Cartas JLLP - Edição FINAL 2007

Transcrição

Cartas JLLP - Edição FINAL 2007
1
Cartas
De
Jean Leon Le Prevost
Congregação dos Religiosos de São Vicente de Paulo
Original em francês – Tradução: Pe. Gabriel Fortier s.v.
- 2007 -
2
Jean Leon Le Prevost
1- ao Sr. Gavard
1
Convite para encontrar um amigo
4 de setembro de 1827
Meu caro Sr. Gavard,
Quer aproveitar uma ocasião que vou lhe oferecer para ver por alguns momentos o Sr. Letellier?
Venha amanhã cedo, quarta-feira, às 10 horas em ponto à minha casa.Você o encontrará com sua
mulher. Você prometeu ontem chegar à minha casa às 9 horas, para visitar a exposição dos pequenos
Augustinos. Esta nova oportunidade lhe permitirá sonhar por mais uma hora. Não lhe digo quanto prazer
me fará sua visita. O Sr. Letellier quer apoiar meu pedido, com sua recomendação.
Seu todo dedicado servo
Le Prevost
Eu, abaixo-assinado, certifico, sem ter lido, que o Sr. Le Prevost só disse a verdade, e
que se não vier me ver na casa dele amanhã cedo para almoçar com minha mulher, nos aborreceremos
para a vida toda. Veja, pense e decida.
Charles
1
Charles Gavard, (+ 1856), oriundo de Angers, funcionário no Ministério das finanças, depois, joalheiro em Paris.
Tornou-se amigo do Sr. LP, que, em 1827, era redator no Ministério dos Negócios Eclesiásticos. Muito instruído, de
convívio agradável, é um espírito cético, dotado de uma imaginação transbordante. Graças a ele o Sr. LP travará
conhecimento com Victor Pavie, então estudante de direito em Paris. Gavard sempre terá muita admiração pela Sr.
LP. Em termos um pouco herméticos, escreverá a V. Pavie, numa carta do dia 15 de janeiro de 1833: “Oh! Pavie, não
somos nada perto dele, não, nem mesmo o rastro de seu passo nos desertos que percorre!”. Em 1850, ao mesmo
correspondente dirá o que lhe traz essa amizade: “que força nessas relações que têm como base a esperança moral”.
Mas a influêcia do Sr. LP não conseguirá fazê-lo sair de um vago panteísmo.
3
2- ao Sr. Pavie 2
Impressões do Sr. Le Prevost sobre os acontecimentos de 1830. Sua necessidade de perfeição. Vida
cultural. Relações de amizade. Julgamento sobre V. Hugo. avènement
Paris, 17 de agosto de 1830
Esta folha, de qualquer jeito, devia ser sua, meu caro Victor. Teria sido escrita, mesmo se a sua
tivesse demorado um dia a mais. Será uma resposta, já que é posterior. Que comece logo agradecendo o
interesse afetuoso e terno que você me testemunha. Não saberia dizer o quanto fico sensível, o quanto
as lembranças que você me traz através desses grandes eventos3 me parecem preciosas. Por que não me
detinha, meu amigo, no momento em que você corria para Babilônia? Por fraco e lerdo que eu fosse, o
teria seguido de todo o coração e você teria quebrado de uma só vez todos os nós que eu não sabia
desembaraçar em minha consciência. Seu entusiasmo, guia bem mais seguro para mim que minha própria
razão, me teria arrastado sem dificuldade até lá, reconheço. Aprovando esforços justos e generosos,
perguntava se as massas comovidas iam depois se acalmar pacificamente, se todos esses homens, heróis
hoje, aceitariam retomar o martelo, talhar a pedra com golpes calculados, combinar lentamente letras nos
compartimentos da gráfica. Este sangue que fervia em suas veias ia tão depressa se acalmar? Chegados
ao objetivo, não iriam transbordar bem mais longe. Uma nobre confiança era bem maior e sobretudo mais
justa, mas eu não a sentia. Vendo que você a tinha, meu amigo, eu a teria compartilhado. Com efeito,
falo com você, apenas para dizer em alta voz a alguém e também para que você conserve minha bela
imagem sem alterar sua pureza ideal, para que permaneça sempre intacta diante de meus olhos, como
prova de que tudo que se sonha às vezes de nobre, de generoso, de espontâneo para o bem, qualquer
que seja, existe verdadeiramente em algum homem de nossa terra. Não saberia mais completar o que
queria dizer. Não me sinto mais bastante forte em meu propósito para estar certo de que corresponderia
à realidade. Chega, portanto. No entanto, se, através de tudo isso você entrevê, meu amigo, uma opinião
talvez exagerada de você, queira atribuí-la somente a essa necessidade de perfeição que nos persegue,
que é preciso satisfazer não importa sobre o quê e que nos apega avidamente aos menores rastros que
dela encontramos. Estes últimos tempos, aliás, puderam dar boa oportunidade a tal disposição; oh! como
partilho muito sua admiração pelos homens e pelas coisas! Quando os povos exprimem assim suas
emoções, como seus aspectos, seus grupos, suas agitações ondulosas, são um imponente espetáculo!
Que vastas aberturas para a razão e a filosofia! Mas não lhe parece que a força física, quando chega a
uma tal potência e uma tal moderação de si mesma, quase se funde com a força moral e que chegou ao
momento de se retirar totalmente para ceder-lhe o lugar para sempre?
Tudo volta ao normal aqui, se modifica sem esforço, entramos na ordem habitual. A preocupação
com os acontecimentos cessa aos poucos, os lazeres voltam, a alma recomeça a deixar este mundo onde
nada mais a segura e volta a seus sonhos. As letras, os cantos, a poesia, tudo isso reaparece, o teatro
está novamente cheio. Não parecia que nunca mais tais coisas aconteceriam? De fato, somos como que
movidos à mola, dobramo-nos um momento sob as circunstâncias e nos reerguemos em seguida,
voltando à nossa posição ordinária. Eu mesmo, anteontem, estava na Ópera, e o Comte Ory4, Nourrit,
Madame Damoreau, Taglioni me deram impressões de arte mais autênticas, mais vivas do que nunca.
Você não conseguiria, meu amigo, ter uma idéia sobre La Marseillaise, cantada por Nourrit com os coros
e a orquestra e repetida pela assembléia! Se houve em tudo isso o menor frenesi, ou até uma exaltação
demasiadamente enérgica, suscitando lembranças sangrentas, só me teria deixado horror e pavor. Mas,
represente-se ao contrário o conjunto bem e puramente na arte, sem dela sair nem pela encenação, nem
pelo efeito, encontrando nas simpatias do dia apenas uma disposição mais delicada e melhor informada,
e talvez você chegue, enquanto se pode, tão friamente e pelo pensamento, ter alguma idéia sobre o fato.
Teria ficado feliz se você estivesse ali perto de mim. Pensei muito nisso. Não deixe, meu amigo, quando,
por sua vez, encontrar vivas impressões em seus campos ou alhures, de me convidar também para lá e
2
Victor Pavie (1808-1886). Nascido em Angers, rua Saint-Laud, subiu a Paris para estudar o direito. Poeta e escritor,
seu estilo literário é bem apreciado nos salões literários da capital e no pequeno círculo de seus amigos de Angers.
De imediato, a alma do Sr. LP foi conquistada: esses dois corações generosos e amantes eram feitos para se entender.
Confidente da volta a Deus do Sr. LP, V. Pavie sentirá, à sua vez, a influência de seu amigo que voltou a ser cristão
convencido. Sua correspondência (57 cartas) só cessará na morte do Sr. LP em 1874.
3
O Sr. LP escreve após os eventos revolucionários de 1830, em Paris, notadamente dos 27, 28 e 29 de julho de 1830
(as Três Gloriosas). Com a abdicação de Charles X e a elevação de Louis Philippe, a Monarquia de Julho sucede à
Restauração.
4
Ópera (1828) do compositor italiano Rossini.
4
de me fazer partilhar contigo algo disso. Oh! tenha a certeza de toda a minha simpatia, tenha a certeza
de ser compreendido por mim, não importa o que faça ou diga, tenho por você ao mesmo tempo a
compreensão e o sentimento.
Esta carta começa a ser tão comprida que não ouso mais prolongá-la; no entanto, ainda, meu
amigo, tinha previsto seus desejos. Tinha ido visitar o Sr. Hugo5 no fim da semana passada. Ele havia
saído, encontrei somente sua esposa grávida, perto de seus filhos e consertando-lhes as meias. Todo esse
mundo vai bem. O Sr. Hugo partilha as idéias do dia, mas está decidido a não aceitar função de qualquer
tipo e bem mais ainda a não procurá-las. Fala-se de Marion de Lorme, ela será apresentada, mas somente
no decorrer do inverno. Você estará presente. Eu via, nestes dias passados, uma pequena carta de Henri
IV assim escrita, dirigida não sei mais a quem: “Amigo, preciso de seu braço, prepare-se, esteja tal dia,
em tal lugar, muita gente aí morrerá”. Imagino, meu amigo, que se o Sr. Hugo fizesse a representação na
sua ausência, não deixaria de chamá-lo por uma linguagem desse tipo. Voltarei a visitá-lo, primeiro por
mim e por você também. Acho que se pode resistir aos desejos, quando um amigo está presente, mas
não em sua ausência.
Adeus, caro amigo, amo você tão sinceramente quanto é possível. Eu preciso também de sua
parte, entendamo-nos bem, não de uma porção desse interesse generoso e bom que você concede a
todos os que o rodeiam, mas sim dessa pura e verdadeira amizade, escondida no fundo, bem no fundo de
sua alma e da qual se dá pouco e a pouca gente. Somente isso, meu amigo, pode me satisfazer e
responder a todos os meus sentimentos por você.
Léon Le Prevost
Faça de mim seu homem de negócios aqui, durante sua ausência. Tenho para isso tudo o que é
preciso, capacidade e boa vontade.
O Sr. Gavard vai bem e sua gente com ele; deve ter-lhe escrito. Haviam arrombado a porta da
sua casa que ele tinha abandonado, para procurarem infelizes Guardas reais, que achavam estarem ali
escondidos, mas não mexeram em nada na casa. Ele está ao menos em condição de lidar com os
assuntos do momento. Limita-se, porém, a agir com bom senso, quase nada além disso. Muitas vezes
temos falado de você, com exceção do futuro.
O Sr. Mazure virá? Teria tanto prazer em revê-lo! Tinha começado a lhe escrever depois dos
acontecimentos, para contá-los e tranqüilizá-lo a respeito de você e de todos nós, mas é impossível
acabar logo a carta, que tinha, acho, muitas linhas já escritas.
O Sr. Trébuchet6 ficou no seu lugar e aí continuará, espero. Será que é tudo? Os artigos7? Envio
um com esta carta. Eu o resumi bastante, o encurtei. Se fosse seguir minha apreciação, um traço de pena
lhe daria justiça. Se você o pegar, vou me esforçar para que a seqüência seja menos ruim. Deixá-la-ei
mais tarde na casa de seu correspondente, cujo número anotarei na casa de sua Senhora.
(Léon)
3- ao Sr. Pavie
Comentário sobre os acontecimentos revolucionários. Contraste das paixões humanas. Pequena crônica
de suas relações amigáveis. Duelo de Sainte-Beuve
Paris, 29 de setembro de 1830
Segundo sua última carta ao nosso amigo Gavard, esperava, meu caro Victor, receber logo uma de você,
datada do mar, com cheiro de alga e de brisa, com o zumbido das ondas como uma concha do mar, mas
5
Com seus amigos Gavard e Pavie, o Sr. LP freqüenta os círculos literários de Paris, sobretudo o Cenáculo dos
românticos, com seu chefe, V. Hugo. Em 1829, o poeta publicou as Orientales, das quais o Sr. LP obterá um
exemplar com dedicatória. O dia 25 de fevereiro desse ano 1830 marcou, com Hernani, o início de uma briga em que
se enfrentaram os ‘clássicos’ e os ‘românticos’. Seu drama, Marion de Lorme, só será apresentada de novo em agosto
do ano seguinte, 1831.
6
Primo da esposa de Victor Hugo, nascida Adèle Foucher, será graças a ele que o Sr. LP freqüentará intimamente,
até em 1832, o poeta e sua família (cf. carta de V. Pavie a M. Maignen, 18 de agosto de 1882).
7
O pai de V. Pavie era proprietário de uma gráfica que publicava, em les Affiches d’Angers, um anexo científico e
literário, o Feuilleton de la Quinzaine. A pedido de seu amigo, o Sr. LP colaborava a essa pequena folha literária.
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nada. Você seria, então, tão infeliz, meu amigo, a ponto de ter abandonado esse projeto? Nesse caso,
retome-o rápido, Nunca, meu bom Deus, foi mais necessário mergulhar nas alegrias puras e etéreas da
natureza, quando, de toda a parte, o material das coisas nos assalta, nos absorve. Felizes os que podem
fugir. Ao menos para mim que a necessidade amarra ao material, fiquei logo inteiramente mergulhado
nele. A revolução dos fatos não é maior que minha revolução interior. Leio todos os jornais, os soletro e
os medito. Apaixono-me por eles ou contra eles; a contradição me revolta. Fico mudo em toda reunião
social sobre a política, por precaução contra a irritação que sinto em mim, prestes a explodir. Quando as
conversas ao redor me chocam, logo pego meu chapéu e minhas luvas e eis-me correndo a perder o
fôlego! Não me condene, meu caro amigo, antes de ter você mesmo passado por esta prova. Se, após um
mês passado aqui, toda a violência despertada dos partidos, a tolice de uns, as infames esperanças dos
outros, a irracionalidade, o egoísmo de todos não o exasperarem, não lhe causarem tanto horror quanto a
mim, me oferecerei a ser julgado por você. Em verdade, na vida pacífica que estávamos levando, os
homens dormiam. Essa calma, esse descanso combinavam bem com o seu estilo e velavam a nulidade ou
a baixeza da alma. Mas eis que estão acordando e sobre todas essas faces passam e se formulam
ignóbeis paixões, para nós quase desconhecidas até então. Oh! o horrível espetáculo! Basta, não é?
Todos os meus amigos felizmente permaneceram belos. Isso constitui um refúgio. Com quanta felicidade
aproximamo-nos deles. Volte, meu amigo, logo. Você nos faz muita falta. Temos ainda o Sr. Mazure.
Vejo-o quase todos os dias e quase cada manhã. Conversamos perto de sua lareira. Encontrei esta
manhã, na casa dele, Ballanche8, mas quando estava saindo, como uma aparição. Só me ficaram seus
dois olhos que, num relance, eu via brilhar através da abertura da porta, como uma fascinação. Vi o Sr.
Hugo há uns oito ou dez dias; havia ali uma espécie de caboclo do Danúbio que ele parecia não
reconhecer ou nunca ter visto; era constrangedor, não temos falado muitas coisas particulares.
Um jornal traz que Sainte-Beuve9 e Dubois do Globe, nomeado Inspetor Geral dos Estudos, tiveram um
duelo. Ainda não pude saber por quê, como, nem quais as conseqüências. Nenhuma deplorável, sem
dúvida, pois se saberia. Se eles estão, espero, sem acidente e melhores amigos do que antes, para poetas
isso não será em vão e as emoções de tudo isso serão benefício para a alma. Longe de mim que eu
considere tal acontecimento como desejável para eles e para os outros; não é a você, meu amigo, que
tenho necessidade de explicar meu pensamento.
Mando-lhe um artigo pouco caprichado, talvez falso do início até o fim; veja, você mesmo.
Adeus, meu caro amigo. Depressa uma carta, muitas, versos, prosa, tudo, e você sobretudo, quanto
antes.
Seu todo amigo
Léon Le Prevost
4- ao Sr. Pavie
Desculpas por ter aberto uma carta de V. Pavie a seu amigo comum, Mazure. Visita aos Hugos. A
repulsão que lhe inspiram os revolucionários. Teme a volta de motins sangrentos. Sainte-Beuve e a
evolução do Globe.
25 de outubro de 1830
Mesmo correndo o risco, meu amigo, de multiplicar sua saudade pela minha, vou tentar lhe escrever.
Aliás, tenho que lhe responder por duas cartas; pois, a que você manda a meu endereço para o Sr.
Mazure, acabo de abri-la por engano e, de linha em linha, a falta se consumiu até o fim. Li a carta
inteira; teria ficado bem embaraçado se, em algum recanto, tivesse encontrado o castigo de minha
indiscrição; mas parece que você previu a aventura; não há nada na carta que não seja amigável e
8
Pierre-Simon Ballanche (1776-1847), era de Lyon. Amigo de Chateaubriand e de Ozanam, esse filósofo teve uma
grande influência sobre a escola romântica.
9
Charles Augustin Sainte-Beuve (1804-1869), jornalista e célebre crítica literário. Através de V. Pavie, conheceu o
Sr. LP, de quem tinha sentido o encanto. Esse cético inquieto confessará, na intimidade, que se sentia atraído para os
sentimentos religiosos do Sr. LP (VLP, I, p.12). Trabalhava então no jornal le Globe, do qual Dubois era diretor.
Após um incidente na redação, os dois homens se provocaram em um duelo que não terá conseqüências deploráveis,
mas que virará para o trágico-cómico. Chove quando se enfrentam; Sainte-Beuve pega então com uma mão sua
pistola, e com a outra... seu guarda-chuva: “Aceito ser matado, mas não quero ser molhado!”
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afetuoso. Obrigado. O Sr. Mazure terá sua carta somente daqui a dois ou três dias, qualquer que seja a
pressa que use em lha mandar, pois, no momento em que lhe falo, ele, do alto da cátedra de filosofia de
Poitiers, ensinando e dogmatizando, perde sem dúvida a terra de vista, vaga nas nuvens do objetivo, ou
torna a descer ao subjetivo. Vou dar um jeito para que, à sua volta, encontre sua carta sobre seu púlpito
de professor. Você não percorreu o Moniteur há oito dias. Você teria visto sua exaltação. Eu mesmo
ainda não parei de sentir a alegria que isso me proporcionou: desde tantos anos, vejo-o arrastando sua
vida em uma posição mais do que precária, não ousando sentar-se em lugar nenhum, porque daqui a
pouco será preciso partir, que tenho a impressão de parar, enfim, junto com ele e retomar o fôlego após
uma corrida exaustiva de tristeza e de cansaço. Você que o ama como eu, ficará bem feliz também.
Estou roubando Mazure ao comunicar-lhe essa boa notícia, mas ele lha transmitirá uma segunda vez e
assim não perderá nada com isso. O Sr. David10 contribuiu a esse feliz resultado por seu empenho junto
a Cousin.
Ainda tenho neste momento uma coisa que me deixa com calor e agilidade nas pernas, para vários dias.
Ontem, sozinho, somente com os sofás e as cadeiras, e os quadros, e os desenhos, e os esboços, no
gabinete do Sr. Hugo, eu conversei duas horas com o Sr. Hugo, brinquei com as crianças e tagarelei com
Madame, e quando saí, ele me apertou a mão. Ela levantou-se e me fez dessas reverências simples e
desajeitadas que me encantam, tais como só ela e a Sra. Malibran sabem fazer, e que para mim contêm
todas as idéias, todos os mundos que Vestris11 via nas profundezas de um passo de dança. Meu amigo,
não estou feliz?
Teria vergonha, meu amigo, de mostrar tanta leviandade diante de nossos graves acontecimentos, se,
para não perder neles a cabeça um belo dia, não houvesse necessidade de fazê-la passear de vez em
quando em outros lugares. O passeio, é verdade, o faço bem longe por aqui, em tempos de livre
despreocupação, de impressões caprichosas e que se perdem em todos os fios de aranha; mas fez-se
por aqui tanto barulho que era preciso ir-se bem longe também para não mais ouvir esses berros de
degoladores, para não mais ver, à luz das tochas, esses medonhos rostos com seus bonés pendentes e
seus braços nus arregaçados. Tudo isso, agora, já passou e eis que estamos tranqüilos: será para muito
tempo? É o que precisa ver. Os quatro miseráveis que estão nas Torres de Vincennes12 devem passar
dias horríveis. Você não imagina, meu amigo, como esses redutos são imponentes neste momento,
parecem inchados de motins, de facções de guerras, de vingança: quando se abrir seu seio, cuidado
para nós! a França será sua presa. Enquanto isso, eles, os quatro, todo o mundo os abandona, todo o
mundo diz que é preciso que morram: oh! se eu fosse eloqüente, se meu pensamento soubesse vir à
luz, parece-me que eles não morreriam, pois, algo me diz bem alto que uma cegueira fatal é quase todo
o seu crime e que a morte pelo erro, tão funesto seja ele, é algo totalmente exagerado. Mas o meu
receio é que nós também, como nossos pais, teremos lembranças sangrentas; e os que ficarem as
contarão pacificamente ou não acharão nelas outra coisa a não ser uma emoção poética ou literária,
como o faziam todos os dias para nós com os tempos passados. Não é um pensamento triste: sempre
homens brincando com ossos e cabeças de mortos? Para quê? Os mortos não lhes dizem nada, não
sabem fazê-los falar, ou, se falam, os acontecimentos falam mais alto. Hamlet pode vagar no cemitério,
mas não precisa sempre que mate sua mãe e morra depois, ele mesmo, assassinado. Há motivos, não é,
para se acreditar na fatalidade. Resta, é verdade, acima de tudo isso, um oráculo a interrogar, mas
quem pensa nisso? Os que o quereriam às vezes como eu, não ousam. Tudo isso me entristece muitas
vezes.
O Sr. Hugo me contou o caso de Sainte-Beuve, e você o conta ao Sr. Mazure. Para falar a verdade, o
Globe me parecia bem descomedido em política desde algum tempo. Abandonou a literatura e as artes,
não sei a que mãos. Ele me irritava. Tinha-me desligado dele; mas desde que estou sabendo que SainteBeuve o dirige, metade conversão, metade esperança para um futuro melhor, recomeço a amá-lo; pode
ser, até, que essa circunstância, aos poucos, modifique minha opinião; reconheço tudo isso e o acho
muito ridículo; mas, sendo que a realidade é essa, por que não dizê-la a você sobretudo, meu caro
Victor, tão generoso, tão indulgente com seus amigos.
10
Pierre-Jean David, dito David de Angers (1788-1856), escultor, amigo do Sr. Pavie, pai. Cuidará de Victor quando
este fizer seus estudos em Paris. (Entre suas obras-primas: uma estátua de Conde, e um monumento em honra do
general Bonchamps). O Sr. LP alude a uma de suas intervenções em favor de um amigo comum, professor de
filosofia, Sr. Mazure, junto a Victor Cousin, grão-mestre da Universidade.
11
Vestris, dançarino italiano. Sra. Malibran, dita a Malibran, célebre cantora francesa (de origem espanhola), dos
anos 1815-35.
12
Quatro ministros de Charles X, entre os quais Polignac, o antigo chefe do governo, acabavam de ser jogados na
cadeia em Vincennes. Por medo da vindicta popular, que fizera deles os bodes expiatórios de seu ódio contra os
Bourbons, serão transferidos, no dia 10 de dezembro, ao palácio do Luxembourg, na rua de Vaugirard, para serem
julgados. Foram condenados a penas pesadas de encarceramento.
7
Se a peça do Sr. Paul13 for representada antes de sua volta, quero, meu amigo, me inspirar de toda a
dedicação que o vi mostrar outrora. Escreverei ao autor e colocarei meu zelo, ou antes o seu, à disposição
dele. Pode, portanto, nessas condições acreditar que, de todo jeito, você mesmo estará presente na
representação.
Tornarei a vê-lo com muita alegria, e também o Sr. Gavard. Que pena que nosso amigo Mazure não
estará mais no encontro: três homens dedicados para acolhê-lo. Acho-o feliz às vezes por contar com
nossa amizade, pois penso que se tem amigos somente quando se merece tê-los.
Leon
5- ao Sr. Pavie
Alegrias da amizade. Representação de Marion de Lorme. Desejo de escrever um artigo sobre a peça,
mas por enquanto, sua fraca saúde lho interdita.
Sexta-feira, 2 de setembro de 1831
Sua carta demorou muito, meu amigo, e mesmo levando em
conta os descontraídos
divertimentos ao ar livre, o esquecimento, por alguns instantes de tudo o que não é casa paterna, cidade
natal, campos ao redor, já havia vários dias que eu esperava essa carta. Mas enfim ei-la aqui, seja bemvinda. Percorro-a às pressas, e para não gozar egoisticamente de minha alegria, convido por uma palavra
nosso amigo Gavard que, bem depressa, acorreu e temos falado de você como sempre, pois não me
lembro de uma entrevista com ele, onde você estando ausente, não esteja logo como terceira pessoa.
Não por termos combinado ou resolvido isso, mas bem naturalmente e porque dois amigos depressa
percorreram todos os terrenos vagos das conversações gerais e por uma inclinação insensível, como sem
perceber, voltam aos assuntos de conversa íntima, de confiança, de abertura. Então, se há entre nós
alguma leve divergência, acontece poucas vezes que não apelemos à sua opinião presumida para julgar
nossas discussões. Neste caso, meu triunfo é quase sempre assegurado, pois sempre tomei para mim a
causa que você mesmo teria defendido.
Outras vezes lamentamos sua ausência, tratando-se de um passeio, de uma admiração a partilhar
com você, de uma emoção de arte ou outra que sua presença nos teria tornado mais suave ainda e
sempre assim. É sobretudo na grande solenidade, grande para você sobretudo, amigo dedicado do Sr.
Hugo, é sobretudo na representação de Marion que sentimos sua falta, nós e muitos outros ainda, e o
autor, e sua esposa e a peça também, pois os amigos estavam bem dispostos, a assembléia brilhante e
numerosa, a obra cheia de interesse e de admiráveis efeitos, e, no entanto, o que lhe direi? Um certo frio,
um tipo de constrangimento reinavam na sala; enormes prolixidades (magníficas com certeza em outro
lugar) contribuíam a isso sem dúvida, mas faltava por outro lado a todas as boas vontades uma direção,
uma alma, um chefe. Havia aplausos, mas bem moderados, não de arrastar, ainda menos a torto e a
direito, também sem entusiasmo. Mas que isso, meu amigo, não aflija sua afeição. As prolixidades foram
supressas e a peça ganhou tanto com isso que anda agora em pleno sucesso, com grande renda cada
noite; é hoje sua 19a representação e sem dúvida haverá mais outras. Na 1a havia pouca ou nenhuma
oposição; pela 5a ou 6a surgira uma das mais maldosas e das mais grosseiras. Os atos eram
interrompidos; uma vez até, não foi possível terminar o 4o , mas era tão evidentemente uma obra urdida
pela inveja, que o público fez justiça. Em dois dias, o caso foi resolvido. A peça bem sentida, bem
compreendida, aplaudida com um verdadeiro entusiasmo em muitos trechos, sempre bem escutada,
produz agora o maior efeito. A Sra. Dorval é soberba, há verdadeiramente revelações contínuas em suas
atitudes, seus acentos, seus gestos; você vai ver. Você teria tido sobre tudo isso um artigo para o seu
jornal, se o Sr. Gavard não tivesse sido preguiçoso; ele tinha começado um, prometia cada dia terminá-lo,
quando sua carta chegou, mas o artigo estava bem pouco adiantado; segunda-feira, vendo que dava para
esperar mais o artigo, eu mesmo tentei às pressas fazer um; mas o espaço de um dia não era
suficiente.Tinha apenas um esboço. Improviso pouco, e o calor extremo me enfraqueceu a ponto de
minha cabeça sofrer por isso. Fico cansado uma hora após o levantar, preciso de sono; teria corrido um
grande risco de arrastar ao sono também seus leitores; não se escreverá nada portanto sobre isso; mas
por que você não redigiria algo sobre a obra impressa? Se não a possui, é um vivo prazer que lhe resta
antes de morrer. Para mim, não me era possível deixar de sentir todo o encanto que nele encontrava,
sempre novo e renovado, mesmo após tê-lo ouvido duas vezes. Seus amigos tiveram para a primeira
representação, cada um, um lugar na galeria, reservado e numerado. Em seguida, distribui-lhes
13
Paul Foucher, cunhado de Victor Hugo.
8
novamente muitos bilhetes: enviei dois amigos ao Sr. Hugo com uma carta; enfim, para satisfazê-los
plenamente reclamarei mais entradas; você está contente comigo?
Estive ontem na rua Jean Goujon14 de propósito para ver todo o mundo e lhe dar notícias
recentes; mas cada noite o Sr. Hugo está no teatro. Madame tinha-se retirado e sua porta estava vigiada.
Ela, no entanto, vai bem e as criancinhas também, e, até o Sr. Paul que vi ontem florescente de saúde,
bem apressado como de costume e por isso com traje bem desleixado. Recebi de nosso amigo Mazure
uma carta escrita às pressas sem dúvida e numa hora de distração, pois, sobre sua esposa, seu lar, tudo
o que há de novo em sua posição, nenhuma palavra; excelente homem, havia esquecido tudo isso. A
respeito de coisas singulares, chegou mais uma irmã na casa do Sr. Gavard, doce e boa como as outras,
julgaria eu, mas com o nariz o mais curioso que se possa imaginar: ele é pontudo e se recurva como um
pescoço de cisne para a boca. Vou lhe escrever, meu amigo, um outro dia, uma carta menos diluída e
menos vazia. Já disse a você, minha cabeça está cansada. Assim que estiver um pouco reanimado, quero
fazer algo também para o pequeno jornal. Teria tido, parece-me, hoje ainda, mil coisas a dizer, mas não
tenho espaço e minha fala é ruim demais. Adeus, portanto, e até outra vez. É preciso amar seus amigos
mesmo doentes. Ame a mim ainda mais que de costume. É preciso apresentar minhas lembranças
respeitosas ao Sr. seu pai e falar de mim também a seu irmão, em seguida ao Sr. Cosnier (somos amigos
agora).
Léon Le Prevost
Vou cuidar do quadro.
6- ao Sr. Pavie
O Sr. Le Prevost quer se preservar de toda febre política. Como a amizade é uma coisa santa diante de
Deus. Notícias da família Hugo. O jornal l’Avenir. O processo do ensino livre. Os discursos de
Montalembert e de Lacordaire lhe devolvem toda a sua fé. Ele censura a si próprio seu modo de
escrever. Como ele julga a vida política e social na Europa.
21 de outubro de 1831
Onde está você, meu amigo, que não se ouve mais você? No alto de uma montanha com as
águias, ou no fundo de um vale com as toupeiras? Se assim é, desça ou suba um pouco pois eu, homem
da planície, quero conversar com você. Não imagine, ao menos, que eu faça aqui uma alusão política.
Deus me livre! Estou num tal ponto que, ao contrário, acrescentarei de bom grado nas ladainhas este
pedido: De furore politicorum, libera nos, Domine! [Do furor dos políticos, livra-nos, Senhor!] Como
outrora se dizia no velho Paris, Normanorum; meus amigos e eu combinamos que uma coisa tão
fastidiosa não mais se colocaria entre nós e no resto de Paris, sem convenção, e assim é para quase todo
o mundo, e isso é bem plausível, não é? Cheio até à garganta, não se pode mais comer. No interior não
se chegou a isso, parece: acabam de chegar para mim aqui alguns bons Diepenses, conhecidos meus. É
verdadeiramente curioso vê-los devorar com avidez os pratos mais grosseiros neste gênero. Ficava
apavorado. Que apetite! E depressa, meu amigo, você me pergunta: o que está fazendo agora que está
liberado? Infelizmente! a odiosa política, está vendo, é uma febre. Enquanto dura, tem-se somente uma
vida factícia de excitação e de vaidade. Passado o acesso, se recai pálido, exausto, vazio, impotente, não
se sabe, até, querer, nem lastimar, nem ter um desejo. Oh! feliz homem, você que escapou a todas essas
fases da doença, a quem o ar dos campos tem, de uma vez, devolvido frescor e vida: oh! como o vejo
bem de cabeça erguida, o olhar animado, ou antes como a gente se torna com o tempo na presença da
natureza, face a face com o infinito, calmo, grave, voltado a si por assim dizer; de braços cruzados e
olhando passar. Ao menos, meu amigo, você pensa em nós no meio de uma tal felicidade? Tem uma
lembrança, uma saudade? Fazemos-lhe falta? Gavard, que nunca saboreia nada tranqüilamente, de vez
em quando me pergunta: “Acha que Victor nos ama realmente?” E eu, invariavelmente respondo: acho.
Não vá, ao menos, me deixar mentir, pois a culpa disso seria sua diante de Deus. Sim, diante de Deus, a
amizade é verdadeiramente santa. Todo sentimento profundo, generoso, dedicado é um impulso para
Deus e sempre tenho tais movimentos pensando em você.
14
Até em 1830, Victor Hugo habitou no no 11 da rua N.D. des Champs. Depois do triunfo de Hernani, como o
apartamento estava sempre cheio, os proprietários, gente pouco calma e sem histórias, não puderam lhes renovar o
arrendamento. Os Hugo encontraram onde se alojarem do lado dos Champs-Elysées, em um hotel que “se ergue
como um desafio no meio dos terrenos baldios”. Na época, os Champs-Elisées não estavam na moda e suas ricas
mansões ainda não construídas!
9
Um outro amigo seu, o Sr. Hugo, está no campo como você, há algum tempo. O Sr. Foucher Paul,
que encontrei, me disse que sua irmã também estava no campo, sempre sofrendo. Estava bem mudada
com efeito, quando a vi pela última vez. Você está ao par, sem dúvida, desse desagradável caso do Sr.
Hugo com seu editor15; as pessoas de boa fé e de bom senso sabem lhe fazer justiça, mas os tolos e os
que falam na base de boatos fazem de outra maneira; não vejo nisso grande desventura. Suspeito no
entanto que o Sr. Hugo fica desgostoso e chateado por isso. Se você lê pouco os jornais, essa miséria
talvez tenha-lhe escapado; procure na Gazete des tribunaux deste mês.
Falando em jornais, L’Avenir16 vai bem: ele tem meios para subsistir por certo tempo. É publicado
em sua cidade? Você leu nele o processo da Escola livre diante da Câmara dos Pares? Os discursos dos
senhores Montalembert e Lacordaire, que coisa admirável! Isso me devolve toda a minha fé. Se isso não
está em Angers, se você não tem l’Avenir, diga-me, que eu lhe mandarei o processo da Escola livre 17
através do Sr. Leclerc, seu correspondente. Deve ter sido publicado por estes dias em brochura.
Cogita-se um pouco de me mandar para fora da França, mas é cogitação ainda tão vaga que não
vale a pena falar-lhe disso hoje.
Ninguém melhor do que eu sabe preencher três páginas de uma carta sem dizer nada.
Surpreendo-me sempre por ter chegado ao fim, quando ainda estou no preâmbulo; mas é algo a ser
aceito com paciência, o que há em mim de bom até certo ponto, quanto às idéias e aos sentimentos, é
tão confuso, tão distante, que consigo dificilmente, ou não consigo de jeito nenhum a trazê-lo à luz do
dia; quase diria de mim: é um buraco preto, senão profundo; quem sabe? No fundo, talvez haja alguma
coisa; só que, em cima, pela margem, sem cessar se levanta uma pequena neblina de tagarelice,
palavras fluidas, vapor leve que um só raio do dia penetra e dissipa logo. Isso se parece bastante com
uma comparação vantajosa; é que, ainda aqui, digo mal o que pretendo dizer, e assim sempre. Você
não levará em conta tudo isso e me dará, não é, uma resposta bem compacta, com linhas bem concisas;
há também para mim alguma desculpa para eu dizer tão pouco com tantas palavras: há uma vida tão
insignificante ao nosso redor. O que é, então, que vive ao nosso redor? O que tem uma alma? Nossa
história, nossa política, nossa literatura, nossas artes; não, a verdadeira vida não tem nada a ver com
tudo isso; mas ao menos ela existe em outro lugar? Na Alemanha talvez, mas não completa, não de
corpo e de alma; na Rússia, não sei, faz frio demais talvez, o sangue não circula. Na Inglaterra, não há
também nem força nem vigor. Levando tudo isso em consideração, e estando nossa pobre Polônia
degolada18, nada mais vive na Europa. Você rugiu, não é verdade, diante do anúncio de que Varsóvia
15
V. Hugo se comprometera em entregar a seu editor Gosselin seu romance Notre-Dame de Paris no dia 15 de abril
de 1829. Após um ano de espera, este lhe reclama seu manuscrito, sob pena de uma multa de 1000f por semana de
atraso. V. Hugo terminará seu romance em cinco meses!
16
Fundado em 16 de outubro de 1830 por um grupo de jovens católicos reunidos ao redor de Felicité de Lamennais,
era o principal órgão do catolicismo liberal; seu programa era: “Deus e a liberdade”. Hostil à política de aliança entre
a Igreja e o Estado (o trono e o altar), reclamava a plena liberdade de consciência e de religião, o que implicava a
supressão da Concordata. Foi suspensa no dia 15 de novembro de 1831 e suas teses condenadas em Mirari vos, no
dia 15 de agosto de 1832. --- Felicité de Lamennais (1782-1854), bretão (como Chateaubriand, seu contemporâneo),
ordenado padre em 1816, se tornou célebre pelo seu Essai sur l’indifférence em matière de religion (1817). Jornalista
de talento, é, primeiro, realista e ultramontano, mas vai evoluir para o catolicismo liberal, de que ficará o inspirador
ao longo do século XIXo. Após a condenação de seu jornal, se retirará em sua propriedade de la Chênaie, na
Bretanha. No final do ano 1833, cessará toda função sacerdotal, e, a partir de 1835, não partilhará mais a fé católica.
17
Em maio de 1831, Lacordaire e Montalembert abrem uma escola livre que é imediatamente fechada pela polícia.
Em setembro, intimados diante da Câmara dos Pares, onde Montalembert acaba de ser eleito, são condenados a
somente 100f de multa. --- Henri Lacordaire (1802-1861), padre e dominicano. Com Lamennais e Montalembert, um
dos chefes de fila do catolicismo liberal. Após a condenação do Avenir, afasta-se de Lamennais. Grande orador,
pregará em Stanislas, em N.D. de Paris, (1835-36) e, em 1843, restaurará a Ordem dos Dominicanos na França. --Charles de Montalembert (1810-1870) participa no grupo dos católicos liberais de Lacordaire e de Lamennais.
Colaborador no Avenir, se separará de Lamennais em 1832. Membro da Câmara dos Pares, esteve no centro dos
debates sobre a liberdade religiosa e a do ensino. Tinha aberto em Paris um brilhante salão literário. Deixou um
importante estudo sobre os Moines d’Occident.
18
Alusão à revolta do dia 14 de agosto em Varsóvia que tentava livrar-se da dominação russa e austríaca. As tropas
de Nicolas 1o
tinham-se apossado da cidade no dia 8 de setembro. Esse episódio foi a ocasião, para muitos católicos poloneses, de
defender seu país contra o ocupante estrangeiro, como a famosa condessa Emilie de Plater, que serviu de ajudante de
campo para seu marido, e que mereceu ser chamada a “Joana d’Arc polonesa”. O Sr. LP encontrará dois de seus
irmãos, César e Ladislas, que freqüentavam, como ele, o salão de Montalembert (cf. carta 16, do dia 2 de abril de
1833).
10
estava morta! Havia motivo para tal: era o último suspiro de um mundo antigo; um mundo novo
renascerá sem dúvida, mas quantos dias ainda passarão nas trevas, quantas penas e suores, e talvez
quanto sangue custará a nova obra. Parece-me que já lhe disse tudo isso; estou em franca decadência.
Coloco aqui simplesmente os nomes do Sr. seu Pai, de seu irmão, do Sr. Léon. São notas, você fará
delas um canto. Adeus, chegue logo, até logo. Quando? Queriam 8 francos para empacotar seu
Bonaparte. Era demais; com o porte isso se tornava extravagante: aguardo suas ordens a respeito.
Léon Le Prevost
Seu amigo devotado.
7- ao Sr. Pavie
Falecimento do pai de seu amigo comum Gavard. Reflexões sobre a morte. A cólera em Paris.
Terça-feira, 24 de abril de 1832
Estava há pouco, meu amigo, na casa do Sr. Gavard quando sua carta chegou, fui eu que a abri
e vou responder, sem prejuízo de uma epístola particular que Gavard lhe poderá escrever mais tarde.
Mas, neste momento, ele não teria facilmente a calma necessária para conversar com você: a morte
bateu também à sua porta e seu bom velho pai acaba de morrer. Faleceu ontem às 6 horas, não como
conseqüência da doença reinante19, mas não importa por onde a morte vem; morrer é sempre morrer.
Nosso amigo tem a alma tão doce e tão afetuosa e aliás tinha uma ternura tão profunda por seu pai que
está numa grande desolação. Até o último instante, velou perto dele e o viu passar de nosso mundo a
um mundo melhor. Chorou muito a noite toda, mas esta manhã voltou para casa trazendo consigo sua
mãe e o achei calmo, muito triste, porém resignado. Oh! como essa última palavra é amarga, como ela
contém dores profundas e quantas pessoas no entanto ao nosso redor, há um mês, tiveram que se
resignar, se curvar sob uma força indomável e, vencidos após a horrível luta, tiveram que dizer ao
vencedor: que sua vontade seja feita. O Vencedor é Deus, mas como o homem é fraco e resiste pouco:
verdadeiramente, dá dó! Eu também, muito recentemente, vi morrer um bom velhinho, quase um pai
para mim. Ele olhava para todos nós e, não conseguindo mais falar, parecia pedir-nos ainda socorro,
mas, chorando ou abatidos, respondíamos com lágrimas ou pelo silêncio. Então, não esperando mais,
fechou os olhos e morreu20.
Não acredito que uma criatura, tendo uma alma, possa ver tal coisa sem sentir, nesse momento,
que ela também morre ao mesmo tempo, que os laços de amor que a ligavam à terra se afrouxam, ao
menos o bastante para que ela também se julgue livre e pronta a levantar vôo. Eu já estava naturalmente
bastante disposto a considerar a vida como um dever, como uma tarefa, mas, às vezes ainda me esquecia
disso; agora, parece-me que não vou mais esquecer.
Sua carta, meu amigo, me aflige profundamente. Você também então me deixa? Uma ausência
longa, indefinida. Há tão pouca esperança no fim! Isso se parece mais com a vida ou com a morte? Não
sei, mas me entristece mais do que saberia dizer! Você era minha estrela aqui: quando eu não sabia mais
por onde andar, olhava para o alto e avançava em direção ao ponto que você ocupava. Doravante será
preciso você se colocar bem no alto para que, de tão longe, seus amigos possam enxergá-lo; mas eu terei
o olhar penetrante e saberei bem distingui-lo, logo que começar a despontar. Coragem, meu amigo,
queira fortemente sair da sombra e o conseguirá, com certeza. Não para brilhar e ofuscar, Deus o
preserve disso, mas para viver e respirar na luz, para viver com todas as suas faculdades, pela alma como
pelo coração.
Interrompido aqui, é somente daqui a dois dias que concluirei este rascunho. Estou quase
satisfeito com isso, pois terei notícias cada vez mais satisfatórias a lhe dar sobre a diminuição do mal que
nos aflige. Ele enfraquece de um dia para outro, e daqui a pouco a mortalidade transbordante, como
diziam, estará de volta no seu leito. Daqui a pouco, teremos o retiro mais seguro, o refúgio mais certo,
pois os médicos concordam em dizer que ali será melhor habitar, não onde o mal não tiver vindo, mas lá
de onde já tiver saído. Espalhou-se no interior, mas enfraquecido e como que desbaratado; não se teme
19
A partir do final do mês de março de 1832 ate outubro do mesmo ano, a cólera invadiu Paris. Causará perto de 22
000 mortos. O Sr.LP nota aqui que, paradoxalmente, o pai de seu amigo não morreu das conseqüências da epidemia.
20
Trata-se provavelmente do Sr. Hébert, amigo de seu pai, em cuja casa o jovem Le Prevost estava hospedado, por
ocasião de uma primeira estada em Paris (cf. VLP,I, p.7).
11
muito seus estragos. Todavia, meu amigo, você sabe como vivamente nos interessará saber qual efeito
ele terá no Anjou21, e se tudo o que lhe toca de perto ou de longe fica poupado. Nenhuma negligência,
portanto, e dê-nos muitas vezes, mas muitas vezes, notícias suas. Nosso amigo Cosnier pode revezá-lo.
Ele bem sabe também que aguardamos com impaciência seus boletins. Remeta-o para cá. O que faz por
ali? E o Sr. Nerbonne então?
Recebi ontem uma carta de nosso bem afeiçoado Sr. Mazure. Ele, sua esposa e sua filhinha vão
bem. Você terá os Chateaubriand logo. Eu os recolho. Adeus, pense muito em nós. Escreva-nos. Partilhe
enfim o mais possível conosco, a fim de que não cessemos de entrar em sua vida, de estarmos nela
mergulhados como elemento necessário, pois, nós, veja, não saberíamos doravante separá-lo da nossa
própria vida.
Respeito, afeição para todos, e para você, meu amigo, a dedicação mais absoluta.
Léon Le Prevost
8- ao Sr. Pavie
Anuncia a seu amigo que “volta a ser crente”. Oração a um Deus “sentido”. Procura um padre a quem
“entregar sua consciência”. Hesita entre os padres Gerbet e Lacordaire.
Paris, 9 de agosto de 1832
Escute bem, meu caro amigo, eu queria um conselho sobre uma questão grave que você
compreenderá bem, uma questão de consciência enfim. Por aberto e acessível que eu seja para com
você, em todos os sentidos, sinto em mim alguma repugnância a entretê-lo por carta sobre tal assunto
que quase não se toca, mesmo entre amigos, senão com precaução, em horas escolhidas de confiança e
de abandono. Mas como remediar isso, sendo que você não está aqui, e que ao meu redor não tenho
ninguém a quem possa consultar e cujo parecer esclarecido possa dirimir-me as dúvidas? Você me viu,
lembra-se, a caminho do catolicismo, olhando-o como meu objetivo, mas a alguns passos bem lentos,
parando muitas vezes no caminho e ficando afinal naquele triste estado misto, que não é nem luz nem
trevas, e que ora me parecia o crepúsculo de minha antiga fé, ora a aurora de uma fé nova. Graças a
Deus saio enfim destes nevoeiros de incerteza e de dúvida, volto a ser crente, sinto que meus laços se
quebram e que estou subindo novamente em direção à verdade. Minha oração não é mais vaga, incerta,
jogada ao acaso em direção ao Deus desconhecido. Vai numa inclinação natural ao Deus que eu sinto,
que vejo, que eu ouço e sob o olhar do qual estou neste instante como em todos os outros. Você
partilhará, eu sei, meu caro amigo, minha felicidade e eu não teria deixado de dizer-lhe isso antes, se não
tivesse encontrado em mim a repugnância de que eu falava acima, uma espécie de pudor do amor divino
que se fecha e se esconde como os outros amores de que ele é o modelo eterno.
Mas não basta crer, você sabe, é preciso uma forma para sua fé, é preciso obras, é preciso
cumprir os deveres do cristão. Tive, então, de pensar em entregar minha consciência nas mãos de um
padre, em procurar remédio para o passado, ajuda para o futuro. Um digno eclesiástico de quem você
me ouviu falar talvez, o Pe. Busson, antigo secretário geral de nosso Ministério, catequista da senhorita
de Berry22, me inspirava essa confiança terna e elevada que gostaria de ter para com um diretor; ele
estava ausente. Desde sua volta de Holyrood onde esteve para dar à senhorita sua primeira comunhão,
havia sido obrigado a deixar Paris e toda carreira lhe estava doravante fechada; todavia, o arcebispo,
que tem grande confiança nele, o nomeou recentemente cônego e cura de Notre-Dame; mas
determinado a um esquecimento absoluto, desconcertado talvez também por algumas odiosas
brincadeiras do Constitutionnel sobre sua nomeação, ele recusa decididamente e fiquei sabendo no
arcebispado que isso é sem esperança de volta.
Agora, meu amigo, diga-me, o que devo fazer? Devo bater à porta do primeiro padre de paróquia
e dizer-lhe: Venho ao Sr., receba-me; sem dúvida o mais humilde sacerdote, eu sei, me fará ouvir a
palavra de Deus, mas estou bem fraco ainda, minhas luzes estão bastante incertas; teria gostado de
21
Desde a manifestação da calamidade em Paris, em março de 1832, V. Pavie se tinha apressado em voltar à sua
cidade natal. Será no mês de junho que o departamento do Maine-et-Loire será invadido pela terrível doença.
22
Era a irmã do conde de Chambord, cuja intransigência, mais tarde, em 1871, sobre a famosa bandeira branca, entre
outras razões, fez falhar o acesso ao trono dos Bourbons. Sua mãe, a duquesa de Berry, se tornava célebre nesse ano
1832, tentando levantar a Provence e a Vendée contra Louis-Philippe.
12
encontrar ensinamentos para os dias sombrios e, para todos os dias, um guia nos estudos que quero
empreender. Você já entende aonde vou chegar. O Sr. Gerbet23 ou o Sr. Lacordaire seriam aqueles, entre
todos, cuja direção me seria a mais preciosa, cuja palavra me penetraria melhor.
Mas o Sr. Gerbet deve voltar somente no mês de outubro a Paris, onde parece que estes
Senhores devem se reunir de novo, e o Sr. Lacordaire, que nunca vi, incute-me um pavor de criança.
Além do mais, parece-me que estes Senhores nada irão querer comigo, pois têm tantas e tão graves
ocupações. Eu teria, no entanto, uma grande alegria se um ou outro deles, sobretudo o primeiro, quisesse
me orientar. Diga, o que fazer? É preciso esperar a volta do Sr. Gerbet? Parece que vai demorar muito. Ir
logo ao Sr. Lacordaire que me dirá sim ou não, ou ao simples sacerdote de paróquia?
Você que me conhece bem, meu amigo, vai compreender melhor do que eu, estando há muito
tempo no bom caminho, o que me convém melhor. Reflita um instante e dê-me um bom e salutar
conselho. Vou segui-lo; para dizer-lhe meu pensamento com toda a simplicidade. Entre todos, teria
preferido o padre nomeado em primeiro lugar, o padre Busson. Cada vez que eu o via, tinha de me
controlar para não chamá-lo de pai, tanto me sentia inclinado por ele pelo respeito e a terna confiança
que ele inspira; depois, seria o Sr. Gerbet, e, a seguir, o Sr. Lacordaire.
Procuro no mundo inteiro que conheço a quem, senão a você, meu amigo, eu teria ousado
endereçar tal carta. Certamente a ninguém; talvez seja por você não se parecer com ninguém, ou, para
não o envaidecer, talvez por querê-lo melhor do que ninguém.
Léon Le Prevost
Queime isso imediatamente, peço-lhe encarecidamente. Responda-me sem demora, por favor.
Esse assunto me preocupa e quero uma solução rápida.
9- ao Sr. Pavie
Agradecimentos ao amigo, por ter compreendido as necessidades de sua alma. Peregrinação de
Lamennais a Roma. Vãs buscas para achar um diretor espiritual. Deus pede uma dedicação total.
Engajar-se no combate da doutrina. Solicita de novo os conselhos de V. Pavie.
22 de agosto de 1832
Por mais que tivesse confiança em você, meu caro Victor, eu não esperava, contudo, sua
resposta sem alguma inquietude... Para me satisfazer, precisava que reunisse tantas qualidades quase
impossíveis, tanta indulgência, tanta ternura, tanto encorajamento! Parecia-me, você vê, que ao escreverlhe eu me tinha, por assim dizer, ajoelhado diante de você e, na imensa necessidade de obter graça pelo
passado, esperança para o futuro, eu tinha derramado tudo isso em sua alma, aguardando humildemente
que sua mão me levantasse, que sua voz me dissesse palavras consoladoras. Era quase um ministério
santo que eu tinha confiado.Era preciso que à porta do templo você me precedesse e ma abrisse.
Se você não tivesse bem sentido tudo isso, meu amigo, se não o tivesse sabido discernir no meio
do acanhamento e da perturbação de minha carta, se a sua não tivesse vindo como um santo abraço me
apertar e me reanimar, teria sofrido amargamente e teria recaído dolorosamente sobre mim; mas graças
lhe sejam dadas, meu amigo, você me entendeu, graças sejam dadas a seu coração que adivinhou o meu
ou, antes, graças à caridade cristã cujo ouvido está sempre aberto, que recolhe com amor a menor
queixa, o menor murmúrio e que faz com que uma alma, entreabrindo-se para respirar, não fica obrigada
a se fechar novamente logo em seguida. Obrigado, portanto, meu irmão, como você me chama. Sua carta
me fez muito bem. Você não poderá acreditar com que alegria entrevejo que uma inteligência mais
absoluta ainda nos aproximará doravante, que ambos teremos o mesmo caminho, ambos o mesmo
objetivo, e que uma esperança nos será dada de nele nos reunirmos.
Mas estou falando com exagerada segurança talvez, a luz que me ilumina é ainda vacilante e o
passado ainda surge como uma nuvem para obscurecê-la.
23
Philippe Gerbet (1798-1864), padre em 1822, pertenceu ao grupo de Lamennais até 1835. Filósofo e historiador,
teólogo, grande escritor, vai precisar o sistema filosófico de Lamennais. Publica em 1829 um livro importante,
Considérations sur le dogme générateur de la piété catholique, onde rejeita o jansenismo e recomenda a comunhão
freqüente. Em Roma, de 1839 a 1849, trabalha em Esquisse de la Rome Chrétienne. Será nomeado bispo de
Perpignan, em 1854. Segundo a carta do Sr. LP do 1o de dezembro, parece que o padre Gerbet, após tê-lo ouvido em
confissão, o confiou a um outro sacerdote (cf. carta 10).
13
Segui o seu parecer. Na ausência do Sr. Gerbet, quis ver o Sr. Lacordaire, mas ele também
acabava de partir, por algum tempo, me disseram, até o fim de setembro talvez. Assim pelo mês de
outubro, parece, os três estarão de volta, a reunião se formará de novo. Tenho esses pormenores do Sr.
Boré24, que ficou sozinho na imensa casa da rua de Vaugirard. Ele me fez, em seu nome, um cordial
acolhimento; demos juntos várias voltas no jardim, falando muito de você, e muito também e com
efusão contida (como acontece numa primeira entrevista) de L’Avenir e de seus fundadores. A
peregrinação a Roma não ficou sem resultado. O Sr. de Lamennais volta, seguro de que suas doutrinas
são ortodoxas e que ele está bem no seio da Igreja. Ele não tem, é verdade, conseguido aprovação
expressa e manifesta. Isso não está no espírito, parece-me, da Corte de Roma, mas os cardeais, os
doutores em teologia, se puseram de acordo em seu julgamento favorável. O Sr. Boré me leu um trecho
de uma carta recente do Sr. Lamennais: “Um cardeal, diz ele em suma, me falava assim: a Corte de
Roma não procede por via de aprovação, mas por via de censura; seu silêncio é um assentimento tácito
a suas doutrinas; se houvesse algo repreensível, uma bula de advertência lhe teria sido imediatamente
endereçada. Nós o incitamos portanto a isto: escreva com toda liberdade; retome a seqüência de
l’Avenir. Fale nele com o mesmo vigor e com mais energia ainda, sendo que o perigo se tornou maior:
assim faziam os Padres da Igreja, quando a fé lhes parecia em perigo”.
Procurei transmitir, tão exatamente quanto me foi possível lembrar, os termos da carta. Tem o
nome do cardeal interlocutor, mas com recomendação de silêncio. Não precisa dizer que ignoro seu
nome.
Sendo assim, o Sr. de Lamennais estaria, diz o Sr. Boré, disposto a retomar L’Avenir ou ao
menos uma publicação periódica no mesmo espírito. Esta última opção me pareceria bem menos
vantajosa. Há centenas de jornais que falam difamando cada dia; um só falando para apoiar, contra
todos, não seria demais. Espera-se também a retomada no inverno do curso do Sr. Gerbet. Por mais que
faça, meu amigo, tudo isso o trará de volta entre nós, a não ser, todavia, que você também receba sua
missão que o retenha para aí; que retome a idéia de uma correspondência, de um laço de doutrina
ligado por você em sua região; então, acho eu, você ficará, pois terá deveres dignos de você, tais como
os impõe nosso tempo; pois, (hesito em dizê-lo por medo de má inspiração) os deveres da vida comum,
mesma cristã e pura, não me parecem os únicos impostos hoje ao pequeno número de homens fiéis que
Deus guarda para si. Ele quer da parte deles a dedicação de sua vida toda inteira, pois devem ser
instrumentos em sua mão. Não peço desculpa, meu amigo, por uma linguagem que durante muito
tempo, que talvez nunca terei o direito de usar. Não importa por quem a verdade (se há verdade nisso)
seja proclamada. No entanto, meu amigo, não dê a minhas palavras mais valor do que têm na realidade,
e sobretudo conserve toda a sua confiança para suas próprias aspirações que valem bem mais que as
minhas.
Que coisa, aventurar-se a dizer mais do que se precisa! Não sei mais como fazer para diluir,
afogar duas ou três palavras infelizes. Significam simplesmente, porém, meu amigo, que, para mim, se
um combate de doutrina se renovasse, se alastrasse, e segundo os tempos, pudesse exigir cooperação de
todos os verdadeiros fiéis, você menos do que outro, não pareceria feito para ficar em paz nos modestos
deveres de uma vida doce e interior. Não é verdade que não há nada de mal em falar assim.
Para acabar quanto antes esta bem cumprida carta, acrescento que o Sr. Boré que pôde entender
a finalidade de minhas perguntas a respeito dos Sres. Gerbet e Lacordaire me disse que na sua volta um
ou outro, ou até o padre esperado em primeiro lugar me dariam com alegria conselhos e direção.
Fica a você, meu amigo, decidir se é melhor esperar. Em três semanas, o Sr. de Lammenais deve
estar aqui, os outros, em cinco semanas. O Sr. de Lammenais não está sobrecarregado demais? Não será
preciso ter paciência até a chegada dos primeiros? Então é certo ficar até lá em tão triste posição quando
a graça me é dada de sair dessa situação? Mas, por outro lado, exigir-se-á de mim uma reflexão sobre
muitos anos; isso será coisa grave para mim (bem entendido, toda consideração humana está bem longe
de ser acolhida por mim) e no entanto em seis semanas será preciso voltar aos mesmos meios junto a um
outro que terá igualmente necessidade de conhecer-me de longa data para me julgar e me aconselhar.
Essa repetição não irá enfraquecer o efeito de uma primeira efusão? Enfim, não é mal em minha posição
24
Eugène Boré (1809-1878), oriundo de Angers, em primeiro lugar discípulo de Lamennais, tornou-se em seguida
padre da Congregação da Missão, (superior geral em 1874). Seu irmão Leon (1806-1883) ele também discípulo de
Lamennais, amigo de Ozanam, foi professor de história e de literatura. Após a suspensão de seu jornal, os três
“peregrinos da liberdade”, Lamennais, Lacordaire et Montalembert tinham ido a Roma para solicitar o apoio do
Papa.
Os prédios e o jardim são os da Casa dos Carmos, 70, rua de Vaugirard, hoje Institut Catholique de Paris.
14
tomar um diretor e deixá-lo seis semanas depois? Eis o que me detém até agora e me faz pensar que
esperar é melhor. Mas, talvez, sem eu saber, algum pensamento humano me dirige. Você, meu amigo,
ainda sobre isso, aconselhe seu irmão em Deus, aconselhe-o como cristão, e sua voz será ouvida. Pense
somente que seria para mim uma grande felicidade ter como apoio um desses três homens e que de
outra forma não terei acesso nem livre nem confiante junto a eles.. Espero sua resposta.
O Sr. Boré me encarregou de lhe dar notícias de seu irmão; ele chegou em Berlim muito
encantado, muito feliz. O próprio Sr. Boré pede que você se lembre dele. Eu, meu amigo, o abraço
cordialmente. Penso com tristeza que esta carta o encontrará ausente talvez. Lembranças afetuosas para
todos.
Léon Le Prevost
10- ao Sr. Pavie
Após a alegria do retorno a Deus, as provas interiores. O Sr. Le Prevost não sabe como explicar seu
desencorajamento. Tomento de não saber como servir a Deus. Sentimento de inutilidade. Casamento
infeliz de sua irmã. O padre Gerbet confiou o Sr. Le Prevost a outro padre. Rumores sobre a peça de
V.Hugo “O rei se diverte”.
1o de dezembro de 1832
Não saberia, meu caro Victor, justificar meu longo silêncio. Não vem nem de esquecimento, não
preciso dizer isso, nem de preguiça, apresso-me em lho assegurar, é um desses fatos tão freqüentes em
nossa vida, dos quais não saberíamos nos dar conta exatamente a nós mesmos, que não podemos
explicar porque restaria em seguida explicar a própria explicação, quando se enfrentaria a mesma
dificuldade. Dispense-me, portanto, meu amigo, de lhe dizer que um desânimo profundo me aniquila há
dias, meses, me invade cada vez mais e me joga numa fase talvez inevitável da vida e que, sem dúvida,
tenho, a meu turno, de atravessar. É, como o poderiam dizer esses odiosos discípulos de Saint-Simon25,
uma época crítica, a transição da juventude à idade madura, a resistência do jovem que mal entreviu o
mundo dourado das ilusões, das esperanças e que se recusa sair dele tão depressa. São mil coisas ainda,
difíceis de dizer, sentidas confusamente, que não suportam a confidência, pois, ao dizê-las, a boca boceja,
ao ouvi-las o ouvido fica adormecido. Não o percebe já?
Sua amizade, meu caro Victor, queria no entanto informar-se e inquietar-se por mim. Li isso com
gratidão em sua última carta a Gavard. Fique tranqüilo, meu amigo. Eu vi desde o início para onde
apontava sua solicitude amigável, para o único ponto doravante essencial e necessário para nós. Não
ouso dizer que, nesse ponto, tudo está bem para mim e agradaria a seu coração; tudo está tão bem ao
menos quanto é possível. Vivo agora no ar que me convém e não concebo que jamais possa respirar um
outro. Era mesmo esse o meu caminho. Essa era mesmo a minha inclinação; segui-la me parece doce. Se
você procurar, na base disso, como posso estar tão triste e tão desanimado, voltarei a meu primeiro dizer,
não sei muito bem a causa disso. Encontro várias razões, todas boas humanamente, mas que a
resignação e a humildade cristãs deveriam neutralizar. Não é absolutamente assim? Será que eu giro e
busco minha forma definitiva aqui embaixo, sem nem mesmo achar como me sentar? Não sei, mas o que
importa afinal o lugar e a forma? Não faz muito tempo, curvando a cabeça sob uma necessidade que
precisava mesmo aceitar, abrindo os olhos para uma evidência invencível, eu me disse a mim mesmo:
Vamos, já que a vida intelectual não é evidentemente feita para mim, experimentemos um pouco a vida
ativa, façamos, no humilde ambiente onde me encontro, todo o bem possível. Sirvamos os nossos
semelhantes, sejamos tudo para todos, não rejeitemos a ninguém: nós veremos. Talvez seja melhor
assim para mim. Mal tinha pensado isso comigo mesmo, de todos os lados vi acorrer, empurrar, surgirem
pessoas de todo tipo, uns reclamando meus lazeres, e dei-lhes; outros, meu dinheiro, e tiveram; e, num
instante, me vi sem um tostão e sobrecarregado por vários meses, e talvez mais, das ocupações mais
chatas. Mas depois de um exame vi que meu dinheiro servia àqueles para viverem mais folgados, a estes,
meus lazeres serviam como acréscimo aos seus lazeres para neles folgarem mais à vontade. Isso não é
muito animador. Ora, se for preciso descer ainda mais baixo, onde então irei chegar? A catar uma agulha
caída, um novelo extraviado longe da caixinha? Está vendo, meu amigo, que tenho razão para estar
triste.
25
Claude-Henri de Saint-Simon (1760-1825), precursor da filosofia positivista. Em sua obra póstuma, le Nouveau
Christianisme, formulava a moral de uma sociedade, fundada sobre um “novo saber, um novo poder e um novo
querer”. É preciso ultrapassar a religião, o cristianismo em particular, como o homem progride da infância à
adolescência para atingir a idade adulta.
15
Tenho pena de você sinceramente e de coração por estar constrangido, (sim, pois você não
ousará agir diferentemente) ao ler até o fim esta epístola vazia e insensata, mas eu mesmo, amigo, a
escrevo com certeza de cansá-lo, de lhe comunicar algo de meu torpor. Não se queixe portanto. Na
verdade, se tivesse dependido de mim que não a fizesse, teríamos aguardado dias melhores, mas o Sr.
Gavard me pergunta duas vezes cada semana: “Você escreveu?” Um não perpétuo é pesado demais a
carregar. Amanhã, direi sim e me sinto totalmente satisfeito com isso. Perdoe-me portanto, meu caro
Victor, e esqueça. Sobretudo escreva-me. Não conheço outra voz a não ser a sua que ainda possa ser
musical e harmoniosa para mim neste momento. Grite bem alto, seja pratos ou trombone, pois, na
verdade, preciso de uma sacudida violenta. A flauta ou o oboé se fundiriam com meu último suspiro. No
entanto, parece-me bem que tenho uma alma, porque choro muitas vezes, muitíssimas vezes, mas não
sei o que fazer dela nem a quem doá-la. Blasfêmia, dirá você. E Deus? Sim, Deus sem dúvida, mas não
precisamos nós, miseráveis mortais, de uma forma para o nosso amor? Será que ele pode ir direto ao seio
de Deus, sem asas, sem um raio, sem uma nuvem para levá-lo até Ele? Quanto a mim, raio, nuvem, asas,
tudo me faz falta. Eu digo a Deus: “tomai-me, eis-me aqui humilde e submisso. Falai, obedecerei no grau
mais humilde, se vos agradar, no lugar mais escuro, quero vos servir”. Mas os dias passam, minha
juventude se vai, não sirvo para nada, não faço bem a ninguém. Uma só criatura aqui na terra, minha
pobre irmã, tem necessidade real de mim: de noite e de dia, parece-me ouvir sua voz que chama; ela se
debate nas garras de um marido selvagem, insensato. Eu a vi faz um mês. Fiquei 15 dias perto dela, mas
trouxe de lá cólera, ódio e tristeza para anos, sem dar-lhe alívio nenhum, pois ela assinou um contrato
diante dos homens, disse sim diante de Deus, e dois filhos a ligam invencivelmente ao bruto que ela
chama de seu marido; além disso, minha pobre mãe bem idosa, boa como os anjos, pura, cândida como
eles, em lugar de paz, de calma recolhida para seus últimos dias, tem tudo isso sob seus olhos. Mas,
insensato, por que tagarelar com você, dizendo-lhe tudo isso? O silêncio me parece hoje a única corda
poética que me sobra e não sei guardá-la. Vou de novo quebrá-la. Não!
Sabe o que teria sido necessário para mim? Alguém melhor, mais elevado do que eu, a me
arrastar em seu turbilhão, me amparar, me dirigir. A faculdade de entusiasmo é real em mim e podia por
impulsos me levar a toda espécie de bem. No mundo que ia criar o Sr. de Lamennais, eu me casava bem
naturalmente e sem esforço26. Diga-me, sabe você que ele está na Bretanha com os Srs. Gerbet e
Lacordaire, vivendo como recluso, trabalhando, meditando, orando, resignado à inércia, à obscuridade
relativa ao menos? E eu peço exemplos! Mas também como comparar minha estatura com um tal gigante!
Tanto valeria o grão de areia dizendo ao Himalaia: irmão, caminhemos juntos. O Sr. Gerbet foi ótimo para
mim e me deixou nas mãos de um homem doce, excelente, não exatamente como o idealizei, mas não
tem importância, devo louvá-lo muito. Vejo às vezes, mas de vez em quando, para não roubar seu
tempo, o Sr. Boré seu amigo; ele é extremamente bondoso para mim. O irmão dele está de volta.
Você observará, meu amigo, que nenhuma linha de tudo aquilo que precede exige resposta e não
lhe pedirei nem uma letra, se tivesse de me falar somente de mim. Mas, meu querido Victor, é preciso
que me fale de você. Devo saber como está sua vida. Não quero perdê-lo de vista nunca. Conjuro-o
portanto, escreva-me depressa, diga-me mil coisas pessoais suas, mil coisas sobre seu bom, venerável e
adorável pai; sobre seus trabalhos, seu futuro, suas esperanças, tudo, enfim, o que é seu e o interessa e
o toca. Isso me fará um bem extremo e me devolverá um pouco de ânimo. Adeus, amo-o de todas as
minhas forças. Não se aborreça e conserve-me também sua afeição, preciso dela.
Léon Le Prevost
Sabe que nosso amigo, o Sr. Hugo passou recentemente por vivas contrariedades. Eu não estava
na apresentação da peça “O rei se diverte”27. Não ousei pedir entradas por causa de minha negligência
junto ao Sr. Hugo. O jovem Trébuchet que me tinha prometido um lugar não pôde cumprir sua palavra e
todos os meus esforços para me introduzir por outro lugar foram inúteis. A carta escrita nos jornais não
produziu bom efeito. Mas hoje as pessoas esquecem depressa. Por ocasião da primeira obra do Sr. Hugo,
se lembrarão somente de seu verdadeiro talento de poeta.
26
Lamennais tinha o projeto de fundar uma associação de padres e de leigos (a Congregação de São Pedro),
consagrada à defesa da religião pela palavra e pelo escrito.
27
Anunciada no dia 22 de novembro, a peça é interditada logo no dia seguinte pela censura, por causa de imoralidade
pública. V. Hugo tinha contra-atacado publicando uma carta aberta no Constitutionnel. Resultou dali um processo,
em que V. Hugo foi absolvido. Obteve um triunfo popular. Ele que sonhava ser “o eco sonoro” de seu século, será,
doravante, “o advogado de todas as liberdades”.
16
11- ao Sr. Pavie
Projeto de casamento de V. Pavie. O Sr. Le Prevost exalta a vida de família. Julgamento sobre a peça “O
rei se diverte”
14 de dezembro de 1832
É preciso responder sem demora, meu caro Victor, à sua carta. Apresso-me a lhe dizer obrigado
por sua confiança; oh! obrigado! Falando-me de si, você me fez grande bem. Você ter atravessado o
mundo que nos separa para me trazer seu segredo mais querido me dá uma alegria infinita ao coração.
Por isso, fique tranqüilo, meu amigo, seu pensamento estará em minha alma como num santuário, será
coisa santa que é preciso rodear de objetos puros e sagrados como ele. Não sei, com efeito, o que seria
para você uma esposa?. A própria Eva, saindo das mãos de Deus e dada a Adão, a absorção em você
mesmo de tudo o que a natureza contém de mais simpático a você mesmo, elementos espalhados em
todos os recantos do mundo e que o pensamento de Deus juntou, dons de vida, um dia para você, só
para você; para sempre sua aqui e na eternidade ainda.
Assim, então, ela foi apenas vista, revelada pela intuição de um olhar! Tudo bem! Oh, sim, confie
em Deus, não na prudência humana. Mas, meu amigo, que Deus então lhe esteja bem presente; e
permita que eu, indigno, lhe diga: cuide bem para que seja Ele, Ele mesmo, não sua imaginação, nem
nenhuma inspiração menos pura a dirigi-lo. Reze com fervor, e eu, seu irmão, também rezarei de
coração, com amor. Meu Deus, como me é doce estar ligado a você, meu amigo, por um laço tão puro,
tão espiritual que eu possa me colocar assim com você, sob o olhar de Deus e pedir-Lhe para abençoá-lo!
Em tal caminho você não poderia se extraviar, sustentado sobretudo por seu venerado pai, ele mesmo tão
piedoso, tão digno de compreendê-lo e de dirigi-lo. Seguramente, se o Céu usa uma voz para se fazer
ouvir por você, deve ser a de seu pai.
Vejo bem daqui a vida de família, tal como é traçada para você. É o dever em sua forma mais
plena, é o sacerdócio do patriarca, melhor ainda, é o caminho do Cristo percorrido por dois esposos
cristãos. Doravante, será que outro caminho é possível para você, para mim, para todos aqueles que,
como nós, olham só para o futuro? Vida social, vida política, isso não existe hoje em dia. Só nos resta,
então, a nós cristãos, refugiarmo-nos nisso, retornar aos deveres primitivos da família e, neste estreito
horizonte, cumprir nossa carreira, rezando, fazendo o bem, resignados durante este silêncio de Deus,
esperando sua palavra que, talvez durante muito tempo ainda retida, nos alegrará pelo menos em nossos
túmulos.
Não confie pela metade, meu caro Victor, e já que me fez ler a primeira página de sua história,
não vá fechar de repente o volume, me deixando inquieto e atormentado sobre o resto. Balbuciarei
algumas palavras a esse respeito apenas ao ouvido do Sr. Gavard; para todos os outros este será o livro
de sete selos e você ficará com a chave.
Não lhe faço pergunta; não peço retrato; você me diria rindo, como nosso amigo Mazure:
“suficientemente dotada de agrados para que meus amigos possam me parabenizar”. Se fosse com
bastante certeza aquela que lhe é predestinada, saberia bem, sem ajuda, me criar sua imagem, mas sua
carta não me dá sobre esse ponto certeza absoluta, e você mesmo me parece esperar alguma revelação
nova. Diga-me somente uma palavra, meu amigo, e o dispenso depois: é uma virgem como a da Bíblia,
ou Rafaélica ou Lamartiniana? Escreveria de antemão a resposta. É tudo isso junto, dirá você. Então,
não o interrogo mais. Aguardarei as palavras que lhe aprouver me escrever, e da melhor forma que
puder tirarei daí minha imagem.
A respeito do Sr. Mazure, é verdade mesmo, você tem certeza que ele tenha vindo a Paris com
sua esposa? Não poderia acreditar. Qualquer que seja, às vezes, sua estranha rusticidade, pertencíamos
demais verdadeiramente um ao outro para que retornasse de consciência tranqüila à sua casa sem me ter
visto. Talvez eu estivesse na Normandia? Isso me atormenta, diga-me uma palavra a respeito, se puder.
Não tinha ousado falar-lhe bem claramente da peça ”O Rei se diverte”. Há coisas que só se reconhecem
em última análise; mas é bem verdade que aprecio pouco a peça, e menos ainda o prefácio, que não me
parece digno e à altura. Acho que não é este grito de santa e justa indignação, pelo qual o Sr. Hugo devia
responder a uma acusação pública de imoralidade. Aguardemos, no entanto, a defesa. Como nossos
tempos são funestos ao talento! É preciso ser indulgente com ele, pois o próprio gênio não luta contra
eles com certeza de vencer. Não desespero, é claro; mas, o confesso, estou inquieto e os ternos e severos
17
conselhos de Sainte-Beuve no seu artigo sobre as ”Folhas de Outono28” me parecem hoje uma voz do
alto, uma advertência solene que é preciso, sob pena de queda, que o Sr. Hugo se recolha e medite
profundamente. Sua palavra tão fraterna também tinha peso junto a ele, meu caro Victor. Então, você
não vai achar mais alguma inspiração amiga? Ela atingirá, tenho certeza, o objetivo escolhido por você.
Adeus, escreva-me quanto antes. É preciso, pois estou esperando. Bem que gostaria, se ousasse,
de abraçar seu bom pai; faça isso por mim. Ele não poderia ofender-se com este testemunho de todos os
meus sentimentos de veneração e de profundo devotamento.
Sempre seu
Léon Le Prevost
12- ao Sr. Pavie
Inquietações de V. Pavie na perspectiva de se casar. O Sr. Le Prevost o encoraja: o amor humano é a
expressão do dom de Deus. Apoiar-se em Deus.
Paris, 27 de dezembro de 1832
Sinto-me um pouco reerguido, um pouco menos desanimado, meu amigo, à medida em que
você deposita sua confiança em mim. Aqueço-me com o ardor de seus sentimentos e esse doce calor
afrouxa, amolece meus pobres membros adormecidos. Feliz de você, amigo, por acender assim seu
fogo, por convidar os outros à sua lareira! E você, todavia, se queixa. E tem medo de se queimar! E
você tem medo do incêndio; vá, vá sempre. O incêndio não é chama e luz ainda? Sim, você terá choros,
prantos; será torturado; mas tudo isso é a vida da alma. É o poder de abraçar e de amar que se revela.
Ah! meu caro Victor, chore-as lentamente, essas preciosas lágrimas; bendiga seu amargor, e do meio
dos tormentos que lhe vierem talvez, diga a Deus que fez jorrar em vós a fonte delas: Obrigado! Veja ao
seu redor, o Sr. Gavard, eu, vários outros que eu sei, outros ainda que você conhece. Semelhante
faculdade lhes foi dada? Não. Aspiraram à idade de amar e já ela havia passado e ainda aspiravam!
Então, cobrindo com tristeza suas frescas e jovens esperanças, estenderam a mão a uma mulher. O que
importava a qual? Para viver perto dela docemente, dando-lhe apoio, respeito, ternura até, tudo fora do
amor, o verdadeiro e puro amor, pois não tinham para dar. E você, meu amigo, apertando suas duas
mãos sobre seu coração, quando bate depressa demais, você sente pular nele o amor; e para você uma
moça, a única talvez, guardada também em ar mais puro, menos nublado que o de nossos dias,
desabrochou, por assim dizer floresceu, sem que pensamento nenhum ainda, sem que nenhum olhar
até tenha passado sobre ela; Como! Deus lhe deu tudo isso, e você se queixa. Cuidado! Aconteça o que
acontecer, portanto, meu amigo, mesmo na pior das hipóteses, evite uma pena violenta demais ou
insensata, que rejeitaria ao rosto do céu os dons bem raros que lhe tem feito; como diz um de nossos
mestres: se a mão do Senhor o dobra, curve sua cabeça e chore”. Mas, eu tenho confiança, o Senhor o
reerguerá depois e, se devesse receber essa acabrunhadora recusa tão temida, tão temível, não o
acharia menos adiantado por isso; bem mais, veria nisso um passo, um grande passo dado. Tenho
medo, querendo aconselhá-lo, de falar como insensato; mas você saberá muito bem dar a minhas
palavras a influência e o peso que elas merecem, somente isso, e prestar atenção a uma voz mais
elevada e bem mais sábia que a minha. Dito isso, a mim parece que se Deus lhe disse mesmo que essa
mulher era digna de você, que você era feito para ela, Ele a dá para você, ela é bem sua e você pode
acolhê-la. Entendo que é preciso atravessar os pequenos obstáculos de vaidade, as pequenas muralhas
da sociedade, passar por cima e não ver ali montanhas inacessíveis. Uma vontade firme e perseverante
é mais forte que tudo isso. Recusarão. Que seu querer seja mais enérgico. Dirão não. Grite, berre sim,
mil vezes sim, sendo o último a gritar; mas você não chegará até lá. Farão coro, e todo o mundo cantará
sim com você. Mas para isso é preciso estar bem seguro de si; não se deve andar sozinho, é preciso ter
Deus consigo, interrogá-lo muitas vezes pelo olhar e só continuar a caminhada quando tiver dito para
avançar. Acho que as coisas vão desse jeito até agora, e pelo que sei, elas me parecem tais como hão
de ser. Essa mãe, de nariz para o ar, com o ouvido de atalaia, obedece à natureza, nada mais. É
guardiã de sua filha, vigia sobre sua criança, pois com dezesseis anos, se tem necessidade ainda de sua
mãe. Dois anos mais tarde, ela seria menos desconfiada e se deixaria aproximar. Assim fazem os
próprios animais com seus filhotes. Arreganham os dentes e grunhem nos primeiros tempos, mas mais
28
O título da coleção é inspirado por um verso de seu amigo e discípulo Pavie. Sainte-Beuve, que oscilará entre a
crítica e a amizade, tinha apreciado os versos serenos e tranqüilos, encontrando neles moderação, familiaridade e
ternura (“Lorsque l’enfant paraît...”).
18
tarde os deixam pegar e eles próprios os oferecem às carícias e à afeição do homem. Mas todo
sentimento autêntico torna clarividente tal mulher que sem isso teria sido incapaz de atingir com o olhar
a fronte de um homem, verdadeiramente homem como você. De repente iluminada por seu amor de
mãe, ela lerá correntemente numa alma mistério, abismo profundo até então para ela. Confie-se
portanto a tudo isso, meu amigo, a mil coisas ainda que ignoro, que ninguém de nós sabe, que no
entanto não deixam de existir e, numa esfera que não podemos atingir, fazem peso e contrapeso na
balança de nossos destinos. Adeus, deixe-me informado, você está bem assegurado de minha viva, de
minha terna simpatia, e alegria ou pena, você sabe, irá direto de seu coração ao meu coração.
Seu amigo e irmão,
Léon Le Prevost
Como sempre respeito e ternura para seu bom pai.
13- ao Sr. Pavie
O Sr. Le Prevost adivinha que o projeto de casamento é contrariado. Seu desejo de partilhar o sofrimento
do amigo.
Sexta-feira 11 de janeiro de 1833
Seu silêncio me deixa inquieto, meu caro Victor. Você não devia, após ter me feito pressentir-lhe
uma crise violenta, uma tristeza horrível, me deixar nesta incerteza. Se você está sofrendo, como receio,
não deve ficar aflito sozinho, isso não seria de um amigo. E você, meu caro Victor, que sabe todo o peso
desta palavra amizade, tudo o que ela impõe de deveres e dá de direitos, você não quereria faltar agora
à lei mais santa, mais rigorosa, à da partilha das penas, da efusão da dor. Portanto, por custoso que isso
lhe seja, meu amigo, se você sofre, deve falar-me, escrever. Em tal caso, me parece menos difícil que
falar; além disso, eu o conheço bem, algumas palavras me bastarão, adivinharei o resto. Deus me livre
de fazer violência à sua pena que gostaria de se manter fechada no mais fundo de sua alma,
permanecendo ali secreta e velada para todos, se eu não tivesse convicção, se não encontrasse em mim
plena certeza que você me deve confiança, que esse dever, uma vez cumprido, como todo dever
qualquer que seja, lhe será salutar e lhe dará mais tranqüilidade.
Estas linhas serão bem insensatas se, como ainda o espero, você não tivesse mais as aflições que
receio para você; mas insensatas, o que importa? Não é com palavras que falamos entre nós; existe uma
outra linguagem invisível e sem som que, pela simples visão deste papel, saberá se fazer ouvir por você.
Então, você pensará, meu amigo, que minha inquietação, fundada ou não, é bem triste, que não se deve
deixá-la para mim em vão, ou antes, que precisa confirmá-la e me deixar ficar triste com você.
Adeus, meu amigo, escreva para mim, aguardo impacientemente.
Todo seu pelo coração.
Le Prevost
14- ao Sr. Pavie
Com tato e delicadeza, o Sr.Le Prevost exprime a seu amigo sua união de coração e de alma. Conselhos
de paciência. Recorrer à oração.
Terça-feira 12 de fevereiro de 1833
Penetro tanto quanto posso em sua tristeza, meu querido Victor. Você está sofrendo. Basta. Não
examino se tem motivo, o que importa isso? A dor não é menos viva; oh! sim. Quando você apoia sobre
mim sua cabeça para chorar, a minha se reclina também para chorar com você. Será uma fraternidade a
mais entre nós. Outros procurarão distrações para você, motivos de consolação; meu papel é sentir
como você, temer, esperar, ter lágrimas e alegrias com você e como você, a fim de que, meu irmão,
nossas duas almas, assim unidas, sejam mais fortes contra o sofrimento, não sucumbam sob a
felicidade. Se toda esperança vem a nos falhar um dia, então, meu amigo, não terei mais palavras, nem
murmúrio ou canto para adormecer sua dor. Teremos somente lágrimas, lágrimas simpáticas que se
entenderão, se dirão uma à outra o que há no coração, de onde jorram, de ternura e de amargor, de
abismo sem fundo que não se ousaria sondar. Mas hoje, sob seus temores, sobra ainda um pouco de
esperança, um raio brilha para você, parecendo-lhe fraca e pálida estrela que se apaga; para mim, ponto
luminoso de futuro e de dia que vai nascer. Firme, se é possível, sua vida, olhe bem e dirá como eu:
19
não, não estamos mais em tempos em que um amor verdadeiro, puro e profundo deve se sufocar na
alma que o concebeu; a qualquer alma que ele vá bater, creio firmemente que se lhe abrirá. Embora
possa não estar absolutamente de acordo com a minha opinião sobre esse ponto, você concordará
comigo que uma afeição livre de todo interesse, de todo individualismo, que um devotamento exaltado,
o amor enfim, tal como o entendemos, totalmente fora de si, sem que nada o ligue ao eu e possa fazê-lo
retornar para esse eu, você concordará que um tal amor, digo, é bem raro, e que não há ninguém, fosse
um bruto estúpido, que não lhe sinta o preço, que por instinto, cálculo ou simpatia não se apresse a
recolhê-lo; pois, para uns, é a esperança da felicidade, para outros, nós por exemplo, a própria vida, o
sine qua non da existência. Então, por que quer que uma mulher que parece inteligente e também
dedicada e uma moça tão pura que não pode estar muito longe do céu, por que você quer que somente
eles, entre todos, fiquem insensíveis e de gelo, sob um raio que aquece e funde tudo? Isso não poderia
acontecer, isso não vai acontecer. Você queria, assim que essa moça lhe foi de repente revelada, de
repente fazê-la descer em você; não se devia contar com isso; nessa idade se pode soletrar, mas não ler
correntemente em uma alma; você não leva bastante em conta seus dezesseis anos. Precisa que o
novelo ainda embrulhado se desembarace aos poucos; precisa enfim aqui a iniciação lenta e sucessiva,
já que a revelação intuitiva não seria para agora. Tenha portanto paciência, meu amigo, não precipite
assim as coisas, com o risco de tudo quebrar; procure tornar a sentar-se e, como seu amigo Cosnier o
aconselha sabiamente, deixe as palavras já faladas descer e cair gota a gota. Ah! se você pudesse ouvir
o eco de sua queda, a harmonia encantadora que se elevará na jovem alma, oh! você seria feliz demais.
Conjuro-o, meu amigo, seja mais calmo, não perturbe nada e o ouvirá. Sua imagem, pensa você, não é
a de seu sonho; seguramente, pois uma moça bem nova, tive disso recentemente um exemplo notável,
nunca sonha senão com faces brancas e rosadas e cabelos morenos e encrespados. Mas deixe acontecer
e verá se a verdadeira beleza de um homem, os reflexos de uma bela alma reluzindo sobre a fronte, na
voz, no porte, nos gestos, se tudo isso, por si só, não cria logo pano de fundo, desenho, cores em seu
espírito, não acaba enfim um retrato novo cujo original será você. Para terminar, acrescento enfim que
nunca no mundo existiu moça de dezesseis anos que, à primeira palavra de casamento, não tenha
rompido secamente com uma recusa, apavorada, como você diz, muitas vezes com verdadeira cólera.
Não conheço tão bem a mãe. Não saberia falar dela com tanta segurança, no entanto, ficando nas
generalidades, há para mim, toda parcialidade de amigos à parte, mil a apostar contra um que você terá
pleno sucesso junto a ela. Somente, meu amigo, não deve desanimar e, como uma criança emburrada,
dizer: guardarei minha pena só para mim; não, não deveria acontecer que uma recusa, se viesse, (e pode
muito bem vir) dê a seu coração um golpe sem eco que o envenenaria e feriria somente a você. Os golpes
retumbantes são menos perigosos e, percutindo no ouvido de quem os dá, o comovem e lhe fazem dizer
“basta”. Você não poderia, então ver essa mãe a sós, e, controlando-se um pouco, falar com ela: sua
submissão, suas promessas, esse acento de verdade que é preciso suportar de todo o jeito, teriam um
efeito, senão imediato, pelo menos seguro, e que, direta ou indiretamente, chegaria a seu coração. Podese rejeitar um homem que pede um simples lugar, como todos, perto da lareira, que diz: ficarei sem olhar
nem falar, estarei como todos, indo e vindo? e se um dia, não importa quando, acostumado a me ver,
tendo granjeado fé em mim, você me diz: fique, então ficarei. Senão amanhã, depois, em qualquer hora
você poderá me dizer: Vá e adeus. Tome coragem, meu amigo, não indague em vão se pode haver
alguma causa de má disposição contra você; não há, não pode haver, ao máximo certa ilusão de vista,
certo capricho de ótica, acidente passageiro da luz, que um raio dissipa iluminando melhor. Eis aí, tenho
confiança, tudo o que se pode encontrar de obstáculo entre vocês. Quantas primeiras recusas! Que um
pavor infantil não tenha portanto tanta força para perturbá-lo. Seja homem, seja sobretudo, meu irmão,
crente, esperando em Deus, que tem em suas mãos os fios de tudo isso, reze a Ele. Eu, não esqueci um
só dia de fazê-lo, desde o dia em que lho prometi. Adeus, meu amigo, escreva-me todas as vezes que
tiver força e não aguarde apenas fatos decisivos. O que se passa em você, preciso conhecê-lo também e
quero também participar nisso. O Sr. Gavard sabe, como você viu. Não tenho necessidade de lhe explicar
as razões; elas me pareceram de consciência e de sentimento. Você as entenderá, aliás.
Adeus de novo. Abraço-o com ternura.
Le Prevost
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15- ao Sr. Pavie
Reuniões em casa de Montalembert. Próxima vinda a Paris de V. Pavie.
Sábado, 9 de março de 1833
O Sr. Sainte-Beuve, que encontrei domingo passado à noite, meu caro Victor, em casa do Sr. de
Montalembert29, (há algum tempo não achei espaço em minhas cartas para lhe falar dessas reuniões do
domingo) me informou, para minha grande alegria, que você ia chegar, que ele o esperava daqui a
poucos dias, talvez amanhã, ou pelo menos pouco depois. Sem perder tempo, corro, eu, desde o dia
seguinte, além das pontes gritar a notícia ao Sr. Gavard e me felicitar com ele. Em seguida, começo uma
carta para você, a fim de lembrar-lhe que, à sua escolha, você tinha aqui residência sempre pronta, ou na
casa de um, ou na casa do outro. Depois, refletindo que você preferiria seu antigo domicílio, no
pensamento também de que minha carta o cruzaria no caminho, a rasgo e aguardo. Mas isso já dura
vários dias. A inquietude me vem pelo fato de ter concebido uma alegria antecipada e apressada demais.
Ontem, estive na passagem do Commerce [“prendre le vent30”] em busca de notícias; estão esperando
por você, mas sem aviso positivo seu. O Sr. Sainte-Beuve, por acaso, estava na sala baixa. Ele se
admirava de seu silêncio e me parecia menos seguro. Essa longa exposição só tem um objetivo, meu
amigo: quer dizer que toda essa solicitude, essa espera, essas alegrias de seus amigos formam laço e
compromisso para você; que se seu pensamento de viagem está indeciso ainda, devem arrastá-lo, que se
fosse até para nascer, tudo isso lhe tira sua liberdade e o obriga a querer, contra sua vontade. Venha
portanto, meu amigo, a exposição não poderia ir bem sem você, e talvez seja por isso, ela não vai muito
bem até agora. Mas, com você aqui, tudo será melhor. Pois, todos teremos outros olhos para vermos,
outros corações para sentirmos.
Aguardava, bem impaciente por vários motivos, uma carta sua Se você demorar um pouco ainda
para vir, escreva-me, lhe peço. Minha última carta talvez lhe tenha desagradado, por excesso de
confiança em um futuro que você interpreta diferentemente, mas eu não saberia, de qualquer jeito, ver
diferentemente a coisa, em todos os sentidos. Sob todos os pontos examinados e revirados, ela me traz
sempre a mesma conclusão. Parece-me impossível que um pouco mais cedo, um pouco mais tarde, o que
todos aqui vemos tão bem em você seja negado e desconhecido pelos outros cegos sem razão. Adeus,
meu amigo, até logo, espero. O Sr. Sainte-Beuve não tinha certeza se o Sr. seu pai também chegaria.
Seria dupla felicidade, mas se não devêssemos ter tudo, que, pelo menos, não nos seja tirado tudo;
repito para você, o aguardamos.
Léon Le Prevost
Se nossa casa da rua Cassette fosse escolhida por você, lembre-se que você gozaria nela de uma
inteira liberdade. Tenho duas entradas, duas peças completamente separadas. Você seria dono em sua
casa. Acrescento com perfeita verdade que isso não teria para mim a sombra de incômodo nem de
atrapalhação. Veja isso e faça como quiser.
16- ao Sr. Pavie
Coração compadecido do Sr. Le Prevost. Santuário inviolável da alma,onde só Deus penetra. Exortações à
confiança. Reuniões na casa de Montalembert. O encanto que causa Montalembert em seus convidados.
O Sr. Le Prevost lamenta a ausência de Lacordaire.
Paris, 2 de abril de 1833
É bem tarde para lhe escrever, meu caro Victor, e corro grande risco, senão de chegar atrasado,
pelo menos de chegar em mau momento, pois vindo a nós você mesmo, seria mais simples aguardar um
pouco e não colocar este prólogo às nossas conversas. Escrevo no entanto, e, apesar também da má
disposição em que me sinto, tudo isso não me parece constituir obstáculo entre nós. Parece-me, aliás,
que você não deve ser deixado demasiado tempo a si mesmo e que é bom, de vez em quando, uma voz
amiga acordá-lo, trazê-lo de volta a este mundo e fazê-lo crer ainda no futuro. Você está agora mais
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A residência do conde de Montalembert estava no no 18 da rua Cassette. O Sr. LP habitava, nessa época, no no 4 da
mesma rua. Nos domingos à noite, se reúnem na casa do jovem aristocrata um bom número de escritores, artistas,
filósofos, “os mais ilustres campeões da escola católica”, escrevia o jovem Ozanam.
30
“prendre le vent”, termo próprio aos caçadores : ir ao encontro do animal a caçar.
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calmo, meu amigo, vendo as coisas com mais nitidez e firmeza ou abatido, desanimado, com falta de ar?
Alternando uma coisa e outra, sem dúvida; mas de tão longe, não posso, senão muito mal, acompanhar
essas alternativas. Infelizmente, por viva que seja minha simpatia, por íntima que seja a fusão de nossas
almas, sinto aqui minha impotência.
Há coisas que não se podem dizer nem mesmo adivinhar, que só
Deus penetra, que talvez o amor também pode explicar ao amor, mas que, fora disso, permanecem
mistério impenetrável. É bom sem dúvida que a alma tenha assim asilos invioláveis onde, sozinha com
Deus, se abriga contra todo contato, mesmo o mais amigo e o menos irritante. Por isso, não cederei à
vontade de seguir sua alma ali dentro, mas irei até o limiar pelo menos, meu amigo, vigiando e orando,
até a volta. Queria mais uma vez aqui antes de sua chegada lhe dizer toda minha terna compaixão, quer
dizer (voltando ao sentido primitivo da palavra) como minha alma recebe vivamente repercussão de todas
as impressões da sua. Como vivo em você, como principalmente nestes últimos tempos sua confiança me
havia tocado profundamente. Sim, queria dizê-lo a você, pois, não sei, parece-me às vezes que, aqui, mal
ousarei lhe falar, interrogá-lo com tanta efusão. Parece-me que a palavra me virá dificilmente e me
parecerá demasiadamente rude para abordar este ponto tão sensível, tão púdico do coração e que você
terá quase sempre de adivinhar o que não direi. Mas é a você, meu amigo, que é preciso dar tal
advertência? Não é, aliás, que sua situação me pareça unicamente sob o lado doloroso, longe disso;
minhas conversas com Cosnier que se apresentou mais confiante ainda do que eu, me confirmaram
plenamente em minhas esperanças. Mas não ignoro que essa confiança, você mesmo não a pode ter
senão por breves instantes, e que, na maioria das vezes, o medo e o desânimo devem assaltá-lo. Além
disso, seu bom pai, tão cheio de ternura também, se identificou tão bem com você que se tornou você
mesmo, que ele amou, esperou e tremeu com você. É portanto a alguns passos mais longe que você
precisa procurar os prognósticos do futuro, os reflexos menos incertos da realidade. E tudo isto, eu o vejo
em minha confiança íntima e como que sobrenatural, na confiança dos seus outros amigos, em mil coisas
que escapam à análise, mas que a mim prenunciam de longe o porto para você, como no mar, a terra se
revela de longe por não sei qual perfume indizível que grita a todos “terra a vista” muito antes do vigia.
Essas, eu sei, não são razões; mas o que há de mais leve, o que há de mais insignificante do que razões:
presságios, sonhos, pressentimentos me parecem na verdade, e a você também, acho, mil vezes mais
aceitáveis e mais fiéis. Espero portanto e sempre. Se possível, adquira confiança você também, meu
amigo.
É verdade que para não misturar às nossas conversas elementos estranhos, tinha descuidado de
lhe falar das reuniões Montalembert, em outra época assunto de comunicações tão interessantes para
você. Com efeito, essas reuniões de irmãos por vezes sonhadas por você, em que a unidade de crenças
forma também unidade para os corações, ali se realizam. Ali, orgulho, vaidade, timidez irritável e
importuna são colocados de lado. Fala-se, aborda-se um ao outro, ama-se sem saber os nomes daqueles
com quem se trocam palavras e sentimentos. Não é que todos, sem exceção, sejam católicos, mas a
massa, o povo, se posso dizer, é essencialmente um, essencialmente católico. Quanto às sumidades, não
é absolutamente assim, mas o lugar influencia e torna um pouco mais maleáveis os mais inflexíveis. O
próprio Sr. Lerminier ali é um pouco menos seco e temerário que em outro lugar. Sainte-Beuve,
Ballanche, o Barão de Eckstein, Mickiewiccz, o Conde Plater, Liszt, de Ortigues, de Coux, d`Ault-Duménil,
Ampère31 e muitos outros movimentam em tudo isso mil idéias, colhem mil simpatias e dão vazão e
alimento a esta necessidade de admiração e de amor que todos nós temos na alma e que o oprime tanto
quando fica inativa32. Mas não teria palavras sobretudo para lhe dizer toda a amabilidade, toda a sedução
31
Lerminier (1803-1857), publicista popular nos anos 1830-1838.---- d’Eckstein, (1790-1861), oriundo do
Danemark, um dos precursores do catolicismo liberal.---- Adam Mickiewicz (1798-1855), célebre poeta polonês, de
origem lituaniana. Chefe da jovem escola romântica polonesa, instalou-se em Paris em 1832, onde publicou Le Livre
de la nation et des pèlerins polonais. ---- Conde de Plater, cf. acima, nota 18 ---- Franz Liszt (1811-1886), o célebre
pianista húngaro acabava de chegar em Paris para aperfeiçoar sua formação artística e literária. ---- Joseph
d’Ortigues, nascido em 1802, musicógrafo; juntou-se à equipe do Avenir. ---- Charles de Coux, (1787-1864),
economista, discípulo de Lamennais, colabora no Avenir, depois, na Université Catholique, que retomará, com a
Revue Européenne, a difusão das idéias de Lamennais. ---- Georges d’Ault-Duménil, nascido em 1814; antigo
oficial, havia participado na conquista da Algéria em 1830, com o marechal de Bourmont. Colaborador do Avenir. ---Jean-Jacques Ampère (1800-1864), filho do célebre físico, era professor de história e de literatura francesa no
Collège de France.
32
Encontra-se nas cartas de F. Ozanam uma descrição do salão de Montalembert, que é interessante comparar com a
do Sr. LP. (VPL,I, p.34). “Respira-se nessas reuniões um perfume de catolicismo e de fraternidade. O Sr. de
Montalembert tem um rosto angélico e uma conversação muito instrutiva. Os pontos de doutrina sobre os quais
Roma pediu o silencio não são propostos para exame; a mais sábia discrição reina a esse respeito. Mas fala-se de
literatura, de história, dos interesses da classe pobre, do progresso da civilização. Animam-se, aquecem o coração e
levam consigo uma doce satisfação, um prazer puro, uma alma dona de si, resoluções e coragem para o futuro.” (A
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animadora do próprio Sr. de Montalembert. Ele fala a todos e tão cordialmente que desde o início cada
qual sente-se ligado a ele para sempre. Não há canto tão escuro que lhe escape, grupo tão tímido que ele
não vá em um instante animar com sua conversa, atirando nela algumas palavras sobre as quais se
conversa a noite inteira. De resto, apagando-se tanto quanto pode, ele quer ser, em casa, o laço de união
entre todos e não o chefe. É de uma modéstia cândida, cede sempre na forma, reservando somente o
fundo, sacrifica-se, enfim, e mostra-se cristão no seu salão como em qualquer outro lugar, provando a
todos que não há realmente amabilidade, graça, bem como virtude, grandeza e força senão nisso. Eu
poderia continuar longamente neste tom, mas acho bem melhor deixá-lo julgar por si mesmo. As reuniões
durarão ainda toda sua estadia aqui e você virá a elas, ele o conhece e o deseja. Uma noite, não sei
como, ele veio me dizer: “Victor Hugo me leu ontem uma carta bem boa que lhe escreve um jovem
chamado Pavie, para lhe recomendar um Polonês”. Você me vê exclamar daqui: “Pavie, Victor Pavie, mas
ele é meu amigo, é meu irmão. Ele virá, você o verá”. E Boré, me apoiando, disse que você era um
católico ardente, discípulo de Lamennais, não sei mais o quê! Tanto assim que o Sr. de Montalembert o
espera quase como nós e, como nós, apertará sua mão. Você poderá também ver em Paris o Sr.
Lacordaire, ele deixou a Bretanha. Não vem aos domingos, não sei bem por quê, talvez por escrúpulo de
submissão mais absoluta à vontade do Santo Padre. Lamento muito, pois eu teria ficado feliz em vê-lo.
Não é preciso dizer que os seus laços com o Sr. de Montalembert não se afrouxaram, que eles se
encontram diariamente. Não sei mais nada a respeito. Tudo isso é dito detalhadamente, meu amigo, mas
eu o poupo não indo mais longe; você partilhará, acho, minhas simpatias33 por este lar de comunicações,
de doce efusão, e terá comigo uma só queixa, é que possamos antever-lhe a próxima interrupção. O Sr.
de Montalembert irá, creio, à Alemanha na próxima estação.
Adeus, até logo! Até o mais breve possível. Gavard convida-o também ardentemente assim como
seu bom, três vezes bom pai. Ele parece bem decidido em acompanhá-lo nas suas viagens, e, desta vez,
está mais certo de sua resolução.
Como lhe sou grato pelo que você me diz sobre o quarto oferecido em minha casa! Como nos
entendemos bem! Como essa palavra “dedicação”, uma vez bem entendida, revela muitas coisas! Você
contribuiu bem, meu amigo, para me fazer descer mais ao fundo no sentido íntimo desta coisa e creio que
está aí todo o segredo de minha terna e tão infinita amizade por você.
Léon Le Prevost
17- ao Sr. Pavie
Testemunho de amizade. Comentário de um sermão de Lacordaire em Saint-Roch. Comentário sobre
diferentes produções literárias.
Terça-feira 28 de maio de 1833
Precisava, meu amigo, deixá-lo respirar um pouco após seu retorno, deixá-lo digerir em paz
Paris e nós, com demasiada pressa, talvez amontoados durante sua breve estadia aqui. Precisava enfim,
deixar a ausência se definir nitidamente. Portanto, não lhe escrevi até agora, apesar do desejo de fazê-lo
muitas vezes. Dizia a mim mesmo: ele descansa, ele está dormindo; não o acordemos; mas o olhei
dormir bastante tempo. Ali está você bem restabelecido. Vamos! levante-se e fale comigo. Diga-me bem
sinceramente como você está, se sua vida está de novo organizada por aí e se recolocou em seu devido
lugar todas as suas coordenadas, por um momento deslocadas. Diga-me em que estado se encontra seu
espírito, em que modo, em que tom. Diga-me, meu amigo, o que lhe disseram na sua volta a respeito
das coisas que o interessam e o que sucedeu depois. Se esgotasse a série de minhas perguntas, elas
iriam longe ainda e o seu final prolongado ultrapassaria certamente este curto papel. É, você vê, que
acostumado como estava a vê-lo, a ouvi-lo todos os dias, achei depois um grande vazio, um grande
silêncio, e algumas palavras suas, jogadas para encher isso, cairiam no fundo, bem no fundo de minha
alma e fariam nela um bem que não consigo dizer. Fico envergonhado de voltar a pedir, quando você
tem dado tanto aqui, não reservando nada de si, entregando-se todo inteiro pela dedicação e, a exemplo
Falconnet, 5 de janeiro de 1833). Ao mesmo, no 18 de março: “falou-se muito da miséria do povo e tiraram-se daí
presságios sinistros para o futuro. De resto, fala-se muito pouco de política e muito de ciência.”
33
Num texto de M. de Montront, amigo íntimo do Sr. LP, se adivinha a irradiação que podia ter o Sr. LP em tais
reuniões: “Poderiam estranhar o fato de encontrar o Sr. LP no meio desse mundo brilhante, ele tão humilde, tão
simples, mas não estava deslocado ali, de maneira nenhuma. Estava à vontade em todo lugar, levando para todo lugar
esse tom bondoso, essa benevolência e essa alegria até, que são o apanágio dos espíritos superiores...” (cf
VLP,I,p.34).
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do Mestre, dizendo: bebam e comam. Não pode haver nesta aproximação, espero, nada de ruim. Não
considero como divina essa comida, amo-o em Deus; Ele o sabe, e se, às vezes, certa exaltação demais
terrestre inebria minha cabeça, fecho os olhos e isso passa. Oh! sim, amo você em Deus! Todo
sentimento contido, disse Madame de Staël34, tem pouca energia. Ela não via portanto que o amor pode
comprimir o amor e que então há uma dupla força e dupla energia, de onde resulta a submissão, para
nós a manifestação mais elevada do poder de amar. Fique, então, tranqüilo, meu amigo, conservarei o
fogo, mas rejeitarei a fumaça. Fico um tanto inquieto, meu amigo, achando que o pensamento que me
domina felizmente hoje e para sempre, espero, possa voltar em minhas cartas inevitavelmente demais
até a monotonia, até a preocupação maníaca. Sem dúvida, pode-se dizer: onde está o tesouro, aí está o
coração, ou, com São Paulo: Nos stulti propter Christum. Si insanimus, Deo insanimus35. Sem dúvida não
se vê o que cristãos conversando entre si teriam de melhor a dizer a não ser coisas de Deus ou
relacionadas com Deus; mas também, um sentimento divinamente inspirado pode soar mal,
atravessando a palavra humana, mas a atenção não é sempre piedade, é preciso aguardá-la e não
cansá-la. Sinto isso. Diga-me, então, meu amigo, se você notou em minhas cartas, em minha
conversação ou meus atos, alguma disposição a exagerar em tudo isso. Observo, por ocasião disso, que
você é excessivamente sóbrio para dar conselhos. É modéstia exagerada. Julga-se mal a si mesmo. Uma
advertência, muitas vezes, faz grande bem e, da minha parte, me aconteceu várias vezes sentir falta da
sua. Se você me ama, ia dizer; eu me corrijo: Se você quiser me agradar, me aconselhará todas as
vezes que for conveniente e mais do que menos.
Alguém lhe disse que o Sr. Lacordaire tinha pregado? Em todo caso, lhe direi algumas palavras
sobre isso. O sermão acontecia às 7 horas da noite em Saint-Roch, um domingo. A temperatura e o sol
eram esplêndidos, quer dizer que a assembléia adorava a Deus do lado de fora talvez, mas estava pouco
numerosa ao redor da cátedra. Em compensação bem composta, [todos os amigos de Montalembert],
inclusive o século 18 e toda a Polônia refugiada. Mas se uma intenção por demais mundana havia
convocado a maioria, receberam na hora seu castigo: houve alimentação para os cristãos, mas somente
para eles. Toda a parte humana da coisa: colocação, lógica, eloqüência, tudo isso naufragou; não sobrou
nada ao orador, seja por emoção, seja por má disposição, a não ser o plano e os conteúdos de seu
discurso, com sua encantadora voz tão untuosa e tão penetrante, mas, mesmo assim, faltando naquele
dia de hábil direção, demasiadamente poupada e mais tarde ameaçando apagar-se completamente. O Sr.
Lacordaire não tinha escrito seu discurso, com razão contava com sua facilidade para organizar sua
matéria e acomodá-la melhor, segundo a inspiração do auditório. Mas isso falhou para ele, por quê? Não
sei, mas em toda a parte o desenvolvimento faltava, grandes pensamentos eram jogados, grandes
conteúdos eram esboçados, mas o desenvolvimento, mas a ligação, a fusão harmoniosa não puderam
chegar, a inteligência mais fraca supria a isso; teria sido, parece, obra de servente de pedreiro, no
entanto por falta disso, a coisa foi totalmente falha. Falo aqui humanamente, claro, pois não sei se
cristãmente não se poderia dizer que assim despojada de artifício e quase de invólucro, a palavra não era
ainda mais pura, mais castamente introduzida na alma. É preciso reconhecê-lo porém: dispensa-se
dificilmente a participação exterior e, incontestavelmente, esse efeito particular só podia ser muito
restrito. O Sr. Lacordaire ficou na hora, não desanimado, a coragem como a esperança lhe vêm do alto,
mas um pouco emocionado. Tinha que ser, e na sua humildade, bem convencido agora de que é preciso
falar à juventude, a nós seus amigos e seus irmãos, mas não numa cátedra, não a uma assembléia de
Igreja. Teria sido necessário talvez diminuir-lhe o efeito dessa primeira tentativa; ele teria tentado de
novo, e, melhor preparado, teria atingido plenamente seu intento; mas não pesamos sempre nossas
palavras. O Sr. de Montalembert, como cristão, como amigo, acreditou no seu direito de falar claro e usou
largamente dele; outros ainda sem dúvida e eu mesmo que o vi pouco depois, não insisti bastante sobre o
que havia de grande na coisa como tal. Uma interrupção me impediu aliás de fazê-lo, uma visita que
sobreveio. Lastimei isso muito depois e tanto assim que lhe escrevi algumas palavras para completar meu
pensamento. Ele me deu uma resposta tão cheia de bondade, de tocante humildade que você ficaria
encantado como eu. O atrativo poderoso que Deus lhe deu pela juventude, a experiência que tem de seus
sentimentos, a sua consciência da necessidade para ela de uma alma que a compreenda, tudo isso, disse
ele, o leva a trabalhar por ela. “Precisa saber, acrescenta, entender a vontade da Providência que
habitualmente só se manifesta a nós por mil pequenas coisas que agem sobre todos os pontos de nossa
alma e já a fazem decidir antes que tenha refletido. No caso em que me encontro, a reflexão está de
acordo com a atração íntima. De resto, as coisas se produzem aos poucos, sem barulho, e não me
34
Filha de Necker (ministro das finanças de Louis XVI), Mme de Staël (1766-1817) ilustrou pelo exemplo de uma
vida apaixonada e por suas obras literárias, o que será mais tarde a ideologia romântica. Para ela, a poesia tem de
exprimir os tormentos das almas ao mesmo tempo inquietas e melancólicas. Levado, por sua natureza sensível, a
expandir seus sentimentos, (“alguma exaltação demasiadamente terrestre...”), o Sr. LP saberá dominar-lhe as
manifestações excessivas.
35
Nós somos loucos por causa de Cristo. Se somos loucos, somos loucos para Deus (cf. 1Cor 4,10)
24
apresso em atuar, sabendo bem que Deus disporá tudo para o melhor, desde que me abandone à sua
vontade”.
Isso não lembra, meu amigo, Fénelon dizendo: deixem-se levar pelo sopro da graça, não resistam
à vontade de Deus, tornem-se como uma boa criancinha, que se deixa carregar sem mesmo perguntar
para onde está sendo levada.
Eis aí muitas citações, meu amigo, demais talvez de uma só vez; por medo de continuar citando,
deixo de lhe falar dos Pèlerins polonais, que você já leu sem dúvida; ainda está ali um homem segundo
nosso coração. Você acha como eu que o prefácio pelo Sr. de Montalembert não é de ouro tão puro como
a própria obra36? A indignação é legítima, sem dúvida; mas o ódio em Deus ainda é amor. É que a
infelicidade coloca bem perto de Deus. Pellico37, Mickiewicz encontraram ali revelações tão luminosas que
voltaram dali com uma auréola. Oh! se a eles também como a um outro poeta se dissesse: amigo, de
onde vens etc.? Oh! como seria linda sua resposta!
O Sr. Gavard lhe escreveu e deseja se encarregar de lhe remeter, com seu parecer, suas
composições. Portanto, não tenho de lhe falar delas, basta um; uma palavra de explicação somente: você
pareceu entender sobre o Organiste38 que não tinha sido levado a sério por mim; longe disso. Disse que
o estilo me parecia por vezes demais familiar. Entendia que a forma em alguns trechos não estava
suficientemente modelada, se posso dizer. A coisa não estava ali à luz da arte, mas permanecia no mundo
onde se vive, onde se fala, no mundo familiar. A outra composição, embora menos elevada sem dúvida,
sob esse aspecto é mais irrepreensível. Assim é somente que a entendi, ao dizer que estava mais acabada
e podia, de preferência à outra, ser imediatamente publicada. Essa explicação não tem muita importância.
Desejava, porém, lhe fornecer; se tiver alguma confiança em minha circunspecção e prudência, você me
devolverá o Organiste, após tê-lo retocado um pouco e posso, creio, responder de colocá-lo de maneira
conveniente, assim como o outro, a moça ou lacrymae [as lágrimas]. Você não esquecerá, meu amigo,
que tem um medalhão que me é bem precioso. Sonhei depois, no entanto, que seu bom pai desejava
talvez ficar com ele. Consulte-o e faça o melhor. De qualquer forma, entre minhas mãos, ele seria simples
depósito revogável à vontade. Já que um só exemplar está sobrando, ele deve pertencer a todos, e,
segundo o momento, passar de um para o outro. Você julgará, portanto, e, lanço-lhe o desafio de não
fazer segundo meu desejo. Pois, como amigo, claro, a matéria em mim empresta; se não usá-lo, se não o
aproveitar ao máximo, a culpa será sua. Adeus, meu amigo, serei menos tagarela uma outra vez. Hoje,
não podia ser de outra forma. Abrace com ternura para mim seu pai.
De todo o coração seu.
Léon Le Prevost
Sabe que assunto ocupava nossas últimas cartas: é uma efusão aberta que não pode estancar.
Tenha a certeza de que a todo instante, a toda hora minha atenção está pronta, que minha simpatia
está sempre vigiando. Li a Fée39, em lembrança de você. Eu era digno de lê-la. Senti isso pelo prazer
que me deu. Que Nodier dê um só passo ainda, que rompa um último laço que o liga aos outros, para se
entregar todo a nós e não amarei ninguém mais do que ele.
36
A obra do poeta Mickiewicz acabava de ser publicada em Paris, em 1832. Montalembert a tinha traduzido.
Silvio Pellico (1789-1854), escritor italiano. Acusado de pertencer aos carbonari (sociedade secreta que se tinha
comprometido por juramento a expulsar os Austríacos da Itália), ficou preso durante 10 anos na fortaleza do
Spielberg, na Áustria. Liberado em 1830, publicou, dois anos depois, Mes prisons. Mais do que a descrição do
regime severo ao qual foi submetido, o autor narra sua volta a Deus, seu itinerário espiritual, no meio dos sofrimentos
suportados de maneira cristã. Escrito com a alma do poeta e a mansidão do cristão, o livro decepcionou os mais
exaltados de seus amigos. No entanto, teve uma grande repercussão na Europa. Entende-se que o Sr. LP, ele mesmo
que tornara a ser cristão há pouco, tenha sido marcado por um tal testemunho. Na carta 19, do 12 de julho de 1833,
diz ter composto uma bastante comprida recensão de Mes Prisons. Mas, infelizmente, esse texto, enviado à Revue
Européenne foi extraviado.
38
Trata-se da peça de Victor Pavie, l’Organiste Boyer (cf. Victor Pavie, sa jeunesse; ses relations littéraires, por
Théodore Pavie, 1887. p.141.)
39
La Fee aux miettes, (1832) obra do poeta e escritor Charles Nodier (1780-1844), cujo salão literário parisiense, no
Arsenal, foi um dos focos do movimento romântico. Na Fée, conto fantástico, procura reconciliar o sonho e a
realidade.
37
25
18- ao Sr. Pavie
Pêsames pelo falecimento da avó de V. Pavie. Hino à família, “a sociedade de Deus”. Amizade para chegar
juntos a Deus.
Paris, 30 de maio de 1833
Que sem demora eu esteja presente a você por esta carta, meu amigo, para associar-me à sua
dor, para colocar-me com você sob a mão do Senhor, quando ele o aflige, e adorar com você sua santa
vontade. Quando irmãos desgarrados partem deste mundo, tanto temor mistura-se às nossas esperanças
por eles, que sem querer nos curvamos com terror diante da Justiça de Deus que passa; mas, quando a
obra se realiza no seio de uma família cristã, o coração não se comprime com angústia, irrompe em
lágrimas, em gemidos que o Céu recolhe como um fruto precioso de submissão e de amor. Assim, seu
bom pai ajoelhado desabaria em lágrimas, assim, você segurando-o, e eu mesmo nessa hora em que
identifico-me tão plenamente a você que sofro e choro como você sofreu e chorou. Mas nesse momento
sobretudo, meu amigo, repito, gritemos: glória e obrigado a Deus! que nos fez cristãos, que muda a dor
em um presente celeste. Diga, a graça não é bastante sensível e palpável, quando a dor de seu pai,
avançando em idade, vai por ecos sempre encadeados, sempre subindo, levar seu tributo bem aos pés do
Senhor? Oh! é minha convicção, nossos olhos só vêem seguramente a Deus através das lágrimas e isso aí
é um mistério que nos levanta para chegarmos até os outros.
Não, não vi sua venerada mãe, mas não o lastime tanto; você não sabe até que ponto minha
terna afeição por você me dá, por intuição, sentimento e noção de tudo o que lhe é caro. Algumas
palavras de seu irmão, algumas exclamações suas me tinham feito ver aqui, pela visão da alma, esse
tronco venerável de sua família. Além disso, seu bom pai não é uma imagem dela? Você e seu irmão não
têm também dela alguns traços? Muitas vezes, eu garanto, meu espírito esteve no meio de vocês nas
horas mais santas e viu sua família como um irmão escolhido por você havia de vê-la. Doravante, está aí
uma grande mudança. A seu bom pai pertencem todas as virtudes da mãe e Deus sabe se ele suportará
nobremente esse fardo! Mas a você também, meu caro Victor, todo o peso das dela. Meu coração o diz
com alegria, você já era grande, mas deve crescer ainda. Oh! continue sem interrupção sua família,
aumente o tesouro de suas virtudes, guarde-o com solicitude, com amor. Conserve suas santas tradições,
conserve a profissão de seus antepassados, conserve sua cidade natal e sobretudo seu lar. A família: é a
sociedade de Deus; algumas famílias santas ainda espalhadas entre nós, creio firmemente, conservam
sozinhas com a Igreja esse tipo eterno da ordem diante de Deus e interpõem essa imagem entre sua ira
e a desordem do mundo. É portanto uma missão, meu amigo, que você tem, missão de paz e de
conciliação, missão santa como a dos patriarcas nos tempos antigos, e meu coração ainda o diz, você
nunca falhará a essa missão. Para tanto sua humildade acolherá todo apoio, por fraco que possa ser.
Ofereço-lhe, portanto, o meu. Quero tender à perfeição, para sustentar a sua perfeição. Você também me
ajudará, e assim apoiados um no outro, chegaremos melhor a Deus40.
Com esses sentimentos você pensa, meu amigo, se conservarei na memória o dia 18 de junho.
Se, nesse dia, serei fervoroso ao pé dos altares. Tudo o que minha fraqueza puder dar pela oração será
inteiramente remetido ao tributo, e até lá, cada noite direi com você a oração dos falecidos, oração por
sua avó venerada41; oração, esperamos, que ela poderá recolher, ela mesma, e oferecer por nós em
homenagem a Deus.
Seu amigo
Léon Le Prevost
Hoje mesmo enviarei, se não puder levá-la, sua carta ao nosso amigo. Sua união absoluta
conosco em Deus é doravante um desejo bem ardente para mim. Empenhe-se para que isso aconteça; eu
sinto-me tão fraco agente perto dele, tão superior a mim, que a coragem me abandonaria, se não tivesse
de outra fonte a minha confiança.
40
O Sr. LP não procura contrariar o movimento natural de seu coração que o leva a amar seu próximo. Mas, com a
ajuda da graça, vê cada vez mais, em toda amizade, a ocasião de se apoiarem mutuamente, nas alegrias e nas penas,
para melhor irem juntos a Deus. Chegar juntamente a Deus, cumprir juntamente sua santa vontade, tais serão
algumas das expressões que virão espontaneamente na sua escrita, quando for preciso encorajar seus irmãos a
salvaguardar o espírito de comunidade e o espírito de dedicação (cf. Regulamento de 1847).
41
Trata-se, de fato, da avó de V. Pavie, e não de sua mãe, como poderiam levar a pensar certas frases da carta. Duas
vezes, ao menos, a biografia de V. Pavie por seu irmão Théodore confirma a identidade da falecida: “Quando veio a
falecer em 1833, um amigo da família escrevia a Victor: “A Senhora Pavie, sua avó, era uma santa!” (p.24). E foi em
1813 que V. Pavie perdeu sua mãe: “A morte prematura de nossa mãe foi para nosso pai um golpe terrível... Victor
tinha cinco anos e eu dois anos e dois meses quando desapareceu da nossa convivência.”(p.31).
26
Transmita a seu pai toda a minha terna veneração por ele; conte-lhe toda a minha sincera dor e
como eu sou seu, pertencendo a todos vocês.
19- ao Sr. Pavie
Amizade fundada em Deus. Como sofrer como cristão. O terço do Sr. Le Prevost. Circunstância nas quais
o Sr. Le Prevost cessou toda prática religiosa e abandonou sua vocação. Encoraja seu amigo a
perseverar na escolha de uma esposa. Notícias de Gavard, Sainte-Beuve, Montalembert, Lacordaire.
Ozanam e seus amigos traduziram a obra de Pellico, Mes Prisons, da qual o Sr. Le Prevost um exame
crítico.
12 [de julho] de 183342
Suas cartas me emocionam tão intimamente, meu amigo, que fazem nascer em mim a
necessidade de uma efusão imediata, de um desabafo imenso cuja impetuosidade e excesso controlo a
duras penas. Mas o que, antes de tudo, torna-me esta emoção preciosa é que vejo nela um dom da
graça, um encorajamento, porque encontro um perfume celeste que diz bastante de onde descende;
depois, minha alegria duplica-se por reação, pois, meu amigo, a ternura infinita de sua carta não me
deixa dúvida a respeito. Eu também tenho algum poder sobre você, eu também pareço-lhe um presente
de Deus. Oh! como me faz bem servi-loem alguma coisa, a você que para mim tanto significa, a você cuja
ação me teria oprimido se não a tivesse suportado com tanto amor e se uma voz não me tivesse gritado:
receba, receba sempre, é Deus que dá. Quando uma vez se colocaram nesse caminho todas as suas
afeições, quando se sentiu tudo o que elas haurem de energia e de pureza ao harmonizarem-se com o
amor divino, será possível deixá-las ainda se extraviarem sozinhas? É possível preferir mil sons chocandose e discordantes ao concerto celeste de que se participou um instante? Eu bem sei a resposta. O sol
brilha quando absorve e dissipa as nuvens, senão o tempo fica fechado, o ar carregado; chega-se à noite
sempre esperando o dia. Por isso, sentindo todo o meu ser que se renova, minha alma que se refaz,
todos os meus sentimentos primitivos perdidos depois, e que eu acreditava apagados, renascerem pouco
a pouco sob o sopro de Deus, deixando, enfim, todo esse trabalho interior realizar-se em mim, eu, no
entanto, tremo às vezes e digo: se me mexo, a obra ainda frágil vacila e desmorona; então levanto os
olhos para o alto, em seguida penso em você e minha confiança retorna.
Pode contar, meu amigo, que serei fiel à minha promessa: no dia 18, esse dia tão grande para
você, posso dizer para nós, uma missa foi dita aqui para associar-me às suas orações; pensei um
momento em convocar para ela Boré, Papau, aqueles de seus amigos que são nossos irmãos enfim; mas
você não me tinha recomendado nada a esse respeito, temia ir mais longe do que você queria. Teria feito
melhor, receio agora, seguindo essa inspiração.
Sinto bem intimamente, meu amigo, tudo o que me diz de sua dor. Concebo bem assim uma dor
cristã que curva-se primeiro em sua fraqueza humana, mas se reergue em seguida, se envolve de
esperança, e, fortificada por esse elemento divino, continua andando na terra, mas olhando para o Céu.
Concebo bem ainda que suas lágrimas rolam ao mesmo tempo por sua venerada mãe e pela pena secreta
de seu coração; sinto melhor que o poderei dizer essa ligação íntima, essa aproximação misteriosa de
elementos em aparência opostos e, porém, que se atraem. Conserve para sempre, meu caro Victor, todas
essas lembranças: delas lhe pedirão conta. Coloque junto o terço e a caixinha, purifique completamente
um pelo outro e que isso aí seja o emblema de sua felicidade futura, felicidade terrestre, mas abençoada
por Deus. Não lhe parece que essa corrente de terço desenrolada nas mãos do cristão simboliza sua prece
que, de anel em anel, vai religar-se ao tronco do Senhor? Terei também um terço, mas gostaria que me
viesse de mão santa. Tive um terço antigamente, nos melhores dias de minha vida, aos 20 anos, quando
Deus tinha-me colocado no coração o pensamento santo de consagrar-me a ele. Parti de Lisieux, onde
morava então43, para passar férias junto de minha mãe, com um bom e generoso amigo, mas muito mal
inspirado, pois sua luz não vinha do alto. Sem eu perceber, ele já tinha abalado minha fé. No entanto, ao
passar pelo Havre, onde tínhamos ido atravessando o braço de mar, ajoelhei-me à noite, enquanto o
outro já dormia, e recitei o meu terço. Depois, depositei-o sobre a mesa e, não sei por que distração,
42
O original da carta leva a data do 12 de junho. É manifestamente um erro. Na carta precedente (no18, de 30 de
maio), o Sr. LP menciona a data do 18 de junho para uma missa celebrada em memória da falecida. Alude de novo a
isso, na presente carta, usando o passado: “no dia 18, uma missa foi celebrada...”. Essa data do 18 de junho é
confirmada por uma carta dirigida a V. Pavie pela Sra. Hugo: “Irei, Senhor, à missa no dia 18 de junho...” (V. Pavie,
sa jeunesse...p. 124). Convém, portanto, datar esta carta 19, do mês de julho.
43
De setembro de 1823 até fevereiro de 1825, o Sr. LP ensinou no Collège Royal de Lisieux. (Positio, p. 26-27)
27
cheguei a colocar em cima dele o castiçal. Esqueci o terço por baixo. Oito dias depois, todos os meus
laços com Deus estavam rompidos. Minha mãe e minha irmã prevenidas, de repente e propositalmente
pelo amigo, que eu iria, dentro de algumas semanas, para o Seminário, mostraram uma emoção à qual
não soube resistir. Retirei de Deus o que havia-lhe dado; no entanto, hoje, eis-me de volta a ele, mas
não tenho mais para devolver-lhe a minha primeira juventude, nem minha saúde de outrora. Se deixa
algo nos espinhais da vida; servirei portanto a Deus, espero, mas não mais na tropa de elite. Perdi minha
patente.
Há pouco tempo falava para você de felicidade futura, obstinado que sou em ver motivos de
esperar em tudo o que o desespera. Com efeito não posso, meu amigo, considerar diferentemente as
advertências que lhe são feitas; parecem-me marcas bem reais de interesse; não se grita às pessoas
“vocês estão num caminho errado” quando se deseja que se extraviem: que seu caráter, suas maneiras
habituais e particulares de ser não sejam logo entendidas, é inevitável e não deveria durar; nossa pobre
inteligência é tão limitada que começamos toda aproximação através de mal-entendidos; mas nos
explicamos aos poucos; o olho discerne, no meio da escuridão, a realidade das coisas e dela se apodera
definitivamente. Se é assim entre nós, jovens que uma educação, princípios, idéias comuns formaram, por
assim dizer, num mesmo molde, como escapariam disso homem e mulher, colocados em situação tão
diferente no mundo da inteligência? Seria horrível se, pobres criaturas, tivéssemos, para nos entender,
somente a inteligência; mas você sabe melhor do que ninguém que temos também o amor e por aí, você
e uma mulher verdadeiramente bondosa, verdadeiramente mulher, não saberiam deixar de revelar-se
completamente um ao outro. Não desanime, portanto, meu caríssimo Victor, não quebre a cabeça contra
os obstáculos. Passe por cima. Há um, por exemplo, pelo qual você tem um pavor desmedido: a
indiferença, talvez pior, da Sra. Ch. O quê? Essa jovem mulher, você me falou, é doce e bondosa e lhe dá
medo. Ela não aceita você, admito. Então, conquiste-a. Suplique-a ardentemente, lembre-lhe que,
outrora, ela também amou e que a ajuda de todos lhe foi necessária, que você precisa de seu apoio e que
ela pode tudo por você. Quem o impediria, diga-me, de torná-la assim dedicada a você ou ao menos
comprometida por delicadeza à neutralidade absoluta? Um pouco de timidez, um pouco de orgulho talvez.
Oh! meu amigo, pode-se comprar sua companheira ao preço de muitos outros sacrifícios e não é você
que recuará diante daqueles. Deixaria indiferente qualquer outro acrescentar que é preciso, meu amigo,
submeter enfim tudo isso à vontade de Deus e procurar em sua confiança nele mais calma e esperança,
mas nos compreendemos. Não tenho medo de me enganar. E, sendo que você tudo permite à minha viva
afeição, oh! meu querido Victor, não nos é lícito a nós, cristãos, querer, procurar aqui embaixo uma
felicidade imediata, e para essa felicidade em si mesma, não esqueça, deve haver para nós uma só via,
um só meio; você mesmo o falou, mil vezes; mas nos dias de angústia e de ardente preocupação em que
você está, pode-se esquecer o fim, é por isso que o lembro.
Falamos aqui muitas vezes de seu irmão; pensei muito nele, sobretudo a respeito do fato
acontecido ultimamente em sua família. O afastamento não amortece o golpe, ao contrário. É como uma
pedra que cai. Quanto mais alto o ponto de onde cai, mais dura é a pancada. Continue a nos informar
sobre o que lhe diz respeito. Gavard e eu lhe seremos muito agradecidos por isso. Esse coitado do Gavard
se encontrou outro dia posto por nós em estado de perplexidade. No momento em que lhe chegava sua
carta, não sei que circunstância me dera a ocasião de escrever-lhe também, um pouco de ciúme, acho,
que ele havia mostrado a seu respeito, e enquanto suas solicitações amigáveis o apressavam de um lado,
as minhas o atingiam do outro. Mas, é meu medo, a hora de Deus ainda não soou para ele. Seu amor
pelo vago vai sempre crescendo. Seu dogma é a negação, seu culto é a espera. Chega a acreditar que
traz em si uma grande verdade que deve manifestar-se um dia. Pede indulgência e respeito por sua
gestação, e, outro dia, com voz toda emocionada, suplicava-me para não tocar naquilo. Pobre amigo que
toma uma nuvem vazia flutuando vagamente no horizonte pela beira sagrada da Pátria. Meu Deus! Como
são fracos nossos esforços humanos; a fé move as montanhas, mas tudo absolutamente nos é montanha!
E se a mão de Deus não empurra junto conosco, a montanha não se mexe!
Você tem mais um amigo, meu caro Victor, que não só não avança, como também recua de
modo terrível: é Sainte-Beuve. Sua colaboração no National o mata de toda maneira. Faz atualmente
profissão aberta de racionalismo, e seria pior ainda, se se acreditasse num artigo sobre Casanova44 do 1º
dia do mês, onde ostenta uma incrível leviandade moral, concedendo a muito custo a liberdade dos atos
humanos. O número do 8 corrente contém um outro trabalho sobre os Pèlerins polonais que não é muito
menos infeliz. Esperava que ele nos falasse de Pellico, mas não. Deixou esse cuidado a não sei que
escritor vulgar, que tão bem desfigurou seu assunto que não sobra nada. Denuncio tudo isso à sua terna
afeição por ele. Ele escorrega com certeza. Segure-o, se puder.
44
Casanova, (1725-1798), aventureiro italiano, célebre por seus Mémoires.
28
Alguns jovens católicos, liderados pelo Sr. Ozanam45, acabam de realizar um pensamento bom e
cristão. Fizeram uma tradução de Pellico, que está sendo impressa e será vendida a ínfimo preço (30
centavos ao máximo). Querem com ela inundar, se possível, nossa França, e você achará como eu, sem
dúvida, que melhor semente não poderia ser lançada nela. Sonhei que você poderia ajudar também nisso,
recebendo um depósito da obra, anunciando-a em seu jornal46 e em todo lugar onde puder espalhá-la. É
possível? Eu tinha feito um pequeno trabalho sobre este livro, destinado a seu jornal, mas ele expressou
tão radicalmente meus sentimentos católicos que foi preciso renunciar a meu escrito. Aliás, é muito longo
demais. Não sei o que será dele. O Sr. Gavard que não duvida de nada, me fez enviá-lo, num momento
de irreflexão, à Revue Européenne47. Eu lhe pediria perdão por tanto orgulho, se já de antemão não
tivesse estado muito indiferente a uma recusa prevista; não me mandaram resposta alguma, acho que
fizeram bem.
Adeus, meu amigo, escreva-me quando puder. O Sr. Gerbet está aqui. Ainda não consegui vê-lo.
O Sr. de Montalembert está com você, acho, nesta hora. Ele disse-me antes de sua partida que voltaria
por Angers, acrescentando com insistência repetida que via como uma felicidade o fato de vê-lo por ali. O
Sr. de Lacordaire pregou no Colégio Stanislas, no dia de São Pedro, sobre a Igreja; é a maior e a mais
elevada coisa que jamais tenha ouvido. Obrigado pela lembrança que duas vezes você dá à minha mãe.
Obrigado por seus votos a esse respeito. Eles me vão direto ao coração e pelo caminho de uma afeição
bem terna, bem pura, espero. Adeus de novo. Perdão por esta carta extravagante. Não vou repetir isso.
Tenho desde ontem L’bomme de désir.
Lembrança e respeito, sabe: a você, tudo o que quiser.
Léon Le Prevost
20- ao Sr. Pavie
Saber saborear a felicidade que Deus dá e santifica. Não precipitar o casamento. Projeto de viagem ao
estrangeiro para V. Pavie que dura pouco, pela indecisão de Gavard. Pequena crônica de obras literárias
ou religiosas que acabam de ser publicadas. O Sr. Le Prevost trava conhecimento com Bailly. Assinala
alguns indícios da fé católica.
Terça-feira, 20 de agosto de 1833
Você aceita a felicidade com grande desconfiança, meu caro Victor, e não o censuro. Receia as
reviravoltas de uma esperança acolhida facilmente demais, e faz bem. Depois, você tinha medo, admitao, que eu recebesse com alegria demasiada as coisas que ia me dizer. Então, comprimiu todos os
sentimentos que lhe enchiam o coração, deixando apenas exalar, em longos fôlegos, umas leves
baforadas. Era o bastante, e temores e alegrias, adivinhei tudo por ali. Não tenho sempre, aliás, a mão
sobre seu coração e suas batidas precipitadas não me diziam as lutas que nele se travavam? Não tenha
medo, caro amigo, não irei depressa demais, não gritarei vitória e triunfo antes da hora. Oh! eu me
sentiria feliz, porém, em deixar com você, por um instante somente, nada mais, todo medo pelo futuro;
em vê-lo, confiante, afogando-se na felicidade e saboreando em plenitude todas as esperanças infinitas
que podem deixar as mil coisas que você me narra, os mil pensamentos amontoados durante essas
poucas horas, os mil sentimentos que devem ter visto nascer! Se é verdade que a felicidade existe para
nós aqui, quase unicamente, nessas aspirações ardentes para tudo o que lhe é parecido, onde estará
portanto a sua, meu amigo, se você se recusa constantemente a esses curtos descansos, sempre
aguardando, sempre desejando? Ainda não, e sempre atravessando as mais belas horas de sua vida,
correndo para outras que você ultrapassará ainda? Oh! sim, aqui teria querido uma parada para você, um
pouco de descanso e de frescor, deixando para retomar em seguida o áspero e duro caminho, as corridas
ofegantes no deserto abrasador. Deus não nos pune por nossa felicidade, quando a santificamos nele,
quando a aceitamos como ele a envia, como uma consolação, uma graça, como um meio de chegar a ele.
45
É freqüentando o salão literário de Montalembert que o Sr. LP tinha conhecido Frédéric Ozanam (1813-1853).
Jovem estudante de direito de 20 anos, Ozanam acabava de fundar, no dia 23 de abril de 1833, com cinco de seus
amigos, a Conferência de caridade, sob o impulso de Emmanuel Bailly e da Irmã Rosalie, filha da Caridade. No dia 4
de fevereiro de 1834, a Conferência tomará o nome de Conferência de São Vicente de Paulo. A única carta conhecida
do Sr. LP a Ozanam tem a data do 11 de abril de 1838 (cf. infra, carta 75-1).
46
Desde a sua volta a Angers em 1832, Victor Pavie tinha fundado, segundo o modelo do círculo literário o
“Cénacle”, animado por V. Hugo, seu próprio cenáculo. Desse cenáculo saiu La Gerbe, onde se publicarão cada ano
a prose e os versos de jovens escritores em potência.
47
Publicada de 1831 a 1834, difundia as idéias de Lamennais. Era impressa na gráfica de Emmanuel Bailly.
29
Pode-se, pondo-o de parceiro em sua alegria, abandonar-se plenamente a ela, com toda segurança e
confiança, sem medo pelo dia de amanhã, pois ele ainda lhe determinará a medida, e se ela é de
amargura e de tristeza ele não recusará a parte que lhe ofereceremos. Sinto-o, é bem fácil, na calma
onde estou, falar assim, e não quero dar extensão exagerada a minhas palavras. Sei muito bem que há
tais provações em nossa vida, que não admitem nem descanso nem reflexões, onde se rola arrastado por
um turbilhão irresistível, não ouvindo mais, não enxergando mais, tendendo somente com todas as
potências para um objetivo, para um fim. Sim, assim é o amor e os que se atemorizam com o turbilhão,
que não ousam se lançar nele, que querem tomar uma via menos perigosa, aqueles nunca chegam, o
amor não é feito para eles; mas, mesmo assim, ainda é preciso respirar e gritar às vezes: Meu Deus! Ora,
para você, meu querido amigo, não existe nem parada, nem trégua, em toda a parte e para tudo, você se
joga no turbilhão, você não anda, você está sempre correndo. E quanto tempo você pensa que se possa ir
assim, tenso até romper, lançado até pegar fogo! Quereria portanto, meu amigo, que um pouco dessa
admirável força voltasse para você mesmo, afim de trazer para lá, por uma vontade enérgica, um pouco
de descanso e de calma, às vezes até um pouco de esperança confiante e de total abandono.
Por que, por exemplo, esse pavor espantado diante da distância que se colocaria entre você e sua
felicidade completa? Deixe que digam, que façam, que se conte nos dedos da mãe os anos, que o
horizonte fique sem limite para ela e para sua filha que, tão jovem ainda, se apavoraria diante de um
futuro mais preciso; depois, quando por sua docilidade, sua submissão de criança, você tiver enfim obtido
admissão, que não houver mais desconfiança contra você tão humilde e tão resignado, neste instante,
diga-me, você não será dono absoluto e livre de mudar os lustros em anos, os anos em meses? Ao tomar
a coisa na pior perspectiva, segundo seus próprios desejos, um prazo um pouco distante pareceria
realmente a seu bom pai, a seus verdadeiros amigos, uma felicidade, um tempo necessário de espera e
de iniciação.
Se falo assim, meu querido amigo, não é, acredite, porque minha ardente simpatia não voa com
você para o objetivo desejado. Não é porque meu coração fica calmo e frio, ponderando à vontade o bem
e o mal. Oh! não, você sabe, eu que demoradamente aqui o repreendo, leio de um só fôlego suas cartas,
só respirando no final. Cada vez que você sofre, parece-me que é preciso correr para você e a
impossibilidade material mal pára minha vontade. Mas, meu amigo, há ainda em mim, para você, algo
mais além da simpatia, há uma ternura infinita que quer sua felicidade ao preço de todos os sacrifícios e
rompe ou reprime todos os impulsos da simpatia, quando afastam-se desse fim, em vez de concorrer a
ele. Veja-me assim, meu amigo, se quiser me ver em verdade e conceda algum peso a minhas palavras,
pois tudo o que há de melhor em mim as inspira, de melhor, sim, pois não há reserva ali, nada que não
lhe pertença, nada que não lhe seja dado.
Irei hoje à noite à casa de Gavard e lhe direi na volta, se posso, melhor do que ele ao menos, o
que ele conta fazer.
Não é a afeição que falta a Gavard para seguir a você, nem é o desejo, é somente a força de
querer, força que quase nunca vi nele e que nunca talvez tenha tido. O que você quer? É estranho, mas
ele nos prova que, isso tirado do homem, este ainda é uma rica e boa criatura. Aliás, talvez haja nele uma
ternura de coração exagerada, que o faz se ligar tão estreitamente a tudo o que o cerca, que se
desapegar disso é impossível. Desde o início, quando falei com ele anteontem: oh! me disse, nunca, não
me sinto capaz disso. Depois, lida sua carta, era a ela que estava ligado, exclamou: oh! sim, quero, sim,
quinze dias, é decidido; depois, voltamos para perto de sua esposa que finge encorajá-lo a partir, porque,
no fundo, ela não teme nada. Era então coisa bem diferente, e se você tivesse visto como eu a
impossibilidade enorme, intransponível que, de repente, se ergueu entre o projeto de você e sua
realização, você teria sorrido como eu, compreendendo o homem até o fundo e perdoando-lhe também,
pois, de verdade, não é culpa dele.Ele dá tudo o que tem de potencialidade de querer; pedir mais seria
mal e você não o fará, meu amigo. Sinto sinceramente, e ele também, que haja tal virada. Não valeria
muita coisa para você em tal viagem a minha pessoa. Não lhe faria suficiente contrapeso. Na falta de
melhor, no entanto, já estaria a caminho, scirent si ignoscere manes48, manes significando aqui
administração, o que é traduzido menos livremente que se poderia acreditar.
A Suíça parece acalmada e você poderia retomar seu primeiro projeto; seria melhor para você,
parece-me, ir para lá bem à vontade, respirar o ar, em vez de pisar apenas num pedaço da Itália. Afinal
de contas, porém, o Piémont, a Lombardia sobretudo, bem podem ser destacados do resto e vistos em si
48
Em caso de necessidade, o Sr. LP teria sabido se fazer desculpar, por sua administração, para sair viajando com seu
amigo Pavie.
30
separadamente. Quanto a Gavard, sente inclinação para os Pyreneus; quanto a nós, palpiteiros como
somos, não temos nada mais a dar que nossos palpites; mas você, como o homem ao burro: farei como
bem entender, e nós de acrescentar depois: assim fez e fez bem.
Tudo isso, meu amigo, está escrito no desespero vindo de que minhas três páginas se acharam
inundadas, não sei com que, e que não tendo mais espaço suficiente para nada levar ao término, tanto
faz não começar nada. Temos aqui o Sr. Gerbet.
Leia Lelia49, muita coisa ruim, muita coisa boa; aí está, e em tudo que se publica hoje, uma
insuportável mistura das coisas santas com as profanas. O misticismo invade o romance; logo será a
cena. Teremos Mystères50, menos a fé no autor, no ator e no auditório. Isso me inspira uma singular
repugnância, mas a prova é inevitável. Descoberto um filão, eles o esgotam.
Entreguei seu jornal ao Cabinet de Lecture. Parece que você deveria ter declarado no correio que
era um impresso: a ladra me fez pagar dezoito centavos (nota somente para o futuro, não precisa dizer, e
de simples aviso). Meu pequeno trabalho sobre Pelllico parece perdido. Se a Revista o redescobrir, o
mandarei para você, meu amigo. Pediram-me um boletim de anúncios para essa mesma revista, poesias
de um jovem bretão, um pouco conhecido de você, Ed. Turquety: Amour et foi. Isso sairá no número de
agosto, salvo cortes talvez e ajustamento.
Conheci o Sr. Bailly51, e alegro-me por isso, como certamente você entende. Ele confia a parte
literária e filosófica do jornal que dirige, La Tribune Catholique, a alguns jovens e o produto dos artigos
feitos por eles é colocado numa caixa para esmolas, que os próprios jovens vão levar a famílias pobres; é
uma generosa e piedosa idéia. Terei, de minha parte, a alegria de entrar um pouco nisso. Há neste
momento, aqui, um grande movimento de caridade e de fé, mas tudo isso na esfera isolada da
humildade, escapa ao mundo indiferente. Estou muito enganado, ou destas novas catacumbas surgirá
ainda uma luz para o mundo; não importa, aliás, qual forma terá o resultado, mas uma multidão de
coletâneas religiosas que se imprimem aqui agora em abundância e vão a todos os lados levar a instrução
em todos os níveis, e na medida de todas as inteligências, revelam uma necessidade que até aqui estava
adormecida ou se apresentava bem menos urgente. Os livreiros dizem que não se lembram que, desde há
muitos anos atrás, um livro tenha sido vendido tanto quanto Pellico. De todos os lados, faz-se dele novas
edições. (A nossa não avança muito.) De outro lado, o Sr. Gerbet me deu recentemente detalhes bem
interessantes a respeito do movimento de ascensão do catolicismo na Inglaterra; ele me relatou, em
particular, uma conversa do Sr. Rio, amigo do Sr. de Lamennais e agora companheiro de viagem do Sr. de
Montalembert com vários professores da Universidade de Cambridge, de onde se pode tirar as mais belas
esperanças. Se estes detalhes não lhe foram comunicados, diga, e você os terá na minha próxima carta.
Vi recentemente cartas sobre as missões da América: elas também têm resultados bem felizes; enfim,
prepara-se aqui missões para a África que ainda não as tinha.
Tinha traçado no meu papel a linha de nec plus ultra [a não ultrapassar] a fim de deixar espaço
para o endereço: ela não foi respeitada. Não sei mais como fazer. Não sei como dizer-lhe muito em
poucas palavras. Tentarei. Adeus, meu amigo, em breve uma carta de você! Tivemos, digo nós, uma carta
de Théodore, Gavard lho disse sem dúvida, muito boa, bem jovem e amável carta. Mil coisas ternas e
respeitosas a seu bom pai; parece-me sempre que estou com vocês dois e que Deus está no meio de nós.
Amém! Terei motivo de responder-lhe sobre a data de sua última carta, mas nos entendemos, chega de
responder e aí está algo bastante comprido. Adeus, amigo.
Léon Le Prevost
49
Romance (1833) do escritor Aurore Dupin, dita George Sand, (1804-1876), que atropela um tantinho a moral e os
preconceitos sociais da época.
50
O Sr. LP faz aqui referência ao gênero dramático medieval de inspiração religiosa que encenava a Natividade, a
Paixão, a Ressurreição e cenas da vida dos santos.
51
Emmanuel Bailly (1793-1861). Formado na escola da caridade no seio das numerosas sociedades (Soc. des Bonnes
Oeuvres, des Bonnes Etudes, des Amis de l’Enfance etc.) suscitadas, após a Revolução Francesa, pela famosa
Congregação, ofereceu, no dia 23 de abril de 1833, a Ozanam e a seus amigos estudantes os escritórios onde
imprimia seu jornal, la Tribune Catholique, na rua Saint-Sulpice. Aceitou presidir as reuniões da “Conferência de
caridade”, a futura Sociedade de São Vicente de Paulo.
31
21- ao Sr. Pavie
Atingido pela cólera, o Sr. Le Prevost esteve muito perto da morte. A provação é uma ocasião de
progresso espiritual. A situação matrimonial de V. Pavie sempre incerta.
16 de novembro de 1833
Pobre amigo, a você também sofrimentos, e Deus sabe, bem mais agudos que os meus. Os meus
estavam perto da morte, os seus duplicam a potência de sua vida mas para duplicar também a pena.
Sendo que você o quer, caro amigo, e também para desviar um instante sua atenção, vou lhe dizer que
aprouve ao Céu, como lho disse Gavard, mandar-me uma provação um pouco mais rude que de costume.
Uma investida bastante violenta da cólera foi o início de minha doença e, durante vários dias, acidentes
tão pavorosos me assaltaram que muitas vezes aguardei a última hora; um dia sobretudo, tenho a firme
certeza, a morte estava em ação. Eu sentia que ela agia em mim, os laços os mais íntimos eram
quebrados um a um. Oh! como, nesse momento, a vista de um padre, que foram buscar às pressas, me
fez bem, como Deus foi bom e terno para comigo. Sem ele, sem meu título de cristão, nunca teria
suportado essa horrível angústia; e depois ainda, durante as semanas que seguiram, com o corpo
esgotado, o espírito abatido, apavorado, perseguido por terrores, por fraquezas nervosas, num profundo
desânimo, assustado desde que por um momento estava sozinho, como uma criança nas trevas, meu
único apoio ainda, minha única paz estava em Deus. Chorava, gemia sob sua mão e levantava-me menos
triste, menos desanimado. Hoje enfim, estou longe de toda recaída e de todo perigo, mas arrasto-me
numa convalescença triste e lenta. Eu sou fraco de corpo e minhas faculdades continuam ainda tão
abaladas que todo trabalho me é impossível; mas tenho, todavia, alguns instantes suaves e consoladores,
quando Deus me faz sentir no coração que ele me quer assim, que posso agradar-lhe assim em langor e
submissão.
Este remédio eterno, em todas as fases do meu mal, possa você também, meu querido irmão,
tomá-lo, aceitá-lo também pelo seu. Infelizmente, devo dizê-lo, minha fé não é tal que a consolação
divina recobrisse absolutamente a ferida, amortecesse a dor. Oh! não, um rude, bem rude sofrimento
restava; o mesmo acontecerá talvez para você, caro amigo. No entanto, haverá, creia-me, no mal assim
suportado, algo inefável e se, terminada a provação, você se achar mais perto de Deus, será preciso se
queixar das dores de uma estrada percorrida?
Haveria em outra esfera, na realidade das coisas, muitas outras consolações a lhe oferecer. Não
sei se a falta de todo detalhe em sua carta é a causa disso, mas não pude encontrar nela essa certeza
irrevogável de uma ruptura definitiva. A situação está talvez bem menos ruim do que você pensa: uma
mãe perto de uma filha doente, mesmo se já a tivesse dado, a arranca para retomá-la em seu seio; é
para ela, nesse momento, o fruto que carregava, a frágil criança de peito que amamentava outrora, e
você quer que ela a deixe pegar, que, passado o mal, deixe, de tão longe que seja, alguém aproximar-se
de sua filha: é impossível. Sinta isso, caro amigo. Tenha confiança no tempo ou antes em Deus que não
fará se espalhar sobre terra árida todos os tesouros de seu coração. Aí está a preciosa semente que deve
perpetuar sua boa e santa família, e Deus a conservará, acredite em mim; depois, lá em cima, todos os
ascendentes extintos dessa família, suas mães sobretudo, pelas quais você tem tanta piedade, oram por
você, velam por você. Aconteça o que acontecer, portanto, tudo caminhará para um final feliz. Confie
somente. Espere em Deus!
Escreva-me logo, esperava desde há muito tempo a sua carta. Adeus, caro amigo, em minhas
horas mais penosas, sua lembrança estava presente comigo; oxalá a minha, com minha terna, minha mui
terna afeição, lhe sirva também de alguma consolação.
Abraço como filho o seu pai; você como irmão.
Léon Le Prevost
22- ao Sr. Pavie
Consolo ao amigo em sua desventura sentimental. Nova orientação da vida do Sr. Le Prevost. [seu
casamento com Mademoiselle Lafond]. Ele seguirá os conselhos de seus amigos de Angers.
Quarta-feira 1o de janeiro de 1834
Escrevia-lhe, meu amigo, quando chegou sua carta. Tive uma certa alegria, chegando da missa e
após ter dado minha primeira hora deste ano a Deus, em dar a você, amigo, a segunda; mas o que era de
dom puro torna-se dever. Você sofre, sofre muito. Entrevejo confusamente sua infelicidade, entrego-me a
ela todo inteiro. Você quer, caro Victor, que lhe fale de mim, o farei, amigo. Em outro momento, isso
32
repugnar-me-ia, mas nesta hora o que poderia recusar-lhe? Deixe somente, antes, meu irmão, que
responda a seu abraço amigável. Deixe que lhe diga que choro com você, que minha alma já comovida e
pressentindo sua pena se compadecia com ela numa indizível tristeza e recebe somente agora o golpe
que aguardava. Deixe que lhe responda, amigo, (é preciso ser amado quando se sofre) que ninguém
nunca teve amigos ternos, dedicados como os seus, e se apraz ao Céu que semelhante alegria, recusada
a tantos outros, tenha sido coroada, fosse por uma hora somente, com uma alegria mil vezes mais pura,
mais invejável ainda, é preciso considerar sua sorte como boa, sua parte como bem generosa e, ainda
que chorando, gritar ainda, como você tem feito: Bendito seja Deus que dá e retoma. Lembre-se também
que retomando, é então que ele dá mais. Você sonhou, feliz de você! Quantos, de alma pobre e coitada,
são incapazes disso; quantos, de alma tímida e desanimada, não ousam conceder a toda sua vida a
criação de um sonho! Você não sabe como o sei eu, tudo o que há de abatimento e de tristeza ao sentir
em si potências terríveis que nunca serão usadas; ao ver, não nos sonhos, mas perto de si no mundo real,
a alma que é sua, da qual Deus disse-lhe o nome, que teria podido compreendê-lo, responder-lhe, e,
todavia, a quem não se ousaria falar, nem, já o disse, pensar nem sonhar, que mil impossibilidades
separam de você para sempre e tão invencivelmente que nas horas de maior confiança, nunca um clarão
de esperança apareceu para autorizar mais tarde ao menos um pesar. Daí, tornando a descer às
possibilidades, às coisas que Deus permite, que põe ao nosso alcance, não poder levar a elas nem seu
coração nem sua vida, indagar somente se dessa existência vazia alguém ainda gostaria e dizer: tome, é
bem pouco, mas não saberia dar mais. Você me reconhece em tudo isso, meu caro Victor, e não vai
preferir sua parte à minha? Nunca volte, mas nunca mesmo, amigo, sobre a impossibilidade de que estou
falando! Eu a teria silenciado até a hora de aflição em que você me entrega sua alma para adormecê-la e
lhe proporcionar algum descanso, hora em que, então, para tanto, bem no fundo do meu ser, hauro nos
últimos recursos do íntimo? Eu teria silenciado para você essa impossibilidade, se ousasse chegar na
condição de esperança ou até de sonho, se fosse algo diferente de uma tristeza sem causa, que não serve
para criar e, no entanto, forma obstáculo e se interpõe às vezes com uma incrível autoridade?
Oh! fique contente comigo, meu caro Victor, pelo esforço imenso que também fiz agora para
falar-lhe de mim, quando meu coração só está repleto de você, só se sente viver em você e em sua pena.
Procure ainda dominar-se o bastante para me escrever de novo e me dizer um pouco mais, até onde, ao
menos, lhe for suportável. Receio ter cumprido de forma incompleta a tarefa que você impunha à minha
amizade. Você me pedia talvez, amigo, alguma revelação decisiva sobre minha sorte que, preocupando
vivamente sua terna solicitude por mim, o arranque de si mesmo por um tempo. Infelizmente, amigo, o
que lhe dizer? Se é a vida interior que você quer, ela esteve, desde sua carta, bem agitada, bem ativa; e,
qualquer esforço que fizesse, hoje, não saberia lho dizer. Quanto à vida dos fatos, está praticamente
parada. Aguardo um pouco de calma. Espero que a coisa demasiadamente contida, a forma de idéia se
purifique, se desembarace e suba novamente ao nível do sentimento. Então, amigo, penso eu, lhe
obedecerei. Meus pensamentos, ao menos, abandonaram absolutamente o outro projeto, o desapego era
pouco penoso, como lhe disse anteriormente: era isso para mim uma forma simples e resignada da minha
vida: num impulso, para cima e diretamente, a teria dado a Deus, num impulso ainda, mas por uma outra
via, você entreviu como minha alma poderia tê-la sonhado; esses dois caminhos fechados, qualquer outro
me convirá, penso eu, e Deus me ajudará. Sabe, e a você posso tudo dizer, o que lamento mais agora, é
a castidade reconquistada com o concurso incessante de Deus, que me tinha devolvido a meus próprios
olhos certa pureza, certa poesia, a castidade que precisará perder num amor não santificado de
esperança, em um hímen sem fruto. Mas seu amigo52, (quero dizer o que está perto de você) refletiu
muito sem dúvida sobre isso e você também com certeza. Superarei portanto, provavelmente, esse
escrúpulo e seguirei seu parecer. Tudo isso aliás, toda reflexão, toda tristeza apagar-se-ão após a
determinação tomada. Bem sei que há uma imensa distância entre o momento em que falamos e o que
antecede.
Adeus, meu querido irmão, fale comigo, eu também preciso ouvir sua voz. Que pena que você
não esteja aqui, como você seria amado, como sua pena seria partilhada, suas lágrimas enxugadas. Oh!
que minha lembrança seja consoladora para você. Agradeça com ternura seu amigo; transmita-lhe
respeito e afeição da minha parte.
Léon Le Prevost
52
O amigo íntimo de V. Pavie é o padre Jules Morel, (1807-1890), decano do pequeno cenáculo. Consultado pelo Sr.
LP, o jovem padre se pronunciou em favor do casamento. “Como o lamentará mais tarde, escreve Maurice Maignen,
quando conheceu bem as circunstâncias e as conseqüências”. Mas Deus tinha sem dúvida seus desígnios (...) (cf.
VLP. 1, p. 41).
33
23- ao Sr. Maillard53
Convite para uma noite dançante.
30 de janeiro de 1834
Por favor, não marque compromisso para a noite do domingo antes do Carnaval (9 de fevereiro). Uma
marquesa, que habita minha casa, o convida a uma noitada dançante que ela oferece nesse dia. Desejo
muito que isso lhe agrade. Acharia, assim, algum prazer nessa reunião, através daquele que você mesmo
teria.
Adeus. A você bem sinceramente.
L.P.
Não seja negligente comigo. Victor o repreenderia.
23-1 ao Sr Bailly
Anúncio de seu casamento. Não avisar a Conferência.
18 de junho de 1834
Senhor,
No meio das mil preocupações e embaraços de um casamento bem perto de se realizar,54 não
quero, porém, negligenciar o cuidado de lho anunciar mais precisamente que o tinha feito até agora.
Estou devendo demais aos sentimentos de benevolência e de interesse que o Sr. concedeu-me, para não
ter a certeza de que tomará parte num evento tão sério para mim, tão decisivo para meu futuro.
O Sr. pode ter ficado ciente indiretamente, creio eu, de que este casamento se afasta em alguns
pontos das conveniências habitualmente procuradas; todavia, seguindo os sentimentos que o Sr. mesmo
inspira, tenho-o tão sinceramente posto sob a proteção de Deus, tenho tão fortemente procurado sua
vontade, que devo crer, enfim, tê-la encontrado assim, e confiar que Ele não nos há de abandonar.
Esperarei isso sobretudo, Sr., se quiser me ajudar com suas orações, se amanhã em particular,
dia de meu casamento, o Sr. tiver a bondade de me recomendar a Deus.
Posso contar com isso, eu sei, e lhe agradeço de antemão, pedindo-lhe que receba, ao mesmo
tempo, Sr., a expressão da respeitosa afeição com que sou.
Seu devotado servidor
Le Prevost
P.S. Desejaria que esse fato todo íntimo não fosse anunciado particularmente à Conferência; teria
medo de que meus relacionamentos de fraternidade com seus membros fossem, com isso, senão
alterados, ao menos mudados; estes me são doces assim, desejo mantê-los.
Permita-me recorrer à sua bondade para avisar o Sr. de Francheville, à sua chegada, de que ele
deve se dirigir, para a admissão em uma instituição, de uma moça de que me falou, à Senhorita Bidard,
rua do Petit Bourbon no 2. Essa senhora, que é informada por mim, tem o meio de concluir com êxito esse
negócio, e sobretudo possui uma caridade que arrasta tudo para o bem.
Estarei 3 semanas ausente; deixei uma nota ao Sr. de Flers sobre nossas famílias; ele as visitará
regularmente.
53
Primeiro bilhete do Sr. LP. a esse jovem angevino, ao qual escreverá muitas vezes. (As ASV têm a cópia de 17
cartas ou bilhetes do Sr. LP. a Maillard.) Esse jovem estudante de direito, -além disso poeta e excelente pianista-,
contou ao Sr. Maignen a impressão que lhe deixou seu primeiro encontro: “Quando, numa manhã, vejo aparecer na
soleira de meu modesto quarto (.) um rosto cheio de mansidão e de benevolência, com traços finos e distintos (...) era
Le Prevost (...) Desde essa entrevista de que me lembraria toda a minha vida, o freqüentei o mais possível, apegueime a ele como a um ser superior e benfazejo, o acompanhei em suas diversas obras, na expansão de sua caridade
inesgotável (...) (Carta a M. Maignen, 8 de julho de 1887, Positio, p.582)
54
No dia seguinte, 19 de junho, na capela das Missões Estrangeiras, 128, rua du Bac.
34
24- ao Sr. Levassor55
Projeto de um lar para jovens. Associação com A. Levassor. Atitudes de prudência do Sr. Levassor, pai.
Obra dos jovens detentos. Notícias das pobres visitadas por um amigo.
Paris, 25 de agosto de 1834
Minha resposta, meu caro amigo, terá demorado mais ainda que sua carta e não sei se, como
você, poderia dar a isso alguma boa desculpa. Não é, todavia, negligência nem preguiça, mas sim por não
poder dar conta das ocupações momentâneas que me surgiram, ou um pouco de falta de habilidade na
distribuição de meu horário, ou na ordem de minhas ações. Sei de antemão que você possui uma reserva
de indulgência para tais delitos. Sem mais apologia, portanto, passo adiante para os nossos negócios.
Fico sabendo, com uma satisfação bem viva que o consentimento de seu pai, base essencial e
fundamental de nosso projeto foi conseguido, ou antes, o que é ainda melhor, plena e livremente
concedido. Bem adquirida essa segurança de consciência, não teremos mais obstáculos, a não ser
secundários, e nossa vontade firme poderá, espero, facilmente enfrentá-los. E em primeiro lugar, meu
amigo, a objeção levantada pelo Sr. seu pai a respeito da associação pura e simples entre nós, não será
um problema. As inquietudes que manifestou aqui o Sr. Levassor não me ofendem em nada, sendo que
não tenho a honra de ser seu conhecido. Aliás, elas não me teriam, em nenhum caso, ferido; eu as teria,
como se deve, atribuído à sua terna solicitude, à sua prudência que deve ajudar a sua em toda decisão
importante para você. Dou portanto, aqui, pleno consentimento às disposições que você me propõe e
desejo que minha diligência em fazer-lhe esta concessão possa aparecer ao Sr. seu pai um penhor de
inteira segurança.
No entanto, meu amigo, você me permite fazer-lhe a esse respeito algumas observações,
deixando-as aliás à sua livre decisão. Prometi-lhe que tudo o que seria de meu interesse pessoal seria
logo sacrificado e não poderia fazer sombra de obstáculo para o sucesso de nosso projeto. Assim será, o
asseguro de novo, e é unicamente no interesse de nossa própria obra, que insisto um pouco nesta
ocasião. Pensa, meu amigo, que a nova combinação proposta por você não destruirá o equilíbrio, a
harmonia desejável de uma inteira igualdade entre nós? Acredita que não vai criar superioridade de um
lado, subordinação do outro lado? Nesse caso, você está bem seguro de minha completa abnegação? Será
esta suficiente para sustentar meu ardor em uma obra que, em mim mesmo, não terei mais o direito de
dizer minha? Apesar de minha confiança sem limite em sua delicadeza, em sua generosidade mesmo, não
tem medo de que, em algumas horas ruins, este pensamento desanimador se infiltre em mim: “aqui
nenhuma autoridade direta, nenhum direito para você, amanhã, você poderia encontrar porta fechada e
seria certo, seu lar não está ali”.
Não vá acreditar, meu amigo, que estas reflexões tendam a fazê-lo mudar de parecer; de jeito
nenhum, desejo somente voltar um instante sua atenção para elas; se você confia em mim o suficiente
para que elas não o preocupem, estou demais ufano com sua confiança para ater-me nisso; por outro
lado, se você pensasse que, afinal, não se deve demasiadamente presumir de suas forças nem das dos
outros, sem mudar em nada o fundo de sua proposição, talvez fosse possível, por algumas palavras
faladas ou escritas, mas sem nenhum valor legal, restabelecer mais equilíbrio, criar entre nós alguma
obrigação mais precisa, moralmente ao menos e religiosamente. Você me dirá a esse respeito seu parecer
definitivo e, depois, não se falará mais sobre isso.
Não preciso dizer que vi o Sr. Dufour56. Em uma primeira visita, o encontrei ausente; voltei outra
vez e conversamos algum tempo juntos. Ele parece absolutamente na mesma disposição em que você
mesmo o achou; somente o parecer de seu bispo devia resolver definitivamente sua determinação,
quanto ao momento preciso de sua aposentadoria; mas seria, disse ele, ao mais tardar no ano que vai
começar, de qualquer jeito. Não devo dissimular para você que este ano, ao menos, parecia-lhe desejável
para suas disposições de partida; isso seria subordinado, porém, entrevejo eu, às ofertas que ser-lhe-iam
feitas para um emprego mais ou menos próximo em sua diocese. Deve partir amanhã; daqui a pouco, se
cumprir sua promessa, ele deverá escrever-me. Não deixarei de comunicar a você sua carta pelo correio,
logo ao recebê-la, a fim de combinarmos a resposta. Seu retorno para cá é fixado para o começo de
55
Louis Adolphe Levassor (1809-1899). Jovem advogado, havia entrado na Conferência de caridade desde o mês de
novembro de 1833, graças a seu amigo Le Prevost, o qual acabava de entrar pouco tempo antes. Após ter passado
pelo seminário de Chartres e pelo de Saint-Sulpice, em Paris, será ordenado padre no dia 19 de setembro de 1840,
por Dom Clausel de Montals. Exercerá seu ministério em Chartres, onde será pároco de Saint-Aignan. O Sr. LP.
escreverá muitas vezes a esse amigo íntimo (ASV, cópia de 60 cartas).
56
O padre Dufour é diretor de uma instituição de jovens que o Sr. LP. encara retomar.
35
outubro ou, até, o fim de setembro. Ele partiria de novo para visitar algumas das famílias que confiam-lhe
seus filhos. Não pareceu achar que minha ajuda lhe fosse necessária em sua ausência; o repetidor de
direito atual continua provisoriamente a vigiar a sua casa.
Quanto ao arrendamento, objetou numerosas dificuldades em seu interesse e no nosso, para
prolongá-lo durante 3 anos. Todavia, insisti, pedindo-lhe para ao menos sondar o terreno e assegurar-se
precisamente de que haveria impossibilidade, ou desvantagem grave, em dar-lhe uma duração menos
longa. Não sei o que ele terá feito e se a promessa que para tanto obtivera dele terá sido levada em
conta. Coloco-lhe, caro amigo, todas essas coisas bem sumária e apressadamente; voltarei sobre isso,
pois ambos o tempo e o espaço me faltam.
Estamos instalados perto de nossos jovens presos57. Falar-lhe-ei deles mais longamente, quando
tiver visto melhor o que se há de esperar deles; à primeira vista, os consideraria de bom grado como
outros tantos santinhos: pobres meninos, a realidade é bem diferente! Um deles, de excelente família,
separado dos outros, com quem conversei ontem bastante tempo, está encarcerado por ter batido em seu
pai. Tem mais de dezenove anos, quase vinte. É o único que conheça; por ele, julgue o resto. Muitos não
sabem ler, alguém lhes ensina mal ou nada; vamos cuidar disso. Adeus, meu amigo, visitei suas pobres
protegidas, todo o mundo ali esmorece de saudade, você é sua vida: a caridade e a graça chegam ali
através de você; volte, portanto, para o bem delas e também um pouco por seu amigo devotado em J.C.
L. Le Prevost
25- ao Sr. Levassor
Consentimento da Sra. Le Prevost para a associação projetada. Confidências sobre os primeiros meses de
seu casamento. Detalhes práticos sobre a organização da obra futura. Bem a ser feito a esses estudantes.
Providências caridosas.
Paris, 29 de agosto de 1834
Sinto-me honrado, meu amigo, e por hoje ao menos, você não terá motivo de queixar-se de
minha negligência, se tanto é que uma primeira vez eu mereci essa censura. Ontem, às 9 horas do noite,
seu primo me trazia sua carta e esta manhã eis que estou-lhe respondendo. Poderia ter solicitado sua
cortesia para remeter-lhe minha carta, mas ele não tinha certeza, talvez já teria ido no momento em que
lha teria mandado; ela irá, portanto, pela via comum; não lhe dê menos consideração, peço-lhe, por
causa disso. Respondo em primeiro lugar, meu caro amigo, ao ponto mais essencial de sua carta, ao que
o Sr. seu pai e você, com uma delicadeza de consciência que aprecio, têm desejado esclarecer
nitidamente, quero dizer o assentimento de minha esposa a nosso projeto. Devo notá-lo em primeiro
lugar, meu caro amigo, sua terna simpatia por tudo o que me tocava tão vivamente não permitiu-lhe
conservar, nesses relacionamentos de confiança e de efusão que se estabeleceram entre nós, a respeito
de meu interior, a razão fria, o julgamento calmo que um estranho, por exemplo, teria mantido em si;
assim, quando chegava a você esmagado por minha pena para derramá-la em seu seio, amigo devotado,
primeiro que tudo, você antes sonhou em pegar a metade dela, em lugar de analisá-la racionalmente, de
comparar minha situação com outras posições análogas, e de formar de tudo isso uma previsão nítida,
uma esperança precisa ao menos para o futuro. De outra forma, creio eu, agora que eu mesmo estou um
pouco tranqüilizado, você teria pensado, talvez, que essas primeiras perturbações, surgidas no início de
meu casamento, eram um efeito quase inevitável da posição excepcional que comportava. A harmonia e a
inteligência não podiam, sem choque e sem atrito, se estabelecer entre pessoas separadas por tanta
desproporção de idade, de natureza, de gostos; mas, após essa primeira prova, após esse primeiro
choque tão doloroso, se tem, dos dois lados, esta experiência, esta convicção: de tanto resistir, a gente
quebra. É preciso antes ceder, afrouxar um pouco e, a longo prazo, a gente pode assim tornar sua vida
mais fácil e mais doce. Chegamos a este ponto em casa e desde as últimas explicações havidas entre nós
e que, penso eu, deitaram alguma luz salutar sobre nossa posição, nenhuma nova aflição veio perturbarnos. Deus ajudando, espero, sempre será assim, e teremos, senão a felicidade que nunca temos
esperado, ao menos algum descanso e bastante calma para andar no bem.
57
No decorrer de suas visitas caridosas, o Sr. LP. tinha tido a ocasião de descobrir, perto do Panthéon, na rua des
Grès, (hoje rua Cujas), uma casa de correção para jovens. Concebeu o projeto de apoiar e catequizar esses jovens
detentos. Graças à intervenção de seu amigo advogado Levassor, o Sr. LP. conseguiu a licença no dia 8 de julho de
1834. Com Ozanam, e outros confrades, o Sr. LP. começou a obra em agosto de 1834. As visitas continuarão até em
1836. Nessa data, os detentos serão transferidos à cadeia da Roquette, na outra extremidade de Paris. A Sociedade de
SVP. se voltará então para os aprendizes-órfãos.
36
Tudo isso é bem longo, meu amigo, paciência, estou chegando ao objetivo. De acordo com essa
nova disposição, o assentimento de minha esposa do qual nunca duvidara, se tornava a coisa do mundo
mais simples; por isso ela o deu, não somente de bom grado, mas com alegria e de todo o coração. Em
duas palavras, eis como apresentei-lhe o assunto: “nossa posição está hoje, no mundo, honesta e
suportável; temos algum bem, você seus trabalhos, eu meu emprego, mas daqui alguns anos, o tempo do
descanso terá chegado para você; posso contar bastante com as chances de promoção em minha
carreira, para arcar sozinho com os encargos da nossa casa? Mais tarde, se desejarmos, ambos, nos
retirar inteiramente, teremos aumentado suficientemente nossos recursos para assegurar-nos, mesmo no
interior, a situação que lhe convém? Ora, uma ocasião se apresenta de ocupar utilmente o tempo de que
posso dispor, a atividade que me atormenta hoje, e com a qual não sei o que fazer: não pensa que é
preciso aproveitar essa ocasião?
A resposta de toda mulher sensata a tal pergunta não podia ser duvidosa, por isso aplaudiu
plenamente ao nosso projeto e deu-lhe inteira adesão. Quanto ao que lhe concerne pessoalmente, como
um empreendimento do tipo do nosso é alheio a seus gostos, a seus hábitos, incompatível com as artes
que faz questão de cultivar acima de tudo, fica combinado que ela não intervirá de maneira nenhuma em
nossos negócios. Esse acordo, que, sem dúvida, agrada-lhe, é essencialmente necessário para ela
também. Uma coisa: determinamos também que, para tornar minhas comunicações com ela habituais e
até quotidianas, aproximaríamos, em toda a medida do possível, sua morada do estabelecimento dirigido
por nós. Assim não haveria entre nós separação alguma, nenhuma causa de espanto para fora, mas
simples combinação muito habitual e muito comum entre esposos, para o exercício respectivo de
ocupações diferentes.
Superada essa dificuldade, passo ao resto, bem mais fácil ainda a destrinchar, sendo que
concerne somente a nós, gente de fácil acordo. Você deseja, meu amigo, que eu precise mais
nitidamente o que entendo por alguma obrigação a criar entre nós. Eis meu pensamento. Vamos, se
nosso projeto executar-se, criar um estabelecimento ou reformá-lo, o que é quase a mesma coisa. Nessa
operação colocaremos nossa inteligência, nossa juventude, nossa atividade, tudo o que está em nós,
enfim, e, espero, teremos pleno êxito; mas se, daqui a dois ou três anos, graças aos nossos esforços
reunidos, a casa se tiver tornado de acordo com os nossos desejos e plenamente florescente, parecer-lheia, caro amigo, justo e bom dizer-me: agora tudo vai bem, posso tudo conduzir sozinho, adeus?
A casa que iremos assumir é pouco extensa e representa um valor (falo do estabelecimento) de
20.000 francos apenas. Se, daqui seis anos, graças aos nossos esforços reunidos, esse valor tiver
consideravelmente aumentado, parecer-lhe-ia justo e bom que o fruto de nossos trabalhos ficasse o
proveito de um só?
Ora, meu amigo, seu título de proprietário único dar-lhe-ia esses direitos que, eu sei de antemão,
você repugnaria demais exercer. Pedirei, portanto, que, para estabelecer mais nitidamente nossa posição
respectiva, você reconheça (mas, repito, por simples palavra ou escritura sem valor legal): 1o – Que nossa
associação, embora não fundada sobre um valor material de minha parte, não é por isso menos real e não
deverá ser rompida, a não ser fraternal e amigavelmente; 2o – que o acréscimo de valor do
estabelecimento, no momento da ruptura da associação ou da cessão da casa, esse acréscimo de valor,
digo, sendo a obra de nós dois, seria também o proveito de ambos.
Quanto ao mobiliário, intervirei no preço de aquisição com aquilo que você achar bom e, se
crescer com o tempo, participarei proporcionalmente. Aliás, tudo isso, meu amigo, ainda repito, tudo o
que é de interesse, não passa de uma miséria, fácil, fácil ao máximo de se combinar entre nós.
Sonho cada vez mais com satisfação em nosso estabelecimento futuro, em ver mais nitidamente a
coisa, fico ainda mais convicto de que, com boa vontade, há ali muito bem a fazer; para os moços dos
colégios, é verdadeiramente um ponto crítico esse momento de transição para a inteira liberdade e
emancipação. Aproveitar desse momento para iniciá-los, o mais possível, à ciência do mundo e, mais
ainda, à ciência do alto, ocupar sua inteligência, seu ardor, mostrar-lhes um bom uso dessas faculdades
no estudo da filosofia, da literatura, das artes, preparar todas essas vias para eles, abrir-lhes a vida, em
uma palavra, bem indicar-lhes o verdadeiro caminho da vida; aí está uma obra verdadeiramente boa, útil
à sociedade, e segundo o coração de Deus. Se formos dignos disso, meu amigo, essa obra será nossa, se
não, espero, não a empreenderemos. Oro cada dia por isso com você.
Quis ver o Sr. Gardet, ele está no campo e deve voltar somente amanhã. Em sua volta, pedirei a
informação que você deseja ter. Sua jovem irmã, acho, vai ser admitida no Oiseaux. As bondosas
senhoritas Bidard cuidam disso com a atividade que você reconhece nelas para tudo o que é caridade.
37
Utilizarei, segundo suas instruções, os fundos a mim entregues e lhe apresentarei um relatório. Adeus,
meu caro amigo, escreva-me logo, estava tão acostumado a suas visitas que tenho necessidade de suas
cartas para suprir sua presença.
Já que estou agora apresentado ao Sr. seu pai, queira oferecer-lhe meus sentimentos mui
respeitosos; se relacionamentos mais íntimos se estabelecerem, como espero, entre você e eu,
encontrarei sem dúvida nisso certa ocasião de aproximação com sua família e ficarei verdadeiramente
bem lisonjeado com isso.
Adeus, meu amigo, a você de coração bem sinceramente em J.C.
Le Prevost
P.S. Recrute por ali uns jovens na hipótese de uma criação; os teríamos sempre de modo provisório, caso
contrário, com o Sr. Dufour, onde você teria condições de dirigi-los; isso nos colocaria aliás em terreno
um pouco mais firme para tratar com ele, se pudéssemos manter a alternativa de uma fundação por nós
mesmos.
É pena que pouco tempo esteja sobrando para nós; no entanto, pondo mãos à obra, poder-se-ia,
acho, reunir desde este ano alguns sujeitos e preparar mais recursos para o ano seguinte. Examine e
decidiremos. Verei o Sr. Gardet.
26- ao Sr. Levassor
A Sra. Levassor se opõe ao projeto de associação. A educação de que precisariam esses jovens. Lugar
das instituições privadas após a Revolução. Convicções cristãs do Sr. Le Prevost.
Paris, em 3 de setembro de 1834
As mágoas que você experimenta, meu caríssimo amigo, tocar-me-iam vivamente, mesmo se
não me atingissem tão pessoalmente em algum ponto. Minha terna e sincera amizade por você seria
suficiente o bastante para fazer-me participar delas.Sua carta, portanto, afligiu-me e escrevo-lhe sem
demora para que essa mágoa, bem colocada em comum, se alivie, se é possível, para um e outro. Fora
disso, quanto à questão fundamental do assunto, tenho-o, de antemão, tão completamente abandonado à
vontade de Deus, que qualquer que seja a solução que acontecer, saberei, espero, resignar-me. Deveria
talvez, meu caro amigo, limitar-me a esses protestos de simpatias e de vontade igual à sua. Aconselhá-lo
na situação grave na qual se encontra parecer-me-ia ao menos ousado e pouco prudente. Limitar-me-ei,
portanto, a examinar com você o obstáculo que encontra hoje nosso projeto e os meios que poderiam
existir, cristãmente, de ultrapassá-lo.
A extrema repugnância que manifesta a Senhora sua mãe pelo tipo de estabelecimento que nos
propomos a empreender parece-me vir do fato de ela não ter uma idéia bastante precisa da natureza
desse estabelecimento, dos deveres que impõe, da situação que confere na sociedade, nem, antes de
tudo, dos meios e facilidades que oferece Paris para a direção de um tal empreendimento. Não duvido
que, suficientemente esclarecida sobre esses diversos pontos, a Senhora sua mãe não o visse, com toda
segurança e mesmo com alegria, seguir o caminho que parecia abrir-se tão naturalmente diante de nós.
Ela objeta a responsabilidade, mas essa responsabilidade é bem menor que a dos professores, já que não
se trata aqui de crianças, mas de moços já tendo força e razão quase suficiente para se dirigirem. O chefe
de estabelecimento entre nós não é pai, é amigo, irmão, já não prescreve mais, mas aconselha. Um
conselho não dá responsabilidade, ou ao menos é um cargo somente para a consciência. Há, portanto,
aqui pouca coisa a desembaraçar com os homens; é com Deus que se trata e a conta é mais fácil. Um
jovem colocado sob nossos olhos, apesar de nossos avisos, sai do rumo e extravia-se, mas sua família é
avisada por nós e assume a partir daí toda responsabilidade, se houver. Não prometemos conservar os
jovens constantemente sob nossos olhos, detidos e vigiados; prometemos segui-los com o olhar,
enquanto for possível, informar suas famílias a respeito do rumo que estão tomando, de sua assiduidade
e de seu progresso no estudo, prometemos afeição e conselho; feito isso (e o faríamos) nossa tarefa está
cumprida, nenhuma responsabilidade sobra para nós. Quanto à doença, não iríamos recuar, nem você
nem eu, diante do dever de cuidar de um ser que sofre, de assisti-lo, encorajá-lo na hora da morte.
38
A direção de uma grande casa apavora a Senhora sua mãe. É porque ignora talvez que imensa
diferença oferece Paris, a esse respeito, sobre o interior. No interior é preciso ver tudo, tudo indicar, tudo
acompanhar, tudo fazer até, se precisar, pôr a mão em tudo. Aqui, nada é igual, os criados são
preparados de outra forma, as facilidades para as produções e objetos de consumo são multiplicadas, de
tal sorte que tudo funciona, tudo anda, senão sozinho, ao menos com um simples impulso, uma simples
vigilância e direção. Assim, um eclesiástico aqui, como o padre Dufour, por estado, por gosto, estranho a
todo cuidado de caseiro, assegura sem dificuldade, sem muito tempo nem cuidados, a manutenção de
uma casa que assustaria a 4 das melhores donas de casa do interior. Mas, eu sei, tudo isso se persuade
dificilmente, é preciso verificá-lo, é preciso tê-lo visto muito tempo e em cem lugares e em cem posições
diferentes para acreditá-lo, para não mais duvidar. É também, você sabe, uma inquietude de bem pouco
fundamento, a de ficar destacado, designado como carlista e Jesuíta. Quem ocupa aqui Instituições
privadas? Entre as pessoas interessadas, mal é conhecida a eminente e tão religiosa casa do Sr. Poiloup58;
eu, que desde sempre acompanhei as coisas no campo da instrução, faz apenas três meses que sei de
sua existência. Quem, sob a Restauração, foi mais metido nas coisas de partido, foi mais destacado do
que o Sr. Bailly, diretor dos Bons Estudos, alma das Congregações? Ora, o Sr. Bailly foi inquietado após a
Revolução? E nós, estranhos a tudo isso, fazendo o bem segundo as nossas forças, em algum humilde
recanto, seríamos assinalados, atormentados? Não poderia acreditá-lo; e, para dizer a verdade, em todo o
caso, não veria nisso para homens, para cristãos, de jeito nenhum, uma razão de recuar diante de uma
resolução boa e tomada diante de Deus. Não insistirei sobre as mil razões que poderia acrescentar, seriam
supérfluas, pois você e eu já tínhamos encarado de perto tudo isso, tínhamos visto, tínhamos conversado
com homens encarregados de tais estabelecimentos, que não pareciam nem acabrunhados, nem
apavorados pela responsabilidade, pela má sorte, pelos temores de desconfiança. Por isso, a verdadeira
dificuldade não está em nós, não somos nós que é preciso convencer, mas, sim, a Senhora sua mãe, e,
confesso, convencê-la parece-me difícil, porque o espírito pega pouca luz de cada vez, e aqui, em todos
esses pontos, precisaria montanhas, rios de luz. Que Dona Levassor relaxasse um pouco, se poderia
esperar, mas que cedesse absolutamente, pelo que se antevê, não se pode contar com isso. Quanto à
decisão a tomar definitivamente, acho como você, meu amigo, que deve-se orar muito, não melindrar sua
mãe, esclarecê-la pouco a pouco, se possível, senão, abandonar absolutamente este assunto. A Sra.
Levassor, você me disse, é muito piedosa, os eclesiásticos que têm acesso a ela e em quem ela confia não
poderiam aconselhá-la utilmente, reduzir a seu justo valor a seus olhos as objeções que opõe, livrar
enfim sua resistência de toda exaltação, tirar dessa resistência toda intervenção das causas secundárias,
estranhas à razão pura, à ternura cristã e esclarecida de uma mãe pelo seu filho? Espero nesses meios,
espero em Deus sobretudo; peçamos a ele e contemos com sua graça. Veja o Sr. Lecomte59 ou seu
confesssor, o consentimento de seu pai, com calma e de modo racionalmente dado, me parece de um
grande peso.
Adeus, seu amigo devotado.
Léon Le Prevost
Encontrei o Sr. Gardet; ele conta sempre com o jovem. Vamos mais ou menos bem na rua dos
Grès.
27- ao Sr. Levasssor
O Sr. Levassor abandona o projeto de associação. Proposta de um cargo de escrivão. Se tivessem que se
separar, permanecerem unidos em Jesus, o amigo comum. Esperança de ver a Obra dos jovens detentos
dar frutos. Senhoras assistidas pela Conferência.
Paris, 17 de setembro de 1834
Não poderia dizer, falando a verdade, meu caro amigo, que sua carta não me tenha dado uma
certa tristeza. Eu tinha posto meus pensamentos, minhas esperanças nesse projeto e não é sem algum
desapontamento que vejo, de um sopro, o castelo derrubado. Mas, posso dizer também, tinha desejado a
realização de nossos propósitos somente na medida em que estivessem na vontade de Deus e que se
58
O padre Poiloup dirigia uma instituição religiosa que se instalou em Vaugirard em 1830. O estabelecimento,
retomada pelos Jesuítas em 1852, se tornará o famoso colégio de Vaugirard, onde o Pe. Olivaint, futuro mártir da
Comuna com o Pe. Planchat, foi professor e superior de 1857 a 1865.
59
Diretor espiritual do Sr. Levassor.
39
conciliariam plenamente com seus próprios desejos, com seus deveres, seus interesses. Se tudo isso e,
antes de tudo, o apelo de Deus o levam para outro lugar, que sua vontade seja feita, siga seu caminho,
meu amigo, e tenha a certeza de que meus votos bem ardentes, minha bem viva simpatia o
acompanharão constantemente. Não escrevi ao Sr. Dufour de quem ignoro o endereço. Mandei perguntar
na casa dele se não haveria uma carta para mim, da parte dele, mas não acho bom provocá-la
diretamente, na incerteza (mais que incerteza) na qual a situação em que você se encontra põe,
doravante, nossos acordos feitos com ele. Se ele me escrever, segundo sua promessa, combinaria com
você a resposta. Se, ao contrário, o que não presumo, seu parecer mudou, penso que é preferível deixarlhe a iniciativa da ruptura.
O Sr. Gardet, que veio estes dias em casa, onde não me encontrou, deixou algumas linhas a fim
de pedir-me para fazer uma comunicação a você em nome dele. Um escrivão ligado ao Tribunal de
primeira instância em Paris oferece ao Sr. Gerbet fazê-lo ganhar 600 francos e mais cada ano para um
trabalho bem leve e muito fácil. Porém, o Sr. Gardet, decidido a não se ocupar de jeito nenhum, nem um
pouco, de prática, vai recusar essa proposição; mas ele pensa que ela poderia agradar-lhe. Nesse caso,
aceitaria, combinando com você o trabalho a partilhar, se lhe é possível tomar parte. No caso em que
suas aberturas para Orléans não tivessem êxito, talvez isso lhe conviesse. Eu teria medo somente, embora
o Sr. Gardet não tenha acrescentado nada sobre isso, que houvesse inconveniente em adiar demais a
resposta ao escrivão em questão.
Obrigado, meu caro amigo, pela boa lembrança que me concede em suas encantadoras
excursões, pela parte nelas que tem a bondade de me desejar. Meu pensamento tem asas, mas meu
corpo tem correntes. Na falta de um, ponho ao menos o outro a segui-lo para fazer-lhe fiel companhia.
Terei muita alegria em revê-lo, quando de sua passagem por aqui; será para bem pouco tempo, para uma
longa ausência em seguida, e, quem sabe, talvez para sempre. Meu Deus, como os laços terrestres duram
pouco, e que grande necessidade temos, não é verdade, meu amigo, de fazer amizade, de estabelecer
fraternidade com Jesus Cristo, irmão, amigo que sempre temos aí, que nos acompanha em todos os
lugares e que reencontramos novamente no mundo ao qual tendemos. Se o tempo nos separa, meu
amigo, possamos ali, ao menos, reencontrar-nos em parceria com esse amigo comum.
Seu bem devotado em J.C.
Le Prevost
A Sra. Delatre parte ou já partiu para Rouen, você a encontrará,talvez. Nossos meninos, rua dos
Grès, vão bastante bem; essa obra o interessaria vivamente, pois você muito semeou deste lado e, se
colhermos um pouco, teremos que agradecer a você por isso. A boa Sra. Meslin60 não me tinha dito nada,
mas levarei em conta o aviso.
28- ao Sr. Levassor
Continuação das providências para o emprego proposto ao Sr. Levassor. Atividades caridosas do Sr. Le
Prevost. Ele confia a Deus sua última esperança a respeito de sua associação.
Paris, 3 de outubro de 1834
O atraso que sofreu nossa correspondência, meu caro amigo, não se deve a qualquer motivo de
negligência, assim como sua engenhosa caridade o fez de antemão presumir, mas simplesmente a essa
persuasão em que me encontrava, de que você devia passar por aqui nos últimos dias de setembro.
Imaginava que era na ida para Rouen e não na sua volta de lá que você atravessaria Paris. Se não me
engano, sua carta me tinha primeiramente dado esta impressão. Assim sendo, parecia-me inútil escreverlhe na véspera de sua chegada. Estava pronto para responder verbalmente às diversas perguntas que
você tinha-me dirigido, e tinha-me preparado para isso. Sua última pergunta não me pega, portanto, em
falta nem despreparado; se minha resposta não partiu pelo próximo correio, a fim de encontrá-lo ainda
em Chartres, é que me foi impossível, ontem, obter o endereço de Dona Delatre. A Sra. Pianet pediu-me
que voltasse para isso hoje à casa dela, e me obrigou assim a um atraso de um dia.
60
Membro da Conferência, o Sr. Levassor visitava, relata M. Maignen, “três pobres velhas senhoras [Delatre, Meslin
e Dorne] cujo aluguel pagava em cada trimestre. A Conferência vinha cada vez em seu auxílio em uma pequena
parte. Chamávamos essa obra a obra das três velhas senhoras, e sua história durou muito tempo na Conferência.” O
Sr. Maignen acrescenta que, uma vez no seminário, o Sr. Levassor não deixava de continuar suas esmolas (cf. VLP.
I, p.107).
40
O Sr. Gardet, a quem perguntei de novo, segundo seu desejo, sobre a natureza dos empregos
que oferecia procurar-lhe, respondeu-me que não tinha nenhum dado preciso a esse respeito, que
somente presumia, a partir das próprias palavras que havia-lhe transmitido seu pai, que esses empregos
eram suaves e fáceis; talvez se possa presumir que são alguns negócios de palácio. Ele espera, aliás, sua
resposta impacientemente para, ele próprio,responder de maneira decidida. Ele me repetiu que, de vez
em quando, outros negócios lhe eram também oferecidos, que os recusava habitualmente por causa de
sua repugnância pela prática, mas que lhos transmitiria se você mesmo quisesse dar-lhes um pouco de
seu tempo. Poderia parecer-lhe esquisito que o Sr. Gardet não tivesse tomado informações mais precisas
sobre o assunto. Eis a explicação que me deu a respeito: o escrivão que fez a oferta para ele a seu pai é
um antigo amigo de sua família que lhe demonstrou, a ele pessoalmente, muita benevolência durante sua
infância, mas de quem suas ocupações o afastaram há vários anos. Ora, parcimonioso como é de seu
tempo, o Sr. Gerbet não gostaria de reatar laços com o escrivão em questão nem retomar relações que o
obrigariam, depois, a um intercâmbio constante, se essas relações não hão de ser proveitosas a ele ou a
você. Assim, se sua resposta for afirmativa, ele irá ver o escrivão, se for negativa, ele o fará agradecer
gentilmente por seu pai e ele mesmo ficará quieto. Procure se contentar com isso.
Não tinha descuidado também do negócio dos aluguéis, apesar de não entender por que motivo
você desejava que o seu fosse pago tanto tempo antes do vencimento. Passei pela casa de sua porteira
para entregar-lhe o dinheiro, o dono estava por alguns dias no campo e não tinha deixado o recibo; na
sua volta deviam trazê-lo para mim e receber a importância. Não vieram, passarei por ali de novo.
Faz alguns dias que não vejo Dona Meslin. Eu a verei também antes do vencimento do prazo.
Necessitei dar-lhe até agora 25f para viver, mas ela me prometeu que durante todo o mês de outubro,
graças à generosidade do irmão de você, ela não teria necessidade de recorrer à sua bondade. A boa Sra.
Dorne vem visitar-me de vez em quando; ficou muitas semanas sem trabalho, mas enfim agora
encontrou. Além disso proporcionei-lhe um pequeno trabalho de faxina de 8f por mês, que a ajuda um
pouco. O jovem artista não me devolveu até agora os 10f que devem prover o seu aluguel. Sentia alguma
repugnância em ir ter com ele, propositalmente para pedir-lhe esse dinheiro, mas, se o julgar bom, irei.
Você me dirá isso na sua resposta. Caberia a mim responder a todas as boas e graves coisas que contém
sua carta de ontem, mas, além de que me falta o espaço, teria o receio de que uma matéria tão séria não
seja conveniente no meio de um casamento; portanto, limito-me, para tranqüilizá-lo ao menos desse lado,
a dizer-lhe, meu querido amigo, que eu, de jeito nenhum, entenderia que sua associação comigo pudesse
privá-lo de qualquer vantagem futura, menos ainda o impedisse de realizar alguma resolução santa, que,
em todos os casos, as coisas se ajeitariam entre nós diante de Deus, segundo a caridade e a justiça e
com tanto menos pena, espero, que os sentimentos tão afetuosos que nos unem tornariam, de ambos os
lados, os sacrifícios suaves e fáceis. Tenha, portanto, meu caro Adolphe, o espírito descansado para tudo
o que me diz respeito; desejo bem sinceramente, ao tornar-me seu associado, não deixar de ser ao
mesmo tempo seu amigo e seu irmão. Esses títulos reunidos saberão tudo aplainar e conciliar entre nós,
tenho a firme convicção disso.
Adeus, até logo, abraço-o cordialmente e sou todo seu em J.C.
Le Prevost
29- ao Sr. Levassor
As negociações para retomar a instituição de jovens poderiam finalmente chegar a bom termo. Boas
disposições do Sr. Bailly para com eles.
Paris, quarta-feira 29 de outubro de 1834
Estou bastante apressado por trabalhos neste momento, meu caro amigo, dir-lhe-ei, portanto, às
pressas agora somente algumas palavras.
41
Segui pontualmente suas instruções; sábado, entreguei sua carta na casa do Sr. Dufour e
domingo, passei por lá para saber sua resposta. Ele adere a tudo e consente em tudo; ele mesmo deve
informá-lo por escrito, ou até, já deve tê-lo informado. Suas disposições me pareceram extremamente
favoráveis. Está, evidentemente, em um desses momentos em que os meios de acomodação devem ser
fáceis com ele. O Sr. Bailly, que vi ontem, aconselha-o a não tardar em aproveitar rápido essa feliz
chance e eu mesmo o exorto a isso. Se está persistindo em pensar que essa carreira possa ser-lhe
conveniente, espero-o quanto antes, meu caro amigo; sabe que prazer terei em recebê-lo aqui, em ver
sua estada prolongar-se durante alguns meses ao menos.
Venha portanto e acredite na constante afeição
De seu todo devotado amigo em J.C.
Le Prevost
O Sr. Bailly parece também ter para conosco as mais bondosas disposições.
30- ao Sr. Levassor
Confirmação do consentimento do padre Dufour. Paciência e orações nas contrariedades suscitadas por
esse negócio de cessão.
Sexta-feira 31 de outubro de 1834
Não sei, meu caro amigo, se minha última carta o convenceu suficientemente sobre as
disposições do Sr. Dufour. Em todo o caso, para comprazer-lhe, tornei ontem a encontrá-lo e o informei
da incerteza em que você ainda permanecia e do desejo que tinha de uma adesão mais completa a suas
proposições, a fim de não deixar nada indeciso em sua posição respectiva. O Sr. Dufour me respondeu: O
Sr. Levassor captou mal o sentido de minha carta; ela dá, e reitero aqui, adesão completa ao pedido que
me foi feito, o que quer dizer que o Sr. Levassor poderá desde hoje estabelecer comigo as condições da
cessão, com a ressalva de ratificar definitivamente e executar essas condições somente após a
experiência de 6 meses que ele deseja fazer. Tudo o que continha, aliás, minha carta em explicações e
reflexões se dirigia à Senhora Levassor, antes que a seu filho.
O Sr. Dufour achou natural e justo que toda disposição para renovação de contrato, ou outra,
ficasse alheia a você até a expiração dos 6 meses. Quanto à admissão do Sr. Gardet, ele fará, acho eu,
conforme seu desejo; isso, aliás, ficará para resolver amigavelmente.
O Sr. Dufour deseja vê-lo no dia 10 ou 12 ao mais tardar.
Partilho, meu amigo, as contrariedades que lhe suscita esse negócio; tenha paciência com elas,
ore, eu também orarei. Deus é tão bom e a vida é tão curta.
Todo seu de coração em J.C.
Le Prevost
Estou voltando da casa do Sr. Gardet, ele está ausente o dia todo, não deu para vê-lo.
Até logo. Adeus.
31- ao Sr. Pavie
Muito atarefado, o Sr. Le Prevost não teve tempo de escrever. Sua vida doméstica não deve enganar. O
alicerce de sua natureza é a esperança. Confidências sobre as provações de sua vida conjugal. Sua força
de alma para cumprir seu compromisso.
Paris, 24 de novembro de 1834
Estaria muito inquieto na presença de qualquer outro, meu querido Victor, de um silêncio tão bem
observado como o meu; mas com você chego tão confiante e tão livre como nunca, porque minha terna
afeição não mudou e, tenho plena certeza, é tudo isso e somente isso que você me pede. O resto é
subjetivo, acidental e por isso desculpável ou fácil de se esquecer. Na falta dos fatos, você recorre à
42
intenção e, falhando a própria intenção, algo lhe resta que é pessoal, próprio, é uma vista inteligente e
larga de tudo o que é humano, uma fé implícita nas possibilidades vagas, uma percepção real do
imperceptível, uma visão transcendente do invisível. Seria muito infeliz se, com tudo isso, você não tivesse
descoberto que, nesses últimos tempos, eu, como por prazer, tinha-me deixado envolver com mil coisas
até perder o fôlego. Minha cabeça passava por cima um momento, depois, logo em seguida, estava de
novo envolvido. Você, algumas vezes também, deve ter concedido a si próprio semelhante
entretenimento. Não saber para que correr, a quem ouvir, o cansaço, a tontura, depois, quando se deixa
tudo por esgotamento, ver tudo à ventura do bom Deus, e por isso tudo andar melhor e chegar sem você
ao objetivo. Se você pergunta sobre o que tudo isso agia, não sei muito bem, na verdade. O negócio
Levassor e alguns escritos sem maior importância são o que vejo de mais nítido. Para você, que dá dez
voltas enquanto eu dou uma, teria havido bastante folga e espaço, mas você sabe, o copo de água tem
suas tempestades, e a nulidade, seu infinito.
O negócio Levassor de que falava continua provisoriamente nessa feliz indecisão que combina tão
bem com a quietude de nosso amigo. Obteve ele de sua família, como único resultado, licença de ficar
seis meses em pensão na casa do Sr. Dufour para examinar de perto o assunto e ter a certeza de que lhe
convém. Apesar do tom com que falo, acho isso sensato e não senti por isso a menor contrariedade. Aliás,
eu também, em certos momentos, que procurarei converter em dias, depois em anos, vejo quase com
indiferença tudo o que faz a trama material de nossa vida. É desânimo e fraqueza muitas vezes, algumas
vezes, resignação, ardente esperança em Deus. Este último sentimento é e continuará sendo, espero, o
fundamento de minha vida, minha nota sensível. O resto não passa de vibração consoante ou simples
acompanhamento. Enquanto puder falar assim, meu amigo, não me lastime; minha vida exterior pode ser
esquisita, monótona e triste, não tem importância; há horas que reavivam, que cumulam a alma e
consolam de tudo; há horas que irradiam e que cantam, horas quando se ouve ao longe o eco de última
hora respondendo à eternidade.
Não vá tomar muito a sério todas essas frases românticas; é um ângulo da coisa, mas não o
absoluto. Aliás, sei muito bem viver a boa vida, estou bem de saúde, correndo há pouco
maravilhosamente, comendo e bebendo bem, brigando às vezes com minha mulher, que está agora muito
melhor, enfim seu digno amigo [fora do cachimbo]61, e quase tão barulhento como você.
Minha esposa, meu caro Victor, sem ela querer concordar com isso, está muito mais forte e
menos adoentada, trabalha um pouco e caminha, espero, para uma melhora definitiva. Entre nós, não
saberia dizer que a saúde a torne melhor, mas valho tão pouco eu mesmo que em casa andamos assim:
quem dá também apanha62. No entanto, nossa vida a dois não é má, e se o bom Deus nos ajudar,
poderemos chegar a algo de bom. É coisa estranha, você verá, a vida de casados, e nada poderia de
antemão dar uma idéia. Rio disso às vezes, sozinho, ou choro. Pois é igualmente cômico e triste. Há
também um lado bom. Até lá, a gente conduz a vida mais ou menos à distância das outras; união de
sociedade, de família, união de amigos, união de irmãos, tudo vai lado a lado, e no entanto não sem
mágoa. Na vida de casados, é bem diferente; duas vidas numa ou, antes, dualidade feroz, luta até
morrer, é preciso escolher. O lado bom é que, de tanto combater a si mesmo, a gente às vezes se
domina no fim e se sai melhor. Ao contrário, se a gente cedesse, o mal correria muito rápido. Vejo só
quatro passos: injúria, violência, assassinato, suicídio. Ora, ai está, meu amigo, um pensamento
assustador, só o primeiro passo custa, os outros se dariam em uma fração de segundo e quase sem
pensar. Ao andar, às vezes, na beira do caminho, pressenti de passagem, às escondidas, tudo isso!
Depressa recuei, você poderá acreditar, pois se é preciso vencer ou romper para colocar aqui a harmonia,
é mais fácil e melhor quebrar e domar a si próprio do que a outra pessoa. Quero trabalhar para isso de
toda a minha alma; peça a Deus, meu melhor amigo, comigo, para que ele me ampare e me conduza ao
fim almejado.
Quase teria vontade de repreendê-lo por não me ter escrito, mas você fez também o que achou
melhor, sem dúvida. Escreva-me logo e de coração transbordante sobre todas as coisas e sobre a melhor,
em particular. Quero dizer o assunto ao qual você fez tão breve referência em sua última carta.
Abraços a seu bom pai, a meu amigo Théodore e àqueles que ainda estão por aí, conhecidos ou a
conhecer.
61
O texto leva: “à cela près de la pipe”, quer dizer fora do cachimbo: se V. Pavie era grande fumante, o Sr. LP. não
era de jeito nenhum.
62
A defesa, a réplica, vale o ataque.
43
Vi Gavard, mas ainda não vi o Sr. Boré; espero por ele; ainda não vi o jovem C. Cuidei dele. Estive
no colégio, mas sem vê-lo; quanto antes o verei e o amarei por você e por Deus.
Seu
amigo e irmão,
Léon Le Prevost
Gavard lhe escreveu; vai bem.
32- ao Sr Pavie
Na provação, o Sr. Le Prevost abandona-se à vontade de Deus. Freqüenta sempre seus amigos.
Fidelidade indefectível a Pavie: enquanto seu fio durar, quer que se teça com o dele.
31 de dezembro de 1834
Embora lhe deva por sua excelente carta, meu caro Victor, uma longa e grande resposta, você é
homem capaz de se contentar com algumas linhas que virão, ao menos no primeiro dia do ano, unir
minhas ternas afeições às efusões que vão chover sobre você, tão amado e também tão amante. Ando,
portanto, e depressa, para chegar a tempo.
A primeira parte de sua carta me entristece vivamente e me afligiria mais ainda, se não estivesse
acostumado a reviravoltas contra toda esperança e se, quase contra a minha vontade, não guardasse
alguma confiança no futuro. Para dizer a verdade, no entanto, não estou bem certo de que uma
separação definitiva me parecesse como uma infelicidade real. Por inclinação, por dedicação absoluta a
tudo o que você quer, me entreguei sem reserva a essa idéia; mas era, eu o sentia em certos momentos,
por abnegação e fé cega, antes do que por convicção. Uma vida toda inteira resumida em um momento,
é, talvez, ambição exagerada, é o martírio, e aqui, meu amigo, seria mesmo o martírio por Deus? Para
mim, não sei outro que eu possa aprovar, e, como bem sei, passadas as horas de febre, você mesmo não
saberia pensar e querer diferente. De qualquer jeito, a Providência está aí, ela tanto fez por você em todo
o resto, que haveria gritante injustiça em não esperar também nela para esse grande assunto. É meu
último recurso, quando minha pobre cabeça se cansa e não mais vê as coisas claramente. Descanse
também ali, meu caro Victor, e tenhamos confiança de que o final, qualquer que seja, será o melhor.
Seria cruel, caro amigo, quando você procurasse se refazer um pouco com a felicidade que me diz
respeito, por compensação daquela que, em parte, lhe falta, seria verdadeiramente covarde para mim se
me recusasse a isso: porém, caro Victor, não conte demais, o digo a você, com esse frágil apoio, ele
poderia faltar-lhe. Nunca futuro esteve menos assegurado que o meu, e esse futuro não se calcula por
anos, mas por dias: à véspera não saberia dizer onde o amanhã me encontrará, aqui ou bem longe; há
alguns que têm uma moradia, um lar transmitido com lembranças e esperanças, que se enquadram e se
firmam nele dizendo: morrerei ali. Quanto a mim, morrerei com certeza, mas onde? Não sei. Essa
incerteza, que sempre me mantém alerta, não teria nada que repugnasse meus sentimentos, se proviesse
de simples abandono de coração, de resignação confiante e calma, mas não posso dizer que seja assim.
Aceitá-la tal qual, talvez seja o melhor. Inclino-me a isso, consegui-lo-ei, espero, estará aí minha
felicidade.
Estou interessado de coração por tudo o que você me deu e não abrirei mão de mínima coisa.
Marziou e eu nos vemos fielmente. Gavard igualmente, até Godard, sendo que ele é um pouco ligado a
você. Fique tranqüilo, amigo, tudo o que você tocou me é caro, coisas e pessoas, nada disso será perdido.
Vejo o pequeno C., vou fazer força para que venha à casa no dia dos Reis. Sai, aliás, como quer,
disse-me, em casa de um correspondente. Estão bem contentes com ele no colégio. Recomendei-o ao
padre Buquet, diretor, que conheço, e a seu professor, que também estou conhecendo particularmente.
Este último o considera como um de seus melhores alunos e se interessa muito por ele. Você está
contente, meu mestre?
Adeus, querido amigo, lute, peleje da melhor forma possível este ano com os dias, com as horas;
o tempo passa, e se chega ao fim. Coloque-me sempre um pouco por dentro de tudo. Enquanto meu fio
durar, quero que se teça com o seu. Quando quebrar, continue indo sempre, mas ainda me ame.
Léon Le P.
44
33- ao Sr. Pavie
A esfera religiosa é a única capaz de proporcionar a verdadeira felicidade. Consolações e conselhos a seu
amigo. Ele é comovido pela estima de Ed. Guépin por ele. Dificuldades para cuidar de um pequeno
interno. Notícias dos amigos de Angers. V. Pavie se afastou momentaneamente da Gerbe. Lacordaire
encarregado das conferências de Quaresma em N.D. de Paris.
5 de fevereiro de 1835
Sua carta anterior, caro Victor, me tinha deixado inquieto sobre sua situação e por isso eu
guardava uma impressão vaga de tristeza que me era difícil dissipar. Tinha lido suas cartas a Gavard,
Marziou, Godard, pois, na falta de comunicações diretas com você, procuro umas sem rodeios por todos
os meios, mas em nenhum lugar achava resposta inteira à minha solicitude sobre seu estado de coração.
Por isso achei que você demorava muito a me escrever. Estou agora, não direi mais tranqüilo, isso o
assustaria, somente, caro amigo, estou menos atormentado. Sinto-me, como você mesmo esteve, aliviado
por essa efusão que lhe foi permitida, em desvio sem dúvida e não imediata, mas que não terá sido,
certamente, sem algum eco para essa jovem alma. Como volto depressa a tudo o que você quer e como é
de bom grado que lhe entrego tanto meu coração como minha cabeça a todo vento soprado por você. No
entanto, seja estreiteza de espírito, seja velhice de coração, seja, prefiro acreditá-lo, firme, inabalável,
exclusiva convicção, não consigo ver, idealmente ou no real, nenhuma felicidade fora da esfera religiosa;
e se não o soubesse inserido para sempre nela, caro amigo, se não o visse tão minucioso, quase tão
inquieto, por mais que quisesse, você teria minhas ternas simpatias, mas confiança no futuro e descanso
no presente, impossível. Não saberia. Por isso, é com uma alegria infinita que já, há longos anos, o
acompanhei nesse ponto. Vi você, e lembro-me, quase criança ainda, à força de candura, de ingênua
franqueza, por meio da arte, da poesia e dos brilhantes sonhos de nossos filósofos, a se desembaraçar,
abrir caminho e sempre ir ao alvo. Em sua última viagem, todavia, você me parecia mudado, mas era
transformação simples, eu o vi logo; em vez de 19 anos, você estava com 25, nada mais. A luta não mais
estava inteiramente do lado de fora, efetuava-se no interior, mas ali também você era mestre. Enxugada
sua fronte e caída a poeira, você se reencontrava em frente de Deus. Isso ainda dura hoje, caro amigo,
mas não tenho medo. Li as primeiras páginas do livro. Adivinho e pressinto-lhe as últimas. Todo passado,
atentamente estudado, traz indício do futuro. O seu, caro amigo, gera sossego, é bom; é todo de ouro,
dizia Marziou, a tais pés não se impõe cabeça de barro. Isso me explica não só meu ardor em seguir
todos os seus projetos mas também minha confiança sem limites em todas as suas idéias sobre seu
próprio futuro. Você tem uma regra, um ponto de prova; bem certo que você tudo refere a isso por
vontade expressa ou irresistível instinto, o que poderia eu recear e o que de melhor tenho a fazer senão
abandonar a você cegamente tudo o que há em mim de sentimento para ser conduzido e controlado a
seu gosto. Assim é que sempre acontece e o senti sobretudo nessa ocasião. Isso não quer dizer que seus
negócios me parecem ter definitivamente chegado a um ponto melhor, mas a perseverança, a
persistência de vontade, em semelhante matéria me parecem quase decisivas e, se você quiser, com
teimosia, conseguirá. Quanto à feliz aplicação desse firme querer, quanto ao julgar que o leva ao
escolher, vou confiando em você, como para todo o resto. Vá, portanto, amigo, siga seu caminho e
guarde bem a nossa lei, que me é tão cara, de me fazer participar de toda essa obra tão íntima e tão
pessoal para você.
O que me diz de seu amigo Ed. Guépin63 me comove muito. Amo-o ternamente e eu o quereria,
de toda a minha alma, feliz como ele me parece merecer. Ele me mostra também alguma confiança, há
em nós pontos de sofrimento que combinam. Seria uma grande alegria para mim, se pudéssemos chegar
a completa simpatia; assegure-o ainda de minha dedicação sem limite; tinha colocado ao pé de minha
carta meu endereço como convite a me escrever outra vez. Diga-lhe isso, ele tem folga, e, nos meus
momentos de folga, pode, com ousadia, tomar e escolher os melhores.
63 Amigo de infância de V. Pavie, ele também do grupo dos Angevinos de Paris, Edouard Guépin tinha recebido a
influência do Sr. LP. Em abril de 1835, escreverá a V. Pavie: “Obrigado, mil vezes obrigado, pelo amigo que me deu
no Sr. LP. Que tesouros inesgotáveis de amizade possui! Se houvesse algo mais sagrado do que esses nomes de
amigo e de irmão, lhos daria, pois é mais do que tudo isso, no conceito mais amplo, mais favorável que possam
representar. Não é um homem de nosso tempo, é um santo. Todos os dias, e não importa o que faça para esconder o
que faz de bem e de bonito, fico sabendo sobre ele, e às vezes me deixa adivinhar sem querer, coisas que honrariam
um Fénelon, um Vicente de Paulo”. (VLP, 1, p.51). O Sr. LP. o trará de volta à fé e o apoiará na provação de sua
doença (cf. carta 43).
45
Você me agradece mais do que precisa, caro amigo; minha intimidade com o jovem C. é menos
avançada do que você pensa e que eu quereria. O padre Buquet, diretor do Colégio, estava no campo, na
Festa dos Reis, quando me apresentei para fazer sair esse menino. Os outros chefes, me conhecendo
pouco, não se acharam no direito de fazer, em meu favor, exceção a essa regra que proíbe confiar os
alunos a toda pessoa de fora que não está autorizada pelos pais direta e formalmente. O padre Buquet
tirou o obstáculo para o futuro, mas nas quartas-feiras (dia de saída) minha esposa está fora o dia todo
para negócios; eu, em meu escritório, como passear com o pobre menino? Não é possível. Vejo-o, por
razões análogas, muito pouco em seu colégio. Redobrarei a vontade para agradar a você, se for o caso,
caro amigo.
Lembrei ontem a Gavard o projeto de retrato pelo Sr. Ménard. Para sua esposa isso já é coisa
julgada impraticável; para ele, ele não sabe; mas do possível ao real, há um abismo a transpor, nele
sobretudo. Conto pouco com isso. Ele via ontem uma ocasião de conseguir um emprego fraco e de pouco
lucro, é verdade, para nosso amigo. Incentivei, porém, vivamente tanto sua esposa como ele próprio,
mas... mas a vontade, tenho medo, ainda enfraquecerá aqui. Verei o Sr. Marziou o quanto antes. Eu
estava ausente quando me trouxe sua carta. Sempre estou ausente. Vejo sempre Marziou e gosto dele
cordialmente. Estamos, espero agora, presos um ao outro por você, sobretudo, que nos serve de laço.
Não é assim entre todos os seus amigos? Não é assim em tudo? Você não é sempre o mestre? Embora
humilde e desconfiando de si, você procurava acima seus alunos, quando seria preciso descobri-los em
baixo. Eu, notadamente, só subsisto, baseado no que restou de você. Surpreendo-me a toda hora
copiando-o palidamente e vivo às vezes quinze dias animado por uma palavra sua, animado por alguma
lembrança de que me recordo ou que Deus antes me devolve como alimento e amparo. Não tenha mais
inveja, portanto, dos pródigos e de algumas lágrimas com que o pai os banha na volta: “fili, omnia mea
tua sunt64”, [meu filho, tudo o que é meu é teu], essa é a parte dos primogênitos, a sua, amigo,
conserve-a bem.
Você reage mal, amigo, e por um lado ruim, à sua retirada da Gerbe para este ano; não é traição
a seus amigos, não é renegar a alma amante e viva em você; é, amigo, recolher um pouco sobre si
mesmo os seus raios que não se sabia refletir em você; deixe agir o tempo. Não entregue de você mais
do que se pode compreender de cada vez; nosso Mestre dizia aos seus: teria muitas coisas ainda a
ensinar-lhes, mas a hora não chegou, não saberiam me compreender65, e ele ficava calado. A hora veio
porém. Para você também, amigo, na humilde esfera de sua humanidade, a hora virá, tenha paciência,
guarde somente sua alma e seu coração, guarde sua fé, sua pureza, seu ardor, pois vão haurir ali
largamente algum dia, é o tesouro raro e que não se despreza. Mas se, por impossível que seja, uma
parte íntima, a melhor talvez, ficasse aqui embaixo desconhecida, oh! graças sejam dadas por isso a
Deus, que a reserva para si e a guarda para si essa parte. Você a dê bem depressa a ele, não é isso o
encanto indizível, a secreta alegria do místico disce nesciri 66 (aprende a ser desconhecido). Adeus,
amigo, amo-o, sigo-o e compreendo-o.
Todo seu de toda a alma
Le Prevost
O Sr. Lacordaire fica encarregado oficialmente pelo Arcebispo das Conférences de Notre-Dame
para a Quaresma67. Teremos também o padre Coeur. Diga isso a Ed. Guépin ,que me tinha perguntado.
Respeitos, lembranças, amizades ao seu redor.
34- ao Sr. Pavie
Exortação para voltar-se para Deus. O Sr. Le Prevost gostaria de exprimir-llhe com mais calor sua
amizade, mas seus próprios sofrimentos não se prestam a isso.
3 de março de 1835
64
Cf. Lc 15,31
Cf. Jo 16,12
66
Apreende a ser desconhecido.
67
Foi graças a Ozanam que Dom de Quélen ofereceu a Lacordaire a cátedra de Notre-Dame de Paris. A primeira
conferência se realizará em 8 de março de 1835.
65
46
Quantas tribulações, quantas penas. Como o lastimo, caro amigo. Sua última carta fazia
pressentir coisas melhores, e eu tinha reprimido, por simples obediência, as atenções e a alegria que
acreditava doravante plenamente justificadas. Mas eis mais uma reviravolta, não será a última, caro
amigo, esperemos. Os antecedentes exigem uma outra conclusão, e qualquer que seja, aliás, não posso
pensar que se resuma, no total, em algum conselho recebido de um espelho, na embriaguez de uma valsa
após uma noite de baile. A experiência e amargas revelações, quaisquer que fossem para você, tenho
confiança, a mão de Deus, que lhe foi tão suave até agora, saberia ainda amenizá-las. Ela o dotou de uma
imaginação rica e de um coração confiante. A tais dons que poderiam tornar-se tão funestos, ela teve que
acrescentar-lhes um ambiente e pontos de defesa; quais são, não sei, mas você precisa deles, amigo, e
conto com isso, não lhe faltarão. Gosto de pensar, aliás, que seu ardor demais vivo pôde exagerar muito o
valor de algumas circunstâncias explicáveis e pouco significativas talvez em si. Aguardo a esse respeito
uma nova carta que você fará curta, se sua disposição o exigir, mas que desejo pronta, você acreditará
facilmente, caro amigo.
Tenha coragem, caro Victor, talvez isso não passe de uma provação, ou, antes o acharia, uma
lição. Suporte-a suavemente e tudo se apaziguará. Quem sabe o que um ardor como o seu podia trazer
de humilhação e de esquecimento para um outro amor que sempre quer ganhar e não sofre depressão.
Não receio, caro amigo, ao acaso, trazer sempre de volta seu pensamento para esse lado, porque
conheço profundamente sua alma e porque na felicidade como no sofrimento, não lhe seria necessário
outro remédio, o uso variando somente, mas tendo que aplicar a uma como a outra uma calma
refrescante e moderadora.
Pedirei mais ardentemente a Deus por você, caro amigo, durante esses dias de tormenta;
qualquer que seja sua própria situação, procure também sair um pouco por ali. Será ao menos um
instante para retomar fôlego, e você ficará mais forte. Quereria, querido amigo, encontrar acentos mais
ardentes, mais simpáticos e consoantes com o estado de sua alma, mas minha vida facilita isso tão
pouco! Perdão, caro Victor, e se não me achava a voz bastante emocionada, bastante penetrante,
acredite, ao menos, que é do mais profundo de meu coração que ela vem para chegar até você.
Seu irmão e amigo
Léon Le Prevost
35- ao Sr. Maillard
Convite para uma exposição no Museu do Louvre.
[12 de março de 1835]
Sábado, às 10 horas em ponto, estarei esperando por você na primeira sala do museu. Minha
competência é, caro amigo, mais do que contestável. Não é, portanto, como assessor-conselheiro, mas,
sim, como simples companheiro que deve considerar-me, de outra forma você estaria frustrado. Adeus,
e, como sempre, até logo.
Seu todo afeiçoado
Le Prevost
Quinta-feira, 6 horas.
36- ao Sr. Maillard
Mudança do dia do encontro marcado.
[13 de março de 1835]
Um bilhete que você vai receber pelo correio lhe propõe ir amanhã, sábado, ao Louvre, mas
lembro-me, agora mesmo, de que a exposição é fechada no sábado. Se quiser hoje mesmo, às 10 horas,
posso estar na primeira sala do museu e esperá-lo. De outra forma, precisaria adiar para terça-feira, pois
segunda-feira é dia reservado.
Sexta-feira, oito horas da manhã.
47
37- ao Sr. Maillard
Hora e lugar de encontro marcado para ir à exposição.
[13 de março de 1835]
Iremos definitivamente ao Gavard esta noite, e, para isso, nos encontraremos às 6 horas em
ponto, em Saint-Sulpice, na capela da Virgem, atrás do coro.
Até lá, continuaremos a ser gentis e bons meninos.
Sexta-feira cedo, às 10 horas.
38- ao Sr. Maillard
Convite para um passeio na floresta. Visita a E. Guépin, doente.
Domingo [15 de março de 1835]
Amanhã, entre 10h30 e 11h, poderemos, se quiser, ir tomar um pouco de ar, sem barulho nem
ruído, somente nós dois, em passeio de estudo e de saúde. Descerei para pegá-lo na hora prevista, após
ter feito uma pequena visita a Eduardo.
39- ao Sr. Maillard
O passeio em plena natureza é cancelado.
[15 de março de 1835]
Uma circunstância que não tinha notado primeiro me privará, meu caro amigo, do prazer de
acompanhá-lo amanhã, em Robin des Bois. Desculpe-me e acredite em todos os meus pesares.
Seu todo afeiçoado
Le Prevost
Domingo à noite.
40- ao Sr. Levassor
O projeto de Casa de estudantes continua firme. O Sr. Le Prevost examina, com sua esposa, outras
soluções propostas pelo Sr. Levassor. Dois confrades da Sociedade de São Vicente de Paulo se interessam
também pelo projeto.
Paris, 17 de março de 1835
Parece agora bem certo, meu caro amigo, que Deus não o quer na situação que tínhamos
desejado. Ele, que tem os corações em sua mão, podia facilmente tornar favorável a nós o de sua mãe, e
não o fez. Mais tarde, talvez, nos deixará ver por quê. Hoje, caro amigo, tenhamos confiança e
submetamo-nos aguardando a hora dele. Qualquer pesar que me possa causar esse resultado de nossos
projetos, sinto bem que ele é mais duro para você do que para mim; você o tinha previsto menos talvez
e aliás ele perturba mais essencialmente a ordem de sua vida.
Mas o que importa isso? Para ambos não há este pensamento consolador de que uma vida,
realmente dada a Deus de coração, nunca é inútil, e que ele bem sabe tirar proveito dela e dar-lhe um
nobre emprego?
48
Para você, meu amigo, ele fecha este caminho, pois o chama para um melhor. Para mim, sem
dúvida, a tarefa já a mim confiada basta à minha fraqueza, se é que não lhe vá além. Assim, por aflita e
triste que me pareça sua alma, estou tranqüilo, pois saberá ou se queixar ou se consolar; não tenha
também demasiado pesar por mim, caro amigo. Como você, rezarei e, como você, reencontrarei a paz.
Não é preciso dizer que não deixei de tentar ou de examinar os diferentes meios que você me
indicava em sua carta, para impedir a inteira destruição de nossos projetos.
Apesar da gravidade das considerações de que falei com você muitas vezes quanto aos meus
recursos pessoais e às razões que me impedem de dispor deles livremente, examinei uma última vez a
situação e consultei também minha esposa. Você sabe, caro amigo, como a doença nervosa de minha
esposa a preocupa dolorosamente com pensamentos tristes e temores felizmente infundados; mas devo,
você sabe também, para o descanso dela, levar isso em conta e não dar-lhe nenhum motivo de
inquietude. Meus anos, disse-me ela, estão contados, se ainda devo ter alguns; durante estes poucos dias
quereria repouso, não envolva, portanto, nem você nem a mim em nenhum embaraço, sinto-me incapaz
de suportar nada disso. Que tudo isso não fosse fundado na razão, não importa. Não é verdade, meu caro
amigo, que é meu dever dar-lhe um valor absoluto e não desprezá-lo? Minha esposa achava bom, no
entanto, para não me recusar tudo, que eu tomasse a responsabilidade do aluguel da casa durante os
dois últimos anos do contrato e que imediatamente eu desse 1.000 ou 2.000f, metade em móveis, para
suprir a insuficiência dos do estabelecimento, metade em dinheiro, para as outras necessidades, mas isso
não enche o vazio, não aplaina nada. Precisa-se de uma importância redonda, um pouco mais redonda
até que você parece acreditar. Em primeiro lugar 4.000f com seus 2.000f presumidos de lucro em fim de
ano, para completar o pagamento a fazer ao Sr. Dufour. Depois, para assegurar o aluguel da casa durante
o primeiro ano, mais 4.000f; para a reforma do mobiliário 1.500f, para primeiros adiantamentos e
despesas correntes 2.000f. No total, dá 11.500f e temos para prover somente 1.000f, a tirar talvez de
sua aposentadoria e a mesma quantia que posso oferecer. Sobra sempre, sendo otimistas, um déficit de 8
a 9.000f. Você notará que esse cálculo é baseado na previsão que confesso pouco admissível, de um não
êxito absoluto.
Estive com o Sr. Marziou, com a intenção de lhe oferecer 1/3 do lucro, se quisesse adiantar essa
importância, a fim de que uma grande chance lhe fosse dada em vantagem, se pudesse haver alguma
chance em correr com saldo negativo. A proporção estava baseada aliás, como dissemos, tanto sobre a
idade como sobre o caráter do Sr. Marziou que nos obrigava, ao mesmo tempo que íamos contratando
um compromisso com ele, a dar-lhe apoio e força contra nós mesmos. Os outros dois terços do lucro
deviam, em meu pensamento, pertencer, um a você, o outro a mim, e servir para completar o pagamento
do estabelecimento.
Encontrei o Senhor de la Noue68 no momento de minha visita ao Sr. Marziou e pude fazer minha
proposição a este último com tão maiores garantias que podia ter um conselho todo natural num amigo
inteiramente desinteressado. Logo na simples exposição dos fatos, ambos pegaram fogo e pediram
ardentemente a realização do nosso projeto, oferecendo-se à porfia a concorrer com ele como numa coisa
santa e útil para todos os nossos amigos cristãos. Mas, afinal, nem um nem outro tem atualmente a
importância disponível de que precisaríamos e não podem assegurar expressamente que poderiam
apresentá-la em tempo fixo. O Sr. Marziou está sendo chamado neste momento por sua família para
prestação de contas, mas isso pode durar um certo tempo; sua maioridade, aliás, ainda não chegou.
Enfim, seria de temer que sua família, numa legítima solicitude pela gestão de sua fortuna, reclame-lhe a
direção, com bastante insistência para ligar as mãos ao nosso amigo. Ele partirá, portanto, daqui a pouco
e espera poder nos dar resposta num prazo bastante breve; mas você e eu temos bastante conhecimento
das coisas para não assentar uma determinação e concluir negócio sobre bases tão pouco seguras. Por
outro lado, não vejo caminho nenhum aberto, o pensamento da oposição tão enérgica de sua mãe me
aflige, aliás, e não me permite procurar tão livremente como teria querido os recursos que poderiam por
acaso existir ainda. Nem mesmo, por vontade expressa, tentei os que você me tinha indicado, porque a
68
Um artigo do Boletim da Sociedade de São Vicente de Paulo, intitulado as Origines de la Société de St Vincent-dePaul, relata o episódio da reunião na qual os membros fundadores da Sociedade se reencontraram para tomarem uma
grave decisão: deviam, sim ou não, acolher no seio do grupo um novo membro, na pessoa de Gustave Colas de la
Noue? Desde a 3a ou 4a reunião, seja no dia 7 ou 14 de maio de 1833, G. de la Noue foi admitido no pequeno círculo
e considerado como o 7o membro, já que Bailly não era, em termos próprios, membro do pequeno grupo (cf. Positio,
p.63). Uma primeira virada é tomada naquele dia, pois não foi sem hesitação que o pequeno núcleo fundador se
decidiu a admitir um membro suplementar, temendo romper, expandindo-se, o encanto de sua primeira intimidade.
De la Noue fará parte das comissões constituídas em dezembro de 1834 e janeiro de 1835 para examinar a
proposição de Ozanam de fracionar a conferência em várias seções (Positio, p.81-82).
49
você pertence e não a mim apreciar o grau de liberdade legítima que lhe resta sem faltar ao respeito e à
submissão que deve à sua família. Limito-me portanto e limitar-me-ei à simples execução de suas
instruções. Fica para mim ver o Sr. Dufour. Não pude encontrá-lo. Voltarei à noite. Em todo o caso,
oferecerei você e a mim, à escolha dele, para vigiar a casa gratuitamente durante todo o tempo que ele
queira se ausentar. Será uma compensação bem fraca pela incerteza em que o temos mantido até agora.
Não é, aliás, de se esperar que ele se preste a qualquer conciliação do tipo da que você lhe tinha
proposto, quer dizer, de conservar a propriedade do estabelecimento. Eis o meu pensamento, meu caro
amigo, posso consignar aqui, com toda a certeza, a ruptura absoluta de nossos projetos e dizer adeus
com você a esse agradável sonho.
Posso escrevê-lo com toda a verdade, aquilo de que fico mais sentido em tudo isso é você, é o
apoio cristão que eu esperava encontrar em nossa associação. Deus a isso proverá e ele mesmo me
amparará talvez. Reze a ele nessa intenção, eu o suplico, meu amigo, permaneçamos unidos pela oração
ao menos, se devemos de outro jeito ficar separados. Mas, estou pensando nisso agora, você, então, vai
abandonar Paris? E por quê? É quase somente ali que se pode estudar à vontade! Você não vai, então,
passar ali ao menos uma parte de seu tempo? Sua carta parece dizer não, volte a esse assunto em sua
próxima carta. Adeus. Vou contar-lhe meu colóquio com o Sr. Dufour.
Seu de coração em Jesus Cristo
Le Prevost
Peça por nós dois as orações do Sr. Lecomte.
41- ao Sr. Levassor
Reação do padre Dufour. Apesar do fracasso, o projeto aumentou a união fraterna com o Sr. Levassor.
Quarta-feira 18 de março de 1835
Como era fácil prever, meu caro amigo, o pobre Sr. Dufour pareceu bem mortificado pela
conclusão de nosso negócio. Apesar de tudo o que fiz, preparando a coisa, suavizando-a, atenuando-a, o
golpe era rude, e ele o ressentiu vivamente. Devo acrescentar, todavia, que essa impressão ficou restrita
a ele e que, embora lamentasse a incerteza, os adiamentos desagradáveis que tudo isso lhe trazia, não
mostrou nem amargura nem aspereza contra nós. Deus, é de se esperar, que pesa e compensa todas as
coisas, aceitará o sacrifício que ele teve a oferecer-lhe e devolver-lhe-á o mérito. Aliás, nenhum acordo
diferente daquele que foi preparado entre você e mim lhe pareceu aceitável. Ele quer, com razão,
retornando ao Santo Ministério, ocupar-se nele, livre de todo cuidado alheio e sem outra responsabilidade
fora de seus deveres eclesiásticos. Ele parecia desejar a sua pronta volta, e tinha medo, em particular,
que a conferência de direito fosse ainda interrompida sexta-feira. Você julgará bom, sem dúvida, meu
amigo, escrever-lhe quanto antes para combinar com ele sobre todo ponto.
Eis tudo o que tenho a dizer-lhe hoje sobre esse grande negócio, durante tanto tempo objeto de
nossos entretenimentos e meditações; há pouca aparência de que ele, doravante, ocupe neles um largo
espaço; e, no entanto, não saberia bem dizer por que, aguardo sempre, como se devesse surgir alguma
peripécia, alguma viravolta inesperada; mas cuido bastante de não ver nisso um pressentimento, mas um
simples efeito do costume, até agora tomado, de ver a situação como combinada e quase certa. Daqui
alguns dias, essa última impressão se apagará também, e não sobrará mais vestígio em nossa vida de
todo esse belo plano de futuro.
Que reste, dele, caro amigo, uma união mais íntima entre nós, algumas doces lembranças de
efusão e de amizade, uma fraternidade mais santa em J.C. e, de minha parte, esses últimos meses não
serão perdidos.
Adeus, escreva-me quanto antes.
Seu amigo, irmão em J.C.
Le Prevost
50
42- ao Sr. Pavie
Encorajamentos a tirar as lições do passado, após o fracasso de seu projeto de casamento. Seu amigo
comum Gavard perdeu a mãe. Elogio ao jovem Edouard Guépin. Lacordaire em Notre-Dame. O Sr. Le
Prevost exorta seu amigo a dar à Gerbe uma nota mais católica.
2 de abril de 1835
Como você está, meu caro Victor? Seu pobre coração, tão ulcerado, recuperou um pouco de
calma e de repouso? De todas suas cartas, a última que me escreveu é a mais triste e a que mais me
atormentou. Porém, passado o primeiro momento, não pude achar em mim o mínimo pesar pelo essencial
desse assunto. Sua vida não andava por aí em seu verdadeiro caminho, todo o seu ser não poderia ter
ressaltado e ter seu valor. Passados os anos de ardor e de imaginação, você não se teria encontrado,
como lhe é preciso, no centro de uma verdadeira família com deveres bem naturalmente deduzidos de
uma situação boa e simples. Fique no caminho comum, meu amigo, que é o melhor. É uma grande
audácia fazer-se exceção, e, se os motivos não são então plenamente puros e justificados diante de Deus,
resulta uma vida constantemente em conflito a torto e a direito, penosa de seguir e cujo fim fica incerto.
Você tem plenas e amplas faculdades, olhe bem qual é o melhor e mais perfeito uso que pode fazer delas,
não para você sozinho, mas para todos, e faça-o enquanto a escolha lhe fica aberta e livre. Deus veio em
seu auxílio desta vez, arranca violentamente de suas mãos de criança um brinquedo terrível que podia
machucá-lo, mas a experiência amadurece e faz tornar-se homem. Deus, talvez, o deixará dono de si
doravante, a responsabilidade de si mesmo ficará com você, pense nisso. A vontade é um rude fardo a
carregar. Escreva-me logo, meu amigo, para me assegurar que está hoje mais tranqüilo, que o lado
defeituoso de todo esse passado lhe aparece agora claramente, que você renuncia a ele de coração e não
quer mais, doravante, deixar à imaginação parte tão grande em relação a seu futuro. Perdoe-me de tomar
tão exclusivamente as coisas de um só lado. Você sabe, eu estava demais inclinado a vê-las
favoravelmente enquanto houve possibilidade de fazê-lo. A situação me parece hoje decidida pelo lado
negativo e insisto nisso com tanto maior força que seu interesse, como minha própria inclinação, me
incitava a isso de dois lados ao mesmo tempo.
Você ficou sabendo, sem dúvida, por intermédio de nosso amigo Gavard, a perda de sua mãe.
Ficou vigiando perto dela durante três dias e três noites para ter um último olhar ou uma palavra de
adeus, mas não havia mais olhar nem palavra e nosso pobre amigo não conseguiu nada. Aonde vai,
então, a alma, em que recanto se esconde nesse momento, e por que via secreta passa deste mundo
para o mundo melhor? Partir assim, às escondidas, é bem triste, e para quem vai e para quem fica: não é,
amigo, que você não escolheria morrer assim?
Vi de novo nosso amigo Ed. Guépin. Essa alma está, espero, bem na mão de Deus. Não vi em
nenhuma outra um abandono tão ingênuo, uma vontade tão simples e tão aberta para a verdade. Creio
que Deus e ele se amarão com ternura.
O Sr. Lacordaire, você sabe, faz maravilhas em Notre-Dame, e isso é tanto mais consolador que
a solicitude do auditório ultrapassa de longe o mérito do ensino e mostra que há disposição providencial
nos espíritos. Há, realmente, aqui muitos motivos de esperança. Espero que isso o contagie e que seja o
mesmo a seu redor. Você, amigo, foco de toda união por ali, empurre, então, um pouco para essa via de
caridade todos aqueles dos quais Deus o fez o chefe. Transfigure sua Gerbe, amigo, seria lindo e digno
de você. O negócio Levassor hoje morreu, sem retorno. Adeus, meu querido Victor, ame-me, amo-o com
ternura.
Le Prevost
43- ao Sr. Pavie
Doença de Edouard Guépin. Piedade e confiança do pobre doente. À sua cabeceira, o Sr. Le Prevost tem
o sentimento da presença de Deus. Exprime a Victor Pavie sua alegria de sabê-lo novamente noivo.
25 de maio de 1835
Meu caro Victor,
51
A situação de nosso pobre Edouard não parece melhorar, apenas se mantém. Não sei se é para
melhor, pois o estado é bem grave. Há, dizem os médicos, cavernas no pulmão, e com efeito vômitos
quase periódicos de matérias mucosas anunciam que esses buracos interiores se enchem e se esvaziam
constantemente. É a isso que se atribui a inflamação e a febre contínua. Os médicos tentam cicatrizar o
mal, mas às apalpadelas e como que duvidando de si mesmos e de seus remédios. Bendito seja Deus
em quem a esperança nos resta, quando tudo se perturba e desmorona ao redor de nós. Assim pensa o
pobre doente, cuja piedade e confiança vão crescendo em grau admirável. Eis aí, disse ele ao mostrar o
Cristo, meu único e verdadeiro médico! Também ele reza quase em todas as horas com uma
simplicidade, uma candura que encantam. Ontem, ele mesmo pediu a seu confessor que a comunhão
lhe fosse dada, e esta manhã o Santo-Viático com a Extrema-Unção que não se separam, lhe foram
concedidos. Como, em plena consciência, sem a sombra de suspeita sobre o perigo de sua posição, o
doente desejou este remédio supremo? Como o bom pai, que isso apavorava, não fez oposição? Como
as pessoas de igreja atravessaram despercebidas esta casa, encontraram perto da cama o pai e eu
sozinhos, sem amigos estranhos e importunos, sem chegada de médicos nem de outros para
interromper a santa cerimônia? Como? É preciso perguntar? Deus o queria, nada mais a dizer. É para
mim uma grande responsabilidade a menos, caro amigo, de que o pobre menino, neste mundo, seja
entregue às mãos de seu pai, e para o outro mundo, às mãos de Deus, a quem esse depósito concerne
nesta hora e que bem saberá velar por ele. Temos horas bem tristes perto desse leito de sofrimento,
mas o que só cabe a Deus realizar, há horas bem calmas e bem doces. Esta, com certeza, é desse
número. Chorávamos, mas sem esforço e porque a alma chora ao sentir-se tão perto de Deus; que ele
estivesse ali, nenhuma dúvida para ninguém de nós, pois ele falava a cada um de nós, sobretudo ao
doente que, visivelmente, conversava de boca à boca com ele. Por que você não estava ali, amigo, você
que as grandes realidades tocam tão firmemente? Por que não está ali ainda em outros momentos?
Quando estamos sozinhos, os três, Edouard, seu pai e eu, e isso acontece quase cada noite, ao cair do
dia, o pobre amigo pede que se lhe reze uma dezena de terço. Então um de nós começa, o outro
responde, o doente acompanha, e o Céu desce sobre nós. Há, nesse momento, uma calma, uma paz de
que ninguém, se não é cristão como você, saberia compreender a doçura, e tudo isso, no entanto, junto
ao leito de um moribundo, entre pai e irmão, perto de se deixarem, pode ser, para sempre. Oh, não,
outros não têm um Deus como o nosso e que trata assim seus filhos.
Passo sem dificuldade alguma deste assunto a um outro que o toca pessoalmente, caro amigo, e
eu, por repercussão, como é normal. As lágrimas de alegria e as lágrimas de tristeza não têm a mesma
fonte, e, quando se derramam sobre nossa face, quem, portanto, poderia lhes dar um nome? Então,
caro amigo, eis a ordem e a paz de volta em você. Não quereria outra prova disso a não ser sua carta de
tão doce, de tão fácil efusão. Nunca, amigo, recebi uma de você que fosse mais simples, mais terna,
mais singela. Havia emanação e reflexo evidente, já tinha havido comunicação com a nobre e franca
natureza de que você se tinha aproximado e esse único contato já tinha seu efeito. Cercado como você
está de bons e sábios conselhos, guiado aliás do alto bem sensivelmente, você pode passar, amigo, sem
meu assentimento, mas livre e plenamente, porém, eu o enuncio para você aqui para a minha própria
alegria: isso me agrada, me encanta sem restrição, isso é algo autêntico, correto, faz parte do
verdadeiro amor. Amo com ternura e como irmã esta moça, e, tenha certeza disso, em nosso primeiro
encontro, nos apertaremos a mão mutuamente e seremos amigos para a vida inteira. É uma contraprova
também, que acontece em uma afeição profunda e verdadeira como a nossa; e se, em um sentimento,
não houvesse acordo e simpatia para ambos, haveria justa razão de duvidar desse sentimento. Aqui
plena unidade. Vá andando depressa, portanto, amigo, e fale comigo andando. Você é francamente
injusto comigo ao supor que eu teria gostado do sacrifício insensato que você tinha sonhado. Não é
assim que entendo o sacrifício; nada, a meus olhos, é belo do que não é bom, e não é bom o que não
torna a alma nem mais bela, nem melhor, nem mais frutuosa, que a enche somente de vazio e a deixa
flutuante a todo vento; não, todo sacrifício, a meus olhos, deve ter seu princípio fora do eu, e aqui, por
nobre e generoso que quisesse ser o eu, era sempre o eu, portanto, nenhum verdadeiro sacrifício.
Você deve pensar, assim, tudo o que sua boa notícia tem de feliz e de consolador para mim.
Diga-me, portanto, muitas coisas ainda sobre ela; respiro tão livremente assim que encontro prazer
nisso.
Adeus, respeito e afeição a todos. Será que o encarreguei de dizer a Cosnier toda a minha
alegria por sua volta a nós? Pensei nisso muitas vezes e senti minha afeição por ele dobrada. É mal
talvez, mas não posso dissimular isso a mim mesmo, amo todo o mundo tanto quanto posso, mas uma
irresistível simpatia me arrasta, quase contra minha vontade, para todo verdadeiro católico. Reze a Deus
por Edouard.
Adeus.
Le Prevost
52
44- ao Sr. Pavie
Felicitações por seu casamento. Guépin, doente, amigo de ambos, está melhor.
12 de junho de 1835
Nada mais me resta, caro amigo, que felicitá-lo, pois o grande projeto sobre o qual você me
tinha falado chega agora à sua realização. É uma plena alegria para mim ver sua vida tão bem
começada até aqui, ficar fiel a si mesma e abrir-se uma larga via para o futuro. Meus votos o
acompanharam desde há muito tempo passo a passo; eles o acompanharão, caro amigo, sobretudo nos
dias solenes que se preparam para você69. Poucas horas se passarão sem que uma oração, uma
lembrança, um olhar mudo para Deus chamem sobre você sua bênção santa, e você não corre muito
risco de engano se, a todo instante feliz ou grave para você, disser: ele também, longe por ali, pensa
em nós, ora por nós.
Não esqueça de me dizer logo o dia e em seguida a hora, a fim de que esteja presente de alma,
e que você mesmo me sinta perto de você.
Creio, caro amigo, que por presente de casamento, Deus lhe concederá apertar ainda a mão do
nosso Edouard. Há alguns dias uma aparência de melhora nos deixava um pouco de esperança. Embora
confiasse nisso eu mesmo, não ousava escrever-lhe, pois sofrer decepção depois é tão amargo! Mas por
que não associá-lo a um sentimento tão doce que começa a surgir, para que nada disso seja perdido
para você. Tenha, portanto, um pouco de esperança, amigo, e se, algum dia, revir o pobre doente, grite
bem alto graças a Deus. Eu lhe digo, eu que constantemente o vi, nem os médicos, nem os cuidados o
curaram. Durante um mês, os médicos renegaram sua arte, dizendo: ele vai morrer; mas Deus, que mil
vozes ao mesmo tempo invocavam cada dia, respondia: não, ele não vai morrer70. Deus terá dito a
verdade. Conto com isso. Os médicos terão mentido.
Mas chega de falar de sofrimento e morte, a quem diante de si sente tanta força e vida; as
partes são bem desiguais neste mundo. Faça, amigo, que a sua seja a melhor, embora a mais doce.
Ofereça sua felicidade a Deus para que a purifique e não tenha inveja dela. Compare sua sorte à de
Edouard, ou antes, meu amigo, afaste tudo isso. Ame, ame ardentemente. Viva em plenitude, mas
sempre, sempre bendiga a Deus.
Seu irmão e amigo
Le Prevost
45- ao Sr. Maillard
Agradecimentos pela carta escrita após o casamento de V. Pavie. Seu comum amigo Gavard lhe fez, de
viva voz, a narração do inesquecível dia.
12 de agosto de 1835
Fico-lhe bem grato, muito querido filho, por me ter dado tão depressa sinais de lembrança,
apesar das alegrias de uma volta, do tumulto inebriante de uma festa e das mil afeições de que você
está cercado. A parte que você me fez no meio de tudo isso se torna mais preciosa para mim. Sua
amável cartinha ficará com minhas mais amadas, minhas mais escolhidas, com as que não preciso reler,
que olho somente às vezes porque um olhar para elas me satisfaz.
69
Será no dia 12 de julho de 1835, um mês depois exatamente, que, na igreja de Saint-Melaine, perto de Angers,
Victor Pavie casará com Louise Vallée.
70
Pois, recebeu o Sacramento dos Enfermos. A melhoria de sua saúde vai permitir-lhe retornar a Angers e prolongar
ali sua vida, uns dez meses ainda, até em maio de 1836.
53
Nosso amigo Gavard não enganou sua expectativa, nem a minha. Desde a chegada, ele me
conduziu sob as árvores, em lugar fresco, e aí, tendo-me pedido para sentar-me, sem parar durante três
horas, ele me contou minuciosamente fatos, palavras e gestos. Que nosso muito querido Victor fosse o
assunto quase único dessa longa conversa, era o que se devia, mas os outros também não foram
esquecidos. Você sobretudo, caro amigo, e sua tão boa família tiveram nela o lugar que lhes pertencia,
quer dizer grande e de predileção como nossos sentimentos por você. Soube assim o êxito de seus
versos; tinha-o bem previsto, são os melhores, os de melhor inspiração que você tenha feito: que suas
lágrimas tenham vindo como dupla homenagem ao nosso bem amado Victor, nada mais simples, tudo
vinha da mesma fonte. Ele bem merece ser amado assim, e você, caro amigo, o mais novo, o mais puro
de todos os seus amigos era bem digno de nos servir de órgão; sua voz falava por nós todos; oh! assim
como sei, o coração de nosso amigo deve ter vibrado bem alto com tal harmonia! Que linda, que
encantadora lembrança para você, caro filho, bendiga a Deus, pois a milhões de outros em toda a sua
vida, ele não concede uma igual! E sabe, amigo, por que a você antes que a eles tal favor é concedido?
É em primeiro lugar porque o ama acima dos outros, pois seu amor é livre, e depois, com seus vinte
anos seu coração ainda é puro, isso explica tudo, persevere, caro filho, e o presente lhe será uma
garantia do futuro.
Escrevo-lhe no fim de uma longa e cansativa sessão de escritório, e se meu coração, na falta do
resto, não empurasse minha pena, não teria tentado escrever-lhe. Fazia questão de dizer-lhe, quanto
antes e pela primeira ocasião, algumas palavras ao menos como primeira prestação para as outras
cartas que poderei, espero, escrever-lhe.
É Léon que se encarrega da carta: pobre rapaz, desde algum tempo estava um pouco
abandonado. Angers, sem dúvida, lhe reserva compensação. Penso sem cessar em nosso Edouard, diga
isso para ele, queria escrever-lhe71 também, mas nem posso levar ao término este bilhete. Quando aqui,
durante seus sofrimentos, eu não podia lhe falar para não cansá-lo, abraçava-o, abrace-o por mim.
Gavard me fez amar com ternura sua família, gostarei de não lhe ficar inteiramente alheio, diga
em particular mil coisas amigáveis a seu jovem irmão, já somos, sabe, um pouco amigos.
Adeus, querido filho, até logo, guarde-me bem perto de você, tenho-o eu sempre aqui.
Léon Le Prevost
46- ao Sr. Levassor
Desculpas por ter insistido demais sobre o futuro de seu amigo. Notícias dos pobres de quem cuidava o
Sr. Levasssor. Vocações do Seminário d’Issy-les-Moulineaux. A festa da Sociedade, no dia 19 de julho, foi
um belo sucesso.
18 de agosto de 1835
Meu caro amigo,
Você parece bem decidido a não dar notícias, no entanto me seria bem agradável recebê-las.
Receio que o ardor, talvez indiscreto, de minhas instâncias a respeito de seu futuro, o tenha, para maior
segurança, levado a tomar esse papel silencioso para comigo. Mas, caro amigo, uma simples advertência
de sua parte teria sido o bastante para me dar mais reserva, e a presente carta, em particular, lhe
provará que posso, qualquer que seja o interesse que me inspira essa questão, abster-me inteiramente
de abordá-la.
Penso que, resolvido esse ponto, você não ficará bravo por ouvir falar um pouco de todos
aqueles que você deixa aqui e dos quais conserva, espero, ainda alguma lembrança. Posso pô-lo a par,
pois, há pouco, vi quase todo o seu mundo. Dona Courbe, que uma insolação, você sabe, tinha deixado
seriamente doente, está plenamente restabelecida. Domingo passei lá a tarde, levando um rapaz
recentemente desembarcado e que se deseja manter em seus bons princípios. Pensei que não havia
para tanto meio mais seguro do que fazê-lo amigo de nosso bom Emile. Festejavam nesse dia Dona
Courbe (Marie) com toda a família reunida à mesa. Essas excelentes pessoas não acharam que
estávamos sobrando e nos acolheram da melhor forma possível, a noitada foi muito alegre, e meu
71
E. Guépin de volta para o Anjou, é Leon Cosnier que vai levar a Angers esta carta destinada a A. Maillard.
54
Lyonense saiu encantado. Prometi levar à sua lembrança toda essa boa família que o ama, meu caro
amigo, de um modo bem raro e bem digno de inveja.
Uma notícia: nosso amigo Marziou está aqui há alguns dias. Vem fazer suas compras para seu
casamento que se realiza daqui a quinze dias. Coitado do menino! De verdade, ao vê-lo cansado,
emagrecido, mudado, não posso deixar de acreditar que tem razão de encher bem a sua vida, pois ela
não parece muito prometer longa duração. Ele tinha medo de mim; o caro amigo me conhecia, portanto,
bem mal; abracei-o com toda a efusão possível e depressa o tranqüilizei.
Você conhecia, meu amigo, o Sr. padre Dombrée, ao menos me tinha ouvido falar dele muitas
vezes: com seus vinte e oito anos apenas acaba de nos deixar. No dia da Assunção, estávamos todos em
Saint Sulpice ao redor de seu caixão. O padre Didon, santo padre, sabe, acompanhava com passo lento
o enterro; o padre Dombrée era seu colega de classe: eles se reverão logo, não parece possível que isso
tarde mesmo até o outono. Era, asseguro-lhe, um triste espetáculo, mas Deus falava também em tudo
isso, e mais de um na multidão invejava a sorte desses dois padres, do primeiro sobretudo, que possui
em vez de esperar.
O Sr. Cherruel adia seu projeto de Seminário, o Sr. Roger não viu sem alegria a época das férias
abrir-lhe as portas dos lindos jardins de Issy. Saiu dali tão depressa, tão depressa que quase tenho
medo de atraso para sua volta. Assim derrocada de todos os lados, felizmente sempre ficam para Deus
camponeses, pescadores, que, só tendo suas redes para abandonar se desapegam mais facilmente;
começo a entender esse mistério. Não é somente em tempos ruins, como os de que estamos saindo,
que o Senhor recruta ali sua milícia, mas sempre. Oh! meu Deus, o Senhor o disse: bem-aventurados os
pobres. Dona Meslin vai bem, tratamos de fazê-la conseguir os 5 francos dos 74 anos; ainda não sei se
teremos êxito. As senhoras Delatre e Dorne vão razoavelmente bem.
Tivemos uma festa admirável no dia da festa do padroeiro de nossa pequena Sociedade. O
arcebispo oficiava, 4 Bispos o acompanhavam, o Bispo de Moulpen pregou. À noite, reunião dos irmãos
na casa do Sr. Bailly e alegria completa. Na igreja como na festa, éramos mais de 100. Isso encerrou
dignamente o ano.
Meu pobre amigo Edouard Guépin ainda se encontra neste mundo! Adeus, caro amigo, escrevame e acredite sempre na afeição toda fraterna de seu devotado
Le Prevost
47- ao Sr. Maillard
O Sr. Le Prevost se inquieta pela saúde de Edouard Guépin. Quer saber se V. Pavie está verdadeiramente
feliz e estar ao par do que faz e lê seu jovem amigo Maillard.
17 de setembro de 1835
Caro amigo,
Há muito tempo, não tenho notícias de nosso amigo Edouard: escrevi-lhe muitas vezes sem que lhe tenha
sido possível, assim como bem pensava de antemão, dar-me qualquer resposta. Mas, ultimamente, pedialhe para recorrer a você e, por seu intermediário, me manter informado de sua situação e de tudo o que
pode lhe interessar. Não recebo nada também de sua parte. Esse silêncio me inquietaria se não tivesse
por fora a certeza de que você mesmo me informaria, caro amigo, de todo incidente novo na situação de
nosso querido doente. Espero, portanto, que seu estado se mantenha, mas na falta de mudança notável e
decisiva, não deixaria de aprender com um grande interesse alguns detalhes de sua vida ordinária e
disposição de seu espírito. Minhas cartas se ressentiam de minha absoluta ignorância a esse respeito, não
sabendo em que tom lhe falar, mantive-me numa inteira insignificância. Tire-me dessa situação penosa,
caro Adrien, diga-me o que teria que fazer para distrair um pouco nosso amigo e agradar-lhe; fá-lo-ei sem
demora.
Edouard não é o único de quem gostaria de ter notícias; Victor, o que acontece com ele? Quase
não é preciso perguntar, ele está feliz, mas, todavia, por sua natureza nossa alma está tão inquieta que
quer, mesmo em pleno repouso, ainda ser tranqüilizada.Diga-me, portanto, querido filho, que ele é feliz,
bem feliz, tanto como o queríamos, tanto como é preciso para nos fazer inveja sobre esse ponto, como
sobre tantos outros.
55
Você, enfim, caro amigo, que guardei para o último, diga-me, oh! diga-me com essa confiança tão
gentil e a mim tão doce, tudo o que você é nesta hora, corpo e alma, amor e pensamento. Tenho, sobre
tudo isso, direitos de amigo, quase de pai; você tem que me prestar conta, filho. Conte-me, bem por
extenso, tudo o que o ocupa e o agrada, seus lazeres, suas horas favoritas, sua vida enfim, para que eu
me mire nisso como num sonho e redescubra, nessas efusões, algum traço confuso de meu passado. O
que terei para dar-lhe em compensação, caro amigo, infelizmente, não saberia dizer! Uma terna simpatia
e muita afeição é tudo o que me resta; você pegará, caro amigo, tanto quanto precisar e até conta
quitada; jamais direi: é demais!
Você se lembrou, caro Adrien, de alguns livros que devia ler em memória de mim: de Maistre (
Soirées)72, Lamennais, ou melhor se se sentir inspirado. Faço questão, se ainda não foi feito, vá depressa,
caro amigo, a fim de que tenhamos um assunto de conversa a mais à sua volta. Teria gostado tanto, meu
Deus! que a linda e larga via onde outros entram somente em desvio, se abrisse reta diante de você! Mil e
mil quase não têm como escolher; quando vinte anos soam para eles, pobres desgarrados, já estão tão
longe. O passado os precipita e os empurra; mas para você, a escolha ainda é livre; oh! amigo, desejo-lhe
uma só coisa, é olhar bem antes de escolher.
Adeus, caro filho, perdoe-me: falei demais sobre mim, sem querer. Adeus, ame-me, escreva-me,
em seguida volte logo. Um abraço para Victor, Théodore, Edouard, Léon, a todos os nossos amigos,
Godard, Cosnier, Nerbonne e outros ainda, o mais possível. Amo por aí, em sua região, muitos amigos.
Seu devotado de coração
Le Prevost
48- ao Sr. Levassor
A vocação sacerdotal do Sr. Levassor se delinea. Casamento do amigo comum, Marziou. A saúde de Ed.
Guépin declina. Notícia das pobres visitadas pela conferência St-Sulpice.
23 setembro de 1835
Meu muito querido amigo,
Você não podia causar-me alegria mais viva do que dando-me a notícia contida em sua última
carta. Você entregou a sua sorte às mãos de dois santos padres, é admirável, meu amigo. Desse modo o
sacrifício já está feito. Se, contra o meu desejo, Deus não o aceitasse, não o levaria menos em conta e
todo o seu futuro, tenho certeza, seria por isso melhor, para o coração do Mestre. Dado esse grande
passo, sobra mais um ainda difícil de conseguir: a vontade talvez contrária de sua família. Mas Deus
ainda tem os corações em sua mão, estou em paz, tudo será para melhor. Não esqueça, meu amigo, o
vivo e terno interesse que me inspira esse grande assunto e se algum incidente mais decisivo sobrevier,
não deixe de informar-me.
Fará amanhã 8 dias que nosso amigo Marziou deve ter-se engajado em laços bem duráveis para
um espírito tão móvel, bem fortes, para uma alma tão terna. Pobre menino! Um belo sonho de amor, de
doces alegrias no lar passou diante de seus olhos, depressa quis captá-lo; mas passado o sonho, não lhe
sobrará nenhum pesar? Deus o ama, isso me consola. Ele estava lutando, porém, durante sua estada
aqui: conciliar a ardente piedade que tinha experimentado com as alegrias mundanas o embaraçava um
pouco, a piedade tinha forçosamente diminuído, mas sobrava bastante para dar boa esperança a seus
amigos. Dois dias antes de seu casamento, ele me escrevia: “Oh! meu amigo, que distância entre a
sublimidade das funções que eu havia escolhido e o miserável estado em que vou entrar”. Oremos muito
por ele, meu caro amigo, ele o pediu e está precisando. Há alguns meses, consagrou-se à Santa Virgem,
ao tomar o Santo escapulário, ela o guardará como seu filho; não contava muito nesse dia (estava eu
com ele na capela dos Carmos) que tão logo seria preciso invocar por ele a ajuda de Nossa Santa
Padroeira.
72
Les Soirées de Saint-Pétersbourg, (1821), obra póstuma do conde Joseph de Maistre (1753-1821), homem político
e filósofo francês, adversário da Revolução Francesa. Em les Soirées, ou Entretiens sur le gouvernement temporel de
la Providence, a reflexão do moralista trata do mistério do mal , « esse escolho da razão humana”, reconhece a
necessidade da reparação pelo sacrifício, e conclui pela descoberta do mistério da Cruz (9o colóquio).
56
Tenho recebido recentemente notícias de nosso pobre Ed. Guépin. Ele está sempre fraco,
magro, tossindo, sem dormir; é uma sombra e, no entanto, pobre menino! só fala de futuro. Ele é
sempre piedoso. Deus lhe pagará seus sofrimentos, creio que agora não podem durar muito tempo.
Vou tratar de entregar nossos poucos recursos para o aluguel; mas sempre faltam-me 27
francos e digo-o com pesar, meu amigo, não vejo meio nenhum de provê-los. Avise. Dona Meslin pede
para você se lembrar dela; tomou corajosamente todas as providências para conseguir os 5 francos do
escritório, tem um certificado de idade, mas não sei se vão querer admiti-lo.
Adeus, meu caro amigo, recomendo-me sempre às suas orações; nenhum dia você está
esquecido nas minhas; invoque também por mim o venerável Sr. Lecomte.
Seu em J.C.
Le Prevost
48.1- ao Sr. Bailly
O Sr. Bailly está indisposto. Os Confrades encarregaram o Sr. Le Prevost de lhe escrever. Atividades da
Conferência.
Paris, dia 23 de setembro de 1835
Senhor e amigo,
Ficara sabendo à sua porta, onde várias vezes me apresentei para ter suas notícias, do acidente
que o retém longe de nós. Não era sem lamentar, eu lhe asseguro, que, em cada reunião, me via
obrigado a anunciar que, mais uma vez, estaríamos sem você, pois, julgando o coração de todos pelo
meu, eu sabia, de antemão, o sofrimento deles. As frontes ainda ontem se contraíram com esse anúncio.
Por isso, logo me apressei em acrescentar, para alegrá-los, que, terça-feira sem falta, a Sociedade
voltaria a ter seu presidente. Sua excelente carta foi lida então quase inteira para fortalecer essa
esperança.
Por unanimidade me pediram para escrever-lhe, agradecer-lhe por uma lembrança tão amável, e
sobretudo pela afeição terna e verdadeiramente paterna que expressa por nós. Todos esses filhos
sentem, juro-lhe, o que você vale por eles. Eles estão vivamente conscientes disso, e esse sentimento
não será sem força para conservá-los bons e dignos de você. Temos pensado que as melhores graças a
retribuir-lhe eram a oração, por isso não encerramos a reunião sem recomendar você e os seus à
misericórdia do Senhor. Possa ele lembrar-se disso e guardá-lo preciosamente.
Somos bem poucos, nem precisa dizer; no entanto, não deixamos de visitar ainda umas sessenta
famílias. O dinheiro até agora não faltou e o zelo, menos ainda. Os Srs. Louis e de Lalice visitam a prisão
com muita perseverança, sem prejuízo de outras obras. Podemos contá-los doravante entre os membros
mais firmes da Sociedade. Tudo permaneceu de forma costumeira; tentei seguir seu modo de agir,
tomar um pouco de sua mansidão e paciência, apagar-me humildemente e deixar parte suficiente a
todos. Mas tudo isso está em escala bem pequena, como dez a duzentos, numa proporção bem
conservada.
Para satisfazer plenamente sua solicitude, acrescento que a saúde dos confrades é boa e que os
ausentes, pelo menos os que conheço, prosperam e estão no bom caminho. O Sr. Levassor me escreve
de Chartres, seus negócios vão bem, entregou a decisão a dois santos padres que o dirigem ali há
muitos anos; um outro (o Sr. Decaux, de Angoulême) me pede para ver o Sr. padre Buquet em seu
nome: desejaria fazer em Stanislas um primeiro ano de teologia, bem secretamente, uma vez que sua
família se opõe.
Adeus, Senhor e amigo, não preciso, ao terminar, declarar-me todo seu, você sabe muito bem,
espero, que já sou todo seu. Faça de mim o que quiser, suas intenções em tudo são tão piedosas e tão
boas que a elas concorrer haverá de me parecer sempre tão feliz quanto seguro.
Apresento à Sra. Bailly minha homenagem, a você, os sentimentos respeitosos e devotados de
Seu muito humilde e muito obediente servo,
Le Prevost
57
49- ao Sr. Pavie
O Sr. Le Prevost dá graças pela felicidade de que goza seu amigo. Ele se vê como um “pobre vaso
quebrado”. Notícias de Montalembert e de Lamennais.
8 de outubro de 1835
Deixar quinze dias inteiros sem responder a uma carta tão terna, tão afetuosa como a sua, caro
amigo, é me mostrar bem pouco digno dela; mas não é mal, neste sentido, que minha insuficiência
testemunha assim contra os exageros de sua amizade e me traz de volta ao meu verdadeiro lugar:
ganharemos com isso nós dois, você, vendo mais exatamente, eu, sendo avaliado como valho. Faço
reserva, claro, para sua confiança em minha dedicação a você e aos seus; nesse ponto, caro Victor, pode
dar largas a seus sentimentos, há espaço; vá para frente sempre e mais ainda, não vai chegar ao fim.
Senti isso, sobretudo nesses últimos tempos, a respeito da felicidade que lhe aconteceu de tantos
lados ao mesmo tempo. Provei essa felicidade como minha. Saboreei-a aqui em paz, e o eco desse
sentimento73 de sua vida, essa influência de sua estrela sobre a minha não mudou; possa esse
paralelismo durar até o fim, o mistério da reversibilidade não terá sido sem frutos para mim.
Você me parece bem consciente, caro amigo, do grande dom que o Céu lhe fez. Graças lhe sejam
dadas por isso. Era meu grande, meu mais caro desejo nessa hora solene, que ela fosse abençoada por
Deus e que ele o mantivesse sob sua mão; passada essa prova, pode-se dizer com confiança, sua vida
inteira terá sido unificada, você a trará de volta sem brecha nem racha ao Soberano Criador. A linda obra,
amigo, é uma vida assim cheia; como invejo a sua, ou antes, como amo a meu Deus por tê-la assim feito
para você! Como as obras de arte e as maravilhas do gênio são pálidas e frágeis perto desta radiosa
criação! E você quer que eu o aconselhe, caro amigo, eu, pobre vaso quebrado, em pedaços e
fragmentos. Compare, amigo, e tire você mesmo o conselho. Que o fim corresponda ao início. Tudo será
bem, nobre e belo! Deus será satisfeito!
Continue, querido Victor, a me fazer um pequeno lugar em seu lar, a pôr às vezes minha
lembrança entre sua Louise e você, sinto-me tão feliz assim; você é rico, seja hospitaleiro; como o pobre,
assim eu, ao receber essa esmola, direi: Deus lhe pague! Que lho retribua, sim, em doce paz, em amor
por sua Louise, em amor por aqueles que nascerem dela, em amor por todos, os de perto e os de longe;
só isso é necessário e bom, isso só é digno de você. Não se apavore demais com alguns desgostos
inevitáveis numa união íntima e constante, isso passa. O fundo permanece quando é bom, os ímpetos
demasiadamente salientes se apagam com o tempo, e mesmo o trabalho por isso ocasionado é
valorizado.
Tenho poucas notícias a dar-lhe de nossos amigos. O Sr. de Montalembert ainda está viajando até
o inverno. Ele sonha muito em se casar; tem uma grande carreira a correr, ele o conseguirá, espero. A
vontade anda nele com um ardor um pouco exagerado, é riqueza exuberante e acho que não há nada a
recear.
O Sr. Lacordaire deixou seu retiro da Visitação para estudo mais livre, dizem, lamento isso. Havia
tanta calma e paz nesse convento de pobres religiosas, seu desapego era de um tão bom conselho, mas o
Sr. Lacordaire terá feito para o mellhor. Ele é sempre piedoso e humilde, como você sabe. Na quaresma
retomará sua cátedra. Ouvi-lo-emos de novo.
Eis tudo o que sei: as coisas andam e acontecem por aqui; mas providencialmente e sem que os
homens pareçam ter grande parte nelas; é tanto mais lindo, só que se nota menos. É como um tipo de
parábola viva, os que têm ouvidos ouvem, os outros, não!
Mil ternuras ao pobre Edouard, eu lhe escrevi há pouco tempo. Tentava timidamente voltar seus
olhos para seu verdadeiro futuro. Tive medo de ter feito demais ou demasiadamente pouco; de longe e
estando ausente, essas coisas se efetuam mal. Acompanhe-o, até o fim.
73
Em francês, no texto original, se lê “ce ressentiment de votre vie”, mas não é no sentido de “rancor”, é no sentido
de “boa influência”, de “sentimento experimentado em repercussão”.
58
Lembrança também a M. Ele vai indo bem, se não é para já, ao menos daqui um certo tempo, ele
será dos nossos; sua afeição por você lhe é um grande apoio. Seu nome pronunciado lhe ergue o moral
bem alto. Isso me dá esperança.
Não sei qual expressão assaz respeitosa e assaz terna encontrar para sua bem-amada mulher.
Procure por mim, amigo e fale, pronuncio palavra por palavra após você.
Adeus. Seu irmão e amigo
Le Prevost
Seu bom, ótimo pai e Théodore também: não me esqueça perto deles. Recomendo-lhe um
lindíssimo livro: La douloureuse Passsion de N.S. J.C. traduzido do alemão pelo Sr. Cazalès.
50- ao Sr. Pavie
Sua amizade por ele é desinteressada. Discreta abertura a respeito de seus relacionamentos com sua
mulher. O Sr. Le Prevost, homem de fé e de oração. Notícias de alguns amigos de Paris.
2 de janeiro de 1836
Como você é bom, caro amigo, por interromper a doce monotonia de sua felicidade para me
contá-la. Toda a parte que se podia ter nela pela simpatia, a tomei e a tomo em todas as horas, e lhe
agradeço muito, caro Victor, por alimentar esse foco com incessantes efusões. Sempre foi assim desde
que somos unidos: sempre recebi, você sempre derramou, e não é sua culpa se, no fim, o vazio em mim
não foi preenchido. Nesta última carta, por exemplo, há alegrias capazes de encher um abismo, alegrias
capazes de inebriar minha cabeça, de me cruciar o coração, e, porém, nada de tudo isso aconteceu,
graças a Deus. Uma satisfação viva, terna e agradecida, isso é tudo o que sinto, tudo por você e por
causa de você. É mesmo, não é verdade, em assunto de amizade, o que se poderia chamar o puro
amor, sem interesse algum nem volta para si mesmo. Há graças de estado.
Evito, habitualmente falar-lhe de mim ou, antes, a idéia não me vem, não tendo nada que me
emocione na maioria das vezes a esse respeito; que essas poucas palavras vindas por acaso o
tranqüilizem, portanto, uma vez para sempre; minha vida aos poucos chega à plena e perfeita
insignificância que devia ser minha parte. Não tenho amargura alguma disso, habitualmente, nem um
pouco de pena. Deus me ajuda, os dias passam, assim o fim virá. Uma coisa, porém, me dá algum pesar,
é que o ar onde vivo é pouco respirável para meus amigos; não fazem questão muito dele; chegam tarde
e vão embora depressa.Além disso, pode ver, aí está um inconveniente menor; bem sei correr atrás,
alcançá-los e me ajustar a seu passo. Minha mulher, é por ela que deveria ter começado, como a mais
interessada aqui, melhorou muito em vários pontos, sua saúde é infinitamente melhor: retomou as
atividades, a vida; seu humor é menos irascível e sua susceptibilidade menos intensa; faço-lhe, à noite,
habitual companhia; no entanto, ela não está sem problema; o mundo que ela seguiria, na falta de
melhor, a atrai pouco; e eu, sinto por isso uma repugnância forte demais; ela iria sozinha; fica, portanto,
na maioria das vezes. Uma grande coisa poderia ocupar sua pobre alma, a fé; infelizmente, talvez ela
chegue; sempre a aguardo, pois noite e dia a peço; mas ela ainda não está aí. Reze, amigo, reze
ardentemente por nós; recorde-se que aí está a obra, a única que o céu tenha dado a seu amigo, e que
isso mesmo sua fraqueza não pôde cumprir; ore bastante; parece-me que, realizado isso, minha tarefa
seria acabada. Entoaria nunc dimittis, o bom Deus me tomaria.
Sabe que você é o único no mundo a quem falo desse jeito? São esses os seus brindes. Além
disso, suas cartas são tão confiantes e tão boas, quis fazer simetria e rivalizar com você.
Acabo de escrever a Edouard antes de você. Com ele tudo é urgente; mas minha mãe, em
assunto de carta, só vem depois de você. Ainda não lhe escrevi, vou fazê-lo. Adeus. Ame sua mulher por
mim.
Não vejo tanto Théodore como quereria. Meu gênio não combina com o dele, acredito; Godard
lhe convém melhor. Ele estuda muito. Vejo nele um irmão no entanto, acredite bem. Serei dele
enquanto eu puder e ele consentir.
Respeito e ternura a seu pai e mais uma vez à sua esposa.
Le Prevost
59
O Sr. de Brentano74 é o autor da Vie de Marie Emmerich. Autor também do livro.
51- ao Sr. Levassor
Sua saúde se mantém, mas sua alma está desorientada. A Conferência São Sulpício esmorece um pouco;
uma seção foi constituída no Bairro St-Germain. Lacordaire pregou em Notre-Dame de Paris em favor dos
órfãos da cólera. Os Jesuítas de Place e de Ravignan começam a se dar a conhecer. A vocação de seu
amigo está entre as mãos da Providência.
6 de janeiro de 1836
Meu muito querido amigo, não é, dou-lhe a certeza disso, por represálias que minha
resposta lhe chega tão tarde. É por simples e pura insuficiência de minha pobre cabeça que, durante
esses dias nebulosos, sobretudo, não concebe nem produz nada, nem mesmo o ato mais fácil e mais
doce, senão com pena, devagar e com grandes intervalos. Não sofro, minha saúde é até mais ou menos,
mas minha vida é tão ruim, tão pobre, que é uma lástima; é como um pequenino fio de água correndo
sobre os grãos de areia: mais um pouco, se perderia completamente. Com isso, a quem refrescar ou
dessedentar? Um passarinho ou uma formiga, mas gente do seu tipo, amigo, eles não teriam, juntando
tudo, o necessário para um só desjejum. Falo aqui, claro, da vida espiritual e moral. Quanto à vida das
pernas nada pára sua atividade triunfante, sempre correndo, sempre apressado, só falta a esse respeito
uma coisa, saber aonde vou, por que corro, qual a vantagem para mim, ou para outros. Eis aí minha
história em quatro palavras: corpo e alma.
Você está vendo que não havia pressa para lha contar. Quanto ao resto, não sei se, como na icterícia,
vejo tudo amarelo, mas nada ao meu redor me parece merecer atenção, fora de um só fato que talvez
seja velho para você. Alguns dias após a Festa de Todos os Santos, nosso amigo, o Sr. Estève, nos fez
seus adeuses e entrou no Seminário de Issy; ele se encontra ali às mil maravilhas e não quer sair, a não
ser para entrar no ano que vem no Seminário Maior de Paris. Devo ir visitá-lo daqui a pouco com o
amigo de Montrond75 que parece, ele, dirigir-se definitivamente para uma carreira diferente. Nossa
pequena sociedade subsiste, mas não aumenta; há, neste momento, um pouco de hesitação, uma seção
se formou no bairro Saint Germain, ela tem dificuldade em tomar vida, temos grande necessidade da
ajuda de Deus e dos nossos santos padroeiros, grande necessidade também das orações dos nossos
amigos; ore portanto por nós, você que nos ama.
Consegui reunir, ainda desta vez, alguns fundos para seus aluguéis; terei ao todo 38 francos.
Faltar-me-ão, por conseguinte, 37 francos que adiantarei. O Sr. de Persan deseja não pagar-lhe aqui os
15 francos que lhe deve, disse-me ter escrito ao padre Teissier (acho) para que esse dinheiro lhe fosse
entregue em Chartres.
Suas pobres protegidas estão sempre no mesmo estado, espiritualmente muito bem, tenho
confiança, temporalmente muito provadas pelo bom Deus. Ele mesmo cuida, aliás, de consolá-las. Dona
Delatre comungou em casa esses últimos dias.
O Sr. Lacordaire pregou recentemente em Notre-Dame em favor dos órfãos da cólera.Não foi
feliz, seu discurso pareceu geralmente ruim; ele se reerguerá; aliás, a Providência tomou isso como bom,
o objetivo foi atingido, recolheram na coleta muito dinheiro.
Um jovem Jesuíta, Sr. de Place, começa a se fazer aqui uma grande reputação, ao meu ver, bem
merecida; um outro, o Sr. de Ravignan, ex-procurador do Rei, inicia, dizem, com um brilho
extraordinário.Na Quaresma, você poderá ouvi-lo; este último deve pregar em Saint Roch.
Você deixa, caro amigo, sua vocação definir-se pouco a pouco, e faz bem, creio; a Providência, se você
se deixar conduzir, levá-lo-á onde ela quer. Rezo por isso sem pular um só dia; quanto a você, conserve
74
Clemens Brentano, (1778-1842), poeta romântico alemão, que se converteu ao catolicismo sob a influência da
visionária Anna Katharina Emmerich, cujas visões transcreveu e publicou em 1833.
75
Máxime de Montrond, primeiro biógrafo do Sr. LP. Um homme de bien, ami des ouvriers, le Père Jean-Léon Le
Prevost, (manuscrito, ASV.). Freqüentava as reuniões Montalembert onde reparou em Ozanam e o Sr. LP. Futuro
membro da Conferência de Caridade, escreverá em la Tribune catholique. Amigo íntimo do Sr. LP., descreverá com
emoção a primeira missa daquele que chama de “o humilde servo de Deus”, um “dócil instrumento nas mãos do
Senhor”.
60
de mim uma piedosa lembrança junto ao nosso divino Mestre; minha situação é bastante calma, mas
você sabe, enquanto esta paz não tiver como alicerce, de ambos os lados, a fé, a caridade, não se pode
contar muito com ela.
Associar-me-ei com toda minha alma às orações por seu irmão; diga-me, por favor, o endereço do
príncipe de Hohenlohe, talvez eu recorra a ele em favor de nosso pobre Guépin cuja existência, por
miserável e doentia que seja, é um primeiro milagre. Li recentemente uma obra do príncipe de
Hohenlohe precedida de uma notícia escrita por ele mesmo sobre sua vida. A obra é nula, mas se
encontra nela fé, piedade fervorosa, é o bastante. Procure adquirir a Douloureuse Passion de JésusChrist por Irmã Emmerich, é uma obra maravilhosa.
Tudo seu em Jesus Cristo
Le Prevost
Recomendo-me instantemente às orações do Sr. Lecomte, sobretudo pela conversão de quem você
sabe.
52- ao Sr. Maillard
Visita a fazer a um amigo, orador para a Santa-Família.
Sábado 23 de abril [1836]
Caro filho,
Precisaria, porém, não ficar mais tempo prometendo e cumprir a promessa que você tinha feito de visitar
o Sr. de São Chéron. Amanhã, às sete horas e meia, esperá-lo-ei sem atraso e iremos. Ele tem agora um
piano e, como não sabe usá-lo, gosta muito que alguém o faça por ele; além disso, nenhum traje, tudo é
permitido, inclusive meias azuis e gravata amarela; nenhuma despesa de espírito também, estamos ali
como em nosso quarto.
Adeus, filho, seja bem comportado e ame sempre
Seu afeiçoado Pai
Le Prevost
53- ao Sr. Maillard
Convite para almoçar
Terça-feira [3 de maio de 1836]
Caro filho, estou recebendo da Normandia uma galinha bastante grande; precisa vir amanhã, às 5 horas.
Você nos ajudará a comê-la.
Seu bom velho pai
Le Prevost
Não ouso convidar Théodore que, receio, não está livre. Se, porém, o estivesse, ele seria bem-vindo.
54- ao Sr. Maillard
Visita cultural anulada.
[4 de maio de 1836]76
Não me procure na galeria envidraçada, meu caro amigo. Tive que ir ontem cedo ao encontro do
Sr. Gavard e não posso voltar hoje.
76
Com toda a evidência, essa carta deve ser datada antes de 1836: menciona, com efeito, Ed. Guépin, que, nessa
época, está morrendo no Anjou. (cf. supra carta 45 e infra carta 60.)
61
Você prometeu me visitar esta tarde, não esqueça; nosso amigo Ed. Guépin acompanhá-lo-á,
espero.
Adeus, até logo. Seu totalmente amigo
Le Prevost
Quarta-feira cedo.
55- ao Sr. Maillard
Convite a almoçar com membros da família Pavie.
[Quinta-feira 5 de maio de 1836]
Às 5 horas bem precisas, sábado, caro filhinho, o bom Pai Pavie vem com Théodore almoçar.
Venha também, não é?
Seu de coração e ainda
Le Prevost
56- ao Sr. Théodore Pavie
Convite a uma exposição
Sexta-feira [6 de maio de 1836]
Meu caro amigo,
Minha esposa tem para amanhã, sábado, um bilhete para a galeria do Sr. du Sommerard.Ela está
feliz em levá-lo com Maillard para lá. Avise também, se quer, o bom Godard que desejava também ver
essa galeria.
Precisaria estar ao meio dia e trinta minutos em ponto, na Capela da Virgem em Saint-Sulpice,
ponto de encontro.
Minha esposa avisa Maillard que se vai para lá em traje de segunda classe, portanto, sem a
grossa gravata amarela de que um capricho de mulher lhe faz desconhecer o valor.
Seu amigo devotado
Le Prevost
57- ao Sr. Maillard
Empréstimo de livros dos quais o Sr. Le Prevost faz questão
Paris, sábado [7 de maio de 1836]
Ler, comunicar, em seguida devolver depois e não perder. Ficar sempre bem bonzinho e sempre
amar seus amigos.
58- ao Sr. Maillard
Convite a encontrar Maxime de Montrond
Quarta-feira [11 de maio de 1836]
Seu amigo M. de Montrond, que você ainda não viu desde a volta, vem me ver esta noite.
Procure, portanto, vir também.
Seu de coração.
62
Le Prevost
59- ao Sr. Maillard
Vindo cumprimentar seus amigos na passagem do Commerce, o Sr. Le Prevost não encontrou ninguém.
16 de maio [1836]
Adeus, meu caro Adrien, adeus também, meu caro Emile; vocês não estavam ali para mim
ontem nem antes, quando estive. Meu Deus, como a gente se vê pouco aqui embaixo!
Abracem-se um ao outro em minha intenção; amo-os como irmão, assim não receberão nem um
nem outro, nada demais.
Seu bem afetuosamente,
Le Prevost
Vai junto uma palavra para Beauchesne.
60- ao Sr. Pavie
Amizade real, mas sem afinidade com Théodore, irmão de V. Pavie. O Sr. Le Prevost pensa que não tem
mais nem influência nem ação junto aos seus amigos. Morte de seu amigo Guépin; deixa falar seu
coração e sua fé. Como vão seus amigos angevinos de Paris. Que V. Pavie seja paciente com a
Providência: ela velará sobre seu primeiro filho.
18 de maio de 1836
Em primeiro lugar, caro amigo, e antes mesmo de todo agradecimento por sua bondosa e
fraterna carta, devo fazer justiça, desculpar Théodore que você acusa injustamente e sobre o qual me
terei também expressado inexatamente. Não tenho motivo algum de me queixar dele, longe disso. Em
toda ocasião me mostrou plena confiança e amizade, expansão em toda a medida em que ela é possível
nele, procura tanto quanto se concilia com seus trabalhos e costumes. O que quis dizer, caro amigo, e
que repito, é que toda influência sobre ele da minha parte é impossível, porque a afinidade falta, não às
nossas almas, mas às nossas naturezas. Você mesmo caro, caríssimo Victor, com sua vida movimentada a
remoinhar, ter-me-ia completamente deixado fora de você mesmo, se não sei que canto fraco e terno em
você não me tivesse detido e ligado intimamente. Fora disso ainda, você não sabe, por experiência, o que
precisa de força corporal, além da do coração, para cultivar as afeições? É com o suor de sua fronte que
se ganha seu pão também nessa ordem de sentimento; precisa-se de mil cuidados, mil corridas, mil
assiduidades e, quanto a mim, minhas pernas falham mais ainda do que minha caridade. Moro longe, a
menor corrida me esgota; por desânimo, deixo tudo escapar, os laços afrouxam ou deixam de se formar.
Sinto-o, lamento-o, mas o que fazer? A alma vai, e o corpo fica; então trago de volta a alma também.
Rezo um pouco e me consolo, pensando que a oração é um laço também, invisível talvez na terra, mas
poderoso no alto e que nos religa ao seio de Deus. Eis aí a minha história, caro amigo; de um dia para
outro, meu espaço vai diminuindo. Atenuo-me, apago-me de influência e ação. Não saberia ter nenhuma.
Théodore, Godard, Maillard e nossos caros amigos de Angers, tudo isso vive, corre, espalha-se, anda
para o bem, espero, mas sem que eu faça nada ou nada possa.
A alma de nosso pobre Edouard semivacilante, já acima de seu corpo esgotado, era a única
verdadeiramente unida à minha, mas não era por afeição humana; por isso, quase não o tenho
segurado. Pedia mais dias ainda somente na medida em que contariam para a salvação. Completada a
medida, bendigo a Deus, que a retomou e libertou. Tinha chorado Edouard aqui, porque o via sofrer
muito e porque a parte sensível em mim se emocionava por isso. Mas depois, quase com calma, olhava
de longe essa maravilhosa libertação do espírito que se depura e levanta vôo. Enquanto vivia, havia
pacto entre nós, orávamos um pelo outro, agora o acordo ainda dura, oro aqui, ele lá em cima.
63
Vi Bruneau uma só vez. Essa surdez me desconcerta mais do que saberia dizer. Jerôme que não
vejo, que somente encontro, é feliz, acho. Ele e alguns amigos vivem em comunidade cristã, quase
monástica. Se isso se firmar, será para seu bem. Marziou não vai para frente. Godard sempre gira ao
redor de si mesmo. Gavard imagina e desatina. Léon argumenta e discute. Maillard se esconde e foge
sempre. Você, sozinho, meu caro amigo, podia amassar todos esses elementos, fundi-los, com eles fazer
um só conjunto; eu, mesmo separadamente, não saberia controlar nenhum deles.
Não pode ser com seriedade, caro Victor, que já esteja ralhando, porque vocês são somente dois
ainda em casa. Aguardem, então, um pouco, a Providência prepara lentamente, e com amor, a alma de
seu filho. Não perturbem sua obra por sua impaciência. Rezem os dois juntos com calma, com confiança e
vontade resignada. Deus ama sua família, quase ouso assegurá-lo, e quer abençoá-los ainda em seus
filhos. Tenho uma Vida de Tobie, pequena brochura, em alemão, com algumas vinhetas. Essa história é
tão comovente, tão bem apropriada a toda família cristã que a mando a vocês, apesar de seu parco
mérito. Tinha-a comprado para vocês, realizem-na pensando em mim; encontram-se ali admiráveis e
ternos conselhos para sua situação.
Seu excelente pai ficou aqui muito tempo, e, no entanto, quase só o entrevi. Era impossível
achá-lo. Amo-o todavia assim; ele me lembra as corridas extenuantes de você, suas visitas ofegantes.
Pensava que ele corria assim para alcançá-lo mais depressa e o entendia bem; no lugar dele, eu, seu
irmão, correria certamente também. Adeus, caro amigo, fale sempre de mim com sua querida mulher;
amem-me, vocês dois. Ser casado é amar a dois, em vez de amar sozinho.
Seu devotado amigo
Le Prevost
61- ao Sr. Levassor
O Sr. Le Prevost encoraja seu amigo, um pouco indeciso, a seguir o apelo de Deus que o incita a deixar o
mundo; descreve-lhe a felicidade de uma vida pobre e desapegada de tudo. Exprime a esperança de que
seu século verá na França um grande movimento religioso. Detalhes edificantes sobre refugiados
poloneses, cuja vida comunitária atrai fortemente o Sr. Le Prevost. Zelo dos confrades de São Vicente de
Paulo
Paris, 28 de junho de 1836.
Dei graças a Deus, meu querido amigo, pelas boas e santas coisas que contém sua última carta:
encontro nela, por baixo de algumas reservas de humildade e de sábia desconfiança, uma firmeza de
querer que você ainda não tinha mostrado. Pouco a pouco o horizonte se ilumina e logo você lerá seu
futuro com o clarão da luz do dia. Sinto-me mais forte agora para encorajá-lo, vendo o bom Sr. Lecomte
e seus outros conselheiros tão firmes em seu parecer. Ouso dizer depois deles que tudo, neste grave
assunto, virá a ser bom para você e para os seus, porque você nada quis a não ser segundo o coração
de Deus e que seu coração que o ama o quer feliz.
Pela minha própria experiência, posso atestar que nunca coisa empreendida com intenção piedosa
e reta teve final ruim. Se o sucesso não estava segundo minha esperança, é que a ultrapassava demais
para minha previsão alcançá-lo. Coragem, portanto, meu querido amigo, mais um leve esforço, e a obra
será consumada; uma vida toda de abnegação e de amor, toda entregue a Deus, tal será aqui na terra
seu quinhão e, no fim: Deus meus et omnia! Isso não vale um pouco de incerteza, algumas dores de
coração, algumas lágrimas talvez, que a Virgem Santa enxugará com ternura e compaixão? Conjuro-o,
meu caro Adolphe, meu caro irmão, não recue, chegou a hora, Deus o chama, você não pode duvidar.
Grite, portanto, com toda a sua força: eis-me aqui, ecce venio; faça o sacrifício do coração. Quanto ao
resto, ele se encarrega, disporá tudo; a partir do dia em que, em efusão de alma, você lhe disser: “sim,
eu sou seu, sim, pertenço a você, pegue-me”, na mesma hora Ele o levará.
Não sei se me engano, mas parece-me que nosso tempo fará algo de grande pela causa de
Deus. Parece-me que há sinais de que a graça faz germinar uma obra de regeneração; vejo em tantos
corações um fervor ardente, uma aspiração de futuro tão grande! Sim, Deus quer trazer de volta nossa
França a Ele. Portanto, quantos operários Ele pedirá para sua santa messe, e você entre os primeiros,
amigo, estará ali sob a sua mão, desapegado de tudo, pronto a tudo. O Espírito armá-lo-á de força,
inspirá-lo-á divinamente. Oh! você não desejaria tudo isso? Que remorsos você teria!
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Você se lembra de nosso pobre Marziou? Ele quis a felicidade da terra; é rico, casado, com uma
mulher que ele ama, no entanto chora amargamente os bens que perdeu; não me imite, escreveu ao
nosso amigo Lambert, vá a Deus, somente Ele é amável, somente Ele é manso; para atingi-lo, tome o
caminho mais curto, os outros são rudes e cheios de aborrecimentos. Não preciso recomendar-lhe aqui o
segredo: isso foi escrito quase como confissão; somente o caso atual pode me autorizar a revelá-lo a
você.
A Providência parece preparar para você uma roda tão agradável como edificante no retiro onde
deve entrar no fim desta estação. Além de alguns de nossos amigos que você já sabe, conheço outros
ainda cuja intimidade lhe será bem doce. Nesse número estão alguns jovens Poloneses refugiados que
Deus chama a si. Pobres exilados, dizem eles, não temos mais pátria, nem familiares nem amigos, mas
eis que o Senhor quer nos fazer as vezes de tudo, Ele nos recolhe em sua casa; ali será para nós o lar, a
família, a pátria; oh! não perdemos nada! Por isso, eles são da mais admirável piedade; amanhã, dois
entre eles, e logo um terceiro, vão a Stanislas; mas passarão de lá para São Sulpício, ali você os
encontrará. Desde algum tempo, reunidos a alguns outros de seus patrícios, vivem em comunidade,
dirigidos por um superior tomado entre eles, com uma regra cristã rigorosamente observada; não têm
empregados. Além disso, a oração, o estudo, as santas obras, sobretudo a conversão de seus irmãos
exilados, fazem toda a sua vida. Vi o interior dessa pequena comunidade; nada mais edificante, é tudo
caridade, tudo paz em Deus. Um crucifixo enorme, colocado na sala de entrada, está ali como para nos
acolher e nos avisar do espírito da casa; as pessoas são afáveis, cada uma o cumprimenta e lhe sorri, é
a fraternidade dos primeiros tempos. São somente 8, creio, só aceitam os de seu país. São muito
pobres; a esmola que lhes faz o Governo, 500 francos a cada um, é seu único recurso mais ou menos,
mas são austeros e sóbrios, ainda sobra a parte dos pobres. Não estou embelezando nada, é pura
verdade. Você não terá uma grande alegria ao contar entre seus irmãos dois ou três desses pobres
refugiados? Os dois que conheço, e de quem estou falando aqui sobretudo, são muito instruídos e do
espírito mais distinto; são muito jovens (22 ou 24 anos), de um rosto nobre; um é acutilado. Serão
magníficos padres, asseguro, mas tão piedosos, tão humildes como bonitos; um dos dois sobretudo não
cessa de orar, mesmo falando, agindo; sente-se que sua alma está vendo a Deus sempre e nunca o
perde. Estou sabendo, da parte de um pobre doente de quem cuidava de noite, que sem cessar ele
estava de joelhos, conversando com seu Deus, voltando a Ele desde que podia; achava assim a noite
curta. Durante cinco semanas também, ele velou no hospital sobre um de seus patrícios, jovem e
adoidado ferido em duelo. Á força de cuidados, ele o salvou, a alma e também o corpo, fez dele um
cristão. Eis aí como Deus, meu caro amigo, trata uns pobres exilados. Não sejamos invejosos disso;
todos também não estamos exilados? Oh! Como eles, temos nossos direitos, é só reclamá-los. Deus nos
será manso e misericordioso. Se acreditar em mim, trataremos de nos pôr a trabalhar nesse sentido de
todo o coração, nossa miséria, nossa fraqueza serão nossos títulos e, talvez, com a graça, nos
tornaremos fervorosos e bem-amados do Senhor.
Adeus, não se esqueça de me pregar em sua resposta; não deixo de fazê-lo aqui a seu respeito,
desforre-se; serei dócil e bom ouvinte.
A conferência se mantém; o Sr. Housset é dos mais zelosos, não por minha causa; não pude ter
com ele, Deus o terá levado a isso; parece amável e bondoso. Suas boas senhoras vão como sempre.
Redobre em oração por mim, seu irmão em Jesus Cristo. Nunca falto nisso do meu lado por você.
Le Prevost
Lembranças de respeito ao Sr. Lecomte, recomendo-me a ele.
62- ao Sr. Maillard
Diploma de estudos jurídicos de seu jovem amigo. Exortação para levar uma vida reta e cristã, assim
como a fazer frutificar os dons que recebeu.
1o de agosto de 1836
A dificuldade bastante grande para mim, querido amigo, de deixar meu escritório a fim de
cumprir seu pequeno recado, atrasou mais que teria querido minha resposta: tenho condições agora e
acorro. Seu diploma não está mais no Ministério onde estive para buscá-lo. Mandaram-me à Faculdade,
que não julgou suficiente a autorização que você me tinha enviado. Uma procuração semelhante seria
65
boa, mas cuidando de fazer autenticar sua assinatura pelo Prefeito de Angers. Você, portanto, pensará
nos meios de satisfazer Dama Faculdade.
Bem sabe, caro Adrien, como teria gostado de guardá-lo aqui. Tinha às vezes algum remorso de
insistir demais nessa doce idéia que podia não estar nos projetos de sua família, mas, cedendo à
inclinação, combinava com você todo um futuro bem longe de Angers, junto de nós e sob meus olhos de
pai e de amigo. O que você quer? O vento o leva, embora bem novo; muitos sonhos já passaram assim
para você, muitos outros ainda passarão; o melhor talvez seria não sonhar mais, mas você não chegou a
essa etapa, caro filho, e você chorará muitas vezes ainda suas doces quimeras que voaram.
Tudo bem calculado, se você há de ser advogado, mais vale Angers para se preparar do que
Paris. Aqui você teria, com certeza, ficado enjoado com essa carreira; abrindo-se cada vez melhor, seus
olhos lhe teriam mostrado as graves dificuldades de uma via tão geralmente mal freqüentada: em sua
região, deve ser menos ruim. Com uma firme vontade, pode-se ali, acho, guardar ainda honra,
delicadeza, consciência, e conciliar tudo isso com um lucro razoável e legítimas pretensões. Não se
poderia ficar nas nuvens, é-nos preciso andar de pés no chão; sendo em lugar limpo, países e locais têm
pouca importância. Apesar de minha terna afeição por você, considerarei como secundários esses
acidentes tão diversos, se o essencial, se o único necessário, a retidão, a santa honestidade de seu
coração puderem permanecer sãos e salvos.
Esses conselhos de moral sem princípio e sem fim ficam bem mal para mim, caro amigo. Sou
desajeitado ao articulá-los. Gostaria de falar-lhe com uma linguagem mais verdadeira e mais elevada,
mas você a entenderia, ela não o cansaria, não viria a contratempo? Quantas vezes esse medo me
reteve aqui, quando, vendo em você mil faculdades nobres e preciosas, dizia a mim mesmo: todos esses
tesouros, porém, poder-se-ia assegurá-los para o futuro! Deus que as fez só pede para aumentá-las e
ampliá-las um único olhar de confiança e de amor. Esse olhar, Ele o solicita e o aguarda; oh! não lhe
será, então, dado? Como uma palavra um pouco religiosa e de fé me teria alegrado o coração então, se
você a tivesse deixado cair, caro amigo; mas, criança, você não pensava nisso, a hora passava, e eu ia
embora.
Eis que agora você está longe, se tornando homem, você terá a vontade mais firme e menos
flexível, o coração menos terno, a inspiração menos fácil, isso dá muitas razões de inquietude e de
dúvida sobre você; e no entanto, caro filho, espero sempre: toda a sua vida está ainda livre; nenhum
compromisso com o mal, nenhum aborrecimento com o passado compromete seu futuro. Ele ainda é
seu, bem seu, mas a hora da escolha chegou, os primeiros passos que você der podem ser decisivos.
Oh! Oxalá tivesse bastante ardor e poder para dizer-lhe bem tudo o que esse instante tem de solene e
de imenso para você! Um guia seguro, iluminando para você o mundo, traçar-lhe-ia nele os dois
caminhos, dir-lhe-ia as penas, tormentos e aborrecimentos de um, a paz, a segurança, o grande final do
outro, arrastaria sua vontade, empurrá-lo-ia, queira ou não, para a verdadeira via, e forçá-lo-ia a nela
andar: não tenho eu nem força nem missão para isso, tenho somente meus votos mais ternos, minhas
orações mais fervorosas. Você as terá, caro amigo, tenha a certeza: possam eles, como um sopro feliz,
virar suas velas para o melhor futuro. Desse lado ainda, está o seu único refúgio para conservar sua
poesia tão querida, seu amor da arte, seus estudos mais amados. Em Angers sobretudo, longe do lar
que reanima e ampara tudo, você, bem depressa, terá esgotado seus recursos; o mundo do belo se
fechará para você; se Victor conservou sua alta visão, seu nobre e generoso pensamento, é à fé que ele
o deve; interrogue-o, ele lho dirá; sem ela, seu espírito como seu coração teriam se tornado áridos, a fé,
mesmo nesse sentido, só a fé o salvou. Ponha, portanto, nesse abrigo os preciosos dons de sua alma;
em outro lugar, tudo está perdido, tudo se conserva por ali.
Adeus, caro filho, o outono me entorpece, esta carta lhe dará um testemunho disso, mas deixe a
forma, tome somente o fundo, quer dizer, minha terna e viva solicitude por você, com meus mais
afetuosos sentimentos.
Abrace a Victor, devo-lhe uma carta, e Théodore e Cosnier, Beauchesne. Lembrança a nosso
querido Emile.
Le Prevost
66
63- ao Sr. Maillard
O Sr. Le Prevost se resigna a vê-lo deixar definitivamente Paris para Angers. Lei do desapego cotidiano do
que se ama. O que o tempo desgasta e destrói, a caridade o repara. Pede notícias de seus amigos cuja
ausência lhe é custosa.
30 de setembro de 1836
Você me acusa, caro filho, baixinho, talvez até em voz alta, de descuidar de seus negócios. No
entanto, não me esqueci de seu recado: já tenho seu diploma há bastante tempo. Esperava alguma
ocasião de fazê-lo chegar a você, mas esta estação não é favorável, portanto envio-o, como você tinha
pedido, pelo correio simplesmente.
Eu ainda alimentava, com alegria, a ilusão de que a decisão não era irrevogável quanto à sua ida
definitiva para Angers: sua última carta não deixa mais dúvidas a esse respeito: é mais um artigo, então,
para o capítulo das resignações. Tenho muitas desse gênero, há algum tempo: dois dos meus mais caros
amigos77 vão para o Seminário: Deus os chama, não posso negá-los a Ele. Outros, e você está entre
eles, são reclamados pelas exigências da carreira e posição no mundo: esses, parece-me que os perco
ainda mais. Os primeiros rezarão por mim e, assim, guardarão de mim boa lembrança, mas os segundos,
quanto tempo contarei para eles, quanto tempo o mundo e seus mil cuidados, preocupações, desejos
em espirais, deixarão lugar para mim no seu pensamento e alguma afeição em seu coração? Não ouso
quase pensar nisso. É uma das mais tristes coisas de nossa natureza, essa impotência em guardar
impressas em nós imagens sempre vivas, lembranças, sentimentos sempre reavivados. Comecemos,
então, caro filho, é a lei, comecemos desde agora a nos esquecer cada dia um pouco, até o
esgotamento inteiro do tesouro. Não sei quem me diz que o meu terá mais longa duração, que o
conservarei melhor e, quem sabe, se minha vida não for longa demais, até o último instante? Isso não é
em mim temerária presunção, eis minha razão: seu nome, desde há muito tempo, está inscrito inteiro
em minha oração, ali permanecerá. Desse modo, se o tempo desgastar e destruir, a caridade consertará;
cada dia, sem cansar, refará o traçado, e, enquanto ela mesma subsistir, não deixará o esquecimento
prevalecer. Procure, de sua parte, encontrar alguma maneira ou jeito para suprir esse recurso, se não
preferir adotá-lo você mesmo; seria isso o mais caro dos meus votos e, doravante, eu estaria sem
receio quanto à duração e ao futuro de nossa íntima afeição.
Diga ainda ao nosso caro Victor que vou escrever-lhe logo. Estou há algum tempo em matagais
tão tristes, tão desolados, que não me sinto próprio para nada: é efeito de outono, sem dúvida, vou sair
disso e pagarei minhas dívidas atrasadas. Se, até lá, Victor ou qualquer outra alma devotada me
escrevesse, peço, por favor, notícias do Sr. Bruneau que deixou Paris doente e num estado que me
parece inquietante. Eu o vi dois dias antes de sua saída, e essa última entrevista nos tornou enfim
amigos. Fale de mim a Théodore, a Cosnier e a Beauchesne e ao amigo Godard: a ausência de todo esse
mundo ao mesmo tempo me é dura, acrescida ainda à sua, caro filho. Isso me explica minha prostração:
exílios do coração, diz o livrinho que lhe dei, e que você não lê, indócil filho!
Adeus, respeito como sempre a seu bom pai e lembrança amigável a Emile.
Seu todo afeiçoado,
Le Prevost
64- ao Sr. Levassor
O Sr. Le Prevost o estimula em sua vocação. Vê nas provações e nos obstáculos um sinal de bênçãos
divinas; a vocação é uma “feliz troca”. Tristeza de seu amigo comum, Lambert, que entra no Seminário.
Para sua futura incardinação, que seu amigo se abandone à Providência.
Paris, 7 de outubro de 1836
Não cheguei até o fim de sua carta, meu caro amigo, sem agradecer a Deus, em toda a efusão
de minha alma, pelas grandes graças que lhe fez. Como você lhe pertence mesmo, e como Ele o queria
77
Seus amigos, Levassor e Lambert, ambos confrades de São Vicente de Paulo.
67
fortemente! Sua conduta para com você é divinamente providencial, cheia de uma economia
maravilhosa e de uma misericórdia toda admirável. As rudes provações que você acaba de atravessar
são o mais seguro testemunho de sua vocação; não vi nenhuma, em tudo o que me cerca, real e bem
certa, que não tivesse sido também fortemente provada; é o crivo do Senhor. Felizes aqueles que, como
você, meu amigo, ficam no meio da boa semente! Não tenha, pois, nenhuma inquietação a respeito de
sua perturbação, de sua emoção, do último olhar que deita sobre o mundo; quando se vai deixá-lo, por
miserável que seja, achamo-lo lindo, esquecemos o mal que ele nos fez e que quereria nos fazer ainda.
Isso é natural e inevitável, ouso até dizer que isso está dentro da ordem de Deus e segundo seu
coração. Como Ele provou sua firmeza, sua fé pelas dificuldades, Ele prova seu amor e seu desejo pelos
sacrifícios que você parece fazer-lhe. Sim, que você “parece” fazer, uma simples aparência de sacrifício,
pois você troca o nada pela vida, o erro pela verdade, as paixões vazias pelo amor. Feliz troca, meu
amigo, da qual Deus permite que, nesta hora, todo o preço lhe escape, a fim de que tenha o mérito de
dar quando é Ele que, realmente, lhe dá. Como Deus é bom, meu amigo, e como Ele o amou! Ainda me
lembro disso e quero ainda agradecer-lhe por você. Isso me emociona até as lágrimas, de tanta
suavidade que vejo em seus procedimentos, de tantas promessas para o futuro que vejo também em
seus benefícios atuais. Sim, Ele tem grandes desígnios sobre você, se não para fazer aos olhos do
mundo grandes obras (isso é seu segredo), ao menos para santificá-lo altamente, se você perseverar na
humildade e na mansidão, dons que Ele lhe tem feito e que Ele lhe deixa para cultivar. Devo esquecer,
no meio desses graves acontecimentos, a tristeza que me causa humanamente sua perda. Tinha
contado com sua estada aqui e, vou dizer-lhe, fui duramente golpeado ao saber que Deus queria
diferente.
Na noite de sua vinda para cá, eu ia apressadamente à casa de Dona Delatre que me informou
da decisão. Que a santa vontade do Senhor seja feita, a cada um sua parte de sacrifício. Houve também
um pouco disso nesse caso para nosso amigo, o Sr. Lambert, recentemente de volta e que, entrando
segunda-feira em São Sulpício, esperava andar lado a lado com você.
Pobre jovem, apesar da firmeza de sua vocação, neste último momento, ele está, como você,
um pouco triste e abatido; sua vida doce, sua liberdade, seus amigos, tudo isso lhe arrancava ontem
algumas lágrimas. A mão de Deus as enxugará. Ele pagará tudo aquilo que tira, e ao cêntuplo. Ele o
prometeu, e sua palavra não engana. A mim também, meu caro amigo, Ele terá que me pagar essas
duas almas bem-amadas que Ele me tinha dado como apoio e consolação e que Ele me pede de volta
agora; não as recusei, Ele o sabe. Ore a Ele para que se lembre disso e que seu amor me dê a
recompensa correspondente!
Vi o seu amigo Courbe, como você o desejava, e sem demora alguma; você tem sua resposta e
todas as suas malas e pacotes se foram; não tenho, portanto, nada a acrescentar sobre esse ponto. O
Sr. de Mollevaux quer que você se dê sem restrição à diocese de Chartres e, sobretudo, que jogue no
seio de Deus toda preocupação e toda inquietação de futuro. Afirma que o Senhor, que tão
providencialmente o conduziu, agirá ainda da mesma forma doravante, e que, se o desejasse em outro
lugar, seus laços com a diocese de Chartres não teriam força alguma contra a mão dele. Vá, portanto,
em paz, meu querido irmão, aonde Deus o conduz, que sua graça o guie, que sua luz o ilumine e que
Ele o aqueça em seu amor, é o que, cada dia, meus votos e minhas preces vão pedir-lhe por você.
Seu irmão em J.C.
Le Prevost
Resolverei o negócio dos aluguéis, sentiremos ainda falta da conferência ausente neste
momento; darei um jeito para esta vez. Verei o Sr. Aniche e lhe prestarei conta do resultado.
65- ao Sr. de Montrond
Privado de amizade, o Sr. Le Prevost se alegra com a volta do Sr. de Montrond. Vocações de Levassor,
Lambert, Estève.
Paris, neste dia 15 de outubro de 1836
Meu caro amigo,
68
Fico sabendo, com uma viva satisfação, que você deve morar logo em nossa vizinhança.
Estávamos no passado muito isolados: todos os nossos amigos nos tinham deixado. Sua ausência e a
sua em particular, meu caro amigo, nos deixavam um grande vazio. Volte depressa e fique dos nossos
tanto tempo quanto puder.
Nosso amigo Levassor consumiu seu sacrifício, apesar dos muitos obstáculos que o inimigo lhe
suscitou, sobretudo no último momento. Sua firmeza foi admirável ou antes, Deus, em sua bondade, o
amparou e o tornou forte. Mas não é aqui que ele deve ficar. Por concessão aos desejos de sua família,
deve ficar no Seminário de Chartres. Seus Superiores foram unânimes em considerar que ele devia
conceder a seus pais essa consolação. Reze por ele: creio que Deus o chama a uma grande perfeição,
pois é manso e humilde. Sinto vivamente sua ausência, mas Deus saberá guardá-lo melhor e amá-lo
melhor do que eu, que lho abandono, embora isso me seja custoso. Oxalá o mantenha bem perto de si!
O Sr. Lambert está também fora do mundo desde segunda-feira passada; ele está em São
Sulpício com o nosso amigo, o Sr. Estève. Reencontraremos a ambos ali.
Adeus, meu caro amigo, volte logo. Sinto em mim uma grande necessidade de estar de novo
cercado de algumas almas bondosas e amantes. O círculo diminuiu tanto em densidade ao redor de mim
que, às vezes, isso me desanima um pouco. Você me reerguerá, me edificará como sempre por suas
palavras e seus exemplos. Tenho disso, neste momento, uma urgente e grande necessidade.
Até logo. Seu todo devotado amigo e irmão em J.C.
Le Prevost
66- ao Sr. Pavie
Seu estado de saúde, sempre inferior à tarefa que seu zelo quereria empreender. Diante do bem a fazer,
o pensamento de sua insuficiência o persegue: “não estou em proporção justa com essa enorme cidade”.
17 de novembro de 1836
Morto, doente ou adormecido, de qualquer jeito, você desanima comigo, sem dúvida, meu
querido Victor. Sua indulgente amizade não terá agüentado desta vez, deve estar desconcertado. Tem
motivo para tanto, confesso. No entanto, eu estava vigiando, pensava em você e o amava sempre. Por
que este obstinado silêncio? Não saberia dizer com exatidão. Estou tantas vezes tão mal disposto, quanto
ao corpo, que o espírito carece de instrumento. É guerra e luta perpétua entre um e outro. No meio de
tudo isso, minha vida se desgasta e vai passando sem proveito nem resultado para mim, nem para os
outros. A submissão passiva é o único mérito possível, e não a tenho sempre. Perdoe-me, portanto, meu
querido amigo, na verdade, meu coração não tem culpa alguma. Sempre sou seu, sempre discípulo e
irmão para você. Se digo isso a Deus mais do que a você, é que ele está lá pertinho e você está longe.
Possa ele lho redizer e me guardar em união com você.
Ao ouvir-me, você me acharia impotente, andando de cadeira de roda, rabugento e sempre a
cuspir; não, não é isso. Estou somente fraco de corpo e de espírito, não estou em proporção justa com
esta enorme cidade, com esta prodigiosa atividade, esta animação poderosa que ela, no entanto, exige.
Estou sempre atrasado, sempre com falta de tempo, de fôlego, de pensamento, de vida em uma palavra.
Tenho dela uma centelha, quando seria preciso uma fornalha. Conclusão: indulgência e perdão, meu
irmão Victor, amizade mesmo assim e paz constante entre nós.
Sonho às vezes que deveríamos ter trocado, você e eu, de lugar; convinha tão bem a você, com
suas incansáveis pernas e seu ardor eterno, andar a passos largos nas ruas pavimentadas, na mesma
hora cumprindo cem deveres e servindo cem amigos, dando conta de tudo, estando à altura da situação;
e eu, a vida rotineira e monótona de uma pequena cidade ficaria bem para mim! Mas penso também
nisto, a gente pode apoiar-se em você para tudo remexer, fazer dançar a rotina e levar as pessoas a
adotar seu ritmo. É assim, meu caro amigo? Tem organizado aí sua vida à sua moda, ou antes o
quebraram e domaram? Uma carta que me mostrou Gavard já dá a resposta. Você é o Victor de outrora
sem nada a menos. Tanto melhor, amigo, pois o coração também é o mesmo com certeza. Tudo está
bem enquanto está assim.
Far-me-á grande bem ter uma carta sua a mim endereçada, toda fresquinha e de nova data. Por
minha culpa, não tenho mais outras a não ser antigas e, embora todas estejam guardadas com respeito,
não as releio. Você me deu sua aversão a esse respeito. Não gosto muito de tomar a vida de ré. Faça-
69
me logo, portanto, uma epístola onde o reencontre, isso me rejuvenescerá e me recolocará firme nos pés.
Não esqueça, na sua carta, de fazer grande a parte dedicada à sua bem-amada esposa; parece-me que
ela estava outrora implicitamente em você, e que, por isso, ela é por mim conhecida e amada, como se
nunca tivesse sido diferente. Théodore, o que ele faz? Não vai voltar logo para você? Não sei o que quer a
ele minha mulher, ela pede por ele todos os dias. Insista um pouco para que parta. O Caldeu, o Siríaco e
o Armeniano, e não sei quantos outros, o reclamam também e eu igualmente, embora indigno e inferior.
Afeições a ele, a Maillard, Cosnier e todos, pois todo angevino, sabe, de perto ou de longe, é sempre um
pouco parente comigo.
Adeus, meu caro Victor, acima de tudo, respeito a seu bom pai e viva afeição à sua querida
esposa.
Todo seu de coração.
Le Prevost
67- ao Sr. Levassor
O Sr. Le Prevost encoraja seu amigo a responder ao apelo do Senhor. Transmite-lhe os conselhos de seu
próprio diretor espiritual, o padre Malet. A Conferência de São Vicente de Paulo se desenvolve. Nomeação
do Sr. Le Prevost como presidente da seção Saint-Sulpice. A pequena casa dos órfãos. Pedido de orações
por sua esposa.
Paris, 24 de dezembro de 1836
Sua boa e longa carta, meu caro amigo, me consolou da espera, demais prolongada a meu gosto,
que a precedera; não estava, é verdade, absolutamente sem notícia sobre sua situação; de diversos
lados, havia recolhido, aqui umas palavras, ali mais outras, e o conjunto era o bastante para me
tranqüilizar, mas eu tinha necessidade de comunicações mais diretas para penetrar no que o toca, tão
intimamente como o quer meu coração. Sua carta preenche plenamente esse voto, você colocou nela sua
alma toda inteira, e pude ler nela em liberdade. Apresso-me em dizer-lhe isso, meu caro amigo, a
impressão que fica dela para mim, de livro fechado, é de satisfação e de alegria perfeita. Deus continua
sua obra em você com a mesma bondade e a mesma misericórdia. Do seu lado, você o deixa fazer sem
resistência, tudo bem; Ele o despoja, tira-lhe, uma a uma, todas as coisas que você acredita suas;
bendiga-o, esse ladrão sublime, como ousa chamá-lo Bossuet; quando tiver tomado tudo, que você
estiver bem à sua mercê, do fundo de sua pobreza, você o verá regressar com as mãos cheias, trazendo
tudo de volta, mas mudado, purificado, santificado: fé, amor, esperança, fervor, força e luz; sua alma
ficará saciada e gritará: Senhor, basta!
Se, portanto, a provação continua, se sua miséria ainda aumenta, fique em paz, sorria docemente
para si mesmo e diga: meu Deus, compreendo-vos, escondeis-vos em vão, eu bem sei, vós não estais
longe.
Essas palavras tranqüilizadoras, não sou eu, meu caro irmão, que lhas dou, é um piedoso e sábio
eclesiástico78 consumado no estudo das consciências, que mas confia para você. A provação, diz-lhe ele
expressamente, é a medida das graças que Deus quer dar em seguida e o indício também da grandeza de
suas intenções sobre uma alma; quando uma árvore deve crescer alta e estender para longe seus ramos,
o vento a sacode para todos as direções a fim de que as raízes penetrem fundo na terra; é o sinal de
predestinação, os santos todos passaram por isso. Sua carta que comuniquei a esse homem venerável,
confirmou-o em seu pensamento. Ele quer que você siga tranqüilamente seu caminho como se tudo o que
acontece em você não lhe concernisse. Se os abalos se tornassem fortes demais, ele o aconselharia
recorrer aos Sagrados Corações, tão venerados por você, e a São José todo poderoso contra as penas
interiores. As ladainhas desse Santo durante nove dias, mas somente se isso é possível e lhe convém,
pois, repito, quanto ao presente, tudo lhe agrada e lhe parece perfeito. Não tenho nada a acrescentar a
78
“Pelos anos 1835-1836, uma leitura atenta da correspondência do Sr. LP. assinala uma mudança notável no estilo
de suas cartas: parece que a religiosidade se apaga e cede o lugar à doutrina espiritual mais sólida”. (M. Maignen). O
Sr. LP. tinha encontrado um guia experimentado nas provações da vida e esclarecido sobre a direção das almas: o
padre conde de Malet. Oficial sob Napoléon, ferido em 1807 numa escaramuça com os Cosacos que o feriram no
rosto, (o Sr. LP. falava muitas vezes da “cicatriz gloriosa” de seu diretor espiritual), casou-se, mas, pouco depois,
perdeu e sua esposa e seu único filho (1816). Ordenado padre, fundou em 1824 uma comunidade de religiosas, as
Irmãs de Santa Maria de Loreto, que instalou em Paris, no n. 16 da rua du Regard. Grande conhecedor da
espiritualidade salesiana, foi ele que fez o Sr. LP. saborear os escritos de São Francisco de Sales. O Sr. LP. sabia o
que lhe devia: “Foi ele que me fixou na via da confiança em Deus.” Morre, no dia 16 de agosto de 1843, antes da
fundação do Instituto.
70
esses excelentes conselhos. Eu, pobre ignorante, sem título nem missão, só poderia extraviá-lo. Tenho
unicamente minhas orações a lhe oferecer, e em nenhum dia deixo de dirigir alguma ao Senhor por você;
possa ele me ouvir e guardá-lo sempre entre seus filhos mais amados!
Vou ser obrigado, meu caro amigo, a parar bruscamente agora, porque meus trabalhos me
apertam nesta estação em que os dias são tão breves; acrescento somente uma palavra em resposta a
suas perguntas. Nossos amigos Estève, Lambert, L. estão em Saint-Sulpice, felizes e satisfeitos; a saúde
do Sr. Lambert sofre um pouco, aí está a provação dele; o Sr. de Galambert está nos Jesuítas, feliz
também; o Sr. de Montrond casado, feliz em sua via, as provações virão, ele pode contar com isso. O
catecismo de Mannat prospera. Nossa pequena conferência vive sempre e conta com 5 seções, fala-se de
uma sexta para Saint-Roch. Ela tende a tornar-se, cada vez mais, paroquial, e, ficando leiga, a colocarse, cada vez mais, sob a mão dos párocos. Le Roule e Bonne-Nouvelle se reúnem na casa paroquial,
Saint-Merry na sacristia, Saint-Sulpice num local dependente da igreja, local cômodo e definitivamente
adquirido que nos concedeu o Pároco. A presidência desta última seção79 me foi confiada, após tentativas
para fazer melhor, que não tiveram êxito; leve para vários outros, essa tarefa é um peso para mim. Peçolhe expressamente orar a fim de que eu encontre nela ocasião de fazer algum bem aos nossos irmãos e
a mim, e que isso seja para a glória de Deus. Nossa pequena casa vai bem, graças à dedicação do Sr. de
Kerguelen80, e há nela 12 e logo 13 crianças.
Suas pobres senhoras vão mais ou menos, meus confrades e eu visitamos às vezes Dona Delatre.
Os aluguéis vão conhecer o déficit, e não vejo nenhum meio de cumulá-lo. Dona Delatre deseja que não
se recorra a Manille, ela teme que os leves socorros que ele lhe obtém, por não estarem destinados ao
aluguel, aumentem na mesma proporção sua miséria já tão grande e tão dura de suportar. De outro lado,
o Sr. Daubigny vai deixar Paris; vai para o Sul, na extremidade da França; vi-o, desde o próximo
vencimento, não se deverá mais contar com ele. Desta vez, terei ainda, no total, 33 francos, mas no
próximo vencimento, só sobrará 18 francos. Lamento vivamente que seus encargos aumentem assim;
infelizmente, não vejo como aliviá-los.
Vi ontem, em seu nome, a família Courbe; Emile não estava; tomam-se muitas providências cujo
resultado está sendo esperado; o Sr. Bailly me prometeu fazer todo o possível junto às pessoas que
conhece; o êxito, porém, fica duvidoso. Adeus, meu querido irmão, conserve lembrança de mim diante de
Deus e escreva algumas vezes. Aí estão, doravante, os únicos recursos de que possa dispor nossa
amizade, são amplos ainda, se os utilizamos bem e repetidamente.
Seu irmão em J.C.
Le Prevost
Terça-feira, termino uma novena iniciada na intenção de minha mulher. Esta carta chegará a você a
tempo para que una, ao menos uma vez, seus votos aos meus. Você sabe quão preciosa me seria a graça
que peço; reze, portanto, por nós com um desejo ardente.
79
Na assembléia do dia 8 de dezembro de 1835, as seções se tornaram Conferências: St Etienne-du-Mont (presidida
por Ozanam), St Sulpice (por Chaurand). E pela primeira vez nas atas, fala-se da “Sociedade de São Vicente de
Paulo” da qual Bailly é presidente e o Sr. Le Prevost vice-presidente. Mas era difícil para as Conferências guardar
por muito tempo seus presidentes: terminados seus estudos, esses jovens universitários retornavam para sua cidade de
origem. No dia 11 de dezembro de 1836, é, portanto, decidido que o Sr. LP. assumirá a presidência de St Sulpice.
Ficará nela até o dia 24 de abril de 1849.
80
Arsène de Kerguelen, (1804-1887), membro da Conferência em 1834, neto do almirante que deu seu nome às
ilhas que descobrira nos mares austrais. Esse confrade tinha sido encarregado de ensinar a aritmética a alguns
aprendizes-órfãos assumidos pela Sociedade de São Vicente de Paulo, em 1836.
A Obra se instalou na rua Copeau, (hoje rua Lacépède), perto de St Etienne-du-Mont. O Sr. de Kerguelen se
torna seu diretor e vai habitar com os aprendizes. O Sr. LP. colaborou nesta pequena obra. Redigia as atas do
Conselho da Obra, visitava os órfãos todas as noites, apesar de seu cansaço e suas enfermidades, e sobretudo cuidava
deles espiritualmente. O Sr. de Kerguelen devendo voltar para a Bretanha no fim de 1838, o Sr. LP. aceitou substituilo. No decorrer de seu mandato, o Sr. LP. anunciou, não sem orgulho, à assembléia geral de julho de 1839 a
realização de um projeto que o interessava muito, a publicação da Vie de Saint Vincent de Paul, par Abelly, cuja
impressão (6000 exemplares) tinha sido confiada aos aprendizes-órfãos. Em 1841, a Obra foi confiada aos Irmãos
das Escolas Cristãs que cuidarão dela até o ano 1845. A Sociedade de São Vicente de Paulo conservando ainda o
patronato externo dos aprendizes, era para continuar essa pequena obra dos órfãos-aprendizes que o Instituto ia dar
seus primeiros cuidados (cf. in fine, P.V. do Conselho dos órfãos-aprendizes, no dia 1o de março de 1845).
71
68- ao Sr. Levassor
O Sr. Le Prevost reconforta seu amigo na provação que atinge sua família. Exortação à esperança. “Deus
não apaga a não ser para escrever e não retoma senão para dar ainda mais.” Comunhão dos santos.
Paris, 10 de março de 1837
Meu muito querido amigo,
Fico sabendo, por meio de nosso amigo Courbe, que uma grande causa de inquietação e de
tristeza é dada à sua família, que uma perda dolorosa o ameaça e que os cuidados e os votos de seus
amigos lhe são desejáveis. Quero ser entre os mais diligentes e testemunhar-lhe, sem demora alguma, a
viva e terna simpatia que sinto em mim por ocasião dessa nova aflição. Talvez seja ainda apenas um
aviso, um apelo enviado pela divina misericórdia para conciliar-se decididamente um coração que, sem
isso, definharia ainda muito tempo em sua triste incerteza; você sabe, meu caro amigo, esse meio é
habitual ao nosso Pai Celeste. Ele golpeia, e muito forte às vezes. O homem é derrubado e se acha
perdido, mas logo que ele grita: piedade! a mão do Senhor o levanta, concede-lhe dias e conduz à
perfeição a obra de sua conversão.
Alegro-me em pensar que tal é, neste momento, a provação sofrida pelo seu bom pai, e que a
consolação de possuí-lo lhe será deixada ainda; mas se fosse de outro jeito, conservarei, no entanto, viva
e firme confiança. O bom Sr. Lecomte prometeu-lhe que seu sacrifício seria bênção para sua casa; era em
nome de Deus que falava, Deus não o desmentirá; aconteça o que acontecer, a graça da salvação pareceme adquirida para seu bom pai e, se fosse do agrado do Mestre abreviar os tempos, ouso esperar do seu
amor infinito que não haveria prejuízo nenhum para a alma do seu servo. Ele ajuntaria as graças, Ele as
derramaria de mãos cheias, e, num instante talvez, faria a obra de muitos anos. Procure, meu caro amigo,
colocar profundamente em seu coração essa esperança; além de consolá-lo em todo evento, ela será, se
ouso dizê-lo, uma obrigação a mais para o nosso bom Mestre dar-lhe satisfação; Ele não quereria, para
destruir essa esperança, dilacerar uma alma tão confiante em sua bondade, Ele far-lhe-á segundo aquilo
em que tiver acreditado, e sua fé exercerá violência sobre sua vontade divina. Relembrando em minha
memória o que sei de sua família, digo a mim mesmo que não é sem intenções de misericórdia que o
Senhor já a atingiu dolorosamente. Seu pobre pai já não chorou dois de seus filhos, que lhe foram tirados,
um para o céu, o outro para a casa de Deus? Não está ele também abalado, privado de saúde, de
descanso, de alegria há muitos anos? Haverá para isso compensação nas justiças eternas. Deus não
apaga senão para escrever e não retira também senão para dar ainda mais. Rezemos, no entanto, assim
como você está pedindo, meu caro amigo, rezemos instantemente; nossas orações, apesar de imperfeitas
e miseráveis, devem ter peso em sua balança. Felizes de nós se contribuirmos para incliná-la para o lado
da misericórdia. Um dia, também isso nos será devolvido; outros, por sua vez, pedirão graça por nós; pois
é assim que tudo se liga e se encadeia na santa comunhão das almas!
Estarei muito solícito em aprender a seqüência da provação em que estão engajados neste
momento, você e os que lhe são caros; procure me manter informado sobre isso, se alguma folga lhe
sobra; disponha, aliás, de mim para tudo o que acharia dever empreender diante de Deus. Cooperarei,
segundo minha fraqueza, com suas orações e suas obras a fim de ser, verdadeiramente, como gosto de
dizer isso a mim mesmo
Seu irmão em J.C.
Le Prevost
68.1- ao Sr. Bailly
O Pe. T. Combalot, pregador famoso, vem visitar a Conferência Saint-Sulpice. A presença do Sr. Bailly é
desejada.
Domingo 26 de março de 1837
Senhor e Amigo,
72
O Sr. Combalot prometeu vir visitar a seção Saint-Sulpice terça-feira à noite; ficaríamos bem
felizes se quisesse vir você mesmo a fim de recebê-lo. Todos os nossos amigos lhe ficariam sinceramente
agradecidos e em particular o que lhe renova aqui os protestos de sua respeitosa dedicação.
Le Prevost
69- ao Sr. Levassor
Falecimento do Sr. Levassor, pai. Como seu amigo, “eleito do Senhor”, deve suportar sua provação.
Visita dos pobres. Perseverança dos seminaristas.
12 de abril de 1837
Meu muito querido Amigo,
A parte tão grande como sincera que tomei nas suas penas lhe estava tão certamente adquirida
que não havia grande necessidade de lho dizer por escrito; não teria deixado de fazê-lo, todavia, se
algumas ocupações e uns embaraços não me tivessem impedido. Faz bem, nessas tristes circunstâncias,
ouvir gente a repetir o que já se sabe; é doce também e consolador estar cercado então de todas as
afeições que sobram, a fim de sentir menos o vazio das que acabam de ser perdidas. Por isso, eu estava
de coração junto a você, bem pode acreditar, meu caro irmão; pelo pensamento seguia todos os seus
passos; via as cenas dolorosas que você havia de atravessar, os cuidados, os deveres que deviam
sobrecarregá-lo; eu o lastimava e orava por você; Mas não esquecia, ao mesmo tempo, que você é o
eleito do Senhor, o filho bem-amado da Mãe de Deus; ambos o guardarão, dizia a mim mesmo, aliviarão
sua pena e suportarão com ele o fardo. Apresse-se, conjuro-o, meu caro amigo, de me certificar que não
me enganei; que você, nesses dias de amargura, recebeu a visita do Senhor, que sua ajuda lhe foi
presente assim como aos seus, e que essas dolorosas provações foram para sua divina misericórdia como
que um pretexto para novas graças, para dons mais abundantes. Há também outros detalhes, que me
será precioso conhecer, a respeito dos últimos dias e do fim de seu bem-amado pai. Agrada-me imaginar,
de antemão, todas as coisas no sentido mais feliz, mas gostaria, porém, meu caro amigo, de que você
confirmasse minhas esperanças. Não poupei minhas fracas orações, e antes, para obter que seu fim fosse
santificado, e depois, para que o fim de toda a nossa vida fosse conseguido, quer dizer para que a paz, o
descanso, a união eterna com Deus fosse adquirida para a alma que lhe foi aqui em baixo tão querida.
Enfim, meu querido amigo, desejo ardentemente saber que esse doloroso acontecimento não terá
nada que possa contrariar sua carreira, que você a quer seguir como Deus também o quer, penso eu, sem
que os acontecimentos humanos, por graves que sejam por outro lado, possam desviá-lo dela. Não
demore, peço-lhe ainda, meu caro amigo, em satisfazer, em todos esses pontos, minha solicitude de
amigo e de irmão. Ficarei verdadeiramente agradecido a você por isso.
Não quero acabar sem dizer-lhe algumas palavras a respeito de suas boas senhoras. É sempre a
mesma posição, os mesmos sofrimentos, as mesmas necessidades, e a mesma instância também à sua
caridade. Espera-se, com impaciência, uma carta de você. Nossos amigos são também mais ou menos tais
como os deixou; nossa pequena sociedade se mantém bastante bem. Reze por ela que sempre conserva
de você uma boa lembrança. Os do Seminário perseveram e correspondem às graças de Deus; faça como
eles, meu caro irmão, é o voto mais caro de
Seu todo dedicado amigo em J.C.
Le Prevost
7081- ao Sr. Levassor [ver a carta 75-3: em vez de ser de maio 1837, ela é de maio 1838]
70.1- ao Ministro dos Cultos
Pedido de férias temporárias ao Ministério da Justiça e dos Cultos (Divisão do Culto Católico – 2o
Escritório)82, a fim de ir a Duclair junto de sua irmã, Dona Salva, muito provada no seu matrimônio.
81
A carta 70, endereçada ao Sr. Levassor, com a data reconstituída de maio de 1837, contém uma alusão a um
acontecimento que deve deslocá-la de um ano. O Sr. LP. anuncia ao Sr. Levassor o casamento de Auguste Le
Taillandier, um dos primeiros confrades de São Vicente de Paulo, “no fim do mês”. Ora, Le Taillandier casou no dia
7 de junho de 1838, em Rouen (cf. S. Grandais, Biographie de MLP, p.53).
Foi, manifestamente, em maio de 1838 e não em maio de 1837 que o Sr. LP. escreveu essa carta ao Sr.
Levassor.
73
Paris, 23 de maio de 1837
Senhor Ministro,
Um negócio que interessa gravemente minha família torna minha presença necessária por um
certo tempo na Normandia.
Venho, em conseqüência, solicitar de sua benevolência um feriado de três semanas.
A assiduidade que me esforço ter em meus trabalhos, a benevolência de meus chefes e
sobretudo, Senhor Ministro, suas disposições favoráveis pelos empregados postos sob suas ordens, são os
títulos em que se apoia meu pedido e os motivos sobre os quais ouso me basear para esperar-lhe o bom
resultado.
Sou com respeito,
Senhor Ministro,
Seu muito humilde e obediente servo
Le Prevost
Redator.
71- ao Sr. Pavie
Efusões de seu coração. Notícias de sua mãe, e de sua irmã cujo casamento é um fracasso. Tece um
balanço de seu próprio casamento: há três anos, apesar de uma estima recíproca, “é uma caminhada
penosa”. Deus sempre presente na provação.
17 de julho de 1837
Como sua amizade, meu caro Victor, é generosa e fiel, como envergonha ela minha negligência e
minha preguiça! Você tinha esperado demais de mim; não, Théodore nada trazia para você senão a
humilde confissão de um torpor estúpido de que não se pode arrancar nada. Havia, junto, no entanto,
muitas ternuras e afeições, pois eu amo apesar disso, dormindo ou acordado, mas era tudo. Nada de
queixas, pois elas teriam recaído sobre meu nariz, nada de desculpas, porque eu não estava no direito de
perdoar. Você, meu amigo amado, cuja fecundidade não se cansa e cujo coração não tem repouso em
suas efusões, você toma a iniciativa, você me fala primeiro dessa doce alegria que eu precisei reencontrar
por alguns instantes, aos raios de sua calorosa afeição. Você me fala das benignas influências de uma
afeição ainda mais suave talvez, da doce intervenção de sua esposa, branca claridade de noite após os
esplendores do dia. Como isso é bem próprio de você, amigo, provocar minha alma e remexer nela essas
ternas lembranças. Sinto-me, por isso, todo aliviado. É um orvalho sobre a erva seca, bendito seja você. É
verdade, caro amigo, que esta doce alma, tornada metade de sua alma, atraiu-me ingênua e fortemente.
Eu ia a ela por inclinação e atração, sem nenhuma reflexão nem pensamento, como outrora me tinha
deixado ir a você; era floração nova de nossa velha afeição. Vejo isso nesta hora, mas nem pensava nisso
na época, e me sinto todo surpreso com impressão tão ingênua, velho que já sou e tão acostumado às
análises. Diga-lhe, caro amigo, que meu coração é ternamente reconhecido pelo bem que recebeu, que
por aí permanecemos apegados, ela, por me ter sido tão amável, eu por tê-la amado dignamente!
A esta hora sem dúvida, Théodore lhe disse que no dia em que me viu com flores na mão, era
uma dupla festa para mim: de manhã, acompanhava o pai que está no céu; à tarde ia reencontrar a mãe
que me deixou na terra. Tornei a vê-la, meu amigo, melhor ainda e mais santa; esses três anos fizeram82
A licença só foi concedida para 15 dias. Lè-se, com efeito, na margem:
1o Do chefe do 2o Escritório: A multiplicidade e a urgência dos negócios que ficam para tratar atualmente no 2o
Escritório exigem a presença quase contínua dos funcionários que o compõem. Estou de parecer, portanto, de limitar
a quinze dias somente, o feriado pedido pelo Sr. Le Prevost, feriado que só lhe seria concedido ainda por motivo da
assiduidade e do zelo com os quais cumpre seus deveres.
2o Do M. dos Requerimentos, Chefe da Seção do Culto católico: Proposto ao Senhor Ministro da Justiça conceder o
feriado de 15 dias sem retenção, devido à sua brevidade, mas sob condição que será imposta a retenção no caso de
prolongamento de ausência não justificada.
74
na crescer muito espiritualmente e é verdadeiramente uma maravilha divina que, num país tão mau, tão
desprovido de todo recurso para a cultura das almas, a sua, por riqueza própria da natureza, por cuidados
diretos da graça, tenha assim crescido no bem e amadureça para os celeiros do Senhor. Por iniciativa
dela, conduzia-me aos seus pobres para quem ela trabalha hoje quase unicamente; depois, quando, de
manhã, voltando da missa com ela, apoiava-se em mim, apertava-me o braço dizendo-me: “Oh! como nos
entendemos bem! Ela tem 73 anos, anda bem ainda, mas um apoio lhe agrada. Eu lhe servia de apoio.
Como me seria suave se as coisas continuassem assim até o fim! Mas não, eis-nos separados. Ela está
bem longe, e será que estarei lá quando Deus a retomar? Oh! por que não me é dado antes, para coroar
todos os meus votos, desde hoje correr para a frente, e, lá no alto, à sombra da santa morada, esperá-la,
amigo, assim como a alguns outros ainda. Eis alguns bons e suaves pensamentos, mas não creia que me
tenha sido dado entregar-me a eles em paz por ali. Eram flores crescendo sobre o estrume das grandes
aflições! Minha pobre irmã anda dobrada sob um fardo de penas sempre mais pesado, sem que nenhum
alívio pareça possível por via conciliadora e pacífica. Dez anos de convívio ainda não puderam fazer de sua
vida e da de seu marido uma só vida, e humanamente, a fusão parece impraticável, por causa dos
elementos verdadeiramente dissociáveis de uma das duas partes; alguma explosão pode se esperar de
uma hora para a outra. Não tive, então, repouso ali, nenhum dia de abertura alegre. Trouxe de volta o
coração triste e fechado que eu tinha na ida, com inquietação a mais deste lado. União, paz, caridade,
indulgência terna e misericordiosa, virtudes ausentes ao redor de mim. Onde, então, encontrá-las? Em
você, espero, caro amigo, pois, com as palavras, Deus nos dá aqui embaixo também um pouco da
realidade das coisas.
Por que me pressionar ainda, amigo, para ter só repetições? Os três anos que acabam de passar
não foram senão uma série de amarguras, de atritos dolorosos, e, às vezes, de angústias desesperadas.
Tudo isso, espero firmemente, foi medido para a vida melhor; mas o tempo aí foi plenamente sacrificado.
Lutei quanto pude, por afeição e mansidão, por vontade e domínio de mim, mas tudo isso, na proporção
insuficiente de minhas forças, permanecia inferior à posição. Alegro-me porque, nesta hora, uma etapa
desta caminhada penosa foi vencida. Tudo parece inofensivo e, em certo ponto, benevolente entre nós.
Quem sabe o que reserva o futuro? Deus está lá. Aliás, após nos ter bem convencido de nossa
impotência, talvez ele intervirá? Ou melhor, ele nunca cessou de intervir. Eu o senti nos dias piores, como
amparo e consolação, ou como aguilhão e freio, perseguindo-me no dia-a-dia, apesar de minhas queixas
e de meus gritos. Sem Ele, eu não teria agüentado até aqui; com Ele, prosseguirei, ignorando os recursos
que permanecem escondidos para mim, mas confiando no fim. É coisa maravilhosa que, em semelhante
naufrágio, algo tenha escapado. A estima mútua, entretanto, ficou à tona. Reze com ardor, meu caro
irmão, para que, com este pequeno apoio, a caridade também volte a flutuar.
Adeus, mil afeições aos seus que são meus também, à sua esposa bem-amada sobretudo, depois
ao pai e a seu irmão Théodore. Adrien a quem quero e devo escrever, bem como aos outros. Verei
Gavard, mas ele está muito melindrado; não creio que houve falta voluntária de minha parte; farei o
possível. Adeus.
Seu amigo e irmão
Le Prevost
72- ao Sr. Pavie
Um amigo comum, Ménard, volta para Angers. Desejo de receber notícias de seu amigo. Com a Sra. Le
Prevost, é “paz de tolerância”, antes de simpatia e afeição. Penas aqui em baixo, descanso lá no alto.
27 de novembro de 1837
Mandamos-lhe de volta seu pequeno Ménard; você precisa chocá-lo mais um pouco antes de
deixá-lo levantar vôo; tem poucas penas ainda, o ninho lhe convém por um tempo; o acolhê-lo-emos no
ano que vem. Seriamente, estou bem contente por ele voltar a você; não se poderia ver sem inquietação
uma querida pequena alma tão saudável, tão gentil, aventurar-se em nosso imenso mundo de Paris, sem
guia e sem apoio. Quanto mais ele é entusiasta, confiante, iludido, tanto mais seria facilmente enganado
ou seduzido. A experiência lhe daria, sem dúvida, alguma rude lição, mas é um triste meio, quando ele
vem sem gradação e de forma brusca demais. Aliás, vi esse menino somente duas vezes, sem outra
expansão de minha parte e da parte dele que a do tipo de generalidades banais, mas ele não é difícil de
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penetrar, parece-me; amá-lo-ei facilmente. Creio somente que minha ajuda lhe será insuficiente e que
outros teriam bem mais influência que eu sobre ele.
Você me prometeu uma carta, caro amigo, estou aguardando. Há muito tempo, não é verdade,
nada de íntimo se extravasou de você para mim; seja o que for a fala de Gavard sobre isso, o implícito
não basta, a forma é também essencial; não saberíamos, aqui em baixo, dispensá-la. Você tem
aborrecimentos, sem dúvida. Algumas palavras chegaram até mim no ar sobre isso, o suficiente, porém,
para me fazer entender que uma alma feita como a sua deve ter sido penosamente machucada. É um elo
a mais na corrente que todos nós temos de arrastar, caro amigo, e que se alonga em cada um dos nossos
dias. Como isso deve ser pesado no fim, e como o descanso deve parecer suave quando a gente a
depositou. Você não pensou assim muitas vezes, não se queixe demais. Deus, em suma, foi terno por
você. Que eu também evite a todo o custo de me queixar da minha parte; tantos outros mereciam mais e
obtiveram muito menos.
Mal entrevi Théodore desde sua volta, embora tenhamos sido reunidos bastante tempo; as
ocasiões de se falar de outra maneira que não seja por meio de frases correntes são raras aqui. Ganha-se
alguma coisa, no entanto, a ouvir-se de um pouco mais perto, quando, dos dois lados, tem-se alguma
retidão e boa intenção.
Diga-me, meu caro Victor, muitas coisas do seu interior, de sua cara pequena esposa sobretudo;
desejo muito guardar sempre meu pequeno lugar no canto de sua lareira, embora eu não tenha muita
possibilidade de prometer-lhe o mesmo, não tendo quase, para falar a verdade, nem casa nem lareira.
Devo dizer-lhe, no entanto, caro amigo, a você que toma tão terno interesse por nós, que a paz reina
desde muito tempo em casa. Paz de tolerância, é verdade, mais do que de simpatia e afeição; mas não é
já muito? Espera-se com tanta facilidade que, às vezes, me surpreendo a procurar nisso alguns indícios de
uma melhora bem estabelecida para o futuro. A mão de Deus é necessária para tanto; não se canse,
portanto, caro Victor, de suplicar a Ele comigo. Este laço, de fé e de oração, não é, aliás, entre nós o mais
seguro penhor da duração de nossa fraterna afeição?
Seu dedicado irmão e amigo
Le Prevost
73- ao Sr. Levassor
Dedicação e zelo do Sr. Le Prevost junto aos pobres. Uma benfeitora está doente; aceitação cristã da
doença. Pedido instante de orações por sua esposa, a quem convenceu de levar uma pequena medalha.
Paris, 29 de dezembro de 1837
Meu muito querido amigo e irmão em J.C.,
Recebi sua carta com os 30 francos para o aluguel de suas pobres senhoras; procurarei reunir o resto e
espero que a Providência proverá a isso desta vez como no passado.
Fico, por ocasião dessas pobres senhoras, encarregado de um recado para você da parte de Dona
Houdan. Ela o avisa que não tem mais possibilidade doravante de gerir os pequenos juros que você lhe
havia confiado e que será substituída nesse cargo pela Senhorita Montvoisin (atualmente morando com a
Senhorita Dumay) a quem será bom que mande fundos, visto que os recursos deixados por você estão
inteiramente esgotados.
Você já sabe talvez, meu caro amigo, por que a boa Sra. Houdan lhe dá esse aviso; é porque sua saúde
está tão alterada desde há vários meses que toda ocupação exterior se torna impossível a ela. Ignoro o
triste estado dessa excelente senhora e fiquei dolorosamente impressionado por sua posição; ela é tal,
meu caro amigo, que algumas semanas parecem o termo de sua carreira. Desde certo tempo, seu peito
foi afetado da maneira mais grave, e os cuidados e a ciência fracassaram para remediar isso. Sua
resignação e sua paciência são tantas que se poderia esperar de uma alma tão generosamente dada a
Deus, e Deus, por sua vez, a recompensa disso por grandes consolações espirituais. Monsenhor de Nancy
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vem dizer-lhe a Santa Missa freqüentemente em seu apartamento e, cada cinco dias, a Santa Comunhão
lhe é dada por autorização de Monsenhor o Arcebispo de Paris.
Acrescento, meu caro amigo, e é um ponto essencial, que do 3 ao 12 de janeiro, o Príncipe Hohenlohe
deve fazer uma novena à intenção dela. A doente pede o sufrágio de suas orações mais fervorosas; as
práticas são deixadas à escolha com simples recomendação de devoção e lembrança aos Sagrados
Corações de Jesus e de Maria.
Dona Houdan espera muito dessa piedosa intercessão e espera por aí seu restabelecimento. Sem isso,
meu caro amigo, quer dizer exceto o caso de milagre, a cura é impossível. Aliás, o sacrifício é consumado
pela pobre doente. Você ama a Deus bastante, lhe dizia eu, para bendizê-lo ainda, se, em lugar da saúde,
Ele lhe concede um acréscimo de graças espirituais? Oh! sim, respondeu ela, sua santíssima vontade seja
feita! Seguramente, meu caro amigo, não se pode defender de emoção vendo-a tão fraca, tão esgotada;
mas, no entanto, não saberíamos lastimá-la, não é verdade? Morrer assim é uma sorte bem digna de
inveja, e possa o Senhor conceder aos nossos votos uma tal morte, fosse ela bem rápida, fosse ela
também penosa e dolorosa.
Adeus, meu caro amigo, é tudo o que tenho tempo de dizer-lhe hoje, mandar-lhe-ei logo informações a
respeito dos cursos de Saint-Sulpice.
Seu irmão em J.C.
Le Prevost
(reze por mim)
P.S. Minha mulher consentiu em levar uma pequena medalha, reze por mim, caro irmão, bem
instantemente por ela.
74- ao Sr. Levassor
Informações sobre os cursos do Seminário Saint-Sulpice. Atividades da Sociedade de São Vicente de
Paulo e da Obra dos Aprendizes. Falecimento de dois confrades, entre os quais G. de la Noue. A
Conferência St-Sulpice se expande para Saint François-Xavier des Missions. Dedicação do Sr. Urvoy de
Saint Bedan.
Paris, 17 de fevereiro de 1838
Meu querido amigo e irmão,
É agora ou nunca a hora de cumprir a promessa de lhe escrever. Talvez você até esteja achando que já
não dá mais tempo e que, para elaborar uma determinação sobre o assunto de que você me tinha falado,
era-lhe necessário ter informações com maior antecedência. Ei-las, meu caro amigo. Restar-lhe-á ainda
todo o santo tempo da Quaresma para refletir sobre a o assunto e para pedir conselho ao bom Deus. St
Sulpice estudará depois da Páscoa o dogma da Graça, e, na moral, os Contratos. Não se saberia achar
matéria mais importante, e tenho grande esperança de que você vai querer vir aqui trabalhá-la. Seus
confrades Estève, Lambert, de Goy e outros o desejam também sinceramente. Procure satisfazê-los, se é
por outro lado a vontade do Mestre supremo a quem você pertence.
Não sei se teve notícias de nossa pobre Senhora Houdan. Ela ainda definha, sempre enfraquecendo e
declinando de um dia para outro. O Senhor cumpre nela a obra de uma purificação inteira. Esperemos
que, após tantos sofrimentos, a julgará digna do céu. Seu filho mais velho chegou e se encontra junto
dela. Estará próximo, para lhe fechar os olhos. É bem jovem, mas é uma lição bem grande também e bem
solene a da morte de uma mãe e de uma mãe tão cristã. Esta lembrança lhe ficará e influirá sem dúvida
utilmente sobre seu futuro. Já que estamos falando de assunto tão grave, devo dizer-lhe que, nestes
últimos dias, perdemos nosso caro confrade Gustave de la Noue, o poeta, o escritor! Morreu nos
sentimentos mais tocantes de piedade e de resignação. Um outro membro também de nossa secão SaintSulpice morreu no mesmo dia e foi enterrado na mesma hora. Foi arrancado em 24 horas por uma febre
cerebral, e tão inopinadamente que nenhum socorro religioso pôde ser-lhe dado. Felizmente, ele vivia
como santo. Espero que a morte não o tenha apanhado de surpresa.
Nossa pequena Sociedade, que lhe interessa sempre, vai bastante bem até agora. Além de várias seções
novas que estão se formando no interior, três se estabelecem neste momento em Paris; em Saint-Nicolas,
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em Saint-Germain des Prés e nas Missões. Esta última é uma colônia de Saint-Sulpice. Ela se reúne na
casa dos Lazaristas, perto das relíquias de nosso bem-aventurado padroeiro São Vicente de Paulo.
Esperamos que isso lhe será fator de felicidade e que o espírito de caridade estará no meio dela. Nossos
aprendizes vão bem, temos 15; o bom Sr. de Kerguelen ainda não os deixou. Uma loteria está em
andamento para sustentar e ampliar essa pequena obra. Fala-se também de um sermão. Se tudo isso der
certo, tentaremos ter uma nova série de aprendizes que seriam gravadores em bronze. Reze bem, para
que Deus nos abençoe e que tudo isso seja puramente para sua glória.
Suas boas senhoras vão razoavelmente bem. O bom Sr. Urvoy83, aqui para um pouco de tempo, cuida da
querida Senhora Delatre. A filha dessa pobre senhora definha tristemente e anda, acho eu, para um fim
pouco remoto. Quantos mortos e moribundos! Meu caro amigo, esta breve carta está toda cheia deles;
mas, falo nisso sem tristeza et você me ouvirá do mesmo jeito, pois todos morrem no Senhor e só
podemos invejar sua sorte. Adeus, meu querido irmão, espero você logo, sua presença me fará bem e me
encorajará a amar a Deus que sirvo com um certo movimento, mas, receio, sem muito progredir.....
Adeus, rezo sempre por você, reze constantemente por mim.
Seu devotado irmão em J.C.
Le Prevost
75- ao Sr. Levassor
Por causa de um excesso de ocupações, atraso na correspondência. Cursos do Seminário Saint-Sulpice.
Nele, o Sr. Levassor deverá prolongar, em seis meses, os seus estudos.
[março de 1838]
Meu querido amigo,
A loteria que fizemos estes últimos dias em prol de nossos pequenos órfãos tomou, e bem além, todo o
tempo de que podia dispor. Literalmente, não achei um minuto para lhe escrever; agora, estou atrasado
em tudo e, em particular, em meus trabalhos de administração. Dir-lhe-ei portanto somente duas
palavras, às pressas.
A primeira: até o fim do ano, como já lhe disse, a gente deverá ver, nos cursos do Seminário, os
Contratos e a Graça. No ano que vem, os Sacramentos em geral e em particular, a Eucaristia, a
Penitência, a Ordem e o Matrimônio.
Há mais alguma coisa no entanto, pois, a não ser que haja vontade expressa de seu Bispo, você deveria,
se viesse aqui, sofrer um atraso de 6 meses para a sua ordenação, e prolongar assim em 6 meses sua
estadia em Saint-Sulpice. Esses 6 meses, me diz o Sr. Lambert, seriam utilizados para estudos muito úteis
e muito cativantes. Não saberia muito falar-lhe sobre isso em pormenores. Parece-me, entre outras
coisas, que ele falou de um curso de diaconato. Essa última parte das informações (para os 6 meses) me
veio por intermediário e não é, quanto ao detalhe, suficientemente precisa para mim. Se você fizesse
questão especialmente, eu mesmo voltaria ao assunto e diretamente, junto aos nossos irmãos Estève e
Lambert.
O Sr. Urvoy se encarregou, na minha falta, de ver Emile Courbe. Ele tinha feito seu recado, mas sem,
porém, dar ao preso socorros em dinheiro, porque sua saúde nem seu estado pareciam exigir.
Isto aqui, meu querido amigo, não conta por uma carta; espero agir melhor logo e conversar mais à
vontade com você; enquanto isso não suceder, escreva-me e, se está precisando de novas informações,
peça e receberá.
Seu amigo e irmão em Jesus Cristo
83
Olivier Urvoy de Saint-Bedan (1812-1861), nascido perto de Nantes, tinha estudado em Paris e conheceu o Sr. LP.
na Conférence St-Sulpice. Seu pai tendo-se oposto à sua vocação religiosa, foi somente em 1859, com mais de 46
anos, que foi recebido no Instituto. “Pelo desejo, é o primeiro de todos os nossos Irmãos que quis, bem antes de 1845,
se unir a nosso Fundador para se dedicar às obras caridosas.” (G. Courtin, Nos premiers frères autour de leur père,
1974, ASV.). O Sr. LP. escreverá que “era o mais santo entre nós; praticava as virtudes religiosas em um grau bem
raro de nosso tempo”. (carta 747).
78
Le Prevost
75.1- ao Sr. Ozanam84
Solicita uma acolhida fraterna para um membro da Conferência Saint-Sulpice.
11 de abril de 1838
Meu querido amigo e irmão,
Só tenho o tempo de lhe escrever duas palavras, para pedir uma acolhida favorável da sua parte
e da de nossos amigos de Lyon, em favor do Sr. Cauvain, membro muito fervoroso da seção de SaintSulpice. Embora esteja somente há pouco no meio de nós, vi-o suficientemente para assegurá-lo de que
ele está cheio de zelo, muito piedoso e muito amigo dos pobres. Assim, ele só poderia sentir-se à
vontade junto aos nossos amigos de Lyon, que não se deixam superar por ninguém em todos esses
pontos.
Eu me coloco instantemente frente à sua recordação, e em particular à do meu querido Sr.
Chaurand, do Sr. La Peyrière e outros todos, pois, na verdade, sinto-me para todos com um coração de
irmão.
Vamos bem por aqui, esperamos o Sr. Bispo de Paris para nossa próxima reunião geral; esteja
pelo pensamento no meio de nós.
Recomendo-me às suas excelentes orações e sou com uma terna afeição
Seu devotado confrade
Le Prevost
75.2- ao Sr. Bailly
Providências tomadas para abrigar melhor a Obra dos órfãos-aprendizes. O Sr. Le Prevost procura um
sucessor para o Sr. de Kerguelen, o atual diretor.
1838
Sr. e amigo,
Minha mulher visitou ontem o apartamento da rua d’Enfer. Ela não pode se acostumar à idéia
de ir lá, e, como precisamos andar juntos, não poderei eu mesmo me estabelecer ali. Aliás, seja onde for
o estabelecimento, ofereço-me de bom grado para ir 3 vezes por semana, se nossos amigos julgassem
que seja de alguma utilidade.
Parece-me que, se fosse possível simplificar os meios, só poderia ser melhor. Se, por exemplo,
após novas informações, o Sr. Corman fosse considerado realmente próprio para substituir o Sr. de
Kerguelen, talvez fosse mais fácil achar um local de 12 a 1500f para as crianças somente e para ele.
Por outro lado, visitei a casa Poiloup, que, de certo modo, conviria muito bem. Dois pequenos
edifícios com um pátio separado, situados no fundo do pátio principal, seriam perfeitamente suficientes
84
É a única carta conhecida do Sr. LP. a Ozanam. Este último cita várias vezes o Sr. LP. em sua volumosa
correspondência. A carta do dia 27 de julho de 1843 testemunha da confiança que tinha nele: “entregar o cuidado de
diligências nas mãos do Sr. LP. é colocá-las no melhor lugar.” Mas a estima recíproca não impedia as diferenças de
pontos de vista. Numa carta do dia 27 de abril de 1840, a Joseph Arthaud, Ozanam, precisando as atividades da
Sociedade, escreve: “Há em seguida muitas reuniões sob os tetos das sacristias; mas essa disposição clerical se apaga
um pouco, ao mesmo tempo em que diminui a influência do Sr. LP. Foi obtida a demissão de seu título de vicepresidente geral, o que é muito, porque esse funcionário é quase designado para suceder ao presidente.” De fato, o Sr.
LP. ficou vice-presidente até em maio de 1844, quando foi substituído por Corduner. (cf. Foucault, La Société de
Saint Vincent-de-Paul, 1932, p.76).
79
para as crianças. O corpo de edifício, lado rua, poderia servir a alugar apartamentos burgueses e se
prestaria a tais disposições que se lhe quisesse dar. Quereria-se de tudo isso (por adjudicação) 3000f.
Se você julgasse conveniente tomar informação sobre o Sr. Corman, ele foi apresentado pelo Sr.
Bouvier.
Encerro às pressas este rascunho quase tão, ia dizer, mal escrito como suas próprias cartas;
possa ele, no entanto, ser, como elas são sempre, favoravelmente acolhido.
Sou, com sentimentos respeitosos
Seu dedicado servo e amigo
Sexta-feira cedo
Le Prevost
75.3- ao Sr. Levassor
Separar-se do mundo não ocasiona a ruptura dos laços de caridade. Felicitações a seu amigo pela
fidelidade à sua vocação, apesar das provações. Obstáculos que se encontram no mundo. Afirmar com
São Francisco de Sales: “Nossas imperfeições são instrumentos de salvação”. Casamento de um confrade
de São Vicente de Paulo, Le Taillandier.
[maio de 1838]
Meu caro amigo e irmão em J.C.,
Estou tanto mais sensível às repreensões de sua amizade que não saberia encontrar refúgio em minha
consciência: encontraria nela um juiz ainda mais severo para censurar minha preguiça e minha
negligência. Digo, portanto, humildemente, mea culpa e me entrego à sua indulgente caridade, para me
descobrir alguma boa desculpa. Todavia, teria para alegar o seguinte: você está doravante em lugar tão
santo, sob custódia tão boa, que minha afeição tranqüilizada pode abandonar toda solicitude. Mas isso
não desculpa: existe asilo tão santo que nossa fraqueza não se deixe surpreender nele, existe custódia
tão vigilante que o demônio, cúmplice conosco, não saiba eludir? Aliás, por estar fora do mundo, você não
rompeu com ele os laços de caridade; como os santos continuam querendo bem no céu aqueles que
amaram nesta terra, em seu piedoso retiro você ainda se lembra de nós, você reza por nós, você nos
deseja no bom caminho, você chora com nossas penas e se alegra com nossas alegrias. Oh! que eu evite
a todo custo, meu caro amigo, interromper relações tão preciosas; necessito demais delas, e se um dia
minha moleza as negligenciasse, repreenda e ralhe, a caridade o exige, entre numa santa cólera e Deus o
abençoará por isso.
Fiquei singularmente edificado, meu caro amigo, pela nobre firmeza com a qual me respondeu quando eu
manifestava alguns temores sobre as conseqüências, para sua vocação, dos acontecimentos vividos em
sua família. O sacrifício não foi feito pela metade: Deus lhe pareceu definitivamente a melhor parte, você
a escolheu e não quer deixá-la escapar. Deste modo, confirma-se cada vez mais pela provação e pelos
fatos a sua vocação. Oh! sim, Deus é a melhor parte, e felizes aqueles que podem abraçá-la unicamente!
No mundo, qualquer coisa que se faça, estendendo os braços para o Senhor, abraça-se antes dele tudo o
que se acha atravessando, e se, num ardor santo, quisermos afastar estes obstáculos importunos, não
temos o direito de fazê-lo. Todos gritam e reclamam, pela carne, pelo sangue, pelo sentimento, pela
conveniência, todos têm direito de propriedade sobre você; é preciso afrouxar, submeter-se. Só através
disso podemos, em raros momentos e bem imperfeitamente, penetrar até Deus. Assim, caro amigo,
acontece comigo. Outros fazem melhor, eu sei, e alegro-me para a glória de nosso divino Mestre; mas o
grande número é como eu: o mundo os oprime, não poderiam vencê-lo nem desenredar-se dele.
É triste, caro amigo, andar sempre sem jamais avançar, e percebendo muitas vezes que depois de muitos
dias temos recuado, que estamos mais longe do objetivo! Mas a quem então vou fazer tais lamentações?
Você não o sabe também, caro amigo, você não passou por essas provações no passado? E mesmo hoje,
(por que não confessar?) você não tem suas lutas também? Oh! sim; em vão faço de conta que o
perfeito repouso é para os que lhe são parecidos, o perfeito repouso só se encontra no céu. Em todo
lugar, o Espírito Santo o disse, a vida do homem é má, em todo lugar, exceto no seio do Senhor, do Pai
que está nos céus, do Mestre divino que nos quer recolher a todos, lá em cima, debaixo de suas asas. Oh!
80
Desapagar-se para correr mais rápido, já é muito, é tudo o que nos é permitido, é isso que você fez, é
isso que eu não tive a coragem de fazer; eis por que o invejo e llhe digo: Feliz!. Eis por que, quando você
se queixa, eu o acho injusto e digo: “Deus não tem, então, nenhuma criatura sem queixas nem choros,
que o bendiga sempre, contente com a parte que lhe foi feita. Murmuro aqui e me aflijo com a minha
miséria. Em outro lugar, é a mesma coisa: somente os mais santos comprimem sua dor e gemem no
coração de Jesus! Armemo-nos com coragem, meu amigo, guardemos nossas fraquezas, façamos até que
sirvam ao nosso proveito, humilhando-nos, aceitando nossa abjeção e digamos com São Francisco de
Sales: “Oh! felizes e caras imperfeições, vocês me serão instrumentos de salvação”.
Suas contas, caro amigo, são fáceis a resolver para o passado e para o presente. Sobre os 60f que recebi
há três meses, dei 30f à Sra. Houdan e 30f a mim; quanto aos 60f que sua carta me anuncia, ainda não vi
nem a eles nem ao parente que devia trazê-los.
Tudo aqui está como sempre, os santos perseveram, outros definham e eu sou um deles; nossas
pequenas obras se mantêm. Nosso amigo Le Taillandier se casa no fim do mês85; ele vai ao Mans e se
encarrega de um estabelecimento industrial (fábrica de açúcar). Esqueço talvez outras notícias parecidas,
mas se assim for, você corrigirá a conta na sua passagen por aqui. Procure que seja quanto antes. Adeus,
meu querido irmão, reze por nós, pobres pecadores, suplique a nossa Mãe querida e seu divino Filho; eu
também os suplicarei da melhor forma possível por você.
Lembranças de veneração para o bom Sr. Lecomte e a você terna afeição.
Seu irmão em J.C.
Le Prevost
Esquecia de lhe dizer, para o Sr. Lecomte, que o início do Sr. Joseph de Mirebeau, seu aluno, foi
muito brilhante. Ele não pregou (explico-me) fora, mas somente diante de sua Comunidade. Os juízes
severos que o cercavam ficaram maravilhados. Aliás, sua regularidade, sua piedade fervorosa são
igualmente edificantes, ele é visto como um homem de grande esperança.
76- ao Sr. Pavie
Viver e amar é uma só coisa. O Sr. Le Prevost se queixa de ter demasiadas atividades; no entanto, o que
ele faz, o faz para Deus. Sua verdadeira vida pertence totalmente a Deus. Andar com firmeza apesar dos
obstáculos da estrada.
Paris, 1o de junho de 1838
Você sabe, meu querido Victor, que de tanto contar um com o outro, acabamos adormecendo?
Este sono, oh não! não seria jamais a morte! Longe de nós um tal pensamento, mas basta que isso lhe
tenha a imagem para que pareça muito triste. Acordemos, caro amigo, e que nossos corações batam bem
forte para testemunhar que vivemos ou amamos, pois é uma só coisa. Tenho sob os olhos sua última
carta, que data de cinco grandes meses, e que, mesmo assim, após tão longo espaço está ainda tão
calorosa de expansão que neste momento me faz sentir muito reconfortado. Eu o rogo ardentemente,
meu caro Victor, seja como sempre o mais generoso e o mais fiel de meus amigos; escreva-me apesar de
tudo, e nunca, nunca deixe de contar comigo com essa segurança que me honra e me reergue um pouco
nas horas de abatimento. É preciso dizer-lhe, no entanto, caro amigo, que meu silêncio não vem, como
você parece acreditar, de disposição demasiado contemplativa, nem da invasão sempre crescente de
exercícios piedosos, longe disso. Bem que eu gostaria! Seria uma bela desculpa junto a coração tão
cristão como o seu, eu sei; mas dela não posso me apropriar. Há, ao contrário, caro amigo, muitos
pequenos atos na minha vida, muita atividade exterior, concessões demais às coisas do momento. Cada
dia traz de volta um número deles mais do que suficiente para preencher todas as horas. Cada manhã
uma medida nova se apresenta, atendo-lhe o melhor possível, mas isso não tem fim. Será que é o
resultado do excedente desta cidade monstruosa em que estamos? Será que é fraqueza e insuficiência em
mim? Não sei, mas é assim e eu digo a verdade. Decorre daí, caro amigo, que tudo o que não grita ao
redor de mim com tanta atualidade, tudo o que só se encontra no fundo do coração íntimo, terno,
85
O casamento realizar-se-á no dia 7 de junho. O que necessita atrasar de um ano a carta 70 datada inicialmente do
mês de maio de 1837. Cf. nota 81.
81
suavemente mexendo- Deus, minha mãe e você- é deixado de lado com excessiva freqüência e não se faz
ouvir. No entanto, todo o meu amor está ali, toda a minha vida, todos os meus votos. Lanço aqui e acolá
alguns lamentos ardentes por estes objetos abandonados, para Deus sobretudo. Ele que penetra no
íntimo das pessoas, sabe bem que no fundo eu dou às exigências cotidianas meus passos, minhas ações,
até mesmo meus pensamentos e minhas preocupações, mas minha vida, minha verdadeira vida, a que
me pertence e que o mundo exterior não me tira, ela é dele, totalmente dele. Você, meu querido Victor,
cuja indulgência, cujo bom senso confiante para comigo sempre se me afigurou como aquele da
Providência, imite-a. Sob este movimento maquinal, esta sedução das coisas, saiba com seu olhar de
irmão discernir sua parte. Na verdade, ela está aí, sinto-a e é a melhor, eu lhe asseguro. Como gostaria
de persuadir, neste sentido, todos aqueles, em seu grau, que têm direito também, de minha parte, a uma
afeição manifestada, encarnada, como você diz. Oh! não nego a minha dívida, com o tempo talvez eu
tudo pague. Que eles tenham apenas paciência; depois, se esta vida não o conseguir, não teremos outra
em que amar? Amar a todos e sempre será a única tarefa. Ali pagarei com usura. Receio, todavia, não
obter perdão, com semelhantes razões, senão de você só, o que já é muito.
E você, meu caro Victor, passemos a você, pois isso importa mais. Em que ponto você está, na
grande escala que todos nós subimos, tão habilmente alguns, tão pesadamente outros, tão ridiculamente
estes, tão nobremente aqueles? Você é um destes últimos, tenho certeza, você prossegue como começou,
você torna feliz a querida e boa pequena alma que Deus uniu à sua, você encoraja e mantém no bem
seus amigos e outros ainda. Trabalho, estudo, amor santo, oração, eis como vejo, caro amigo, o fundo de
sua vida; eis como o quero e como o peço a Deus cada dia.
Aí está, seguramente, uma grande tarefa: andar firme em tal linha, apesar dos obstáculos, das
circunstâncias de lugares, de tempo e de tudo o que põe obstáculo aos nossos pés, mas era a única coisa
que lhe conviesse e, tenho plena confiança, você a manterá invariável até o fim. A este plano geral que já
conheço, não deixe, caro amigo, numa bem próxima carta, de acrescentar alguns pormenores e
indicações mais precisas que me permitam, com esta familiaridade afetuosa que sempre me concedeu,
seguir até nas mínimas trilhas esta vida que me é tão cara.
Não vejo Théodore há algum tempo, tinha saído quando o procurei ultimamente. Numa visita
precedente, encontrei na casa dele Nerbonne, mas mal o entrevi. Gavard também aí estava, e era festa
para nós dois nos revermos, após tão longa ausência. É o nosso caso, apesar da vontade muito cordial,
creio, de ambos os lados, de nos aproximarmos, não o conseguimos senão em tempos que marcam data
e época. Ao seu redor, caro amigo, deve ser mais movimentado, a gente se vê quase todos os dias. Nosso
caro Adrien e alguns outros ainda que conheço como seus, lhe são tão assíduos que você tem dificuldade
em não nos lastimar, aqui, nós que corremos sempre sem nunca chegar.
A respeito de visitas raras em demasia e bem desejadas, quando será a sua, caro amigo? Já faz
um longo ano passado e cadê o Victor? Venha, se possível, você será como no passado nosso ponto de
união, e, por algum tempo, os dias lindos voltarão, sem contar ainda a boa lembrança que isso deixa e
todos os afrouxamentos que isso reata!
É verdadeiramente uma obra moral, senão melhor ainda, que lhe pertence. Tenho uma certa
vontade de dizer que é um dever, e você viria, pois, será que alguma vez essa palavra tocou em vão o
ouvido de nosso Victor?
Adeus, querido amigo, mil amizades e das melhores à sua querida alma, a todos o que você ama.
Seu amigo e irmão
Le Prevost
P.S. Devo uma carta a Adrien. Na espera, abrace-o por mim.
77- ao Sr. Levassor
Providências para livros. Em Notre-Dame des Victoires, o Sr. Le Prevost pede orações por sua mulher.
Quinta-feira, 6 de setembro de 1838
Meu caro irmão,
82
Pelas informações que obtive, parece que você poderá ter, nos preços fixados em sua mente, as
obras de São Francisco de Sales e a Bíblia. Não vi somente o primeiro desses livros, encadernado em dois
volumes. Ele existe, sem dúvida, em outras lojas fora daquelas onde minhas indicações foram colhidas.
Adeus, meu querido irmão, recomendo-me sempre à sua boa lembrança diante de Deus.
Fiz recomendar às orações da piedosa confraria do Santo Coração de Maria, na paróquia dos
Petits-Pères86, uma pessoa que você sabe e cuja conversão me faria bem feliz. Junte seus votos aos
nossos, meu caro amigo; o Senhor é tão bom! Ele nos atenderá enfim. Empenhe-se, então, de todo o
coração, eu o conjuro, dirigindo-se ao Santo Coração de nossa Mãe.
Não esquecerei de rezar por seu irmão.
Seu devotado irmão em J.C.
Le Prevost
78- ao Sr. de Montrond
A seu amigo que volta de uma estadia na Suíça, o Sr. Le Prevost confessa que, nesse ano, a vida
sedentária lhe foi pesada. Mas a presença de Deus não lhe faltou. O Sr. Levassor se apronta para vir a
Paris.
Paris, 20 de outubro de 1838
Meu caro amigo,
Fiquei verdadeiramente feliz, após sua tão longa ausência, por receber uma carta, que me trazia
diretamente suas notícias. Quando se deixa, como você, um pouco de sua alma em tudo o que se
escreve, se fica bem certo de alegrar o coração de um amigo, conversando com ele, mesmo à distância, e
por intermédio de uma carta, por insuficiente que seja de costume este meio.
Muito obrigado, portanto, meu querido amigo. Respondo-lhe com uma diligência que prova como
me são preciosos os testemunhos de sua afeição. Não temos aqui, como você, a alegria de ir um pouco
respirar o ar puro das montanhas, nem mesmo das florestas, nem dos campos. Temos ficado em casa
toda esta estação, não sem gemer às vezes através das grades da gaiola, não sem sacudir a corrente que
nos parecia, nestes últimos dias sobretudo, bem pesada de arrastar. Todo o mundo, de toda categoria e
condição, os santos como os mundanos, os ricos e os que quereriam sê-lo, todos desapareciam. Era uma
verdadeira deserção.
Felizmente, Deus está em todo lugar e permanece com aqueles que ficam, ao mesmo tempo que
está com aqueles que vão embora. Não podíamos, portanto, nos queixar nem nos dizer abandonados.
Onde está Deus, tudo está bem, visto que Ele está conosco, o lugar não importava mais. Infelizmente,
éramos nós talvez que não estávamos com Ele! Você, que Ele ama e que Ele escuta, não esqueça, meu
caro irmão, de invocá-lo por nós.
Você ficará sabendo com alegria, tenho certeza, que nosso bom amigo Levassor estará logo em
nossa vizinhança. Deve, me dizem, chegar aqui dentro em pouco, para completar seu Seminário. Ele
participou, nestes últimos dias, do casamento de seu irmão na Normandia, para a satisfação de todos.
Fiz o seu recado, para o quadro, segundo seu desejo, etc.etc......
Adeus, meu bom amigo, não se esqueça de mim diante de Deus, e creia na cordial afeição de seu
amigo e irmão.
Le Prevost
86
É a paróquia da Basilique Notre-Dame des Victoires, praça dos Petits-Pères. No dia 3 de dezembro de 1836, o
padre Desgenettes tinha consagrado sua paróquia ao Santíssimo e Imaculado Coração de Maria, Refúgio dos
Pecadores. Foi uma das grandes devoções mariais do Sr. LP. e levava regularmente para lá seu “caro rebanho da
Santa-Família”. Uma vez fundado o Instituto, a comunidade irá muitas vezes em romaria a N.D. des Victoires
agradecer a Virgem por todas as graças recebidas, mas sobretudo pedir-lhe para obter as vocações de que tinha uma
urgente necessidade.
83
79- ao Sr. Pavie
Alegra-se pelo futuro nascimento na família Pavie. A criança, dom de Deus. O Sr. Le Prevost não teve essa
felicidade familiar. Aceitação desse sacrifício. Procura trabalho para seus pequenos órfãos.
Paris, 12 de novembro de 1838
Meu querido Victor,
Você será pai, bendisse a Deus no mais profundo de minha alma. Sim, Deus devia à sua própria
bondade não lhe deixar a felicidade imperfeita. Ele tinha de acrescentar um último favor a todos aqueles
que já lhe fizera, a fim de que você não possa dizer que de todos os dons que sua mão de pai pode
derramar, só lhe tenha faltado um. Casa, lar, família, círculo numeroso de amigos, saúde, rica abastança,
dons do espírito, dons do coração e, acima de tudo, dom da fé, alegria de conhecer o autor de tantos
bens, de amá-lo com cordial amor, de tudo lhe atribuir, de lhe fazer homenagem de tudo, sim de tudo, de
você mesmo e mais do que você mesmo, de sua bem-amada mulher e do filho que ela concebeu. Oh!
Sim, você será feliz, meu caríssimo Victor, e Deus é imensamente bom, e quero que você e eu o amemos
por causa de tudo isso ainda mais. Veja também que graça toda amável Ele colocou no seu jeito de
proceder com vocês. Deixou-os desejar por um tempo este favor para que fosse melhor apreciado, melhor
pedido também por vocês. Ele procurou-lhes assim, a felicidade de rezar, de rezar juntos e com lágrimas,
de obter enfim por votos, peregrinações, santas promessas feitas por vocês dois diante dele, seu Pai,
diante da Virgem santa, sua Mãe, o que vieram a considerar como o maior bem do mundo. De outro jeito,
este filho nascendo naturalmente, vocês tê-lo-iam considerado como sua obra. Mas Deus permitiu-lhes
ver que era Ele que dava a vida e não vocês, e ele imprime também profundamente na sua mente esta
santa verdade de que este filho lhe pertence, que a partir do dia de seu nascimento, ele deve ser
consagrado e oferecido não somente como seu primogênito, mas ainda como o filho dado por Deus, fruto
das entranhas da divina misericórdia.
Não tenho a intenção, meu caríssimo Victor, acredite-o, de lembrar-lhe tudo isso. Meu coração me
diz que tudo isso estava no seu, e o acredito firmemente por esta terna e íntima simpatia que me faz
entrar em você, como você entra em mim. Assim sua alegria, digo-lhe, está aqui muito bem entendida,
bem partilhada. Gozo, por minha viva afeição, a felicidade que não aprouve a Deus me dar diretamente. É
uma espécie de adoção para a criança que nascer: Raquel, na antiga lei, era tida como mãe das crianças
nascidas de uma mulher de sua escolha; que seja assim entre nós. Terei assim uma posteridade e minha
esterilidade será consolada. Admirei, aliás, sua delicada bondade, que lhe faz quase me pedir perdão por
uma felicidade que aumenta ainda sua superioridade sobre mim. Esteja em paz, caro amigo, minha alma
não foi nem um instante perturbada, minha alegria foi pura e desinteressada. Quando o Senhor exige um
sacrifício, Ele ajuda também a consumi-lo; Ele me deu a força de amar e adorar sua santa vontade.
Ainda não vi Théodore. Sem dúvida, ele ainda não está aqui, eu o espero com dupla impaciência:
por ele a quem amo cordialmente e pelas notícias suas de todos vocês que ele me trará. Até lá adeus,
meu caríssimo amigo, mil afeições bem dedicadas à sua querida amiga, ao seu pai e a todos. A Adrien em
particular.
Seu amigo e irmão,
Le Prevost
O agradeço pelo seu zelo em colocar as litografias para os nossos pequenos órfãos. Não sei se lhe
disseram que alguns entre eles estão ocupados em fundir caracteres na gráfica do Sr. Baillly: faltam às
vezes de trabalho, isso nos entristece. Desejaria portanto que você tomasse, se é possível, sem prejuízo
de qualquer compromisso, seus caracteres nessa fundição; se isso lhe parece praticável, diga-o. Eu lhe
faria chegar o espécime de todos os caracteres que poderíamos lhe fornecer. Não preciso dizer-lhe que
esses meninos são apenas os ajudantes de hábeis operários e que os produtos têm toda a perfeição que
se pode desejar.
79.1- a Madame Bailly
Convite ao passeio dos órfãos em Meudon
84
Sexta-feira, 26 de julho de 1839
Madame,
Nossas crianças, que devemos levar para o campo domingo que vem, ficariam duplamente felizes
se o Sr. Bailly e sua família fossem participar e quisessem se juntar a nós para esta pequena festa87;
venho portanto solicitar em seu nome este favor e peço-lhe que use seu crédito junto ao Sr. Bailly, que
minha insistência ainda não conseguiu fazer decidir-se.
Nossas crianças, que têm a memória de sua idade, têm aliás a lembrança ainda bem fresquinha
de um pastel muito apetitoso que a Sra. lhes deu, há dois anos, em semelhante festa. Não ousariam
certamente pedir a mesma graça para esta vez, mas eu serei menos vergonhoso e falarei por eles,
sabendo, Madame, o interesse tão benevolente que tem por nossos órfãos e a diligência que coloca em
toda ocasião a se render a seus votos.
O ponto final de nosso passeio será Meudon, com volta por Saint-Cloud. O vapor terá lugar para
nós, espero; não haveria, portanto, cansaço exagerado para a Sra., se consentisse em fazer esta pequena
excursão.
Aceite, Madame, a homenagem do sentimento respeitoso com o qual sou
Seu muito humilde e muito devotado servo
Le Prevost
80- ao Sr. Pavie
Alegrias da paternidade. Encoraja a desenvolver a Conferência de S.V. de Paulo de Angers. Espírito de
humildade nas obras: “Deus não acha dignos de grandes coisas os que se acham elevados demais para
as pequenas”. Difusão do livro editado por seus cuidados [Vida de S.V. de Paulo]
1o de setembro de 1839
Meu caro Victor,
Você tem agora tantos e tão caros objetos para ocupar suas afeições que seria, talvez,
desculpável que nos esquecesse um pouco, nós que estamos tão longe e eu, sobretudo, que valho tão
pouco. Atesto, porém, que não é nada disso. Prometemos um ao outro, anos atrás, que nada iria
prevalecer contra nossa afeição e não seria você seguramente que faltaria, o primeiro, com a fidelidade.
Quereria somente que você me escrevesse um pouco mais vezes, eu lhe responderia e isso me deixaria o
coração mais satisfeito.
Tive notícias suas, bem fresquinhas estes últimos dias: encontrei Théodore, que eu não sabia
estar de volta e que me falou de todos vocês, inclusive o sobrinho com quem, contra sua própria
expectativa, está muito encantado. É uma maravilhosa coisa o sangue, e a afinidade que ele põe entre
nós tem muitos segredos que nossa vista curta não penetra. Apraz-me imaginar, às vezes, enquanto
posso e a partir do conhecido para o desconhecido, o que devem ser para você as alegrias paternas, para
você a quem os sentimentos naturais empolgam tão ardentemente, para você que já sabia tão bem amar
os demais; quanto, então, você ama este filho que anda, que fala, que o chama e o aperta com seus
pequenos braços! Creio que tenho somente uma fraca idéia de tudo isso; em Deus, no entanto, toda
afeição deve se compreender. Se soubesse ao menos religar-me firmemente, por este lado, ficaria ao
nível de tudo. Farei esforços, fosse somente para permanecer unido às suas afeições mais íntimas e,
como sempre, tomar nelas minha parte.
87
Um dos filhos do Sr. Bailly, Vincent de Paul, mais tarde Assuncionista e fundador de la Croix, se recordava ter
visto o Sr. LP. com os órfãos-aprendizes. “A primeira lembrança que tenhamos conservado do Sr. LP. nos transporta
para o ano 1838. Ele estava no meio de um pequeno povo de aprendizes, os primeiros que tenham formado uma obra
em Paris, praça de l’Estrapade. Em que abandono estava a infância operária na época!”. Vt. de P. Bailly , Pieux
souvenir, in Bulletin de l’Union, 7.11.1874. p.338 (cf. G. Boissinot, Un autre Saint Vincent de Paul 1991, p.112).
85
Saí para ver seu bom pai, que me disseram estar aqui. Não pude encontrá-lo, ele está
constantemente em corridas, arrumando tudo, atento a tudo com sua providência paterna. Ele aplaina os
caminhos para seu filho Théodore e procura sem dúvida que nada possa ferir seu pé nesta longa corrida
que ele vai realizar. Tanta solicitude, tantos cuidados são bem comovedores; consolam e tornam feliz
quem assiste. A gente ama melhor a espécie humana ao achá-la capaz de uma dedicação tão generosa.
Espero que seus trabalhos não o terão impedido de prestar assistência à pequena Sociedade de
São Vicente de Paulo, que se formou na sua cidade88. Não desanime, conjuro-o, se isso é bem pequeno e
de uma simplicidade um pouco infantil no seu começo. Creio que as obras de Deus se produzem assim
ordinariamente, a fim de servir de prova para a humildade. Deus não acha dignos de grandes coisas
aqueles que se acham elevados demais para as pequenas. Essa sociedade fez, aqui e em muitos lugares
ainda, um bem muito real. Teria uma verdadeira alegria no fato dela se enraizar totalmente entre vocês,
e peço-lhe sua cooperação cordial para chegar a isso. Você verá que a recompensa não lhe faltará em
seguida.
Providencio a colocação, na casa do Sr. Th. Leclerc, de um lote de 25 exemplares de nossa Vie
de St Vincent (2 vol. in-8). O preço de livraria é de 7f 50; mas vendidos por nós, só se pagam 6f, sobre
os quais 1f é ainda retido pela Conferência de Paris ou do Interior que faz as aplicações, de sorte que
temos de dar conta somente de 5f para cada exemplar. Sobre os 25 que lhe mando, 12 (as coberturas
pálidas) têm retratos um pouco mais caprichados que os demais. Você os dará a quem quiser. Aliás, na
primeira encomenda que pedir após esta, todas as gravuras serão igualmente boas. Procure empurrar
um pouco este pequeno negócio, que não é sem interesses para a Sociedade.
Adeus, meu querido Victor. O amigo Hubert lhe entregará esta carta. É um honesto rapaz.
Mil lembranças bem afetuosas para sua querida mulher e também mil ternuras para seu querido
filhinho.
Seu devotado amigo e irmão
Le Prevost
Evite absolutamente de se esquecer de mim junto a meus bons amigos Adrien e seu irmão,
Gavard, Bruneau, Nerbonne, Léon.
81- ao Sr. Pavie
A fé e suas riquezas. As pequenas obras de caridade não desgostam V. Pavie. Mérito dessas humildes e
pequenas obras. A amizade segundo o exemplo do Cristo.
6 de janeiro de 1840
Meu caro Victor,
Você me escrevia no dia de Natal, respondo-lhe no dia da Epifania, estamos quites. Pois, se o
Natal é a flor, a Epifania é o fruto. Como me é doce, meu caro Victor, que todos estes bons e piedosos
pensamentos, inspirados à sua excelente alma pelo grande mistério de nossa fé, se derramem bem
naturalmente em minha direção. Não que eu fique orgulhoso por isso e que me acredite digno, mas
porque me prova sempre cada vez mais que a união dos nossos corações, fundada sobre uma tal base, é
para sempre assegurada, enquanto a mesma base não tiver oscilado. Ora, quem de nós não espera,
apesar de sua fraqueza permanente, permanecer até o fim sobre esta pedra da fé. Devemos-lhe nossas
mais puras alegrias e sabemos que, fora disso, não haveria mais para nós alegrias verdadeiras doravante,
porque quem saboreou aquelas tem o coração grande demais para as outras. Alegro-me também bem
vivamente por causa de você em particular. Suas últimas cartas são cheias de um ardor fervoroso que me
prova que sua alma vai se exaltando cada vez mais; que nem os negócios deste mundo, nem as alegrias
do lar, causas demasiadamente ordinárias do enfraquecimento das nobres inspirações, o seguram: a
88
Tinha sido fundada pelo fim do ano 1838 por Florestan Hébert que, durante seus estudos em Rennes, tinha
participado na conferência que acabava de ser fundada ali. É na rua St Laud, na casa de V. Pavie, que a Conferência
angevina se reúne. Ao redor de Hébert, estão Paul Beauchesne, Joseph d’Andigné, Victor Godard, J.Baptiste Renier e
Clément Myionnet, futuro Irmão de São Vicente de Paulo. No dia 1o de dezembro de 1839, V. Pavie se tornará seu
tesoureiro (cf. Positio, p.131-132).
86
chama tende para o alto e supera todo obstáculo; assim faz o arrebatamento sublime de seu coração.
Bendigo a Deus por isso e peço-lhe que me faça semelhante graça, para que andemos lado a lado e
atinjamos juntos o objetivo. Nossas pequenas obras de caridade terão influência para nos ajudar
reciprocamente. Meu coração pulou de alegria, confesso a você, quando percebi que a simplicidade
desses pequenos trabalhos não o enfastiavam. Deus me mostrou que Ele tem imensas graças para
aqueles que, em seu nome, aceitam humildes e pequenos empreendimentos e consideram-nos grandes,
porque feitos por causa dEle.
Persevere, meu querido amigo, nossa afeição já grande crescerá ainda mais assim e não será o
menor dos frutos felizes que dela decorrerão. Não, certamente, nosso bem-amado Mestre não baniu os
suaves e ternos sentimentos para as almas que são suas: Ele usava de carícias para com as criancinhas,
de vivas efusões para com seus amigos e de predileções íntimas com alguns. Ele quer que O amemos
antes de tudo , e é de direito, mas que, por causa dEle, amemos também todos os outros, não
uniformemente, mas em ordem e graus, de acordo com a afinidade de nossas almas. Essas devem nos
ser as mais caras, que mais nos atraem89. Deus colocou nelas aquilo de que precisamos, que deve
sustentar-nos, elevar-nos acima de nós mesmos e duplicar nossas forças para avançar na sua direção.
Isso, o achei em você desde o primeiro contato, caro amigo, e nesta hora, ainda o acho. São João
apoiava-se assim no peito do Mestre bem-amado; como lhe agradeço recordar essa amável lembrança.
São João é meu padroeiro. Quantas vezes pedi-lhe para animar-me e me conduzir ele mesmo até o
coração de nosso divino amigo! Eu lia numa Vie de Ste Thérèse (pelo Sr. Leboucher, pároco de St Merry,
que você lerá logo, se acreditar em mim, junto com uma outra vida, mais rara, do mesmo autor, a Vie
de la Bienheureuse Marie de l’Incarnation, fundadora do Carmelo na França) lia isto: ela rezava por uma
alma reta, mas, no entanto, extraviada, e, num impulso de sublime familiaridade, ela dizia: “Atraia-o
para você, ó meu Jesus, você está vendo, ele seria digno de ser dos nossos amigos!” É assim que
devemos tratar com Ele e, consequentemente, também com aqueles que Ele nos deu. Vamos neste
caminho, caro amigo, por aí andarei a grandes passos, asseguro-lhe, pois acreditarei seguir assim o
exemplo e a vontade de nosso Deus.
Diga bem à sua doce amiga que estará de parceria em tudo isso. Estimo-a também, como você,
bem querida por Deus e bem digna dele.
Mil coisas afetuosas a todos os nossos amigos, a Bruneau em particular, que me acusa, tenho
medo, de negligência, embora não haja verdadeiramente nenhuma em mim para com ele. Afeição
também a todos os outros, a Adrien, a Godard e àqueles ainda que têm a bondade de se lembrar de mim.
Obrigado por seu zelo para a venda de St Vincent.Ficar-lhe-ei agradecido por me fazer receber
logo que puder o dinheiro obtido. (5f por exemplar somente).
Adeus ainda, caro amigo, unamos nossas orações, nossos atos e toda a nossa vida; os melhores
como você pagarão pelos outros e todos juntos chegaremos ao objetivo.
Seu devotado irmão em J.C.
Le Prevost
P.S. Terno respeito a seu bom pai.
81.1- a um Confrade de S.V. de P.
Relatório sobre a Conferência S. Sulpice.
29 de abril de 1840
Meu caro Confrade,
Tenho a honra de endereçar-lhe as notas anexas que me foram remetidas pelo secretário e pelo
tesoureiro da Conferência de S. Sulpice.
89
O Sr. LP. fala aqui de um atrativo completamente sobrenatural e espiritual. O que segue precisa e completa o
pensamento do Sr. LP. sobre a amizade cristã.
87
Não tenho nada a acrescentar, a situação desta Conferência sendo mais ou menos a mesma neste
momento que por ocasião de nossa última assembléia geral.
Sou, com sentimentos bem afetuosos
Seu todo devotado Confrade
Le Prevost
(ANEXO que não é da mão do Sr. Le Prevost)
RELATÓRIO SOBRE A CONFERÊNCIA DE S. SULPICE90
7 de abril de 1840
15 de dezembro de 1835 – Sr. Chaurand Presidente
Sr. Le Prevost (idem)
Seção de S. Sulpice de 1836 a 1840
A origem da Conferência de S. Sulpice se confunde com a da Sociedade de São Vicente. Teve uma
existência separada, desde que o número dos associados foi bastante considerável para exigir sua divisão
em várias seções diferentes. As sessões regulares da seção de S. Sulpice começaram em 15 de dezembro
de 1835, sob a presidência do Sr. Chaurand, que foi substituído pelo Sr. Le Prevost, presidente atual da
Conferência.
OBRAS DA CONFERÊNCIA – De conformidade com o bem geral da Sociedade, a seção de S. Sulpice se
propôs à visita e ao alívio das famílias pobres da paróquia, umas das quais cada um dos membros visita
regularmente. Para prestar conta, não somente do estado material, mas também do estado moral e
religioso desses pobres, a Conferência costumava, no início, pedir a cada um dos membros um relatório
especial e detalhado sobre cada uma dessas famílias. Essa medida, que produziu em primeiro lugar os
melhores resultados, teve no entanto de ser abandonada quando o grande número dos membros da
Conferência permitiu aumentar consideravelmente o das famílias; foram encarregados então, uma vez por
ano, um certo número de membros de fazer uma inspeção de todas as famílias da paróquia e de prestar
conta à Conferência, de maneira geral, sobre sua situação. Esta medida nova também não pareceu ser
suficiente para dar à Conferência inteira, aos membros, ao presidente e ao secretário, um conhecimento
habitual e aprofundado das necessidades dos pobres, e a Conferência decidiu, em 1840, que 10 membros
seriam encarregados, de uma maneira permanente, da vigilância sobre uma seção da paróquia para
obter, percebidas na ocasião, todas as informações necessárias sobre as famílias visitadas.
A Conferência de S. Sulpice nunca sofreu interrupção completa em suas sessões nem na visita dos
pobres. Somente no primeiro ano, a extrema diminuição de seus membros a obrigou a recorrer por
algumas semanas à seção de S. Tiago. Durante as férias seguintes, os membros permanecendo em Paris
se esforçaram por substituir seus Confrades, redobrando de assiduidade; foram abandonadas,
momentaneamente, somente as famílias mais necessitadas.
A Conferência, sem se limitar absolutamente à visita dos pobres, cuidou ativamente de procurar
colocações ou trabalho às pessoas da classe operária que lhe foram recomendadas, até o estabelecimento
da Comissão da colocação, que trata agora de satisfazer aos pedidos vindos de todas as seções.
A Conferência de S. Sulpice, sobretudo desde que foi presidida pelo Sr. Le Prevost, teve sempre
sob seu patrocínio direto a Casa dos Órfãos; foi ela que, a primeira, organizou a loteria que acontece
anualmente em prol dos jovens aprendizes.
Em seus diferentes trabalhos, a Conferência sempre encontrou um grande socorro na
benevolência do Sr. Pároco de S. Sulpice, que vem de vez em quando visitar e presidir suas sessões.
PESSOAL – A seção de S. Sulpice sempre foi, mais ou menos, uma das mais numerosas da Sociedade de
S. Vicente. Formada por uns quarenta membros no começo de 1836, contava com mais de cem no fim
desse ano – cento e cinqüenta ao menos estavam inscritos nos seus registros em 1837, 1838. Mas a
formação de várias Conferências vizinhas, que a de S. Sulpice teve que amparar, em seu nascimento,
90
Esse anexo não é da mão do Sr. LP.
88
mandando-lhes um certo número de seus membros, diminuiu pouco a pouco seu pessoal; ela está
composta, em 1840, de uns cento e vinte membros, entre os quais oitenta ou noventa cuidam ativamente
da visita das famílias. O número das famílias visitadas acompanhou as variações do número dos
membros; ele é, em 1840, de 210 a 220.
NATUREZA DOS SOCORROS – Os socorros distribuídos às famílias consistem em vales de pão, de sopa, de
carne ou de batatas. Socorros extraordinários em dinheiro são concedidos para as necessidades urgentes.
O vestuário fornece um número bastante grande de objetos de vestimenta de todos os tipos, aos
pobres. Enfim lençóis e cobertores adquiridos pela Conferência são emprestados aos pobres durante suas
doenças ou durante os frios do inverno.
RECURSOS – Para prover a todas essas diferentes despesas, a Conferência não tem recurso regular
algum: nenhum sermão de caridade, nenhuma loteria particular encheu sua caixa para algum tempo de
antemão. Uma só vez, um legado de um de seus membros lhe deu condições para fazer uma distribuição
geral de socorro em dinheiro aos pobres mais necessitados. Suas rendas consistem no produto das
coletas feitas em cada sessão, ou os dons feitos, de vez em quando, pelo Sr. Pároco ou algumas pessoas
estrangeiras.
Ela procurou juntar a isso alguns acessórios como a colocação de bilhetes de subscrições, sejam
perpétuas, sejam limitadas à duração do inverno, ou melhor de bilhetes pagáveis em uma só vez, sem
compromisso ulterior. A venda dos exemplares da Vie de S. Vincent, sobre a qual cada Conferência tinha
um pequeno benefício, lhe forneceu durante um certo tempo um suplemente de rendas. Algumas vezes,
recorreu à venda de alguns objetos dados por alguns membros. Mas a regularidade de seus fracos
recursos a obriga a viver o dia de hoje, sem preocupar-se com o futuro, sem nem ter a caixa cheia para
as necessidades do dia seguinte, ou, antes, a obriga a confiar inteiramente na bondade da Providência,
que até agora não lhe faltou.91
RECEITAS E DESPESAS – Cada ano trouxe um aumento no número das receitas e, por conseguinte,
permitiu estender as despesas.
7 de abril
1836
1837
1838
1839
1840
Despesas
1 495,55
2 112,60
3 509
4 234
1 153,95
Receitas
1 569,50
2 218,60
3 429
4 302,80
1 115,25
12 505,10
12 635,15
A Conferência não se limitou a levar aos pobres um alívio material; as exortações de seu
presidente, as do Sr. Pároco de S. Sulpice e de todos os eclesiásticos que, de vez em quando, vieram
visitá-la, tiveram por objeto constante gravar no espírito dos jovens a necessidade de exercer uma ação
moral sobre os indigentes, de trazê-los de volta à religião através da caridade, - e, ao grande número dos
membros da Sociedade de São Vicente, que tinham feito a si mesmo um bem espiritual inefável,
trabalhando à salvação da alma como à salvação do corpo dos que lhes são confiados.
SESSÕES – As sessões da seção de S. Sulpice se realizam, desde o dia 13 de dezembro de 1836, em
uma sala contígua à própria igreja. As sessões se abrem com uma leitura piedosa que, desde 1838, se
faz na “Vie de S. Vincent”: pareceu que em nenhum lugar se encontrarão exemplos mais lindos e mais
práticos de caridade que na vida deste grande padroeiro de todas as boas obras, que é também o
Padroeiro de nossa Sociedade inteira.92
91
O presidente não gosta muito de ver a caixa cheia. “Nunca deixamos amontoar dinheiro nela, nosso costume é
tratar só do dia de hoje, não contar com o dia de amanhã. Atribuímos freqüentemente socorros em dinheiro; a miséria
é tanta que não se pode socorrer por vales. Mas, na maioria dos casos, a Conferência vota socorros sobre fundos que
ainda não possui; a Providência provê.” Assemblées générales de la SSVP.,21 de julho de 1839, f.45.
92
Em uma carta a seu amigo íntimo, François Lallier, F. Ozanam escrevia de Lyon no dia 17 de maio de 1838 a
respeito das reuniões da Conferência de Lyon: “...lemos agora, em lugar da Imitação, a Vie de saint Vincent de Paul,
para melhor nos penetrar de seus exemplos e de suas tradições. Um santo padroeiro não é, com efeito, uma tabuleta
banal para uma Sociedade como um Saint Denys ou um Saint Nicolas para um bar. Nem é um nome honrado sob o
89
A distribuição dos socorros em natureza, as proposições e os pedidos de colocações ocupam a
maior parte da sessão que termina pela oração, assim como começou.
82- ao Sr. Pavie
V. Pavie, alma da Conferência de Angers. Esse zelo vem de Deus. Vida das Conferências: conselhos de
ordem prática. O que evoca o nome Joseph, que seu amigo deu a seu filho primogênito.
18 de maio de 1840
Meu querido Victor,
Como fico-lhe grato por ter-me escolhido como o intermedio de suas comunicações com nossa
pequena Sociedade central. Assim ganho cartas mais freqüentes de você e também a alegria de estar em
participação direta com o que nossos amigos de Angers e você sobretudo, meu caro irmão, fazem de bom
e de caridoso para nossos pobres protegidos. Lembro-me agora com certo acanhamento que eu não
ousava, durante o tempo que você habitava ainda aqui, falar-lhe dessa Sociedade, nem pedir-lhe para ser
membro dela. Temia que fosse pequena demais para você. Eu o prejudicava muito, considerando-o tão
pouco humilde. E aliás, tudo que diz respeito a Deus e à caridade é grande, e, apesar de diminuído muitas
vezes demais por minhas mãos fracas, fica seguramente bem mais elevado e mais digno de um coração
generoso do que os grandes interesses e os cuidados pretensiosamente tais que nos ocupam tão
geralmente. Você é a alma, dizem-me, da Sociedade de Angers. Bendigo a Deus por isso de bom coração,
mas sem nenhum elogio para você, pois o ardor puro e santo que está na sua alma, por tudo que é nobre
e bom, não foi você que o colocou ali, nem que o manteve, nem que o purificou cada vez mais com a
idade. É preciso, portanto, louvar somente a Deus que o ama e a quem somente você o está devolvendo
da melhor maneira possível.
O Conselho (perdão por uma palavra tão pomposa) reuniu-se somente ontem. Submeti-lhe seu
pedido. Por uma repugnância talvez exagerada de tudo aquilo que parece sinal de aliciamento e tenderia
a produzir-nos lá fora como uma sociedade que se exibe, tendo suas insígnias e seus meios de afiliação,
a maioria dos membros reunidos pensou que era melhor talvez abster-se de entregar entre nós
diplomas, títulos ou carteiras de admissão, que, para nós ao menos, não estávamos sentindo aqui
necessidade disso e que se, na sua região, como em Nancy ou num outro lugar, achassem útil esse
meio, deveriam providenciá-lo sem que a Sociedade central interviesse de modo algum. Encarregaramme expressamente, todavia, de dizer-lhe que esta opinião não incluía nenhuma censura a seu projeto e
que toda liberdade lhe restava para dar-lhe tal seguimento que a necessidade de sua ação local lhe
parecesse reclamar. Depois disso, acrescento que o retrato posto em primeira página de nossa Vie de S.
Vincent é a propriedade da obra de nossos aprendizes e que, se lhe conviesse para seus cartões
projetados, poder-se-ia tirar a quantidade que você desejasse sobre folhas que você imprimiria depois à
vontade. Essas gravuras ser-lhe-iam dadas por 15f por cem unidades sobre papel grande in-8o ou
pequeno in-4o.
Regulamentos lhe serão também enviados. Basta de Sociedade. Diga-me depressa agora algumas
notícias suas e dos seus familiares. Sua querida amiguinha participa ao menos pela metade em tudo o
que você faz, tenho certeza, e Joseph dará uma mãozinha também. Amo este querido menino só por
causa do seu nome. É um nome que significa simplicidade, humildade, obediência, alma reta, ingênua,
paciente, corajosa, alma interior e santamente recolhida.
Como seu Joseph será amável, querido por Deus, Jesus, Maria e os Anjos, se é lindo e bom como
seu nome! Enquanto isso, estou certo de que ele grita e chora, do jeito menos angelical possível. Amo-o,
no entanto, caro amigo, por toda sorte de razões; não preciso, não é, explicar-lhe todas?
Adeus, mil afeições ao seu redor, ao círculo íntimo e em seguida para mais longe, indo sempre
aumentando.
qual se possa ter boa aceitação no mundo religioso: é um exemplar que se deve esforçar por realizar, como ele
mesmo realizou o exemplar divino de Jesus Cristo. É uma vida que é preciso continuar, um coração com o qual é
preciso aquecer seu coração, uma inteligência onde é preciso procurar luzes; é um modelo na terra e um protetor no
céu; um duplo culto lhe é devido: de imitação e de invocação.” (carta 175, t.1, p.309).
90
Seu amigo e irmão
Le Prevost
83- ao Sr. Pavie
Notícias das famílias Pavie e Salva. O Sr. Le Prevost resume sua vida. Sua amizade com Gavard.
Paris, 28 de setembro de 1840
Querido Victor,
Aproveito a saída para Angers do confrade Macé para rabiscar-lhe às pressas algumas linhas.
Contava escrever-lhe para seu bom pai, mas, segundo o louvável costume de minhas pernas coxas, as
cartas chegaram à casa de Dona Ladame93, bem na hora em que o Sr. Pavie acabava de subir na
carruagem. Apresente-lhe, por favor, minhas desculpas e diga-lhe também todos os meus pesares. Não vi
ninguém de seus íntimos há algum tempo. Ignoro, portanto, se sua querida amiga deu uma irmãzinha ao
pequeno Joseph, irmã ou irmão, no entanto, pois não importa, Deus não deixando a escolha, faz o lugar
de uma ou do outro neste mundo e no coração dos que deverão acolher o pequeno ser recém-nascido.
Minha irmã querida está grávida também neste momento e bem perto de dar à luz. Terei portanto de
apresentar votos para as duas caras criaturas juntas. Oxalá o bom Deus as abençoe ambas e as acolha
com um terno amor.
Gostaria de ter muitas coisas para lhe dizer sobre mim, pois estou sabendo, caro amigo, quanto
lhe interessa tudo o que me diz respeito; mas, na verdade, não há história menos curiosa que a minha;
em conseqüência de meus gostos calmos e de meus costumes rotineiros, giro sempre e sempre no
mesmo círculo, sem fazer o menor ziguezague, nem para a direita, nem para a esquerda. Talvez isso seja
bom em certo sentido; mas para a narrativa, esse comportamento não se presta a isso de jeito nenhum. É
portanto preciso, caro Victor, que você se contente com este sumário geral. Nada muito bom, nada muito
ruim, saúdes medíocres, fortuna também, corações bastante calmos, desejo do céu e confiança em Deus.
É tudo isso, somente isso.
Sua vida, caro amigo, é menos insignificante, você evitará cuidadosamente portanto, em sua
resposta, inscrever assim apenas títulos de capítulo; aliás, tenho, você sabe, o espírito um pouco lento,
não desenvolvo nada, pego tudo e sem mais, como me é dado; conte com isso e detalhe bem. É disso
que preciso; os que amo, de quem gosto, nunca são demasiadamente longos.
Faz muito tempo que não vejo Gavard. Parecia-me que ele tinha tão pouca solicitude em me
procurar que isso me tirou a confiança de ir, eu mesmo, atrás dele. Ele é, porém, sempre amável e bom
quando nos encontramos; mas, com ou sem razão, ele me considera como um ser cujo poder é bem
limitado e só pode abraçar o que está bem perto dele. Isso é verdade, no fundo, confesso; no entanto,
creio que ele não cessara de estar perto de mim e que ele entrava bem na esfera que me é dado abraçar.
Isso não quer dizer, caro amigo, que me reconheço como um espírito exclusivo. Espero que não haja
nada disso. Amo, seguramente, de coração tudo o que minhas faculdades tão restritas não podem atingir.
Admito somente, quanto aos efeitos, que não atinjo muito longe. Você me aceita assim, você, meu caro
Victor, mas todos não são tão generosos e tão indulgentes.
Adeus, mil amizades a todos os nossos amigos ao seu redor; não é por minha culpa que não vi
Adrien Maillard por ocasião de sua última viagem. Desde que o soube em Paris, corri à casa de Dona
Ladame, mas mal ela o tinha visto e não conhecia seu endereço. O Sr. Sainte-Beuve me deu notícias de
Théodore, mas já um pouco velhas. Gostaria de ter umas mais recentes. Permaneço de coração no meio
de seu pequeno círculo interior e me digo, como sempre, ao abraçá-lo, caro Victor,
Seu amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
93
Proprietária da pensão de mesmo nome, situada no Quartier Latin, passagem do Commerce, 1, rua St André-desArts, onde estão hospedados seus amigos angevinos.
91
84- ao Sr. Levassor
Desculpas por não ter ido à sua ordenação sacerdotal. “Pobre leigo muito indigno”, o Sr. Le Prevost
conservou nostalgia por esse estado de vida ao qual não pôde aceder.
9 de outubro de 1840
Meu querido irmão,
Senti infinitamente não ter estado em casa por ocasião de sua rápida passagem em Paris, senti
também não ter podido ao menos vê-lo na carruagem, senti enfim sobretudo não ter ido a Chartres, como
o teria tanto desejado, para a sua ordenação. Rezei do jeito menos mal que podia, na capela do bom São
Vicente, a quem você é tão caro e com quem você vai, com certeza, cada vez mais se identificar. Essa foi
minha única consolação e é também meu recurso ordinário em todas as minhas impotências de espírito,
de vontade e de pernas, tudo junto.
Aguardava com uma viva impaciência uma carta de coração a coração. Nela você me dirá, caro
amigo, enquanto Deus lhe permitir, tudo o que esse divino Pai fez por você nesse grande dia de sua
consagração definitiva, e também nesse mui adorável sacrifício que lhe foi dado oferecer com nosso
Salvador. Oh! você não me dirá tudo, sinto bem; quem poderia tudo dizer em tal caso? Mas verei o
bastante para que minha alma seja edificada e meu coração cheio de alegria por causa de sua felicidade.
Diga-me também, caro padre, que você rezou por mim, pobre leigo muito indigno, e que você me
pôs no seio de nosso Deus, com todos aqueles que lhe são caros e que você tinha direito, nesse dia
sobretudo, de recomendar ao seu amor.
Preciso acabar rápido esta carta, caro amigo, embora me fosse doce prolongá-la. Escrevo-lhe
particularmente para perguntar o que quer fazer doravante para o aluguel de suas pobres protegidas. O
prazo venceu, elas gritam miséria; o que vou fazer? Diga-me isso, bem rápido, por favor.
Mil ternos sentimentos em N.S.
Seu irmão devotado
Le Prevost
85- ao Sr. Levassor
Pedido das instruções para suas três pobres protegidas. O mundo e Deus.
Paris, 28 de outubro de 1840
Meu caro amigo,
Seu silêncio prolongado me inquietaria um pouco se não considerasse que em meio a uma
situação nova, você deve ter muita falta de tempo. Limito-me portanto a reclamar o primeiro instante de
folga que puder me consagrar e peço-lhe somente, enquanto isso, alguma lembrança diante de Deus, pois
isso não toma muito tempo e custa bem pouco; Deus, porém, se contenta com isso e o leva muito em
conta. Quereria também duas linhas, duas somente, se não puder escrever três, para me dizer suas
intenções a respeito de suas boas protegidas. Nossa Conferência, estando com dívidas, não pôde fazer
nada para este trimestre. Tudo o que pude juntar se reduziu a 10f. Dei-os a Dona Meslin e fiz a mesma
coisa para Dona Delatre, mas ambas estão desesperadas por uma tal redução, Dona Delatre sobretudo. O
Sr. Hanicle, que a ajudava um pouco, acaba de ser chamado à paróquia de St-Séverin e não poderá
continuar ajudando-a, tudo lhe falta ao mesmo tempo. Veja, meu caro amigo, se, antes de tomar por aí
novos compromissos, o bom Deus não preferiria que você continuasse fazendo aqui um pouco do bem
que ele lhe aconselhou de fazer durante tantos anos.
Tudo vai aqui mais ou menos bem para nossa pequena Sociedade. O mundo ao nosso redor não é
bonito, mas Deus nos guarda, entregamo-nos em suas mãos.
Seu amigo afeiçoado e irmão em N.S.
Le Prevost
92
85bis- a um Confrade de São Vicente de Paulo
Contas da casa dos Órfãos-aprendizes.
Dia 22 de junho de 1841
Meu caro confrade,
Mando-lhe a nota que você desejava sobre as despesas e receitas da casa de nossos Aprendizes;
ela será o bastante, espero, para realizar seu objetivo.
Examinei se podia lhe dar detalhes mais explícitos e me convenci de que, sem um trabalho muito
demorado para o exame do registro, mês por mês, durante mais de cinco anos, isso não poderia ser
exato.
Acredite em meus bem afetuosos sentimentos.
Le Prevost
-86- ao Sr. d’Assonville94
Parabéns pelo nascimento do filho. A piedade para com a Virgem Maria, nas famílias. Deus e seu amor,
objetivo de toda existência humana. Confraria dos artistas. Deus e a arte.
[23 de julho de 1841]
Meu querido confrade,
Como você é amável, por nos ter comunicado logo o feliz evento que veio alegrar sua família e
trazer sobretudo a alegria em seu coração tão terno e tão amante. Acredite, querido amigo, que se eu sou
um pouco demorado para lhe responder, isso não impediu que tomasse vivamente parte na sua
felicidade. Todos os nossos confrades juntos rezaram pela criança recém-nascida, e do meu lado, a
recomendei a Deus, particularmente no tempo que você me havia indicado.
Sua terna piedade para com Maria lhe será bem paga seguramente, ela adotará essa criança que
você lhe deu, vigiará sobre ela e a guardará para o Senhor. Se em cada família costumes tão santos
fossem habituais, o mundo mudaria de face, tornaria a ser cristão e, com a felicidade da geração
presente, asseguraria ainda a das gerações futuras.
Tenha a bondade, caro amigo, de transmitir meus parabéns à Senhora d’Assonville e de me fazer
também lembrado por seu bom pai, cuja alegria toda partilho igualmente.
Temos recebido estes últimos dias notícias do Sr. de Cantricaut que, por sua vez, nos informa
que sua criança nasceu. É uma filha; Deus partilha seus dons; talvez essas duas queridas crianças
venham a se encontrar um dia no mundo como seus pais nele se encontraram. Possa seu caminho,
qualquer que seja, e seu destino neste mundo ser bom e levar bem direto ao objetivo de toda existência
humana: Deus e seu amor. É seu voto por seu filho, caro amigo, e associo-me a ele de coração.
Nossas pequenas associações vão sempre bastante bem; a Confraria dos Artistas que o interessa
em particular se mantém e progride; que alegria se alguma feliz reação pudesse realizar-se nas artes; se
os artistas subissem novamente enfim à única fonte do belo, compreendessem o fim verdadeiro da arte, a
grandeza de sua missão e a obrigação que tem todo ser humano dotado de gênio ou de talento de fazêlos servir a glorificar o autor desses dons, a engrandecer sua alma e elevar a alma de seus irmãos!
Estamos bem longe disso hoje, mas chegaremos talvez um dia. Se seu pequeno filho pintar como
você um dia, oh! como estou bem certo que você soprará em sua alma santas inspirações para
94
Pierre d’Assonville, confrade de São Vicente de Paulo, era artista-pintor. Acrescenta na carta: “chegada em Metz
neste dia 24 de julho de 1841”. A data, que falta, é o dia 23 de julho, ao mais tardar.
93
espiritualizar suas obras e dar-lhes o valor de atos morais, que pesam diante de Deus e são os únicos a
merecer também a glória e a estima dos homens.
Adeus, caro amigo, informe-nos das coisas que o interessam, e acredite no terno apego de
Seu devotado irmão em J.C.
Le Prevost
86.1- ao Sr. Bailly
Apresentação de um confrade ao Conselho Geral de Paris.
23 de julho de 1841
Sr. e caro Presidente,
Tenho a honra de lhe propor, para representar a Conferência de S. Sulpice no Conselho de Paris,
o Sr. Dufresne95, que substituirá, durante algumas semanas, o Sr. de Guinaumont, ausente pelo tempo
das férias. Não achei indispensável, para este curto ínterim, que o Sr. Dufresne tivesse o título de vicepresidente. Se, porém, você julgasse diferente, teria a honra de combinar com você sobre isso.
Sinto muito não poder assistir pessoalmente às sessões do Conselho, mas a hora das reuniões e a
distância que me separa do local onde se realizam, só me permitirão comparecer muito raramente. Aceito,
aliás, tudo o que nossos confrades unidos a você acharem útil para nossas pequenas obras e em nenhum
caso terei problema em conformar-me a isso.
Aceite, Sr. e caro Presidente, os protestos de meus sentimentos respeitosos.
Le Prevost
87- ao Sr. Levassor
Um jovem poderá ajudar o Sr. Levassor. “Pobre como um servo de J.C.”
10 de agosto de 1841
Meu querido irmão,
Procurei para você, conforme o pedido de Dona Delatre, um jovem que pudesse ao mesmo tempo
ajudá-lo na limpeza de sua casa e em seus catecismos. Não era fácil encontrar, mas acho enfim ter uma
boa pista. O Superior dos Irmãos me mandou, com recomendação, um homem de 32 anos, forte e de
semblante atencioso e doce, que foi outrora professor de escola e depois Irmão em São Nicolas, na casa
do Sr. Bervanger. Saiu dali somente por sua própria vontade, por causa dos cuidados excessivos que lhe
davam os 400 meninos dessa casa; todos os seus certificados exaltam sua piedade e seus bons
sentimentos.
Se você achar que ele lhe convenha, escreva, por favor, suas condições e o mandarei a você. Será
preciso pagar-lhe a viagem, pois ele é pobre como um servo de J.C. Desejo que sua resposta me venha
pelo primeiro correio. Esse excelente homem não pode esperar e tem recebido de mim a promessa de
que você não iria demorar em comunicar-se com ele.
Adeus, querido irmão, amo-o com ternura nos Corações sagrados de Jesus e de Maria.
Seu de coração.
Le Prevost
95
Secretário da Conférence St Sulpice, foi um de seus membros mais dedicados.Quando o Sr. LP. se tiver demitido
de seu posto de presidente, Dufresne resumirá: “A Conférence de Saint-Sulpice, era o Sr. Le Prevost.” (Edouard
Dufresne, M. Le Prevost, no folhetim do Monde, Paris, 25 de agosto de 1890). Elogio similar à máxima de Jules
Gossin, secundo Presidente geral da Sociedade: “quanto vale o Presidente, tanto vale a Conferência”.
94
88- ao Sr. Pavie
Compaixão por ocasião do falecimento do pequeno Joseph Pavie. Oração por Maria. Mistério e
fecundidade do sofrimento. “As horas de aflição são bem escolhidas para se ler mais grandemente nas
coisas de Deus”. Sua própria família também passa por provações.
Paris, 19 de novembro de 1841
Caro Victor,
Não sei que instinto de terna afeição me preocupava a seu respeito estes dias e parecia me avisar
que sua alma aflita chamava a si os que lhe são devotados. Não sentia nada de preciso, porém, a não ser
a necessidade de lhe escrever, e o teria feito, caro amigo, mesmo se sua carta não tivesse chegado, com
suas tristes revelações. Mas o que dizer a tais penas? Como impedir as entranhas de gemer? Como
esgotar tantas recordações graciosas e amargas que sem cessar voltam e tomam o lugar das doces
ilusões do futuro? Tenho medo, caro amigo, de não saber, mesmo com a ajuda de minha terna simpatia
por você, penetrar bastante nessas profundezas. Há na sua carta expressões tocantes, que são para mim
como uma luz sobre essas potências da alma, que são fonte de amor e de sofrimento; mas sinto que não
acompanho sua querida esposa e você até o fim último: um coração de mãe tem abismos que só Deus
pode sondar.
Oh! Possa o Senhor descer bem intimamente nas suas duas almas que ele fez e redimiu, e tocálas com sua mão divina para consolá-las e curá-las. Sim, caro amigo, fiz-lhe esta prece e, como hoje é um
dia de Maria, véspera de um outro dia dedicado também à sua memória, rezei a Maria, mãe também,
para que o gládio que os traspassa manifeste ao Senhor todo o amor, toda a resignação de seu sacrifício
e o torne precioso diante dele. Nas horas de piedosas efusões você disse várias vezes: “Ó Deus, o que lhe
retribuiremos? O que há em nós de caro e íntimo, fosse no fundo de nossas entranhas, que não lhe
ofereçamos? E o Senhor estendeu a mão, pegou o dom oferecido. Não o lamente, caro amigo, ele o
tomou para si, isso é para a eterna felicidade. Que pena que ele não tome ainda tudo o que somos, e
tudo aquilo que temos, pois a vida está nele e procuramos a vida, pois Ele é o amor e nossas almas
suspiram só pelo amor. O doce anjo o sabe agora: que ele o revele àqueles que deixou, que paire sobre
vocês e seja como o anjo da guarda de seu lar, que ele o torne ainda mais santo e os faça aspirar pelo
céu que é sua morada e onde seus ternos carinhos os esperam.
É assim que você encara, vejo-o bem, este ato da vontade divina. É um passo a mais, diz você;
sim, todo sofrimento, toda dor é um passo. Arrastamo-nos, não se anda de outro jeito. Mas nesta via,
após alguns degraus ultrapassados, os olhos se abrem e mergulham na imensa verdade. O mistério da
cruz revela sua sublimidade e a alma entra na posse da felicidade prometida. Bem-aventurados os que
choram, sim, bem-aventurados pela alegria do sacrifício, pela alegria do despojamento, do amor
submetido e dedicado, que se imola por aquele que ele ama e o glorifica submergindo tudo nele.
As horas de aflição são bem escolhidas para se ler mais grandemente nas coisas de Deus.
Permita-me, caro amigo, sugerir-lhe, para leitura íntima, um livro que foi indicado a mim mesmo por um
homem grave e santo, e cuja substância, creio, lhe irá bem. É o Intérieur de Jésus et de Marie, pelo Pe.
Grou. Esse título não é muito atraente, mas não pare aí. Conheço-o mal, ou essa pura e santa
contemplação da alma do divino Mestre lhe convirá. Para abreviar, vou passar no livreiro e encarregá-lo
de remeter um exemplar dessa obra à casa do Sr. Leclerc, com pedido de lho fazer chegar. Aceite, caro
amigo, este dom singelo de seu irmão afeiçoado.
Você tem tantas penas, caro amigo, preciso lhe dizer também as minhas? Minha boa e venerada
mãe, com perto de oitenta anos de idade, está abatida. Recupera-se penosamente de uma doença e
começa a se levantar um pouco cada dia. O marido de minha irmã, de cama há quatro meses, sofre de
um problema cardíaco que apresenta os sinais mais alarmantes. Minha irmã, entre minha mãe e seu
marido, fraca e franzina como é, não se deitava mais estes últimos tempos. Ela vigiava numa poltrona,
indo de um à outra. Em todo o caso, uma tão longa interrupção faz um prejuízo irreparável a meu
cunhado, para sua carreira, e o embaraço se introduz em seus negócios. A educação dos filhos reclama
sacrifícios; ajudarei nisso um pouco, mas eu mesmo não tenho tanta fortuna e saúde.
À minha vez, caro amigo, peço suas orações por minha família e as também de sua querida
amiga. Esta terna troca de orações fará crescer a caridade entre nós e nos aproximará de Deus,
estreitando ainda mais nossos laços. Minha mulher toma uma terna parte em suas penas, nas da Senhora
95
Pavie, sobretudo. Que pena, não poder lhe prometer também suas orações. Oh! caro amigo, imploro a
você, peça por ela essa graça que nos leva a orar. Respeitosa lembrança a seu pai, e a vocês dois minhas
mais caras amizades.
Seu irmão em J.C.
Le Prevost
88.1- à Sra. Bailly
Pagamento da Vie de S. Vincent-de-Paul.
21 de novembro de 1841
Sra.,
Tenho a honra de propor que os juros da importância de 3 000f, pertencentes aos nossos
órfãos, já vencidos há bastante tempo, sejam aplicados, como no ano passado, para o pagamento das
despesas de impressão da Vie de S. Vincent de Paul. Peço-lhe, portanto, Sra., que tenha a bondade de
entregar ao portador deste bilhete um recibo de 150f a valer sobre o que fica para pagar.
Aceite, Sra., os novos protestos do respeito com que sou
Seu muito humilde e muito obediente servo
Le Prevost
88.2-96 a um Confrade de S. V. de P.
Breve relatório sobre a situação e as obras da Conferência S. Sulpice.
Paris, 1o de dezembro de 1841
Meu caro Confrade,
Tenho a honra de mandar-lhe a nota dos membros admitidos na Conferência de S. Sulpice desde
a última assembléia geral. O Sr. Bion, advogado, nosso tesoureiro, enviar-lhe-á quanto antes a nota de
suas receitas e despesas.
Teria querido juntar a esses números alguns detalhes mais interessantes, mas neste momento do
ano sobretudo, quando mal começamos a nos reunir, não temos muitos fatos dignos de serem notados.
Todos os nossos membros ainda não estão reunidos, contamos com apenas 80 deles ao invés dos 120
que tínhamos antes das férias; mas é somente à época pouco adiantada da estação que essa diminuição
se deve, acho eu; o mesmo zelo e o mesmo ardor que pelo passado parecem animar todos os nossos
Confrades de S. Sulpice e tenho confiança de que nossos pobres só terão que se beneficiar dos esforços
de sua caridade.
Temos atualmente 170 famílias sob o nosso patrocínio, e uma lista de mais 200 outras que
aspiram a serem adotadas sucessivamente.
A vigilância, na escola dos Irmãos, das crianças pertencendo às nossas famílias, é organizada em
nossa Conferência e exercer-se-á regularmente para o maior bem dessas crianças.
96
Levava o no 88-1 bis nos tomos IX e X da precedente edição das Cartas.
96
Aceite, meu caro Confrade, a certeza de todos os meus sentimentos bem devotados.
Le Prevost
88.3- ao Sr. de Baudicour97
Fundação da “Conférence des étrangers” em Roma.
Paris, 2 de março de 1842
Meu caro confrade,
O Sr. padre Véron, nosso confrade, que reside atualmente em Roma, me escreve que após os
maravilhosos acontecimentos que acabam de realizar-se nesta cidade e que tocaram todas as almas98, o
Pe. de Villefort teve a feliz idéia de formar novamente uma Conferência de S. Vicente de Paulo,
compondo-a de tal sorte que não tenha que recear, como na primeira vez, por uma dissolução.
O Sr. Barão de Bock, alemão protestante convertido, foi escolhido como presidente e o Príncipe
Borghèse, como tesoureiro. Fundos consideráveis já foram reunidos e alguns primeiros trabalhos
começados. Entregar-lhe-ei sexta-feira, na Conferência das Missões, a carta do Sr. Véron, que contém
detalhes de interesse geral para nossa Sociedade. Enquanto isso, peço-lhe para preparar o envio que ele
reclama, de várias dúzias de exemplares do Regulamento, assim como uma carta que abrirá os relatórios
entre esta nova Conferência e o Conselho Geral.
Eis o endereço: Sr. Padre Véron (Dietro la Tribuna di Tor de Specchi, 13) ROME.
Adeus, meu caro confrade; peço-lhe juntar esta carta à sua remessa,
Seu todo devotado confrade em N.S.
Le Prevost
P.S. Não sei se você teve a bondade de responder ao Sr. de Guizeuil, Presidente de Besançon.
88.4- ao Sr. Bailly
Difusão da Vie de S. Vincent-de-Paul.
Sábado 16 de abril de 1842
Sr. e amigo,
O Sr. Olivier não teve condições de pagar sua dívida para a Vie de S. Vincent de Paul, mas me
prometeu que logo teria entradas de fundos.
Ele se queixa muito de que seja oferecida a obra em diversos lugares por 3f 50, e um livreiro, ao
qual ele tinha entregue alguns exemplares, lhos devolveu dizendo que não mais podia colocá-los após um
tal desconto.
Acho que haveria um grande prejuízo a esta edição agindo assim. Escrevi ao Sr. This, para pedir
que use de prudência, pois suponho que isso vem dele. Talvez a gráfica fizesse bem em não entregar-lhe
novos exemplares. Se se pudesse chegar a algumas conclusões, isso seria o melhor, pois, com tantas
pessoas interferindo na obra, se estragará, receio, alguma coisa.
97
Esta carta, do dia 2 de março de 1842, descoberta por ocasião da anotação das Lettres de F. Ozanam, vem colocarse antes da do dia 16 de abril e da do dia 15 de maio. As antigas 88-2 e 88-3 do tomo IX, se tornam 88-4 e 88-5.---Louis Collette de Baudicour (1815-1883), advogado, era desde 1838 secretário do Conselho de direção (em seguida
Conselho geral a partir de 1840) da Sociedade de São Vicente de Paulo, onde substituíra François Lallier. Ficará
neste posto até o ano 1853.
98
O Sr. LP. alude à célebre conversão de Marie-Alphonse de Ratisbonne, filho de um banqueiro judeu, no dia 20 de
janeiro de 1842, (na igreja de S. Andrea-delle-Fratte)., seguida por seu batismo no dia 31 de janeiro (na igreja do
Gesù).
97
Sentimentos respeitosos e devotados de
Seu muito humilde servo e amigo
Le Prevost
88.5- ao Sr. Bailly
Apresentação de um confrade para representar o Sr. Le Prevost na reunião dos presidentes.
Paris, 15 de maio de 1842
Sr. e caro Presidente,
O Sr. Dufresne, que me substituía na reunião dos presidentes, estará doravante impedido de fazêlo; tenho a honra de apresentar-lhe, em nome da Conferência de S. Sulpice, o Sr. Deslandres, um de
nossos membros mais assíduos e mais zelosos. Ele entregará regularmente à assembléia as notas que
tivermos para transmitir e receberá, em troca, as que quiserem nos dirigir.
Aceite, Sr. e caro Presidente, os novos protestos de meus sentimentos respeitosos e devotados.
Le Prevost
89- ao Sr. Levassor
Disposições cristãs da família do Sr. Levassor. Orações a Notre-Dame de Chartres para ele e sua própria
família. Festa de São Vicente de Paulo. Falecimento de uma de suas protegidas.
Paris, 21 de julho de 1842
Meu querido amigo,
Pensando que seu irmão estava encarregado por você, como de costume, de me mandar a
pequena importância que você concede para o aluguel das pobres Senhoras e para Dona Meslin, tinha-lhe
escrito a esse respeito. Ele me responde que pensa seriamente que os 75f estão à minha disposição,
segundo o costume, mas que, no entanto, ainda não recebeu sua carta sobre esse assunto. Peço-lhe,
portanto, meu querido irmão, que me escreva uma palavra sobre o que devo fazer.
Seu excelente irmão me explica, com muita calma e bondade, as razões que o impedem ainda
para um tempo de se associar aos nossos confrades de São Vicente de Paulo e, por sentido que eu fique,
não posso deixar de achá-las excelentes. O espírito mais cristão reina nesta carta e alegro-me muito,
caríssimo amigo, por ver que você tem um irmão tão ternamente dedicado, com todos os seus, ao nosso
divino Senhor. Um comerciante bem piedoso, verdadeiramente piedoso, é extremamente raro, em Rouen
sobretudo, e é um sinal todo especial da bondade de N.S. que esta feliz exceção aconteça em sua família.
Esse pensamento deve consolá-lo nos momentos de aridez e nos trabalhos rudes do santo Ministério.
Suas orações não ficam sem dar fruto, visto que obtêm ou concorrem para obter resultados tão preciosos.
Reclamo sempre alguma pequena parte delas para mim, indigno cristão, e para minha pobre mulher, que
necessita sempre muito delas. Notre-Dame de Chartres, se você orasse um pouco ternamente a ela,
obteria também para minha casa uma bênção como a que favorece sua família. Peça-a, suplico, você que
é sacerdote do Senhor, homem de oração e nosso intérprete junto a Ele.
Nossas pequenas obras vão sempre bastante bem. Antes de ontem, nosso Santo Padroeiro nos
tinha reunido em grande número em sua capela. A assembléia era, como de costume, muito edificante e
cheia de consolação. Quatro prelados reunidos, as boas filhas de São Vicente, os padres Lazaristas e
todos os seus seminaristas, mártires aspirantes, e nós enfim que amamos um pouco também nosso divino
Mestre, tudo tinha um só coração e uma só alma. Com certeza Deus estava no meio de nós.
Adeus, meu caro amigo, sua pobre Dona Dorne morreu bem piedosamente; é o fruto de sua
pobreza que redime as fraquezas da natureza e também a recompensa de sua piedosa caridade.
98
Sou nos Santos Corações de J. e de M.
Seu irmão devotado
Le Prevost
89.1- ao Sr. Bailly
Venda da Vida de S. Vicente de Paulo.
Paris 16 de agosto de 1842
Sr. e amigo,
Chega de todos os lados a notícia de que a Vie de S. Vincent é dada pelo Sr. Debécourt, por
Lebigre e outros livreiros que a recebem de você, por 2f 50 e até menos. Um tal abatimento põe a
perder completamente esta edição e excita a viva reclamação dos livreiros que receberam alguns
exemplares por um preço mais elevado e que só poderão se desfazer deles perdendo. Todavia, tínhamos
combinado formalmente que, partilhando o resto da edição, não abaixaríamos o preço mantido até
então, a não ser por acordo entre a Sociedade e você. Sinto tanto mais seu esquecimento dessa
promessa, que a Sociedade vai se achar na impossibilidade de recuperar o adiantamento que fez de
4.500f ; os 1500 exemplares que são a sua parte não podem mais representar agora essa importância.
Meu último voto era que ao menos não houvesse perda para nenhuma das duas partes; é preciso
renunciar a isso; fico vivamente triste, pois tenho certeza de que, abaixando somente um pouco e de
comum acordo o preço da obra, poderia-se ter aproveitado bem dela.
Recebi estes últimos dias uma pequena importância de uns 125f para livros da livraria Périsse.
Apressar-me-ei a entregá-la a você, logo que o desejar, com a nota do que ainda deve esta casa; só
receio que ela renove suas reclamações a respeito do abatimento e recuse, para o resto, de manter as
convenções adotadas entre ela e eu.
O Sr. Olivier também reclamou muito vivamente; mas seus pagamentos se terminaram. Restaria
para examinar se a eqüidade não exige que se faça algum retorno a seu favor.
Aceite, Sr. e amigo, os protestos de meu sincero e respeitoso devotamento.
Le Prevost
P.S. Comigo e com o antigo vigilante de nossos meninos, sobram uns trinta exemplares que guardarei, se
aceitar; devem ser calculados sobre os 1500 que vão à Sociedade. Pedem-me alguns desses volumes,
mas não sei mais a que preço vendê-los; tínhamos proposto 4f para as Conferências e 5f para fora; qual a
taxa a seguir agora? Diga-me uma palavra de aconselhamento a esse respeito, por favor.
90- ao Sr. Pavie
Cuidados por um jovem relojoeiro cristão. Elogio à família, “uma das obras mais belas, mais santas do
nosso mundo”. À sua mulher falta ainda “o único necessário”.
Paris, 1o de setembro de 1842
Caríssimo Victor,
O Sr. Padre L., que viera me ver em nome do amigo M., vai voltar. Embora seja um pouco tarde
agora para dar-lhe uma carta, como teria querido, rabisco ao menos estas duas palavras de lembrança, a
fim de interromper um silêncio que você tem a bondade, espero, de achar longo assim como eu.
Seu jovem relojoeiro é um pouco causa disso; depositou sua carta em minha casa durante minha
ausência. Esperava-o, o espero ainda. Fiquei com saudade dele. Tinha falado dele a dois colegas
relojoeiros. Sem dúvida, ele terá achado depressa uma colocação. Espero que isso será bem, sendo que
esse excelente jovem é cristão e sob a guarda de Deus. Gavard, que entrevejo através das colunas da rua
99
de Rivoli, me deu algumas vezes notícias suas e da família. Tudo está para melhor, me assegura ele.
Tenho uma alegria extrema por isto. Vocês merecem tanto, todos, formar uma boa, numerosa e exemplar
família, guardando as tradições, sem desprezo pelo presente. Há poucas desse jeito. É, creio eu, uma das
obras mais belas, mais santas do nosso mundo. Cuide bem, caro amigo, para que nada a estrague entre
vocês, a fim de oferecê-la completa ao Senhor.
Quanto ao meu pequeno lar, está todo disperso: minha mulher está no campo, há quinze dias e
deve ficar até meados de outubro. Ela vai bem ou quase bem agora. É mais forte do que eu, que me
arrasto muitas vezes. Somos, aliás, crianças bastante boas, meigas uma para a outra. Uma só coisa
ainda falta, infelizmente, é o único necessário e só Deus o dá cedo ou tarde. Não é verdade, caro amigo?
Ele o dará.
Quereria dizer-lhe algumas palavras
sobre as conferências que prosperam e fazem
verdadeiramente um pouco de bem, mas é preciso terminar. A algum próximo correio o resto!
Aqui ainda, porém, as mais ternas afeições para você e sua cara Louise e seus caros filhinhos,
com muita amizade devotada também para seu bom irmão Théodore e todos os nossos amigos.
A você de todo o coração.
Le Prevost
91- ao Sr. Levassor
Disposições financeiras concernentes à Conferência. Notícias de sua saúde e de suas obras de caridade.
Paris, 16 de setembro de 1842
Meu caríssimo amigo e irmão,
Seu silêncio, após minha última carta, me deixou incerto sobre os meios que você queria tomar
para fazer chegar até mim o dinheiro destinado a suas pobres Senhoras. Limitei-me, em conseqüência, a
fazer o adiantamento puro e simples dos 30f necessários aos aluguéis e não mandei pegar nada com o Sr.
seu irmão, embora lhe tivesse escrito para dar-lhe um aviso contrário.
Terei, estes dias, que reclamar novamente sua mediação obsequiosa, para fazer chegar uma
pequena importância à Normandia. Peço-lhe, portanto, caríssimo amigo, para me escrever o quanto antes
para me dizer em que termos devo fazer meu pedido. Trata-se de saber se, primeiro, será preciso
deduzir, sobre o dinheiro que ele tiver a bondade de encaminhar para cá, para mim, os 30f que adiantei
para o último trimestre. Preciso saber, também, quanto ao trimestre cujo prazo vai vencer, se se deve
também fazer a dedução.
Ficar-lhe-ei sinceramente obrigado, caro amigo, se me escrever logo, pois a pequena disposição
que tenho a tomar, de meu lado, para a Normandia, vai ser bastante urgente.
Estou bem feliz que esta ocasião o obrigue a me dar notícias, porque você me faz muito jejuar
delas. Você derrama em abundância os conselhos e as palavras edificantes sobre todos aqueles que o
rodeiam e sobre outros ainda, sem dúvida, por suas correspondências; este santo alimento seria
certamente bom para mim também e se, por sobriedade espiritual, não o solicito com ardor demasiado,
acredite, caro amigo, que ele, no entanto, me reconfortaria muito maravilhosamente. Estou quase sempre
sofrendo e tão fraco das pernas e do espírito, que não faço quase mais nada em obra de caridade. A
inutilidade de minha vida pesa às vezes sobre mim e tenho a necessidade de me lembrar que devemos
estar como o quer nosso divino Mestre, e não como nos agradaria a nós mesmos.
Quanto a você, caro amigo, trabalha corajosamente na cura das almas e está entre os operários
da vinha santa. Abençôo de coração por isso nosso bem-amado Senhor e peço-lhe, como seu irmão e
terno amigo, para me dar uma pequena parte nos seus méritos.
Adeus, caro amigo, sou nos divinos Corações de J. e M.
Seu irmão devotado
Le Prevost
100
91.1- ao Sr. Bailly
Propõe um confrade como possível presidente de uma das Conferências.
Sr. e amigo,
Paris, 24 de setembro de 1842
Você não respondeu à minha última carta, mas, sem rancor, dirijo-lhe uma segunda, que, se
precisar, farei até seguir por uma terceira.
Esta é para dizer-lhe que um de nossos confrades da Conferência das Missões, o Sr. Bourlez,
deixou este bairro para residir na Place du Panthéon, n. 1, o que o obrigará a se ligar a uma das
Conferências do bairro St Jacques.
O Sr. Bourlez é uma pessoa de 40 anos, instruído e de modos muito amáveis. Ele era preceptor
dos filhos da família de Villequier que o viu partir com um extremo pesar no momento de seu casamento.
Ele presidiu algumas vezes a Conferência das Missões na ausência do Sr. Ferrand99, e o fez de maneira a
provar que poderia fazê-lo às mil maravilhas por conta própria.
Se, como me dizem, St Médard e St Jacques du Haut-Pas vão se achar sem Presidente, você
julgaria talvez útil olhar para ele para um ou outro lugar.
Dou aqui, aliás, uma simples informação, de que você fará tal uso que achar bom.
Sou como sempre, com um sincero devotamento
Seu respeitoso servo e amigo
Le Prevost
92- ao Sr. Levasssor
Envio de uma estátua da Virgem. Escolha de um pregador. Precisando as contas para as pobres visitadas.
Um confrade de S. Sulpice se faz missionário.
Paris, 17 de janeiro de 1843
Meu querido irmão,
Causou-me um duplo prazer realizar seus pedidos, porque concernem à glória de Deus em
primeiro lugar, e depois, porque achava a ocasião de lhe ser útil. O Sr. Dubucoy, que vi ontem, me disse
que não desejava nada melhor que lhe enviar o grupo de Nossa-Senhora das Sete Dores, mas que
precisava, antes de tudo, saber se a capela onde devia ser colocado estava pronta e sobretudo conhecer
as dimensões de uma maneira precisa, em largura e altura, do lugar que se lhe destina, a fim de saber
com certeza se ele poderá convenientemente ser adaptado a esse local. Parece-me um pouco que você já
lhe tinha mandado essas informações; mas, como ele parece ter inteiramente esquecido isso, precisaria,
nesse caso, caro amigo, se resignar a recomeçar.
O Sr. Duquesnay, de seu lado, está muito disposto a fazer os sermões que você deseja, mas teme
que seu superior, o Sr. Padre de Rauzan, a quem se deve dirigir, recuse. Para evitar esse golpe, ele crê
prudente que a carta escrita a seu Superior seja enviada a ele mesmo, (Sr. Duquesnay, rua de la Planche,
15) num envelope, para que ele possa entregá-la pessoalmente ao Sr. de Rauzan, acompanhando-a de
algumas explicações que aplainariam talvez as dificuldades. O primeiro domingo de fevereiro é reservado
para Versailles, mas os dois seguintes ainda estão livres. Apresse-se portanto, caro amigo, em ajustar-se
99
Amédée Ferrand de Missol (1805-1882), doutor em medicina em 1828, ordenado padre em 1856, começou a se
relacionar com o Sr. LP. em 1839 mais ou menos. Acabava de ser designado como presidente da Conférence S.
François Xavier des Missions. Uma vez viúvo, dá todo o seu tempo livre à visita dos pobres e dos doentes. Ouve um
dia o Sr. LP. confiar-lhe seu desejo de ver surgir uma congregação para continuar as obras fundadas pela Sociedade
de São Vicente de Paulo. Aceita reunir em sua casa, rua S. Sulpice, no 18, alguns confrades para estudar juntos um tal
projeto. Foi a origem da “Réunion intime”, da qual fez parte o futuro Pe. Olivaint. Acabará dispersando-se (cf. VLP,
I, p.131).
101
à situação. Aqui, meu trabalho foi bem recompensado, pelo fato de travar conhecimento com o Sr.
Duquesnay que é um homem de verdadeiro talento e ao mesmo tempo um dos mais amáveis e dos mais
dedicados padres que eu conheça e que se possa ver.
Ainda não pude quitar inteiramente suas pequenas contas para as boas Senhoras, porque ainda
não sei o que podia ser devido para Dona Meslin. Mas entreguei à Senhorita Montvoisin 33f, a saber: 18f
para adiantamentos que ela tinha feito, segundo seus antigos costumes, antes da recepção de sua carta,
e 15f para o trimestre, segundo suas últimas instruções. Para o aluguel de Dona Delatre, que não é de
22,50 mas de 27f 50, será necessário, caro amigo, que você doe doravante 16f e não 15, a fim de que
possamos, de nosso lado, fazer uma pequena diminuição proporcional. Se for do seu agrado,
resolveremos a coisa assim, doravante. Desta vez, estou mais do que em condições, seu irmão me
entregou 75f, dos quais até agora remeti somente 49f à Senhorita Montvoisin, sendo 33f para ela mesma
e 16f para o aluguel de Dona Delatre. Ficariam portanto para mim em caixa 26f, se nada é devido para
Dona Meslin. Direi isso exatamente a seu irmão, quando lhe escrever por ocasião do próximo vencimento.
Adeus, caríssimo amigo, termino reclamando sempre uma parte em suas orações, para mim e
pelo que me toca particularmente. Desejaria mesmo chegar a amar a Deus de coração e em verdadeira
simplicidade; peça-lhe esta graça, embora miserável como sou; eu também oro por você.
Seu irmão em J.C.
Le Prevost
P.S. Nosso irmão Estève acaba de entrar nos Jesuítas para tornar-se missionário.
92.1- ao Sr. Bailly
Anúncio do falecimento de um confrade.
Paris, 3 de fevereiro de 1843
Sr. e amigo,
A Conferência S. Sulpice acaba de perder um de seus membros, o Sr. Laurent, arquiteto;
sucumbiu ontem a uma febre tifóide. Ele estava muito bem disposto espiritualmente.
Seu enterro realizar-se-á amanhã, sábado, às 8 h. em ponto, na Capela do hospício Necker.
Premidos pelo tempo, podemos avisar somente os membros de nossa Conferência.
Sentimentos respeitosos e devotados.
Le Prevost
102
93- ao Sr. Maignen100
Encontro marcado para uma conferência do Padre de Ravignan.
[12 de abril de 1843]
Me afirmam, meu caro confrade, que a instrução do Sr. de Ravignan101 começa às 7h1/2 e que a
multidão é muito grande. Penso portanto que será conveniente, amanhã, partir um pouco mais cedo do
que havia sido combinado. Chegarei às 6h. e 45m. à igreja dos Lazaristas, que está mais diretamente no
seu percurso102 e o esperarei ali, se você mesmo ainda não estiver ali.
Seu bem cordialmente
Quarta-feira 5h.
Le Prevost
94- ao Sr. Maignen
Convite insistente103 a vir encontrá-lo, para dissipar um mal-entendido.
[1843]
Paris, sábado de manhã
Caro confrade,
Você tem sido muito áspero comigo todos estes dias. Várias vezes me inquietei, pensando que
novamente você estivesse indisposto. Venha, por favor, após seu almoço, me assegurar que não há nada
disso; resolveremos juntos nossas pequenas disposições.
Le Prevost
95- ao Sr. Maignen
Reunião dos operários em S. Sulpice.
20 de maio de 1843
O Sr. Le Prevost, lembrando-se que o Sr. Maignen testemunhou o desejo de assistir à reunião
dos operários104, o informa que ela realizar-se-á domingo em S. Sulpice e se oferece para acompanhá-lo.
100
Maurice Maignen (1822-1890), nasceu em Paris, no bairro dos Halles. Artista (herdou esse dom de sua família),
fica obrigado a ganhar penosamente a vida dos seus. Acabara achando um lugar na administração, quando conheceu
o Sr. LP. em abril de 1843. Subjugado pela personalidade do Sr. LP.
(“fiquei tocado somente pela afabilidade
e o encanto delicado de seu acolhimento”), M. Maignen vai recuperar a fé através de seu contato. Entusiasta,
inventivo e generoso, aquele que o Sr. LP. chamará seu “filho espiritual” colocará toda a sua fé e sua caridade ao
serviço dos aprendizes e operários. Desde o ano 1858, introduzirá a questão social no seio do movimento das obras
para a juventude operária, estimando que essas obras não devem se contentar em fazer “rezar e brincar” os
aprendizes, mas devem também “apoiá-los pela assistência profissional”. Mais tarde, em 1871, inspirará a La Tour
du Pin e Albert de Mun fundar a Obra dos Círculos Católicos Operários, que dará um novo impulso ao movimento
católico social do fim do XIXo século.
101
Gustave-Xavier de Ravignan (1793-1858), advogado, jesuíta em 1822, sucessor de Lacordaire nas conferências de
Quaresma, em Notre-Dame de Paris, de 1837-1846. Levará de bom gosto sua colaboração às obras do Instituto, à
Santa Família por exemplo. Pregará, no dia 4 de maio de 1855, em Nazareth, um de seus últimos sermões de
caridade.
102
No envelope, o endereço indicado é o 155 rue de Sèvres, Paris. M. Maignen mora ali, “num antigo hotel dividido
em uma multidão de pequenos alojamentos e de oficinas”. Quanto ao Sr. LP., reside a uns passos, no n.98, rua du
Cherche-Midi.
103
No canto esquerdo da carta, se pode ler: urgente, a entregar no período da manhã.
104
Trata-se de uma reunião da Sociedade de S. François-Xavier, criada em 1840 para o bem espiritual dos operários.
Até em 1848, juntou milhares de operários nas grandes cidades da França, Paris, Lyon, etc. Armand de Melun e o
103
No caso de o Sr. Maignen aceitar esta proposta, deveria ter a bondade de estar na Rue du
Cherche Midi, 98, às 15 para as 7h. da noite.
O Sr. Le Prevost renova a seu caro confrade os protestos de seus sentimentos devotados.
95.1- ao Sr. Bailly
Solicitado para tomar sua sucessão, o Sr. Le Prevost não pode aceitar.
Paris, 20 de maio de 1843
Sr. e amigo,
Você procurou entre nós um membro que desse prova de dedicação por nossa cara obra de São
Vicente e, lembrando-se de que já passamos juntos muitos dias, tanto bons como ruins, você voltou-se
para mim105.
Sua confiança me tocou vivamente e, se escutasse apenas um primeiro impulso do coração,
aceitaria sem hesitar a tarefa que você queria me dar; mas aqui, a vontade não basta, precisa-se de
meios que respondam à importância da obra e esses meios me faltam. Você sabe que minha saúde é
débil106; mais, verdadeiramente, que isso parece ainda. Você conhece também alguns dos cargos
impostos à minha fraqueza, mas não enumerei todos. Eu tentaria a Providência se fosse além, e
comprometeria a obra tão excelente da qual aceitaria a responsabilidade.
Estou sinceramente triste pelo momento de embaraço que esta recusa pode lhe causar, irei vê-lo
o quanto antes, para procurar com você, se você consentir, os melhores meios que podem estar a seu
alcance; mas tenho grande confiança aliás na proteção divina que nunca nos faltou e que há 10 anos nos
amparou e desenvolveu. Desejamos o bem e nos oferecemos a Deus para cumpri-lo; Deus não nos
rejeitará; nós o suplicaremos aliás, e eu sobretudo, que posso tão pouco de outro jeito, darei por essa via
tudo o que me resta e de ardor e de forças.
Aceite, Sr. e amigo, os protestos acostumados de todo o meu respeitoso apego.
Le Prevost
96- ao Sr. Maignen
Reunião da Sociedade de S. François-Xavier para os operários, na igreja S. Sulpice.
21 de maio de 1843
O Sr. Ferrand me escreve que se quisermos vir às 6h. na sala dos operários, ele nos fará entrar
por aquele lado; de outro jeito, a multidão será tão grande pela entrada comum, Rue Palatine, que se
chegará à nave somente com dificuldade. Preferiria aceitar esta proposta, mas talvez você não possa
estar livre a tempo; nesse caso, tentaremos a sorte pelo outro lado.
Domingo, 4h.
Le Prevost
visconde de Lambel foram seus principais obreiros. Tomará cada vez mais o caráter de uma sociedade de auxílios
mútuos e de educação popular. O principal de seus animadores foi François Ledreuille. (Duroselle, Les débuts du
catholicisme social en France, p.244 e ss.).
105
Desde 1840, Bailly tinha encarado se demitir, mas adiava sua decisão. Intervirá um ano após esta carta, no dia 9
de maio de 1844.
106
Mais do que as razões de saúde invocadas, M. Maignen relata que, nessa época, “o Sr. LP. já meditava a criação
de um instituto religioso.”
104
97- ao Sr. Pavie
Nascimento na família Pavie. A família do Sr. Le Prevost. Essas amizades e afeições familiares, ele as
vive em Deus; cuida para que “se purifiquem nEle”. Simplicidade e humildade das pequenas obras de S.
V. de P. que estão bem “no espírito cristão.”
Paris, 23 de maio de 1843
Meu querido Victor,
Fico sabendo por Gavard que uma nova alegria é concedida à sua casa e que você é agora pai de
três filhinhos. (Me perdoe o grande Maurice107 por falar dele de modo tão livre). Não preciso, caro amigo,
dizer-lhe como estou feliz de sua felicidade. Não perdi o costume de me envolver em tudo o que lhe
interessa e até onde sua terna intimidade mo permite. Quase tinha vontade de repreendê-lo um pouco
por não me ter escrito você mesmo; mas, caro amigo, confio em você para me determinar a parte que me
deve caber. Não esqueça, quando me responder, de me dizer que sua querida mulher vai bem, que com
os que a cercam ela é ainda mais amável, se é possível, e mais querida por você.
Você quer, caro Victor, que, em compensação de suas efusões, eu lhe fale também do que me
toca. Não sou tão rico como você. A Providência que mede seus dons, segundo sua sabedoria, me traçou
uma via, que devo seguir bendizendo, por já ter feito tanto por mim que mereço menos. Minha mulher vai
bastante bem, embora sofrendo um pouco cada dia. Ela pinta e trabalha com gosto. Logo ela irá
descansar algum tempo no campo que, há alguns anos, dá resultados maravilhosos para ela.
Não sei se você está ao par de que, nesta última Quaresma, estive na Normandia para buscar
minha sobrinha, que está numa pensão a partir de então, nas Dames de Saint-Maur, perto de casa. É uma
grande moça de 16 anos, meiga e dócil como um cordeiro, muito bem educada por sua mãe e bastante
instruída, levando em conta os recursos que se tinha ao alcance. Aqui ela trabalha com ardor e dá
satisfação a todo o mundo; ela será, espero, uma excelente pessoa. É piedosa e pura como um anjo. Seu
irmão tem 13 anos; está numa instituição eclesiástica em Yvetot. Ele também vai muito bem. Minha boa
mãe que você ama ternamente é admirável; está muito bem. Ela não vive senão para o bom Deus, para
os pobres e seus filhos. Minha irmã está junto dela e a guarda como um tesouro. Possa o Senhor não tirála tão já do nosso convívio. Não somos bastante fortes para passar sem esse apoio. É nosso laço mais
querido no mundo; se fosse quebrado, nossa vida seria dura demais. Deus, que sabe disso, providenciará.
Eis aí o que está em mim, caro amigo, quanto ao resto, você já está sabendo. Vivo também um
pouco em Deus e ficaria feliz se fosse cada dia mais, a fim de que todos os meus pensamentos e minhas
afeições fossem purificar-se nele. Acompanho sempre um pouco nossas pequenas obras de São Vicente,
sabendo bem que são humildes, esparsas, muitas vezes pouco apreciáveis, mas reconhecendo ao mesmo
tempo que, por isso mesmo, elas são talvez de modo melhor no espírito cristão. Adeus, caro amigo,
coloco-me pelo pensamento em alguma amável cena de família, como se faz ao seu redor cada dia, e me
uno às puras alegrias de seu coração de filho, de marido e de pai, e também de bom e fiel amigo. Adeus
mais uma vez a você, ternamente abençoado como sempre.
Le Prevost
P.S. Mil lembranças à sua querida amiga e ao bom pai. Um beijo para os pequenos.
98- ao Sr. Levassor
Providências junto a um estatuário. Retiro pascal em Notre-Dame pelo Pe. de Ravignan. Esperança de
ver se acordar a fé nos operários.
Paris, 24 de maio de 1843
107
V. Pavie terá seis filhos. Os três primeiros, Joseph, Maurice e Elisabeth faleceram na tenra idade. Sobreviveram
Louise, Eusèbe e Georges.
105
Meu caríssimo irmão,
Meu silêncio pode lhe fazer acreditar que descuidei de sua recomendação concernente ao grupo
de N.D. des Douleurs. No entanto, não é nada disso; estive, não saberia dizer quantas vezes, mas quatro
ao menos, com o Sr. Dubucoy a esse respeito. Como cada vez ele esquecia as dimensões, tomei o partido
de redigir-lhe uma nota detalhada, com todas as informações que você me havia transmitido. Ele tinha-se
manifestado plenamente satisfeito com isso e me prometera solenemente que dentro de oito dias o envio
seria feito. No entanto, tornei a ter com ele depois, repetidamente, nova promessa, novo adiantamento,
alegação de negócios, de embaraços múltiplos, é tudo o que posso obter. Fico um pouco desesperado
com ele, para dizer-lhe a verdade, pois vejo que este excelente Sr. Dubucoy não leva nada a termo e
justifica o que me havia sido dito: que ele está cansado e um pouquinho envelhecido. Diga-me, caro
amigo, o que devo fazer e seguirei suas instruções.
Penso que a Quaresma não passou para você sem grandes cansaços. Não o lastimo, se sua saúde
é bastante robusta para suportá-los. Ficaria bem contente de ter uma palavra a esse respeito em sua
próxima carta. Dona Delatre tinha ouvido dizer vagamente que você tinha sofrido um pouco; isso nos deu
alguma inquietação, você a dissipará, espero, inteiramente, informando-me que está restabelecido e
disponível como sempre, para as obras de Deus.
Nosso divino Mestre é servido aqui também com um zelo e uma caridade bem edificantes,
considerando-se, pelo menos, o longo esquecimento de que se queixavam, há poucos anos atrás ainda,
com tanta razão. O retiro de Notre-Dame, seguido por um número imenso de homens de toda idade e de
condições diversas, foi coroado por uma comunhão geral, da qual perto de três mil homens tiveram a
felicidade de tomar parte. Os operários tiveram sua vez; em S. Marguerite, isso era, asseguram,
admirável. Ontem, em S. Sulpice, vi com meus próprios olhos, uns seiscentos operários enchiam a nave,
aproximaram-se da santa Mesa com um recolhimento e uma piedade que o teriam, caro amigo,
vivamente enternecido.
À noite, eram oitocentos ou mil no local de sua assembléia; a reunião foi cheia de interesse,
terminou com uma Bênção Solene do Santíssimo. Se esta boa obra se espalhar em todos os bairros, Paris
e em seguida a França inteira serão salvos; reze bastante, caro amigo, para que o Senhor abençoe este
feliz começo.
Amo você sempre com muita ternura no Coração de J. e de M.
Le Prevost
98.1- ao Sr. Houssard108
Comunicação de um pedido de encontro.
Paris, 3 de julho de 1843
Sr. padre,
A Senhorita Mignon, que tive a honra de ver ontem, não me pareceu longe de dar assentimento
ao pedido que lhe fiz relativamente ao Sr. Laigrètes; no entanto, ela precisava de um pouco de reflexão e
manifestou a intenção de encontrá-lo amanhã, terça-feira, ou, na sua ausência, o Sr. padre Carbon, para
dar uma resposta definitiva.
Desejo ardentemente, Sr. padre, que seja tal que você deseja, e aproveito esta ocasião para
renovar-lhe a expressão dos sentimentos bem respeitosos com os quais sou
Seu muito humilde e muito devotado servo
Le Prevost
108
Vigário em S. Sulpice e ecônomo do Seminário.
106
99- ao Sr. Maignen
Visitas a alguns pobres. Um discurso do conde de Molé.
Paris, 20 de julho de 1843
Remeto-lhe em anexo, meu caro confrade, uma carta para seu pobre Stiénon, e também duas
cartas, a fim de não ter a tristeza de ir visitá-lo de mãos vazias. Você fará bem se, ao passar, verificar
junto ao porteiro do Sr. Gibert quais as horas em que se pode ter certeza de encontrá-lo, a fim de dizê-lo
a Stiénon.
Se, durante o tempo em que estiver nesse bairro, você quiser entrar na Rue Neuve Guillemin, 23,
(3o andar, portinha à esquerda), na pobre família Césard de que lhe falava ontem à noite, eu teria uma
informação a pedir: é saber se uma vaga de jardineiro que eu lhe havia proposto pôde convir a essa
pobre gente. Isso lhe dará a ocasião de ver seu interior e de julgar se suas visitas poderiam lhes fazer um
pouco de bem. Neste caso, poderíamos, para não sobrecarregá-lo em demasia, confiar a algum outro
membro uma de suas famílias.
A você, bem cordialmente
Le Prevost
Ponho também neste envelope o discurso do Sr. Molé109. Ficarei bem contente que ele não se
perca, embora se possa, afinal, substituí-lo facilmente.
99.1- ao Sr. Bailly
Pedido para que ele empreste a vida de São Vicente de Paulo, por Abelly, abreviada.
Paris 28 de julho de 1843
Sr. e amigo,
A Vie de S. Vincent, por Abelly, por excelente que seja, tem prolixidades que tornam difícil a
leitura em nossas Conferências. Teríamos o desejo, em S. Sulpice, de anotar num exemplar as
passagens ou partes que podem, sem inconveniente, ser omitidas.
O sumário feito pelo próprio Abelly, de que você tem um exemplar bastante raro, pode ser muito
útil para nós neste pequeno trabalho. Peço-lhe que tenha a bondade de no-lo emprestar por alguns dias.
Um de nossos confrades, por quem remeto esta palavra a sua casa, voltará durante o dia, para
pegar o volume com seu porteiro, se você tiver a bondade de no-lo confiar.
Agradeço-o de antemão por isso e lhe exprimo, como sempre, meus sentimentos respeitosos e
devotados.
Le Prevost
100- ao Sr. Levassor
Providências para uma estátua encomendada em Paris. Colocação de um jovem aprendiz-alfaiate a
serviço de um patrão. Pedido de ajuda para um jovem farmacêutico.
Paris, 14 de agosto de 1843
Meu querido irmão,
Teria sido feliz, escrevendo-lhe na véspera da festa de nossa muito amada Maria, de lhe anunciar
que o grupo, tanto tempo desejado, está enfim a caminho para sua destinação, mas não tenho nada a
informá-lo e é com muito pesar, como pode crer. O Sr. Dubucoy está sempre na mesma disposição, mas
109
Louis, conde de Molé (1781-1855), homem político francês. Primeiro ministro de 1836 a 1839. Quando, em 1845,
o visconde de Melun lançou sua revista intitulada les Annales de la Charité, destinada a “esclarecer o zelo de todos
os homens caridosos da França,” o conde Molé foi um dos membros fundadores (cf. VLP, I, p.75).
107
sem resultado algum. Na última vez que saí para vê-lo, ele tinha partido para Eu; deve voltar somente
após seis semanas, e, na sua volta, farei uma nova tentativa.
Cuidei também, caro amigo, de um outro assunto que você me tinha recomendado por sua última
carta que me foi remetida, como você não esqueceu, sem dúvida, por um jovem irmão saído por causa de
saúde de sua Comunidade e que desejava se colocar aqui para se aperfeiçoar na profissão de alfaiate.
Consegui fazê-lo entrar junto a um excelente mestre, bom cristão, que pertence à conferência S. Sulpice.
Mas, o pobre menino, apesar de sua boa vontade, é tão lento e ainda tão inábil, que só pode ganhar 25
centavos por dia. É pouco demais para viver aqui, você sabe; se abrigar, se alimentar, lavar a roupa, se
vestir exigem, mesmo para o pobre menino, mais do que isso. O coitado jovem sofre muito, portanto,
nestes primeiros tempos. Temos ajudado um pouco e continuaremos ajudando-o, mas nossos recursos
são módicos, você sabe. Seria portanto bem essencial que você pudesse obter ao seu redor, dos que se
interessam por ele, alguns pequenos recursos que lhe permitiriam aguardar o momento, aliás bastante
próximo, (3 ou 4 meses talvez), quando ele puder prover inteiramente a suas necessidades. Parece bom e
piedoso, seu patrão está contente com ele; seria verdadeiramente uma boa obra, a de ajudá-lo a
ultrapassar esta passagem ruim.
Um bom jovem chamado Mélion, que pertence à conferência S. Sulpice, acaba de chegar em
Chartres, onde deve dirigir em breve uma farmácia. Gostaria de recomendá-lo a você, mas não tenho à
vista o nome do farmacêutico que ele vai substituir. Esse bom jovem é cristão, nem precisa dizer, e ama
os pobres. Prosseguiria com prazer na Sociedade de São Vicente de Paulo de Chartres; peço-lhe para
colocá-lo em contato com nossos amigos e também para cuidar um pouco dele espiritualmente.
Embora seja bom praticante, não sei com toda a certeza se as preocupações de uma situação
bastante penosa não lhe teriam, nestes últimos tempos, feito descuidar um pouco seus deveres
essenciais. Um tal cuidado vai bem com seu zelo, caro amigo: uma pobre e querida alma a encorajar, a
aquecer um pouco, aí está sua obra de todos os dias; escrevendo-me, não deixe de me falar um pouco
disso; faça também da melhor forma para o jovem alfaiate, enfim, reze um pouco por seu afeiçoado
irmão em N.S.
Le Prevost
P.S. Dona Delatre vai mais ou menos bem. O nome desse farmacêutico é Gilbert Barrière; você teria, caro
amigo, a bondade de escrever uma palavra ao Sr. Mélion para avisá-lo que o receberia de bom gosto, se
isso não o incomodar demais.
101- ao Sr. Montrond
A seu amigo que acaba de perder o filho, exprime compaixão, em termos impregnados de elevação
cristã e de afetuosa delicadeza. Devoção à Virgem Negra, consoladora dos aflitos.
Paris, 9 de setembro de 1843
Meu querido irmão e amigo,
Não é para consolá-lo que escrevo, mas para compartilhar com toda a minha alma seu sofrimento
e dizer-lhe quanto todos aqui estamos profundamente tocados..
Não tenho lembrança de que nenhum acontecimento me tenha emocionado e afligido mais que
este110, pois conhecendo tão intimamente você e sua querida esposa, no próprio instante desci ao
coração de vocês e vi o quanto sua ferida devia ser dolorosa.
O que dizer-lhe então, caríssimo amigo, e que palavras achar? Nenhuma, senão que Deus é bom,
que ele os ama, que ele o quis assim, que é preciso bendizer seu santo nome. Mais tarde, ele lhe dirá por
quê. Agora é a hora de sofrer; incline, então sua cabeça e chore sem murmurar.
110
O Sr. de Montrond acaba de perder seu primeiro filho. Coincidência na infelicidade: é também nessa época que,
no dia 4 de setembro de 1843, na Normandia, o barco que transporta, entre Villequier e Caudebec-en-Caux, a filha de
Victor Hugo, Léopoldine, e seu marido, soçobra bruscamente, afogando os dois jovens. Hugo fica sabendo da notícia
no dia 9, quando o Sr. LP. escreve sua linda carta ao Sr. Montrond.
108
Foi ontem, dia da Natividade de Nossa Senhora, que recebi esta triste notícia. Logo fui à capela de
São Tomás de Villeneuve111 e supliquei com insistência à consoladora dos aflitos que não o abandonasse
numa tão grande angústia. Ela só, caro amigo, conhecendo por si mesma semelhante dor, poderá
consolá-lo e tocar seu pobre coração, sem magoá-lo. Lembrem-se, neste momento de sua terna confiança
para com ela e abandonem-se, ambos, nas suas mãos. Oh! Se sua bondade, entreabrindo-lhes o céu, lhes
fizesse ver as regiões de delícias em que repousa a caríssima alma que partiu, talvez, caro amigo, você
não tivesse a coragem de chamá-la de volta para nosso triste exílio! Aspire então, ao contrário, à hora em
que você mesmo se reunirá de novo com ele; cabe ao mais feliz atrair os outros para si!
A parte dele é a melhor: irá preparar a sua, no meio dos Anjos e dos Santos. Se tivesse ido mais
adiante na vida, teria conhecido suas amarguras e também suas faltas, e agora que ele lhes é tirado, não
ousaria você pensar nele sem inquietação. Mas ficou na inocência do Batismo: doce e puro espírito, está
com as Virgens, seguindo o Cordeiro; você pode contemplá-lo pela fé, invocá-lo e unir sua alma à dele no
seio do divino amor.
Oh! Mantenha assim seus olhos para o alto, caro amigo, e não mais irá chorar, vá para onde esta
doce voz o chama e você esquecerá as dores desta terra.
As vias do Senhor são maravilhosas. Os pais aqui embaixo sustentam os passos de seus filhos
recém-nascidos; mas, no céu, onde a inocência é a única potência, as crianças guiam seus pais e lhes
abrem o caminho. Sua alma tão piedosa e tão ternamente amorosa, caro amigo, voltava-sefreqüentemente às coisas do alto. Agora imagino que todos os seus pensamentos e suas aspirações
dirigir-se-ão para lá; e se este estado tornar-se habitual, se sua vida continuar assim com Deus e com os
anjos, será que você poderia queixar-se ainda, pois seu anjo querido está lá também e você dele não se
afastará?
Eis aqui os votos que meu coração de irmão e de amigo formula por você, e eis aquilo que vou
pedir todos os dias a Jesus e Maria, filho e mãe também, que se separaram aqui na terra, mas cujas
almas ficaram incessantemente unidas no seio de Deus.
Adeus, caríssimo amigo, um abraço bem forte.
Seu bem devotado em N.S.
Le Prevost
101.1- ao Sr. Bailly
Pedido de ajuda em favor de um antigo confrade da Sociedade de São Vicente de Paulo.
Paris, 14 de setembro de 1843
Sr. e amigo,
O Sr. Cahen d’Ingevillers, que pertenceu à Conferência S. Thomas d’Aquin, se encontra
presentemente em uma posição tão penosa que um pouco de ajuda imediata lhe seria, diz ele,
indispensável. O Sr. de Maisonneuve, deputado, promete, parece, fazê-lo entrar no mês de novembro no
Ministério do Comércio, mas até lá falta-lhe o necessário.
Não tenho a honra de conhecer particularmente o Sr. d’Ingevillers, mas ele me parece numa tão
grande aflição que não posso recusar de lho recomendar, pedindo-lhe que examine se nossa Sociedade,
em tal caso, não tem algum meio de ser útil aos que lhe pertenceram.
Aceite, Sr. e amigo, a expressão costumeira de meu devotamento respeitoso.
Le Prevost
111
O Convento da Comunidade das Filles de S. Thomas -de- Villeneuve (hoje em Neuilly-sur-Seine) estava então
situado nos números 25-27 da rua de Sèvres, perto da rua do Cherche-Midi. A capela desse convento era o santuário
privilegiado do Sr. LP. Gostava de rezar diante da célebre Vierge Noire, que, sabe-se, tinha concedido a São
Francisco de Sales uma graça que lhe fez recobrar a paz do coração.
109
102- ao Sr. Levassor
Novena ao Coração de Maria por uma conversão.
Paris, 23 de setembro de 1843
Caro irmão e amigo,
Começo hoje uma novena ao Santo Coração de Maria para obter uma conversão há muito tempo
solicitada por seu amigo.
Tenha a caridade de unir suas orações às nossas. Maria a quem, há muito tempo, confiei esta
querida alma, nos obterá enfim sua volta a Deus. Conto muito, caro amigo, sobre seus santos sacrifícios;
digne-se incluir neles esta intenção; as orações da novena são somente: Ave Maria e Memorare.
Seu nos devotados corações de J. e de M.
Le Prevost
103- ao Sr. Maignen
Pede informação sobre uma providência confiada ao Sr. Maignen.
Paris, sábado 11 de outubro de 1843
Meu caro confrade,
Minha mulher me pede para dizer-lhe que, se ainda não propôs a senhorita Capron ao Sr. Guip ou
se acham difícil esperar sua volta, ela se determinará a se apresentar ela mesma.
Seu cordialmente
Le Prevost
104- ao Sr. Levassor
Recomendação de um jovem suscetível de ajudar o Sr. Levassor.
Paris, 12 de outubro de 1843
Meu querido irmão,
Eis112 um bom jovem que, acredito, lhe conviria; é piedoso, de bom caráter e bastante instruído
para desempenhar as funções que você lhe destinaria. Não está perfeitamente decidido a deixar Paris;
mas penso que, vendo como você é bom, desejará acompanhá-lo.
Seu irmão devotado em J. e M.
Le Prevost
Irei vê-lo logo que puder.
112
O jovem se apresentou pessoalmente, munido da carta do Sr. LP. ao Sr. Levassor que reside no Seminário S.
Sulpice, 9, praça da igreja do mesmo nome. Aí está onde o Sr. LP. se propõe ir visitar seu amigo.
110
105- ao Sr. Pavie
Sua amizade se sustenta pela correspondência. O Sr. Le Prevost tem dificuldade para se deslocar.
Notícias de Th. Pavie e de Gavard. Nostalgia dos encontros de outrora.
Paris, 28 de outubro de 1843
Caro amigo,
Adrien, que retorna para sua cidade de Angers, aceita de bom grado encarregar-se destas duas
linhas que lhe traço apressadamente, para não perder esta boa ocasião. Você terá, assim, notícias minhas
e minha carta solicitará uma resposta sua, que me será muito preciosa, caro amigo. Pois há muito tempo
você não me diz nada. Após um tão longo silêncio, parece-me que não se deve interrompê-lo a não ser
por um caso importante e espera-se sempre. Peço-lhe, caro Victor, não aguarde de jeito nenhum; as
coisas mais simples serão de um alto interesse para mim se o tocarem e me falarem de você e de seus
íntimos. Conservei em minha mesa sua última carta, porque contém os nomes de seus três filhinhos com
algumas palavras de detalhe sobre cada um. Quando minha memória falha, recorro a ela e reencontro a
pequena genealogia. Isso me encanta, caro amigo, e me representa estes três pequenos anjos com sua
mãe e você; faço disso um quadro delicioso e tomo o cuidado de nele organizar para mim também, num
cantinho, algum lugar.
Parece-me que, no fim, virão momentos favoráveis, em que poderei com menos dificuldade dar
uma escapadinha e ir vê-lo com um pouco de folga. Até agora, nada de semelhante se apresenta, pois
estou tão acorrentado e mesmo minha boa mãe me chama a cada ano, sem que possa acorrer como meu
coração quereria. Enquanto isso, você que tem o pé mais lesto, que está com menos embaraços também,
venha, caro Victor. Você está sendo esperado, me dizem, para janeiro. Será um lindo começo de ano e
alegrar-me-ei muito, neste tempo, em abraçar, em apertar forte e cordialmente um irmão ternamente
amado.
Não tornei a ver Théodore desde sua volta; faltam as ocasiões de aproximação entre nós. Mas,
sinto em mim a mesma afeição por ele, sem nada deixar dela, nem ao tempo, nem ao caminho. Conto
com ele também e assim conservo o coração em forma. Poderia dizer outro tanto a respeito do nosso
bom e sempre bom Gavard. Percebo-o, mais que o vejo. Damo-nos um aperto de mão, a ponto de gritar
sob as arcadas de Rivoli. Às vezes chegamos a atravessar juntos as Tuileries, mas os belos passeios de
outrora, ocupando horário nobre de longos dias, não voltam mais, apenas sobra uma gostosa lembrança.
Caro amigo, fale-me de tudo isso com um pouco de pesar. Gosto de pensar que você também
recorda esses passeios em sua memória e que seus velhos amigos daquela época lhe fazem falta como a
nós às vezes.
Faça mil carinhos respeitosos a seu bom pai, afeições bem devotadas à sua querida amiga e
algumas carícias aos pequenos. Tudo isso para mim, que ama este querido mundo de todo o meu
coração.
Seu irmão e amigo
Le Prevost
P.S. Sem esquecer os Vicentinos.
105.1- ao Sr. Bailly
O Dr. Courtois, confrade de São Vicente de Paulo, procura um substituto.
[1843]
Sr. e amigo,
O Sr. Courtois, antigo membro da Conferência S. Etienne du Mont, agora estabelecido em Yvetot
onde fez, acho, uma bastante boa clientela como médico, me escreve que sua saúde se alterou e que o
obrigam a deixar a Normandia, para um clima mais ameno. Ele desejaria que um jovem médico, um
111
membro da Sociedade de São Vicente de Paulo se for possível, mas ao menos um homem religioso, queira
substituí-lo em Yvetot.
Ele lhe cederia clientela, mobília, casa etc., às condições mais favoráveis e se limitaria até, creio,
para toda indenização, a pedir um preço muito módico, pelo que entregaria em espécie, não exigindo
nada pela clientela. Poderiam, aliás, se entender a esse respeito mais precisamente com o padre Courtois,
seu irmão, Rue São Guillaume, 24, mas ele recomenda expressamente que seu nome e o da localidade
em que habita sejam indicados somente após primeiras e favoráveis aberturas, deixando entrever uma
conclusão.
Escrevendo-lhe a esse respeito, realizo o voto do Sr. Courtois, que se apresenta bem
particularmente à sua boa lembrança.
Acredite, peço-lhe, Sr. e amigo, em todos os sentimentos de meu sincero e respeitoso apego.
Le Prevost
105.2- ao Sr. Bailly
Pedido, com outros Presidentes, para mudar a sala da assembléia geral.
Paris, 5 de dezembro de 1843
Sr. e amigo,
Um número considerável de nossos confrades me exprimem um vivo pesar sobre a escolha do
local do Instituto para nossa reunião geral. Fazem observar, com razão, que esta primeira assembléia é
ordinariamente a mais solene e a mais numerosa de todas, que há grave inconveniente em privar os dois
terços da Sociedade de participar e de convocar 1200 pessoas para um local que só pode receber 250.
Três presidentes se juntam a mim para apoiar esta observação e pedem com empenho que se
escolha de preferência a sala dos operários, em S. Sulpice, se não se pode achar em outro lugar um local
de assembléia igualmente cômodo e conveniente.
Nesta sala perfeitamente decente e em tudo disposta para uma tal reunião, cabem 800 pessoas.
Embora adjacente à igreja, nada tem de uma capela, nem por sua forma, nem pelo seu uso habitual.
Enfim, está desde já à nossa disposição e, sem despesa alguma, poderíamos obtê-la e nos reunir.
Razões de delicadeza mal entendida me impediram, na última sessão do Conselho, de insistir
sobre essa proposta, mas essa era uma consideração sem valor que eu devia ter sacrificado e que
sacrifico agora sem dificuldade, unindo-me ao pedido de nossos confrades.
Nossos amigos do Instituto católico não teriam como interpretar mal, acho, esta mudança de
resolução. As razões que a determinariam são demasiadamente evidentes para não tocá-los os primeiros,
e não ponho em dúvida que, sem atrito nenhum seja de um lado seja do outro, eles entenderiam nosso
modo de ver as coisas e nos guardariam sua boa vontade para outra ocasião em que poderiam melhor
nos servir.
Desejo muito, Sr. e amigo, que esta reclamação não seja tardia demais; ela prova que nossos
confrades dão uma verdadeira importância às nossas assembléias gerais e creio que, neste ponto,
devemos partilhar seu sentimento.
Queira acreditar, Sr. e amigo, nos protestos costumeiros de meu respeitoso devotamento.
Le Prevost
112
105.3- ao Sr. Bailly
O Sr. Le Prevost o incita a deixar a presidência da Sociedade. Mal-estar na Sociedade.
Paris, 5 de janeiro de [1844]
Sr. e amigo,
Não pude me decidir a falar, ontem à noite, por falta de força talvez, mas sobretudo por medo de
agravar o que a situação podia ter de penoso para você. No entanto, no interesse de nossa querida
Sociedade, e no seu, que não separo daquele, me acho na obrigação de lhe dizer que meu parecer não
difere do de todos os demais membros do Conselho. Estamos num estado de mal-estar, de desconfiança,
de desânimo, que enfraquece os laços já tão frágeis de nossa unidade e que não pode deixar de trazer
logo tristes dilacerações.
Não seria muito lastimável que, com ou sem razão, uma tal aflição pudesse lhe ser imputada, e
não seria comprometer todo o bem que você fez?
Deixando a tempo a direção da Sociedade de São Vicente de Paulo, você levará agora o pesar de
todos os seus membros e a consciência de tê-la generosamente servido. Mais tarde, após discussões
deploráveis que se deve temer, menosprezarão talvez os méritos bem reais de uma longa carreira de boas
obras e você mesmo chegará a duvidar delas. Ouso conjurá-lo, Sr. e amigo, a guardar intacto um bem
adquirido por preço tão elevado, e de permanecer, aos olhos de Deus e aos dos homens, o benfeitor de
nossa Sociedade.
Entregando um fardo que só aumenta suas penas, você adquirirá aliás mais liberdade de coração
e de espírito; seus negócios terão então todos os seus cuidados e sua perseverança tão corajosa
devolverá à sua família, com o descanso, o estado melhor que você ambicionava para ela.
Desejo bem ardentemente, Sr. e amigo, que estas poucas palavras não tenham nada que o
aflijam e que você veja em minhas instâncias o que elas são realmente: um novo testemunho de meu
apego sincero e de meu respeitoso devotamento.
Le Prevost
106- ao Sr. Maignen
Cuidado dos pobres. Agradecimentos por sua caridade.
Quarta-feira cedo [24 de janeiro de 1844]
Meu caro confrade,
Se você tivesse, por grande acaso, a intenção de vir ao meu encontro hoje, peço-lhe para não se
dar esse trabalho, pois serei obrigado a deixar meu escritório antes da hora ordinária.
Como o tempo começa a se adiantar sobre nós e eu temia cansá-lo, após sua indisposição, estive
ontem no cais, para a compra das medalhas e vou me esforçar por concluir hoje o negócio. Ficaria grato,
portanto, se você, por sua vez, não cuidasse disso.
Conto sempre com sua boa vontade para a preparação dos bilhetes e junto aqui as cartas que nos
foram devolvidas após a sessão. Acho que será bom recompletá-las e fazer mais cem, a fim de contentar
todos os nossos pobres.
Agradeço-o de novo, em seu nome, pelas penas que você tem a caridade de suportar por eles, e
desejo de toda a minha alma que Deus lhas pague ao cêntuplo.
Seu como sempre, bem cordialmente em N.S.
Le Prevost
113
107- ao Sr. Maignen
Marca um encontro para falar da reunião dos pobres.
Quarta-feira [24 de janeiro de 1844]
Amanhã quinta-feira, às 4h.1/4, venha se puder a S. Thomas d’Aquin, ao sair de seu escritório113;
conversaremos sobre a reunião dos pobres. Não se incomode de maneira alguma, de resto, se não puder
vir. Vê-lo-ei em outro momento.
Seu Le Prevost
108- ao Sr. Maignen
Um de seus encontros marcados deve ser antecipado.
Sexta-feira cedo, [26 de janeiro de 1844]
Caro confrade,
Tinha me esquecido de que amanhã, sábado, terei um encontro no bairro S. Germain às 4h ½.
Portanto, é hoje mesmo que irei ter com o Sr..Falandry, e não amanhã. Tenho, aliás, um verdadeiro
remorso por fazê-lo correr tão longe, sem utilidade bem real para nossas obras. Acho, portanto, que mais
vale que eu renuncie a esta satisfação. Não venha, por favor, desde que você tenha o mínimo de cansaço
ou de ocupação, não levarei menos em conta a sua boa vontade.
Após 4h.25m. não o esperarei mais e partirei rumo à praça Vendôme.
Sempre seu em N.S.
Le Prevost
109- ao Sr. Maignen
Convite a uma distribuição de medalhas em S. Sulpice. Envio de um livro que ele lhe recomenda ler “em
boa e simples disposição”.
Paris, 26 de janeiro de 1844
Meu caro confrade,
Se deseja assistir, no domingo que vem, à grande reunião da distribuição das medalhas em S.
Sulpice, farei com que tenha um bilhete para os lugares reservados; mas será preciso chegar à minha
casa bem cedo (às 6h.1/2) porque haverá turba.
Mando-lhe o livro de que lhe falei. Surpreender-me-ia muito se você não gostasse de tudo114 o
que ele tem de amável e de sólido ao mesmo tempo. Você notará, em alguns capítulos, uma certa
ingenuidade de linguagem que nossos costumes não comportam mais; mas você tem um espírito bom
demais para que lhe fique alguma má impressão. Leia-o, caro amigo, em boa e simples disposição e você
tirará, tenho certeza, muito fruto.
Adeus, seu bem cordialmente em N.S.
Le Prevost
113
Após ter trabalhado na administração das estradas de ferro de Rouen, o Sr. Maignen tinha entrado então no
ministério da Guerra, na rua S. Dominique. A igreja S. Thomas d’Aquin estava bem perto.
114
“...continuava emprestando-me livros que não tinha muito tempo para ler, senão quando ia indo ao meu escritório,
pois quase todas as minhas noites se passavam com ele...” (VLP,I,p.116.) Uma dessas pequenas obras, muito
desprezadas no mundo sob o nome de bons livres, cujo estilo ruim e cujo tédio sempre me tinham inspirado um
profundo desgosto (...) tomei a decisão de percorrê-lo; mas quando comecei sua leitura, continuei e cheguei até o fim.
Era, com efeito, uma das melhores obras de refutação popular que existissem na época.” (VLP, I,p.98)
114
110- ao Sr. Maignen
Encontro marcado para a missa paroquial nas Missões Estrangeiras.
Sábado cedo [Quaresma 1844]
Meu caro confrade,
A primeira missa paroquial115 nas Missões será amanhã às 7h., por causa da Quaresma; os que
vão querer estar ali deverão portanto acordar um pouco cedo e sobretudo levantar-se assim que
estiverem acordados. Farei com que esteja deste número; procure vir igualmente.
Seu bem afetuosamente em N.S.
Le Prevost
Ficarei grato a você por devolver logo ao Sr. de Montrond os folhetins de Charité mène à Dieu.
-111- ao Sr. Maignen
Comunicação de obras de apologia. Não ler o livro sobre S. Francisco de Assis. Deus mesmo guia as
almas.
Paris, 19 de abril de 1844
Entrego-lhe em anexo duas pequenas obras de doutrina que, espero, lhe agradarão. Todavia, é
apologia antes de doutrina propriamente dita. Se fosse para esta última direção que você se sentisse
inclinado a orientar seu estudo, eu poderia também satisfazê-lo.
Não leve em conta de maneira alguma, por favor, as minhas observações de ontem sobre São
Francisco de Assis. Você já notou que, mais do que outro, gosto de ver minhas simpatias partilhadas e
que, erradamente, muitas vezes, procuro inspirá-las aos outros. Deixe, portanto, esse livro que só poderia
causar-lhe desgosto e siga sua inclinação que não é, com certeza, um mau guia nesta ocasião. É
sobretudo de instrução sólida que você precisa e você a encontraria somente sob uma forma pouco
acessível em São Francisco de Assis.
Na maioria das vezes Deus mesmo guia as almas para iluminá-las, dando-lhes atração para as
coisas que lhes são as mais essenciais; creio portanto que é preciso ir por onde ele o incita: somente ele
penetra bem nossos corações; somente ele sabe manejá-los e instruí-los, entregue-se a ele.
Adeus, não irei esta noite ao exercício do retiro; amanhã, sexta-feira, o encontrarei talvez ali.
Seu bem cordialmente in Xto
Le Prevost
115
“Conhecendo minha inconstância, o Sr. LP. me propôs assistir à missa celebrada no primeiro domingo do mês
para a Conferência de São Vicente de Paulo, na igreja das Missões e de fazermos juntos a santa comunhão. Era o
melhor meio para assegurar minha regularidade no cumprimento de meus deveres de piedade.” Notas de M.
Maignen, in VLP,I, p. 116. Nessa Quaresma de 1844, haverá multidão em N.D. de Paris, como no ano precedente (cf
Carta 98 ao Sr. Levassor).
Uma carta de F. Ozanam, datada da segunda-feira da Páscoa de 1844 (8 de abril) dá este testemunho:
“...após um retiro para os homens, pregado pelo Pe. de Ravignan, o mais eloqüente de nossos pregadores com o Pe.
Lacordaire, uma comunhão geral de homens aconteceu em Notre-Dame. Éramos mais de três mil, a grande nave
inteiramente cheia, desde o altar até a porta, com as fileiras tão apertadas que não era possível ajoelharmo-nos e era
preciso ficarmos de pé. Quase todos pertenciam às classes elevadas ou às classes médias da sociedade; havia, no
entanto, também operários e pobres. Eram vistos pares da França, deputados, militares, alunos de todas as escolas,
até pobres criados de libré comungando ao lado de seus senhores, idosos quase cegos conduzidos por seus filhos (...)
Quando, no meio dessa multidão, setecentas a oitocentas vozes se levantaram para cantar o Magnificat, teríamos
pensado que as abóbadas estremeciam, e que a velha catedral vibrava de alegria por sentir em seu recinto essa
multidão crente e orante, que lembrava a fé e a piedade da Idade-Média”. (Carta 535 à Sra. Haratender, t. II, p.528).
115
112- ao Sr. Pavie
Consideração pelos filhos do amigo. Notícias de sua mãe, nascida R. Duchatard. Dificuldades em obter
um feriado. Renuncia à sua viagem a Angers. Declina a proposta de ser padrinho.
Paris, 10 de maio de 1844
Caro Victor,
Você tem mil vezes razão; ninguém o ama mais sinceramente que eu e, depois de sua mulher, lhe
é mais próximo e mais intimamente unido. Tudo o que acrescentasse alguma aprovação nova a esse laço
de terna fraternidade me seria portanto bem doce e responderia aos mais caros votos de meu coração. Vi
nascer em você o sentimento que o liga à sua bem-amada mulher. Vi sua união se formar e, após ter
partilhado sua espera, tomei parte em suas alegrias no nascimento de seus filhos. Não conto parar aqui,
segui-los-ei quando crescerem e, se caem aqui, onde tudo vem ao menos para uma temporada, a
vigilância paterna e materna, se precisar, lhes será prestada, ouso lhe assegurar, em minha terna
solicitude para com eles. Até aí tudo vai bem e estamos de acordo. Quanto ao resto, ainda concordamos
pelo desejo comum, mas não posso acompanhá-lo para mais longe. Não partilho, com efeito, sua
confiança na boa vontade do pessoal da administração e posso até responder que todas essas deliciosas
harmonias, suscitadas tão profundamente no fundo do meu coração por sua boa e amigável carta não
seriam ouvidas e ficariam sem eco nenhum.
Há dois anos não vejo minha velha mãe e, quando, em nome de seus oitenta e dois anos, eu
pedir oito dias para ir vê-la, à ventura, temendo que o tempo me falte mais tarde para abraçá-la uma
última vez, precisarei de longas lutas e de instâncias perseverantes, se quiser obtê-los.
Portanto, caro amigo, com muito pesar meu e também de minha mulher, a quem essa viagem,
com uma finalidade tão amável, agradou desde o início, não será possível. Quando me fizessem
promessa, agora, de um feriado, não deveria dar mais crédito. No momento da execução, mil razões
peremptórias surgem, sei disso demais, por experiência e, de prazo em prazo, me levariam até em pleno
inverno, quando outras dificuldades vêm fortalecer as precedentes.
A função de padrinho já sendo uma substituição, creio que transmiti-la a um substituto é
enfraquecer-lhe ainda o poder e lhe fazer perder quase todo o seu valor. É preciso portanto, caro Victor,
nos resignarmos presentemente e esperarmos um melhor momento. O círculo aumentará ainda ao seu
redor e, mais livre então talvez, acorrerei ao seu apelo.
Faça participar, por favor, sua querida mulher em todas as nossas ternas afeições e não deixe de
ensinar meu nome a seus filhinhos.
Abraço-os e a você com eles.
Todo seu de coração.
Le Prevost
O moço que lhe tinha recomendado está colocado aqui em condições bastante convenientes e vai
muito bem, como confiava. Esteja em paz, caro amigo, tomei sua recusa como ela devia ser tomada.
Prometi-lhe nunca duvidar de você, cumprirei minha palavra, sempre.
116
112.1- ao Vice-Presidente da Sociedade de São Vicente de Paulo.116
O Sr. Gossin substitui o Sr. Bailly na presidência da Sociedade de São Vicente de Paulo.
Paris, 16 de julho de 1844
Sr. e caríssimo Vice-Presidente,
Toda a Conferência S. Sulpice aplaudiu a escolha, pelo Conselho geral, do Sr. Gossin para
substituir o Sr. Bailly, na qualidade de Presidente geral da Sociedade de São Vicente de Paulo.
Vemos neste ato tão interessante para nossa Obra um testemunho a mais desta proteção
manifesta que a Providência tem concedido constantemente à nossa Obra e encontramos também a
esperança de novas bênçãos para o futuro.
Temos rezado fielmente em todas as nossas sessões, conforme o convite que você nos tinha
dirigido; nossas orações só cessarão no momento em que a eleição de nosso novo Presidente estiver
definitivamente consumada.
Queira aceitar, Sr. e caríssimo Vice-Presidente, os novos protestos dos sentimentos afetuosos com
os quais sou
Seu muito devotado confrade
Le Prevost
Presidente da Conferência St Sulpice
113- ao Sr. Maignen
Encorajamentos e testemunhos de afeição. Discretamente, o Sr. Le Prevost exprime a esperança de vêlo consagrar sua vida a Deus. Ele fortalece seu zelo pela obra da Sainte-Famille, que ama “porque ela
consola e edifica os pobres.”
Duclair, 4 de setembro de 1844
Caro amigo,
Você não me pediu resposta e eu não prometi responder; no entanto, se julgo pela alegria que
me causou sua pequena epístola, algumas linhas de lembrança de seu amigo ausente serão bem
acolhidas por você. Escrevo-as, portanto, às pressas, nos meus joelhos, e com grande risco de ser
interrompido, pois pertenço neste momento tão plenamente à minha família, que é somente de
escapada que posso roubar um momento.
A leitura de sua carta me tomou ontem todo o período da manhã, um pouco porque está
rabiscada aqui e acolá, como de costume, um pouco também por uma outra razão que deixo você
adivinhar. A impressão que me fica, caro amigo, é doce, consoladora, feliz; sinto-me mais confiante no
presente, mais tranqüilo para o futuro. Tinha necessidade, muita necessidade há muito tempo, de alguns
detalhes íntimos sobre suas disposições interiores para com aqueles que o amam. Sofria muitas vezes e
não ousava me queixar, por medo de ser mal compreendido; agora estarei mais tranqüilo, pois creio
poder responder por você. Não peço que você mesmo responda, conheço-o bem, e não sou fácil de
contentar em afeição. Se, portanto, estou contente e me mostro seguro do futuro, por que você também
116
Poderia se tratar de Leon Cornudet (1808-1876), magistrado, amigo de Montalembert, que tinha sido nomeado
vice-presidente, com F. Ozanam, no dia 9 de maio de 1844. O nome de Jules Gossin (1789-1855), antigo magistrado,
fundador da Obra de S. François-Régis para a regularização do casamento dos pobres, tinha sido sugerido pelo Sr.
LP., seu confrade em S. Sulpice. Presidente a partir do dia 23 de julho de 1844 até o dia 8 de novembro de 1847.
(Positio, p.95). Será substituído por Adolphe Baudon.
Numa carta a sua esposa do 26 de julho de 1844 (carta 556, t.II, p.566), F. Ozanam dá um eco da assembléia
geral da Sociedade marcada pela sucessão de Gossin a Bailly. “...Ontem à noite, tivemos assembléia geral de São
Vicente de Paulo, muita gente, um bom discurso do Sr. Gossin, um pouco comprido, um pouco pesado, um pouco
velho, mas afetuoso, sensato, e sobretudo perfeito no que se referia ao Sr. Bailly. Em seguida Rivolet [secretário
geral adjunto] fez um relatório muito interessante...”
117
não o estaria? Quanto a mim, caro amigo, quanto ao que se encontra na intimidade de minha alma por
você, não lhe digo absolutamente. Minhas palavras lhe dão medo, diz você, meu silêncio o persuadirá
melhor e o tempo também trabalhará em meu favor.
Eu teria agora muitas coisas para dizer, rechaço-as e as empurro para o mais fundo do meu ser,
de onde quereriam sair. Você fala, caro amigo, do frescor, da vivacidade das primeiras afeições;
procure, pelo pensamento, entender aquelas que são consideradas como as últimas: quando, ao chegar
ao cume da estrada e com os pés já na descida, se olha para trás. Ah! você não vê que, naquele
momento de adeus e de pesar, se pode gritar para Deus: “piedade, meu Deus!” Mais uma doce afeição,
uma só, para encantar meus últimos dias, para que o exílio seja menos duro e a espera mais
suportável”? Se Deus nos atende na sua indulgente bondade, se nos manda alguma alma meiga, terna,
simples, que com ingenuidade abra o coração para nós e receba também nossas efusões, será que isso
não é como uma flor de outono, mais suave, mais perfumada do que aquela da primavera? Não é bem
perto do coração que ela é colocada, esta flor tanto mais cara e preciosa que o inverno vem chegando e
que nada mais florescerá?
Não insisto, pois prometi não dizer nada; aliás, é a mim mais do que a você que estou falando
agora; justifico aos meus próprios olhos um sentimento que julguei muitas vezes excessivo e que o
seria, sem dúvida, se não fosse oferecido a Deus de onde vem, tenho certeza, e a quem o farei voltar
todo inteiro. Como as afeições assim elevadas, caro amigo, tornam-se puras, santas, apesar de sua força
e de seu ardor. Eu estava lendo de novo há pouco, num livro de São Bernardo que me emprestou meu
bom pároco, uma carta do santo abade a Roberto, seu jovem parente que o tinha abandonado;
compreendi um pouco e senti também o que vale e até onde vai em ternura, em dedicação, uma afeição
cristã. Um pensamento consolador também me veio: é que essas ternuras imensas não são senão um
fraco derramamento do infinito amor de nosso Deus que forma seus discípulos e os ensina a amar do
mesmo modo, senão tanto, como ele mesmo ama. Se, portanto, sentimos nossos corações mornos e
muito pouco fervorosos em amor, aproximemo-nos dele, ele será nosso mestre e saberemos amar.
Faz três vezes que me interrompem e, como bem tinha previsto, não poderei conversar
intimamente com você aqui; como boa compensação, em certas horas do dia, faço longos e solitários
passeios; desde que um panorama me agrade, que um vale, uma mata, algum acidente da natureza me
pareça pitoresco e lindo, chamo alguém para me ajudar, a fim de melhor admirá-lo e para apreciá-lo
comigo. Adivinhe bem quem pode ser essa pessoa e não vá longe demais, caro amigo, você o
encontrará com certeza; senão, em alguma próxima excursão com você, um domingo, vou lhe dizer
melhor; mas você não vai acreditar, talvez, pois você é duro de acreditar; em seu lugar, eu acreditaria
logo e já.
É preciso, antes de terminar, agradecer-lhe pelos pormenores tão precisos e tão interessantes de
sua carta sobre nossa Santa Família117; tudo estava bom, e nossos pobres estavam felizes. Que o bom
Deus, nosso Pai, seja bendito por isso. Você estaria errado, de resto, em pensar que isso se fez sem
mim; todos os dias, fielmente, rezava por esta família bem-amada; sábado, o dia inteiro, acompanhei
em pensamento a você, caro amigo, e a todos os nossos amigos nas corridas multiplicadas que tinham
de fazer; domingo, desde cedo, ofereci a Missa e a Santa Comunhão por esta pequena obra. Enfim, às
duas horas e quinze, na hora em que se encerra a sessão, disse com todo o fervor de minha alma a
oração da Santa Família para estar de coração com você. Você está vendo que não ficava ocioso e que
uma pequena parte do bem que se fez cabe a mim. Gosto desta pequena obra do fundo do meu
coração, não por ser nossa, nem porque sonho para ela, como você, grandes destinos, mas porque ela
me parece bem no espírito cristão, e porque consola e edifica os pobres aos quais, desde há muito e
ardentemente, desejei consagrar meu sopro de vida. Oremos bastante para que Deus sustente, purifique
nosso zelo e não deixe nossos esforços sem frutos.
Coloque-me um pouco no meio de suas orações e boas obras, caro amigo; o mereço, pois você
sempre tem uma grande parte nos meus mais caros pensamentos. Encarrego meu bom anjo de
117
“Uma obra-prima da caridade parisiense” (padre Mullois). O Sr. LP. tinha observado que, entre as obras de
caridade existentes, faltava uma consagrada às famílias. A Santa Família (em primeiro lugar chamada Oeuvre de la
Consolation des Pauvres) procurará portanto reunir “as famílias da classe indigente e operária” para “reerguê-las e
trazê-las de volta a Deus e à Igreja”. Nasceu na paróquia S. Sulpice no início de 1844. Reunia 1200 associados,
assistia 300 doentes por ano. Os resultados espirituais ultrapassarão depressa as esperanças. Um padre é liberado
exclusivamente para os pobres da Santa Família, o jesuíta Louis Milleriot (1800-1881), que será durante 32 anos
padre-pregador. Obra de predileção do Sr. LP., refletia bem seu espírito e sua caridade. Cantavam ali o famoso
cântico de Claudius Hébrard: “Oh, como é suave nesta terra, ver corações unidos entre si, etc.” Uma das páginas
mais lindas escritas por M. Maignen descreve a primeira sessão, memorável, da Santa Família. (VLP. I, p.126), M. de
Montrond, V. Pavie, e outros, saberão narrar em termos coloridos o encanto de suas reuniões (cf. Positio, p.75).
118
mensagens freqüentes para você e, se escutá-lo bem, sua voz deve ir avante no seu coração. Segundafeira, como lhe tinha prometido, pedi a missa na intenção de seu pobre pai118 e assisti a ela com todo o
fervor de que estava capaz.
Adeus, querido, ame a mim tão bem como você puder, não peço nada mais; não seja ciumento,
pois o amo de preferência, mais e diferentemente que os outros; não seja invejoso, pois, levando em
conta sua idade, você está longe de ter algo a invejar a alguém. Agradeça a Deus por alguns dons
preciosos que ele lhe tem feito, deixe que eles cresçam e progridam aos raios de sua graça, mas
sobretudo ofereça-os a ele, reze ardentemente para que ele os tome para seu serviço antes de deixá-los
ao mundo; com isso, responderei por você de um bom e útil futuro; com isso, você terá seu amor que
vale mais do que tudo, e por acréscimo, a terna, bem terna, sempre mais terna afeição de
Seu devotado amigo e irmão em N.S.
(até segunda-feira)
Le Prevost
114- ao Sr. Levassor
Falecimento de duas de suas “três velhinhas”. Pede informações sobre as obras sociais lançadas em
Chartres por seu amigo. Descrição da Santa Família de S. Sulpice.
Paris, 18 de setembro de 1844
Meu querido irmão,
Queria há muito escrever-lhe para conversar um pouco, consolação que me é dada só muito
raramente; e também falar-lhe dos pequenos encaminhamentos, em relação às pobres senhoras, cujo
cuidado sobrou para mim.
A morte de Dona Dorne e a de Dona Meslin de que você ficou sabendo, só lhe deixa a pobre
Dona Delatre, como único objeto de suas disposições caridosas. Entreguei-lhe, como de costume, o
dinheiro necessário para seu último prazo, e apronto-me a entregar-lhe também a importância do prazo
que vai vencer. Estive em casa da Senhorita Montvoisin, para dar-lhe os 9f que ela, por sua vez, tinha a
bondade de lhe levar, em seu nome, a cada trimestre, mas ela está doente, fora de Paris, e não voltará
tão cedo, se todavia sua saúde, que dizem fortemente esgotada, se restabelecer.
Para não deixar a pobre Dona Delatre sofrer demais, vou dar-lhe eu mesmo essa pequena
importância e lha entregarei também para o trimestre que termina com o fim do presente mês. Serão,
portanto, caro irmão, 50f que você me ficará devendo, a saber: 16f para cada trimestre de aluguel e 9f
para cada trimestre também da retribuição mensal.
Não posso, você sabe, receber esse dinheiro como antes, na casa do Sr. seu irmão em Rouen;
deixo portanto à sua sabedoria a escolha do meio que você achar o melhor para me devolvê-lo.
Não deixe, caro amigo, de me dar notícias desse bom irmão. Teria sido então por causa da
saúde que deixou nossa Normandia? Ele, porém, me tinha parecido com muito boa saúde; responda-me
sobre este ponto interessante e recorde-me à lembrança desse piedoso e excelente homem que amo
bem sinceramente, e por ele e também por causa de você.
Ficarei também muito feliz se você me disser algumas palavras sobre as obras cristãs que nosso
divino Senhor lhe confiou. O regulamento tão simples e tão bem concebido que você me enviou me deu
a melhor idéia de suas reuniões de crianças e tenho a confiança de que, com a perseverança, seus
cuidados produzirão frutos bem preciosos.
Quanto a nós, temos experimentado, em St Sulpice, uma obra que chamamos de Santa Família e
que consiste em reunir todos os nossos pobres, homens e mulheres, cada quinze dias, aos domingos,
em uma missa que é celebrada para eles e onde recebem instruções especiais. Alguns exercícios, de
moldes atraentes, que temos juntado a este fundo essencial conseguiram plenamente ganhar o coração
de nossos pobres. Cada dia de reunião é uma festa para eles, e, nas ocasiões solenes, o Pentecostes
(que tinha sido precedido, graças aos nossos cuidados, por um retiro particular para eles) e a Assunção,
118
O pai de M. Maignen morrera no dia 3 de setembro do ano precedente.
119
tivemos a alegria de ver quatrocentos dentre eles, cada vez aproximarem-se conosco da Santa Mesa.
Essas reuniões realizam-se na capela baixa de S. Francisco Xavier.119
A Missa se diz ao meio dia e trinta minutos, nossos Senhores fazem um pouco de música na
primeira parte; durante o resto do Santo Sacrifício, lêem-se em voz alta as orações da missa no livrinho
La journée du chrétien. Sobre esta obra muito simples, fácil de ser aplicada e que, há seis meses,
ultrapassa todas as nossas esperanças, lhe darei detalhes mais amplos, para lhe oferecer condições de
também fazer esta tentativa.
Adeus, meu querido irmão, recomendo-me às suas piedosas lembranças e lhe peço também
alguns mémentos no Santo Sacrifício, sobretudo por minha mulher que, segundo seu costume, nesta
época do ano, está atualmente no campo.
Seu, com ternura em Jesus e Maria.
Le Prevost
115- ao Sr. Myionnet120
Após seu encontro providencial, o Sr. Le Prevost lhe expõe os meios de que dispõe para fundar uma
congregação a serviço dos pobres. Ele o incita a se decidir, ele que está livre para se movimentar.
Esperar a hora de Deus, na “oração e a prática das obras santas”.
Paris, 15 de outubro de 1844
Meu querido confrade,
Esperava com uma viva impaciência sua boa e afetuosa carta do dia 8 deste mês121; mas
contava com sua palavra e estava certo de que ela me chegaria, tão logo o retorno do Senhor Bispo de
Angers lhe permitisse escrevê-la. Entrei logo em intimidade com você e talvez você tenha ficado um
pouco surpreso com isso, mas em certas disposições do coração, as pessoas se entendem e se penetram
plenamente em pouco tempo. Pareceu-me, meu caro irmão, quando nos encontramos à saída da igreja
dos Lazaristas, que nossas almas eram assim abertas, e me deixei levar com toda confiança a você. De
seu lado, você também me falou sem reserva, e nossa união se formou: ou muito me engano ou isso é
do agrado de nosso divino Senhor e está nas previsões do seu amor.
Nestes últimos dias, recebi de Monsenhor o Bispo de Angers uma carta curta demais pelo meu
gosto, mas cheia de coisas excelentes e de pontos de vista perfeitos sobre nossa querida obra. Não
duvido, não mais do que você, que sua caridade e sua experiência nos poderiam ser de grande valia, e
esse pensamento, meu caro irmão, duplica meu desejo de vê-lo entre nós. Com efeito, ao mesmo tempo
em que você uniria suas orações e seus esforços aos nossos, para preparar a realização de nossos
projetos, seria nosso intermediário natural entre o Senhor Bispo e nós. Mantê-lo-ia a par, regularmente,
de nossas esperanças, de nossos votos, consultá-lo-ia sobre as nossas menores diligências e nos
transmitiria seus pareceres, e, espero também, suas bênçãos. Se Monsenhor, a quem acabo de
responder em toda simplicidade de coração e depois de ter muito orado, como ele havia-me
recomendado, houver por bem abrir-lhe a porta, venha a nós, meu caríssimo confrade, e tarde o menos
possível.
119
Trata-se de uma das capelas subterrâneas da igreja de St Sulpice.
Clément Myionnet (1812-1886), a primeira pedra do Instituto. Nascido em Angers, numa família abastecida,
decide-se, pelo ano 1838, a visitar os pobres. Tendo encontrado, pouco depois, Florestan Hébert, incita-o a fundar em
sua cidade natal a primeira conferência de São Vicente de Paulo. Atraído pela vida religiosa, em uma “congregação
que fosse entre os homens o que são entre as mulheres as irmãs de São Vicente de Paulo”, é encorajado por seu
bispo, Dom Angebault, a amadurecer seu projeto e a procurar companheiros. O Sr. Myionnet tendo “a convicção
íntima” de que será em Paris que achará aquele que tem o mesmo pensamento que ele, deixa Angers no dia 6 de
agosto de 1844, e chega na capital no dia 24. E é no dia 11 de setembro que acontece, na rua do Cherche-Midi, o
encontro providencial com o Sr. LP.. De volta em Angers, o Sr. Myionnet escreve, no dia 6 de outubro, ao Sr. LP.
sua resposta afirmativa e definitiva. Com esse homem de Deus, fiel e forte na provação, que quer a vida religiosa em
todas as suas exigências, a nova família será solidamente fundada.
121
A primeira carta do Sr. Myionnet ao Sr. LP. é datada do 6 de outubro, um domingo. O Sr. LP. , respondendo na
terça-feira, dia 15 de outubro, diz ter recebido a carta do 8 de outubro. Como o Sr. Myionnet não escreveu uma
segunda carta 2 dias depois, o Sr. LP. pôde ter lido distraidamente a data e confundir 8 e 6 porém claramente escrito.
120
120
Já lhe disse em que estado e em que ponto estamos. Quero repeti-lo, para que não exagere
nem nossos meios, nem nosso valor. Nosso pequeno cenáculo reúne 9 pessoas, incluindo você; 4
estariam livres desde agora e se dariam a Deus logo que ele quisesse aceitá-los; três outros ainda se
acham retidos por obrigações que, para um deles ao menos, não poderiam ser eliminadas. Os dois
últimos, embora livres, ainda estão retidos por um fio que se romperia depressa, se algum começo fosse
dado à obra; é um pouco de incerteza e de timidez na vontade. De resto, sem temeridade, creio poder
dizer que membros não faltariam à obra, se ela se estabelecesse. O importante é que seja iniciada.
Mas aqui, meu caro confrade, a escuridão é grande para nós. Deus é cioso na execução de seus
desígnios e não quer que a gente o preceda. Por isso, de costume, ele só nos mostra seus planos por
uma pequena luz, fracamente sensível, e só dá o pleno clarão gradualmente e quando chega a hora.
Para nós, neste momento, a aurora começa a despontar e aguardamos o dia.122 Veja bem, caro irmão,
se essa espera não será demasiadamente penosa para você. Não somos donos de nada, somos como a
nave que aguarda o vento no porto para içar a vela; a impaciência não serve para nada, enquanto a
brisa não sopra, é preciso ter paciência e ficar. O tempo, aliás, não seria perdido aqui para você. Com os
conselhos de Monsenhor e os de um sábio diretor, você há de modelar em si o homem interior a partir
do exemplar divino, juntará na oração e na prática das obras santas o ardor, as forças e a dedicação de
que se tem tanta necessidade, quando se quer cavar os alicerces de uma instituição caritativa. Eis aí
meu pensamento, meu caro irmão, eis aí meus votos; possam eles estar conformes aos seus e aos de
Monsenhor; então uma carta, muito próxima, me anunciaria sua chegada. Em todo o caso, escreva-me
logo; ser-me-á doce entreter-me com você e espero que nosso relacionamento servirá à nossa
edificação recíproca.
O tempo me falta hoje para escrever ao Sr. Renier.123 Agradeça-lhe com viva efusão a carta, que
me fez um grande bem; partilho com ele os sentimentos de confiança e de afeição que você lhe devotou
e conto com o futuro para nos aproximarmos cada vez mais intimamente.
Adeus, meu caríssimo irmão; reze muito por nós. De meu lado, rezo por você todos os dias.
Seu de coração em J. e M.
Le Prevost
116- ao Sr. Myionnet
Para assegurar a solidez da obra nascente, o que importa em primeiro lugar não é o número, mas o
espírito de sacrifício e de renúncia, que, só, torna capaz de se dar a Deus sem retorno. Impaciência
contida do coração do Sr. Le Prevost.
Paris, 14 de novembro de 1844
Meu querido irmão,
Nós esperávamos, com viva impaciência, é verdade, sua carta, pois se seu coração se volta para
nós, o nosso vai ao seu encontro, asseguro-lhe, e faz amplamente a metade do caminho. Possa o Senhor,
meu caríssimo irmão, aplainar logo os obstáculos e reunir-nos para a sua glória e a santificação de
nossas almas. Acabo de escrever a Monsenhor o bispo de Angers, para agradecer-lhe de novo o interesse
tão benevolente que se dignou dar-nos e pedir-lhe mais particularmente o socorro de suas luzes para a
execução de nosso querido projeto. Se este venerável Prelado consentir em guiar-nos pelos conselhos de
sua experiência, prometer-nos sobretudo suas preces e suas bênçãos, haveremos de sentir-nos mais
fortes e talvez tenhamos os meios para dar os primeiros passos.
122
“Essa carta não é somente um testemunho da íntima união que se estabelece imediatamente entre o Sr. LP. e o Sr.
Myionnet, mostra admiravelmente o duplo traço do espírito do Sr. LP. e a maneira com que empreendia as obras: se
vêem ali esse ardor contido, essa chama interior que o apressa a pôr logo a mão à obra e essa ciência bem
sobrenatural da conduta de Deus que lhe faz considerar com uma paciência e um desapego heróico os adiamentos
que a própria Providência traz para a execução de seus desígnios”. (VLP, I, p.168).
123
Jean-Baptiste Renier (1813-1889), médico, secretário de Conferência de São Vicente de Paulo de Angers, amigo
íntimo do Sr. Myionnet. Tinha subido a Paris e tinha aproveitado para avisar o Conselho de Paris da Sociedade de
que, em Angers, havia a intenção de “fundar uma ordem religiosa destinada a cuidar das crianças, dos alunos, dos
aprendizes e enfim dos operários”. O Sr. LP., presente excepcionalmente no conselho, e de Baudicour, manifestaram
um grande interesse a essa exposição (Positio, p.135).
121
O importante não é, aliás, serem bem numerosos para começar; duas ou três almas
verdadeiramente firmes e dedicadas bastariam, se sentissem em si a voz interior que chama, e à qual não
se resiste; se fossem animadas pelo espírito de sacrifício e de renúncia, para tudo deixar e se entregar a
Jesus Cristo sem pesar, sem inquietude, com amor e inteiro abandono. Se aqueles que tomarão a
iniciativa estiverem plenamente unidos, de coração e de alma, num só pensamento, serão fortes, terão a
vida, não apenas para subsistir, mas para assimilar também todos os elementos semelhantes que se
encontrarão ao seu redor. A perda de nossa querida obra, logo nos seus primeiros passos, seria um zelo
medíocre, uma vontade tímida, que se dê pela metade, faça reservas e não ouse confiar em Deus. Não
sei, caro confrade, se me engano, mas parece-me que nada se funda com tão pouca generosidade e
chama. Parece-me que, ao deixar o mundo, deve-se deixá-lo absolutamente, que, abraçando a Deus, é
preciso tudo abandonar para abraçá-lo e perder-se unicamente nele. Ouso esperar que algumas almas
desta têmpera estejam no meio de nós e poderiam tornar-se, na mão de Deus, instrumentos fortes e
dóceis a um tempo, para a execução de seus desígnios.
Continuemos, então, rezando, meu caríssimo irmão, aguardando o sinal; se nosso bom Senhor de
Angers, que a Providência parece nos indicar como primeiro guia e como apoio de nossa fraqueza,
consentir em prestar-nos assistência, sentiremos, por isso, uma profunda gratidão e lhe demonstraremos
tanta deferência quanto terno respeito.
Peça-lhe, caro irmão, conosco, toda a sua benevolência, e você terá já merecido muito por parte
de nossa pequena obra.
Sua última carta me fizera esperar que sua saída não seria muito adiada e que logo o veríamos
aqui, mas concordo plenamente com os sábios motivos que o retêm. Monsenhor o Bispo de Angers,
tocado por sua submissão e nela vendo um novo indício de sua vocação, talvez o deixe livre logo para
juntar-se a nós; senão, tudo estará bem ainda, pois sua voz deve conduzi-lo e o Senhor o confiou a ele.
Por favor, não me deixe aguardar demais sua resposta, caro irmão; nossos corações começaram a
se entender e cada uma de suas cartas me faz melhor confiar no porvir de nossa obra; conceda-nos
também algumas boas lembranças diante de Deus; você nos será também presente, acredite-o, e nossas
almas se encontrarão nele.
Seu todo devotado irmão em Nosso Senhor
Le Prevost
117- ao Sr. Myionnet124
Uma obra de aprendizes é assumida pela Sociedade de São Vicente de Paulo. É um sinal providencial
para aqueles que, como o Sr. Myionnet, querem se consagrar a Deus.
Paris, 14 de dezembro de 1844
Meu caríssimo confrade,
Adiei de propósito minha resposta à sua última carta, na espera de uma solução a respeito de
alguns assuntos interessantes de que se ocupa neste momento nossa Sociedade em Paris, e que
pareceriam abrir-nos um caminho para começar na sombra nossa obra tão desejada. Mas como todos os
arranjos não estão ainda acertados, prefiro escrever-lhe algumas palavras sem esperar mais, com a
ressalva de falar-lhe logo desse assunto de maneira mais explícita.
A Sociedade de São Vicente de Paulo tinha até agora, com a ajuda dos Irmãos das escolas cristãs,
organizado uma obra de aprendizagem para os jovens operários que colocamos junto a artesãos honestos
onde os acompanhamos, e os melhores resultados se podem esperar dela. Mas infelizmente, ou
providencialmente talvez, o Superior Geral dos Irmãos julga que esta obra foge ao espírito do Instituto do
124
Esta carta, assim como as duas seguintes (118 e 119), é endereçada ao Sr. Renier (rua Hanneloup, Angers) para o
Sr. Myionnet. Nos inícios, o doutor Renier servirá de “caixa postal” para o Sr. Myionnet, para não despertar as
suspeitas de sua família sobre a vocação religiosa de Clément.
122
Sr. de la Salle e, com muito pesar, recusa-se a autorizar seus irmãos a dirigirem-na. A Sociedade de São
Vicente procura alguns homens dedicados para se encarregarem dela, e pensamos aqui que isso pode
convir àqueles dos nossos amigos que desejam consagrar-se inteiramente a Deus. Encontrariam, com
efeito, uma ocasião e um pretexto para se reunirem sem espantar a ninguém. Aliás, a obra dos
aprendizes não é muito trabalhosa, de maneira a deixar muito tempo àqueles que cuidariam dela, e
nossos caros irmãos teriam todo o tempo livre de que precisariam para preparar-se no recolhimento e no
retiro às santas coisas que o Senhor pode pedir mais tarde. Sua posição seria, aliás, inteiramente
independente, e nenhum embaraço ser-lhes-ia imposto; a vida que teriam no interior ficaria toda
escondida, pois as crianças só voltam à casa central aos domingos.
Não insisto, de resto, aqui, sobre os pormenores destas disposições. Voltarei ao assunto logo, se
tudo se concluir como pensamos. Mesmo contando com você, caro irmão, o núcleo precioso que seria
como a semente da obra seria, como o grão de mostarda do Evangelho, a mais pequenina de todas as
sementes, mas nos alegramos com isso, bem persuadidos que toda obra de Deus começa assim. Temos a
confiança de que nosso bom Senhor de Angers não se recusará a autorizá-lo a se unir a nós, pois, se
somos bem fracos reunindo nossas forças, o seríamos verdadeiramente demais dividindo-as.
Não consigo explicar como minha carta a Monsenhor não chegou a ele, já que saiu ao mesmo
tempo que a que você me confirma ter recebido. Esgoto-me em conjecturas sobre as causas que
puderam desviá-la de seu destino. Repararei este acidente, escrevendo logo a seu venerável Prelado,
cujos conselhos e apoio se tornarão para nós mais do que nunca indispensáveis.
Não passo um só dia, caro irmão, sem colocá-lo bem intimamente nos Corações de J. e de M.
Espero que, de seu lado, você tenha algumas boas lembranças para nós.
Desculpe-me pela precipitação demais evidente nestas poucas linhas. Desejei que chegassem a
você sem mais tardar.
A você bem afetuosamente em N.S.
Le Prevost
Lembranças bem devotadas ao Sr. Renier
118- ao Sr. Myionnet
Ele o exorta a se decidir: pouco importa o primeiro trabalho, é preciso se lançar. Vantagens de sua
instalação imediata no patronato dos aprendizes. O Sr. Le Prevost coloca os princípios de seu
apostolado: - “prestar-se a todas as obras de misericórdia, - fazer coisas pequenas e que o mundo
aprecia pouco, - a forma e a matéria não poderão faltar à dedicação”.
Paris, 27 de dezembro de 1844
Meu caríssimo irmão,
Tenho apenas o tempo de lhe escrever duas palavras para dizer que acabo, como anunciei há
alguns dias, (por uma carta que se cruzou com a sua) de me dirigir ao Monsenhor Bispo de Angers, para
solicitar mais diretamente seu apoio e seus conselhos e para conjurá-lo também a mandá-lo para o meio
de nós. Somos tão pouco fortes e a obra que se trata de empreender é tão elevada, que nos é preciso
absolutamente reunir nossos recursos, sob pena de ficarmos no caminho sem atingir o fim almejado.
Disse-lhe, em minha última carta, qual seria a primeira ocupação dada ao zelo de nossos irmãos, mas
você terá entendido como eu que importava pouco, no fundo, de que natureza seria o primeiro trabalho
que eles deveriam empreender. Se Deus se dignar abençoá-los, deverão sucessivamente, aumentando
em número, se prestar a todas as obras de misericórdia que poderão lhes convir. Ora, começar pelos
meninos é tomar a coisa pela base e satisfará, aliás, o voto de sua humildade, a saber: fazer coisas
pequenas e que o mundo aprecia pouco. Se você, ou algum outro, ocupado em primeiro lugar nesse
cuidado, tem pouca disposição para isso, não importa; ele poderá mais tarde ter uma outra via e as
formas e a matéria não poderiam faltar à dedicação.
123
O que é necessário para você hoje é uma residência que não atraia os olhos, é um pretexto para
dois, três ou quatro dentre vocês se reunirem e viverem juntos. Ora, a oferta que faz a Sociedade de São
Vicente de Paulo parece em tudo favorável e providencial; ela não se inquieta e não duvida de nada, não
o interroga sobre suas intenções ulteriores e acha totalmente simples que alguns de seus membros se
dediquem mais particularmente a uma de suas obras. Você poderá, portanto, em paz, formar e estudar
seus corações, ouvir a palavra interior e entregar-se a suas inspirações. Rezamos bem instantemente aqui
para que nosso bom Senhor de Angers o envie a nós; nossa querida obra, tanto tempo parada nos seus
primeiros atos, sofreria, tenho medo125, com novos adiamentos, se não tivéssemos sua cooperação.
Entregamos tudo nas mãos do divino Senhor; possa sua caridade que nos aproximou, creio firmemente,
nos reunir para sua maior glória.
Dê lembranças ao nosso irmão, o Sr. Renier e dê-me, você mesmo, alguma parte em suas
orações; as minhas lhes serão fielmente devolvidas a um e a outro.
Seu nos corações de J. e M.
Le Prevost
P.S. --- O Presidente Geral da Sociedade de São Vicente de Paulo é o único a saber sobre seu
projeto e o de nossos amigos; ele o soube com satisfação. Prometeu favorecê-lo de todos os seus meios.
119- ao Sr. Myionnet
O Sr. Le Prevost se prepara a recebê-lo e lhe facilita os meios de deixar sua família.
Paris, 10 de janeiro de 1845
Meu caríssimo irmão,
Sua carta tão impacientemente esperada nos encheu de alegria; desde o dia em que o vi, em que
nossas almas se compreenderam tão bem diante do Senhor, me tinha sempre persuadido de que você
estaria aqui, dos nossos, e que nada começaria sem você. Essa doce esperança será realizada e o Divino
Mestre, que conhecia nossos votos, se dignou ouvi-los. Que seja mil vezes bendito por isso, caro irmão, e
possam os laços que ele formou se apertarem sempre e nunca se romperem. Que seu coração não ceda
demais, caro amigo, aos movimentos da natureza e, se não puder fazê-los parar, que os domine pelo
menos e fique seu mestre. Deus, nosso Pai, não o abandonará e se, como o Patriarca, você deixar seu
país e sua família, como ele também, em uma pátria nova, você encontrará irmãos e tornar-se-á o autor
de uma posteridade numerosa. Tenho confiança, após alguns momentos de saudade inevitáveis talvez,
você encontrará aqui a calma e a paz. Desde este momento, ou já há muito tempo, nossos amigos estão
em união de orações com você e você sentirá, espero, o efeito de suas fraternas invocações.
Escrevo hoje mesmo a carta que você me pediu, que deverá chegar a seu endereço diretamente.
Mantive-me em termos bastante gerais, para não sair da verdade, que não devemos ferir em nada. Você
poderá facilmente, parece-me, caro amigo, ficar nos mesmos limites. Quanto à viagem à Itália126, toquei
nela com uma só palavra, não achando igualmente possível me estender por esse lado, mas essa palavra
será suficiente para desviar a atenção dos seus e dispô-los mais favoravelmente a deixá-lo partir.
Venha logo, caro irmão, quanto antes será o melhor; quanto menos adiamentos colocar, menos
combate você terá.
Agradeça por mim, por favor, ao Monsenhor o Bispo de Angers por sua carta tão paterna, tão
sábia, tão cheia de encorajamento; guardo-a como um tesouro precioso e os excelentes pensamentos que
contém serão postos na base de nossa pequena obra como uma lembrança de graça e de bênção.
125
A insistência do Sr. LP. se explica menos pelas hesitações do Sr. Myionnet do que pelo fato de Dom Angebault:
este não via sem pesar o Instituto se fundar fora de sua diocese.
126
Para não inquietar sua família e preparar seus irmãos, onde trabalhava, para sua ausência, o Sr. Myionnet lhes
tinha falado, de modo vago, de um projeto de viagem à Itália e os tinha prevenido para lhe acharem um substituto. Na
carta seguinte (120), endereçada no mesmo dia mas diretamente ao Sr. Myionnet, o Sr. LP. alude in fine a essa
viagem à Itália, isso com o objetivo provável de preparar a família Myionnet para o projeto de uma longa viagem...
124
Abrace por mim nosso irmão Renier, que fará parte também de nossa família e pelo qual,
doravante, sinto a mais terna afeição.
Esperarei de você uma nova carta logo, será a última. Adeus.
Seu de coração em J.e M.
Le Prevost
120- ao Sr. Myionnet127
(Endereçada diretamente ao Sr. Myionnet)
Apelo para que venha auxiliar as obras da Sociedade de São Vicente de Paulo em Paris.
Paris, 10 de janeiro de 1845
Meu caro confrade,
Nossos encontros foram tão rápidos quando de sua curta passagem por aqui que não pude
captar, no seu conjunto, os pormenores que você me comunicou sobre suas obras de Angers. Só guardei,
em particular, uma lembrança confusa das tentativas infrutuosas, creio, que você tinha feito na casa de
Mille-Pieds128, e dos projetos que nossos amigos teriam para utilizar esta aquisição. Lamento isso tanto
mais que nossa Sociedade cuida em Paris particularmente das crianças e aprendizes e que, talvez, nossos
esforços unidos aos seus poderiam trazer algum resultado útil. A colônia de Mettray, a de São Firmino129,
que começa também a prosperar grandemente, são exemplos bem marcantes do bem que se pode fazer
com recursos menores talvez do que aqueles de que podemos dispor. Por que, meu caro confrade, uma
santa emulação não se apoderaria de nós também? E por que, com a ajuda do Senhor, tentativas mais
amadurecidas e melhor preparadas não teriam um feliz êxito? Mas para um tal desígnio nossas
conferências isoladas são fracas demais; muitas delas, senão todas, deveriam unir-se e combinar entre si
para prevenir novas decepções e assegurar o bem moral que quereriam realizar. Neste caso, o que você e
os seus amigos, caro confrade, poderiam fazer? Que cooperação, que simpatia poderíamos esperar do seu
lado? Quais os meios que vocês teriam, se as coisas tendessem a se ampliar e a afastar-se de Paris, para
ajudar mais tarde a criar um estabelecimento? Essas perguntas, sinto bem, são graves e não podem ser
resolvidas com precisão por cartas. Por isso, caro confrade, eu não acharia presumir demais do seu zelo
pedindo-lhe, se seus negócios estão agora menos urgentes, como você o tinha esperado, de conceder-nos
um encontro que, por breve que pudesse ser, esclareceria as coisas mais do que um montão de cartas!
Deixei entrever ao nosso Presidente geral que nossos amigos de Angers, e você em particular, estariam
dispostos a ajudar-nos ativamente; demonstrou por isso uma viva satisfação e não duvida de que um
acordo tão desejável não fosse para nossas conferências o início de uma era nova na carreira de nossas
obras.
Examine este assunto com amadurecimento, caro confrade, veja o que sua posição lhe permite
fazer e, se ceder aos nossos votos, faça com que sua chegada não tarde muito; nossos amigos
desejariam construir um acordo definitivamente antes do fim de janeiro.
127
Endereçada diretamente ao Sr. Myionnet, negociante, rua Beaurepaire, Angers, Maine-et-Loire. O Sr. Myionnet
tinha sugerido ao Sr. LP. escrever-lhe uma carta que pudesse comunicar à sua família e que serviria de pretexto a
uma viagem a Paris.
128
Domínio que se encontrava na estrada de Saumur, perto de Angers. Vasta propriedade comprada, em parte, com o
dinheiro do Sr. Myionnet, era destinada a acolher uma comunidade de jovens vindos de Orléans para se dedicar às
obras de caridade em Angers. A tentativa não foi concludente. O próprio Dom Angebault tinha dissuadido o Sr.
Myionnet de entrar nesse grupo. O Sr. Myionnet tinha também ajudado um lar, na rua Courte, em Angers, onde
estavam alojados alguns operários, mas que teve de ser fechado, em prejuízo do Sr. Myionnet e dos confrades. “É
esse lar, que me deu tanta pena e ocasionou tantos desgostos, que foi verdadeiramente a causa determinante de minha
vocação.” Confidência do Sr. Myionnet, in Vie de C. Myionnet, por C. Maignen, p.68-69.
129
Entre 1825 e 1860, se pensou em remediar os males do pauperismo criando colônias agrícolas. O célebre
economista Villeneuve-Bargemont, precursor do catolicismo social, as encorajou muito. Não tiveram a eficácia
social que se acreditava. Desapareceram após 1860. Havia as colônias agrícolas “de educação correcional”, para os
jovens detentos, das quais a mais conhecida era a de Mettray, perto de Tours. Outras colônias reuniam, como em um
orfanato, crianças pobres ou abandonadas: a do Mesnil-Sr-Firmin, na Oise, era dessa categoria, Armand de Melun
cuidou dela ativamente durante muitos anos.
125
Aguardo sua resposta para comunicá-la a eles.
Seu bem afetuosamente em N.S.
Le Prevost
P.S. --- Como é que ficou seu projeto de viagem à Itália? Tornaríamos a falar nisso aqui se fosse o caso.
[-120.1-]130 RELATÓRIO SOBRE A CONFERÊNCIA S. SULPICE
ESTADO do PESSOAL no dia 31/12/1844 :
MEMBROS da DIRETORIA :
Presidente
Vice-Presidente
Secretários
Tesoureiro
Sr.
Sr.
Sr.
Sr.
Sr.
Le Prevost
de Montault
Robin
Dufresne
Cuvino
rua
rua
rua
rua
rua
do Cherche-Midi
de Lille
Belle-chasse
de Madame
de Madame
98
83
100
8
8
MEMBROS que deixaram a Conferência para ir habitar nos lugares onde a Sociedade não está
estabelecida:
Nome ; Profissão; Lugar do domicílio; Bairro:
nada
1o – ESTASTICA dos
Membros ativos
140
“
honorários
aspirantes
Número
dos Benfeitores :
das Subscrições :
Número dos membros entrados neste ano no estado eclesiástico: 1
2o – NÚMERO das FAMÍLIAS visitadas
300
dos casamentos realizados
filhos legitimados
crianças acolhidas em sala de asilo
crianças “patrocinadas”
20
aprendizes “patrocinados”
operários instruídos
militares instruídos
“Savoyards” instruídos
doentes visitados
presos visitados
20 primeiras comunhões.--- 2 protestantes abjuraram.--- A conversão de uma senhora ocasionou a de
seus 10 filhos.--- 3 batizados.
CONTAS do ano 1844 – do 1o de janeiro ao 31 de dezembro –
RECEITAS
Coletas das sessões ordinárias
Coletas extraordinárias
Subscrições
Donativos particulares
Loterias
Sermões de caridade
Receitas diversas
130
Esse relatório não é do punho do Sr. LP.
3 105.05
455.00
848,10
1 200,00
3 640,65
97,75
126
Donativo da Caixa central
___________
TOTAL 9 346,55
993,05
___________
TOTAL
10 339,60
Saldo do ano precedente
DESPESAS
OBRA DA VISITA DOS POBRES
Para 12 855 kilos de pão
Para 2 270 litros de caldo e 740 kilos de carne
Para 1 050 kilos de arroz
Combustíveis
Vestimentos
Diversos outros socorros em natureza
Socorros em dinheiro
OBRA DO PATRONATO DAS CRIANÇAS E APRENDIZES
OBRAS DIVERSAS
DESPESAS DIVERSAS
IMPORTÂNCIA paga à CAIXA do CONSELHO GERAL
TOTAL
4 400,55
1 208,50
515,45
389,30
260,00
662,50
1 636,00
324,55
300,00
_______
9 696,85
BALANÇA
Receitas
10 339,60
Despesas
9 696,85
Diferença
642,75
121- ao Sr. Levassor
Notícias das Conferências de Paris e de Chartres. Indulgências pontificais. A Santa-Família se desenvolve
na província.
Paris, 12 de março de 1845
Meu querido irmão,
Há sete anos o Sr. Michelet deixou de ser mestre de conferências na Escola Normal e os alunos
desse estabelecimento não assistem ordinariamente às suas aulas no Colégio de França. Durante os dois
primeiros anos de seus estudos na Escola, não podem, sob pretexto nenhum, freqüentar cursos exteriores
e, durante o terceiro ano, têm somente licenças raras e excepcionais para esses cursos. Estas
informações, que só pude obter ontem à noite, me vêm de fontes seguras e você pode ter certeza de sua
exatidão.
Agradeço-lhe, em nome de nossa pobre Dona Delatre, as medidas que quer tomar relativamente
aos auxílios que você lhe concede tão fielmente. Se precisar dos 50f em breve, pedirei para recebê-los da
Sra. sua tia, como você me autoriza. Senão, aguardarei a boa visita que você me promete, que me será
bem preciosa, assim como pode pensar. Dona Delatre tem mais do que nunca necessidade da ajuda de
seus antigos amigos: quase todos os que se interessavam por ela morreram ou se dispersaram. Sua
saúde, aliás, é cada dia pior. Teve ultimamente uma abundante hemorragia de peito, que deu
127
inquietações, mas ela se restabeleceu bastante depois. Conserve-lhe, meu querido irmão, seu caridoso
apoio e leve até o fim esta boa obra, uma das melhores e das mais constantes de sua vida cristã.
Fico sabendo com pesar que nossa conferência de Chartres tenha mudado de direção. Ela estava
em mãos perfeitas e não capto daqui as razões de uma tal revolução. Penso, todavia, que se trata
somente de uma modificação realizada amigavelmente, já que você mantém sempre para nossos amigos
sua preciosa e tão útil cooperação. Quanto a nós, continuamos aqui a caminhar bastante bem. Nosso
venerável Presidente geral cuida de tudo em nossas obras com um ardor de jovem, mas juntando a isso
toda a prudência própria à sua idade e à sua longa experiência.
Tenho a confiança de que sua passagem entre nós será assinalada por uma consolidação do bem
iniciado e pelo desenvolvimento de todas as nossas obras.
Você já sabe a profusão generosa do Santo Padre para conosco nas indulgências múltiplas que
acaba de nos conceder. Dignou-se de reconhecer a Sociedade de São Vicente de Paulo, tal como
instituída, e a cumulou de graças espirituais extraordinárias. Você já recebeu, sem dúvida, cópia do Breve
de Sua Santidade e terá devidamente louvado a Deus conosco.
Fico-lhe muito agradecido pela boa lembrança que você dá à nossa Santa Família, que se sustenta
sempre e se torna cada vez mais numerosa. Acabam de estabelecer uma em Tours; prepara-se uma em
Orléans. Talvez, após sua viagem a Paris, você julgará possível ter uma na sua cidade. Esta obra é
simples e pouco dispendiosa e, consequentemente, de fácil acesso. Se você pensar em juntar-se a nós,
em uma de nossas reuniões, elas realizam-se nos segundos e quartos domingos de cada mês, eu ficaria
particularmente consolado.
Teria mais outros pormenores a lhe dar sobre a obra das crianças que se organiza sobre novas
bases ou, antes, que se desenvolve somente com alguns melhoramentos, mas o capítulo seria longo; adio
as explicações para alguma próxima ocasião.
Adeus, meu querido irmão, neste momento estou precisando bem particularmente de suas
orações por mim e por minha pobre casa; pense em nós no Santíssimo Sacrifício e peça que o Senhor se
digne de manejar nossos corações como lhe aprouver.
Seu nos corações de Jesus e Maria
Le Prevost
121.1- a Dom Angebault
Confiança em Deus. A vocação do Sr. Le Prevost é juntar-se ao Sr. Myionnet, mediante consentimento
de sua mulher. Que Deus lhe obtenha “luz e bênção”.
Paris, [abril] 1845
Monsenhor,
Quantas graças devemos dar ao Senhor, cuja bondade se dignou proporcionar à nossa pequena
obra nascente a proteção, os conselhos, a sábia direção de um de seus Pontífices, e dar a um tão
pequeno começo uma tão grande bênção!
Sem seu apoio, Monsenhor, talvez tivéssemos perdido ânimo, depois das provações que, uma
após a outra, nos atingiram. Mas, vendo Sua Grandeza tão cheia de confiança no futuro da pobre
Comunidade, recebendo suas palavras tão ardentes e tão afetuosas ao mesmo tempo, sentimos que o
divino Mestre não estava longe e ficamos firmes em nossa esperança. De vez em quando ainda, quando
medimos a grandeza da tarefa e a fraqueza de nossos meios, sentimos um pouco de pavor, mas essas
falhas duram pouco, nos lembramos de que as vias de Deus são misteriosas e seus fins sempre sem
proporção com nossos meios; nos recordamos sobretudo de seus favores e das graças que nos tem feito
e nos abandonamos em paz à sua direção e a seu amor.
128
Digo “nos”, e Sua Grandeza me perdoará isso, espero, não porque eu entenda assim me associar
inteiramente aos méritos do irmão Myionnet, mas porque uma viva simpatia e a mais terna caridade me
unem a seus trabalhos e a seus esforços. Esforcei-me também em partilhar seus exercícios, na medida em
que minhas outras obrigações me permitem, a fim de suprir os que faltam e de dar-lhe ao menos a
sombra da vida comum, enquanto se aguarda a realidade. Todos os nossos confrades de São Vicente lhe
mostram, por sua vez, uma sincera benevolência e se apressaram, após o nosso apelo, em prestar-lhe
auxílio para a obra dos aprendizes. Os começos se vislumbram bem, já se pode constatar alguns
progressos e, segundo toda aparência, ele terá logo ganhado o coração de todas as suas crianças. Esse
bom Irmão é tranqüilo e confiante e não duvida de que o Divino Senhor lhe envie mais tarde irmãos
dedicados para auxiliá-lo.
Guardo a esse respeito, Monsenhor, o sentimento que pus com tanta felicidade em seu coração,
no dia de sua partida e, se Deus se dignar de me dar vocação, responderei, espero, ao seu apelo.
Consultei o Sr. Beaussier131, assim como Sua Grandeza havia julgado necessário, e o encontrei assim
como Monsenhor, favoravelmente disposto. Ele julgou somente, com Sua Grandeza, que um
consentimento bem preciso e bem nítido devia me ser dado para me liberar do laço que ainda me amarra,
mesmo que fracamente.
Já preparei um pouco as vias a esse respeito e não percebi nada que me pressagie uma
resistência. Todavia, não poderia prever o desfecho enquanto a prova definitiva não foi feita. Se isso lhe
agradasse, Monsenhor, após ter bem rezado e ter-me entregue nas mãos de Deus, daria o passo decisivo.
Admitindo-se que, desde o início, eu obtivesse um consentimento inteiro e perfeito, ficaria ainda para
mim, para regularizar minha posição sob outros aspectos, muitas diligências e providências que me
levariam sem dúvida para além do prazo de três meses que Sua Grandeza me prescreveu. Permanecerei,
portanto, fielmente no limite que me traçou. Se desse seu assentimento, Monsenhor, a essa disposição,
ousaria solicitar uma grande graça: seria que o dia em que deverei falar me fosse designado de antemão
por Sua Grandeza e que, neste mesmo dia, tivesse a extrema caridade de dizer a Santa missa para obterme, da parte de Deus, luz e bênção. Apesar de qualquer coisa que acontecesse depois, me sentirei
tranqüilo, bem assegurado de que estou segundo o bel-prazer divino. Aguardarei, portanto, Monsenhor, a
resposta de Sua Grandeza e não irei mais longe sem ter recebido seu aviso e sua direção.
Acreditei até agora não dever dizer nada ao bom Sr. Myionnet, por medo de ter em seguida que
retirar minhas palavras, se provasse algum obstáculo insuperável. Pareceu-me bom, aliás, que pudesse
me ver de perto e bem intimamente para julgar, com conhecimento de causa, se pode verdadeiramente
encontrar em mim um companheiro e um irmão que partilhe seus trabalhos e se una a ele no Coração de
Jesus Cristo.
Guardo, enquanto fico esperando, a lembrança de seus conselhos paternais, Monsenhor, torno a
ler os dizeres de seus caros santinhos, saboreio-os e medito, esforçando-me por bem captar seu espírito.
Confiança em Maria, humildade, espírito interior, eis aí o que me aconselhou; tenderei a isso com todas as
minhas forças. Mas minha vida será demasiadamente curta para um objetivo tão elevado, a não ser que
suas orações aplainem e abreviem o caminho. Solicito-as, portanto, bem ardentemente e ousarei, pobre
como sou, oferecer ao Senhor em retribuição a expressão de minha terna gratidão e de meus votos bem
ardentes por Sua Grandeza.
Queira ter a certeza disso, Monsenhor, e aceitar o humilde respeito com o qual sou
Seu muito obediente e muito devotado servo em N.S.
Le Prevost
122- ao Sr. Levassor
Pedido de orações para obter a graça de que sua mulher consinta na separação.
131
Na morte do padre de Malet, seu guia espiritual, o Sr. LP. se tinha dirigido a seu sucessor como capelão das Irmãs
de Ste-M.-de-Lorete, rua do Regard. Jean-Baptiste Beaussier (1802-1871), nascido em Eure-et-Loir, (diocese de
Chartres), foi ordenado padre em Paris em 1826. Seu nome voltará muitas vezes nos escritos do Sr. LP: foi para ele
um conselheiro sábio, notadamente nas escolhas mais difíceis: fundação do Instituto, diligências em vista da
separação entre ele e sua esposa, caminhada para o sacerdócio.
129
Paris, 24 de abril de 1845
Meu querido irmão,
Venho mais uma vez solicitar a esmola de suas orações, a fim de obter algumas graças
particulares que neste momento estou pedindo a Deus.
Comecei antes de ontem uma novena que terminará no dia 30 de abril; se quiser até lá dizer
nessa intenção o Memorare, lhe ficaria muito agradecido.
Desejaria muito também que você pudesse, no fim da novena, dizer a Santa Missa com a mesma
intenção. É pedir demais, receio, talvez você não esteja livre para aceder ao meu desejo a este respeito.
Você julgará o caso, meu querido irmão, não saberia fazer melhor senão abandonar o assunto à sua terna
caridade por seu afeiçoado irmão em N.S.
Le Prevost
P.S. Se o último dia da novena não estivesse disponível para você, um outro seria sempre bem precioso
para mim.
122.1- à Sra. Le Prevost (nascida de Lafond)132
Pedido de separação. Ele deseja um consentimento nítido e preciso.
30 de abril de 1845
Querida amiga,
A sobrecarga de meus trabalhos, o esgotamento sempre maior de minha saúde que me obriga a
seguir outro regime de vida, enfim a necessidade de definir mais nitidamente minha posição por demais
dividida entre obrigações diversas, me determinam definitivamente a deixar a administração e a
aposentar-me. Não tomei esta decisão sem reflexões amadurecidas. Examinei bem, tanto para você
quanto para mim, quais seriam as conseqüências, e me convenci de que, sem prejuízo algum para você,
me asseguraria um pouco do descanso de que sinto a mais urgente necessidade.
A independência de seus recursos próprios, a insuficiência dos meus para acrescentar algo de
favorável à sua existência, a diferença dos nossos hábitos, a raridade de nossos relacionamentos, tudo me
persuade de que minha determinação nada mudará, na verdade, em sua situação, que eu não gostaria,
por nada neste mundo, nem de piorar nem de perturbar. A minha modesta aposentadoria não me deixará
senão a escolha de dois meios: viver no campo, ou retirar-me numa Comunidade. O primeiro não conviria
muito aos meus hábitos e às minhas necessidades. Só forçado recorreria a ele, caso minha saúde se
alterasse cada vez mais. Só o segundo me parece viável e é nele que me detive definitivamente; mas,
para tal, querida amiga, preciso de seu assentimento e o espero da sua boa vontade, como de sua afeição
por mim.
Tenho ainda, parece-me, algum bem a fazer. É minha única porção neste mundo e será também
meu único legado. O que me resta de forças e de dias será suficiente talvez, não quereria me recusar a
isso. Pense bem nisso, por favor, querida amiga, um dia ou dois, e escreva-me algumas linhas de resposta
bem nítida e bem positiva. Não é um consentimento arrancado e forçado que peço: equivaleria para mim
a uma recusa e eu não poderia, nem quereria usá-lo; é um assentimento livre, simples, e cordial que
coloque meu espírito em paz e nos deixe um para com o outro numa união verdadeira e em boa
disposição de coração.
Se achar, querida amiga, que pode me dar um tal assentimento, o receberia com gratidão. Se
fosse diferente, eu não insistiria, decidido de antemão, quaisquer que sejam as conseqüências, a manter
até o fim todas as obrigações que me são impostas.
[L.P.]
132
Das cartas ou bilhetes enviados à sua mulher pelo Sr. LP., as ASV. possuem apenas cópias ou rascunhos (no
número de 9). Os originais das respostas estão nas ASV.
130
122.2- à Sra. Le Prevost (nascida de Lafond)
A resposta ao pedido não o tranqüilizou. O Sr. Le Prevost quer que ela se pronuncie mais nitidamente.
4 de maio de 1845
Sua resposta133, querida amiga, não me tranqüiliza. Já lhe disse, não quero que minha decisão a
prejudique em nada; se perturbar seu descanso, renunciarei a ela.
Peço-lhe somente para bem refletir. Se examinar as coisas tranqüilamente e com calma, estou
persuadido de que você partilhará meu parecer.
L.P.
122.3- à Sra. Le Prevost (nascida de Lafond)
Diante do silêncio de sua mulher, o Sr. Le Prevost se inquieta, mas insiste de novo.
6 de maio de 1845
Seu silêncio me faz pensar, querida amiga, que você desaprova meu desígnio. Se a atormenta,
não pensemos mais nele; procuraremos outros meios.
Você parecia acreditar que, abandonando minhas ocupações na Sociedade de São Vicente de
Paulo, eu poderia recuperar forças e saúde. Julgo esse meio muito insuficiente, mas se parecer
definitivamente necessário, me decidirei a isso. Mais uma vez, por favor, não se inquiete, eu não mudarei
nada sem seu pleno e inteiro assentimento. A resolução que eu tomaria, qualquer que fosse, se devesse
entristecê-la, deixaria de me dar a paz e a tranqüilidade.
L.P.
122.4- a Dom Angebault
O Sr. Le Prevost espera uma resposta de sua mulher. Será segundo “o bel-prazer de Deus”. Zelo do Sr.
Myionnet. Primeiros passos para o estabelecimento de uma Santa-Família em Angers.
Paris, 20 de maio de 1845
Monsenhor,
Demorei para responder à carta que Sua Grandeza teve a bondade de me dirigir no dia 15 do mês
passado, pensando poder obter uma solução sobre minha posição e tornar a receber seus conselhos
paternos; mas até agora permaneço na dúvida, já que nenhuma decisão precisa me foi dada. Não
precipitarei nada e esperarei o bel-prazer de Deus, sem me adiantar temerariamente se ele não quer me
abrir o caminho, mas também, espero, sem recuar se ele se dignasse entrar comigo nesse caminho.
Nosso muito querido irmão Myionnet caminha sempre com coragem na obra que lhe é confiada; o
número de seus jovens aprendizes aumenta, ele sabe fazer com que o amem e respeitem ao mesmo
tempo; tudo faz pressagiar um feliz resultado.
Junto aqui, Monsenhor, uma pequena nota que imprimimos sobre nossa obra da Santa Família, à
qual peço à Sua Grandeza que se digne dar uma olhada. Ficaríamos felizes se essa pequena associação
formada entre as famílias pobres ou da classe operária, e que começa a produzir aqui frutos tão bons,
pudesse, sob o seu patrocínio benevolente, se formar também em Angers. O Sr. Myionnet pensa que ela
se desenvolverá muito, somente quando houver irmãos em número suficiente para sustentá-la. Sou do
mesmo parecer porque ela não pode receber seu completo desenvolvimento, senão com a ajuda de
133
“A maneira que usa ao pedir meu consentimento não permite recusá-lo; assim, faça portanto segundo seus
desejos”. A[ure] Le Prevost
131
homens dedicados que lhe consagrem uma grande parte de sua vida e de suas afeições; mas, sem chegar
desde o início à sua perfeição, ela pode receber um começo de execução que não deixaria de fazer um
bem considerável aos pobres operários e aos que lhes dariam cuidados. Sua Grandeza julgará se, salvo as
modificações que podem exigir as circunstâncias e os lugares, ela pode autorizar nossos amigos de Angers
a dirigir seus esforços para este objetivo.
Ouso, Monsenhor, reclamar sempre alguma parte em suas orações e peço-lhe que aceite a
homenagem do terno e profundo respeito com o qual sou em N.S.
Seu muito humilde e muito obediente servo
Le Prevost
122.5- à Sra. Le Prevost (nascida de Lafond)
O Sr. Le Prevost chega a suplicar à sua esposa. Que ela lhe comunique sua decisão, qualquer que seja.
1845
Não podemos, querida amiga, permanecer assim indefinidamente. No interesse, de ambos, é de
se desejar que cheguemos a uma solução. Se, como acho, não sou muito útil para você; se posso, sem
prejuízo para você procurar algum descanso e dispor dos dias que me restam, consinta nisso
francamente, com benevolência e conservando-me sua afeição; se as coisas se apresentam
diferentemente, declare-o também nitidamente; desde então abandonarei, embora com pesar, um
pensamento que considero bom, mas que deixaria de sê-lo se ele não tivesse seu inteiro assentimento.
L.P.
123- ao Sr. Levassor
Falecimento de Dona Delatre, a última das “três velhinhas”.
Paris, 26 de junho de 1845
Meu querido irmão,
Tenho tristes notícias a dar-lhe a respeito de nossa boa Dona Delatre. Antes de ontem à noite,
vieram me avisar que ela havia sido encontrada no seu quarto, desmaiada, embora ainda respirando. Os
vizinhos, não vendo nada melhor a fazer, para dar-lhe prontos socorros, a levaram ao asilo da Caridade,
onde foi imediatamente acolhida. Apressei-me, desde ontem, para chegar até lá a fim de ver essa pobre
senhora e assegurar-lhe todos os cuidados que podia reclamar sua posição; mas fiquei sabendo que ela
havia falecido sem ter recobrado os sentidos. Deram-lhe a extrema-unção, sem poder fazer nada mais por
causa do estado em que se encontrava.
A retidão habitual de seu coração, seus longos sofrimentos, sua resignação e o hábito que tinha
das coisas santas nos deixam cheios da esperança de que ela encontrará junto ao Senhor a paz e a
felicidade que gozou pouco sobre a terra.
Tomamos as medidas necessárias para que essa pobre mulher seja sepultada cristamente. Seu
enterro realizar-se-á amanhã, sexta-feira, às 8 horas e meia da manhã. Apresso-me, meu querido irmão,
em dar-lhe estes pormenores, bem certo do terno e caridoso interesse que terá por eles. Não lhe peço
oferecer o Santíssimo Sacrifício pelo descanso de sua alma, sabendo bem que seu primeiro pensamento
se voltará para esse lado.
Sempre pensei que seu comportamento tão dedicado e tão caridoso para com essa pobre senhora
tinha sido uma das fontes das bênçãos que o Senhor derramou sobre você e que daí, talvez também,
havia provindo a vocação santa que o fez o ministro do Senhor. Possa a pobre alma que você tantas
vezes consolou intervir por sua vez junto ao Mestre de toda consolação e lhe obter suas mais caras
bênçãos.
132
Recomendo-me às suas boas orações e sou na caridade de N.S.
Seu bem afeiçoado irmão
Le Prevost
123.1 a Dom Angebault
Desenvolvimento da Comunidade. O Sr. Maignen tem o desejo de entrar nela. O Sr. Myionnet suporta
sozinho o peso das obras. Solidez de sua vocação. O Sr. Le Prevost quer dissipar a dúvida sobre o
consentimento dado por sua mulher. Ele se abandona a Deus, mas vive esse tempo dos começos como
uma dolorosa provação.
Paris, 8 de julho de 1845
Monsenhor,
O Sr. Padre Choyer134 nos tendo, há bastante tempo já, anunciado seu próximo retorno a Angers,
tínhamos adiado até agora o envio de nossas respostas às cartas que Sua Grandeza se dignou nos
escrever, na mesma data, ao Sr. Myionnet e a mim; mas os adiamentos se prolongando além de nossa
espera, não queremos deixar mais tempo interrompida uma correspondência tão amena e tão preciosa
para nós.
Gostaria, Monsenhor, de dar-lhe aqui algumas notícias bem decisivas sobre a constituição de
nossa cara obra, sobre seus desenvolvimentos e seu futuro, mas apraz até agora ao Divino Senhor deixar
seus desígnios na sombra e exercer-nos na espera e na paciência. Um excelente jovem cuja piedade, bom
espírito, caráter agradam muito ao bom irmão Myionnet e a mim se apresenta para o noviciado, mas ele
ainda não está absolutamente livre e alguns laços de família o retêm ainda para um pouco de tempo. O
Sr. Padre Beaussier, que o dirige e tem para com ele um terno interesse, julgará sua vocação e indicará o
momento oportuno de lhe responder, se é o caso.
Quanto a mim, Monsenhor, ainda nada de bem definido também; obtive por escrito um sim que
Sua Grandeza julgava, com o Sr. Beaussier, de primeira necessidade, mas não me pareceu certo que esse
consentimento foi dado sem descontentamento; aguardo que os fatos venham tirar toda espécie de
dúvida a esse respeito; as previsões são favoráveis e as determinações o serão igualmente segundo toda
aparência. Recomendo-me portanto de novo, Monsenhor, às suas orações a fim de que Deus se digne
manifestar-me sua santa Vontade.
Quanto ao excelente Myionnet, primeira pedra posta por Monsenhor em nosso edifício, permanece
até aqui firme e sólido sobre seu alicerce. Ele ora, medita, estuda e trabalha alternativamente, em
proporções felizes, parece-me, para cada exercício; queixa-se somente um pouco de que a obra cuja
carga lhe é imposta não seja, desde agora, assumida por um ou dois irmãos que aliviariam seu fardo. Um
bom número de membros da Sociedade de São Vicente de Paulo prestam-lhe, é verdade, uma ajuda cheia
de zelo e de benevolência, mas eles não podem ser bastante exatos e bastante assíduos nos seus ofícios
respectivos, para que o bom irmão não guarde alguma solicitude. Isso atrapalha, diz ele, seu
recolhimento, no estudo e na oração, embora consagre a ambos o tempo que sua sabedoria havia
marcado. Espero que este inconveniente seja só passageiro e que logo, de uma ou outra forma, a ajuda
de que ele sente necessidade lhe será dada.
Evitamos, aliás, Monsenhor, considerar nos começos felizes do patronato um objetivo já atingido;
não poderíamos parar por ali e ver nisso o término de nossos esforços. Esta obra, como todos os demais
trabalhos que poderiam nos suceder, não passará, espero, de um meio para realizar o pensamento bem
mais alto e sério que enche nossos corações; mas experimentamos todos os dias que, em semelhante
caminho, o Deus cioso deixa pouca ação própria aos que ele se digna de introduzir nele: andamos, passo
a passo, como ele nos conduz, sem que dependa de nós irmos mais depressa e dominar a situação.
134
Diretor das oficinas São José, em Angers, (das quais a mais importante fabricava objetos para o culto), fornecerá
em 1855 a estátua da Virgem destinada ao santuário de Nossa Senhora da Salete. Grande amigo do Instituto, terá o
desejo de ligar-lhe sua obra, mas o projeto não se concluirá. Participará no Congresso das Obras que se realizará em
Angers, em agosto de 1858.
133
Procurando bem, examinando escrupulosamente o passado, não achamos nada omitido, nada descuidado
voluntariamente, nada que tenhamos que lamentar como escapado por nossa culpa e por falta de
vigilância; talvez o Senhor queira nos mostrar até aqui nossa fraqueza e nossa incapacidade, e aguarda,
após ter recebido a confissão dessa pobreza, para conceder-nos sua força e agir conosco.
Monsenhor, que há muito tempo Deus tornou poderoso em obras, que Ele colocou entre seus
pontífices e os eleitos do santuário, dando-lhe graça e missão para aconselhar, exortar e amparar, dignese continuar nos aconselhando, nos encorajar por sua caridade e nos conceder sobretudo suas orações.
Com um tal apoio, não iremos esmorecer, continuaremos na santa confiança dos apóstolos no Cenáculo e,
em qualquer hora que o Espírito desça, nossas almas estarão abertas para recebê-lo.
Tenha a bondade de aceitar, Monsenhor, a homenagem do respeito e da profunda gratidão com
os quais sou
Seu muito humilde e muito obediente servo e filho em N.S.
Le Prevost
124- ao Sr. Levassor
Exéquias de Dona Delatre.
Paris, 11 de julho de 1845
Meu querido irmão,
Os últimos deveres foram prestados cristamente e de modo bem conveniente à sua pobre Dona
Delatre. O isolamento dessa infeliz mulher, aliás, se fez notar muito, nessa triste circunstância. Aos
poucos, quase todas as pessoas que a tinham conhecido haviam deixado ou este mundo ou Paris.
Estiveram, na missa de seu enterro, somente a cunhada do Sr. Pianet, um bom moço que a visitava pela
Sociedade de São Vicente de Paulo e eu. Depois da missa, tive que, forçosamente, chegar a meu
ministério, o bom moço ficou, portanto, encarregado de escoltar o cortejo fúnebre. Sozinho e de chapéu
na mão, acompanhou a pé o carro e presidiu a todos os pormenores da cerimônia.
Por seus cuidados uma pequena grade com uma cruz marcará o local onde a pobre senhora está
estabelecida até o último dia; seus filhos e você, caro irmão, que era mais do que um filho para ela,
saberão portanto onde a reencontrar.
Não sei onde está atualmente seu filho; se você sabe onde reside, seria uma boa ação informá-lo
sobre o falecimento de sua mãe. Ela deixou alguns poucos móveis cujo valor será absorvido pelos gastos,
se os que têm direito a eles tardarem demais para se apresentar.
Aliás, não pudemos obter o reembolso de nenhuma das importâncias adiantadas para os gastos
do enterro etc., que atingiram a soma de 55f.
Se achar bom, caro irmão, tomará sua parte, uma importância equivalente à que você estava para
me mandar, quer dizer 25f. Repartiremos o resto da melhor forma.
Lamentei muito tê-lo visto tão rapidamente, quando de sua última viagem: mal pudemos trocar
algumas palavras de afeição; vamos suprir, caro amigo, a tudo o que nos faltou, desse lado, orando um
pelo outro. Durante a novena que começará na véspera da festa de São Vicente de Paulo, terei
necessidade particular de suas piedosas lembranças diante de Deus; solicito-as com uma viva instância e
prometo-lhe, de meu lado, não esquecê-lo.
Seu com ternura em J. e M.
Le Prevost
134
124.1- ao Sr. Bailly
Venda de livros (Vie de S. V. de P.) distribuídos pela livraria Périsse.
14 de julho de 1845
O Sr. Le Prevost tem a honra de oferecer ao Sr. Bailly seus sentimentos respeitosos e devotados
e lhe remete 107f. 50, provindos dos livros Périsse. Faltam apenas a receber uns 40f., que o Sr. Le
Prevost espera receber também em seguida, para finalizar a operação.
L.P.
125- ao Sr. Demuison135
Solicita sua ajuda para os cantos da Santa-Família.
Paris, 13 de setembro de 1845
Senhor e caro confrade,
Lembro-o da amável promessa que você me fez de acompanhar os cantos de nossa Santa
Família na reunião de amanhã e o agradeço de antemão por este novo testemunho de interesse por esta
pequena obra. Teria escrúpulo, todavia, se deixasse de dizer-lhe que nosso confrade, Sr. Vandenbrule,
nosso acompanhador habitual, renunciou à sua viagem a Versailles e que não seria impossível obter sua
assistência se você achasse desejável, para sua conveniência pessoal. De outro jeito, ele não ficará
chateado se tiver um dia de folga e lhe será grato por ter tido a bondade de substituí-lo.
Queira acreditar, meu caro confrade, em todos os meus sentimentos mais devotados.
Le Prevost
125.1- à Sra. Le Prevost (nascida de Lafond)
Agradecimentos por ter dado seu acordo à separação.
15 de setembro de 1845
Não espero ser feliz como você diz, querida amiga, mas minha saúde, tão fortemente
enfraquecida há um ano, não podendo me prometer doravante uma carreira bem longa, desejei consagrar
o pouco de tempo que me resta à oração e às obras de caridade.
Você quer bondosamente me permitir136 esse desejo, agradeço-a cordialmente, porque nunca
teria assumido dar esse passo sem um sincero assentimento de sua parte.
A questão dos juro não poderia criar caso entre nós. Vou devolver-lhe suas inscrições e, logo que
o momento do reembolso tiver chegado, tomarei as medidas que você julgar convenientes relativamente
aos 15 000f investidos.
L.P.
135
Confrade de São Vicente de Paulo
A resposta da Sra. Le Prevost chegara, enfim, em 9 de setembro de 1845: “...Senhor, não me oponho à separação
que me propõe, já que essa decisão é a única que pareça poder torná-lo feliz e lhe permitir continuar as obras às quais
se consagrou. Consinto, portanto, nessa separação(...)”.
136
135
125.2- a Dom Angebault
O Sr. Le Prevost obteve o consentimento formal de sua mulher. “Sem nada precipitar”, prepara-se a
atingir o objetivo almejado: dar-se a Deus e às obras de caridade.
Paris, 17 de setembro de 1845
Monsenhor,
Os assuntos de nossa pobre e pequena obra, tão lentos até aqui em seus progressos, acabam,
achamos, de dar um passo. Obtive o consentimento formal que eu desejava e posso agora com segurança
de coração preparar minha renúncia ao mundo, para partilhar os exercícios e os trabalhos do excelente
Sr. Myionnet. O Sr. Padre Beaussier de quem sigo exatamente os conselhos, deseja que minha entrada na
obra se processe suavemente e sem nada precipitar. Vou, portanto, providenciar com deferência os meios
de regularizar minha aposentadoria e, conseguido isso, me aproximarei pouco a pouco de meu objetivo
definitivo.
Permita-me, Monsenhor, solicitar ainda o precioso concurso de suas orações, de que necessito
mais do que nunca neste momento; parece-me atingir o sacrifício que ansiei há tantos anos e espero na
graça de Deus para consumá-lo com alegria. Todavia, uma tão grande mudança de vida não se faz sem
emoção e tremor: há sempre laços a romper, teme-se atritos; há novos engajamentos a assumir, grandes
deveres a abraçar; tem-se medo de sua fraqueza e de sua insuficiência. Digne-se o divino Senhor, a quem
Monsenhor vai orar por um de seus filhos, de me conceder sua luz, sua força e seu amor.
Queira aceitar, Monsenhor, a nova expressão do profundo respeito e da terna gratidão com os
quais sou
Seu muito humilde e muito obediente servo em N.S.
Le Prevost
-125.3- à Sra. Le Prevost (nascida de Lafond)
O Sr. Le Prevost está pronto a renunciar ao seu projeto de separação, se sua mulher lho pede.
[1845]
Dona Rullier me diz, querida amiga, que, visitando-a, encontrou-a muito triste e que você parecia
considerar a decisão que tomamos, como prejudicial para você e para mim. Só me determinei a isso,
acreditando-me inteiramente inútil para você e na convicção de que separar nossas residências não seria,
na verdade, quase nada mudar em nossos relacionamentos.
Uma experiência de quase doze anos nos provou, parece-me, que a diferença absoluta de nossos
sentimentos, de nossas vistas e de nossos hábitos não podia nos prometer essa intimidade suave e
constante, esse entendimento dos corações, o único a tornar a vida comum possível e desejável. Pensei,
portanto que, sem quebrar, sem detrimento para um nem para outro, poderíamos viver separadamente e
que assim até recolocaríamos nossa existência nas simples relações de estima, de confiança e de afeição
que faziam primitivamente nosso único laço e das quais, talvez, nunca deveríamos ter saído.
Todavia, como posso estar enganado e que não sou o único juiz nesta causa que nos é comum,
abandono-lhe absolutamente a decisão. Se a vida de benevolência e de tolerância recíproca que
levávamos lhe parece preferível a seu estado atual, ainda estou disposto, quaisquer que sejam as razões
que tenho de me aposentar, a renunciar a esse projeto e a me conformar em todo ponto a seus votos.
L.P.
136
-125.4- à Sra. Le Prevost (nascida de Lafond)
Disposições concernentes à partilha de seus bens.
2 de outubro de 1845
Querida amiga,
Ainda recebi seus rendimentos desta vez. Entrego a soma na biblioteca com as inscrições, coloco
também a chave da escrivaninha , para que você possa pegar o que desejar de prataria. Da minha parte
não tenho necessidade alguma dela e desejo que você use de tudo o que pode ser-lhe cômodo. Vale a
mesma coisa para o resto dos móveis; terei sempre móveis em demasia; não tema, portanto de me deixar
desprovido e tire sem hesitar o que achar de sua conveniência.
L.P.
126- ao Sr. Levassor
Buscas vãs para encontrar ajuda. O Sr. Le Prevost escreverá à Irmã Rosalie Rendu. Sucessão da falecida
Dona Delatre. Sua mãe, (nascida R. Duchatard), é atingida de hemiplegia.
Paris, 3 de novembro de 1845
Querido amigo e irmão,
Fiz buscas múltiplas junto ao Sr. Dupanloup, a Ledreuille137, aos Irmãos, ao Seminário do Santo
Espírito, às Missões Estrangeiras, aos Lazaristas, em uma palavra, em todo lugar em que vi alguma
chance de sucesso; não tive êxito em nenhum lugar. Fico sentido, caro amigo, pois entendo seu
embaraço: continuarei minhas pesquisas; mas a coisa me parece cada vez mais difícil e receio não
encontrar exatamente o que precisa, ao menos num curto prazo. Com o tempo, se pode encontrar uma
pessoa conveniente, embora, no entanto, a posição seja como um tipo de transição que convém a um
número bastante restrito de pessoas. Vou rezar da melhor forma possível à Santa Virgem, que sempre o
tem ajudado visivelmente, para que venha ainda nesta circunstância ao seu auxílio, a fim de não deixar
sofrendo sua obra e todas as jovens almas que ela interessa tão grandemente.
Não pude ver, caro amigo, o filho da pobre Dona Delatre. Sei somente que ele veio aqui para a
sucessão de sua mãe; fiquei sabendo também que encontraram ainda, escondidos e embrulhados no
quarto dessa pobre mulher, 1.300f em ouro, cuja origem datava evidentemente de bem longe, do tempo,
sem dúvida, em que ela estava no comércio e já fazia reservas às escondidas de seu marido. A falta de
confiança na Providência sempre foi a miséria de nossa pobre protegida; a extrema fraqueza de sua
saúde, seu isolamento, sua impotência de se criar recursos fazem-lhe um tipo de desculpa que sua
caridade, meu querido irmão, evitará com todo o cuidado de desconhecer.
Adeus, meu querido amigo e irmão, tenho necessidade de suas orações, conceda-as
generosamente para mim.
Sou nos corações de Jesus e de Maria
Seu todo devotado irmão em N.S.
Le Prevost
P.S Vou escrever à Irmã Rosalie em quem não tinha pensado para nosso jovem; ela terá talvez alguma
pessoa preciosa.
137
O padre Félix Dupanloup (1802-1878), Superior do seminário menor de St-Nicolas-du-Chardonnet, um dos chefes
do catolicismo liberal. Bispo de Orléans em 1849. Autor de obras pedagógicas e catequéticas. --- François Ledreuille
(1797-1860), principal orador da Obra de São Francisco Xavier. Sua reputação de “pai dos operários” e sua
influência no seio do catolicismo social decidiram o arcebispo de Paris, Dom Affre, a ordená-lo padre em 17 de maio
de 1845.
137
Estou sempre desejando ir fazer um pequeno retiro junto a você, no começo do ano, se tiver a
possibilidade.
Recomendo vivamente às suas orações minha boa mãe, com 83 anos de idade, que acaba de ser
subitamente golpeada de paralisia em todo um lado do corpo; este acidente me dá grandes inquietudes.
126.1- à Sra. Le Prevost (nascida de Lafond)
Gratidão pela sua generosidade em deixar-lhe mobília.
3 de novembro de 1845
Muito lhe agradeço, querida amiga, por ter deixado para o meu uso muitos de seus móveis; isso
me prova que você vela sempre com interesse sobre o que pode me ser útil e fico-lhe muito grato por
isso. Eu não gostaria, no entanto, que você sofresse nenhuma privação com isso, pois os armários que
estão no apartamento bastariam plenamente para todas as minhas necessidades, sem precisar dos outros
móveis.
A biblioteca, em particular, poderia lhe ser útil, muito mais do que a mim. Ficaria muito contente
se você a tomasse. Os meus livros, que eu tinha colocado fora, podem ser colocados nos armários. Eu
tinha deixado sobre as prateleiras as obras que me pareciam poder lhe convir, o Chateaubriand em
particular, que você aprecia mais do que os outros. Lamento muito você não as ter levado consigo e lhe
peço que me diga se você quer que eu os mande para você.
Mando-lhe desde agora o açucareiro e alguns pequenos objetos de prata que não me serviriam de
maneira alguma. Espero que você não se recusará a servir-se deles, pois eu mesmo usarei, pelo menos
até minha mudança, muitos objetos que lhe pertencem.
Terei de lhe entregar por estes dias os 2000f do Sr. de Flers. Seu advogado me escreveu que ele
estaria em condições de reembolsar essa quantia.
Adeus, querida amiga, conserve-me sua benevolência, muito desejei esta consolação, espero que
não me seja recusada. A você muito cordialmente.
L.P.
P.S. Acabo de receber a notícia de que minha pobre mãe foi atingida estes dias de paralisia em todo um
lado do corpo; um tal acidente na idade dela me atormenta muito. Se seu estado piorar, partiria
imediatamente. Ela se oferece à sua lembrança.
L.P.
127- ao Sr. Myionnet
Notícias de sua mãe. O Sr. Le Prevost reafirma seu desejo de vida comum.
Duclair, 11 de novembro de 1845
Meu querido irmão,
A terna afeição que você tem a caridade de me conceder lhe faz desejar, tenho certeza, receber
algumas linhas que o associem à minha esperança ou à minha aflição. O estado em que encontrei minha
pobre mãe é bem grave e bem inquietante; no entanto, a febre esteve, desde ontem, um pouco menos
forte e a noite foi mais calma. Seus membros estão sempre em um estado de paralisia absoluta e ela não
toma absolutamente nada senão algumas colheradas de água de groselha e alguns grãos de uva. Na sua
idade, um tal regime não poderia durar muito, sem graves acidentes. Estamos, portanto, em uma grande
inquietude e tememos muito um funesto acontecimento. De resto, nossa querida doente tem toda sua
presença de espírito, pude há pouco fazer-lhe uma leitura piedosa, que ela escutou e acompanhou com
muita atenção. Isso me deixa ainda alguma confiança de que poderia recobrar forças e ainda nos ser
138
conservada um pouco de tempo; que a santíssima vontade do Senhor se cumpra: somente ele sabe o
segredo de nossas almas e discerne quando são maduras para o Céu.
Meu dia passa em cuidados em todos os instantes e não tenho, nem terei sem dúvida, durante
minha estada aqui, senão um pouco de recolhimento. Reze, portanto, por mim, meu querido irmão, você
que faz comigo causa tão comum que nossos corações e nossas almas são solidários; reze também por
minha bem-amada mãe, a fim de que todo acontecimento, qualquer que seja, contribua para a sua
vantagem e seja um passo rumo ao Céu.
Peço-lhe, meu bom irmão, escrevendo ao nosso querido Senhor de Angers, de me desculpar junto
a ele e de lhe oferecer meu respeito, assegurando-o de que fico sempre afeiçoado a você e bem decidido
a me unir a você, se Deus se dignar aceitar meu sacrifício.
Escreverei ao Sr. Maignen amanhã, espero, assegure-o, enquanto isso, da minha terna e cristã
afeição. Dê também notícias minhas àqueles de nossos amigos que estão perto de você e recomende
minha boa mãe às suas orações.
Adeus, meu bom irmão, coloco-me junto com você no coração de nosso divino Senhor, a fim de
aliviar o pesar bem sincero e bem verdadeiro que me causa sua ausência.
Seu em Jesus e Maria
Le Prevost
P.S. Peço-lhe, meu caro irmão, para retirar da sala da biblioteca da Santa Família um tipo de pasta aberta
que você conhece. Ela está perto da imagem da Santa Virgem, atrás de uma lâmpada; contém alguns
papéis que me são pessoais e que acho bom deixar somente em suas mãos.
128- ao Sr. Maignen
O Sr. Le Prevost sofre por ver sua mãe em fase terminal, ela cuja “vida só foi de trabalhos, sacrifícios e
dedicação”. Ele permanece muito unido a seus irmãos de Paris.
Duclair, 12 de novembro de 1845
Meu querido confrade,
Minha partida foi tão precipitada, que não pude avisar ninguém, além do irmão Myionnet e do Sr.
Dufresne a quem escrevi duas palavras, apressadamente, para entregar-lhe a conduta de nossas
pequenas obras. Havia outros ainda, você bem sabe, que teria gostado de prevenir, mas me faltou o
tempo, não podia, segundo a carta que tinha recebido, atrasar de forma alguma. O médico que, de início,
não tinha visto perigo iminente no estado de minha pobre mãe e que tinha prometido avisar se a situação
piorasse, tinha declarado, domingo, que a febre estava violenta, que todos os sintomas se tornavam mais
graves e que estava na hora de me chamar. Minha irmã me escrevia portanto que, se eu quisesse rever
nossa boa mãe, era preciso acorrer; você entende, caro confrade, com que diligência tive que me dispor a
sair; duas horas após a recepção da carta, estava na estrada e à noite, às 6 horas ½, estava perto de
minha mãe. Na minha chegada, a febre tinha diminuído, e pude, aproximando-me devagar, ver nossa
pobre doente que descansava com bastante calma. Desde então ficou no mesmo estado, sem que se
ouse esperar, mas sem que tudo pareça também consumado. Embora tenha sido sangrada após o
acidente, ainda tem forças, tão vigorosa é sua constituição para sua idade; mas a paralisia de seus
membros está sem melhora e se não se chega a fazer com que tome um pouco de comida, ela vai
esgotar-se inteiramente. Até agora ela não tem gosto para nada e é com grande dificuldade que, usando
um canudinho, faz-se passar em sua garganta algumas gotas de refrigerantes. Quase não a deixo e
partilho com minha irmã e sua filha os cuidados contínuos que um estado tão penoso exige. Você teve em
sua casa uma experiência por demais prolongada de uma aflição quase semelhante para que eu tenha
algo, caro amigo, a lhe ensinar a esse respeito. Quanto a mim, não fazia uma idéia bastante exata disto, e
agora aprecio melhor ainda os cuidados e a dedicação com que você cercou seu pobre pai.
139
Uma grande consolação, todavia, nos é deixada: é que nossa querida doente guardou toda sua
presença de espírito e que seu coração não sofreu pelo enfraquecimento do corpo. De manhã, ela me faz
ajoelhar perto de sua cama e, enquanto recito a oração em voz alta, ela a acompanha e até a repete
comigo; à noite, desempenho o mesmo ofício para sua grande satisfação. Durante o dia faço-lhe uma
leitura de piedade que ela ouve e aprecia com o mesmo interesse; de vez em quando, ela reza em voz
alta e pede a Deus, para suportar seus sofrimentos com paciência e com espírito de penitência. Não
preciso dizer-lhe, caro amigo, quanto tais disposições me edificam e me consolam; são o fruto de uma
longa vida de trabalhos, de sacrifícios e de constantes dedicações; minha boa mãe nunca procurou nada
para si mesma, só pensava em fazer o bem, em ser útil aos outros, em empregar seu tempo para alguma
finalidade boa, e sobretudo em glorificar a Deus, que ela servia com uma admirável simplicidade.
Não saberia dizer-lhe se minha ausência se prolongará muito; isso depende inteiramente da
marcha que vai seguir a doença de nossa boa mãe; se aprouver a Deus chamá-la de volta a Si, não
quereria deixá-la nem abandonar minha irmã num tal momento; se, ao contrário, a boa constituição de
nossa querida doente prolongar ainda sua existência, gostaria, antes de minha saída, de vê-la um pouco
recuperada e fora de perigo. Aguardo e entrego todas as coisas nas mãos sábias e paternais de nosso
divino Senhor.
Entre minhas penas e minhas inquietações, caro amigo, não deixo de ter ternas lembranças por
aqueles que deixei e por você mais do que pelos outros; penso em você de manhã na Santa Missa e em
muitos outros momentos ainda; pense também em mim, em minha pobre mãe sobretudo, e guarde para
comigo essa suave e terna afeição que você me sabe tão necessária. Escreva-me logo, dê-me notícias dos
nossos amigos e das nossas pequenas obras, que não passarão mal, espero, sustentadas como serão pelo
zelo e a caridade de nossos confrades. Vele sobre isso em particular, veja com os Sres. Boutron, Dufresne
e Taillandier138 se tudo vai bem, se nossos doentes em particular e os catecismos da noite não são
abandonados. Vá ter também com o irmão Myionnet, que se encontra sem amparo e que recomendo à
sua fraterna afeição.
Adeus, caro amigo, uno-me a você nos corações de J. e de M.
Le Prevost
Apresente minhas recomendações à sua boa mãe.
129- ao Sr. Levassor
Notícias da saúde declinante de sua mãe. Como testar a vocação e as aptidões intelectuais dos futuros
membros de seu Instituto.
Duclair, 13 de novembro de 1845
Meu querido irmão,
Não pude responder eu mesmo à sua carta; tristes notícias que recebi da Normandia me
obrigaram a partir precipitadamente para cuidar de minha pobre mãe que acaba de ser golpeada de
paralisia em todo um lado do corpo; avisavam-me que o médico, após ter declarado em primeiro lugar
que não havia perigo imediato, tinha recentemente reconhecido que os acidentes se tornavam mais
graves e que não havia tempo a perder para me chamar. Você julga, caro amigo, com que pressa parti:
duas horas após a recepção da carta, estava na estrada e à noite, às 6 horas e trinta, chegava perto de
nossa querida doente. Encontrei-a um pouco aliviada, ou pelo menos com uma febre menos violenta, mas
sempre no mesmo estado de paralisia, e sem esforço nenhum da natureza: uma energia interior que
poderia nos tranqüilizar. Há 20 dias, minha pobre mãe que está, você sabe, com 83 anos de idade, não
tomou absolutamente nada senão algumas colheradas de refrigerante que passam bem dificilmente e sem
138
Confrades de São Vicente de Paulo. --- Henri Taillandier (1821-1889), então membro da Conferência de StSulpice, mais tarde padre e pároco de St-Augustin, em Paris, ficou, a vida toda, um grande amigo do Sr. LP..
Recordando-se do ano 1845-46 com o Sr.LP., escreverá: “Esse ano passado junto a esse manso e evangélico doutor
que me servia de guia em todas as coisas, pode equivaler ao grau de bacharel em boas obras”. (Um homme de bien,
por M. de Montrond, p.42). Seus familiares foram entre os mais insignes benfeitores da Comunidade nascente.
140
nenhum gosto. O médico não me esconde que esse estado não poderia se prolongar sem esgotar as
poucas forças que sobram à doente, e vejo bem, eu mesmo, que a situação é grave, mas entrego tudo
nas mãos do Senhor que nos envia e nos chama de volta segundo seu bel-prazer para sua glória e nossa
felicidade. Minha boa mãe, de resto, guardou toda sua presença de espírito; de manhã ela me faz ajoelhar
perto de sua cama para dizer-lhe em alta voz uma pequena oração que ela acompanha e que até repete
comigo; à noite, desempenho o mesmo ofício com uma grande consolação para ela, e durante o dia façolhe uma leitura piedosa que ela aprecia também muito. Essas disposições e a vida laboriosa e cristã de
minha excelente mãe me enchem de esperança, senão para o tempo, pelo menos para a eternidade.
Recomendo, caro amigo, bem particularmente esta querida doente às suas orações, e tenho toda a
certeza que elas não poderiam lhe faltar.
O Sr. de Messey, caro amigo, deve ter escrito a você de novo para dar-lhe todos os pormenores
que você pode desejar sobre a pessoa que ele lhe propôs. Pedi-lhe para fazer isso, ao menos por uma
palavra que lhe escrevi às pressas antes de minha saída. O Pe. Milleriot, jesuíta139, que conhece esse
jovem, pensa que há nele indícios de uma vocação ainda não bem definida e que ele poderia passar
utilmente perto de você um ano ou dois para se esclarecer mais completamente. Um jovem eclesiástico,
que sua saúde impede de ficar no Seminário do Santo Espírito onde havia entrado, me escreveu também
na véspera de minha saída que ele se decidiria a chegar perto de você, se você quisesse aceitá-lo. Não o
conheço, mas ele me foi apresentado por um padre respeitável; respondi que você tinha outras
proposições, das quais era preciso esperar o desfecho; enfim, dei a mesma resposta a um jovem leigo
que me mandou o Sr. padre Ledreuille. Estou com falta total de informações sobre ele e isso seria um
assunto a esclarecer atentamente nos próprios locais; seu exterior parece mais ou menos satisfatório. Seu
rosto é cansado, não sei se é devido à doença, às privações ou a alguma outra causa; não pude
interrogá-lo o bastante para julgar. Durante minha ausência, não pareço muito em condições, com meu
grande pesar, caro amigo, de acompanhar esse assunto; no entanto, estaria disposto a fazer, por
correspondência, tudo o que você achasse útil.
O Sr. de Messey (o conde Henri de Messey, 82 rua de Grenelle) fará o que você lhe disser, caro
amigo, com o pequeno noviço que a Providência lhe enviou para nossa casa; agradeço-lhe a terna
solicitude que demonstra por ele e auguro bem de um irmão que nos chegará por suas mãos. Creio, caro
amigo, que é desejável que este bom menino, cultivado um ano ou dois por você, acabe de testar sua
vocação. Acho, aliás, que é um bom pensamento, o de fazer-lhe continuar seus estudos, se tiver alguma
aptidão. A ciência é um instrumento precioso que serve grandemente para fazer o bem; jamais os nossos
saberão demais, se eles se mantiverem humildes ao mesmo tempo que esclarecidos; procure fazer com
que, caro amigo, seu pequeno noviço seja um e outro ao mesmo tempo e o acolheremos mais tarde de
braços abertos.
Não temos novidade alguma para esta obra, caro amigo, senão que ela tem sua vida em nossos
corações e, acredito também, em várias outras almas; mas isso caminhará devagar com provação e pena,
nós o estamos prevendo, e teremos, espero, graças em proporção das dificuldades. Peça-o a Deus, caro
irmão, no seio de quem temos entregue este pensamento com um ardente desejo da vê-lo contribuir à
sua glória.
Seu bem ternamente em N.S.
Le Prevost
130- ao Sr. Maignen
Detalhes sobre o estado de saúde de sua mãe moribunda. Afeição paternal para com seu filho predileto.
Conselhos sobre as obras a fazer durante sua ausência. Cuidar de bem “harmonizar” as disposições de
uns e outros.
Duclair, 17 de novembro de 1845
Deixe, querido amigo, que lhe fale um pouco de minha pobre mãe e, em seguida, o admoestarei
ternamente, bem ou mal, pois nossa querida doente, dez vezes por minuto, me chama e reclama meus
139
Apóstolo incansável da Santa Família, e da Sociedade de St François Xavier. Em 40 anos, ouviu mais de 700000
confissões... Foi também um dos principais conselheiros e guias da nova comunidade (cf. cartas 113, 114).
141
cuidados. Essa boa mãe, caro amigo, não está de jeito nenhum em melhor estado. Longe disso, suas
forças se apagam, ela usa os restos de uma constituição vigorosa, mas sem que nada alimente o foco de
vida, já que rejeita toda comida com repugnância e desgosto. Ontem, se sentia tão esgotada, tão abatida
que não podia ficar um momento sem apoio: precisava que, alternativamente e muitas vezes ambos ao
mesmo tempo, minha irmã e eu, ficássemos perto dela para sustentá-la; ela apoiava, como você faz, caro
filho, sua cabeça em meu ombro, em seguida apertava nossas mãos de um modo tão triste que ficava
com o coração desolado. Chorei uma parte do dia, vendo bem claramente que toda esperança de um
restabelecimento era vão e não podendo me resignar a uma separação por demais dolorosa. Esta noite,
ela esteve mais calma e a encontro, esta manhã, um pouco menos desanimada. Suas disposições de
coração continuam sempre excelentes; de vez em quando, chama Deus e a Santa Virgem para socorrê-la
e oferece seus sofrimentos em expiação de uma vida, porém, bem boa, com muito trabalho e uma retidão
constante bem rara hoje. Não se canse, caro filho, de rezar com o bom irmão Myionnet por esta pobre
criatura que o Senhor submete, penso eu, às derradeiras provações. Eu amava seu bom pai, amo sua
mãe, tenha, você também, um pouco de terna caridade por minha excelente mãe.
Você está um pouco aflito, caro filho, por não ter tido as primeiras linhas que escrevi aqui e o
confessa com ingenuidade, não sabendo muito bem se é contra você que está irritado ou contra mim.
Agradeço, pobre filho, sua franqueza que sempre me encanta, você sabe, e que salvará nossa afeição de
todo mal-entendido desagradável. Fale em toda ocasião, com o mesmo abandono, deixe seu velho pai pôr
a mão na ferida e tenha certeza de que ele nunca falhará em curá-la. Você se entristeceu sem motivo,
caro filho, o irmão Myionnet teve minha primeira carta, mas você teve meu primeiro pensamento, minhas
primeiras, minhas mais caras lembranças. Você quereria trocar sua parte com a dele? Conte comigo,
amigo, a respeito do cuidado de fazer-lhe sua porção em minha afeição e se você me ama de verdade,
como creio, cuide que minha ternura por você, facilmente demais parcial e exclusiva, fique numa sábia
medida que não ofenda nem a Deus, nem aos homens, nem a meus deveres. Da minha parte, empenhome em vista disso constantemente, mas sinto bem que a inclinação natural e a queda do coração me
conduzem ainda demasiadas vezes. Caro filho, seja generoso e longe de me arrastar para o sentido
errado, ajude-me a permanecer firme no bom. É somente a esse preço que minha terna predileção por
você lhe ficará fiel e continuará sendo, para você como para mim, uma doce, íntima e preciosa
consolação. Quando estou por demais dolorosamente aflito, aqui, quem você acha que chamo no fundo
do coração para consolar-me e suavizar minhas penas?
Recebi aqui muitas cartas, qual, você acha, filho, que esperei com mais impaciência? Qual é
também aquela da qual cada palavra, cada pensamento caiu gota a gota como um fresco orvalho no
fundo do meu coração? Qual é, enfim, aquela que eu não quis ler senão uma vez só, para sacrificar a
Deus a alegria por demais doce que teria achado ao lê-la de novo? Como se faz, caro filho, que você não
sabe tudo isso? Como o pobre pai é obrigado a informá-lo disso, um pouco acanhado com sua fraqueza e
triste também por não ser melhor compreendido? Retome, caro filho, sua serenidade; seu doce rosto não
fica bem quando se envolve de uma nuvem de saudade e de tristeza; o velho pai disse-lhe um pouco,
somente um pouco de todas as suas ternuras para com você. Coloque isso sobre sua ferida e seja curado.
Escrevo duas palavras que coloco neste envelope para o Sr. Dufresne. Não tenho recomendações
a fazer-lhe nem para a conferência, nem para a Santa Família: vocês todos levam demais a sério a
manutenção dessas queridas obras para não reunirem todos os seus esforços a fim de sustentá-las e fazêlas caminhar. Peço somente a vocês para não se fiarem uns nos outros a respeito dos cuidados a tomar;
fariam bem em reunir-se, em combinar direitinho as disposições que acharem as melhores e, em seguida,
pôr mãos à obra, cada um para a parte que tiver aceito. Eu ficaria muito triste se o pequeno edifício que
temos construído tão lentamente se abalasse por uma simples mudança tão pouco notável na sua
construção; não acontecerá assim, mas você, caro filho, e todos com você, trabalharão o melhor possível
e o Senhor a quem oferecerão seus cuidados se dignará de apóiá-los e abençoá-los. Desejaria que o Sr.
Roudé visse o Pe. Milleriot, para avisá-lo de minha ausência e pedir-lhe suas orações; seria bom também
que o Sr. Taillandier tivesse a bondade de prevenir o Sr. Pároco de que a reunião da Santa Família
realizar-se-á domingo e oferecer-lhe ao mesmo tempo minhas lembranças respeitosas; solicito também
para minha mãe as orações de nosso bem-amado Pastor. Para a reunião, o Sr. Lamache, espero, não se
recusará a falar. Na falta dele, o Sr. de St Chéron, se lhe escrevessem sem demora, o faria de bom grado;
este último presidiria bem a reunião se, contra o meu desejo, o Sr. Dufresne ou algum outro não quisesse
se encarregar disso. A senhorita Barbe tem, disse-me, uma carta interessante de um missionário;
poderiam pedir-lhe a carta e ver se convém lê-la. O Sr. Pároco de Saint Merry tinha prometido falar,
142
poderiam pensar nisso para esta vez ou para uma outra. O Sr. de Lambel140 não está em Paris, creio. Em
resumo, vocês têm elementos para fazer uma boa reunião, não lhes falta nem zelo nem vontade,
conduzirão tudo para o bem, tenho confiança. Terça-feira, na hora da reunião, me coloquei diante de
Deus em união de coração com vocês; domingo, eu farei isso com toda a minha alma igualmente. Abrace
o irmão Myionnet de todo o coração por mim; ele escreveu-me uma boa carta, a qual lhe agradecerei eu
mesmo daqui a pouco. Peço-lhe para solicitar vales e visitar por mim minhas famílias das Missões: Louise
Brunet, 12 rua Traverse, que rezará muito por minha mãe (1 pão, 1 carne) a viúva Lecoeur, 16, rua
Traverse (2 pães e 20 centavos que devolverei ao irmão), Stalberger, 9, Saint Placide, 3 pães cada quinze
dias; é preciso visitá-lo logo.
Resta-me recomendar-lhe, caro filho, a distribuição dos livros, na quarta-feira à noite, aos homens
na biblioteca; veja para que seja feita exatamente; é essencial. O Sr. Taillandier dará a nota para os
doentes a recomendar e mandará a tempo suas cartas de convite.
Natal.
Recomende ao Sr. Tulasnes o jovem Laurent que se prepara para sua Primeira Comunhão no
Adeus, caro filho, aperto-o fortemente, bem fortemente contra meu coração e sou ternamente
seu velho e afeiçoado pai.
Le Prevost
131- ao Sr. Myionnet
Como a mãe do Sr. Le Prevost se prepara a morrer. É-lhe impossível deixá-la para voltar a Paris. Festa da
Apresentação de Maria, na rua do Regard, esse “asilo abençoado que o Senhor nos deu para abrigar e
amadurecer um desígnio formado para sua glória”.
Duclair, 21 de novembro de 1845
Meu querido irmão,
Havia feito o propósito de responder mais cedo à sua boa e amável carta, cuja terna benevolência
me encorajou e amparou muito na dolorosa provação que suporto presentemente; meu tempo está tão
absorvido pelos cuidados incessantes que exige nossa querida doente que tenho muita dificuldade,
quando começo uma carta, interrompida e retomada vinte vezes, para terminá-la.
Minha pobre mãe, caro amigo, não sente melhora alguma em seu estado; ao contrário,
enfraquece de um dia para outro, não tomando absolutamente nenhuma comida; ela se sustenta
unicamente pelos restos de uma boa e vigorosa constituição. Até aqui, seu espírito está perfeitamente
livre e suas disposições de coração excelentes. Pediu ontem, com tanta insistência, que o sacramento da
extrema-unção lhe fosse dado, que o bom Pároco da paróquia, para satisfazer seu piedoso desejo e em
consideração à sua grande fraqueza, que deixa sempre a temer algum acidente, achou dever conferir-lhe
esse último favor da Igreja.
Você teria sido edificado, caro amigo, pela piedade e pela resignação de nossa pobre doente.
Desde cedo, ela me chamou para perto dela, para me dizer em que intenção ia receber o sacramento ao
qual aspirava: queria se oferecer a Deus para morrer ou para viver, segundo sua santíssima vontade.
Respondeu às orações tanto quanto pôde durante a cerimônia e se entregou depois, de todo o coração,
140
Roudé, Lamache, de St Chéron, Dufresne, confrades de São Vicente de Paulo. --- Senhorita Barbe foi durante
longos anos uma das fisionomias mais cativantes da paróquia St Sulpice. Ela é que cuidava da manutenção das
capelas subterrâneas da igreja. A catequese e obras diversas que tiveram suas reuniões nessas catacumbas foram as
felizes beneficiárias de sua humilde dedicação. --- O conde Alexandre de Lambel (1814-1903) era o amigo mais
próximo de Armand de Melun e o assistiu em suas numerosas iniciativas caridosas, (criação da Sociedade de
economia caridosa, etc.). Entrado em 1835 na Sociedade de São Vicente de Paulo, fundou, em 1838, o patronato St
Jean du Gros-Caillou e se tornou membro do conselho da Santa Família. Amigo e devotado colaborador do Sr. LP.,
escreverá uma biografia dele “destinada aos operários”: Vie de M. Le Prevostt, Paris-Auteuil, 1900. --- Os dois
irmãos Tulasne, médicos, membros da conferência St Sulpice, amigos íntimos do Sr. LP.
143
nas mãos do Senhor. Esqueço, diante de um pensamento tão consolador, as angústias de todos os
instantes que nos causam seus sofrimentos e seu enfraquecimento. Acabo de perguntar outra vez ao
médico se não via nenhuma esperança de restabelecimento; nenhuma, disse ele, eu o enganaria falando
de outro jeito; mas, acrescentei eu, este estado de langor não pode se prolongar bastante para que possa
voltar a Paris ao menos por um pouco de tempo? Seria, respondeu ele, arriscar não mais reencontrar sua
mãe: uma fraqueza pode acontecer de um instante para outro e no-la tirar subitamente.
Meu dever não me parece duvidoso: numa situação tão crítica, não posso deixar minha pobre
mãe que, aliás, me conjura a todo momento a não abandoná-la. Temo somente que meu chefe de
escritório, ao qual avisei às pressas o grave motivo de minha partida precipitada, ache minha ausência
longa demais. Convide, peço-lhe, caro amigo, nosso irmãozinho Maignen a ver, na saída de seu escritório,
o Sr. Carré141 que ele conhece bem, para dar-lhe notícias minhas, dizer-lhe o estado de perigo
permanente de minha pobre mãe e rogá-lo que responda a uma carta que lhe escrevi há vários dias já.
Peça ainda ao caro irmão Maignen para passar no meu porteiro e reclamar todas as minhas
cartas; ele teria a bondade de abri-las com você e vocês julgariam juntos se há algumas que necessitem
de me ser enviadas urgentemente, para que lhes desse uma resposta. Essas, o Sr. Maignen as entregaria
ao Sr. Carré para que as fizesse chegar até mim aos cuidados do Pároco de Duclair. As outras poderiam
ser entregues à Santa Família ou à Conferência, se concernem a uma ou a outra. Junto aqui uma palavra
para reclamar minhas cartas junto a meu porteiro, ao qual o Sr. Maignen dará ao mesmo tempo notícias
minhas.
Na sua bondade, excelente irmão, você quer me assegurar que minha ausência lhe causa algum
pesar. Agradeço-o ternamente por isso e asseguro-lhe, do meu lado, que volto muitas vezes por dia meu
coração e meu pensamento para nossa pequena casa da rua do Regard; ela me parece como um asilo
abençoado que o Senhor nos deu para abrigar e amadurecer um desígnio formado para sua glória.
Possam os nossos corações corresponder bastante à sua graça para afastar logo todo obstáculo à
realização definitiva do nosso projeto. Conservo-me unido de coração a você e ao outro irmãozinho, na
medida em que depende de mim: de manhã, vou à Santa Missa às 7 horas, lembrando-me com grande
consolação de que, na mesma hora, vocês estão prostrados diante de Deus na capela de nosso bemamado padroeiro. Hoje sobretudo, festa da Apresentação da Santa Virgem, ofereci você, o jovem irmão, o
seu Girard142 e eu ao Senhor, para sermos todos dedicados ao serviço do Senhor com o mesmo abandono
e o mesmo amor que a Virgem Maria; se, como penso, caro amigo, vocês fizeram a mesma oferta, o
Senhor nos terá olhado com misericórdia e dignar-se-á de abreviar o tempo de nossas provações. Adeus,
querido amigo, será para mim uma suave alegria revê-lo e rezar ainda com você.
Seu ternamente nos corações de Jesus e Maria (Apresente-me particularmente à lembrança do
bom Girard).
Le Prevost
O jovem padre que veio visitá-lo, mande-o de volta, por favor, ao Sr. Henry de Messey nº 82 rua
Grenelle, que corresponde em minha ausência com o Sr. Levassor, ou ao próprio Sr. Levassor em
Chartres.
132- ao Sr. Maignen
À cabeceira de sua mãe que está morrendo. Em seu abatimento, o pensamento do Sr. Maignen o
reconforta. Paternais repreensões ao seu jovem irmão por demais sensível.
Duclair, 28 de novembro de 1845
Escrevo-lhe outra vez, caríssimo filho, sem ter nada de novo a lhe dizer sobre o estado de minha
pobre mãe; durante dois dias, ela tinha sofrido um pouco menos e deu-nos uma leve esperança, mas
recaiu depois em uma fraqueza ainda maior do que antes e sua dolorosa agonia recomeça. Pediu que a
extrema-unção lhe fosse administrada e recebeu esse sacramento com a piedade e a resignação as mais
141
Amigo e colega do Sr. LP. no ministério dos Cultos. O Sr. Maignen, que ia muitas vezes procurar o Sr. LP. na
saída de seu escritório, o tinha assim conhecido.
142
Jovem membro das obras que, sem fazer parte da Comunidade nascente, ajudava o Sr. Myionnet na rua do
Regard.
144
edificantes. Até aqui, ela guarda habitualmente sua presença de espírito e ainda pode elevar seu coração
a Deus; mas, de resto, sua fraqueza e seu esgotamento são tais que ela permanece indiferente a tudo o
que se faz a seu redor; não mais se mostra sensível aos nossos testemunhos de afeição e não aspira
senão ao descanso, o sono suspendendo um momento seus sofrimentos. Ela não aspira menos, todavia,
ao grande e eterno sono que porá enfim um termo aos seus males; desde ontem, me pediu várias
vezes para dizer-lhe as orações dos agonizantes; a dissuadi, ainda não vendo nada que anuncie a
aproximação certa do último dia. Recitei somente por ela as ladainhas da Santa Virgem, saúde dos
enfermos e consoladora dos aflitos. No entanto, o resto de suas forças esgota-se visivelmente, as poucas
colheradas de refrigerante que ainda aceitava se-lhe tornam insuportáveis, ela não toma mais nada
senão com desgosto e quase à força. Eis aí, caro filho, a situação de minha pobre mãe; seu estado é,
como você está vendo, bem triste, bem doloroso para os que a amam tão ternamente. Quase não deixo
nossa pobre doente, mas, caro filho, você pode ficar sem inquietude acerca de minha saúde; fora de
alguns instantes mais penosos no serviço de nossa boa mãe, o que lhe é preciso são cuidados assíduos
antes do que cansativos, e se a vida por demais fechada que estou constrangido a levar não me desse
um pouco de inflamação, não teria quase nenhum sofrimento. Quanto às noites, minha irmã deita-se
perto da cama de nossa mãe e a serve, quando é necessário. Não pude decidi-la a ceder-me seu lugar,
embora esteja muito cansada, porque em muitos cuidados eu não posso substitui-la.
Se você me perguntar sobre o espírito como sobre o corpo, confessar-lhe-ei, caro filho, que me
sinto, há alguns dias, triste e abatido. Rezo da melhor forma possível e faço algumas boas leituras, mas a
tribulação atormenta meu miserável coração e, nessas longas horas passadas na cabeceira de minha
pobre mãe, as preocupações já pesadas de minha vida se apresentam a mim ainda mais angustiantes.
Reze por seu velho pai, meu bem-amado filho, a fim de que essas cruzes se tornem salutares para ele e
que as carregue em união com a adorável cruz do Salvador.
No meio de minhas aflições, sua doce e consoladora afeição, querido filho, me acalma e põe um
pouco de bálsamo sobre minhas feridas. Por isso, sinto-me bem comovido por isso e faço-lhe uma grande
parte em meus mais ternos pensamentos. Nos primeiros dias de minha chegada, minha mãe, menos
absorvida do que hoje, me forçava, por ela mesma, a deixá-la alguns instantes para tomar um pouco do
ar de fora; quando subia em nossas ladeiras e que, dominando ao longe o Sena e suas sinuosidades,
contemplava as paisagens, tão lindas ainda neste fim de outono, um certo desabrochar fazia-se em mim e
me dilatava o coração; como a imagem do filho voltava então rápido para mim, e como teria querido tê-lo
ali para gozar comigo um tão belo espetáculo! Desviava meus olhos, não mais encontrando encanto,
porque estava sozinho e não sei mais nada apreciar sem ele.
Em minhas leituras também, nunca deixo de lhe fazer sua parte; anoto as melhores passagens
para lhe mostrar mais tarde e associá-lo aos bons pensamentos que me sugerem; enfim, em minhas
orações, na igreja e em todo lugar, o filho me acompanha e se mistura com o mais íntimo de minha vida.
Por que, então, ele se queixa e procura, nas expressões simples e verdadeiras de minha afeição,
subtilidades que não existem? Não lhe escrevi na hora de partir, embora tenha muito pensado em fazê-lo,
porque não tive tempo. Se ele quisesse se pôr no meu lugar, representar-se o estado de perturbação
onde me colocou a triste notícia que me foi trazida, a precipitação de minha partida que se efetuou na
mesma hora sem preparação, sem adeus nem na minha casa, com o pensamento constante que um
instante de atraso me privaria de abraçar mais uma vez minha pobre mãe, creio que me agradeceria a
terna lembrança que tive dele mesmo nesse momento e que ele não exigiria mais nada. Escrevi duas
cartas às pressas, uma à minha administração, a outra ao Sr. Dufresne, porque, dos dois lados, havia
dever absoluto. Não concedi nada às afeições porque, na falta de atos exteriores, elas sempre podem, no
fundo do coração, encontrar a parte que as compensa. Que o filho se acostume, portanto, a ler melhor no
meu coração, e verá que nenhum outro o prejudica e que ele não tem motivo para se queixar. Evitarei,
meu doce filho, todas as ocasiões de contristá-lo, mas, com um pouco mais de confiança você descobrirá
que você mesmo pode poupar a si próprio essas pequenas feridas que perturbam muitas vezes a paz de
seu coração e a serenidade de sua fronte.
Esforço-me, caro filho, por escrever-lhe estas linhas que interrompi ontem, de tanta emoção
dolorosa que sentia pelo estado de minha pobre mãe; ela não toma mais absolutamente nada e
enfraquece a olhos vistos; se alguma reação não se realizar, é impossível que subsista além de alguns
dias. Vamos experimentar o gelo como último meio de devolver aos órgãos um pouco de energia, mas o
médico declara que o efeito, fosse ele feliz, só pode durar alguns momentos, apenas. Reze sempre, caro
filho, com o irmão, a fim de que o Senhor ampare nossa pobre mãe e a nós também nestas últimas
provações. Abrace ternamente o irmão por mim, nunca o esqueço, sobretudo nos melhores tempos.
145
Peça, por favor, ao Sr. Roudé para passar na casa de Dona Carlier (rua do Bac, 97) que me
escreveu, a fim de avisá-la sobre minha ausência e para verificar se aquilo que desejava de mim é
urgente.
Queira entregar o lembrete anexado ao meu porteiro. Sou bem ternamente, caro filho, nos
corações de Jesus e de Maria
Seu devotado pai e amigo
Le Prevost
Diga-me o resultado de seu exame e sua posição em seu emprego.
133- ao Sr. Maignen
Os últimos instantes de sua mãe.Tranqüiliza-o a respeito do futuro da pequena comunidade nascente.
Anuncia-lhe o falecimento de sua mãe, que aconteceu em 6 de dezembro.
Duclair, 5 de dezembro de 1845
Já achava, querido filho, que sua pequena epístola tardava muito a vir; o correio chegando de
manhã, peço informações a cada dia, na volta da missa, para saber se algo veio para mim e, quando
espero uma carta do filho querido, é com uma diligência toda particular que cuido disso. As doces
palavras de meu filho bem-amado são, com efeito, após a consolação que Deus dá diretamente, meu
mais precioso alívio. Essa distração, caro amigo, continua sendo bem necessária para mim, pois, a
situação de minha pobre mãe se estabilizou aparentemente, há oito dias, em um ponto em que não
parece habitualmente possível estacionar, quer dizer o extremo e quase imperceptível limite que separa a
vida da morte.
Durante todo esse tempo, não tomou absolutamente nada, o que se pode fazer passar de água
açucarada entre seus lábios não chegando a equivaler a algumas gotas por dia; ela fica quase
constantemente adormecida, o que, sem dúvida, impede o resto de substância que está nela de se
consumir depressa demais e prolonga, contra toda expectativa, sua existência. Há já 5 dias que o médico
havia julgado que não lhe restavam 24 horas para viver; no entanto, Deus que mede o tempo e o sopro
para suas criaturas não ratificou essa sentença de uma boca humana, a alma fica amarrada a esse pobre
corpo esgotado e emagrecido e dá a impressão de não poder se separar dele. Assim são nossas afeições:
à força de cuidados, de vigilância, impedimos esse frágil invólucro de se quebrar e não encontramos a
coragem de devolvê-lo à terra que deve regenerá-lo e no-lo devolver belo e transfigurado no grande dia
da ressurreição. Faz 5 noites que passamos juntos, minha irmã e eu, perto de nossa pobre mãe,
descansando um pouco alternativamente, mas, na verdade, quase sempre em vigília e na expectativa de
algum triste acontecimento. Após esses cinco dias e essas cinco noites passados, não percebemos
mudança bem notável no estado de nossa pobre doente, e às vezes um clarão de esperança atravessa
nosso espírito; mas é por ilusão, sem dúvida: a não ser por uma espécie de milagre, a saúde, o vigor, a
vida (quer dizer, tudo) não poderiam ser devolvidos a esse corpo esgotado. Durante os primeiros dias que
seguiram minha chegada, nossa querida doente, tendo experimentado uma melhora bastante sensível,
dizia, feliz: sinto-me sarar, são as preces de meu filho que me ressuscitam; pobre mãe, logo perdeu sua
confiança, resignou-se de novo, viu que, se as preces tão ardentes que fiz por ela deviam, como espero,
ser-lhe úteis, não era para o tempo, mas para a eternidade. Que a santa vontade do Senhor se cumpra,
não disse outra coisa, é uma palavra com dupla finalidade que o divino mestre aplicará em um sentido ou
noutro, conforme quiser sua sabedoria.
Seguraria você o dia todo, se descuidasse, caro filho, na triste cabeceira de nossa pobre doente,
mas, caro amigo, seria abusar de sua terna compaixão, você que vem tão amavelmente a mim,
associando-se aos meus pensamentos, às minhas dores. Você merece certamente que eu faça algum
esforço para ir também a você e me recolocar no mundo ativo e vivo onde você respira. Não tenho, caro
filho, as inquietudes que você supõe sobre nossas pequenas obras, sei que estão em boas mãos,
considero-as protegidas e sustentadas por Deus sobretudo, ele que se dignou de suscitá-las, e não
tenho solicitude penosa no tocante a elas. Prevendo somente que um triste acontecimento poderia, por
algum tempo, afastar delas meu espírito, achei oportuno lembrar, em duas palavras, ao nosso caro
Dufresne o que estava para ser feito desde já, convidando-o a não esperar por minha volta para pôr
146
mãos à obra, eis aí todo o motivo de minha carta. Você acha, amigo, que seu velho pai adia para bem
longe a época provável de sua reunião com seus amigos; ele não podia, você entende, dizer nada de
preciso a esse respeito, mas era-lhe fácil ver que, de qualquer jeito, mesmo se voltasse a Paris numa
data bastante próxima, como é de se pensar, ele não poderia, no entanto, convenientemente e com
liberdade de coração, reassumir tão depressa a atividade das obras caridosas. Como o pai transborda
sem reserva seus mínimos pensamentos para o coração de seu filho, ele acrescenta, para ele sozinho,
que deseja conseguir para si alguns dias de recolhimento, a fim de examinar com o Sr. Beaussier qual
posição deve assumir definitivamente no mundo e em que decisão deve se fixar para seu futuro. A saída
precipitada que me afastou de Paris, meu bem-amado filho, veio bem providencialmente para me dar
condições de seguir a orientação do Sr. Beaussier que me dissera: espere e reze. Desde minha chegada
aqui, sentindo-me fortemente atormentado a esse respeito, escrevi uma longa carta a esse excelente
Padre, para recolocar sob seus olhos os detalhes de minha situação e pedir-lhe examinar com folga
diante de Deus, qual via teria de seguir, assegurando-lhe que, vendo em sua decisão a ordem do Senhor
em pessoa, a adotaria cegamente. Desde esse momento, as orações do bom Padre, e as de meu caro
filho, acredito também, foram ouvidas sem dúvida, pois, reencontrei desse lado uma calma e um
abandono perfeito.
Esta carta interrompida há dois dias, só está sendo retomada, caro filho, com um redobramento
de dores. O sacrifício tão doloroso que nos pedia o Senhor está enfim consumado, minha pobre mãe
cessou de existir ontem às 10 horas e quinze da noite. Não tenho a força de dizer-lhe agora mais nada;
quando estiver um pouco restabelecido de uma tão dura provação, escrever-lhe-ei com mais calma, se
puder; hoje só sei chorar e dizer-lhe: ame a mim, caro filho, reze por ela e por mim. Voltarei, acho, pelo
fim da semana; dir-lhe-ei isso mais precisamente a fim de vê-lo mais cedo; terei grande necessidade de
seu coração, que já me foi tão terno e tão amável desde minha saída e que fará ainda meu repouso e
minha consolação.
Seu pai e amigo
Le Prevost
P.S. Pedir para minha pobre mãe as orações da Conferência. Selar a carta do Sr. de Montrond (83
Rua de Sèvres) e entregá-la no seu endereço. Entregar também a do irmão Myionnet.
134- ao Sr. de Montrond
Rezar por sua mãe a quem deve “mil vezes mais do que a vida... a fé e o amor daquilo que leva a Deus.”
Duclair, 7 de dezembro de 1845
Meu caríssimo amigo e irmão,
Quis, mas sem achar o momento, dizer-lhe, desde que estou aqui, a doença e o fim iminente de
minha pobre mãe, boa, piedosa e santa alma, à qual devo mil vezes mais do que a vida... a fé e o amor
daquilo que leva a Deus. Hoje falo-lhe disso somente para anunciar-lhe que ela cessou de existir e que,
para amá-la ainda, seus filhos devem acompanhá-la pelo coração e pelo pensamento num mundo melhor.
Esqueço toda a aflição que arrebenta, neste momento, meu triste coração para me lembrar só de uma
coisa: pedir para a minha boa mãe as orações de meus amigos. Você, caríssimo amigo, a esse título, mais
do que qualquer um, me deve as suas; conceda-as para mim, portanto, e obtenha também as de sua
muito querida mulher.
Todo seu com ternura em N.S.
Le Prevost
147
135- ao Sr. Myionnet
Rezar e mandar celebrar uma missa pelo descanso da alma de sua mãe.
Duclair, 7 de dezembro de 1845
Meu querido irmão,
Minha pobre mãe cessou de sofrer nesta terra; deixou-nos ontem à noite às 10 horas e quinze
para ir a Deus e receber dele, espero, a recompensa de sua santa e virtuosa vida.
Esse pensamento, por consolador que seja, não me impede de estar bem dolorosamente
golpeado por um tão triste acontecimento. Reze, portanto, por mim, caro amigo, e por minha pobre mãe.
Desejo que mande dizer, na sua intenção, uma missa em nossa querida capela de São Vicente de
Paulo e que você compareça nela com o jovem irmão Maignen.
Adeus, caro amigo, tornarei a vê-lo sem dúvida dentro de alguns dias. Ame a mim sempre como
eu o amo fraternalmente em Nosso Senhor.
Le Prevost
136- ao Sr. Maignen
Agradecimentos pela afeição que lhe testemunhou por ocasião do falecimento de sua mãe. Abandonarse à vontade de Deus para o presente e para o futuro.
Duclair, 11 de dezembro de 1845
Caro, caríssimo filho, sua voz suave e terna chega até mim com cada uma de suas palavras e vai
diretamente ao fundo do coração de seu velho pai, para consolá-lo e devolver a serenidade à sua alma.
Agradeço-lhe mais uma vez, caro amigo, tudo o que seu bom coraçãozinho de filho achou de criativo e de
amável durante esse longo mês de sofrimento para suavizar sua amargura; agradeço sobretudo a Deus
por isso, ele que, tendo formado esse coração com tanta bondade, dignou-se de me dá-lo como
compensação de tantos outros afagos de que minha vida está desprovida. Estimo tanto esse doce
tesouro, caro filho, para não me queixar da parte que me é feita e sinto em mim nesta hora unicamente
sentimentos de amor e de gratidão. Você tem razão, caro filho, suas cartas são bem melhores que as
minhas, mas o que podia eu tirar de um pobre coração, em que o Senhor só derramava dia e noite
aflições e dor. Tudo o que teria sabido fazer teria sido associá-lo mais intimamente às minhas tristezas,
mas, não sei se esta disposição me é particular ou se a partilho com todos, é-me impossível encontrar
expansão numa tristeza viva e profunda, parece-me que isso é uma coisa grave e sagrada que não
suporta o emprego das palavras. Pouco a pouco as tristes imagens enfraquecerão, as impressões e
lembranças serão menos vivas e a calma habitual voltará; mas deve-se deixar esta obra ao tempo e não
tocar muito nela até lá. Segunda-feira foi-me preciso levar sozinho, com alguns amigos de minha irmã,
bem pouco conhecidos por mim, minha bem-amada mãe à sua última morada; depois, empenhei-me em
fazer observar com precisão sua localização, em cercá-la e orná-la um pouco; amanhã, cuidarei de
terminar alguns negócios que interessam minha irmã e seus filhos, e depois de amanhã, sábado, livre
desses grandes deveres, partirei para me reunir a você, caro filho, ao irmão e aos nossos amigos. Este
mês que acabo de passar esteve cheio de penas e de cuidados dolorosos, mas impregnado também
constantemente de paz e de consolação interior, porque sentia claramente que eu estava onde me queria
a vontade do Senhor, que eu andava em sua presença, cumprindo as coisas para as quais ele me
chamara. Meu único desejo seria que o resto da minha vida fosse assim, e, se tenho certa inquietação
sobre o futuro, provém unicamente do medo de não enxergar bastante nitidamente o que o Senhor pede
a seu pobre servo. Mas esse medo é mau e anuncia um coração por demais desconfiado das misericórdias
e do terno amor de Deus. Não apraz ao divino Pai dizer, com tanto tempo de antecedência, a seus filhos o
que ele entende prescrever-lhes, mas, se eles querem se abandonar à sua conduta, dia a dia, ele lhes
distribui, com o pão que os nutre, a luz que os esclarece e os conduz; eu me entrego em suas mãos, sem
nada querer, sem pensar, sem prever; o sopro de meu Deus me levará ao lugar que será melhor para
mim. Não tenho intenção nenhuma, caro filho, de começar um retiro na minha chegada, nem, sobretudo,
de afastar meu filho querido de quem sinto, ao contrário, uma grande necessidade; utilizarei, para rezar e
para procurar com o Sr. Beaussier a vontade de Deus, alguns dias após minha chegada, e vou abster-me
de retomar parte até o fim do mês em nossos trabalhos caridosos, mas adiarei o retiro propriamente dito
para um outro tempo que seria determinado em conjunto com o irmão Myionnet, se a Deus aprouver.
148
Sábado, caro filho, farei uma parada em Rouen, para ver meu sobrinho em sua pensão e só
chegarei em Paris, pela estrada de ferro, por volta das 6 horas da noite. Tinha bem pensado em dizer-lhe
que precisava vir ali para me encontrar; mas, por reflexão e por diversas razões que lhe explicarei, prefiro
que você venha me encontrar pelas 8 horas em casa para passar comigo o resto da noite. Tenha a
bondade, caro filho, de livrar-se de seus negócios da loteria, a fim de estar inteiramente disponível. Você
fará bem, talvez, em falar de minha chegada somente ao irmão; pelas 9 horas e trinta iremos vê-lo e dizer
com ele a oração; será o modo de recomeçar bem nossa vida. Gostaria também que pedisse ao meu
porteiro para avisar Dona Malenie de minha volta, a fim de que me prepare o jantar para as 7 horas.
Adeus, caro filho, continue a rezar por minha boa mãe. Agradeço a você, assim como ao irmão e
aos nossos amigos sua diligência em mandar dizer uma missa. Ponhamos assim sempre em comum
nossas afeições, caro filho, tristes ou felizes: elas são pesadas demais para um só coração; Deus o previu,
quando ele manda às pobres almas cargas tão pesadas, ele as mede, não para uma sozinha, mas para
várias ligadas juntas e ternamente unidas; meu doce filho, que a sua e a minha resultem em uma só e
que outras ainda conosco se fundam em uma santa e pura união com Deus, por Deus e para Deus.
Seu com ternura em J. e M.
Le Prevost
136.1- a Dom Angebault
Tempo de reflexão e de oração nos Irmãos de São João de Deus.
Paris, 2 de janeiro de 1846
Monsenhor,
Tomei para mim parte dos excelentes conselhos que Monsenhor se dignou dirigir em minha
ausência ao Sr. Myionnet e que ele me deu a conhecer ao meu retorno. Cada uma de suas cartas contém
para nós preciosos ensinamentos, que evitaremos, com todo o cuidado, negligenciar, e pelos quais
temos, desde este momento, uma bem viva gratidão.
Com nosso profundo pesar aliás, ainda não podemos fazer uma aplicação prática deles, já que ainda
vivemos separados, e não vemos até agora o tempo exato em que poderemos nos reunir. Meus negócios
pessoais, resolvidos em um primeiro ponto essencial, ainda continuam não decididos em um outro: o de
minha aposentadoria. Aguardando que esse obstáculo seja tirado, me alojei nos irmãos de São João de
Deus cujo estabelecimento, que já existe aqui há três anos, se firma de um dia para outro e parece
geralmente estimado.
O Sr. Beaussier julgou que eu não podia achar uma residência mais conveniente, e que me
pusesse melhor em condições de ver de perto, e de estudar atentamente a vida religiosa. Acompanho,
com efeito, em todos os momentos em que meus deveres não me chamam para fora, os exercícios dos
bons irmãos; informo-me exatamente de todas as circunstâncias de sua vida; tomarei conhecimento de
suas regras, se consentem me comunicá-las, e procurarei penetrar-lhes o espírito. Um tal estudo só
poderia me ser proveitoso, e o exemplo, sobretudo, dos hábitos de simplicidade, de trabalho, de pobreza
e de plena submissão destes bom irmãos me será um grande meio de edificação.
O Sr. Myionnet deseja certamente vir se juntar a mim e passar também algum tempo nesta casa
a fim de gozar das mesmas vantagens, mas, neste momento, o estabelecimento, que recebe doentes,
está completamente lotado, e somos forçados a aguardar um pouco. Receamos, aliás, chamar a atenção
cedo demais sobre nós e definir com demasiada precisão nossa posição que ainda exige grande
circunspeção. Este tempo de espera e de paciência é longo, sem dúvida, mas faz parte dos desígnios de
Deus que não quer que a porta se abra antes que se tenha batido a ela várias vezes; sua bondade se
dignará, enfim, admitir-nos, esperamos, e esta graça tão desejada será tanto mais preciosa por isso aos
nossos olhos.
O ano que acaba de terminar me deixa uma triste e dolorosa lembrança porque perdi bem
recentemente a mais terna e a melhor das mães; mas não devo esquecer-me, de outro lado, que a
bondade divina dignou-se me conceder grandes e poderosas consolações; coloco em primeiro lugar,
Monsenhor, as circunstâncias felizes que me permitiram aproximar-me de Sua Grandeza, receber seus
149
excelentes conselhos com o testemunho de uma benevolência toda paternal. Agradeço do fundo do
coração o Pai das misericórdias por isso e peço-lhe, Monsenhor, para lhe retribuir ao cêntuplo o bem que
faz a nós e a tudo o que o cerca.
O Sr. Beaussier, cujo espírito continua sempre unido ao seu, Monsenhor, me encarrega de lhe
oferecer também a expressão de seus votos os mais sinceros. Queira aceitá-los, Monsenhor, e acreditar
no profundo respeito com o qual sou em N.S.
Seu muito humilde servo e filho
Le Prevost
136.2- a um Confrade de S. V. de Paulo
Comunicação de uma nota sobre a Caixa dos Aluguéis.
Paris, 9 de fevereiro de 1846
Meu caríssimo confrade,
Envio-lhe, após um atraso demasiado, uma pequena nota sobre nossa Caixa dos Aluguéis; sinto
mesmo tê-lo obrigado a esperá-la tanto.
Não pude fazer melhor, peço-lhe de ter plena certeza disso.
Amanhã, lhe enviarei uma nota sobre as receitas e despesas da Conferência, que você me pediu
também.
Acredite, por favor, em todos os meus sentimentos bem devotados.
Le Prevost
137- ao Sr. Pároco de São Sulpício
Desculpas por uma modificação de horário da Santa Família. Pedido de amparo para a Obra dos Aluguéis.
Paris, 10 de abril de 1846
Senhor Pároco,
Estou profundamente aflito pelo contratempo acontecido domingo passado em São Sulpício.
Mudamos o dia de nossa assembléia somente para deixar nossa boa gente livre no santo dia da Páscoa,
mas no futuro não faremos, sob pretexto algum, modificação semelhante sem termos combinado com o
Sr. Pároco, ou com o Sr. Goujon. Estamos enviando, aliás, ao Sr. Mas Ardet uma carta indicativa dos dias
de reunião.
Junto aqui, Senhor Pároco, um pequeno folheto que preparamos para nossa obra dos aluguéis,
espero que terá sua aprovação e nos conciliará o apoio das pessoas que, bondosamente, querem nos
manifestar algum interesse.
Queira aceitar, Senhor Pároco, a expressão habitual do profundo respeito com o qual sou
Seu muito humilde e muito obediente servo em N.S.
Le Prevost
150
138- ao Sr. Pároco de São Sulpício
Gratidão pelo interesse que manifesta à Obra dos Aluguéis.
Paris, 20 de abril de 1846
Senhor Pároco,
O apoio que quer prestar tão generosamente à obra dos aluguéis assegurará seu êxito, confiamos
nisso, e atrairá sobre ela a bênção de Deus. Peço-lhe, Senhor Vigário, receber a expressão de nossa viva
gratidão, tanto pela contribuição que nos mandou, quanto pelo cuidado que quis ter de distribuir nossos
pequenos folhetos.
Junto aqui alguns exemplares deles que poderiam ser-lhe solicitados ou que, talvez,
ocasionalmente, o próprio Sr. Pároco desejaria entregar às pessoas que essa boa obra saberia
interessar.
Queira acreditar, Senhor Pároco, nos sentimentos bem respeitosos com os quais sou
Seu muito humilde e muito devotado servo em N.S.
Le Prevost
P.S. Ficaria feliz em saber que o pobre padre ao qual o Sr. mostrou tanta bondade teria sido tocado por
isso; se sobrasse, pelo que me diz respeito, algumas providências a fazer, estou aqui como em toda
ocasião plenamente a seu dispor.
138.1- ao Sr. Houssard
A Obra da Caixa dos Aluguéis precisa de encorajamentos.
Paris, 28 de abril de 1846
Senhor padre,
O Sr. é tão bondoso e tão amável para conosco que o pensamento me vem logo de recorrer ao
Sr. quando nossas obras precisam de um pouco de apoio extraordinário.
Neste momento, estamos criando para os pobres do bairro São Sulpício uma Caixa de poupança
para onde eles virão cada semana depositar suas pequenas economias ou reservas, a fim de juntar,
pouco a pouco, a importância de seus aluguéis. No fim de cada trimestre, conceder-lhes-emos um bônus
de encorajamento proporcionado à quota de seus depósitos e calculado à razão de 15 ou 20%.
O Sr. Pároco de São Sulpício interessa-se particularmente por esta obra cuja presidência honorária
aceitou, e espera dela os mais felizes resultados, não somente para aliviar os pobres na mais dura de suas
misérias, mas também para despertar neles hábitos de ordem e de previdência, cuja falta, demasiadas
vezes, causa sua aflição.
Ouso esperar, Senhor Padre, que terá a bondade de recomendar nosso empreendimento a alguns
dos santos jovens de sua casa e de recolher entre eles algumas esmolas para encorajar nossos esforços.
Queira aceitar, Senhor Padre, com a expressão antecipada de minha viva gratidão, o profundo
respeito de
Seu muito humilde e muito devotado servo
Le Prevost
P.S. Junto aqui alguns folhetos explicativos sobre nossa obra.
151
138.2 ao Sr. Houssard
Providência para um pároco da Bretanha. Gratidão pela ajuda que traz à Caixa dos Aluguéis.
Paris, 6 de maio de 1846
Senhor Padre,
O bom pároco da diocese de Rennes, que veio ter comigo em seu nome, deve ter reparado por si
mesmo em que pé está o negócio que o interessa; todavia, estive ontem em nossos escritórios e eu
mesmo tomei informações. Resulta que as peças de apresentação enviadas pelo Senhor Bispo para a
criação de novos vicariatos foram mandadas pelo Ministro ao Sr. Prefeito de Ille-et-Vilaine para ter seu
parecer. Enquanto esses documentos não nos tiverem sido mandados de volta, nada poderemos fazer.
Acompanharei, de resto, esse negócio com toda a atenção possível, sendo que o bom pároco a quem ele
concerne parece ser de seus amigos.
Queira acreditar, Senhor Padre, nas novas expressões do respeitoso devotamento com o qual sou
Seu muito humilde e muito obediente servo
Le Prevost
P.S. Agradeço-lhe mil vezes, tanto em nome do Sr. Pároco quanto em nosso próprio, o interesse
que presta à nossa obra dos aluguéis; podemos esperar dela grandes frutos se somos um pouco
encorajados; fico feliz que o Seminário, que tem simpatia para tudo o que interessa os pobres, nos preste
ainda, nesta circunstância, seu caridoso concurso.
139- ao Sr. Demuison
Os cantos executados nas reuniões da Santa Família. Qualidades exigidas pelo Sr. Le Prevost.
Paris, 12 de maio de 1846
Senhor e caro Confrade,
A música da Santa Família na qual, com grande pesar da minha parte, você só pode participar
raramente, se mantém mais ou menos quanto às peças executadas por nossos Confrades, mas faltam-nos
cantos ou cânticos, que possamos fazer cantar ao uníssono por nossa boa gente. Os que temos imprimido
em nosso livreto são tão gastos e conhecidos nos catecismos, nos retiros das igrejas e em todo lugar que
cansam por sua vulgaridade.
Você não poderia, caro confrade, indicar para mim alguns, simples e bem melodiosos, com os
quais possamos fazer a experiência? Ninguém tem mais condições do que você para dirigir nossa escolha
a esse respeito e ninguém também, tenho certeza, nos prestará este serviço com mais bondade e
caridade.
Queira acreditar, meu caro Confrade, em todos os sentimentos devotados com os quais sou
Seu muito afeiçoado Confrade
Le Prevost
Rue do Regard, 16
152
140- ao Sr. Myionnet
Na vida comum não são as alegrias humanas que encontramos, mas uma vida séria, feita de oração e de
abnegação. O Sr. Le Prevost encoraja seu “único irmão”, confidenciando-lhe suas próprias provações:
ele mesmo está privado de toda consolação interior e de todo atrativo pela piedade. Mas tem
consciência de que nisso se encontra um progresso espiritual. Descrição da vida que leva na Normandia.
Saint-Valéry, 19 de junho de 1846
Meu caríssimo irmão,
Você me prometeu ficar um pouco com saudade por minha ausência; espero que tenha sido fiel à
sua palavra e que a privação do único irmão que Deus lhe deu até agora se fez sentir para você em
alguns momentos. Espero-o, por causa de sua caridade, mais do que por qualquer outra causa, pois, no
estado de langor corporal e espiritual a que me sinto reduzido, estou vendo que não posso servir muito
nem para edificá-lo nem para consolá-lo. Essa situação, caro amigo, que ambos temos de sofrer é, creio,
toda providencial. Não aprouve ao Senhor que, na nossa entrada na vida comum, fôssemos sustentados
por atrativo sensível algum, a fim de fazer-nos entender que não é uma carreira doce e cômoda que
abraçamos, que não se deve procurar nela nem os apoios das simpatias humanas, nem as alegrias de
sentimento, mas um hábito de vida grave e séria, um caminho de trabalho, de oração e de abnegação.
Aceito-o, da minha parte, em tais condições e, embora me pareça um pouco árido e um pouco duro,
creio-o verdadeiramente no espírito de Deus. Há vinte anos, aspiro à vida de inteiro sacrifício a Deus em
união com algumas almas animadas também pela necessidade de abandonar tudo a Ele. E, agora que
estou tocando nisso enfim, que tomo posse deste bem tão desejado, as alegrias espirituais que me faziam
chorar por antecipação, as delícias da oração e da contemplação, o recolhimento, a presença de Deus, os
santos ardores das almas edificadas e estimuladas uma pela outra, tudo isso se desvaneceu. Acho-me,
como diz a Escritura, numa terra árida e sem água, esgotado de corpo, sem vida no coração, sem luz no
espírito. Algumas queixas, caro amigo, que o ouço fazer deixam-me pensar que Deus o prova mais ou
menos do mesmo jeito e que seu caminho é rude e áspero como o meu. Não nos aflijamos com isso, caro
irmão, e deixemo-nos conduzir pela mão toda sábia e toda paterna de nosso Deus. Lembro-me que,
antigamente, minhas orações resumiam-se, nos seus doces fervores, em oferecer-me todo a Deus para
seu serviço e para todas as obras que lhe prezasse confiar-me. Hoje, elas não são muito mais do que um
consentimento passivo à ação mortificante que ele exerce em todo o meu ser. Consinto em deixá-lo agir e
em sentir-me sucessivamente, e nos pontos mais íntimos, ferido de esterilidade e de morte. Ouso esperar
que este estado seja melhor que o primeiro e contenha um progresso espiritual; acho então nele, de
algum modo, uma certa alegria severa e calma que não é sem confiança e sem suavidade. Possa você,
caro amigo, inclinar também seu espírito para este sentido; então, eu me encontrarei ainda mais tranqüilo
e mais resignado, pensando que você quer bondosamente me acolher tal como o Senhor me faz,
confiando em seu amor para tirar de mim mais serviço e consolação, quando o momento tiver chegado.
Tenho bem poucas coisas a dizer-lhe sobre a minha viagem que se desenrolou
maravilhosamente, sem excesso de calor nem de poeira. A região em que estamos143 é encantadora sob
todos os aspectos: o mar é admirável, o céu esplêndido e os campos deliciosos. Os moradores
participam desses dons felizes da natureza. São piedosos, simples, cordiais, de modo nenhum curiosos e
dão atenção a nós, somente para prestar-nos algum serviço quando precisamos. Já tomei quatro
banhos, um a cada dia; a água é perfeitamente boa e agradável; só que, nestes dois últimos dias, as
ondas eram tão fortes que me bateram fortemente demais, a mim que sou fraco e débil; estava moído e
tão quebrado que mal conseguia me soerguer; de noite, meus nervos demasiadamente sacudidos
estavam em agitação contínua; via sem cessar essas enormes montanhas de água erguerem-se mugindo
e desabarem sobre mim com estrondo; a prova era rude demais para minha fraqueza e não teria sido,
creio eu, salutar. Hoje, mudando de horário, achamos o mar suave e clemente; penso que, indo assim,
será proveitoso para mim de certa forma. Todos os dias, antes de ir ao banho, entro numa pequena
capela, que está à nossa porta e quase na praia; ali recito a Ave maris Stella e me ofereço a Deus para
sarar, sofrer ou morrer, de acordo com sua sabedoria e seu amor.
Apresente-me, caro amigo, à lembrança de todos os nossos bons amigos, os Srs. Deslandes,
Boutron, Roudé em particular, depois, o excelente Sr. Fossin, cuja família foi cheia de cordialidade e de
143
O Sr. LP. é acompanhado por um jovem confrade de São Vicente de Paulo, Henri Taillandier (cf. cartas 128, 130),
que aconselhará na escolha de sua vocação sacerdotal.
153
bondade para nós; em seguida, o irmão Paillé144 que virá, espero, se juntar a nós pelo fim deste mês no
mais tardar; depois, o Sr. Nimier, o Sr. Georges [de La Rochefoucauld] e todos os outros tão bons, tão
dedicados que freqüentam diariamente a Casa. Escrevo uma palavra ao Sr. Maignen, não bastante amável
para conosco há algum tempo, mas que, no entanto, me é bem caro sempre. Adeus, querido irmão, rezo
todos os dias por você na Santa Missa e em outros momentos ainda; lembre-se também de mim e
esforce-se para que suas orações me tornem tal como sua caridade e sua terna afeição me podem
desejar.
Abraço-o bem cordialmente e sou para a vida em N.S.
Seu irmão devotado
Le Prevost
O Sr. Taillandier, cujo acompanhamento me é de grande auxílio e a caridade bem doce,
apresenta-se à sua boa lembrança; pede mencioná-lo perto de todos os nossos amigos.
Em São Valéry-em-Caux, no Grande Hotel dos Banhos
141- ao Sr. Maignen
O Sr. Le Prevost está aflito por ter recebido dele uma carta “dura e desanimadora”. Mas ele não tem que
se justificar das queixas que contém. Como o temperamento vivo e impressionável de Maurice Maignen
deve se corrigir. Procurar evitar toda ofensa.
São Valéry-em-Caux, 25 de junho de 1846
Meu caro filho,
Sua carta entristece-me tanto que quero responder-lhe logo, embora, esperando para amanhã ou
mais tarde, tivesse mais esperança de fazê-lo com calma e acerto. Isto me será um alívio, senão uma
consolação.
Com efeito, caro amigo, deve ter acontecido que, sem eu saber e bem contra minha vontade, o
tenha bem profundamente irritado, para atrair sobre mim uma carta tão dura e tão desanimadora como a
sua. Não me lembro de ter escrito algo igual para ninguém, e, apesar do conhecimento que tenho das
minhas deploráveis imperfeições, não posso deixar de crer que um pouco menos de severidade o teria
mantido mais perto da verdade. Passo de bom grado, de resto, por tudo aquilo que você enuncia sobre
meu caráter e os excessos de minha vontade; sei que suas censuras não são sem fundamento; se for
preciso fazer algumas restrições para atenuá-las, não pertence a mim propô-las, deixo ao seu coração de
amigo achá-las, senão agora, ao menos em algum outro momento em que seu espírito estará menos
desfavoravelmente prevenido contra mim. Mas nada aceito, meu caro filho, de tudo aquilo que você
imputa-me, em forma de esquecimentos ou de impotência de coração para com você, e nas minhas
relações com meus outros amigos. Tenho algumas afeições bem sinceras e bem devotadas, que cultivo
fielmente há muitos anos e que conservarei, espero, até o fim. Evito, é verdade, aumentar o seu número
e, sob esse aspecto, seria, creio, exato dizer que fujo das amizades de grande intimidade, em vez de
afirmar, como você faz, que elas se retiram de mim. Dou uma grande importância às obrigações que um
laço de coração impõe e, sentindo-me tão fraco, recuo diante de uma carga cujo peso conheço.
Quanto a você, meu caro filho, o que dizer-lhe, senão que o amei com toda a ingenuidade, com
toda a simplicidade de um coração que, em todos os outros casos, não tinha-se entregue senão com
reserva, e com você somente abandonava-se plenamente e todo inteiro. Tinha sonhado sempre com uma
afeição tão devotada, tão generosa, tão pura, que fosse a fusão real das almas e sua vida numa só; tinha
pensado que, Deus intervindo sem cessar para santificar e manter essa união santa, ela poderia
permanecer, preservar-se de todo golpe, sustentar e consolar, no caminho do exílio, os pobres corações
que tendem para a pátria. Uma tal união é para os anjos e não para nós, aspirar a ela é excesso de
144
Louis Paillé, (1816-1874), á um advogado de 32 anos, membro da Conferência St-Sulpice e amigo do Sr.LP. Sua
delicadeza fará dele o enfermeiro e o confidente do Fundador, por ocasião das longas ausências de repouso na
Normandia ou no Sul. Entra na comunidade em 10 de junho de 1848. Persevera no Instituto, sem nunca se decidir a
pronunciar votos perpétuos. Esse quarto irmão da Congregação morre dois meses antes do Sr. LP, no dia 02 de
setembro de 1874.
154
presunção; ao menos, só os santos podem aproximar-se dela. E eu devia saber isso demais, eu não sou
um santo. Portanto, caro amigo, minha afeição, contando demais com a potência e a intensidade interior
que ela sentia em si mesma, mostrava-se exigente, e, em sua ilusão, via nesta mesma exigência uma
prova de solicitude e de dedicação. Não procuro saber se você deveria ter entendido essa disposição de
coração, tê-la escusado, ou pelo menos, sem deixar ampliar-se em você tanto descontentamento, ter-me
avisado, mais claramente e mais cedo, de que sua alma não tinha assim bastante espaço nem livre curso.
A falha é minha, sem dúvida: deveria ter percebido isso, prevenido suas queixas e exigido menos de sua
afeição. Mas você é bem injusto, caro amigo, quando fala de desprezo, de superioridades altivas, de
desconhecimento daquilo que pode haver de bom em você. Há só duas coisas em que tenhamos direito
de nos mostrar ciumentos: é a nossa inteligência e o nosso coração; sob este duplo aspecto, ouso
desafiá-lo a achar um só fato, uma só palavra, em meus relacionamentos tão íntimos e tão habituais
consigo, que você poderia, com certa aparência de razão, considerar como uma negação de suas
qualidades de espírito e de coração. Tenho procurado, em toda oportunidade, seu parecer e muito
freqüentemente segui suas inspirações; e, quanto ao seu coração, cem vezes lhe declarei que a razão
única ou primeira, ao menos, de minhas preferências afetuosas por você não era outra senão a delicadeza
e a elevação de seus sentimentos. Por que obrigar-me a repetir-lhe aqui, cruamente, coisas que a gente
gosta mais de adivinhar do que de ouvir dizer diretamente demais? Em alguns curtos instantes de
irritação, escusáveis talvez no meu estado de saúde e por muitas outras causas ainda, somente censurei
em você alguns pequenos defeitos de caráter; mas não é guardar disso ressentimentos por demais vivos,
o fato de entrar em desconfianças exageradas, de exaltar seu espírito em mil imaginações tristes e
desanimadoras, e esmagar-me depois sob a repercussão dessas lutas interiores? Por uma falta tão leve,
na hora e sempre pedi-lhe perdão, e essa terna reviravolta de afeição deveria ter curado logo tais
arranhões. Não é o que está acontecendo, caro amigo, e aí está a única causa de nossos choques; não se
deve procurá-la em outro lugar. Em muitos casos, eu poderia ter mostrado uma susceptibilidade parecida,
mas faço um esforço, enquanto você se recusa a fazê-lo. Subo de volta até a intenção, aprecio o alcance
do golpe e arranco o espinho sem pensar mais nisso. Se você tivesse tido o mesmo tratamento com as
leves picadas que vieram-lhe de mim, ponho a mão na minha consciência, e declaro que nenhuma vinha
do coração nem visava ao coração, nenhuma atingia seu espírito e seus sentimentos, nenhuma revelava,
da minha parte, a falta de estima, nem a diminuição de minha afeição. Ouso conjurá-lo, caro amigo,
senão por mim, ao menos por você, que experimente esse método no futuro; ele irá poupar-lhe muitos
cuidados, muitas tristezas a seus amigos.
Você não desconhece menos meu pensamento e meus sentimentos, caro amigo, quando censurame por não ter provocado, de sua parte, uma explicação. Sua conduta para comigo parecia-me tão
ofensiva e tão inconcebível que não podia atribuí-la senão à inconstância ou à lassidão do coração; diante
de uma tal causa, só podia gemer penosamente sobre você e sobre mim; eu o fiz com mais perturbação e
dor do que teria sido preciso, sem dúvida, mas não falei nada, tendo o costume, não de ficar sem piedade
como você diz, mas de sofrer em silêncio e de rezar quando fico profundamente ferido. Parece-me, então,
que somente Deus pode ouvir-me e curar-me, e volto-me para Ele. Eis aí meu grande recurso em meus
desânimos e nestes mal-entendidos tão freqüentes, em que pobres corações, como os nossos, têm boa
vontade, falam entre si, lamentam-se para fazer-se entender e não conseguem. Aqui mesmo, nesta
pequena cidade em que estou, encontrei uma velha senhora, amiga e parente de minha pobre mãe.
Julgando que eu demorava demais para visitá-la, ela mesma veio encontrar-me, apesar de seus 80 anos,
levou-me à sua casa e cumulou-me de bondade. Mas ela é surda a ponto de não poder ouvir a mínima
palavra; a tudo aquilo que eu podia dizer para exprimir-lhe minha viva gratidão, ela gritava-me: “É inútil,
não ouço nada.” Então, tomei sua mão e apertei-a afetuosamente, olhando para o céu; ela entendeu-me
assim e sorriu-me suavemente. Voltemo-nos para este lado, caro amigo, e, como o fizemos tantas vezes,
saberemos ainda nos entender e reaproximar nossos corações.
Você achará ainda, eu tenho medo, que esta carta é mais triste do que terna; você se enganará
de novo; ela é uma e outra coisa ao mesmo tempo; minha primeira carta estava repleta de bondade e de
doce conciliação; desejei que esta fosse no mesmo sentimento; não sei se ficará contente comigo por
isso. Como não seria triste? Esgotado de corpo e de espírito, quebrado pelo coração tantas vezes, tinha
pensado achar em você um pouco de descanso e de consolação, e você me aflige mais do que os outros;
os movimentos contínuos de seu espírito, que não se pode contentar com a santa monotonia de uma
afeição tranqüila, perturbam-me e inquietam-me constantemente; aqui mesmo, onde procuro, em vão
sem dúvida, um pouco de força e alguma moratória em meu sofrimento, você me esmaga com duras
repreensões, sem uma palavra do coração para suavizar-lhes a amargura. Se esta queixa, embora feita
bem baixinho e colocada no Coração de Deus ainda mais do que no seu, ainda o irrita, se, apesar de tudo
o que pude fazer e desejar, se, apesar dos bons desejos que estão em você também e dos quais não
duvido, continuamos sem nos entender, é preciso, caro filho, curvar nossa cabeça e deixar agir o bom
155
Deus; ele aproximou nossos corações e os manterá na verdadeira caridade; sem Ele, como a pobre
senhora surda, só saberemos dizer: Tudo é inútil, não ouço nada.
Adeus, meu filho querido. Mais uma vez e pela última vez dou-lhe com lágrimas este nome do
qual você não quer mais e ao qual minha terna afeição tinha juntado tanta solicitude e tanta dedicação
ardente; doravante, ainda me restará, felizmente, dizer-me para você, como hoje,
Seu devotado irmão e amigo em Nosso Senhor
Le Prevost
P.S. --- Minha saúde ainda não recebeu melhora bem sensível; o ar livre, o mar, uma vida de
grande repouso dão-me um pouco de alívio, mas não encontro essas voltas de força e de vida que
comporta a convalescença. Tudo estará bem, de resto, pois tudo virá de Deus, e não será, espero,
colocado num coração ingrato. Escreva-me após a reunião de domingo e diga-me se tudo está bem na
Santa Família e na Conferência. Faça o que achar melhor para a estátua, não esqueça o desenho.
Reze por mim, diga aos nossos amigos mil coisas cordiais por mim.
142- ao Sr. Myionnet
Papel da secura espiritual na vida interior. Deus a permite para que percebamos nossa miséria; nosso
trabalho consiste em deixar que sejamos modelados. Providências caridosas. Lenda do bispo construtor.
Inabalável constância: “guardar a letra de nosso regulamento, o espírito voltará”.
27 de junho [1846] - São Valéry-em-Caux
Grande Hotel dos Banhos
Meu caríssimo irmão,
Você me parece de uma severidade muito exagerada para consigo e está pedindo rápido demais,
parece-me, à sua pobre alma para que chegue à perfeição à qual aspira. Não é também aumentar demais
as coisas ver, em sua vida toda consagrada à oração e às obras santas, faltas graves que podem alarmar
seu coração? Se fosse assim, caro amigo, eu teria visto alguma coisa, eu que, desde sua chegada aqui,
quase não o deixei e que partilho agora sua morada e ando lado a lado com você. Tranqüilize-se, caro
irmão, só vi em você algo simples, reto e bom, e, de minha parte, tenho a convicção de que, longe de ter
recuado no bom caminho, você avançou corajosamente e num compasso contínuo. Nosso erro sobre
nossas disposições vem ordinariamente, caro amigo, do fato de não levarmos bastante em conta as
circunstâncias diferentes em que nos achamos; em certos momentos, estivemos cheios de ardor, firmes
nas regras que nos tínhamos imposto, prestes a tudo sofrer, a tudo empreender para o serviço do Senhor.
Este estado feliz regozija nosso coração, enche-nos de esperança e parece-nos o caminho de perfeição.
Acho, todavia, que não é nada disso, que se está aí somente nos primeiros passos da carreira e no
tratamento da infância. Avançando, Deus, cujo ardor nos sustentava, se retira; sua luz não mais ilumina
nosso espírito; achamo-nos em presença de nossas fraquezas, de nossa impotência e de todas as misérias
de nossa natureza. Somos mornos e quase maus; o amor-próprio mistura-se às nossas intenções, e a
mistura estraga também a pureza de nossas afeições; rezamos sem gosto e com tédio; não temos na
oração nem pensamentos, nem sentimentos, nem ardor para as resoluções; enfim, nossas obras também
são mornas e sem vida, infrutíferas para os outros, vazias e cansativas para nós. Será que você está neste
ponto, meu caríssimo irmão? Se você ainda não está neste estágio, estou na sua frente e posso estenderlhe a mão para alcançar-me, porque você chegará lá; se você está mais abatido, mais triste e mais débil
ainda, pertence a você me atrair, porque você está na minha frente. Sim, caro amigo, estou convencido
de que é preciso passar por este triste caminho, sentir, por nossas deficiências, nossos passos em falso,
nossas quedas talvez, nossa miséria, nosso nada. Mas estou certo ao mesmo tempo de que esse estado
de desolação e de impotência é melhor do que o primeiro, onde estávamos firmes, fervorosos, generosos
pelo coração e fecundos pelas obras. Deus estava em nós então, animava nosso espírito, guiava nossos
passos, sustentava nossa mão; hoje, ele nos olha agir, como uma mãe segue os primeiros passos de sua
criança, vê sua fraqueza, prevê suas quedas, mas a deixa fazer para que aprenda a andar. Quando, há
alguns meses atrás, antes do nosso pequeno retiro, você parecia triste e falava de ir recolher-se em
Angers: o Sr. Beaussier sorriu somente e disse-me: “Você e ele verão muitas outras coisas.” O Sr. de
Malet, meu piedoso e santo diretor de outrora, tinha-me advertido também disso, dizendo: “Você tem um
pouco de ciência, de fé, de caridade, de dedicação; saiba bem que virá a hora em que você não terá mais
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nada: a tepidez, a secura, as trevas e as quedas serão seu quinhão, e você estará sozinho em vez de
estarem em dois, como hoje, Deus e você; não haverá mais senão você, e você entenderá então o que
você é.” Essa hora parece ter chegado, caro amigo; agarremo-nos bem, portanto, aconcheguemo-nos um
no outro, guardemos a letra de nossas práticas e de nosso pequeno regulamento; o espírito voltará, a luz
iluminará de novo nosso pensamento, nosso coração sentirá ainda a suave caridade à qual se dedicou e
consagrou todo inteiro. Eis aí minha esperança, caro amigo; aceite-a você mesmo, não considere seu
isolamento como a decadência, alguns relaxamentos, molezas e desgostos como faltas graves, nem
mesmo algumas faltas como sinais de deserção; nesse estado, Deus trata-nos com uma imensa
indulgência; se tropeçamos, não presta atenção nisso, e se caímos, ele nos levanta, bate a poeira, tira a
lama e nos recoloca no caminho. Eis tudo. Hoje sou eu, caro amigo, a parecer decidido e apresentando
não duvidar de nada; amanhã, será sua vez, pois, vinte vezes por dia, tenho também minhas falhas e
meus desânimos. Mas, apoiados um no outro, nos apoiando alternativamente, rezando juntos ou
gemendo juntos, ganharemos terreno, e nos acharemos, espero, num solo mais firme e num ar mais livre.
Quando estiver de volta, caro irmão, se o bom Deus me devolver um pouco de saúde, esforçarme-ei por edificá-lo melhor. Compreendo bem que o estado em que você me vê de corpo e de espírito
não contribui pouco ao seu desânimo, mas, meu querido irmão, você não terá deixado, com uma
indulgente compaixão, de pensar que sofro com isso ainda mais do que você, tendo ao mesmo tempo o
peso e a humilhação esmagadora dessas enfermidades. As considero, de resto, como uma das rudes
provações que devíamos prever e aprazo-me em ver nelas um testemunho da presença e da ação de
Deus em nossa obra. Li, estes dias, uma pequena lenda dizendo que o Senhor ordenou a um piedoso
Bispo, não sei mais qual é, que lhe erguesse uma igreja magnífica em um local marcado. O Bispo pôs
mãos à obra e construiu, à grande custa, o edifício, mas este ainda não estava concluído quando os
muros desmoronaram; foram reerguidos, caíram de novo; mas o santo tendo perseverado, ergueu enfim
um templo admirável, onde o Senhor comprouve-se em derramar sobre todos as suas bênçãos.
Essa será, espero, caro amigo, nossa história, mas é preciso perseverarmos obstinadamente em
nosso desígnio, não desanimarmos nem pelas dificuldades, nem sobretudo pelas nossas imperfeições;
somos os instrumentos de Deus: se Ele não nos achar tais como Ele nos quer, que nos talhe, nos martele
e nos corrija ao seu agrado; ouso dizer que isso é seu papel, o nosso é deixar que nos modele, sermos
dóceis e só cedermos no caso em que, bem evidentemente, bem certamente, Ele nos rejeitar e se
recusar a servir-se de nós. Eis o meu pensamento, caro amigo, ele será também o seu, porque só
comporta a desconfiança de nós mesmos com a absoluta confiança nas misericórdias e no amor de nosso
Deus.
Recebi, como você diz, uma carta do Sr. Maignen, mas não me fala da Conferência, nem do
patronato. Sua carta é somente uma longa queixa contra mim, contra minhas exigências excessivas e o
exagero de meus conselhos a seu respeito. Mereço em parte essas censuras, embora minha intenção
tenha sido boa; minha afeição por ele, por cristã que fosse, era excessiva e por isso devia ter seu castigo;
por outro lado, não levei bastante em conta suas inclinações naturais e, tentando pôr um pouco de
regularidade em seus hábitos, encostei rudemente demais a mão num ponto fraco que era para ser
poupado. Espero, no entanto, que essa irritação seja passageira e que seu coração nos ficará. Peço-lhe,
caro amigo, não lhe falar desses pequenos desentendimentos; o bom Deus, melhor do que nós, os
consertará com sua doce e insinuante caridade.
Escrevo uma carta, que junto aqui, para pedir ao Sr. padre Duquesnay que vá a Angers para o dia
19 de julho. Seria preciso, caro amigo, por amor a sua Conferência de Angers, levar esta carta, você
mesmo, ao Sr. Duquesnay, que se encontra de manhã antes do meio-dia. Você o encontrará, acho, indo
logo após a missa, de manhã. Se conseguisse uma resposta favorável, você deveria, caro irmão, escrever
sobre isso ao Pavie, que combinaria com você a saída do Sr. Duquesnay. Caso contrário, a incumbência
voltaria ainda a você, meu pobre irmão, de ver o Sr. Ratisbonne145, o Sr. Lacarrière cujo endereço lhe
dirão nos Carmos, enfim os Jesuítas que talvez concederiam o padre Humphry ou o padre Marquet. Creio
que eles não conviriam plenamente em Angers, mas, com certeza, eles têm um talento incontestável. O
mais conveniente seria, acho, o Sr. Duquesnay; empenhe-se, portanto, da melhor forma para tê-lo.
Vou escrever ainda a Victor para dizer-lhe que minha ausência deixa repousar esse assunto, em
grande parte, sobre você. Se você tiver êxito, avise-me depressa. Poderia escrever ao Sr. Levassor, para
perguntar-lhe como ele combinou ultimamente, em caso semelhante, com o Sr. Duquesnay sobre as
145
Théodore Ratisbonne, convertido do judaísmo, como seu irmão, emprestava seu talento de orador à Conferência
de São Sulpício.
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despesas de viagem ou outras; talvez, também, se poderia simplesmente saber a opinião do Sr. padre
Goujon, na sacristia de São Sulpício.
Não me havia preocupado em dizer-lhe para abrir minhas cartas: já que tudo pusemos em
comum, a recomendação era inútil. Peço-lhe para tirar, sobre os 200f recebidos, o preço do porte, mais
115f que depositará na Caixa de nossa Comunidade e reservar o resto que não me pertence.
Apresente-me de novo à lembrança de nossos muito queridos Confrades, em particular os que,
bondosamente, querem tomar sobre si meu trabalho junto com o seu: os Srs. Deslandes, Boutron,
Roudé, Granger; desejo também que você faça um pequeno mémento particular ao Sr. de Malartie, cuja
bondade e inesgotável boa vontade fazem minha alegria e minha edificação ao mesmo tempo. Não
esqueça, enfim, outros que me são igualmente caros: os Srs. Nimier, Georges, Planchat, Leleu146, todos,
não sei parar, pois tenho-os a todos em minha afeição. Levarei ao excelente Sr. Fossin notícias de sua
família; escrevi ao Sr. Paillé, penso que vai chegar logo. Enfim, diga uma palavra ao bom Odulphe que
recomendo também ao bom Deus em minhas orações.
Aumento seus trabalhos, caro amigo, dando-lhe um tal volume a ler, mas não pude fazer de outro
jeito. Minha saúde está pouco forte ainda, mas se ela não voltar, exercerá sua paciência, caro amigo,
será talvez esse o desígnio de Deus. Abraço-o com ternura, caro irmão, no Coração desse divino Mestre
que nos aproximou um do outro e que nos unirá em seu amor.
Seu em J. e M.
Le Prevost
143- ao Sr. Myionnet
A perseverança na oração traz luz e paz à alma confiante..
2 de julho de 1846 – St Valéry-em-Caux
Meu caríssimo irmão,
Na volta do Sr. Taillandier para Paris, encarrego-o destas duas palavras para você, a fim de dar
sinal de vida e apresentar-me à sua boa lembrança. A pequena região onde estou é tão calma e tão
pacata que a vida passa-se todos os dias do mesmo modo. Portanto, não tenho nada novo a lhe informar.
Os banhos fazem-me talvez um pouco de bem, embora muito insensivelmente; ando um pouco menos
mal e o ar puro, junto com um exercício moderado, me sustenta ao menos por enquanto. Não sei o que
me poderá sobrar dessa melhora para o futuro; receio voltar muito pouco melhor para Paris.
A temperatura não foi sempre favorável; não pude tomar banhos regularmente todos os dias e
restam-me ainda 10 a tomar, isso me obrigará a ficar aqui até o dia 13 e a adiar meu retorno para o dia
20 deste mês, mais ou menos. Então, caro irmão, voltarei a ocupar meu pequeno quarto perto de você,
partilhar seus exercícios e fazê-lo aguardar mais pacientemente, se posso, o tempo em que irmãos mais
vigorosos do que eu, de corpo e de espírito, ser-lhe-ão enviados pelo bom Deus.
Procure, caro irmão, achar um momento para me responder; isso o descansará um pouco de seus
trabalhos e lhe dará alguma efusão de coração com seu irmão ausente.
Junto aqui uma cartinha que lhe peço mandar entregar perto de nossa casa ao seu endereço. É
para um de meus companheiros de escritório a quem escrevo para saber se meus negócios foram levados
a termo no Ministério.
Adeus, meu querido irmão, reze sempre muito por mim, que tenho grande necessidade neste
momento. Procuro, apesar de minhas más disposições, não negligenciar demais os hábitos adquiridos em
tempo melhor; vou muitas vezes por dia à capela e, embora não diga muita coisa ao Senhor e que Ele
fique também silencioso comigo, não deixo de pensar que há proveito para mim e homenagem para Ele
146
Confrades de Sãp Vicente de Paulo. --- Henri Planchat, (1823-1871), o primeiro padre do Instituto. Estudante em
direito, era, desde 1843, membro da Conferência de São Vicente de Paulo da paróquia St Sulpice. O apóstolo dos
bairros morrerá fuzilado no dia 26 de maio de 1871 pelos Communards.
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neste humilde esforço de minha vontade. Tenho confiança, caro amigo, que se nós persistirmos, você e
eu, apesar das nossas misérias, apesar de nossas falhas, neste caminho escuro e árido, ele nos conduzirá
a algum lugar de suave luz e de benfazejo descanso.
Seu afetuosamente nos Corações de J. e de M.
Le Prevost
Penso que o dinheiro que me é devido da parte do Ministério para o mês passado deverá ter sido
levado a você. Vou dizer-lhe a parte que deve ser subtraída para a pensão de meu sobrinho147.
144- ao Sr. Maignen
O Sr. Le Prevost demonstra-lhe o interesse e a necessidade de ter uma Conferência estruturada.
Providências para diversos objetos, notadamente a estátua destinada à Santa Família.
[8 de julho de 1846] – São Valéry-em-Caux
Você não é você mesmo neste momento, meu caro amigo; não sei qual espírito o exalta e o
empurra para fora do caminho de mansidão e de bondade que lhe é natural e que é o único que lhe dará
êxito. Acredite em mim, deixemos descansar nossos corações, a fim de reencontrarmos mais tarde uma
afeição iniciada sob felizes auspícios e que nos deve ser cara a ambos. Até lá, refugiemo-nos na caridade
que, pelo menos, nos deixará a bondade recíproca, o respeito um pelo outro e a indulgência cristã da
qual temos igualmente necessidade148.
Agradeço-lhe suas observações a respeito da Conferência e da Santa Família; qualquer que seja
sua forma, procurarei aproveitar aquilo que podem ter de útil. Sei todas as boas e amáveis qualidades do
Sr. Deslandes. Apesar de ele já ser Presidente de São Gervásio, sendo encarregado de representar nossa
Conferência no Conselho de Paris, e de ter tido a mais importante das nossas seções, procurarei todas as
oportunidades de fazer nossa assembléia aproveitar de seu zelo e de sua dedicação.
Os chefes de seção, dos quais você não parece apreciar suficientemente a ação e a influência na
nossa Conferência, têm tanta iniciativa quanto se pode desejá-lo e poderão sucessivamente tirar, espero,
dessa divisão em seções, as vantagens que procurei e que não eram outras senão uma parte feita à
iniciativa e ao movimento próprio de cada um. O número considerável dos membros de nossa reunião
coloca mais obstáculos do que você pensa a esta ação particular dos Confrades, e muitas vezes pensei
que muitos podiam sofrer com isso, não tendo uma esfera bastante aberta para sua boa vontade; por isso
é que tentei, durante muito tempo, deslocar uma parte da ação geral das nossas obras para as reuniões
das seções; o consegui só imperfeitamente. Se houver outros meios, estarei muito disposto a usá-los,
quando forem propostos.
Quanto ao Conselho da Santa Família, teve, no primeiro momento, de ser composto
necessariamente de todos os homens que tinham encorajado a obra e podiam protegê-la no seu início;
depois, ele acaba de ser reorganizado antes de minha saída e comporta somente homens de quem você
não desconhecerá nem o zelo, nem a ativa boa vontade; são eles os Srs. Milleriot, de Lambel, Deslandes,
de Montaud, Taillandier, de Malartie, Boutron, você, o Sr. Tardif, o Sr. Tuslane, como representante das
Missões, e um membro dos mais zelosos de Stanislas, para representar esta Conferência. Na assembléia
147
No cabeçalho da carta há isto: Esta carta, escrita antes da chegada do Sr. Paillé, se encontra quase sem objeto.
Depois da primeira alínea, se encontra apagado: Não temos visto até agora o Sr. Paillé, que esperávamos no início
desta semana; se ele ainda não tivesse saído e que lhe parecesse um pouco hesitante, precisaria convidá-lo a não vir;
a região é muito amável a ver, mas não bastaria, talvez, para tornar-lhe sua viagem agradável, se não sentisse, por
outro lado, a necessidade de se mexer um pouco, como isso aconteceu muitas vezes com ele; do meu lado, ficaria
muito sentido se ele fizesse somente por mim esse deslocamento, já que meu estado de saúde não é tal que eu tenha
necessidade de exigi-lo de sua generosa afeição.
Há também, riscado, este post-scriptum:
Não esqueça de me dizer o que tem feito para a Conferência de Angers. Apresente-me, por favor, à boa
lembrança de nossos caros amigos.
148
Num primeiro movimento, o Sr. LP. tinha parado sua carta aqui e esse 1o parágrafo era continuado somente pela
fórmula de cortesia final e pela sua assinatura. Mudando de idéia, o Sr. LP. preferiu responder longamente e prometer
tirar proveito das críticas que lhe dirige o Sr. Maignen.
159
que houve antes de minha saída, esse Conselho mostrou as melhores disposições, e creio que poderemos
reuní-lo utilmente em toda ocasião.
Fico-lhe muito grato pelo cuidado que tomou para o desenho; creio que é preciso apressar seu
acabamento, a fim de poder dispor dele para o momento do retiro. O Sr. Belliard mora bem pertinho; (rua
de Sèvres, nº 2) e o Sr. Imlé, acho, já terminou sua parte de trabalho. O Sr. Duplessy tinha prometido
tomar informações sobre os quadros cunhados em cobre; peço-lhe cuidar disso com ele.
Acho que você terá tido a bondade de cuidar também da estátua, pois, se o padre Jehan149 deve
tardar para voltar, nos encontraríamos desprevenidos.
Minha saúde continua sendo enfraquecida e duvido que tire grande proveito dos banhos de mar.
Deixarei São Valéry segunda-feira para chegar na casa de minha irmã, onde ficarei sem dúvida
uns oito dias. Acredite-me sempre bem cordialmente seu em N.S.
Le Prevost
145- ao Sr. Maignen
O Sr. Le Prevost empenha-se em demonstrar a esse coração sensível toda a realidade de sua afeição por
ele. Que o Sr. Maignen leve mais em conta sua retidão de intenção. Que precisa misturar com a amizade
humana o espírito de santa caridade. Recomenda-lhe cuidar do Sr. Myionnet: “é bem fácil amá-lo”.
St Valéry-em-Caux, quinta-feira 9 de julho de 1846
Minha carta cruzou a sua, caro amigo, você logo o entendeu, e está vendo na minha pressa
que, com você, o silêncio me custa mais do que a efusão. Como pensou, suas duas cartas me tinham
parecido duras e ultrajantes, ofensivas de propósito, sem a menor palavra que cheirasse a afeição e que
aliviasse a amargura de suas censuras. Achava nelas um esquecimento completo e um desconhecimento
cruel da mais terna afeição que você tenha encontrado. Meu primeiro movimento poderia ter-se feito
sentir demais em minha resposta. Esperei, rezei um pouco a Deus, como procuro fazer de costume, para
saber se eu devia calar-me ou falar ainda; senti em mim a esperança de que tudo não tinha acabado,
que, após um tempo de tristes mal-entendidos nos reencontraríamos de coração a coração, e lhe fiz uma
pequena carta que lhe terá parecido severa, embora fosse mais um apelo à sua afeição. Você tomou a
iniciativa, caro filho, fico feliz com isso. Não era preciso de tanto para reabrir-lhe os braços e todo o
coração do seu pobre amigo; qualquer coisa que você fizer, qualquer coisa que eu conceda nas formas
exteriores, minha ternura para com você terá sempre um fundo de paternidade que não se apagará;
ora, você sabe, você tão favorecido quanto à família, os pobres pais, apesar de maltratados, ao menor
sinal de volta, não têm resistência e só sabem chorar e amar. Portanto, meu caro filho, eu o amo bem à
vontade, aperto-o fortemente contra este coração doente que você tanto havia ferido, a fim de que não
haja mais marca da ferida. Ah! como esta é fácil de se curar, caro amigo, e como faço pouca conta deste
orgulho que você diz tão intratável, já que, afinal, há só ele a imolar.
Mas é preciso dizer-lhe que, para o resto, não estou, de modo algum, convertido ao seu
parecer. Sim, você engana-se mil e mil vezes, quando diz que faltei com a estima para com você. Não
cessei nenhum instante de fazer justiça, em alta voz e com todos, às qualidades que estava feliz de
reconhecer em você; eu só levava um pouco em conta alguns descontentamentos manifestados de vez
em quando por você, porque, não sentindo neles nenhum fundamento real e, com toda a sinceridade de
minha alma, não vendo neles senão um efeito de imaginação de sua parte, não podia acreditar que
deixassem em você impressão penosa alguma. Quase sempre, eu caía das nuvens quando você se
mostrava irritado contra mim e eu sofria cruelmente de uma susceptibilidade que me parecia tão
exagerada e tão contrária à suavidade natural de seu caráter. Respondendo então com calma e
benevolência, fazia um esforço que você não percebeu e que, no entanto, custou-me muito.Você
engana-se mil vezes mais ainda, quando queixa-se de não ter sido bastante amado; minha ternura por
você dominava tudo e, nas horas mais dolorosas de minha vida, soube conservar seu lugar em meu
coração. Quando, após um mês de angústias de todos os instantes, perdi minha bem-amada mãe, tão
149
O Padre Jehan é um monge, escultor, da abadia beneditina de Solesmes.
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querida, tão venerada, eu lhe escrevi que suas palavras me eram tão suaves que elas diminuíam, ao
menos por uma hora, a dor pela consolação. Se, qualquer dia (Deus não o permita) sua boa e três vezes
boa mãe lhe fosse tirada e você pudesse escrever uma tal palavra a um amigo, sentiria até onde vai sua
afeição por ele. A minha para com você não foi grande, foi excessiva, misturada demais com ternura,
preocupante demais, exclusiva demais, prejudicou meu repouso, teria perturbado minha consciência,
sem uma constante vigilância, ou para falar melhor e para ser franco, ela a perturbou muitas vezes,
como invadindo um coração que eu tinha dedicado todo a Deus. Sempre a considerei como digna de
punição neste ponto e, quando, por razões que você julga enormes e que me pareciam a mim
versatilidades de humor, apagáveis com um aperto de mão, você me abandonou de repente e quase me
rejeitou, disse a mim mesmo: “Eis a hora de sofrer por onde pequei e a hora também de devolver a
Deus aquilo que roubei dele”. Sofrendo dolorosamente com seu abandono, bendizia o Senhor que, com
sua mão, desferia um golpe que a minha mão nunca teria achado a coragem de desferir.
Não creio, meu caro amigo, que estas explicações, enquanto explicações, o satisfaçam. Eu
as dei a você várias vezes, ao menos em substância, sem que sua opinião tenha parecido mudada em
nada com isso. Vejo bem também, por sua carta, que em outros pontos ainda não temos absolutamente
o mesmo sentimento, mas, no fundo, o que importa isso se nossos corações estão contentes e
repousam seguros um no outro? É preciso reconhecermos que os pobres homens, com toda a boa
vontade e todos os desejos possíveis, não saberiam sempre se entender, mas se o coração se interpõe,
pode preencher o abismo e manter as almas ternamente unidas.
Você não me parece, em particular, levar bastante em conta a retidão de intenção.
Fazendo esta reserva, você teria tirado de suas duas cartas a expressão de rudeza quase odienta que as
tornava para mim tão penosas, e teria sido justo ao mesmo tempo. Com efeito, posso, demasiadas
vezes, errar, podem faltar-me luz, força e boa inspiração, mas ouso assegurar que sempre procurei
cordial e sinceramente o que era o melhor para a glória de Deus, para a vantagem de todos os nossos
Confrades e o maior bem de nossas pobres famílias. É bem raro que as pessoas que são
verdadeiramente um pouco de Deus não andem neste caminho de retidão; vendo-as por esse lado, é
impossível que não se seja inclinado à indulgência para com elas e levado a esclarecê-las e a rezar por
elas em vez de maltratá-las.
Acho também, caro amigo, que você está errado quando me censura por ser comedido demais e
fazer da única pequena virtude que posso ter uma dignidade orgulhosa e uma triste secura de coração.
Um pouco de controle sobre si mesmo é o único tesouro que nos deixam os anos, em substituição de tudo
o que eles nos tiram, mas acredite firmemente que sob essa força aparente, que modera o ímpeto
excessivo dos sentimentos, o pobre coração não perde nada, ama e sofre às vezes duplamente, não
podendo alargar-se e expandir-se, como lhe seria tão necessário. De resto, demasiadas vezes, faltei a
essa conveniência medida no que o toca e, mais tarde, longe de pensar como hoje, você será talvez
tentado de fazer-me uma censura contrária.
Não lhe escrevo como gostaria, quase nunca fico sozinho e não posso recolher-me intimamente
com você, mas sinto no fundo do coração um certo repouso, uma doce e terna confiança, que me
anunciam que tudo está voltando a seu lugar entre nós e alguma coisa disso deve transparecer nesta
carta. Oh! Sim, nossos corações são feitos para a confiança, o abandono, a santa segurança com nossos
amigos como com o próprio divino Pai. É preciso, para que nossas afeições sejam suaves, que participem
um pouco da constância e da imutabilidade do divino amor. Esforcemo-nos, caríssimo amigo, para dar
esta consistência à nossa, e para isso, misturemos com ela, ainda mais do que no passado, o espírito de
santa caridade; procuremos que o Senhor esteja sempre conosco como parceiro, assim nossas mais
suaves conversas serão ainda uma boa obra, nossos corações conduzidos, inspirados por Ele terão
somente movimentos de afetuosa indulgência e tirarão todo o fruto possível da terna amizade de que Ele
nos presenteia.
Adeus, meu querido amigo; ficarei uns oito dias na casa de minha irmã. Você me escreverá de
novo a esse endereço e, depois, procurará vir ao meu encontro, a fim de que eu o veja antes de todos,
que o aperte um pouco contra o meu coração como outrora e que o futuro seja todo de doce alegria para
nós.
Vou escrever, logo na minha chegada, ao irmão Myionnet, para repreendê-lo por não me ter dito
que estava sofrendo. Cuide bem dele, é um tipo de tio para você, já que ele é o irmão de seu pai; aliás, é
bem fácil amá-lo. Estou um pouco menos mal, mas o ar dos nossos penhascos é tão bom que não poderia
ser de outro jeito; em Paris, será bem diferente. Estou vermelho e todo queimado pelo sol; é um prazer
ver-me, mas, logo no outono, estarei pálido de dar dó; eu precisaria ficar nos campos seis meses; sem o
retiro, teria prolongado minha ausência por algumas semanas, mas sem acreditar-me muito útil, já que,
161
para minha grande satisfação, tudo se sustenta muito bem; desejo aproveitar as graças que o bom Deus
derramará no retiro, eu o espero. Pergunte ao Sr. Tardif se está preparando a coleção de cânticos. Tudo
está certo para a estátua; eis uma palavra para o Sr. Lafon a respeito do desenho: empurre o assunto um
pouco, seria útil tê-lo para o retiro.
Adeus, amigo e irmão
L. Le Prevost
146- ao Sr. Myionnet
Ao Sr. Myionnet, inclinado a praticar as virtudes mais severas, o Sr. Le Prevost recomenda em primeiro
lugar a caridade e a união fraterna. Desde a sua volta, pretende seriamente determinar as práticas de
comunidade. Que o Sr. Myionnet saiba se fazer substituir nas Obras. O Sr. Le Prevost lhe confia
providências e diversos recados.
Duclair, 15 de julho de 1846
Meu caríssimo irmão,
Estou bem consolado por saber que sua pequena doença não deixou seqüela alguma. Se tivesse
sabido mais cedo que uma indisposição um pouco grave o tivesse atingido, não teria podido deixá-lo
sozinho e teria voltado para perto de você.
Somos só dois ainda na nossa pequena Comunidade, caro irmão; temos, portanto, mais
obrigações um para com o outro do que se pode ter em outro lugar e não saberíamos privar-nos por
muito tempo de nossa assistência recíproca. Você diz, com razão, que devemos reproduzir no meio do
mundo as virtudes dais quais o Divino Mestre nos deu o exemplo. Creio que a terna caridade e a união
bem fraterna que nos ligará um ao outro não será nem a menos amável, nem a menos edificante destas
virtudes; a caridade, ao menos, caro irmão, não será difícil a praticar e será para nós como um
encorajamento, espero, para o exercício das outras menos fáceis. Cuide bem de si e, sobretudo, não volte
rapidamente demais ao trabalho; você pode poupar-se um pouco, já que nossos amigos o substituem
bem no domingo e o substituirão também, se precisar, durante a semana. Essa pequena provação terá
tido seu bom lado, ao demonstrar-lhe que uma ausência momentânea de sua parte não poderia trazer um
prejuízo real para suas obras, e poderá, oportunamente, renovar-se sem inquietação para você. Acho que,
após minha volta, você fará bem indo passar alguns dias de repouso no campo. As mais vigorosas
constituições se esgotam, quando o trabalho é contínuo demais e, para o próprio serviço de Deus, é
essencial ter algum descanso, sob a condição de procurá-lo ainda nele.
Esperava achar aqui mais tempo para escrever-lhe com folga e entreter-me com você sobre tudo
o que nos interessa, mas desde a minha chegada, estive constantemente incomodado. Farei, segundo seu
aviso, mas como simples passa-tempo, o levantamento das horas de nosso dia e do uso que poderíamos
dar-lhes. Você já tinha feito, com o mesmo objetivo, um pequeno regulamento que estamos seguindo
agora; por ser satisfatório. Bastar-nos-ia talvez observá-lo exatamente. Porém, como você mesmo acha,
pode ser útil precisar melhor a natureza de alguns dos nossos exercícios. Examinaremos juntos aquilo que
pode ser melhor, segundo o Coração de Deus, e agiremos de tal maneira que nos sujeitemos a isso
regularmente. Infelizmente, tudo isso, para mim, ficará subordinado à minha pobre saúde, que me reduz
muitas vezes à impossibilidade de fazer algo do que minha vontade pede. No ar puro, no sol, no campo,
como me encontro neste momento, meus dias passam sem exagerado sofrimento; mas sinto bem que
minhas forças não voltaram e que, em condições de temperatura e lugares menos favoráveis, não devo
encontrar muita melhora notável, em relação ao meu estado ordinário. No entanto, o bom Deus pode
providenciar de outra forma se lhe aprouver; descansemo-nos, portanto, sobre sua bondade paterna que
nos guiará com sabedoria e amor.
Desejaria, caro irmão, que, para tranqüilizar-me inteiramente sobre seu estado, você me
escrevesse imediatamente para dizer-me como está e se sua convalescença se procedeu direitinho, como
você o esperava. Precisaria, de outro lado, que me fizesse o favor de enviar-me a pensão de meu
sobrinho, e, para mim, algum dinheiro, que o prolongamento de minha estada no interior me torna
necessário. Deixei, você sabe, em minha escrivaninha, 70f para uma parte do trimestre da pensão de meu
162
sobrinho, que é de 105f; haveria, portanto, 35f a acrescentar. Você teria a bondade, caro amigo, de tirálos do dinheiro que lhe deve ter sido entregue da parte do meu Ministério pelos meus emolumentos do
mês de junho. Para mim, desejaria 65f que, acrescentados aos 105f destinados ao meu sobrinho,
elevariam a 170f a importância que lhe pediria para enviar-me quanto antes. Bastaria mandar depositar
esta importância em meu nome por Odulphe ou por algum dos nossos Confrades que passasse por esse
lado, na casa de Dona Laurent, rua Neuve StEustache, e pegar um recibo que você teria a bondade de me
mandar na sua carta; com esse recibo, farei receber os fundos em Rouen na casa da irmã de Dona
Laurent. Esqueço o nº de Dona Laurent rua Neuve St Eustache, mas a gente passa, para chegar à sua
residência atual, diante de sua antiga casa, rua Montmartre, nº 113; teria-se a bondade de perguntar ali
por esse número, se você mesmo não tem lembrança dele.
Para os impostos, caro amigo, acho que Odulphe deve recusar os papéis dizendo: o Sr. Le Prevost
não está em Paris e não tem mais domicílio em Paris; depois de minha volta, se persistirem, pagaremos
uma parte da importância pedida e reclamaremos.
Se a senhorita Blanchard, da porta da Estrela, ainda pede o pagamento de sua renda, você teria a
bondade de mandar-lhe uma palavra por carta, informando-a de que vou chegar.
Estou bem contrariado por cansá-lo com todos esses pormenores, quando outras conversas
seriam mais suaves para nós, mas não posso livrá-lo dessa chateação.
Aguardo de você, caro irmão, uma pronta resposta; depois, estaremos logo reunidos.
Até lá, acredite-me sempre, nos Corações de J. e M.,
Seu irmão afeiçoado
Le Prevost
Lembrança a todos.
147- ao Sr. Levassor
Condições de acolhimento na Casa da Rua do Regard. Retiro da Santa Família na igreja dos Carmos.
Paris, 1º de agosto de 1846
Meu caríssimo irmão,
Sua amável carta me encontra quase na hora de minha chegada de uma viagem que acabo de
fazer para tomar os banhos de mar, e no momento de reiniciar uma outra, para confirmar a ínfima
melhora trazida à minha saúde pelos banhos. Sinto muito, meu caríssimo irmão, mas nossa pequena
Comunidade não tem condições de exercer a hospitalidade em favor do excelente irmão que o bom Deus
se dignou nos dar em sua casa. Ainda não me instalei ostensivamente na rua do Regard, e desejo que
minha estada só seja conhecida ali depois do acerto, bastante próximo agora, dos meus negócios. Isso
me obriga, portanto, a me manter na sombra e a não chamar, de jeito nenhum, a atenção de nossos
Confrades sobre nossa pequena família. Mais tarde, espero, nossa situação tornar-se-á mais independente
e nos permitirá admitir perto de nós os que o coração já nos associa tão intimamente.
Para responder ao desejo que você me demonstra de ter para seu jovem irmão um alojamento
conveniente de preço moderado, perguntei ao Sr. Bourlez se, levando em conta a dedicação deste bom
moço a uma obra de São Vicente de Paulo, ele poderia recebê-lo na sua casa por um preço tão reduzido
quanto possível. Ele me respondeu que, para colaborar com suas vistas e as nossas, o admitiria mediante
3f por dia para a comida e o alojamento. Acho que é ainda bem caro, mas não vejo nada melhor; poderei,
talvez, daqui à chegada do Sr. Mayer, achar algum negócio melhor.
Não preciso dizer-lhe, aliás, caro amigo, que esse excelente moço, cujos sentimentos combinam
tanto com os nossos, será acolhido com toda a afeição possível por nós; eu lamentava, da minha parte,
não ter tido a oportunidade de conhecê-lo antes de minha partida para Chartres e fico encantado que
uma circunstância favorável o traga de volta a Paris por algum tempo.
163
Recomendo bem particularmente às suas orações o retiro de nossa Santa Família, que vai iniciar
dia 9 deste mês, para encerrar-se no dia da Assunção, por uma comunhão geral. Realizar-se-á na igreja
dos Carmos e será dado pelo Sr. padre Vernois, sacerdote da Misericórdia, que tem uma reputação
bastante grande para esse tipo de exercícios. Acredite, meu querido irmão, nos sentimentos de terna
dedicação com que sou em N.S.
Seu todo devotado irmão em N.S.
Le Prevost
O irmão Myionnet apresenta-se também às suas boas lembranças diante de Deus.
147.1- ao Sr. Bailly
Recomendação para colocar um operário na gráfica do Sr. Bailly.
4 de agosto de 1846
Senhor e caro amigo,
Tomo a liberdade de recomendar à sua benevolência o chamado Gardin, que me é conhecido
desde muito tempo e de quem a Sociedade de São Vicente de Paulo cuida com um grande interesse.
Tendo-se formado na composição e na montagem de brochuras, é nesse tipo de trabalho que desejaria
ser empregado em suas oficinas.
Se lhe for possível, Senhor, dar emprego a esse bom e digno homem, lhe serei bem grato por
isso.
apego.
Receba, Senhor e amigo, a expressão de meus sentimentos mais devotados e de meu sincero
Le Prevost
148- ao Sr. Myionnet
O Sr. Le Prevost aspira à vida regular de oração e de caridade, que oferece toda comunidade religiosa.
Não ceder ao desânimo apesar da lentidão dos inícios. Não levar em conta seus gostos, mas avançar
juntos na noite da fé.
Duclair, 23 de agosto de 1846
Meu caríssimo irmão,
Eis que estou uma vez mais longe de você, pela última vez, espero; essa concessão feita à minha
má saúde, deverá, queiramos ou não, se organizar a partir de Paris. Estou decidido a suportar ali tudo o
que aprouver ao bom Deus mandar-me, sem mais corridas e deslocamentos. Tanta movimentação e
distração prejudica o recolhimento e, se o corpo encontra alguma pequena vantagem, o espírito não
saberia nada ganhar com isso. Ora, só temos que cuidar do corpo para o serviço da alma e não podemos
esquecer esta, para pensar unicamente no outro. Fiz, faz algum tempo, é verdade, a triste experiência da
impotência do espírito quando os órgãos estão atingidos, mas sobra, no entanto, alguma energia à
vontade, para consentir no sofrimento e resignar-se às humilhações que a impotência traz consigo. Espero
que o Senhor não me abandonará e me fará encontrar forças em minha própria enfermidade. Uma coisa,
aliás, me impede, meu querido irmão, de respirar em paz o ar dos campos, é o pensamento de que você
mesmo teria necessidade de descanso e que minha ausência o impede de tomá-lo; penso também que
você está sozinho, que nossos pequenos exercícios, fraco começo de uma ordem regular em nossa
querida Comunidade, estão interrompidos e que você sofre por isso como eu. Este laço tão fraco em
aparência já é poderoso para mim. Sinto aqui que me faz falta, e entristeço-me um pouco ao ver adiados
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tanto e tantas vezes nossos planos de vida comum, sonhos de seu coração e do meu. Veremos, enfim,
sua realização, caro amigo? Será dado a nós, a ambos, contemplarmos ao nosso redor alguma imagem
dessa vida de oração, de santa união, de paz e de caridade que se saboreia nas Comunidades regulares e
que parece a mais alta harmonia, a execução menos imperfeita dos desígnios de Deus sobre a terra? Não
ouso quase esperá-lo, vendo as dificuldades dos nossos inícios; mas creio de bom grado que nossos
esforços poderão dar o sinal a outros, preparar-lhes o caminho e iluminá-los sobre sua vocação. Essa
missão, se Deus dignar-se de no-la dar, é grande ainda. Desbravaremos o solo, outros nele semearão e
colherão frutos. Seria mais suave para você, que gosta tanto da ordem e do recolhimento da vida
monástica, procurar uma existência tranqüila e piedosa em alguma Casa bem estabelecida, firmada na
disciplina e guardando as antigas tradições; seria melhor também para mim, cuja vida foi triste e
perturbada, abrigar-me em algum asilo menos perto do mundo, para nele encontrar as doçuras do retiro.
Mas não temos que consultar nossas conveniências e nossos gostos; podemos servir a Deus mais
utilmente, creio, no caminho espinhoso e rude onde sua sabedoria nos colocou. É preciso permanecermos
nele com constância, repousando-nos n’Ele para a orientação e o progresso de nossas almas.
Na minha chegada aqui, avisei minha irmã de que minha estada perto dela seria mais ou menos
prolongada, segundo as mensagens que receberia de Paris e que determinariam o momento de minha
partida; ficaria, portanto, livre para acompanhá-lo, meu caro irmão, se o julgasse bom, na pequena
viagem que se propõe fazer para descansar e que, sem dúvida, você não deverá adiar demais, para evitar
a estação ruim. A zona rural ainda está muito linda aqui, mas gozei pouco dela desde minha chegada,
pois a chuva tem caído todos os dias. Hoje, o tempo parece melhor, mas o sol é de queimar e me
queixaria dele tanto como da chuva, se não estivéssemos de acordo que se deve aceitar o tempo como
Deus o faz.
Vou esperar com impaciência uma carta sua. Você estava um pouco cansado no momento de
minha partida; desejo ficar bem certo de que você está melhor presentemente. Assegure todos os nossos
amigos de minhas ternas afeições, o excelente Sr. Deslandes em particular, a quem queria escrever estes
dias e que, talvez, tendo já saído, nem poderá receber essas poucas palavras de boa lembrança. Peço-lhe,
caro irmão, que escreva uma palavra ao Sr. Foulon, a fim de que apresse nosso negócio das
contribuições; é o momento favorável, em minha ausência, para acabar com isso; de outra forma,
encontrando-me sempre ali, os agentes das contribuições terão a vontade de me taxar de novo, na rua do
Regard.
Mal retomei aqui meus hábitos; são precisos alguns dias em cada deslocamento para se refazer e
achar o tempo conveniente de cada exercício. Salvo o ofício que recito bem fielmente e a Santa Missa que
não omito, rezo bastante mal e não me sinto suficientemente recolhido. Após minha volta perto de você,
concentrarei todas as minhas forças para tornar minha vida a mais regular possível e recolocar-me mais
constantemente na presença de Deus. Você me ajudará nisso, caro irmão, e do meu lado também
esforçar-me-ei por edificá-lo um pouco. Assim apoiados um no outro e sustentados sobretudo pela graça
de Deus, seguiremos nosso caminho e atingiremos o objetivo.
Esquecia de dizer-lhe que minha saúde está mais ou menos no mesmo estado; o bom ar me faz
algum bem, mas estou sempre fraco e muito abatido; é preciso ter paciência e viver assim.
Adeus, meu querido irmão. Rezo todos os dias fielmente por você; reze também por mim e
acredite no terno devotamento com o qual sou, nos Corações de J. e M.
Seu irmão afeiçoado
Le Prevost
Fale de mim ao nosso excelente Sr. Beaussier e assegure-o de meu bem respeitoso apego. Não
esqueça também de dizer algumas palavras por mim ao Odulphe, nosso irmão servo. Adeus ainda.
149- ao Sr. Maignen
O que representa para o Sr. Le Prevost uma verdadeira amizade fraterna. Que o Sr. Maignen “pegue sua
vontade com as duas mãos” e dê prova de simplicidade e de confiança.
Duclair, 23 de agosto de 1846
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Escrevo hoje pela primeira vez desde minha chegada aqui. Estive sempre adoentado; chovia, o
céu estava cinzento e meu espírito também. Eis o sol hoje, por isso faço esta pequena carta para você,
com o propósito de fazer-lhe uma maior, quando estiver um pouco melhor. Enquanto isso, escreva-me
bem depressa, pois preciso receber uma carta sua; parece-me também que você precisa me escrever.
Observe bem e você verá, caro amigo, que não me engano; há no seu coração toda sorte de cantos e
recantos, onde permaneço ainda: você não saberia penetrar ali sem me encontrar em todos os lados.
Pegue sua vontade com as duas mãos, caro amigo, supere as dificuldades inevitáveis em toda afeição e
depois de um pouco de tempo, apoiando-se num amigo terno e fiel, você se congratulará pelos seus
esforços e gozará da sólida afeição que terá dignamente adquirido para si. Falo assim, caro amigo, porque
apesar de sua doce bondade por mim, eu sentia ainda um pouco de luta e de constrangimento em seus
relacionamentos comigo. Apague essas últimas impressões, volte a ser simples, confiante, abandonado;
você estará em paz consigo mesmo, somente com esta condição. Não há meia-afeição possível entre nós;
desde o início a concebemos como ambos a podemos entender: inteira, absoluta, sem reserva; haverá
sofrimento para ambos, enquanto não estiver nesta feliz plenitude. Tal como a quereria, caro amigo,
seria, parece-me, um louvor a Deus, uma edificação recíproca, um apoio, uma consolação, um
encorajamento, uma doce paz para o coração, um estimulante para o espírito, tudo o que há de melhor
neste mundo, em uma palavra, depois do amor de Deus, o amor de um irmão e de um verdadeiro amigo.
Não vale a pena se esforçar um pouco para isso, caro filho? Para obtê-lo, não se pode passar alguns dias
maus e suportar sem recriminar alguns leves aborrecimentos? Eu também, às vezes, curvando-me sob a
pena e a aflição que me aconteciam através de você, perdia coragem e desesperava quanto ao futuro,
mas esses momentos eram breves; levantava-me e retomava confiança; e ainda agora acho-me
novamente de pé, firme, dedicado, amoroso, contando com você e entregando-me também a você.
Todos os livros que abro, a Imitação em particular, aconselham-me sempre a renunciar a toda
criatura para ser ocupado só com Deus. Não sei se me iludo, mas tenho sempre a persuasão de que
Deus entra bastante numa afeição, tal como a desejo entre nós, para ele não ficar com ciúme dela e não
excluí-la dos corações que Ele quer reservar para si. Possa Ele ser sempre o terceiro entre nós, caro
filho, iluminar-nos, conduzir-nos e, um pelo outro, apegar-nos inteiramente a Ele.
Adeus, meu querido filho. Repito para você, escreva-me depressa. Procure levar a termo o
negócio do desenho. O Sr. Belliard quer começar no dia 1º de setembro e promete consagrar-lhe 8 dias
cheios, sem interrupção. O Sr. Lafon consente e só pede para se entender com o Sr. Belliard; trata-se de
aproximá-los. Adeus, amigo, abraço-o bem ternamente.
Le Prevost
150- ao Sr. H. Taillandier
Alegria do Sr. Le Prevost por trabalhar nas Obras de caridade.
Duclair, 23 de agosto de 1846
Caro Confrade e amigo,
Não quero que minha primeira correspondência parta daqui sem levar-lhe algumas linhas. Se
nada tenho de particular a lhe mandar, tenho necessidade pelo menos de me apresentar à sua lembrança
e de assegurá-lo novamente de minha terna afeição.
Fugi às pressas, logo após nosso retiro, deixando-lhe muitos cuidados a tomar e negócios a
resolver, mas o fiz sem medo, sabendo bem que, melhor do que nenhum outro, você pode prover tudo, e
que o previsto como o imprevisto será perfeitamente tratado por seu zelo, tão inteligente e tão caridoso.
Pensei também, caro amigo, que você desculparia com benevolência minha partida um pouco precipitada.
Melhor do que outro, você viu de perto o quanto meu pobre espírito está estafado e o quanto meu corpo
esgotado tem necessidade de se refazer. Desejei aproveitar esses últimos dias lindos, para retomar um
pouco de forças, bem decidido a não poupá-las na minha volta, se aprouver ao Senhor devolver-me
algum vigor.
A alegria que tenho de ver nas suas mãos todos os interesses tão queridos de nossos pobres, a
Conferência, a Santa Família, os Aluguéis, estes meios diversos que o bom Deus nos dá para fazer um
pouco de bem, minha alegria, digo, não é sem inquietação; penso que o apoio tão fiel, posso dizê-lo, caro
amigo, o mais constante, o mais dedicado que já tenha encontrado, pode ser-me retirado de um
166
momento para outro, em parte ao menos, todo inteiro talvez; mas repouso-me na divina bondade que
tinha concedido você à minha fraqueza e que não abandonará, espero, as poucas obras que seu amor fez
nascer.
Rezo sempre por você, caro amigo, peço ao Senhor para iluminá-lo, conduzi-lo, levá-lo, se
precisar, em seus braços até o lugar onde sua sabedoria o quer. Não deixe de me informar de tudo o que
lhe diz respeito: nada me é mais caro e me interessa tanto. Escreva-me bem depressa; tenho necessidade
de ter notícias suas e de todos os nossos bons amigos, de quem ainda vejo daqui todos os doces e
excelentes rostos, amorosos, abertos e sempre acolhedores. Não os chamo pelo nome, transmita a todos
esses irmãos dedicados mil ternas afeições por mim; não escrevo ao irmão Deslandes, achando que foi
embora; escreverei uma cartinha ao Sr. de Marcilly se ele for bem comportado e se trabalhar como ele me
prometeu. Vi o irmão Paillé antes de minha partida. Ele achava que qualquer coisa diferente já estava
iniciada; se for o caso, ele se entenderá com você. Ofereça meu respeito a seus excelentes pais.
Adeus, caro amigo, abraço-o com ternura; reze um pouco por mim, irmão, amigo
Le Prevost
Proporcione-me alegria ao dizer-me se o Sr. Cornudet, 7 rua Madame, está em Paris; senão, dême seu endereço no interior, se ele não for esperado bem proximamente.
151- ao Sr. H. Taillandier
Condições para propagar a estátua da Santa Família. Evocação dos favores espirituais de seus colóquios
em Saint Valéry-em-Caux.
Duclair, 28 de agosto de 1846
Caríssimo Confrade e amigo,
Sua cartinha datada de 21 de agosto, remetida por você ao Sr. Laurençot, foi sem dúvida
esquecida no Ministério, pois me chega somente hoje, dia 28. Apresso-me em dar-lhe a informação que
você me pede.
Temos a propriedade da estátua da Santa Virgem; foi feita expressamente para a Santa Família,
pelo Pe. Jehan e dada por ele à obra. Portanto, podemos vender seus exemplares à vontade. Não capto
bem a natureza do pedido feito ao Micheli. Os comerciantes que querem exemplares de nossa estátua
desejam pura e simplesmente comprá-los? Nesse caso, não vejo inconveniente nenhum em vender-lhes
pelo preço que Micheli e o Sr. Froget aconselhariam determinar, mas que não pensaria dever ser menos
do que 5f, sendo que o Sr. Micheli, da Rua Guenégaud, os vendia a 10f e que os comerciantes teriam
assim um lucro notável. Se pedem somente para pegar esta estátua em depósito, não sei se haveria
grande vantagem, sobretudo se não tomam a responsabilidade dos acidentes, em suas entregas para o
interior. De resto, o Sr. Maignen, que muito cuidou dessa estátua e que entende de acordos desse tipo,
poderia decidir com você sobre o que convém fazer.
Você deve ter recebido, terça ou quarta-feira, uma cartinha minha e terá tido a surpresa de nada
encontrar nela sobre este assunto. Você vê agora a razão, é que sua própria epístola atrasou no
caminho. Você me escreverá logo de novo, espero, para falar-me com mais pormenores dos nossos
amigos, de nossos pequenos trabalhos, de você sobretudo, caro Confrade, de quem estou feliz por
penetrar intimamente, você sabe, o pensamento e o coração. Não é somente uma doce consolação para
os amigos cristãos o expandir-se afetuoso de um com o outro, é também um precioso meio de se
iluminarem reciprocamente e de se animarem para o bem. Muitas vezes senti-me com melhor disposição
depois de meus colóquios com você, e guardarei uma perpétua recordação das amáveis conversas de
nossa viagem em Saint Valéry. Revejo muitas vezes em espírito os lugares a que íamos diariamente
juntos; refaço pela memória nossas conversações, nossos diálogos espirituais, ainda ouço sua voz, e a
impressão que me fica de tudo é cheia de encanto e de doce paz; é verdadeiramente um amável
descanso que o bom Deus nos proporcionou durante essas poucas semanas; ele, mais do que todo o
resto, contribuiu para a melhora concreta de minha pobre saúde. É que a calma do espírito e do coração,
167
quando se mantêm sem esforço unidos em Deus e numa santa caridade, é um bálsamo poderoso para
todas as dores.
Adeus, caríssimo Confrade, abraço-o com ternura e sou em N.S.
Seu todo devotado irmão e amigo
Le Prevost
Ofereça meus sentimentos respeitosos a seus queridos pais, minhas boas e devotadas lembranças
a nossos amigos.
152- ao Sr. Maignen
Notícias de sua irmã, Dona Salva, e de seus filhos. A má saúde do Sr. Le Prevost é uma provação
pesada. Sua dedicação não pode mostrar todo o seu valor. Fertilidade dessa cruz que o Senhor lhe
impõe. Ele entende melhor que a união a Deus permite a fertilidade da ação apostólica. Aos desejos de
ação social do Sr. Maignen não falta ideal, mas o Sr. Le Prevost mostra-lhe os limites e as ilusões dos
mesmos. Para remediar as misérias do tempo, precisa-se de um maior realismo e, sobretudo, de sermos
repletos, como os Apóstolos no Cenáculo, do Espírito de luz e de força.
Duclair, 30 de agosto de 1846
Agradeço-o, caríssimo amigo, pela amável delicadeza com que você esquadrinha minhas
disposições interiores, para remediar o que lhe parece deficiente. Essa atenção de um coração para um
outro é um dos mais comoventes ofícios de uma verdadeira afeição. No entanto, não estou tão triste
como você o pensa, caro amigo. Vejo com felicidade que nosso pequeno lar familiar, que acreditava para
muito tempo derrubado pela morte de minha bem-amada mãe, se reforma um pouco e não será
completamente destruído. Reencontrei em minha irmã esses sentimentos tão ternos e tão devotados, que
nos apegaram invariavelmente um ao outro desde nossa infância e que nunca a menor nuvem perturbou.
Seus filhos cresceram e seguem em frente. Seu filho, em particular, está bem mudado para melhor, é
estudioso e ajuizado. Com seus 17 anos apenas, já tem estatura de homem, e tudo, na sua voz, no seu
olhar, nos seus atos, revela esses primeiros raios da inteligência que toma conhecimento de si própria e
do despertar do coração ao sopro do sentimento. Esse instante é decisivo na vida e não passa sem
interessar vivamente no seio de uma família. Infelizmente, reunidos só por alguns instantes, vamos logo
nos separar; e eu que, por débil que seja, deveria ser o ponto de união dessa pequena sociedade, vou me
afastar dela por muito tempo talvez. Muitas vezes, minha irmã se detém no pensamento de que eu
poderia me fixar perto dela e dar-lhe, senão um grande apoio, ao menos as consolações de uma vida
íntima e comum; mas eu conheço bem os obstáculos invencíveis que se opõem à nossa reunião, fico
calado, portanto, e abstenho-me de encorajar um projeto que não pode concordar com outras obrigações.
Não se assuste, caro filho, pela debilidade por demais habitual de meu corpo e de meu espírito; tantos
golpes me feriram ao mesmo tempo, neste terrível ano, que me curvei sob o choque; mas, se aprouver
ao Senhor que viva mais um pouco de tempo e trabalhe, segundo o que está ao meu alcance, na sua
obra, ele me devolverá alguma força com os dons que sua sabedoria me quiser conceder. Curvar-se sob
sua mão, quando ela nos fere, não é fraqueza, mas submissão; então a atividade e os impulsos de vida
são fora de tempo e supérfluos; é preciso esmorecer e aguardar. Se a hora de se levantar chegar, ele
soprará de novo no coração a inspiração, a força e o amor. Vou retornar muito frágil ainda de corpo,
mas decidido a fazer tudo o que não me será impossível e a compensar minha fraqueza por minha boa
vontade. Não me pergunto se uma estada prolongada aqui me poderia ser salutar; a aproximação do
inverno tirará dos campos muitas de suas vantagens. Aliás, razões graves, você sabe, me chamam de
volta para Paris. Irei, portanto, no mais tardar, em meados de setembro, mais cedo, se o irmão
Myionnet, de quem espero uma carta, o julgar conveniente.
Você estranha, caro filho, que o passo dado por mim não tenha sido o momento de uma
transformação luminosa, que teria engrandecido meu ser e dobrado em mim as potências de ação e de
dedicação. Não saberia sondar os segredos do Senhor, nem pedir-lhe conta de suas condutas a respeito
de seus servidores. Desejei desde há muito tempo me doar todo a Ele, fiz o que dependia de mim para
pertencer-lhe sem reserva. Ele aceitou o sacrifício? Interiormente, acredito que sim, apesar de,
aparentemente, me tratar com severidade. Quem sabe, caro amigo, se as amarguras que choveram
sobre mim não são as gotas preciosas do divino cálice, os primeiros passos no caminho real da cruz, o
168
selo da aliança mais íntima com o Celeste Esposo? Uma voz secreta e consoladora o murmurou no fundo
do meu coração, durante esses dias de langor e de tristeza, e provei algumas vezes a suavidade ainda
desconhecida da cruz; por esse sinal, acreditei reconhecer meu Mestre e o bendisse por não ter
desprezado minha miséria. Como os pensamentos de Deus são diferentes dos nossos, e como nos é difícil
entrar no seu espírito! Tinha sonhado, como você, só com dedicação, trabalhos, ardentes caridades, e,
quando chega, enfim, o dia do sacrifício, meu corpo se abate, suas faculdades adormecem, meu impulso
cai, a ação exterior quase me é interditada; mas, em compensação, suporto em mim a operação interior
do Senhor, feliz, caro filho, e lembro-me agora desta palavra que você escreveu para mim, sabe, num
santinho perdido: Sustinuit te dilectus, sustine tu dilectum.150
O que já se passou em mim neste sentido, caro amigo, leva-me a pensar, entre outras razões,
que as idéias contidas na sua carta não são inteiramente justas. Não creio que estejamos em dificuldade,
o Sr. Myionnet e eu, porque damos tempo demais à oração, à meditação, à leitura dos velhos livros e que
negligenciamos estudar as necessidades, as misérias profundas de nosso tempo, seja misturando-nos a
todas as dores morais e físicas dos que sofrem, seja, pelo menos, contemplando-as nos livros que,
segundo você, as registram. É um fato incontestável e não contestado, mesmo por você, que não se
conhece a Deus e a si mesmo e ao mundo, senão pela oração. Em Deus contempla-se o tipo infinito de
toda beleza, de toda perfeição moral, de toda virtude; em si mesmo, reencontra-se o germe e o início de
todos os erros, de todos os vícios, de todos os crimes. Quem não estudou muito tempo neste duplo livro,
quem não volta a ele muitas vezes, nunca entenderá bem o mundo, nunca terá força e luz superior para
influir sobre ele. A condição essencial e primeira de toda ação exterior está, portanto, ali, tanto para os
místicos como para os homens de dedicação; é uma lei invariável que seguiram nossos predecessores,
que seguem hoje os servidores de Deus nos mais altos graus da santa hierarquia, e que seguirão ainda os
que vão querer, como eles, glorificar a Deus e servir seus irmãos. Você não nega este ponto, mas você
pede que entre o Evangelho, a Imitação e os outros livros ascéticos, achemos espaço para as obras de
imaginação do tempo, a fim de ver nelas as pragas horríveis da humanidade aviltada, de nos entusiasmar
por ela com uma viva compaixão, e de irmos com mais ardor e luz ao seu socorro. Não creio, de jeito
nenhum, caro amigo, que os sonhos de uma imaginação delirante, as concepções monstruosas ou
fantásticas de espíritos depravados, fora da verdade quando aspiram ao belo, igualmente exagerados e
falsos em suas idealizações do mal, não, não creio que eles sejam as fontes de escol onde se deva
estudar o mundo em suas misérias, como no seu aspecto positivo. Se for preciso sair do estudo
contemplativo e verificar nas aplicações reais as revelações da especulação interior, é nas estórias que
correm nas ruas, é nos tribunais, é nos tristes antros do vício e do crime que se podem fazer úteis e
proveitosas observações, pois ali estão, não mais a ficção nem as fantasias esquisitas do espírito, mas o
fato e o real da vida. De resto, a partir do dia em que aprazeria ao Senhor aumentar nosso número,
ampliar nossa tarefa e enviar-nos aos infelizes pecadores como instrumentos de sua misericórdia, Ele
abriria nossos olhos pelo contato com a matéria confiada aos nossos trabalhos; Ele daria aos nossos
corações a compaixão imensa que apaixona-se pelas almas afogadas na lama. Então, creia-me, as
pretensas revelações de seus autores seriam bem miseráveis diante das clarezas do real e das iluminações
da graça, e iríamos arrepender-nos muito da atenção, talvez perigosa, que lhes teríamos dado. Para hoje,
aliás, e voltando à esfera de nossa vida atual, para que servem visões ambiciosas sobre um futuro do qual
só Deus tem o segredo? Quem entre nós sabe a que Ele nos destina, e quem pode prever com certa
precisão suas intenções sobre nós? Não iria censurar seu pensamento, caro amigo, se, percebendo
nitidamente uma meta para as almas de zelo e de dedicação, você julgasse dever marcá-la com os sinais
que manifestam a verdade e fazem reconhecer o espírito de Deus. Quanto ao presente, não saberia ver
ainda em sua opinião senão um pressentimento longínquo, um desejo, uma aspiração do coração, em
vista de uma melhora vaga e indefinida do estado social; tal como ela seja, no entanto, a acolhi com
simpatia, como um testemunho da preocupação de seu espírito para tudo o que tende ao bem. Vejo nela
também esse doce hábito, que nós combinamos entre nós, de abrir com simplicidade nosso coração para
deixar o amigo ler o que se passa; faça sempre assim, caro filho, e tenha a certeza de que sempre será
entendido. Hoje, o irmão Myionnet e eu só temos que fazer humildemente as obras modestas e já
pesadas para nós que o Senhor nos confiou. Se Ele dignar-se emprestar-nos vida e agregar-nos alguns
amigos, esforçar-nos-emos para estabelecer entre nós um verdadeiro espírito de união, de zelo e de
dedicação, e para cimentar o laço de vida que assegurará nosso futuro. Então, somente então, para
aqueles que virem esta hora, o momento terá chegado de ir, como os apóstolos saindo do cenáculo, às
diversas missões que o divino Mestre abrirá diante deles; pois, você sabe, caro amigo, somente no
cenáculo foram dadas aos discípulos do Senhor a luz, a chama interior e a invencível coragem; nós
também devemos passar por este santo lugar.
150
O Senhor bem-amado te sustentou, à tua vez suporta o bem-amado.
169
Como esta carta é longa e séria, caro amigo; teria gostado de terminá-la com um pouco de doce
efusão para que você reencontre o coração de seu amigo perto do seu e sinta um pouco essa afeição de
que você e eu temos necessidade; mas estou muito cansado e amanhã, logo cedo, parto para passar todo
o dia no campo com os meus. Pois, não vá pensar, após ter lido esta grave epístola, que eu seja austero a
ponto de dar medo, sempre meditando, orando, lendo; de jeito nenhum. Faço pouca coisa a não ser
passeios e conversas alegres com minha irmã e seus filhos; falamos às vezes um pouco em tom racional
ou com ternura; na maioria das vezes nossas conversas são um passa-tempo, cantamos cânticos, o da
Santa Família em particular que é muito popular por aqui, ou, então, lemos livros de divertimento. À noite,
jogamos alguma partida e vamos dormir. Você vê, caro filho, retomei rápido a vida de família e, vendo
como passam os dias, sinto bem que essa vida é a mais comum, a mais fácil, a de todos; ouso, no
entanto, aspirar a uma outra mais austera e mais alta; espero que Deus não me rechaçará dela. Não
preciso dizer que sua parte está reservada nesses dias, os quais lhe esboço aqui um pouco
incompletamente. Os meus familiares, aliás, para minha grande alegria, também não esquecem o que
pertence ao Senhor.
Adeus, amigo, filho também, pois não posso tão depressa esquecer esse nome; peço para isso um
pouco de tempo. Adeus, caríssimo filho, rezo sempre e muito por você, reze também por mim; é uma tão
doce maneira de se relembrar dos amigos e de reavivar sem cessar nossa afeição por eles. Abraço-o com
ternura e sou em J. e M.
Seu afeiçoado irmão
Le Prevost
153- ao Sr. Myionnet
O Sr. Maignen deixou bruscamente sua família e seu emprego e está com o Sr. Le Prevost. Que o Sr.
Myionnet vá encontrar o padre Beaussier, para consultá-lo. O Sr. Le Prevost decidiu por si mesmo enviar o
Sr. Maignen a Chartres, junto ao Sr. Levassor, e espera que o Sr. Myionnet aprove sua iniciativa. Sapatos
a enviar ao Sr. Maignen.
Duclair, 3 de setembro de 1846
Meu bom irmão,
Você adivinha o assunto desta carta: o Sr. Maignen está comigo há algumas horas. Pediu
demissão do seu emprego no Ministério da Guerra, quebrou seus vínculos e considera-se livre para unir-se
a nós.
Sinto-me emocionado demais com um acontecimento tão sério e tão inesperado para ter uma
idéia bem nítida, neste primeiro momento, sobre aquilo que conviria fazer. Aliás, não sou o único que
deva emitir seu parecer. Respondi ao nosso caro irmão que precisava consultar o Sr. Beaussier e você, e,
sobretudo, acolher as inspirações de Deus, por um pouco de oração e de reflexão.
Escrevo hoje mesmo ao Sr. Beaussier. Peço-lhe que o veja, para deliberar com ele e me escrever,
em seguida, o que vocês, ambos, acham conveniente decidir. Peça ao Sr. Beaussier que leia para você
minha carta, que contém um pouco mais de detalhes do que esta.
Enquanto isso, como o Sr. Maignen, ficando junto de mim, poderia ser inquietado pelos seus
familiares, e como convém que ele reflita em liberdade, exorto-o a ir para junto do Sr. Levassor, que o
acolherá, tenho certeza, ternamente, e a passar com ele alguns dias.
Espero, caro amigo, que esta disposição terá sua aprovação. Escreva-me logo e diretamente. O
Sr. Maignen me diz que você remeteu uma carta para mim no meu Ministério; ela não chegou aqui ainda.
Adeus, caro irmão, abraço-o cordialmente e sou em N.S.
Seu todo devotado irmão
Le Prevost
170
O Sr. Maignen saiu com tanta pressa que nem teve o tempo de usar calçados de viagem; seus
sapatos estão quase caindo aos pedaços. Ele encomendou um par ao nosso sapateiro, rua Mazarine. Deve
estar pronto amanhã, sexta-feira. Precisaria, caro amigo, que você tenha a bondade de pegar os sapatos
e de enviá-los quanto antes a ele, em Chartres.
154- ao Sr. Levassor
O Sr. Le Prevost pede ao Sr. Levassor, seu amigo íntimo, para acolher o Sr. Maignen. Ele poderá ajudá-lo
a refletir sobre seu desejo de vocação.
Duclair, 3 de setembro de 1846
Caro irmão,
Venho solicitar um testemunho dessa sua generosa dedicação, que achei sem fronteiras até agora
e sobre a qual conto também sem limites.
O bom e piedoso jovem, de que lhe falei anteriormente e que deseja dedicar-se conosco ao
serviço do bom Deus, acaba de libertar-se, quebrando sua corrente, e pede para tomar lugar na nossa
pequena Comunidade.
Sua determinação foi tão brusca e tão inesperada que parece exigir de sua parte e da nossa um
pouco de reflexão e, sobretudo, um pouco de oração, a fim de conhecer melhor a vontade de Deus. É
importante, aliás, que ele se afaste um pouco de Paris para não ser inquietado pelos seus, neste primeiro
momento. Ele veio para junto de mim aqui, mas toda a sua família sabe bem a íntima união que existe
entre nós, e é aqui, antes de tudo, que se teria a idéia de procurá-lo.
É preciso, portanto, caro amigo e irmão, que você acolha este jovem por alguns dias, que você o
aconselhe, o encoraje, e sobretudo que o ame; isso não lhe será difícil, tanto por causa dele mesmo,
como por causa de suas próprias disposições.
É para você, meu caro irmão, que meu pensamento se voltou em primeiro lugar, quando procurei
onde teria um outro “eu mesmo” para recolher esta querida alma e abrigá-la por alguns dias. Estou certo,
caro amigo, de que é ao nosso divino Mestre e à sua Santa Mãe que devo essa inspiração; peço-lhe,
então, em nome deles, um bom e paterno acolhimento para meu jovem amigo.
Todo seu de coração em N.S.
Le Prevost
155- ao Sr. Levassor
O Sr. Le Prevost encaminha correspondência para o Sr. Maignen, presentemente junto ao Sr. Levassor.
Duclair, 4 de setembro de 1846
Meu caríssimo irmão,
Dirigi a você, ontem, um bom jovem dos meus conhecidos, chamado Maurice Maignen, e de
quem já lhe havia falado anteriormente como aspirante a se reunir a nós.
Suponho que ele esteja junto a você neste momento. Reenvio-lhe, portanto, pedindo para lhe
entregar, uma carta, que lhe dirigiram, para o endereço de minha irmã, supondo que ele podia estar
comigo.
Acredite, meu querido irmão, em todos os meus sentimentos bem ternamente devotados em N.S.
Le Prevost
171
156- ao Sr. Maignen
Custou ao Sr. Le Prevost tê-lo deixado partir para Chartres, mas era necessário. Essa estada forçada
deve permitir ao Sr. Maignen estudar seu projeto de vocação.
Duclair, 4 de setembro de 1846
Caríssimo amigo,
Remeto a você uma cartinha que sua família, suponho, acreditando que você estava comigo,
pensou em lhe endereçar para cá. Chegou esta manhã a meus cuidados; apresso-me em fazê-la chegar a
você. Se você tiver que responder e desejar esconder por alguns dias seu lugar de retiro, pode, pareceme, mandar suas cartas ao Sr. Myionnet, que as fará chegar a seu endereço.
Não foi sem um grande aperto de coração que me separei de você tão depressa ontem, caro
amigo; sentia tanto a necessidade de estar um pouco com você, num momento em que minha afeição lhe
era tão necessária. Teria sido para mim tão doce também desfrutar um pouco, em sua companhia, o
descanso de nossos lindos campos, mostrar-lhe suas ruínas e tudo o que a região oferece de interessante.
Mas uma outra decisão parecia mais razoável em nossa situação, e foi preciso deter-se nela; espero que o
bom Deus se agrade deste sacrifício. Pode-se prever, caro filho, que, para qualquer direção que nos
voltemos, ele não será o último, mas nossa dedicação à causa do Senhor irá aumentando na proporção do
zelo e da caridade que tivermos mostrado.
Aproveite os poucos dias de calma que lhe serão dados para refletir, diante de Deus e em união
com Maria, sobre a decisão que você deve tomar, e tenha a certeza, caro filho, que, qualquer que seja
ela, saberemos compreender-lhe os motivos e dar nossa simpatia aos sentimentos de seu coração. Vou
escrever-lhe de novo, assim que tiver alguma resposta de Paris; escreva-me depressa você mesmo; estou
numa viva impaciência de ter notícias suas.
Entendi seu desejo quando, dando-me da carruagem um último adeus, você olhou para mim
juntando suas mãos. Rezarei por você mais do que de costume; reze também por nós, o irmão e eu,
necessitamos muito disso.
Abraço-o ternamente em N.S. e sou, caro amigo,
Seu irmão e amigo
Le Prevost
157- ao Sr. Henri Taillandier
Atividades da Conferência Saint Sulpice. Cooperação com o patronato São João, no bairro do Gros-Caillou,
em Paris no 7o. O Sr. Le Prevost cuida do ensino do catecismo a dar às crianças.
Duclair, 4 de setembro de 1846
Meu caríssimo Confrade,
Eis mais uma carta de Duclair; você vai pensar que, estando acostumado a escrever cada manhã
em Paris um certo número de epístolas, resolvi conservar este costume aqui, para não estragar demais
minha mão. Esse motivo não bastaria para vencer minha indolência e tenho, caro Confrade, melhores
causas de inspiração ao entreter-me com você. Queria, antes de tudo, agradecê-lo por ter superado suas
resistências e ter assumido, na falta do Sr. Deslandes, a presidência de nossa Conferência. Ninguém mais
do que você podia fazê-lo com zelo e inteligência; por isso, não foi uma surpresa para mim ficar sabendo
que você tinha tido pleno sucesso. Um de nossos amigos, que teve a bondade de me relatar esse primeiro
ensaio de sua administração, me pareceu muito satisfeito com ele e me assegurou que só estava
exprimindo o sentimento geral da Conferência. Prossiga, portanto, caro amigo, tomando, com sua parte
172
habitual em nossos trabalhos, esse acréscimo de fadiga e tenha certeza absoluta de que você já adquiriu
totalmente a viva simpatia dos nossos amigos.
Se não temesse acabrunhá-lo, lembrar-lhe-ia a promessa que me fez de uma visitinha, domingo
de manhã, às crianças de São João, obra tão interessante, dirigida por nosso excelente confrade, o Sr. de
Lambel151. Nunca deixamos, cada ano, de substituí-lo no domingo, durante sua ausência, indo fazer uma
pequena visita aos seus meninos às 10h. da manhã. Eles estão reunidos nessa hora nos Irmãos do GrosCaillou, cuja casa fica junto à igreja de São Pedro. Dirige-se aos pequenos de São João uma curta
exortação de vinte minutos sobre o assunto que se pensa dever escolher: vida de santo, festa, missa,
moral, oração, evangelho, tudo é bom, fica-se inteiramente livre. Você julgará logo que esta obra seria
muito conforme às suas disposições particulares, já que, fazendo o bem a esses meninos, você teria assim
um exercício muito proveitoso para si próprio. Faz-se também algumas perguntas aos meninos, como se
julga conveniente; querendo, canta-se um cântico com eles e com um bom e muito bom irmão que toma
conta deles, e assim se chega ao final.
Esse pequeno passeio ao Gros-Caillou parecia a mim um amável emprego da manhã do domingo
e eu voltava de lá sempre contente. Se você não puder ir lá cada domingo, e isso parece, com efeito,
impossível por causa da Santa Família, procure achar algum confrade que o substitua e visite estes
meninos, alternando com você. Devemos, por mil razões, prestar um vivo interesse à obra de São João,
particularmente por causa de nosso querido Confrade, o Sr. de Lambel, que mostra para nós e para
nossas obras uma dedicação e uma caridade que não saberíamos nunca reconhecer o bastante.
Recomendo portanto, caro amigo, esta lembrança a sua inteira atenção.
Evito a todo o custo ocupar-me à distância com a próxima reunião da Santa Família; você tem,
melhor do que eu, o hábito de cuidar de tudo: a Santa Missa, o orador, o leitor, a música, etc... Você terá
também de cuidar com antecedência da loteria; creio que o Sr. Maignen, que está ausente de Paris neste
momento, fazendo um retiro de alguns dias, não estará de volta para desempenhar, segundo o costume,
esse pequeno papel; vai precisar pensar nisso; escrever-lhe-ei para pedir-lhe informações a esse respeito.
O Sr. padre Vernois tinha manifestado o desejo de fazer uma visita à nossa boa gente e de lhes
dirigir algumas palavras, numa de nossas próximas reuniões. Seria talvez o momento de pensar nisso;
você falaria com o Pe. Milleriot que, provavelmente, renunciaria a fazer a instrução religiosa; se quisesse
prestar-se a contar a vida de algum santo ou alguns fatos edificantes, seria perfeito.
Penso com tristeza que o desenho que estávamos preparando para o título de honra de nossa
Santa Família não vai para frente. Antes de minha saída, tinha tirado toda dificuldade; o Sr. Lafon
consentia que a Santa Família de seu quadro servisse para encher o medalhão do meio; desejava
somente entender-se com o Sr. Belliard (rua de Sèvres, 2), que deve litografar de graça esse exemplar,
sendo que o Sr. Belliard se tinha comprometido a pôr mãos à obra no dia 1o de setembro e a trabalhar
sem interrupção durante oito dias, tempo que consente dar a essa boa obra. Mais tarde, outras ocupações
virão pôr obstáculo à sua boa vontade; portanto, é essencial não descuidar desse pequeno negócio;
precisaria rever o Sr. Lafon e determiná-lo a entregar ao Sr. Belliard o desenho em daguerreótipo que fez
admiravelmente o Sr. Choisetat; só que ele prometerá ver o Sr. Belliard e não fará nada disso, e as coisas
irão se arrastando; aí está a única dificuldade, supere-a, caro amigo, forçando um pouco a vontade do Sr.
Lafon que, segundo seu próprio testemunho, tem necessidade, em geral, de ser um pouco empurrado. A
pedra está com o Sr. Bion júnior. Suponho que você recebeu uma dúzia de estátuas; procure vender
bastante para que, na minha volta, possamos pagar o modelador.
As cartas que você me manda pelo Ministério demoram sempre um pouco para chegar aqui; peça
ao Sr. Laurençot para recomendá-las nesse aspecto ao Sr. Carré, ao levá-las para ele.
Minha saúde está sempre débil, um pouco menos em certos dias, mas com recaídas incessantes
que não deixam ver em mim nada de estável.
Adeus, meu caríssimo Confrade, faça sempre por mim, eu o suplico, algumas dessas boas e
suaves preces que você sabe fazer e que o bom Deus acolhe, tenho certeza, bem paternalmente. Abrace
por mim todos esses queridos Confrades que abraçarei eu mesmo tão fortemente na minha volta e
151
O visconde de Lambel, membro da Conferência São Sulpício, e amigo do Sr. LP., tinha organizado com Armand
de Melun, na paróquia St Jean du Gros-Caillou, o primeiro patronato de aprendizes externos, cuja direção confiará
aos Irmãos de São Vicente de Paulo, no dia 1o de maio de 1863.
173
assegure-os de minha terna lembrança. Ofereço também por seu intermédio meus respeitosos
sentimentos à sua cara família.
Seu afeiçoado irmão e amigo
Le Prevost
158- ao Sr. Maignen
Reação da família Maignen, após a saída brutal do jovem Maurice. O Sr. Le Prevost o convida a se confiar
a N. D. de Chartres.
Duclair, 6 de setembro de 1846 – Domingo
Para não engrossar desmedidamente este pacote, já muito volumoso, que lhe era endereçado a
Duclair, meu muito querido amigo, limito-me a inserir esta palavrinha. Recebi do irmão Myionnet uma
carta que se cruzou com a minha e que, conseqüentemente, não lhe dá uma resposta direta. Ele me diz
que seu irmão e a Senhora sua mãe vieram perguntar-lhe onde você estava e quais eram seus planos. Ele
respondeu que o acreditava junto a mim; que nossa intenção era viver em comum, para nos
consagrarmos às obras de Deus, mas sem nada mudar, quanto ao presente, em nossos costumes
exteriores. Seu irmão pareceu bastante satisfeito com essa explicação, mas a Senhora sua mãe não se
mostrou tão fácil a apaziguar; disse que não o perdoaria por não ter tido confiança nela e ter saído sem
tê-la prevenido. Quanto ao que lhe diz respeito diretamente, o Sr. Myionnet, acreditando-o comigo,
convida-me a examinar em harmonia com você suas disposições interiores e a solidez de sua resolução.
Temos entrado, caro amigo, nesse pensamento, você e eu, tomando um meio que lhe assegure
toda facilidade para refletir diante de Deus com calma e atenção, e para tomar, após essa deliberação
amadurecida, a resolução que lhe parecer definitivamente a melhor e a mais sábia.
Aguardo bem impacientemente notícias suas, tenho necessidade de saber como você se encontra
e em que estado fica seu espírito. Acredite-me, caro amigo, quase constantemente perto de você pelo
coração e pelo pensamento, e não se enganará.
Ofereça, caro filho, as minhas orações com as suas a Nossa Senhora de Chartres; aí está, como
em outros lugares, um piedoso santuário caro à Mãe de Deus, um lugar onde ela se compraz, onde ela
conversa de bom grado com seus filhos e de bom grado também atende a seus votos. Confie-lhe bem
simplesmente seu coração, confessando sua incapacidade de querer e de se guiar sozinho. Ela o pegará,
caro filho, e o levará entre seus braços ao lugar onde Deus o quer. Mil coisas ternas da minha parte ao Sr.
Levassor e a seu jovem irmão e todo o meu coração para você em N.S.
Le Prevost
159- ao Sr. Myionnet
Lembrete sobre os acontecimentos que levaram o Sr. Maignen a deixar brutalmente sua família.
Prudência do Sr. Le Prevost. Por que ele o enviou ao Sr. Levassor e não a Dom Angebault. Projeto de
retiro dos irmãos Myionnet e Maignen na Trappe.
Duclair, 7 de setembro de 1846
Meu muito querido irmão,
Já pensava que não podíamos rejeitar nosso caro irmão Maignen, se está bem determinado a
juntar-se a nós, mas desejava ver meu parecer confirmado pelo do Sr. Beaussier e pelo seu. A única coisa
que tenhamos, parece-me, que examinar com nosso jovem amigo é a firmeza de sua resolução. Há muito
tempo, disse-me ele, estava totalmente decidido a quebrar todos os obstáculos para dar-se inteiramente a
Deus e só esperava uma ocasião favorável. Desconfiava, porém, de suas forças e temia fraquejar com sua
família no momento da prova. Quarta-feira passada, depois de uma mínima contrariedade que tivera em
casa, sentiu-se inspirado a aproveitar o tipo de excitação por causa dessa contrariedade, para dar o passo
e, de fato, consumou seu sacrifício. Assegurou-me que, em nenhum instante, tinha exagerado o motivo
de seu descontentamento, que ele mesmo chamava de criancice, mas que voluntariamente e com
174
reflexão, tinha captado no ar esse pretexto para tomar seu impulso. Com efeito, passou o dia arrumando
seus negócios, ao menos provisoriamente, partiu à noite para Rouen, onde pousou e, no dia seguinte, na
quinta-feira, chegou a mim. Tive medo de que fosse atormentado pelo seu irmão, por quem se podia
pensar que seria seguido. Convidei-o, então, a ir imediatamente junto ao Sr. Levassor; ficou comigo
somente algumas horas. Às 5 horas da tarde, continuou para Rouen, onde deve ter pousado, para partir
sexta-feira durante o dia para Chartres, onde não terá encontrado, aparentemente, o Sr. Levassor. Minha
carta ao Sr. Beaussier continha em substância esses pormenores, mas você não parece, meu caro irmão,
ter tido conhecimento dela, pois parece pensar que nosso amigo ainda está comigo. Esperava dele uma
carta hoje, penso que não pode deixar de chegar para mim amanhã.
Meu principal objetivo e, na realidade, o único, enviando nosso amigo à casa do Sr. Levassor, era
deixá-lo inteiramente independente e livre para a reflexão como para a ação, durante os poucos dias que
se podiam passar até o momento em que sua demissão, que ele ainda tinha o direito de retirar, se tivesse
tornado irrevogável. Tinha-lhe feito todas as observações possíveis, para bem esclarecer seu espírito
sobre os inconvenientes de sua resolução repentina e sobre as vantagens que teria encontrado
escolhendo mais sabiamente seu tempo; persistiu em sua vontade. Parece-me que se, depois de alguns
dias passados e o tempo de retirar sua demissão sendo esgotado, ele ficar firme na sua vontade, não
poderemos duvidar de sua resolução nem deveremos nos recusar a admiti-lo entre nós. Então, não veria
a utilidade da grande viagem que você proporia que empreendesse para Angers, viagem bastante
dispendiosa e para a qual ele teria, creio, muita resistência. Já se mostrava bem triste por ir-se longe de
nós, a Chartres, com estrangeiros, no momento em que nossa presença e o apoio de nossa afeição
fraterna ter-lhe-iam sido tão necessários; acho que ele teria mais pesar ainda em recolocar-se na estrada
para ir a uma tão grande distância. Veria, nessa viagem, um inconveniente mais grave, o de levar talvez
Monsenhor a retomar para conosco as perspectivas de autoridade absoluta que ele tinha adotado em
primeiro lugar e que poderiam ter criado para nós sérios embaraços, sem a restrição que interpusemos;
enfim, pudemos nos convencer, em várias circunstâncias, de que esse venerável prelado, cuja experiência
e alta piedade, aliás, conheço, não tinha inteiramente entendido nosso pensamento nem captado
exatamente as circunstâncias de nossa posição. Duvido, portanto, que ele tivesse graça especial para
dirigir nosso caro irmão, sobretudo sem conhecer de longa data seu caráter, seus costumes e suas
disposições.
Eis aí, meu caro irmão, meu pensamento sobre o meio que você propõe; entrego-o ao exame do
Sr. Beaussier e ao seu com toda a simplicidade e bem decidido de antemão a adotar sua opinião se a
minha não lhe parecer a melhor. Se, pelo contrário, você julgasse bom adotar meu pensamento, creio que
poderíamos manter por alguns dias nosso amigo em Chartres ou em outro lugar, até o momento de sua
saída. Então, você o levaria consigo ao lugar para onde deve ir, a fim de tomar algum descanso, e vocês
fariam juntos uma ausência de uns quinze dias; isso me pareceria suficiente para recolocar todas as
coisas em seu devido lugar. Calculava partir para encontrá-lo no começo da semana que vem; se você
acha que, para facilitar sua saída e a do Sr. Maignen, eu deva apressar minha volta, não deixe de me
dizê-lo sem nenhuma hesitação.
Adeus, meu muito querido irmão, abraço-o ternamente assim como a nosso excelente padre
Beaussier e sou em N.S.
Seu irmão devotado
Le Prevost
160- ao Sr. Maignen
O Sr. Le Prevost procura tranqüilizar o Sr. Maignen: se ele estiver bem decidido a se doar, será recebido
na comunidade. O Sr. Le Prevost resolve algumas disposições práticas relativas à família Maignen. Projeto
de retiro com o irmão Myionnet.
Duclair, 7 de setembro de 1846
Caríssimo amigo,
Respondo sem tardar à sua carta datada de Dreux, que acaba de me ser entregue. Recebi outra
hoje mesmo do Sr. Myionnet, que me anuncia que o Sr. padre Levassor, nosso amigo, passou por Paris
175
indo para o Sul: assim, você não o terá encontrado em Chartres. Espero ao menos que você terá
encontrado o jovem irmão que o assiste na sua obra do patronato das crianças e que isso lhe terá sido
uma consolação. Creio, caro amigo, que nesse estado de coisas, o que há de melhor para fazer é esperar
alguns dias em Chartres até que o Sr. Myionnet e eu tenhamos podido nos entender sobre a decisão a
tomar. Escrevi-lhe hoje a esse respeito, não posso demorar a receber sua resposta. Quanto à questão
principal, o Sr. Beaussier e ele desejam, como eu, que você reflita, enquanto ainda é tempo, sobre as
conseqüências de sua determinação, mas eles pensam também que se, definitivamente, se oferece, você
deverá ser recebido por seus amigos.
Remeti-lhe, endereçadas ao Sr. Levassor, duas cartas destinadas a você, que tinham sido
enviadas à casa de minha irmã em Duclair, e juntei a cada uma delas uma palavrinha minha. A primeira
remessa tinha sido posta por mim numa carta ao Sr. Levassor, carta insignificante e de pura transmissão.
Precisaria solicitá-la na casa dele, abri-la e pegar dentro o que é para você. O jovem irmão não se
recusaria, se precisar, a abrir a carta após essa explicação. Você verá, numa palavrinha minha anexada ao
segundo pacote (que está com seu endereço na casa do Sr. Levassor), que sua família, preparada há
muito para o que aconteceu, acolheu as coisas com bastante tranqüilidade. A Senhora sua mãe e seu
irmão, como lhe disse, foram ver o Sr. Myionnet, cujas explicações pareceram quase satisfazê-los, ao
menos quanto a seu irmão; a Senhora sua mãe o acusava somente de ter saído sem preveni-la e de lhe
ter faltado confiança nela. Não veria inconveniente nenhum, caro amigo, que, conforme o voto de seu
coração, você lhes escrevesse, como bem entender; penso somente que poderia ser conveniente mandar
sua carta ao Sr. Myionnet, para que a fizesse chegar. Vendo-o mudar sucessivamente de lugares sem
razões aparentes, os seus achariam aparências de mistério nessas idas e voltas e se inquietariam sem
motivo. Veja, todavia, tudo parecendo bastante tranqüilo, como o deixa entrever o Sr. Myionnet, se você
não deve desconfiar das efusões excessivas de uma correspondência por demais terna; acho que você
deve limitar-se ao que exigir o bem dos seus.
Examine, caro amigo, se você tem bastante dinheiro para aguardar que o Sr. Myionnet lhe tenha
mandado algum. Neste caso, escreva-lhe para lhe fazer chegar a importância de que acha ter necessidade
para esperar alguns dias em Chartres. De outro jeito, se você estivesse totalmente desprevenido e o
jovem assistente do Sr. Levassor não pudesse adiantar-lhe o que lhe seria necessário, você poderia ver o
irmão do Sr. padre Levassor, que mora no campo, bem perto de Chartres. Conheço-o particularmente e,
durante o tempo de sua estada em Rouen, muitas vezes recorri à sua bondade; seria um prazer para ele,
tenho certeza, após a apresentação desta carta, remeter-lhe 25f que lhe devolveríamos poucos dias
depois, e que lhe seriam suficientes, acho, para aguardar a remessa do Sr. Myionnet.
Suponho que você poderá ir, dentro em breve, com esse bom irmão, fazer um pequeno retiro e
descansar um pouco. Estes dias, ele ainda não tinha escolhido o lugar para onde devia ir e esperava
minha volta para tomar a decisão; não prolongarei minha estada aqui além da presente semana, partirei
até mais cedo, se a resposta que aguardo do Sr. Myionnet corresponder, a esse respeito, a meu modo de
ver.
Não acrescento nada a esta carta, senão, caro amigo, o novo protesto das ternas preocupações
de meu coração e de meu espírito a seu respeito. Rezo a Deus tanto quanto posso por você; amanhã
sobretudo, colocá-lo-ei bem intimamente no coração de Maria; suplique-a também por aqueles que lhe
são tão sinceramente apegados.
Escreva-me pela volta do correio, para me dizer se recebeu esta carta assim como as duas
primeiras, como você se encontra e se você espera achar em Chartres, como em Rouen, algumas doces
consolações. Há em Chartres uma Sociedade de São Vicente de Paulo. O padre Levassor me falou muitas
vezes de um santo padre, pároco da catedral, o Sr. padre Lecomte; você poderia vê-lo, ele sabia outrora
meu nome, o Sr. Levassor lhe falava de mim. Mas ele o terá esquecido.
Seu irmão e amigo em N.S.
Le Prevost
176
161- ao Sr. Maignen
O Sr. Le Prevost acolhe o Sr. Maignen na Comunidade. Como ele vai ajudá-lo nos seus relacionamentos
com sua família. Que o Sr. Maignen não se preocupe com o julgamento do mundo: “sem falar nada,
deixemos tudo e sigamos o Senhor”. Exortação a orar especialmente à Virgem Maria. Fazer diversão pelo
trabalho.
Duclair, quarta-feira cedo, 9 de setembro de 1846
Caríssimo irmão, muito amado filho, mesmo que seu excelente coração só tivesse produzido os
sentimentos tão ternos e tão devotados expressos na sua última carta, não exigiria nada mais para darlhe toda a minha estima, toda a minha viva e profunda afeição. Encontro-o aí de novo todo inteiro, como
o tinha visto e entendido em outros dias, quando uni minha alma à sua, com um laço tão forte e ao
mesmo tempo tão suave. Por que não nos é dado nos entendermos sempre assim? Como seríamos fortes
para o bem, corajosos nas nossas penas, elevados nos nossos pensamentos, ardentes na nossa
dedicação, se nossos corações batessem assim em uníssono, palpitantes por uma santa e pura caridade,
aspirando com um mesmo impulso para Deus! Caro filho, não tenho mais dúvida alguma, considero seu
sacrifício como consumado e, pelo pensamento, abro-lhe meus braços para dar-lhe o ósculo de irmão, o
abraço decisivo da adoção. O bom irmão Myionnet e nosso excelente padre Beaussier estão, acredite, nos
mesmos sentimentos; ambos viram na sua determinação a conduta do Senhor que o chama e o envia a
nós. Como me custou, caro amigo, ficar tão reservado com você durante os poucos instantes que passou
comigo e manter tudo em dúvida, enquanto teria querido tanto atraí-lo a mim e dizer-lhe que, penetrando
seu coração, eu aprovava-lhe todos os movimentos! Mas devia assegurar-me do assentimento do Sr.
Beaussier que tem graça para conduzi-lo, do consentimento do irmão Myionnet e, sobretudo, deixar-lhe
alguns dias de reflexão, para se ter uma certeza ainda maior de que a hora do Senhor chegara. Hoje, a
prova me parece suficiente; você perseverou, suportou o choque que voluntariamente deixei abater-se
sobre você (os pesares de sua família); creio, portanto, que, com a ajuda de Deus, você conseguirá
superar os obstáculos e dificuldades da posição. Acho, todavia, com você, que será prudente você não se
deixar excitar demais por correspondências necessariamente bem dolorosas para você e que só fariam
exaltar a aflição de sua família. Eu não teria assumido sozinho abrir as cartas que lhe são endereçadas,
mas, de acordo com seu pedido, o farei doravante. Transmitir-lhe-ei fielmente sua substância, interpondome somente, caro filho, para enfraquecer o golpe; acredite bem, caro amigo, que ele me ferirá antes de
atingi-lo, pois aquilo que o fere não me fere também? E você pode sofrer sem que eu sofra consigo?
Aprovo sua carta à sua família; aprovo também a que escreveu para o General152; se não for inteiramente
entendida, satisfará ao menos o dever que você tinha de cumprir nesta parte. Não se preocupe muito,
caro amigo, com a censura que o mundo pode pronunciar contra você: no meio de seus murmúrios
provará a suavidade da voz divina que lhe falará no fundo do coração e o absolverá com esta autoridade
suprema que domina os pontos de vista da razão, as emoções do sentimento, as lembranças do passado,
os medos do futuro. Releia, no capítulo 10 de São Mateus, as instruções do Senhor a seus apóstolos e
lembre-se com que energia Ele separou de tudo aqueles que escolheu para trabalharem na sua obra; esta
obra é a nossa: a nós também Ele disse: “deixem aí seus barcos e suas redes e sigam-me”. Como os
apóstolos, sem falar nada, deixemos tudo e sigamo-Lo. Acredite bem, aliás, que o primeiro golpe, o mais
doloroso, já sendo agora um pouco amortecido, não é mais preciso senão de tempo e de prudência para
curar a ferida. Você se lembra da dor de sua boa mãe quando seu irmão partiu; ora, com um pouco de
paciência, a aflição se acalmou, a paz voltou; quanto melhor será assim hoje, já que o Senhor, agindo
com você, amenizará, Ele mesmo, o golpe desferido pelo seu amor. Reze muito ao Senhor, caríssimo
amigo, e também à sua bem-amada Mãe; esse assunto, mais do que qualquer outro, é de sua alçada:
trata-se das relações de mãe com filho. Quem melhor do que ela pode interpor sua doce mão? Sim, caro
amigo, reze ternamente a esta Mãe por excelência e se, na sua ardente oração, você se sentir penetrado
por uma mais viva confiança para com ela, bendiga a Deus por isso, como por um favor precioso, como
por um sinal infalível do progresso que você terá feito no divino amor.
Estou escrevendo-lhe com muita pressa, não querendo que você espere em vão algumas palavras
minhas. Nossas cartas se cruzam e não tomam o tempo de entrar em acordo. Ah! é que neste momento,
caro filho, seria preciso, para responder aos movimentos de nossos corações, que estivéssemos um perto
do outro; embora os correios corram, nosso ardor vai mais depressa ainda. Recoloquemo-nos, amigo, no
seio de Deus, onde se acalma toda emoção, onde se purifica todo sentimento; repousemos em paz,
confiantes, amando, nesse Coração que é nosso lugar, nosso refúgio. Parece-me, caro filho, que estou ali
152
Cf. infra Carta 166, do 25 de setembro 1846. O General Pelet, Superior do Sr. Maignen no Ministério da Guerra
177
neste momento, com você, por me sentir tão seguro de você, por esperar tanto no futuro, por tanto
desejar tudo segundo a santíssima vontade de Deus.
Não se entregue exclusivamente demais, nestes primeiros momentos, a seus pensamentos;
quando estão tristes, sacuda-os; participe um pouco, se pode, nos trabalhos do jovem irmão;
considerando de perto sua obra, você colherá pela comparação úteis observações e novas luzes.
Agradeça-o em nosso nome pelo terno acolhimento que lhe fez. O Sr. Beaussier dá um retiro, o que o
impediu de lhe escrever, o irmão Myionnet vai escrever de seu lado. Você terá visto que recebi sua carta
de Dreux, à qual respondi por volta do correio; não demore para me escrever, você tem necessidade de
efusão e, como disse, depois do Coração de Deus, você só pode se expandir no coração de seu Pai.
Le Prevost
P.S. Obrigado pela nota dirigida ao Sr. Taillandier sobre a loteria; ele tem a chave do armário?
162- ao Sr. Myionnet
Detalhes sobre seu próximo retorno a Paris. Suas disposições interiores: servir a Deus o menos mal
possível. Para o irmão Maignen, nada precipitar.
Duclair, 13 de setembro de 1846
Caríssimo irmão,
Fico ainda aqui um ou dois dias, já que você o acha bom e não sofrerá por isso acréscimo de
embaraços. Chegarei ali quarta-feira pelas 5 horas, não muito forte ainda, mas um pouco menos abatido,
porém, e desejando sinceramente servir com você ao bom Deus o menos mal que puder. Aprecio muito
seu pensamento sobre nosso jovem irmão e creio com você que não se deve nada precipitar.
Alegro-me muito, caríssimo amigo, na esperança de abraçá-lo na quarta-feira; ame a mim como
eu mesmo amo a você, bem ternamente em N.S. e reze por mim que rezo constantemente por você.
Seu irmão em J.C.
Le Prevost
163- ao Sr. Maignen
O Sr. Le Prevost tem a certeza de que Deus chama o Sr. Maignen. A vida de comunidade não se constrói
com afeições humanas; precisa de intenções sobrenaturais, da oração e da santa caridade. Não se
apavorar pela humildade dos começos; trata-se de bem colocar os alicerces na terra. Apelo ao amor
fraterno: ver na “terna caridade de seu irmão um dom de Deus”.
Duclair, 13 de setembro de 1846
Estava quase esperando receber de você uma cartinha hoje, caríssimo irmão, embora houvesse
pouca aparência de que devesse escrever-me, já que podia pensar que eu estivesse na estrada, para
voltar a Paris. Não esperava, portanto, para dizer a verdade, senão porque tinha a necessidade de ter
algumas linhas suas e porque, com um certo número de suposições, acha-se sempre o meio de se montar
uma esperança. Estou ainda aqui por dois ou três dias. O Sr. Myionnet, que aprecia muito a idéia de leválo consigo na pequena excursão ou retiro que projetou, tendo-se organizado somente para o decorrer da
semana e não antes, me convidou a não apressar sem necessidade minha volta. Estarei, portanto, em
Paris somente quarta feira, 16, durante o dia; penso que encontrarei ali uma carta sua. Até lá, não terei,
sem dúvida, notícias suas. Sofreria muito com este atraso, caro amigo, se sua última carta não me tivesse
tranqüilizado a respeito de sua posição e, sobretudo, de seu estado de espírito. Encontrei, no meio das
preocupações bem naturais do seu coração, uma certa calma, uma espécie de segurança, que me
pareceu o indício da operação de Deus em você. Ora, aí está o que procuramos, caro amigo, você e nós
que o amamos: a certeza de que o Senhor o chama e o quer conosco. Uma vez bem adquirida essa
convicção, poderemos sofrer, sem dúvida, pelos sacrifícios que uma grande resolução impõe, mas,
gemendo ao mesmo tempo por nossa própria pena e pela dos outros, teremos a paz no fundo da alma,
porque reconheceremos aí a vontade sempre terna e sempre sábia do nosso Deus. Sem isso, não
178
saberíamos achar nenhuma segurança nem repouso de coração. Sabemos por experiência que as mais
ternas simpatias não bastam para assegurar a duração das afeições, que elas têm ao menos inconstâncias
ou flutuações que misturam a perturbação às suas mais suaves alegrias e fazem temer pelo futuro. Mas
se, como tudo me deixa agora esperá-lo, caro amigo, é verdadeiramente uma pura e santa caridade que
nos congrega, se é o espírito de zelo e de dedicação, a necessidade de nos entregar a Deus sem medida,
de unir para o seu louvor nossos corações e nossas vozes, para seu serviço nossos trabalhos, para a
utilidade de nossos irmãos nosso ardor e nossos esforços, oh! certamente, nossa existência é bem
alicerçada, a união se consumará em nós e firmar-se-á pela duração, pois o Senhor habitará entre nós. Se
é verdade dizer que um fiel, um homem em paz com seu Deus apresenta a união de um corpo, de uma
alma e do divino Espírito, é igualmente certo que uma assembléia de verdadeiros irmãos é também um
corpo e uma alma unidos íntima e divinamente ao Espírito; que maravilha de caridade, caríssimo amigo,
que meio poderoso de edificação, que obra gloriosa e cara a Deus! É a isso que seu amor nos chama!
Dilatemos nossos corações, elevemos nossos espíritos para respondermos dignamente a uma tão grande
vocação. Importa pouco que nossos começos sejam pequenos, que nossa roupa, nossos hábitos
exteriores continuem sendo os do mundo, que nossos exercícios não tenham uma regularidade absoluta,
nossas obras, um grande alcance. Se, com um coração reto e puro, colocamos na base de nossa querida
instituição o amor, a dedicação, o desejo ardente e verdadeiro de reproduzir em nós o divino Modelo que
teremos agora como único, sob nossos olhos, não teremos trabalhado em vão, mais cedo ou mais tarde,
nossa obra sairá de terra, terá, como as que Deus abençoou no passado, seu lugar, seu futuro e sua
missão.
As horas de desânimo em que você me viu muitas vezes, caro irmão, se explicam pelo sentimento
profundo de nossa indignidade para um tal empreendimento; mas, se Deus se dignar nos apoiar, seria
uma fraqueza exagerada não andarmos com Ele. Não temos que trabalhar sozinhos, com nossas forças,
com nossas mãos, mas, sim, sob a sua conduta, com os meios, os recursos, as luzes, as graças de todos
os tipos que sua Providência fornecerá. Não temos, enfim, que construir, nós mesmos, o edifício inteiro,
mas unicamente, sem dúvida, que limpar a área, colocar sob a terra talvez os fundamentos esquecidos
que aparecerão bem pouco e não terão valor senão para o arquiteto divino. Esta tarefa bem entendida
deve muito agradar a umas almas que o Senhor tiver tocado; uma vida de uma beleza toda interior, uma
obra obscura e quase despercebida, desprezada talvez ou contrariada153, tendo como único apoio a
confiança no Deus de caridade e um vago vislumbre de esperança e de futuro. Sim, essa tarefa é nobre e
bela, digna de corações firmes e movidos por um grande amor, mas também, naqueles que a aceitam,
que segurança ela requer de que Deus os aceita e repousará neles! Mas, mais uma vez também, não
duvidemos demais de nós mesmos quando, após um sério exame de nosso coração, você, o irmão e eu,
tivermos dado o passo. Saibamos bem que a obra de nossa edificação interior, a conversão, a perfeição
de nosso coração não serão o trabalho de um dia, como também não será a obra de nossas mãos a nossa
própria querida instituição. A impaciência, os desejos demasiadamente apressados, estragariam ambos
os empreendimentos. A humilde oração de cada dia, o trabalho sabiamente executado, a espera paciente
e ternamente confiante deverão ser nossa via e só eles nos conduzirão ao nosso objetivo.
Você me perguntará, caríssimo amigo, se é você que pretendo exortar por esses pensamentos
aqui enunciados dentro de previsões que o Senhor bem pode não ratificar. Não, meu muito querido filho,
não é precisamente para aconselhá-lo, você não precisa de meus conselhos, o bom Deus mesmo falará a
seu coração de um jeito bem diferente do que eu poderia usar; mas, escrevendo-lhe, parece-me que
converso com você bem simplesmente, como fizemos tantas vezes nestes longos passeios cuja lembrança
não perderemos. Procuro me dar conta da nossa posição, das vistas do Senhor sobre nós, daquilo que
deveremos fazer para lhes responder, e o digo a você, caro amigo, sem dar outra importância a isso,
sabendo bem que as previsões servem pouco aos que se abandonaram às condutas do Senhor e que vão,
dia a dia, aonde seu sopro os impulsiona. Será para mim, acredite, caro amigo, uma doce consolação, um
poderoso encorajamento, andarmos neste caminho lado a lado com você. Melhor do que nunca, nos
apoiaremos e nos reergueremos alternativamente; mais do que nunca nos amaremos e nos daremos um
ao outro, pois cada um de nós verá na terna caridade de seu irmão um dom de Deus, uma graça para
dar-se totalmente a Ele.
Sou bem afetuosamente em J. e M.
Seu irmão devotado
153
Le Prevost
No original em francês: “traversée”, francês antiquado, significando isto: contestada, contrariada, impedida de
agir.
179
P.S. – Não deixe de agradecer ainda por nós o jovem irmão e de assegurá-lo de nossa sincera
afeição. Diga-me qual é sua posição e se ela pode ser mantida ainda por alguns dias. Reze por nós, não
digo se rezo por meu querido filho. Escrever-lhe-ei ao chegar em Paris ou pelo menos desde que você
mesmo me tiver escrito.
164- ao Sr. Maignen
Incompreensão da família Maignen: Deus e os pobres não precisam nem de ouro nem de prata, mas de
“seu coração, de sua vontade, de você mesmo”. Por que o Sr. Le Prevost o aconselha a renunciar ao
sacerdócio. Entrar no espírito de paciência e de espera de São Vicente de Paulo.
Paris, 18 de setembro de 1846
Cheguei aqui, caríssimo irmão, quarta-feira como lhe tinha anunciado. Não preciso dizer-lhe que
tornei a ver com alegria nosso excelente irmão Myionnet; você sabe quais os sentimentos que nos unem
e o quanto nossa pequena família, até aqui tão pouco numerosa, sente a necessidade de fortalecer-se
no exercício da vida comum. Esse bom irmão quis bondosamente me acolher também, como se eu
valesse algo para ele, tanto é verdade que não são nem as grandes qualidades, nem as vantagens de
tipo algum que prendem os homens um ao outro, mas, sim, a retidão do coração, o entrosamento das
vontades e, acima de tudo, a inspiração divina da caridade.
Você entende sem dificuldade, caro filho, que bem depressa se encontrou como uma terceira
pessoa conosco e que estava por demais presente em nosso pensamento, para que nosso primeiro
movimento não tenha sido orientado para você. O jovem irmão foi, então, desde o início, o objeto de
nossas ternas preocupações e de nossa mais cara solicitude. Falamos muito longamente sobre o que lhe
diz respeito e temos rezado também bem ardentemente por ele. Não era difícil ficarmos de acordo no
ponto principal, você é querido demais por nós, caro amigo, e seus sentimentos são simpáticos demais
aos nossos, para que nosso coração não se abrisse inteiro quando você pede um espaço mais amplo e
mais íntimo ainda do que no passado. Só precisávamos procurar o que tínhamos a fazer no atual estado
das coisas, para conciliar, ao mesmo tempo, seu interesse particular, o de nossa obra e também o de
sua querida família. Penso como você que, para dizer a verdade, todos esses interesses formam um só,
e mais cedo ou mais tarde cada um o reconhecerá. Mas essa hora não chegou e, enquanto isso, temos
que ponderar bastante. A mansidão e a persuasão junto com uma firme vontade são os únicos meios
que convêm para você e para nós usarmos. É preciso usá-los, como você já fez, a fim de esclarecer
melhor, se se pode, a opinião de seus familiares. Não julgando nada senão do ponto de vista humano,
considerando como sonho e desoladora ilusão os sentimentos de abnegação e de dedicação que o fazem
agir, ficam, sobretudo, irritados pelo fato de você não aspirar, pelo menos, ao sacerdócio que lhe
asseguraria ainda uma posição respeitável. Ficam feridos ainda mais por isto: vivendo em comum e não
tendo mais nada que nos seja próprio, não recebemos nada de você, a não ser sua juventude, seu
trabalho, o sacrifício de si mesmo, de sua família e de sua posição. Cegos por um amor próprio que não
sabe mais apreciar nada com justiça, eles achariam a condição melhor se, em lugar de tudo isso, você
tivesse um pouco de dinheiro a oferecer; não compreendem que, aos nossos olhos, o dinheiro não tem
nenhum valor, pois não faríamos nada com ele. Mas aquilo de que precisamos, nós, antes de tudo e
quase exclusivamente, é o que você traz, caro filho, nobre e generosamente, não um pouco de ouro,
algumas roupas ou utensílios, mas seu coração, sua vontade, seus cuidados, seu pensamento, numa
palavra, você mesmo. É disso que Deus e os pobres estão precisando, é também o que procuramos,
nós, que aspiramos a servi-los. Não adianta muito esperar, caro amigo, que os pontos de vista de sua
família possam ser mudados nesse ponto, mas você poderia, parece-me, mesmo entrando em suas
idéias, oferecer-lhe alguns motivos que não seriam sem valor. Primeiro, o Sr. Myionnet compromete-se,
para dar satisfação às suscetibilidades de amor próprio, em obter para a Casa das crianças um título de
Vice-Diretor ou outro, ao qual seriam ligados, pela Sociedade de São Vicente de Paulo, honorários, ao
menos de setecentos ou oitocentos francos ao menos; sua posição seria, portanto, entre nós muito
independente e humanamente inatacável. Por outro lado, no que diz respeito à escolha que você está
fazendo entre os diversos caminhos que se ofereciam a você, sua família não presta bastante atenção no
fato de que a decisão em que você se fixa é para ela a melhor e a mais satisfatória de todas. Sem falar
das dificuldades, para não dizer das impossibilidades que haveria para você em começar, na sua idade, a
fazer estudos, a fazer depois os anos de Teologia, sem meios para a sua subsistência e sua manutenção,
durante um período de cinco ou seis anos pelo menos. Que pesares não teriam os seus familiares se,
mais tarde, você não fosse perseverar; se chegasse, após ter entrado no seminário, ter vestido o hábito
eclesiástico, a decepcionar-se com as dificuldades, a mudar de opinião ao menos e a voltar para o
mundo, você só encontraria ali embaraço e desânimo.
180
Conosco, ao contrário, uma provação de um ano não ocasiona conseqüência nenhuma para seu
futuro, não faz nenhum estrondo, não o separa do mundo por nenhuma distinção aparente e decisiva.
Enfim, seus familiares não pensam também que, querendo decididamente consagrar-se a Deus, você
poderia, como me declarou a mim mesmo, colocar entre os seus e você uma barreira intransponível
entrando na ordem de São João de Deus, nos Franciscanos, nos Jesuítas ou num outro lugar. Apresente
todos esses motivos à sua família, caro amigo, com afeição e firmeza ao mesmo tempo, e você fará,
espero, alguma impressão nos seus espíritos. A coisa seria simples e bem provável, se você tivesse que
lidar só com sua excelente mãe e seu irmão. Esclarecidos pelo instinto de uma terna afeição,
entenderiam logo que há aí algo justo e verdadeiro e que aqueles que o amam deveriam estar felizes
com a decisão sábia e toda transitória que você toma. Mas, você entende, os conselhos que recebem os
exaltam e irritam, sofrem o contra-golpe das paixões que as coisas de religião levantam em certos
corações e agem sob uma inspiração que não lhes é própria. No entanto, com um pouco de tempo e de
paciência, a calma voltará, creio, em suas almas, a afeição vencerá, e sua causa será ganha. Seu irmão
veio à casa no mesmo dia da chegada de sua carta; o Sr. Myionnet não lhe escondeu que você estava
em Chartres, sem dar-lhe, porém, precisamente seu endereço, que não pediu; a Senhora sua mãe (isto
é um segredo de que você não deve apresentar ser conhecedor) foi visitar o Sr. Beaussier e não rejeitou
absolutamente suas razões, sem, no entanto, mostrar-se inteiramente atingida por elas. As informações
que temos recebido assim constantemente sobre as disposições de sua família tornaram inútil a visita
que você tinha pedido para os Srs. Turqui e Desquibes. O Sr. Beaussier pensa que você agirá com
sabedoria evitando incluí-lo muito no assunto: ignora-se entre os seus que ele seja o Diretor da Casa;
enquanto ele é considerado somente como seu confessor, a posição dele é melhor. Ele deseja também
que sua família esteja bem convencida de que você agiu fora de toda inspiração exterior e que ninguém
de nós o aconselhou, mesmo indiretamente. Asseguram-me que todas as iras caem sobre mim, fico feliz
por isso no pensamento de que ninguém mais do que eu está disposto a sofrer alguma coisa por você,
se precisa, caríssimo filho. Mas acho que, uma vez passado o primeiro momento de surpresa e de dor,
se está hoje com melhores disposições. Teria ficado feliz por ver sua boa mãe e seu irmão, acho que
minhas explicações os teriam esclarecido talvez um pouco, mas não posso sonhar em ir visitá-los;
acolhê-los-ei tão bem como puder, se acharem que devem pedir para me ver. Eis aí, caro amigo, a
situação atual, podia ter deixado de fornecer esses longos pormenores, pois o Sr. Myionnet partirá para
Chartres segunda ou terça-feira, a fim de vê-lo e de examinar com você se podem fazer juntos um
pouco de retiro. Tudo isso irá ganhar tempo e servirá seus negócios. Os Srs. Beaussier e Myionnet
pensaram que havia uma grande vantagem, os corações só podendo acalmar-se cada vez mais com o
tempo e chegar a pensamentos de conciliação. Entramos, aliás, assim, desde o início, no espírito de
paciência e de suave espera de nosso Santo Padroeiro, que nunca quis nada precipitar. Quanto mais sua
decisão tiver sido livre, refletida, firme em superar os obstáculos, tanto mais valor terá diante de Deus e
de seus próprios olhos.
O Sr. Myionnet cuidou com muito interesse de seu pobre Gabriel; falará com você a respeito..
Diga-me, caro amigo, por favor, o endereço do Sr. Levassor a quem precisarei escrever; ele está
sendo esperado em breve?
Eis meu papel, meu tempo e também minhas forças, usados para dar-lhe, caro amigo, todos
esses pormenores sérios e necessários e não tenho mais como responder às doces efusões, às ternas
expansões de sua última carta. Não estou menos comovido por isso, caro filho, continue assim a
derramar todo o seu coração no meu e tenha certeza de que nada me escapa e me é indiferente; você
bem sabe que, desde há muito, tínhamos, um para o outro, tirado as portas de nossas almas: a minha
fica aberta para você, entre em qualquer hora para pouco ou para muito, não tem importância, você
será sempre bem-vindo.
Adeus, caro filho. Ontem, os Srs. Myionnet, Nimier e eu rezamos juntos duas dezenas de terço,
uma foi expressamente rezada por você. Nossa Santíssima Mãe terá visto os ternos desejos de nossos
corações e, purificando-os no seu, os terá, tenho confiança, depositado aos pés do Senhor. Abraçamos a
você com ternura, eu um pouco mais fortemente que os outros.
Seu irmão e amigo em N.S.
Le Prevost
Boas e afetuosas lembranças ao Sr. Mayer.
181
165- ao Sr. Maignen
O Sr. Le Prevost lhe comunica notícias de sua família. Razões pelas quais teve que observar uma certa
reserva, com respeito às obrigações de seu papel de fundador.
Paris, 20 de setembro de 1846
Meu caríssimo filho,
Não tenho mais nada a dizer-lhe, já que você tem agora seu irmão Myionnet, que vale bem mais
do que todas as cartas do mundo. Sua presença perto de você154 responderá, caro amigo, às suas
solicitudes e lhe será um suave descanso.
Por outro lado ainda, tenho causas de consolação a oferecer-lhe. A Senhora sua mãe veio me
visitar esta manhã, e achei-a bem mais calma e bem melhor disposta que tinha pensado. Assim como o
tinha pressentido, a irritação que se tinha manifestado primeiro em sua casa estava sendo inspirada pelo
lado de fora; mais um pouco de seu tempo ainda e tudo voltará ao normal. O anúncio de que você teria
o título de Vice-Diretor da Casa de patronato com uma gratificação módica, mas fixa e independente,
produziu sobre o espírito de sua boa mãe um efeito maravilhoso; aí estava, parece, o espinho mais
doloroso; o pensamento de que seu filho estaria, frente aos outros, em estado de inferioridade, era-lhe
insuportável. Visto que não deverá nada a ninguém e tirará tudo de seu trabalho, ela resignar-se-á. Tais
eram suas disposições ao deixar-me, caro amigo; mas não seria o caso de pensar que essa será a última
palavra; sua inspiração própria vai nesse sentido, mas os outros a empurram para um outro lado.
Todavia, os outros, menos interessados, cederão logo e vão cansar-se; somente a afeição de sua mãe e
de seu irmão ficará firme e prevalecerá. A Senhora sua mãe lhe escreveu esses últimos dias uma
pequena carta, quase com o desconhecimento dos outros, e que ela me diz ser bondosa, acho que você
a terá recebido; estava com o endereço de Duclair, mas na minha saída eu tinha dado seu endereço ao
carteiro, para que suas cartas lhe fossem remetidas para Chartres; acho que a de que se trata terá
chegado a você.
Dona Maignen me disse que, esta manhã, um empregado de seu Ministério viera encontrá-la
para dizer-lhe que desejavam ter peças que você devia entregar para o trabalho; ela pensa que você
deveria tomar providências para fornecê-las logo. Vi, nos pormenores que ela me deu a esse respeito (e
que são talvez, na realidade, o simples pretexto da visita que ela queria fazer ao Sr. Myionnet ou a mim
hoje), vi que ela não tinha perdido inteiramente a esperança de que, por uma reviravolta de idéias, você
quisesse retomar sua posição na administração.
Se você tivesse efetivamente necessidade de entregar essas peças, não poderia mandar sua
chave a seu velho amigo do escritório (não sei o nome dele), pedindo-lhe, em confiança, para fazer
primeiro um lote de todos os papéis que lhe são pessoais e de entregar o resto a seus colegas?
Você deve ter recebido ontem, sábado, uma carta minha, que o terá consolado um pouco, caro
filho, e lhe terá mostrado que você estava rápido demais para duvidar de nosso terno apego. Domingo
passado, dia 13, escrevi para você, estando ainda em Duclair, uma longa carta que deve ter-lhe chegado
terça-feira 15. Você parece não ter recebido essa carta do 13, domingo, devendo chegar na terça-feira
15; tire-me dessa angústia a esse respeito. Ponha a data em suas cartas, você o faz raramente, caro
amigo, a última estava dentro de um envelope não selado. Tendo chegado aqui quarta-feira à noite, vi os
Srs. Beaussier e Myionnet na quinta-feira para conferir com eles, e, no dia seguinte, sexta-feira, sem mais
demora, escrevi-lhe de novo uma interminável epístola. Após essas longas cartas, fico cada vez um pouco
doente, porque elas excedem minhas forças e me mantêm demasiado tempo ocupado. Não deixo de
escrever-lhe por isso porque, fraco quase tanto como você, não resisto ao pensamento de que você está
inquieto e atormentado. Não se queixe mais, meu caro filho, você não tem motivo algum de fazê-lo, amoo tão ternamente como você pode desejar e o exprimo talvez mais forte que as circunstâncias o pediriam.
Não há somente em mim, na situação em que estamos, o amigo que o afeiçoa, como você bem sabe, há
também o homem que se associou com o Sr. Myionnet, para viver em comum e fazer o bem de acordo
com ele. Ora, esse homem, no caso presente, tinha que respeitar sua independência, abster-se de todo
conselho, e deixá-lo tomar sua decisão com toda liberdade. Desempenhou o menos mal possível seu
papel, mas, por pouco que você tenha observado, o amigo, o irmão, o pai se mostravam em toda a parte;
deteste, se quiser, o homem da rua do Regard, mas ame, pois a isso ele tem direito, o velho e fiel amigo.
154
O Sr. Myionnet partirá para estar com o Sr. Maignen em Chartre, seja na segunda-feira 21, seja na terça-feira 22.
Daí, os dois irmãos se dirigirão para a Grande Trappe (na Normandia), onde farão um retiro de oito dias (cf. RSV,
Documentation, CM, 15,494).
182
Adeus, caro filho, você entende quanto me custa ficar sozinho nesta casa e não ir abraçá-lo com
o irmão Myionnet; estarei com vocês dois constantemente; você, para quem será a consolação, faça-me
uma pequena parte em sua terna lembrança, reze por mim sobretudo; ao rezarmos, nos lembramos, e,
para que sejam mais duradouras, confiamos a Deus nossas lembranças. Diga também algumas coisas
suaves para mim a Nossa Senhora de Chartres; muitas vezes desejei ir invocá-la nesse lugar abençoado;
irei talvez antes de ir ao templo mais magnífico ainda onde os que a amam aqui na Terra devem, um
dia, amá-la ainda e sempre.
Seu velho amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
P.S. Tinha ido encontrar ultimamente o Sr. padre Ozanam155, agora Diretor do Moyen Collège
em Stanislas, para recomendar-lhe seu irmão; ele acaba de me escrever que espera fazê-lo entrar no
estabelecimento (não sei a que título) e me pede para enviar-lhe seu irmão amanhã. Não posso parecer
ostensivamente aqui, vou ver se o Sr. Richardière pode assumir a tarefa. Adeus amigo.
Que esse magnífico título de Vice-Diretor não lhe perturbe o espírito. É uma arrumação
carinhosa que o Sr. Myionnet se compromete em ajeitar com o Sr. Bourlez e que não diminui em nada o
mérito de sua dedicação, assim como lhe fará entender o Sr. Myionnet.
166- aos Srs. Maignen e Myionnet156
O Sr. Le Prevost espera que seu retiro espiritual os fará crescer no espírito religioso. Conseqüências da
demissão do Sr. Maignen de seu emprego no Ministério da Guerra.
Paris, 25 de setembro de 1846
Caros amigos,
Alegro-me muito com este pensamento que, na hora em que estou escrevendo-lhes, vocês estão
num lugar santo onde tudo edifica, leva ao recolhimento e traz de volta o coração e o espírito para seu
fim divino. Nosso irmão Myionnet encontrará um pouco desse doce descanso de que estava tão
sedento, e o outro jovem irmão, um pouco dessa calma salutar que emoções vivas demais lhe tornaram
tão necessária. Possam, caríssimos irmãos, mergulhando-se bem profundamente em Deus, saborear o
alívio e a paz de que precisam igualmente. Ouso esperar que, comunicando-lhes em abundância todos
os dons que Ele reserva ao retiro, Ele se dignará guardar uma pequena porção para o irmão que vocês
deixaram para trás; na sua volta, vocês espalharão ao seu redor o perfume de santidade que se respira
onde estão, e me transmitirão o que tiverem recebido; moderarão nossos costumes por demais
exteriores e mutáveis pelas voltas ao interior de si e pela santa presença de nosso Deus. Enfim, caros
irmãos, trarão para vocês e para mim os grandes princípios, as santas tradições da vida religiosa, o
espírito, numa palavra, que nos separará do mundo e nos fundará no estado tão elevado a que ousamos
aspirar.
Esforço-me, de meu lado, por me recolher, tanto quanto me permitem minhas ocupações, e
medito da melhor forma possível as obrigações de nossa nova condição. Acompanho com vivo interesse
o retiro do Pe. Bourdaloue, que o próprio irmão Myionnet leu e estudou; procurarei, com a ajuda do
Senhor, tirar dele algum fruto.
Nada aconteceu que mereça sua atenção na sede de nossa pequena Comunidade.
O Sr. Nimier esteve ontem no depósito da Guerra com a chave do irmão Maignen e a pequena
carta para o Sr. de Glaizal. Este declarou que não precisava de peça alguma, que o escritório tinha todas
aquelas que lhe eram necessárias e que, o Sr. Frosté tendo vindo para dirigir o trabalho, a presença do
Sr. Maignen no Ministério não seria necessária, como tinha-se presumido de início. O General Pelet, ao
qual acreditou-se ser necessário pedir licença para tirar os poucos papéis que podiam pertencer ao nosso
caro irmão, respondeu que não ia opor-se a isso, mas que julgava conveniente que o Sr. Maignen lhe
dirigisse o pedido diretamente. Uma carta redigida por ordem do General, no primeiro momento que
seguiu a demissão definitiva de nosso caro irmão, e que havia ficado nos escritórios, por falta de
indicação para fazê-la chegar, foi entregue ao Sr. Nimier. Não a junto aqui, por causa de sua forma
155
Ch.Alphonse Ozanam, (1804-1888), irmão mais velho de Frédéric; doutor em medicina e ordenado padre em
1831 (como seu outro irmão Charles). Desde a volta às aulas de 1846, era prefeito do colégio médio em Stanislas.
Será em seguida vigário em St Merry e em St Germain-des-Prés.
156
Endereçada a: M. Clément Myionnet, à la Trappe, près Mortagne (Orne).
183
administrativa que lhe torna o volume um pouco pesado demais, mas será fácil ao nosso amigo entenderlhe o sentido, por algumas palavras que enunciarei aqui. A carta é bastante rude, como era de se prever.
O General se mostra sobretudo chateado pela brusca saída do Sr. Maignen, e mais aborrecido ainda pelo
fato de ele ter apresentado um tão vivo desejo de um emprego que tinha resolvido há muito tempo
deixar; ele pergunta para que, então, tantas providências e instâncias, já que o resultado devia durar tão
pouco. Vê nisso uma espécie de deslealdade e convida seu empregado a reaparecer o quanto antes em
seus escritórios, se quiser provar-lhe que não se esqueceu dos sentimentos de honra e de probidade. Esta
última palavra, de um exagero evidente, fez sorrir um pouco o pessoal do escritório, disseram ao Sr.
Nimier. De resto, o General, ao qualificar de louco nosso jovem irmão, não tinha parecido descontente
com a primeira parte de sua carta, mas mostrou irritação diante desta palavra: determinação há muito
tempo tomada, e é sob essa inspiração que foi ditada sua carta. Seria fácil fazer notar ao General que a
saída do Sr. Maignen foi brusca, porque não podia, em nenhum caso, ser de outro jeito. Na sua idade,
não se combina friamente uma separação de todos aqueles que são amados, um corte de todos os seus
laços de coração. Num momento em que se sente forte, deixa-se tudo, sabendo bem que no momento
seguinte não se teria mais o impulso suficiente. Da determinação intimamente tomada no pensamento de
nosso amigo, não decorria também que ele devesse permanecer constantemente numa posição precária e
cheia de incerteza. Há três anos, estava decidido a dar-se a Deus, sem que as circunstâncias lhe tivessem
permitido seguir sua vocação; mais três anos podiam se passar na mesma espera; precisava, então, ficar
inativo, sem fazer nada para assegurar sua subsistência e para seguir sua carreira? Enfim, não poderia
haver improbidade nem falta de honra em deixar um dever para um outro que se julga mais imperioso,
quando, por outro lado, não se compromete nem a existência nem os interesses de quem quer que seja.
Nosso caro irmão julgará talvez conveniente responder um pouco neste sentido ao General, com toda a
deferência e toda a moderação que suas obrigações para com seu chefe lhe impõem, mas mostrando
também a calma e a segurança que convêm a seus sentimentos. Saberá, melhor do que qualquer outro,
aliás, com que termos deve responder, já que ninguém conhece tão bem a natureza de seus
relacionamentos com seu chefe e a linguagem que pode usar com ele. Uma coisa que é essencial para o
nosso caro irmão saber é que, a pedido de sua mãe, sua substituição foi até agora suspensa e que estaria
provavelmente ainda livre, nesta hora, para retomar seu emprego. Nada me motiva a crer que isso possa
acontecer, mas se, contra minha expectativa, o sério exame que vai fazer de si mesmo diante de Deus,
durante seu retiro, mudasse sua resolução, teria como entrar novamente na sua primeira condição.
Eu hesitava em jogar esses pensamentos humanos no meio do recolhimento que vocês
estabelecem em suas almas, caros amigos, mas alguns dos fatos aqui relatados, o último em particular,
devem talvez entrar no balanço dos sentimentos de nosso jovem irmão. O irmão Myionnet, a quem
endereço esta carta, julgará se deve ser lida integral ou parcialmente só ao irmão Maignen durante os
dias do retiro. Um adiamento até o seu encerramento só teria, creio, um pequeno inconveniente, sendo
que o General sairá amanhã para a Itália, para onde lhe enviarão sua correspondência, sem dúvida,
somente em certos intervalos. Será bom que nosso jovem irmão não descuide da recuperação dos
poucos papéis que lhe pertencem. Todos os seus antigos companheiros de escritório o asseguram de
suas amizades.
Espero que o irmão Myionnet, que não me escreveu, me dirigirá uma carta depois do retiro.
Recomendo-me bem instantemente às suas orações e às de meu caro jovem amigo. Manter-me-ei tão
perto deles quanto me for possível nos divinos Corações de J. e M.
Abraço-os bem ternamente, a ambos, caríssimos amigos, e sou
Seu afeiçoado irmão em N.S.
Le Prevost
167- ao Sr. Levassor
Agradecimentos pela hospitalidade dada ao jovem Maignen. Incerteza a respeito do futuro alojamento da
pequena Comunidade que está na “mão de Deus”.
Paris, 8 de outubro de 1846
Meu caríssimo irmão,
Como agradecer-lhe bastante pelo amável acolhimento que nosso jovem irmão recebeu em sua
casa? Se você tivesse estado presente, nada melhor; como sei até que ponto você é dedicado a seus
amigos e a seu indigno irmão em particular, não teria achado nada que não fosse de se esperar em sua
generosa hospitalidade. Mas, que em sua ausência o excelente Sr. Mayer tenha podido presumir
184
bastante de sua bondade para receber nosso amigo, tratá-lo como a um irmão e fazer-se seu substituto
junto a ele, aí está o que me encanta, caro amigo, e aumenta, se é possível, minha terna afeição por
você. Uma tal confiança, com efeito, mostra tudo o que há em você de verdadeira caridade, e como os
que o rodeiam sabem apreciá-la. Nosso jovem irmão Maignen, de quem o Sr. Mayer lhe terá dito, acho,
um pouco de bem, está muito comovido, pelos testemunhos de benevolência que recebeu em sua casa e
também da parte de sua família; ele mesmo quer exprimir sua sincera gratidão.
As dificuldades que encontrava a vocação de nosso amigo se aplainaram; sua família, vendo sua
firme determinação, acabou aceitando o fato consumado. Ele já se encontra em pleno exercício de suas
funções na obra do Patronato, onde ajuda o excelente Sr. Myionnet. Espero que o bom Deus, a quem
você rezará por nós, tenho certeza, abençoará nossa pequena família nascente e manterá entre nós a
união e a santa caridade.
Teremos grande alegria, caro irmão, quando você vier aqui, por vê-lo no meio de nós e
tentaremos, à nossa vez, acolhê-lo tão bem quanto pudermos. Até agora, estamos acampados e não
instalados na casa onde nos encontramos: devemos ficar apenas mais dois meses e não ousamos nada
mudar nela. Na hora atual, ainda ignoramos para onde iremos. O patronato não tem local em vista;
teremos um asilo perto da sede da obra, ou nos manteremos separados dela? Não sabemos
absolutamente nada, essa incerteza é singular, mas convém bem às obras que estão na mão de Deus.
Adeus, caríssimo irmão, recomendo nossa pequena Comunidade às suas boas e fervorosas
orações, pedindo-lhe, a título de velho amigo, uma lembrança particular por
Seu irmão devotado em N.S.
Le Prevost
16, rua do Regard
Mil afeições devotadas ao bom Sr. Mayer.
168- ao Sr. Levassor
Providências para um pregador. Traços do caráter do Sr. Le Prevost.
Paris, 30 de outubbro de 1846
Caríssimo amigo e irmão,
Não tinha perdido de vista a interessante missão que você me havia dado e já tinha dado alguns
passos sem resultado. Parece, por outro lado, que o Sr. Dupanloup ainda não está em Paris. Vi hoje os
Padres Jesuítas e pedi-lhes para você o Pe. Lefebvre ou o Pe. Humphry. Nem um nem outro está livre
imediatamente. Mas o Pe. Guidée, Superior, a quem me dirigi, me aconselhou seriamente a indicar-lhe
o Pe. Chervotz da mesma Congregação, o qual acaba de chegar a Chartres para pregar o Advento, e
assegura que você ficaria muito satisfeito com ele. Acrescentou que se, contra sua expectativa, esse
Padre não pudesse pregar para você, faria com que respondesse a seu desejo de qualquer outro modo,
se você tivesse a bondade de me avisar imediatamente.
Tenha certeza, caro amigo, de que não demorarei em ocupar-me desse assunto, feliz demais
por colaborar nos trabalhos de nossos Confrades de Chartres e nos seus em particular que me
interessam, você sabe, no mais alto grau.
Nossa pequena Comunidade lhe oferece suas boas e ternas lembranças, assim como ao caro
irmão Mayer. Assegure-o bem especialmente de minha terna caridade e diga-lhe que aprecio seu zelo,
sua dedicação e suas excelentes qualidades. Espero que, conhecendo-me melhor, me amará sem ter
medo de mim. Minha fleuma normanda contrasta um pouco com a expansão meridional, mas a divina
caridade do Senhor confunde todos esses pequenos matizes, reunindo-nos em um mesmo coração e
num mesmo espírito.
Reze por nós, amigos muito queridos, e acreditem que aqui nossos votos os mais sinceros se
oferecerão também a Deus por vocês.
Seu devotado irmão e amigo em N.S.
Le Prevost
185
169- ao Sr. Demuison
Apelo para que venha ajudar o coral da Santa Família.
Paris, 19 de dezembro de 1846
Meu muito querido Confrade,
Queria ir vê-lo hoje, para pedir-lhe um pouco de ajuda em favor de nossa música da Santa
Família, que está bem enfraquecida neste momento e que, para o dia de Natal sobretudo, tem
necessidade absoluta de ser reconfortada. Estamos, em particular, muito desprovidos de vozes de
soprano e de tenor. O que eu esperaria, caro Confrade, de sua caridade já tão bem conhecida por
experiência, seria o Sr. mesmo vir, se é possível, quarta-feira próxima, às 7 horas e trinta ou às 7 horas
e quarenta e cinco, na rua do Regard, 16, para um pequeno ensaio de nossos cantos, e levar consigo ou
convocar as vozes de crianças ou outras de que você pode dispor.
A missa do dia de Natal será dita às 9 horas da manhã, no local habitual.
Sei como você está feliz, caro Confrade, em colaborar com tudo o que interessa à glória de Deus
e à consolação dos pobres. Abandono-me, portanto, à sua boa vontade sem insistir mais, bem certo de
que tudo o que puder fazer por nós será generosamente concedido.
Acredite, caro Confrade, em todos os meus sentimentos os mais devotados.
Le Prevost
170- ao Sr. Levassor
Providências em favor de um jovem protegido do Sr. Levassor.
Paris, 21 de janeiro de 1847
Meu caríssimo amigo,
Acolhi da melhor forma possível para mim o Sr. Dujouquoy e seu filho, seu caro aluno. Tomei
imediatamente com meus dois bons irmãos todas as providências possíveis para colocar o menino e
tranqüilizar o bom pai, que estava triste, por não ter êxito desde o primeiro momento. A Sociedade de
São Francisco Xavier, com efeito, à qual nos dirigimos em primeiro lugar, e vários mestres aos quais
temos oferecido nosso jovem não puderam conceder-nos um lugar que lhe convenha. Ele é bastante
difícil de se empregar, porque seu pai quereria que pudesse ganhar, além de sua alimentação e de seu
alojamento, o necessário para prover à sua manutenção.
Como o assunto parecia exigir alguns dias de buscas, ofereci ao Sr. Dujouquoy dar a seu filho
um asilo momentâneo em nossa casa; mas o menino pareceu tão alvoroçado com esse pensamento de
ficar desocupado e com saudade no isolamento durante esses poucos dias, que o pai se decide a levá-lo
de volta para Chartres, até que possamos indicar-lhe alguma posição que convenha a seu filho.
Se for impossível achar sua manutenção para o primeiro ano, você não poderá, em Chartres,
ajudá-lo um pouco?
Adeus, caro amigo, escrevo-lhe, como está vendo, com muita pressa. É que o Sr. Dujouquoy
quer partir ao meio-dia.
Adeus, abrace por nós todos o bom Sr. Mayer.
Seu para a vida em N.S.
Le Prevost
186
171- ao Sr. Levassor
Providências infrutíferas para colocar o jovem protegido de seu amigo. Encorajamentos a implantar as
obras em Chartres.
Paris, 7 de fevereiro de 1847
Caríssimo amigo,
A carta aqui anexa lhe prestará conta das providências múltiplas que fizemos constantemente,
os três, para colocar seu caro menino. Vi, da minha parte, e conversei com todos aqueles que eu
acreditava aptos a ajudar-nos para esse fim, mas me respondem que neste tempo de estação morta, as
chances são poucas de ter êxito, que é, unicamente, pelo fim de março que a chapelaria retoma sua
atividade para os fornecimentos de verão. O Sr. Ledreuille nos prometeu em último lugar pôr todos os
seus comissários a agir, a fim de descobrir algo. Se conseguirem e a condição convier às suas intenções,
tenha toda a certeza, caro irmão, de que o informaremos sem demora alguma.
Andamos sempre com calma aqui e espero que a graça do Senhor esteja conosco.
muitas vezes, caríssimo amigo, para que Ele se digne abençoar nossos humildes trabalhos e
sempre de seu divino Espírito. Somos unidos de coração a todos os seus esforços, e
ardentemente que, com a ajuda de nosso caro irmão Mayer, você consiga implantar, na
Notre-Dame de Chartres, algumas boas e piedosas instituições.
Reze a Ele
nos encher
desejamos
sombra de
Abraço-o, caro amigo, assim como o caro irmão Mayer, e sou com você em N.S.
Le Prevost
172- ao Sr. Baudon157
Relatório sobre as atividades da Conferência São Sulpício.
Paris, 19 de fevereiro de 1847
Meu caríssimo Confrade,
Mando-lhe as anotações que você me pediu sobre os trabalhos de nossa Conferência. Se elas
não incluíssem todas as informações que lhe seriam necessárias, apressar-me-ei em comunicá-las, logo
que tiver a bondade de me pôr a par.
Receba, caro Confrade, a nova expressão de todos os meus sentimentos afetuosos e devotados.
Le Prevost
173- ao Sr. Levassor
Colocação de um jovem aprendiz: dificuldades por causa do trabalho aos domingos. O Sr.Le Prevost e
seus irmãos não poupam seu trabalho para tomar as providências pedidas.
Paris, 27 de março de 1847
Meu caríssimo irmão,
Tenho enfim a esperança alicerçada de colocar seu protegido e, se ele puder chegar logo aqui,
acredito que achará onde se empregar. As coisas não são favoráveis aqui para aqueles que, como o
jovem Dujouquoy, foram criados cristãmente e desejam cumprir seus primeiros deveres. Em toda a
parte, a simples condição de ter uma meia-hora no domingo cedo para ir à Santa Missa era uma
157
Adolphe Baudon (1819-1888), Vice-Presidente, em seguida 3o Presidente Geral das Conferências, em 14 de
fevereiro de 1848, em substituição de Jules Gossin. Ficará na frente da Sociedade até em 1886. Um mal-entendido
surgirá entre ele e a Congregação dos Irmãos de São Vicente de Paulo, a respeito das Obras de Nazareth e de
Grenelle. No dia 19 de fevereiro de 1861, uma missa celebrada ao pé do relicário de São Vicente de Paulo pelo Sr.
LP., ordenado padre em 1860, assim como um encontro na casa do próprio Sr. Baudon, contribuirão, “num espírito
de conciliação e de caridade” a resolver a crise.
187
dificuldade grave, porque todos os chapeleiros têm o costume de abrir suas lojas desde às 6 horas da
manhã e de vender até as 6 horas da noite.
Conseguimos, enfim, obter essa preciosa meia-hora, mas nada mais. É uma coisa grave, sem
dúvida, que você terá, caro amigo, de examinar.
Você achou, sem dúvida, que tardávamos muito para indicar-lhe os meios de colocar seu caro
menino, mas asseguro-o, caro irmão, de que nossas buscas e providências foram ativas e incessantes,
que todos os três estávamos à procura das ocasiões, e que eu mesmo percorri todas as lojas em que eu
podia esperar encontrar um lugar. Temos demais a peito, caro amigo, testemunhar-lhe nossa boa
vontade para descuidarmos de nada, e você sabe demais também minha terna simpatia por suas obras
para ter podido duvidar disso.
Faça nossos bem afetuosos cumprimentos a seu bom pequeno irmão Mayer e acredite, você
mesmo, caro amigo, em nosso cordial devotamento.
Seu afeiçoado irmão em N.S.
Le Prevost
174- ao Sr. Decaux158
O espírito de São Vicente de Paulo leva as diferentes Obras a se ajudar entre si.
Paris, 29 de março de 1847
Meu caríssimo Confrade,
A doação de 150f, que a Conferência Saint Stanislas teve a bondade de fazer à nossa Santa Família, foi
acolhida por nós com uma viva gratidão e como socorro muito útil para o alívio de nossos encargos, e,
sobretudo, como testemunho de interesse e de fraternidade benevolente da parte de nossos caros
amigos. Essa união de nossas Conferências em uma obra comum não é a menor vantagem de nosso
empreendimento nem é também a menos suave de nossas consolações.
Interessa-nos muito vivamente tratar de seus pobres, em toda ocasião, com o mesmo zelo e a mesma
afeição que aqueles de quem nós mesmos somos encarregados, e você, por sua vez, em toda
circunstância, prestou aos nossos esforços seu concurso e sua generosa assistência.
Permita-me notar, caro Confrade, que ninguém entendeu melhor do que você o quanto essa associação
de nossos trabalhos é caridosa, boa e contribuiu mais eficazmente para estabelecê-la.
Tenho por você, caro Confrade, um reconhecimento todo pessoal por isso, e quero, em particular,
conservar sua boa e amável carta como testemunho do excelente espírito que São Vicente de Paulo faz
reinar entre nós.
Queira crer, meu caríssimo Confrade, nos sentimentos de cordial afeição de
Seu todo devotado Confrade
Le Prevost
175- ao Sr. Maignen
O Sr. Le Prevost procura prevenir toda ocasião de melindre. Situação da Congregação nascente.
14 de abril [1847]
Você parecia ontem, à noite, caro amigo, querer dizer-me algo que não me disse; seja confiante, por
favor, e fale comigo com o abandono que tenho direito de esperar de você. Se há algo em minha
conduta que lhe pareça ruim, diga-o para mim com toda a simplicidade. Examinarei diante de Deus o
que pode e deve ser feito e corrigirei, se é o caso, o que pode ser repreensível.
O momento não pode estar longe agora, em que teremos que resolver nossa situação. Preciso
conhecer seu pensamento todo inteiro; escreva-o para mim, se não encontra a inspiração de dizê-lo de
viva voz. Acredite que o levarei em conta seriamente; desejo o bem de nossa pequena obra, não
quereria prejudicar nem entristecer a ninguém, a você sobretudo. Todos os sacrifícios que acreditar
158
Confrade de São Vicente de Paulo, amigo íntimo da Comunidade. Presidente dos Patronatos da Sociedade, Paul
Decaux manterá uma abundante correspondência com o Sr. LP. (cem cartas estão recenseadas nos ASV).
188
possíveis, fá-los-ei pelo interesse comum e pela glória de Deus antes de tudo, já que devemos buscá-la
unicamente.
Reze um pouco antes de me responder.
Seu em N.S.
Le Prevost
175.1- ao Sr. Baudon
Estatísticas da Conferência São Sulpício
Paris, 25 de maio de 1847
Meu caríssimo Confrade,
O secretário da Conferência São Sulpício fará entregar o quanto antes ao Secretariado geral a lista
dos membros admitidos desde a época indicada por você.
A conferência, em 1846, contava com 150 membros, visitava 400 famílias.
Em 1847, conta com 140 membros que visitam 360 famílias.
Tendo o Sr. Desains querido definitivamente resignar-se a aceitar uma vice-presidência, eu ficarei
muito grato a você se tiver a bondade de me escrever uma palavra para que ele seja apresentado,
oficialmente, à conferência com seu novo título.
Acredite, peço-lhe, caro Confrade, em todos os meus sentimentos bem devotados.
Le Prevost
176- ao Sr. Levassor
O jovem Mayer, que ajuda o Sr. Levassor, passou pela Comunidade; sua conduta pouco gentil para com
ela. O Sr. Le Prevost obteve a casa de Grenelle, em vista de oferecer à sua comunidade um porto de paz
e de recolhimento. Verifica-se impossível para o jovem aprendiz Dujouquoy libertar-se no domingo.
Paris, 11 de junho de 1847
Caríssimo irmão,
Não pude responder à sua boa e afetuosa carta por meio do Sr. Mayer, que vimos só um
minutinho. Escrevo-lhe, então, pela via comum e habitual.
Estivemos muito surpresos, todos os três, pelo brusco desaparecimento do Sr. Mayer, e, ainda
nesta hora, estamos a nos perguntar como pudemos atrair sobre nós um tal procedimento. O temos
acolhido cordialmente e com uma sincera benevolência, embora lamentando a resolução que ele parecia
tomar de deixar as obras de caridade. Temos cuidado com uma atenção real de seus interesses e nos
temos oferecido para a busca dos empregos que poderiam convir-lhe. Eu mesmo lhe falei com um
interesse verdadeiro e que era fácil sentir. Como, então, pôde ele agir conosco de um jeito tão pouco
gentil? Foi numa terça-feira que o vimos; depois do almoço, subi um instante a meu quarto para
preparar minha conferência de São Sulpício que se realiza, você sabe, nesse dia. Durante esse momento,
o Sr. Mayer sumiu sem ver-me, sem me deixar o tempo de saber dele onde havia descido e se ele não
podia tomar asilo em nossa casa; não tornamos a vê-lo; retornou para junto de você? Ficou por aqui?
Nós o ignoramos.
Caro amigo, não conservamos mágoa nenhuma contra esse jovem, mas não podemos deixar de
dizer que sua conduta para conosco se pode dificilmente explicar. Por ele, em quem tínhamos acreditado
reconhecer boas qualidades e que, aliás, se tinha mostrado bondoso para com o nosso jovem irmão
Maignen, por você, sobretudo, caro amigo, que nos é tão próximo, tínhamos interesse em tratá-lo
fraternalmente e asseguro que isso estava em nossa intenção, na dos três. Não deixe, caro amigo, de
me escrever algumas palavras para nos explicar o procedimento do Sr. Mayer e nos assegurar, por outro
189
lado, que nada de desagradável lhe aconteceu. Quaisquer que sejam seus motivos, nós o desculpamos
de antemão e conservamos, para com ele, uma plena e verdadeira caridade.
Você não ficará sabendo sem interesse, caro irmão, que, para dar à nossa pequena Comunidade
uma existência mais livre e também um local onde possa estabelecer-se mais comodamente do que na
Casa do Regard, tomamos para nós, em Grenelle, uma pequena casa inteira, em que estamos agora
instalados159. Teremos, assim, um alojamento onde poderemos nos sentir em casa e nos recolher um
pouco. A distância de nossa Casa até a rua do Regard é somente de uns 30 minutos. Podemos, então,
vir às nossas obras todos os dias sem dificuldades. Alternativamente somente, ficamos na residência
para nos recolhermos um pouco e nos afastarmos da atividade excessiva de nossos trabalhos.
Um jovem irmão se apresenta para se juntar a nós. Parece bom e com felizes disposições, mas
ainda não tem 20 anos. Sua família lhe opõe algumas dificuldades; não sei se ele poderá superá-las.
Não cuidei de modo contínuo de achar-lhe um ajudante para suas obras, ignorando se o Sr.
Mayer retornou ou não junto a você e se deve ou não ficar; estarei atento, no entanto, no caso em que
você tiver de substitui-lo.
O jovem Dujouquoy veio me ver domingo pela primeira vez e me prometeu visitar-me de vez em
quando. Infelizmente, ele está retido todo o dia de domingo, fora alguns instantes à noite e um
momento demasiado breve de manhã; é uma deplorável condição de seu estado.
Adeus, caro amigo, escreva-me logo, preciso ficar assegurado de que, no meio dos malentendidos que podem ocorrer entre nós, você conserva fé em nossa velha amizade e conta com meu
terno devotamento, como eu mesmo estou certo do seu.
Seu irmão afeiçoado em N.S.
Le Prevost
Os irmãos Myionnet e Maignen o asseguram de seu respeitoso apego.
176.1- ao Sr. Gossin
Detalhes sobre a toda nova Conferência de Grenelle. A um pedido de admissão, o Sr. Le Prevost junta
um pedido de fundos para ajudar a Conferência nascente.
Paris, 31 de julho de 1847
Senhor Presidente,
O Sr. Marquês de Raincourt, nosso confrade, quis bondosamente me associar às tentativas que
fez para criar, no vilarejo de Grenelle, perto de Paris, uma Conferência de São Vicente de Paulo, e me
deixou o cuidado, ao sair, de fazer conhecer ao Conselho geral o resultado de nossos esforços.
A maior dificuldade a superar aqui, como em muitos outros lugares, era reunir alguns elementos
para a composição da Conferência.
Entre quatro homens, com efeito, que o Sr. Pároco de Grenelle nos havia designado, após longas
buscas, como reunindo as qualidades essenciais, um recusava obstinadamente nos prestar seu concurso,
dois outros pediam um adiamento de vários meses, o último, enfim, partia para uma viagem bastante
longa. Contudo, não perdemos a coragem e conseguimos, à força de visitas e de insistências, congregar
sete membros indígenas. Os Senhores Myionnet, Maignen e eu, que nos implantamos em Grenelle e aqui
voltamos todas as noites, poderemos nos juntar a eles. Temos, além disso, conseguido o concurso dos
Srs. de Verseil e Planchat, membros da Conferência de Vaugirard; enfim, vários confrades de São
Sulpício têm boa vontade também, para os começos, de nos prestar sua caridosa assistência.
Com todos esses meios reunidos, a Conferência nascente de Grenelle contará com 20 ou 22
membros ativos, cuja lista entregarei segunda-feira que vem ao Sr. Secretário do Conselho geral.
159
No mês de abril de 1847, uma piedosa leiga veio fazer uma oferenda ao Sr. LP. Aquela que iam chamar a “Irmã
Geray” colocava à disposição dos irmãos uma casa situada em Grenelle (75, rua du Commerce, XV) em pleno bairro
popular. No dia 1o de maio, tudo está resolvido, para um período de dez anos, a cargo de usá-lo “para a glória de
Deus e o serviço dos pobres”. (JPAC, 1o de maio de 1847). De fato, o Instituto deixará “o pequeno mosteiro de
Grenelle” em abril de 1857.
190
A Conferência já teve várias sessões e se constituiu provisoriamente nas formas que nossos usos
consagraram. Todos os seus membros declararam, aliás, adotar de todo o coração o espírito e as
disposições do regulamento da Sociedade de São Vicente de Paulo.
A única obra de que poderemos cuidar no começo é a visita aos pobres. Vinte e cinco famílias
foram adotadas e já receberam primeiros socorros em pão, carne e roupa. Aliás, o campo não faltará ao
zelo dos associados; a região, que conta com 8000 almas, se compõe quase unicamente de famílias
operárias, todas pobres, todas carregadas de crianças, e, infelizmente, quase todas vivendo também
numa indiferença completa com as coisas da religião, num esquecimento absoluto de seus primeiros
deveres. Uma meia dúzia de homens, algumas mulheres, crianças até a primeira comunhão e alguns
aposentados compõem todo o rebanho do Pároco que, há 7 anos, esgota todos os esforços de seu zelo
para trazer de volta ao redil ao menos algumas ovelhas; suas tentativas foram quase sem fruto. Ele
parece profundamente desanimado.
Nossa presença lhe devolveu certa esperança; acolhidos primeiro por ele com uma extrema
desconfiança, conseguimos enfim nos fazer entender bem e conquistamos sua benevolência e seu apoio.
Tudo nos deixando esperar, Senhor Presidente, que a Conferência de Grenelle se firmará
definitivamente e poderá produzir algum bem nessa infeliz região, vimos solicitar sua admissão na
Família de São Vicente de Paulo.
Pedimos ao mesmo tempo as orações do Conselho geral e as suas, bem particularmente, Senhor
Presidente, para que essa semente deitada numa terra tão árida seja abençoada pelo Senhor e receba o
crescimento.
Já, de nossa parte, adotamos aqui as orações da Sociedade e colocamos em união com ela
nossos votos assim como nossas obras nascentes. Nossa associação, portanto, já começou de fato, só
espera mais, para se realizar inteiramente, um reconhecimento oficial e a sanção de nossos primeiros
atos.
Queira aceitar, Senhor Presidente, os sentimentos respeitosos com os quais sou
Seu muito humilde e muito devotado servo e confrade
Le Prevost
Presidente de São Sulpício
P.S. --- Teria algum escrúpulo em pedir socorros para a Conferência de Grenelle, ao mesmo
tempo em que solicito sua agregação, se o Sr. de Raincourt, adiantando-se, não tivesse já levado o
requerimento ao Conselho de Paris.
Os recursos de que poderemos dispor por enquanto são extremamente restritos e permanecerão
assim até a Conferência, melhor estabelecida e mais conhecida na região, ter criado ali alguns apoios
para si. O concurso momentâneo de nossos Confrades de São Sulpício nos permitiu juntar em nossa
caixa uma importância de 100 e uns f., mas ela já está parcialmente absorvida por nossas despesas que
excedem constantemente as receitas correntes.
Pedimos-lhe, portanto, Senhor Presidente, colocar nosso pedido sob os olhos do Conselho de
Paris e apoiá-lo com seu parecer benevolente.
L.P.
177- aos Srs. Myionnet e Maignen
O Sr. Le Prevost faz um balancete da vida de sua comunidade e procura comunicar aos seus irmãos seu
zelo missionário que decorre de um coração que é um só com Deus.
--- A vida de família e a união fraterna têm de se firmar mais, apoiadas no amor de Deus: ter a coragem
de se amar e de se suportar como Deus nos suporta. Seguir o “passo de Deus, e entrar em seu
compasso, sem pressa nem moleza.”
--- O Sr. Le Prevost aparece como que tomado pelo “espírito do Cenáculo”; o desejo e a esperança são o
sinal e a força de sua missão: não desesperar de seu tempo...
--- “Hino à caridade”: o ardor espiritual que anima o Sr. Le Prevost em seu amor por Deus e seus irmãos:
“é a caridade que nos impulsiona e nos pressiona...”
191
Duclair, 26 de agosto de 1847
Caríssimos e bem-amados irmãos,
Alguns dias já se passaram desde minha saída, e vocês esperam sem dúvida uma carta que me
aproxime alguns momentos de vocês. Eu já a teria escrito, caros amigos, se, desde minha chegada, não
estivesse constantemente sofrendo. Apenas desembarquei, tive acessos de vômito e desde esse
momento fiquei muito enfraquecido. Observo a dieta e permaneço amarrado ao lado do fogo. Sim, do
fogo; choveu constantemente desde minha chegada; a temperatura esfriou tanto que, na beira do rio
onde estamos, sente-se um frescor excessivo e precisa-se, pelo menos quando se fica inativo como eu,
de se esquentar um pouco. Se isso durar assim, minha estada no campo não me será muito proveitosa,
pois, mesmo retomando, como espero, mais forças, não poderei pôr os pés fora. A roça é insuportável
para nós, pobres parisienses, nos dias de chuva. As estradas estão encharcadas e tão enlameadas que
não se tem coragem de entrar nelas. Estou um pouquinho abatido por esses contratempos que me
impedem de fazer festas, como gostaria, aos que me rodeiam e de tomar o descanso de que acreditava
necessitar; mas, no fundo, tomo as coisas como devem ser e acho bom e perfeito tudo o que o Senhor
resolveu.
Muitas vezes por dia, caros amigos, transporto-me para o meio de vocês. Seguindo o menos mal
possível meus exercícios, faço-os em união com vocês. Percorro pelo pensamento nosso pequeno
mosteiro de Grenelle e os acompanho em seus trabalhos costumeiros. Sentindo no fundo do coração
uma suave e pura alegria com todas essas recordações, bendigo a Deus, que já se digna formar em nós
o espírito de família e consolidar no dia-a-dia nossa união. Distante e momentaneamente separado de
vocês, posso melhor avaliar nossa situação; julgo-a boa, providencial e tal como podíamos desejá-la.
Vejo os elementos de um bom futuro, se soubermos acomodar-nos em tudo de nossos pequenos inícios,
temporizar e não exigir de nossas obras, nem de nossa constituição, nem de nós mesmos o que
somente um desenvolvimento sucessivo deverá trazer. Dependeria, sem dúvida, do Senhor que colocou
em nós um germe de vida, fazê-lo crescer e florir de repente, Ele poderia consolidar nossas obras,
aumentar nossas forças, lançar-nos mais sensivelmente na perfeição, mas não lhe apraz proceder assim.
Empregou, desde o começo, seis dias para configurar o mundo e, desde então, só realiza algo, na
maioria das vezes, por um trabalho lento, medido, que avança, mas que a gente não vê andar.
Entremos nesse compasso, caros amigos, sem pressa como sem moleza, seguindo o passo de Deus.
Com Ele, iremos com segurança e atingiremos nosso fim. Não sentem como eu, no coração um certo
poder, um tipo de anseio pelo futuro, um grande desejo, uma grande esperança? Pois bem, o sinal e a
força de nossa missão estão aí. Deus colocou em nós o desejo para que oremos, a esperança para que
ajamos. Oremos com todo o fervor de nossa alma, trabalhemos com uma santa coragem, e caminhemos
com confiança, porque estamos no caminho; cada passo nos conduz ao fim. Não temos desesperado de
nosso tempo, de nosso país, de nossos irmãos, temos pensado que, neste movimento, vago e fraco
ainda, do povo para a fé, havia algum impulso, alguma promessa fecunda. Não seremos iludidos. É a
caridade que suscita tudo ao redor de nós; é ela que desperta as almas, as impulsiona e as unifica. É ela
também que nos leva e nos envolve na sua ação. A caridade não fraqueja e não fica no meio da jornada.
Uma vez acesa, é preciso que se espalhe, brilhe e leve longe seu calor. Tudo também lhe serve de
alimento. Não tenhamos medo, portanto, queridos amigos, não olhemos demais à nossa indignidade,
que nos freia freqüentemente e nos torna tímidos. A caridade, como a chama, consome e purifica; por
ela seremos penetrados, vivificados, por ela seremos transfigurados. Oh! que esse pensamento nos
anime e nos console. É a caridade que nos impulsiona e nos pressiona, somos movidos por ela; por ela
tão ardente, tão poderosa; por ela, que é força, vontade, amor, amor infinito, amor de Deus!
Uma vez ali, como descansamos e como confiamos! Que importam nossa fraqueza e nossa
pobreza? Amor de meu Deus, vós sois rico e forte por nós dois; ó meu Senhor, fazei que vossa santa
vontade seja feita. Nossa alma vos abraça, pois Vós a escolhestes; ela não mais treme, pois vosso
coração está junto ao coração dela. Permaneço neste pensamento que me fortifica, me reanima e me
conserva, caros amigos, tão estreitamente unido a vocês. Rezo todos os dias por vocês, pelas almas dos
pequeninos que vocês estão cultivando, pela santa obra que temos empreendido juntos; e vocês
também oram por mim; Deus nos ouve e nos ama assim.
Adeus, caros amigos, escrevam-me logo, ambos, com simplicidade e abandono, e como conversamos
juntos nos melhores dias; tendo o Senhor nos dado bem definitivamente uns aos outros, não saberíamos
entrar melhor em sua perspectiva a não ser adotando-nos bem ternamente, bem fraternalmente; tenho
certeza de que, se tivermos a coragem de nos amarmos e de nos suportarmos uns aos outros com
caridade, Deus também nos suportará, nos amará, nos confirmará em nossa missão, quaisquer que
192
sejam as qualidades que nos possam faltar por outro lado. Parece-me, caríssimos amigos, que, de minha
parte, chegarei a isso sem dificuldade, procurem fazer também a metade do caminho!
Se tiverem a oportunidade, apresentem-me à lembrança do nosso ótimo Sr. Beaussier e à de todos os
nossos amigos; agradeço ao Sr. Lecoin por sua assistência tão preciosa para mim, assim como ao Sr.
Leleu, Mézière e a todos os nossos zelosos cooperadores, tanto no patronato como na Santa Família.
Digam também duas palavras de lembrança ao Louis que, espero, só lhes dá satisfação.
Seu amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
178- ao Sr. Maignen
Recordação do dia em que o Sr. Maignen, deixando tudo, esteve em Duclair para encontrá-lo: o Sr. Le
Prevost o exorta a renovar diante de Deus a oferta de si mesmo. Com delicadeza e firmeza, conselhos
para que o Sr. Maignen domine os ardores de sua alma e sua viva sensibilidade. O Sr. Le Prevost também
cuidará de controlar todo impulso de afeição demasiadamente natural. Confiança em Deus nos momentos
de desânimo. Saborear o esplendor litúrgico dos Salmos, “a voz do mundo cristão”
Duclair, 3 de setembro de 1847
Escrevi uma primeira vez, caro amigo e irmão, uma carta comum para você e para o Sr. Myionnet. Hoje,
converso em particular com um e outro, propondo-me a substituir assim nossa pequena conversação da
segunda-feira à noite, e provocar também uma carta pessoal de cada um de vocês.
Sentia a necessidade, caro filho, de lhe falar um pouco a sós e de saber, melhor do que me disse sua
carta, em que disposições você está. Não estou acostumado a me corresponder com você de uma
maneira tão vaga e tão exterior. Experimentei um sentimento penoso ao ler sua carta e não pude deixar
de pensar que a minha merecia outra resposta. É verdade, caro amigo, que você estava bem cansado e
que me prometeu indenizar-me logo. Não me queixo, portanto; abafo um primeiro movimento de
tristeza e espero um colóquio mais amável de sua parte.
Reencontrando-me nos lugares onde o vi no ano passado, senti acordarem as impressões que me
emocionaram tão vivamente na mesma época e fiquei sentido por não tê-lo perto de mim para reviver
juntos essas curtas horas de que guardei tão profunda e tão doce lembrança. Esse pensamento não veio
também a você e não refez em espírito essa viagem que tanto influiu sobre sua vida? Comprazo-me em
acreditá-lo, caro amigo, e tenho confiança de que você se encontrou no mesmo sentimento, na mesma
resolução em que estava então. Não há muito tempo, você me dizia: “Longe de lamentar a decisão que
tomei, estaria disposto a tomá-la ainda, se tivesse que fazê-lo, e me confirmo cada dia na convicção de
que estou onde Deus queria que eu estivesse.” Se, como creio, caro amigo, você tem, neste momento, a
mesma inspiração, não deixe passar esse aniversário sem renovar diante de Deus a oferenda que lhe fez
de si mesmo. O ano que acaba de passar não foi sem trabalhos e sem algumas provações, mas não foi
para você sem alegria e sem consolação. Agradeçamos juntos ao Senhor que nos protegeu tão
visivelmente, e bendigamo-Lo sobretudo por nos ter chamado e escolhido para essa numerosa elite de
cristãos que nos cerca, para realizar a obra excelente de que nos encarregou. Uno-me, caro filho, aos
sentimentos de que sei seu coração animado, ofereço a Deus seus esforços, seus trabalhos, suas obras
deste ano e lhe suplico aceitá-los como as primícias da vida de sacrifício e de dedicação que você
abraçou.
Da minha parte também, caríssimo filho, renovo-me nos sentimentos de que estava repleto na mesma
época, no ano passado, abro bem meus dois braços e todo o meu coração para acolhê-lo ainda no meio
de nós e asseguro-o, uma vez mais, de toda a minha ternura de pai, de irmão e de amigo. Vejo o futuro
com confiança, tenho convicção de que tudo o que é bom em nós confirmar-se-á e que o imperfeito irá
atenuando-se; que a esfera cristã em que respiramos irá alargando-se e nossas obras e nós mesmos, ao
mesmo tempo, cresceremos em proporção; tudo é calculado hoje um para o outro, tudo continuará
numa mesma e feliz proporção. Deixemos agir o Senhor cujo sopro nos deu a vida e cujo espírito nos
dará a força e o crescimento. Tenha boa esperança, caro amigo, acredite na sua obra, porque ela é de
Deus. Acredite nos seus amigos, porque Ele sustentará sua fraqueza; acredite em si próprio, porque
você Lhe entregou seu coração. Com exagerada facilidade, na menor provação, no menor fracasso, no
mínimo sinal de desaprovação, surpreendo em você a dúvida a respeito de meus sentimentos, dos seus
e de tudo; afaste essas sugestões desanimadoras, supere impressões que não se podem impedir, mas
cujo controle se consegue com um coração firme e confiante. Pense em tudo o que o bom Deus fez por
nós e diga a si mesmo: se tanto foi concedido aos nossos pequenos começos, o que não nos será dado
no progresso e no desenvolvimento de nossa obra!
193
Fico aqui fiel aos nossos exercícios ordinários e é uma alegria para mim pensar que, do seu lado, você
está unido a mim por essas piedosas e salutares práticas; elas me sustentam na minha mudança de
hábitos e de vida e me religam a você, apesar de nossa separação. O ofício me é particularmente um
grande apoio. Enquanto se permanece na vida ordinária e particular, basta a oração particular e
individual, mas se subir os degraus para entrar numa vida mais alta, onde não se pertence mais a si
mesmo, onde se renuncia à sua existência própria para abraçar a vida universal, o dever muda, assumese a causa de todos, delegados, por assim dizer, pelo mundo, num grau menor que o padre, mas no
mesmo sentido, para adorar e glorificar a Deus. Então os salmos, este canto tão poderoso, tão imenso,
emprestam sua voz para louvar ao Senhor num modo que responda a esta grande missão. Os salmos
são, em relação às outras orações, o que é o órgão em relação aos demais instrumentos, são a voz do
mundo cristão, a homenagem dos fiéis reunidos em assembléia, a oração do religioso e do padre,
enquanto eles são os órgãos da Igreja e do povo. Não é lindo e glorioso para nós, caro amigo, estar
entre aqueles que, todos os dias, têm de fazer subir diante de Deus essa homenagem solene de
adoração e de amor? De onde nos vem essa honra e como a tínhamos merecido? Respondamos ao
menos por nossa gratidão e nossa fidelidade.
Fiz, em união com você, a comemoração do 3 de setembro. Hoje, pedi a missa de meu bom Pároco, que
a disse na intenção de seu pai160. Você sabe, querido amigo, que não perco nenhuma ocasião de
associar-me a seus sentimentos e a suas afeições.
Teria ainda muito para dizer-lhe, pois, você sabe, sinto-me facilmente em efusão com você; mas tenho
que escrever também ao irmão Myionnet, e também algumas linhas para o Sr. Lecoin. Termino, então,
esta carta, de resto já bem comprida. Será preciso dizer-lhe isso, caro filho? Você não o estará vendo?
Se esta carta não é mais afetuosa ainda, é que eu não quis, é que eu desviei a minha pena, quando a
sentia amolecendo e voltar-se para algum sentimento terno demais. Você não cessou, caríssimo amigo,
de ser meu filho bem-amado, escolhido entre todos, unido a mim por ternas simpatias, como por mil
disposições que o Senhor mesmo preparou. Mas, você sabe, na vida comum que temos abraçado, foi
preciso reprimir, senão o sentimento interior, ao menos a expressão sensível demais deste apego do
coração. Muitas vezes sofro por isso, porque é de minha natureza expressar aquilo que sinto; sofro
disso, sobretudo, quando vejo entre nós alguns pequenos mal-estares ou mal-entendidos que um aperto
de mão teria dissipado logo. No entanto, é preciso, é claro, que seja assim. Em tais casos, rezo um
pouco para que meu bom anjo vá dizer-lhe ao coração aquilo que eu mesmo não expresso. Suplico-lhe,
neste instante, caro amigo, velar ternamente sobre você, dirigir suas afeições, suas orações, guardar seu
coração como um tesouro a fim de oferecê-lo bom, puro, amante e generoso ao amor de nosso divino
Senhor.
Ainda não estarei de volta perto de vocês no dia 8 de setembro, não se esqueçam de mim nesse dia e
rezem juntos, o irmão e você, à nossa bem-amada Mãe; somos-lhe, nós e nossas obras, bem
particularmente consagrados.
Retornarei, como lhe havia dito, sexta-feira próxima, dia 10, pelo trem que chega a Paris às 4h.10.
Estarei portanto ali para almoçar com vocês em Grenelle. Se seus trabalhos não o trouxerem, caro filho,
ao bairro São Lázaro pelas 4 horas, não quereria que você fizesse expressamente esse longo percurso;
se você estivesse por ali, ao contrário, sabe muito bem que alegria terei em abraçá-lo; olharei um pouco
à direita e à esquerda antes de subir na carruagem que uso para chegar à barreira da Escola161. Adeus,
amigo, amo-o e o abraço com ternura.
Seu amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
Não confie sem reserva nas manifestações de Madame Lafond; tenho fortes razões para manter muita
distância em relação a ela.
179- ao Sr. Myionnet
O Sr. Le Prevost reconforta o Sr. Myionnet, inquieto pelas dificuldades de sua vida espiritual. É sobre a
consciência que temos de nossa fraqueza que Deus constrói nosso santuário interior. Detalhes materiais
concernentes aos cuidados caseiros em Grenelle.
160
Aniversário da morte do Sr. Maignen pai, em 1843.
Nessa época, Grenelle ainda não estava incluída no recinto dos muros de Paris, o que acontecerá em 1860. O Sr.
LP., por espírito de pobreza, se fazia levar somente até a barreira da Escola Militar (situada no local atual da estátua
de Garibaldi).
161
194
Duclair, 3 de setembro de 1847
Meu caríssimo irmão,
Escrevo-lhe separadamente para conversar um pouco com você, como o fazemos na segundafeira à noite, e escrevo também ao irmão Maignen neste mesmo envelope. Sua carta, meu bom amigo,
causou-me grande prazer. Ela é boa, aberta e confiante e bem me mostra suas excelentes disposições.
Tranqüilizar-me-ia mais, se houvesse necessidade, sobre o estado de nossa obra, do que todos os
raciocínios do mundo, pois onde há bom espírito, retidão de intenção, sincero amor pelo bem, aí está a
graça do Senhor e seu todo-poderoso apoio.
Não se atormente a seu respeito, caro amigo; você sabe que, se não julgamos seguramente a
nós mesmos, enganamo-nos bem menos a respeito dos outros. Ousaria dizer-lhe que minha atenção
fraterna não falta para você e que vejo positivamente suas disposições. Percebo bem, aqui e acolá,
vestígios de má índole, mas o vejo, ao mesmo tempo, combatê-los e reprimi-los. Enquanto assim for, caro
irmão, pode-se ficar em paz; a gente está no bom caminho, e o Senhor está perto de nós. O que o
assusta, o que me perturba às vezes, no meu caso, é que essas lutas contra a natureza rebelde são mais
freqüentes para nós e mais encarnecidas do que em outra época. É que, em vez de avançar, parecemos,
às vezes, recuar, e, como você diz, demolir o que o Senhor edificou. É aparência falsa, estou convencido
disso, caro irmão. Você não valia mais antes, mas você via menos sua miséria. Deus mesmo a continha
em razão de sua fraqueza, e você acreditava que era sua a força dele. Hoje, mais confiante em você, Ele
se retirou, você vê como está e tem medo. Mas sinto, no fundo do coração, que nosso divino Mestre não
nos abandonou, que Ele nos deixa combater e resistir, para que sejamos corajosos e humildes ao mesmo
tempo, mas que Ele luta conosco e nos fará triunfar com Ele. Vamos para frente sempre, não olhemos
demais para os nossos pés. O importante para nós é perseverar e andar, pois, repito, estamos no bom
caminho: se andarmos, chegaremos. Sofro muito, como você, desse despojamento que põe a nu nossas
fraquezas aos nossos olhos, aos olhos dos outros às vezes, mas essa impressão humilhante e penosa é o
sinal da ação salutar do Senhor e deve alegrar um coração dedicado como o seu. Em meus momentos
escolhidos, tomo assim a provação, saboreio sua amargura e limito-me a dizer: “Tudo está bem, meu
Deus, aceito tudo, desde que Vós sejais glorificado”. Depois disso, estou tranqüilo e me sinto consolado.
Esteja nessa disposição, caro amigo, e acredite que, se eu o visse cair, não deixaria de adverti-lo; na
ocasião, faça o mesmo comigo; assim, faremos a guarda um do outro e teremos apoio mútuo.
Voltarei para perto de você, caro amigo, sexta-feira próxima, dia 10, e poderei estar em
Grenelle, espero, para almoçar com você.
Vigie da melhor forma possível nosso pequeno interior doméstico, a fim de que evitemos, se é
possível, as tristes provações que tivemos que aceitar anteriormente. Deixe Louis muito ocupado; é o
melhor meio de evitar a ociosidade e suas funestas conseqüências. Diga-lhe, por favor, que peço
expressamente que ele tenha limpado a fundo, para minha chegada, a oficina que teremos, sem dúvida,
que utilizar para a biblioteca. É preciso também que ele limpe minuciosamente o quarto de dormir, cuja
escada dá para o jardim. Aí está o lugar onde gostaria de colocar o Sr. Gautier, se vier para um retiro
em Grenelle. Aí está, também, o lugar onde iremos alternativamente quando estivermos de retiro, a fim
de nos recolher melhor, estando mais separados dos outros. É necessário que os vidros sejam lavados,
os ladrilhos esfregados, os sanitários bem varridos. Tudo isso com um cuidado perfeito; recomende-lhe
isso expressamente. Enquanto estou falando de cuidados caseiros, acrescento que é preciso cobrir os
doces que ficaram expostos à poeira. Os potes que estão nos dois degraus inferiores da escada devem
ficar à parte; vão conservar-se melhor sendo mais açucarados e melhor cozidos; se o tonel de vinho que
pedi chegasse, deveria ser colocado em nossa adega interior onde poderá entrar.
Lamento absorver o pouco espaço que me sobrava para falar desses detalhes, mas o corpo quer
também seu espaço sobre esta terra; é preciso dar-lhe esse espaço, por pequeno que seja.
Adeus, caro amigo. Ficarei feliz por reencontrar-me no meio de vocês; essa pequena ausência
me fez sentir bem em que situação estávamos. Estamos no bom caminho. Meu Pároco me emprestou
aqui as Méditations, de Boissieu, sobre o Evangelho; isso será bom para nós, acho; vamos experimentálo na minha volta. Minha saúde está um pouco menos ruim.
Abraço-o ternamente em N.S.
Seu irmão e amigo
Le Prevost
Afeição a todos os nossos amigos.
195
180- ao Sr. Levassor
O Sr. Le Prevost informa-o de várias diligências pedidas. O mal-entendido com o Sr. Mayer está
esquecido. “As verdadeiras dedicações às Obras de Deus são raras.”
Paris, 11 de outubro de 1847
Caríssimo amigo,
Vi o jovem operário que você me mandou. Dei-lhe todas as indicações que me pareceram
possivelmente úteis a ele, e entreguei-lhe uma carta ao Sr. Ledreuille, a fim de que obtenha, se
possível, trabalhos. Ficou combinado que ele virá me ver logo que tiver encontrado alguns, para que eu
possa fazê-lo admitir na Sociedade de São Francisco Xavier, no bairro onde tiver conseguido sua
residência.
Quanto ao bilhete de 50f contido em sua primeira carta, não tinha sido possível, em primeiro
lugar, descobrir a pessoa designada para o pagamento, mas, numa segunda visita, fomos mais felizes,
sem, todavia, estarmos mais avançados. O Sr. Sellière respondeu, com efeito, que já tinha recebido dois
bilhetes semelhantes a esse com que você foi presenteado, além de uma carta que o avisava para não
pagar na apresentação de nenhum dos três, que, por conseguinte, ele não daria os fundos antes que
uma carta especial o tivesse autorizado a fazê-lo em favor de um dos três pretendentes.
Essa resposta me pareceu tornar bem suspeito o valor de seu título; mesmo assim, mando-o de
volta a você, caro amigo, para que pense em aproveitá-lo o melhor possível.
Procurei por todos os lados um jovem que lhe conviesse para suas obras de Chartres. Não vejo
ninguém até agora; as verdadeiras dedicações são bem raras e as obras de Deus não podem andar sem
essa mola. Tenho, é verdade, um antigo professor que não leciona (sem diploma, com uns cinqüenta
anos, um pouco menos, acho), do qual você poderia tirar proveito, se tivesse alguma outra pessoa com
ele. Ele é bom cristão, de bom comportamento, bem sucedido com as crianças e ensina bem. O Sr.
Pároco de São Sulpício o conhece e se interessa por ele. Veja, caro amigo, o que pensa disso. Quanto ao
jovem da Escola Normal, não pode doar-se nem a você nem a nós, pois tem com a Universidade um
compromisso de 10 anos, que deve necessariamente respeitar.
Confirme ao Sr. Mayer nossa boa e sincera afeição. Nossos pequenos mal-entendidos são tão
pouco consistentes e são, aliás, já tão velhos que, na verdade, não há nada para fazer com eles, a não
ser apagá-los por um bom e cordial aperto de mão; é o que fazemos, contando bem que, na sua próxima
viagem a Paris, nosso jovem Confrade virá nos assegurar de que nos conserva sempre benevolência e
afeição.
Adeus, caríssimo amigo, reze sempre por nós; nosso eremitério de Grenelle nos proporciona um
pouco de recolhimento e de paz, mas nossa vida ainda está tão movimentada, que a oração de nossos
bons amigos nos é bem necessária; rezamos, de nosso lado, por você e pelo sucesso de seus
empreendimentos caritativos. O mundo tem necessidade de tal socorro.
Le Prevost
N.B. --- Não obstante a falta dos fundos a conseguir do bilhete que lhe mando de volta, pagarei
os Annales e sua Revista, se o desejar, claro. Uma palavra em sua resposta sobre esse assunto.
181- ao Sr. Decaux
Agradecimento pela ajuda espiritual e material que a Conferência Stanislas traz à Santa Família.
Paris, 2 de março de 1848
Caríssimo Confrade,
Os acontecimentos162 que nos mantiveram a todos tão ocupados se jogaram na contra-mão de
uma carta que queria escrever para agradecer-lhe, assim como a nossos caros amigos de Stanislas, o
constante interesse que concede à nossa Santa Família. Sua generosa assistência nos é duplamente
preciosa: materialmente, alivia nossos encargos; espiritualmente, nos faz bendizer a Deus, que concede
aos nossos esforços uma tão doce recompensa.
162
A Revolução de 1848 em Paris: a Monarquia de Julho desabou em 24 de fevereiro precedente, dia da abdicação de
Louis-Philippe. A efervescência política e social do momento não interrompe as atividades do Sr. LP. Julgando mais
prudente não deixar sua igreja aberta, o Pároco de São Sulpício pediu à Conferência para achar para si um outro
local. Os Confrades se reúnem portanto no Patronato da rua do Regard, no dia 29 de fevereiro. A seus amigos
agitados ou divididos pelos acontecimentos, o presidente lança um vibrante apelo à união dos corações.
196
Exprima de novo aos nossos queridos Confrades de Stanislas as fraternas simpatias de toda a
nossa Conferência e acredite, você mesmo, no terno apego em N. S. de
Seu bem devotado Confrade e amigo
Le Prevost
P.S. --- Junto uma carta do Sr. Agasse, bem seu conhecido, que recomenda aos seus cuidados
uma família pobre.
182- ao Sr. Levassor
Explicação concernente ao paletó do Sr. Levassor. O Sr. Le Prevost propõe um jovem que parece capaz de
ajudar seu amigo.
Paris, 23 de março de 1848
Meu caríssimo irmão,
Lamento que você não tenha recebido a carta que escrevemos, o Sr. Myionnet e eu, em último
lugar. O Sr. Myionnet lhe dava explicações a respeito de seu paletó, e eu mesmo conversava com você,
na última página da carta, a respeito de nossas obras comuns. É provavelmente por alguma desordem no
serviço do correio que essa carta terá ficado no caminho.
O Sr. Myionnet fez todas as pesquisas imagináveis a respeito de seu paletó. Esteve, várias vezes,
em seu hotel e depois junto ao Sr. Mayer. Este declarou, formalmente e da maneira mais explícita, que
tinha entregue o paletó ao zelador do hotel, e este afirma que não tem outro fora daquele que lhe foi
entregue; é-nos impossível sair dessa confusão e, a não ser por demanda judicial, não se pode conseguir
nada mais.
O Sr. Myionnet transmitiu ao Sr. Mayer a conta que você lhe endereça; ele espera sua resposta
para mandá-la a você.
Até agora, tudo se mantém ao nosso redor, embora um pouco penosamente.
Posso propor-lhe, para ajudá-lo em suas obras, um bom jovem, mais simples, mais reto, mais
seguro do que o Sr. Mayer e a quem você receberia, acho, com toda a satisfação. Pertence a pais
honestos que diversas infelicidades arruinaram; tem mais de 20 anos, com coragem, amor ao trabalho,
alguma educação, maneiras agradáveis e excelentes qualidades de coração e de espírito. Tínhamos
sonhado em tomá-lo conosco, mas vimos algum inconveniente em deixá-lo perto demais de sua família
que, estando às vezes em mal-estar, teria podido tornar-se um peso para nós. Se você pudesse dar-lhe
somente, com o alojamento e a comida, 300f, ele se contentaria com isso e poderia prestar muitos
serviços à sua obra. Precisaria também pagar suas pequenas despesas de viagem, aliás pouco
consideráveis.
Desejaria uma resposta muito rápida sobre esse assunto, caro irmão, estando nosso jovem
disposto, se a carreira das obras de caridade lhe fosse fechada, a tomar imediatamente algum
compromisso que não o deixaria mais livre para dispor de si. Ele o lamenta, nós mesmos ficaríamos aflitos
por isso; veja o que o bom Deus o aconselhará sobre esse ponto e responda-me depressa, se é possível.
Seu bem afeiçoado irmão em N. S.
Le Prevost
Meus caros irmãos o saúdam em N.S.
183- ao Sr. Decaux
Convite para o retiro da Santa Família.
Paris, 3 de agosto de 1848
Meu caríssimo Confrade,
197
O retiro de nossa Santa Família começará terça-feira, dia 8, às 7h.30, na igreja dos Carmelitas,
70, rua Vaugirard.
Peço-lhe que avise os membros de sua Conferência, para que possam convocar suas famílias
pobres e virem eles próprios. Conto particularmente, caro Confrade, com sua presença, que não nos
poderia faltar nessa interessante ocasião.
Queira crer em meus costumeiros sentimentos de cordial dedicação em N.S.
Le Prevost
184- aos Srs. Maignen, Myionnet e Paillé163
Tendo ido à Normandia para descansar, o Sr. Le Prevost conversa com seus irmãos sobre sua estada em
família. Considerações que lhe inspira o contraste entre as populações dos campos e as das grandes
cidades. Porque a indústria gerou uma nova miséria. Não se apavorar diante da imensidão do mal. O
remédio: cristianizar o trabalho do operário. O primeiro fundamento da ação apostólica: a oração. “A
oração é a única grande potência do mundo... nossas obras são fúteis brincadeiras de crianças, se a
oração não as reforça e não amplia sua ação”.
Duclair, 26 de agosto de 1848
Junto de Dona Salva
Vocês não invejam minha sorte, pois sua caridosa afeição quis bondosamente conceder-me os
dias de descanso que pareciam ser-me necessários; mas, ao menos, vocês têm as mais agradáveis
idéias sobre meus passeios e lazeres em minha linda região da Normandia. Só falta uma coisa para que
suas imaginações sejam verdadeiras: um pouco de sol e de bom tempo. Desde a minha chegada aqui,
com efeito, a chuva não cessou de nos inundar; as estradas estão encharcadas, a ponto de não se poder
pôr o pé nelas, e fico enclausurado de manhã até a noite em meu quarto, onde meu único passatempo
campestre é ver, sob a minha janela, correr a água do Sena, que corre, corre sempre e sempre com a
mais imperturbável monotonia.
Não me enfastio, todavia. Ocupo-me sucessivamente dos negócios de minha família e dos estudos
de minhas duas grandes crianças, leio um pouco e rezo no meio de tudo isso. Acompanhei minha
sobrinha a Rouen para seu exame, no qual ela se deu muito bem; creio que, ajudada por sua mãe,
poderá receber algumas jovens pensionistas e dirigi-las bem; ambas são boas, inteligentes e piedosas
sobretudo. Com essas qualidades, se pode exercer uma útil influência na educação das jovens.
Meu sobrinho voltará definitivamente, após as férias, para estudar em Paris e ali se preparar para
os exames de Saint-Cyr. Até agora não tem inclinação má nenhuma; acho, portanto, que, com um pouco
de vigilância, se poderá mantê-lo no bom caminho.
Deixo-me ir a esses pormenores, caros amigos, sem constrangimento e com toda a simplicidade,
sabendo bem que nossa cara Comunidade adota de coração os deveres e as afeições de cada um de seus
membros, cuidando somente de tudo elevar a Deus e nele purificar.
Não acharia, de resto, muitas inspirações no que me cerca para entretê-los com assuntos de
interesse mais geral. As localidades do interior, pelo menos as pequenas como esta em que me encontro,
não fornecem, como Paris e as grandes cidades, ocasiões contínuas de boas obras. Quase não há pobres
aqui, exceto alguns idosos a quem a assistência de todos alimenta; são tão pouco infelizes, aliás, que não
querem mudar sua condição; tentou-se criar um pequeno albergue, mas, fora de duas ou três senhoras
idosas, totalmente impotentes e de mente enfraquecida, não se pôde atrair ninguém. A miséria só existe
realmente onde floresce a indústria, não porque o trabalho do homem seja amaldiçoado nesta forma mais
do que em outra, mas porque o operário está colocado em condições que o fazem esquecer-se de Deus e
163
Esta carta foi escrita após os dias de junho 1848. As reflexões que contém são evidentemente inspiradas ao Sr. LP.
pela Revolução sangrenta dos dias de junho, dos quais acabava de ser testemunha em Paris ( a insurreição fez
milhares de vítimas, entre as quais o arcebispo de Paris, Dom Affre). O Sr. LP. fez arranjar a casa do Regard em
ambulância de uns trinta leitos. Mas nenhum ferido foi levado para lá. Autorizou seus irmãos a chegar ao Hotel-Dieu,
onde, durante dois dias, cuidaram dos feridos, consolando-os, assistindo-os (cf. narração do Sr. Maignen, in Légendes
de l’Atelier).
198
porque não se volta a Ele pela oração; porque não está mais na presença dos grandes aspectos da
natureza, porque sua obra lhe é exclusivamente própria e não é, como nos trabalhos dos campos, feita
em associação com o Criador; porque, enfim, o preço de seu labor não é a messe, a vindima, todos os
admiráveis frutos da terra, mas o dinheiro que só representa para ele um meio de troca ou a satisfação
das necessidades materiais. Parece que falta à glória do cristianismo ter espiritualizado e enobrecido a
indústria moderna, como vivificou e elevou o trabalho em todos os tempos. Seria a indústria, tal como é
hoje constituída, produto de uma concorrência ciumenta, das pretensões egoístas de uns, das exigências
injustas dos outros, da cupidez de todos, radicalmente perversa e rebelde a toda emenda? Não sei, mas
vendo a imensidão do mal, apavoramo-nos e somos tentados a julgá-lo sem remédio. Continuaremos, no
entanto, caríssimos amigos, trabalhando nesta tarefa por meio de nossas pequeninas obras e na medida
de nossas forças. Apadrinharemos nossos aprendizes, moralizaremos alguns pobres operários, sem nos
surpreender com as dificuldades, sem nos desencorajar por nossos parcos resultados. Todo labor tem seu
fruto e seu mérito diante de Deus; se nossas obras não são como os rios grandes que regam as
províncias, serão como o riacho que banha as planícies, fecunda um campo e faz desabrochar algumas
flores. Possam essas flores de virtude e de dedicação abrir-se no meio de nós: é o encanto da terra e o
perfume do céu. Acharia, por mim, nossa pequena Comunidade útil e querida aos olhos do Senhor, se
cada um de nós, no seu caminho, fizesse florescer alguma virtude. Agrada-me, pelo pensamento, caros
amigos, notar as que me parecem próprias a cada um de vocês e tenho a doce confiança de que
crescerão dia a dia. Procuro, em meu afastamento, não ficar inteiramente inútil à nossa pequena família
de irmãos: rezo cada dia longamente por nossa obra e por todos vocês, coloco-os nos Corações de Jesus
e de Maria. Experimento sempre, após essas orações, uma doce consolação, chego assim a vocês,
colaboro no bem que fazem e estreito o laço que nos une. Como seremos felizes, caros irmãos, e como
seremos fortes, se nos convencermos bem, um dia, de que a oração é a única grande potência do mundo,
que é a mais nobre e a mais elevada das obras, e que toda ação, todo trabalho é meritório e santo, se a
oração o realça e o santifica. Caros amigos, no dia em que receberem esta pequena carta, rezem um
pouco mais do que de costume, rezem mais ardentemente e com mais ternura; farei também isso, da
minha parte, e esta leve folha sobre a qual escrevo pesará como verdadeiro mérito diante do Senhor.
Rezemos muito, caros amigos, e elevaremos pela oração essas massas corrompidas pelo sopro da
indústria; rezemos ardentemente e aqueceremos esses milhões de almas adormecidas na indiferença e
totalmente absorvidas pelas preocupações da terra. Nossas obras são fúteis brincadeiras de crianças,
sem proporção com sua finalidade, se a oração não as reforçar e não ampliar sua ação. Nossa única força
está aí, com nossa paz também e a única doçura de nossa vida.
Adeus, caríssimos amigos. Saibam que são minha verdadeira família, minha família segundo o
coração e segundo o espírito. Mantenho-me sem cessar unido a vocês e tenho a íntima confiança de que
o bom Deus nos unirá um dia nele por uma inefável e eterna união. Abraço-os a todos, inclusive nosso
caro Adrien que, espero, corresponderá às graças de Deus e tornar-se-á a edificação de nossa pequena
Congregação.
Ofereçam todas as minhas lembranças afetuosas aos nossos amigos e agradeçam-lhes em meu
nome a sobrecarga de cuidados que eles têm de assumir em minha ausência. Lembrança também aos
bons Féline. Escrevam-me logo. Estou mais ou menos.
Seu irmão em J. e M.
Le Prevost
P.S. --- Peço ao meu caríssimo irmão Maignen para ir ter com Dona Rullier, 24, rua Cassette, para
assegurá-la de minha lembrança respeitosa; vi Dona de la Bouillerie, prestarei conta à Dona Rullier de
minha visita na minha chegada.
185- aos Srs. Maignen, Myionnet e Paillé
O irmão Maignen deve descansar. Que venha sem demorar a Duclair. Exortações à união e à caridade
fraterna.
Duclair, sábado, 2 de setembro de 1848
Meus bem-amados irmãos,
199
Estou profundamente comovido pela terna afeição que vocês três me testemunham. O
pensamento que tiveram em me escrever, cada um por sua vez, uma pequena carta é muito amável e
me causou uma verdadeira satisfação; cada um, com efeito, pôs um pouco de si nesta breve
comunicação e assim se tornou presente ao irmão que está longe de seus amigos.
Agradeço ternamente ao irmão Paillé todas as palavras animadoras que me diz sobre a Santa
Família, e estou certo de que se deve atribuir o sucesso da reunião aos seus cuidados caritativos e
previdentes.
O que você me diz, caro irmão Myionnet, do cansaço de nosso irmão Maignen já me havia
chamado a atenção; suas observações me confirmam no pensamento de que um pouco de descanso e de
distração lhe é necessário. Por isso, após ter refletido, decido-me a fazê-lo vir aqui para passar comigo na
Normandia a semana próxima. Se, por uma reserva louvável e pelo medo de usufruir um descanso que
vocês não partilham, ele apresentasse alguma dificuldade, diga-lhe que assim resolvi para o interesse
comum e que é preciso conformar-se com essa decisão. Acabo de reservar-lhe um pequeno quarto perto
de mim, não podendo hospedá-lo na casa de minha irmã. Organizarei as coisas com bastante economia,
para que sua estada aqui não custe muito mais caro do que se ficasse em Paris.
O estado de seu guarda-roupa, um pouco abandonado neste momento, poderia trazer-lhe
dificuldade, mas aqui, como sempre, a Comunidade nos tirará do embaraço. Há, na minha cômoda, em
Paris, uma malha de seda preta ainda bastante conservada; que ele a tome. O irmão Paillé pode
emprestar-lhe uma sobrecasaca ou sua casaca de verão. Arrumem-se juntos, enfim, para o melhor:
vocês são irmãos, nenhum de vocês tem algo seu. Se o irmão Maignen se acomodasse com a casaca de
verão, que cuide, porém, de pegar sua sobrecasaca; as manhãs e as noites são muito frias aqui; ele não
estaria bastante protegido com uma vestimenta de verão. De resto, desde que esteja limpo, grosso
modo, basta; ele estará na zona rural e em família. Para sua viagem, 25f. serão o suficiente. O irmão
Myionnet lhe dará essa importância.
Peço ao Sr. Maignen para apressar-se, pois gostaria de não continuar mais de uma semana aqui.
Vocês receberão esta carta amanhã, domingo; nada impede que nosso caro irmão parta depois de
amanhã, segunda-feira; uma ausência tão breve não requer nem preparativos nem grandes organizações;
é, aliás, acostumar-se a tudo deixar na hora, quando as circunstâncias o exigem, e adquirir um bom
hábito para o futuro.
Ele pode, como fiz, partir pelo comboio das 10 horas. Ocupará seu lugar até Barentin. Ali, uma
carruagem, tipo ônibus, tomá-lo-á logo e o conduzirá a Duclair, onde estará antes das 4 horas. Desejo
que parta segunda-feira, se não houver obstáculo absoluto. Esperá-lo-ei na chegada da carruagem.
Quereria, caros irmãos, conversar um pouco à vontade com vocês, mas estou com um pouco de
pressa e também um pouco doente. O ar mais vivo desta região me afeta e me causa essas inflamações
de que muitas vezes falamos em Grenelle e que durarão tanto como eu; portanto, é inútil insistir. O
assunto voltará à tona muitas outras vezes.
Responderei particularmente às suas pequenas epístolas no decorrer da semana e lhes
anunciarei ao mesmo tempo o dia preciso de nossa volta. Enquanto isso, rezo com toda a minha alma
por vocês. Todos os dias, fico das 7 até as 8h30 na presença de Deus na igreja. Sua lembrança,
caríssimos irmãos, não me deixa um instante. Amem muito o bom Deus, nosso Pai, nosso Amigo; amemse muito uns aos outros, sejam irmãos em J.C., como o divino Senhor era o irmão de São João, o
apóstolo bem-amado. É isso que peço todos os dias, é isso que obteremos do Coração tão terno de
nosso Deus. Recomendo vocês todos à caridade dele e à de Maria, nossa Mãe, ao bom São Vicente,
nosso Padroeiro e protetor, e aos seus santos anjos da guarda. Abraço-os a todos afetuosamente, em
particular nosso caro Adrien, com quem estou contente; auguro bem de seu futuro. Que ele reze um
pouco por mim. Lembrança de terno respeito ao Sr. Beaussier, boa amizade aos nossos Féline.
Lembrança ao Sr. Pároco de Grenelle, se der, e afeição a todos os nossos amigos. Escreverei
algumas palavras ao irmão Lecoin.
[Le Prevost]
186- aos Srs. Myionnet ou Paillé
Desapegar-se das belezas deste mundo. Rever com alegria “nossa pobre casinha de Grenelle”. O Sr. Le
Prevost exalta a tarefa e a missão dos Irmãos de São Vicente de Paulo.
Duclair, 7 de setembro de 1848
Caríssimo irmão,
200
Disse-lhe que lhe escreveria algumas palavras antes de minha volta, para indicar-lhe mais
precisamente o dia de nossa chegada. Partiremos daqui terça-feira pela manhã e estaremos a tempo em
Paris, para almoçar com vocês.
Achei, como me tinha dito, nosso irmão Maignen muito cansado; ele anda com dificuldade.
Embora sofrendo eu mesmo, e bem esgotado, estou ainda mais forte do que ele. O ar puro desta região
lhe faz grande bem e, sobretudo, a beleza de nossas florestas, de nossos vales o encanta e o descansa,
mas será preciso logo deixar tudo isso. A nós, servos de Deus, não nos é dado tomar posse das coisas e
gozar delas como de um bem próprio; nós as tomamos às pressas e num piscar de olhos, como viajantes
que contemplam um momento ricas propriedades ou lindas paisagens e que vão prosseguindo, com
pressa de chegar ao término almejado. Portanto, voltaremos a vocês, caros amigos, não somente sem
pesar, mas com prazer; tornaremos a ver com alegria nossa pobre casinha de Grenelle, cujo aspecto não
é muito campestre, cujos horizontes são bem limitados, mas onde a calma e a paz se encontram no
recolhimento, na oração comunitária e na terna afeição entre os irmãos.
Vocês terão, à sua vez, um pouco de descanso, e, depois, esforçar-nos-emos todos juntos por
desempenhar a tarefa tão linda e tão santificadora que o Divino Mestre nos deu: rezar, edificar nossos
irmãos, assisti-los em suas penas, reerguer seu coração inclinado demais para as coisas de baixo. Qual o
emprego mais nobre da nossa vida? Quando penso nisso, não sei como bendizer ao Senhor que, de
preferência a tantos outros, se digna de admitir-nos para tão grandes serviços. Sejamos dignos de uma
tal escolha, tenhamos uma idéia elevada, não de nós mesmos, mas de nossa missão, e tudo nos
parecerá lindo em nossos queridos exercícios. É com esses pensamentos que me entretenho longe de
vocês; procuro fazer com que até meus dias de descanso ajudem nossa obra e retomo forças para o
corpo, resolução para o coração, a fim de secundar melhor os esforços de sua caridade.
Adeus, caríssimo amigo e irmão; uno-me ternamente a você nos Corações de Jesus e de Maria e
sou para sempre
Seu irmão devotado
Le Prevost
187- ao Sr. Levassor
Falecimento do Sr. Mayer, que tinha prestado seu auxílio ao Sr. Levassor. Criação da casa de retiro de
Nazareth.
Paris, 13 de setembro de 1848
Meu caríssimo irmão,
Ao chegar (ontem à noite) da Normandia, onde tinha ido buscar alguns dias de descanso, acho
sua carta e apresso-me, como você pede, em mandar-lhe de volta sua mala. Ela acaba de ser levada à
carruagem de Chartres, rua dos Deux Ecus. Acho que chegará logo a você. Nossos amigos não a tinham
reenviado a você durante minha ausência, pensando que o Senhor seu irmão ainda não tinha deixado
Paris e que ele próprio poderia levá-la. No momento de ser devolvida pelo pobre Sr. Mayer, não tinham
notado, sinto muito, que ele não havia anexado a chave. Será, portanto, para você, mais um pequeno
aborrecimento que se junta a todos os demais. Você me devia, aliás, somente 13f 50. Terei, portanto, que
dar-lhe conta de 1f 50, tendo mandado nosso porteiro levar a mala sem recorrer a um carregador.
Ignorava o falecimento do coitado do Sr. Mayer. Não sei, sendo otimista, se esse acontecimento é
de se lamentar, pois ele morreu em boas e cristãs disposições. O futuro não teria sido talvez melhor para
ele que o passado, e a exaltação de seu espírito teria sido um perigo contínuo. Bendigo a Deus que o
tratou com sua misericórdia, levando em conta os bons desejos de seu coração em vez das inspirações de
sua cabeça. Passaremos pelo Val-de-Grâce.
Fico feliz ao saber, caro amigo, que, apesar das dificuldades dos tempos, suas obras somente
passaram por sofrimentos, sem serem comprometidas quanto à existência. O precioso apoio que lhe
chega será para você um grande socorro e lhe permitirá realizar seus bons pensamentos de caridade.
Esmorecemos um pouco, nós mesmos, mas também não morremos; tudo o que você conhece de nossos
empreendimentos subsiste e até se ampliou este ano pela criação da casa de retiro de Nazareth, que dá
asilo a 20 dos casais mais idosos da Santa Família. O primeiro número do Bulletin de la Société de Saint
201
Vincent de Paul lhe terá dado sobre essa obra alguns detalhes que o terão talvez interessado. Ela é fácil
de se imitar; acho que isso acontecerá em breve em diversos lugares.
Nossa pequena associação fraterna, pela qual você tem a bondade de se interessar
particularmente, também cresceu um pouco. Somos 4, mais um jovem postulante. Estamos ainda longe
do tempo em que poderemos mandar-lhe alguma colônia para enraizar-se, se der, no seu solo, mas é
preciso que nos modelemos a nós mesmos antes de querer formar os outros. O Senhor digna-se conduzirnos pela mão e mostrar-nos sensivelmente seu apoio; bendiga a Ele conosco, caro irmão, e peça-lhe para
que sejamos dignos de sua bondade paterna.
Maria.
Receba as afeições respeitosas de meus caros irmãos e acredite-me bem unido a você em Jesus e
Le Prevost
188- aos Srs. Myionnet, Maignen e Paillé164
A licença de conservar o Santíssimo Sacramento em Grenelle é concedida165. O Sr. Le Prevost exprime sua
gratidão. Ardor de sua fé e de seu amor por Deus. Hino à Cruz. Recomendações práticas para preparar
dignamente os locais.
Duclair, 4 de setembro de 1849
Caríssimos irmãos,
Sinto-me impulsionado a bendizer ao Senhor com vocês por sua extrema condescendência para
com os seus pobres e indignos servos. Tê-lo-ia feito já ontem se não estivéssemos ausentes o dia todo.
Mas quantas vezes, durante o dia, este doce pensamento me veio e como o meu coração ficava feliz e
reconhecido! Desde as primeiras linhas da carta do Sr. Beaussier, aberta antes das outras, compreendi
e, num movimento irresistível, caí de joelhos, com lágrimas nos olhos e, batendo no peito, como o fazia
desde algum tempo, exclamei: Domine, non sum dignus [Senhor, eu não sou digno]. Rezei depois, com
todo o ardor de minha alma o Te Deum e também o Magnificat, para associar nossa bem-amada Mãe a
esse grande acontecimento que suas ternas instâncias terão certamente preparado. De que precisamos
além disso e o que nos restará a desejar doravante? Deus tanto amou o mundo que lhe deu seu Filho
único166, e quanto a nós também, Ele tanto amou nossa fraqueza e nossa miséria que Ele vai descer
entre nós, em nossa pobre casa, para morar conosco sob o mesmo teto, presidir nossos pequenos
exercícios, aconselhar-nos, nos dirigir em todas as coisas, trabalhar, orar, amar conosco e em nós. É
sobre a terra a felicidade suprema; é o pão dos anjos, não mais dado a cada um de nós em particular,
mas à pequena Comunidade inteira que o bom Mestre adota e assim consagra a si definitivamente. Oh!
mais uma vez, que nos resta a desejar neste mundo? Nada, senão responder a tanta misericórdia e
tanto amor. Está na hora de nos lembrar dessa palavra profunda que citávamos um dia entre nós: Não
há amor sem conformidade, não há conformidade sem cruz. O Bem-Amado, ao entrar sob o nosso teto,
aqui virá com sua cruz: é seu único tesouro, é tudo o que Ele possui e traz a seus hóspedes, é seu livro,
é sua ciência para ensiná-los, é sua força para os aguerrir e os formar; Que Ele seja bem-vindo e sua
cruz com Ele. Sua vinda já se tinha feito pressentir por alguns leves toques e movimentos interiores que
nos levavam a nos humilhar, a reconhecer nosso nada diante dEle, a desejar ou a aceitar, pelo menos,
nossa pequenez e nossa abjeção. Por esses sinais, poderíamos ter adivinhado sua aproximação, se
tivéssemos sido melhor esclarecidos. Agora Ele mesmo cuidará de formar-nos em sua escola.
Preparemos, portanto, nossos corações e os tornemos dóceis, pois a hora de nos tornarmos humildes,
pobres e mortificados, enfim, chegou. Meu Deus, vossos filhos se apressarão ao vosso redor para vos
ouvir e vos contemplar, serão bem fracos e bem inábeis, mas terão a boa vontade, o ardor de aprender
e uma terna confiança em Vós!
164
A tão linda carta do dia 4 de setembro de 1849 é a primeira do ano 1849. Quase um ano de interrupção (356 dias!)
nas cartas encontradas.
165
“Havia então em Paris, na rua Cassette, (no número 32) uma Comunidade de jovens padres, tão eminentes por sua
piedade e seu zelo quanto distintos pelo talento e o nascimento: os Srs. padres de Ségur, de Conny, Gay, Gibert, Le
Rebours, etc. Essa pequena Comunidade entretinha com a Comunidade leiga do Sr. LP. as relações de obras e de
amizade as mais íntimas. O padre de Ségur pregava os retiros de aprendizes na rua do Regard, o padre Gibert cuidava
da casa de Nazareth... Foi pela mediação desses eclesiásticos que o Sr. LP. tinha feito pedir no arcebispado de Paris a
autorização de uma missa por semana em seu oratório de Grenelle. Esses excelentes padres tinham acrescentado, por
sua própria iniciativa, ao pedido do Sr. LP. o de conservar a santa reserva.” (VLP, 1, p.356).
166
Jo 3,16.
202
Desejo, caríssimos amigos, que tenham o cuidado, desde já, de mandar preparar os locais para
receber o Hóspede divino; a simplicidade e a pobreza não o desagradarão. É com isto que devemos nos
contentar: limpeza e simples conveniência; eis as delimitações nas quais devemos ficar. Para começar, e
esperando minha chegada, podem mandar executar todas as obras de reparação e saneamento nas três
peças, e, para tanto, vocês deveriam, acho eu, transportar provisoriamente o oratório para o quarto que
está entre o do irmão Paillé e o meu. Ali estaremos mais tranqüilos. Acho que farão bem em empregar,
contra a umidade dos muros, o meio tão simples aconselhado pelo Sr. Dufflon; poderiam, como
tentativa, fazê-lo executar, através de seu operário, nos muros do locutório, que são muito úmidos do
lado do jardim. Depois de terem visto direitinho como ele cola e dispõe as folhas de chumbo e terem
verificado seus preços, vocês veriam se teríamos uma economia um pouco real ao usarmos, para nossos
outros trabalhos, um operário da Santa Família chamado Tessier, rua Saint Placide, acho. É um homem
muito bom e que arrumou muito bem meu quarto em Paris; acho que esse meio seria o melhor. Desejo
também que meu irmão Maignen veja o Sr. Bion, da minha parte, para assegurar-se de que, ao fazer a
Santa Ana, poderia fazer reduzir, por seu aluno, de graça ou a preço bem módico, nossa estátua da
Santa Virgem. Importa que nossos trabalhos comecem sem demora e enquanto ainda resta um pouco
da bela estação. A partir do momento em que os dias são curtos e úmidos, as obras são ruins e não vão
para frente. Recomendo-lhes, portanto, caros amigos, a diligência. Após as reparações, faremos o resto.
Podem também perguntar sobre todas as coisas necessárias e os meios para consegui-las; acho que
esses pormenores são bastante numerosos e exigirão algum cuidado.
Estou verdadeiramente comovido, caríssimos irmãos, por sua afetuosa atenção com minha
saúde. O Sr. Beaussier é também muito edificado por isso, o que lhe faz conceber boas esperanças para
o nosso futuro. Para comprazer-lhes, caros amigos, e sobretudo para obedecer ao nosso bom Padre, que
me prescreve aquilo expressamente, estou disposto a ir aos banhos; só que, na confiança, tomo a
liberdade de submeter antes ao Sr. Beaussier algumas observações que, acho, mudarão seu parecer. Se
fosse diferente, apressar-me-ia em conformar-me à sua decisão. É muito tarde para os banhos. As
alternâncias de frio e quente, às quais sou muito sensível, já são mais penosas do que no verão; não
posso ir aos banhos em família: minha irmã tem que ficar em casa nesse momento. Eu só poderia
chegar ali com minha sobrinha, mas acho que uma tão jovem pessoa dificilmente passaria, sem um
grande aborrecimento, três semanas comigo, numa região que não oferece possibilidade nenhuma de
distração. Enfim, preciso ao menos de 8 dias para aclimatar-me num lugar novo; começo a me sentir
melhor aqui. Será que devo ir para outro lugar fazer uma nova tentativa, talvez menos feliz? Aqui, fazem
de tudo para cuidar bem de mim; não terei nada igual nos banhos. O ar é excelente, os passeios estão
ao meu alcance, e a tranqüilidade é perfeita: isso não vale mais que as voltas e as viagens? Acredito
que, passando aqui três semanas, em vez de 15 dias anteriormente determinados, eu faria tudo o que
pode ser mais favorável à minha saúde e mais praticável de todo jeito. Ao mesmo tempo, e isso é de um
grande peso, faço um bem real à minha família que tinha necessidade de mim para se reconfortar e se
restabelecer. Eis aí as minhas razões, caros irmãos, acho que são boas e na ótica de Deus; no entanto,
submeter-me-ei sem hesitar ao parecer do Sr. Beaussier, preferindo obedecer a raciocinar.
Peço aos meus irmãos Maignen e Paillé para fazerem com que a reunião de domingo da Santa
Família ande bem; é essencial, após o retiro, sobretudo. O orador é o grande instrumento. Se o Sr.
Ratisbonne estiver ali, virá de bom grado. O Sr. Cassan de Florac e muitos outros, leigos ou padres,
estarão também, espero, bem dispostos.
Escreverei logo a cada um em particular. Estou feliz por aprender que os exercícios se mantêm
bem e agradeço ao irmão Myionnet os pormenores que me dá a esse respeito, mas não acho
conveniente que a pequena direção da segunda-feira seja repartida. A Comunidade ainda é pouco
numerosa demais para isso; esse exercício deve, portanto, ficar reservado até minha volta.
Adeus, meus bem-amados irmãos, abraço-os a todos nos Corações de Jesus e de Maria, e neles
fico com vocês.
Le Prevost
Acabo de escrever aos Srs. Beaussier e Gibert.
Seria bom também que meu caro irmão Maignen projetasse, em combinação com o Sr. de
Ségur167, o pequeno quadro quando estiver um pouco seguro de suas dimensões.
167
“O padre Gaston de Ségur se tinha comprometido em pintar com suas próprias mãos um quadro para o altar e o
padre Gibert tinha dado um lindo paramento branco e vermelho e um grande missal muito rico.” (Cf. G. Boissinot,
Um autre St Vincent de Paul, p.209).
203
189- ao Sr. Levasssor
Alegria de ter o Santíssimo Sacramento em Grenelle. Qualidades exigidas para um jovem empregado.
Importância de um recrutamento sólido.
Duclair, 5 de setembro de 1849
Meu caríssimo irmão,
Permita-me, antes de tudo, fazê-lo partilhar a alegria que sinto neste momento. Estando aqui por
alguns dias, por causa da saúde de minha irmã e da de sua filha, ambas muito cansadas, acabo de
receber de meus irmãos uma carta na qual me anunciam que Monsenhor o Arcebispo concede à nossa
pequena Comunidade, não somente a licença para mandar rezar a Santa Missa, como esperávamos, mas
o favor insigne de guardar o Santíssimo Sacramento. Uma tal graça nos cumula de alegria e de confusão.
Sinto-me com a necessidade, caríssimo amigo, de confiá-la a você e, sobretudo, de suplicar-lhe dar graças
ao Senhor por tanta condescendência e misericórdia para com seus indignos servos. Se não lhe for
impossível conceder-nos uma missa de ação de graças nessa intenção, você me causará uma viva
satisfação; temos rezado muito para obter esse favor; desejo que nossa gratidão seja tão fervorosa como
nossos pedidos.
Meu afastamento de Paris neste instante não me permite dizer-lhe por quem será dado o retiro
eclesiástico em Paris; mas, se desejar sabê-lo, pode escrever ao Sr. Myionnet, que me substitui e
procurará saber desse interessante acontecimento. Não preciso dizer-lhe, caríssimo amigo, que, se tomar
a decisão de vir e que nosso pobre refúgio de Grenelle seja de seu agrado, apesar de seu afastamento,
você poderá dispor dele; você encontraria, se precisar, um quarto na rua do Regard, 16, mas somente um
quarto; nenhum vestígio de residência nos resta desse lado, e o simplório do porteiro é absolutamente
impróprio para o serviço interior.
O livro de meditação que utilizamos atualmente é de Avancin, Jesuíta flamengo, acho, que
escreveu esse livro em Latim. A tradução que temos é abreviada e bem inferior ao original. Para
acomodá-la às necessidades das pessoas do mundo, tiraram dele tudo o que concerne aos padres e aos
religiosos; o original, que você preferirá sem dúvida, vende-se em Périsse, rua Petit Bourbon, 18; a
tradução se encontra igualmente ali - 2 volumes in-18.
Agradeço-lhe infinitamente, caríssimo irmão, o cuidado que tomou de nos assegurar um jovem
irmão servente. Sua resposta demorou para chegar, por isso eu tinha pensado que você tivesse perdido o
assunto de vista e me tinha organizado diferentemente. Um jovem aprendiz de nosso patronato, com 17
anos de idade, saindo da condição comum por sua educação como por sua piedade e seus sentimentos,
pareceu ser-nos conveniente em muitos aspectos, e o admitimos entre nós; todavia, como é enfermo e
pouco próprio para os cuidados domésticos, ele nos será mais útil para os detalhes de nossas obras do
que para a casa. Não estaria, portanto, longe de pegar outro, caso se apresente um que tenha as
aptidões convenientes. Você acredita, caro irmão, que seu menino esteja assim, que seja, por exemplo,
bastante sério, bastante perseverante sobretudo para, depois de uma pequena aprendizagem, fazer nossa
cozinha, simples entre todas, mas cozinha, no entanto, cozinha de todos os dias, e para um tempo que
não posso determinar, já que, uma vez num emprego, não se sai dele senão por boas razões e para o
maior bem de nossas obras? Isso não é muito sério para um homem de 16 anos? Sobraria, sem dúvida,
muito tempo para ele, e uma parte seria usada para estudar e formá-lo para a piedade. Mas eu insisto:
uma vez passado o prazer da novidade, achar-se-ia nesse caro menino, tratado, aliás, com toda a
mansidão e toda a indulgência possíveis, a perseverança e a boa vontade desejáveis? Faço-o juiz dessas
perguntas, caríssimo amigo; assuma a causa de nossa obra nascente, que tem necessidade de recrutas
firmes, em seus começos sobretudo. Veja diante de Deus se se poderia esperar, com certa cultura e com
tempo, fazer de seu bom menino um irmão piedoso, capacitado para um ofício qualquer, dedicado,
perseverante. Tenha a bondade de me dizer seu parecer definitivo; então eu tomaria, combinando com
você, as medidas que o caso exigiria. Nada é de pouca importância para uma obra tão humilde como a
nossa; pedirei, portanto, ao Senhor dirigir-nos para o maior bem dessa querida alma e também para o da
nossa Comunidade; peço-lhe, caríssimo irmão, que reze na mesma intenção.
Seu devotado irmão e amigo em N.S.
Le Prevost
P.S. --- Ficarei mais uns doze dias na casa de Dona Salva, em Duclair (Sena Inferior).
204
190- ao Sr. Hello168
Parabéns por ter fundado a Obra da Santa Família na Bretanha. Conselhos para o apostolado adaptado
a essa nova obra. Apelo a vocações da Bretanha.
Duclair, 15 de setembro de 1849
Sua pequena carta vem procurar-me na Normandia, para onde vim a fim de pegar alguns dias de
descanso em minha família. Que ela seja bem-vinda; amplia as doces impressões que sempre se
reencontram no meio dos seus e em sua região natal. Você também é um dos meus, caríssimo amigo,
pois tem a bondade de ter alguma caridade por mim e de me conceder essa indulgência tão rara no
mundo, a qual não se encontra muito, senão na família ou entre os verdadeiros filhos de Deus. Peço ao
Senhor que o recompense por isso, conservando-lhe, por muito tempo, o círculo de amigos tão afetuosos
e tão bons que Ele lhe deu e firmando seus passos na carreira que começa a abrir-se diante de você.
Como você é feliz, caríssimo irmão, por ter podido utilizar o tempo das férias favorecendo a
criação de uma nova obra para a glória de Deus. Tenho boa esperança para o futuro dessa pequena
associação que vai nascer no solo abençoado da Bretanha, sob seus olhos e graças aos seus cuidados.
Contribuirei também para isso da melhor forma possível por meio de minhas fracas preces. A Santa
Família de São Sulpício inteira associou-se igualmente a seus esforços e pediu todas as bênçãos do
Senhor pela nova irmã que lhe era dada. Eu não estava presente na reunião, quando essa recomendação
foi feita, mas nosso caro irmão Paillé, que chegou aqui há alguns dias, me assegurou que todos os nossos
bons amigos tinham respondido cordialmente ao apelo do Pe. Milleriot, rezando com fervor pela jovem
Família de Lorient.
Não acho que, em sua região, a Santa Missa seja um elemento indispensável nas reuniões da
Santa Família, porque os operários não deixam muito de freqüentá-la. Não é, como aqui, que falta a fé,
mas uma certa vida mais ardente e mais ativa, que tire as almas de uma prática puramente rotineira das
coisas santas, para tornar a dar-lhes a inteligência e o amor por elas. As instruções bem adaptadas às
necessidades dos espíritos e tiradas dos hábitos, dos costumes, das disposições de seus membros são o
verdadeiro meio de influir sobre eles e de fazer-lhes um grande bem. Se houver um padre dedicado que
tome a peito a edificação de seu pequeno rebanho, que tenda a unir os associados e a fazer
verdadeiramente deles uma família de irmãos; se você obtiver, por outro lado, a ajuda de alguns leigos
para reforçar a ação do diretor espiritual por todos os meios em uso aqui e todos aqueles que sua própria
experiência dos lugares lhes sugerir, você terá êxito, tenho certeza, conforme seus desejos. Dar aos
pobres operários a verdadeira luz que lhes falta, uni-los entre si pelos laços da caridade, para aliviar-lhes
a pena e diminuir sua fraqueza, não é isso uma necessidade em Lorient como em Paris, como em Lille,
em Tours e em todo lugar? Tenhamos confiança, portanto, caro amigo, rezemos, façamos o melhor
possível e esperemos o sucesso da bondade de Deus. Não poderiam encerrar as reuniões com uma
bênção do Santíssimo? Você sabe o quanto essa parte do ofício da noite favorece a piedade e o quanto
toca os corações menos fervorosos. Suscite a visita aos doentes, manifeste muita afeição e benevolência
aos membros da Santa Família, faça com que uma terna caridade seja verdadeiramente o espírito da
obra; e você terá fundado definitivamente a pequena sociedade.
Agradeça ao Divino Mestre conosco, caríssimo amigo; por um favor que nossa indignidade não
ousava esperar, Ele quer bondosamente habitar nossa pequena casa de Grenelle. Monsenhor o Arcebispo
acaba de nos conceder a licença de ter a Santa Missa e de guardar o Santíssimo Sacramento: não
podemos ainda acreditar em tanta felicidade. Quando voltar, você a partilhará conosco, pois se associa a
tudo o que se refere à nossa pequena Comunidade. Adeus, caríssimo amigo, você não vê a seu redor
alguma alma querida por Deus e à qual nossa obra conviria? Gostaria de ter um irmão de nossa Bretanha,
e auguraria bem disso, pois amo e venero essa querida região como se fosse minha.
Adeus mais uma vez, caríssimo amigo, abraço-o ternamente nos Corações de Jesus e de Maria.
168
Émile Hello (1825-1900). Nascido em Lorient, numa família de magistrados, é o irmão do filósofo e escritor
Ernest Hello. Vindo a Paris estudar o direito, entra, após a morte de seu pai, no seminário de São Sulpício. Antes de
ser ordenado padre em 1853 e de se juntar ao Instituto dos Irmãos de São Vicente de Paulo em 1854, tinha sido o
secretário da Conferência de São Sulpício. Colaborava estreitamente com o Sr. LP. na Santa Família da qual
descrevia assim a irradiação: “A palavra tão viva do Pe. Milleriot, de um lado, a palavra tão mansa e tão atraente do
Sr. LP. do outro lado, davam às reuniões um encanto muito grande, quase irresistível. (C. Maignen, le Père Hello,
p.8). De 1855 a 1906, o Pe. Hello exercerá seu apostolado no Patronato de N.D. de Nazareth (na época no no 93,
boulevar du Montparnasse e no no 11 da rua Stanislas).
205
Seu irmão e amigo em Nosso Senhor.
Le Prevost
P.S. --- Parto dia 20 deste mês para Paris.
191- ao Sr. Maignen
Recordação da visita do Sr. Maignen a Duclair em 1846. Alegria e esperanças causadas pelo Primeiro
Tabernáculo. Contemplar Jesus é não somente nossa parte neste mundo, mas é, certamente, “a melhor
parte”.
Duclair, 18 de setembro de 1849
Caríssimo filho em N.S.
Não esqueci os poucos dias que você passou aqui comigo; recordo-me de sua primeira aparição.
Visitei o pequeno celeiro que nos abrigou na sua chegada: é para mim como um lugar de peregrinação
onde vou, cada vez, com um sentimento suave e terno por você, confiante e agradecido pelo Senhor
que nos reuniu sob esse humilde resíduo e ali, espero, associou nossas almas para o tempo e para a
eternidade. Tenho essa confiança, não me baseando em nós mesmos, pois, às vezes, para um, um
pouco de inconsistência, para o outro, uma rigidez um pouco exagerada podem trazer alguns choques.
Mas como tudo isso se derrete depressa e se perde na divina caridade do Senhor! E agora, haverá
alguma vez no meio de nossa pequena família nuvem duradoura? Qual é o coração que não recuperará
sua serenidade aos pés do doce Mestre, que vai hospedar-se no meio de nós? Iremos a Ele como São
Ligório e diremos: “Mestre, sabemos que estais aí; dai à nossa alma aquilo de que necessita!” Pareceme, caríssimo filho, que será para nós uma vida totalmente nova e que um maior amor se manifestará
entre nós. Até agora, estávamos ainda sob a lei da natureza; a lei da graça nos regerá doravante, pois o
Verbo feito carne descerá ao meio de nossa pequena família, como veio outrora à grande família
humana.
Continue, caríssimo amigo, a tomar os cuidados necessários para que nosso oratório esteja logo
organizado169. Não tardarei a chegar junto a você. Segunda-feira, estarei perto de você e o ajudarei de
grande coração nesses trabalhos. Tornaremos as três peças salubres, limpas, convenientes, mas com
uma extrema simplicidade, e reservaremos a maior parte dos mais ou menos cem francos de que
podemos dispor para o altar, os vasos sagrados e as vestimentas sacerdotais. Como está você para a
redução da imagem de Nossa Senhora e para o quadro do Sr. de Ségur? Esse bom padre tem uma
pequena composição que talvez nos conviria: o Coração de Jesus verte todas as graças no coração de
Maria, e este as derrama sobre nossos pobres corações.
O irmão Paillé chegará dois dias antes de mim, na sexta-feira à noite. Já será um pouco tarde
para alguns dos cuidados relativos à reunião da Santa Família de São Sulpício. Tenha, portanto, a
caridade, caro filho, de assegurar-se, precisamente, do Sr. Lamache, que o irmão Paillé me diz estar
disposto a vir a nós, e de avisar minha ausência ainda desta vez ao bom Pe. Milleriot e ao Sr. Guillemin.
Apresento a um e ao outro meu terno e respeitoso apego. O Sr. Paillé poderá, ao chegar, combinar a
loteria com o Sr. Leharivel; prepare de antemão alguns lotes, se puder.
Fico feliz, caro filho, com aquilo que me diz sobre suas disposições interiores. Contemplemos
sem cessar o doce Jesus em seus estados diversos: é a nossa parte neste mundo, será nossa eterna
alegria no outro. Oh! como temos, certamente, a melhor parte; saborear o divino Jesus, conversar com
Ele, exercitar-nos em segui-Lo e em imitá-Lo, depois, tentar fazer algumas almas partilharem uma tal
felicidade. O que há de mais doce e mais lindo neste mundo? É o fim supremo do homem, é a existência
no seu ponto mais alto, é o último grau da terra até ao Céu. Bendito seja o Senhor, que nos deu uma tal
169
Para a cerimônia do Primeiro Sacrário. O dia 15 de outubro de 1849 ficará para sempre gravado na memória dos
irmãos. O padre Gilhert, que celebra a primeira missa no pequeno oratório preparado e decorado com cuidado, toma
como tema de sua homilia um pensamento de Teresa de Ávila cuja festa cai precisamente neste dia: “Oh! se
soubessem que grande evento é para o mundo um sacrário a mais na terra.”
Pode-se reparar no Jornal da Comunidade do dia 15 de outubro: “Dia para sempre memorável para a
pequena família. Por um favor tão inesperado quanto pouco merecido, Monsenhor o Arcebispo de Paris digna-se nos
conceder a licença de dizer a missa em nossa pobre casa e de conservar nela o Santíssimo Sacramento. A Capela é
dedicada aos Santos Corações de Jesus e de Maria.”
206
vocação e digne-se seu amor ajudar-nos a corresponder! Trabalharemos para isso da melhor forma
possível; vi você com alegria, desde algum tempo sobretudo, armar-se de resolução e encarar mais
firmemente o fim para o qual tendemos; você prosseguirá, caro filho, e o bom Deus mesmo, que nada
ama tanto como esse ardor de nossas almas, o sustentará e o inflamará com seu amor. Rezem sempre
juntos pelos ausentes; estes rezam também com muita ternura por você. Abraço-o em N.S. e sou, como
sempre, seu pai e irmão.
Le Prevost
Recomendo-lhe, como ao irmão Myionnet, nosso pequeno irmão Tavernier; cultivemos essa
querida jovem alma, para que aprenda a saborear a Deus; teremos feito uma linda obra. Nosso
exemplo, antes de tudo, contribuirá muito para tanto.
Minha irmã o assegura de suas boas lembranças.
192- ao Sr. Levassor
Retiro eclesiástico em Paris. O projeto de engajamento de um empregado é adiado. Em nossos
trabalhos, ver “o próprio Salvador na pessoa dos pobres.”
Paris, 27 de setembro de 1849
Meu caríssimo irmão,
Estou de volta para cá somente desde anteontem. Apresso-me em escrever-lhe estas duas
palavras, para dar-lhe a informação que deseja sobre o retiro eclesiástico. O Sr. padre Houssard, que fui
visitar ontem a esse respeito no Seminário, me disse que ele será dado pelo Pe. Chaignon, Jesuíta; mas
hoje o Sr. padre Beaussier, nosso Diretor, me diz que isso poderia ter sido mudado, pois, asseguraram-lhe
que seria um Pe. Lavalette, sobre quem não tem indicações precisas. É tarde demais agora, para que eu
volte ao Seminário antes da partida desta carta. Fico, portanto, obrigado a me ater a essas duas versões
que não seriam, aliás, ruins, nem uma nem outra, sendo que esses bons Padres devem ter experiência
dos retiros eclesiásticos.
Quanto ao querido menino sobre quem tínhamos conversado, tenho medo de que seja realmente
jovem demais para a tarefa que queríamos impor-lhe, tanto mais que ela se complicará ainda pela
vigilância sobre nosso forno dos pobres em Grenelle. Precisaria, para assumir esses trabalhos bastante
duros, encará-los como interessando o próprio Salvador na pessoa dos pobres, e a vocação parece ser a
única que possa dar tal visão. Creio, portanto, caro irmão, que, sem uma mudança de disposições que
não se pode esperar muito senão do tempo, nosso caro menino não poderia colocar-se entre nós.
Agradeço-lhe de todo o coração, caríssimo amigo, os cuidados que tomou a esse respeito e peço
ao divino Senhor que o recompense por isso.
Não deixamos de estar em união com você por uma dupla razão, no dia 21 de setembro, festa de
São Mateus.
Reze sempre por seus irmãos de Paris e creia em seu sincero e respeitoso devotamento em N.S.
Le Prevost
P.S. --- Não preciso reiterar a oferta de um pobre alojamento em nossa pequena casa de Grenelle,
se não o julgar longe demais de São Sulpício; você sabe que somos totalmente seus.
193- ao Sr. Pavie
Falecimento de um de seus amigos, H. Nerbonne. V. Pavie tomando a direção da Conferência de Angers,
o Sr. Le Prevost lhe precisa a missão que deve desempenhar. Bendizer a Deus por consagrar suas forças à
caridade, antes de consagrá-las a interesses puramente humanos.
Paris, 2 de outubro, festa dos Santos Anjos 1849
Caríssimo amigo,
207
Na minha chegada de uma viagem que acabo de fazer para ver minha irmã que estivera doente
durante algum tempo, assim como sua filha, acho a carta triste que você me endereçou. Você não podia
duvidar, caro Victor, seus desejos foram logo realizados: rezei por nosso pobre amigo Nerbonne e pedi,
em prol dele, as orações de todos os amigos que me cercam. É uma dívida que se é feliz ou ao menos
consolado em pagar para com aqueles pelos quais não mais se saberia fazer nada. Há muitos anos já, não
me tinha mais sido dada a oportunidade de manter relações com nosso caro Henry, mas as que eu tivera
em outros tempos se ligavam a recordações por demais numerosas, para não ficarem profundamente
gravadas em mim. Pude, portanto, apreciar, caro Victor, tudo o que você me diz de profundo e de tocante
a respeito dele. Simpatizo vivamente com sua pena, e sinto em quantos motivos é fundada. Mas o último
de todos, a conformidade de fé, a união de nossas almas em Deus, traz em si a consolação por todas as
aflições com que essa separação vem golpeá-lo. Como se queixar ao Senhor, quando seu amor cumulou o
mais caro dos nossos votos, quando Ele ornou, embelezou, iluminou sob nossos olhos a alma que Ele
pensava chamar de volta a Si? Aqui as longas preparações não eram necessárias, ou, antes, estavam
realizadas de longa data pelas decepções, desgostos deste mundo, sofrimentos do coração, langores
habituais. Mais do que outro, com efeito, nosso amigo parecia exilado aqui em baixo. Nada tinha edificado
com alegria nem confiança no futuro; não havia encontrado nada que o teria tranqüilizado mesmo por um
tempo, não se tinha apegado a nada e só aguardava a hora da partida. Veio ela, sem tomá-lo de surpresa
e sem entristecê-lo, sem dúvida. Não nos contristemos demais, portanto, nós mesmos, caro amigo; nosso
amor por ele consista na lembrança e sobretudo no desejo de nossos corações, depositado no Coração
paterno de Deus.
Fico sabendo com uma sincera satisfação que a direção da Conferência de Angers lhe é confiada.
Pertencia-lhe por direito e tenho plena confiança de que não ficará sem resultado em suas mãos. É uma
bela missão, caro amigo, estimular as almas para o bem e gritar-lhes incessantemente: “Deus o quer,
amemos nossos irmãos, demos-lhes consolo, socorro, levemos-lhes a luz que nós mesmos recebemos e
que sempre podemos espalhar neles sem nos empobrecer nunca. Os anos que passei com semelhantes
cuidados são os mais caros de minha sofrida vida. Tenho a certeza de que, um dia, você também bendirá
a Deus por ter-lhe permitido consagrar à caridade suas faculdades e potências com toda a sua força e sua
maturidade, antes de consagrá-las a interesses humanos.
Adeus, caríssimo amigo, lembre-se sempre de que você tem aqui mais do que amigos,
verdadeiros irmãos. Ame-os, reze por eles.
[Le Prevost]
Ofereço meu afetuoso respeito à sua querida mulher. Abraço você e seus filhinhos e o excelente
pai. Lembrança a Gavard por mim quando for possível.
194- ao Sr. Decaux
A Santa Família é uma obra comum para os pobres, que deve estreitar os laços da caridade.
Paris, 27 de fevereiro de 1850
Meu caríssimo Confrade,
O Sr. Courmevieux quis bondosamente trazer-me de sua parte uma importância de cem francos,
votada por sua Conferência em favor da obra da Santa Família.
Por útil que nos seja esse socorro para a manutenção de nossa Obra, nos é bem mais precioso
ainda como testemunho do constante interesse que a Conferência Stanislas sempre concedeu à nossa
obra. Não esquecemos, de nosso lado, o que tal benevolência exige de volta. Agrada-nos considerar a
Santa Família como uma obra comum destinada a unir nossos esforços para o bem dos pobres e a
estreitar entre nós os laços da caridade. Continuaremos, portanto, como no passado, a acolher suas
famílias pobres, com a mesma diligência que as nossas, e seremos felizes também quando nossos
Confrades de Stanislas tiverem a bondade de assistir conosco às reuniões e nelas nos prestar sua
cooperação.
208
Espero que, de sua parte, caro Confrade, você também virá nos ajudar, dirigindo, de vez em
quando, à nossa boa gente algumas boas palavras, como seu coração sabe inspirá-lo. O Sr. de Bioncourt,
que o viu ultimamente, me deu a certeza disso; não vou esquecê-lo. O Sr. de Rosmalen, tendo deixado
inacabada uma narração, na última reunião, deve completá-la na próxima; para a seguinte, dia 24 de
março, espero que você terá a bondade de vir conversar alguns instantes com nossa assembléia.
Acredite, caro Confrade, em nossa sincera gratidão, assim como nos sentimentos afetuosos de
Seu devotado Confrade
Le Prevost
195- ao Sr. Decaux
Agradecimentos por ter vindo falar à Santa Família. “Os elogios dos pobres não são perigosos para a
humildade e são suaves para o coração cristão que só aspira a dar luz e consolação.”
Paris, 28 de março de 1850
Meu caríssimo Confrade,
Nossa Santa Família sentiu uma verdadeira satisfação ao ouvi-lo e, de diversos lados, várias
vezes, ouvi a expressão desta satisfação.
Não lhe transmitiria tais testemunhos se procedessem de bem alto, mas os elogios dos pobres
não são perigosos para a humildade e são suaves ao coração cristão, que só aspira a dar luz e
consolação.
Nosso bom padre Milleriot se junta a mim para agradecer-lhe, e ambos pedimos-lhe bem
insistentemente para vir de novo, tantas vezes quanto puder, edificar suas famílias pobres e as nossas.
Vendo com que facilidade e agrado de forma você narrou sua história, tive o pensamento de que
poderia tirar um grande proveito das vidas de Santos. A experiência nos mostrou que elas eram muito
apreciadas por nossos ouvintes, que interessam e instruem ao mesmo tempo.
Acredite, caríssimo Confrade, em todos os meus sentimentos bem devotados em N.S.
Le Prevost
195.1- a Dom Angebault
Gratidão por sua visita a Grenelle. Benefícios da Providência.
Paris, 2 de maio de 1850
Monsenhor,
Ficamos profundamente comovidos pelo testemunho de extrema benevolência que concedeu à
nossa pequena comunidade, e esta lembrança ficará gravada no mais íntimo de nosso coração.
Se já não tivéssemos um livro de crônica, em que ficam inscritos todos os eventos que oferecem
algum interesse para nossa obra, teríamos sentido necessidade de criar um, para deixar o rastro de sua
doce e paternal visita. Ela está mencionada e ficará, se o Senhor se dignar nos conceder algum futuro,
como uma prova a mais da bondade do Pai Celeste por seus pequeninos filhos.
Foi segundo seu conselho, se não me engano, Monsenhor, que, na época, iniciamos essas
anotações sobre os atos da pequena comunidade; seremos ainda mais exatos do que no passado a
continuá-las, encorajados como seremos por seus preciosos avisos. Aliás, em cada evento que
inscrevemos, se acha misturado algum benefício da Providência e algum novo motivo de confiança e de
esperança para nós.
Noto com um vivo reconhecimento que seu nome venerado, inscrito desde a primeira página, se
reencontra de vez em quando nas outras e parece como essencialmente tecido na trama de nossa obra.
209
Queira ter a certeza, Monsenhor, de que vemos nisso um sinal da proteção do Senhor e um penhor dos
benefícios que seu amor quer bondosamente nos reservar ainda.
O pequeno rebanho se põe todo inteiro a seus pés e solicita humildemente sua bênção paternal.
Sou, com sentimentos de mui respeitoso apego, Monsenhor,
Seu muito humilde servo e devotado filho em N.S.
Le Prevost
196- ao Sr. Pavie
A Adoração Noturna em Grenelle. Alegria do Sr. Le Prevost, por ocasião dessa “vigília bendita”.
Felicidade por viverem na dependência de Deus e por terem sido escolhidos como seus instrumentos.
Reza para que seu amigo Gavard recupere a fé.
Paris, 4 de junho de 1850
Caríssimo Victor,
Já há várias semanas, levo comigo, com a intenção de lhe responder, uma excelente carta que
você me escreveu e muito me comoveu. Reencontrei-o todo inteiro, com suas dedicações tão generosas
e tão fiéis, com seu zelo fervoroso por todo bem, seu ardor pelas obras que interessam a Deus e a todos
os homens de quem você é tão sinceramente o irmão. Devia, portanto, cuidar de responder-lhe quanto
antes, mas minha limitação habitual me levou a falhar.
Para você, caro amigo, sua atividade redobra com os anos. É uma grande alegria para mim vê-la
orientar-se para tão nobres objetos e aprender os preciosos resultados que obteve. Não podia ser
diferente, caro amigo; e para os que, como eu, viram todas as aspirações elevadas, os instintos dedicados
de seus jovens anos, era fácil prever que somente a consagração de todo o seu ser poderia satisfazê-lo e
seria mais cedo ou mais tarde sua vida. É certamente, com efeito, a melhor parte. Ouso dizer, caro Victor,
que ela lhe pertence e que não lhe será tirada.
Sinto em mim uma simpatia tão mais viva pelas obras de que você cuida, que elas são também as
nossas e preenchem aqui nossos dias. Poderia acrescentar “nossas noites”, pois, seguindo seu exemplo,
temos a felicidade de participar da grande obra da adoração noturna170. Mal acreditará você que é em
nossa própria casa, em nosso pobre pequeno eremitério de Grenelle, que nos é dado prestar essa
homenagem ao divino Senhor. Nada mais verdade, porém, e a indignidade dos locais e dos homens não
constituiu obstáculo para o Deus que não desprezou o estábulo de Belém. Por um privilégio todo
imerecido, a permissão de conservar o Santíssimo Sacramento em nosso pequeno oratório nos foi
concedida por nosso Arcebispo e, por outro privilégio, nos foi dada também a graça de nele fazer, uma
vez por mês, a adoração noturna. Assim, caríssimo amigo, ligamo-nos a você por mais esse laço, que se
junta a todos os outros, mais forte, sem dúvida, ele sozinho, do que todos juntos. Amanhã, quinta-feira,
vigília da festa do Sagrado Coração, alguns amigos virão reunir-se a nós e, às 9 horas, começará nossa
vigília bendita. Não deixaremos de rezar, então, por você e seus associados; dê-nos a recíproca, na sua
próxima reunião. Tais intercâmbios alegram os anjos e glorificam a Deus.
Nossas outras obras sustentam-se e vivem apesar das influências más dos tempos. Nosso
pequeno rebanho não aumentou; somos cinco, como você nos viu, acho, na sua última viagem. Mas
temos que fortalecer o interior e fundamentá-lo solidamente antes de espalhar-nos para fora. Só podemos
bendizer a divina Sabedoria, que nos conduz a seu modo, e não ao nosso. Somos felizes por nos
sentirmos numa inteira dependência de sua adorável conduta. Seu venerável Bispo não achou indigno de
170
Um vivo sentimento de reparação, nascido após os trágicos acontecimentos da Revolução de 1848, esteve na
origem desta obra da Adoração Noturna. O promotor desse movimento foi o célebre pianista Hermann Cohen,
convertido do judaísmo, que se tornou em religião o Padre Augustin-Marie do Santíssimo Sacramento, Carmelita
descalço. A prática tinha iniciado em N.D. des Victoires em 6 de dezembro de 1848, (no exato momento em que o
Papa Pio IX se refugiava a Gaeta), com a colaboração do vigário geral, o padre de la Bouillerie, e de um jovem
protegido do padre Desgenettes, o seminarista Louis Roussel, que entrará no Instituto cinco anos mais tarde, em
dezembro de 1853.
210
si fazer-nos uma visita em sua última viagem a Paris. Ele disse a Santa Missa para nós e nos exortou nos
termos mais paternais. Como seríamos felizes, caro amigo, se, tendo-nos fortalecido um pouco,
pudéssemos, algum dia, destacar alguns dos nossos para irem ajudar suas obras e colocar seu zelo sob a
sua mão.
Reze um pouco para que o grande Mestre, tendo-nos amaciado e modelado, digne-se assim
aceitar-nos como humildes instrumentos nos desígnios de sua caridade.
Agradeça bem por mim a nosso caro Gavard, assegure-o de minhas afetuosas lembranças. Oro a
Deus muitas vezes para que Ele lhe dê saúde, coisa que lhe falta, uma fé firme e profunda que seria a
contrapartida dos dons hoje quase superabundantes de seu coração e de seu espírito. A fé faria dele um
homem completo e de grande peso para o bem. Peçamos para ele essa pérola preciosa, embora devesse
tudo perder para adquiri-la.
Adeus, caríssimo amigo, assegure de minhas respeitosas lembranças os de seu querido círculo e
creia, você mesmo, no terno apego de seu amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
197- ao Sr. Decaux
Gratidão por sua generosidade para com a Santa Família. Atividades da Conferência.
Paris, 9 de junho de 1850
Caríssimo Confrade,
Agradeço-lhe as poucas palavras tão cheias de caridade e de benevolência que me dirigiu a
respeito de nossa Santa Família, e dou-lhe graças também pelos sacrifícios tão generosos que sua
Conferência faz pela manutenção dessa obra.
Acho que, ao aproximar-se o retiro, deveremos combinar, para que todas as nossas famílias
pobres possam seguir-lhe os exercícios. Nossos caros Confrades de Stanislas, tão zelosos assim como
você para o bem espiritual dessas queridas almas, não deixarão de nos conceder sua colaboração
costumeira.
Recupere bem depressa, caríssimo Confrade, sua saúde, tão preciosa para seus amigos e para os
pobres, e não esqueça de que somos, quanto a nós, duplamente interessados na volta, o quanto antes,
de suas forças, pois a Santa Família deve ouvi-lo na sua primeira reunião de julho.
Lamento muito que você esteja quase impossível de se encontrar. Eu iria vê-lo e apertar-lhe
cordialmente a mão. Indenizo-me rezando de toda a minha alma por você, e asseguro-o como sempre de
meus sentimentos mais devotados em N.S.
Le Prevost
198- ao Sr. Myionnet
O Sr. Le Prevost se encontra em estágio de cura em Saint-Valéry-en-Caux com o irmão Paillé. Pobreza
de seu alojamento. União das almas pela oração: “mútua caridade que alegra o coração de nosso Deus.”
Saint-Valéry-en-Caux, 13 de julho de 1850
(Em casa do Sr. Bonâtre, estalajadeiro
Grande estrada de Amont)
Caríssimos irmãos em N.S.,
Demoramos um pouco para dar-lhes notícias nossas, a fim de dizer-lhes precisamente onde
tínhamos escolhido nosso domicílio e como nos encontrávamos após nossas primeiras imersões no mar.
211
Tudo está bem até agora e só temos que agradecer ao Senhor, que parece tudo ter disposto para nossa
maior vantagem.
Escolhemos nossa morada fora do bairro, perto da campina, a pouca distância, porém, dos
banhos, e a distância igual das duas igrejas da região, que podemos assim visitar alternativamente. Não
podíamos encontrar uma situação mais feliz e, para cúmulo de satisfação, nossa presença na casa onde
estamos é um verdadeiro benefício. É uma pequena estalagem iniciante, dirigida por pobres jovens,
bastante desprevenidos, acho, que não têm absolutamente ninguém senão nós neste momento e que
vamos sustentar enquanto durar nossa estadia aqui. Cai muito bem para pessoas que procuram em todo
lugar a caridade. Enfim, poderíamos ter percorrido toda a região inutilmente para achar condições tão
pouco dispendiosas como aquelas que combinamos. É verdade, e reconhecemos ainda aqui as atenções
vigilantes da Providência, que nossa pobreza não poderia ser maior do que a atual. Nosso quarto (o irmão
Paillé e eu partilhamos o mesmo quarto) só tem, além de duas camas ruins muito duras e quase sem
fundos, uma mesinha e três tamboretes. Tudo isso não é feito sob medida para nós? Mas o mais
maravilhoso da coisa é que nosso amigo, o Sr. Darode, que se encontrou fielmente na saída e que
motivos sérios tinham segurado longe de nós nos dias precedentes, se acomoda perfeitamente com uma
tal situação e a declara tal como ele a teria querido escolher. Agradeçam então conosco, caros irmãos, o
bom Mestre que se dignou tratar tão suavemente seus servos.
O mar nos satisfaz muito bem até o momento; o tempo é muito lindo, o vento calmo. Tomamos
banhos todos os dias, fora do primeiro, quando as condições não estavam boas para mim.
Até agora não pudemos dar nenhum passo em vista da fundação de uma Conferência. O irmão
Paillé pretende, no entanto, que uma visita que fez, por uma feliz circunstância, numa família pobre e a
esmola que lhe deu de uma moeda de vinte centavos são os primeiros indícios de uma Conferência ainda
para nascer; desejo de todo o meu coração que ele tenha profetizado. Ele dormia, esse bom irmão, no
canto da mesa onde estou lhe escrevendo; acaba de acordar e, entre dois sonos,encarrega-me de
assegurá-lo de suas ternas lembranças. O Sr. Darode quer também que eu diga algumas palavras em seu
nome. Só temos de louvar-nos pelo amável caráter e pelos costumes eminentemente sociáveis desse
excelente jovem. Ele ama sinceramente o bom Deus e é muito apegado à sua fé; tenho confiança que
ficará no bom caminho, qualquer que seja a direção que tome. Reze bem por ele; está muito preocupado
com seu futuro.
Acompanhamos da melhor forma possível todos os exercícios de nosso regulamento; os da
manhã, sobretudo, são invariavelmente observados; vamos três vezes por dia pelo menos à igreja, e
ficamos muitas vezes na presença do divino Senhor. Preciso dizer, caríssimos amigos e irmãos, que os
integramos em todos esses atos e que nossa alma está sempre unida à sua? É suave para nós sonhar
que, de seu lado, vocês rezam também por nós e que essa mútua caridade alegra o coração de nosso
Deus.
Escrevam-nos, caros irmãos, sem demora alguma. Temos pressa de receber notícias suas. Ficarlhes-ei grato por nos responderem quanto antes. Assegurem nosso bom padre Beaussier dos respeitosos
sentimentos de seus dois filhos ausentes. Deploramos muito não tê-lo conosco: o mar lhe teria sido muito
suave, estou muito persuadido disso.
Abraço meus excelentes amigos, os Srs. De Malartic e Hello, sem esquecer nossos amigos tão
dedicados, os Srs. Lecoin, Boutron, etc.
Peço ao irmão Myionnet que me diga algumas palavras a respeito do pequeno soldado e do meu
pobre penitente de Necker.
Adeus, caríssimos amigos; coloco-os todos juntos, e separadamente também, nos Corações
divinos do Salvador e da Santíssima Virgem Maria, nossa Mãe, e uno-me a vocês num santo abraço.
Seu afeiçoado Pai e irmão em N.S.
Le Prevost
P.S. --- Se o Sr. Beaussier estiver ausente, poderiam mandar-nos, após tê-los lido, os números
de l`Ami de la Religion? O correio da pequena rua do Bac faz essas entregas por 3 ou 5 centavos.
Recomendo ao nosso caro menino Gabriel ser bem fiel a todos os seus exercícios e deixar-se
corrigir, como lhe disse, por meu outro filho Maignen; abraço-os ternamente a ambos.
212
Ainda não terminei meu relatório e encontro sempre dificuldade em trabalhar.
199- ao Sr. Maignen
A beleza do lugar onde trata de sua cura não apaga sua saudade da Comunidade de Grenelle. Desejo de
ver diversificarem-se os tipos de obras, para que almas dedicadas e generosas possam empenhar-se na
mesma vida de oração e de caridade. Haurir o amor de Deus e do próximo nos Corações de Jesus e de
Maria. Desejo do dom de oração contínua.
Saint Valéry-en-Caux, 24 de julho de 1850
Caríssimo filho em N.S.,
Não se passará, agora, um grande número de dias antes de reencontrá-lo. Contamos partir sextafeira, dia 2 de agosto, quer dizer, daqui a oito dias. Teremos tomado, então, 22 ou 23 banhos. É o
bastante para produzir bom efeito e, como a estação foi perfeita, tenho confiança de que nossas saúdes
experimentarão realmente alguma melhora. Apesar dos belos campos, do ar livre sob as grandes árvores,
dos magníficos aspectos do mar, não podemos impedir-nos de ficar com saudade de nossa pobre casinha
de Grenelle, do nosso jardinzinho tão estreito e tão apertado. Aí está a nossa vida: aí está o divino Mestre
que nos conduz e cuja terna bondade nos atrai; aí estão nossas bem amadas crianças e nossos irmãos,
cuja terna caridade faz a paz de nossos dias. Chegamos a desejar que todo esse querido ambiente
pudesse transportar-se para estes campos tão vastos, tão livres, tão isolados do mundo e do barulho,
onde se sente somente a Deus manifestado em suas obras. Mas achamos que, para tal existência, é
preciso uma plenitude de vida, uma aplicação habitual a Deus, uma potência de atração para ele que
domina todo o ser e o absorve nele. De outro modo, e num estado de graça inferior, não sentiríamos
nossos anseios preenchidos, sentir-se-ia um vazio e acreditar-se-ia que os dias são mal empregados.
Tanto é verdade que a sabedoria divina calculou tudo em vista das necessidades diversas das almas,
como fez a água para os peixes, o ar para o pássaro e a terra para as outras criaturas.
Para nós, caro filho, nossa vida é Deus em si mesmo e na caridade; por isso, estamos com pressa
de voltar para perto de você para aí reencontrar essa atmosfera que a bondade do Senhor preparou para
nós.
Não estou pensando, caríssimo amigo, em nada mudar as coisas que a Providência divina tem,
visivelmente, acomodado às nossas aptidões e às nossas forças. Gosto, assim como você, das nossas
queridas pequenas obras, e espero morrer dando-lhes, até o último dia, meus cuidados. Penso somente
que seu círculo atual é um pouco restrito e só pode convir a um certo número de almas; que um pouco
de ampliação seria melhor, a fim de que cada um pudesse achar junto de nós seu lugar e que ninguém se
afastasse de nós por falta de obra para empregar-se. Ora, evidentemente, os patronatos e as Santas
Famílias, por excelentes que sejam, não saberiam ocupar muitas almas, chamadas, como nós, à vida de
oração e de caridade, mas que não teriam as mesmas aptidões ou disposições de espírito. Eis todo o meu
pensamento. Ele é partilhado pelo Sr. Myionnet e não se afasta, creio, do seu próprio.
Amanhã, quinta-feira, realizar-se-á aqui a primeira comunhão das crianças. Será para mim uma
festa participar dessa emocionante solenidade. Em tais momentos, penso que, no meio de todas estas
jovens almas, há muitas puras e cândidas que se unem ao bom Jesus num coração verdadeiramente
amoroso e que o Coração do terno Senhor vibra com grande alegria. Invejo seu santo ardor e uno-me a
elas para glorificar melhor a meu Deus. Nesta região de fé, sobretudo, as crianças são boas; deve haver
entre elas e o divino Pai uma festa toda amável e sem perturbação nem pesar algum.
Tivemos também, domingo, como suplemento de graça, a festa do Sagrado Coração, que se
celebra tardiamente nesta diocese e que tivemos assim a alegria de solenizar uma segunda vez. Considero
a atração que nos impele a todos para essa devoção aos Corações tão amorosos de Jesus e de Maria,
como um dos maiores testemunhos da predileção do Senhor em favor de nossa pequena família. Se você,
caríssimo filho, tem um espaço para mim no Santo Sacrifício, por minha vez, coloco-o cem vezes por dia
nos Corações sagrados de Jesus e de sua Santa Mãe, pedindo que, ali, você tome inteira conformidade
com suas adoráveis disposições, a saber, como você tão bem indicou em sua carta, o amor de Deus, o
zelo das almas, a caridade indulgente e compassiva, o amor do desprezo, da pobreza, da cruz. Não se
acha outra coisa nesses dois livros divinos e, se neles lêssemos toda a nossa vida, não aprenderíamos
jamais outra coisa. Como isso é curto e como essa ciência estaria logo em nossas almas se não fossem
213
tão insensatas e tão rebeldes. Trabalhemos, caro filho, com todas as nossas forças para adquiri-la. Nossa
vida será bem empregada se, no último dia, o bom Mestre achar que seus alunos sabem bastante bem
sua lição.
Estou feliz, caro filho, e bendigo a Deus pelo bom espírito que você demonstra em sua carta: é
confiança ingênua e desejo simples de dar-se ao Senhor todo inteiro; com isso, e perseverando na oração
e na humildade, atinge-se seguramente o fim.
Rezo cem vezes por dia por vocês todos, mas não é ainda o suficiente, nem em quantidade, nem
em ardor. Meu dever seria, como você diz, pedir incessantemente para você as graças do Senhor, a fim
de que Ele mesmo supra a minha insuficiência. Peça, então, por seu pobre Pai o dom da oração constante
e habitual, e tornar-nos-emos todos ricos, pois ele não cessará de haurir nos tesouros do divino amor
para derramá-los a borbotões sobre nós.
Adeus, caríssimo filho, abraço-o nos Corações de Jesus e de Maria com sua própria caridade.
Seu devotado Pai e amigo em N.S.
Le Prevost
Peço a você, caro filho, para procurar com o Sr. Lecoin, num pequeno registro azul onde inscrevo
endereços, uma anotação com uma pequena carta do Sr. de Bioncourt, indicando os nomes dos oradores
que prometeram falar à Santa Família em todas as reuniões até o mês de setembro. Penso agora,
escrevendo isto, que o Sr. de Malartic deve ter classificado essa anotação nas peças diversas em um
bilhete. Precisaria ver o orador designado e assegurar-se bem de que ele não deixará de vir domingo.
Escreva-me, logo que souber, a decisão do Pe. de Ravignan.
Queria escrever algumas linhas para nosso querido Gabriel, mas é tarde demais hoje; rezarei, em
compensação, um pouco mais ainda por ele.
200 ao Sr. Maignen
171
Organização do retiro para a Santa Família.
Saint Valéry-en- Caux, [26 de julho de 1850]
Caríssimo filho,
Recebo uma carta do Sr. de Malartic que me anuncia que provavelmente teremos a igreja dos
Carmelitas para o retiro, exceto no último dia. Seria essencial ter o quanto antes a segurança positiva a
esse respeito, pois chegou o momento de mandar imprimir sem demora os convites e de preparar seu
envio. Peço-lhe, portanto, caro filho, que saiba, da maneira mais exata, o que podemos esperar. Não
podemos contar com a igreja de Saint Sulpice. O Sr. Pároco me escreveu uma carta bem bondosa
seguramente, mas na qual me explica os motivos grave que o obrigam a reservá-la, unicamente, para os
serviços paroquiais propriamente ditos. Seria preciso prevenir o Pe. Milleriot e saber se o Pe. de Ravignan
estará definitivamente conosco. Eu esperava que ontem, quinta-feira, você poderia ter visto nosso Pe.
Milleriot e me comunicasse hoje sua resposta. Peço-lhe, em todo o caso, caro amigo, para resolver todas
as coisas com o Padre sobre o local do retiro e o dia em que começará, e para mandar imprimir os
convites. Você achará modelos do ano passado na parte inferior do armário da Santa Família (cartas
verdes).
Se a igreja dos Carmelitas não nos fosse concedida com boas condições, melhor seria refugiar-se
em nossa capela habitual das reuniões; então, precisaria ver o Sr. Icard, para assegurar-se de que os
catecismos não nos criariam obstáculo, na manhã do dia da Assunção, para a missa de encerramento.
Você achará, sem dúvida, como eu, que melhor seria ainda ficar nessa capela do que ir aos Carmelitas na
semana que seguirá à Assunção. Deixo todavia para o Pe. Milleriot e o Pe. de Ravignan tudo decidirem.
Veja também o Sr. Tardif, por favor, para pedir-lhe que reúna todos os elementos possíveis de
nossa música. Abandono-me ao zelo tão devotado dele.
171
O endereço tem o numéro 14, rue du Regard neste dia 26 de julho 1850. O número não tinha mudado ainda no
endereço precedente (carta 166) que era somente do dia 8 de setembro 1848.
214
Junto ordinariamente aos convites uma cartinha assinada por mim, para convidar nossos homens
a virem exatamente ao retiro, a distribuírem convites a seus amigos e trazê-los consigo. Acho que o Sr. de
Malartic poderia escrever essa carta que você prepararia com ele e que se poderia imitar minha assinatura
que vou fazer, aqui ao lado, tão linda quanto possível.
O importante seria preparar os endereços dos convites; é um trabalho bastante demorado; são
mandados somente aos homens, a todos aqueles que renovaram suas cartas ao menos no intervalo de
um ano ou de mais ou menos um ano.
Seria bem necessário o Pe. Milleriot dizer bem precisamente todas as disposições do retiro na
reunião de domingo, pois não estarei ali para anunciá-las.
O número das cartas a imprimir deverá corresponder ao local; para os Carmelitas, eu fazia
habitualmente mil verdes para os homens, trezentas brancas para as mulheres. Estas não eram enviadas,
mas dadas com reserva na biblioteca.
Adeus, caríssimo filho, abraço-o em N.S. e o encarrego de abraçar meus outros queridos filhos. A
hora me pressiona.
Le Prevost
Chegaremos, segundo parece, sexta-feira, dia 2 de agosto, às 6h45m.
201- ao Sr. Lecoin172
Testemunho de amizade e de comunhão na caridade. Gratidão por tê-lo substituído durante sua
ausência.
Saint Valéry-en-Caux, 27 de julho [1850]
Caríssimo Confrade e excelente amigo,
Aguardava dia após dia, para escrever-lhe algumas linhas, que tivesse recebido algumas
informações, que esperava, sobre o retiro da Santa Família, para conversar sobre o assunto com você,
ao mesmo tempo em que me apresentaria à sua boa lembrança. Mas diversos embaraços atrasaram a
chegada das soluções que desejava. Não quero, portanto, adiar mais o envio destas poucas linhas de boa
e fraterna afeição. As ausências momentâneas não são sem proveito para as verdadeiras e sólidas
amizades: sente-se melhor então o valor dessas almas fiéis e devotadas que o Senhor uniu a nós, para
nos tornar menos duro e menos cansativo o caminho da vida. Revê-se com mais folga todos os
testemunhos que foram recebidos de sua benevolente e generosa bondade e sente-se aumentar para com
elas sua gratidão e seu apego. É precisamente o que sinto aqui, caríssimo amigo, para com os bons e
afeiçoados Confrades que me concedem uma indulgente amizade, e, de modo todo particular, para com
você, que não é nem o menos fiel, nem o menos devotado. Os anos já passaram sobre nossa afeição e a
consagraram; ouso dizer também que a firmaram e a fizeram crescer: as velhas amizades são como os
vinhos velhos, sempre mais generosos à medida em que envelhecem. Tenho, portanto, a boa confiança,
caríssimo Confrade e amigo, de que o último dia nos surpreenderá ainda trabalhando em nossas
pequenas obras e por todas essas pobres pessoas a quem nos religam a caridade e o desejo de lhes fazer
algum bem.
Agradeço-o mil vezes, caríssimo amigo, pelos cuidados tão assíduos que concede aos nossos
pequenos negócios e pelo zelo tão cristão que o fez, em minha ausência, assumir uma grande parte de
meus encargos, junto com os seus. Espero que o bom Mestre o recompensará como um verdadeiro e fiel
servo; rezo a ele todos os dias por você, a fim de que o abençoe, a você mesmo e a todos aqueles que
lhe são caros.
Não vou tardar, de resto, a me reunir com você, e farei todos os meus esforços para, por minha
vez, aliviar seu fardo, tomando toda a parte possível em nossos pequenos trabalhos.
172
Confrade de São Vicente de Paulo.
215
Escrevi ontem ao Sr. Maignen e dei-lhe algumas informações que ele lhe comunicará, a respeito
do retiro. Estarei sábado, dia 3 de agosto, no meu posto, rua do Regard, se Deus me quiser emprestar
vida e força.
Até lá, tenha, caro amigo, algumas boas recordações de mim e creia em todos os meus
sentimentos de terna afeição.
Seu devotado amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
P.S. --- Lembranças afetuosas a todos os nossos amigos.
O Sr. Paillé o agradece e o cumprimenta cordialmente.
202- ao Sr. Decaux
A Santa Família da praça Dupleix muda de local. O Sr. Le Prevost solicita a presença de seu confrade,
para substituir o Pe. Milleriot no dia da inauguração.
Paris, 3 de agosto de 1850
Caríssimo Confrade,
A Santa Família da Praça Dupleix instala-se amanhã domingo, 4 de agosto, em sua nova capela;
teria gostado de ter, para esta solenidade, a presença de nosso bom Pe. Milleriot. Sinto muito, mas ele
estará retido na Santa Família de São Médard, cujo Padre espiritual está ausente.
Na falta do Pe. Milleriot, um de seus filhos nos conviria perfeitamente; por isso, caríssimo amigo,
recorro à sua caridade, solicitando que você diga algumas palavras a essas pobres, muito pobres pessoas.
Não me objete que o aviso tarde demais; cheguei ontem à noite dos banhos de mar, onde me tinham
mandado. Aliás, uma das narrações que você realizou tão bem em São Sulpício servirá às mil maravilhas.
A missa está marcada para o meio-dia, seria, então, ao meio-dia e trinta, ou ao meio-dia e quarenta e
cinco, o mais tardar, que você falaria. Você poderia com muita facilidade estar de volta para a distribuição
dos meninos do patronato, que só começa às 2 horas.
A bernesa, praça São Sulpício, vai aos Invalides, e a Praça Dupleix está a somente alguns minutos
dali, atravessando o Champ de Mars, diante da Escola Militar. Bastaria, para nos encontrar, perguntar pela
nova capela.
Insisto muito, caríssimo Confrade, para obter de você esse ato de condescendência e de
verdadeira caridade: você prestará serviço ao Pe. Milleriot, que estava bem triste por me ver embaraçado,
e vai agradar ao bom Deus, ao servir os mais pobres entre seus pobres.
Creia de antemão em toda a minha gratidão, assim como nos sentimentos devotados com os
quais sou
Seu todo afeiçoado Confrade e irmão em N.S.
Le Prevost
Nosso retiro começa sexta-feira à noite. Conto muito com você e com todos os nossos amigos de
Stanislas.
203- ao Sr. Levassor
Umas benfeitoras do Sr. Le Prevost irão a Chartres. Encontrá-las seria bem proveitoso para o Sr.
Levassor. Ele desaconselha a um jovem procurar um emprego de doméstico em Paris.
Paris , 8 de agosto de 1850
216
Caríssimo amigo e irmão em N.S.
As senhoritas Lesueur, que já passaram algum tempo em sua cidade no ano passado, estão indo
novamente para lá agora e ali ficarão um mês ou dois. Seria um encanto para elas e para você, se
pudessem se encontrar. Elas são tão boas quanto piedosas e caridosas; tenho certeza de que vão se
entender muito bem; honro-me, quanto a mim, de ser um pouco o amigo dessas excelentes senhoras e
nunca as vejo sem uma verdadeira edificação.
Meus amigos, em minha ausência, acolheram seu pequeno protegido. Fizeram por ele o que você
pedia, se bem entendi.
Exorto muito o bom jovem de São Francisco-Xavier, que quer ser doméstico em Paris, a se
empregar, antes, em Chartres ou em qualquer outro lugar; Paris é bem má, para os domésticos
sobretudo; se, todavia, encontrasse alguma boa ocasião, em casa segura, não deixaria de informá-lo.
Adeus, caríssimo amigo, recomendo-me insistentemente às suas orações, assim como meus
irmãos que lhe são, você sabe, totalmente devotados.
Creia também, caríssimo irmão, em meus sentimentos de terna afeição em N.S.
Le Prevost
Reze por nosso retiro da Santa Família, que se encerra no lindo dia da Assunção.
Chego dos banhos de mar que me tinham sido recomendados para a minha fraca saúde.
204- ao Sr. Decaux
Notícias das Santas Famílias. Dá graças pelo bem que fazem suas pequenas obras.
Sábado, 17 de agosto [1850]
Caríssimo Confrade,
Amanhã, contamos com você na Praça Dupleix, ao meio dia e quarenta e cinco: nossos ouvintes
estarão preparados.
Não sei se você pôde assistir ao encerramento de nosso retiro, mas lhe terão dito, se você foi
impedido, que ele fora cheio de consolação.
Bendiremos juntos por isso, caro Confrade, o Mestre dos corações que deu algumas doces
alegrias a essas pobres almas, e prosseguiremos com nossas pequenas obras, pois, em sua fraqueza,
produzem mesmo assim tanto bem.
Todo seu bem afetuosamente em N.S.
Le Prevost
205- ao Sr. Levassor
Recomendação de um jovem para ajudar seu amigo nas obras de caridade.
Paris, 10 de setembro de 1850
Caríssimo amigo e irmão em N.S.,
Você me exprimia, na sua última carta, o desejo de ter um jovem que pudesse ajudá-lo em suas
obras de caridade; tenho um a lhe oferecer, que me parece reunir todas as qualidades desejáveis. Ele é
de uma honesta família da Normandia, tem um exterior muito amável, com boas maneiras, muita
inteligência, de espírito aberto e, sobretudo, com uma piedade verdadeira, um caráter firme e um sólido
amor pelo bem. Ele está com 23 anos somente. Há vários anos deseja completar seus estudos, que só
levou até o quarto ano, para entrar mais tarde no Seminário, mas seu pai opôs uma resistência constante
217
a seus votos. Colocado aqui numa loja de modas, permaneceu bem comportado, cristão e exemplar, mas
sem que seu propósito tenha mudado em nada. O Pe. de Ponlevoy, Jesuíta excelente que o dirige, o
aconselhava a descer um degrau e a se consagrar conosco às obras de caridade. Ele não pode resignar-se
a renunciar às suas esperanças para o sacerdócio.
Parece-me que esse bom jovem, que vi trabalhando e de quem se pode tirar um grande proveito,
lhe seria muito útil e que poderia, se você lhe desse alguns conselhos, continuar sob seus olhos, em
certas horas do dia, seus estudos de latinidade. Ele se comprometeria a ficar com você, ao menos todo o
tempo que durariam esses estudos; talvez, em seguida, o bom Mestre lhe inspirasse a consagrar-se com
você à santificação das almas.
Veja, por favor, caríssimo amigo, o que acha dessa posição; as qualidades desse jovem me fazem
pensar que você teria grande satisfação com ele. Seria preciso, necessariamente, prover à sua parca
manutenção, pois seu pai obstina-se em não mandar-lhe nada e sua mãe, muito piedosa, não pode nada
contra as proibições de seu marido.
Espero de você, caríssimo amigo, uma pronta resposta. Não deixe, ao mesmo tempo, de me dizer
se virá logo dar-nos uma pequena visita.
Seu irmão bem afeiçoado em J. e M.
Le Prevost
União de orações, o conjuro bem insistentemente.
206- ao Sr. Decaux
O Sr. Le Prevost lança-lhe novamente um apelo para uma reunião da Santa Família.
Paris, 18 de setembro de 1850
Caríssimo Confrade,
Os exercícios do retiro da Santa Família nos privaram uma vez de ouvi-lo, pois o Sr. de Bioncourt
tinha recebido sua promessa para a reunião do 11 de agosto, dia em que não tivemos reunião; mas
sempre guardei no fundo do coração a esperança de que não perderíamos nada por ter aguardado um
pouco. Peço-lhe com muita insistência, caríssimo Confrade, para realizar essa esperança, no domingo
próximo em São Sulpício, onde o Pe. Milleriot o vê sempre, como nós, com uma tão viva satisfação.
Estarei feliz por dever ainda à sua caridade essa manifestação de interesse que aumentará, se é
possível, minha gratidão e a de todos os nossos pobres amigos.
Creia também, caríssimo Confrade, em todos os meus sentimentos mais devotados em N.S.
Le Prevost
207- ao Sr. Planchat173
208- ao Sr. Levassor
Importância do elemento sacerdotal no Instituto, para que as Obras atinjam sua finalidade. A obra
essencial por excelência para o Sr. Le Prevost: uma comunidade de homens consagrados a Deus na vida
religiosa e dedicados ao apostolado junto aos operários e aos pobres.
173
Reportar-se à carta 221.
A carta inicialmente datada do 18 de setembro de 1850, é do 18 de setembro de 1851 e foi, portanto classificada sob
o no 221.
218
Paris, 19 de setembro de 1850
Caríssimo amigo e irmão em N.S.,
Sua boa carta se cruzou com uma pequena epístola que acabo de escrever às senhoritas Lesueur,
para pedir-lhes que apressem sua resposta. Ela atrasou, como o tinha um pouco presumido, unicamente
por sua ausência e pelas excursões caridosas, que você acaba de empreender.
Ficarei bem feliz por oferecer pessoalmente meu respeito ao seu venerável Pároco, e o agradeço
muito de antemão pela visita que prometeu me fazer. Estou em Grenelle, rua do Comércio, 75, às terçasfeiras e às sextas-feiras o dia todo; nos outros dias, em Paris, rua do Regard (fora o domingo), do meiodia a uma hora e muitas vezes a manhã toda.
O bom jovem de quem lhe falei consentiria dificilmente em engajar-se para o futuro, mas, para
aliviar sua carga, ele poderia prover a manutenção de sua vestimenta, por meio de algumas pequenas
importâncias que sua mãe acha possível fazer-lhe chegar.
Ofereça muitas vezes ao bom Deus, peço-lhe, pois me pareceria vir dele, o bom pensamento que
o incita às vezes a unir-se a nós. Somos bem pequenos, bem fracos e, no entanto, o bom Deus nos
ampara, abençoa nossos humildes trabalhos e diz ao nosso coração que aceita nosso empreendimento.
Em todas as nossas obras, tendemos ao bem das almas, nosso único fim é trazê-las a Deus; mas, quando
as ganhamos, a quem conduzi-las? Os padres, todos zelosos e benevolentes, sem dúvida, são ocupados e
cheios de mil compromissos, só podem nos dar momentos, em vez de apoiar nossas obras e de
desenvolvê-las com continuidade. Nossa pequena associação só achará seu complemento em sua união
íntima com alguns santos padres que quiserem bondosamente, na caridade e na humildade do Senhor
Jesus, aceitar-nos como irmãos e como amigos. Não é de hoje, caríssimo amigo, você se lembra, que é
questão, para nós, de associar nossos esforços. Desde nossos inícios no exercício da caridade, tínhamos
pensado nisso seriamente. Mas, para realizar enquanto estiver vivo tão desejável união, não se deveria
afastá-la para um longínquo indefinido; estou sempre doentio e meus dias, os tenho somente por favor,
não podendo contar com um longo futuro. Pense nisso, caro amigo e irmão em N.S. e peça ao divino Pai
suas santas inspirações.
Temos, neste momento, uma necessidade mais do que comum do socorro de suas orações.
Diversas coisas estão se movimentando ao nosso redor, que poderiam influir sobre nossa pequena
Comunidade (quanto aos seus destinos). Muitos elementos se apresentam e parecem com boa
disposição; vão fraquejar como tantos outros que nos apareceram? É o segredo de Deus, estamos em
suas mãos. Por outro lado, dois ou três de nossos amigos do interior teriam a intenção de unir suas
obras às nossas. Eles sentem que uma fusão íntima, absoluta, seria o melhor meio, mas encontram
algumas dificuldades. Virão a nós? Então deixam por um tempo as obras por eles iniciadas. Iremos, nós
mesmos, a eles? Mas somos ainda poucos demais e já sobrecarregados demais para nos separar ainda.
Aí está o ponto a definir. Parece-me que as obras têm uma importância acessória. Nascem às centenas
todos os anos e andam tão bem como podem no estado das coisas. Mas a obra essencial por excelência
e primeira seria formar e unir, em uma associação forte e estável, operários dedicados, que sustentem e
ativem todas essas obras atualmente agonizantes, por lhes faltarem apoios estáveis, homens
desprendidos dos cuidados e dos interesses do mundo, que possam, não se emprestar, mas se doar, se
entregar por inteiro. Esse é nosso pensamento, o termo de nossas aspirações. Você, caríssimo amigo,
que uma tão terna caridade une a nós, peça todos os dias, conjuro-o, ao Senhor que Ele esteja
conosco e oxalá também, como marca de seu amor, Ele lhe incline totalmente o coração para nosso
humilde empreendimento.
Acredite-me, nos Corações divinos de J. e de M.,
Seu amigo e irmão
Le Prevost
219
209- ao Sr. Decaux
Agradecimento por sua dedicação.
Paris, 27 de setembro de 1850
Caríssimo Confrade,
Agradeço-lhe por sua amável recusa; vale mais para mim que um assentimento, pois, em lugar de
um favor, você concede dois; assim é que faz nosso Pai Celeste, e você, caríssimo amigo, que quer ser
perfeito, como Ele é perfeito, assume a tarefa de imitar sua divina caridade.
Aprecio bastante também o sentimento de misericórdia que o faz preferir, a qualquer outra, nossa
Santa Família da praça Dupleix e entro de todo o coração em seu pensamento generoso, aceitando sua
oferta, sem prejuízo, todavia, do direito de nossa Santa Família comum: a de Saint Sulpice, que mais
tarde terá também a sua vez.
Não tenho, meu caríssimo Confrade, absolutamente conselho nenhum a dar-lhe; suas
conferências estão perfeitamente convenientes, e você está também no melhor caminho para produzir um
grande bem entre os operários e os pobres.
Espero que o bom Mestre, vendo o uso que você faz de suas forças, lhe devolverá a plena
disposição delas para sua maior glória e o consolo de seus filhos.
Creia bem, como sempre, caríssimo Confrade, em meus sentimentos os mais afetuosos como em
minha bem viva gratidão.
Seu devotado amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
Será nos domingos 6 e 20 de outubro que o aguardaremos na capela da praça Dupleix.
210- ao Sr. Levassor
O Sr. Le Prevost não pensa mais em poder recomendar o jovem previsto para ajudar o Sr. Levassor.
Paris, 30 de setembro de 1850
Caríssimo amigo e irmão em N.S.,
Vi seu venerável Pároco e fiquei feliz em conhecê-lo; agradeço-o por ter-me posto em ligação
com uma alma tão boa e tão cara a Deus. Ele viu nosso jovem e pareceu ter uma opinião favorável sobre
ele. Eu próprio não tenho, hoje, que contradizer as boas informações que lhe dei; no entanto, caríssimo
amigo, sem ter nada de preciso que eu possa alegar contra ele, não me sinto tão certo como estava
precedentemente de que ele possa lhe convir em todos os pontos, sobretudo nas relações tão íntimas e
tão pessoais que sua caridade lhe teria concedido. Retiro, portanto, o pedido que lhe tinha feito a respeito
dele, pedindo-lhe encarecidamente, contudo, que não tenha por isto uma impressão desagradável. Bem
verdadeiramente, não tenho agravo nenhum que possa imputar a esse jovem.
Você me prestaria um grande serviço, caríssimo amigo, se tivesse a bondade de me escrever
imediatamente uma pequena carta, na qual me dissesse que, bem examinadas todas as circunstâncias,
você não pode, por enquanto, tomar novos encargos e acolher conseqüentemente o jovem que lhe
recomendei. Terei assim um meio mais simples e menos chocante do que qualquer outro de me explicar
com ele.
Lamento, quanto a você pessoalmente, caríssimo amigo, por lhe causar assim algum embaraço se
já, contando com ele, tinha preparado algumas combinações; mas não dependeu de mim poupar-lhe
220
essa contrariedade; se eu visse algum meio bem vantajoso e bem seguro de substituí-lo, seguramente
lhe escreveria a esse respeito.
Acredite, como sempre, caríssimo irmão, que sou, na caridade dos divinos Corações de J. e de M.,
Seu afeiçoado amigo e irmão
Le Prevost
211- ao Sr. Levassor
Diligências que efetuou para achar o pregador solicitado.
Paris, 6 de novembro de 1850
Caríssimo amigo,
Cuidei com empenho da missão que você me deu, logo após minha volta de uma pequena viagem
que tive de fazer na semana passada. Os pregadores dos quais você me dá os nomes não estão, a
maioria deles, atualmente em Paris: o Sr. Combalot está pelos lados de Lyon; o Sr. de Place, só estará
aqui, acho, para o Advento. Só restava o reverendo padre de Ravignan; ele me respondeu que lhe seria
totalmente impossível deixar sua casa e chegar a Chartres. Mas pensa que o reverendo padre Lefebvre,
que está neste momento na sua cidade e que deve voltar para lá daqui 15 dias, precisamente na época
quando deve haver seu sermão, seria em todo aspecto o orador que lhe convém. Ninguém, com efeito,
tem maior êxito do que esse excelente Padre nos sermões de caridade. Ele fala com muita unção e tem
um talento admirável para desatar os cordões das bolsas. Aqui se vê como uma felicidade tê-lo como
orador e nenhum pregador atrai mais constantemente a multidão. Acho, portanto, caríssimo amigo, que
você faria uma excelente coisa se obtivesse sua promessa.
Um de meus amigos fez diligências para conseguir-lhe a cooperação do Sr. Alexis Dupont, embora
haja muitas dificuldades, mas ele ainda não está de volta do campo e não está sendo esperado antes do
inverno. Como não mora muito longe, farei com que alguém vá atrás dele até o campo, embora tenha
pouca chance de êxito.
Na falta dele, tentarei obter-lhe o auxílio de um cantor admirável da Abadia aux Bois, que teria
seguramente um grande sucesso em Chartres, mas seria preciso, sem dúvida, dar-lhe uma retribuição e
também a seu acompanhante, de quem teria necessidade, a não ser que você tenha um bem experto em
Chartres, e enfim para os gastos de viagem e de estada. Seria, no conjunto, uma importância bastante
considerável; tenha a bondade de me dizer, antes de tudo, caro amigo, o que custaria a viagem ida e
volta, e o que você acharia ter condições de acrescentar para os gastos e remuneração. Verei, a partir
dessa informação, se tem jeito de fazer alguma aproximação.
Obrigado, caro amigo, pela promessa que me fez de me mandar seu discurso de distribuição.
Você sabe como tudo o que vem de você me é caro e também como me interesso por todas as suas
obras.
Ainda não vi o jovem Martellier. Não preciso dizer-lhe também com que satisfação fico sabendo
que seus esforços obtiveram sucesso e que logo o divino Mestre virá, Ele mesmo, para sua própria casa
abençoar e encorajar seus trabalhos; nós suplicaremos a Ele de todo o coração aqui, a fim de que Ele se
sirva de você para fazer-se amado e glorificado. Ficaria bem feliz por pagar-lhe uma pequena visita, mas
estou tão preso aqui. No entanto, se você estabelecesse uma Santa Família, faria um esforço heróico
para ir vê-lo.
Espero que você esteja bem consolado de não ter o jovem que eu lhe tinha proposto para auxiliálo. Tinha motivos para acreditá-lo bom, pois havia sido colocado perto de nós pelo Pe. de Ponleroy com
grande recomendação. Percebi, felizmente a tempo, que não devia pô-lo em sua casa. Tenho quase a
certeza de que ele não teria respondido à sua confiança e que não a merecia.
Adeus, caríssimo amigo e irmão; fale de novo comigo mais vezes sobre o projeto de unir nossos
trabalhos; esse pensamento me é bem doce e eu seria feliz se o bom Mestre e sua santa Mãe
favorecessem sua realização.
221
Abraço-o com uma terna caridade e sou, nos divinos Corações de Jesus e de Maria,
Seu irmão e amigo
Le Prevost
P.S. --- Três novos irmãos entram em nosso grupo; reze por eles e por nós.
Minhas lembranças bem respeitosas a seu bom Pároco. Meus irmãos o saúdam bem cordialmente
e com sincero devotamento.
212- ao Sr. Planchat174
A entrada do Sr. Planchat na Comunidade é iminente. “O humilde ministério dos pobres”, tal é o
apostolado que espera o Sr. Planchat.
Paris, 10 de dezembro de 1850
Caríssimo amigo e irmão em N.S.,
Enquanto você me escrevia a boa e piedosa carta, que o Sr. padre Gentil teve a bondade de
trazer até Grenelle, eu escrevia, com a data da amável festa da Imaculada Conceição, uma nota que
enviava ao Sr. padre Icard, para aplainar os caminhos, segundo seus conselhos, e de preparar a sua
entrada no meio de nós. Como o Senhor é bom, caríssimo amigo, por indicar-lhe tão claramente sua
adorável vontade e precisar tão nitidamente sua vocação. À inspiração de nossos corações, com efeito, se
juntam os assentimentos unânimes de seu Diretor, dos Srs. Carbon e Icard, seus Superiores, enfim, do Sr.
padre Buquet que fui ver e que, dando plena adesão ao nosso projeto, me prometeu resolver o assunto
no Arcebispado.
Seremos fortes com tais autorizações e, bem seguros de que Deus nos envia, trabalharemos, com uma
dedicação absoluta, a servi-lo e a torná-lo conhecido e amado.
Preciso dizer, caríssimo irmão, que rezamos muito por você, que rezaremos mais ainda, à medida
em que o belo dia de sua ordenação estará mais próximo? Pedir por você, é pedir por nossa pequena
família, por nossos meninos, por nossos pobres, que você edificará mais tarde com a graça e sob a
inspiração de Deus.
Irei ver o venerável Sr. Caduc, na quinta-feira, espero, e serei totalmente feliz em tomar seus
conselhos, em me esclarecer com suas luzes. Enquanto isso, o Sr. Myionnet lhe envia esta palavrinha para
lhe dizer, em nome de todos, o quanto sua vinda próxima alegra nossos corações. Ter-lhe-ia disputado
essa satisfação ou, antes, a teria partilhado com ele, se não estivesse retido na terça-feira em Grenelle.
Nossa alegria será dupla se seu bom amigo, o Sr. Gentil, se considera também chamado a
cooperar em nossas pequenas obras; há muito, o Sr. Myionnet, que o conhece bem, me comunicara o
desejo que sentia de vê-lo, a seu exemplo, assumir o humilde ministério dos pobres, ministério tão lindo,
tão frutuoso, tão repleto de santas consolações. Assegure, portanto, a esse excelente amigo que ele será
incluído em nossas orações como já o é na terna e fraterna afeição que lhe temos dedicado.
Sou nos Corações de J. e de M.
174
Diácono desde o dia 22 de dezembro de 1849, Henri-Matieu Planchat será ordenado padre por Dom Sibour,
arcebispo de Paris, no dia 21 de dezembro de 1850. Deixa St Sulpice em 24 de dezembro e entra em Grenelle. O Sr.
LP. nota em seu diário: “O último admitido é um jovem eclesiástico, o Sr. padre Planchat, que quis se dar todo
inteiro a nossas obras desde que pôde fazê-lo, após sua ordenação. É um fato grave a admissão entre nós de sujeitos
pertencendo ao clero (...), mas a Providência à qual entregamos inteiramente a conduta de nossa pequena obra parece
ter disposto todas as coisas para que suas vias fossem aplainadas e que a união desses jovens padres conosco fosse
consumada.” (JPAC, 27.12.1850).
O excesso de atividades, o esgotamento nervoso, as penas interiores vão obrigá-lo a repousar desde o ano 1851.
Durante um ano, de novembro de 1851 a novembro de 1852, deixa a França para a Itália que visitará de Norte a Sul.
Desde sua volta, esse “caçador de almas” estará depressa com as mãos à obra em Grenelle. Virá a falecer no dia 26
de maio de 1871, em Paris, na rua Haxo, fuzilado pelos Comunardos.
222
Seu devotado amigo e irmão
Le Prevost
P.S. --- Pedirei também por você as orações das Santas Famílias; sábado passado, eu já tinha
escrito, na mesma intenção, à Notre-Dame des Victoires; você vê que seus desejos estavam sendo
prevenidos e que já nos entendemos.
213- ao Sr. Decaux
O Sr. Le Prevost irá à primeira missa do irmão do Sr. Decaux.
21 de dezembro de 1850
Caríssimo Confrade,
Não deixarei de estar presente amanhã na primeira missa de seu querido irmão. Ficarei muito feliz
por me unir a você, numa circunstância tão grave e tão interessante ao mesmo tempo.
Rezarei de todo o meu coração por seu irmão, por você, por toda a Igreja que está em festa em
tal solenidade.
Acredite-me, como sempre, com um cordial devotamento,
Seu muito afeiçoado Confrade
Le Prevost
214- ao Sr. Decaux
Generosidade da Conferência para com a Santa Famíliia.
28 de abril de 1851
Caríssimo Confrade,
Recebi, com sua amável pequena epístola, os 200f que sua Conferência quer bondosamente
conceder à obra da Santa Família.
Agradeço muito cordialmente ao Senhor, que inspira a você e aos seus queridos Confrades uma
tão constante e tão generosa caridade, e peço-Lhe para recompensá-lo por isso, abençoando tudo o que
você faz para a consolação e o alívio de seus pobres.
Meus votos, de resto, já têm sua realização neste ponto, pois sua Conferência é florescente e faz
um grande bem. Todos os nossos pobres do bairro Montparnasse se louvam por seus visitadores e se
mostram animados por uma grande gratidão para com eles.
Receba, caríssimo amigo e irmão, meus sentimentos mais afetuosos em N.S.
Le Prevost
223
215- ao Sr. Decaux
O Sr. Le Prevost solicita seu confrade para vir falar à Santa Família da praça Dupleix.
Paris, 30 de maio de 1851
Caríssimo Confrade e amigo,
Tinha esperado contar com sua presença na última reunião da Santa Família da Praça Dupleix,
mas, tendo encontrado o Sr. de Sandrans desesperado por não ter podido achar orador, tive a
generosidade de renunciar às minhas pretensões e de indicar-lhe sua morada.
Hoje, venho buscar a recompensa de minha abnegação e peço-lhe instantemente para vir nos
indenizar no domingo próximo. Preciso mais do que nunca de seu fiel auxílio, pois a bela estação nos tira
o Sr. de Lambel e quase todos os apoios dessa pobre pequena associação, tão útil, porém, e tão
necessária para esse bairro abandonado.
Conto, portanto, caríssimo Confrade, com sua visita para domingo, e ficarei duplamente feliz se
essa visita for dupla como você já me concedeu alguma vez.
Creia bem em todos os meus sentimentos mais devotados em N.S.
Le Prevost
215.1- ao Sr. Decaux
Agradecimento por ter aceito vir à praça Dupleix.
4 de junho de 1851
Caríssimo Confrade,
Será preciso dizer que aceito com viva gratidão a boa promessa que você me faz de vir às nossas
duas próximas reuniões da praça Dupleix, nos dias 15 de junho e 6 de julho? Sua presença entre nós é
sempre um verdadeiro favor. Nossos pobres o amam e se mostram sensivelmente agradecidos. Tenho
certeza de que o bom Mestre também está satisfeito com você, por uma obra tanto mais meritória a seus
olhos quanto mais escondida e menos brilhante entre os homens.
Creia bem, caríssimo Confrade, em todos os meus sentimentos de gratidão e de fraterno
devotamento.
Le Prevost
216- ao Sr. Decaux
Lembrete para uma reunião da Santa Família.
14 de junho de 1851
Caríssimo Confrade e bom amigo,
Contaremos com você para amanhã na Santa Família do Gros Caillou, na praça Dupleix. É uma
injúria que faço à sua memória que sempre achei tão fiel, mas você me perdoará isso, sabendo bem que
em caso algum poria em dúvida seu zelo e sua bondosa afeição.
Creia bem, caríssimo Confrade, em todos os meus sentimentos mais devotados em N.S.
Le Prevost
224
217- ao Sr. Decaux
O Sr. Le Prevost conta com sua presença no retiro da Santa Família.
Paris, 4 de agosto de 1851
Caríssimo Confrade e bom amigo,
O retiro de nossa Santa Família começará sábado, dia 9, às 7h:30, na igreja dos Carmelitas. Peçolhe, assim como aos nossos Confrades de Stanislas, para lembrar este fato às suas famílias pobres. Elas
serão admitidas no retiro, apresentando suas cartas.
Conto muito, também, com sua presença; os exercícios do retiro serão dados pelo Sr. Duquesnay
que saberá torná-los interessantes, mas sobretudo você reencontrará nele os seus pobres; esse motivo
lhe será o mais decisivo, e você nos concederá sua presença, tenho certeza disso, todas as vezes que
não tiver impedimento.
Creia bem, peço-lhe, caríssimo Confrade e amigo, em todos os meus sentimentos de verdadeira e
cordial afeição em N.S.
Le Prevost
218- ao Sr. Planchat
Instruções para o bom restabelecimento da saúde do Pe. Planchat. Encorajamento ao abandono e à
confiança em Deus.
Paris, 2 de setembro de 1851
Caríssimo filho e amigo em N.S.,
Nosso caro Sr. Maignen lhe escreve uma pequena carta que lhe envio. Ele demorou um pouco
para comunicar-se com você, por causa das muitas ocupações de que foi encarregado durante estes
últimos tempos; hoje ainda, para lhe escrever, esquiva-se às preparações trabalhosas e um pouco
atrasadas de seu Almanach de l’Apprenti.
Bendizemos mil vezes ao Senhor, caríssimo amigo, que dissipa as nuvens em que seu espírito se
sentia envolvido. Ele fará luzir de novo para sua alma a esperança e a doce consolação. Você voltará
forte, ativo, zeloso como no passado, para o serviço do bom Mestre, para o cuidado e a edificação das
almas175; mas todas as suas potências só lhe serão devolvidas no tempo oportuno e quando o Senhor
precisar delas. Até lá, abandone-se a Ele, ande em confiança, sem preocupação com o futuro. Se ousasse
achar alguma coisinha para repreender nas suas disposições durante esta provação, seria um pouco a
falta de abandono e de confiança; talvez, de resto, aprazia ao Senhor conservá-lo assim para melhor
quebrar e purificar este coração de que Ele queria tornar-se o mestre absoluto.
O venerável Sr. Caduc teve a extrema caridade de vir visitar-nos, para nos comunicar as boas
notícias que recebera de você e nos dizer todas as boas esperanças que havia concebido delas; prometeunos voltar e passar alguns instantes conosco. Não tenho até agora notícias de nosso caro Sr. Gentil, mas
tudo me leva a pensar que vai bem. Tinham-lhe falado, antes de sua partida, do posto de capelão da
cadeia Mazas; rejeitou depressa a proposição, querendo ficar na obra das crianças e dos pobres e
partilhar nossos humildes trabalhos.
Creio que seria bom, caríssimo filho, que você escrevesse algumas palavrinhas a nosso bom Pe.
Beaussier, que o ama com ternura e nos fala constantemente de você, com a mais afetuosa atenção.
O Sr. Caduc pensa conosco que você deve terminar sua estação de banhos aí onde está. Quando
terminar, você examinará para qual lado seria bom dirigir-se, para passar mais algum tempo em
descanso e distração. Acho que você só deve pensar em voltar em outubro, quando a estação se tornar
175
O Sr. Planchat está descansando na Normandia, em la Maladrerie Ste Marie, perto de Caen. Partirá para a Itália
somente no mês de novembro.
225
ruim no campo. É preciso que você esteja radicalmente curado. O serviço de Deus como seu interesse,
como também nossa terna afeição, o pedem.
Adeus, caríssimo amigo e filho em N.S.. Sua família natural vai bem, a pequena família espiritual
está também em bastante bom estado; todos o reverão com alegria: seus pobres, suas crianças e nós
mesmos. Reze bem por nós, pois o amamos e oramos também por você de todo o nosso coração.
Seu devotado Pai e amigo em J. e M.
219- ao Sr. Planchat
Firmes recomendações para que o Pe. Planchat cuide bem de sua saúde. Importância das obrigações da
vida religiosa. Elas sempre fortificam pelo espírito de fé e de caridade. Exortação à confiança no amor de
Deus e em sua divina misericórdia. Cena da vida de família em Grenelle.
Paris, 4 de setembro de 1851
Caríssimo filho em N.S.,
Você achará no estabelecimento de Sainte Marie uma primeira carta que eu lhe havia endereçado,
achando que você ainda estava lá. Ela lhe dirá o que lhe repito aqui sem hesitação, que o convido
insistentemente com o bom Sr. Caduc a prolongar suas excursões, após ter completado sua estação de
banhos. É preciso nada negligenciar para fortalecer sua saúde antes da estação ruim; seu repouso e
também o bem que você é chamado a fazer dependem disso. Acho que a estada em Bayeux lhe seria
agradável: essa cidade é linda, muito bem situada, e, o que é melhor, o espírito de fé ainda reina nela,
sente-se ali a vida dos antigos tempos. Disseram-me que o seminário, o colégio e todos os grandes
estabelecimentos estavam lindos.
Nosso caro Sr. Gentil está em Compiègne e prolongará sua estada até o fim da semana que
vem; devia retornar para sábado, dia 6, para celebrar conosco a festa da Natividade; mas, como vi a
possibilidade de deixá-lo alguns dias a mais de repouso, convidei-o a voltar somente para o dia 13 de
setembro. Dia 14, nos fecharemos todos em Grenelle para fazer um pequeno retiro de 4 dias, sob a
direção do reverendo Pe. Lefebvre, que consentiu em estabelecer perto de nós sua residência durante
esse tempo de bênção. Você se unirá a nós de coração, caríssimo amigo, e pedirá ao divino Senhor, por
sua Mãe muito amada, que Ele encha nossas almas do espírito de nossa vocação. É sobre as obrigações
da vida religiosa, com efeito, que o retiro nos será dado. Somos cada vez mais imbuídos desta convicção
de que não se suporta as dificuldades e os trabalhos da vida que temos abraçado, sem apoios fortes e
sempre persistentes, que somente a vida religiosa pode dar; mas a vida comum, a regra e todos os
exercícios apenas são, por si mesmo, formas que devem ser vivificadas pelo espírito de fé, de caridade,
de abnegação, de abandono e de santa confiança em Deus. É esse espírito de vida que colherão, espero,
nossas almas revigoradas pelo retiro, o recolhimento e as piedosas exortações de nosso bom Pe.
Lefebvre.
Adeus, caríssimo amigo e filho em N.S., tenha confiança, Deus o ama, você é seu filho, Ele vela
sobre você, Ele pesa a provação que lhe faz sofrer e não a tornará pesada além de suas forças. Quando
você desconfia de si mesmo, espere na divina misericórdia, abismo tão profundo que nossas misérias nele
ficam logo engolidas. “Vós que me criastes, sede misericordioso para comigo!” Essa pequena oração
santificou Santa Thaïs; ela fará de você um grande santo, se tiver confiança e simplicidade.
O Sr. Maignen escreveu-lhe uma pequena carta, você a encontrará em Sainte Marie. O irmão
Paillé tem, há alguns dias, um resfriamento nos rins que o curva em dois e o faz andar com uma bengala;
como ele sofre pouco e seu mal não oferece perigo nenhum, não podemos deixar de rir um pouco de seu
jeito, e o fazemos rir conosco.
Toda a pequena família vai bem do resto; todo o mundo o ama e reza por você: Pai, irmãos,
pobres e crianças; reze também muito por todos.
Todo seu nos Corações de J. e M.
Le Prevost
226
Vai anexado um vale de 100f.
220- ao Sr. Decaux
Apelo para visita a uma família.
Paris, 8 de setembro de 1851
Caríssimo Confrade e bom amigo,
Ponho sob sua vista o pedido anexado de um casal pobre, que pertence à Santa Família e cuja
situação parece muito digna de interesse.
Ficar-lhe-ei muito agradecido, caríssimo Confrade, se puder fazer com que sejam visitados esses
pobres ou ao menos recebam alguma esperança de que serão visitados no fim das férias. Esse
pensamento os consolará e os fará suportar mais pacientemente seu sofrimento.
Aproveito a ocasião para agradecê-lo por sua boa visita de ontem e por todo o bem que faz a
essas pobres almas abandonadas.
Todo seu em J. e M.
Le Prevost
221- ao Sr. Planchat
O Sr. Planchat deve fazer todo o repouso necessário antes de retornar a Paris.
Grenelle, 18 de setembro de 1851
Caríssimo filho em N.S.,
Parece-me prudente prolongar seu passeio, enquanto não encontrar nele lassidão e
aborrecimento. É um indício de que a natureza pode exigir mais essa concessão, e, sendo que você se
tinha dado a tarefa de recolocar sua saúde em tal estado, que nada mais tivesse a dizer, mais vale
acabar com o problema de uma vez para sempre. Acho, portanto, caríssimo amigo, que fará bem em
seguir o pequeno itinerário que você me comunicou e voltar a Paris quando essa excursão estiver
terminada, se, como bem espero, sua saúde lhe parecer totalmente satisfatória.
Mando hoje mesmo sua pequena carta ao Sr. Caduc, para que ele lhe enderece o que você lhe
pede. O Sr. Beaussier deve ter-lhe escrito em Bayeux.
Adeus, caríssimo filho e amigo em N.S.; resisto à tentação de conversar um pouco mais tempo
com você. Nosso retiro encerra-se amanhã, rezamos muito por você; lembre-se também de nós que lhe
somos ternamente unidos na caridade do divino Salvador.
Seu devotado Pai e amigo em N.S.
Le Prevost
222- ao Sr. Pavie
Falecimento do pai de Victor Pavie. O Sr. Le Prevost deixa falar um coração de cristão e de amigo.
Conselhos para a difusão de bons livros.
Paris, 21 de setembro de 1851
Meu caríssimo Victor,
227
Agradeço-lhe por me dar minha parte na dolorosa provação que aprouve ao Senhor mandar-lhe;
você não se esquece de nós e, apesar de nossos longos silêncios, nosso coração lhe fica também muito
fiel.
Rezamos, meus amigos e eu, e nosso querido Clément em particular, por seu bom pai, por sua
filha, por todos vocês, que estão golpeados como na mesma intensidade, de tão plena e comum era sua
afeição. Se o cristão se pudesse separar do filho, do amigo, lhe diria: morrer cheio de nobres trabalhos,
de afeições fiéis, de serviços prestados; morrer após uma carreira tão dignamente cumprida, coroando-a
por uma morte cristã, que fim lindo! Honras, pesares, ternas rodas, santas esperanças, que lindo comboio
para a morte! A esse preço, quem não a amaria e não a desejaria? Console-se por esse pensamento, caro
amigo, e que sua amizade, sempre tão desinteressada, seja suficientemente generosa agora para aceitar
todo o bem que aconteceu a essa querida alma, ao preço das dores que lhe deixa uma separação. Aí está
o termo de todas as grandes afeições: alimentadas pelo sacrifício, consomem-se no último, o mais
completo de todos, a morte. Amemos até lá os seres mais queridos, até cedê-los a Deus, com a condição
de que sejam felizes. Você, aliás, caro amigo, tão poderoso pela tenacidade de suas afeições, pode
melhor do que um outro sustentar-se pelas recordações, tornar presentes a si mesmo os que não existem
mais, pelas vivas impressões de seu coração. Todos os seus amigos passados estão aí, reunidos ou
sobreviventes, e formam como um mundo seu, onde você perpetua a vida continuando a amar.
Assegure a sua querida mulher de que a recomendo e ao caro filho que ela deve lhe dar, às
ternas solicitudes da Santíssima Virgem, nossa Mãe. Espero que ela os cobrirá a ambos com sua
poderosa proteção.
Não sei nada sobre a propaganda dos bons livros, não tendo cuidado particularmente dessa obra
tão útil. Creio somente que você deve saber excluir e somente espalhar o que é verdadeiro; somente o
puro pode ser benéfico. Empresta-se com pesar e discrição e sabendo a quem, alguns livros de valor
médio como alguns dos que contêm nossas bibliotecas. Mas editá-los, distribuí-los, abandoná-los, até
extinção, a uma circulação ilimitada e sem freio, é uma responsabilidade de consciência que não o
aconselho a assumir.
Adeus, caríssimo, rezemos muito uns pelos outros, e, como quer São Francisco de Sales, amemonos já na terra como nos amaremos no Céu.
Seu devoto amigo e irmão
Le Prevost
223- ao Sr. Caille176
O Sr. Le Prevost faz uma rápida exposição da estrutura financeira da obra do Patronato em Paris. Desejo
de ver em Amiens as boas vontades se juntarem no interesse das obras.
Paris, 7 de janeiro de 1852
Senhor e caríssimo irmão em N.S.,
Respondo pela volta do correio à sua carta, para lhe dar as informações que me pede e que
deseja ter sem demora.
A Obra do Patronato está aqui nas mãos do Conselho de Paris, que regulamenta suas despesas
anualmente. É feito um orçamento para a obra, cujos artigos todos são determinados e não se permite
176
Na frente de uma importante casa de comércio em Amiens, Florent Caille, confrade de São Vicente de Paulo,
havia fundado ali e dirigia obras operárias prósperas. Quis associar-se aos Irmãos de São Vicente de Paulo. O Sr.LP.
aceitou esse confrade engajado no mundo: em 14 de maio de 1852, o Sr. Caille pronunciará votos temporários e
voltará a seu comércio cuja renda serve para manter seu Patronato. Após a morte do Sr. LP. em 1874, o Sr. Caille
deixará o Instituto; (+1887). A correspondância (262 cartas) de ambos terá durado mais de 21 anos.
228
aos diretores empregarem as importâncias afetadas a um artigo para despesas que pertencem a outro; as
contas são revisadas com muita regularidade.
As roupas ou incentivos não são dados senão em troca dos bons pontos; se uma criança, não
tendo essa moeda nas mãos, tem uma necessidade urgente de roupas, recorre-se à Conferência que a
apresentou ao Patronato e que raramente se recusa a dar alguns recursos.
Via de regra, todas as crianças admitidas no Patronato devem ser apresentadas pelas
Conferências. De resto, mostram-se muito dispostas a receber todas aquelas que lhes são recomendadas.
Parece desejável, em geral, que o diretor do Patronato não tenha de se ocupar em criar
recursos, mas que deixe este cuidado às Conferências e só reserve para si a conduta e a direção das
crianças.
Quando as famílias visitadas não mandam regularmente seus filhos ao Patronato, são feitas
representações a elas, pode-se até acrescentar a ameaça de suprimir os socorros, mas não tenho
conhecimento de que haja sido alguma vez executada essa ameaça.
Tais são as regras seguidas em Paris para o Patronato; mas nem é preciso dizer que cada
localidade pode modificá-las em alguns pontos, segundo suas necessidades e conveniências.
Vi hoje o Sr. de Renneville, que já tivera a ocasião de encontrar. Conversamos longamente e nos
entendemos perfeitamente. O resultado dessa conversa foi que seria bom estabelecer em Amiens um
pequeno centro, onde se juntariam alguns homens de boa vontade, para unirem suas forças no interesse
das obras, e que se procuraria em seguida estabelecer relacionamentos tão íntimos quanto possível entre
esta instituição e a colônia do Sr. de Renneville.
Continuarei, caríssimo Confrade e irmão em N.S., a colocar você e suas obras nos Corações de
Jesus e de Maria. Tenho a confiança de que nossos votos serão ouvidos e de que terei algum dia a
consolação de trabalhar em união com você.
Seu devotado Confrade e irmão em N.S.
Le Prevost
223.1- a um Vigário Geral
Relato dos objetivos da Comunidade dos Irmãos de São Vicente de Paulo. Histórico. Intuição do
fundador. União dos dois elementos leigo e eclesiástico. Necessidade do elemento eclesiástico. O Sr. Le
Prevost anseia pela ordenação sacerdotal para continuar a dirigir sua Comunidade. Testemunho
favorável do padre Beaussier.
17 de março de 1852
O abaixo assinado, da pequena Comunidade de São Vicente de Paulo, já honrada várias vezes
pelos benévolos encorajamentos de Monsenhor o Arcebispo de Paris, toma a respeitosa confiança de
submeter ao Sr. Vigário Geral um breve relato sobre a constituição dessa obra e de chamar ao mesmo
tempo sua atenção sobre algumas questões concernentes à sua situação presente.
Há agora sete anos que o expoente e dois de seus amigos, vivamente impressionados pela alta
importância que a Providência parece outorgar, em nossa época, às obras de caridade, resolveram
consagrar a elas sua vida, tomando ao mesmo tempo por fim procurar nisso sua própria santificação e
prestar às obras um auxílio mais estável e mais consistente do que aquele que podem dar de costume os
leigos.
Mediram bem, aliás, a extensão de seu sacrifício; entenderam desde o início que, se quisessem
dar-se a Deus, era preciso, por causa dele, renunciar a tudo e que, se aspirassem a viver juntos, a
extrair na vida comum a força que a unidade proporciona, era preciso que fundissem seus espíritos em
um só e fizessem abnegação de si mesmos. Esclarecidos e amparados pelos conselhos de um santo
Bispo (Monsenhor de Angers), que dirigia um dentre eles e que se achava de passagem em Paris,
229
ofereceram-se sem reserva e aceitaram todas as condições da vida religiosa, excetuando a veste, sendo
que o costume leigo lhes parecia mais favorável ao movimento exterior das obras de caridade.
Os novos irmãos precaveram-se, aliás, de omitir as submissões que deviam a seu próprio
Pontífice. Comunicaram, desde o começo, seu projeto a Dom Affre, que lhes deu seus conselhos com sua
bênção paterna, assegurando-os de sua constante proteção. Desde esse momento, teria até aberto para
ele um alojamento na Casa dos Carmelitas, se eles não tivessem feito à Sua Grandeza a observação de
que era mais conveniente para seus pequenos começos modelarem-se na sombra e estudarem
maduramente os desígnios do Senhor.
É de se notar que um dos três associados era casado, mas em condições totalmente excepcionais,
que tornavam possível uma separação amigável. Ela se fez de um comum acordo, após um ano de prova,
e sob a direção de Monsenhor de Angers ao qual o caso havia sido deferido.
Muitos anos passaram, durante os quais a pequena Comunidade se constituiu, tomou exercícios e
formas regulares, empenhando-se antes de tudo em dar a seus membros o espírito interior e o gosto das
virtudes caras a São Vicente de Paulo e a São Francisco de Sales: a simplicidade, a humildade, o zelo e a
caridade. Seus membros, no número de cinco durante vários anos, elevaram-se mais tarde a 12, depois, a
14, número atual de seu pessoal. Entre eles se acham três jovens eclesiásticos aos quais Monsenhor quis
bondosamente dar poderes para se entregarem às obras de caridade em união com a pequena
Comunidade.
O trabalho de constituição e de informação interior não absorveu tanto os irmãos, que fossem
impedidos de dar também seus cuidados a algumas obras de fora. A obra da Santa Família, agora
estabelecida em sete paróquias de Paris e em várias cidades do interior, os fornos para os pobres, as
Caixas para os aluguéis, umas bibliotecas populares, as casas de patronato dos aprendizes e dos jovens
operários, o asilo para os idosos, designado sob o nome de Casa de Nazaré, enfim, a casa dos órfãos da
rua de l’Arbalète, colocada sob o patrocínio de Monsenhor o Arcebispo de Paris, foram fundadas ou
atendidas por eles. Essas obras, embora bem imperfeitas ainda, deixam, no entanto, esperar que, no
futuro, a pequena Comunidade, desenvolvendo-se, poderia pôr, nas obras, um elemento de consistência e
de estabilidade que lhes falta e sobretudo (aí está seu primeiro fim) manter nelas o espírito de fé e de
verdadeira caridade.
Achar-se-ia ainda uma idéia bastante exata da ação que ela poderia exercer, nos fatos que
aconteceram em Grenelle, onde alguns de seus membros estão estabelecidos.
O Sr. Vigário Geral já sabe que à sua chegada encontraram o venerável pároco dessa paróquia
abatido, desanimado por 9 anos de esforços e trabalhos em aparência sem fruto, pastor sem rebanho,
assim como ele mesmo dizia tristemente. Logo uma Conferência de São Vicente de Paulo reuniu, ajuntou
os homens cristãos e em seguida, sucessivamente, a visita dos pobres, uma biblioteca popular, fornos, um
patronato de aprendizes e de jovens operários, catecismos cotidianos aos adultos, às crianças das
fábricas, enfim relacionamentos diários com os moribundos, produziram um movimento geral na
população e, pouco a pouco, a reaproximaram da Igreja. Hoje Grenelle, asseguram, está sob o aspecto
religioso, uma das melhores paróquias da periferia: os ofícios, a Quaresma, o mês de Maria, a Adoração,
estão acompanhados ali por um povo bastante numeroso, e grandes consolações são dadas ao coração
do venerável Pároco.
Sem exagerar a fraca parte que o Senhor lhes permitiu ter nessa feliz mudança, os irmãos
pensam, no entanto, que ela indica bastante bem o papel que tomaria com o tempo a pequena
Comunidade, como preparação e assistência da ação do clero.
É fácil compreender quanto, numa associação semelhante, a presença de alguns eclesiásticos é
útil e quanta força os dois elementos eclesiástico e leigo, estreitamente unidos por um mesmo espírito de
zelo e de caridade, podem se prestar um ao outro. Fora dessa combinação, ou a maior parte das obras
são impossíveis, ou então sem alcance – o clero das paróquias, demasiadamente ocupado pelo ministério,
não podendo desviar-se dele para satisfazer aos cuidados e serviços multiplicados das obras. Por isso, o
abaixo assinado se apraz em reconhecer que o bem espiritual cresceu sensivelmente nos trabalhos da
pequena Comunidade, desde que a colaboração de alguns eclesiásticos lhe foi concedida e que ela só se
julgou completa em sua constituição a partir do momento em que sua união com ela pareceu assegurada.
230
Mas, quanto mais esse acordo parece desejável e pode produzir felizes frutos, tanto mais importa
torná-lo duradouro e prevenir os obstáculos que poderiam alterá-lo. É, portanto, bem essencial colocarlhe, desde agora, as bases, de tal modo que possam subsistir e manter-se.
Quando os jovens eclesiásticos designados aqui entraram na Comunidade de São Vicente de
Paulo, esta já existia há vários anos, encontraram-na constituída, tendo seu regulamento, seus exercícios,
sua vida, em uma palavra. Aceitaram-na humildemente, tal qual estava, e reconheceram também a
autoridade que a conduzia, todas as reservas feitas da honra de seu caráter e das latitudes necessárias a
seu ministério. A ordem e a paz existem até agora nessas condições. Há, no entanto, na prática, alguns
embaraços, e haveria talvez, com o tempo, algumas dificuldades em uma tal disposição. Um leigo, sem o
hábito religioso sobretudo, dificilmente pode distribuir convenientemente as funções, regulamentar os
exercícios e os atos de um eclesiástico (fora de certos casos e em vista de honrar os estados submissos e
dependentes do Salvador). As coisas seriam melhor na ordem e satisfariam mais o coração de todos se o
chefe da Comunidade fosse eclesiástico. Ora, aí está o ponto difícil; a hora não teria chegado para os de
dentro, jovens demais e ainda demasiadamente pouco experimentados. Escolher alguém de fora não seria
mais aceitável, pois as obras se modelam de costume pelas mãos dos que as suscitaram; de ambas as
partes e segundo o parecer dos homens mais sérios, haveria inconvenientes graves e peremptórios.
Nessa situação, o que sobraria portanto, a não ser que aquele que conduz atualmente a
Congregação, que lhe concebeu a idéia, reuniu seus elementos e dirigiu seus primeiros começos com a
ajuda visível de Deus, fosse confirmado na sua posição com o caráter e as graças que a tornariam mais
santa e mais verdadeira? Assim melhor autorizado, ele poderia regularmente determinar as funções e os
lugares de cada um, equilibrar os dois elementos da obra e dar-lhe uma base firme e definitiva que
asseguraria seu futuro. Ele ousou esperar que essa consideração pesasse bastante junto a Monsenhor o
Arcebispo, para que Sua Grandeza se dignasse examinar se ele não poderia ser admitido nas ordens
sagradas.
Confessando sua insuficiência e sua indignidade, alegaria para compensá-las, de um lado, vinte
anos empregados nos trabalhos de zelo, de caridade e nos ensinamentos religiosos, de outro lado o apelo
interior de Deus que desde a idade de 20 anos (ele tem agora 48 anos) não cessou de persegui-lo com a
convicção íntima, profunda, de que um dia ele entraria na milícia santa. Impedimentos de família, de
saúde e outros tornaram, em diversas épocas de sua vida, suas tentativas vãs, mas o desejo persistiu e,
com ele, a esperança.
Hoje, um obstáculo se apresenta ainda; ele foi casado, assim como foi dito precedentemente, e só
tem sua liberdade em virtude do consentimento formal e regular, dado por quem de direito. Esse
impedimento é decisivo e absoluto? Ele não acha e conjura o Sr. Vigário Geral a examinar as razões que
tem para assim julgar.
1o --- Ele declara, na verdade a mais inteira, que só renunciou à sua liberdade após ter-se
assegurado mais uma vez de que sua saúde se opunha à sua admissão no seminário; que, em segundo
lugar, não tomou esse compromisso por nenhum motivo de interesse ou de paixão, mas unicamente por
um sentimento de generosidade, exagerada talvez, e para dar apoio a uma pessoa que lhe inspirava uma
estima e uma afeição merecidas, e que o isolamento e o aborrecimento haviam jogado num estado de
marasmo e de hipocondria que ameaçavam sua razão e sua vida. Essa pessoa tinha 17 anos a mais do
que o abaixo assinado; foi combinado expressamente que as relações entre eles não mudariam e que
permaneceriam como irmão e irmã. Esse acordo foi exatamente guardado.
2o --- Desde o início, a separação de bens aconteceu como a separação de corpos.
3o --- Após alguns anos, essa pessoa tendo entrado em disposições de espírito melhores, tendo
retomado seus relacionamentos e o movimento da vida ordinária, o abaixo assinado acreditou que sua
tarefa estava preenchida, ele pediu e obteve o consentimento de que precisava para entrar em
comunidade e consagrar-se à vida religiosa.
4o --- Ela, todavia, fez uso desse consentimento somente ao fim de um ano de provação e após
ter-se assegurado de que era definitivo. Esse assunto foi acompanhado e resolvido por um santo Prelado
(Monsenhor o Bispo de Angers), que bondosamente quisera examiná-lo. Essa separação há muito
preparada não suscitou nem curiosidade, nem surpresa.
5o --- Desde então (quer dizer, há 7 anos) as duas partes, permanecendo respectivamente com
sentimentos de estima e de benevolência, não tornaram a se ver, uma estando fixada em Paris, a outra
231
tendo constantemente morado na diocese de Lyon, onde tomara residência durante esses últimos anos,
vivendo ali em hábitos cristãos e em uma reserva de conduta conforme a toda sua vida.
6o --- Ela tem presentemente 65 anos; goza de uma fortuna suficiente e inteiramente
independente.
Poderiam, é verdade, objetar que, rigorosamente, as regras pedem que a parte restante entre em
comunidade, mas um caso tão excepcional, uma reunião de circunstâncias tão raras não poderiam
justificar uma medida particular, tal como a Igreja muitas vezes o admitiu?
O venerável eclesiástico que dirige o expoente há dez anos, o Sr. padre Beaussier, dá, aliás, um
pleno assentimento a essas considerações e junta suas instâncias. De seu lado, o Sr. Vigário Geral que, há
tantos anos, nunca o perdeu de vista, lhe recusaria seu testemunho e não consentiria em responder, se
precisar, que, por uma docilidade profunda, uma circunspeção constante, ele daria inteira garantia à
autoridade e que sua vida toda circunscrita ao pequeno círculo de suas obras, continuaria sendo tão
obscura, tão escondida como pelo passado?
Tais são as considerações que o abaixo assinado submete à benevolente apreciação do Sr. Vigário
Geral. Ele ousa esperar que, de um lado, pelo interesse numa obra visivelmente abençoada por Deus, a
qual já fez algum bem e que promete fazer mais ainda se sua caminhada não for entravada; e, do outro
lado, por misericórdia para com uma alma durante muito tempo quebrada e contrariada nos seus votos
mais caros, ele tomará em mãos seu requerimento e lhe providenciará um acolhimento favorável de
Monsenhor o Arcebispo.
Profundamente agradecido por uma graça toda imerecida, ele tomaria o compromisso formal de
conservar a recordação dela até seu último instante e de colocar em todas as suas orações e sacrifícios
uma intenção particular e especial pelo Primeiro Pastor da Diocese e pelo rebanho que ele conduz.
Le Prevost
(TESTEMUNHO DO SR. padre BEAUSSIER)
Encarregado desde o início de dirigir os membros da pequena Comunidade de São Vicente de
Paulo, creio poder assegurar que ela está em boas condições para se fundar no espírito interior, objeto
principal da obra, e, nos limites da obediência, operar um grande bem por fora nas obras de zelo e de
caridade.
Acho, além disso, que seria essencial, para pôr esta Comunidade numa situação regular e
definitiva, que fosse conduzida por um Superior eclesiástico, o qual, no meu ver, não poderia, sem graves
dificuldades, ser tomado fora da obra. Tal como é concebida, me parece abrir uma carreira aos jovens
eclesiásticos que teriam vontade de consagrar-se às obras de caridade e eu acharia bom que esse
caminho fosse seguido.
Enfim, quanto ao voto particular emitido pelo Sr. Le Prevost, no que diz respeito a ele, não
somente dou-lhe meu inteiro assentimento, mas gosto de juntar minha diligência à dele, no pensamento
de que Deus o chama a completar a obra que Ele lhe deu para começar.
J.B. Beaussier – Padre
17 de março de 1852
224- ao Sr. Decaux
A presença do Sr. Decaux é vivamente desejada na Santa Família da praça Dupleix, como na obra do
irmão Maignen, em Grenelle.
Paris, 29 de abril de 1852
Caríssimo amigo e irmão em N.S.,
Sua última aparição em nossas Santas Famílias quase se perde na noite do tempo; nossa brava
gente da praça Dupleix, em particular, começa a se queixar disso. Precisaria, portanto, para eu fazer as
pazes com eles, que você tenha a caridade de vir a nós domingo próximo; eu ficaria muito agradecido por
isso, e eles também, pois sentem verdadeiramente o bem que lhes é feito; mais abandonados que os
outros, apreciam melhor um testemunho de interesse e de sincera benevolência.
232
Espero, caríssimo Confrade, que nada o impedirá de aceder aos nossos votos e que me será dado
encontrá-lo por alguns instantes.
Queira ser bem assegurado de meu afetuoso devotamento em N.S.
Le Prevost
P.S. --- O Sr. Maignen, por sua vez, me diz que ficaria bem feliz, se você pudesse presidir sua
distribuição trimestral em Grenelle; tudo iria assim às mil maravilhas, a praça Dupleix lhe serviria de etapa
para chegar a Grenelle, e, à noite, você poderia dar graças a Deus por um dia tão bem empregado.
Até domingo, portanto, caro Confrade, contamos com sua boa vontade tão constante.
225- ao Sr. Decaux
Gratidão por sua benevolência e pela de seus Confrades.
Paris, 12 de maio de 1852
Caríssimo Confrade e amigo,
Você comunica à sua Conferência o espírito de confiança e de generosidade que o anima, e doa
largamente, mesmo quando o Senhor parece fechar sua mão. Possa Ele, caríssimo amigo, tocado por seu
abandono filial, mandar-lhe a cada dia tudo o que lhe pedir para seus pobres. Agradeça bem, em nome
de nossa Santa Família, seus caros Confrades, que lhe são tão benevolentes e que guardam tão fielmente
a tradição que receberam de seus predecessores. Quanto a nós, consideramos ponto de honra sermos tão
agradecidos quanto vocês são dedicados à nossa obra, e conservamos uma lembrança inapagável de todo
o bem que nos têm feito.
Adeus, caríssimo amigo, farei o que você pede, rezarei de todo o meu coração por você; peço-lhe
algum retorno por nós.
Seu de coração e para sempre em J. e M.
Le Prevost
P.S. --- Obrigado por ter escolhido um tão amável mensageiro para nos entregar os 200f votados
por sua Conferência.
226- ao Sr. Decaux
Convite para falar à Santa Família da praça Dupleix.
Paris, 19 de junho de 1852
Caríssimo amigo e Confrade,
Amanhã, a gente pobre da praça Dupleix estará preparada para ouvir algum de seus bons e
amáveis colóquios; escuto como eles e, à noite, conto a meus amigos o que você nos disse. Está vendo
que tudo isso produz algum bem; não esqueça, portanto, de vir até nós, e, todas as vezes que não for
retido em outro lugar, saiba que entre nós você é sempre esperado.
Seu bem afeiçoado amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
227- ao Sr. Decaux
Desculpas por uma reunião da Santa Família que não pôde se realizar como previsto. Novo convite para
o mês de julho.
233
Paris, 23 de junho de 1852
Caríssimo Confrade e amigo,
Tive a contrariedade, domingo, de chocar-me contra a porta fechada da Santa Família da praça
Dupleix, mas fiquei sobretudo contrariado pelo pensamento que, de seu lado, você teria perdido seus
passos e seu tempo por minha culpa e por minha falta de memória.
O Sr. Baptifolier tinha bem explicado que no dia da Festa de Corpus Christi não haveria missa na
praça Dupleix. Não entendi que seria a mesma coisa para o dia da Oitava.
Seja indulgente por essa falha, caríssimo amigo, e não castigue por isso nossa brava gente, que
espera ouvi-lo no primeiro domingo de julho; serei, da minha parte, bem comovido por esse novo
testemunho de sua grande caridade.
Seu todo afeiçoado irmão e amigo em N.S,
Le Prevost
228- do Sr. Lantiez177 ao Sr. Planchat
P.S. do Sr. Le Prevost
União nos Corações de J. e de M. A família se firma.
22 de julho de 1852
Caríssimo irmão,
Não me queira mal, por ter demorado tanto em responder-lhe e por aproveitar sua estada em
Vallombreuse para agradecer-lhe as diligências que fez para os privilégios. E para concluir primeiro esses
assuntos, lhe direi que não tenho vontade de gastar meu dinheiro nem o da Comunidade para isso. No
entanto, se você pudesse conseguir alguns para mim, sobretudo para a recitação do breviário, me
agradaria muito. Faça o que puder, e aconteça o que acontecer. Quanto às minhas ocupações e
disposições, ei-las: há três dias atrás, eu dava aula às nossas crianças, substituindo o Sr. Bonnat, esses
Senhores estando em situação difícil. E aí está a ocupação que me tinha impedido de lhe responder.
Depois, as crianças são conduzidas a uma escola, o que me aliviou e aproveito para lhe responder. Estou
agora raras vezes em Grenelle: no sábado e no domingo à noite somente e na segunda-feira o dia todo.
Os outros dias, passo-os na rua de l’Arbalète. É bastante difícil dar-lhe uma idéia de minhas ocupações;
ao entrar, há 7 meses, me tinha apegado quase exclusivamente a Grenelle; fora de algumas crianças que
confessava numa escola da rua do Fossé Saint Jacques, não fazia nada em Paris. O Sr. Gentil tendo ido
embora, foi preciso mudar meus planos. Estive, então, numa mudança contínua de regulamento. Agora,
espero ser mais estável. Deus sabe se alguma boa pequena tribulação, que sua bondade paterna nos
enviará, não me recolocará ainda em movimento. Enquanto isso, gozo de meu descanso, tencionando
gastar meu tempo entre a Escola Comunal de Grenelle, as crianças da rua de l’Arbalète, o catecismo da
noite em Grenelle e, em Paris, a preparação de meu exame. Há, sem dúvida, alguns trabalhos que
parecem estar chegando, mas nos quais não ouso pensar, de tanto medo que me dão.
Quanto às minhas disposições interiores, fora de algumas nuvens passageiras que ornam de
modo bastante agradável o horizonte e quebram a monotonia, em meu coração está sempre a brilhar
um sol lindo. A esperança de revê-lo, e a de possuir logo o Sr. Hello vêm também agradavelmente me
amparar. De resto, o fervor e a amizade de nossos bons amigos em N.S. bastam para me tornar a vida
177
Antigo aluno arquiteta, Louis Lantiez (1825-1916), estava no Seminário São Sulpício, quando o padre Gentil, que
ajudava nas obras da Comunidade, tinha levado seu antigo condiscípulo ao Sr. LP. O Sr. Lantiez entra na
Comunidade no dia 10 de janeiro de 1852. Será capelão do orfanato de Vaugirard e o apóstolo zeloso dos meios
populares. Eleito superior geral na morte do Sr. LP., ficará dez anos na frente da Congregação, antes de deixar seu
cargo ao Padre Leclerc, no dia 20 de agosto de 1884.
234
mansa e tranqüila e para fazer de mim um segundo Meunier Sans-Souci. De resto, vou confessar-lhe
francamente que estou longe de ser um perfeito religioso. Não sei se isso virá a acontecer, mas está
acontecendo bem pouco. Nosso bom Pai, o Sr. Le Prevost, sempre diz que o principal é o coração, e que
parece-lhe que o tenho. Isso me consola somente pela metade, conhecendo o provérbio: a forma muitas
vezes arrasta o fundo. Venha me edificar, me ajudar, sobretudo, cure-se uma vez por todas. Peça bem
ao grande São Bento que me obtenha um pouco o amor do recolhimento e do retiro: sou um pouco
volúvel, leviano e disperso, para não dizer muito. Teria necessidade de um pouco de chumbo na cabeça,
de um pouco mais de constância nas minhas obras. Não sei prosseguir o bem por muito tempo, quando
se encontram algumas dificuldades na estrada. Assim, sua pobre negra, que está gravemente doente há
algumas semanas, não me vê há muito tempo. Minha negligência e minha covardia me afastaram de seu
catre, etc., etc. Ainda pensam em você em Grenelle; durante muito tempo me chamaram de Sr.
Planchat. Ainda agora está acontecendo, ou me chamam seu irmão, etc. Enfim, se você pudesse voltar
para servir ao bom Deus conosco, não seria nada ruim, se o bom Deus lhe permite isso, todavia, pois,
antes de tudo, Sua vontade. A Comunidade não vai mal neste momento, houve muitas perdas, em parte
reparadas para o serviço das obras pelas últimas medidas. No entanto, nosso pessoal ficou menos
numeroso: pauci, sed boni, [poucos, mas bons], Deus queira que se possa dizer isso. Você está vendo
que só faço aflorar as coisas, mas a razão é que, para entrar nos pormenores, seria-me preciso rabiscar
durante muito tempo, o que me incomodaria muito, 1o – porque não gosto de escrever, salvo aos meus
bons amigos como você; 2o – porque tenho 30 sermões a preparar, exortações ou catecismos e que,
desde que estou no ministério, ainda não pude preparar um por inteiro. Trabalho somente por
fragmentos e pedaços. Deixo-o, portanto, com pesar, para preparar para os meus pequenos a comida
delicada que reclama a fraqueza de seu estômago. Dei-lhes em demasia apenas pão grosso. Até logo,
portanto, caro irmão em São Vicente de Paulo; sejamos unidos no amor de N.S., de sua Santa Mãe, de
São José e dos Pobres. Rezemos uns pelos outros.
Seu todo devotado e afeiçoado em N.S.
L.Lantiez - padre
Para não atrasar esta carta, caríssimo filho e amigo em N.S., coloco nela somente estas duas
palavras para assegurá-lo de nossas ternas lembranças, de nossa união constante a você nos divinos
Corações de J. e de M.. Vou lhe escrever em breve mais por extenso; vamos bem, reze sempre para que
vamos melhor ainda; a pequena família firma-se, aumenta, se não seu número, ao menos sua união e seu
bom espírito; possa o Senhor nos confirmar em sua divina caridade.
Abraço-o com ternura nEle e em sua Santíssima Mãe.
Le Prevost
229- ao Sr. Paillé
Deus quer a unidade da Comunidade nascente e a edificação mútua. Um candidato à vida religiosa se
afasta da Comunidade. O Sr. Le Prevost pensa em refazer sua saúde na Normandia. O que enriquece a
vida comum são “as orações e as obras de cada um, postas em comum e oferecidas por todos”, o Cristo
acrescentando seus méritos infinitos.
Paris, 15 de agosto de [1852]
Festa da Assunção
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
A divina Providência, cuja conduta é sempre tão terna para conosco, me poupou este ano e me
tornou fácil, mais do que de costume, a preparação do retiro da Santa Família, para a qual vários
elementos concorreram. No entanto, estou tão cansado, que o trabalho foi ainda muito pesado para
minha fraqueza; tive, portanto, na minha caminhada, que deixar para trás a maioria de meus outros
afazeres e em particular, caríssimo amigo, a resposta que teria gostado de dar, sem demora alguma, à
sua boa pequena carta. Hoje, como o retiro está perto de terminar, apresso-me a escrever-lhe duas linhas
para tranqüilizá-lo sobre o estado de todos os nossos queridos irmãos e sobre o conjunto das coisas que o
bom Mestre nos confiou. Tudo vai bem, graças ao Senhor e à sua Santíssima Mãe. Nossos irmãos estão
com saúde, nossas crianças também, nossas obras não sofrem demais e começam a se reerguer nos
pontos onde se arrastavam; tenho, portanto, boa esperança para o futuro. Conto também, entre os meus
motivos de consolação e de alegria, as piedosas disposições que você me exprime e as resoluções
corajosas nas quais se entretém. Não duvidei um só instante, caríssimo filho, de seu coração e das boas
235
inspirações que o Senhor lhe dará. Sua divina Sabedoria teve seus desígnios ao reunir-nos e, quaisquer
que sejam suas intenções sobre o futuro de nossas obras, estou intimamente convencido de que sua
vontade é que os primeiros elementos de nossa pequena família fiquem invariavelmente unidos, vivam e
morram juntos, amparando-se, edificando-se um ao outro. Não vejo nenhum dentre nós que não esteja
com esses sentimentos. Vamos conservá-los fielmente, será nossa força e uma fonte de verdadeiras
consolações para nós.
Nosso bom amigo, Sr. Bonnat, não parece dever estar desse número; ele sente-se
constantemente na necessidade de pertencer a uma ordem religiosa definitivamente constituída, que
tenha um hábito e votos. Escreveu nesse sentido a nosso Padre Beaussier, que consente em ele buscar
seu repouso numa outra via. Tinha, eu mesmo, dúvidas sérias sobre sua vocação, e só posso dar pleno
assentimento ao desejo de nosso amigo. Envio-lhe, na carta anexa, um mandato de 70f que lhe será
suficiente para chegar junto à sua tia ou à destinação que tiver escolhido. Rezaremos por ele e tenho a
confiança de que continuaremos unidos na divina caridade.
Como dizia-lhe no começo, caríssimo amigo, sinto um grande cansaço e estou um pouco
esgotado. Creio que, para acompanhar utilmente nossos trabalhos neste inverno, tenho necessidade de
refazer minhas forças por algum repouso; mas estou bem incerto sobre o meio a tomar; os banhos de
mar são bons talvez, mesmo na estação tardia, para as pessoas mais fortes do que eu, mas recordo-me
de que, nos dias frescos, os banhos me faziam tossir e me irritavam muito o peito. Como você está no
próprio local, será melhor juiz, caro amigo, do que convém e pode ser útil: aguardarei, para me decidir,
que você me tenha escrito de novo. Talvez quinze dias passados na casa de minha irmã, no bom ar da
Normandia, me fizessem todo o efeito necessário e me recolocassem em boa forma. Aguardo, portanto,
sua carta para tomar uma decisão sobre um ou outro meio.
Nosso retiro da Santa Família foi muito bom, embora menos numeroso do que no ano passado; a
festa e o fogo de artifício nos prejudicaram um pouco para a bênção do Santíssimo do dia da Assunção;
mas, no conjunto, é um bom e santo empreendimento que o bom Mestre abençoou e pelo qual será
grandemente glorificado, espero. Nosso caro amigo, Sr. Hello, seguiu os últimos exercícios do retiro e
passou aqui dois dias conosco; esteve perfeitamente edificado com as disposições de nossos bons
operários.
Estou feliz por pensar, caríssimo amigo, que a Providência tratou um pouco de dar-lhe em Saint
Valery as condições melhores para descansar e se refazer. Acompanho-o pelo pensamento em suas
pequenas peregrinações e tenho a confiança de que sua alma ganha tanto quanto o seu corpo com essas
calmas distrações; aproveite, com toda a paz, e faça para nós uma parte em suas orações e sacrifícios;
assim é que se alimenta a vida comum: pelas orações e as obras de cada um, postas em comum e
oferecidas por todos; o divino Mestre junta a isso sua entrada, quer dizer seus méritos infinitos, seu
sangue e todo o seu amor. Felizes as famílias cristãs que sabem fazer para si um tal tesouro!
Adeus, caríssimo filho, ficarei feliz em revê-lo; até lá abraço-o nos divinos Corações de J. e de M.
Seu afeiçoado amigo e Pai
Le Prevost
230- ao Sr. Myionnet178
Lástima do Sr. Le Prevost por estar longe de seus irmãos. A hora parece ter chegado de se consagrar a
Deus pelos três votos: “nunca tivemos outro pensamento”. Apesar das provações, felicidade de ser
chamado à vida religiosa.
St Valéry-en-Caux, 23 de agosto de 1852
178
A carta é endereçada ao Sr. Myionnet, rua de l’Arbalète. Após a de 1832, uma nova e grave epidemia de cólera se
tinha abatido sobre Paris em 1849, fazendo um grande número de órfãos. O Sr. LP. tivera a idéia de acolher uns
cinqüenta deles, no quadro das Conferências. Desejoso de alargar o círculo de suas obras, acha para alugar uma casa
para seu próprio Orfanato. No dia 2 de fevereiro de 1851, instala-se no no 39 da rua de l’Arbalète (39bis nos endereços
das cartas), no bairro da rua Mouffetard. O irmão Myionnet é seu primeiro diretor e o Sr. Lantiez o primeiro capelão.
No dia 8 de fevereiro de 1854, o Orfanato, e seus 90 meninos, deixará a rua de l’Arbalète para se instalar em
Vaugirard, na rua du Moulin, (que se tornou, em 1877, rua de Dantzig).
236
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Se tivesse ligado para meu desejo, ter-lhe-ia escrito desde o dia após minha chegada, pois já me
parecia que o tinha deixado há muito, assim como nossos caros irmãos e nossas pequenas crianças. Aliás,
não estou muito longe de vocês pelo pensamento, pois o irmão Paillé e eu falamos de vocês ou rezamos
por vocês: dupla maneira de tornar presentes os amigos ausentes. As poucas linhas que estou-lhe
escrevendo aqui serão mal legíveis, pois escrevo ao ar livre, com uma simples pedra como apoio dos pés.
Ainda não adiantei muito minha estação de banhos, pois tomei somente dois até agora, o mar
tendo sido encrespado há dois dias. Hoje mesmo, as ondas estavam tão fortes que me derrubaram duas
vezes com meu irmão Paillé, que queria me servir de apoio e que simplesmente caia comigo. Felizmente,
não havia perigo. Qualquer que seja o tempo, favorável ou não, não pretendo prolongar muito minha
estada aqui; na segunda-feira, acho, partirei para pagar à minha irmã a visita com a qual ela conta e que
não saberia lhe recusar; após um curto descanso perto dela, retornarei para junto de vocês um pouco
mais forte, espero, bem decidido, em todo o caso, a trabalhar da melhor forma possível com vocês pela
glória de Deus e pelo sustentáculo de nossas obras que não têm outra finalidade. Procuro aqui mesmo
não ficar inteiramente inútil; acabo de escrever longamente ao nosso Padre Beaussier, para que reze
ardentemente por nós com as santas almas que o cercam; comunico-lhe ao mesmo tempo os poucos
pensamentos que vieram em nossa mente e peço-lhe seu parecer sobre diversos pontos que nos
interessam. A reflexão só fez confirmar-me no sentimento de que o divino Mestre nos pede para dar mais
um passo a seu serviço, para apegar-nos a Ele por um laço mais forte e unir-nos ao mesmo tempo uns
aos outros mais firmemente do que no passado. As disposições de cada membro da Comunidade tomado
separadamente são perfeitas: espírito, coração, forças, tudo pertence a Deus e é para Deus; é preciso
unir e fundir esses elementos preciosos, fazer deles uma força comum, um amor comum e empregar
esse poderoso meio para glorificar o Senhor, nos santificar a nós mesmos e ajudar na salvação de nossos
irmãos.
Será que já tivemos um outro pensamento e não esperamos tudo de Deus? Como, portanto, ele
nos rejeitaria, Ele que procura os que fogem dele e que bate à porta que se fechou diante dEle? Sintome cheio de esperança; veniens veniet [ele virá chegando], nos repete muitas vezes nosso bom Pe.
Beaussier; o Senhor vem, seu dia chegará; tenhamos paciência e perseveremos, já assim mereceremos
bem do nosso Deus. Pois a paciência nos une ao Coração de Jesus, a perseverança é um sinal da
confiança e do amor.
Gostaria de poder escrever aqui algumas linhas particulares para cada um; mas, ao tornar-se tão
geral, minha carta não atingiria mais a ninguém. Limito-me a recomendar aos nossos queridos irmãos que
esqueçam as poucas dificuldades e penas de cada dia para pensar na graça imensa que Deus lhes tem
feito ao confirmá-los na fé, ao dar-lhes tantos meios de preservação e de salvação; mal tenho posto um
pé fora da nossa Comunidade e percebo somente por um curto instante algumas cenas do mundo. Oh!
como elas me fazem apreciar o estado santo em que estamos colocados, como me mostram as
dificuldades da salvação numa tal atmosfera; como são felizes aqueles que Deus pôs ao abrigo num ar
mais puro e que Ele faz andar sob seu olhar, ao som de sua voz paterna! Digne-se o Senhor guardar-nos
a todos assim, até o nosso último dia.
Ficarei encantado se receber uma pequena palavra particular de cada um dos irmãos que tiverem
um momento de folga a me consagrar. Responder-lhes-ei também e isso tomará o lugar do pequeno
colóquio que temos cada semana juntos. Não recomendo ao nosso caro padre Lantiez seu pequeno
noviciado e a alma de suas pequenas crianças; ele as tem todas em seu coração e as choca como uma
galinha que tem seus filhotes debaixo das asas. Imita assim nosso bem-amado Jesus, que se ofereceu a
nós sob essa doce imagem. Meu filho Maignen pode comprar definitivamente o Cristo de Fiesole;
decidimos, meu irmão Paillé e eu, que venderíamos a Santa Barba que está na rua do Regard, para cobrir
uma parte da despesa. Peço-lhe para ver o Pe. Bourard e dizer-lhe que irei visitá-lo na minha chegada; de
outro jeito, eu pareceria sem civilidade com ele. Abraço-os a todos bem ternamente, caríssimos filhos,
meu afastamento me faz sentir mais vivamente ainda o quanto vocês me são caros; unamo-nos nos
Corações divinos de J. e de M. para atravessar esse mundo e atingir a eterna união que nos espera em
Deus.
Seu amigo e Pai em N.S.
Le Prevost
237
231- ao Sr. Myionnet
Precisões sobre seu endereço em St Valéry e a respeito de seu correio. A São Luiz.
St Valéry-en-Caux, 24 de agosto [1852]
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Percebo que omiti, em minha carta de ontem, nosso endereço preciso; até segunda-feira próxima,
estaremos em St Valéry-en-Caux, na casa de Dona Gagnerelle, estrada de Dieppe. O irmão Maignen o
sabia, mas pode tê-lo esquecido.
Se chegasse para o irmão Paillé uma carta de Esternay, peço-lhe para mandá-la para nós. Você
pode abrir minhas cartas a fim de que, se houvesse algum negócio um pouco urgente, possa responder
sem demora.
É amanhã a festa de São Luis, festa de nossos irmãos Lantiez e Paillé. Deveremos rezar muito por
eles. Por sua vez, eles nos recomendarão a seu santo Padroeiro.
Adeus, caríssimo amigo, abraço-o cordialmente e sou com afeição em N.S.
Seu devotado amigo e Pai
Le Prevost
P.S. --- O irmão Paillé retornará provavelmente na segunda-feira.
232- ao Sr. Myionnet
Espírito de família durante a estada em S Valéry. A Comunidade sofreu de uma falta de ligação entre seus
membros: é preciso, portanto, encarar uma consagração mais solene de seu dom total. O padre Beaussier
está de acordo. Recomendações diversas sobre a vida de comunidade e as obras.
St Valéry-en-Caux, 29 de agosto de 1852
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Recebi ontem todas as suas cartas de uma só vez; foram, para o irmão Paillé e para mim, uma
verdadeira alegria e fizeram como que reviver a Comunidade ao nosso redor, e, para completar o
conjunto, eu recebia pelo mesmo correio uma longa carta de nosso bom Pe. Beaussier. Agradeço muito
aos meus caros irmãos pelo amável empenho que tiveram em me escrever. Cada uma de suas pequenas
cartas me causou um grande prazer; todas elas respiravam a simplicidade, o bom desejo do coração e a
vontade sincera de glorificar a Deus. Responderei a cada um, se puder; o irmão Paillé, que chegará logo
junto a vocês, levará essas cartas, algumas pelo menos, senão todas, pois a hora irregular dos banhos e a
dificuldade que sinto em escrever imediatamente depois das refeições cortam mal meu tempo e não me
permitem fazer tudo o que quereria. Não sou, aliás, completamente dono de mim mesmo; o irmão Paillé,
como farmacêutico e concomitantemente um pouco médico da Comunidade, me governa aqui
despoticamente. Assim, resolveu em sua ciência doutoral que dez banhos de mar me eram indispensáveis.
Estou, portanto, forçado a ficar aqui até quarta-feira, para atingir esse número determinado de dez; pela
mesma razão, ele ficará aqui também e chegará junto a vocês somente quarta-feira na tarde.
Assegure todos os nossos caros irmãos de que essa pequena ausência só serve para me mostrar
o quanto eles me são caros e como o laço que me liga a eles é forte e poderoso.
Nosso Pe. Beaussier concorda plenamente com nosso ponto de vista, a respeito das disposições
que temos projetado. Elas respondem à maneira de ver que ele próprio tinha: estava impressionado
como nós com a necessidade de ligar-nos mais firmemente e de tornar o corpo da Comunidade mais
compacto e mais uno. O irmão Paillé parecia esperar somente uma palavra a esse respeito, seu coração
estava pronto e, como o nosso, já trabalhado por Deus. Alegremo-nos, caro amigo, neste bom
238
pensamento de imolar-nos a Deus, não mais do que já o havíamos feito interiormente, mas de dar-nos
por uma consagração mais solene e mais santa, que será para nós a fonte de graças novas e mais
abundantes. Ainda não comuniquei ao Sr. Carment nosso pensamento ao qual ele aderirá, tenho certeza,
de bem grande coração. Falar-lhe-ei sobre isso na carta que vou lhe escrever; você poderia prepará-lo
talvez, fazendo-o sentir, de modo geral, que o mal-estar de que todos temos sofrido este ano provinha,
em parte, da falta de ligação íntima entre nós, e que o momento parece ter chegado de nos unirmos mais
firmemente.
Diga a meu filho Bretonnier que lhe escreverei; que fique tranqüilo, ele está provado, mas isso
não deve causar-lhe estranheza: o demônio reúne todos os seus esforços para desviá-lo de seu caminho,
não vai conseguir, Deus será o mais forte e permanecerá o dono da praça. Esse bom jovem se engana,
não lhe recusei a permissão de ver o bom Pe. Jesuíta que ele tinha conhecido em Strasbourg. Tinha dito a
ele, ao contrário, que poderia combinar com você. Você poderá, portanto, resolver a hora e o dia com ele.
Não ficarei zangado se resolvesse de vez o caso do Sr. Bourbonnet; não creio que ele nos
convenha; é preferível que isso não se arraste. Para a cozinheira, veremos na minha volta; procurei por
aqui, mas as mulheres daqui não podem afastar-se de sua região e ambientar-se em outros lugares, não
se deve pensar nessa possibilidade. Rezemos ao bom Mestre e à Santa Virgem, para que nos ajudem a
fazer de nossa casa um interior como o de Nazaré.
É boa a idéia que teve nosso bom padre Lantiez de nos prepararmos para a Natividade de Maria
por uma novena; poderemos dizer todos os dias a Ave maris stella, com a oração de Terça Deus qui
salutis etc. Mas, sobretudo, aplicaremos a esta intenção nossos pensamentos, nossas orações, nossas
ações, que juntaremos em união com as da Santíssima Virgem, para estarmos todos de um só coração
com seu coração no dia de seu bem-aventurado nascimento. Preparamo-nos também de longe para o
retiro que devemos ter a peito de fazer em boa e perfeita disposição.
Não encontro nada a lhe indicar para o trabalho das crianças; o bom Deus nos inspirará.
Quanto ao recreio, à noite, podemos deixá-lo sob a vigilância do Sr. Polvêche e também de
alguém de entre nós que se juntará a ele; brincar seja no fundo do jardim, enquanto for possível, seja,
em caso de chuva, em sua sala de estudo, com diversos jogos que juntaremos; às 8 horas e quinze,
podem ir deitar-se todos na mesma hora sob a conduta de Yves [Larivière], que será encarregado
especialmente da vigilância e que se sentirá honrado por isso; com a condição de que um de nós suba
para buscar a luz delas dez minutos depois e se assegure de que tudo está em ordem. Acho que tudo
estaria seguro assim. O Sr. Polvêche, mais idoso, continuaria o recreio conosco, ou, antes, o começaria,
pois ele, na realidade, só começa nesse momento.
Importa regular bem, desde o início, o tempo do jovem Polvêche, que é apresentado como
trabalhador e que deve conservar seus bons hábitos.
Esqueci duas ou três pequenas recomendações antes de partir, indico-as aqui:
1o --- mandar o quanto antes à Sra. Michelin, que o reclamou de mim várias vezes insistindo, a
nota de tudo o que foi avançado para Emile na primeira comunhão ou de outro modo.
2o --- mandar pegar dois colchões e um travesseiro que pertencem a François; a senhorita
Gauthier faz questão disso; tardei demais. François dirá o endereço e poderá ir para lá com alguém.
3o --- pedir ao Sr. Maignen para mandar entregar sem mais demora ao Seminário do Santo
Espírito as remessas de Petites Lectures para o Sr. Caille. Faz dois meses que esse pobre amigo espera
de nós esse pequeno serviço.
Aí está, acredito, tudo o que tenho de mais urgente neste momento para lhe dizer; se algo me
voltar à memória, o escreverei pelo irmão Paillé.
Tenha confiança para sua distribuição, vai dar certo; o bom Deus vela sobre nossas crianças e
sobre nós e o bom São Vicente também lhe inspirará a simplicidade e esse puro amor de Deus que são os
meios mais seguros de agir bem; tudo para Deus e sob o olhar de Deus.
Abraço você e todos os nossos irmãos, inclusive nosso bom Casimir [Larivière] que não me
escreveu, mas do qual conheço os bons sentimentos.
Adeus, meu bom velho amigo.
239
Seu Pai e amigo em N.S.
Le Prevost
Esteja bem alerta para que o irmão Maignen não se canse demais, peço a ele para ser dócil neste
ponto em particular.
233- ao Sr. Myionnet
Diligências para o pessoal doméstico. Devoção marial: Maria é fonte de graças para a Comunidade. O Sr.
Caille se prepara para pronunciar seus votos.
Duclair, 6 de setembro de 1852
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Propunha-me voltar para vocês amanhã terça-feira, pois tenho pressa de pôr fim a um repouso
que me afasta de nossa querida Comunidade e de nossos trabalhos; mas indicaram-me uma doméstica
que pareceria poder convir para nossa casa179. Creio dever atrasar um dia ou dois minha volta, para
assegurar-me se encontraríamos nela o que nos é preciso. É uma antiga doméstica de minha irmã, que
havia-se casado e que ficou viúva. Tem dois filhinhos, um de 7 anos, outro mais novo; minha irmã acha
que ela assumiria de bom grado nosso serviço, se quiséssemos que fosse acompanhada de seus dois
pequenos órfãos. É uma mulher firme, trabalhadora e de confiança, que conheço muito, por tê-la visto
durante uns quinze anos na casa de minha irmã. Acho que seria uma boa aquisição; seus dois meninos,
que são muito gentis, não nos atrapalhariam, o maior acompanharia os exercícios dos nossos, o mais
novo poderia passar seus dias no asilo que está em nossas cercanias. Não vejo inconveniente grave nesse
projeto, mas ainda não sei se essa mulher se decidirá a vir a Paris; minha irmã vai de propósito a Rouen
para vê-la e propor-lhe essa condição. Na minha chegada, lhe direi se essa combinação é ou não
praticável; partirei daqui sexta-feira cedo e chegarei junto de vocês à tarde.
Sinto muito não poder assim solenizar com vocês a amável festa da Natividade e fazer a
adoração noturna que deve encerrá-la; daqui estarei em união com vocês, em todos os momentos do dia,
e partilharei de coração todos os seus exercícios. Cuide bem, caro amigo, para que todos os nossos
irmãos se preparem de antemão, da melhor forma possível, para bem celebrarem o nascimento de nossa
bem-amada Mãe, a Santíssima Virgem, lembrados de que a ela é, depois de Jesus nosso divino Salvador,
que devem todas as graças gerais e particulares que receberam. Acho que, sobretudo na vigília, as
leituras, os colóquios, as ocupações e o espírito deveriam ser orientados para esse assunto; as festas bem
preparadas trazem à alma bênçãos muito abundantes.
Nosso irmão Caille virá para o encerramento de nosso retiro, para firmar seus compromissos
conosco. Está somente triste por esse limite por demais restrito de três anos e temia que tivéssemos
alguma dúvida sobre o futuro, sendo que estávamos tão pouco corajosos para dispor dele. Expliquei-lhe
que, no fundo do coração, o compromisso seria perpétuo, mas que, para ficar fiel aos costumes e às
regras da prudência, precisava tomar laços temporários, antes de ligar-se irrevogavelmente. Vou, na
minha volta, rever o R. Pe. de Ponlevoy para o nosso retiro; gostaria que você pudesse tomar oito ou dez
dias de repouso, durante os quais você recolheria sua alma e faria seu retiro, pois, parece-me impossível,
ou bem difícil ao menos, que deixemos todos juntos a casa. Você viria reunir-se a nós com o Sr. Caille
para o encerramento; veremos, aliás, se existe alguma melhor combinação.
Adeus, meu caríssimo amigo, dentro de três dias, se o Senhor o permitir, estarei no meio de
vocês. Assegure todos os nossos irmãos de meu terno apego e receba, você mesmo, o afetuoso abraço
de
Seu amigo e Pai em N.S.
Le Prevost
Peça ao irmão Paillé para entender-se com o Sr. Muffang, para preparar a reunião da Santa
Família; deve-se particularmente pensar no padre para a missa, no altar que precisa ser montado, no
179
A Sra. His, e seus filhos, Félix e Albert.
240
orador, no organista de quem o Sr. Maldiney deve ter cuidado com o Sr. Derennes, organista de Saint
Sulpice, na ausência do Sr. Tardif.
Teria gostado que pudéssemos ter nossa nova capela180 para o fim do retiro, para fazermos nela
nossos exercícios a partir desse momento. Nosso irmão Maignen pode adiantar um pouco as obras?
Simplicidade, piedade, isso basta; tem-se a permissão do Sr. Eglée?
234- ao Sr. Planchat
Para o restabelecimento da saúde do Sr. Planchat, seu médico prescreve-lhe a Missa e um pouco de
trabalho manual. Diligências para seu futuro ministério.
Paris, 17 de setembro de 1852
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Vi com pena, pela carta que você escreveu ao nosso irmão Maignen, que você tinha
experimentado alguma contrariedade relativamente ao parecer que deu o Sr. Fauville sobre o regime que
pareceria o melhor para você presentemente, e também por causa da concisão de minha carta, que não
lhe teria indicado esse parecer com bastante particularidades.
Você não ficará mais bravo comigo, espero, caro amigo, quando souber, por um lado, que eu
mesmo só fiz aceitar nessa ocasião a decisão do Sr. Fauville, e de outro lado, que esse excelente Senhor
me tinha prometido escrever-lhe e explicar-lhe com mais pormenores sua opinião. Suas ocupações o
impediram de executar essa promessa e houve apenas minha carta para transmitir-lhe as informações
que você esperava; pôde, assim, com justa razão, considerá-la pouco explícita.
O Sr. Fauville, tomando a pena de vir me visitar para conversar comigo a respeito da carta que
você lhe tinha escrito, tinha sua opinião fixa. Segundo ele, é essencial, para confirmar a melhoria tão
sensível que você experimenta e que aumentará ainda após o outono, que você se limite, para algum
tempo ainda, a dizer a Santa Missa e que se aplique a fortalecer seu corpo por algum trabalho manual.
Seu bom médico, vindo me ver, só tinha o objetivo de indagar sobre os meios que poderíamos ter de dar
a você, nesse sentido, uma ocupação. A proposta que lhe fizemos da cultura do jardim e de alguns
trabalhos na casa não o satisfez. Pensou que você não perseveraria por muito tempo assumindo esses
cuidados que, em nossa casa, não seriam os que lhe conviriam propriamente, enquanto, num instituto
agrícola, você, longe de se encontrar em situação excepcional ao entregar-se ao trabalho manual, estaria
apenas seguindo o movimento geral, cujo arrastamento o sustentaria e lhe permitiria perseverar durante
um tempo suficiente para completar sua cura. O Sr. Caduc, a quem comuniquei esse parecer, insistiu
visivelmente para que fosse observado exatamente; e nós, caríssimo amigo, tivemos que nos conformar a
isso, qualquer que fosse o nosso pesar de ver assim nossa reunião com você um pouco adiada.
Pensava que, após ter recebido a carta prometida pelo Sr. Fauville, você nos escreveria para nos
dizer suas intenções ou escreveria a sua mãe, para que saibamos onde você pensaria em procurar
entrada num instituto agrícola. Você nos dirá, caro amigo, se deseja que tomemos algumas informações a
esse respeito, ou se prefere cuidar disso somente mais tarde. Espero, caríssimo amigo, que, depois dessas
explicações, você estará bem convicto de que nessa ocasião, como em qualquer outra, quisemos somente
o que parecia ser-lhe o mais vantajoso e que temos seguido os pareceres dos homens tão esclarecidos e
tão sábios que se interessam por você, antes do nosso próprio.
Há algum tempo, o Sr. Padre Millot escreveu ao Sr. Paillé e, entre outras coisas, dizia-lhe que, se
você sentisse alguma inclinação para ajudá-lo na Instituição que formou na diocese de Langres, ficaria
feliz em acolhê-lo. Comunicamos essa oferta ao Sr. Fauville, mas ele a rejeitou absolutamente porque, no
seu parecer, um instituto de ensino e de educação ordinário não era de maneira alguma o que convinha a
você.
180
A casa da rua de l’Arbalète, mais vasta do que a de Grenelle, havia-se tornado a sede da Comunidade. É da capela
da rua de l’Arbalète que o Sr. LP. fala aqui.
241
Nosso irmão Maignen, encarregado neste momento do patronato da rua do Regard, obrigado a
supervisar ainda um pouco o de Grenelle, e devendo, além disso, preparar a adoração das Quarenta
Horas em Grenelle, enfim, dispor os elementos de seu Almanach, não pode responder-lhe
imediatamente. Ele o fará com diligência, assim que estiver um pouco aliviado. Nosso bom padre Lantiez
escreveu-lhe estes dias. Rezamos todos os dias bem fielmente por você e continuamos sendo-lhe
ternamente unidos. A cordial afeição que enche suas cartas nos toca profundamente e responde à que
sentimos por você. Seja bem assegurado de que sua ausência não mudou nada em nossos sentimentos
e que você nos reencontrará tais como nos tinha deixado, seus amigos, seus irmãos totalmente
dedicados em J. e M.
Le Prevost
235- ao Sr. Decaux
Bons serviços do Sr. Le Prevost para o projeto de casamento de seu amigo. Ele o exorta a dar-se a Deus
e às obras. Paz e alegria do dom total.
Paris, 3 de outubro de 1852
Caríssimo amigo e irmão em N.S.,
O Sr. Givelet tinha saído, encontrei somente Dona Givelet. Ela está com todas as disposições que
podíamos desejar, a seu respeito, para cuidar com um zelo ardente e sincero do grande negócio de que
você me falou. Fará tudo o que você desejar nessa ocasião, e, se dependesse dela, já seria resolvido.
Pareceu recear, no entanto, que essas damas fossem um pouco mais mundanas do que você acha e não
à altura de pensamentos, talvez, que lhes faria pôr acima de tudo as únicas vantagens que merecem ser
estimadas: o coração, o espírito, uma nobre energia da vontade. Ela não perde coragem por isso e, na
passagem dessas damas por Paris, abordará o assunto. Combinei com ela, salvo seu parecer, que
tomaria como de si mesma a iniciativa sem pô-lo na frente, a fim de sondar as disposições e de ver como
a idéia se apresentaria ao espírito dessas damas; tencionaria nesse fim, como nunca se deixa de lhe
mencionar as visitas recebidas no campo, fazer observar que as suas são bastante freqüentes e perguntar
se não acham que elas escondem algum pensamento secreto. Ela acha que, assim, verá que acolhimento
uma proposição direta poderia receber.
Ponha tudo isso, caro amigo, nas mãos de Deus, para que disponha de você segundo sua santa
vontade.
Voltou-me no pensamento, depois de sua saída, que você hesitava ainda um pouco entre Deus só
e Deus com o mundo. Oh! se era assim, se não me havia enganado, caro amigo, Deus, Deus só, Deus
como único quinhão, é certamente o melhor e, enquanto ainda é tempo, enquanto você tem um sacrifício
provável a lhe oferecer, seja corajoso, escolha Deus; somente Ele, tenho convicção disso, pode dar a paz
e a saciedade a uma alma amorosa e generosa como a sua; somente Ele poupará a seu coração
impressionável e terno as mil decepções que as afeições terrestres lhe preparam. A Providência parece
preparar-lhe os caminhos, aliviando-o da tarefa que durante tanto tempo desempenhou. Sua dívida
parece quitada, e, livre de você mesmo, pode oferecer ao Senhor os dons que Ele lhe concedeu e que
podem tão grandemente ser empregados a seu serviço. Uma vez engajado num outro caminho, acredite,
você será forçosamente afastado das obras, dos pobres, de seus caros protegidos; como seria lindo, e
como seria bom para você também preferi-los a tudo, consagrar-lhes sua vida. Você acredita que Deus ,
jogando-se todo no seu coração, não saberia pagá-lo e substituir os pobres bens insignificantes que você
lhe teria imolado?
Não insisto; o divino Mestre terá dito muito mais à sua alma sobre esse ponto do que eu poderia
lhe dizer; pensei somente que nossa experiência não devia ser perdida para você, e que, separados do
mundo há vários anos, devíamos avisá-lo de que a paz e a alegria começam para a alma somente no dia
em que, deixando tudo, se perde toda no serviço de Deus.
Como ficaria feliz, bem afeiçoado amigo, se essa palavra jogada ao acaso respondesse ao vosso
coração; como gostaria de tornar-me, de seu amigo, seu irmão, e de unir-me a você plenamente em Deus
e na sua divina caridade!
242
Acredite-me, aconteça o que acontecer, bem cordialmente seu.
Le Prevost
P.S. --- Se você tiver algumas instruções a me dar, estarei até as 9 horas e trinta na rua de
l’Arbalète amanhã cedo. Daí, irei à rua do Regard, e, depois do Conselho geral, chegarei a Grenelle para
preparar meu retiro que começa terça-feira cedo.
236- ao Sr. Decaux
Convite a vir falar à Santa Família.
[Segunda-feira] 4 de outubro de [1852]
Caríssimo amigo,
Sairei de retiro no sábado. Com certeza não terei o tempo de achar um orador para Saint Sulpice
no dia seguinte; seria abusar de sua bondade pedir-lhe para vir ainda visitar nossa brava gente? Quanto a
eles, não acham jamais que seja bastante. Você, aliás, é quase o único em Paris neste momento; perdoeme por sobrecarregá-lo assim; procurarei ser mais reservado no futuro.
Seu amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
237- ao Sr. Vasseur181
O Sr. Le Prevost se prepara para acolher esse novo irmão. Ele o exorta paternalmente a tirar proveito de
uma contrariedade.
Paris, 8 de outubro de 1852182
Caríssimo filho em N.S.,
Dou-lhe de antemão esse nome que minha afeição e suas boas disposições me inspiram, e tenho
confiança de que o divino Senhor ratifica essa adoção e a aceita na sua terna caridade.
Todos aqui lamentamos o incidente que atrasou um pouco sua viagem, mas essa pequena
provação terá sua vantagem: fortalecerá sua vontade, aumentará o fervor de seu desejo e o tornará mais
próprio ainda para o serviço de Deus. De outro lado, rezaremos muito uns pelos outros durante o breve
intervalo que deve ainda nos manter separados; corresponderemos algumas vezes, e dessa maneira
prepararemos o dia de nossa reunião definitiva.
Começamos, desde hoje, caríssimo amigo e filho em N.S., a considerá-lo como membro da família
e, logo que se tornar livre, você encontrará seu lugar todo pronto entre nós.
Até lá, continue sendo bem dócil às orientações de nosso caro irmão Caille e veja na sua afeição
uma imagem de nossa própria dileção.
Peço a Deus, caríssimo filho, para cumulá-lo de suas graças e sou em J. e M.
Seu afeiçoado amigo e Pai
Le Prevost
181
Alphonse Vasseur (1833-1889) era membro do Patronato do Sr. Caille em Amiens. Esse jovem operário sapateiro
entrará na comunidade com 19 anos, no dia 4 de fevereiro de 1853. Dirigirá o Patronato de Nazareth durante 24 anos.
182
Dia dos primeiros votos emitidos na Congregação, na rua do Commerce, em Grenelle. Votos privados, já que o
Instituto ainda não estava erigido canonicamente. Quatro membros se comprometeram definitivamente: os Srs. Le
Prevost, Myionnet, Maignen e Lantiez, três outros temporariamente : os Srs. Paillé, Carment e Caille.
243
238- do Sr. Carment ao Sr. Caille
P.S. do Sr. Le Prevost
Diligências caridosas dos irmãos. O Sr. Le Prevost transmite agradecimentos da parte do Sr. Maignen.
Notícias da Comunidade.
[21 de outubro de 1852]
Caríssimo irmão,
Esta manhã, tendo deixado um recibo ao Sr. Caron, este me remeteu 35f que vou daqui a pouco
levar ao Sr. Perrolet, rua Cassette 22 bis, como proprietário da casa onde mora o Sr. Dupetit pai.
Vi o Sr. Dupetit ontem, que ia justamente escrever a seu filho a respeito da penúria de sua
posição. Parece que ele e sua mulher se cansam muito a trabalhar para nada ganhar. “Trabalham durante
toda a noite sem nada pegar.” Dizem que, às vezes, não comem o que pede seu apetite. Ele sofre muito
com suas feridas. Quanto ao Sr. Caron, ignora o que são os 35f que você diz ter-lhe deixado. No entanto,
ele os devolveu para mim imediatamente. Disse-lhe que você lhe daria a explicação em sua primeira
carta.
O Sr. Dupetit, ou antes sua mulher, me informou que, enfim, o noivo da sobrinha estava decidido
a casar-se logo.
Continuo sendo em J. e M.
Seu bem devotado irmão
E. Carment
P.S. --- Paguei o termo 35f ao proprietário do Sr. Dupetit e tenho o recibo, que lhe enviarei se
você o desejar.
Amizades ao Sr. Dupetit, recomendar-me às suas orações.
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Transmito-lhe os agradecimentos do irmão Maignen pelas informações que você lhe mandou; ele
fará bom uso delas.
Toda a nossa pequena família vai bem e permanece com você em união de orações e de obras.
Seu afeiçoado amigo e Pai
Le Prevost
Seus relógios lhe serão enviados logo que estiverem prontos.
239- ao Sr. Decaux
Há pouca esperança para que o projeto de casamento possa realizar-se. Uma melhor escolha parece
apresentar-se para o Sr. Decaux.
Paris, 25 de outubro de 1852
Caríssimo amigo,
Não é nem sim nem não, pois o Sr. e a Sra. Givelet trataram do negócio em questão com a
discrição suficiente para que sua posição permaneça intata na família. Mas, eles obtiveram, no entanto, a
certeza, da maneira mais positiva, de que não havia como conceber a mínima esperança; essas damas
têm, para a questão da fortuna, pontos de vista bem fixos que não podem ser mudados por nenhuma
consideração pessoal de qualidades, de mérito e de sentimentos; assim é que o mundo vê as coisas; não
há por que se admirar disso.
244
Lamento com o Sr. e a Sra. Givelet que o final dessa negociação possa entristecê-lo, mas estão
tão convictos de que você não teria encontrado o que tem direito de esperar, que não posso ficar triste,
no fundo, pelo resultado.
Dona Givelet me falou de uma pessoa que acreditaria, em todos os pontos, convir bem melhor a
você. Convido-o, caro amigo, a ver essa excelente senhora, que parece cheia de estima e de afeição por
você. Seu marido e ela se mostraram perfeitos para você nessa ocasião.
Acredite firmemente, caríssimo amigo, em todos os meus sentimentos de bem cordial
devotamento.
Le Prevost
jeito.
P.S. --- Percebo tarde demais que meu papel está rasgado; perdoe-me por escrever-lhe desse
240- ao Sr. Pavie
Os Capuchinhos não poderão ir pregar em Angers para a Conferência.
Paris, 30 de dezembro de 1852
Meu caro Victor,
Apressei-me em pedir aos Capuchinhos, assim como você o desejava, um de seus Padres para
seu sermão de Angers, seja no dia 16 de janeiro, seja no domingo seguinte. Infelizmente, estão na
impossibilidade de responder a suas intenções. Esses bons Padres empreenderam no Sul missões que têm
o maior sucesso. Vão prossegui-las durante várias semanas e só voltarão depois da obra acabada, junto
ao seu Superior que está presentemente sozinho em Paris.
Se você tem qualquer outro meio, indique-o para mim, caro amigo, farei com que secunde suas
intenções. Vejo, confesso, poucas chances favoráveis neste momento: a quaresma está às nossas portas
e todos os pregadores pensam em preparar-se para ela. Disseram-lhe que acreditei um momento que me
seria dado ir visitá-lo em Angers, mas o bom Deus decidiu de outro jeito. E você, caro amigo, que tem
melhores pernas que eu, não virá logo aqui? Já faz muito tempo que não o vimos aqui.
Ofereça minhas respeitosas lembranças aos que o circundam, e acredite-me como sempre
Seu devotado amigo e irmão em N.S.
Le Prevost
240.1- a Dom Angebault
A vida interior e as obras de caridade, tal é o fim desejado pelo Sr. Le Prevost para sua Comunidade.
Agradece ao bispo de Angers pela anotação acrescentada ao Regulamento de 1852.
Paris, 30 de dezembro de 1852
Monsenhor,
Nosso irmão Myionnet nos trouxe na sua volta a excelente e paternal carta que Sua Excia. se
dignou nos escrever. Li-a a todos os nossos irmãos reunidos e posso dar à Sua Grandeza a segurança de
que nenhuma palavra se perdeu. Todos os corações se abriram para receber os conselhos que lhe ditaram
ao mesmo tempo sua alta experiência e o benévolo interesse que Sua Excelência nos concede. Por isso,
tenho a confiança de que, mais do que nunca, permaneceremos fiéis à observância de nosso
regulamento, que se acha como que confirmado pela aprovação que recebeu de Sua Excia. A vida interior
unida ao exercício das obras de caridade, tal foi nosso fim no momento em que, sob seu olhar, nos
245
oferecemos ao Senhor; temos constantemente tendido a isso, apesar das dificuldades do caminho, e
continuaremos, com a ajuda de Deus e as sábias assistências de Sua Excia., a nos formar cada vez mais.
Algumas vezes temos duvidado de nós mesmos nas horas de provações, mas nunca da excelência e da
utilidade de nossa obra. Esperamos que, apesar de nossa indignidade, o bom Mestre nos guardará em seu
serviço e nos permitirá continuar o que temos iniciado para sua glória.
É uma satisfação para mim redizer à Sua Grandeza que a viagem do irmão Clément está longe de
nos parecer inútil, sendo que nos trouxe o auxílio de suas orientações e conselhos dos quais estávamos
privados há um tempo demasiadamente prolongado. Faremos com que não nos faltem mais doravante
por nossa culpa e estaremos muito diligentes em solicitá-los.
Ainda não vi o pequeno apêndice ou anotação que Sua Grandeza se dignou acrescentar ao nosso
regulamento183. O Sr. padre d’Andigné quis dar uma olhada sobre esta peça e a tem ainda em suas mãos.
Logo que me tiver devolvido, tirarei grande proveito das observações que Monsenhor teve a bondade de
nos comunicar, e todos os nossos bons irmãos terão, ouso assegurá-lo disso, uma profunda deferência
por seus avisos.
Não terminarei sem oferecer à Sua Grandeza as homenagens de nossa pequena família por
ocasião do ano novo. Digne-se o Senhor atender aos votos que lhe dirigimos do fundo do coração por Sua
Excia. e por seu querido rebanho.
Agradecemos também à Sua Grandeza pelo encantador santinho que mandou a cada um de nós;
nosso bom Pe. Beaussier, em particular, está profundamente tocado por essa preciosa lembrança e me
encarrega de depositar a seus pés sua viva gratidão.
Mantemo-nos todos ali do mesmo modo, Monsenhor, para receber sua bênção.
De Sua Grandeza
O humilde servo e filho respeitoso em N.S.
Le Prevost
241- ao Sr. Vasseur
O Sr. Le Prevost alegra-se pela bem próxima entrada do Sr. Vasseur na Comunidade. Beleza da vocação
religiosa; nosso aparente sacrifício constitui, na realidade, a melhor parte.
Paris, 6 de janeiro de 1853
Caríssimo filho em N.S.,
Recebo sempre com uma viva satisfação suas pequenas cartas, porque são boas e simples e
exprimem, estou convicto disso, os verdadeiros sentimentos de seu coração. A última me é
particularmente agradável porque me anuncia sua próxima chegada. Esperamos todos sua vinda, caro
filho, pois você é há muito tempo um amigo para nós, um irmão, e para mim um filho querido, que estarei
feliz em acolher e abraçar com ternura.
Até lá, não cessarei de rezar por você ao divino Senhor e à Santíssima Virgem, nossa Mãe, para
protegê-lo, velar sobre você e confirmar sua vontade, a fim de que você consume generosamente seu
sacrifício. Uso de propósito a palavra “sacrifício”, caro amigo, para lembrar-lhe toda a beleza, toda a
santidade de nossa vocação. Mais felizes do que as pessoas do mundo, não aplicamos nosso espírito,
nosso coração aos bens miseráveis da terra, mas a Deus e às coisas do Céu. Colocamos sob nossos pés
tudo o que é perecível, para elevar-nos ao que é eterno. Nossa pobre natureza, sempre inclinada às
alegrias terrestres, murmura, às vezes, e se revolta, e é nisso que consiste nosso aparente sacrifício; mas
somos tão generosamente recompensados pelo amor de nosso Deus, pelas satisfações interiores da
consciência, pelo gosto íntimo e profundo das delícias da casa do Senhor, que nos resta só bendizê-Lo por
nos ter escolhido entre mil, para aproximar-nos bem perto dEle e dar-nos a melhor parte.
183
Dizia respeito aos irmãos eclesiásticos e ao papel do Superior.
246
Alegre-se, portanto, caro filho, pela proximidade do dia em que poderá, enfim, dar-se
inteiramente a um tão bom Mestre, e disponha seu coração, a fim de que se consagre bem
amorosamente a Ele.
Quando estiver pronto para partir, você me escreverá uma palavra, para me avisar. Nunca será
cedo demais para o meu gosto.
Enquanto isso, acredite-me sinceramente, caríssimo filho,
Seu devotado amigo e Pai em N.S.
Le Prevost
242- ao Sr. Decaux
Convite para participar no Conselho da Santa Família.
Quarta-feira, 2 de fevereiro [1853]
Caro bom amigo,
Nosso Conselho da Santa Família reunir-se-á amanhã quinta-feira, às 4 horas, rua Garancière, 6.
Sua presença será bem desejada. Venha, portanto, caro amigo, se suas ocupações não o impedem.
Seu de coração em N.S.
Le Prevost
243- ao Sr. Caille
A caridade e a oração são as guardiães da afeição fraterna. O Sr. Le Prevost o convida a vir para o retiro
de Comunidade. Notícias dos irmãos e das obras.
Paris, 19 de abril de 1853
Caríssimo amigo e filho em N.S.
Não lhe escrevi há um certo tempo, sabia-o muito ocupado com a sua loteria e pensava que era
fora de propósito dar-lhe distrações. Suponho que o sorteio já foi feito, ou, ao menos, que vai sê-lo, e que
você irá recuperar um pouco de liberdade. Escrevo-lhe, portanto, estas poucas linhas, para que não
fiquemos demasiado tempo afastados de sua lembrança. Escreva-nos, logo que estiver desligado de seus
trabalhos extraordinários. Um provérbio árabe diz: “Quando os caminhos da amizade não estão
freqüentados, cobrem-se de mato.” É com razão, as impressões apagam-se depressa das nossas almas
volúveis e esquecidas; felizmente para nós, a caridade as conserva e a oração as reaviva. Permaneçamos,
portanto, bem fiéis, caro amigo, à caridade e à oração; serão as guardiães da santa afeição que nos une.
Aviso-o, mas sem grande esperança de que você possa aproveitar, que nosso primeiro retiro vai
logo começar. Abrir-se-á segunda-feira próxima, 25 deste mês, e durará até quinta-feira inclusive. Será
ministrado pelo R. Pe. de Ponlevoy, Superior da Casa dos Jesuítas da rua de Sèvres, homem de uma
elevada piedade e de um mérito eminente. Se seus negócios o trouxessem para cá nesse intervalo,
talvez lhe fosse possível participar pelo menos de algum dos exercícios. Senão, você unir-se-á a nós de
intenção e de coração, aguardando os tempos em que o bom Mestre, libertando-o de uma parte de seus
encargos, lhe deixará um pouco mais de espaço.
Nossa pequena família vai bem; fala muitas vezes do bom irmão de Amiens e lamenta muito não
tê-lo visto há muito tempo. Os recém-chegados desejam vivamente conhecê-lo.
Chegara a este ponto em minha carta, quando nosso bom Confrade de Amiens nos chegou com a
sua carta; você acha certamente que ele foi acolhido com alegria, pois nos trazia notícias de você e, além
disso, a certeza de que você chega entre nós no início da semana, bem a tempo para participar ao menos
um pouco dos exercícios do retiro. Isso lhe dará algumas horas de descanso de que você tem grande
247
necessidade, depois dos cansaços excessivos que teve. Bendigo ao Senhor pelo êxito que deu a seus
esforços e peço-Lhe para fazer contribuir para a sua glória.
O Sr. Vasseur vai bem, terá uma grande alegria em vê-lo. Acolheríamos com prazer um jovem
irmão alfaiate, se tivesse as qualidades que pede nosso tipo de vida; você é bom juiz nesse sentido,
entrego-me plenamente ao seu exame.
Recusamos todos os dias várias crianças, nossa casa já estando extremamente lotada;
examinaremos mais tarde com você, quando estiver aqui, o que o bom Deus pede de nós sobre esse
ponto.
Todos os nossos irmãos o abraçam ternamente e eu sou, nos Corações de J. e de M., bem
afetuosamente,
Seu amigo e Pai
Le Prevost
244- de Maignen ao Sr. Caille - P.S. do Sr. Le Prevost
Primeira comunhão das crianças em Grenelle. Um jovem aprendiz aguarda notícias do Sr. Caille sobre a
possibilidade de achar trabalho em Amiens.
Paris, 13 de maio de 1853
Caríssimo irmão em N.S.,
Esperava que você ficasse somente um dia com o regulamento do Patronato. O Sr. Bourlez o
reclama com as mais vivas instâncias, para dá-lo imediatamente para a impressão. O Sr. Baudon quer
distribui-lo aos membros do Congresso de caridade que vai se separar. Não insisto mais e peço-lhe que o
remeta para mim pelo próximo correio,para poupar ao bom Sr. Bourlez censuras que ele não merece.
Só tenho o tempo de abraçá-lo e de recomendar às suas orações nossas pequenas crianças que
fizeram ontem sua primeira comunhão. São bem felizes. Reze por sua perseverança.
Seu bem afeiçoado irmão nos Santos Corações de J. e de M.
Maurice Maignen
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Junto duas linhas de afeição à pequena carta de nosso irmão Maignen. Vamos bem aqui. Nossas
crianças, preparadas com um zelo perfeito por nossos irmãos, os Sres. Lantiez e Planchat, assistidos ainda
por um outro eclesiástico, fizeram sua primeira comunhão ontem nas melhores disposições. Agradeça
conosco ao Senhor, que se mostrou tão terno, para eles e para nós. Jules Sausset me anunciou que ia
chegar da casa de convalescença em que está. Acho que será melhor ele retornar imediatamente a
Amiens, em vez de esperar aqui sua próxima viagem; não temos ocupação nenhuma que lhe convenha e
seria muito ruim para ele estar na ociosidade.
O jovem que lhe apresentamos aqui, e ao qual você prometeu encontrar em Amiens trabalho
como tapeceiro, espera com impaciência um aviso de sua parte para sua partida; ele não pôde procurar
ocupação por aqui, na previsão de sua mudança de lugar. Está, portanto, desempregado, presentemente.
É bem desejável que essa situação não dure muito, peço-lhe, portanto, com instância, caro amigo, que
nos diga se pôde, como o esperamos, achar-lhe trabalho sob seus olhos. Creio que, bem conduzido, esse
bom menino pode dar muito certo. Seus pais são excelentes e seu irmão nos dá toda a satisfação.
Junto aqui a pequena carta que devia remeter-lhe para o R. Pe. Mallet.
Abraço-o ternamente em J. e M. e sou nos divinos Corações
Seu amigo e Pai
Le Prevost
248
245- ao Sr. Caille
Viagem de dois jovens para Amiens; quais são as suas disposições. União pelo pensamento e pela oração.
Pedido de pano para as vestes de seus irmãos; espírito de pobreza do Sr. Le Prevost.
Paris, 20 de maio de 1853
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Não pude avisá-lo como teria querido, alguns dias de antemão, da partida do jovem Marcaire184 e
de Jules Sausset. O primeiro não estava seguro do momento em que sua família teria determinado todas
as pequenas disposições relativas à sua viagem. Ei-los ali ambos, de improviso; espero que sua chegada,
no entanto, não lhe causará embaraços.
Jules não me parece melhor do que antes de sua estada no campo, seu langor é sempre o
mesmo; todavia, ele desejava tanto retornar para Amiens e contava tanto com o ar natal para se
restabelecer, que não quis privá-lo dessa satisfação. Lamentaria muito que sua fraca saúde se tornasse
uma dificuldade para você; temo que ele só se restabeleça imperfeitamente; porém, na sua idade, a
natureza tem grandes recursos e pode superar a situação.
Nosso jovem Marcaire parte em ótimas disposições; tenho confiança de que, sob seus olhos,
completará seu desenvolvimento e tornar-se-á um elemento exemplar em tal carreira que aprouver ao
Senhor abrir para ele.
Teria gostado, caríssimo amigo, de prolongar um pouco minha conversa com você, não posso
neste momento, estou obrigado a sair. Nosso irmão Maignen prepara suas pequenas encomendas, que
partirão com esta carta.
Creia bem que nosso coração está sempre com você; recomendo-o todos os dias ao Senhor com
uma viva instância; nosso irmão Lantiez nunca esquece de inclui-lo nomeadamente no Memento da
Santa Missa. Acompanho também pelo pensamento suas obras e seus trabalhos. Acho, portanto, caro
amigo, que nossas almas estão verdadeiramente unidas em Deus e que os laços que nos ligam uns aos
outros são abençoados por Ele.
Abraço-o ternamente em seu divino Coração e no coração imaculado de Maria.
Le Prevost
P.S. --- Quando tiver a oportunidade de mandar-me um retalho de pano para coletes, você me
dará prazer em fazê-lo, muitos destes Senhores necessitam disso. Você poderia me mandar o necessário
para 6 coletes pretos, sólidos, não caros demais, sendo que a simplicidade é necessária entre nós por
todas as razões.
246- ao Sr. Caille
Importância de uma correspondência regular. Atividades das Obras de Paris. Papel da oração cristã: que
Deus “se digne de tudo fazer Ele mesmo”, pois, somos uns servos inúteis. Devoção ao Sagrado Coração.
Paris, 15 de junho de 1853
Já esperava há um certo tempo notícias suas, pois faz muito tempo que não nos escreve.
Desejávamos, aliás, saber como vai Jules Sausset, cuja saúde estava ainda bem frágil quando nos deixou.
Enfim, a família do jovem Marcaire desejava vivamente saber que você estava contente com ele e que lhe
concebia alguma boa esperança. Peço-lhe, caríssimo amigo e filho, para nos tranqüilizar sobre esses
diferentes pontos e nos dizer também tudo o que concerne a você e às suas crianças e às suas obras:
tudo isso nos é comum, não devemos perder isso de vista por um prazo demais prolongado, para que
tanto nossa atenção, como nossa afeição, sempre esteja ocupada com isso.
184
Albert Marcaire, irmão de Jules Marcaire, rsv (cf. infra, carta 248).
249
O Sr. Vasseur me diz que talvez seu inventário, que se faz anualmente nesta época, pôde impedilo de nos dar sinal de lembrança. Se fosse assim, caríssimo amigo, você poderia, sem fazer uma
correspondência longa, escrever-nos somente algumas linhas, que nos tranqüilizassem sobre você e sobre
os seus.
Aqui vamos indo como de costume, bastante bem e com as boas disposições de todos. O bom
Mestre é sempre cheio de misericórdia para conosco, seus indignos servos, e digna-se abençoar nossa
pequena família e seus humildes trabalhos. Não temos fatos novos merecendo menção. Duas novas
Santas Famílias estabelecidas, uma em Grenelle, a outra nos Gobelins, na vizinhança da rua de l’Arbalète,
funcionam bem e parecem prometer uma ação feliz. Nosso irmão Maignen trabalha sempre com ardor no
seu Patronato que cresce e anda bem. Fadiga-se muito, está atualmente com uma sobrecarga de
trabalho por alguns dias; reúne o dia todo na rua do Regard as crianças da Paróquia que estão em retiro
para a Primeira Comunhão. Deste modo, as crianças estão menos dissipadas, não correm pelas ruas e se
preparam melhor para a grande ação que vão fazer. Ficam ocupadas, aliás, com alguns piedosos
exercícios durante o dia. Creio que sairá algo de bom dos sacrifícios que se fazem por esta boa obra.
Seu caro filho, o Sr. Vasseur, até agora, vai muito bem entre nós, começa a tomar o
conhecimento e o gosto das coisas espirituais, sem perder, de jeito nenhum, o amor por seu trabalho;
tenho boa esperança para o seu futuro. Mas tão pouca coisa basta nessa idade para pôr o espírito fora de
seu caminho, que precisa sem cessar vigiar e orar. Reze muito, portanto, caro amigo, por esse querido
filho que já lhe deve tanto e que lhe deverá mais ainda se você assegurar sua perseverança e sua
confirmação no bem.
Nosso irmão Maignen prepara um regulamento para seu patronato, ele o comunicará a você. Tem
também um relatório bem feito sobre a casa de patronato da rua Saint Quentin185; ele o comunicará a
você, se isso lhe agradar.
Adeus, caríssimo amigo e filho, reze sempre muito por nós e por todas as almas que o bom
Mestre nos permite sustentar um pouco; é uma tão grande tarefa e somos tão insuficientes. Que o Senhor
se digne de tudo fazer Ele mesmo, pois não prestamos para nada de bom e de santo.
Abraço-o ternamente nos Corações de J. e de M.
Seu devotado amigo e Pai em N.S.
Le Prevost
Recomendo-lhe o livrinho do Mois du Sacré Coeur; esforce-se para que esse bonito mês não
passe despercebido.
-247- ao Sr. Caille
Comportamento a manter para com um jovem vocacionado. Não hesitar em separar-se dele se a
prudência o exigir. Uma ajuda seria necessária para conduzir a obra de Amiens.
Paris, 20 de junho de 1853
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Escrevo-lhe, sem demora, para agradecer-lhe a conduta totalmente bondosa e firme que teve
para com o jovem Albert Marcaire. Não desespero que, com um pouco de perseverança, você possa
colocá-lo no bom caminho. Ele tem um bom coração e, se for mantido tal, superará as dificuldades que
encontrará em seu caminho. Todavia, caríssimo amigo, se esse jovem não seguisse docilmente seus
conselhos, se, eventualmente, chegasse a ser um mau exemplo para os outros e se tornasse um motivo
de inquietação para você, não hesite em tomar a respeito a decisão que a prudência cristã lhe sugerir.
185
O Patronato St Charles, da rua St Quentin, perto da igreja São Vicente de Paulo. (Xo bairro). Era uma das mais
antigas caas de Patronato da Sociedade de São Vicente de Paulo. O Instituto assegurou-lhe a direção em 1855, com
os irmãos J. M. Tourniquet e A..Vasseur.
250
Você só pode admitir perto de si jovens animados de boas disposições, sentindo o favor de seu apoio tão
caridoso e tão paternal e respondendo com submissão e gratidão. Uma só pessoa que não estivesse
com esses sentimentos poderia desviar os outros de seu caminho e lhe suscitar grandes embaraços. Não
haveria razão, portanto, para vacilar se, após algumas provas, você não chegasse a um resultado
satisfatório.
Partilho inteiramente de sua opinião relativamente à fundação de sua casa em Amiens. É preciso
que os espíritos estejam dispostos e que você sinta uma colaboração ao seu redor em favor dessa boa
obra. De outra forma, a carga recairia de modo exageradamente pesado sobre você, e seu isolamento
poderia comprometer seu êxito. Continuemos, portanto, caríssimo amigo, a rezar e mantenhamo-nos sob
a mão do Senhor, que nos empregará na sua vinha como lhe aprouver. Somos pobres operários que Ele
toma a seu serviço; a submissão, a confiança em sua bondade são as qualidades que nos convêm.
Fico sabendo com prazer que Jules Sausset se acha melhor; creio que o ar do campo lhe será
salutar e que ele, na colônia do Sr. de Renneville, está tão bem colocado como se poderia desejar.
Nosso caro Sr. Vasseur queria escrever-lhe algumas linhas, não sei se ele terá achado o momento
para tanto; ele vai bem e nos dá sempre satisfação. Vi, pela pequena carta que lhe enviou o jovem
Thuillier, que esse jovem tem igualmente o desejo de consagrar-se ao serviço de Deus e pensa um pouco
em entrar em nosso meio. Deixo-lhe inteiramente o cuidado, caríssimo amigo, de estudar suas disposições
e de julgar, quando chegar a hora, sobre a decisão que se deveria tomar a respeito dele.
Somos bem felizes, ao pensarmos que seus negócios poderiam trazê-lo em breve a Paris; os
poucos instantes que você passa no meio de nós estreitam nossos laços e nos unem sempre cada vez
mais intimamente.
Fiz uma pequena excursão de negócios em suas cercanias há alguns dias; estive até em Clermont.
É na estrada de Amiens; tinha alguma tentação de ir até lá e de surpreendê-lo por uma pequena visita
inesperada; mas estava com pressa de voltar e pensava, aliás, que mais valia aguardar alguma ocasião
que a Providência proporcionará por si mesma para ir vê-lo; sejamos pacientes, a hora dela virá.
Todos os nossos irmãos vão bem, nossa pequena família está presentemente em boa disposição,
tenho confiança de que o divino Senhor está no meio de nós. Possa Ele estar também sempre com você,
caríssimo amigo, e com suas crianças; pedimos-lhe por você suas mais abundantes bênçãos.
Seu amigo e Pai em N.S.
Le Prevost
Nosso irmão Maignen não recebeu nenhuma carta sua.
248- ao Sr. Caille
As pequenas Comunidades permitem laços mais estreitos. Não se pode, portanto, afrouxar esses laços
sem que elas sofram. Como vão as jovens vocações. O Sr. Le Prevost anuncia-lhe a aquisição do terreno
e dos edifícios de Vaugirard.
Paris, 12 de julho de 1853
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Não tive a satisfação de ver os excelentes Srs. que me trouxeram sua carta, fiquei muito sentido
por isso e espero que uma outra ocasião me será mais favorável. O Sr. Vasseur, que os viu, ficou
sabendo por intermédio deles que podíamos esperar vê-lo domingo próximo; seria para todos nós uma
grande alegria, para mim em particular, caríssimo amigo, que muitas vezes sinto uma espécie de tristeza
por vê-lo tão raramente. Quando as comunidades são muito numerosas, fazem colônias e,
necessariamente, os irmãos ficam longe uns dos outros; mas, quando ainda formam apenas uma pequena
família, os laços são tão estreitos, que não se pode afrouxá-los sem sofrimento. Aceito, todavia, caro
251
amigo, nisso como em tudo, a santa vontade de Deus, e o bendigo todas as vezes que Ele nos permite
aproximar-nos por alguns instantes.
Tinha mandado avisar a roupeira para aprontar o pequeno pacote de Jules Sausset, mas ela não
foi encontrada em casa quando seus jovens Confrades vieram; portanto, os objetos reclamados ser-lhe-ão
entregues quando você vier.
Estou muito feliz por ficar sabendo que o jovem Marcaire vai um pouco melhor; creio que ele tem
muito respeito e afeição para com você e que se corrigirá aos poucos de seus maus costumes, se você
continuar dando-lhe seus bons conselhos. Ele escreveu a seus pais uma pequena carta que os encantou.
Dizia que começava a entender, sob sua direção, o que era o bom caminho e que sentia um verdadeiro
desejo de andar nele. Você também não deseja nada diferente, caro amigo, senão ver esses pobres
meninos seguir o caminho reto; espero que este menino lhe deverá sua salvação.
O irmão186 dele vai sempre bem entre nós; pede-lhe para confirmar a Alberto que pensa nele
muitas vezes diante de Deus. Ficarei bem satisfeito, se você vier aqui, de ser apresentado por você ao Sr.
Padre Cacheleux. Tudo o que me disseram de seu zelo e de suas virtudes me faz desejar conhecê-lo. Ele
é, aliás, tão bom para você e para suas obras, que me deve ser caro, por esse motivo que lhe merece
toda a nossa gratidão.
Fomos mais rápidos do que você em nossa obra de órfãos; espero que isso aconteça pela vontade
de Deus, e não por nossa inspiração própria. Impelidos pelo pedido de um aumento considerável que nos
fazia nosso proprietário em nosso aluguel, e vendo, por outro lado, que não poderíamos nos estabelecer
completamente nesse local, sem gastos bastante consideráveis, chegamos a uma decisão: apesar de
nossa pobreza, adquirimos, em Vaugirard187, um local bastante vasto com alguns edifícios que, bem
adaptados, poderão receber nossas crianças e nós. É um ato um pouco ousado em nossa posição, mas
temos rezado bastante antes de agir, fomos também atrás de sábios conselhos, esperamos, portanto, que
o Senhor estará conosco. Una suas orações às nossas, caríssimo amigo, para que levemos esse
empreendimento a bom termo.
Adeus, caríssimo amigo, todos os nossos irmãos o reverão com alegria e o esperam
impacientemente; até lá, abraço-o ternamente em N.S.
Seu afeiçoado e devotado amigo e Pai em J.C.
Le Prevost
Esquecia de dizer que nosso irmão Casimir Michel, muito bem restabelecido de sua doença, está
novamente no meio de nós há alguns dias.
249- ao Sr. Caille
Projetos de movimentação para Amiens e a Normandia. Obras na casa de Vaugirard. Comunicar uns aos
outros os detalhes da vida de família mantém a união das comunidades.
Paris, 25 de agosto de 1853
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
186
Jules Marcaire (1832-1918) originário de Lille, havia entrado em Comunidade no dia 2 de abril precedente;
nomeado no Orfanato da rua de l’Arbalète, irá em seguida a Vaugirard e Amiens. Será um modelo de vida religiosa e
de simplicidade.
187
A Comunidade se achou rapidamente apertada na rua de l’Arbalète. “Não estávamos em propriedade nossa e não
tínhamos dinheiro” (Sr. Myionnet). Segundo este último, o Sr. LP. se teria dirigido assim ao Senhor: ”Vejo
claramente que não quereis que residamos na casa dos outros; uma Comunidade que começa (...), é preciso que esteja
em casa própria. Se tal é, de verdade, vossa vontade, dai-me um sinal”. Ora, uns benfeitores se apresentaram (entre
os quais o Sr. e a Sra. Taillandier). O Sr. LP. achou, do lado de Vaugirard, no sul-oeste de Paris, no ângulo da rua du
Moulin e da rua des Vignes (hoje rua Dombasle e Dantzig), uma vasta propriedade. O contrato é assinado no dia 15
de julho de 1853 e é no dia 8 de fevereiro de 1854 que a Comunidade e o Orfanato se instalaram ali.
252
Estou sempre comovido pelo admirável espírito de suas cartas, que respiram a cordial afeição e a
abertura de coração que é tão desejável fazer reinar entre nós. Bendigo a Deus por isso, ele que entretém
visivelmente essas boas disposições entre nós e nos manifesta assim cada vez mais sua vontade de unirnos e de fazer de todos nós um só coração, uma só alma, para sua glória e nossa salvação.
Agradeço-lhe particularmente pelo bondoso empenho que me faz, para o envio a Amiens de
algum de nossos irmãos que teria perto de você algumas férias. Tinha resolvido que essa satisfação seria
concedida ao nosso irmão Maignen, que o ama muito e se interessa bem particularmente por suas obras,
devo dizer, em nossas obras de Amiens; mas ele se achou tão cansado que tive que fazê-lo respirar um
pouco o ar do campo; creio que, sem essa precaução, não teria podido suportar os trabalhos do inverno.
Por meu lado, vou fazer uma breve ausência; minha irmã me chama para alguns dias perto dela,
tendo alguns negócios a resolver; isso será, aliás, um descanso de que necessitava, pois o verão tem
esgotado minhas forças. Fui obrigado a ficar acamado durante dois dias, mas levantei. Um pouco de
descanso completará meu restabelecimento.
Na minha volta, tenciono muito ir vê-lo por um ou dois dias, não obstante as ocupações que
acrescentam aos nossos encargos habituais as obras da Casa de Vaugirard.
Tudo vai bem, de resto, entre nós, graças ao apoio de nosso divino Senhor. Nosso irmão Casimir
[Michel] estava esses dias um pouco menos firme do que de costume, o grande calor o cansa um pouco,
mas isso não parece grave nem inquietante; acho-o, no conjunto, bem restabelecido.
Todos esses pormenores de família não o fatigam, caríssimo amigo, pois tudo isso o toca e lhe
interessa, seu coração nos é dado e toma parte em tudo o que nos toca. Por reciprocidade, interessamonos por tudo o que você faz, por tudo o que lhe concerne. Vamos rezar por sua distribuição, na qual só
estaremos presentes em espírito, mas pela qual pedimos as graças de Deus. Suas crianças, espero,
levarão dela boas impressões que as disporão a responder a seus cuidados caridosos e dedicados.
Adeus, caríssimo amigo, abraço-o nos Corações sagrados de Jesus e de Maria.
Le Prevost
Não esqueça de dizer o preço do tecido que você me trouxe.
250- ao Sr. Planchat
O Sr. Le Prevost não pode autorizar o Sr. Planchat a organizar o patronato de férias para os alunos. A
insuficiência de pessoal obriga a renunciar a muitas obras úteis. Confiar ao Cristo todos os seus desejos
não atendidos.
Duclair, 30 de agosto de 1853
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Respondo pelo primeiro correio à sua pequena epístola, e, no entanto, minha resposta chegará
tarde demais ainda a seu gosto, já que nosso bom padre Lantiez não terá conhecimento dela antes de ir
a Grenelle. Mas não acho que haja motivo para lamentá-lo. A medida que você propõe é boa, sem
dúvida, e seria útil aos alunos. Todavia, seria pouco praticável neste momento; iria dar-lhe um excesso
de encargo, que você deve evitar após os cansaços do verão; aumentaria as preocupações do irmão
Carment que, nas proximidades de sua distribuição, sobretudo, tem necessidade de liberdade de
espírito; ele suporia da parte do Sr. Bénard uma cooperação que não poderia, certamente, dar-lhe de
uma maneira regular. Tal é o pensamento de nosso irmão Maignen e também o meu; precisa, portanto,
caríssimo amigo, entregar ao bom Deus o cuidado de guardar suas queridas crianças; ele levará em
conta seu bom desejo e atenderá às orações que lhe dirigir por elas. Invoque os seus anjos da guarda,
estes as protegerão e as trarão de volta para você bem dispostas depois das férias. Você sabe, nossa
limitação nos impõe, nesse campo, sacrifícios contínuos e nos obriga a renunciar a muitas obras das
quais sentimos a utilidade; tempos melhores virão, sem dúvida, quando mais forças e recursos nos serão
dados. Até lá, refugiemo-nos no Coração de Jesus e confiemos-Lhe nossos pesares, nossos desejos
253
impotentes, ipse opus perficiet [ele mesmo fará o trabalho], Ele se encarregará de tudo o que não
tivermos podido fazer.
Fecho esta carta para não atrasar sua partida, abrace ternamente todos os nossos irmãos; só me
consolo de estar longe deles, redobrando minhas orações por eles e, em particular, por você, caríssimo
amigo, que abraço estreitamente nos Corações sagrados de J. e de M.
Seu amigo e Pai em N.S.
Le Prevost
Peça ao irmão Myionnet para abrir minhas cartas e mandar-me as que lhe pareceria útil fazer
chegar até mim.
251- ao Sr. Vasseur
O Sr. Le Prevost o parabeniza por sua simplicidade e sua abertura de coração. Encoraja-o a perseverar
na luta contra si mesmo.
Duclair, 3 de setembro de 1853
Caríssimo filho,
Você me dirigiu uma pequena carta singela e boa, como o bom Mestre lhe ensinou a fazê-las. Por
isso, ela me causou uma doce satisfação, como se tivesse conversado com você mesmo; aí está o mérito
da simplicidade: fala ao coração, porque vem também do coração. Deixe sempre expandir-se o seu, caro
filho, em toda a candura e verdade, e tenha a certeza de que assim você agradará a todos e sobretudo a
Deus.
Quase não passei instantes aqui sem pensar em você, sem rezar por você. Vou redobrar de
ardor ao fazê-lo, caro filho, pois você sente particularmente necessidade disso nesse momento. Tenho a
confiança de que o Senhor nos atenderá e de que vou encontrá-lo de novo na minha volta como o
deixei: firme contra a tentação e digno servo de Jesus e de Maria. Você deu um grande passo no bem,
superou a natureza má, não vai querer sujeitar-se de novo a seu jugo vergonhoso e desonroso; mas,
sobretudo, não vai querer entristecer o coração do Deus que o ama e que o escolheu, afligir a
Santíssima Virgem, sua Mãe, enfim, entristecer-me também profundamente, a mim que acompanho com
tanta alegria seus progressos no bem, que o vejo até agora responder tão bem ao apelo do Senhor.
Coragem, meu caro filho, a vitória é certa para quem resiste e invoca o nome do Senhor. Esconda-se
nos Corações sagrados de J. e de M., que o demônio não saberia atingi-lo ali. Aí está que quero
reencontrá-lo, e, na minha volta, você virá a mim cheio de alegria, pois, terá a calma de uma consciência
pura, a paz de um coração totalmente ao Senhor.
Abraço-o ternamente e sou para a vida
Seu afeiçoado Pai em N.S.
Le Prevost
252- ao Sr. Vince188
A esse jovem irmão que sofria dificuldades em sua caminhada, o Sr. Le Prevost aconselha a seguir uma
atração para a devoção ao Sagrado Coração; que ele abençoe sua provação, acolhendo-a como um meio
de santificação; que não deixe entrar em seu coração sentimentos que não sejam de caridade e de
bondade.
Duclair, 3 de setembro de 1853
188
O Irmão Joseph Vince (1824-1856) originário de La Flèche, havia entrado em Comunidade no dia 21 de fevereiro
desse mesmo ano 1853, com 29 anos de idade. Deixou o testemunho de uma alma ardente e generosa: “Meu único
pesar ao deixar esta vida, é deixar os pobres, pois trabalhar para eles era minha alegria”.
254
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Eu tinha necessidade, embora minha ausência não deva ser muito longa, de receber algum sinal
de lembrança de meus filhos e irmãos afastados. Você entendeu, caro amigo, essa necessidade de meu
coração e me escreveu algumas linhas que vinham do fundo do seu, boas, afetuosas, como o Deus de
Caridade as inspira a seus filhos queridos. Oh! siga bem a atração que o impele ao divino Coração de
Jesus. Caro filho, creio, estudando seu caminho, que é para lá que você está inclinado; deixe o doce
Mestre atraí-lo. Ele o instruirá como ao discípulo bem amado, fazendo-o repousar no seu Coração,
revelando-lhe esses segredos da santa dileção, que tantas almas ignoram e que são, no entanto, o dom
de Deus por excelência, o soberano bem.
Não se atormente com suas tristezas, elas vêm, ou da estação e de sua saúde fraca: então,
durarão pouco; ou são mandadas por Deus como provação e meio de santificação: então, são um
benefício, uma purificação, um meio de tornar-se humilde, desapegado de si mesmo, mais digno de estar
em união com Jesus. Bendigamos, portanto, essa feliz provação que terá frutos tão preciosos. Caro filho,
amo-o ternamente; todos os seus irmãos lhe são também muito afeiçoados, afaste de seu coração toda
aspereza, só deixe lugar para a benevolência para com todos, a compaixão para com os pobres, o zelo
pela salvação das almas, o ardor pela glória de Deus; é para isso que seu coração bom, terno, amoroso
foi feito. Que ele cumpra sua finalidade, pois Deus o quer assim e o examinará com base nos dons que
Ele lhe tem feito.
Adeus, caro filho, não preciso dizer-lhe mais nada, estaremos logo reunidos.
Aperto-o estreitamente nos Corações sagrados de J. e de M.
Seu Pai e amigo
Le Prevost
253- ao Sr. Caille
Projeto de viagem a Amiens
Paris, 19 de setembro de 1853
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Estou de volta há mais de dez dias. Já teria ido vê-lo, se um negócio não me tivesse parado
esses últimos tempos; agora, estou mais livre e posso fazer-lhe uma pequena visita. Meu propósito é sair
quarta ou quinta-feira de manhã, e chegaria na tarde, sem dúvida, na sua casa; passaria um dia com
você e retornaria no dia seguinte, não podendo neste momento fazer uma ausência mais demorada e não
querendo, aliás, atrapalhar em nada suas ocupações costumeiras.
Se alguma razão o fizesse pensar que minha saída poderia ser adiada, sobrar-lhe-ia ainda tempo,
escrevendo-me pelo próximo correio, para avisar-me do dia em que você mais gostaria que ela fosse
fixada.
Todos os nossos irmãos vão bem e o abraçam cordialmente.
Seu todo afeiçoado Pai e amigo em N.S.
Le Prevost
255
254- ao Sr. Caille
Agradecimentos pela acolhida recebida em Amiens. A vizinhança do Sr. Caille e sua obra são bons
presságios do futuro, tal como o almeja o Sr. Le Prevost.
Paris, 27 de setembro de 1853
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Devolvo-lhe sem demora o projeto de petição que você me pediu; foi feito às pressas e tem
grande necessidade de ser emendado. Você o organizará, visando o melhor.
Agradeço-lhe muitas vezes, caro amigo, assim como à sua excelente irmã, a afetuosa acolhida
que me fizeram. Voltei muito comovido e cheio de gratidão, não porque eu já não soubesse bem qual era
seu coração, mas porque não posso deixar de ser tocado pelas marcas de uma sincera afeição. Achei
também muito bondosos, bem amáveis seus jovens amigos, os Srs. Giraud e Demarsy. Encontrei poucos
jovens tão edificantes e de trato tão atencioso. Bendigo a Deus que os deu a você como amigos e tenho a
convicção de que, em qualquer caminho em que sejam chamados, ali farão o bem e servirão de exemplo
para os outros. Enfim, seus pequenos meninos me contentaram muito também; há, em toda essa
vizinhança que o Senhor lhe proporcionou, boas esperanças e um começo do bem que almejamos.
Assegure o Sr. Dupetit de meus pesares pelo incidente que me impediu revê-lo. Em outra viagem,
tenciono firmemente me compensar disso. Nem pude rever o Sr. Masson, que teria querido conhecer
menos às pressas, espero que ele venha nos visitar em Paris.
Aprovo a decisão que você tomou, no que toca a seu irmão; é certamente a mais sábia e a
melhor para ele.
Adeus, caríssimo amigo, assegure a Senhora sua irmã de meu respeito e traga-me à lembrança de
seus amigos. Diga algumas palavras particulares também aos nossos pequenos amigos Thuillier e Crestel;
rezo todos os dias por eles; o Sr. Vasseur os abraça afetuosamente.
Não deixaremos de fazer a novena com vocês.
Seu de coração em J. e M.
Seu amigo e Pai
Le Prevost
O Sr. Maignen o abraça e lhe pede para mandar-lhe seus prêmios de honra e todas as outras
informações interessantes para o Almanach; ele tem bastante pressa disso, pois vai ser impresso.
255- ao Sr. Caille
O Sr. Le Prevost declina o convite para ir a Amiens.
11 de outubro de 1853
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Mando-lhe estas duas palavras para agradecer-lhe as solicitações afetuosas com que nos
convidou para ir à sua bela solenidade. Consideramos sua casa como nossa e, reciprocamente, você
estará em sua casa na nossa. Teríamos, portanto, aceito com alegria sua oferta se não estivéssemos
muito ocupados e amarrados neste momento. Nosso retiro começa hoje e só terminará sábado de manhã.
Invocaremos com você Santa Theodósia. De seu lado, muitas vezes, torne a entrar em seu coração, para
se achar aos pés de nosso divino Senhor; dessa forma, estaremos unidos durante esse tempo de graça e
de bênção.
Afeição de todos os nossos irmãos e terno abraço em J. e M. de
Seu afeiçoado amigo e Pai
Le Prevost
256
256- ao Sr. Caille
Há uma santa inteligência entre os corações, que aproxima as almas na dedicação e na caridade. O Sr.
Vasseur admitido para fazer suas promessas. Diversas notícias da Comunidade.
Paris, 21 de novembro de 1853
Meu caríssimo amigo e filho em N.S.,
Achávamos que você tardava muito a nos dar notícias, e somente estávamos consolados de seu
longo silêncio pelo pensamento de que você ia chegar logo. Agradeço-lhe as certezas que nos dá de seu
terno apego; ele responde ao nosso, que nem o afastamento, nem a ausência saberiam alterar; longe
disso, a confiança recíproca aumenta e a vontade de permanecermos unidos em Deus e para sua glória
parece doravante assegurada. Não saberíamos desconhecer a graça de Deus nessas situações, pois
somente ele aproxima assim as almas na dedicação e na caridade; possa essa santa inteligência de
nossos corações produzir bons frutos para nossos irmãos e para nós.
Nosso caro Alphonse responde à pergunta que você me fazia, se continuava a nos dar satisfação.
Você está vendo como ele deu um jeito em algumas tentações que lhe sugeria às vezes o demônio, como
é comum no ano de noviciado. Ele me havia, várias vezes, contatado sobre a possibilidade de fazer suas
promessas em breve; eu tinha adiado para o nosso retiro da Páscoa próxima, mas vendo-o nestes últimos
dias um pouco inquieto, embora sem grande motivo, pelas imaginações que o mau espírito lhe
representava, pensei que poderia livrar-se delas, tomando corajosamente sua decisão. Não duvido que
esse meio, cujo bom resultado já experimentamos, lhe saia perfeitamente bem. Ele teria gostado que seu
Padre Caille estivesse presente nesse interessante ato de sua vida, mas pensou que seu bom anjo o
inspiraria a rezar por ele.
Quanto aos jovens Thuillier e Crestel, deixo-o inteiramente juiz de suas disposições e das
orientações que convém lhes dar. Rezo muitas vezes por eles, como por toda essa amável e cristã
vizinhança que o bom Deus lhe deu. Assegure-os de minha afeição e de minha boa recordação. Abraço
também o pobre Saussett, rezamos por ele com nossas crianças. Todos os nossos irmãos vão bem e o
esperam; quando você demora demais para vir nos visitar ou para nos escrever, a reclamação é geral.
Não temos nada de novo. Um bom moço parece dever entrar em nossa comunidade, ele pertence à
Conferência Saint Sulpice. Creio que tem as qualidades desejáveis, só que é de tamanho tão pequeno,
que o menor de nossos irmãos é grande perto dele. Se, como espero, seu coração é largo e alto, seu
tamanho de anão não será obstáculo aos nossos olhos.
razão.
Exorto bem o Sr. Albert a dar-lhe satisfação, e espero sempre que o tempo amadurecerá sua
Adeus, caro bom amigo, abraço-o ternamente em J. e M.
Le Prevost
256.1- a Dom Sibour189
Relatório sobre a situação do Orfanato. O Sr. Le Prevost pede a autorização de abrir uma subscrição e
solicita a aprovação do Arcebispo de Paris.
[fim de 1853]
Monsenhor,
A obra dos Órfãos de São Vicente de Paulo, cujo pensamento e finalidade se acham explicados na
nota anexa, foi abençoada por Deus e se desenvolveu num excelente espírito. Conta presentemente com
80 crianças, 72 na escola e 8 colocadas, ou devendo sê-lo, em aprendizagem.
189
O Sr. LP. escreveu o rascunho desta carta assim como das cartas 256-2 (a Napoléon III) e 257-1 ( ao Fiscal do
Registro) e as fará caligrafar por um copista.
257
Entende-se, todavia, que, criada há menos de 3 anos, ainda exija, em muitos aspectos,
melhoramentos necessários. Do ponto de vista material em particular, sofria grandes dificuldades para
estabelecer-se definitivamente no local que ocupa presentemente e cujo aluguel de 4000f por ano só era
pago com socorros precários. Aliás, diversos serviços essenciais precisavam ser adaptados ou faltavam
absolutamente, tais como rouparia, enfermaria, classe, sala de recreio, e teriam exigido despesas
consideráveis, como pura perda para a obra que tivesse construído num terreno alheio.
Essas considerações determinaram os diretores da obra a adquirir em Vaugirard, rua des Vignes,
44, um grande terreno com alguns edifícios suscetíveis de serem adaptados para um estabelecimento de
educação. Mas essa aquisição, acrescentada às obras a efetuar não subirá a menos de 80 000f,
importância que excede de perto da metade os recursos de que a obra poderia dispor.
Ela ficaria, portanto, sofrendo por muitos anos, embaraçada em sua caminhada, se não devesse
contar com a ajuda da divina Providência e com a contribuição dos amigos caridosos.
Para obter esta última assistência, os diretores da obra desejariam abrir uma subscrição sem
nenhum número determinado, da qual cada um poderia participar conforme lhe parecesse possível e
conveniente.
Eles esperam que esse meio, pelo qual o mundo caritativo não seria muito onerado, obterá a
aprovação de Monsenhor o Arcebispo de Paris e que ele se dignará, autorizando-o, conceder à Casa dos
Órfãos, posta sob seu elevado patrocínio, um novo testemunho de seu paternal interesse.
256.2- a Napoleão III190
À procura de benfeitores para seu Orfanato, o Sr. Le Prevost dirige uma súplica ao Imperador. (Ela não
terá o êxito pretendido, cf. Carta 257.1, março 1854).
[fim de 1853]
Senhor,
O suplicante abaixo-assinado tem a honra de expor à Sua Majestade que, vivamente tocado pelo
estado de sofrimento e de abandono em que se encontram as crianças da classe operária ou indigente,
quando ficam privadas de seu pai ou de sua mãe, abriu há três anos, de acordo com alguns amigos
consagrados inteiramente, como ele, às obras de caridade, uma casa para a educação de jovens meninos
órfãos, rua de l’Arbalète 39 bis.
O estudo, que o expoente pôde fazer há vários anos das necessidades dos pobres, o convenceu
de que convém em geral deixar seus filhos seguir sob seus olhos as escolas públicas e colocá-los mais
tarde com uma certa direção nas oficinas, para aprender uma profissão. Mas essa caminhada, natural e
sábia nos casos ordinários, torna-se impraticável, quando o laço da família é quebrado pela morte do pai
ou da mãe. O operário, uma vez viúvo, abandona em casa seus filhos, que ele não pode vigiar. A mulher,
privada de seu marido, é obrigada a trabalhar fora. Em um e outro caso, é necessário que a caridade
intervenha e recolha as crianças, sob pena de vê-las cair na desordem e na vadiagem.
No entanto, Senhor, um só estabelecimento existia até esses últimos tempos no departamento do
Sena para os jovens meninos pobres; além disso, não era reservado aos únicos órfãos e achava-se,
conseqüentemente, lotado.
Foi para satisfazer uma necessidade tão urgente e, infelizmente, tão comum que foi formada, sob
o patrocínio de Monsenhor o Arcebispo de Paris, a Casa dos Órfãos de São Vicente de Paulo.
Ela recebeu, há três anos, 120 meninos, entre os quais 75 ainda se acham no estabelecimento, e
os outros, após sua educação terminada, foram colocados em aprendizagem. Além disso, 500 outros
foram apresentados, com todas as condições necessárias para serem admitidos, os quais deveriam ter
190
É preciso achar fundos para o Orfanato, que, tudo calculado, custará 115,000f. O Sr. LP. recorrerá não somente ao
Imperador, mas também ao Ministro do Interior e ao prefeito de Paris, o barão Haussmann.
258
encontrado lugar, se o estabelecimento, fundado com recursos por demais módicos, estivesse em
condições de acolhê-los.
Essa experiência, não deixando mais dúvida sobre a utilidade da instituição, e parecendo ter
chegado o momento de assegurar-lhe uma situação definitiva, que será suficiente para as necessidades
atuais e permitirá mais tarde alguns desenvolvimentos, o abaixo-assinado acreditou dever adquirir, em
Vaugirard, uma propriedade vasta e bem situada, mas onde quase tudo está para fazer no tocante à
adaptação e à instalação.
Nesse instante tão decisivo para o futuro da obra, os que a fundaram ousaram esperar, Senhor,
que sua Majestade se dignaria assisti-los com seu generoso apoio, para prover os encargos de uma
aquisição que, acrescida às despesas de adaptação, ultrapassa 100 000f, e dar, assim, uma consistência
assegurada a um estabelecimento verdadeiramente necessário às classes operárias e indigentes.
Eles solicitam de Sua Munificência Imperial um socorro de 3000f, a título de encorajamento para
as despesas de instalação, e a fundação de algumas meias-bolsas, ao preço de 3000f, que estariam à
disposição de Sua Majestade para as crianças pobres que Ela quisesse favorecer.
Graças a esse apoio oportuno, a obra definitivamente fundada prosseguiria seus
desenvolvimentos e testemunharia com tantas outras das paternais solicitudes de Sua Majestade, em
favor das classes pobres e sofredoras. Graças a essa marca de Sua Munificência Imperial, nossos órfãos
seriam garantidos contra privações e incômodos duros demais, e a obra seguiria sua caminhada sem
obstáculos.
257- ao Sr. e à Sra. Taillandier191
Detalhes sobre a instalação em Vaugirard. Gratidão para com esses insignes benfeitores. Inauguração da
capela. Graças de sua estada em Roma. Notícias das obras do Instituto.
Vaugirard, 28 de março de 1854
Senhor e excelente amigo,
Senhora e excelente amiga,
Como é possível que sua agradável carta tenha ficado tanto tempo sem resposta e que um tão
amável testemunho de sua boa e afetuosa lembrança não tenha encontrado um retorno mais apressado?
Eu mesmo não saberia acreditar nisso, se o fato não estivesse sob os meus olhos, pois sua carta não me
deixou um instante, e nenhum dia se passou sem que tenha acordado em mim uma lembrança mesclada
de pesar. Entretanto, talvez vocês também, de seu lado, excelente Senhor e excelente Senhora, fizessem
dificilmente uma idéia para si dos embaraços e trabalhos que nos causaram, na rude estação do inverno,
o acabamento de nossas obras, nossa mudança e nossa instalação em Vaugirard. As ocupações múltiplas
que me dava, em particular, nossa subscrição, e, finalmente, os cuidados que acarretou também a
cerimônia da bênção de nossa capela192. Hoje, eis-nos mais ou menos saídos, graças a Deus, dessa difícil
provação. Meu primeiro momento de liberdade é para vocês, como o primeiro movimento de meu coração
se volta também para vocês. O Senhor dispôs as almas favoravelmente a nosso favor e em geral só
encontramos boa vontade e simpatia benevolente. Nada, entretanto, compensava sua ausência, nenhum
amigo substituía para nós os amigos ausentes, pois nenhum amigo podia ter o coração tão piedoso, tão
generoso, tão nobremente dedicado. De minha parte, estou tão acostumado a sentir muito perto de mim
sua assistência em todas as nossas obras, acostumei-me tanto a ir junto à boa Senhora Taillandier, para
lhe dizer todas as minhas pequenas combinações, minhas dificuldades, meus sucessos, que tive a
sensação, durante todo o inverno, de um grande vazio. Precisava desse pensamento: estes bons amigos
não estão muito longe; estão gozando um pouco de descanso, estão firmando esta existência tão preciosa
191
O Sr. e a Sra. Taillandier, pais de Henri Taillandier, confrade da Conferência São Sulpício, e mais tarde pároco de
St Augustin em Paris.
192
Foi inaugurada na festa de São José, que ocorria no dia 20 de março naquele ano. Foi dedicada ao Sagrado
Coração e se tornará em 1880 a capela dos Santos Corações. O Pe. Félix, orador de N.D, de Paris, pronunciou o
sermão de circunstância. O padre Buquet, vigário geral, benzeu a nova capela. Paul Decaux, presente na cerimônia,
vê nisso um feliz presságio: “Quando, no dia de seu batismo, uma casa é benzida por tais mãos, uma obra por tais
palavras, podem, ambas, repousar em Deus e confiar sem restrição nos benefícios de seu amor”. (G.A. Boissinot, Un
autre saint Vincent -de- Paul, p.258).
259
para todos aqueles que os amam e, sobretudo, estão na Cidade Santa, aos pés dos Santos Apóstolos,
orando, merecendo, por seu fervor e suas piedosas súplicas, as bênçãos que o Senhor prepara para
nossos trabalhos. Porém, quando veio o dia, bem solene para nós, da bênção de nossa capela, não foi
sem um certo aperto do coração que, nessa assembléia numerosa, reunida para oferecer ao Senhor essa
pobre e pequena morada que lhe temos consagrado, tive de procurar em vão aqueles que
verdadeiramente a edificaram. Contudo, eu me engano, nosso Henry bem querido estava lá,
representando-os e dedicando ao divino Mestre a obra de seus bem-amados pais. Regozijei-me, com
efeito, com este pensamento que seu donativo generoso tinha, ele sozinho, construído nossa pequena
capela e, porque esse dom tão amavelmente oferecido me era mais precioso que o resto, resolvi, por
gosto próprio, aplicá-lo a essa piedosa destinação.
Sua boa carta está toda cheia das impressões de tudo o que os cerca e mostra bastante que a
temporada de Roma é para vocês como que um meio poderoso de edificação, como que uma penetração
mais profunda nas coisas santas pelos monumentos, imagens, lugares. É bem assim que os verdadeiros
cristãos entendem as viagens: são para eles alguns passos a mais em direção a Deus, não uma divagação
e uma ocasião de dissipar o coração e o espírito. Parece-me que em Roma, nas suas magníficas igrejas,
nos seus conventos, nos vestígios que ela guarda preciosamente dos seus apóstolos, de seus mártires, se
devem achar emoções suaves e repousantes, que acalmam a alma e a elevam ao mesmo tempo. Estou
feliz em pensar que essas puras alegrias são dadas às suas almas, tão bem feitas para saboreá-las.
O que poderia eu dizer-lhes, da minha parte, em resposta às suas narrativas tão amáveis?
Assuntos não me faltariam, pois vocês se interessam por tudo o que se faz de bem, e a caridade está
longe de ficar inativa, mas o espaço me falta para falar-lhes, com alguns pormenores, das obras e de seus
trabalhos. Monsenhor o Arcebispo, propondo-se a chegar a Roma no decorrer deste ano, recolhe
elementos para submeter ao Santo Padre um relatório minucioso sobre todas as obras de sua diocese 193.
Será bem interessante e alegrará sem dúvida o coração paternal de Sua Santidade. Já uns pedidos de
informações nos foram dirigidos diretamente por Monsenhor sobre as diversas obras confiadas aos nossos
cuidados. A sua solicitude benevolente me pergunta, sobretudo, acho eu, como está a reforma de nossa
casa de Nazareth, se os pobres foram aliviados eficazmente durante esse inverno tão penoso para eles,
enfim, se sairemos sem dificuldade de nossa fundação dos órfãos. A pobre casinha de Nazareth está
sempre dispersa; nossas Conferências se prestaram para tudo, aceitaram todas as combinações, por
dispendiosas que poderiam ter sido, mas nada pôde ser realizado; do lado dos Capuchinhos194, somos
sempre parados pelo Sr. Pároco da Abbaye-aux-Bois. Não perco a esperança, porém, de dobrá-lo; penso
em tentar mais um esforço junto a ele, no dia da Compaixão da Santa Virgem, contando com o apoio dela
para conservar essa pequena capela que lhe é consagrada. Peçam-lhe, por favor, sua poderosa
assistência. Nossos pobres idosos sofrem muito com seu isolamento. As Conferências socorreram
ativamente os pobres neste inverno; todas as obras mostraram zelo redobrado; os fornos [sopão] tiveram
também um grande movimento. Se o bom Mestre dignar-se dar um ano melhor que aquele passado,
sairemos ainda dessa provação que a misericórdia do Senhor muito aliviou.
Nossos órfãos são agora 90; ei-los quase completamente instalados em Vaugirard; obrigados a se
instalarem muito cedo demais e antes do acabamento das obras. Foi-nos preciso, durante seis semanas,
viver no meio dos operários, mais donos da casa do que nós e, muitas vezes, não nos deixando nenhuma
sala na qual nos retirarmos. Os locais próprios a nossas crianças tinham sido preparados antes de tudo,
elas eram, portanto, as menos incomodadas. Nossas dores estão para terminar, os operários são quase
totalmente dispensados, hoje vão abandonar a obra; restaria muita coisa para fazer, mas nos
193
Cf. cartas 288 e 309. Tendo que entregar à Santa Sé um relatório sobre o conjunto de sua diocese, o arcebispo de
Paris, Dom Sibour, pedira que fosse informado sobre as obras da Congregação. A correspondência trocada nessa
ocasião com o arcebispo por ocasião de sua volta de Roma (onde fora convocado para assistir à cerimônia em que
seria proclamado o dogma da Imaculada Conceição), contribuiu a apertar os laços do Instituto com a autoridade
diocesana. Em fevereiro de 1855, o vigário geral encontrará o Sr. LP. em Vaugirard e o próprio Dom Sibour visitará
a Comunidade no mês de maio de 1855.
194
“Em 1854, o Asilo dos idosos, chamado Maison de Nazareth, aberto em 1848 na rua N.D. des Champs, para os
pobres da Santa Família, acabava de ser expropriado e demolido, para a abertura da rua de Rennes, [decidida por
Haussmann, então prefeito do departamento da Seine]. O contrato de arrendamento da casa da rua do Regard ia
expirar e o proprietário recusava renová-lo. O Sr. LP. desejava adquirir para estabelecer essas duas obras, um vasto
terreno situado no Boulevard Montparnasse, na esquina da rua Stanislas e pertencendo ao Pároco da Abbaye-auxBois. Havia sido iniciada a construção de uma capela para os Padres Capuchinhos, que deviam acompanhar no
cemitério Montparnasse os funerais dos pobres. Entretanto, o governo imperial, que tinha instituído capelães das
últimas orações, tornara sem objeto o estabelecimento projetado. Ficava para obter que o Sr. padre Hamelin, pároco
da Abbaye-aux-Bois, cedesse por um preço modesto a capela e o terreno ao Sr. LP. (VLP., I,p.484).
260
contentamos com a nossa pobreza que convém à nossa obra e a nós. Quanto às despesas, por
parcimoniosas que tenham sido em economia, permanecerão pesadas para nós, mas o bom Senhor,
assim esperamos, não abandonará seus servos. Com tempo e coragem, chegaremos à nossa finalidade.
A boa Sra. Lalande está sempre contente em nossa casa; cheia de boa vontade, presta-se a tudo
e nos é muito útil. Ela os ama profundamente e lhes oferece seus respeitos.
Vou escrever a Monsenhor de Ségur hoje mesmo para pedir, por seu intermédio, o santo corpo de
um jovem mártir. Ficarei bem grato a vocês se quiserem unir seus esforços aos dele.
Estou obrigado a terminar esta carta e, no entanto, teria ainda mil coisas a dizer-lhes; as cartas
são bem insuficientes, quando estamos tanto tempo separados daqueles a quem amamos e veneramos.
Por isso, conto os momentos que ainda restam até sua volta, mas esquecerei o que essa ausência pode
me custar se ela lhes fortalece a preciosa saúde e descansa os espíritos, dando algumas doces
consolações à sua piedade.
Queiram bem, muito amados Senhor e Senhora, me guardar, assim como a meus bons amigos
que os amam como eu o faço, uma lembrança diante do Senhor e acreditar-me por toda a vida, em J. e
M.
Seu respeitoso servo e devotado amigo
Le Prevost
Para não atrasar esta carta demasiadamente adiada, peço-lhes licença, desta vez, para
simplesmente enviá-la pelo correio, deixando para usar, em outra ocasião, algum meio menos
dispendioso. A criança recomendada pelo Sr. Labbé está entre os nossos órfãos.
257.1- ao Fiscal do Registro
(Escritórios de Registro da Justiça)
Ameaçado de ver aumentados os direitos de venda, o Sr. Le Prevost fornece à Administração as
informações sobre o valor real e sobre o estado da propriedade adquirida em Vaugirard.
[Março 1854]
Senhor Fiscal,
Certos acidentes acontecidos num anexo recém-construído em nossa casa de órfãos da rua des
Vignes 44 em Vaugirard, me impedem de ir pessoalmente a Sceaux para reconhecer, segundo seu aviso
do 7 corrente, uma insuficiência de 20 439,20f que teria sido prejudicada no preço da venda que nos foi
feita dessa casa pelo Sr. Bellebille, conforme ato do 15 de julho de 1853; mas posso fornecer-lhe a esse
respeito, Senhor Fiscal, informações bastante precisas para que não sobre dúvida alguma sobre o valor
real desse imóvel e sobre o preço de sua aquisição.
Enquanto foi ocupado pela exploração industrial bastante importante do Sr. Bellebille, podia ter
figurado no cadastro com um valor relativo de 60 ou 70 000f, mas desde que foi abandonado por esse
proprietário como pouco próprio à sua destinação devido ao afastamento das matérias-primas, ficou não
somente o que ele era primitivamente, quer dizer uma antiga pedreira aterrada, imprópria para toda
cultura, mas um solo escavado em toda a sua extensão por 5 bacias de 3 ou 4 metros de fundura, e que
lhe davam um aspecto de devastação tão selvagem como repugnante. Nesse estado, o imóvel continua à
venda verdadeiramente abandonado, sem que uma proposição aceitável fosse feita ao proprietário; e
quando, mais tarde, aproveitando da elevação extrema das propriedades, ele espalhou anúncios
múltiplos para um preço de venda de 65 000f, nenhum comprador se apresentou para correr o risco da
adjudicação.
Foi nessas circunstâncias que tratamos amigavelmente com o Sr. Bellebille; elas farão-lhe
entender, Senhor Fiscal, como o valor de 50 000f atribuído ao imóvel pode ter sido, para ele como para
nós, já bem considerável.
261
Com efeito, não encontramos um lugar livre para assentar uma construção sem imensos trabalhos
de terraplanagem, nem uma polegada de terra vegetável a não ser que seja trazida; era preciso de nada
menos que um estabelecimento tão pobre como o nosso onde todo o mundo trabalha e põe a mão à
obra, para assumir os encargos de uma tal aquisição.
Tais são os fatos, Senhor Fiscal; peço-lhe instantemente que os mande verificar por um inquérito:
3 das bacias escavadas no solo ainda subsistem quase na íntegra, só seu aspecto será o bastante para
edificar seus representantes sobre o valor intrínseco da propriedade.
Permita-me acrescentar, Senhor Fiscal, que nossa casa de órfãos estabelecida nesse local foi
criada e mantida por nós há perto de 4 anos com nossos recursos particulares e algumas ajudas de
nossos amigos sem socorro nenhum nem subvenção do governo, que ela cria, para falar a verdade,
gratuitamente 100 crianças pobres e lhes prepara uma carreira honesta e laboriosa. Parece bem que os
sacrifícios enormes que tivemos de nos impor nos dariam algum direito aos encorajamentos da
Administração e ousávamos esperá-lo. Não foi, portanto, sem pena que vimos, Senhor Fiscal, que,
assimilando-nos a um estabelecimento industrial ou comercial, quiseram atribuir ao nosso local um valor
excessivo e sobrecarregar os seus direitos de venda.
Longe de poder aceitar esse aumento tão inesperado, esperamos da benevolência da
Administração que ela levará em conta os nossos esforços e os serviços que pode prestar nosso
estabelecimento na fixação dos impostos ordinários que devem pesar sobre nós.
Nessa expectativa, tenho a honra de ser, Senhor Fiscal,
Seu muito humilde servo.
258- ao Sr. Caille
Inquietações a respeito dos patronatos de Paris que a Sociedade de São Vicente de Paulo parece disposta
a fechar, por falta de pessoal dirigente. Os órfãos do Sr. Le Prevost. Ele procura homens para salvar esses
patronatos. Ele impõe sacrifícios à sua Comunidade. Apelo ao Sr. Caille.
Vaugirard, 13 de abril de 1854
Caro bom amigo e filho em N.S.
Fiz o seu recado para o pagamento do aluguel do Sr. Dupetit e lhe prestarei conta desse pequeno
negócio remetendo-lhe, numa próxima ocasião, o bilhete que tínhamos para retirar; pode, portanto, ficar
tranqüilo quanto a isso.
Não teria sido, talvez, tão exato em responder à sua última carta, porque, de ambos os lados,
estamos bastante ocupados para que nossa correspondência não tenha sempre a atividade que quereria
nossa afeição recíproca. Mas quero recomendar às suas orações e à sua atenção caridosa o patronato de
Paris que me parece neste momento seriamente ameaçado.
Há bastante tempo, queixas levantavam-se nas Conferências em relação às casas de patronato.
Censuravam-lhes, salvo alguma exceção, produzirem poucos frutos morais e religiosos, custar muito caro
e impor às Conferências o peso de uma loteria anual que onerava consideravelmente o orçamento. Mas a
maior queixa era que a generalidade dessas casas, hoje, acho, no número de 10, estavam dirigidas por
homens assalariados, sem força de inteligência e de coração, não suficientemente dedicados para dar à
Sociedade sólidas garantias e a segurança de que ela necessita numa obra dessa importância. Essas
queixas tornaram-se mais vivas, mais repetidas há alguns meses e os Irmãos das Escolas, tendo, nestes
últimos tempos, tentado em um ou dois pontos de Paris uma espécie de patronato sobre seus antigos
alunos, os insatisfeitos aproveitaram disso para pedir que as Conferências renunciassem ao patronato e o
abandonassem aos Irmãos que poderiam, dizem eles, se consagrar a isso com mais constância e
perseverança.
A isso, respostas firmes hão de ser feitas: é que esse patronato dos Irmãos, mal nascido, parece
ainda muito vacilante, que reduzido a duas ou três horas no período da manhã, ele parece pouco próprio
a exercer uma grande influência sobre as crianças, que ele não se aplica, de forma alguma, à colocação
262
das crianças e a seu acompanhamento nas oficinas, que, enfim, ele não atingiria, em todo o caso, senão
um número bastante restrito de crianças e deixaria para fora multidões de aprendizes educados por
outros mestres que não sejam os Irmãos, ou não sejam submetidos à sua ação. A supressão do patronato
da Sociedade de São Vicente de Paulo nos pareceria, portanto, uma verdadeira infelicidade para a
caridade, para o amparo e a defesa das pobres crianças jogadas aos milhares nas oficinas, sem
contrapeso às más influências que sofrem ali. Esperamos, portanto, ainda que o bom Mestre, que vela
sobre estas pobres crianças, não permitirá que sejam abandonadas. Porém, as ameaças são prementes e
a tempestade parece difícil de se desviar. Uma assembléia geral dos Presidentes das Conferências,
levando em consideração as queixas e reclamações levantadas contra o patronato, nomeou uma comissão
para examiná-las e submeter suas proposições. Essa comissão se pronunciou para a supressão de 8 casas
de patronato, e para a manutenção somente das duas que são confiadas à nossa pequena Comunidade.
O Sr. Baudon, a quem o Sr. Maignen esteve fazendo reclamações da minha parte a esse respeito,
respondeu, como já tinha feito a mim mesmo, que somente nós poderíamos ter salvo o patronato ou ao
menos algumas de suas casas ( o que seria bem essencial neste momento para não perder a posição que
tinha essa obra no mundo caritativo por sua loteria e seus outros recursos), que teria sido necessário
nossa pequena Comunidade poder doar alguns membros para dirigir essas casas.
Estou em condições de devolver o Sr. Myionnet ao patronato, talvez até de aplicar nisso um outro
irmão igualmente firme e dedicado; mas essa medida, se a tomo para dois elementos sobretudo, vai
diminuir bastante nossa casa central dos órfãos; teria, portanto, grande necessidade de algum reforço
enviado providencialmente. Você não veria, caro amigo, nesse tipo de pequeno noviciado de homens
dedicados que o bom Mestre agrupou ao seu redor, algum elemento generoso que, tocado pelo perigo
que corre a obra tão interessante do patronato, se sentiria inspirado de dar o passo decisivo e vir a nós
para nos prestar ajuda neste momento difícil?
Examine isso diante de Deus, fale nisso a seus amigos, reze sobretudo muito conosco e talvez o
Senhor for atender os nossos votos.
Adeus, caríssimo amigo e filho em N.S.; respondendo-me, não deixe de dar-me notícias de suas
queridas irmã e sobrinha, você não me falou delas em sua última carta.
Todos os nossos irmãos o asseguram de sua terna afeição, e eu o abraço por todos nos Corações
sagrados de J. e de M.
Seu amigo e Pai
Le Prevost
259- ao Sr. Caille
O Sr. Le Prevost pede a intervenção do Sr. Caille para que o conselho de revisão do irmão Vasseur possa
acontecer em Paris.
Vaugirard, 20 de abril de 1854
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Não lhe deixei o tempo de responder à minha última carta, e eis que estou obrigado a escreverlhe de novo para outro assunto.
As peças concernentes ao sorteio da conscrição para os sujeitos pertencentes ao departamento do
Somme ainda não chegaram na Prefeitura do Sena; no entanto, é sábado próximo que começa a revisão;
esse atraso nos dá alguma inquietação em relação ao nosso irmão Vasseur, pois, para passar na revisão
em Paris, é preciso que ele tenha a autorização do Prefeito do Somme e que as peças concernentes a ele
tenham, para tanto, sido transmitidas à Prefeitura do Sena. Peço-lhe, portanto, caríssimo amigo, para ver
imediatamente, com seu bom amigo o Sr. Dupetit, como se faz que essas peças ainda não foram
enviadas, se elas devem ser enviadas em breve e em que dia exato, enfim se o nome de nosso
irmão Vasseur está na lista dos que são autorizados a passar sua revisão em Paris.
Seria também bem útil saber em que dia a revisão deve ser feita em Nampont, região de nosso
irmão Vasseur, pois, se as peças não fossem enviadas a tempo a Paris, seria preciso, embora tivéssemos
263
preferido evitá-lo, que ele fosse à sua região para essa revisão. Parece agora certo que ele não será
isento por seu número, o algarismo do recrutamento tendo sido elevado de 60.000 a 140.000 homens.
Não acrescento nada a essas linhas para não atrasar a saída de minha carta; nosso irmão Vasseur
fez uma pequena epístola para você e para seus amigos de Amiens, ele vai enviá-la a você. Todos os
nossos irmãos o asseguram de seu terno apego; abraço-o em nome de todos nos Corações sagrados de J.
e de M.
Seu devotado amigo e Pai
Le Prevost
260- ao Sr. Caille
Patronato de Amiens. Relatório enviado às Conferências de Paris. Paciência para a fundação projetada em
Amiens. O Senhor dará os meios para tanto quando Ele quiser. Não precipitar as coisas antes de adquirir
uma propriedade. Isenção da conscrição para os irmãos Vasseur e Polvêche.
Vaugirard, 7 de maio de 1854
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Recebemos sua remessa dos relatórios sobre o patronato de Amiens, e as piedosas imagens e
sobretudo a afetuosa carta que se achava anexa; o conjunto nos foi uma recordação amável de nosso
irmão ausente e foi acolhido com alegria por cada um. Mandei ao Sr. Bourlez um exemplar do relatório e
vários ao Sr. Baudon, para que os faça distribuir aos presidentes das Conferências. Ainda não o li eu
mesmo, mas tenho vontade de lê-lo, pois ele me interessará certamente, tanto em si mesmo como pela
parte que você e seus bons amigos tomam nessa excelente obra.
Espero que, vendo o bem que ela produz, não somente em Paris, mas também no interior,
aqueles entre nossos presidentes que lhe são opostos voltarão a outros sentimentos. Até agora nada está
decidido sobre esse assunto; deve ter sido feito um relatório diante de uma comissão superior, mas ainda
não sei o seu resultado.
Conservo sempre a esperança de que poderemos ajudá-lo para sua fundação de Amiens,
quando o momento tiver chegado para você de realizá-la; quando o Senhor quer as coisas, Ele dá os
meios de fazê-las, e creio que Ele quer que encontremos força e socorro em nossa união.
Exorto-o a bem pesar as condições e vantagens da aquisição que projeta, pois uma operação
onerosa demais ou assentada numa propriedade pouco conveniente lhe criaria dificuldades. Quanto à
parte que você poderia tomar nisso, eu não desaprovaria o que está propondo, se tem condições para
fazê-lo sem atrapalhar seus negócios. Acharia bom também que a compra fosse feita em seu nome, mas,
no entanto, gostaria que as circunstâncias indicassem por si mesmas que as coisas devem ser realizadas
desse jeito sem que haja nada forçado, pois, ainda não sabendo bem quais são a nosso respeito as
intenções da Providência no que diz respeito às posses das obras, devemos andar passo a passo e sem
nada precipitar.
A palavra anexa de nosso irmão Vasseur o informa que ele foi bem maravilhosamente isento da
conscrição; nosso irmão Polvêche também foi reformado; é uma dupla graça que nos causou uma grande
alegria; você, caríssimo amigo, agradecerá por isso conosco ao bom Senhor que envolveu-se nesse
assunto e em particular também à Santíssima Virgem que nos protegeu visivelmente.
Começamos esta noite nosso retiro que terminará sábado de manhã; possa um bom vento trazêlo para cá durante esses dias de graça; de qualquer jeito, reze por todos os seus irmãos e, do nosso lado,
estaremos longe de esquecê-lo nem a todos os seus bons e devotados amigos.
O abraçamos todos de coração; em nome da família, encarrego-me desse cuidado do qual me
desempenho nos Corações sagrados de J. e de M.
Seu afeiçoado amigo e Pai em N.S.
Le Prevost
264
260.1- ao Ministro do Interior
Pedido de subvenção para a casa de Vaugirard.
Maio [1854]
Senhor Ministro,
O abaixo-assinado tem a honra de expor-lhe que, consagrado há vários anos às obras de
caridade, ele acreditou fazer uma coisa útil às classes operárias e indigentes fundando, há 3 anos, um
estabelecimento destinado à educação dos meninos que a morte privou de seu pai ou de sua mãe.
Nas condições ordinárias, com efeito, as escolas públicas acolhem todas as crianças do povo e
lhes dão, sob a vigilância de suas famílias, os cuidados e a instrução convenientes, mas quando, pela
morte do pai ou da mãe, o laço da família é quebrado, as necessidades da vida jogando para fora o
marido ou a mulher sobrevivente, os filhos deixados sem vigilância caem inevitavelmente na dissipação.
Pensamos, Senhor Ministro, que a caridade devia a esses meninos uma proteção especial e meios
de educação próprios à sua situação. É para essa finalidade que, apesar da insuficiência dos recursos
privados para um tão grande empreendimento, temos, com a ajuda de alguns amigos e sob o alto
patrocínio de Monsenhor o Bispo, fundado a Casa dos Órfãos de São Vicente de Paulo.
Estabelecida em primeiro lugar no bairro Saint Marcel, rua de l’Arbalète 39 bis, foi transferida desde o mês
de fevereiro último para Vaugirard, rua des Vignes 44, num local que temos adquirido e adaptado para
essa destinação.
As crianças, no número de 100, são admitidas de 7 a 12 anos. Recebem ali a instrução elementar,
são preparados ali com um cuidado particular para a primeira Comunhão e, depois desse ato tão
importante da vida, são colocados em aprendizagem pelos diretores da obra, que continuam a exercer
sobre elas uma constante e ativa vigilância.
Não insistimos sobre a utilidade de tais instituições, cujas vantagens sua Excelência conhece
bastante, mas observaremos que, se elas são bem poucas em Paris sobretudo, isso deve ser atribuído às
dificuldades que apresentam e aos sacrifícios consideráveis que exigem. As crianças ali recebidas são
tomadas nas classes mais pobres, com inícios de educação quase sempre defeituosos; elas exigem
cuidados e uma vigilância incessante, são muitas vezes fracas e doentias; portanto, é preciso refazer o
físico e o moral, tudo ao mesmo tempo. De outro lado, sua atividade é extrema, gastam e consomem
muito. Enfim, as módicas retribuições que podem fornecer os protetores ou pais são tão insuficientes que
os diretores da obra têm habitualmente de prover aos dois terços das despesas.
No entanto, Senhor Ministro, conseguimos, com a ajuda de Deus, superar essas dificuldades;
nossos cem órfãos andam e desenvolvem-se sob os nossos olhos em bom espírito de afeição, de
docilidade e de gratidão; seus costumes são puros, suas disposições perfeitas; os que já nos deixaram
para entrar em aprendizagem perseveram em seus bons sentimentos, tudo nos deixa esperar, portanto,
que a obra é posta em boas condições e atingirá seu fim, a saber substituir para os órfãos a educação da
família e abrir-lhes uma carreira honesta e laboriosa.
Mas, Senhor Ministro, a tarefa tão rude de uma tal fundação esgotou todos os nossos recursos e, embora
todos os agentes da obra, mestres, vigias, prestem ali seus cuidados gratuitamente, embora suas
despesas sejam regidas com uma estrita economia, passaríamos dificilmente o ano presente sem algum
apoio eficaz para aliviar nossos encargos.
Temos ousado esperar, Senhor Ministro, que sua Excelência, levando em conta a utilidade de nossa obra,
os sacrifícios que nos impusemos em favor das crianças pobres, dignaria-se de nos conceder seu
generoso apoio e aguardamos um socorro provindo dos fundos de seu departamento.
Esse testemunho de interesse seria para nós um grande encorajamento e nos poria em condições de
completar a obra que temos empreendido.
265
Despesas
Alojamento e
Móveis
Comida
Vestimenta,
Roupa
Serviço medical,
Classes
Aquecimento,
Iluminação
Despesas
diversas
TOTAL
5 000
16 800
7 200
Receitas
Pensãos
Rendas
próprias
Dons anuais
16 500
9 000
2 500
4 800
1 200
5 000
40 000
28 000
Fica portanto a
produzir cada ano:
12 000
O que daria:
40 000
40 000
261- ao Sr. Pavie
O Sr. Le Prevost comunga na alegria da família Pavie por ocasião da primeira comunhão do pequeno
Eusèbe. Igualmente, em Paris, alegria da mesma cerimônia para 30 crianças: a visita do Senhor é a
alegria suprema. O Sr. Le Prevost encontrou Sainte-Beuve. Ele espera que Pavie virá, um dia próximo, à
capital.
6 de junho de 1854
Agradeço-lhe, meu caríssimo Victor, em nome de seu amigo Clément e no meu, pelo bom
pensamento que você teve de nos associar à grande alegria que o Senhor lhes deu na pessoa de seu
querido filho Eusèbe.
Não preciso dizer-lhe que temos orado bastante por ele: um apelo de sua parte não saberia ficar
sem resposta da nossa, e aliás, estamos melhor dispostos do que outros a participar dessas festas
familiares, pois também nós estamos favorecidos de nosso lado com graças semelhantes nos corações de
todas essas criancinhas que o Senhor se digna colocar ao redor de nós. Quinta-feira passada, três dias
somente antes de Pentecostes, a primeira comunhão era dada a 30 crianças que consideramos como
nossas na caridade de nosso divino Mestre, J.C. Bem comovidos ainda com as impressões que deixou em
nós essa tocante solenidade, temos facilmente colocado nosso coração em uníssono do seu e entendemos
o que sua querida mulher e você devem ter ressentido vendo seu bem-amado filho visitado pelo divino
Mestre. O que são todas as alegrias em comparação dessa e quais as penas que não se apagam nas
santas esperanças de que a alma se enche!
Se vier a Paris, caro amigo, durante esta estação, como o Sr. Sainte-Beuve que encontrei
ultimamente me deu a esperar, seria em Vaugirard que você deverá nos procurar. Aí está que a
Providência colocou em último lugar a sede de nossa pequena Comunidade que abriga consigo cem
criancinhas órfãs. Moramos Chemin du Moulin, No 1, quase na roça e, porém, a 30 minutos da casa da rua
do Regard. Reze muito por nós, caro amigo, pois nossa tarefa é bem pesada. Rezaremos de nosso lado
por você e pelas pessoas queridas que o cercam; somos pais de família, de ambas as partes devemos um
ao outro ajuda recíproca; tenho certeza de que você aceita essa associação.
Adeus, caríssimo amigo, acredite em nossa fiel afeição como ao nosso cordial devotamento em
N.S.
Seu amigo e irmão
Le Prevost
266
262- ao Sr. e à Sra. Taillandier
O Sr. Le Prevost está muito ocupado pelas Obras. Sua emoção por ocasião de uma primeira comunhão.
A compra da casa de Nazareth está na iminência de se concluir. Espera das relíquias de um jovem
mártir. Seu filho, o Sr. padre Taillandier, deveria poupar-se.
Vaugirard, 21 de junho de 1854
Caro Senhor e excelente amigo,
Cara Senhora e amiga,
Onde estão agora, para onde esta carta os seguirá? Não sei, perdi agora o rastro de seus passos
e, sem a ajuda do nosso bom padre195, não saberia onde reencontrá-los. Receio que, apesar de toda a
sua caridade e de toda a sua grande indulgência, vocês vejam dificilmente uma desculpa para meu longo
silêncio. Todavia, tenho uma bem real, é a incapacidade absoluta em que me sentia de lhes escrever.
Pensava nisso constantemente, o desejava, fazia disso para mim um descanso e uma consolação, mas os
incidentes de cada dia são tão multiplicados, os momentos tão picadinhos que um pouco de espaço para
respirar e expandir-me com vocês não se podia achar; essa insuficiência levada a tal ponto é, assegurolhes, um grande sofrimento que é preciso unir à cruz do Salvador; ela humilha, contrista, deixa em
inquietação sobre si mesmo e pode fazer também duvidarem os outros de nossa boa vontade; tal era
minha situação durante toda esta estação e tal ela está ainda na maior parte do tempo; minha fraqueza é
totalmente inferior à minha tarefa e curvo-me miseravelmente sob o fardo. Ouso, portanto, pedir-lhes,
bons e generosos amigos, que me tratem com condescendência e caridade, que tenham compaixão de
minha impotência, e sobretudo que não duvidem de meus sentimentos de profunda afeição, de terna
gratidão, de íntima e constante união com vocês em Deus. Pelo menos, não tenho que me censurar por
tê-los esquecido diante dEle; cada dia, e nas ocasiões importantes sobretudo, associo ambos às nossas
orações e a todo o movimento de nossa vida.
Ultimamente, tínhamos a primeira comunhão de nossas crianças: 50 dentre elas vinham pela
primeira vez à santa mesa ou renovavam sua comunhão; cheios de fervor, preparados por um retiro de
arrebatar, eram como anjos; nenhum nos deixava inquietação e parecia em disposição duvidosa: era um
espetáculo comovedor, cheio de doçura e de consolação; mas nossa alegria superabundante teria gostado
de se derramar em corações amigos; por isso, quantas vezes vagamente e sem me dar muito conta disso,
tenho procurado ao meu redor os bons, os fiéis amigos que estavam ausentes. Digne-se o Senhor trazêlos logo de volta; por nos ter tão cordialmente unido, Ele não quer, sem dúvida, que estejamos
demasiado tempo separados.
Nossos negócios também parecem não poder andar sem seus conselhos e simpatias
benevolentes; a aquisição do Montparnasse196, sempre no momento de se concluir, experimenta lentidões
sem fim; rezem muito, conjuro-os, caríssimo Senhor e caríssima Senhora, a fim de que tudo isso se
resolva segundo a santíssima vontade de Deus; creio que Ele não deixa esses acordos no ponto morto
senão para nos dar mais tempo a fim de consagrar a obra pela oração, a paciência e a submissão; as
coisas parecem, todavia, prestes a se concluir. Poderemos, espero, fazer algum bem desse lado, mas
nossa tarefa aumentará na mesma proporção; a ajuda do Senhor crescerá na proporção das
necessidades, essa é a nossa certeza e nossa consolação.
A lentidão que tive em aproveitar das aberturas que vocês nos tinham bondosamente
proporcionado para obter as relíquias de um jovem mártir com indulgências deve parecer-lhes
inexplicável; ela é devida, como os atrasos de minha correspondência, à impossibilidade em que me
encontrei de satisfazer a todas as obrigações de minha posição; ela servirá também a fazê-los escusar
minha aparente negligência, já que sabem quanto preço daria a um tal tesouro, assim como às
indulgências de que seríamos gratificado. Espero, no entanto, que aquilo que foi adiado não será perdido;
mandei pedir ao Arcebispado uma fórmula para a súplica ao Santo Padre; farei meu requerimento a
tempo, se posso, para que Monsenhor de Ségur, que está sendo esperado em breve, possa nos trazer
nosso querido santo, se ele nos fosse concedido.
195
Seu filho, o padre Henri Taillandier.
Cf. carta 257. O contrato definitivo será assinado no dia 26 de setembro. O Sr. LP. fará da casa de Nazareth o tipo
mesmo da “Maison d’Oeuvres”.
196
267
Vi nosso excelente padre que de passagem desde algum tempo; ele não respondeu ao desejo que
lhe havíamos testemunhado em várias ocasiões de vê-lo alguns instantes entre nós, seu ministério é
muito exigente; ele me parece um pouco cansado, mas ele não escuta facilmente, vocês sabem, os
conselhos que tendem a procurar-lhe um pouco de descanso e de cuidados de sua saúde; vocês serão
mais convincentes, espero; ele não passaria impunemente o verão sem um pouco de repouso, e, no
interesse mesmo do bem que o Senhor faz através dele, parece totalmente sábio que ele possa descansar
um pouco. Nosso Senhor dizia: “Minha comida é fazer a vontade de meu Pai197.” Nosso bom padre diz
também: “Meu descanso, é salvar as almas”. Creio que Deus abençoa muito seu ministério; ouço todos
dizer que ele é querido e justamente apreciado. Se é verdade, como ele diz em sua humildade, que eu
tenha concorrido por pouco que seja para esclarecê-lo sobre sua vocação, faço disso para mim uma
esperança de salvação; o Soberano Juiz, por causa desse excelente servo, será menos severo em suas
sentenças e me fará misericórdia. Espero também, caro Senhor, cara Senhora, que ele será a bênção de
toda a sua casa, que, por suas preces e seus méritos, os anseios tão cristãos de vocês serão cumpridos e
que um dia, cercados por seus queridos filhos, vocês não acharão em todos senão um só coração e uma
só alma, um coração cheio como o seu de uma terna caridade, uma alma aspirando aos verdadeiros bens,
às santas alegrias da eternidade.
Uno-me ternamente a vocês nos Corações sagrados de Jesus e de Maria e sou para sempre
Seu humilde servo e devotado amigo
Le Prevost
262.1- ao Prefeito do Departamento do Sena
Relatório suplementar ao Prefeito do Sena sobre o Orfanato de Vaugirard.
[Junho de 1854]
Senhor Prefeito,
O Senhor me fez a honra de me informar que o pedido de subvenção dirigido por nós ao Sr.
Ministro do Interior em favor de nossa Casa de Órfãos lhe foi comunicado e o Sr. me convidou a lhe
transmitir um relatório moral e financeiro da Obra durante o ano 1853, para poder expor seu parecer a
respeito dessa súplica.
O próprio pedido, Senhor Prefeito, contém quase todos os detalhes que posso fornecer sobre o
estado moral da Instituição, seja para o ano passado, seja sobre o presente exercício. Nossa finalidade
sendo devolver às nossas crianças órfãs a educação da família, tivemos que limitar seu número e receber
somente 100 ao mesmo tempo. Todos os nossos relacionamentos com elas são pautados de maneira a
fazer-lhes sentir em tudo a dedicação e um terno interesse; tomamos nossas refeições com elas,
partilhamos seus exercícios e não cessamos em nenhum instante do dia e da noite de vigiar sobre elas
com solicitude.
O espírito dessas crianças é em geral excelente, cheio de confiança, de docilidade e de gratidão. A
pureza de seus costumes é também uma das nossas alegrias e o tesouro que somos mais ciumentos de
conservar.
O ensino das crianças comporta quase o mesmo fundo e os mesmos meios que o das escolas
públicas; seus resultados foram satisfatórios durante estes últimos anos e parecem dever sê-lo mais ainda
no futuro.
Quando o momento veio, para nossas crianças, de entrar em aprendizagem, nós mesmos as
colocamos com todo o cuidado possível e as vigiamos na oficina de seus mestres. Alguns, que entraram
como órfãos e mais desprovidos de apoios, poderão morar no orfanato e fazer ali sua aprendizagem; já
temos uma pequena oficina de sapataria, uma outra vai ser iniciada para a profissão de alfaiate.
197
Cf. Jo 4, 34.
268
O pessoal da direção se compõe de um diretor, de um subdiretor, de um capelão, de dois
professores, de três vigias, de dois mestres de oficina. Todos prestam seus cuidados às crianças a título
caridoso e sem remuneração alguma.
Quanto ao estado financeiro da Obra, temos dado dele uma exposição sumária que se acha em
anexo ao nosso pedido. Ele não variou muito este ano senão em proporção do número de nossas crianças
que era de 80 no ano passado e que é presentemente de 100. Ele deu os resultados abaixo:
Exercício1853
Alojamento
e
móveis
Comida
das 14f por mês por criança
crianças
Serviço
médico, 4f por mês por criança
escola
Aquecimento,
1f por mês por criança
iluminação
Vestimenta,
6,50f por mês por
rouparia
criança
SUB-TOTAL
Despesas diversas
TOTAL
4 500
13 440
3 840
960
6 240
28 980
3 000
31 980
Ressalta dessa exposição, Senhor Prefeito, que nossa Instituição nos impôs no ano passado
cargos bastante consideráveis, sem contar os bem pesados ainda que tivemos de fazer para a compra do
material do estabelecimento; mas é fácil conceber que tais despesas, que nos deixam uma dívida bastante
notável não poderiam constantemente ser deixadas ao nosso encargo sem comprometer essencialmente a
estabilidade de nossa Obra. Temos, portanto, esperado que a Administração, informada da utilidade dessa
Instituição, quereria bondosamente nos conceder seu apoio para sustentá-la e completar-lhe a fundação.
Com essa finalidade, solicitamos, Senhor Prefeito, seu parecer favorável junto ao Sr. Ministro do
Interior, ousamos esperá-lo dessa benevolência esclarecida que favorece todas as instituições de um
interesse real.
263- ao Sr. Caille
Pelo intermédio do Sr. Caille, convidar Dom Gerbet a presidir a assembléia geral da Sociedade de São
Vicente de Paulo. O Sr. Le Prevost deseja encontrar o Sr. Caille em Paris.
Vaugirard, 4 de julho de 1854
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
O Sr. Baudon, nosso Presidente Geral, pede-lhe para ver, quanto antes, Dom Gerbet, Bispo de
Perpignan, a fim de perguntar-lhe se deve estar em Paris no dia 19 de julho, festa de São Vicente de
Paulo, e se aceitaria presidir a assembléia geral de todas as Conferências à noite desse dia. O Sr. Baudon
dá muito valor a esse favor e teria a certeza de causar assim uma viva satisfação a todas as nossas
Conferências.
Queira, se o julgar possível, aproveitar dessa ocasião para apresentar meu profundo respeito a
Monsenhor de Perpignan e pedir-lhe sua bênção para mim e para todos aqueles que nos cercam, grandes
e pequenos. Espero muito que, se ele vier a Paris, o receberei pessoalmente.
Esperamos por você todos os dias, chegue logo que puder; há muito tempo demais que não o
vemos; o acostumo mal ao deixar-lhe tanta liberdade, mas as crianças bem-amadas quase sempre são
um pouco mimadas.
269
Adeus, caríssimo amigo, espero-o para bem breve e sou como sempre, nos Corações sagrados de
Jesus e de Maria
Seu amigo e Pai
Le Prevost
P.S. --- Fazemos uma novena para nos preparar para a festa do Sagrado Coração que realizarse-á domingo próximo. Una-se a nós.
264- do Sr. Vasseur ao Sr. Caille
P.S. do Sr. Le Prevost
Decepção pelo Sr. Caille não ter vindo a Paris para a festa de São Vicente de Paulo. Anúncio da aquisição
da capela e do terreno em Montparnasse.
Vaugirard, dia 29 de julho [18]54
Caríssimo irmão e Pai em N.S.,
Você sabe que, por natureza, sempre fui um pouco impaciente, e eis que acreditava que você me
daria notícias de meu jovem irmão, mas não vejo você chegar. Não sei se ele está em Amiens ou não,
isso me inquieta um pouco. Por outro lado, você nos tinha prometido vir para a festa de São Vicente de
Paulo. Toda a nossa pequena família o esperava, tínhamos preparado seu quarto, e ele ainda não foi
ocupado. Isso atormenta um pouco todos os nossos irmãos, penso até que há vários deles que acreditam
que você se esquece de nós. E depois, nosso Pai, o Senhor Le Prevost, não diz nada, mas não pensa
menos por isso, pois parece-me que ele também tem alguma dúvida a esse respeito. Enfim, vou dizer-lhe
em confidência que acho necessário pôr fim a tudo isso, aparecendo entre nós segunda-feira, ao mais
tardar.
O tempo me aperta, é o momento do recreio da noite. Abraço-o do mais fundo de meu coração.
Seu filho bem devotado,
Alphonse Vasseur
Deixo o seu filho Alphonse colocar-lhe em sua carta tudo o que lhe agrada, é claro que você
aceitará somente o que lhe parecer razoável. Estávamos esperando por você, é verdade, e todos achamos
que sua chegada demora bem mais desta vez que de costume, mas estou persuadido, caro amigo e filho
em N.S., de que você faz tudo para o melhor e de que não deixaria de nos conceder alguns instantes se
seus negócios não o impedissem. Aguardaremos, portanto, que você resolva e decida com sua prudência
habitual. Se, contra a minha espera, devesse ainda adiar sua viagem, ficar-lhe-ia agradecido se nos
escrevesse uma palavra a respeito do jovem irmão do Sr. Vasseur, para nos manter informados de sua
situação e de suas disposições.
Você não me falou de seu projeto de aquisição há um certo tempo, como estão as coisas, a esse
respeito?
A Providência nos levou a assumir um novo encargo; embora um pouco endividados ainda por
causa de nossa Casa de Vaugirard, achamos que devíamos adquirir, esses últimos dias, a pequena capela
e o terreno do Montparnasse, para estabelecer mais estavelmente todas as nossas obras da rua do
Regard. Nossos amigos das Conferências e outras pessoas nos ajudarão por adiantamentos de fundos, é
claro; de outro jeito não nos teria sido possível arriscar-nos assim sem temeridade, mas tivemos que pôr a
aquisição em nosso nome, porque o Sr. Baudon desejava que a Sociedade de São Vicente de Paulo não
tomasse essa responsabilidade. Reze bastante, para que o Senhor nos ajude a glorificá-Lo ali e em todas
as coisas.
Sua chegada tornará todos os nossos irmãos bem felizes, os irmãos Vasseur e Thuillier sobretudo,
e eu ainda mais; faz muito tempo, com efeito, caro amigo, que não o vemos.
Seu Pai e amigo em N.S.
270
Le Prevost
O Sr. Casimir me escreveu, há pouco tempo, para me pedir que o colocasse aqui; diga-lhe que
Paris não oferece recurso nenhum nesta estação. Se ele passa necessidade, adiante-lhe 5 ou 10f, que lhe
devolverei na sua viagem para cá. Ele me dizia que o jovem Crestel ia chegar aqui em breve; você ficou
sabendo de alguma coisa a esse respeito ou esse pobre Casimir imaginou isto?
265- ao Sr. Caille
O Sr. Maignen não poderá chegar a Amiens para uma peregrinação. Distribuição dos prêmios na rua do
Regard e em Grenelle. A união dos corações prepara a união de fato.
Sábado, 19 de agosto de 1854
Caríssimo amigo e filho em N.S.,
Tinha exortado de todo o coração nosso irmão Maignen a ir visitá-lo, para fazer amanhã a
pequena peregrinação de Alberto com vocês e seus bons amigos, mas ele lembrou-me, o que tinha
perdido de vista, de que a grande distribuição anual de seu patronato da rua do Regard se realizava
precisamente no mesmo dia. Todos os convites estavam feitos e todas as medidas tomadas há muito
tempo: havia impossibilidade absoluta de mudar essa organização.
No domingo seguinte, será a distribuição de Grenelle; na quinta-feira passada, realizava-se a de
nossa casa de Vaugirard. É a estação dessas solenidades, só se escapa de uma para recair noutra.
Lamento muito, caríssimo 

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