MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO

Transcrição

MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO
Fundação Instituto de Administração
MBA EM GESTÃO SOCIOAMBIENTAL
APLICADA A ENERGIA HIDRELÉTRICA
OS RISCOS FINANCEIROS DE
EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS DEVIDOS
À MUDANÇA CLIMÁTICA
RICARDO CANTARANI
ALBERTO BIANCHI JR.
MARCELA COTRIM
SÉRGIO RUGAI
ORIENTADOR: PROF. Dr. SÉRGIO MANCINI
São Paulo
2009
ii
Fundação Instituto de Administração
MBA EM GESTÃO SOCIOAMBIENTAL
APLICADA A ENERGIA HIDRELÉTRICA
OS RISCOS FINANCEIROS DE
EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS DEVIDOS
À MUDANÇA CLIMÁTICA
RICARDO CANTARANI
ALBERTO BIANCHI JR.
MARCELA COTRIM
SÉRGIO RUGAI
ORIENTADOR: PROF. Dr. SÉRGIO MANCINI
Trabalho de Conclusão de
Curso
apresentado
à
Coordenação do curso MBA
Em Gestão Socioambiental
Aplicada à Energia Hidrelétrica
como requisito parcial à
obtenção do Certificado de
Conclusão.
São Paulo
2009
iii
FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO (FIA)
RICARDO CANTARANI
ALBERTO BIANCHI JR.
MARCELA COTRIM
SÉRGIO RUGAI
OS RISCOS FINANCEIROS DE EMPREENDIMENTOS
HIDRELÉTRICOS DEVIDOS À MUDANÇA CLIMÁTICA
Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do Título do Curso “MBA
em Gestão Socioambiental Aplicada à Energia Hidrelétrica”, aprovada em sua forma
final pela Coordenação de MBA Gestão Socioambiental Aplicada a Energia Hidrelétrica
em 03 de agosto de 2009, pela seguinte Banca Examinadora:
__________________________________________
Prof. Dr. Isak Kruglianskas
Coordenador do Curso
___________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Mancini
Orientador
iv
RESUMO
CANTARANI, Ricardo; BIANCHI Jr., Alberto; COTRIM, Marcela; RUGAI, Sérgio.
Os riscos financeiros de empreendimentos hidrelétricos devidos à mudança climática.
Trabalho apresentado como requisito indispensável para obtenção do título do curso de
“MBA em Gestão Socioambiental Aplicada a Energia Hidrelétrica” da Fundação
Instituto de Administração (FIA), São Paulo.
No Brasil, o setor energético é largamente dependente do uso de fontes
renováveis, principalmente da hidroeletricidade, que hoje responde por mais de 85% da
produção de energia elétrica no país. A disponibilidade e a confiabilidade das fontes
renováveis, porém, dependem de condições climáticas, que podem sofrer alterações em
conseqüência das mudanças no clima global relacionada principalmente à emissão de
gases do efeito estufa. Entretanto, o planejamento energético de longo prazo no Brasil
ainda não considera os potenciais impactos das mudanças climáticas no sistema
energético brasileiro, e tampouco os custos decorrentes desses efeitos, que podem
impactar tanto os empreendedores, inviabilizando projetos, quanto sobre a sociedade,
aumentando o preço da energia. Mas será que o Brasil está sujeito a estes impactos?
Este trabalho buscou identificar os possíveis efeitos das mudanças climáticas
sobre os empreendimentos hidrelétricos, particularmente sob a ótica do risco financeiro.
Pretendia-se avaliar como as variações do clima afetam a geração de energia e a energia
assegurada das usinas hidrelétricas e os respectivos retornos financeiros para os
investidores, apresentando sugestões de medidas que poderiam ser adotadas para
estimular e incentivar a expansão do parque renovável de geração hidrelétrico brasileiro
e mitigar as emissões provenientes de usinas térmicas complementares.
O estudo e o levantamento de dados primários indicaram que a hidroeletricidade
é sensível a mudanças de precipitação e temperatura, o que resulta em mudanças na
média da produção e receitas de venda de energia. Concluiu-se ainda que o Brasil está
suscetível sim aos impactos das mudanças climáticas na geração de energia elétrica,
contudo a adoção de mecanismos de mitigação pode reduzir sobremaneira os riscos
associados a este fenômeno.
Palavras-Chave: riscos financeiros; mudanças climáticas; geração hidrelétrica;
gerenciamento de riscos.
v
RELAÇÃO DE SIGLAS UTILIZADAS
 ANA
Agência Nacional das Águas
 ANEEL
Agência Nacional de Energia Elétrica
 BIG
Banco de Informações de Geração
 BNDES
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
 BEN
Balanço Energético Nacional
 CCEE
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica
 CEC
Valor Esperado do Custo Econômico de Curto Prazo
 CER
Certified Emission Reduction(s) (Reduções Certificadas de
Emissões)
 CME
Custo Marginal de Expansão
 CMO
Custo Marginal de Operação
 CNPE
Conselho Nacional de Política Energética
 COP
Valor Esperado do Custo de Operação
 COPPE
Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de
Engenharia
 CPTEC
Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos
 EARmax
Energia Armazenada Máxima
 EPE
Empresa de Pesquisas Energéticas
 ESS
Encargos de Serviços do Sistema
 FIA
Fundação Instituto de Administração
 GEE
Gases de Efeito Estufa
 IBAMA
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
 IPCC
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
 MAE
Mercado Atacadista de Energia
 MDL
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
vi
 MME
Ministério de Minas e Energia
 MRE
Mecanismo de Realocação de Energia
 NEWAVE
Modelo para Otimização Hidrotérmica para Subsistemas
Equivalentes Interligados
 NPV
Net Present Value (Valor Presente Líquido)
 O&M
Operação e Manutenção
 OMM
Organização Meteorológica Mundial
 ONS
Operador Nacional do Sistema Elétrico
 P&D
Pesquisa e Desenvolvimento
 PCH
Pequena Central Hidrelétrica
 PIB
Produto Interno Bruto
 PLD
Preço de Liquidação das Diferenças
 PNE
Plano Nacional de Energia
 PNUMA
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
 PROINFA
Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia
Elétrica
 RSU
Resíduos Sólidos Urbanos
 SEB
Setor Elétrico Brasileiro
 SUISHI-O
Modelo para Simulação da Operação Energética a Usinas
Individualizadas para Subsistemas Interligados
 UHE
Usina Hidrelétrica
 TAR
Terceiro Relatório Científico
 TIR
Taxa Interna de Retorno
 VPL
Valor Presente Líquido
vii
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1
2.
OBJETIVOS.............................................................................................................. 3
OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................................ 3
2.1.
3.
REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 4
3.1.
Mudanças Climáticas e Aquecimento Global ....................................................... 4
3.2.
Energia Hidrelétrica............................................................................................. 17
3.3.
Comercialização de Energia ................................................................................ 23
3.4.
Riscos Financeiros ............................................................................................... 29
3.3.1.
Riscos de Financiamento ................................................................................. 31
3.3.2.
Riscos Operacionais ......................................................................................... 32
3.3.3.
Riscos Hidrológicos ......................................................................................... 32
3.5.
Energia e Mudanças Climáticas .......................................................................... 34
3.6.
Gestão dos Riscos ................................................................................................ 49
3.7.
Fontes Complementares de Energia .................................................................... 51
3.7.1.
Biomassa .......................................................................................................... 51
3.7.2.
Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCHs .......................................................... 52
3.7.3.
Energia Eólica .................................................................................................. 53
3.7.4.
Energia Solar.................................................................................................... 54
3.7.5.
Resíduos Sólidos Urbanos - RSU .................................................................... 55
3.7.6.
Repotenciação e Modernização de Usinas Existentes ..................................... 55
4.
METODOLOGIA ................................................................................................... 56
5.
ANÁLISE DOS RESULTADOS ............................................................................ 58
6.
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ............................................................... 78
7.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ........................................................................ 80
8.
APÊNDICE – CONSULTA AOS ESPECIALISTAS ............................................ 82
1
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, o setor energético é largamente dependente do uso de fontes
renováveis – que geraram, em 2007, cerca de 47% de toda energia produzida
internamente – e, sobretudo, da hidroeletricidade, que hoje responde por mais de 85%
da produção de energia elétrica no país. Adicionalmente, a bioenergia está se tornando
cada vez mais importante, tanto na produção de biocombustíveis líquidos quanto na
geração de eletricidade. Entretanto, a disponibilidade e a confiabilidade das fontes
renováveis dependem de condições climáticas, as quais podem sofrer alterações em
conseqüência das mudanças no clima global relacionadas principalmente à emissão de
gases do efeito estufa. Contudo, o planejamento energético de longo prazo no Brasil
ainda não leva em consideração os potenciais impactos das mudanças climáticas no
sistema energético brasileiro, e tampouco os custos decorrentes desses efeitos, que
podem impactar tanto os empreendedores, inviabilizando projetos, quanto sobre a
sociedade, aumentando o preço da energia. Mas será que o Brasil está sujeito a estes
impactos?
Este estudo faz-se necessário uma vez que não há comprovação dos potenciais
impactos das alterações climáticas na geração hidrelétrica no Brasil e, portanto, não são
considerados pelo planejamento de longo-prazo. Caso exista é preciso verificar qual sua
extensão e os efeitos que elas podem ter sobre os custos e os preços da energia e os
respectivos retornos financeiros para os investidores.
Assim, o trabalho traz uma ampla revisão bibliográfica e busca analisar os
possíveis efeitos das mudanças climáticas sobre os riscos financeiros dos
empreendimentos hidrelétricos no Brasil, e os possíveis custos para a sociedade. Buscase, avaliar como as variações do clima afetam a geração de energia, a energia
assegurada das usinas hidrelétricas, a qual é possível ser comercializada, as condições
de financiamento destes empreendimentos e os respectivos retornos financeiros para os
2
investidores no processo de expansão do parque de geração hidrelétrico brasileiro,
visando atender ao crescimento da demanda, respeitando, contudo, os usos múltiplos da
água. Para isso, o trabalho inicialmente estuda as mudanças climáticas, a
hidroeletricidade e os riscos financeiros da geração de energia hidrelétrica. Em seguida,
analisa a relação entre as mudanças climáticas e a energia hidrelétrica, e as alterações
das receitas dos empreendedores devido a variações do clima. Posteriormente compara
estudos e realiza uma análise crítica dos resultados obtidos.
3
2. OBJETIVOS
1. Identificar os riscos e impactos financeiros decorrentes das mudanças climáticas
para os projetos hidrelétricos.
2.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1. Estudar o relacionamento entre a geração hidrelétrica e as alterações climáticas;
2. Buscar verificar o impacto das mudanças climáticas no Setor Energético Brasileiro;
3. Avaliar o entendimento de especialistas sobre o relacionamento entre as alterações
climáticas e a geração hidrelétrica;
4. Propor medidas de mitigação incluindo fontes renováveis de energia;
5. Apresentar sugestões acerca de estudos futuros.
4
3. REFERENCIAL TEÓRICO
3.1. Mudanças Climáticas e Aquecimento Global
Desde a década de 1980, evidências científicas sobre a possibilidade de mudança
do clima em nível mundial vêm despertando o interesse crescente no público e na
comunidade científica em geral. Em 1988, a Organização Meteorológica Mundial
(OMM) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)
estabeleceram o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),
encarregado de apoiar com trabalhos científicos as avaliações do clima e os cenários de
mudanças climáticas para o futuro. Segundo o IPCC, o aumento nas concentrações de
gases de efeito estufa (dióxido de carbono, vapor de água, nitrogênio, oxigênio,
monóxido de carbono, metano, óxido nitroso, óxido nítrico e ozônio entre outros) tende
a reduzir a eficiência com que a Terra se resfria.
Em relação às primeiras medições, feitas no fim do século XIX, a década de 90
foi a mais quente. Uma conseqüência notável foi o derretimento de geleiras nos pólos e
o aumento de 10 cm no nível do mar em um século.
O Terceiro Relatório Científico - TAR do IPCC publicado em 2001 (IPCC 2001
a-c) demonstrou que as mudanças observadas de clima são pouco prováveis devido à
variabilidade interna do clima, ou seja, a capacidade do clima de produzir variações de
considerável magnitude em longo prazo sem causas externas. As mudanças observadas
são consistentes com respostas estimadas devido a uma combinação de efeitos
antropogênicos e causas naturais.
5
Figura 1: Anomalias de temperatura do ar global (em relação a 1961-90) desde o período industrial.
A linha azul representa a média móvel de 10 anos (Fonte: Climate Research Unit 2006)
Figura 2: Projeções das variações de chuva e temperatura para as quatro estações, 2011-2040
Fonte: AR4 - IPCC (2007)
6
A Figura 1 mostra que a partir de 1980 a temperatura global vem sofrendo
elevações, que chegam a +0,6ºC nos últimos 20 anos. A Figura 2 compara as variações
de precipitação e temperatura no Brasil nos períodos de 1961-1990 e 2011-2040. O
período DJF, que compreende os meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro (Verão)
representa a estação chuvosa em boa parte das regiões Sudeste e Centro Oeste e no Sul
da Amazônia, enquanto que o período MAM, que compreende os meses de Março,
Abril e Maio (Outono) representa a estação chuvosa do Norte da Amazônia e do
Nordeste. O período JJA se refere aos meses de Junho, Julho e Agosto (Inverno) e o
SON aos meses Setembro, Outubro e Novembro (Primavera). Observa-se que poucas
regiões sofreram alterações significativas em relação às variações de precipitação,
contudo com relação às temperaturas nota-se que há elevação em praticamente todas as
estações do ano.
A Figura 3 apresenta as alterações previstas na temperatura mundial para o final
do século XXI, decorrentes do aquecimento global, onde se observa que o aumento de
temperatura previsto no Brasil varia de +2 a +4ºC.
Figura 3: Aumentos de temperatura previstos para o final do século XXI – Fonte: Greenpeace
É perceptível que os custos referentes a extremos climáticos já estão aumentando
em todos os países. A adaptação, isto é, a tomada de medidas para conviver com os
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riscos irreversíveis, é essencial. Segundo Stern (2006, apud Mancini & Kruglianskas,
2007) é um custo estimado em dezenas de bilhões de dólares em países em
desenvolvimento, como o Brasil, colocando mais pressão sobre os recursos já escassos.
Nesse cenário, os países em desenvolvimento são mais vulneráveis à mudança
do clima que os países desenvolvidos, uma vez que os efeitos das mudanças climáticas
serão mais intensos no hemisfério sul, onde se concentram as nações menos
desenvolvidas e que têm menor capacidade – tecnológica e financeira – de responder à
variabilidade climática.
O Relatório Stern (2006) indica que se nenhuma medida for tomada em relação
às emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), o total dos custos das alterações
climáticas será equivalente a perda anual de, no mínimo, 5% do PIB global. Se forem
considerados uma série de riscos e impactos mais amplos, o custo poderá aumentar para
20% ou mais do PIB. Por outro lado, o custo da adoção de medidas mitigadoras das
emissões dos GEE, buscando mantê-las próximas do nível atual, será de
aproximadamente 1% do PIB global.
Embora a matriz energética brasileira seja extremamente limpa, com forte
participação de fontes renováveis, as emissões decorrentes de mudanças do uso da terra,
particularmente de desmatamentos e queimadas, colocam o Brasil como o 4º maior
emissor de gases de efeito estufa da Terra. As fontes renováveis de energia, apesar de
representarem uma alternativa para a mitigação da mudança do clima global, são
dependentes das condições climáticas e, portanto, estão potencialmente sujeitas a
impactos do próprio fenômeno que pretendem evitar. (Schaeffer et al, 2008)
Inúmeros estudos apontam para riscos crescentes de impactos graves e
irreversíveis resultantes das mudanças climáticas associadas com os caminhos da inação
(BAU) (business-as-usual) em relação às emissões, os quais serão aprofundados a
8
seguir, no item 3.4 – Energia e Mudanças Climáticas. Dentre as conseqüências oriundas
destas alterações, pode-se citar:
• Em meados do século, o aumento na temperatura e a conseqüente redução de
água no solo devem levar à substituição gradativa de florestas por savanas na
Amazônia oriental, enquanto que a vegetação do semi-árido deve ser substituída
por vegetação de terras áridas;
• Há risco de perda significativa de biodiversidade, por meio da extinção de
espécies em diversas áreas tropicais;
• A produtividade de cultivos importantes deve cair, assim como a produtividade
da pecuária, com conseqüências adversas para a segurança alimentar. Nas zonas
temperadas, a produção de soja deve aumentar, mas, de modo geral, o risco de
aumento da fome pode crescer;
• Mudanças nos padrões de precipitação e o desaparecimento de glaciares devem
afetar significativamente a disponibilidade de água para o consumo humano, a
agricultura e a produção de energia;
• A intensificação de secas e inundações/enchentes associadas com os eventos do
El Niño pode diminuir o potencial hidroelétrico em regiões propensas a seca.
A Figura 4 ilustra os efeitos das mudanças climáticas na precipitação, na
umidade do solo, nas vazões e na evaporação, respectivamente, para o período 20802099 em relação a 1980-1999.
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Figura 4: Variações médias na precipitação, umidade do solo, vazão afluente e precipitação no período
2080-2099 em relação a 1980-1999 – Fonte: Climate Change and Water, 2007
O Brasil tem contribuído fortemente para a redução das emissões de GEE, por
meio de algumas medidas, dentre as quais: Plano de Ação para Prevenção e Controle do
Desmatamento da Amazônia; adição de álcool na gasolina; implementação de projetos
de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL); Programa de Incentivo às Fontes
Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa); Programa Nacional de Produção e Uso do
Biodiesel; popularização dos veículos flex-fuel (gasolina-álcool).
Ainda assim, alguns efeitos já podem ser observados, como a elevação de 0,7º C
das temperaturas médias do Brasil nos últimos 50 anos, o aumento das precipitações no
sul do Brasil, entre 1951 e 2002, o aumento na intensidade das chuvas e na freqüência
de dias com precipitação intensa no sudeste da América do Sul, entre 1951 e 2000, e
maiores temperaturas à noite no Sudeste do Brasil, entre 1951 e 2000. A figura 6 mostra
a evolução das mudanças observadas no Hemisfério Norte, de 1850 a 2000, com
elevações na temperatura e do nível do mar e redução da cobertura de neve.
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Figura 5 - Mudanças observadas (a) na temperatura, (b) no nível do mar e (c) na cobertura de neve no
hemisfério norte. - Fonte: IPCC – AR 4 – SFP WG 1 (p. 9)
Os especialistas do IPCC estimam que a temperatura média global aumentará
entre 1,1ºC (limite inferior do cenário mais otimista) e 6,4ºC (limite superior do cenário
mais pessimista). Nestes quadros, o nível dos oceanos poderia subir de 0,18m (limite
inferior do cenário mais otimista) a 0,59m (limite superior do cenário mais pessimista).
O derretimento das geleiras está afetando a geração hidroelétrica, como
observado em cidades como La Paz e Lima, segundo o IPCC (2007).
O IPCC projeta variações das freqüências, intensidades e volumes de
precipitação distribuídas em diversas áreas, conforme Figura 6, o que altera a
disponibilidade hídrica
A Figura 6 mostra a relação das temperaturas extremas com o aumento das
temperaturas médias, o aumento da variância e o aumento de ambos. No último caso há
aumento da probabilidade de eventos extremos com temperaturas mais quentes.
11
A Figura 7 mostra as tendências de precipitação mundial entre 1900 e 2000,
indicando que a maior parte do Brasil sofreu variações positivas (aumentos) nas
precipitações no século 20. Combinando os efeitos de elevação da temperatura e
diminuição da precipitação, obtém-se a Figura 8, onde é projetada a elevação global dos
níveis dos mares até 2100, onde é possível notar que os oceanos sofrerão uma elevação
de até 0,8m em virtude do aquecimento global e do derretimento de glaciares.
Figura 6: Esquema ilustrando o efeito nas temperaturas extremas quando (a) aumenta temperaturas
médias (b) aumenta a variância (c) ambos aumentam
Fonte: IPCC (www.grida.no/climate/ipcc_tar/wg1/088.htm)
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Figura 7: Tendência de Precipitação Mundial de 1900 to 2000
Fonte: IPCC, 2001b (www.grida.no/climate/ipcc_tar/vol4/english/fig2-6a.htm)
Figura 8: Aumento Projetado nos Níveis Médios Globais do Mar de 1900 a 2100
Fonte: IPCC, 2001a (www.grida.no/climate/ipcc_tar/wg1/fig11-12.htm)
Especificamente para o Brasil, as alterações nas precipitações estão mostradas na
Figura 9, que apresenta a precipitação média do ano hidrológico de 2007 (outubro/2006
a setembro/2007) e da média de 1961 a 2007. As regiões hidrográficas estão
representadas de acordo com as seguintes siglas: A – Amazônica; B – TocantinsAraguaia; C – Atlântico Nordeste Ocidental; D – Parnaíba; E – Atlântico Nordeste
Oriental; F – São Francisco; G – Atlântico Leste; H – Atlântico Sudeste; I – Atlântico
Sul; J – Uruguai; L – Paraná; M – Paraguai. É possível observar que, em relação à
média histórica de 1961 a 2007, nas regiões D, E, F e G houve aumento dos níveis de
13
precipitação, enquanto que nas regiões A, B e C houve redução de precipitação, no ano
hidrológico de 2007.
Figura 9: Precipitação Anual no Brasil – ano hidrológico 2007 e média de 1961 a 2007
Fonte: ANA, 2009
A Tabela 1 sintetiza em números as informações contidas na Figura 9. A análise
percentual dos totais anuais precipitados contidos na Tabela 2 revela que, em termos
globais, a precipitação no Brasil, no período de outubro/2006 a setembro/2007, esteve
na faixa do normal (variações de até 10%), com uma pequena variação negativa
(superior a 10%) nas regiões Amazônica, Tocantins-Araguaia e Atlântico Nordeste
Ocidental (regiões A, B e C, respectivamente) e um pequeno desvio positivo (superior a
10%) na região do Uruguai (região J).
14
Tabela 1: Precipitação média (mm) nas Regiões Hidrográficas e desvios em 2007
Fonte: ANA, 2009
Tabela 2: Disponibilidade hídrica e vazões médias e de estiagem (m³/s)
Fonte: ANA, 2009
As figuras a seguir apresentam a comparação das temperaturas e precipitações médias
do Brasil, no período 1960-1990, com projeções de precipitação e temperatura, para os
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cenários A2 (altas emissões) e B2 (baixas emissões), para os períodos 2071-2080, 20812090 e 2091-2100, respectivamente.
Figura 10: Temperatura e Precipitação Médias - Período 1961-1990 (CPTEC, 2007)
Fonte: COPPE [Energy Security, 2007]
Figura 11: Projeções de Temperatura para o Cenário A2 (CPTEC, 2007)
16
Figura 12: Projeções de Temperatura para o Cenário B2 (CPTEC, 2007)
Figura 13: Projeções de Precipitação para o Cenário A2 (CPTEC, 2007)
Figura 14: Projeções de Precipitação para o Cenário B2 (CPTEC, 2007)
17
3.2. Energia Hidrelétrica
As hidrelétricas são a principal fonte de energia da maioria dos países da
América Latina e são vulneráveis em grande escala às anomalias nas vazões devidas aos
fenômenos climáticos El Niño e a La Niña, como observado na Argentina, Colômbia,
Brasil, Chile, Peru, Uruguai e Venezuela.
No Brasil, as usinas hidrelétricas dominam a geração de energia elétrica e
grandes barragens predominam no setor. Atualmente 706 usinas estão em operação
(Novembro/ 2008), sendo que as 24 maiores usinas hidrelétricas, com capacidade
instalada superior a 1.000 MW, correspondem a quase 50% da capacidade total
instalada no Brasil (ANEEL, 2008). Há ainda um potencial hidroelétrico considerado
inutilizado (estimado em cerca 170 GW, segundo a Empresa de Pesquisas Energéticas EPE, 2006), divididos desigualmente por toda parte do país, mas amplamente
localizados na região Norte e afastados dos principais centros consumidores de energia,
localizados na região Sudeste, implicando então em altos custos de transmissão bem
como de elevadas restrições ambientais.
A localização das usinas hidroelétricas no Brasil está apresentada na Figura 15.
É possível observar que a maior parte das usinas em operação (pontos verdes) está
localizada na região Sudeste-Centro-Oeste do Brasil, onde se localiza o centro de carga
do sistema, e que há um grande número de usinas previstas (pontos vermelhos) e em
estudo (pontos laranjas) na região Norte do país. A divisão do Brasil segundo Bacias
Hidrográficas é mostrada na Figura 16, juntamente com a geração de energia nos anos
de 2006 e 2007, em GWh, por bacia.
18
Figura 15: Localização das Usinas Hidrelétricas no Brasil
Fonte: ANA, 2009
Figura 16: Produção Hidrelétrica por Bacia, GWh
Fonte: ONS [Relatório 2007]
De acordo com o ONS (2007) a distribuição do parque gerador hidrelétrico
instalado no Brasil segundo a participação de cada bacia é:
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Bacia
Rio Paraná
Grande
Paranaíba
Paranapanema
Parnaíba
São Francisco
Tocantins-Araguaia
Total
% Brasil
15,9%
9,2%
10,2%
3,0%
0,3%
8,5%
15,8%
62,8%
% SIN
17,6%
10,2%
11,3%
3,3%
0,3%
9,4%
17,6%
69,8%
Tabela 3: Participação de cada bacia na capacidade de geração hidrelétrica instalada no Brasil
Fonte: COPPE [Energy Security, 2007]
Quanto ao volume armazenado nos reservatórios ao longo do ano hidrológico de
2007, todos acompanharam a tendência de aumento até o mês de março/2007 e posterior
diminuição até setembro/2007, com exceção da UHE Barra Grande na Bacia do rio
Uruguai, que experimentou aumento até setembro, conforme Figura 17.
Figura 17: Situação dos reservatórios das hidroelétricas
Fonte: ANA, 2009
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Norte/Tucuruí
Nordeste
Sudeste/
Centro-Oeste
Sul Sul
Figura 18: Divisão do Brasil segundo Sub-sistemas ou Regiões
Devido à operação interligada do Sistema Elétrico Nacional, realizada pelo
Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), e da complementaridade sazonal entre
diferentes regiões do país, a geração de cada usina hidrelétrica depende, em grande
parte, da energia natural afluente (fluxo de água que entra nos reservatórios) e da
variabilidade do clima em diferentes meses do ano. Assim, a relevância da variável
climática na análise está na perspectivas do regime de chuvas no longo-prazo em face
da possível nova realidade climática (Ambrizzi et al, 2007; Marengo et al, 2007 apud
Lucena et al, 2009)
Além disso, em função da predominância da geração hidrelétrica no país, a
estimativa de produção energética de uma usina hidrelétrica depende da avaliação da
disponibilidade hídrica da respectiva bacia hidrográfica. Todavia, o planejamento de
longo prazo não contempla os possíveis impactos sobre a vulnerabilidade do sistema
energético brasileiro devido a variações de disponibilidade hídrica frente aos cenários
climáticos futuros, e tampouco considera a gradativa diminuição da geração de energia
elétrica em decorrência do uso múltiplo dos recursos hídricos (ANEEL, 2008). Desta
forma, com a gradativa diminuição da geração de energia, há proporcional diminuição
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da receita proveniente da venda dessa energia, o que interfere no fluxo de caixa do
empreendedor.
Na maior parte do Brasil há um forte ciclo anual, com a estação chuvosa
concentrada durante o verão e pouca chuva ocorrendo durante o inverno.
As Figura 19, Figura 20, Figura 21 e Figura 22 apresentam as curvas anuais de
armazenamento dos reservatórios brasileiros, por mês a partir do ano 2001, como
função da Energia Armazenada Máxima (EARmax) do conjunto de usinas que compõe
determinado sistema, das regiões Sudeste, Sul, Nordeste e Norte, respectivamente. É
possível notar nas regiões Sudeste e Nordeste que as curvas do ano de 2001,
apresentaram os menores níveis de armazenamento ao longo do ano, com significativo
esvaziamento no Nordeste, ocasionando o Apagão Energético, que teve início em maio
de 2001. Pode-se observar também, que ao contrário da região Sul que não apresenta
curvas de armazenamento regulares, as demais regiões têm curvas bem caracterizadas
de armazenamento de água.
Figura 19: Comparação Anual da Energia Armazenada nos Reservatórios da Região Sudeste
22
Figura 20: Comparação Anual da Energia Armazenada nos Reservatórios da Região Sul
Figura 21: Comparação Anual da Energia Armazenada nos Reservatórios da Região Nordeste
Figura 22: Comparação Anual da Energia Armazenada nos Reservatórios da Região Norte
23
Figura 23: Evolução Anual da Energia Armazenada nos Reservatórios do SIN, desagregado por Região
Harrison et al (2006) conclui que diante das mudanças climáticas, as alterações
nas vazões tendem a ser maiores que as mudanças causadas nas precipitações e que a
vazão é mais sensível a mudanças na precipitação que na temperatura. Arnell (1996)
nota que as bacias do rios tendem a amplificar mudanças na precipitação, resultando em
maiores mudanças nas vazões dos rios.
3.3. Comercialização de Energia
De acordo com a Convenção de Comercialização de Energia Elétrica, os agentes
da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE dividem-se nas Categorias
de Geração, Distribuição e Comercialização de Energia Elétrica.
A categoria dos agentes de geração envolvem os agentes geradores, produtores
independentes e auto-produtores, sendo que todos os agentes de geração podem vender
energia tanto no ACR como no ACL.
Os Agentes de Geração podem ser classificados em:
24
 Concessionários de Serviço Público de Geração: Agente titular de
Serviço Público Federal delegado pelo Poder Concedente mediante
licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio
de Empresas para exploração e prestação de serviços públicos de energia
elétrica, nos termos da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.
 Produtores Independentes de Energia Elétrica: são Agentes individuais
ou reunidos em consórcio que recebem concessão, permissão ou
autorização do Poder Concedente para produzir energia elétrica destinada
à comercialização por sua conta e risco.
 Auto-Produtores: são Agentes com concessão, permissão ou autorização
para produzir energia elétrica destinada a seu uso exclusivo, podendo
comercializar eventual excedente de energia, desde que autorizado pela
ANEEL.
O novo Modelo do Setor Elétrico define que a comercialização de energia
elétrica é realizada em dois ambientes de mercado, o Ambiente de Contratação
Regulada - ACR e o Ambiente de Contratação Livre - ACL.
A contratação no ACR é formalizada através de contratos bilaterais regulados,
denominados Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado
(CCEAR), celebrados entre Agentes Vendedores (comercializadores, geradores,
produtores independentes ou auto-produtores) e Compradores (distribuidores) que
participam dos leilões de compra e venda de energia elétrica.
Já
no
ACL
há
a
livre
negociação
entre
os
Agentes
Geradores,
Comercializadores, Consumidores Livres, Importadores e Exportadores de energia,
sendo que os acordos de compra e venda de energia são pactuados por meio de
contratos bilaterais.
25
Os Agentes de Geração, concessionários de serviço público de geração,
produtores independentes de energia, auto-produtores ou comercializadores, podem
vender energia elétrica nos dois ambientes, mantendo o caráter competitivo da geração,
e todos os contratos, sejam do ACR ou do ACL, são registrados na CCEE e servem de
base para a contabilização e liquidação das diferenças no mercado de curto prazo.
Uma visão geral da comercialização de energia, envolvendo os dois ambientes
de contratação, é apresentada na Figura 24 a seguir:
Figura 24: Visão geral da comercialização de energia nos dois ambientes de contratação
Fonte: CCEE
 ACR – Ambiente de Contratação Regulada
Participam do Ambiente de Contratação Regulada - ACR os agentes vendedores
e agentes de distribuição de energia elétrica. Para garantir o atendimento aos seus
mercados, os agentes de distribuição podem adquirir energia das seguintes formas, de
acordo com o art. 13 do Decreto nº 5.163/2004:
 Leilões de compra de energia elétrica proveniente de empreendimentos
de geração existentes e de novos empreendimentos de geração.
 Geração distribuída, desde que a contratação seja precedida de chamada
pública realizada pelo próprio agente de distribuição e com montante
limitado a 10% do mercado do distribuidor.
26
 Usinas que produzem energia elétrica a partir de fontes eólicas, pequenas
centrais hidrelétricas e biomassa, contratadas na primeira etapa do
Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica PROINFA.
 Itaipu Binacional.
Além disso, conforme descrito no mesmo artigo do Decreto nº 5.163/2004, os
contratos firmados pelos Agentes de Distribuição até 16/03/2004 também são
considerados como energia contratada para atendimento à totalidade de seus respectivos
mercados.
 CCEAR – Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no
Ambiente Regulado
Os Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado CCEARs são os contratos bilaterais celebrados entre cada agente vendedor,
vencedor de um determinado leilão de energia do ACR, e todos os agentes de
distribuição compradores, conforme demonstrado na Figura 25:
Figura 25: Ilustração dos CCEAR celebrados entre cada agente Vendedor, vencedor de leilão no ACR, e
todos os agentes de Distribuição compradores
Fonte: CCEE
Para cada tipo de leilão, há CCEARs com prazos específicos de duração:
 Para os leilões de compra de energia provenientes de novos
empreendimentos, os CCEARs têm no mínimo quinze (outras fontes) e
27
no máximo trinta anos (hídricas), contados do início do suprimento de
energia.
 Para os leilões de compra de energia proveniente de empreendimentos
existentes, os CCEARs têm no mínimo cinco (outras fontes) e no
máximo quinze anos (hídricas) de duração, contados a partir do ano
seguinte ao da realização de tais leilões.
 Tipos de CCEAR
Os vencedores de cada leilão de energia do ACR deverão firmar
contratos bilaterais com todas as distribuidoras - denominados Contratos de
Comercialização de Energia em Ambiente Regulado, ou CCEAR - em proporção
às respectivas declarações de necessidade. A única exceção é o leilão de ajuste,
onde os contratos são específicos entre agente vendedor e o agente de
distribuição.
São especificadas as durações mínima e máxima para os CCEAR
provenientes dos leilões "A-5" ou "A-3" (15 a 30 anos) e "A-1" (5 a 15 anos),
com duração dos contratos dependente da fonte de energia, e é estabelecida
existência de cláusula arbitral.
Existem duas modalidades de CCEAR:

Contratos de Quantidade de Energia
Os Contratos de Quantidade de Energia são aqueles nos quais os
riscos hidrológicos da operação energética integrada são assumidos
totalmente pelos geradores, cabendo a eles todos os custos referentes ao
fornecimento da energia contratada. Os riscos financeiros são decorrentes de
diferenças de preços entre sub-mercados assumidos pelo comprador.
28

Contratos de Disponibilidade de Energia
Os Contratos de Disponibilidade de Energia são aqueles nos quais
tanto os riscos, como os ônus e os benefícios da variação de produção em
relação à energia assegurada, são alocados ao pool e repassados aos
consumidores regulados.
De acordo com o artigo 29 do Decreto nº 5.163/2004 é prevista a
possibilidade de redução dos CCEARs pelos agentes compradores.
Ressalta-se que as fontes de energia hídricas são tipicamente contratadas nos
leilões por quantidade de energia (riscos hidrológicos assumidos integralmente pelos
geradores que devem entregar a quantidade de energia contratada), a duração dos
contratos é de 30 anos (para novos empreendimentos), a competitividade dos
empreendimentos é dada pelo preço da energia ofertada, em R$/MWh e a receita dos
geradores provém da energia gerada (assegurada).
Já outras fontes (térmicas a biomassa, gás, óleo, carvão, eólicas) são tipicamente
contratadas por disponibilidade de energia (os riscos são assumidos pelos
consumidores), a duração dos contratos é de 15 anos (para novos empreendimentos) e a
competitividade é dada pelo Índice de Custo Benefício - ICB teórico, calculado pela
EPE.
Em resumo, os geradores hídricos que comercializam energia no ACR, por meio
de leilões de energia, possuem receita garantida por 30 anos, contudo assumem os riscos
hidrológicos.
 ACL – Ambiente de Contratação Livre
No Ambiente de Contratação Livre - ACL - participam agentes de geração,
comercializadores, importadores e exportadores de energia elétrica e consumidores
29
livres, no qual há liberdade para se estabelecer volumes de compra e venda de energia e
seus respectivos preços, sendo as transações pactuadas através de contratos bilaterais.
3.4. Riscos Financeiros
Os
riscos
habituais
provenientes
de
empreendimentos
hidrelétricos,
independentemente das variações climáticas, podem ser agrupados, segundo Casey
(1979, apud Charoenngam & Yeh, 1999) conforme as seguintes categorias:
 Construção:
 Mudanças na obra
 Atraso na construção
 Atraso no acesso ao local
 Demora nos projetos e instruções dos órgãos responsáveis
 Disponibilidade de recursos
 Danos a pessoas ou propriedades
 Erro de Projeto
 Custos de comissionamento
 Quantidade de trabalhadores
 Financeiros e Econômicos:
 Inflação
 Financiamento
 Impactos Nacionais e Internacionais (p.ex. desvalorização cambial)
 Desempenho:
 Produtividade de trabalho
 Produtividade dos equipamentos
 Qualidade dos materiais
30
 Defeito nas obras
 Disputas laborais
 Acidentes
 Contratual e Legal:
 Atraso na resolução de litígios
 Atraso do pagamento de contratos e extras
 Mudança da condição de negociação
 Falência do empreiteiro ou proprietário
 Físico:
 Condições sub-superficiais de geologia
 Condições sub-superficiais de águas subterrâneas
 Desastres Naturais (p.ex.: terremoto, inundação, enchentes, sismo)
 Político e Social:
 Questões Ambientais
 Regulação (p.ex.: segurança, leis trabalhistas)
 Desordem pública
Dentre estes riscos aqueles que podem sofrer impactos relacionados às
mudanças climáticas e eventos extremos são:
 Danos a pessoas ou propriedades
 Erro de Projeto
 Atraso na construção
 Financiamento
 Desastres Naturais
31
Segundo Nogueira da Costa (1999, apud Fundação Coge, 2005), as
instabilidades de preços, de taxas de juros e de taxas de câmbio engendraram riscos para
aplicadores e tomadores de recursos em escala até então praticamente desconhecida.
Este ambiente de extrema incerteza foi a mola propulsora para o desenvolvimento de
novos produtos financeiros que visam administrar esses riscos, socializar incertezas,
diferenciar produtos para colocação perante a clientes com diferentes propensões a
risco, etc.
Como grande parte dos investimentos em infra-estrutura, e particularmente os do
setor elétrico, utilizam financiamento para alavancagem do projeto, é preciso que os
investidores (shareholders) protejam-se de eventuais flutuações cambiais e/ou taxas de
juros flutuantes, que implicam riscos para viabilidade financeira do projeto e colocam
em perigo a capacidade de pagamento (comprometem o fluxo de caixa) do projeto.
Todavia, surgiram diversos mecanismos financeiros que permitiram os
empreendedores reduzirem, e até eliminarem, a exposição do projeto a riscos. Por
exemplo, no caso do risco da taxa de juros flutuante, uma solução tradicional para
controlar a exposição a esse risco é a obtenção de financiamento a taxas de juros fixas.
(SANTOS, 2003)
Dentre os riscos financeiros dos empreendimentos hidrelétricos associados às
mudanças climáticas, os principais são: os riscos de financiamento, operacionais e
hidrológicos são os que estão relacionados.
3.3.1. Riscos de Financiamento
Consiste no risco de obter recursos de financiamento para alavancagem e
viabilização de projetos, uma vez que os projetos de infra-estrutura requerem grande
volume de investimentos
Devido à inexistência de comprovação científica e da dimensão dos efeitos das
mudanças climáticas em projetos de infra-estrutura, e em particular os projetos
32
hidrelétricos no Brasil, as consideração desse fator pelas instituições financeiras ainda é
insipiente e não funciona como peça chave para limitação dos montantes financeiros
que constituem o empréstimo.
3.3.2. Riscos Operacionais
Os riscos operacionais referem-se, dentre outros, a falhas de sistemas e prejuízos
oriundos de desastres naturais ou acidentes envolvendo pessoas importantes, além do
índice de quebras ou danos em equipamentos e de sua indisponibilidade para operar e
dos custos de O&M.
3.3.3. Riscos Hidrológicos
Os riscos hidrológicos são relativos à disponibilidade hídrica nas diversas
regiões do Sistema Interligado Nacional – SIN e às regras de otimização deste sistema,
por exemplo, o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE). Com a finalidade de
melhor administrar o risco hidrológico a que os geradores hidrelétricos se expõem, foi
adotado no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE (antigo
Mercado Atacadista de Energia – MAE) o denominado Mecanismo de Realocação de
Energia (MRE), que tem por objetivo garantir que sob condições normais de operação,
os geradores recebam a receita associada à sua energia assegurada através de realocação
da geração das usinas com excedente para aquelas que estão deficitárias.
A energia assegurada de uma usina pode ser entendida como o montante de
geração que cada usina pode fornecer ao sistema, obedecendo a um específico critério
de risco de déficit. Com o MRE, cada usina hidrelétrica recebe um crédito de energia
em proporção a sua contribuição para a energia assegurada do sistema, correspondente à
máxima carga que pode ser suprida pelo sistema com um nível de risco fixado
(atualmente o critério de risco é CMO = CME, ou seja, o Custo Marginal de Expansão CME deve ser igual ao Custo Marginal de Operação – CMO, com nível de risco de 5%
33
de não atendimento da carga). Entretanto, caso todos os geradores produzam energia
abaixo de suas energias asseguradas, eles deverão comprar a diferença entre a energia
assegurada do sistema e a energia gerada [naquele mês] no mercado SPOT, de curtoprazo, ao Preço de Liquidação das Diferenças – PLD (em R$/MWh), o qual depende
fortemente do nível dos reservatórios e da previsão de vazão para as próximas semanas,
a qual pode sofrer alterações em virtude dos volumes de precipitação, os quais estão
relacionados as mudanças climáticas, ou seja, as mudanças climáticas interferem nas
precipitações, que impactam as vazões, as quais são variáveis para o cálculo do preço.
Logo, o MRE tem por objetivo reduzir o risco hidrológico, porém como
demonstrado por Bettega (1999), “(...) não elimina totalmente o risco hidrológico (...).
Portanto, apesar da existência do MRE, o investidor deve ficar atento para, em função
do risco inerente ao seu projeto, buscar fontes alternativas de proteção contra o risco
hidrológico”.
Como mecanismos de mitigação para o risco hidrológico Tamarozi (2002)
sugere:
 Tradicionais: como as opções de compra financeiras;
 Energia de reserva (Backup de energia): que consiste em se ter algum
contrato de fornecimento de energia caso a geração em sua própria usina
falhe, funcionando como uma opção de compra de energia com respaldo
físico;
 Definição do nível de contratação bilateral: que consiste na definição
adequada do montante a ser vendido bilateralmente, evitando exposições
aos preços de mercado de curto prazo. As usinas hidrelétricas têm como
limite de contratação a sua energia assegurada, porém em determinadas
situações estará gerando mais ou menos que a energia assegurada.
Quando estiver gerando menos do que o contratado bilateralmente terá de
34
comprar energia ao preço de mercado de curto prazo, o que pode ser
minimizado contratando-se algum valor inferior à energia assegurada.
3.5. Energia e Mudanças Climáticas
Para avaliar o impacto de um novo regime de chuvas na geração de energia
hidrelétrica, é preciso projetar o impacto sobre as vazões de cada usina do sistema
interligado. Considerando que o ciclo hidrológico é um fenômeno global de circulação
fechada da água entre a superfície do planeta e a atmosfera, onde a água proveniente da
precipitação que atinge o solo está sujeita a infiltração, percolação e evaporação, a
porção que não se infiltra no solo, não evapora e nem é capturada pela vegetação é
drenada para os cursos d’água, resultando na vazão utilizada para a geração de
eletricidade.
Em virtude das crescentes restrições ambientais à construção de usinas
hidrelétricas com grandes reservatórios no Brasil, devido principalmente a seus grandes
impactos, é razoável supor que a utilização do potencial hidrelétrico remanescente seja
principalmente baseada em usinas a fio d’água, com reservatórios bem menores, sem
capacidade de regularização. Desse modo, a capacidade de utilização dos reservatórios
como mecanismo de compensação dos regimes hidrológicos mais secos será reduzida à
medida que o sistema elétrico se expande.
Como mencionado anteriormente, as mudanças climáticas acarretam elevação
das temperaturas globais, implicando em alterações nos regimes hidrológicos de
diversas regiões.
Uma vez que mudanças do clima global podem provocar alterações no
comportamento médio das vazões nas bacias dos rios onde se localizam as usinas, ou
alterações na probabilidade de ocorrência de eventos extremos (como tempestades e
secas extremas), que poderiam prejudicar sua operação, logo o balanço hídrico sofre
35
alteração impactando a vazão disponível para fins de geração hidrelétrica. Este trabalho
busca se concentrar no primeiro caso, em virtude da natureza das projeções climáticas
disponíveis. Futuras análises que incorporem o segundo caso podem contribuir para
maior conhecimento dos impactos da mudança do clima na geração de energia elétrica
no Brasil.
A Figura 26 mostra que o ciclo hidrológico é fechado e estreitamente interligado
com o sistema climático e, como tal, a alteração do clima através do aumento da
concentração de gases de efeito estufa vai conduzir a alterações no sistema hidrológico
(HARISSON, 2001)
Figura 26: Ciclo Climático e Hidrológico, Fonte: Harisson (2001)
Segundo Harisson et al (2006), uma ampla gama de estudos encontraram que as
vazões dos rios (e conseqüentemente a produção hidrelétrica) são sensíveis a mudanças
na precipitação e temperatura. A diminuição do potencial de geração hidrelétrica será
prejudicial a viabilidade econômica dos projetos, reduzindo retornos financeiros,
aumentando os preços unitários e, por último, tornando os investimentos em
hidroeletricidade menos prováveis (e atrativos).
As mudanças nos níveis de precipitação serão acompanhadas por aumentos das
taxas de evaporação tanto quanto de aumentos de temperatura. E a combinação destas
36
mudanças acarretará profundos efeitos nos níveis de umidade do solo nas bacias
hidrográficas, conforme Harisson & Whittington (2002).
Há indicações de que aumentos de temperatura, conduzindo a mudanças nos
glaciares, irá aumentar as vazões dos rios no inverno, causando primavera mais cedo e
reduzindo os poucos fluxos do verão (Gleick, 1996, apud Harisson & Whittington
2002).
Harisson et al (2006) buscaram estabelecer a correlação entre os riscos
financeiros decorrentes das variações climáticas nas usinas hidrelétricas. Observaram
que sob alterações climáticas as vazões e médias de precipitação sofrem alterações,
como mostrado nas Figura 27 e Figura 28, respectivamente.
Figura 27: Padrões hipotéticos de vazão sob condições atuais e de potenciais alterações climáticas
Fonte: Harrison & Whittington (2002)
37
Figura 28: Efeitos nas bacias dos rios alterando as variâncias das vazões
com mudanças na média de precipitação; Fonte: Harisson (2003)
Harisson & Whittington (2002) apontam que resultados publicados sugerem que
a sensibilidade climática da produção de energia está relacionada com o armazenamento
disponível e que, em geral, quanto maior o grau de armazenamento menor a
sensibilidade. A relação entre as variações de temperatura e precipitação e os
respectivos impactos nas vazões e na geração hidrelétrica, podem ser vistos na Tabela 4,
que sintetiza conclusões de estudos realizados em três rios: Nilo, Indus e Colorado.
Variações Anuais
Rio
Temperatura
(ºC)
Precipitação (%)
Vazões
(%)
Geração
(%)
Nilo
+ 4,7
+ 22
- 12
- 21
Indus
+2,0
+ 20
+ 19
+ 20
Colorado
+4,0
- 20
- 41
- 49
Tabela 4: Exemplos de alterações potenciais na geração hidrelétrica anual
resultante das mudanças na temperatura e precipitação
Fonte: Reibsame et al (1995), Nash and Gleick (1993), apud Harisson & Whittington, 2002
As conclusões dos autores, na análise de sensibilidade da usina hidrelétrica de
Batoka Gorge, de 1600 MW, projetada para operar no Rio Zambezi, a montante do
Lago Kariba na borda Zâmbia-Zimbabue, operando a fio d´água, considerando
mudanças de precipitação na faixa de +20% a -20% e aumento de temperatura de 4°C,
de acordo com Arnell (1996, apud Harisson et al 2006), são que, primeiramente as
mudanças na vazão tendem a ser maiores que as mudanças causadas pela precipitação e,
38
em segundo, que a vazão é mais sensível a mudanças na precipitação que na
temperatura. Como esperado, a vazão é relacionada positivamente com mudança na
precipitação e negativamente com a temperatura e, além disso, a vazão é relativamente
mais sensível a aumentos de precipitação. Neste projeto, a escala de amplificações das
mudanças na precipitação foi significante: por exemplo, um aumento no nível anual de
precipitação de 20% aumentou a vazão de 46%. Em contraste, mudanças na vazão
devido a variações de temperatura ficaram limitadas a 2% por °C alterado. O efeito
combinado de aumento de 20% na precipitação junto com um aumento de 4° C na
temperatura (no período úmido) aumentou as vazões nos rios de 35%, enquanto que em
períodos secos proporciona uma diminuição de 39%.
Ainda de acordo com Harisson et al (2006), a produção de energia em usinas
hidrelétricas é limitada pela capacidade das turbinas bem como do armazenamento
disponível (nas usinas com reservatório, ou pela vazão que atravessa as turbinas nas
usinas à fio d´água). A capacidade da turbina restringe a capacidade da usina de levar
vantagem de eventuais aumentos dos fluxos e pode resultar em perdas significativas
desse aumento. Com uma capacidade limitada de poupar água para períodos seguintes, a
produção é mais sensível a reduções no fluxo em resposta a mudanças na precipitação e
aumento na temperatura. Alterações na precipitação de +20% e -20% conduziram
respectivamente a alterações na produção anual de +14% e -20%. Mudanças na
temperatura se mostraram menos importantes, alterando a saída em pouco mais de 1%
por °C alterado (metade que a vazão). Sob condições úmidas houve aumento de 10% na
produção, enquanto que condições secas conduziram a diminuição de 25% na geração.
Como conclusão do mesmo estudo, é apresentada estimativa do VPL (Valor
Presente Líquido) em função de mudanças na precipitação e temperatura, mostrando
uma relação positiva com a precipitação e negativa, embora menos acentuada, com a
temperatura, como mencionado anteriormente.
39
Figura 29: Bacia do Rio Zambezi e localização da usina Batoka Gorge
Figura 30: Simulações das condições atuais e futuras dos períodos úmidos e secos
(com taxa de desconto aplicada de 10%)
Fonte: Harrison & Whittington (2002)
40
Figura 31: Sensibilidade dos resultados financeiros para alterações uniformes na precipitação
Fonte: Harrison & Whittington (2002)
Alterações nos Cenários
Cenário
Precipitação
(%)
Temperatura
(ºC)
Vazões
(%)
Geração
(%)
VPL
(%)
1
-2
+5
- 10
-6
- 62
2
- 12
+ 5,3
- 28
- 16
- 168
3
- 18
+ 4,4
- 36
- 21
- 220
Tabela 5: Síntese das mudanças de cada cenário climático
Fonte: Harrison & Whittington (2002)
Figura 32: Desempenho financeiro do projeto com cenários de mudanças climáticas
Fonte: Harrison & Whittington (2002)
41
Figura 33: Variação do NPV do projeto com mudanças climáticas e nos parâmetros do projeto
Sobre este estudo, os autores verificaram que reduções nas vazões dos rios não
apresentam efeito proporcional sobre a geração de energia, pois os reservatórios atuam
como amortecedores, gerenciando a quantidade de água disponível para a geração de
eletricidade. O comportamento da bacia do rio foi dimensionado para amplificar
mudanças na precipitação e embora o desenho e a estratégia de operação planejada para
uma usina tendiam a minimizar o impacto, o impacto financeiro total permanecia
significativo.
De acordo com Harrison (2001), o balanço entre a água que entra em uma região
sob a forma precipitação e a que deixa através/por evapotranspiração determina a
quantidade e o tempo de recorrência da região, que fundamentalmente se torna a vazão
do rio. Mudanças tanto na precipitação quanto na evapotranspiração são esperadas como
resultado das mudanças climáticas e assim mudanças nos fluxos dos rios também são
esperadas. Logo, se a vazão irá aumentar ou diminuir será função da magnitude relativa
das mudanças e de outros fatores incluindo a capacidade do solo de absorver e reter a
umidade. Como tal, mesmo com as previsões de aumento da precipitação global, as
vazões dos rios podem diminuir. Aumentos de temperatura irão alterar os padrões de
precipitação e evaporação que, essencialmente através de alterações da umidade do
solo, forçam mudanças nos regimes de vazões dos rios e nos níveis de armazenamento
42
subterrâneos. Mudanças nos valores médios de precipitação e temperatura não afetarão
somente as vazões médias dos rios, mas também sua disponibilidade. Regiões exibem
diversos graus de comportamento não linear/homogêneo e isto conduz a alterações na
variabilidade. Similarmente, variâncias alteradas podem muito bem implicar em
mudanças nas saídas médias.
Adicionalmente, outros estudos desenvolvidos pelo mesmo autor encontraram
que vários cenários de mudança climática resultaram não somente em alterações nos
fluxos dos rios e produção, mas também em alterações em sua variância. Estas
mudanças conseqüentemente conduzem a alterações na variância da eletricidade que
pode ser negociada, o qual foi identificado como sendo um potencial problema no fluxo
de caixa.
Comparações com parâmetros (não climáticos) de projetos indicaram que o
desempenho financeiro depende fortemente da taxa de desconto e dos preços de venda
da eletricidade, e que, fundamentalmente, mostrava uma sensibilidade similar a
variações de precipitação e aumento de temperatura. Mudanças críticas no clima foram
identificadas para indicar a severidade das mudanças climáticas que poderiam ser
toleradas antes dos projetos se tornarem não- viáveis economicamente.
No Brasil, a referência utilizada para oferta de energia é a energia assegurada do
Sistema Interligado Nacional – SIN, que corresponde a soma dos certificados de energia
firme (ou assegurada), os quais são concedidos pelo MME a cada usina e que
corresponde a quantidade máxima de energia que uma usina pode comercializar
(também conhecida como garantia física), conforme estabelecido na Lei nº 10.848 de 15
de março de 2004 e regulamentada pelo art. 2º do Decreto nº 5.163, de 30 de julho de
2004.
Segundo a Nota Técnica “Metodologia de Cálculo da Garantia Física das
Usinas” (2008) da EPE, a garantia física do SIN é definida como aquela correspondente
43
à máxima quantidade de energia que este sistema pode suprir a um dado critério de
garantia de suprimento. A energia firme do sistema é calculada considerando a
capacidade de geração de cada usina dadas suas restrições operacionais. No caso
hidrelétrico estas restrições são referentes a sua energia armazenada nos reservatórios e
a previsão de afluências (ou cenários hidrológicos). Esta energia é rateada entre todos os
empreendimentos de geração que constituem o sistema, a fim de se obter a garantia
física dos empreendimentos com vistas à comercialização de energia via contratos.
Segundo Aguiar Filho & Alencar (2007), no caso das usinas hídricas, a energia firme é,
em média, da ordem de 55% da potência instalada.
Em outras palavras, a energia firme de uma usina corresponde à geração média
nos meses do período crítico (de 1949 a 1956), e é obtida por simulação a usinas
individualizadas do sistema integrado puramente hidrelétrico, utilizando séries de
vazões históricas e sendo limitada ao valor da disponibilidade máxima de geração
contínua da usina (EPE, 2008).
Como a fórmula geral para estimar a potência de saída de uma turbina para
qualquer sistema hídrico é dada por:
P=η.γ.Q.H
onde,
P – potência de saída produzida pela turbina (kW)
η – eficiência do sistema da turbina (%)
γ – peso específico da água (9,81 kN/m³)
Q – vazão de água (m³/s)
H – queda efetiva (m)
Então, a energia gerada pela turbina depende da vazão de água que atravessa o
sistema turbina-gerador. Logo, alterações na precipitação e temperatura causam
44
variações nas vazões, impactando a energia gerada, a energia passível de ser
comercializada e, por conseguinte, o retorno financeiro da usina.
Visando identificar os potenciais impactos das alterações do clima na segurança
de suprimento, a COPPE/UFRJ elaborou um estudo relacionando as mudanças
climáticas com a segurança energética do Brasil para o período 2071-2100. Neste
estudo, as simulações sobre o setor de energia basearam-se em projeções de mudanças
climáticas feitas para o Brasil adotando os cenários A2 (altas emissões) e B2 (baixas
emissões) propostos pelo IPCC no Relatório Especial de Cenários de Emissões (IPCC,
2000). Tratam-se dos dois cenários mais pessimistas em termos de emissões, embora o
segundo seja menos que o primeiro.
Os resultados deste estudo estão nas Tabela 6 e Tabela 7.
Bacia
Cenário A2
Cenário B2
Rio Paraná
-2,4%
-8,2%
Grande
1,0%
-3,4%
Paranaíba
5,9%
-5,9%
Paranapanema
-5,0%
-5,7%
Parnaíba
-10,1%
-10,3%
São Francisco
-23,4%
-26,4%
Tocantins-Araguaia
-14,7%
-15,8%
Média
-8,6%
-10,8%
Tabela 6: Variação média da vazão anual em relação às projeções de referência: 2071–2100
Os efeitos das alterações na vazão das bacias sobre a produção de energia
elétrica foram obtidos com a utilização do modelo SUISHI-O (que simula a operação de
usinas hidrelétricas). Estão apresentados na Tabela 7, sob a forma de impactos na
produção de energia média, que, nesse caso, é a quantidade de energia que o sistema
hidrelétrico gera, supondo condições hidrológicas médias.
45
Bacia
Cenário A2
Cenário B2
Rio Paraná
0,7%
-1,2%
Grande
0,1%
-0,8%
Paranaíba
-1,4%
-1,9%
Paranapanema
-1,4%
-2,5%
Parnaíba
0,8%
-0,7%
São Francisco
-4,3%
-7,7%
Tocantins-Araguaia
-0,1%
-0,3%
Média
-1,0%
-2,2%
Tabela 7: Resultados relativos à energia média obtidos com o uso do modelo SUISHI-O: desvios em
relação às projeções de referência
Devido às capacidades plurianuais dos reservatórios, há uma tendência negativa
geral na vazão, isto é, a capacidade de geração de energia tende a cair em uma
proporção menor que a vazão.
Nas bacias integrantes da grande bacia do Paraná, as diferenças na geração de
energia entre os cenários A2 e B2 e as projeções de referência (isto é, as projeções do
Plano Nacional de Energia para 2030) são de, no máximo, 2,5% (projeção para o
cenário B2). Exceto pelo rio Paraná e a bacia do rio Grande, que poderiam ter um leve
aumento de geração no cenário A2, as projeções são de queda na produção de energia
elétrica ao longo de todo o período analisado.
De acordo com a tabela 6, a vazão anual média (isto é, a quantidade média anual
de água que aflui para as usinas) pode sofrer uma queda média de 8,6%, no cenário A2
de mudança climática, e de 10,8% no cenário B2. As usinas mais afetadas seriam as da
bacia do São Francisco, que registrariam uma queda de 23,4% no cenário A2 e de
26,4% no cenário B2. Na grande bacia do Paraná – formada pelo rio Paraná e as bacias
do Paranaíba, Paranapanema e Grande –, haveria, apesar da queda na vazão anual
46
média, vazões mais altas no começo da estação chuvosa. O armazenamento desses
volumes de água adicional atenuaria os efeitos negativos da redução na vazão anual
média, pelo menos nas usinas hidrelétricas já existentes.
Os resultados também mostram redução na geração de energia nas usinas
hidrelétricas das bacias do Nordeste e Centro-Oeste (Parnaíba, São Francisco e
Tocantins-Araguaia). A bacia do São Francisco aparece como a mais afetada pela
mudança do clima global. Nela, o decréscimo na produção de energia atingiria 7,7% no
cenário B2, o que possibilita dizer que gestão de reservatórios não seria suficiente para
compensar as perdas na vazão natural. Outra bacia afetada negativamente é a do
Tocantins-Araguaia, a qual é importante por sua capacidade instalada e por atender
grande parte dos mercados do Nordeste. Para ela, em ambos os cenários, as variações
sazonais são mais intensas na estação chuvosa (relativamente curta, de fevereiro a abril),
que chega a ter reduções maiores do que as da estação seca.
É importante registrar que a ferramenta utilizada para o cálculo da geração de
energia – o modelo SUISHI-O – supõe que, no início do período de simulação, os
reservatórios estejam em plena capacidade. Níveis iniciais diferentes para os
reservatórios podem ter impactos ainda mais negativos na capacidade de geração e, por
isso, devem ser investigados em futuros estudos. Por fim, este software apresenta
limitações quanto à realização de estudos para as projeções futuras de variações
climáticas, não sendo possível, por exemplo, considerar a taxa de evaporação em cada
bacia baseando-se nas projeções para as temperaturas médias para um determinado
período, o que pode reduzir ainda mais a capacidade de geração.
47
Figura 34: Variação Percentual da Vazão/Fluxo em Relação à Projeção de Referência – Cenário A2 COPPE
48
Figura 35: Variação Percentual da Vazão/Fluxo em Relação à Projeção de Referência – Cenário B2 –
COPPE
49
3.6. Gestão dos Riscos
O risco de um negócio é uma condição que envolve a exposição a eventos que
podem ter um impacto adverso sobre os objetivos de determinada companhia, isto é,
consiste de uma combinação da probabilidade de um evento ocorrer e da magnitude de
suas conseqüências. Em grandes projetos, os riscos podem levar a perdas substanciais, a
menos que as atividades de projeto estejam devidamente geridas, mas em geral estes
projetos envolvem fluxos de caixa desbalanceados, requerendo grandes investimentos
iniciais, antes de algum retorno ser ganho, o que é o caso de empreendimentos
hidrelétricos. Logo, a identificação e a estimação dos potenciais riscos do negócio
desempenham um importante papel no apoio às decisões estratégicas e operacionais.
Os processos de gestão de risco consistem de um ciclo de revisão de critérios de
formulação, estimação e redução de risco e revisão. É um processo lógico que provê
sistemática identificação, análise e avaliação do risco de modo a levar ao
desenvolvimento de uma apropriada estratégia de tratamento do risco.
No caso do Setor Elétrico Brasileiro, mais especificamente na geração
hidrelétrica, o mecanismo que vem sendo adotado é o MRE – Mecanismo de
Realocação de Energia, onde todos os geradores participantes diluem seus riscos,
principalmente os hidrológicos, e assim as usinas que geraram mais energia
compartilham este benefício (diferença entre o total de energia gerado e sua energia
assegurada – energia realocada) com as que geraram menos energia, proporcionalmente
a energia assegurada das usinas, reduzindo exposições dos geradores ao mercado de
curto-prazo (mercado “spot”). [Obrigatoriamente as usinas hídricas despachadas
centralizadamente pelo ONS devem ser integrantes do MRE]. Contudo, nos novos
empreendimentos os geradores hidrelétricos devem negociar sua energia através da
modalidade de contratos de quantidade de energia (aqueles nos quais os riscos
hidrológicos da operação energética integrada são assumidos totalmente pelos
50
geradores, cabendo-lhes todos os custos referentes ao fornecimento do montante de
energia contratado. Ou seja, neste caso, além dos habituais riscos financeiros de
financiamento, de operação e hidrológico, citados no item 3.3, há ainda outro risco
adicional decorrente das diferenças de preços entre sub-mercados, que são assumidos
pelo gerador), sendo obrigados a fornecer o montante de energia negociado, o qual está
associado à sua energia assegurada. No caso dos contratos de disponibilidade de energia
(lastreados na possibilidade de geração do empreendimento a partir da existência da
fonte de energia), firmados pelas usinas térmicas, o risco da indisponibilidade da usina é
assumido pela sociedade, e não pelo gerador. Em suma, pode-se dizer que há outro risco
financeiro das usinas hidrelétricas, o qual está diretamente relacionado ao risco
hidrológico: o risco contratual, que consiste nos riscos de fornecimento do montante de
energia negociado (contratado).
Para melhor entendimento será utilizado o exemplo hipotético a seguir: um
gerador hidrelétrico com 20 MWmédios de energia assegurada negocia 10 MW médios
por meio de contrato de quantidade de energia (ou seja, deve entregar 10 MWmédios,
independente se gerar ou não), seja no ambiente livre ou no regulado (nesse caso,
mediante leilões de energia promovidos pela ANEEL). Suponhamos que ele gere apenas
6 MWmédios e que nenhuma das demais usinas integrantes do MRE gere acima de suas
energias asseguradas. Neste caso, esta usina deverá adquirir 4 MWmédios no mercado
“spot” ao preço do PLD. No caso, como seu contrato possui o preço da energia prédefinido, o gerador deverá arcar com a diferença entre o valor de venda e o de compra
da energia. Dependendo do valor do PLD, do montante de energia a ser adquirido no
mercado de curto-prazo e do valor contratual de venda da energia, o gerador poderá
sofrer impactos financeiros significativos, refletindo em seu fluxo de caixa, no
pagamento de financiamento e na rentabilidade do negócio.
51
Em resumo, como visto no item 3.2, os principais riscos financeiros associados a
usinas hidrelétricas são: hidrológico, operacional, de financiamento e de venda de
energia.
Tradicionalmente, a gestão de riscos no setor hídrico foi focada quase que
exclusivamente em medidas estruturais e raramente em medidas alternativas que
distribuam e transferiram os riscos.
3.7. Fontes Complementares de Energia
A seguir são descritas brevemente a situação das fontes alternativas ou
complementares de energia no Brasil, as quais possuem como vantagens
complementaridade à geração hidrelétrica, segurança do suprimento de energia,
diversificação da matriz energética, são fontes renováveis de energia, isto é, são
energias limpas que não emitem CO 2 e se configuram como boa solução às usinas
térmicas convencionais que utilizam combustíveis fósseis e combustível nuclear.
3.7.1. Biomassa
A geração de energia elétrica utilizando como fonte de energia a biomassa tem
apresentado relevante crescimento no Brasil, principalmente nos sistemas de cogeração
de energia (nos quais é possível obter, a partir de um único combustível, dois tipos de
energia, em geral térmica e elétrica) dos setores industrial e de serviços.
Em 2007, a biomassa foi responsável pela oferta de 18 TWh de energia elétrica
(crescimento de 21% em relação a 2006), representando 3,7% da oferta total de energia
elétrica, de acordo com dados do Balanço Energético Nacional – BEN, 2008.
De acordo com o Banco de Informações de Geração - BIG da ANEEL, em
Agosto/2009 estavam em operação 332 usinas térmicas movidas a biomassa no Brasil,
totalizando 5,7 GW, sendo que 3 utilizam carvão vegetal (25 MW), 7 biogás (42 MW),
7 casca de arroz (31 MW), 14 licor negro (1,2 GW), 29 resíduos de madeira (265 MW)
52
e 272 utilizam bagaço de cana de açúcar (4,1 GW). Além disso, estão em construção
outras 50 usinas térmicas a biomassa, totalizando 2,5 GW, sendo que deste total, 40
empreendimentos utilizam bagaço de cana de açúcar o que corresponde a 94%
(2,3 GW) da potência das usinas em construção.
Como vantagem da biomassa pode-se citar a coincidência da safra com o
período de estiagem (período seco) na região Sudeste/Centro-Oeste, onde se concentra a
maior potência instalada em hidrelétricas do país, o que auxilia a preservação dos níveis
dos reservatórios das usinas hidrelétricas.
Segundo as projeções do PNE 2030, elaborado pela EPE, a demanda total de
bagaço de cana passará das atuais 130-140 milhões de toneladas para cerca de 370
milhões de toneladas em 2030, o que representa uma taxa de crescimento de 9% ao ano.
3.7.2. Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCHs
As Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs, caracterizadas por possuírem
potência instalada superior a 1.000 kW e igual ou inferior a 30.000 kW, destinadas à
produção independente, auto-produção ou produção independente autônoma, com
reservatórios de área inferior a 3,0 km².
A atratividade destas usinas baseia-se, principalmente, em suas características de
menor impacto ambiental (vistas isoladamente), menor volume de investimentos, prazo
mais curto de maturação e tratamento incentivado pela regulamentação vigente no setor.
Nesse sentido, algumas características importantes de incentivos das PCH são a
dispensa de licitação para obtenção da concessão (empreendedor obtém autorização da
ANEEL), a isenção de pagamento de Uso de Bem Público – UBP, a isenção da
obrigação de aplicar anualmente, o montante mínimo de 1% de sua receita operacional
líquida em projetos de P&D do setor elétrico, a isenção relativa à compensação
financeira pela utilização de recursos hídricos, a possibilidade de comercializar de
imediato a energia elétrica produzida com consumidores cuja carga seja maior ou igual
53
a 500 kW (REN ANEEL 247/2006) e a redução de, no mínimo, 50% no pagamento dos
encargos por uso das redes de transmissão e distribuição (REN ANEEL 77/2004).
Segundo dados do BIG da ANEEL, em Agosto/2009 estavam em operação 347
PCHs no Brasil, correspondendo a 2,8 GW (2,7% da potência em operação).
3.7.3. Energia Eólica
O potencial eólico brasileiro para aproveitamento energético tem sido objeto de
estudos e inventários desde a década de 1970, que culminaram com a publicação, em
2001, do Atlas do Potencial Eólico Brasileiro.
O Atlas apontou a existência de áreas com regimes médios de vento, propícios à
instalação de parques eólicos, principalmente nas regiões Nordeste (144 TWh/ano), Sul
e Sudeste do país, (96 TWh/ano), conforme Figura 36. Vale ressaltar, que nas regiões
Sul e Sudeste encontram-se os grandes centros consumidores.
Figura 36: Potencial eólico brasileiro por região – PNE 2030
54
3.7.4. Energia Solar
Assim como ocorre com os ventos, o Brasil é privilegiado em termos de
radiação solar. O Plano Nacional de Energia - PNE 2030 reproduz dados do Atlas
Solarimétrico do Brasil e registra que essa radiação varia de 8 a 22 MJ/m² durante o dia,
sendo que as menores variações ocorrem nos meses de maio a julho, variando de 8 a 18
MJ/m². Além disso, complementa o estudo, o Nordeste possui radiação comparável às
melhores regiões do mundo nessa variável, como a cidade de Dongola, no deserto do
Sudão, e a região de Dagget, no Deserto de Mojave, Califórnia. O que, porém, não
ocorre com outras localidades mais distantes da linha do Equador, como as regiões Sul e
Sudeste, onde está concentrada a maior parte da atividade econômica. A Figura 37 ilustra
esta variação.
Apesar deste potencial e de o uso de aquecedores solares estar bastante
difundido em cidades do interior e na zona rural, a participação da energia solar na
matriz energética nacional é bastante reduzida. Tanto que a energia solar não chega a
ser citada na relação de fontes que integram o BEN 2008.
Figura 37: Variação da radiação solar no Brasil – PNE 2030
55
3.7.5. Resíduos Sólidos Urbanos - RSU
A disposição final dos resíduos sólidos urbanos, provenientes de residências, da
atividade comercial, varrição de ruas, podas de árvores e similares, é uma preocupação
recorrente das administrações municipais, tanto pelo potencial poluidor dos resíduos
quanto pela grande redução da oferta de locais adequados ou aceitos pela população
para destinação do lixo.
O aproveitamento energético dos RSU é uma alternativa promissora para a
geração e conservação da energia elétrica, para a redução do espaço necessário à
deposição dos resíduos além de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Embora não se trate de potencial com dimensão suficiente para sustentar uma
estratégia de expansão da oferta de energia elétrica do país no longo prazo, a geração de
eletricidade a partir de RSU é, sem dúvida, elemento importante de uma estratégia
regional ou local e, portanto, não deve ser desconsiderada.
3.7.6. Repotenciação e Modernização de Usinas Existentes
A repotenciação e a modernização das usinas existentes, embora possam agregar
relativamente pouco em termos de garantia física ao sistema, podem contribuir muito
para o atendimento da demanda máxima de energia. Outro importante benefício
agregado pela alteração das condições das usinas existentes é o menor impacto
ambiental relacionado a esse acréscimo de energia ao sistema. Neste sentido, é
fundamental implementarem-se ações que busquem a extensão da vida útil, melhoria do
desempenho, redução da manutenção, aumento da confiabilidade, e a melhoria e
simplificação da operação dessas usinas.
56
4. METODOLOGIA
A partir do levantamento dos dados e estudos desenvolvidos sobre mudanças
climáticas e projetos hidrelétricos, buscou-se identificar dentre as alterações provocadas
por aqueles fatores, quais que impactavam mais a geração hidrelétrica.
Com base nas informações levantadas, foi possível verificar que a elevação das
temperaturas causa impactos na evaporação, principalmente nas usinas com grandes
reservatórios. A partir daí, buscou-se levantar informações no ONS referentes a isso,
elaborando gráfico para o período atual.
Foram levantadas informações da Energia Natural Afluente em cada bacia
hidrográfica, segundo dados do ONS, elaborando gráficos em seguida, de modo a
permitir análises mais detalhadas, buscando comparar a energia afluente com a geração
de energia, o que possibilitou identificar os riscos das variações de precipitação.
Posteriormente, buscou-se estabelecer um paralelo entre os estudos realizados
para projetos em outros países, como Europa e África e os projetos no Brasil e
identificar quais os riscos financeiros oriundos deles.
Em etapa posterior, os riscos financeiros devido às mudanças climáticas,
identificados e apontados no trabalho, foram submetidos à avaliação de especialistas de
diversas áreas do setor elétrico (planejamento, operação, comercialização, infraestrutura, associações de classe, academia, dentre outros) com o objetivo de validar os
pontos relevantes levantados na pesquisa bibliográfica, além de colher novas
contribuições, as quais foram comparadas, agrupadas e incluídas na Análise dos
Resultados, gerando levantamento de dados primários e novo conhecimento. As
eventuais divergências de opiniões (contra-pontos) foram agrupadas e citadas, de modo
a orientar a etapa final do trabalho.
57
Mediante os comentários e recomendações dos especialistas, os riscos
financeiros dos empreendimentos hidrelétricos devido às mudanças climáticas foram
reavaliados, buscando complementar e convergir o trabalho de acordo com o consenso
dos especialistas, culminando com a definição de conclusões relevantes do trabalho, a
saber: necessidade de inclusão das mudanças climáticas no modelo de planejamento e
operação e elevação das exigências das seguradoras com maior atenção dos
certificadores de redução de emissão e menor número de CERs emitidos.
No Capítulo 8: Apêndice – Consulta a Especialistas são apresentados os nomes e
instituições dos especialistas que avaliaram o trabalho, bem como seus comentários e
sugestões.
58
5. ANÁLISE DOS RESULTADOS
Como visto no item 3.1, a previsão dos especialistas é que o aumento da emissão
de GEE causará variações na temperatura e precipitação mundiais.
De acordo com o item 3.4, os principais efeitos das mudanças climáticas na
geração hídrica estão relacionados aos riscos hidrológico, operacional, de financiamento
e de venda de energia (risco contratual).
Como apontado por Harrison, no item 3.5, a geração de energia hidrelétrica está
relacionada à vazão afluente nas turbinas, a qual depende dos níveis de precipitação.
Assim, relacionando estes itens, há uma forte indicação de que a geração
hidrelétrica possui uma estreita dependência das mudanças climáticas, as quais
interferem consecutivamente no risco financeiro dos projetos, já que podem influenciar
tanto o financiamento, quanto a operação das usinas. Contudo, as avaliações dos
especialistas são divergentes, o que mostra que ainda não há consenso entre os
pesquisadores e a comunidade científica sobre as reais conseqüências das mudanças
climáticas nas vazões (elevação ou redução) das bacias hidrográficas brasileiras.
Enquanto alguns consideram que as mudanças climáticas trarão alterações negativas no
regime de chuvas no Brasil, citando o caso da recente seca no Rio Madeira, outros
acreditam que pode haver variações positivas nas vazões de determinadas bacias,
mencionando o fenômeno de “salto pós-70” (elevação das vazões de algumas bacias
hidrográficas, principalmente as localizadas ao sul do paralelo 20 S, inclusive), mas
com controvérsias sobre suas causas (fenômeno normal, periódico ou oriundo das
mudanças climáticas). De modo a ilustrar este fenômeno são apresentados os gráficos a
seguir:
59
Vazões Médias Mensais
600
500
400
300
200
100
0
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
Jan1931-Dez1971
Jan1972-Dez2007
Gráfico 1: Vazões mensais médias da usina Campos Novos
Vazões Médias Mensais
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
Jan1931-Dez1971
Jan1972-Dez2007
Gráfico 2: Vazões mensais médias da usina Segredo
Vazões Médias Mensais
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
Jan1931-Dez1971
Jan1972-Dez2007
Gráfico 3: Vazões mensais médias da usina Machadinho
60
900
Vazões Médias Mensais
800
700
600
500
400
300
200
100
0
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
Jan1931-Dez1971
Jan1972-Dez2007
Gráfico 4: Vazões mensais médias da usina Barra Bonita
1800
Vazões Médias Mensais
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
Jan1931-Dez1971
Jan1972-Dez2007
Gráfico 5: Vazões mensais médias da usina Três Irmãos
20000
Vazões Médias Mensais
18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ
Jan1931-Dez1971
Jan1972-Dez2007
Gráfico 6: Vazões mensais médias da usina Itaipu
Os gráficos 1 a 6 mostram os efeitos do fenômeno “salto-pós 70” sobre
as vazões de algumas usinas hídricas no Brasil, localizadas abaixo do paralelo 20S.
Observa-se que as vazões destas usinas no período de janeiro/1972-dezembro/2007 são
61
maiores, guardadas as sazonalidades das bacias, que as vazões no período janeiro/1931dezembro/1971, contudo, como anteriormente mencionado, este aumento das vazões
apresenta causas controversas de acordo com os pesquisadores, sendo considerado
desde um fenômeno normal à conseqüência das mudanças climáticas. Neste sentido,
uma análise mais ampla poderia buscar identificar os efeitos do derretimento das
geleiras que abastecem estes rios e com os meses em que há maior vazão nas bacias e
usinas, já que há possibilidade desta elevação das vazões ser efeito do derretimento de
geleiras e conseqüente elevação dos níveis de vazões de algumas usinas localizadas nas
bacias abastecidas por aquelas geleiras.
Assim, classificando-se os dois principais impactos das mudanças climáticas na
geração de energia hidrelétrica segundo sua probabilidade de ocorrência e
conseqüência, poder-se-ia utilizar o caso mais extremo para realizar simulações no
Brasil e, desta forma, verificar suas reais conseqüências nos riscos financeiros das
usinas hidrelétricas integrantes do SIN.
Impactos das
Mudanças Climáticas
nas hidrelétricas
Probabilidade de
Ocorrência
Conseqüência
Variação da
Precipitação
ALTA
ALTA
Variação da
Temperatura
ALTA
MÉDIA
Tabela 8: Matriz Probabilidade x Conseqüência dos principais efeitos
das mudanças climáticas nos riscos financeiros das usinas hidrelétricas
Como resultados dos impactos financeiros das variações de precipitação pode-se
citar, dentre outros: redução da vazão disponível para geração (reduzindo a receita),
diminuição da vida útil de equipamentos (uma vez que foram projetados e construídos
em cenários sem alterações climáticas), aumento da probabilidade de quebras e falhas
em equipamentos (aumentando a indisponibilidade da usina), possível redução dos
62
volumes de financiamento (a incerteza dos níveis de vazão compromete a capacidade de
pagamento do projeto), o que pode reduzir a alavancagem e até, no limite, inviabilizar o
projeto.
Como resultados dos impactos financeiros das alterações de temperatura pode-se
citar, dentre outros: aumento da evaporação dos reservatórios (reduzindo a geração de
energia), variação dos regimes hidrológicos e influência nos períodos secos e úmidos
das regiões (p. ex. atraso do período chuvoso pode implicar no acionamento de usinas
térmicas como meio de poupar água nos reservatórios), aumento do consumo de energia
elétrica para refrigeração (implicando em custos adicionais para expansão da oferta),
perda de biodiversidade e migração de espécies (elevando custos ambientais e o
gerenciamento do reservatório).
O que significa dizer, como apontado no item 3.5, sob a ótica financeira, que
variações na precipitação causam maiores impactos que alterações na temperatura, uma
vez que a geração de energia hidroelétrica depende essencialmente das vazões afluentes,
provenientes da precipitação. Logo, do ponto de vista de conseqüência, variações na
precipitação
causam
impacto
muito
maior
que
alterações
da
temperatura.
Particularmente no caso da precipitação, a variação negativa (redução) apresenta
impactos ainda maiores que variações positiva (elevação), como visto no item 3.5.
A compilação dos dados do ONS mostrou que as evaporações das usinas têm
sofrido alterações ao longo do tempo, com alterações significativas em reservatórios
com área muito grandes como no caso de Sobradinho. Também indicou que as
afluências têm sofrido alterações ao longo dos anos e que a perda de capacidade de
regularização plurianual do sistema acarreta o esvaziamento mais rápido dos
reservatórios, o que implica em maiores custos de geração térmica para recuperar os
níveis de armazenamento dos reservatórios (medidas operativas).
63
Contudo, este trabalho não abrangeu avaliações das evaporações dos
reservatórios das usinas nem tampouco do aumento das perdas na transmissão de
energia (devido a relação inversamente proporcional da condutibilidade das linhas de
transmissão com a temperatura – ou seja, aumento de temperatura conduz a diminuição
da condutibilidade da linha, elevando as perdas na transmissão), decorrentes de
elevações de temperatura (as evaporações e a condutibilidade da linha dependem da
temperatura), devendo ser objeto de estudos futuros, que avaliem tanto a geração, a
transmissão e a distribuição de energia, quanto a evaporação dos reservatórios e as
mudanças climáticas.
Evaporações Líquidas Estimadas (mm) das Usinas pelo Programa
SisEvapo, segundo as Normais Climatológicas de Cada Período - Fonte: ONS
1400
1000
800
600
400
200
0
SERRA DA MESA
SAO SALVADOR
LAJEADO/L.E.MAGALHÃES
COUTO MAGALHÃES
TUCURUÍ
QUEIMADO
SOBRADINHO
MOXOTÓ/APOLÔNIO
COMPLEXO PAF-MOX
SERRA DO FACÃO
NOVA PONTE
CAPIM BRANCO I
CORUMBA IV
CORUMBA I
CACHOEIRA DOURADA
CAÇU
ITAGUACU
SALTO RIO VERDINHO
ESPORA
CAMARGOS
FUNIL (RIO GRANDE)
MASCARENHAS DE MORAES
JAGUARA
VOLTA GRANDE (GRANDE)
CACONDE/GRAMINHA
LIMOEIRO/A.S.OLIVEIRA
A.VERMELHA/J.E.MORAES
PONTE NOVA
RESERV.GUARAPIRANGA
BARRA BONITA
IBITINGA
N.AVANHANDAVA
JUPIA/SOUZA DIAS
PORTO PRIMAVERA
PIRAJU
OURINHOS
CANOAS II
SÃO JERÔNIMO
TAQUARUCU
ITAIPU 1/2
SEGREDO
FUNDÃO
SALTO SANTIAGO
SÃO JOÃO
SALTO G.CHOPIM
SALTO CAXIAS
Evaporação Líquida Estimada (mm)
1200
Período 1931-1960
Período 1961-1990
Período 1931-1990
Figura 38: Evaporações Líquidas Estimadas das usinas do Sistema Hidroenergético Brasileiro –
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do ONS
64
90.000
Energia Natural Afluente (ENAs)- MWmed
80.000
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
0
jan
fev
1931
mar
abr
1961
mai
1991
jun
jul
2001
ago
set
2007
out
nov
dez
med(1931 - 2007)
Figura 39: Energia Natural Afluente da Bacia do Paraná, MWmédios
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do ONS
Energia Natural Afluente (ENAs)- MWmed
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
0
jan
1931
fev
mar
1961
abr
mai
1991
jun
2001
jul
ago
2007
set
out
nov
dez
med(1931 - 2007)
Figura 40: Energia Natural Afluente da Bacia do São Francisco, MWmédios
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do ONS
65
Energia Natural Afluente (ENAs)- MWmed
30.000
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
0
jan
fev
1931
mar
abr
1961
mai
1991
jun
jul
2001
ago
set
2007
out
nov
dez
med(1931 - 2007)
Figura 41: Energia Natural Afluente da Bacia do Tocantins, MWmédios
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do ONS
14.000
Energia Natural Afluente (ENAs)- MWmed
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
jan
1931
fev
mar
1961
abr
mai
1991
jun
2001
jul
ago
2007
set
out
nov
med(1931 - 2007)
Figura 42: Energia Natural Afluente da Bacia do Iguaçu, MWmédios
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do ONS
dez
66
18.000
Energia Natural Afluente (ENAs)- MWmed
16.000
14.000
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
jan
fev
1931
mar
abr
1961
mai
1991
jun
jul
2001
ago
set
2007
out
nov
dez
med(1931 - 2007)
Figura 43: Energia Natural Afluente da Bacia do Paranaíba, MWmédios
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do ONS
20.000
Energia Natural Afluente (ENAs)- MWmed
18.000
16.000
14.000
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
jan
1931
fev
mar
1961
abr
mai
1991
jun
2001
jul
ago
2007
set
out
nov
dez
med(1931 - 2007)
Figura 44: Energia Natural Afluente da Bacia do Rio Grande, MWmédios
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do ONS
67
3.500
Energia Natural Afluente (ENAs)- MWmed
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
jan
fev
1931
mar
abr
1961
mai
1991
jun
jul
2001
ago
set
2007
out
nov
dez
med(1931 - 2007)
Figura 45: Energia Natural Afluente da Bacia do Rio Paranapanema, MWmédios
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do ONS
10.000
Energia Natural Afluente (ENAs)- MWmed
9.000
8.000
7.000
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
jan
1931
fev
mar
1961
abr
mai
1991
jun
2001
jul
ago
2007
set
out
nov
dez
med(1931 - 2007)
Figura 46: Energia Natural Afluente da Bacia do Rio Urugua i, MWmédios
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do ONS
As Figura 39 a Figura 46 mostram os gráficos com a evolução da energia natural
afluente (vazão) nas principais bacias hidrográficas do SIN. A Figura 39 mostra a
afluência na Bacia do Rio Paraná (a qual de acordo com a Figura 16 representou cerca
de 30% da geração de energia do SIN), onde se observa que as vazões diminuíram ao
longo do tempo (de 1931 a 2001), principalmente a média, o que significa dizer que as
vazões intermediárias mensais (entre 1931 e 2007) foram menores que as de 1931, 1961
e 1991.
68
A Figura 40 mostra a vazão afluente na Bacia do Rio São Francisco (cerca de 11%
do SIN, conforme Figura 16), onde se observa que a vazão média está inferior a de 1931
e que a vazão em 2007 foi praticamente igual a de 1961 entre janeiro e março, sendo
bem menor no restante do ano.
A mesma análise pode ser estendida para as demais bacias das Figura 41 a Figura
46,
que são respectivamente Tocantins, Iguaçu, Paranaíba, Grande, Paranapanema e
Uruguai.
Vale ressaltar que as vazões do Rio Paraná (Região Sudeste) em 2001,
apresentaram a menor de todas as afluências, conforme Figura 39, o que, combinado com
os baixos níveis de armazenamento da região (Figura 19), ocasionou a crise de
suprimento energético (apagão) em 2001 por falta de interligação elétrica.
Nenhuma das bibliografias indicadas analisou possíveis conflitos de uso e usos
múltiplos da água, uma vez que a outorga depende da solicitação e emissão da Reserva
de Disponibilidade de Recursos Hídricos, por parte da Agência Nacional de Água –
ANA, a qual depende da bacia hidrográfica, e que deve ser considerada pelos
investidores, já que é um pré-requisito para obtenção das licenças ambientais.
Entretanto, segundo especialista consultado os empreendimentos hidrelétricos não
devem sofrer conseqüências face às mudanças climáticas, já que, segundo a legislação
atual, a outorga de uso da água garante a disponibilidade hídrica para a atividade da
usina (geração de energia). Contudo a disponibilidade hídrica pode mudar caso haja
alteração na legislação atualmente vigente.
Com alterações nos níveis de precipitação em determinadas bacias e aumento do
uso consuntivo de água, a disponibilidade hídrica para geração hidrelétrica pode ser
reduzida em algumas regiões, o que pode implicar em perda de receita aos
empreendimentos, devido há diminuição da energia gerada, e em eventual alteração na
legislação vigente.
69
A Figura 47 mostra as bacias hidrográficas brasileiras e seus principais usos
consuntivos. Ressalta-se que com crescimento da população, o uso consuntivo deve
aumentar, principalmente os relativos à irrigação e abastecimento urbano.
Figura 47: Perfil das Regiões Hidrográficas em relação às vazões de retirada de água, Brasil, 2006
Fonte: ANA, 2009
Outro ponto é que o estudo da COPPE não apresentou a análise financeira
decorrentes da possível redução das energias asseguradas das usinas hidrelétricas
integrantes do SIN, como realizado por Harisson, o que pode vir a onerar
demasiadamente a sociedade já que a redução da energia assegurada implica na
construção de novas usinas para manter o nível de risco abaixo de 5%, como visto no
item 3.5 - Energia e Mudanças Climáticas. Isto pode implicar na construção ou maior
despacho de novas usinas térmicas (uma vez que as projeções de variação na
precipitação citadas se concretizem, haverá perda de atratividade pelas usinas hídricas),
as quais emitem grande quantidade de GEE, e realimentam o ciclo das mudanças
climáticas (aumento de emissão de GEE - elevação da temperatura - alterações no
70
regime hidrológico - perda de vazão para geração hidrelétrica - e assim por diante).
Neste caso, tanto a construção de novas usinas quanto seu maior acionamento, trarão
aumento e repasse dos custos para a sociedade, redundando em preços mais elevados.
Neste ponto os especialistas consultados concordam: os desvios nas
sazonalidades esperadas (previstas) provocam alterações no fluxo de caixa dos
empreendimentos e incertezas aos órgãos financiadores e aos consumidores de energia.
Outro ponto citado pelos especialistas consultados é a dependência do PLD,
contabilizado entre os montantes de energia gerados e os comercializados nos contratos
financeiros, às vazões e aos níveis de armazenamento dos reservatórios. Isto significa
que se os níveis de armazenamento e as vazões estiveram baixos, haverá elevação do
PLD, implicando em exposição ao mercado spot e elevação dos riscos financeiros.
Adicionalmente, segundo os especialistas consultados, considerando o fato das
mudanças climáticas interferirem na precipitação e nas vazões, resultando em variações
na geração de energia, nos níveis de armazenamento dos reservatórios e no regime de
operação das usinas, é fundamental que a EPE considere as alterações do clima no
cálculo do COP e CEC dos leilões de usinas térmicas, já que, havendo necessidade de
despacho das térmicas em níveis superiores aos previstos no ICB dos leilões, haverá um
sobre-custo no preço da energia para os consumidores cativos e desestímulo ao
empreendedorismo na geração hidráulica.
Devido ao fato das mudanças climáticas apresentarem efeitos ainda pouco
conhecidos nos empreendimentos hidrelétricos, as exigências e regras das instituições
financeiras relacionadas a esse fenômeno ainda não são impeditivas ou redutoras dos
volumes de empréstimo, contudo, esta situação pode mudar, em face de novas
evidências que comprovem a relação entre as mudanças climáticas e a geração
hidrelétrica, e sua respectiva receita, o que se tornará um fator essencial no
financiamento de projetos e poderá vir a inviabilizar sócio-economicamente uma série
71
de projetos. Os especialistas consultados desconhecem qualquer manifestação de
preocupação das seguradoras, bancos ou fundos de investimento relacionadas à variação
(particularmente a negativa) da geração de energia elétrica a partir de fonte hidráulica
em virtude das mudanças climáticas, o que reflete o estado ainda de ignorância do
problema no setor.
Além disso, verifica-se no estudo realizado por Harrison, que a diminuição da
precipitação reduz significativamente o valor do VPL, enquanto que elevações não o
elevam na mesma proporção (e sim em proporção menor). Observa-se também que as
variações são relevantes na receita do empreendedor e na viabilidade econômica dos
projetos. Como mostrado na Figura 30, o tempo de retorno do investimento (payback)
atualmente ocorre após 20,5 anos (nas condições climáticas atuais) e que passaria para
mais de 30 anos em cenário com redução de 20% da precipitação (o que reduz
significativamente a viabilidade econômica já que no Brasil o período de concessão de
aproveitamentos hidrelétricos é de 30 anos). Portanto, conclui-se que variações na
precipitação afetam tanto a geração de eletricidade como as receitas provenientes da
venda desta energia. Das Figura 30, Figura 31 Figura 32 é possível concluir que
reduções dos níveis de precipitação diminuem a taxa interna de retorno – TIR e
conseqüentemente aumentam o tempo de recuperação de capital (ou tempo de retorno
de capital), o que reduz a atratividade das usinas, enquanto que elevações dos volumes
de chuvas apresentam, em menor proporção, aumento da TIR e consecutiva diminuição
do tempo de retorno de capital (payback), aumentando a atratividade das usinas.
Como citado anteriormente, é importante ressaltar que embora o empreendedor
que comercializou energia nos leilões do ACR tenha uma receita garantida proveniente
dos contratos de comercialização, os riscos de geração devido aos possíveis impactos
das mudanças climáticas permanecem, o que pode acarretar exposições ao mercado
spot, pois embora o MRE mitigue os riscos de geração, ele não os elimina. Estas
72
exposições ao mercado de curto-prazo (spot) podem ocorrer caso haja redução na
energia média do sistema, por questões hidrológicas, implicando em penalizações a
todos os geradores integrantes do MRE que deverão adquirir energia a valores do PLD,
de modo a honrarem seus contratos de fornecimento de energia.
Particularmente no que concerne às fontes alternativas (complementares) de
energia (PCH, biomassa e eólica) no Brasil, os especialistas consultados desconhecem a
existência de estudos que tenham levado em consideração as mudanças climáticas na
avaliação e no desenvolvimento de novos empreendimentos a partir destas fontes de
energia.
Outro ponto apresentado pelo especialista consultado é que está em discussão no
âmbito federal, entre o MME e a ANEEL, o atual critério de cálculo de energia das
PCHs face os estudos hidrológicos tais como estão sendo feitos atualmente e apenas
cogita-se, na ampliação, quando existente, da análise pregressa da hidrologia dos cursos
d´água para mais de 30 anos e após 5 anos de geração comercial da usina haver revisão
anual. Contudo, a hipótese disto ocorrer por mudanças climáticas não é considerada,
sendo atribuída à quadro estatístico.
Complementarmente, é preciso avaliar como a exploração das reservas do PréSal podem influenciar os custos do óleo e a geração térmica, considerando a diminuição
do preço do petróleo (a médio prazo, em virtude dos grandes volumes encontrados nas
reservas do Pré-Sal) e as novas tecnologias de captura e armazenamento de gases de
efeito estufa, principalmente de CO 2 . Neste sentido, a Instrução Normativa 07/2009 do
IBAMA prevê a redução de 100% das emissões de CO 2 das usinas termelétricas a
carvão e óleo combustível, novas e em operação (já licenciadas), com medidas de
mitigação envolvendo reflorestamento, investimentos em geração de energia renovável
e medidas de eficiência energética. Este fato implicará na elevação dos custos de
construção das usinas térmicas, que segundo avaliação do Instituto Acende Brasil para
73
uma térmica a carvão de 100 MW podem resultar em 72% de elevação nos custos da
usina, o que pode ser favorável aos empreendedores hidrelétricos e de fontes
alternativas de energia (maior atratividade).
Dentre algumas ações de mitigação de emissão de CO 2 que podem ser
desenvolvidas de modo a reduzir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e
conseqüentemente as mudanças climáticas pode-se citar: aumento da participação das
fontes renováveis e energias limpas na matriz energética brasileira, redução do consumo
de energia (medidas de gestão de demanda e racionalização de energia), outras
iniciativas envolvendo hidrogênio e células a combustível, captura e estocagem de
carbono (CCS) e microalgas. Assim, vale lembrar que o Governo Federal tem
promovido a elevação da participação de fontes renováveis e energias limpas na matriz
energética brasileira por meio do PROINFA (contratação, garantida por 20 anos pela
Eletrobrás, de 3.300 MW provenientes de fontes alternativas de energia, interligados ao
SIN, sendo 1.423 MW de fonte eólica, 1.191 MW de PCH e 685 MW de biomassa) e de
leilões específicos para estas fontes, entre os quais: Leilão de Fontes Alternativas
(realizado em 2007, para PCH, eólica e biomassa), Leilão de Energia de Reserva
(realizado em 2008, exclusivo para biomassa) e Leilão de Eólicas (previsto para
Novembro/2009).
A recomendação de ao término das concessões ser avaliada, pelo Poder
Concedente, a viabilidade de cada usina permanecer em operação, em virtude dos riscos
na operação e dos custos de O&M, devidos aos parâmetros construtivos, podendo
resultar na necessidade de descomissionamento de algumas usinas, não foi analisada
pelos especialistas consultados, devido a grande divergência de opiniões, a falta de
consenso entre os pesquisadores e a complexidade do tema, apesar da existência de
certo número de análises e avaliações teóricas e de recente experiência nos EUA, que a
princípio, concluiu pelo não descomissionamento de diversas usinas hidrelétricas.
74
Assim, sugere-se a realização de estudos específicos visando verificar aplicabilidade e
compatibilidade do descomissionamento das usinas hidrelétricas no Brasil, embora o
tema ainda não apresente consenso.
Foi identificado, como discutido no item 4, que além de riscos financeiros para
os empreendedores (de financiamento, hidrológico e operacional) as alterações
climáticas podem trazer riscos financeiros à sociedade, uma vez que as reduções da
energia assegurada (como mostrado pelo estudo da COPPE, no item 3.5) das usinas do
SIN, traz a necessidade de construção de novas usinas, cujos custos lhe serão repassados
na conta de energia. Neste ponto cabe ressaltar alguns aspectos técnicos apresentados
pelos especialistas consultados: o modelo utilizado pela EPE para o planejamento
(Newave e Decomp), a rigor é um modelo para operação do sistema, ou seja, há uma
inadequação do modelo para o planejamento do sistema, o que, por si só, já representa
um fator de risco. Além disso, a EPE não considera no planejamento da expansão do
sistema nem as medidas operativas (como a CAR – Curva de Aversão ao Risco), nem
os procedimentos operativos adotados pelo ONS na operação do sistema. Isto implica
em descolamento do planejamento e da operação.
Desta forma, é fundamental que a EPE passasse a considerar os efeitos das
mudanças climáticas, após validação pelo setor elétrico de modelo de representação das
alterações climáticas, tanto no cálculo da assegurada das usinas, e em eventual revisão,
quanto, e principalmente, no cálculo do COP e CEC dos leilões de térmicas (que terão
que ser mais despachadas), implicando em custos e encargos mais elevados de operação
(como o ESS) e aumento das tarifas à sociedade, contradizendo o princípio da
modicidade tarifária, o que no limite poderia reduzir a atratividade dos investidores e
empreendedores nas usinas hídricas.
Além disso, este descasamento entre o planejamento e a operação do sistema
pode resultar, em última análise, ao sub ou super dimensionamento do sistema, o que
75
também acabará por recair no preço da energia a ser pago pelos consumidores. Neste
sentido, um dos especialistas consultados também sugere a avaliação da incorporação
dos impactos ambientais no cálculo do COP e CEC do leilão.
Ainda neste sentido, segundo especialista consultado, com a inserção adequada
dos impactos causados pelas mudanças climáticas no modelo de planejamento e
operação, o cálculo da garantia física (que pode ser comercializada) dos novos
empreendimentos de geração, o qual é realizado pela EPE, ficaria mais apurado,
retratando de forma mais real o mundo físico, reduzindo o risco dos investidores, uma
vez que a variável climática já estaria considerada no modelo e no cálculo da energia
assegurada da usina. Outro aspecto é que no caso dos impactos climáticos serem
incorporados ao modelo de planejamento e operação, após validação pelo setor, o
processo de cálculo do PLD seria aprimorado, possibilitando maior aderência do preço
de mercado de curto prazo com a realidade física do sistema. Vale ressaltar que está em
desenvolvimento pelo Cepel a introdução de um módulo específico para a captação dos
efeitos do fenômeno El Niño no modelo Newave, porém ainda não há prazo para a
introdução definitiva desse módulo no modelo.
Entretanto, segundo especialista consultado, a inclusão das mudanças climáticas
nos modelos de planejamento e operação, é importante, porém deve vir prescindida de
estudos de entendimento e representação do fenômeno (a partir da correlação com dados
históricos e posterior calibração/aferição do modelo) e projeção de cenários
(simulação), validados pelo setor, sem os quais a estratégia adotada deve focar nas
medidas de mitigação das mudanças climáticas, particularmente, na gestão do risco
hidrológico e em particular na geração térmica complementar.
Desta forma, como medida adicional de gestão de risco hidrológico sugere-se a
criação de um MRE complementar, que pode ser composto por um conjunto de usinas
rateadas pelos geradores, com a finalidade de mitigar os riscos de geração das UHEs. O
76
parque gerador deste MRE seria resultante no montante entre a vazão mínima esperada
e a MLT, o que corrigiria, na visão do especialista consultado, a titularidade da
segurança adicional (nível-meta) hoje integralmente a cargo dos consumidores por meio
da ESS e mitigaria o risco da CAR (a cargo dos geradores). Outra forma de hedge
adicional que pode ser utilizada pelos geradores é a reserva de parte (um delta) da
energia assegurada da usina, isto é, o empreendedor não comercializa toda a energia
assegurada da usina, para cobrir eventuais déficits de geração, minimizando assim parte
dos riscos hidrológicos e exposições ao mercado spot.
Outro ponto é que os seguros se mostram especialmente relevantes na área de
projetos de MDL porque minimizam sobremaneira os riscos do projeto, permitindo ao
proponente do projeto estruturar a operação de venda antecipada dos “créditos de
carbono” futuros em condições mais vantajosas, obtendo assim amortização parcial ou
total dos custos do projeto ou do próprio Processo de Certificação. Entretanto, devido à
relevância das mudanças climáticas e a forma como alguns eventos fortuitos tem
impactado a implantação e a operação de usinas hidrelétricas e PCHs, as seguradoras
estão mais cautelosas e exigentes com as ferramentas de prevenção de risco, o que pode
vir a elevar significativamente o valor do seguro ou mesmo sua não aceitação, já que
qualquer alteração no prazo de execução e operação do projeto pode gerar enormes
perdas de créditos de carbono, devido ao não atingimento da performance préestabelecida, resultando em perdas financeiras.
Os especialistas consultados acreditam que os projetos de MDL das usinas
(particularmente das PCHs) podem sofrer impactos devido às mudanças climáticas, em
virtude no não cumprimento das performances pré-estabelecidas, tornando os
certificadores mais atentos à avaliação dos reais impactos das alterações climáticas,
reduzindo a quantidade de CERs emitidos.
77
Um passo importante foi dado pela ANEEL, ao realizar a Chamada Pública
010/2008, convocando interessados em financiar estudos, no âmbito de um projeto de
P&D, sobre os “Efeitos das mudanças climáticas no regime hidrológico de bacias
hidrográficas e na energia asseguradas dos aproveitamentos hidrelétricos”, que tem
como objetivo identificar as evidências dos impactos das mudanças climáticas na
disponibilidade hídrica das bacias hidrográficas de aproveitamentos hidrelétricos,
projetar cenários futuros de disponibilidade hídrica considerando as mudanças
climáticas, analisar conflitos do uso múltiplo da água dos reservatórios hidrelétricos,
estudar a evaporação das bacias, analisar cenários de uso e ocupação do solo, avaliar
impactos nos custos operacionais das usinas e propor medidas de mitigação do aumento
da incerteza dos projetos. Este projeto tem prazo de execução de 24 meses. Essa
iniciativa denota a preocupação e a relevância do tema e que os órgãos planejadores e
reguladores já atentaram para possíveis efeitos das mudanças climáticas no setor
energético brasileiro.
78
6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
O estudo cumpriu seu objetivo que consistia em identificar os riscos financeiros
das mudanças climáticas nos empreendimentos hidrelétricos, já que identificou que as
potenciais alterações do clima causam variações na precipitação e temperatura, as quais
estão diretamente relacionadas à geração hídrica e a receita proveniente da venda dessa
energia, como visto no item 2.3.
Foram relacionados os impactos das alterações do clima na geração hidrelétrica
e verificadas sua influência no Setor Energético Brasileiro, onde foi constatada a
existência de riscos financeiros tanto para os empreendedores quanto para a sociedade,
o que coincide com a avaliação dos especialistas consultados.
As avaliações dos especialistas consultados consistiram e complementaram o
estudo, foram propostas medidas de mitigação dos impactos das mudanças climáticas
incluindo a utilização de fontes renováveis de energia e apresentadas sugestões acerca
de estudos futuros.
Os efeitos decorrentes das alterações climáticas nas energias asseguradas das
usinas impactarão a segurança e confiabilidade da oferta de energia, bem como seus
preços e o planejamento da expansão do sistema elétrico, que deverá diversificar e
expandir o portfólio de usinas térmicas (gás natural, óleo combustível, carvão, nuclear),
que apresentam grandes impactos ambientais, além de possuírem custos mais elevados
de operação comparativamente às hidrelétricas.
É fundamental que a EPE passe a considerar os efeitos das mudanças climáticas
no cálculo da energia assegurada das usinas hidrelétricas e no cálculo do COP e CEC
das térmicas nos leilões de energia do ACR, após validação pelo setor elétrico de
modelo de representação do fenômeno, como forma de refletir o real custo-benefício da
79
construção da usina, reduzir elevados custos e encargos devido à operação e mitigar o
aumento das tarifas à sociedade.
É imprescindível que o órgão planejador, EPE, em articulação com o operador
do sistema, ONS, realizem estudos buscando mensurar possíveis impactos das
mudanças climáticas na geração e transmissão de energia elétrica do SIN, e uma vez
evidenciados, estes efeitos devem ser incluídos no planejamento da expansão e nas
estratégias de expansão e operação do sistema, com a possível criação de medidas
operativas, como meio de aproximar o planejamento da operação. A realização de
estudos visando definição de modelo de entendimento, representação e simulação das
mudanças climáticas, validado pelo setor elétrico, configura-se um importante
instrumento para inclusão dos efeitos climáticos nos modelos de expansão e operação.
Devido à relevância das mudanças climáticas e a forma como alguns eventos
fortuitos tem impactado a implantação e a operação de usinas hidrelétricas, as
seguradoras estão mais cautelosas e exigentes com as ferramentas de prevenção de
risco, o que pode vir a elevar significativamente o valor do seguro ou mesmo sua não
aceitação, já que qualquer alteração no prazo de execução e operação do projeto pode
gerar enormes perdas de créditos de carbono, devido ao não cumprimento da
performance pré-estabelecida. Isso também pode tornar os certificadores mais atentos à
avaliação dos reais impactos das mudanças climáticas no setor elétrico e reduzir a
quantidade de CERs emitidos, impactando os projetos de MDL e a comercialização de
créditos de carbono pelos geradores, o que pode implicar em redução de sua receita.
Com a conclusão do estudo de P&D, haverá subsídios suficientes para analisar e
mensurar os reais impactos das mudanças climáticas tanto na energia assegurada das
usinas quanto nos seus riscos financeiros.
80
7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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Geração de Energia Hidrelétrica no Brasil – Aspectos da Comercialização de
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81
TAMAROZI, R. Identificação, modelagem e mitigação de riscos em operações de
comercialização de energia elétrica no mercado brasileiro. Curitiba, 2002. 58 p.
Dissertação (Mestrado em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental) –
Universidade Federal do Paraná
82
8. APÊNDICE – CONSULTA AOS ESPECIALISTAS
Carta enviada aos Especialistas
Mediante análise do Relatório "Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil", da
Agência Nacional de Águas - ANA, 2009, no Relatório "Mudanças Climáticas e
Segurança Energética no Brasil", da COPPE-UFRJ, 2008, em dados do Operador
Nacional do Sistema Elétrico - ONS e em outros estudos inclusive em outros países, há
forte indicação de que as Mudanças Climáticas possuem estreita relação com a variação
de precipitação, com as vazões naturais afluentes, com a geração de energia hidrelétrica
e com as receitas de venda da energia.
O que buscamos essencialmente é que o Sr. coloque seu ponto de vista a respeito da
temática, se concorda ou não com as indicações, se considera que as empresas do setor
estão considerando as Mudanças Climáticas nos seus negócios (planejamento,
comercialização - de energia e de créditos de carbono, controle de cheias, operação), se
você considera que os órgãos setoriais (ANEEL, EPE, ONS, MME,...) já atentaram para
os impactos das mudanças climáticas e na necessidade de inclusão de variáveis no
planejamento, operação, regulação e comercialização?
Pontos apresentados para Análise
O estudo identificou que as alterações climáticas causam variações na precipitação e
temperatura, as quais estão diretamente relacionadas à geração hidrelétrica e a receita
proveniente da venda dessa energia.
Foi identificado que além de riscos financeiros para os empreendedores (de
financiamento, hidrológico e operacional) as alterações climáticas podem trazer riscos
financeiros à sociedade, uma vez que as reduções da energia assegurada (mostradas pelo
estudo da COPPE - "Mudanças Climáticas e Segurança Energética no Brasil") das
usinas do SIN, trazem a necessidade de construção de novas usinas, principalmente
termelétricas, cujos custos lhe serão repassados na conta de energia, por meio das
tarifas.
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Foram relacionados os impactos das alterações do clima na geração hidrelétrica e
verificadas sua influência no Setor Energético Brasileiro, onde foi constatada a
existência de riscos financeiros tanto para os empreendedores quanto para a sociedade.
Os efeitos decorrentes das alterações climáticas nas energias asseguradas das usinas
impactarão a segurança e confiabilidade da oferta de energia, bem como seus preços e o
planejamento da expansão do sistema elétrico, que deverá diversificar e expandir o
portfólio de usinas térmicas (gás natural, óleo combustível, carvão e nuclear), que
apresentam grandes impactos ambientais, além de possuírem custos mais elevados de
operação comparadas às hidrelétricas.
As informações a respeito dos volumes de precipitação para os próximos anos,
apresentadas no estudo da COPPE, permitirão aos agentes geradores sazonalizar a
venda de sua energia, que mediante estratégia adequada poderão elevar suas receitas,
reduzindo exposições ao mercado de curto prazo.
Como a camada de gelo de grandes cadeias de montanhas, como o Himalaia e os Andes,
funciona como reservatórios, acumulando água em forma de gelo durante o inverno
para liberá-la no verão, o derretimento destas geleiras pode acarretar diversos impactos
no abastecimento hídrico e na geração hidrelétrica, particularmente nos países andinos
que são altamente dependentes da energia proveniente de usinas hidrelétricas, as quais
dependem parcialmente da água das geleiras, especialmente durante a estação da seca,
como é o caso do Equador (mais de 50% do fornecimento de eletricidade), da Bolívia
(70%) e do Peru (68%), e na Região Amazônica do Brasil (inclusive no Rio Madeira). É
também o caso de La Paz, cujo principal abastecimento de água vem das chuvas e do
degelo de geleiras tropicais na região da Cordilheira Real, cujo escoamento das geleiras
desemboca em dez usinas hidrelétricas que fornecem cerca de 80% da energia elétrica
da região.
A comercialização de créditos de carbono pelos geradores hidrelétricos será impactada
negativamente, uma vez que a análise para aprovação dos créditos é avaliada pelo
projeto, não incluindo atualmente aspectos relacionados às mudanças climáticas, os
quais podem interferir na performance, inviabilizando projetos de MDL, seguros,
financiamento e a alavancagem do projeto.
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O aumento da freqüência e da intensidade dos eventos extremos exigirá uma gestão
integrada dos reservatórios, que otimize a geração hidráulica, reduzindo os impactos
negativos e ampliando os benefícios para a bacia e demais usuários, o que pode até
interferir na decisão de implantação de algumas usinas.
Ao término das concessões será necessário o Poder Concedente avaliar a viabilidade de
cada usina permanecer em operação, em virtude dos parâmetros construtivos não
apresentarem riscos na operação e os custos de O&M não serem economicamente
impeditivos e inviáveis, o que pode resultar na necessidade de descomissionamento de
algumas usinas.
É fundamental que o órgão planejador, EPE, em articulação com o operador do sistema,
ONS, realizem estudos buscando mensurar possíveis impactos das mudanças climáticas
na geração e transmissão de energia elétrica do SIN, e uma vez evidenciados, estes
efeitos devem ser incluídos no planejamento de curto e longo prazo e nas estratégias de
operação do sistema, com a possível criação de medidas operativas.
Uma gestão adequada de reservatórios pode compensar uma parte da perda de vazão
decorrente das alterações climáticas. Conseqüentemente, uma análise das mudanças na
evaporação em decorrência de temperaturas mais elevadas também é importante para
mensurar os efeitos do aquecimento global na geração de energia hidrelétrica.
Com a conclusão do estudo de P&D (Chamada Pública nº10/2008) da ANEEL, haverá
subsídios suficientes para analisar e mensurar os reais impactos das mudanças
climáticas nas usinas hidrelétricas e nos seus riscos financeiros.
Avaliação e Comentários – Drs. Antônio Carlos Machado e Luiz Pazzini - CCEE
Trata-se de um tema atual que exigirá, por certo, extrema atenção em todas as áreas do
conhecimento humano, pois o aquecimento é um fato que deve ser responsavelmente
tratado.
O valor que se destaca da monografia, portanto, decorre do tema escolhido: o impacto
nos riscos financeiros do investidor na indústria de energia elétrica, na construção,
operação de centrais hidrelétricas e sua comercialização no mercado de energia elétrica
brasileiro. O modelo implementado para o setor, a partir de 2004, prevê contratos de
longo prazo, no ambiente regulado, para investidores vencedores dos leilões anuais de
A-5 e A-3. Portanto parte da mitigação do risco financeiro advém da receita assegurada
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pelos contratos, independente da quantidade de energia gerada, vez que o despacho da
usina é uma decisão do operador do sistema, ONS e não do proprietário da usina.
Todavia, a liquidação das diferenças entre os montantes gerados e os comprometidos
nos contratos financeiros depende das vazões e dos níveis de armazenamento dos
reservatórios. Igualmente no ambiente livre, onde a negociação é de livre arbítrio das
partes e, portanto, cabe-lhes avaliar os riscos incorridos a questão de mudança climática
assume importância relevante na tomada de decisões.
A monografia enfrenta estes temas e suas circunstâncias, passando pelas instituições
responsáveis pela regulação e operação da indústria de energia elétrica brasileira, bem
como dos agentes investidores. Trata-se de um trabalho de valor investigatório que
merece ser aprofundado, talvez, em pesquisa mais ampla.
Conforme
os
autores
mencionam,
alterações
climáticas
podem
influir
no
comportamento das vazões, afetando o montante de geração hidrelétrica e,
conseqüentemente, causando impactos financeiros aos Agentes. No entanto, ainda há
dúvidas sobre as conseqüências que mudanças climáticas podem causar nas vazões de
bacias hidrográficas, particularmente no caso brasileiro. Por exemplo, os autores
mostram, no seu documento, avaliações que apresentam a redução de vazões. Porém, há
outros estudos que mostram uma elevação nas vazões de determinadas bacias
hidrográficas a partir da década de 70, particularmente em bacias situadas ao sul do
paralelo 20 S (inclusive). Alguns estudiosos denominam esse fenômeno de salto pós-70,
havendo controvérsias sobre suas causas: se é um fenômeno normal, periódico, ou se já
é conseqüência das mudanças climáticas provocadas pelo chamado Efeito Estufa.
Por esse exemplo percebe-se que o assunto é controverso, não havendo consenso entre
pesquisadores dos reais impactos das mudanças climáticas nas vazões dos rios (aumento
ou redução). Em todo caso, uma elevação ou redução nas vazões das bacias
hidrográficas geram impactos comerciais aos agentes, visto que isso afeta a produção
das usinas hidrelétricas. Uma elevação sistemática da produção de uma usina que
participe do MRE, a torna “doadora” constante a esse mecanismo, sendo que todo o
excedente de geração (a parcela que superar sua garantia física), será remunerado à
Tarifa de Energia de Otimização (TEO). De certo modo isso gera um impacto financeiro
à usina que deixa de vender essa energia através de contratos ou de liquidá-la no
mercado spot ao PLD vigente (lembrete: PLD > TEO – sempre).Uma situação oposta,
de redução constante da geração da usina, também impacta financeiramente à usina:
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nesse cenário, a usina torna-se recebedora sistemática do MRE, pagando à TEO pela
parcela de energia recebida do MRE.
No longo prazo seria importante a introdução dos impactos das alterações climáticas nos
modelos utilizados no planejamento da expansão do sistema. Atualmente, a Empresa de
Pesquisa Energética (EPE) utiliza o modelo Newave para execução dos estudos de
planejamento. Com uma inserção adequada dos impactos causados pelas mudanças
climáticas no modelo, o processo de cálculo de garantia física de novos
empreendimentos de geração ficaria mais apurado, retratando melhor o mundo físico, o
que proporcionaria um risco financeiro menor para os investidores, visto que a expansão
do sistema elétrico brasileiro é calcada nos leilões de energia elétrica e a definição da
garantia física dos empreendimentos hidrelétricos, que poderia ser negociada nesses
certames, é o resultado final de todo trabalho da EPE. Quanto mais apurado for o
cálculo da garantia física de um empreendimento, mais fácil fica a tarefa do investidor
para ofertar seu lance em um leilão de energia. Todavia, essa mudança não é trivial,
mesmo porque, como exposto anteriormente, não há consenso entre os pesquisadores,
em função do grande número de variáveis que afetam o problema, dos reais impactos
das mudanças climáticas sobre o comportamento das vazões. Um estudo nesse sentido
em desenvolvimento pelo Cepel é a introdução, no modelo Newave, de módulo
específico para a captação dos efeitos do fenômeno El Niño; porém, ainda não há prazo
para a introdução definitiva desse módulo.
A comercialização da garantia física de uma usina em um leilão garante ao investidor
uma receita proveniente do contrato fruto desse certame. Todavia, permanece o risco de
geração, visto que gerações abaixo da energia contratada acarretam em exposições ao
mercado spot, que podem sem minimizadas, mas não completamente eliminadas, pelo
MRE. Um procedimento de hedge adicional empregado pelos proprietários de usinas, e
citado no texto pelos autores, é a retenção de parcela da garantia física de uma usina (ou
seja, a não comercialização de 100% de sua garantia física), para reduzir os riscos de
exposição ao mercado spot e, conseqüentemente, ao PLD.
Por sua vez, o processo de cálculo do PLD também seria aprimorado se os modelos
incorporassem os impactos das alterações climáticas, lembrando sempre da controvérsia
existente sobre o assunto, o que possibilitaria uma melhor aderência do preço do
mercado de curto prazo com a realidade física do sistema.
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Avaliação e Comentários – Dr. Lineu Belico dos Reis - CONSULTOR DO SETOR
ENERGÉTICO E PROFESSOR DA EPUSP
Por meio da busca de identificar e salientar os riscos financeiros associados ao impacto
específico da mudança climática na geração hidrelétrica, os autores acabaram por
construir e propor um roteiro de passos importantes para um enfoque integrado da
utilização de recursos hídricos, com alta relevância no planejamento e gestão
socioambiental de projetos energéticos.
É importante ressaltar que a mudança climática hoje ocupa papel preponderante na
agenda internacional e que seu impacto nas formas em que a humanidade utiliza a
energia e a água tem sido avaliada, prospectada e discutida nos mais diversos fóruns
mundiais.
O tema em questão, enfocando as hidrelétricas, engloba tanto a energia quanto a água, o
que evidencia sua importância, e por outro lado, acena com a necessidade de grande
dedicação e esforço para o estabelecimento de bases mais seguras para evolução do
assunto. Também neste sentido, considerando o tempo disponível, ressalta-se a visão
objetiva dos autores que, sem a pretensão de esgotar o tema, conseguiram desenvolver
um trabalho sólido e instigante, ressaltando interfaces entre trabalhos internacionais e
ações e trabalhos em andamento no Brasil, que salientam a preocupação de instituições
do setor elétrico brasileiro com o tema, hoje na ordem do dia, dado o papel
preponderante da geração hidrelétrica em nosso país.
Possivelmente devido à ênfase dada a uma visão integrada e global da questão
(justificada pela abrangência do tema), o trabalho, por outro lado, deixa de ressaltar
alguns aspectos práticos e objetivos, tendo em vista o cenário atual da eletricidade no
país, que conduz a diversas reflexões, dentre as quais algumas são listadas a seguir:
Que urgência é considerada mais adequada para aprofundamento no tema e seu impacto
nos riscos, uma vez que as referências utilizadas consideram diferentes períodos futuros
para sua análise? Sobre isto seria interessante se lembrar da recente seca no Rio
Madeira, justamente onde se encontram os principais projetos hidrelétricos em
construção no país hoje? O fato dos riscos aqui levantados não terem sido (ao menos
explicitamente) considerados pelos consórcios vencedores dos leilões poderão recair
sobre os consumidores?
Como os órgãos financiadores têm enfocado os riscos da mudança climática?
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Como o setor elétrico brasileiro tem tratado efetivamente esta questão, uma vez que,
independente das questões climáticas já há grande discordância e debate quanto à
modelagem hoje usada para estabelecer a energia garantida? Que possibilidades de
alteração haveria nesta questão, uma vez que se sabe a dificuldade prática de se alterar
as práticas atuais devido ao cenário principalmente político do setor energético? Qual
seria a influência deste risco político e regulatório nos impactos da mudança climática?
Como o risco enfocado repercutiria no contexto do uso múltiplo das águas,
considerando que a geração de energia elétrica é apenas um destes usos, havendo outros
prioritários?
Como o risco enfocado repercutiria na crescente introdução de termelétricas no sistema
elétrico brasileiro? Qual o possível impacto da exploração do pré-sal em tudo isto,
considerando ou não as novas tecnologias voltadas à captura dos gases estufas
preconizadas pela indústria de termelétricas? Como ficariam as novas tecnologias
nucleares neste contexto?
Diversas outras questões podem ser levantadas sobre o assunto, sobre o qual, como já
dito, os autores colocaram uma visão mais global e integrada, e sugeriram um roteiro
que pode servir como uma base para discussões mais aprofundadas e específicas que
levem em conta, dentre outras, as indagações acima alistadas.
Concluindo, com base na visão apresentada, e tendo em conta o tempo disponível aos
autores para desenvolvimento de um tema tão abrangente, considero que o caminho por
eles escolhido foi muito bem desenvolvido e que o resultado alcançado configura uma
base significativa e útil para maiores aprofundamentos e discussões sobre este tema tão
importante.
Desta forma, fica patente minha concordância com as conclusões do trabalho, que
enfatizei enumerando uma série de questões mais específicas, que, dentre outras, que
deveriam ser avaliadas como extensão prática e de aplicação do tema em curto/médio
prazo (uma vez que os riscos são reais e devem ser considerados nas análises do setor
elétrico).
Com relação a outros assuntos que podem estar correlatos, tais como os MDL/créditos
de carbono e descomissionamento, considero serem assuntos bastante complexos para
serem tratados nesta breve avaliação. No entanto, adianto que considerei que o trabalho
enfocou apenas grandes hidrelétricas, que não têm sido nem ao menos cogitadas nos
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MDL – na verdade não há consenso nem quanto às florestas. O descomissionamento,
outro assunto importante, no caso das grandes hidrelétricas, é um assunto que apresenta
cenário ainda mais nublado que o do aquecimento global – embora haja análises,
avaliações teóricas e uma experiência interessante nos EUA, que, em princípio, concluiu
contra o descomissionamento de diversas hidrelétricas, no Brasil, o assunto tem tido
dificuldades de aplicação até mesmo em caso de terrenos degradados devido a
empreendimentos industriais e agrícolas, por exemplo.
Avaliação e Comentários – Dr. Ricardo Pigatto - APMPE
No que diz respeito às fontes complementares de energia, quais sejam (conforme
nomenclatura do setor elétrico brasileiro), as eólicas, biomassa e PCHs, nunca houve
qualquer estudo (que seja do conhecimento da APMPE ou meu próprio) que tenha
levado em consideração as mudanças climáticas na avaliação e desenvolvimento de
novos empreendimentos em fontes alternativas complementares. Inclusive está em
discussão no MME e ANEEL o atual critério de energia assegurada de PCHs vis-à-vis
os estudos hidrológicos tais como estão sendo feitos atualmente e apenas se cogita na
ampliação, quando existente, da análise pregressa da hidrologia dos cursos d’água para
mais de 30 anos e após 5 anos de geração comercial da PCH haver revisão anual, sem,
contudo, ser cogitada a possibilidade que isto venha a ocorrer por "Mudanças
Climáticas" mas sim por quadro estatístico (períodos hidrológicos críticos e outros de
alta hidraulicidade).
Muito embora suas conclusões conduzam ao raciocínio da redução do estoque de água
nos reservatórios plurianuais assim como a redução da quantidade de chuvas para
manter as vazões nos AHE a fio d'água (característica das PCHs), o que vemos
atualmente é o contrário, ou seja,o grande "reservatório" do Brasil está no somatório das
UHEs do sudeste, centro-oeste e Itaipu, sendo que neste locais os reservatórios estão
com grande reservação e em alguns até vertendo (em 2009).
Se olharmos as séries históricas de vazões em diversas regiões do Brasil vamos ver
períodos críticos no Sul, outros no Sudeste, estiagens extremas no Nordeste e assim
sucessivamente. Mas também tivemos períodos, não muito longos, mas facilmente
identificáveis nas tábuas de vazões, bastante úmidos para quando deveriam ser menos
úmidos. Talvez isto já seja, de fato, impacto das mudanças climáticas que não foram
assim identificadas.O impacto dos desvios (para mais ou para menos) de sazonalidades
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esperadas certamente provocam problemas nos fluxos de caixa dos empreendimentos e
incertezas aos agentes financiadores e compradores de energia, razão pela qual já está
sendo tratado este tema no ambiente regulatório.
Não pude identificar ainda qualquer manifestação de seguradoras, bancos ou fundos de
investimentos preocupados com a possível variação (para menor) da geração de energia
elétrica proveniente de fontes hidráulicas por previsão de mudanças climáticas, nem
tampouco os impactos que tais mudanças possam vir a causar no setor. Ao
comercializarmos energia, tanto no ambiente regulado quanto no livre, a grande maioria
dos contratos estão lastreados em energia assegurada (flat) e o risco hidrológico é
coberto pelo sistema (MRE) e contabilizado por uma tarifa menor do que o PLD (spot).
Caso todo o sistema tenha, por questões hidrológicas, redução na energia média do
sistema, todos aqueles que fazem parte do MRE também serão penalizados, só que a
valores de PLD. Da mesma forma quando há "sobras" de energia no MRE todos seus
participantes são beneficiados na contabilização. Se as mudanças climáticas forem
severas e houver uma redução na energia assegurada de todo o MRE, certamente haverá
uma penalização geral e dificuldades de cumprimento dos contratos de financiamento e
de entrega de energia, havendo a necessidade de despacho das usinas termelétricas
(ocorrido em 2007/2008) com aumento dos ESS e conseqüentemente aumento das
tarifas nacionais.
Com previsibilidade de que as Mudanças Climáticas trarão alterações negativas no
regime de chuvas no Brasil e por conseqüência mudança no regime de operação das
usinas hidrelétricas, sejam elas grandes ou pequenas, é fundamental que a EPE leve isto
em consideração no cálculo do COP e CEC dos leilões de térmicas, pois ao não
considerar tais efeitos climáticos e houver a possibilidade de despacho das térmicas em
proporção superior ao previsto no ICB do leilão, certamente haverá um sobre-custo
exagerado nas contas de energia dos consumidores cativos e um desestímulo ao
empreendedorismo na geração hidráulica que já está bastante afetado face às
dificuldades de licenciamentos ambientais assim como os baixos preços oferecidos
pelos leilões de energia.
Por fim, havendo estudo científico competente e qualificado que demonstre a
interferência das Mudanças Climáticas no setor elétrico brasileiro é fundamental e
imperioso que o mesmo seja levado em consideração pela EPE no planejamento de
expansão do setor, pois o impacto é direto sob os aspectos de suprimento e,
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principalmente, de riscos financeiros ao sistema, tanto de Geração quanto de
Transmissão e Distribuição.
Pergunta: O Sr. acredita que os vertimentos e os elevados níveis de acumulação nos
reservatórios (2009) são provenientes da grande quantidade de chuvas / energia afluente
neste ano (e embora sazonal, dos dados históricos e perspectiva futura) ou, em parte,
reflexo das medidas operativas adotadas pelo ONS no final de 2007 e em 2008
(despacho de térmicas fora da ordem de mérito) para atender a CAR (10% no fim do 2º
ano), compensando o atraso das chuvas (janeiro-abril/2008), e assim elevar os níveis de
armazenamento dos reservatórios?
Resposta: Acredito que, num primeiro momento, os níveis dos reservatórios
aumentaram em função dos despachos das térmicas fora de mérito e por determinação
do CNPE, em 2008. Mas em 2009 está chovendo um pouco mais que o esperado e
aumentando a segurança na geração.
Pergunta: É de vosso conhecimento muitos projetos na área de MDL e de créditos de
carbono das PCHs?
Resposta: Sim, sem dúvidas todas as PCHs (menos as do PROINFA, em função do
Decreto 5.025) que estão autorizadas, em licenciamento e/ou em construção estão
tomando as providencias de buscar seus créditos de carbono.
Pergunta: Caso haja comprovação científica (qualificada) das Mudanças Climáticas,
isso poderia impactar estes projetos de MDL e até inviabilizá-los em virtude das
performances previstas e realizadas?
Resposta: Concordo que as Mudanças Climáticas impactarão nos projetos de MDL,
mas não tenho condições de afirmar ou inferir que possam inviabilizar. Acredito, isto
sim, que os certificadores estarão atentos na avaliação dos impactos das Mudanças
Climáticas reduzindo a quantidade de CERs a serem emitidos.
Pergunta: A questão dos usos múltiplos da água e elevação da demanda hídrica pode
vir a comprometer seriamente a viabilidade socioambiental de novos empreendimentos
hidrelétricos (AHEs e PCHs)?
Resposta: Sim, inclusive em algumas regiões do Brasil isto já vem ocorrendo, como
por exemplo o interior da Bahia.
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Pergunta: E pode acarretar conseqüências aos existentes (na renovação concessão, por
exemplo)?
Resposta: Acredito que não, haja vista que nos empreendimentos em geração já há a
garantia de disponibilidade hídrica. Porém, a legislação pode mudar e, então,
comprometer as renovações.
Avaliação e Comentários – Dr. Jean Cesare Negri - COORDENADORIA DE
ENERGIA DA SECRETARIA DE SANEAMENTO E ENERGIA DO ESTADO
DE SÃO PAULO
O estudo tem o mérito de reunir as principais variáveis vinculadas ao risco hidrológico
presentes nas UHEs.
Não tenho dúvida que a principal recomendação é o desenvolvimento de estudos, sendo:
- O primeiro estudo é busca de modelos de entendimento e representação do fenômeno
(a partir da correlação de dados históricos e aferição/calibração do modelo), com
posterior projeção (simulação).
Devemos ter em mente que o histórico de registro de vazões é pequeno (75-79 anos),
porém as mudanças sociais e industriais do século XX foram decisivas na alteração
clima-vazão. Com o registro coincidindo com as mudanças é difícil isolar os efeitos
(variação histórica e mudanças do século XX).
- O segundo estudo recomendado foca a conseqüência, isto é, indicar instrumentos de
gestão do risco hidrológico (não tenho dúvida que o principal é a geração térmica
complementar).
Poderia ser sugerido um conjunto de usinas rateadas entre os geradores num MRE
complementar para mitigar o risco de geração das UHEs, cujo parque poderia ser
calibrado no montante entre uma vazão mínima e a MLT (média de longo termo). Isto
corrigiria a titularidade da segurança adicional (nível meta) hoje integralmente a cargo
da carga por meio da ESS e mitigaria o risco da CAR (a cargo do gerador).
Acho prematuro recomendar a EPE incluir efeitos climáticos na determinação da
Energia Assegurada e nos cálculos do COP e CEC. Os modelos se preocuparam nos
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últimos anos em otimização, prejudicando a representação com a inclusão destas
variáveis sem ainda um entendimento mínimo, complicaria a interpretação dos
resultados.
Sobre a Energia Assegurada o efeito da alteração das mudanças climáticas é da ordem
de grandeza do período de concessão de 20-50 anos, portanto é sugerida a estabilização
do negócio (ambiente regulatório) não havendo alteração devido a este efeito no período
de concessão.
Incluir a questão no planejamento e operação é importante, porém é precedida dos
estudos de entendimento, representação e projeção. Sem estes estudos a estratégia
baseia-se nos instrumentos de mitigação.