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A IMPUTABILIDADE PENAL NOS CASOS DE PSICOPATIA SOB UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR E JURÍDICA Nachara Palmeira Sadalla1 RESUMO Este artigo enfatiza a polêmica na doutrina e na jurisprudência, quanto à forma de como um psicopata vem sendo tratado perante o artigo 26 § único do Código Penal Brasileiro, tal questionamento foi o patamar inicial para a escolha do presente tema. Desta forma, demonstraremos no decorrer da pesquisa o conceito de crime e suas teorias, outrossim, as disciplinas que cercam o direito penal, como culpabilidade, de que forma se dá a sua aplicação, passando pela inimputabilidade e imputabilidade, bem como a semi-imputabilidade à luz do Código Penal Brasileiro ,e, por fim, chegaremos ao conceito de psicopata, passando pela história, relatando alguns tipos de transtornos de personalidade e quando e como surgiu a origem da psicopatia, e como esse indivíduos vêm sendo punidos pelo sistema Penal Brasileiro. Por fim, abordaremos relatados e casos concretos, bem como jurisprudências acerca de pessoas que possuem um tipo de transtorno de personalidade. Encerrando o estudo, chega-se à conclusão de que supramencionados indivíduos, psicopatas, não sejam eles merecedores com o “benefício” da semi-imputabilidade, prevista no artigo 26, § único do Código Penal Brasileiro. Palavras-chave: Direito penal. Psicopata. Imputabilidade. Semi-imputável. ABSTRAT This article emphasizes the controversy in doctrine and jurisprudence, as to how a psychopath has been treated before the Article 26 § only the Brazilian Penal Code, such questioning was the initial level for the choice of this theme. In this way, we will demonstrate during the research the concept of crime and their theories, moreover, the disciplines surrounding the criminal law, such as guilt, how it gives your application, through unaccountability and accountability, as well as the semi-accountability in the light of the Brazilian Penal Code, and finally arrive at psychopath concept to the history, reporting some types of personality disorders and when and how did the origin of psychopathy, and such individuals have been punished by the Criminal Brazilian system . Finally, we discuss reported and actual cases and jurisprudence about people who have a type of personality disorder. Ending the study, one comes to the conclusion that aforementioned individuals, psychopaths, are not they deserve with the "benefit" of semi-liability provided for in Article 26, § only the Brazilian Penal Code. Keywords: criminal law. Psycho. Accountability. Semi-attributable. 1 Professora Mestre da Estácio FAP – Curso de Direito. 2 INTRODUÇÃO Os crimes cometidos por psicopatas são, por muitas vezes, crimes desumanos que afligem nossa sociedade, crimes cometidos com um grau elevado de crueldade, frieza, insensibilidade e manipulação. Em primeiro momento, neste trabalho, serão analisados o direito penal e algumas das suas disciplinas complementares, passando pelo conceito de crime, sendo abordado, também, de forma sucinta a culpabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade, bem como a imputabilidade. Nesta pesquisa conceituaremos o termo psicopata, bem como tentaremos, demonstrar , que a psicopatia, transtorno este que não afeta a percepção da realidade do portado e não diminui sua capacidade de auto-controle. Quando punido, é incapaz de aprender com a punição ou experiência, entendendo que a pena, apenas, neutraliza suas práticas ao crime, temporariamente. Entretanto, assim quando voltar à liberdade, voltará ao crime. Em seguida, expõe-se com vagar um estudo sobre psicopatias, no que tange à classificação dos transtornos da personalidade, englobando o conceito de psicopatas, suas classificações e sintomatologias, procurando, mostrar o que leva indivíduos a cometerem tamanhas barbáries e como o ordenamento jurídico brasileiro vem abordando. Objetivando, com este trabalho, contribuir para o entendimento a respeito desse problema que, cada vez mais, é discutido nos tribunais e vem aumentando gradativamente na sociedade. Perante a controvérsia, surgem os mais variados entendimentos sobre qual ação penal melhor atende às necessidades da sociedade. Destarte, após análise dos argumentos defendidos por cada entendimento, chegaremos a um posicionamento. Entretanto, será indispensável considerar o texto da lei, precavendo-se para o não cometimento de injustiça com a vítima e, também, com o agressor, a fim de não causar danos insuportáveis no âmbito familiar e social. O sistema jurídico-penal brasileiro adotou o critério bipartido, dualista ou binário , quer dizer que as palavras crime e delito são usadas como expressões sinônimas, e, de outro lado as contravenções penais, assim quando quisermos nos referir indistintamente a qualquer umas dessas figuras, devemos utilizar a expressão infração penal, deste modo a infração penal, como gênero, refere-se de forma abrangente aos crimes/delitos e às contravenções penais como espécies. 3 A diferença entre crime e contravenção penal está bem esclarecida pelo legislador, usando o mesmo um critério para a distinção, descrita no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei nº 3.914 de dezembro de 1941), assim temos a seguinte definição: Art.1º. Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, que isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativamente ou cumulativamente. Fazendo a observância que na verdade, não há diferença substancial entre contravenção e crime. O critério de escolha dos bens que devem ser protegidos pelo Direito Penal é político, da mesma forma que é política a rotulação da conduta como contravenção ou criminosa, desta feita, o que hoje é considerado crime, amanhã poderá vir a tornar-se contravenção penal e vice-versa.² (² GRECO,Rogério. Curso de Direito Penal-Parte Geral, p. 143). 2. CONCEITO DE CRIME O conceito de crime é eminentemente jurídico, levando em consideração que o nosso Código Penal não nos fornece um conceito de crime, somente dizendo, em sua Lei de Introdução, que ao crime é reservado uma pena de reclusão ou de detenção, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. Dessa forma, em suma, tentaremos conceituar crime sob o ponto de vista Formal, Material e Analítico. Sob o enfoque formal, infração penal é aquilo que assim está rotulado em uma norma pela incriminadora. Num conceito material, seria o comportamento humano causador de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ou bem jurídico tutelado, passível de sanção penal. Por fim, num conceito analítico, leva em consideração os elementos estruturais que compõe a infração penal, prevalecendo fato típico, ilícito e culpável, é sob este ponto de vista que vamos analisar o psicopata.³(³ CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direto Penal –Parte Geral- volume único, p.150). 2.1 SUJEITOS (ATIVOS E PASSIVOS) DO CRIME 4 Qualquer pessoa física capaz e com 18 (dezoito) anos completos pode ser sujeito ativo de crime. Sujeito passivo, é a pessoa ou ente que sofre as conseqüências da infração penal. Outrossim, pode configurar como sujeito passivo qualquer pessoa física ou jurídica, ou mesmo ente indeterminado, destituído de personalidade jurídica. CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direto Penal –Parte Geral- volume único, p.158). 2.2-OBJETOS (MATERIAL E JURÍDICO) DO CRIME MATERIAL Objeto material é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta criminosa, porém,em regra, o objeto material e sujeito passivo não se confundem, por exemplo, no crime de furto é objeto material a coisa subtraída, enquanto que o sujeito passivo é o proprietário da coisa, já no crime de homicídio objetos e sujeito passivo serão idênticos, ex: alguém é vitima e, também, a pessoa sobre a qual recai a ação do agente. O objeto jurídico do delito seria o interesse tutelado pela norma, o bem jurídico protegido pelo tipo penal. CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direto Penal –Parte Geral- volume único, p.159/160). Para findarmos este tópico, Teoria do Crime, enfatizamos que o conceito adotado a este trabalho será o analítico, compreendendo as estruturas do delito, isto é, os substratos que, somados, formam a infração penal. Substratos estes, sob o enfoque analítico, que determina que o crime é composto de 03 (três) substratos, quais sejam: fato típico, ilicitude (ou antijuridicidade) e culpabilidade, deste modo presente as três características o direito de punir do Estado se concretiza, ressaltando que surgindo a punibilidade, a diante explanada, esta não se caracteriza como substrato do crime, mas sim conseqüência jurídica. Exporemos um quadro abaixo, para assim ficar claro como agem os substratos citados a cima no crime. FATO TÍPICO ILICITU DE CUL PAB ILID ADE Assim vejamos, o que significa cada substrato do crime. PUNI BILI DAD E 5 Fato típico, em síntese, ação ou omissão humana, antissocial que, norteada pelo princípio da intervenção mínima, consiste numa conduta produtora de um resultado que se inclui ao modelo de conduta proibida pelo Direito Penal, seja crime ou contravenção penal. Os elementos do Fato Típico são: Conduta: A conduta, não importa a teoria adotada ( causalista, neokantista, finalista, social da ação ou funcionalista) todas têm um denominado em comum: movimento humano voluntário, dominado pela vontade. Assim, somente o homem executa conduta, entretanto, podem valer-se de animais como instrumento, desta forma a conduta se concebe, em síntese, como um comportamento voluntário psiquicamente dirigido a um fim. Se o comportamento praticado, ainda que previsto em um tipo penal, não for antecipado da vontade do seu agente, não haverá conduta, e, consequentemente, desfigurado estará o fato típico, substrato do crime, primeiro elemento citado acima. (CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direto Penal –Parte Geral- volume único, p.161,163 e 176). As causas, que excluem a conduta são, Caso Fortuito ou Força Maior, Involuntariedade e Coação física irresistível. Nexo Causal: é o vínculo entre a conduta e o resultado, assim seria a causa e o efeito. A relação de causalidade encontra previsão, nosso ordenamento jurídico em seu art. 13, caput, do Código Penal, que dispõe: “ o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão a qual o resultado não teria ocorrido”. Resultado: seria o resultado da conduta do agente ou ainda, uma consequência descrita na norma legal (tipo legal). Tipicidade: para a doutrina moderna, a tipicidade penal deixou de ser a mera subsunção do fato à norma, abrigando também juízo de valor, consistente na relevância da lesão ou perigo da lesão ao bem jurídico tutelado, assim se passa a admitir o princípio da insignificância como hipótese de atipicidade (material) da conduta. (CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direto Penal –Parte Geral- volume único, p.225). 6 3. CULPABILIDADE Podemos dizer que culpabilidade, é um juízo de valor sobre um fato, isto é, se o fato mostra em oposição ao Direito, assim na doutrina brasileira prepondera que seja composta pela imputabilidade, ou seja, pelo potencial conhecimento da ilicitude e pela exigibilidade da conduta diversa. São causas de exclusão da culpabilidade: 1. Coação moral irresistível; 2. Obediência hierárquica ou devida; 3. Estado de necessidade exculpante. (TANGERINO, Davi de Paiva Costa, Culpabilidade, p.03). 4. IMPUTABILIDADE Imputabilidade é capacidade de entender e de querer, isto é, o conjunto das condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito do seu ato e determinar-se de acordo com esse entendimento. (TANGERINO, Davi de Paiva Costa, Culpabilidade, p.03). São causas que excluem a imputabilidade, conforme reza o nosso Código Penal em seu artigo 26: 5. 1. Doença metal; 2. Desenvolvimento mental incompleto ou retardado; 3. Menoridade; 4. Embriaguez acidental completa; 5. Embriaguez patológica. SEMI-IMPUTABILIDADE Considera-se semi-imputável quem, ao tempo da ação ou omissão, em virtude de perturbação mental incompleto ou retardado, não possui plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, assim expressa no parágrafo único do art. 26 do Código Penal Brasileiro. 7 Verificamos, então, que a semi-imputabilidade deve ser reconhecida quando presente alguma perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardo que torne o indivíduo parcialmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, desta feita o que a difere da inimputabilidade é a necessidade da existência de perturbação mental, e não de doença mental, bem como a exigência de que o desenvolvimento mental incompleto ou retardado retire somente parcialmente a capacidade do agente de entender o caráter ilícito do fato ou de terminar-se de acordo com tal entendimento. (ABREU,Michele O. de, Da Imputabilidade do Psicopata, p.150). 6. PSCOPATIA 6.1. HISTÓRIA Os conceitos, quais sejam, psicopata, personalidade psicopática e mais recentemente, sociopata, vêm chamando a atenção da psiquiatria, da justiça, da antropologia, da sociologia e da filosofia desde a antiguidade, e essa preocupação contínua evidente, assim, se verificarmos, perceberemos que sempre existiram personalidades anormais fazendo parte da população em geral, sendo os psicopatas, indivíduos que se separam do grosso da população em termos de comportamento, conduta moral e ética. Assim a evolução dos conceitos relacionados com a Personalidade Psicopática decorreu durante mais de um século, sendo que atualmente prevalece a ideia de que a psicopatia tem uma origem biopsicosocial**(colocar rodapé com conceito da palavra). Alguns autores e suas respectivas teorias contribuíram preponderantemente para a construção do conceito de Psicopatia ao longo da História. Vejamos: Cardamo Uma das primeiras descrições registradas pela medicina sobre algum comportamento que pudesse ser relacionado com Personalidade Psicopática foi a de Girolano Cardamo (1501-1596), professor de medicina da Universidade de Pavia. O filho de Cardamo foi decapitado por ter envenenado sua mulher (mãe do réu) com raízes venenosas. Neste relato, Cardamo fala em "improbidade", quadro que não 8 alcançava a insanidade total, pois as pessoas que padeciam dessa mal mantinham a aptidão para dirigir sua vontade. Pablo Zacchia (1584-1654), considerado por alguns como fundador da Psiquiatria Médico Legal, descreve, em "Questões Médico Legais", as mais notáveis concepções que logo dariam significação às "psicopatias" e aos "transtornos de personalidade. Pinel No ano de 1801, Philippe Pinel publica um Tratado médico filosófico sobre a alienação mental onde fala de pessoas que têm todas as características da mania, mas que carecem do delírio. Pinel chamava de mania aos estados de furor** (s.m. Cólera extrema. Paixão desmedida. Fig. Violência. Agitação violenta de ânimo, manifestada por gestos e palavras; fúria; ira exaltada. Medicina Delírio violento. Paixão desmedida por alguém ou alguma coisa.Loucura, frenesi, grande agitação.Fazer furor, causar entusiasmo, provocar sensação) persistentes e comportamento florido, distinto do conceito atual de mania. Prichard James Cowles Prichard (1786-1848), tal como Pinel, lutava contra a ideia do filósofo Locke, que afirmava não poder existir mania sem delírio, ou seja, mania sem prejuízo do intelecto. Portanto, nessa época, os juízes não declaravam insanos nenhuma pessoa que não tivesse um comprometimento intelectual manifesto (normalmente através do delírio). Pinel e Pricharde tratavam de impor o conceito, segundo o qual, existiam insanidades sem comprometimento intelectual, mas possivelmente com prejuízo afetivo e volitivo (da vontade). Tal posição acabava por sugerir que essas três funções mentais, o intelecto, afetividade, e a vontade, poderiam adoecer independentemente. Foi em 1835 que Prichard publica sua obra “Treatise on insanity and other disorders affecting the mind", que falava da Insanidade Moral. A partir dessa obra, o historiador G. Berrios (1993) discute o conceito da Insanidade Moral como o equivalente ao nosso atual conceito de psicopatia. Morel 9 Morel, em 1857, parte da religião para elaborar a sua teoria da degeneração. O ser humano tinha sido criado segundo um tipo primitivo perfeito e, todo desvio desse tipo perfeito, seria uma degeneração. A essência do tipo primitivo e, portanto, da natureza humana, é a contínua supremacia ou dominação do moral sobre o físico. Para Morel, o corpo não é mais que "o instrumento da inteligência". A doença mental inverteria esta hierarquia e converteria o humano “em besta”. Uma doença mental não é mais que a expressão sintomática das relações anormais que se estabelecem entre a inteligência e seu instrumento doente, o corpo. A degeneração de um indivíduo se transmite e se agrava ao longo das gerações, até chegar à decadência completa (Bercherie, 1986). Alguns autores posteriores, como é o caso de Valentím Magnam, suprimiram o elemento religioso das ideias de Morel e acentuaram os aspectos neurobiológicos. Estes conceitos afirmavam a ideologia da hereditariedade e da predisposição em varias teorias sobre as doenças mentais. Koch e Gross Em 1888, Koch (Schneider, 1980) fala de Inferioridades Psicopáticas, mas refere-se à inferioridades no sentido social e não moral, como se referiam anteriormente. Para Koch, as inferioridades psicopáticas eram congénitas e permanentes e divididas em três formas: - disposição psicopática; - tara psíquica congênita; - inferioridade psicopática; Dentro da primeira forma, disposição psicopática, encontram-se os tipos psicológicos asténicos, de Schneider. A Tara inclui a "as almas impressionáveis, os sentimentais lacrimosos, os sonhadores e fantásticos, os escrupulosos morais, os delicados e susceptíveis, os caprichosos, os exaltados, os excêntricos, os justiceiros, os reformadores do estado e do mundo, os orgulhosos, os indiscretos, os vaidosos e os presumidos, os inquietos, os malvados, os colecionadores e os inventores, os gênios fracassados e não fracassados". Todos estes estados são causados por inferioridades congênitas da constituição cerebral, mas não são consideradas doenças. 10 Otto Gross, por sua vez, dizia que o retardo dos neurônios para se estabilizarem depois da descarga elétrica, determinava diferenças no caráter. Diz no seu livro "Inferioridades Psicopáticas", que a recuperação neuronal rápida determinava indivíduos tranquilos, e que os de estabilização neuronal mais lenta, ou seja, com maior duração da estimulação, seriam os excitáveis, portadores dessa inferioridade. Kraepelin Kraepelin, quando faz a classificação das doenças mentais em 1904, usa o término Personalidade Psicopática para referir-se, precisamente, a este tipo de pessoas que não são neuróticos nem psicóticos, também não estão incluídas no esquema de mania-depressão, mas que se mantêm em choque contundente com os parâmetros sociais vigentes. Incluem-se aqui os criminosos congênitos, a homossexualidade, os estados obsessivos, a loucura impulsiva e os inconstantes. Para Kraepelin, as personalidades psicopáticas são formas frustras de psicose, classificadas segundo um critério fundamentalmente genético e considera que os seus defeitos se limitam essencialmente à vida afetiva e à vontade (Bruno, 1996). Kurt Schneider Em 1923, Schneider elabora uma conceitualização e classificação do que é, para ele, a Personalidade Psicopática. Schneider (1980) descarta no conjunto classificatório da personalidade atributos tais como, a inteligência, os instintos e sentimentos corporais e valoriza como elementos distintivos o conjunto dos sentimentos e valores, das tendências e vontades. Já para Kurt Schneider as Personalidades Psicopáticas formam um subtipo daquilo que classificava como Personalidades Anormais, de acordo com o critério estatístico e da particularidade de sofrerem devido à sua anormalidade e/ou fazerem outros sofrer. Entretanto, a classificação de Personalidade Psicopática não pode ser reconhecida ou aceita pelo próprio paciente e, às vezes, nem mesmo por algum grupo social, pois a característica de fazer sofrer os outros ou a sociedade é 11 demasiadamente relativo e subjetivo, um revolucionário, por exemplo, é um psicopata para alguns e um herói para outros. Em consequência dessa relatividade de diagnóstico (devido à relatividade dos valores), não é lícito ou válido realizar um diagnóstico do mesmo modo que fazemos com as outras doenças, em suma, pode-se destacar neles certas características e propriedades que os caracterizam de maneira nada comparável aos sintomas de outras doenças. O Psicopata é, simplesmente, uma pessoa assim. O psicopata não tem uma psicopatia, no sentido de quem tem uma tuberculose, ou algo transitório, mas ele é um psicopata. Psicopata é uma maneira de ser no mundo, é uma maneira de ser estável. Como em tantas outras tendências, também há um certo determinismo na concepção de Schneider. Para ele os psicopatas são assim em toda situação vital e sob todo tipo de circunstâncias. O psicopata é um indivíduo que não leva em conta as circunstâncias sociais, é uma personalidade estranha, separada do seu meio. A psicopatia não é, portanto, exógena, sendo sua essência constitucional e inata, no sentido de ser pré-existente e emancipada das vivências. Porém a conduta do psicopata nem sempre é toda psicopática, existindo momentos, fases e circunstâncias de condutas adaptadas, as quais permitem que ele passe desapercebido em muitas áreas do desempenho social. Essa dissimulação garante sua sobrevivência social. Kurt Schneider, psiquiatra alemão, englobou no conceito de Personalidade Psicopática todos os desvios da normalidade não suficientes para serem considerados doenças mentais francas, incluindo nesses tipos, também aquele que hoje entendemos como sociopata. Dizia que a Personalidade Psicopática (que não tinha o mesmo conceito do sociopata de hoje) como aquelas personalidades anormais que sofrem por sua anormalidade e/ou fazem sofrer a sociedade. Ele distinguia os seguintes tipos de Personalidade Psicopática: 1) Hipertímicos; 2) Depressivos; 3) Inseguros; 4) Fanáticos; 5) Carentes de Atenção; 6) Emocionalmente Lábeis; 12 7) Explosivos; 8) Desalmados; 9) Abúlicos; 10) Asténicos. Evidentemente, o que entendemos hoje por psicopata ou sociopata seriam, na classificação de Schnneider, os Desalmados. Muito mais tarde Mira y López definiu a Personalidade Psicopática como "...aquela personalidade mal estruturada, predisposta à desarmonia intrapsíquica, que tem menos capacidade que a maioria dos membros de sua idade, sexo e cultura para adaptar-se às exigências da vida social". E considerava 11 tipos dessas personalidades anormais muito semelhantes aos tipos de Schnneider. Eram eles: 1) Asténica; 2) Compulsiva; 3) Explosiva; 4) Instável; 5) Histérica; 6) Ciclóide; 7) Sensitivo-paranóide; 8) Esquizóide; 9) Perversa; 10) Hipocondríaca; 11) Homossexual; Cleckley Em 1941 Cleckley escreveu um livro chamado "The Mask of Sanity"("A máscara da Sanidade"), sobre o psicopata, tornando-se a base da ciência moderna. “Beauty and ugliness, except in a very superficial sense, goodness, evil, love, horror, and humor have no actual meaning, no power to move him”( Beleza e feiúra, exceto em um sentido muito superficial, bondade, maldade, amor, horror e humor não tem significado real, nenhum poder para movê-lo) afirma Cleckley nesse livro, diz ainda ,por exemplo, que o psicopata fala de forma a entreter o outro e que 13 é extremamente charmoso, não obstante "trás disastre em cada mão". Em 1964 descreveu as características mais frequentes do que hoje chamamos psicopatas. Em 1961, Karpmam disse "dentro dos psicopatas há dois grandes grupos; os depredadores e os parasitas" (fazendo uma analogia biológica). Os depredadores são aqueles que tomam as coisas pela força e os parasitas tomam-nas através da astúcia e do engodo. Cleckley, estabeleceu, em "The Mask of Sanity", alguns critérios para o diagnóstico do psicopata, sendo que em 1976, Hare, Hart e Harpur, completaram esses critérios. Somando-se as duas listas podemos relacionar as seguintes características: 1. Problemas de conduta na infância; 2. Inexistência de alucinações e delírio; 3. Ausência de manifestações neuróticas; 4. Impulsividade e ausência de autocontrole; 5. Irresponsabilidade; 6. Encanto superficial, notável inteligência e loquacidade; 7. Egocentrismo patológico, auto-valorização e arrogância; 8. Incapacidade de amar; 9. Grande pobreza de reações afetivas básicas; 10. Vida sexual impessoal, trivial e pouco integrada; 11. Falta de sentimentos de culpa e de vergonha; 12. Indigno de confiança, falta de empatia nas relações pessoais; 13. Manipulação do outro com recursos enganosos; 14. Mentiras e insinceridade; 15. Perda específica da intuição; 16. Incapacidade para seguir qualquer plano de vida; 17. Conduta anti-social sem aparente arrependimento; 18. Ameaças de suicídio raramente cumpridas; 19. Falta de capacidade para aprender com a experiência vivida. Henry Ey 14 Henry Ey, no seu "Tratado de Psiquiatria", as Personalidades Psicopáticas dentro do capítulo das doenças mentais crónicas, as quais consideram como um desequilíbrio psíquico resultante das anomalias caracteriológicas das pessoas. Cita as características básicas das Personalidades Psicopáticas como sendo a antisociabilidade e impulsividade (Bruno, 1996). A ideia dos Transtornos de Personalidade tal como sugerido pelo DSM começou em 1966 com Robins. O que se destaca em relação ao conceito de Personalidade Psicopática são as controvérsias entre os vários autores e nas várias épocas, no entanto, de alguma forma, há uma forte tendência em se apontar para dois conceitos básicos: A primeira posição reflecte uma tendência mais constitucionalista (intrínseca), entendendo que o psicopata se origina de uma constituição especial, geneticamente determinado e, em consequência dessa organicidade, pouco se pode fazer. A segunda tendência é a social ou extrínseca, acreditando que a sociedade faz o psicopata, a sociedade faz os seus próprios criminosos por não lhes dar os meios educativos e/ou econômicos necessários. Resumindo, outros autores, nas décadas sucessivas de 60 e 70, foram também definindo os traços característicos da psicopatia com termos tais como; perturbações afetivas, perturbações do instinto, deficiência superegoica, tendência a viver só o presente, baixa tolerância a frustrações. Alguns classificam esse transtorno como anomalias do caráter e da personalidade, ressaltando sempre a impulsividade e a propensão para condutas anti-sociais (Glover, Henri Ey, Kolb, Liberman). A maioria dos autores dessa época procurava substituir o conceito de "constituição psicopática" por "personalidades psicopáticas" já que a sua etiologia não era claramente definida. Mas, apesar da etiologia não ser claramente entendida, o quadro clínico da personalidade psicopática foi sendo cada vez mais cristalinamente descrito. Hoje em dia, resumindo a evolução do conceito, a Personalidade Psicopática tem sido caracterizada principalmente por ausência de sentimentos afetuosos, amoralidade, impulsividade, falta de adaptação social e incorrigibilidade. (https://sites.google.com/site/mundodospsicopatas12d/entrevistas-2/historia,acesso 03/11/2014). 15 7 . CONCEITO Diante o explanado no item anterior, ainda não há uma definição concreta do termo psicopatia, pois exigiria um julgamento de todas as questões que norteiam este tema, importando que todas as bases de estudos da psicopatia estivessem firmes e consolidados em fatos certos e devidamente comprovados, o que não é o caso, assim consideraremos para fins de sustentação do conceito psicopatia a posição de estudiosos nas áreas da psiquiatria, psicologia, bem como alguns doutrinadores. Em termos médicos-psiquiátricos, a psicopatia é definida como uma desordem de personalidade cuja característica principal é falta de empatia, incapacidade de uma lealdade relevante com indivíduos, grupos e valores sociais, bem como a ausência de sentimentos genuínos como remorso ou gratidão, frieza, insensibilidade aos sentimentos alheios dentre outras características que observaremos adiante. (http://www.jurisway.org.br; autora: Jéssica Medeiros Neres dos Santos, tema : psicopatia homicidas e o Direito Penal, acesso em 04/11/2014 ). Para Michel H. Stone, os psicopatas são considerados como indivíduos anormais, pois carecem da capacidade de entender as emoções dos outros, ou, se as reconhecem não se comovem com as tristezas dos outros, sendo assim rotulados como indivíduos portadores de “incapacidade de aprendizagem social- emocional ou psicopatia” (Michel H. Stone. A cura da mente, pág. 113./ Michele O. Abreu- Da imputabilidade do Psicopata, pág. 06). Para Ana Beatriz Barbosa Silva, os psicopatas apresentam uma espécie de “pobreza emocional” que pode ser evidenciada pela limitada variedade e intensidade de seus sentimentos. São incapazes de sentir certos tipos de sentimentos como amor, a compaixão e o respeito pelo outro. Por vezes podem nos confundir ao apresentarem episódios emocionais dramáticos, fúteis e de curta duração. No entanto, esses episódios não passam de pura encenação. Os psicopatas, não são capazes de vivenciar fortes emoções, confundem amor com pura excitação sexual, tristeza com frustração e raiva com irritabilidade. Muitos psiquiatras afirmam que as emoções dos psicopatas são tão superficiais que podem ser considerados algo bem similar ao “pronto-emoções” (respostas 16 primitivas às necessidades imediatas).(Ana Beatriz Barbosa Silva- Mentes Perigosas, pág.77/78) Conforme o Dicionário de Psicologia, o perfil do psicopata é conceituado como: “O psicopata (ou sociopata) é um indivíduo impulsivo, irresponsável, hedonista, “bidimensional”, carente de capacidade de experimentar os componentes emocionais normais do comportamento interpessoal, como p. ex., culpa, arrependimento, empatia, afeição, interesse autêntico pelo bem-estar de outrem. Embora muitas vezes possa imitar emoções normais e simular apegos afetivos, suas relações sociais e sexuais com outras pessoas continuam superficiais e exigentes. Sua capacidade de juízo é limitada; ele parece incapaz de adiar a satisfação de necessidade momentâneas, não importando as conseqüências para si e para os outros. Está sempre em apuros; tentando livrar-se das dificuldades, ele cria com freqüência uma rede complicada e contraditória de mentiras e racionalizações, ligadas a explicações teatrais e às vezes convincentes, expressões de remorsos e promessas de mudar. Muitos psicopatas são rapinantes calejados e são agressivos; outros, ao contrário, são típicos parasitas, ou manipuladores passivos, que se fiam em confusões e loquacidade, atratividade artificial, e em sua aparência de desamparo para conseguir o que desejam”.( Waldemir Valle Martins- Dicionário de Psicologia/Michele O. Abreu- Da imputabilidade do Psicopata, pág. 07 e 08). Além do termo psicopata, tais indivíduos recebem também as denominações de sociopatas, personalidades antissociais, bem como psicopáticas dissociais, amorais dentre outras. Embora alguns estudiosos prefiram diferenciá-los, para Ana Beatriz Barbosa Silva, entende que esses termos; psicopatas e sociopatas, descrevem o mesmo perfil.( Ana Beatriz Barbosa Silva- Mentes Perigosas, pág. 17). Outrossim, o Dicionário Enciclopédico da Psicologia, destaca a psicopatia como sendo uma perturbação permanente da personalidade caracterizada, especialmente pela prática de comportamentos antissociais impulsivos que não geram habitualmente sentimento de culpa no sujeito, neste sentido, entende-se que a psicopatia apresenta características singulares, as quais não lhe permite ser comparadas com doenças mentais, como por exemplo a psicose, esquizofrenia dentre outras, e também não deve ser empregada como expressão sinônima de doença mental. Nesse diapasão, se torna necessário a compreensão da psicopatia como um fenômeno independente e desvinculado de qualquer transtorno mental.. 8.ETIOLOGIA DA PSICOPATIA 17 A etiologia acerca da psicopatia continua sendo um dos maiores questionamentos por profissionais da área da psiquiatria, bem como por juristas e doutrinadores , e isso se deve às várias conseqüências decorrentes de sua adoção. Também, parece mais fácil e concreto, indicar o passado do transgressor como responsável do seu futuro tortuoso, do que adentrar em um campo obscuro e realizar infindáveis, e muitas vezes, inconclusivas teorias. Deste modo a psicopatia vem sendo descrita como transtorno de personalidade antissocial, encontrando-se no rol Internacional das Doenças, na parte destinada à disposição das doenças mentais, por este motivo alguns doutrinadores e juristas vêm defendendo a psicopatia como doença mental, bem como ao fato de que no decorrer do tempo a citada expressão “psicopatia” vem sendo sinônima de doença mental. Porém, grande parte dos pesquisadores (Jorge Trindade, Andréa Baheregaray, Mônica Rodrigues, Robert Hare, etc.) não consideram a psicopatia como uma doença mental, por não provocar qualquer sintoma em seu portador, como ocorre com as demais doenças como a esquizofrenia, psicose e etc. Os adeptos desse entendimento ainda justificam seu posicionamento sustentando que os psicopatas têm plena consciência dos seus atos e dos instrumentos necessários para alcançar seus mais sórdidos crimes. São conhecedores das normas legais e sociais e as desconsideram na prática de seus atos. . (Michele O. Abreu- Da Imputabilidade do Psicopata, pág.57/58). 9. IMPUTABILIDADE DO PSICOPATA Antes de adentrarmos no tema ao norte mencionado, vamos relembrar o que é imputabilidade. Imputabilidade é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, em outras palavras, é a capacidade que o a gente precisa possuir para entender que o ato praticado por ele está ou não de acordo com as normas ou leis impostas perante á sociedade em que vive, devendo agir conforme essas regras, e ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal, e, também dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. 18 A imputabilidade assim apresenta um aspecto intelectivo, consistente na capacidade de entendimento, e outro volitivo, que é a faculdade de controlar e comandar a própria vontade. Faltando um desses elementos, o agente não será considerado responsável pelos seus atos. O nosso ordenamento penal brasileiro classifica o psicopata como sendo semiimputável, alegando que o portador possui uma perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado que torna o indivíduo parcialmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com tal entendimento, como dispõe o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal. O que difere a inimputabilidade da semi-imputabilidade é que naquela há a doença mental, já nesta há a necessidade de se existir no a gente a perturbação mental, e que este retire do portador somente parcialmente a capacidade do agente de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com tal entendimento. Assim dispõe, o nosso doutrinador Miguel Reale Júnior, aduzindo que no caso da semi-imputabilidade não se trata mais de doença mental, mas de perturbação mental, o que se enquadraria nas psicopatologias, em especial a falha no caráter do portador de personalidade psicopática, ou anormal, que apresente grau considerável de inteligência, mas ausência de afetividade, de sentimentos, e logo de arrependimentos. ( Miguel REALE JÚNIOR, instituições de Direito Penal, Parte Geral, pág. 209). É de se ressaltar que a psicopatia encontra-se em um campo ainda não determinado em todas as ciências que a estudam. O código Penal Brasileiro em nada disciplinou acerca da psicopatia, tampouco sobre a existência de tal anomalia, e o que justifica a ausência legislativa sobre este aspecto é a incerteza da psiquiatria em definir supra personalidade. Entretanto, o fato de haver omissão legislativa não nos impede de analisar a psicopatia conforme as regras estabelecidas pelo Código Penal Brasileiro, bem como o entendimento de alguns doutrinadores. Para Hugo Marietan, este ao abordar sobre responsabilidade penal dos psicopatas, destacou três critérios que avaliam o grau de responsabilidade penal do 19 autor dos fatos. O primeiro critério impõe a consideração da excepcionalidade da inimputabilidade, ou seja, todos são considerados imputáveis até que a inimputabilidade do sujeito seja constatada, assim os psicopatas são, a priori, responsáveis penalmente porque, assim como os infratores não psicopatas, têm pleno conhecimento da norma penal. O segundo critério ressalta à irresistibilidade dos impulsos. Deste modo, verifica-se que o agente, além de ter o conhecimento da ilicitude dos fatos, consegue conter os impulsos irresistivelmente, pois em alguns casos, os psicopatas tendem a prepararem seus crimes antes de praticá-lo. Por fim, o último critério, relata que o sujeito não pode ser considerado responsável criminalmente se sua ação delitiva é produto de sua enfermidade mental, aduzindo que a psicopatia não pode ser considerada doença mental e , portanto, seu portador deve responder criminalmente pelos fatos praticados. (Miche O. Abreu- Da imputabilidade do Psicopata, pág.171/172, Hugo Marietan- Curso sobre a Psicopatia: los extravagantes, pág.239/240). Maximiliano Roberto Ernesto Führer declara que, embora a grande a maioria dos doutrinadores entendam a semi-imputabilidade como classificação adequada aos psicopatas, tais agentes têm plena consciência da ilicitude dos fatos e da capacidade de autodeterminação, aduzindo, ainda que a deformidade ética não pode ser considerada pressuposto de inimputabilidade jurídica, e ainda sustenta que a pena imposta ao psicopata não é satisfatória nem adequada para a ressocialização do mesmo. Segundo o autor um juízo equivocado de semi-imputabilidade estará premiando a malvadez pura. (Miche O. Abreu- Da imputabilidade do Psicopata, pág.172/172- FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratando da imputabilidade, pág.64). 10. CAPACIDADE DE CULPABILIDADE DO PSICOPATA A nossa doutrina ainda não tem um entendimento homogêneo a respeito da culpabilidade do psicopata, a par disso passaremos a verificar se o mesmo possui tal capacidade. 20 Umas das grandes dificuldades do Direito Penal Mundial como já dito anteriormente é classificar os psicopatas como imputáveis, não entendendo que tais indivíduos são mentalmente desenvolvidos e possuidores de plena capacidade de saber que sua conduta contraria os mandamentos da ordem jurídica. Em todo caso, por compreender a ilicitude de seus atos, mas não ver nenhum problema neles, os psicopatas, são considerados perante direito penal, como semiimputáveis, sendo condenado, mas tendo sua pena reduzida. A grande pergunta é: os portadores de psicopatia, que segundo a medicina, são desprovidos de um senso interno presente nas pessoas sãs, que lhes impede de sentir remorso ou empatia pela dor alheia quando esta mesma dor provém de ato por ele cometido, seriam eles doentes ou teriam um distúrbio mental que atenua a capacidade de discernir e ter autocontrole perante atos ilícitos e criminosos? Em suma, uma pessoa que tem a capacidade de matar,humilhar e agredir apresentando tamanha frieza e indiferença pela vida alheia,deveria ser sujeita à medidas de segurança ao invés de uma pena? Sendo considerada apenas perigosa e não culpável? A verdade é, segundo a psiquiatria,os criminosos psicopatas não necessariamente têm baixa capacidade intelectual. Sendo assim, quando erram, cometendo um ato ilícito penal, eles sabem exatamente o que estão fazendo e têm plena consciência do que é certo e errado. E mais, ausentes do sentimento de arrependimento e sensibilidade com a vida ou patrimônio alheio, demonstram apurada habilidade em criar e manipular versões que acabam por absolvê-los de culpa,ou até mesmo em simular arrependimento. Neste contexto de ideias, levando-se em consideração o artigo 26 do Código Penal, que trata precisamente o tema referente à inimputabilidade penal e as características esmiuçadas pela psiquiatria dos criminosos portadores de psicopatia defendemos a imputabilidade penal destes indivíduos, entendendo-se que o distúrbio de personalidade que os mesmos são portadores, não afeta sua compreensão a respeito da desconformidade de sua conduta com a ordem jurídica e social imperante, 21 sendo assim, eles não são apenas perigosos, mas absolutamente responsáveis e acima de tudo, culpáveis pelos seus atos delituosos. A GÊNESE DA PSICOPATIA Publicado em 2008, o estudo “Criminals in the Making”, dos criminólogos John Wright, Stephen Tibbetts e Leah Daigle, indicou que tanto a estrutura cerebral como o seu funcionamento estariam envolvidas na etiologia da violência, agressão, crime, e até mesmo da psicopatia. Em outras palavras, a estrutura e a forma como o cérebro de algumas pessoas funcionam seriam o segredo para entender o comportamento violento e até mesmo as origens da psicopatia. Nesse sentido, e tomando outros estudos como referência, duas áreas cerebrais parecem estar consistentemente envolvidas quando pronunciamos o nome psicopata: o sistema límbico (composto pela amígdala, hipocampo e tálamo) e o córtex pré-frontal.O sistema límbico é essencial para a regulação de nossas emoções mais complexas e de nossos estados afetivos e motivacionais. Ele estaria relacionado à psicopatia através da criação de certos impulsos, como por exemplo, a raiva e o ciúme, que são facilitadores para a prática de atos violentos. O córtex pré-frontal, uma região cortical na parte frontal do cérebro, é o responsável pelas funções de ordem superior executivas, como por exemplo, a capacidade de adiar a gratificação e controlar os impulsos. Ele é uma estrutura interligada com o sistema límbico, sendo o córtex pré-frontal o responsável por reprimir os impulsos gerados a partir das estruturas límbicas. Segundo alguns estudos, um sistema límbico hiperativo mais um córtex préfrontal hipoativo seria a combinação perfeita para o desenvolvimento da psicopatia. Esta anormalidade foi identificada em um estudo da Universidade de Wisconsin. Scans cerebrais revelaram que a psicopatia em criminosos estava associada a uma diminuição da conectividade entre a amígdala, uma estrutura subcortical do sistema límbico que processa estímulos nocivos, e o córtex pré-frontal, que interpreta a resposta da amígdala. Quando a conectividade entre essas duas regiões é baixa, o processamento de estímulos nocivos na amígdala não se traduz em nenhuma emoção negativa sentida. E isso se encaixaria muito bem na imagem que temos de psicopatas. Eles não se sentem ansiosos ou envergonhados quando são pegos fazendo algo ruim. Eles não ficam tristes quando outras pessoas sofrem. Apesar de sentir dor física, eles não estão numa posição de se machucarem emocionalmente. 22 O estudo da Universidade de Wisconsin mostra uma correlação entre psicopatia criminal e anormalidade no cérebro. Como essa anormalidade cerebral, na maioria dos casos de criminosos psicopatas, não é adquirida, há uma boa razão para pensar que ela está fundamentada no DNA do indivíduo. À mesma conclusão já havia chegado o neurocientista norte-americano Jim Fallon, que nos anos 90 conduziu estudos com psicopatas assassinos. “Um certo grupo (assassinos) tinha sempre uma lesão no córtex orbitofrontal, acima dos olhos. Outra parte que parecia não funcionar bem era a parte frontal do lobo temporal que abriga a amígdala, o local onde nossas reações se tornam diferentes das dos animais”, disse Fallon no documentário What Make Us Good or Evil, da rede britânica BBC. Cada vez mais surgem evidências de que o cérebro dos psicopatas apresentam alterações, sobretudo no que remete ao córtex pré-frontal. Algumas pesquisas com ressonância magnética trouxeram resultados incríveis, que mostram que indivíduos com transtornos de personalidade anti-social apresentam redução de 11% (em média) da massa cinzenta pré-frontal, e isso é significativo já que o córtex pré frontal é uma área associada a sentimentos de vergonha, culpa, constrangimento (uma adequação social). Como demonstrado nessas pesquisas, os psicopatas apresentam uma menor quantidade de matéria cinzenta no córtex pré-frontal e por consequência as respostas sociais não podem ser iguais das pessoas com o córtex pré-frontal “normal”. Isso não pode ser levado como uma verdade absoluta, mas de acordo com essa perspectiva um psicopata apresentaria menor resposta autonômica a um estressor social por ter menor quantidade de matéria cinzenta no córtex pré-frontal. Em assassinos foi verificado que existe uma redução no metabolismo da glicose no córtex pré-frontal, isso indica que essa estrutura cerebral atua como “freio” para os impulsos gerados no sistema límbico. Há, no entanto, algumas limitações nesses estudos. Eles foram realizados com psicopatas que cometeram crimes de assassinato, e sabemos muito bem que a maioria dos psicopatas não são assassinos. Sabemos que psicopatas são manipuladores, agressivos, impulsivos, e que não sentem empatia por outras pessoas, entretanto, tais características estão longe de conduzí-los ao assassinato. Nesse 23 sentido, e quando pronunciamos a palavra psicopata, temos níveis de atuação criminal extremamente diversificados. Psicopatas podem não matar (diretamente), mas podem desviar dinheiro de hospitais públicos, praticar o crime de burla… E isso faz surgir uma pergunta: Os psicopatas com manifestação mais tênue da perturbação teriam também essa atividade entre a amígdala e o córtex pré-frontal reduzida? Não há resposta. Outra limitação do estudo é que ele não mostra se a redução da interatividade entre a amígdala e o córtex pré-frontal é uma deficiência especificamente ligada à psicopatia. E as condições mentais que têm sido associadas a crimes graves, como a esquizofrenia paranóide e os fetiches sexuais extremos? Embora os estudos, como o de Wisconsin, lancem alguma luz sobre as origens da psicopatia, ela permanece intrigante. Indo ao outro extremo, alguns especialistas tem discutido formas de ensinar psicopatas a, digamos, ser mais humanos. Elsa Ermer e Kent Kiehl, da Universidade do Novo México, em Albuquerque, descobriram que psicopatas têm dificuldades em seguir regras baseadas na sensibilidade moral, apesar de compreendê-las perfeitamente. As emoções reprimidas de psicopatas parecem desempenhar um papel que os impede de seguir regras. Mas essa deficiência, possivelmente, é corrigível. Sabemos que pessoas com transtorno do espectro autista têm dificuldades em captar regras sociais ou fazê-las da maneira correta em determinados contextos sociais. Mas eles podem aprender. Por exemplo, eles podem aprender a fazer contato olho no olho, aprender a realizar contatos de forma indireta, podendo assim aprender a manifestar interesse em outras pessoas. Às vezes, isso requer anos de treinamento com um terapeuta ou profissional da saúde. Eles têm que aprender a fazer o que os outros sabem instintivamente pela interação com membros da família e colegas. Se as pessoas com alto grau de autismo, uma doença hereditária, podem aprender os sinais sociais, então, presumivelmente, alguns psicopatas poderiam aprender a seguir regras morais, passando por um treinamento intensivo. Um tipo de experimentação poderiam ser programas de treinamentos que aumentassem artificialmente o processamento de emoções negativas e, em seguida, ensiná-los a associar essas emoções negativas com más ações, moralmente inaceitáveis. Para isso, alguns especialistas já sugeriram o uso de alucinógenos, como o psilocybin. A PSICOPATIA SOB UMA VISÃO GENÉTICA E PSICOSSOCIAL 24 Estudos de terceira geração em genética levantam a questão de quais genes poderiam estar envolvidos na predisposição do comportamento anti-social. Algumas respostas começaram a surgir através da genética molecular. Quando realizado o knockout do gene da monoamina-oxidase A (MAO-A) em ratos, esses tornaram-se potencialmente agressivos. O knockout, em termos de genética, significa desativar um gene para observar que tipo de alterações isso pode acarretar e, consequentemente, determinar a nível de genótipo qual a designação daquele gene. Pesquisas da área retratam a ligação do gene MAO-A com a agressividade, e nas experiencias com ratos, quando o gene MAO-A é desativado, ele se torna mais agressivo. Quando voltam a reativar o gene, o ratinho passa a ter novamente um comportamento normal. Isso significa que esse gene tem relação direta com a agressividade, e uma variação dele poderia ocasionar o aumento de agressividade. Um dos estudos que previu essa ligação foi o “Monoamine oxidase gene A (MAOA) prevê comportamento agressivo diante de provocação”. Segundo os autores do estudo, a baixa atividade do gene MAO-A poderia levar a uma pré-disposição para um comportamento agressivo e desproporcional diante de situações onde o indivíduo é provocado. Entretanto, o desafio maior da terceira geração de estudos genéticos não é apenas identificar quais os genes envolvidos na psicopatia, e sim como esses genes codificam os transtornos cerebrais nos grupos de anti-sociais. Sujeitos com polimorfismo comum no gene MAO-A apresentam 8% de redução no volume da amígdala, no giro do cíngulo anterior (região do sistema límbico) e no córtex pré frontal, estruturas envolvidas nas emoções e que em sujeitos anti-sociais estão comprometidas. A hipótese é a de que anormalidades genéticas também desencadeiam anormalidades a nível cerebral. É evidente que, muito embora já se consiga hoje relacionar o crime com predisposição genética, os processos psicossociais não podem ser desconsiderados. Fatores ambientais no inicio do desenvolvimento poderiam alterar de forma direta a expressão do gene, e com isso alterar também a estrutura cerebral, resultando assim no comportamento anti-social. Em suma, o ambiente social pode interagir com os indicadores genéticos e biológicos, mas considera-se também que o comportamento violento e criminal aumenta significativamente quando combinado esses dois fatores, o risco biológico e o risco social. 25 Nós não podemos excluir que o abuso na infância ou negligência possam ser um fator desencadeador para a psicopatia, mas isso não é um fator que contribui para ser um psicopata. Além disso, apesar de criminosos como Charles Manson terem sido abusados e negligenciados quando crianças, a lista de psicopatas serial killers que tiveram uma infância normal é infinita. Serial killers famosos como Ted Bundy, Jeffrey Damer e Dennis Rader cresceram em famílias normais e com apoio. A verdade é que ainda estamos longe de uma resposta definitiva sobre as origens da psicopatia, e no pior dos casos, o que leva um psicopata a se tornar um assassino e, indo mais a fundo, a resposta científica para o transtorno antissocial da personalidade. CONCLUSÃO A partir desse entendimento, que nos levou à ilação acerca da problemática aqui proposta, a psicopatia não consiste em doença mental, tampouco desenvolvimento mental incompleto ou retardado, vez que não provoca qualquer mudança na capacidade psíquica do indivíduo, haja vista, mesmo que fosse considerada não retiraria do portador da psicopatia a capacidade de compreender o caráter ilícito dos fatos, ou de determinar-se conforme esse entendimento devido razões de ordem genética e psicossociais. O psicopata sabe perfeitamente das normas e leis que regem à sociedade, bem como suas conseqüências. Mesmo assim, planeja premeditadamente e age até onde lhe for mais conveniente. Neste contexto consideramos que este transtorno não pode tornar o agente inimputável. Se por acaso, o psicopata sofrer de algum tipo de doença mental em caráter permanente, (dependência química ou alcoolismo) e esta doença for suficiente para que no momento dos fatos delituosos afastar a capacidade de compreender o querer, teremos aí caracterizada a inimputabilidade, nessa situação a inimputabilidade declarada não pela psicopatia, mas em decorrência da doença mental. No que diz respeito à semi-imputabilidade o psicopata não pode ser considerado portador de uma perturbação da saúde mental. A psicopatia não vem a provocar qualquer tipo de alteração na saúde mental de seu portador, o fato do agente externar comportamento antissocial não quer dizer necessariamente comprometimento de sua saúde mental. Mesmo que fosse considerada perturbação da saúde mental, tal 26 circunstâncias não teria o caráter de diminuir a capacidade de discernir ou querer pelas razões ao norte mencionadas. Assim, esses indivíduos não são loucos, nem apresentam qualquer tipo de desorientação, bem como sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou o pânico, por exemplo).Em verdade são predadores sociais acima de quaisquer suspeitas e daí jaz o perigo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, J. L. Pio. Introdução à Psicopatologia Compreensiva. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s.d. 1997. AGATHON, Melinée et. al. (colaboradores), Dicionário Enciclopédico da Psicologia. Trad. Hélder Viçoso. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2008. ALMEIDA JÚNIOR, A. e COSTA JÚNIOR, J. B. de O. Lições de Medicina Legal. 22 ed. São Paulo: Editora Nacional, 1998. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – DSM-IV-TR. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Trad. Cláudia Dornelles. 4. ed. Ver. Porto Alegre: Artmed, 2002. ANTÔNIO, Américo Marco. Causas de exclusão de criminalidade no anteprojeto do código penal. 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