreciação crítica e transformadora da realidade. O
conteúdo programático já está há anos incorporado à tradição do Colégio.
Não foi à toa que o regime militar baniu da
maioria das escolas essas duas disciplinas. Como
lembra nesta edição (pág. 19) o professor Loivo
José Mallmann, “não convinha que as arbitrariedades cometidas no período fossem discutidas e
questionadas.” Nenhum autoritarismo consegue
conviver com o cidadão atento aos movimentos
da História, ciente do poder oculto nas relações
entre os desiguais e dotado dos instrumentos para
expressar sua observação questionadora.
O artigo “O Império Contra-Ataca: A Constru-
ção do Colonialismo na América Latina”, a partir
da página 28, é um exercício dessa abordagem
de resistência pelo pensamento e pela identidade cultural.
Sociologia, Filosofia, Educação e Psicologia
são os componentes deste número de Mediação,
porque são também os componentes da prática
diária dos estudantes, professores, funcionários,
pais e comunidade envolvidos no projeto que o
Colégio Nossa Senhora Medianeira realiza há
quase 50 anos.
Porém o que seria da Filosofia e de todo saber
se não os incorporássemos nas nossas ações? A
experiência deve ser vivida. Deve ser vívida.
“Viva!”, exclama o professor Francisco Carlos
Rehme, o nosso querido Chicho, um pioneiro da
educação ao ar livre, ao transpor para a prática
um complexo conjunto de saberes e atitudes. O
artigo “Sensibilidade e Percepção do Meio” fala
do ambiente vivo e do estudante que vive, plenamente, esse misto de ciência e consciência presente nas aulas exploratórias, em contato com o
ambiente, no interior das cavernas, nas escaladas ou num simples passeio pelos bosques da
escola na hora do recreio. Complexidade e simplicidade. Boa leitura a todos.
Luciana Nogueira
Prezados senhores
RESPOSTA DE MEDIAÇÃO
Meu filho trouxe a revista Mediação Número 6 hoje.
Como sempre, li os artigos avidamente.
Porém percebi um erro de português no Sumário: o título
da matéria da página 44 está:
“Canções e algo mais - a traGEtória do grupo U2”.
Internamente está correto – trajetória.
Grande abraço
Chegamos a perceber o problema ortográfico
quando a revista chegou até nós. Infelizmente
aconteceu e não foi possível mudar a tempo.
Agradecemos o apoio.
ERRATA
Abimael Jr
(pai de Abimael Alves de Oliveira Neto,
estudante da 3ª série tarde)
A edição anterior da Revista Mediação é, na
verdade, a edição número 5; a edição número
6 é esta que você tem em mãos agora.
Caro leitor
leitor,, escreva para a revista Mediação enviando seus comentários sobre as matérias e artigos lidos aqui. Não deixe de participar
par.. Mande sua mensagem para [email protected] ou [email protected]
[email protected]
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CRIANÇA,
LEITURA,
Família e Escola
Eis a leitura de novo! É claro que se pode formar um leitor a partir de
qualquer idade; mas quem, desde cedo, já pratica esse exercício, terá mais
tempo pela frente para refinar a sua visão de mundo e entrar em contato
com as inúmeras possibilidades da existência. O artigo aponta também
estratégias adotadas pelos pais para a formação do pequeno grande leitor.
Por Luciane Hagemeyer
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A leitura, aos poucos, me ensinou a perder
o medo dos livros (...). Daí para a frente,
todo bom livro é nutrição.
Arthur Nestrovski, escritor e articulista da
Folha de S. Paulo.
N
Não é nenhuma novidade que a prática
da leitura, principalmente do texto literário,
possui um caráter político, revolucionário e
dialógico, constituindo-se em um fundamento que nos insufla de maior humanidade. E
para refletir mais sobre este assunto, nada
melhor do que observar o que grandes autores, pesquisadores, publicitários e jornalistas
têm afirmado sobre esta prática.
Há cem anos, Monteiro Lobato já dizia que
um país seria “feito de homens e livros”.
Muito tempo depois, Ziraldo, em seu livro O
Pensamento Vivo do Menino Maluquinho,
afirmava que ler seria “mais importante do
que estudar” e que a escola dos sonhos do
Menino Maluquinho primeiro o ensinaria a
ler e depois o ensinaria a gostar de ler. Uma
citação de Péguy encontrada há muitos anos
(infelizmente sem o registro da referência),
assim assegurava: “ensinar a ler será o único objetivo de um ensino bem compreendido, se o leitor souber realmente ler, tudo
estará a salvo”.
Claro que neste sentido, a Escola não se
furta de ser compreendida como um poderoso veículo de divulgação da leitura, da informação e do conhecimento. Por outro lado,
hoje em dia as crianças formulam suas imagens simbólicas, seus valores e suas regras
de comportamento a partir de diversificadas
fontes de informação que lhes são disponibilizadas pelos inúmeros espaços de aprendizagem a que têm acesso.
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Seria necessário então que as crianças pudessem lidar judiciosamente com o conjunto
de meios de que dispõem nos dias atuais, a
fim de que obtivessem dos mesmos maiores
recursos e benefícios. Mas de que modo?
Eu costumo falar no esplendor do livro porque ele
abre para mundos novos, idéias e sentimentos
novos, descobertas sobre nós mesmos, os outros
e a realidade. Ler, acredito, é uma das experiências mais radiosas de nossa vida, pois, como leitores, descobrimos nossos próprios pensamentos e
nossa própria fala graças ao pensamento e à fala
de um outro. Ler é suspender a passagem do tempo para o leitor, os escritores passados se tornam
presentes, os escritores presentes dialogam com
o passado e anunciam o futuro.
Marilena Chauí, professora de filosofia da USP
Por outro lado, se o livro possui todo este
esplendor de que Marilena Chauí nos fala, e
ele seria o caminho para melhor lidar com a
informação, por que nos parece tão difícil
fazer com que nossas crianças gostem de ler?
Porque ler é realizar um exercício de cognição estética e a leitura deve ser encarada como
fonte de descobertas para serem partilhadas
através de espaços solidários. Como exercício
individual e partilha, demanda tempo, disposição e familiaridade, pois o foco da leitura está
nas possibilidades, não nas limitações.
Neste sentido, qual é o papel da Escola?
Ora, a Escola deve se preocupar com os aspectos “ensináveis” da leitura. Isto não quer
dizer tratar a leitura como matéria didática, e
sim empenhar-se em ensinar a criança a ler
de modo que ela possa dinamizar seu acervo
pessoal. Desse modo, será mais fácil conscientizá-la a respeito de tudo o que pode estar
contido em um texto, como suas idéias e a
sua relação com outras obras, sua mensagem
intelectual, emocional e seus desdobramentos.
Quando termino a leitura de um romance de que
gosto, fico com vontade de dividi-lo com os amigos, recomendar, emprestar, dar de presente. Mas
sobretudo discutir, trocar opiniões. Nada melhor
do que conversar sobre livros no embalo de um
chope ou de um chá: eu acho uma coisa, meu
amigo acha outra, alguém mais discorda... Quem
e, neste sentido, entra o papel da família,
responsável por alimentar fisiológica e artisticamente seus filhos, seja pela dança, pelo teatro, pela música ou pela literatura. E, como na
alimentação, não é suficiente desejar que a
criança como toda a salada porque faz bem,
se a família não acompanhá-la comendo também. Com a leitura, é a mesma coisa. Não basta
dizer que ela é importante. Temos de nos tornar leitores modelos. E gostar de sê-los.
sabe o enredo tem mais de um sentido? Como foi
mesmo aquele lance? E aquele personagem... vilão ou herói? No fim do papo, cada um fica mais
cada um, ouvindo os outros.
Marisa Lajolo, professora de Literatura da
UNICAMP
A Escola, por ser o principal meio de convívio social da criança, é o local ideal para
confrontar, debater e refletir a respeito dos
diferentes sentidos que os leitores atribuem
aos textos lidos. Segundo Matthew Lipman,
a sala de aula deve ser um espaço que permita à criança entrar em contato com diferentes posturas interpretativas diante do
mundo e fazer da leitura um ato de construção reflexiva que leve ao pensar crítico, criativo e cuidadoso.
Devo à leitura tudo o que fiz na vida. Acho que a
leitura e a informação são alimentos tão importantes quanto o arroz com feijão, seja como entretenimento, seja como aprendizado. Para mim, na
maioria das vezes, as duas coisas prazerosamente
se misturam. Ao contrário de meros passatempos
que considero paliativos para ‘esperar a morte’,
como jogos de cartas, por exemplo, a literatura
me proporciona a sensação de ‘acrescentar vida’.
Washington Olivetto, publicitário da W/Brasil.
Nesta afirmação de Washington Olivetto,
divisa-se a leitura como símbolo de nutrição
Afinal, a formação de um leitor começa
na primeira infância. A presença da mãe, do
pai, ou de algum outro membro da família
como leitor ou narrador de histórias ao pé da
cama, é insubstituível. E depois que a criança cresce um pouco mais, a família não deve
deixar de ler histórias para ela, mesmo que já
a considere “crescidinha”. É interessante que
os pais iniciem a leitura em voz alta do primeiro capítulo de um livro escolhido (seja
pela compra ou pelo empréstimo), explicando e comentando suas impressões e incentivando as crianças a fazerem o mesmo, até
que a história ganhe ritmo e desperte sua
curiosidade para ir até o final.
É necessário ainda, sempre que possível,
investir uma parte do orçamento para a compra de livros. Não havendo possibilidade para
isto, uma boa opção pode ser levar as crianças a conhecer as grandes bibliotecas que
existem na cidade ou ainda acompanhá-las a
uma visita à própria biblioteca da escola, observando a qualidade dos livros oferecidos
para empréstimo. Dentro de casa, são os pais
as pessoas responsáveis pela criação de espaços de leitura onde as histórias lidas possam ser partilhadas.
A escritora Stella Florence (de Ser menina
é tudo de bom e O Diabo que te carregue!)
afirma que ler é a “forma mais inteligente e
menos dolorosa de crescer”. E acrescentaria
que a leitura partilhada com os filhos é também a maneira mais inteligente de nos comunicarmos com eles. Por isso, é importante
que os pais leiam os livros que os filhos estão
lendo, para que possam trocar impressões e
não apenas “fazer cobranças” para verificar
7
se a criança leu “mesmo” o livro em questão.
Quando as crianças se apropriam de algumas
histórias e de seus significados, espontaneamente comentam sobre elas e valorizam a
oportunidade de compartilhá-las. Temos aí
uma grande chance de abrir espaço para o
diálogo, conhecendo mais a respeito de seus
interesses e curiosidades, e de transmitir-lhes
alguns valores que nos são caros.
Sabemos que nem sempre é fácil encontrar livros pelos quais as crianças realmente
se interessem e muitas vezes os livros que
recomendamos tornam-se exatamente aqueles que elas relutam em ler. Neste caso, pais
e filhos podem começar assistindo a filmes
baseados em livros, tentando estabelecer depois algumas comparações entre as duas formas de linguagem. Uma boa idéia é iniciar os
primeiros quinze minutos do filme com a legenda e, aos poucos, ir aumentando este tempo (este é um bom exercício para desenvolver a fluência).
ças em leitoras entusiastas e fluentes, é necessário promovermos diversas experiências que as levem a ter sucesso nas atividades que envolvem a leitura. E isto é fruto de
um amadurecimento e de uma relação longa
e processual com a palavra impressa. Como
traduzem as palavras sábias de Nelida Piñon:
A leitura me ajudou a avançar pelas frestas profundas do cotidiano, a sentir uma jovialidade esplêndida e uma velhice assustadora (...) Cada livro que li me fez caminhar por trilhas desconhecidas, me educou para a vida e para o próximo. Ajudou-me a dessacralizar a literatura, a
sacralizá-la de novo e, assim, alcançar o temor
que nos leva a experimentar o submundo da
palavra com seu corolário ofuscante. Tornou-me
analógica, capaz de aproximar realidades alheias à minha, a ponto de sentir o coração sangrar
ante certas constatações.
Nelida Piñon, romancista.
Também sinto isso. Só que ainda não
aprendi a falar assim tão bonito...
Mas de que tipo de livros ou filmes as crianças vão gostar mais? Tudo depende de seus
gostos pessoais, o que não quer dizer que não
se possa começar indicando os clássicos ou
os livros que os pais leram quando crianças.
Minha mãe me pôs no bom caminho da literatura
me ensinando a apreciar os contos de fada e de
mitologia grega, os livros de aventuras e os romances cor-de-rosa (...) Do meu pai veio o gosto por filosofia e história, pela língua portuguesa e pela origem das palavras. Na adolescência, adquiri grande paixão pelo romance policial, uma verdadeira mania. Depois, na faculdade de Comunicação, dei as boas-vindas a
escritores e pensadores que foram fundamentais em minha formação.
Mônica Waldvogel, jornalista.
Diante do exposto, fica evidente que a prática da leitura, pela sua inerente energia transformadora e sua capacidade de decantar a
realidade, depurá-la e enriquecê-la, revela-se
um poderoso meio de comunicação, seja
entre os pais e os filhos, entre os alunos e os
educadores, entre as pessoas e o mundo. Mas
para que possamos transformar nossas crian-
8
Luciane Hagemeyer é professora do Ensino
Fundamental, formada em Letras Português/Inglês pela UFPR, com pós-graduação em Currículo
e Pratica Educativa pela PUC-Rio e mestranda em
Estudos Literários pela UFPR.
(Comente este artigo em
[email protected])
LIVRO
ARTHUR E A CIDADE
PROIBIDA, de Luc
Benson
ARTHUR E OS
MINIMOYS, de Luc
Benson
LIVRO
A HISTÓRIA DO DR.
DOLITTLE, de Hugh
Lofting
Dr. DOLITTLE, de
Betty Thomas
FILME
O JARDIM SECRETO,
de Frances Hodgson
Burnett
O JARDIM
SECRETO, de
Agnieszka Holland
LIVRO
FILME
FILME
LIVRO
GEORGE, O CURIOSO,
de Hans Augusto Hey
Filme: GEORGE, O
CURIOSO, de Jun
Falkenstein
FILME
COMO E POR QUE LER OS CLÁSSICOS UNIVERSAIS DESDE CEDO
ANA MARIA MACHADO
Editora: Objetiva
A premiada escritora Ana Maria Machado nos conduz por uma fascinante viagem - um
passeio pelos grandes textos da literatura universal. Um mergulho no que de melhor já
se produziu em literatura infanto-juvenil. Acompanhá-la ao longo dessas páginas é constatar que ler pode transformar-se numa grande aventura. Numa linguagem saborosa, a
autora nos conta um pouco de sua própria história de leitora. Suas primeiras paixões
literárias, seus personagens inesquecíveis, as histórias que sempre volta a ler. Enquanto
traça a cartografia emocionada de suas paixões literárias, Ana Maria Machado nos
contagia e nos desperta a vontade de também conhecer esses personagens incríveis.
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MARIA,
MEDIANEIRA
de Todas as Graças
Por Dionísio Seibel, SJ
A doutrina da mediação de Maria coloca-se dentro de
uma perspectiva ampla para contemplar os avanços da
cristologia e o diálogo ecumênico, usando uma
terminologia segura e universal para evitar que a idéia
de Medianeira se restrinja a uma piedade particular.
10
A
A invocação de Nossa Senhora Medianeira se coloca dentro de todo o desenvolvimento do estudo e da devoção Mariana do século 20. O século passado pode ser marcado
como a era de Maria. O movimento popular
em torno de Maria cresceu através de pronunciamentos e atos oficiais da Igreja Católica, pela valorização de peregrinações a lugares marianos e pela afluência de pessoas a
lugares de aparições.
A compreensão de uma espiritualidade
Mariana deve lançar um olhar simultâneo sobre o passado, o presente e o futuro a partir
da palavra reveladora de Deus que manifesta
a proposta histórica da salvação em vista da
construção do Reino. Não se pode desenvolver um trabalho simplesmente especulativo
que corre o risco de cair numa doutrinação
distante da realidade das pessoas nem num
levantamento da piedade popular que facilmente introduz sinais de alienação.
É importante partir da situação atual da fé
do povo, iluminar essa realidade, recorrer à
Palavra de Deus para buscar nela os valores
fundamentais e retornar ao presente para aprofundar a realidade com a luz da revelação.
A Mediação de Maria
Na primeira metade do século passado,
especificamente a partir de 1920, a Igreja da
Bélgica começa uma grande produção teológica a favor da aprovação do dogma da
mediação universal de Maria. A devoção popular se volta para os primeiros séculos do
cristianismo. Ela é considerada a Mãe de
Jesus Cristo e mãe da humanidade. Através
dela veio Jesus, o Salvador. Essa reflexão
criou uma repercussão intensa no Sul do
Brasil. Em Santa Maria, foi erguida a Igreja
de Nossa Senhora Medianeira. O P. Inácio
Valle, SJ, conseguiu movimentar o Rio Grande do Sul em torno dessa invocação. A Província Sul Brasileira da Companhia de Jesus
tomou Medianeira como sua padroeira. Por
isso os primeiros jesuítas que vieram a Curitiba, em 1951, assumindo a Igreja do Rosá-
rio, quiseram dar esse nome ao Colégio que
estava sendo construído.
Sob o ponto de vista teológico, Jesus Cristo é o Mediador entre Deus e a humanidade.
Por isso, Maria, a Mãe de Jesus, é a grande
intercessora junto a seu Filho. As palavras pronunciadas no episódio das Bodas em Caná:
“Façam tudo o que Ele disser” (Jo 2,5) continuam ecoando no nosso tempo e são um
desafio para levar as pessoas, comprometidas com a proposta de Jesus Cristo, a estarem a serviço da pessoa humana.
Maria, a Mãe de Jesus, foi um exemplo de
abertura para o Deus presente na História de
seu povo. Ela esteve atenta às necessidades
das pessoas com quem viveu. Ela foi a mulher perseverante no seu projeto de vida até
o fim, a ponto de o Evangelista dizer: “Ela
estava em pé junto da cruz” (Jo 19, 25-27).
A devoção a Maria e, conseqüentemente,
a mediação universal de Maria levaram a uma
tensão entre a piedade cristocêntrica e a piedade mariocêntrica. Existe também um malestar que se acentua na Igreja que se renova
através do movimento bíblico, litúrgico, ecumênico. É necessário colocar a devoção Mariana dentro da verdadeira dimensão teológica e espiritual da Igreja para evitar desvios.
Um certo Marianismo
Não se trata de uma mariolatria, pois a
Igreja afirma categoricamente que o culto de
adoração somente é dirigido a Deus, mas esse
movimento mariano desenvolveu a devoção
a Maria reduzindo o espaço para o contato
com o Pai, através do Cristo, no Espírito,
como é a práxis bíblica e litúrgica. A devoção
popular a Maria levou para uma mistificação:
um exemplo se encontra na figura do embaixador, no romance de Érico Veríssimo, Senhor Embaixador, que carregava consigo uma
efígie de Maria, se dizia afilhado de Nossa
Senhora, ao mesmo tempo em que levava
uma vida sem princípios; os sinais de devoção não eram instância crítica para mudar a
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cha o espaço humano não reconhecido na
pessoa de Jesus Cristo, eclipsa a verdadeira
natureza de Jesus Cristo, acentua a divindade de Cristo e sua humanidade fica num plano secundário.
As aparições
Por um lado, o homem busca o contato
com o divino; por isso as aparições trouxeram uma mudança forte na vivência da fé
cristã. Elas começaram a ser norma de certas práticas religiosas. As aparições, na época atual, se colocam dentro da religião de
consumo que aliena as pessoas de seu verdadeiro compromisso de construir o Reino,
dentro da sociedade.
Conseqüências
As diversas tendências do culto mariano
marcam o declínio da devoção Mariana em
meados do século vinte. Os cristãos conscientes colocam restrições às manifestações
que não possuem uma inspiração bíblica ou
litúrgica. O diálogo ecumênico se torna difícil diante de um mariocentrismo, pois o papel fundamental de Cristo, como Mediador
universal entre a humanidade e o Pai, ficou
secundário. A própria devoção a nossa Senhora Medianeira sofreu, por isso, um grande arrefecimento.
Importância de Maria
vida. A devoção Mariana se tornou a-histórica, descontextualizada, sem uma proposta de
vida coerente com a atitude de Maria, presente nos Evangelhos.
Um sentimentalismo estéril
No ambiente popular, a devoção Mariana
se exprime por manifestações ritualistas e folclóricas, alheias a um compromisso sério com
a vida cristã. A demasiada insistência em colocar a pessoa de Jesus Cristo distante das
pessoas e permitir que Maria seja a intermediaria e a intercessora, para que ela preen-
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Um novo humanismo passa necessariamente por uma nova concepção de pessoa. A humanidade valorizou diversas manifestações desde os alvores históricos. Não basta ser diferente
dos animais pela transformação da realidade
(homo faber) e pela capacidade de raciocinar
com uma inteligência que se eleva acima das
demais criaturas (homo sapiens). O novo homem
busca formas novas de relacionamento em que
predominam o amor e a justiça dentro de sua
forma radical que é a justiça do Reino de Deus.
A solidariedade vê a dignidade e o direito à cidadania de cada pessoa como manifestações
concretas da utopia do Reino.
O Reino retrata uma Maria presente na história de seu povo. Em Nazaré, ela mostra a
escuta da palavra de Deus. Nas bodas de
Caná, ela percebe a falta de vinho e intercede junto de seu Filho a favor da comunidade.
Em Jerusalém, ela se encontra reunida com
os discípulos e em torno dela se formou a
Igreja. O humanismo baseado em Maria foge
de um intimismo para se lançar na realidade
em que é exigida a grande transformação
rumo à justiça e à solidariedade fraterna. Ela
foi a mulher aberta para Deus, pois se colocou como a servidora do Senhor. Seu encontro com Isabel é um sinal da pessoa que se
coloca a serviço das outras pessoas. Ser para
os outros e com os outros é também a proposta educacional do Colégio Medianeira que
encontra em Maria um modelo e um desafio.
A devoção a Maria tem por finalidade a
pessoa de Cristo, pois Ele é o único caminho que vivifica e o que dá sentido à vida
humana.
Dionísio Seibel, SJ, é formado em Letras e
Filosofia pelas Faculdades Anchieta, em São Paulo, e em Teologia pela Faculdade de Teologia Cristo Rei, em São Leopoldo – RS. Tem Especialização
em Teologia Espiritual (PUG – Roma). Trabalha no
Serviço de Orientação Religiosa de 7ª e 8ª série,
no Colégio Medianeira.
Medianeira de todas as graças
O Concílio Vaticano II aprofundou a doutrina da mediação de Maria dentro de uma
perspectiva ampla para contemplar os avanços da cristologia e o diálogo ecumênico,
usando uma terminologia segura e universal
para evitar que a idéia de Medianeira se restringisse a uma piedade particular.
O Concílio considera a função materna de
Maria para com todos os homens. A maternidade de Maria se manifesta tanto através
duma intercessão múltipla com o fim de obter para os homens o dom da salvação eterna, quanto através do zelo materno para com
os filhos que ainda se encontram entre os
perigos e dificuldades da vida. A proteção e
o zelo materno pelos filhos significam a graça, o dom, a presença de Deus. A mediação
de Maria neste contexto reforça a idéia de
que ela ajuda para que a pessoa se aproxime de Seu Filho, o único mediador entre
Deus e o homem (1Tim 2, 5-6). Desta forma,
a Medianeira não obscurece a mediação de
Cristo, mas a reforça. Ele é único mediador;
Maria, a Mãe do Salvador, permanece na sua
função específica.
(Comente este artigo em
[email protected])
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DICIONÁRIO DE MARIOLOGIA
MARIOLOGIA SOCIAL
ORGANIZADORES:
SALVATORE MEO E
STEFANO DE
FIORES
Editora: Paulus
CLODOVIS BOFF
Editora: Paulus
A MULHER DA RECONCILIAÇÃO
Fr. Clovis M. Boff nos oferece no presente livro uma visão bem articulada da problemática que ele mesmo
chamou de ‘Mariologia Social’. Essa obra de peso representa o resultado de uma
longa e paciente pesquisa
sobre o significadoespecificamente social ou público de Maria nos vários
planos; histórico, bíblico, magisterial, dogmático
e da devoção popular. Trata-se de uma obra importante para o avanço da teologia mariana numa
área vital e urgente da missão da Igreja, qual é a
frente social, especialmente na América Latina, onde
vivem povos que são, ao mesmo tempo, majoriamente excluídos e profundamente marianos. Sabese da crise geral por que passa o compromisso
social e especialmente o político. Um estudo como
este ajudará certamente a enfrentar a crise e encontrar caminhos inéditos nesta tarefa que é essencial
tanto para a sociedade como,a seu modo, para a
Igreja. Apesar de constituir essencialmente um trabalho de pesquisa, interessando sobretudo aos especialistas, este livro mereceu de D. Moacyr Vitti,
arcebispo de Curitiba, a seguinte apreciação em
seu imprimatur.
CARLOS MARIA
MARTINI
Editora: Loyola
COM MARIA, RUMO AO
NOVO MILÊNIO
O Dicionário consta de
cento e nove verbetes
monográficos e, ademais, é secundado por
preciosa proposta de leitura sistemática, que sugere utilização mais racional e menos episódica
do que a simples consulta alfabética, bem como
acurado índice analítico que facilita o encontro
dos numerosos temas não evidenciados no texto de cada verbete e nos sumários que os encabeçam. Assim cada verbete conclui com uma
bibliografia, que abre ao leitor as pistas para
maior aprofundamento pessoal.
“É o Senhor quem nos
pede para aprofundar a
missão feminina como
ponto nodal para a resolução de tantos problemas de nossa sociedade”. Depois do pecado das origens, a graça
teve início em Maria,
uma mulher. E na Bíblia a mulher é sinal da vida;
a sua vocação é a de constituir relações de vida,
de interpretar e explicitar a relação entre o homem e o mundo dos homens, e das mulheres.
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AFONSO MURAD
Editora: Loyola
Subsídio de mariologia escrito para o povo e partindo da realidade do povo.
Oferece fundamentos bíblicos e teológicos para uma
devoção mariana verdadeira e sadia. Trata dos dogmas marianos, do tema atual das aparições e inclui a
perspectiva ecumênica.
Sobre a
SOCIOLOGIA
Por Ester Cardoso Candelori
Qual o objeto de estudo da
Sociologia? Por que ela ficou
distante da maioria dos
bancos escolares durante a
ditadura? Qual a importância
dela para a compreensão das
relações sociais nas quais
todos estamos
multiplamente mergulhados?
Conheça mais sobre essa
ciência, que busca jogar luz
e desvelar o que está por trás
das inúmeras formas de
comportamento social.
15
“Não existe sociologia senão das relações desiguais e das figuras da diferença”
(O raciocínio sociológico – Jean-Claude Passeron)
P
Pensar sociologicamente é interpretar de
modo comparativo comportamentos, práticas, configurações históricas. É refletir sobre
a posição que os diferentes discursos ocupam na coletividade. É compreender a gênese das desigualdades e diferenças sociais. É
observar os diferentes estilos de vida e gostos de classe. É estar sempre atento na prática de seu ofício, o que implica, na maioria
das vezes, sentir-se muito mais um outsider
do que um estabelecido.
Poder-se-ia dizer que estes são alguns dos
pré-requisitos da prática científica em Sociologia. Pois a Sociologia é uma ciência, muito
embora, depois de dois séculos de existência, ela ainda seja entendida pelo senso comum (e também pelos acadêmicos desavisados) como conhecimento genérico; folhetim
de guerrilheiros e estudantes baderneiros; e
ainda, “ciência dos sócios”...
Pois é. Uma coisa é certa: nenhuma outra
ciência ficou tão desconhecida e ao mesmo
tempo tornou-se tão passível de definições no
imaginário popular. Isso se deve ao fato de
as ciências serem tradicionalmente identificadas por meio de alguns estereótipos, como
laboratórios e objetos utilizados em pesquisas (microscópios), padronizando o conhecimento sobre as diferentes ciências.
As Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e
Ciência Política) também se constituem
como campos de
pesquisa científica,
pois trabalham com análise de
dados. O que diferencia é a aparente subjetividade, pois o objeto de estudo destas ciências não pode ser analisado em laboratórios
– não são objetos físicos, que podem ser guardados ou conservados. O objeto de pesquisa
destas áreas é delimitado a partir do locus do
próprio pesquisador. Cabe a ele, enquanto
cientista, por meio de metodologias específi-
16
cas, definir, delimitar, observar, analisar, elaborar hipóteses, refutar outras hipóteses, concluir provisoriamente e, quando necessário,
interferir sobre a realidade estudada.
Esse desconhecimento quanto à existência das Ciências Sociais leva a uma freqüente
pergunta: o que é Sociologia? A grande maioria das pessoas faz esta pergunta. E não é
para menos, pois na história do conhecimento científico ocidental, a Sociologia é uma das
mais novas ciências.
Após o Renascimento, no século XV, a
razão torna-se princípio e meio para justificar
a existência do próprio homem que centraliza todos os campos da ciência, da curiosidade, da criatividade e da reflexão sobre a vida.
Não mais a fé, mas a razão estaria guiando
os passos da construção do conhecimento.
O desenvolvimento tecnológico e científico,
impulsionado pela razão, pela curiosidade, e
pelas necessidades que surgiam no dia-a dia
– pois uma nova ordem social se colocava –
eclodiu no século XVIII com a Revolução Industrial na Inglaterra. E assim, as velhas relações estabelecidas modificaram-se drasticamente, transformando a família, os costumes
e, sobretudo, as relações de trabalho.
O advento do capitalismo trouxe mudanças radicais, de toda ordem. Com elas surgiram problemas que logo ficaram conhecidos
como “problemas sociais”. Entre eles, estariam: o aumento vertiginoso da população dos
centros urbanos (para trabalhar nas fábricas);
o desemprego (pois não havia trabalho para
todos); as epidemias causadas por falta de
condições de higiene e saneamento básico;
as revoltas dos operários (chegavam a trabalhar 18 horas por dia, no início das fábricas);
aumento da pobreza e mendicância; aumento dos crimes e da prostituição; abandono
de crianças por mães sem condições de cuidar de seus filhos. O cenário caótico dos centros urbanos e as transformações sociais levaram médicos e cientistas a buscarem solu-
ções e tentar organizar a sociedade. Os problemas somavam-se e multiplicavam as suas
supostas soluções. Com base no racionalismo e no cientificismo, surgiam pensadores
europeus que buscavam compreender e explicar os problemas da sociedade. Para tanto, seria necessária uma base empírica, não
apenas teórica. Isso, por sua vez, supunha
observação da realidade e análise dos fatos e
dos dados (passíveis de serem quantificados).
Assim, no início do século XIX, surge na Europa a Sociologia, conhecida em seus primórdios (e ainda hoje...) como “ciência da crise”, pois nasce num contexto histórico bastante conturbado, com o princípio de analisar a realidade social e interferir nesta mesma realidade para organizar e restituir a ordem, como pretendiam os positivistas, seguindo Augusto Comte.
No final do século XIX, na França, Émile
Durkheim institui a Sociologia como Ciência
Social, diferenciando-a da Psicologia Social
e conferindo-lhe o estatuto de ciência, com
bases empíricas e estudos a partir de dados
da realidade, os quais ele denomina de “fatos sociais”. No mesmo período, na Alemanha, Max Weber dá outra conotação à sociologia: estudo das ações individuais dotadas
de sentido, e das relações de poder. Weber
posteriormente tornou-se uma referência nos
estudos sobre poder e política. Na mesma
Alemanha, mas com referenciais opostos, Karl
Marx, juntamente com Friedrich Engels, tornou-se conhecido como teórico da revolução, estudioso do capitalismo, e que lançaria
as bases de superação da exploração pelo
trabalho, diferenciando o “socialismo utópico” do “socialismo científico” ou marxismo.
Estes três pensadores, Durkheim, Marx e
Weber, constituem- se nos denominados
“clássicos da sociologia” – pensadores que
lançaram as bases teóricas e metodológicas
da ciência da sociedade. Seus estudos e teorias criaram três linhas diferentes de pensamento dentro da Sociologia. No século
XX, suas linhas teóricas foram incorporadas
e aprimoradas por outros pensadores; alguns deles tornaram-se nomes de referência na pesquisa sociológica, como Pierre
Bourdieu e Norbert Elias.
Os estudos sociológicos englobam os mais
variados temas, desde as “minorias” (grupos
oprimidos), os “movimentos sociais”, estudos
de gênero, estudos sobre infância e juventude, estudos sobre educação, religião, família, trabalho, saúde, violência, arte, comunicação e mídia, enfim, todos os temas que dizem respeito a manifestações coletivas e transformações nas relações sociais.
Com este olhar sobre a história, já se sabe
um pouco sobre a Sociologia. Mas, o que faz
um sociólogo hoje? Um sociólogo trabalha
como pesquisador, tanto em instituições do
governo, como em institutos privados e organizações não governamentais. Trabalha em
conjunto com outros profissionais, realizando pesquisas e projetos nas diferentes áreas
(saúde, arte, comunicação) que possam ser
colocados em prática para solucionar problemas ou melhorar a qualidade de vida de uma
comunidade. Como exemplos: estudos de
impacto ambiental antes da construção de
uma hidrelétrica (qual a cultura da comunidade local? Onde recolocar os grupos de pessoas que vivem naquele lugar?); estudos sobre combate a epidemias (quais hábitos da
comunidade podem estar associados ao surgimento daquela doença e torná-la epidêmica? Ou, quais costumes da comunidade podem auxiliar no combate à doença?); estudos relacionados à educação (quais as principais causas de evasão escolar, numa determinada faixa etária, num determinado lugar?).
Muitos projetos conhecidos pela população
17
17
foram elaborados com
o auxílio de sociólogos, nas mais diversas
áreas, como as “Ruas
da Cidadania” e o projeto de separação
do “lixo que não é lixo”, ambos realizados
pela Prefeitura Municipal de Curitiba, na
década de 1990. Contudo, poucas pessoas sabem que um sociólogo pode (e deve)
trabalhar em projetos como estes. O que
fica no senso comum é que provavelmente foram elaborados somente por arquitetos,
engenheiros, administradores, economistas,
enfim, se desconhece o trabalho do pesquisador-sociólogo.
A inserção da sociologia nos currículos escolares do Ensino Médio não é novidade no
Brasil. A história dessa disciplina é marcada
por três períodos distintos: 1º) período de institucionalização, que vai de 1891 a 1941. Em
1891, na Reforma Benjamim Constant, sob a
influência do ideal republicano e positivista,
é institucionalizada como obrigatória a disciplina de Sociologia no Ensino Médio (então
Ensino Secundário). Nesse período, a sociologia fundamentava-se na crença em seu pensamento renovador por parte daqueles que
eram responsáveis pelos projetos pedagógicos nacionais, que iam ao encontro dos ideais republicanos, que buscavam a construção de uma nova nação e alcançar o progresso. 2º) O segundo período, de 1942 a 1981,
configura-se durante o regime das ditaduras,
do Estado Novo de Getúlio Vargas, a partir
de 1937, e a ditadura militar instaurada pelo
golpe de 1964. Em 1941, a Reforma Capanema retira a obrigatoriedade da sociologia nos
cursos secundários. Durante este longo período, o papel da ciência na formação dos jovens era o de possibilitar o domínio de técnicas para o processo de trabalho (cursos técnicos) e não o domínio de conhecimentos que
levassem à crítica e à pesquisa sobre a realidade social. 3º) o terceiro período, de 1982 a
2001, época da redemocratização do país,
marca as lutas pelo retorno da Sociologia
como disciplina obrigatória, juntamente com
Filosofia, no Ensino Médio. O intuito residia
18
na possibilidade do trabalho interdisciplinar,
e não de fragmentação do conhecimento.
A novidade é que a partir de 2007, segundo parecer CNE/CEB (Conselho Nacional de
Educação e Câmara de Educação Básica) nº
38/2006, aprovado em 7 de julho de 2006,
serão incluídas como obrigatórias as disciplinas de Filosofia e Sociologia no currículo do
Ensino Médio. Essa decisão por parte do governo gera controvérsias. Enquanto muitos
sociólogos há tempos lutam para que as ciências sociais tenham seu devido espaço dentro da educação básica, como as demais ciências, há um grupo de catedráticos que critica esta decisão, alegando ser impossível trabalhar esta disciplina no Ensino Médio – discurso que soa como elitização do conhecimento, em que somente os eleitos (pelo vestibular) estariam aptos a estudar “sociologês”.
Nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) do Ensino Médio, as diretrizes relacionadas ao ensino da Sociologia seguem dois
eixos: a relação entre indivíduo e sociedade e
a dinâmica social. A pesquisa teórica e empírica em sociologia permitiria problematizar os
fenômenos sociais e levar a reflexões sobre a
coletividade e a interação entre indivíduo e
coletividade; e, também, como são estruturadas as relações sociais a partir das transformações nos diferentes contextos econômicos
e culturais. Enfim, levar a uma série de reflexões sobre a sociedade na qual vive o aluno
de Ensino Médio, como forma de estimular a
formação tanto de um espírito crítico, capaz
de atuar de modo consciente, como de construir um conhecimento com base na realidade social, desmistificando o senso comum.
A premissa básica do ensino da sociologia nos PCNs é que o aluno aprenda a tornar-se cidadão – na verdade, aos 14 anos já
se é cidadão há muito tempo, mas nem todos sabem disso e, aos 16, quando se pode
votar, nem todos fazem o título de eleitor, por
acreditar não ter que participar, ainda, das
decisões políticas, sem saber que este discurso
já é em si um posicionamento político. Ou
seja, a função da sociologia no Ensino Médio
18
não é apenas ensinar teoria sociológica (estudar
as teorias clássicas),
mas ensinar a aplicar o
conhecimento sociológico (as teorias) como
forma de compreensão das instituições,
dos grupos dos quais se faz parte enquanto
indivíduo. É ensinar a utilizar o pensamento
sociológico como forma de se inserir no mundo – reconhecer seu lugar, saber sua história, compreender seu contexto, analisar as
relações que estabelece com os outros
(sejam eles quem forem) e, desta forma, compreender o verdadeiro sentido da palavra “cidadania”, desgastada pelo uso e pela falta de reflexão.
A Sociologia vem conquistando
espaço também no processo seletivo do vestibular. Em algumas universidades brasileiras, como a UEL
(Universidade Estadual de Londrina), Sociologia e Filosofia fazem parte das provas como qualquer outra disciplina ou área do
conhecimento, para todos os cursos. A UFPR (Universidade Federal do Paraná), a partir deste ano, está incluindo entre as disciplinas obrigatórias a
Filosofia, para os cursos de Direito e Medicina. Sociologia será obrigatória somente
para Ciências Sociais, mas, a partir do próximo ano, podem ocorrer novas mudanças,
como a inclusão de Sociologia em outros
cursos, a exemplo de Filosofia.
A valorização da Sociologia e das Ciências Humanas em geral aponta para algumas
possíveis mudanças, que a posteriori serão
analisadas, mas é possível neste momento
fazer algumas reflexões. Indicam que as transformações radicalizadas pelos meios de comunicação e o processo de alienação em
massa merecem uma urgente análise do papel do sujeito; que os pré-conceitos estabelecidos sobre a estruturação do conhecimento científico acadêmico merecem uma revisão; que o papel da instituição família preci-
sa ser revisto; que a própria escola, enquanto
instituição historicamente identificada pela sua
função de transmissão
do conhecimento não
apenas científico acadêmico, mas também civilizador, precisa rever seus
princípios, tanto no que
diz respeito ao conhecimento acumulado e passado
como oficial, como quanto ao
seu papel de agente civilizador de
gerações ao longo do tempo.
As ciências guardam suas especificidades, e assim deve ser, mas o quanto estamos, de fato, trabalhando em conjunto para
desmistificar nossos saberes e colocá-los a serviço da construção do conhecimento? Quanto estamos saindo dos discursos para de fato
civilizar? Ainda guardamos os ranços de um
academicismo que privilegia alguns conhecimentos em detrimento de outros, o que ainda resulta na busca profissional mais acentuada em algumas áreas do conhecimento do
que outras, principalmente no vestibular, o
que torna a questão do mercado de trabalho
cada vez mais delicada.
A inserção e a revalorização das ciências sociais e humanas no meio acadêmico deve levar
a uma reflexão sobre o papel do indivíduo enquanto sujeito e sua relação com os outros, para
o cotidiano das gerações dos futuros médicos,
arquitetos, psicólogos, políticos, professores e
por que não dizer, sociólogos.
Ester Cardoso Candelori é professora de Antropologia e de Sociologia do EM no Colégio
Medianeira. É Formada em Ciências Sociais pela
Universidade Federal do Paraná, instituição pela
qual também é Mestre em Sociologia.
(Comente este artigo em
[email protected])
19
OS ESTABELECIDOS E OS OUTSIDERS
NORBERT ELIAS
& JOHN L. SCOTSON
Editora: Jorge Zahar
Uma pesquisa de campo numa cidadezinha inglesa no final dos anos 50 lança luz sobre os
mais recentes debates sobre as relações de
poder. Um valioso instrumental para a análise
de questões de grande atualidade; violência,
discriminação e exclusão social. Tardiamente consagrado como um dos cientistas sociais mais importantes do século XX, Elias vem
tendo pouco a pouco sua grandiosa, e já clássica, obra publicada no Brasil.
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE
PETER L. BERGER
& THOMAS LUCKMANN
Editora: Vozes
O livro aborda o tema da sociologia do conhecimento, campo redefinido na obra como o
‘conhecimento em geral’ (senso comum). A sociedade pode apresentar-se ao indivíduo
como uma realidade objetiva (institucionalização ou legitimação), ou também como realidade subjetiva (interiorização ou identificação).
20
A
FILOSOFIA...
ENSINO MÉDIO...
no VESTIBULAR...
na VIDA
no
Por Loivo José Mallmann
Iluminar os caminhos do
homem e do(s) mundo(s)
que o cerca(m), buscando
compreender e até
transformar pensamentos e
ações humanas, sempre foi
uma das tarefas da
Filosofia. Com uma
responsabilidade dessas,
deixá-la de fora da sala de
aula é, no mínimo, atitude
irresponsável. Ou mal
intencionada.
21
Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!
(Das Utopias, Mário Quintana)
E
Em meados de agosto deste ano (2006), o
Conselho Nacional de Educação aprovou
parecer que torna obrigatório o ensino de
Filosofia e Sociologia no Ensino Médio. Esta
medida vem corrigir o grave equívoco de
subtrair, nas últimas décadas, a Filosofia e
outras disciplinas humanísticas do currículo
escolar. Durante o regime militar, a Filosofia foi
relegada para o segundo plano, pois não convinha que as arbitrariedades cometidas no período fossem discutidas e questionadas. Aliado
a isto foi priorizado um ensino médio profissionalizante onde as matérias técnicas e as ciências exatas figuravam como mais importantes.
Com a volta da democracia em meados dos
anos 80, algumas escolas voltaram a incluir a
Filosofia e a Sociologia na grade curricular.
Falar de Filosofia é voltar-se primeiramente para a Grécia Clássica, onde tudo teve início. No século VII a.C., a Grécia passava por
grandes avanços e transformações na vida
urbana e as explicações mitológicas passaram a ser questionadas. Surge então uma
série de pensadores que buscavam conhecer
a natureza (physis) e encontrar o princípio
(arché) que explicasse o que existe no universo. Estes primeiros filósofos eram chamados de filósofos da
natureza ou présocráticos. Qual é
a causa última, o
princípio supremo
de todas as coisas? As respostas
variam. Para Tales
22
de Mileto é a água; Heráclito afirma que a
essência está no movimento, na transformação; Pitágoras descobre a centralidade do número e das relações matemáticas; Demócrito
destaca que tudo o que existe no universo é
formado por átomos.
No século V e IV a.C., a Filosofia grega
atinge seu ápice. Neste período, o ser humano passa a ser o centro das discussões. Sócrates, Platão e Aristóteles são os pensadores mais importantes deste período. Sócrates, apesar de não ter deixado nenhum escrito, é considerado o patrono da filosofia. Conhecemos seu pensamento através dos seus
discípulos Xenofonte e Platão. Este último
dedica várias obras ao mestre. Sócrates passava o dia nas praças conversando com as
pessoas. Num primeiro momento, ele ouvia
com atenção e depois, com ironia, questionava as pessoas, com o intuito de levá-las e
reconhecer a própria ignorância. Depois ele
incentiva as pessoas a buscar as respostas
para os seus questionamentos. O método
socrático é conhecido como “parto de idéias” (maiêutica). A atividade de Sócrates, contudo, foi taxada de subversiva pelas autoridades locais. Aos 71 anos, ele foi condenado
à morte sob a acusação de desprezar as divindades gregas e perverter a juventude.
Platão, ainda que chocado com a morte
do mestre, segue com a missão de ajudar as
pessoas a pensar e agir de forma racional. A
“Alegoria da Caverna”, publicada na obra A
República, livro VII, retrata com plasticidade
o pensamento platônico. Para Platão, há dois
mundos: o sensível e o inteligível. Conhecer
com os sentidos é ficar somente nas sombras
e aparências, como aquelas pessoas prisioneiras no interior
da caverna. As
sombras projetadas no fundo
da caverna são
para elas a verdadeira realidade. Para Platão,
a verdade está
fora da caverna
e a realidade só
é captada pela
razão. O que
vemos são cópias imperfeitas
de realidades
perfeitas que existem no mundo das idéias.
Platão fundou uma escola chamada de “Academia” e teve muitos discípulos, com destaque para Aristóteles.
Aristóteles discorda do método dualista
proposto pelo mestre e afirma que podemos
conhecer o mundo por meio da experiência
sensorial, aplicando a razão ao que vemos
até chegar à sua essência. Para Aristóteles,
cada objeto tem uma substância e acidentes.
A substância é dada pela matéria e forma. A
obra de Aristóteles abrange várias áreas do
conhecimento. Ele dá atenção ao tema da
lógica, política e ética, entre outros. Uma de
suas obras mais conhecidas é Ética a Nicômaco. O livro apresenta a prática da virtude
como caminho para a atingir a felicidade.
A Filosofia grega vai ser a base para o desenvolvimento da reflexão no Ocidente. No
período que vai do século I ao século XV, a
Filosofia vai desenvolver-se associada ao pensamento teológico. No século IV e V, Agostinho de Hipona (354-430) retoma e busca convergências entre o pensamento de Platão e
os elementos centrais do cristianismo. Tomás
de Aquino, no século XIII, ensina Aristóteles
na Universidade de Paris. O método tomista,
que concilia pensamento cristão com Aristóteles, foi muito apreciado na Europa até ser
contestado no Renascimento por pensadores
como Galileu Galilei e Descartes.
A partir do Renascimento, temos um novo
florescimento nas ciências e de modo especial na reflexão filosófica. A centralidade do
ser humano é a marca deste período. No campo da ação política, destaca-se o pensamento de Maquiavel. O pensador florentino assenta os pilares da ciência política moderna
quando afirma
que ação política
tem uma lógica e
ética próprias.
Descartes, por
sua vez, questiona a fragilidade e
a falta de uma
base segura para fundar o conhecimento. Ele
sustenta que o método matemático pode servir de base para todas as ciências. Ao apresentar algumas regras a serem seguidas no
processo de construção do conhecimento verdadeiro, ele lança as bases da pesquisa científica. É verdade também que o método cartesiano, muito aplicado nas escolas ocidentais, é hoje contestado. Para Edgar Morin,
pensador francês contemporâneo, a herança cartesiana de separação em partes e matérias para explicar a realidade dificulta a visão de totalidade.
Nos séculos XVII e XVIII, a produção filosófica é intensa e variada. Na França, o movimento Iluminista reafirma a centralidade da
razão humana como motor da construção de
uma sociedade mais livre, justa e fraterna. Um
dos pensadores que mais marcaram este período foi Imannuel Kant (1724-1804). A Filosofia crítica de Kant reforça a razão autônoma
do sujeito tanto no processo de conhecer
como no agir.
A revolução industrial e a exploração do
trabalhador foram pano de fundo para o
desenvolvimento da filosofia de Karl Marx,
no século XIX. Para ele, os “filósofos passaram muito tempo interpretando o mundo. É chegada a hora de transformá-lo”.
As idéias de Marx inspiraram ainda hoje as
lutas dos movimentos sociais e o programa dos partidos socialistas.
O século XX é marcado, entre outros aspectos, pela proliferação dos meios de comunicação de massa, pelo surgimento da indústria cultural e dos regimes totalitários e pelas
guerras mundiais. Todas estas manifestações
passam pelo crivo da reflexão filosófica.
23
Quando surgiu, a Filosofia abarcava todos
os conhecimentos teóricos e práticos da humanidade. Com o passar dos séculos, foram
surgindo outras ciências com objeto e método específicos. Ainda assim os campos da
investigação filosófica são muitos. Entre eles
destacamos os seguintes: Ética, Filosofia Política, Lógica, Metafísica, Estética, Epistemologia, História da Filosofia.
A volta da Filosofia na grade curricular de
todas as escolas do ensino médio do país e a
sua inclusão no vestibular resgata a importância e valor que ela tem no desenvolvimento cultural da humanidade. A Filosofia volta
assim a ocupar o lugar que lhe é devido.
O MUNDO DE SOFIA
JOSTEIN GAARDER
Editora: Companhia das Letras
Às vésperas de seu aniversário de quinze
anos, Sofia Amundsen começa a receber bilhetes e cartões postais bastante estranhos.
Os bilhetes são anônimos e perguntam a Sofia quem é ela e de onde vem o mundo em
que se vive. Os postais foram mandados do
Líbano, por um major desconhecido, para
uma tal de Hilde Knag, jovem que Sofia desconhece. O mistério dos bilhetes e dos postais é o ponto de partida deste romance, que
vem conquistando milhões de leitores em todos os países em
que foi lançado. De capítulo em capítulo, de ‘lição’ em ‘lição’,
o leitor é convidado a trilhar toda a história da filosofia ocidental - dos pré-socráticos aos pós-modernos -, ao mesmo
tempo em que se vê envolvido por um intrigante thriller que
toma um rumo muito surpreendente.
24
Loivo José Mallmann é Mestre em Teologia Moral pela Universidad Pontifícia
Comillas (Madri) – professor de Filosofia
do Colégio Medianeira.
(Comente este artigo em
[email protected])
CONVITE À FILOSOFIA
MARILENA CHAUÍ
Editora: Ática
A autora analisa a filosofia e sua utilidade,
partindo do princípio
de que a vida é feita
de crenças e de aceitações de evidências,
as quais nunca questionamos porque parecem naturais e óbvias.
SENSIBILIDADE
e
percepção
do meio
Ensaio de idéias sobre
práticas pedagógicas para
a pertença do homem ao
ambiente
Por Francisco Carlos Rehme
Que os livros didáticos trazem
conhecimento, isso não se
discute; mas quando é possível
saltar do livro para “dentro da
vida lá fora”, aí o conhecimento
vai se construindo mais efetiva
e prazerosamente. Estamos aí
pra falar de novo da
importância das aulas fora da
sala, dentro do mundo.
25
J
Cadeia alimentar, predação, decompositor
primário, epífitas, cipós-lianas, bromeliáceas,
orelhas-de-pau, parasitismo, ecese, biótopo
e biocenose... há uma multidão de termos e
de conceitos, denominações populares ou
científicas para traçar alguns recortes referentes à ecologia, ao estudo da dinâmica das florestas e outros ecossistemas. Nomenclaturas
e classificações que preenchem uma ou mais
vezes o quadro-negro e que ainda podem ser
ilustrados com muitas imagens coloridas e
quase vivas. QUASE... e esse “quase vivas”
implica uma distância, para muitos talvez até
uma distância séptica, entre o
mundo que por ora aparece projetado na tela e o mundo ao qual
pertence – ou pensa que pertence – o passivo expectador e também, por ora, aluno. E, havendo uma distância, cuja dimensão
não é avaliada em metros ou
outra unidade convencional, há
frieza e clara separação entre os
dois sujeitos da tímida interação
– o aluno e a natureza, expressa
na imagem, colorida, luminosa,
ainda que artística é verdade,
mas, acima de tudo, estática.
Daí que é uma questão de
urgência: largar de vez a obsessiva e angustiante preocupação em se “vencer conteúdos” – e, por acaso, alguma vez,
você, professor, “venceu” conteúdo? E, se
acha que sim, como é que se vence? Como
se derrota?? Dá para empatar??? Afinal, que
jogo é esse que se trava com o tal “sacramente respeitado adversário” conteúdo???
Mas, dizia que é preciso deixar de lado a cega
e inalcançável perseguição ao conteúdo e levar essa garotada ao encontro da viva matéria-prima do conhecimento relacionado ao
meio. Sendo mais claro: é preciso levá-los
para dentro do bosque – e com tudo que vem
junto e grátis, de picada de mosquito e formigas a sentar na terra úmida de serrapilheira. E convidemos essa turma a botar a mão
nas árvores, botar a mão não, a abraçar as
árvores! Pois aí você aproveita e trata das di-
26
mensões desse ser vivo que, por diversas
vezes, não cabe entre nossos braços. Convida também a espiar os liquens do tipo barbade-pau ou barba-de-velho que, por ventura e
pelos ventos, poderão estar sacudindo, de
modo pênsil, descolando do tronco principal.
Convida-o a perceber que uma árvore não é
uma árvore... é um milhão de plantas, mais
insetos, algumas aves e tudo isso morando
num verdadeiro condomínio vertical e literalmente verde, sem demagógicas propagandas. Quanta planta se pendurando nela, umas
até parecem estar tatuando a árvore, coladas
ao tronco. E ainda, mais adiante, uma variedade de tamanho
e de volume das bromélias que
crescem nos “sovacos” das árvores, que, caso existam, devem
ficar nas esquinas dos galhos
com o tronco central. E olha que
muitas dessas bromélias, conforme a época do ano, poderão estar exibindo exóticas flores amarelas ou encarnadas, lembrando
aqueles penachos que os povos
desta terra usavam antes do
“Seu” Cabral chegar por aqui. Na
“aula de bosque”, em meio àquela aparente dispersão – em grande parte própria da falta do hábito desse tipo de aula – o aluno não ouve ou
lê conteúdo tão somente; ele, além disso, bebe
conteúdo, aspira conteúdo, toca e acaricia
conteúdo e aí, meu velho, aí as coisas de fato
estão vivas!
A idéia do bosque vale também, ou até
muito mais, para uma Floresta Atlântica, por
exemplo, numa travessia dessa campeã mundial de biodiversidade e de fotogenia, através
dos milenares caminhos indígenas, feitos trilhas coloniais pelos lusos e primeiros mestiços, todos enfeitiçados pelos sonhos dourados dos arraiais de garimpo que, temporariamente, se armavam do litoral ao planalto. Alguns sumiram, outros até viraram cidades,
mas o caminho persiste, mesmo que muitas
árvores nasceram nas frestas entre as lisas
pedras extraídas do leito dos riachos e calça-
das no leito da trilha, décadas, séculos depois que tantos pés – descalços, dos índios e
dos escravos, dentro de su(rr)adas botas dos
primeiros colonos, em meio ao couro das
sandálias dos jesuítas que conquistavam a
selva e geravam almas aos gentios – não deixavam tantas sementes vingarem na trilha. Da
mesma forma, a idéia se potencializa com a
aula acontecendo dentro e fora das cavernas,
coisa que é viagem a outro mundo, sem espaço nem letras suficientes para explicar, apenas estando lá para ver e... babar: afinal as
flores de lá são de pedra e, pior, digo, e melhor: crescem a cada pingo que vem do teto!
É, não tem jeito, o meio-ambiente também
está e principalmente TAMBÉM ESTÁ para
A MAIS BELA HISTÓRIA DO MUNDO
VÁRIOS AUTORES
Editora: Vozes
Aqui se procura esboçar uma resposta a estas perguntas cruciais:
De onde viemos? O que somos?
Para onde vamos? A resposta,
antigamente, vinha dos filósofos
e teólogos. Hoje também os cientistas arriscam uma resposta.
Partindo da teoria do Big Bang este mundo teria surgido com a
explosão de uma bolha de gás
primordial, onde reinavam incríveis condições
de pressão e temperatura - os cientistas contam
“a mais bela história”. Como surgiu o universo
(I ato); O aparecimento da vida (II ato); A origem da humanidade (III ato).
além das quatro paredes do universo da sala
de aula. E, acredite, ele é descaradamente
vivo! Pois então, VIVA!!!
Francisco Carlos Rehme (o Chicho) é geógrafo,
professor da 6ª série do Ensino Fundamental e da
a
3 . série do Ensino Médio no Colégio Medianeira.
Especialista em Geografia Física – análise
ambiental pela UFPR e em Currículo e Pratica
Educativa (PUC-Rio) e Mestrando em Geografia
pela UFPR.
(Comente este artigo em
[email protected])
A OBRA DO ARTISTA
(uma visão holística do universo)
FREI BETTO
Editora: Ática
Uma obra que busca uma visão holística das mais recentes teorias que procuram reduzir a distância entre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno, englobando várias disciplinas, da Astrofísica à
Física das partículas. Frei Betto nos convida a resgatar as
raízes do verdadeiro humanismo, debater a questão dos novos paradigmas e buscar uma relação diferente entre ciência e fé, visão de mundo e visão de Deus.
27
28
Esta é uma época de desafio. De enfrentar o picadeiro do circo da
vida e os leões nem sempre amestrados. Aliás, como são todas as
épocas da vida, com maior ou menor intensidade. Quando somos
pequenos o desafio é dar piruetas, andar na corda bamba imaginária
entre as árvores do bosque.
Crescemos e os desafios surgem na mesma proporção. Mas também
aprendemos a aprender, a ser, pensar e agir. Assim nos preparamos
para novos e maiores desafios.
E você, aluno do terceirão do Medianeira, está preparado. Mas o que
nos deixa mais felizes é saber que você vai muito, muito além do
vestibular. Você é um jovem que quer fazer um mundo melhor, mais
justo, mais humano, mais duradouro. E nós, seus professores, estamos
orgulhosos de ter convivido tantos anos com alguém como você.
Neste ano vocês escolheram a alegria do circo como marca de
identidade. Não esqueceram da seriedade, do respeito e da
responsabilidade. E isso nos deixa ainda mais felizes pela certeza que
nos dão de estarmos no caminho certo. Nós estamos juntos, com
toda energia e vibração para transpor mais um desafio. Encarem esta
prova e todas as outras que a vida apresentar, sempre com dedicação
e serenidade.
E sintam-se abraçados por nós, seus professores e amigos, em todos
os momentos. Boa sorte, hoje, amanhã e por toda a vida.
29
O império
CONTRA-ATACA:
a construção do
COLONIALISMO
na América Latina
Por Maristella Gabardo
Quando ouvimos falar de América Latina, que tipo de imagem vem à
nossa cabeça? O artigo pretende discutir um pouco os estereótipos
muitas vezes construídos através de séculos de implantação de uma idéia
que, de tão recorrente, acabou parecendo verdadeira.
30
“... porque as estirpes condenadas a
cem anos de solidão não tinham uma
segunda oportunidade sobre a terra.”
Gabriel García Márquez
(Cem anos de solidão)
M
Muito se tem dito e escrito nos últimos
anos sobre a separação cultural que existe
entre o Brasil e os países hispano-americanos.
Nos âmbitos mais altos da cultura, encontramos muitas explicações que jogam a culpa
em ambos os lados e poucas reais tentativas
de solucionar o caso. Já no âmbito comum,
se vê a justificativa dessa separação com as
mais diversas desculpas. A principal é a da
diferença de idiomas.
Como se pode ver, a cada dia, a “cultura”
que mais se expande no mundo é a da industria cultural. Na América Latina, guardadas as
devidas proporções que mudam de país para
país, a “cultura” que provem daí é consumida sem maiores problemas e por vezes tem
um espaço maior do que a cultura local, apesar da mesma não ser nem em português
nem em espanhol. Faz-se notar que é sim
necessário o aprendizado dos respectivos idiomas por ambas as partes para uma melhor
relação, seja comercial, seja cultural, entre os
dois. O mesmo já foi constatado por Mônica
Hirst em seus diversos estudos sobre a ampliação do Mercosul. O que se pode ver claramente é que a diferença entre os idiomas
não é o principal fator complicador ou limitador nesta relação. De acordo com os estudos
de Hirst, o principal fator de separação é o
discurso criado por ambas as partes de depreciação ou de exaltação dos vizinhos. Esse discurso, criado pelos construtos da colonização,
é o que colocou esses países em uma bruma
com os olhos somente voltados para a metrópole, o que não permitiu uma maior relação
entre a colônia de Portugal e as espanholas.
Mas o que seriam esses construtos? Seriam as formas culturalmente criadas para encaixar as novas relações desenvolvidas entre
a metrópole e a colônia. Seria o pensamento
– filosófico ou não, com bases científicas ou
não – desenvolvido na América e que influenciou e ajudou a criar o que Caetano Veloso chama de nova ordem mundial. E
(in)felizmente foi neste contexto que nascemos e fomos moldados.
A história de quem somos. A história de
quem somos e de como interpretamos as
coisas está muito menos ligada aos fatos que
realmente ocorreram do que aos que nos foram contados. Por exemplo, se ao final desse
artigo, os leitores acharem que o mesmo foi
bom, e disserem as outras pessoas que esse
artigo é bom, o que pensarão as outras pessoas de mim? Que li muito, sou uma boa pesquisadora e que o mesmo foi muito bem feito e embasado. O mesmo acontece ao contrário; se alguém não gostar desse artigo, e
disser a outros que não gostou, os outros
terão uma imagem de uma má pesquisadora. Ambas afirmações podem ser verdadeiras
ou falsas. Não há como alguém saber se sou
ou não uma boa pesquisadora apenas pelos
comentários alheios. Se estas duas pessoas
agregarem a esta a idéia que elas têm de um
professor de línguas em um colégio e os dados coincidirem, se criou um estereótipo. O
31
problema não é a existência do estereótipo
por si só, pois muitas vezes é o que mantém o respeito e a paciência pelo diferente.
Mas: 1)- o preconceito que advém/adveio
dele; 2)- a aceitação do estereótipo como
sendo verdadeiro pelo povo estereotipado;
3)- a aceitação do mesmo como verdade
absoluta. Enfim, durante muito tempo, várias “pessoas” julgaram o povo latino-americano sem conhecê-lo.
Como se vê, essa criação de estereótipos
pode ser aplicado a uma esfera macro de
conceitos. De acordo com Brown e Lewinson, os estereótipos são repassados de geração em geração e por isso não há a preocupação em saber se os mesmos condizem ou
não com a realidade. A sociedade que nos
circunda é como uma grande piscina de conceitos na qual somos mergulhados quando
nascemos. Alguns ficam nas partes mais profundas e absorvem os conceitos de uma forma mais arraigada, enquanto outros ficam na
superficialidade e têm menores influências.
Mas assim como quando entramos numa piscina não há como não sair molhado dela, não
há como não ser influenciado pela sociedade
na qual se está inserido.
Sendo assim, os conceitos que nos são
apresentados desde pequenos estão muito
mais arraigados em nós do que se imagina.
Os construtos apresentados por Pennycook
em seu livro English and discourse of Colonialism estão também na colonização latina, e
por latina entenda-se aqui espanhola e portuguesa, de maneira tão camuflada que por
vezes parecem irreais ou imutáveis.
Faz-se necessário um parêntese sobre o
termo “latino”. Esse termo foi criado pelos
franceses para que englobasse todos os países que falam idiomas advindos do latim. Isso
lhes poria como nação irmã junto a Portugal
e Espanha, justificando, assim, a conquista
32
de alguns territórios no novo mundo. Hoje,
esse termo denomina em vários países a pessoa pobre, ilegal, intelectualmente menos
capacitada. O termo “países latinos” – levando em conta as primeiras imagens e conceitos que nos vêm à mente para latino – não
inclui mais Itália e França, mas somente os
países que por algum motivo são tidos como
economicamente desprivilegiados, seja no
contexto Americano, seja no contexto Europeu. Outras vezes ainda, esse sentido de “latino” pode vir ligado ao do “sangue latino”,
ou seja, às danças sensuais, ao corpo desnudo, às mulheres fáceis e à vida desregrada.
Essa é uma visão ainda colonizadora e estereotipada, no pior sentido da palavra, a respeito dos habitantes do novo mundo.
A utilização dos construtos foi muito mais
eficaz do que algum dia se pôde imaginar.
Não somente o Novo Mundo foi influenciado
por eles, mas os próprios colonizadores sofrem as suas conseqüências. A análise dos
mesmos pode se dar de diversos pontos de
vista. O escolhido aqui foi o da visão do colonizado, tendo sempre como base uma análise cultural, sem pretensão de ser social.
São sete os construtos apresentados por
Pennycook (as diferenças raciais; o vazio e a
falta; a cultura e o natural; o adulto e a criança; masculino e feminino; a transfiguração do colonizador; a pureza e a sujeira).
Aqui serão apresentados somente os dois primeiros deles:
Diferenças raciais
De acordo com a visão de Pennycook, esse
é o principal construto de todos; é por meio
dele que se justifica a maneira como se deu a
colonização, ou seja, violenta, impositiva e
escravizante. Aqui, para que haja um comparativo mais forte com os outros países latino-americanos, será dada menor ênfase à
questão negra, e se dará um maior enfoque
à questão indígena.
A hierarquia entre as raças sempre foi
muito marcante na América. Na época colonial, um dos fatores que levou às independências na hispano-américa foi justamente a
não aceitação dos criollos – filhos de espanhóis nascidos na América – como europeus.
Hoje em dia, pode-se ainda ver isso muito claramente na região sul do Brasil, onde se faz
constante a pergunta: “De onde você é?” Ou
ainda “De onde a tua família é?” Como se
nessas famílias ainda se conservassem a força
e a pompa européia. Dificilmente alguém se
lembra de dizer que tem ascendência indígena. E, se o fizer, a imagem imediata que vem à
nossa cabeça não é a da mais bela tribo com
os mais belos índios, como disse Renato Russo, mas de uma maloca cheia de moscas, suja,
etc... O que nos leva a pensar assim? Justamente essa visão de que a Europa deveria trazer ao novo mundo a Sabedoria. E esta compreende: religião, conhecimentos, costumes,
modos de ser, comportar-se, vestir-se, etc.
Tudo o que havia aqui era menor, menos importante e desnecessário. Faz-se ver a destruição de vários dos templos aqui existentes para
a construção de pontes, colégios e casas.
Além disso, sendo essas raças hierarquicamente distintas, não há possibilidades de
ascensão entre as mesmas, ou seja, os indígenas sempre deverão depender do homem
branco, para trazer-lhes conhecimento e luz.
De acordo com o estatuto do indígena (LEI
Nº 6.001), os indígenas são “tutelados pelo
estado brasileiro”. Não lhes é permitido trabalhar e têm uma grande área de terra cedida pelo governo para a sua preservação.
Como se não bastasse, para obter a liberação deste regime, deve provar ter razoável
compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional, ou seja, atuar como um homem branco, perdendo assim a sua identidade. Aqui a palavra compreensão expande o
sentido de entender e engloba o sentido de
tornar-se. Qualquer semelhança legal entre
um pajé e uma criança de 3 anos é segura-
mente mera coincidência. Como se vê, são
cinco siglos igual, isto é, durante cinco séculos, os indígenas foram bombardeados pela
cultura européia e banalizados como cidadãos. Como em vários países hispano-americanos, a quantidade de indígenas inviabilizou
esta proposta, criou-se um tipo de segregação muda, um apartheid não institucionalizado. Até hoje, são poucos os líderes políticos
indígenas. O mundo paralisou quando o primeiro presidente indígena na América assumiu o poder, como se esse feito fosse totalmente insano. Imagine um país eleger um
indígena. É impressionante ver que mais de
meio século depois da invasão latina ainda
se vêem os povos indígenas como menos
capacitados para posições de poder.
Em países latino-americanos não andinos,
existe a tendência de achar a cultura indígena “bonita” e inclusive retratar, em fotos e
vídeos, o modo de vida dos mesmos. O que
na verdade fazemos é, até certo ponto, o
mesmo que os europeus fizeram: impomos a
nossa forma de ser como certa e verdadeira.
Identificamos a cultura indígena como primitiva quando comparada com a nossa cultura
herdada dos colonizadores europeus. Mas há
o contraponto interno de vários países andinos, onde se valoriza muito o ser indígena e
a sua cultura. Engraçado é ver como temos
mais pré-conceitos justamente para com esses países que se declaram mais indígenas.
O vazio e a falta
A história chega à América com os colonizadores. É comum a idéia de que todas as
pessoas que estavam deste lado do mundo
33
esperavam imóveis a chegada dos colonizadores. Não havia histórias, conquistas, imperadores, somente um vazio... Vazio este marcado pelo primitivismo dos povos aqui presentes. Não havia religiões, templos e celebrações. Tudo era segregado à escuridão.
Todos os cidadãos da América eram considerados tabulas rasas e por isso deveriam ver a
luz que chegava do oceano em forma de deus.
E é assim que até hoje se vê o colonizador,
como aquele que tem a luz, a sabedoria. A
verdadeira religião, arte, medicina e tantas
outras verdades parciais, mas que por vezes
foi (e é) absoluta. Bárbaros por seus rituais e
armamentos, os indígenas tiveram que aprender, ou como diz o estatuto indígena brasileiro, ter razoável compreensão dos costumes
castos e verdadeiros. Isso, é claro, seguindo
as tradições de conquistas de um povo civilizado, ou seja, o massacre e a imposição total
de suas crenças. Será que as armas de fogo
são reais sinais de progresso?
Como se vê, no Brasil não há o reconhecimento de sua raiz indígena e muito menos do
valor que ela tem. Além disso, tende-se a reconhecer os povos das nações vizinhas como
inferiores, exatamente como os europeus fizeram. Sendo assim, tudo o que vem daí é
inferior e não digno de interesse, vide a sua
arte, a sua cultura e a sua língua. A não aceitação do povo brasileiro como latino deve-se,
então, muito mais ao seu não reconhecimento como indígena (ou descendente de...) do
que a uma mera questão de idioma.
Maristella Gabardo
Professora de espanhol do colégio
Medianeira. Graduada pela UFPR e, no
presente momento, também docente
na mesma universidade. Membro do
grupo de linguagem e cultura daUFPR.
(Comente este artigo em
[email protected])
ENGLISH AND THE DISCOURSES OF COLONIALISM
ALASTAIR PENNYCOOK
Editora: Routledge-USA
34
Ensino Fundamental
de
NOVE ANOS:
PERSPECTIVAS
e
DEBATES
Por Claudia Furtado de Miranda
Foram bastante discutidas nos
meios de comunicação as
implicações organizativas e a
formalização legal do Ensino
Fundamental de 9 anos. Mas não
houve, pelo menos com a mesma
intensidade, uma reflexão mais
aprofundada sobre suas
implicações pedagógicas, políticas
e qualitativas no aprendizado do
aluno. Mediação procura trazer
para a cena do debate reflexões
sobre o quanto o Ensino
Fundamental de 9 anos pode
contribuir para o processo
formativo da criança e do
adolescente.
35
A localidade dos educandos é o ponto de partida
para o conhecimento que eles vão criando do
mundo. Seu mundo, em última análise, é a primeira
e inevitável face do mundo mesmo.
Paulo Freire -1986
N
Nos últimos meses, o debate sobre a implantação do Ensino Fundamental com a duração de nove anos tem gerado polêmicas
em relação à sua proposta e à sua relevância
no cenário educacional brasileiro.
É perceptível que a circulação das informações na mídia tem gerado, em alguns casos, mais desinformação, tanto pelo desencontro dos processos e medidas que as escolas e o próprio Conselho de Educação estão tomando para se adaptar às decisões legais – característicos de todo o processo de
transição e mudança – quanto pela iniciativa de descrever mais os conflitos do que esclarecer os princípios políticos e pedagógicos que alicerçam as bases do ensino fundamental de 9 anos. Assim, o que se percebe é uma confusão e angústia por parte das
famílias sobre o futuro do processo de escolarização dos filhos.
Pretendemos descrever um pouco das
bases políticas da ampliação do Ensino Fundamental de 9 anos a partir dos documentos
legais e das questões pedagógicas centrais
para a inclusão das crianças de seis anos de
idade neste segmento. O objetivo deste texto
não é dar respostas prontas para as demandas desta discussão, mas, principalmente,
ponderar sobre algumas características pedagógicas às quais escolas e educadores devem
estar atentos no processo de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental.
A necessidade crescente do Brasil em aumentar o número de anos do ensino obrigatório tem sido uma prerrogativa da legislação
educacional: a Lei nº 4.024/ 1961 estabeleceu
quatro anos de escolaridade obrigatória; a Lei
36
nº 5.692/1971 determinou a obrigatoriedade
para oito anos; a Lei nº 9.394/1996 já sinalizava para o ensino obrigatório de nove anos
de duração e definiu como meta nacional pela
Lei 10.172/2001 com a aprovação do Plano
Nacional de Educação. Em 6 de fevereiro de
2006, a Lei nº 11.274 instituiu o ensino fundamental de nove anos com a inclusão das crianças de seis anos de idade. 1
A fundamentação desta decisão política
tem duas intenções: “oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da
escolarização obrigatória e assegurar que,
ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade” (Lei nº
10.172/2001). Fica claro que o objetivo político é implantar uma reforma educacional que
atenda a necessidade de ampliar a escolaridade a um maior número de crianças, e também de atender as exigências do cenário internacional no tocante aos índices e ao nível
de escolaridade da população brasileira.
Não se trata, portanto, de uma revolução
no processo de inclusão e no processo pedagógico de formação para a cidadania, até
porque, para tanto, seria necessário promover mudanças no cenário da formação continuada dos professores; na gestão da política e das verbas públicas; na valorização
dos saberes e da experiência das pessoas inseridas na cultura local (educadores, alunos,
comunidade) como exercício de cidadania,
buscando um maior equilíbrio social e econômico. Entretanto, a proposta de inclusão
é muito interessante no que se refere às
questões pedagógicas que priorizam um
maior tempo de permanência da criança e
do adolescente na escola.
As decisões pedagógicas sobre o currículo, a concepção de infância e de alfabetização nas diversas áreas do conhecimento são
centrais no processo de transição entre a
Educação Infantil e o Ensino Fundamental.
Não se trata de acelerar a criança de seis
anos para o Ensino Fundamental, aumentando as exigências de um currículo de 1ª. série,
muito menos se trata de manter, simplesmente, o currículo da última série da Educação
Infantil neste novo segmento. É importante
que as escolas – particulares e públicas – concebam uma estrutura espiral de organização
dos conteúdos da Educação Infantil ao final
do Ensino Fundamental.
É preciso, neste sentido, evitar uma ruptura entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental (ruptura clássica que ainda persegue nossas organizações curriculares e a cultura escolar). Dito de outra forma, é muito
comum se ouvirem comentários enfatizando
que ‘o tempo da Educação Infantil é o da brincadeira e da ludicidade’ e o ‘tempo do Ensino Fundamental é o de estudar’.
Esta dicotomia entre o estudar e o brincar
destaca a necessidade de se conceber a infância como um processo de aprendizagem
e desenvolvimento que perpassa muitos anos
da história da criança.
Assim, a elaboração de um projeto/planejamento pedagógico que assegure o cuidado
com a infância e o processo de transição da
Educação Infantil para o Ensino Fundamental precisa considerar alguns aspectos em
relação à aprendizagem e ao desenvolvimento dos alunos: a infância e a brincadeira no
aprendizado; a ampliação das relações sociais; o processo de alfabetização nas diversas áreas do conhecimento; a graduação da
exigência acadêmica na construção do conhecimento; a formação integral da criança
e do jovem (aprender a pensar, ser e agir).
Quando falamos na escola sobre a importância da brincadeira e dos jogos para o desenvolvimento da aprendizagem, estamos destacando que é por meio destas atividades que a criança lança hipóteses, problematiza situações reais e se aproxima da realidade e do mundo adulto.
De acordo com Vygotsky (1987), o brincar é uma
atividade humana criadora, na qual a imaginação,
fantasia e realidade interagem na produção de
novas possibilidades de interpretação, de expressão e de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações sociais com outros sujeitos, crianças e adultos.(citado em BORBA, 2006) 2
No contexto escolar, os planejamentos que
contemplam as brincadeiras livres ou dirigi-
37
relacionada com a concepção cartesiana de
conhecimento e de educação.
Defendemos que a discussão nas escolas
sobre a complexidade do processo da leitura
e da escrita no tocante à aprendizagem e desenvolvimento das crianças precisa ter como
perspectiva a valorização dos saberes infantis e a desmistificação das verdades construídas e emolduradas pelos métodos que são
vistos como manuais de alfabetização.
38
O próprio contexto social e econômico
delega ao sujeito a criticidade acerca da importância de ler e escrever; dessa forma,
tanto a criança quanto o adulto são sujeitos
deste aprendizado. Neste aspecto, a alfabetização concretiza-se como uma possibilidade
de formação acadêmica, democrática e cidadã. Conforme explica Paulo Freire:
das, favorecem o desenvolvimento da linguagem corporal, imagética e sonora no processo de alfabetização das crianças. Neste sentido, o conceito de alfabetização abrange também a construção dos conceitos das diversas áreas do conhecimento. É através do jogo
e da imaginação que a realidade social e histórica se aproxima da aprendizagem infantil.
Desta maneira, quando proporcionamos que
as crianças investiguem a realidade em que
vivem por meio da vivência e da experimentação, contribuímos para que ela amplie a
rede de significados sobre o contexto em que
vive. Assim, a alfabetização envolve a construção dos conceitos de tempo e espaço e de
mega-habilidades como a imaginação, a memória e a linguagem.
É neste sentido que também entendemos
a alfabetização como um processo cognitivo
de construção e decifração da escrita e da
leitura de diversos e diferentes contextos históricos e sociais que se (re)significam pela
relação com as diferentes linguagens.
Como pensar a educação nos meios acadêmicos cercados por métodos e modismos
que aprisionam as diferentes possibilidades
de criação e inovação, de aprendizagem e
desenvolvimento? Durante muito tempo, os
métodos únicos e fechados foram redentores das soluções para os problemas pedagógicos e se configuravam como modelos pelo
atestado de cientificidade. Os critérios que
cercavam a aprendizagem e as ‘metas a serem atingidas’ eram – e ainda são - uniformizados pela relação monológica entre ensinoaprendizagem; portanto, a concepção de
ensino e de aprendizagem está diretamente
Entendemos que a ação educativo-formativa necessita de um trabalho diagnóstico do
processo de aprendizagem e de desenvolvimento dos alunos, da turma e da série, nas
dimensões do aprender/saber pensar, ser e
agir. Nessa perspectiva, aprender e ensinar
fazem parte de um processo dialógico que
coloca o educador e o educando em situação de interação e reciprocidade diante da
ação de aprender. A aprendizagem é significativa quando o conhecimento em construção estabelece uma rede de relações com a
realidade/contexto histórico e social nos quais
os sujeitos se constituem.
A alfabetização e a educação, de modo geral, são
expressões culturais. Não se pode desenvolver
um trabalho de alfabetização fora do mundo da
cultura. Parece-me fundamental, porém, na prática educativa, que os educadores não apenas reconheçam a natureza cultural do seu fazer, mas
também desafiem os educandos a fazer o mesmo
reconhecimento. 3
Desse ponto de vista, educar é um ato
político que orienta desde a seleção dos conteúdos até a preocupação de como os alunos pensam e aprendem. Isso nos coloca a
necessidade de reavaliar constantemente nossas práticas pedagógicas no tocante às dimensões formativa e diagnóstica do processo de
ensino-aprendizagem e de aprendizagem-desenvolvimento. Assim, entendemos que
quanto mais aprendizagem, mais desenvolvimento e quanto mais desenvolvimento, mais
aprendizagem, pois a aquisição do conhecimento é simultaneamente uma atividade cognitiva e cultural.
Consideramos que o Ensino Fundamental
de nove anos possibilitará um maior tempo
para o processo de aprendizagem das crianças e jovens, desde que se considere a importância da continuidade das propostas pedagógicas e curriculares no processo de formação acadêmica e humana dos alunos. Entretanto, sua implantação não pode ser arbitrária, é preciso que as escolas – públicas e particulares – tenham tempo para se adaptar às
novas exigências pedagógicas e estruturais.
O período de transição do Ensino Fundamental de oito anos para nove anos é essencial para que as escolas considerem o
processo de aprendizagem dos alunos, a
proposta pedagógica curricular, a estrutura física e o preparo dos professores e das
equipes pedagógicas.
1 As leis citadas foram retidas do documento: “ENSINO
FUNDAMENTAL DE 9 ANOS: orientações para a inclusão
da criança de seis anos de idade”. Organização do documento: BEAUCHAMP, Jeanete, et al. Brasília, 2005.
2 BORBA, Ângela Meyer. O brincar como um modo
de ser e estar no mundo.
O texto faz parte do
documento ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade.
Organização: BEAUCHAMP, Jeanete, et al. Brasília, 2006.
3 FREIRE, Paulo & MACEDO, Donaldo. Alfabetização:
leitura do mundo leitura da palavra. 2ª. ed. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1994.pp.33.
Claudia Furtado de Miranda é professora de História e Supervisora Pedagógica da Educação Infantil e da 1a. fase
do Ensino Fundamental no Colégio
Medianeira. É também Mestranda em
Educação pela PUC-PR
(Comente este artigo em
[email protected])
39
ALFABETIZAÇÃO:
LEITURA DO MUNDO, LEITURA DA PALAVRA
AUTORES: PAULO FREIRE E
DONALDO MACEDO
Editora: Paz e Terra
Paulo Freire utiliza toda a sua experiência pedagógica para
dissecar o ato da leitura no processo de alfabetização das
camadas populares. Com a colaboração de Donaldo Macedo, elabora uma avaliação severa e inovadora dos tradicionais projetos de alfabetização desenvolvidos no Brasil, nos Estados Unidos e nas ex-colônias portuguesas na
África. Nesse esforço conjunto reiteram a proposta do
Método Paulo Freire.
O INDIVÍDUO EM FORMAÇÃO:
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES SOBRE EDUCAÇÃO
BÁRBARA FREITAG
Editora: Cortez
Ao juntar em um mesmo texto conotações distintas de um
mesmo conceito, relacionando textos que pertencem a diferentes campos do saber, ganha-se em riqueza e sofisticação semântica, captando todas as nuances de um conceito, mesmo que estas estejam dispersas pelos múltiplos
saberes. Neste sentido, a perspectiva inter e multidisciplinar pode resultar em um alargamento do horizonte conceitual e numa melhor compreensão de fenômenos sociais e
psíquicos altamente complexos.
40
VER
pra CRER?
Por Milana Bernartt
O cinema é sem dúvida uma das formas de arte mais evidentes da cena
contemporânea. Mas os limites entre a arte e a indústria cultural são
muito tênues. Ora, ele é repetição de imagens-clichê; ora, refinamento e
educação do olhar. A sétima arte, nas suas multiformes modulações,
está em todos os lugares e faz a cabeça de um público a cada dia maior.
41
S
Sábado, oito da noite. Contei dezesseis pessoas na minha frente na fila da locadora. Produção em série. Alguns com apenas um DVD,
outros com pilhas deles. Crianças, pais, namorados, sozinhos, pipoca, refrigerante e filmes.
Muitos filmes. Centenas, milhares: na TV, no
cinema, na Internet, nos anúncios, nas festas,
nas cabeças das pessoas. Uma obsessão.
— Já viu esse?
— Não, mas vi o trailer e não gostei.
— E esse aqui?
— Ah, eu vi mas faz tempo. Vamos levar
de novo?
Promoção de aniversário. Cada filme dá
direito à locação grátis de um catálogo - os
filmes “de arte” que sobrevivem ao tempo e
à crítica. Clássicos que nunca deixarão de ser
clássicos, mesmo estando no lugar mais escondido da locadora. “Ah, mas quem gosta
desses filmes não se importa de subir até aqui
procurar”. Como saber se o que você está
assistindo é uma obra de arte ou puro desperdício de pipoca?
Senso crítico. O audiovisual tem o poder
de informar, entreter e projetar para outras
realidades, espaços e tempos e atingir os sentidos amplamente. Se o que você está assistindo não faz isso, não engula. Aliás, não engula absolutamente nada sem antes ter certeza de que pode confiar naquilo. Uma pesquisa do IBGE revela que a televisão é o bemdurável mais comum na casa dos brasileiros:
está em 97% dos lares (a geladeira está em
apenas 87%). Há tempos a TV é o centro da
casa e a principal fonte de informações. A
qualidade delas é que preocupa.
O que não tem imagem não é notícia. Parece óbvio? Então responda rápido: que porcentagem do tempo você usa para refletir
sobre dados, contextos e análises enquanto
está “lendo” as imagens? Existe espaço pra
isso nos meios de comunicação? Talvez,
mas não em todos. A pasteurização do
conteúdo – especialmente o audiovisual – traz a ilusão da infor-
42
42
mação. Pense em quanta superficialidade
passa diante dos seus olhos todos os dias,
travestida de notícia. Sei um pouco de tudo.
Sei de nada.
Você sabe por quantas pessoas essa informação passou antes de chegar em você?
Por quantos julgamentos, dificuldades, maus
humores, recursos, cortes, interesses? Acredito que a escola tenha papel fundamental
na educação do olhar: ensinar ao aluno
como distinguir o que é uma informação
valiosa e descartar todo o resto. Não ao desperdício de pipoca! Entender que o que ele
vê na tela é o reflexo do trabalho de centenas de pessoas e não a verdade acontecendo diante dos olhos.
A leitura de imagens, assim como a leitura
de textos, requer treino, dedicação e esforço. Esforço para detectar a intenção de cada
corte, cada fala destacada, todas as expressões. Entender que tudo que não foi dito é
tão importante quanto aquilo que está sendo
dito. Que a ordem dos fatores, neste caso,
altera totalmente o produto.
Há ainda o outro lado. Os novos talentos
devem ter a chance de poder se expressar
pelo meio de comunicação mais poderoso
da nossa era. Poder criar e transmitir idéias
com a força do instantâneo e do eterno. A
educação multimeios e multilinguagem protege do bombardeio diário de informações
e dá ferramentas para filtrar as milhões de
possibilidades. E, acima de tudo, possibilidades de criação.
“Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça” fizeram de Glauber Rocha um dos grandes nomes do cinema mundial. Por que hoje,
quando a câmera na mão é comum, parece
faltar a outra parte da equação? Garanto que
não falta. Dê-lhes os meios e faça um estoque extra de pipoca. Vão faltar lugares escondidos nas locadoras.
(Comente este artigo em
[email protected])
Milana Bernartt é jornalista, especialista em
Cinema Independente e vídeo. Já ministrou Oficina de Curta-Metragem no Medianeira e será a
professora do novo curso de Cinema e Vídeo do
colégio, em 2007.
A LINGUAGEM SECRETA
DO CINEMA
JEAN-CLAUDE
CARRIÈRE
Editora: Nova
Fronteira
O roteirista francês aborda,
neste livro, o vocabulário
do cinema: câmera, ângulos, iluminação, a escolha
dos atores e cenários, as
mensagens subliminares
contidas na técnica etc. Discute ainda de que maneira a linguagem cinematográfica evoluiu ao longo de um século a partir
da sofisticação de seu público, que teve sua
percepção de tempo alterada pelos filmes.
A EXPERIÊNCIA DO CINEMA
Organizador:
ISMAIL XAVIER
Editora: Graal
Em 2007, o Colégio Medianeira
contará com o curso de Cinema e
Vídeo dentro das atividades
extracurriculares promovidas pelo
Departamento de Arte e Cultura!
O CINEMA PENSA:
uma introdução à Filosofia
através dos filmes
JULIO CABRERA
Editora: Rocco
Não é de hoje que se discute o significado filosófico
dos filmes e não são poucas as teses e dissertações
que usam o cinema para ilustrar as idéias desse ou daquele pensador. Julio Cabrera, no entanto, vai além
da simples comparação entre cinema e filosofia, e mostra que os filmes,
muito mais do que servirem como bons exemplos de concepções filosóficas, problematizam
o pensamento tradicional de modo radical. Composto por um ensaio inicial onde o autor expõe
seu método de análise e 14 exercícios, O cinema pensa aborda a filosofia contida nos filmes
de Spielberg, Buñuel, Capra, Tarantino, Antonioni e muitos outros. Com clareza, Cabrera contrapõe o pensamento desses cineastas a teses
defendidas por pensadores como Platão, Aristóteles, Kant, Marx, Locke, Heidegger e Wittgenstein, evidenciando a existência de um profundo
diálogo entre diretores e filósofos.
Organizado por Ismail
Xavier, professor da Escola de Comunicações
e Artes da USP, este livro é uma introdução às
teorias do cinema, indipensável aos estudiosos
ou apreciadores da arte
cinematográfica.
43
“LEVANTA-TE,
vem
para o meio!”
Por Isabel Cristina Piccinelli Dissenha
Vale a pena fazer
este convite ...
Um relato de experiência
O tema da Campanha
da Fraternidade em
2006 mostra, na
prática, o quanto a
integração e o
acolhimento no seio
da sociedade humana
não apenas são
possíveis, mas
necessários e belos.
44
“Professora, a partir de agora, quando eu vir o ônibus azul da prefeitura q
ue leva as crianças da APAE, vou olhar com muito carinho e lembrar do dia que e
les vieram aqui no colégio e mostraram para nós que é possível conviver com
as crianças portadoras de necessidades especiais, desde que haja respeito e que um
ajude ao outro. Quando nós nos encontraremos novamente?
Já estou com saudades do sorriso deles e de pegar nas suas mãos...”
“
Quando nós estávamos fazendo a atividade do mosaico eu nem percebi as
nossas diferenças. Nós conversamos que parecia que já nos conhecíamos e foi
ele quem me mostrou um jeito mais rápido de montar o mosaico...”
“Professora, quando nós fomos nos despedir das crianças antes deles entrarem
no ônibus, me deu vontade de chorar; de alegria por ter conhecido eles e de tristeza
porque eles estavam indo embora...”
“O carinho com que o Colégio nos recebeu certamente ficará para sempre
na nossa lembrança. Os alunos de vocês estão de parabéns, pois demonstraram
através das suas atitudes que têm amor e respeito nos seus corações.
Que este seja o primeiro, dos muitos encontros...”
O
Foi a partir destes comentários e das atitudes de acolhimento, solidariedade, envolvimento e respeito às diferenças individuais, que avaliei (enquanto professora de
Ensino Religioso) a importância de partilhar
a experiência vivenciada pelos alunos da 3ª
série, no dia 28 de junho deste ano (2006),
depois do convite feito às crianças da Escola de Educação Especial de Estimulação
e Desenvolvimento (CEDAE – APAE), para
visitarem o nosso colégio.
O convite partiu da inspiração que o lema
da Campanha da Fraternidade deste ano nos
propõe: “Levanta-te, vem para o meio!”. As
pessoas “sem deficiência” estão convocadas a
“levantar-se”, sair da exclusão, ter consciência
do valor e dignidade das pessoas com deficiência (Mc 3,3). Cabe à sociedade ir ao encontro do outro, na sua alteridade e na sua diferença, e acolhê-lo com fraternidade (Texto-base
da Campanha da Fraternidade – 2006. n. 223).
A proposta educativa do Colégio Medianeira na formação acadêmica e humana do “ser
para os demais” vem ao encontro do que nos
propõe este lema no sentido de que não devemos ficar conformados, devemos ter coragem
e assumir a luta pela dignidade de todas as
pessoas. Queremos formar os nossos alunos
45
para que sejam líderes inseridos e autônomos,
orientando-os para que sejam agentes de transformação da sociedade, conscientes da realidade sócio-histórica do país e comprometidos
com a causa dos excluídos.
Quando falamos em exclusão, não podemos deixar de mencionar os portadores de
necessidades especiais. Felizmente, percebemos que atualmente a inclusão tem sido vista de uma forma mais ampla, em que as relações interpessoais são essenciais para o processo ensino-aprendizagem. Como diz Lucy
Alves, “nessas relações, há um resgate de
pessoas que se sentem à margem da sociedade, abrindo um leque de oportunidades
para que exista um equilíbrio, uma igualdade, elevando a auto-estima, a independência
e a valorização das diferenças individuais.”
A relação entre inclusão e exclusão é muito próxima. A inclusão precisa desenvolver a
perspectiva de pertença a um contexto social e cultural entre as diversas dimensões que
refletem uma mesma realidade.
É por isso que acreditamos no que diz
Rosita Carvalho: “(...) a escola para todos, a
escola inclusiva, tem como princípio fundamental que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter.”
Este encontro com as crianças da APAE
foi planejado com muito carinho e empenho,
numa relação dialogal com os alunos, os professores da série e a coordenação, com o
objetivo de demonstrar através de uma experiência significativa que é possível conviver
com o “diferente”, no sentido de inclusão,
interação e aprendizado, bem como vivenciar valores como a solidariedade, a fraternidade e o amor ao próximo. Para tal, a disciplina
de Ensino Religioso trabalhou, via conteúdo,
o que nos propõe a campanha da fraternidade deste ano e como viver, em gestos concretos, o sentido e a proposta da APAE.
Outras disciplinas trabalharam em parceria, organizando oficinas: Língua Portuguesa
46
(“Hora do Conto”), Artes (“Mosaico”) e Educação Física (“Expressão corporal”). Os alunos da APAE, por sua vez, nos encantaram
com a apresentação da dança “Toda criança
quer” e com o projeto que desenvolvem na
escola: “Projeto Algo Mais”, o qual visa a trabalhar com movimentos significativos.
Foi gratificante perceber a troca afetiva de
olhares, de conhecimento, a atenção, o respeito e a solidariedade entre as crianças durante o período em que estiveram juntas. A
convivência, mesmo que por um período
curto de tempo, deixou um gostinho de quero mais e isto é muito bom, pois significa que
nós conseguimos sensibilizar os nossos alunos para a construção de uma sociedade mais
justa, fraterna, solidária, sem preconceito e
sem exclusões. Certamente, eles perceberam
que o respeito às diferenças individuais e a
ajuda mútua é um dos caminhos para atingirmos a nossa utopia, onde todos possam
viver verdadeiramente como irmãos.
Aqui, gostaria de destacar que as Características da Educação da Companhia de Jesus
enfatizam, de maneira especial, esta dimensão: “uma vez que o verdadeiramente humano se encontra unicamente em relação com
o próximo, que se baseia em atitudes de respeito, amor e serviço, a Educação Jesuítica
enfatiza e ajuda a desenvolver o papel de cada
pessoa como membros de uma comunidade
humana. Os alunos, professores e demais
membros da comunidade educativa são in-
centivados a construir uma solidariedade com
os demais que transcendam raças, culturas
ou religiões. O ambiente de um centro educativo da Companhia deve ser tal que todos
possam viver e trabalhar juntos com a compreensão e amor, respeitando-se uns aos outros como filhos de Deus”. (Característica n.33
da Companhia de Jesus)
Isabel Cristina Piccinelli Dissenha é professora
de Ensino Religioso e Catequese de 3ª e 4ª séries, supervisora da área de Ensino Religioso de
Educação Infantil a 4ª série e integrante do
Centro de Espiritualidade do Medianeira. É
também formada em Pedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná, com especialização em
Psicopedagogia – PUCPR – e Currículo e Prática Educativa – PUCRJ.
Finalizo este relato de uma experiência tão
significativa para nós (que foi mais uma, entre as várias que já fazemos) afirmando a importância de continuarmos propiciando oportunidades para que os nossos alunos percebam, como nos diz Santo Inácio de Loyola,
que “o amor deve consistir mais em obras do
que em palavras”.
(Comente este artigo em
[email protected])
CAMINHOS PEDAGÓGICOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
ROSA GITANA KROB MENEGHETTI
E ROBERTA GAIO
Editora: VOZES
A obra traz uma reflexão sobre as possibilidades do
ser humano, para além das possíveis deficiências
que seu corpo possa abrigar, e no diálogo com as
diferenças contidas nas várias áreas de conhecimento. O livro mostra o sentido da diferença e o modo
de lidar com ela em sala de aula, a partir da ampliação do conceito de igualdade.
47
47
SJR: uma missão
junto dos
pobres MAIS
POBRES
Por Domingos Chagas, SJ
Infelizmente, o novo
milênio nasceu sem
resolver problemas graves
da humanidade. Ainda
hoje, há milhares de
pessoas que são
obrigadas a sair de seus
países por terem sua
liberdade e segurança
ameaçadas. Mas também
há a boa notícia: diversas
organizações se
mobilizam para dar apoio
a essas pessoas. E os
jesuítas estão aí,
trabalhando como
sempre.
48
O
O Serviço Jesuíta aos Refugiados (SJR) é
uma organização católica internacional que
trabalha em mais de 50 paises, com a missão de acompanhar, servir e defender os direitos dos refugiados e migrantes forçados.
A missão confiada ao SJR compreende assistir todos os que foram afastados de seu
lugar de origem por conflitos, tragédias humanas e violações dos direitos humanos de
acordo com o ensino social da Igreja Católica, que define o refugiado “de fato” a múltiplas categorias de pessoas.
A razão de ser do SJR está intimamente ligada à missão da Companhia de Jesus (Jesuítas) de promover a justiça do Reino de Deus
em diálogo com outras culturas e religiões. O
serviço foi criado em 1980 pelo Pe Pedro Arrupe SJ, então Pe Geral da Companhia de Jesus,
como resposta prática e espiritual à situação
dos refugiados daquele momento. A missão do
SJR foi confirmada pelo Superior Geral PeterHans Kolvenbach SJ em uma carta dirigida a
toda a Companhia de Jesus em 1990. Dez anos
mais tarde, em comemoração aos 20 anos de
SJR, ratificou a missão como serviço apostólico internacional que faz parte do apostolado
social da Companhia de Jesus; nesta mesma
carta anunciava as Diretrizes para o SJR
O que é Refugiado? O refugiado é o indivíduo que se encontra fora do seu país de origem
e não possa ou não queira acolher-se a sua proteção por fundados temores de perseguição por
motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas. Ainda, a Lei n. º
9.474, de 22 de julho de 1997 considera como
refugiado todo aquele que é obrigado a deixar
o seu país de origem devido a grave e generalizada violação de direitos humanos
Quem são os refugiados? Além da definição de refugiado consagrada pela Lei 9.474/
97, que é a reprodução da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, no
que diz respeito à primeira parte, há que ressaltar aquela constante da Declaração de Cartagena de 1984, incorporada à legislação
brasileira e que considera, também, como
refugiadas as pessoas que fugiram de seus
países porque sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas pela violência generalizada, ou agressão estrangeira, conflitos internos, violação massiva dos direitos humanos ou
outras circunstâncias que tenham perturbado
gravemente a ordem pública. A concepção que
ela assume, conforme o estatuto do SJR, diz
que a “missão do SJR abarca todas as pessoas
que são deslocadas de seus lugares por motivos de conflitos armados, desastres humanitários e violações dos direitos humanos, todos
eles de acordo com a doutrina social da Igreja
que aplica a expressão ‘refugiados de fato’ a
muitas categorias de pessoas”.
O SJR está dividido em grandes regiões,
a saber: América Latina e Caribe; América do
Norte; Europa; África Ocidental; África Oriental; África Meridional; Grandes Lagos; Ásia
Meridional; Ásia Pacífico. Isso se deve porque de acordo com as estimativas mais moderadas, existem pelo menos 40 milhões de
refugiados e pessoas deslocadas em todo o
mundo. Muitas vivendo em campos superlotados, acampamentos destinados a refugiados, ou simplesmente anônimas em grandes
ou pequenas cidades. A grande maioria foi
deslocada das suas casas devido a conflitos
e atos de violência.
Os conflitos continuam afetando milhões
de civis todos os anos, destruindo casas, aldeias inteiras, terras de cultivo. Exemplos recentes incluem: a Colômbia, onde existem
mais de 2 milhões de pessoas deslocadas
devido a uma guerra civil persistente. O Sudão, onde perto de 5 milhões de pessoas fugiram das suas regiões devastadas pela guerra para uma segurança relativa na capital
Cartum e noutros locais. Os Bálcãs, onde,
apesar de ter terminado o conflito, perto de 1
milhão de pessoas continuam deslocadas,
muitas vivendo em condições desumanas.
Estes são apenas três exemplos das mais de
30 diferentes zonas de conflito em todo o
mundo, nas quais as pessoas são forçadas a
abandonar as suas casas. O fato é que um
conflito pode ter um efeito devastador numa
sociedade. Elimina as oportunidades de educação, entre outras; destrói infra-estruturas
49
de saúde e atividades produtivas; e corrói as
estruturas comunitárias, lançando sementes
de desconfiança e impunidade.
Na América Latina, nos últimos anos foram eleitos vários governos de esquerda com
posições ideológicas muito distintas e isso
afetou as relações entre EUA e América Latina. A impossibilidade de um acordo sobre o
Tratado do Livre Comércio para as Américas
(ALCA) causou um forte impacto nas políticas migratórias na região a ponto de os temas de desigualdade nacional prevalecerem
acima das questões humanitárias
A Colômbia, através do Plano Colômbia, foi
o país que mais recebeu ajuda dos EUA, principalmente de assistência militar. Desde 2000,
esse plano tem contribuído para deteriorar os
direitos humanos, forçando milhares de colombianos a buscar proteção nos países vizinhos.
A crise das fronteiras colombianas com os
países vizinhos tem levado gradualmente os
refugiados a se transladar para as grandes cidades, como é o caso de Quito, Equador. Essas cidades são as que mais acolhem solicitações de asilo da região sul. Dos 130.000 colombianos que vivem na fronteira venezuelana, só 5.774 fizeram pedido de asilo e menos
de 200 tiveram resposta afirmativa. Levados
pelo medo, muitos passam a fronteira de forma irregular e vivem de forma clandestina, em
vez de apresentar a solicitação de asilo. Isso
gera uma “zona gris” entre asilo e migração.
O Brasil ainda se destaca no quadro geral
de refugiados e solicitantes de refúgio da
América do Sul, visto que abriga 3.193 refugiados e recebeu 566 solicitantes de refúgio
em 2003. A grande maioria dos refugiados
acolhidos no país provém de Angola, perfazendo 1.952 indivíduos. Por sua vez, cresce o
número de latino-americanos que chegam ao
território brasileiro em busca de proteção,
constituindo o maior grupo entre os solicitantes de refúgio, com 45 cubanos e 45 colombianos. (ACNUR, 2004).
Vale registrar que também há a estatística
baseada nos dados fornecidos pela Cáritas
Arquidiocesana, instituição vinculada à Igre-
50
ja Católica, situada em São Paulo e no Rio de
Janeiro, que recebe os refugiados quando
chegam ao Brasil e acompanha seu processo
de integração no país. De acordo com a estatística da Cáritas, em 2003 havia 1130 refugiados acolhidos em São Paulo, dos quais 73
eram cubanos; 36, peruanos; 30, colombianos; 7, argentinos; 3, paraguaios, 2 salvadorenhos; e 1 haitiano. Portanto, é interessante
notar que 13% dos refugiados que se encontravam em São Paulo naquele ano tinham
origem latino-americana.
Os refugiados acolhidos no Brasil contam
com o apoio de ONGs, do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) e do governo, durante o seu processo
de integração local. Entre essas ONG´s de
apoio, encontra-se a ASAV (Associação Antonio Vieira – Pessoa jurídica da Província dos
Jesuítas Brasil Meridional), que coordena vários assentamentos para refugiados. Os refugiados recebem assistência, que abrange
moradia (oferecida em albergues e abrigos
públicos), medicamentos e assistência médica (fornecidos pelo ACNUR e por hospitais
públicos), alimentação (fornecida com ajuda
financeira do ACNUR e através de doações).
Também são contemplados com proteção
jurídica, sendo orientados sobre sua situação
no país, e com medidas que buscam sua integração na comunidade local (como aulas
de português, cursos de capacitação profissional, entre outras) (ACNUR, 2002).
No que toca aos refugiados colombianos,
cerca de 75, que se encontravam no Equador e na Costa Rica, foram reassentados em
diversas cidades do nosso país. Diante disso,
foram implementados programas visando à
integração destes refugiados na comunidade
local, que também compreenderam cursos de
língua portuguesa, capacitação profissional e
assessoria para colocação em postos de trabalho. Além disso, o ACNUR prestou assistência aos refugiados de baixa renda e, ainda,
ofereceu programas de micro-créditos para
refugiados que pretendiam montar um pequeno negócio. Ressalte-se que esse projeto priorizou as mulheres colombianas em situação de
risco, contemplando as que foram vítimas de
violência no país de origem ou no primeiro
país de acolhimento e as que se encontravam
sozinhas, com filhos (ACNUR, 2005).
Outra questão que pode prejudicar a integração se refere ao constante estado de insegurança vivido pelos refugiados. Alguns casos foram relatados por colombianos perseguidos pelas Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARC), os quais continuavam temendo por sua segurança no território brasileiro, em razão de sua proximidade
com a Colômbia (DIÁRIO DE S. PAULO, 2004).
Depois do Brasil, dentre os países da América do Sul, aparece a Argentina, com 2.642
refugiados, ao passo que Bolívia, Chile, Colômbia e Peru apresentam algumas centenas
de refugiados em seus territórios, e, por último, Paraguai e Venezuela, com apenas algumas dezenas deles abrigados em seus
países (ACNUR, 2004).
Vale salientar a situação do Equador, que,
em 1999, apresentava tão somente 310 refugiados em seu território (ACNUR, 2000) e, em
2003, passou a acolher um enorme contingente de 6.381 pessoas, constituindo-se, atualmente, a maior população refugiada da
América do Sul (ACNUR, 2004).
No tocante aos países das Américas Central e do Norte, a Costa Rica merece destaque
por abrigar 13.508 refugiados em seu território, a maior população acolhida em toda a
América Latina; seguindo-se do México, com
6.075 refugiados, e do Panamá, com 1.445 refugiados; enquanto Belize, Cuba, El Salvador,
Guatemala, Honduras e Nicarágua apresentam
pequenos grupos com algumas dezenas ou
centenas de pessoas (ACNUR, 2004).
Com relação à origem dos refugiados latino-americanos, o maior grupo é colombiano, perfazendo 37.981 refugiados; seguindose pelos cubanos, que totalizam 16.103 refugiados. Os haitianos também são numerosos,
constituindo 7.549 refugiados; assim como os
guatemaltecos, que representam 6.696 refugiados. Além destes, outros grupos expressivos são oriundos de El Salvador e Peru, so-
mando 5.658 e 5.582 refugiados, respectivamente (ACNUR, 2004b).
Em 1999, foi firmado no Brasil um Acordo
Macro entre o Governo do Brasil e o ACNUR,
que estabeleceu um novo conceito para reassentamento de refugiados. O objetivo do
instrumento é permitir que os refugiados se
integrem à sociedade brasileira, obtendo, o
mais rapidamente possível, a sua auto-suficiência. Ressalta-se que o reassentamento possibilita um enriquecimento recíproco, em razão da troca de experiência entre a sociedade de acolhida e os refugiados.
A saber, os pressupostos para o reassentamento no Brasil:
1) “Necessidades de proteção jurídica ou
física. Quando o reassentamento for o único
meio de proteção disponível, no caso de
ameaça de: repatriamento forçado; captura,
detenção ou encarceramento arbitrário, incluído aquele decorrente da sua condição de
refugiado; desrespeito aos direito humanos
ou à integridade física, comparável ao que
ocasionou a saída do país de origem.
2) Refugiado vítima de violência e/ou tortura. Os refugiados vítimas de violência e/ou
tortura necessitam de uma atenção médica
especial. Seu reassentamento no Brasil estará sujeito à disponibilidade de tais serviços.
3) Mulheres em perigo. Mulheres que não
têm a proteção tradicional de suas famílias
ou comunidades e que enfrentam sérias ame-
51
aças físicas e/ou psicológicas (violação, assédio sexual, violência, exploração, tortura, etc).
4) Refugiados sem perspectivas de integração no país do primeiro refúgio. Em algumas
circunstâncias, os refugiados não conseguem
integrar-se no país onde se encontram, por
motivos culturais, sociais e religiosos, dentre
outros. Quando um refugiado permanece certo tempo em um país de refúgio sem conseguir integrar-se e, inexistindo possibilidades de
repatriamento em futuro próximo, ele poderá
pleitear o seu reassentamento.
5) Pessoas com necessidades especiais.
Poderão ser consideradas pessoas com necessidades especiais aquelas que têm vínculos com refugiados no Brasil, menores desacompanhados, maiores ou casos médicos.”
Finalizando, o SJR está trabalhando em 7
países da América Latina e do Caribe prestando assistência psico-social, educativa, pastoral, financeira e legal a quase 25 mil pessoas: desalojados, refugiados, imigrantes forçosos, meninos e adolescentes em risco e
famílias camponesas. Três livros que comemoram o aniversário do SJR são: A ferida da
fronteira: 25 anos com os refugiados, Horizontes de Aprendizagem: 25 anos de educação no SJR e Deus no exílio, para uma espiritualidade compartilhada com os refugiados.
Durante o ano, o Serviço para os Migrantes
também foi avançando em uma melhor articulação com seus referentes nos Estados
Unidos e na Europa para responder de modo
mais adequado a este fenômeno. Está-se procurando o melhor modo de gerar sinergias
entre ambos serviços, tal como foi solicitado
pelo P. Geral Peter-Hans Kolvenbach SJ. (Superior Geral da Companhia de Jesus).
Domingos Chagas, S.J., é diretor da Fundação Fé
e Alegria do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul e Coordenador do Apostolado Social da
Companhia de Jesus.
(Comente este artigo em
[email protected])
52
REFUGIADOS EM BUSCA DE
UM MUNDO SEM FRONTEIRAS
RICARDO BOWN
Editora: Larousse
do Brasil
Ricardo Bown aborda neste
livro o drama dos que são
obrigados a fugir de seu país
e buscar refúgio onde, muitas vezes, a acolhida vem
acompanhada da discriminação e do preconceito. Por
meio da narrativa de Lili,
uma garota comum que um
dia vê se juntarem à sua sala dois refugiados, o
colombiano Pablo e o leonês Jeremmy, o autor
discute a tolerância cultural e valoriza o diálogo
entre as diferenças. Dando voz às experiências
de Jeremmy e Pablo, Ricardo Bown discute a
importância de valorizar o humano nas sociedades e compreender que todos são semelhantes, independentemente da cultura, do sexo, da
cor, da religião e das crenças políticas.
REFUGIADOS: REALIDADE E
PERSPECTIVAS
ROSITA MILESI
Editora: Loyola
O Brasil importa-se com
os refugiados e, na medida de sua capacidade,
acolhe-os comprometendo-se a lhes dar assistência compatível àquela dispensada aos nacionais. Numa época em
que as fronteiras se fecham num pavor xenófobo nunca visto, em que
sangrentas guerras destroçam cruelmente etnias quase inteiras e os ódios raciais e religiosos
se acirram para levar cada vez mais a mortes e
destruição, o gesto de boa vontade brasileiro
resplandece como estrela de primeira grandeza
para quem, defendendo o primordial dos direitos, o único que lhe restou – a própria vida –,
luta como autêntico herói para manter a derradeira gota de esperança e, com dignidade, recomeçar.
Sociedade
Pseudo-ecológica
Por Klaus Zanuncio Protil
Hoje em dia é possível para qualquer um
que tenha acesso à internet ver uma das principais preocupações da sociedade – a situação da ecologia. Temos inúmeros debates, trabalhos, projetos, protocolos – tudo para tentar salvar o que restou do equilíbrio entre natureza e vida humana. Não pretendo me aprofundar no assunto, mas todos sabem que,
cedo ou tarde, se nada for feito, o mundo se
tornará um lugar bastante inóspito – principalmente para a vida humana, que exige enormes áreas para se manter (alguém produz,
processa, para só daí levar o produto à venda). Desastres naturais varrerão áreas consideráveis do globo – tornando a produção um
tanto difícil nesses lugares – e serão muitas
áreas improdutivas, ao que tudo indica. Além
disso, é bem provável que no caminho das
furiosas tempestades estejam pessoas que
representem mão de obra indispensável para
o mundo...
Pois bem, preocupados em melhorar a
vida, os grandes políticos, empresários e
aqueles que têm algum poder de fala nesse
mundo, se uniram para criar brilhantes projetos de diminuição de emissão de gases estufa, derrubada de florestas, proteção à fauna e à flora mundial – tudo ótimo e com certeza servirá para algo.
Entretanto, quando olhamos o dia-a-dia
dessas mesmas pessoas, e nem precisa ser
somente delas, podemos analisar as sociedades desenvolvidas e muitas em desenvolvimento também, e vemos uma coisa que
deixa qualquer um perplexo: as mesmas pessoas que sustentam todas as medidas ecoló-
gicas que já foram implantadas desde que o
termo surgiu, são as mesmas que mantêm
uma vida de desperdícios, luxos desnecessários e incentivo à exploração e destruição
alheia. Você mesmo que está lendo essa crônica, pense em todas as coisas das quais
você poderia abrir mão para tornar o mundo melhor. Afinal, carros com potência de
hoje realmente são tão cruciais para o desenvolvimento humano? Não podemos viver
pelo menos metade da semana com transporte público? Afinal, não é viável para uma
pessoa ficar 5 minutos a menos no chuveiro
todo dia, desligar as luzes, não lavar o carro
toda semana? Essas e outras coisas mostram
o paradoxo que existe perante a causa ecológica. As pessoas defendem programas que
reduzam as taxas de emissão de gases estufa, produtos tóxicos e outras substâncias que
possam abalar o equilíbrio da natureza, mas
não admitem uma redução no seu padrão
de vida, mesmo que esse padrão de vida
seja mantido por processos que agridam o
meio ambiente. As populações não conseguem se ver como as principais culpadas
pelo desequilíbrio existente hoje na natureza... Culpam aqueles que são donos de indústrias e outras fontes de poluição. O problema é que mesmo que vissem isso, haveria um dilema: se o nosso próprio modo de
vida é predatório do ecossistema, seria possível voltar a viver como no período préindustrial? De fato, vivemos uma encruzilhada, temos que mudar nossos padrões de
vida se quisermos arrumar os destroços nos
quais a natureza se transformou... resta saber se seremos capazes...
Klaus Zanuncio Protil é aluno do Segundo
Ano do Ensino Médio no Colégio Medaneira
53
Banda
Por Manuel Caetano Antônio de Oliveira
Banda!!!
Mas o que é essa tal de banda?
Banda não pode ser expressa por palavras.
A banda possui muitas culturas dentro de si,
derivadas das diversas etnias bantus.
A banda não é uma cidade específica, banda
são 18 províncias diferentes, que nem mesmo um
puro mwangole como eu conhece por inteiro.
A banda também só pode ser sentida quando se está lá. Não adianta falar muito que vocês
não vão compreender.
Certo dia estava falando com um brasuca
sobre a banda. Eu sabia que ele não iria entender, mas continuei falando. Ele ficou muito curioso e começou a fazer perguntas. Comecei a
explicar dizendo que a banda é aquilo que acontece quando o Boing 747 da TAAG abre as portas e logo você sente aquela brisa no rosto, aquele calor... é quando você vê as diferentes pessoas correndo de um lado pro outro, algumas sentadas lendo o jornal enquanto esperam os seus
vôos... banda é quando você percebe toda aquela movimentação no aeroporto 4 de fevereiro.
Banda é quando você sai do aeroporto e pega
aquelas avenidas longas que entrelaçam os bairros e ao mesmo tempo ligam os bairros ao aeroporto e vice-versa. E quando você passa pelos
bairros sente aquele cheiro de funge, bagre defumado, quizaca, gimboa, mengeleca, ou ainda
quando vês aqueles kotas tomando suas bitolas,
comendo caxuxo grelhado nas barracas das
ruas, quando você se depara com o trânsito
engarrafado, aparece aquele Kandenge no vidro
do carro vendendo seu picolo dizendo:
— Kota compra de mim, esse é dos bons,
você tem várias escolhas. Ham tem esse aqui é
de mucua cuia bwê.
54
Vendo aquilo você percebe que nada mudou,
as pessoas sempre batalhando, o povo humilde
e festivo.
Banda é quando você sai da Tuda e chega em
Luanda, Brasil/Luanda, Alemanha/Luanda, Johanesburgo/Luanda. Essa é a banda que você relembra em um minuto assim que desembarcas do avião,
tudo que viveras no passado próximo ou distante.
E quando chegas em casa sempre tens aqueles
kambas que lá ficaram que te contam tudo, TimTim por Tim-Tim, nem que sejam acontecimentos
que ocorreram dois, quatro, seis anos atrás; banda
é um lugar maravilhoso conhecido como Angola,
um país não muito grande mas com a população
orgulhosa de ter nascido naquele lugar.
Vocabulário
Mwangole – Gírias de angolana que significa
Angolano
Brasuca – Gíria angolana pra designar um
brasileiro
TAAG – Transporte Aéreo de Angola
Funge, Quizaca, Ginboa, Mengeleca –
comidas típicas de Angola
Caxixo – nome dado a um peixe
Bitolas – gírias de Angola que significa
cerveja
Kandenge / Kimbundo – dialeto de Angola
que significa menino mais novo ou moleque
Mucua – Fruto de uma arvore chamada de
imbondeiro
Kamba / kimbundo – que significa amigo
Bwê – gíria de Angola que significa muito
Manuel Caetano Antônio de Oliveira é
angolano e estuda no Colégio Medianeira,
no Segundo Ano do Ensino Médio