1 - 2010

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1 - 2010
Revista Científica da UNESC ± Ano 8 ± nº 11 ± Outubro 2010
Comitê Editorial
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Prof. Ismael Cury
Vice-diretor
Prof. Antônio Carlos do Nascimento
Coordenação de Administração e Planejamento
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Rodrigo Muniz do Nascimento
Coordenação de Graduação
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Conselho Editorial
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Professor das Faculdades Integradas de Cacoal ± UNESC
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Mestre em Psicologia ± Universidade São Francisco
Professor das Faculdades Integradas de Cacoal ± UNESC
Prof. Ricardo Alexandre Aneas Botta
Mestre em Educação Especial ± UFSCAR/ SP
Professor das Faculdades Integradas de Cacoal ± UNESC
Prof. Abraão Roberto Fonseca
Mestre em Psicologia ± UFPA/PA
Professor das Faculdades Integradas de Cacoal ± UNESC
Sumário
Agricultura e desenvolvimento econômico no Brasil: uma análise a partir da
década de 1960
Reili Amon-Há;
Analise Sensorial do Caffè Espresso I taliano produzido com grãos Brasileiro.
Fernanda Rosan Fortunato Seixa, Luigi Odello;
Análise da Precipitação anual da Cidade de Cabaceiras ± PB.
Janduir Silva Freitas Filho, Jancerlan Gomes Rocha, Aécio Germano de Oliveira;
M arketing Ambiental: das organizações à sustentabilidade.
Natália Sanchez Molina, Tiago Balieiro Cetrulo, Tadeu Fabrício Malheiros;
A gramática normativa aplicada nas provas do ENEM 2008 e 2009.
Valdenice Oliveira Mendes, Rômulo Giácome de Oliveira Fernandes;
Leitura e linguagem na aquisição e domínio do conhecimento científico.
Antônio Carlos da Silva Costa de Souza;
Agricultura e desenvolvimento econômico no Brasil: uma
análise a partir da década de 1960
Reili Amon-Há
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGECO) da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte
RESUMO
O trabalho tem como objetivo apresentar de forma sistêmica à evolução da agricultura
brasileira, a partir dos anos 1960 até os anos 2000, e sua relação com o desenvolvimento
econômico. Se concentrando na trajetória da atividade agrícola, a importância da
agricultura no PIB brasileiro e, por fim, o cumprimento das funções no processo de
desenvolvimento econômico. Para tanto se fez uma análise do papel da agricultura no
desenvolvimento econômico tendo como base os estudos de Lewis (1969), Schultz (1965),
Paiva (1968 e 1971) e Johnston e Mellor (1961). Traz-se em destaque alguns indicadores
censitários sobre a agricultura brasileira, as taxas de crescimento da área colhida e da
produtividade das culturas para o mercado interno e externo, e por fim, o volume de
migração rural-urbano no Brasil.
PALAVRAS-CHAVES:
Agricultura;
Desenvolvimento
econômico,
Funções
da
agricultura.
Agriculture and economic development in Brazil: 60’s analysis
ABSTRACT
The work aims to present a systematic way the evolution of Brazilian agriculture, from the
60s’ through the 2000s, and its relationship to economic development. Focusing on the
history of agriculture, the importance of agriculture in the Brazilian GDP and, finally, the
duties in the process of economic development. For that we made an analysis of the role of
agriculture in economic development based on the studies of Lewis (1969), Schultz (1965),
Paiva (1968 and 1971) and Johnston and Mellor (1961). It brings into focus some
indicators on the Brazilian agriculture census, the growth rates of harvested area and
productivity of crops for domestic and foreign markets, and finally, the volume of ruralurban migration in Brazil.
KEY WORDS: Agriculture; Economic development; Agriculture’s function.
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1. INTRODUÇÃO
A economia brasileira durante o século XX sofreu grandes transformações que
culminaram na mudança da sua base econômica, alicerçada no modelo agrário-exportador
e dependente da demanda externa para uma economia industrializada, via a substituição de
importações. Podem-se marcar os anos 1930 como o período de ascensão das classes
urbano-industrial, ao ganhar espaço no cenário político industrial viram suas teses de
desenvolvimento ser concretizadas por políticas econômicas que dinamizaram o
crescimento industrial. Tem-se a década de 1950 como o marco da superação do setor
industrial com relação ao setor agrícola, resultado este dos vários planos de incentivo a
formação do parque industrial produtor de bens de consumo duráveis e de bens de capital.
Concomitantemente a esse fenômeno de desenvolvimento econômico iniciado na
década de 1950, surgem diversos teóricos interessados em elucidar as relações entre a
agricultura e o desenvolvimento em países que tinham se inserido no processo de
industrialização tardia. Em especial podemos apontar o trabalho de Arthur Lewis (1969)
sobre o desenvolvimento econômico com oferta ilimitada de mão-de-obra. Tendo como
síntese uma economia dividida em dois setores: um tradicional e atrasado
(preponderantemente, mas não exclusivamente o setor agrícola); e outro, moderno e
dinâmico (podendo ser visto como o urbano-industrial), onde aquele primeiro, que à grosso
modo, possui uma oferta de mão-de-obra excedente que poderia ser transferida para o setor
industrial sem afetar a produção do setor agrícola.
No transpor da década de 1960 as teses que consideravam a produtividade marginal da
força de trabalho agrícola tendendo a zero, como as que viam como ineficiente a alocação
dos recursos por parte dos pequenos produtores foram alvo de muitas críticas. Pode-se
destacar o trabalho de Theodore Schultz (1965) que ficou conhecido como “modelo de
insumo moderno”, onde via que a pobreza nas regiões agrícolas não era uma consequência
2
da ineficiência da distribuição de fatores, pois para o autor os produtores rurais eram
pobres, mas eficientes, o problema que é não se utilizam de técnicas modernas ou porque
elas não eram economicamente rentáveis, ou porque não eram adaptáveis às condições de
solo e/ou cultura de suas regiões. (GARCIA, 1990)
Em contraposição surgem os trabalhos que tinham como finalidade trazer propostas
complementares para mensuração do grau de absorção do progresso técnico pelos
camponeses, ou de certa forma, as desigualdades no emprego da tecnologia moderna. No
final dos anos 1960 temos como base o trabalho de Paiva (1968:71) que procurou
esclarecer os diferentes determinantes de endogenização do progresso técnico na
agricultura brasileira, bem como, os limites estabelecidos à expansão dessa tecnologia.
Neste período é quando se processa o aprofundamento das relações técnicas da
agricultura com a indústria e de ambos com o setor externo. Este processo de
modernização agrícola e de integração com a indústria pode ser caracterizado por dois
fatores: i) pela alteração na base técnica dos elementos de produção utilizados pelo setor
agrícola, pautados na crescente oferta de insumos industriais (fertilizantes, corretivos de
solo, sementes melhoradas geneticamente e etc.), e de maquinários (tratores, equipamentos
de irrigação, colhedeiras e etc.); ii) da integração da produção primária de alimentos e
matérias-primas com os vários ramos da indústria (indústria da cana e álcool, papel e
celulose, fumo, oleaginosos e etc.). Estes elementos coagiram para formação de blocos de
capital que constituíram a chamada estratégia do agronegócio, que crescentemente
dominou a política agrícola do Brasil. (DELGADO, 2005)
A formação desses complexos agroindustriais (CAIs) nos anos 70 para Kageyama
(1990) se deram pela ligação intersetorial de três elementos: as indústrias que começaram a
produzir para agricultura, a agricultura (moderna) stricto sensu e as agroindústrias
processadoras, pautadas em fortes incentivos fiscais e creditícios (fundos de financiamento,
3
programas de apoio a certas culturas, crédito para aquisição de terras e equipamentos,
máquinas e insumos modernos, etc.).
Neste sentido, o objetivo deste artigo passa ser de apresentar de forma sistêmica à
evolução da agricultura brasileira, a partir dos anos 1960 até os anos 2000, e sua relação
com o desenvolvimento econômico. Dado o nível de abrangência proposto no artigo a
análise se concentrará nos seguintes aspectos: a trajetória da atividade agrícola, a
importância da agropecuária1 no PIB brasileiro e, por fim, o cumprimento das funções no
processo de desenvolvimento econômico.
A análise do período foi posta baseada no que nos aponta Graziano da Silva (1993) que
data a “industrialização da agricultura” a partir dos anos pós-65, onde pode ser observado
um salto qualitativo e quantitativo no processo de transformação da sua base técnica.
Além desta introdução, o trabalho encontra-se dividido em 4 seções. Sendo a segundo
pautada no debate do papel da agricultura no desenvolvimento econômico, além das
questões de modernização da agricultura e o seu processo de inserção no meio rural. Na
terceira seção encontra-se a análise da trajetória da agricultura no Brasil entre os períodos
de 1946 a 1964, 1965 a 1986 e 1987 a 2002. Por fim, a guisa de conclusão seguida das
referências bibliográficas utilizadas no estudo.
2. OS DEBATES DO PAPEL DA AGRICULTURA NO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
Como exposto anteriormente, no trabalho formulado por Lewis (1969) a questão chave
a ser respondida é como dar-se-á a evolução dessa economia dual, quais os aspectos de
conexão entre ambos setores e quais as limitações que esta dualidade estabelece ao
1
O termo agricultura e agropecuária serão usados como sinônimos neste trabalho, definição esta apresentada
por Bacha (2004, p. 14).
4
processo de desenvolvimento econômico. Para o autor a dinâmica do crescimento
econômico consiste da reinserção dos lucros acumulados no setor urbano-industrial.Tendo
como principal fonte do progresso econômico a acumulação do capital, que depende do
nível de poupança da economia oriundo da acumulação dos capitalistas. Numa situação de
economia em processo de desenvolvimento, com oferta de mão-de-obra ilimitada e não
qualificada, a produtividade marginal da força de trabalho é tendente a zero, e sendo assim,
o preço do trabalho corresponde ao patamar de subsistência. Pode-se ver isso no seguinte
trecho:
“(...) o salário de subsistência pode ser determinado por uma convenção
sobre o mínimo necessário para subsistir ou pode ser igual ao produto médio per
capita na agricultura de subsistência mais uma certa margem”. Essa margem,
cerca de 30%, ocorre em virtude de que, nos centros urbanos, o salário incorpora
gastos adicionais, como aluguéis e transporte, e também porque os trabalhadores
da cidade adquirem “(...) gostos e prestígio social que têm que ser endossados
por salários reais mais elevados” (1969, p. 416 e segs. apud Garcia, 1990).
Em estágio de estagnação ou atraso, inicialmente a economia inicia um processo de
progresso de acordo com o que os capitalistas reinvestem seus lucros, computando
concomitantemente com uma grande oferta de mão-de-obra, disposta a trocarem seus
serviços por um salário muito reduzido. Dadas tais condições, o excedente crescerá de
forma contínua, e a cada período o nível de investimento será uma proporção cada vez
maior da renda. Mas este processo iria se cessando até quando se pudesse disponibilizar
mão-de-obra e alimentos a preços reduzidos. O limite desse processo consistiria até quando
o setor agrícola exaurisse sua capacidade de manter estáveis os salários e os preços dos
alimentos e matérias-primas. Neste caso, havendo uma compressão das taxas de lucros,
dado uma redução da capacidade de investimento, o processo de acumulação do capital
seria afetado, tendendo novamente ao estado de estagnação.
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Uma complementação do pensamento de Lewis foi trazida por Ranis & Frei (1961), ao
proporem alternativas no sentido de deter a tendência à estagnação econômica. Os autores
apontaram que com o esgotamento do excedente de mão-de-obra que recebe salários de
subsistência e com a ascendência da produtividade marginal do trabalho, existe
umapressãopara queda na taxa de lucros no setor urbano-industrial, tanto pelo aumento do
preço da força de trabalho ou pela modificação da relação de troca, a qual passaria a ser
danosa ao setor agrícola, devido ao aumento dos preços relativos das matérias-primas e dos
produtos alimentares.
Sendo assim, para Ranis & Frei deveria existir um reordenamento dos investimentos na
direção de favorecer também a agricultura, de tal forma que esta possa ter um aumento de
sua capacidade de produção provendo alimentos em conformidade com a demanda dos
centros urbanos. Como consequência teria uma liberação de novos excedentes de mão-deobra, que poderiam ser incorporados pela indústria. De acordo com os autores cabe ao
Estado o papel de agenciar uma política de desenvolvimento que objetivasse o crescimento
integrado dos diferentes setores econômicos.
Além do processo de liberação de mão-de-obra da agricultura para indústria um outro
problema que surge é como transformar a agricultura tradicional, pouco produtiva, em um
setor da economia altamente produtivo. Para Schultz (1965) esta transformação depende
prioritariamente dos investimentos feitos na agricultura, mas não somente no sentido de
obtenção de capital, e sim, de forma que deve tomar esse investimento, formas que o
tornarão lucrativo investir na agricultura.
Neste sentido, o sucesso desse projeto de desenvolvimento da agricultura estaria
intimamente ligado nos investimentos de “capital humano”. Faz-se necessário educar,
instruir o contingente agrícola para que se tivessem condições de produzir novos
6
conhecimentos e capacidade de disseminá-los entre os produtores rurais. Nas palavras do
autor:
“(...) os fornecedores dos fatores agrícolas modernos são, entre outros, os
pesquisadores que trabalham em estações agrícolas experimentais. Sua
contribuição a esse respeito é de importância crítica. Os agricultores, em seu
papel
de
consumidores
dos
novos
fatores,
aceitam-nos
quando
são
verdadeiramente lucrativos. Mas, tipicamente, os agricultores tradicionais não os
procuram. No final, muito depende de que os agricultores aprendam a usar
efetivamente os fatores agrícolas modernos. Nesse ponto, um crescimento rápido
e ininterrupto depende grandemente de determinados investimentos no pessoal
do campo, relacionados com as novas habilitações e o novo conhecimento que
este deve adquirir, para obter sucesso no jogo do crescimento proveniente da
agricultura” (Schultz, 1965, p. 179-80)
O investimento em pessoal agrícola é advindo de duas condições, ou seja, a de que as
capacitações adquiridas pelo pessoal do campo são de suma importância para
modernização da agricultura, e a de que essas capacitações, como bens de capital, são
meios de produção produzidos. Para o autor, quanto da produtividade marginal do trabalho
na agricultura ser zero é afirmar de forma inequívoca, pois:
“(...) a conclusão relativa à doutrina de que uma parte da mão-de-obra
empregada na agricultura nos países pobres tem uma produtividade marginal
igual a zero é que esta é uma doutrina falsa. Suas raízes tornaram-na suspeita.
Baseia-se em suposições teóricas não muito consistentes (Schultz, 1965, p.77).
Por que a tese do agricultor utilizar uma tecnologia tradicional ser sinônimo de
ineficiência na alocação de fatores é inequívoca, pois o emprego de tais instrumentos estão
fortemente relacionados com a escassez relativa dos fatores, sendo assim, o estudo deveria
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ser canalizado sobre o desenvolvimento de técnicas modernas passíveis de serem
empregadas pelos produtores rurais.
Em síntese, Abramovay (1999, p. 85) aponta os cincos elementos chave na teoria de
Schultz:
i) Não existe um conceito de camponês como categoria econômica provida de uma
lógica de conduta diferente de outros segmentos produtivos da sociedade. É
exatamente com base nesta premissa que Schultz aponta para a racionalidade
da agricultura tradicional;
ii) Entre a agricultura tradicional e a moderna, a dicotomia é completa, não por
qualquer tipo de racionalidade própria a cada uma – já que suas motivações
econômicas são idênticas – mas porque não há evolução lenta e gradual que
leva uma à outra: se depender da própria agricultura, se não houver intervenção
estimuladora do Estado, a agricultura tradicional é incapaz de sair do marasmo
secular que a caracteriza.
iii) Não se pode aprimorar ou melhorar a agricultura tradicional com base nos fatores
que ela costumeiramente emprega. O que caracteriza os países pobres não é a
má utilização dos fatores existentes, mas sim a sua baixa produtividade.
iv) Do ponto de vista social, os resultados da aplicação das teorias de Schultz a países
do Terceiro Mundo podem ser extremamente perversos.
v) Cabe ao Estado tomar a iniciativa de implantar centros de experimentação e de
difusão que permitam aos agricultores o acesso às modernas tecnologias.
De acordo com Hayami & Ruttan (1971) existem tecnologia poupadores do fator terra
(leia-se as químico-biológicas) e as poupadores do fator mão-de-obra (leiam-se tecnologias
mecânicas). Com isso, o mercado opera no equilíbrio do sistema de preço de acordo com a
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oferta e a demanda dos diversos bens, serviços e fatores de produção. Com isso, os
agricultores escolheram as inovações tecnológicas que minimizem seus custos de produção
e lhes tragam vantagens econômicas. Este modelo ficou conhecido como o da “inovação
induzida”, porque além da racionalidade dos agricultores, são necessários centros de
pesquisas e desenvolvimento, tanto público quanto privado, para geração de inovações
tecnológicas.
Mediante a situação, a absorção do progresso técnico na agricultura é que entra em
debate. Segundo Paiva (1968:71), a agricultura dispõe-se de uma multiplicidade de padrões
tecnológicos, mas:
“O exame do processo de modernização da agricultura deve ser iniciado pela
análise, em separado, das fases referentes à ‘adoção’ e à ‘expansão’ de técnicas
modernas pelos agricultores. Estamos, assim, distinguindo a adoção e a expansão
(entre o maior número de agricultores) de novas técnicas, como processos
distintos. A ‘adoção’ que se constitui num problema de carácter microeconômico
diz respeito a um processo decisório da alçada direta dos agricultores que julgam
– com base principalmente nas perspectivas de uma vantagem econômica – se
devem substituir suas técnicas. Ao contrário, a ‘expansão’ de novas técnicas
constitui-se num processo mais complexo, pois considera-se os aspecto dinâmico
do processo de adoção de técnicas modernas. Sob esse ângulo, levam-se em
conta os reflexos sobre a adoção das mudanças que ocorrem nas condições
econômicas à medida que essa adoção de técnicas modernas se expande por um
maior número de agricultores. Tem-se, assim, o problema de modernização da
agricultura considerado de um ponto de vista macroeconômico” (Paiva, 1971, p.
183-4).
No que se refere à adoção das técnicas modernas, na questão microeconômica, pode-se
entender que depende dos preços relativos dos fatores e dos produtos, pois como antes
9
argumentado, o agricultor só irá se utilizar de certa tecnologia se a relação custo/benefício
da tecnologia for vantajosa com relação à técnica tradicional.
Para o autor existem também fatores subjetivos, além desses mencionados. Nestes
fatores estariam inclusos questões de “dificuldades” e “sacrifícios” para o processo de
modernização. Por exemplo, as dificuldades estariam ligadas as regularidades no
suprimento dos fatores modernos de produção, de recursos de materiais suficientes, de
mão-de-obra responsável e eficiente e conhecimentos técnicos. As questões de natureza de
sacrifício estariam ligadas quanto o agricultor resiste em modificar seus hábitos e costumes
para empregar novas técnicas. Como aponta Garcia (1990) o custo subjetivo depende de
cada agricultor, então a tecnologia só seria internalizada quando a relação benefício/custo
superasse todos os custos, inclusive os subjetivos. Como o custo subjetivo não é igual a
todos os agricultores, a disseminação da tecnologia não se daria de forma homogênea.
Ainda sobre a multiplicidade dos padrões tecnológicos, destacamos que Paiva (1971)
aborda as questões à nível macroeconômico, explanando que a expansão da tecnologia
moderna depende essencialmente do setor não-agrícola e de um mecanismo de
autocontrole.
Ao chegar nesse processo de mudança estrutural, a própria agricultura se torna
responsável pelo aprofundamento do diferencial entre as produtividades agrícolas e
industriais. Ou seja, a modernização industrial estaria intimamente correlacionada com a
contribuição da agricultura no processo de desenvolvimento econômico. Para Johnston &
Mellor (1961) esse encadeamento da agricultura sobre os outros setores da economia é
oriundo das suas cinco funções básicas
1. Liberar mão-de-obra para ser empregada na indústria e evitar a elevação dos
salários pagos, a fim de não comprimir a taxa de lucro e garantir a acumulação
contínua de capital;
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2. Fornecer alimentos e matérias-primas para o setor urbano-industrial, dado a
crescente demanda advinda do processo de desenvolvimento e da intensificação da
urbanização.
3. Gerar divisas externas via exportação de produtos agrícolas (em especial
commodities), para financiar o desenvolvimento, adquirir importações.
4. Transferir poupanças para inversões na indústria e para a implementação da
infraestrutura econômica e social;
5. Gerar mercados para bens industriais, complementando os mercados urbanos.
3. TRAJETÓRIA DA AGRICULTURA NO BRASIL
Nesta seção é apresentada a evolução da agricultura brasileira após a década de 1960.
Sua relação com o PIB brasileiro e agropecuário, sua evolução e sua importância no
cumprimento das funções agrícolas propostos anteriormente no final da seção 2.
3.1. A agricultura brasileira entre os anos de 1946 a 1964
Este período da economia brasileira se caracteriza pelo processo de industrialização
como lucros para o desenvolvimento. Estes anos foram marcados pelo incentivo a indústria
pelo modelo de substituição na importação, pelo plano de metas implementado no governo
JK. Os planos desse período contribuíram para criação de uma infraestrutura econômica
necessário de suportar o crescimento econômico.
De acordo com Bacha (2004, p. 143) este período foi marcado por medidas que de
certa forma dificultaram a agropecuária brasileira, a política cambial em especial. Alguns
aspectos podem ser destacados: i) o mercado de câmbio teve fortes flutuações tornando
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instáveis as receitas, em moeda nacional, dos produtos exportados (em especial os
agrícolas); ii) a taxa de câmbio real sofreu fortes desvalorizações; iii) além das
desvalorizações, as exportações agrícolas(em especial o café) que foram limitados com
quotas de contribuição.
No período de 1946 a 1964, insuficientes políticas foram adotadas em prol do
crescimento da agricultura. Destaca-se a ampliação da malha rodoviária, que de certa
forma permitiu a expansão da fronteira agrícola; e a criação, no final da década de 1940,
das associações2 de crédito e assistência técnica (Acar) e de companhias agrícolas
propendendo à venda de insumos e equipamentos agropecuários. Estes últimos permitiam
com que a agricultura torna-se um mercado para os produtos industriais.
Tabela 1 – Indicadores censitários sobre a agropecuária brasileira.
Indicadores
Nº. de
estabelecimentos
Área total (mil
ha)
Nº. de pessoas
ocupadas
Área com
lavouras
temporárias (ha)
Área de lavouras
permanentes
(ha)
Efetivos de
bovinos
Efetivos de
suínos
Efetivos de aves
Números de
tratores
Relação
consumo de
fertilizantesB/
área com
lavouras (kg/ha)
Relação área
total das
propriedades/
número de
tratores (mil
hectares por
trator)
2
1940
1950
1960
1970
1980
1985
1995/1996A
1.904.589
2.064.642
3.337.769
4.924.019
5.159.851
5.801.809
4.859.865
197.720
232.211
249.862
294.145
364.854
374.925
353.611
11.343.415
10.996.834
15.633.985
17.582.089
21.163.735
23.394.919
17.930.890
12.873.660
14.692.631
20.914.721
25.999.728
38.632.128
42.244.221
34.252.829
5.961.770
4.402.426
7.797.488
7.984.068
10.472.135
9.903.487
7.541.626
34.457.576
44.600.159
56.041.307
78.562.250
118.085.872
128.041.757
153.058.275
16.849.570
22.970.814
25.579.851
31.523.640
32.628.723
30.481.278
27.811.244
62.912.437
77.830.259
136.391.313
218.937.380
421.933.117
446.924.170
735.399.000
3.380
8.372
61.345
165.870
545.205
665.280
803.742
-
3,4
10,6
29,4
85,5
61,3
110,2
58,5
27,7
4,07
1,77
0,67
0,56
0,44
Especialmente por parte dos governos estaduais.
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Fonte: IBGE (1990) para os dados de 1920 a 1980 e Censos Agropecuários do Brasil 1985 e 1995/1996.
Nota: A) os dados de área, pessoal ocupado e tratores se referem a 31-12-1995, e os dados de efetivos de animais se
referem a 31-7-1996. B) Somente se computam os pesos dos nutrientes, não somando o peso dos componentes inertes.
Esta ampliação da malha rodoviária foi primordial para ocupações de novas fronteiras
agrícolas. De acordo com a tabela 1, no período de 1940 a 1960 foi-se adicionado à
atividade agrícola cerca de 52 milhões de novos hectares, onde 9,9 milhões de hectares
foram de culturas permanentes e temporárias, em especial a cafeicultura, que teve o
deslocamento do seu centro dinâmico para o estado do Paraná.
Além da cafeicultura, outras culturas apresentaram taxas geométricas de crescimento
tanto em área cultivada como em produtividade, como podemos ver na tabela 2. Podem-se
destacar as culturas de mandioca, batata-inglesa, algodão e cana-de açúcar. Em
contrapartida as culturas de feijão, cacau, soja e trigo tiveram sua produtividade diminuída,
já as culturas de arroz, milho e laranja mantiveram estáveis suas produções.
Tabela 2 – Taxas geométricas anuais de crescimento da área colhida e da produtividade para
culturas específicas (valores em percentagem)
1945 a 1964
1965 a 1986
1987 a 2001
Destino
Cultura
principal
Área Produtividade Área Produtividade Área Produtividade
Arroz
0,10
0,46
4,99
1,41
-4,03
3,89
Feijão
-0,40
-2,58
3,77
2,43
-2,66
3,99
Mercado
Mandioca
0,74
-1,63
2,79
0,83
-1,48
0,50
interno
Batata1,14
3,48
3,25
-1,23
-0,01
2,27
inglesa
0,05
1,63
3,60
1,62
-0,66
3,94
Milho
Algodão
1,82
1,32
-1,05
1,24
-9,38
7,84
Cacau
4,27
-2,33
1,29
3,53
0,39
-5,12
Café
3,82
4,85
-1,31
1,52
-2,42
3,50
Mercado
Cana-de4,41
0,80
4,44
1,75
1,54
0,94
externo
açúcar
3,50
0,10
8,30
1,74
1,29
1,72
Laranja
17,92
-3,70
17,83
2,46
2,35
3,28
Soja
5,33
-1,14
6,24
1,81
-7,37
1,14
Trigo
Fonte: Dados primários coletados no Anuário Estatístico do Brasil – vários números.
Nota: Calculou-se a taxa geométrica de crescimento anual através da fórmula lnY = a + bt, onde Y é a área
colhida ou produtividade de cada cultura e t é o tempo. A taxa geométrica anual de crescimento é o antilogaritmo do b. Ao tornar-se a série de área colhida de uma cultura de 1945 a 1964, está, de fato, sendo
calculada a taxa de crescimento da área colhida do período de 1946 a 1964. O mesmo vale para os dois outros
períodos em consideração.
13
Os dados apresentados sobre o comportamento da produtividade, na tabela 2, mostram
que o crescimento da agricultura nesses anos foi significativo e baseado no aumento de
fatores de produção (expansão da área cultivada), mas com pouca melhoria tecnológica de
acordo com Bacha (2004). Esta afirmação também é corroborada por Goldin & Rezende
(1993, p.15-6) ao mostrar que o aumento da área cultivada foi de 72% do crescimento da
produção agrícola nos anos de 1950 e de 65% na década de 1960.
Neste período houve uma discussão a nível acadêmico, se realmente a agricultura vinha
ou não cumprindo com suas funções de abastecedora de alimentos, e de que modo à
estrutura fundiária estava impelindo os mecanismos de preços. De um lado, em especial a
Cepal3, imprimia uma forte pressão para o processo de reforma agrária como sendo a única
solução para inelasticidade da oferta de alimentos, que era oriunda da estrutura agrária
latifundiária concentradora, onde a terra era conservada como reserva de valor e não como
fator de produção. Por outro lado, existiam autores como Ruy Miller Paiva4 que tinham
como tese que a oferta de alimentos era elástica a variações de preços e que a agricultura
poderia aumentar a oferta de alimentos se fosse originados políticas de estímulo.
Neste período Bacha (2004) listava alguns pontos que podem levar a conclusão de que
a agricultura brasileira cumpriu com sua função de geradora de alimentos:
(...) a produção per capita de produtos vegetais de consumo doméstico
(arroz, batata-inglesa, feijão, mandioca e trigo) foi crescente de 1946 a 1964,
passando de 337,6 kg/habitante em 194 para 440,7 kg/ habitante em 1964,
respectivamente. A produção per capita de leite também aumentou de 1949 a
1964, passando de 45,6 litros/habitante para 78,4 litros/habitante,
respectivamente. A produção per capita de carnes bovina e suína teve flutuações
no período em análise, mas com tendências de alta. Essa produção passou de
16,6 kg/habitante em 1945 para 18,9 kg/habitante em 1964. As taxas geométricas
anuais de crescimento per capita da produção vegetal, de leite e de carnes foram
0,88%, 3,76% e 0,08%, respectivamente, nos períodos mencionados. (p. 151)
Quanto ao fornecimento de mão-de-obra para a expansão industrial, esta foi
corroborada como as estimativos de fluxo migratório rural-urbano. Como podemos ver na
3
Pensamento protagonizado no Brasil por Celso Furtado e diagnosticado no Plano Trienal (1963-1965).
(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1962).
4
Paiva (1971).
14
tabela 3, o período de 1950 a 1960 apresentou um fluxo migratório de aproximadamente
11 milhões de pessoas que passaram das áreas rurais para as áreas urbanas, cifra esta que
representava quase que 32,6% da população rural existente na época. Sendo assim, pode-se
afirmar que a agricultura colaborou para o processo de industrialização provendo mão-deobra, sem limitar a expansão agrícola.
Tabela 3 – Volume de migração rural-urbano no Brasil.
Período
Volume de migrantes (em mil
habitantes)
Média anual de migrantes
(em mil habitantes)
1950/1960
1960/1970
1970/1980
1980/1990
1990/1995
10.824
11.464
14.413
12.135
5.654
1.082
1.146
1.441
1.213
1.131
% do volume de
migrantes em relação
à população rural
existente no início do
período
32,6
29,6
35,1
31,5
29,3A
Fonte: Camarano e Abramovay (1999, p. 3).
Nota: O volume de migração rural-urbano a cada período é calculado pelo “saldo líquido migratório ruralurbano”. Este último é a diferença entre o que seria a população rural esperada ao final de cada período
aplicando-se a taxa de crescimento vegetativo e a população rural realmente encontrada, pelo Censo, ao final de
cada período.
A) Taxa decenalizada para permitir a comparação com as demais.
De acordo com a tabela 1, podemos inferir que a agricultura e seu processo, ainda que
restrito de modernização criaram mercados para os produtos industriais, especialmente as
técnicas química-biológicas (fertilizantes) e os bens de capital (tratores). Além disso, a
agricultura transferiu capital para o setor industrial, através da política cambial, o setor
industrial pôde adquirir divisas a baixo custo, com perca de rentabilidade para o setor
agrícola.
3.2. A agricultura brasileira entre os anos de 1965 a 1986
Este período pode ser caracterizado pelo processo de aceleração da modernização da
agricultura brasileira, impulsionados principalmente por políticas cambiais, pela expansão
da malha rodoviária que cresceu cerca de 155% e pela instituição do Sistema Nacional de
15
Crédito Rural (SNCR) em 1965 e com volumes crescente durante a década de 1970.
Apesar da diminuição do volume no crédito rural até a metade da década seguinte, a partir
de 1985 voltou a se elevar sensivelmente. No período de 1970 a 1986 vigoraram
continuamente taxas de juros reais negativas no crédito rural.
A agricultura entre os anos de 1960 e 1985 criou cerca de 2,5 milhões de novos
estabelecimentos agrícolas, adicionando quase 125 milhões de hectares para produção. De
acordo com o Censo Agropecuário do Brasil de 1985 e 1995/96, no ano de 1960 existiam
3.337.769 estabelecimentos agropecuários, que ocupavam cerca de 250 mil hectares. Em
1985, já havia 5.801.809 estabelecimentos agropecuários, que ocupavam cerca de 380 mil
hectares. Esta expansão foi oriunda da grande ocupação ocorrida na região Centro-Oeste
(responsável por 31% do aumento de área total dos estabelecimentos) e Norte (responsável
por 31% do acréscimo de área total).
Em consonância com a tabela 1 podemos constatar o crescimento das lavouras e da
pecuária, em destaque as lavouras temporárias e a criação de aves. No período em análise
teve um acréscimo de 21,3 milhões de hectares como lavouras temporárias e 2,1 milhões
de hectares como lavouras permanentes. O total de áreas para as lavouras temporárias
existentes entre 1985 eram 102% maiores do que as registradas em 1960, já nas lavouras
permanentes esta cifra só apresentou crescimento de 27%.
Pela Tabela 1 pode-se destacar o forte crescimento da mecanização e do uso de
fertilizantes na agricultura. Em 1960 existiam 4,07 mil hectares para cada trator e em 1985,
0,56 mil hectares por trator. O número de tratores cresceu de forma vertiginosa, cerca de
984% entre esse período, passando de 61.345 para 665.280. O uso de fertilizantes também
aumentou significativamente passando a ter a relação de 10,6 kg de nutrientes por hectare
de lavoura (temporária e permanente) em 1960 para 61,3 kg/ha em 1985, ou seja,
16
crescimento de 478%. Nota-se assim uma proliferação do uso de insumos de carácter
modernos na agricultura brasileira.
De acordo com a tabela 2, em geral, as culturas tiveram aumento de produtividade
neste período, exceto as culturas de feijão e mandioca. Já as culturas voltadas para o
mercado externo obtiveram maior crescimento quando comparadas com as do mercado
interno, em especial a cultura de soja que teve crescimento da sua área produtiva em torno
de 17,83% (35,75% no acumulado), da laranja com 8,30%. Este fenômeno se deve ao fato
daquelas culturas terem recebidos a maior parte dos recursos creditícios nos anos em
análise. (GOLDIN & REZENDE, 1993)
Apesar da expansão física e da modernização da agricultura brasileira entre 1965 e
1986 que proveram crescimento do PIB nesse setor, sua participação no PIB nacional
perdeu importância. Em sua trajetória pode-se averiguar que apesar do PIB agrícola em
1986 ser 172% maior do que o de 1965, sua participação no PIB nacional caiu de 15,9%
em 1965 para 11,2% em 1986. Este fato pode estar associado à mudança de preços
relativos em favor dos produtos industrializados, como ocorreu em 1978 e 1982.
Quanto aos cumprimentos das funções da agricultura para o desenvolvimento
econômico podemos destacar o pensamento de Bacha (2004, p.168-9):
Devido ao estilo de desenvolvimento seguido pelo Brasil a partir de 1965,
algumas das funções normalmente atribuída à agropecuária no processo de
desenvolvimento deixaram de ser relevantes. Este é o caso de fornecimento de
alimentos, transferência de capital e fornecimento de mão-de-obra. Não obstante
isso, a agropecuária e as agroindústrias continuaram sendo fonte de geração de
divisas, bem como a agropecuária gerou maior mercado consumidor para
produtos industriais e foi fonte de matéria-prima para a indústria.
No que se refere ao fornecimento de mão-de-obra para a indústria houve elevados
volumes de migração do campo para as cidades. Pela tabela 3, pode-se ver que entre a
década de 1960/1970 tivemos uma migração de quase 1.15 milhões de pessoas por ano, já
no período de 1970/1980 essa migração subiu para 1.44 milhões de pessoas, voltando a
17
decrescer no período de 1980/1990 para 1.21 milhões de pessoas por ano. De acordo com
Szmrecsányi (1990), esse volume de imigrantes infelizmente não era necessário para o
crescimento da atividade industrial, e em grande parte muito ficaram à margem da
economia e, alguns ainda conseguiram se empregar no setor terciário.
3.3. A agricultura brasileira entre os anos de 1987 a 2002
A partir de 1987, políticas macroeconômicas (como a política cambial e a fiscal)
impactaram fortemente na redução crescente de estímulo para atividade agrícola no Brasil.
Com isso, o crédito rural sofreu duas grandes mudanças: i) a taxa de juros real passou a ser
positiva; ii) o volume de crédito rural concedido diminui de forma expressiva, com se
comparado ao da década anterior, que também já era bem menor ao concedido na década
de 1970. Com isso, os agricultores tiveram que empregar mais recursos próprios ou
fornecidos por terceiros. Nessa época o autofinanciamento representou 46% da demanda
de recursos dos agricultores em 1991. No ano de 1996, o crédito de custeio oficial para as
culturas de laranja, café, algodão, soja, feijão e milho (que chegavam a representar 80%
dos custeios) correspondeu a 18% dos custos operacionais. (ARAÚJO, 2000)
De acordo com a tabela 1, constata-se uma redução nos estabelecimentos agrícolas
brasileiro, cerca de 942 mil estabelecimentos entre os anos de 1985 e 1995,
aproximadamente 16%. A área total de produção também se reduziu dos 374,9 milhões de
hectares na década de 1980 só 353,6 milhões se mantive no ano 1995. Esta redução
implicou perca de 2,4 milhões de hectares em lavouras permanentes e de 8 milhões de
hectares em lavouras temporárias. Concomitantemente o número de pessoas empregadas
no setor agrícola diminuíram dos 23,4 milhões existentes em 1985 só 17,9 milhões se
mantiveram empregados em 1995, ou seja, uma perca de 24%.
18
A produção voltada para o mercado interno, apesar de ter apresentado queda em área
teve significativos aumentos na produtividade, destacando-se as culturas de arroz, feijão e
milho. Já as culturas voltadas para o mercado externo, como mostra a tabela 2, a cultura do
algodão e do trigo tiveram percas significativas em área, 9,38% e 7,37% respectivamente.
Apesar da perca em área a cultura do algodão teve ganho em produtividade na escala de
7,84%. Mas em termos de produtividade só a cultura do cacau apresentou queda
vertiginosa na sua produção (5,12%).
Apesar da queda no número de área total dos estabelecimentos agrícolas e de redução
pessoas ocupada, as produções de vegetais e animais cresceram no período. De acordo com
Bacha e Rocha (1998:99) a produções vegetais (incluindo 38 culturas) passaram dos 343
milhões de toneladas produzidas em 1986 para 503 milhões de toneladas em 2001, caso se
inclua a cana-de-açúcar. Excluindo esta cultura a produção passou de 104 milhões no
início do período para 159 milhões respectivamente.
Este aumento das produções vegetais e pecuária, em uma conjuntura de redução na
área total e com lavouras dos estabelecimentos agropecuários, só se deu por causa do
crescimento de produtividade da terra e mão-de-obra. Como pode-se destacar pela tabela 1,
em 1986 foram produzidas 343 milhões de toneladas utilizando-se 52 milhões de hectares.
Em 2001 esta produção foi de 503 milhões de toneladas com apenas 49,2 milhões de
hectares de terra. Ou seja, tivemos um acréscimo de 46,6% na produção física e um
decréscimo de 6,3% na área colhida. Este fenômeno só foi possível por causa do aumento
da produtividade da terra de 6.527 kg/ha em 1986 para 10.219 kg/ha em 2001. Vale
destacar que nesse período a produtividade da terra usada nas lavouras aumentou em
56,6%.
Como mencionado anteriormente, este aumento de produtividade se deve ao fato do
aumento da mecanização e do maior uso de fertilizantes. A relação área total/número de
19
tratores passou de 0,56 mil ha em 1985 para 0,44 mil ha em 1995/96, ou seja, em 1985
tinha-se 1 trator para cada 560 hectare de área, e em 1995/96 a relação passa a ser de 1
trator para cada 440 ha de área total. A quantidade de fertilizantes utilizados cresceu de
forma vertiginosa, passando da relação de 61,3 kg/ha em 1985 para 110,2 kg/ha em 2001.
Outro fato a ser destacado é a redução do PIB agrícola entre o período de 1986 e 1993.
Com a estabilidade de preços data a partir de 1994 o PIB da agricultura voltou a crescer,
entre 1993 e 2002 este crescimento foi de 74,9%. No entanto, no ano de 2002 o PIB real da
agricultura estava cerca de 2,5% abaixo do que se vigorou em 1986. A participação da
agricultura no PIB nacional teve forte queda, dos 11,2% contabilizados em 1986 só 5,8%
se permaneceu em 1993 e depois com um leve aumento para 8% em 2002.
Quanto ao cumprimento das suas funções no processo de desenvolvimento econômico
podemos destacar que a agricultura repetiu, no período de 1987 a 2002, em grande parte
das funções que teve no período anterior (1965 a 1986), com exceção à transferência de
capital. De acordo com Bacha (2004, p. 184):
No período de 1987 a 2001, houve redução na produção per capita de gêneros
alimentícios in natura de origem vegetal. A produção per capita do arroz, batatainglesa, feijão, mandioca e trigo passou de 332,1 kg/habitante em 1986 para
240,4 kg/habitante em 2001. Houve uma tendência contínua de redução dessa
variável entre esses anos. Entre 1986 e 2001, a taxa geométrica anual de
crescimento da produção per capita desses cincos produtos foi de -2,44%. (...)
Estes resultados reforçam a tendência da população brasileira em aumentar o
consumo de produtos alimentares processados, a qual se iniciou na fase anterior
(década de 1960, 1970 e 1980).
No que se refere ao movimento migratório campo-cidade, de acordo com a tabela 3,
pode-se averiguar que entre os anos de 1980/1990 houve média anual de 1,21 milhão de
migrantes neste sentido. Já no período de 1990/1995 este volume se reduziu para 1,13
milhão por ano. Destacamos que esse processo de migração na década de 1990 ocorreu em
grande parte pela continuidade do processo de migração, entre os fatores podemos
20
mencionar a carência de terras para manter ocupada a parcela significativa do contingente
rural.
4. CONCLUSÃO
O trabalho buscou analisar a relação entre a agricultura e o processo de
desenvolvimento econômico brasileiro, em especial após a década de 1960. Tendo-se
como foco a trajetória da atividade agrícola, a importância da agropecuária no PIB
nacional, além como o cumprimento de suas funções no processo de desenvolvimento
econômico, proposto por Johnston & Mellor (1961).
Para elucidação da relação agricultura e desenvolvimento econômico buscou-se
analisar as literaturas que tiveram impacto bastante expressivo neste debate. Para isso, foi
posto em debate o trabalho desenvolvido por Arthur Lewis (1969) sobre desenvolvimento
econômico com oferta ilimitada de mão-de-obra, na qual supôs que o crescimento do setor
urbano/industrial acabará induzindo o desenvolvimento agrícola no longo prazo.
Concomitante foi exposto o trabalho de Theodore Schultz, com seu modelo de insumo
moderno, tendo como base a relação existente entre capital humano e produtividade. Em
seguida, o trabalho de Paiva (1969 e 1971) foi exposto ao tratar dos múltiplos padrões
tecnológicos, que permeavam questões de adoção e expansão, além dos fatores subjetivos
inerentes ao processo de adoção tecnológica.
Em seu ponto de destaque, apresentou-se a trajetória da agricultura brasileira em
três períodos: 1946 a 1964, 1965 a 1986 e 1987 a 2002. Onde aquele primeiro foi marcado
por sua forte relação com a política cambial vigente, como destacado anteriormente: o
mercado de câmbio teve fortes flutuações tornando instáveis as receitas, em moeda
nacional, dos produtos exportados (leia-se agrícolas), a taxa de câmbio real sofreu fortes
21
desvalorizações, além das desvalorizações, as exportações agrícolas (em especial o café)
que foram limitados com quotas de contribuição. Neste período destacasse a criação das
associações de crédito e assistência técnica (Acar) e das companhias agrícolas que, de certa
forma, auxiliaram para que a agricultura viesse a ser um mercado para os produtos
industriais. Além disso, vale destacar o crescimento da produtividade da cafeicultura, da
mandioca, da batata-inglesa, algodão e cana-de-açúcar. Em contrapartida as culturas de
feijão, cacau, soja e trigo tiveram sua produtividade diminuída, já as culturas de arroz,
milho e laranja mantiveram estáveis suas produções.
O segundo período (1965 a 1986) foi marcado pelo processo de aceleração da
modernização da agricultura brasileira, impulsionados principalmente pela expansão da
malha rodoviária que passou de 548.510 km em 1964 para 1.397.711 km em 1986. Além
da criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) em 1965 e com volumes
crescentes durante a década de 1970. A expansão de novos estabelecimentos agrícolas
também foi um fator importante, com a criação de 2,5 milhões de novos estabelecimentos,
adicionando cerca 125 milhões de hectares na produção. Outro fator expressivo do período
foi o forte crescimento da mecanização (de aproximadamente 984%) e do uso de
tecnologias químico-biológicas (aumentou aproximadamente de 478%). Este fenômeno
gerou aumento de produtividade, em especial as culturas voltadas para o mercado externo.
No último período de análise vale destacar as mudanças advindas do crédito rural: a
taxa de juros real passou a ser positiva e o volume de crédito rural concedido diminui de
forma expressiva, com se comparado ao da década anterior, que também já era bem menor
ao concedido na década de 1970. O setor agrícola passou a ter 16% a menos de
estabelecimentos, com perca de 2,4 milhões d hectares em lavouras permanentes e 8
milhões de hectares em lavoura temporárias. Além da redução de pessoas empregadas no
setor, perca de quase 24%, ou seja, cerca de 5,5 milhões de posto de trabalho. Vale
22
ressaltar que a produção advinda para o mercado interno teve queda em sua abrangência de
área cultivada, mas teve aumento em produtividade (em especial as culturas de arroz,
feijão e milho). Apesar da queda em termos de área cultivada a relação produção/área ha
aumentou significativamente, totalizando cerca de 56,6% de aumento.
Destarte, pode-se ver que o desempenho da economia em seu conjunto fica muito
dependente das políticas macroecômicas do governo, em relação ao crédito agrícola, às
taxas de juros, aos preços mínimos de garantia e aos estoques reguladores. As ligações
entre a agricultura, as agroindústrias e a indústria de transformação são muito fortes,
implicando a necessidade de adoção de um planejamento integrado.
A fim de ordenar o estudo, se faz necessário uma análise mais apurada dos modelos e
teorias que formularam e configuraram o pensamento agrário brasileiro. Além disso, a
discussão sobre a questão agrária é fundamental para o entendimento da trajetória agrícola.
23
REFERÊNCIAS
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Hucitec/Edunicamp/Anpocs - São Paulo, Campinas – 2ª Edição, 1999.
Questão -
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24
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SZMRECSÁNYI, T. Pequena história da agricultura no Brasil. São Paulo: Contexto,
1990.
25
Analise Sensorial do Caffè Espresso I taliano produzido com
grãos Brasileiro
Fernanda Rosan Fortunato Seixas
Luigi Odello1
Centro Studi Assaggiatori
Galleria V.Veneto 9, 25128 Brescia-Itália
* Autor Correspondente: Tel.: +39 030 397308 ± Fax +39 030 300328 ± E-mail:
[email protected] (Odello, L.)
RESUM O
O Brasil é o principal produtor e exportador de café do mundo, embora a qualidade seja
menor do que o café cultivado em outros países exportadores. Entre os compradores dos
países produtores de café, a Itália tem uma grande importância porque o país é o
fundador e responsável para espalhar o café no mundo. A qualidade do café está
intimamente ligada aos componentes químicos diferentes que lhe dão o aroma, sabor e
do corpo para o café. Esses atributos são medidos por ³análise sensorial´. Dado o alto
consumo de café na Itália, o objetivo deste trabalho é avaliar a qualidade sensorial dos
brasileiros à base da comparação com grãos de café cultivados no país e em vários
outros países. O café expresso preparado com grãos do Brasil recebeu o pior índice de
aceitação pelos consumidores e os italianos não diferiram significativamente do café
expresso feito com grãos da Etiópia. Este resultado mostra a necessidade de aumentar a
qualidade do café brasileiro com a adoção de práticas de produção para garantir as
corretas características sensoriais desejadas no mercado italiano.
PALAVRAS-CHAVES: Café espresso, análise sensorial.
1
1. I NTRODUÇÃO
Consumido diariamente por milhões de pessoas, o café é uma bebida apreciada
mundialmente. Na última década o Brasil vem se destacando como o maior exportador
de café do mundo (Tabela 1) segundo a International Coffe Organization (ICO, 2009).
Quanto aos mercados compradores, os quatro primeiros são Alemanha (930.913 sacas),
EUA (759.958 sacas), Itália (551.425 sacas) e Bélgica (402.144 sacas).
No entanto, a posição privilegiada do Brasil de ser o maior produtor de café do
mundo não o tem favorecido na ocasião de vender o produto brasileiro no mercado
internacional. Ocorre que o café brasileiro perde muito em qualidade, quando
comparado aos cafés produzidos em países tais como Colômbia, Jamaica, Costa Rica,
Etiópia e Quênia, todos eles preferidos pelos consumidores americanos e europeus, em
função da qualidade da bebida (ANCROCIOLI et al., 2003).
Tabela 1. Principais países exportadores de café nos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008 e
quantidade de sacas (60 kg) exportadas.
Brasil
Vietnan
Colombia
Etiopia
Indonesia
Mexico
India
Peru
Honduras
Uganda
Guatemala
Cote d'Ivoire
Nicaragua
Costa Rica
El Salvador
2005
2006
2007
2008
32945
13542
12329
4003
9159
4225
4396
2419
3204
2159
3676
1962
1718
1778
1502
42512
19340
12153
4636
7483
4200
5079
4249
3461
2700
3950
2847
1300
1580
1371
36070
16467
12515
4906
7751
4150
4148
2953
3842
3250
4100
2150
1700
1791
1626
45992
16000
10500
6133
5833
4650
4610
4102
3833
3500
3370
2500
1600
1594
1369
*dados de estatística de comercio segundo ICO, 2009
Dentre os países compradores de café a Itália tem grande importância, pois se
trata do país que desenvolveu e disseminou o caffè espresso em todo mundo, sendo
expresso o café exclusivo, preparado sob pressão, em doses individuais, para ser
2
saboreado no exato momento da extração. Para um café expresso de qualidade superior
a utilização de grãos de alta qualidade, com aroma e sabores intensos faz-se necessária
(IIAC, 2009).
A qualidade da bebida café é definida por atributos como a doçura, o amargor, a
acidez, o corpo, o aroma, o sabor residual e a adstringência em concentrações
harmoniosas já que esta bebida não possui valor nutricional agregado, sendo consumida
principalmente pelos efeitos fisiológicos e psicológicos relacionados à presença da
cafeína e, pelo prazer e satisfação que seu aroma e sabor proporcionam (SIVETZ;
FOOTE, 1997).
A qualidade do café está estritamente relacionada aos diversos constituintes
químicos, tais como os compostos nitrogenados (proteínas, cafeína, trigonelina),
carboidratos, lipídios e os compostos fenólicos presentes no endosperma da semente,
que são os responsáveis pelos gostos e aromas característicos da bebida (FRANCA et
al., 2006). A composição química dos grãos de café é variável em conseqüência das
condições em que foram produzidos e processados. Essa composição depende de fatores
genéticos, ambientais e condições de manejo pré e pós-colheita (IIAC, 2009).
Dos atributos sensoriais presentes no café, o aroma é o mais complexo, pois este é
formado por uma mistura de inúmeros compostos voláteis que apresentam odor,
intensidades e concentrações diferentes. Assim, a contribuição odorífera de cada um
desses compostos voláteis para o aroma final do café é bem variada, enquanto a
sensação gustativa é relativamente simples, sendo normalmente classificada em quatro
qualidades: doce, salgado, amargo e ácido (HARPER et al., 1985)
Portanto, há muito a ser considerado quando se busca melhorar a qualidade da
bebida de café. Para isto, deve-se dispor dos meios adequados de avaliação da qualidade
desta bebida, buscando o máximo de informações através de vários caminhos. Dentre as
3
classificações utilizadas para medir a qualidade do café brasileiro podemos citar o
aspecto de pureza do café e as características sensoriais da bebida, como visivas,
gustativas e olfativas. A análise sensorial permite o estudo das características
organolépticas de diversos produtos e serviços utilizando o ser humano como
instrumento de medida e corretas técnicas estatísticas para interpretação dos dados,
proporcionando confiabilidade dos resultados (LATREILLE et al., 2006).
A determinação da aceitação pelo consumidor é parte crucial no processo de
desenvolvimento e melhoramento de produtos. Os testes afetivos requerem grande
número de participantes e que representem a população de consumidores atuais e/ou
potenciais do produto (CHAVES; SPROSSER, 2001).
Em vista o alto consumo de café na Itália e de sua importância como fonte
econômica para o Brasil, este estudo foi conduzido com o objetivo de avaliar a
qualidade sensorial do caffè espresso produzido com grãos Brasileiro frente a grãos de
diferentes origens por parte de consumidores italianos.
2.
M ATERI AL E M ÉTODOS
2.1. Amostras
Foram avaliadas cinco diferentes amostras comerciais de café torrado,
amplamente utilizadas na preparação do caffè espresso italiano provindas de uma
mesma empresa, sendo estas, três monorigens e duas mesclas na qual uma era
descafeinada, conforme mostra a Tabela 2.
4
Tabela 2. Origens e tipos das amostras de cafés analisadas
Cód. Amostra
C01
C02
C04
Guatemala, Costa Rica,
El Salvador, Brasil,
Giava e Congo
Tipo
Arábico (Coffea arabica L.)
Arábico (Coffea arabica L.)
Mescla composta de 90% de
café Arábico e 10% de
Robusta (Coffea canephora)
Mescla composta de 90% de
café Arábico e 10% de
Robusta (Coffea canephora),
C05
Etiópia
Arábico (Coffea arabica L.)
C03
Origem
Brasil
Honduras
Guatemala, Costa Rica,
El Salvador, Brasil,
Giava e Congo
Descafeinado
2.2. Preparação das amostras
As amostras foram preparadas por um barista especialista, em cafeteira
profissional de caffè espresso, controlando temperatura da água (88 ± 2 º C) e pressão (9
± 1 atm). Os grãos de café foram moídos no momento da preparação da amostra (7
gramas ± 0,5). Foram servidos 25 mL de cada amostra em xícaras apropriadasa
temperatura de 67 ± 3 ºC.
2.3. Análise Sensorial
2.3.1. Teste de aceitação global
Este teste avaliou a aceitação global dos consumidores em relação aos produtos,
segundo a metodologia Stratus tasting (ODELLO, 2004). As amostras foram avaliadas
por 70 consumidores, italianos, sendo 54,3% mulheres e 45,7% homens, com faixa
etária entre 18 e 64 anos. Para este teste foi utilizada uma escala hedônica estruturada.
As descrições utilizadas foram: visiva, olfativa e gustolfativa. Os consumidores
5
atribuíram para cada percepção um valor de zero a nove. As amostras, não identificadas,
foram servidas de forma monádica, assim, cada amostra foi preparada no momento a ser
degustada. O teste foi realizado em uma cafeteria localizada na província de Milão Itália no período de agosto de 2009. Os resultados obtidos foram submetidos a
ANOVA (Análise de Variância Univariada) e a diferença significativa entre as medias
determinada pelo teste LSD de Fisher (least significant difference) não paramétrica, ao
nível de erro de 5,0%. As análises estatísticas foram realizadas utilizando os programas
Big Sensory Soft e STATISTICA versão 7.1.
3. RESULTADOS E DI SCUSSÃO
Antes de proceder à elaboração dos dados relacionados às amostras em
degustação foi verificada a compreensão dos parâmetros de avaliação por parte dos
consumidores. Para tanto foi utilizada a técnica estatística de análise de
correspondência, que permitiu representar em um espaço de duas dimensões a
capacidade discriminante dos consumidores, ou seja, a capacidade de atribuir notas
diferentes em percepções distintas (Figura 1).
6
Grafico 2D di Coord. di Colonna; Dimensione: 1 x 2
0,020
0,015
Me gustolf
0,010
0,005
Igp
0,000
Me visivo
-0,005
Me olfattivo
-0,010
Dimensione 2; Autovalore: ,00006 (2,834% di Inerzia)
-0,015
-0,08
-0,06
-0,04
-0,02
0,00
0,02
0,04
0,06
0,08
0,10
Dimensione 1; Autovalore: ,00223 (97,17% di Inerzia)
Figura 1. Análise de Correspondência dos descritores avaliados
Observa-se na Figura 1, que as duas dimensões do gráfico são responsáveis por
100% de explicação, sendo que 97,17% é devida a dimensão 1, onde as variáveis
(descritores) gustolfativo e visivo estão localizados de maneira oposta. Portanto, podese considerar que estes descritores possuem uma boa capacidade discriminante e que
estes são responsáveis pelas diferenças entre as amostras. Pode-se ainda, ressaltar que
na dimensão 1 os descritores olfativo e gustolfativo encontram-se próximos entre si e
distantes do visivo, como esperado, pois os descritores olfativo e gustolfativo
apresentam características sensoriais interligadas.
O descritor gustolfativo representa a principal característica do café e sua
pontuação relata a intensidade, qualidade e a complexidade da combinação de gosto e
aroma. Estas características são advindas principalmente do processo da torração, ou
seja, etapa onde os grãos de café passam por um aquecimento controlado. Neste
processo são desencadeadas uma série de reações exotérmicas formadoras do gosto e do
aroma do café (CORTEZ, 1996). Segundo Sivetz e Desrosier (1979), complexos
7
mecanismos bioquímicos encontram-se envolvidos na produção de características de
cor, sabor e aroma do café durante a torra, como as reações de Maillard, degradação de
Strecker, caramelização de açúcares, degradação de ácidos clorogênicos, proteínas e
polissacarídeos (ILLY; VIANI, 1996).
Importante mencionar que o processo de torra é o principal responsável pela
formação do gosto e aroma do café, no entanto os grãos utilizados neste processo deve
ser de alta qualidade, sem defeitos, principalmente microbiológicos e com propriedades
intrínsecas como aw, pH, açúcares dentre outros compostos em concentrações
adequadas para um processo de torra eficaz.
Segundo a análise de correspondência, observa-se na Figura 2 que é possível
caracterizar algumas amostras determinando a proximidade das mesmas aos descritores
utilizados. Nota-se que a amostra C01 (Brasil) caracteriza-se pela sensação gustolfativa,
a amostra C02 (Honduras) pela sensação visiva e a amostra C05 (Etiópia) pela sensação
olfativa.
Grafico 2D Coord. di Riga e Colonna; Dimensione:
1x 2
0,020
C01
Me gustolf
0,015
0,010
C03
0,005
Igp
0,000
Me visivo
C02
-0,005
C04
C05
Me olfattivo
-0,010
Dimensione 2; Autovalore: ,00006 (2,834% di
-0,015
-0,12
-0,08
-0,10
-0,04
-0,06
0,00
-0,02
0,04
0,02
0,08
0,06
0,10
Coord.Riga
Coord.Col.
Dimensione 1; Autovalore: ,00223 (97,17% di Inerzia)
Figura 2. Posicionamento dos cafés segundo análise de correspondência
8
Os resultados obtidos no teste de aceitação global (IGP), bem como a media de
cada descritor avaliado, encontram-se na Tabela 3, na qual se observa que o caffè
espresso preparado com a mescla composta de 90% de café Arábico e 10% de Robusta
(C03) foi o melhor avaliado. O caffè espresso preparado com grãos somente de origem
Brasileira foi o que recebeu a pior avaliação por parte dos consumidores italianos (IGP=
4,72). No entanto, não foi observada uma distinção significativa entre a amostra
preparada com grãos Brasileiros daquela preparada com grãos provenientes da Etiópia,
em nenhum dos descritores avaliados (Tabela 3).
Tabela 3. Valores médios da análise sensorial do caffè espresso
Cód. Amostra
M edia visivo
M edia olfativo
M edia
I GP
gustolfativa
C01
4,76ª
4,81ª
4,60ª
4,72
C02
7,21b
5,83b
5,74b
6,26
b
b
b
C03
7,44
6,34
6,26
6,68
C04
6,97b
6,49b
6,04b
6,50
C05
4,47ª
5,30ª
4,56ª
4,78
Médias com letras diferentes em uma mesma coluna diferem significativamente entre si (p<
0,05)
Observa-se também na Tabela 3 que as amostras C02, C03 e C04 não
apresentaram diferenças significativas entre si.
A exigência do consumidor esta crescendo, assim como o consumo de caffè
espresso, seguindo uma tendência mundial pela busca de cafés superiores. Segundo
Pinto et al. (2002), o preparo deste tipo de café exige grãos de alta qualidade, com
aroma e sabores intensos. Sendo assim, é indispensável à adoção de um padrão de
qualidade da bebida, o que pode ser conseguido a partir do seu preparo com cafés de
qualidade que garantam um produto final superior para o consumidor.
De fato somente um tipo de café não é capaz de dar um expresso com todas as
características desejadas, ou seja, gosto harmônico, aroma rico e corpo. Segundo o
Istituto Internzionale Assaggiatori Caffè - IIAC (2009), para alcançar todas essas
desejadas características o espresso deve ser preparado com diferentes tipologias de
9
café (7 a 13 tipologias diferentes), o que vem de acordo com os resultados observados
neste estudo onde a amostra C03 foi a que obteve o maior valor de IGP.
4. CONCLUSÃO
Conforme o resultado da analise sensorial o caffè espresso preparado com grãos
Brasileiros foi o que obteve o pior IGP por parte de consumidores italianos, não
diferindo significativamente do preparado com grãos provenientes da Etiópia. Este
resultado demonstra que para aumentar seu IGP e assim ampliar as vendas no mercado
internacional o café brasileiro necessita melhorar sua qualidade, adotando práticas
adequadas de pré e pós-colheita, que garantam ao grão as características sensoriais
desejados no mercado italiano.
10
REFERÊNCI AS
ANDROCIOLI, A. et al. Caracterização da qualidade de bebida dos cafés produzidos
em diversas regiões do Paraná. In: SI M PÓSI O DA PESQUI SA DE CAFÉS DO
BRASI L, 3., 2003, Porto Seguro. Anais. Brasília: Embrapa Café, 2003. p. 256-257.
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CORTEZ, J. G. M elhoramento da qualidade do café: influência de sistemas de
produção e processamento sobre algumas características da bebida. 1996. 57p.
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HARPER, R.; LAND, D. G.; GRIFFITHS, N. M.; BATE-SMITH, E. C. I n Coffee
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11
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ODELLO, L. L`Assaggio: Analisi Sensoriale, l`approccio facile. Brescia: Centro Studi
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PINTO, N.A.V.D. et al. Avaliação dos polifenois e açucares em padrões de bebida do
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SIVETZ, M.; DESROSIER, N.W. Coffee technology. Westport: Avi, 1979. 716p.
SIVETZ, M.; FOOTE, H. E.; Bebidas. Tecnología, Química y M icrobiología; Acribia
S. A., Zaragoza, 1997; p. 198.
12
Análise da Precipitação anual da Cidade de Cabaceiras ± PB.
Janduir Silva Freitas Filho (1)
Jancerlan Gomes Rocha(2)
Aécio Germano de Oliveira(3)
(1)
Engenheiro Civil pela Universidade Federal da Paraíba. Mestrando em Engenharia Civil na área
de Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Pernambuco.
(2)
Geógrafo e licenciado em Geografia pela UFPB. Tecnólogo em Geoprocessamento pelo CEFETPB. Mestrando em Ciência Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação pela UFPE.
(3)
Engenheiro Agrônomo pela UFPB, especialização em Gestão Ambiental pela ENAP de Brasília e
Coordenador do Setor de Resíduos Sólidos da Superintendência de Administração do Meio Ambiente
(SUDEMA-PB).
RESUM O
O presente trabalho apresenta um estudo da variação temporal da precipitação pluvial da
cidade de Cabaceiras, Paraíba. Foi analisada uma serie histórica de 15 anos de precipitação no
período de 1994 a 2008. Os dados foram submetidos a analise estatística como Média, Desvio
padrão, Curtose, Assimetria, Mínimo, Máximo, Nível de confiança, Coeficiente de Variação.
O resultado apresentou uma média de 342,79 mm por ano e desvio-padrão 94,02 mm e
coeficiente de variação de 27,43%, Curtose 0,19; Assimetria 0,07; Mínimo 154,50; Máximo
501,00; Nível de confiança (95,0%) 52,07. O intervalo normal de precipitação variou de 259,2
mm a 379,0 mm correspondendo aos anos de 1995, 1996 e 2001 a 2008.
PALAVRAS-CHAVE: Precipitação, variação temporal, Cabaceiras.
ABSTRACT
This paper presents a study of the temporal variation of rainfall Cabaceiras city, Paraíba. We
analyzed a series of 15 years of historical rainfall in the period 1994 to 2008. The data were
subjected to statistical analysis as Mean, standard deviation, kurtosis, asymmetry, minimum,
maximum, level of confidence, Coefficient of Variation. The result showed an average of
342.79 mm per year and 94.02 mm standard deviation and coefficient of variation of 27.43%,
0.19 Kurtosis, Skewness 0.07, 154.50 Minimum, Maximum 501.00; confidence level (95.0%)
52.07. The normal range of precipitation ranged from 259.2 mm to 379.0 mm corresponding
to the years 1995, 1996 and 2001 to 2008.
KEY WORDS: precipitation; temporal variation; Cabaceiras.
I NTRODUÇÃO
A precipitação é entendida em hidrologia como toda água proveniente do meio
atmosférico que atinge a superfície terrestre (TUCCI, 2009). Umas das formas da precipitação
é em forma de chuva e por sua capacidade para produzir escoamento, a chuva é o tipo de
precipitação mais importante para a hidrologia. A precipitação é o principal mecanismo de
reposição de água no solo para o restabelecimento dos recursos hídricos em bacias
hidrográficas.
A precipitação além de caracterizar o clima de uma região é uma importante área de
estudo para as atividades humanas. A disponibilidade de precipitação no ano, por exemplo,
para uma região tem aspectos socioeconômicos importantes como a necessidade de irrigação
de culturas e abastecimento de água doméstica e industrial.
Os registros dos índices pluviométricos são de bastante interesse na engenharia, pois é
de fundamental importância na elaboração do planejamento e gerenciamento dos recursos
hídricos de uma região e essenciais para o adequado dimensionamento de obras hidráulicas,
entre outros.
Situações de ocorrências extremas, como chuvas freqüentes ou muito intensas, podem
provocar erosão do solo, inviabilizar safras, atrasar colheitas e até mesmo ocasionar
problemas de ordem fitossanitários nas culturas, acarretando a redução da produtividade
agrícola e aumento do custo de produção. Da mesma forma, situações opostas, como
veranicos ou mesmo períodos secos prolongados podem inviabilizar a produção (BEGA,
2003).
Quanto ao planejamento urbano, a distribuição espacial e temporal de chuvas é
importante, pois permite às prefeituras municipais se prevenirem das enchentes,
dimensionarem corretamente as galerias de águas pluviais, e também, prepará-las para
eventuais problemas de abastecimento de água. O conhecimento da possibilidade de
ocorrências extremas de chuvas é ponto chave para as campanhas de prevenção da Defesa
Civil nas áreas urbanas de maior risco (BEGA, 2003).
Salgueiro (2005) cita que a ocupação inadequada do solo nas bacias hidrográficas e a má
utilização desse bem no ambiente natural, em conjunto com outros fatores ligados à urbanização e
industrialização, vêm provocando alterações climáticas, afetando diretamente o balanço hídrico,
com repercussão em ocorrências de secas e inundações inesperadas, seguidas de prejuízos às
populações e aos governos em várias escalas econômicas e sociais.
Fenômenos climáticos modificam o comportamento do ciclo hidrológico de uma
região. Fenômenos naturais como El Niño que diminui o índice de precipitação e atrás a
ocorrência de secas na região nordestina, La Niña que aumenta as chuvas na região nordeste e
trás temperaturas abaixo do normal para o verão na região sudeste do Brasil e o efeito estufa
que aumenta a temperatura e conseqüentemente a evaporação, que, junto a outros fatores,
pode aumentar a precipitação em umas regiões e diminuir em outras.
Por tanto, faz-se necessário estudar e analisar a distribuição temporal anual da
precipitação.
2.
OBJETI VOS
Analisar a série histórica da precipitação no período de 1994 a 2008 da cidade de
Cabaceiras.
3.
REVI SÃO BI BLI OGRÁFI CA
Silva et al (2003) analisou o comportamento temporal das chuvas mensais em Uberaba
- MG, utilizando-se séries das precipitações pluviais mensais e anuais de 1914 a 2000
retiradas da Estação Climatológica de Uberaba ± Estação Experimental Getúlio Vargas. O
estudo da variabilidade temporal foi realizado por meio de semivariânças e verificou-se uma
tendência à normalidade nos meses correspondentes ao período de outubro a março e
assimetria no período de abril a setembro. Silva et al (2003) conclui que a precipitação mensal
e anual apresentou dependência temporal fraca ou não apresentou dependência temporal, para
a série estudada.
Nimer (1979), comparando os agrupamentos de máximos percentuais de contribuição
pluviométrica de meses consecutivos com os totais anuais das Zonas da Mata, Agreste e
Sertão do estado de Pernambuco, verificou uma enorme desvantagem do regime de
precipitação do sertão semi-árido: além do sertão possuir totais anuais muito inferiores aos da
Zona da Mata, seu regime anual é muito mais concentrado em poucos meses.
Oliveira et al (2006) estudou a variabilidade temporal da precipitação referentes ao
período 1961-2000 dos municípios de Cabrobó, Garanhuns e Triunfo, localizadas no estado
do Pernambuco. A avaliação das tendências de precipitação foi realizada em subperíodos de
1961-1970, 1971-1980, 1981-1090 e 1991-2000. Constatou-se diminuição da precipitação
média anual na última década (1991-2000) em todas as estações estudadas, com o mínimo de
67,0 mm em Cabrobó. Os meses que mais contribuíram para a diminuição da precipitação na
última década (1991-2000) foram março, abril e dezembro em Cabrobó; fevereiro, março e
abril em Garanhuns e fevereiro, março, abril e maio em Triunfo. Conclui-se que no período
1961-2000 houve diminuição da precipitação de até 11,8 mm, em relação a média histórica,
no Estado do Pernambuco, e que a mesma é influenciada por fenômenos atmosféricos e
oceânicos, podendo ainda ter a influência da urbanização, degradação do meio ambiente,
industrialização e outros fatores que possam causar alterações também em outros elementos
meteorológicos.
A dificuldade de series histórica continua de índices pluviométricos é um problemas
para a elaboração dos projetos na área de recursos hídricos. Isso é devido baixa quantidade de
estações meteorológicas aliados com os problemas dos aparelhos de coleta e a ausência do
operador em determinadas épocas do ano. Santos et al. (2001) afirmam que a densidade e
distribuição de estações em uma rede e a freqüência de observação necessária dependem da
variabilidade temporal e espacial das variáveis hidrológicas ou meteorológicas a serem
observadas.
Para uma análise estatística dos dados de precipitação é necessário primeiro fazer um
preenchimento de possíveis falhas intrínsecas ao processo coleta de dados. Um dos métodos
mais consolidados na literatura para preenchimentos de falhas e consistência de dados é o
Método do Vetor Regional.
Com uma série histórica de precipitação total anual de 22 anos Oliveira et al (2010)
fizeram uma análise comparativa entre os métodos de preenchimento de falha de 6 estações
pluviométricas localizadas no Estado de Goiás. Foram avaliados os desvios relativos entre os
valores observados e os estimados pelos métodos empregados. Concluíram que o houve
melhoras de resultados através do Método do Vetor Regional sobre tudo quando este era
combinado com outras metodologias.
Keller Filho et al (2005) na procura para identificar regiões homogêneas quanto à
distribuição de probabilidade de chuvas utilizou como uma das ferramentas o vetor regional
para ausência de erros, completude e consistência do dados pluviométricos.
4.
M ETODOLOGI A
A cidade de Cabaceiras, situada na mesorregião Borborema, no estado da Paraíba,
ocupa uma área territorial de 452,92 km e está localizado nas coordenadas geográficas
ODWLWXGHž¶´6ORQJLWXGHž¶¶¶:HDOWLWXGHGHP Segundo o IBGE 2010 a
cidade registrou uma população de 5.035 habitantes o que resulta numa densidade
demográfica de 11,12 hab/km . O município possui um do menores índices de chuvas da
região por está situado na área geográfica do semi-árido, caracterizado pela baixa umidade,
alto índice de aridez, elevado taxa de evapotranspiração e secas.
A série histórica estudada da precipitação foi do período de 1994 a 1998. Os dados
foram disponibilizados pela SUDEMA (Superintendência de Administração do Meio
Ambiente) órgão responsável pela execução e gestão ambiental no estado da Paraíba.
Com os dados inicias das precipitações devem-se analisar possíveis falhas ou erros
grosseiros ocorridos por problemas no aparelho de registro e no operador do posto. Entre os
possíveis erros podem ser citados, preenchimento dos dados na caderneta, soma errada do
número de preenchimento do volume da proveta, valor estimado pelo observador, danificação
do aparelho, defeito elétrico ou mecânico no registrador.
Além do preenchimento de falhas deve-se fazer uma analise de consistência dos dados
dentro de uma visão regional para comprovar o grau de homogeneidade dos dados disponíveis
do posto em estudo com os postos vizinhos. Um das técnicas tanto para o preenchimento de
falhas como para a analise de consistência é o método do vetor regional para séries mensais e
anuais.
O método do vetor regional foi desenvolvido por Hiez (1977, 1978), e consiste em
determinar dois vetores ótimos L e C cujo produto é uma aproximação da matriz P
precipitação. O vetor C é uma matriz linha que representa os coeficientes característicos dos
postos de observação e o vetor regional L é uma matriz coluna que representa uma região e
que estão relacionados com a precipitação em cada posto através do vetor C.
O vetor regional é definido como uma série cronológica, sintética, de índices
pluviométricos anuais (ou mensais), extraídos por um método de máxima verossimilhança da
informação contida nos dados de um conjunto de estações agrupadas regionalmente.
As series foram analisados estatisticamente utilizando-se a distribuição de freqüência,
medidas de tendência central, dispersão e distribuição normal de probabilidade.
5.
RESULTADOS
O presente trabalho analisou a variabilidade da precipitação pluvial nos anos 1994 e
2008 na cidade de Cabaceiras. A cidade encontra-se numa região de baixa pluviosidade do
estado da Paraíba apresentando uma média de 342,79 mm por ano e desvio-padrão 94,02 mm
e coeficiente de variação de 27,43%. A figura 1 mostra a seguir os totais anuais de
precipitação.
Precipitação Cabaceiras (1994-2008)
600,0
Precipitação (mm)
500,0
400,0
300,0
200,0
100,0
0,0
Tempo (anos)
Figura 1 ± Precipitação anual de Cabaceiras.
A série histórica apresentou uma variação de precipitação de 154,5 mm a 501,0 mm
anuais. Chuvas menores de 500 mm anuais são consideradas baixas. A tabela 1 a seguir
mostra os resultados da analise estatística feitas para os totais anuais de precipitação
observados durante 15 anos.
Tabela 1 ± Dados estatísticos dos totais anuais de precipitação.
Precipitação Anual
Média
Erro padrão
Mediana
Modo
Desvio padrão
Variância da amostra
Curtose
Assimetria
Intervalo
Mínimo
Máximo
Soma
Contagem
Nível de confiança (95,0%)
Coeficiente de Variação
342,7933
24,2752
335,1000
#N/D
94,0173
8839,2607
0,1883
0,0728
346,5000
154,5000
501,0000
5141,9000
15,0000
52,0651
0,2743
O estudo revelou que ocorreram 10 anos de período normal de chuva que
correspondem aos anos de 1995, 1996 e 2001 a 2008, onde registraram uma pluviometria
mínima de 259,2 mm e máxima de 379,0 mm. Os períodos chuvosos da cidade foram 1994,
1997 e 2000, onde registraram pluviometria de 501,0 mm, 463,3 mm e 495,2 mm,
respectivamente. Os períodos considerados secos foram os anos de 1998 e 1999, com
registros de pluviometria de 154,5 mm e 238,8 mm, respectivamente. Em 1998 ocorreu um
fenômeno climático chamado El Niño, que é uma mudança climática caracterizado por
períodos de tempos com baixo índice de chuva, o que corrobora os dados apresentados pelo
presente estudo.
Os dados de pluviometria ainda foram ajustados a uma função distribuição normal de
probabilidade a fim de se determinar a freqüência de chuva do local, a figura 2 a seguir
mostra a freqüência acumulada de excedência.
Frequência acumulada de excedência
120,00
Frequência (% )
100,00
80,00
60,00
40,00
20,00
0,00
0
50
100
150
200
250
300
350
Precipitaçao anual (mm)
400
450
500
550
Figura 2 ± Freqüência de excedência de chuva.
Num ano qualquer a probabilidade de ocorrer uma precipitação maior igual a 259,2
mm é de 81,30% e de 35,01% de ocorrer uma precipitação maior 379,0 mm.
Foi feito ainda uma analise temporal anual da precipitação para ciclos de 5 anos de
chuva. A tabela 2 mostra a análise estatística por ciclos e a figura 3 mostra a precipitação
anual por ciclos.
Precipitação anual
600,0
Precipitação (mm)
500,0
400,0
1994-1998
300,0
1999-2003
200,0
2004-2008
100,0
0,0
1
2
3
Tempo (ano)
4
5
Figura 3 ± Precipitação anual por ciclos de chuva.
Tabela 2 ± Ciclos de chuva de 5 anos.
Ciclos de chuvas de 5 anos
1994-1998
1999-2003
346,66
346,62
M édia
64,06
41,43
Erro padrão
355,30
335,10
M ediana
143,24
92,64
Desvio padrão
20518,77
8582,16
Variância da amostra
-1,54
2,57
Curtose
-0,35
1,06
Assimetria
346,50
256,40
I ntervalo
154,50
238,80
M ínimo
501,00
495,20
M áximo
1733,30
1733,10
Soma
5,00
5,00
Contagem
177,86
115,03
Nível de confiança (95,0% )
0,41
0,27
Coeficiente de Variação
2004-2008
337,83
23,72
342,10
47,45
2251,16
-5,27
-0,13
90,90
288,10
379,00
1351,30
4,00
75,50
0,14
Os anos de 1994 a 1998 corresponderam a um período de precipitação mais irregular
apresentando um desvio-padrão de 143,24 mm e um coeficiente de variação de 41%,
enquanto o período de 2004 a 2008 apresentou um período mais distribuído regularmente com
um desvio-padrão de 47,45 mm e coeficiente de variação de 14%.
6. CONCLUSÕES
O presente trabalho discutiu a variabilidade temporal anual da precipitação da cidade
de Cabaceiras no estado da Paraíba. Constatou-se que houve uma variação temporal de
precipitação significativa.
A cidade de Cabaceiras se encontra numa região do estado da Paraíba de baixa
pluviosidade com uma média de 342,79 mm por ano e desvio-padrão de 94,02 mm com uma
probabilidade de um ano chuvoso acima dos 501,00 mm de 4,62%.
A série de 15 anos de chuvas mostrou uma variação temporal maior nos 5 primeiros
anos, alternando entre anos chuvosos a secos, enquanto nos anos de 2004 a 2008 apresentou
anos normais de chuva.
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M arketing Ambiental: das organizações à sustentabilidade.
Natália Sanchez Molinaa, c,
Tiago Balieiro Cetruloa, c
Tadeu Fabrício Malheirosb, c
a Grupo
de Pesquisa em Ciências Ambientais - GPCA , Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC
Núcleo
de Estudos em Políticas Ambientais, Escola de Engenharia de São Carlos, USP
b
Grupo
de
Pesquisa
SIADES - Sistema de Informações Ambientais para o Desenvolvimento Sustentável.
c
RESUM O
Neste artigo são apresentadas considerações e reflexões sobre a funcionalidade do conceito de
marketing ambiental como complemento à busca do desenvolvimento sustentável, feitas a partir de
discussões sobre os princípios e abordagens do marketing ambiental, das estratégias de marketing e
do esverdeamento do marketing mix das organizações. Os principais resultados dessas discussões
giram em torno da explicitação das contribuições do marketing ambiental nas inter-relações
empresa-sociedade, empresa-meio ambiente, e sociedade e meio ambiente, baseado na mudança em
direção às perspectivas de um marketing ambiental de caráter mais holístico.
PALAVRAS CHAVE:
Marketing
e
desenvolvimento
sustentável;
Gestão
Ambiental;
Sustentabilidade.
ABSTRACT
In this paper are presented considerations and reflections on the functionality of this concept of
green marketing as a complement to the pursuit of sustainable development, made from discussions
on the principles and approaches of environmental marketing, marketing strategies and the greening
of the marketing mix of the organizations. The contributions of environmental marketing go beyond
the business-society and company-environment inter-relations, and also provide an improvement in
the inter-relationship between society and environment, based on the change in the direction of
more holistic prospects of the environmental marketing.
KEY
WORDS:
Sustainability.
Marketing and
sustainable
development;
Environmental
management;
I NTRODUÇÃO
A origem do marketing ambiental acompanhou a evolução dos movimentos ambientalistas
das décadas de 70 e 80. Nesse início, as questões e os problemas ambientais eram vistos pelo
marketing somente pelo prisma dD³FDXVD´DPELHQWDOdos consumidores.
Com seu amadurecimento, o marketing ambiental, mudou o foco para responder aos
problemas sociais e ambientais visando manter a legitimidade das empresas em face da mudança de
valores sociais e de um crescente movimento de consumidores. Essa legitimação permitiu a
integralização do marketing ambiental com as políticas das corporações.
Porém, nessas duas últimas décadas está ocorrendo mudanças no campo da essência do
marketing: de estudos mais técnicos, como identificação de comportamentos de consumo verde e
estabelecimento de quadros de segmentação (micromarketing) para uma verdadeira mudança de
paradigma do marketing clássico (macromarketing) e dos padrões sociais dominantes (Crane,
2000).
Essa nova concepção de marketing "ambiental" é totalmente inédita, sendo considerada até
como um novo conceito de marketing. A sua ligação com o marketing tradicional está somente na
utilização de técnicas e procedimentos consagrados. Há, portanto, uma evolução da antiga
concepção de marketing ambiental, que não deixava de ser somente o marketing tradicional mais
abrangente, onde os aspectos ambientais eram considerados como uma forma potencial de melhorar
o desempenho financeiro e de crescimento da empresa.
Em outras palavras, o princípio das teorias e práticas do marketing ambiental se deu no
sentido de inserir a variável ambiental nas atividades do marketing tradicional e agora a tentativa,
pelo menos teórica, é de utilizar as atividades de marketing na busca pelo desenvolvimento
sustentável.
O trabalho objetiva, portanto, apresentar considerações e reflexões sobre a funcionalidade
do marketing ambiental para as empresas e, principalmente, na busca da sustentabilidade a partir de
discussões sobre os princípios e abordagens do marketing ambiental, das estratégias de marketing e
do esverdeamento do marketing mix das organizações.
M ARKETI NG X M ARKETI NG AM BI ENTAL
As atividades de marketing ambiental estão vinculadas às organizações que buscam associar
sua imagem corporativa ou de marca a uma ética socioambiental (Nascimento, 2008). Assim, o
marketing verde é uma ferramenta estratégica capaz de proteger e sustentar a imagem de uma
empresa, projetando uma nova visão para o mercado e enfatizando seu diferencial ambiental junto à
sociedade, fornecedores e funcionários.
Ottman (1994) indica duas principais diferenças entre o marketing e o marketing verde,
advindos de seus próprios objetivos:
9 Mudança para desenvolvimento de produtos que também tenham compatibilidade
ambiental, ou seja, exerçam um impacto mínimo sobre o ambiente (visão conservadora de
marketing ambiental);
9 Adicional de posicionamento, através da projeção de uma imagem de alta qualidade,
incluindo sensibilidade ambiental, quanto aos atributos de um produto e quanto ao registro de
trajetória de seu fabricante, no que se refere ao respeito ambiental.
De forma mais completa, o quadro 1 mostra as principais diferenças entre o marketing e o
marketing ambiental para uma corporação:
Quadro 1: Comparação entre marketing tradicional e marketing ambiental.
MARKETI NG
MARKETI NG AMBI ENTAL
Orientação Corporativa
Foco nas necessidades do consumidor e
stakeholders.
Inserção das questões ambientais no
processo de decisão.
Produto ou Serviço
Quaisquer bens tangíveis, intangíveis
(serviços), experiências, lugares,
organizações, informações, ideias, entre
outros.
Ponderação das questões ambientais
no desenvolvimento de produtos ou
fornecimento de serviços.
Mercado Consumidor
As variáveis dos "4 P's" devem ser
adequadas às necessidades dos
consumidores.
Esverdeamento dos "4 P's".
Fonte: Baseado em Ottman (1994), Giacomini Filho (2004) e Kotler (2000).
De qualquer forma o marketing ambiental tem suas origens e está contido no marketing
social, que pressupõe a satisfação do consumidor, da organização e da sociedade, de forma a manter
ou melhorar o bem estar social (Kotler e Lee, 2004). Porém, para Peattie e Charter (2003), o
marketing ambiental pode exceder o social em cinco abordagens específicas:
9 Ênfase na sustentabilidade do processo, ou seja, inserção da variável ambiental na tríade
produção-comercialização-consumo;
9 Visão mais holística da relação economia, sociedade e meio ambiente;
9 Perspectiva de melhoria contínua, ou seja, além de longo-prazo (que tem um fim
temporal);
9 Visão do meio ambiente não de forma utilitarista para o bem estar social, mas sim, de
valor intrínseco;
9 Preocupações com problemas de abrangência global.
ABORDAGENS DO M ARKETI NG AM BI ENTAL
Segundo Giordano (2000), para as empresas que optam pelo marketing verde, o cuidado
com o meio ambiente significa não só uma responsabilidade no desenvolvimento do negócio, mas
uma oportunidade de crescimento do negócio. Ainda segundo o autor, trata-se da inserção de uma
nova variável, o meio ambiente, na estratégia de gerenciamento da organização.
Muitos são os termos utilizados para denominar a inserção da variável ambiental nas
práticas de marketing, dentre eles: marketing ecológico, marketing ambiental, marketing verde, ecomarketing e marketing sustentável (McKenzie e Soares, 2007; Dias, 2008), porém para o presente
trabalho todos serão tratados como sinônimos.
Para Polonsky (1994), o marketing ambiental consiste nas atividades planejadas para gerar e
facilitar trocas voltadas a satisfazer as necessidades e desejos humanos, de modo que a satisfação
dessas necessidades e desejos ocorra com o mínimo de impacto sobre o meio ambiente.
Peattie (1992; 1995) afirma que o marketing verde refere-se à priorização de aspectos
ambientais nas decisões de marketing, ou ainda, segundo o mesmo autor (1999) o marketing verde
deve satisfazer dois objetivos: melhora da qualidade ambiental e satisfação dos consumidores.
Coddington (1993) entende que o marketing ambiental faz parte de um processo muito mais
complexo de mudança de postura da organização e de perspectiva na forma de fazer negócios, pois
exige responsabilidade e compromisso ambiental da empresa como um todo.
Peattie e Charter (2003) definem marketing ambiental como um processo holístico de gestão
responsável por identificar, antecipar e satisfazer as necessidades dos consumidores e da sociedade,
de forma rentável e sustentável.
Ottman (1994) ressalta que não basta que as empresas comuniquem produtos verdes, mas é
preciso que elas se tornem verdes, o que pressupõe uma mudança na cultura corporativa.
Aparentemente as abordagens supracitadas de marketing ambiental são iguais, porém se
analisadas de forma mais profunda, algumas diferenças podem ser notadas e que apesar de
parecerem bem sutis e insignificantes, do ponto de vista da função do marketing ambiental na busca
da sustentabilidade, elas são essenciais.
Ou seja, existe uma sutil diferença nessas definições que está intimamente ligada às
diferentes abordagens (quadro 2) de marketing ambiental, que são determinadas, principalmente,
pela contextualização de onde a empresa está inserida e pela cultura organizacional. De forma
generalista, essas abordagens representam a magnitude de como a questão ambiental está sendo
internalizada pelo processo de marketing, e, além disso, pela organização como um todo.
As características dessas abordagens refletem nas empresas mudanças, principalmente, com
relação ao a) posicionamento do marketing ambiental na estrutura hierárquica da empresa, b) às
mudanças no marketing mix ocasionadas pelas atividades do marketing ambiental e c) finalmente
na relação entre as atividades de gestão e marketing ambiental.
As diferenças de abordagens apresentadas no quadro 2 são bastante significativas, se
considerarmos a função do marketing ambiental na busca pela sustentabilidade, ou seja, há uma
JUDGDomR TXH YDL GH XP PDUNHWLQJ DPELHQWDO ³PHQRV VXVWHQWiYHO´ DERUGDJHP SRQWXDO SDUD XP
PDUNHWLQJDPELHQWDO³PDLVVXVWHQWiYHO´DERUGDJHPKROtVWLFD(ssas abordagens estão intimamente
ligadas à postura ambiental das empresas e ao foco tático/estratégico11 que a função ambiental deve
exercer no processo de marketing.
Quadro 2: Abordagens de marketing ambiental.
Abordagem
Holística
I ntegrada
Pontual
Características
Estrutura hierárquica
M arketing M ix
Relação com a gestão
ambiental
Hierarquia bem
Abordagem não é
Marketing ambiental
definida: estratégias do
Ênfase na integração
baseada no marketing define os objetivos para
marketing ambiental
dos aspectos
mix. O esverdeamento
a gestão do negócio,
definem os objetivos
ambientais nos valores
dos "P's" é
assim como coordena as
para a gestão do negócio
da organização.
consequência de uma
ações de gestão
e para o planejamento
postura.
ambiental.
estratégico.
Sem hierarquia bem
definida: a estratégia de
marketing ambiental é
baseada nos 4 P's.
Esverdeamento dos 4
P's internos e inserção
dos 4 P's externos.
Totalmente integrados:
marketing ambiental e a
gestão ambiental são
sinérgicos e envolvem
as mesmas questões.
Não há hierarquia: as
estratégias de marketing
O ponto de partida do
ambiental são definidas
marketing ambiental é
conforme a necessidade
a política do produto.
de um elemento do
marketing mix.
Esverdeamento de
apenas um elemento
do marketing mix
tradicional, que deve
ser modificado ou
completado para
cobrir os aspectos
ambientais.
Marketing ambiental
está inserido no
contexto de gestão
ambiental da
organização.
Fundamentada numa
mudança de postura
ambiental.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Assim, os objetivos ambientais têm maior probabilidade de serem alcançados ao se
integralizar, cada vez mais na empresa, uma abordagem de marketing ambiental mais holística,
baseada: a) numa postura ambiental fundamentada em mudanças de valores das organizações e
menos baseada na função mercantilista do marketing ambiental de promover produtos a qualquer
custo e b) numa estratégia de posicionamento ambiental.
Nesse contexto Peattie (1995) defende que, teoricamente, ou seja, mais próximo de uma
visão holística, as principais características do marketing ambiental são:
9 Abordagem equilibrada entre os aspectos sociais, tecnológicos, econômicos e físicos
das empresas e da sociedade;
1
Menon e Menon (1997) propõem uma classificação de marketing ambiental em tático, quase-estratégico e estratégico.
9 Ênfase na melhoria contínua do processo de desenvolvimento sustentável com caráter
mais qualitativo; ao invés da ênfase no curto prazo com caráter mais quantitativo;
9 Uma abordagem holística que visa inverter a teoria anterior e a prática dos negócios
baseadas no reducionismo e no fragmentalismo;
9 Consideração dos consumidores como seres humanos reais, e não como uma hipotética
HQWLGDGHGH³UDFLRQDOLGDGHHFRQ{PLFD´
9 Ênfase no atendimento das reais necessidades dos consumidores, ao invés de estimular
desejos superficiais;
9 Reconhecimento de que os consumidores e a sociedade têm múltiplos e conflitantes
desejos e necessidades;
9 Visão de que a empresa e todas as suas atividades são parte do 'produto' que é
consumido;
9 Reconhecimento de que a economia de grande escala baseada em grandes distâncias
entre o local de produção e o local de consumo não é sustentável, e que no futuro, economias locais
e pequenas serão soluções importantes;
9 Adoção do conceito de eco-desempenho que incorpora as saídas não comercializáveis
da empresa. Ou seja, o desempenho do produto contempla a criação de mercados e comercialização
(compra e venda) de sub-produtos em todas as partes da cadeia de abastecimento;
9 Busca de valor agregado de virtude do socioambiental e técnico-econômico.
BENEFÍ CI OS PARA AS EM PRESAS
Considerando os conceitos acima, de forma bastante funcional, o marketing ambiental
consiste na análise, no planejamento, na implantação, e no controle de programas destinados a criar,
desenvolver e manter trocas com as necessidades, demandas e desejos de uma população-alvo,
aliando a isso os interesses da organização (lucro) e do meio ambiente (proteção e promoção de um
meio ambiente sadio).
Se manejadas com sucesso, essas funções irão garantir às empresas vários benefícios, com
destaque para os citados por Polonsky (1994):
9 Incremento de rendimentos e ganhos de competitividade, advindos da: satisfação dos
stakeholders22; inserção de processos e atividades mais eficientes; melhora da imagem corporativa
ou marca; abertura de novos mercados.
9 Facilidades na obtenção de recursos de bancos ou outras instituições financeiras.
9 Diminuição da pressão de órgãos ambientais governamentais.
9 'LPLQXLomRGHSUHVVmRGH21*¶VHVRFLHGDGHHPJHUDO
A COM PETI TI VI DADE E O ESVERDEAM ENTO DAS EM PRESAS
A magnitude da importância do marketing ambiental para uma empresa ± do ponto de vista
de competitividade ± GHSHQGHSULQFLSDOPHQWHGHGRLVIDWRUHVD³FRQFRUUrQFLDHFROyJLFD´GHRQGH
ela está inserida, ou seja, se há outras empresas do mesmo nicho desenvolvendo práticas ambientais
e b) presença de demanda por produtos ambientais. Portanto, esses dois fatores determinam as
barreiras e oportunidades (figura 1) que uma empresa pode ter ao adotar práticas de marketing
ambiental (Gurau e Ranchhod, 2005).
Figura 1: Competitividade do marketing ambiental.
Fonte: Adaptado de Gurau e Ranchhod (2005).
2
a) aos acionistas, maiores rendimentos; b) à sociedade e consumidores, bem estar social e benefícios ambientais dos
produtos e serviços da empresa; c) aos funcionários, bem estar e satisfação de participar de um projeto que promova
melhorias para o meio ambiente e para a sociedade.
Num contexto onde há alta demanda por produtos ambientais e poucas empresas que
oferecem esse tipo de produto ou serviço, ou seja, há uma baixa concorrência ecológica,
caracteriza-se um cenário no qual o marketing ambiental possui grande oportunidade de benefícios.
Nesse caso, a empresa pode desenvolver uma campanha de marketing ambiental agressiva, com
base em liderança ambiental de fácil alcance. Isso devido às características inerentes do cenário de
garantir diferenciação de preço e qualidade.
1RFRQWH[WRGH³DOWRGHVDILRSRUEHQHItFLRV´KiXPDQHFHVVLGDGHGHDOWRVLQYHVWLPHQWRVH
para tanto são necessários estudos completos sobre a rentabilidade da campanha de marketing e da
melhor diferenciação a ser buscada para um incremento de competitividade.
1D EDL[D GHPDQGD SRU SURGXWRV DPELHQWDLV H EDL[D FRQFRUUrQFLD ³HFROyJLFD´ HQWUH DV
empresas se forma um cenário onde as oportunidades do marketing ambiental se dão de forma
bastante específica por nichos de consumidores. Nesse cenário altos investimentos podem não ser
vantajosos e a diferenciação se alcança através do atendimento à demanda e anseios desse nicho
específico.
1RFHQiULR³PHUFDGRVDWXUDGR´GRSRQWR GHYLVWDGHFRPSHWLWLYLGDGHQmRpYDQWDMRVRWHU
atividades de marketing ambiental.
Quadro 3: Estratégias de marketing ambiental
CARACTERÍ STI CAS
ESTRATÉGI CO
QUASE ESTRATÉGI CO
TÁTI CO
Escopo da estratégia
Corporativa
Negócio
Funcional
Local da decisão
Alta gestão
Gerentes de negócios
Gestores de marketing e
produto
Foco da decisão
Cadeia
Empresa
Comercialização
Princípios da
responsabilidade social
Responsabilidade social
Resposta às demandas
sociais
Obrigações sociais
Orientação
Conservacionismo e
sustentabilidade
Ambientalismo
Não é evidente
I nvestimentos
Alto e visível
Baixo e visível
Baixo e invisível
Fonte: Menon e Menon (1997).
Dependendo do cenário que se apresenta às empresas, elas podem assumir diferentes
estratégias de marketing ambiental na tentativa de maximizar as oportunidades dispostas e de
minimizar as barreiras aparentes, sendo que Menon e Menon (1997) classificam as estratégias de
marketing ambiental conforme o quadro 3.
Ginsberg e Bloom (2004) e Grant (2007) acordam que existem diferentes estratégias
possíveis para cada empresa, ou seja, não existe uma forma única de marketing ambiental que seja
adequada a todas as empresas. Mas de forma diferenciada de Menon e Menon (1997), Ginsberg e
Bloom (2004) classificam essas estratégias conforme o esverdeamento do marketing ambiental,
sendo quatro possíveis formas de estratégia de marketing ambiental, que vai desde um passivo e
VLOHQFLRVR ³YHUGH IUDFR´ DWp XP YLVtYHO H DJUHVVLYR ³YHUGH H[WUHPR´ FRQIRUPH GHPRQVWUDGR D
seguir:
a) Verde Extremo: Com base na filosofia holística e de valores, plena integração das
questões ambientais na empresa e no ciclo de vida do produto.
b) Verde Forte: Tem substanciosos compromissos financeiros e não financeiros através do
investimento em longo prazo em sistemas globais e processos ambientalmente corretos.
c) Verde Defensivo: Esta estratégia usa o marketing verde em resposta a uma crise, como
medida de precaução, ou uma resposta a ações feitas pelos concorrentes.
d) Verde Fraco: As empresas com essa estratégia, não privilegiam a divulgação ou
comercialização de suas iniciativas verdes, mesmo que haja esforços em tentar ser bons cidadãos
corporativos.
Essas diferentes estratégias influenciam diretamente o Marketing Mix das empresas. Para
Polonsky e Rosenberg (2001), dependendo da estratégia adotada pela empresa haverá mudanças
internas ao marketing mix, como demonstrado no quadro 4.
Quadro 4: Diferença dos componentes do marketing mix verde dependendo da estratégia adotada.
P´s"
ESTRATÉGI CO
QUASE ESTRATÉGI CO
TÁTI CO
Produto
Desenvolvimento de novos
produtos mais sustentáveis a partir
do zero.
Desenvolvimento de novos
produtos para minimizar o dano
ecológico.
Mudança para matériasprimas ecologicamente
mais amigáveis.
Preço
A empresa aluga os seus produtos
em vez de vendê-los.
Mudança na política de preços de
taxa fixa para base por unidade
consumida.
Redução de custos devido à
eficiência de recursos
energéticos.
Praça
Implantação de sistema de
logística reversa.
Minimização de embalagem como
parte de um processo de revisão de
fabricação das empresas.
Redução no tamanho da
embalagem do produto.
Promoção
Promoção de campanhas
periódicas de apelo social e/ou
ambientais como parte de sua
filosofia.
Destaque para os benefícios dos
produtos ambientalmente
amigáveis em materiais
promocionais.
Campanha de relações
públicas para amenizar
denúncias de más práticas
ambientais.
Fonte: Baseado em Polonsky e Rosenberg (2001) e Polonsky (2005).
ESVERDEAM ENTO NO PRODUTO
O produto pode ser definido, segundo Kotler (2000), como qualquer bem oferecido ao
mercado para aquisição, uso ou consumo que satisfaça as necessidades e desejos dos consumidores.
Nesse sentido, não se restringe a bens físicos e pode ser representado por idéias ou serviços.
Já os produtos verdes precisam desempenhar todas as funções inerentes ao produto, mas
também deve ter algum atributo ambientDOTXHSRGHHVWDUDWUHODGRDXPSURFHVVRSURGXWLYR³PDLV
YHUGH´RXDFDUDFWHUtVWLFDVDPELHQWDLVSUySULDVGRSURGXWRFRPRRHFR-design. Para Ottman (1994),
o que vai garantir que produto ou serviço tenha um caráter ambiental é que ele consiga ter um
desempenho significativamente melhor do que os correspondentes ofertados pela concorrência, em
termos ambientais. O que para Letmathe e Balakrishnan (2005) é altamente relevante para as
empresas, pois há um aumento na preferência por produtos com essas características.
Para Dias (2008), algumas são as possibilidades de se agregar um atributo ambiental aos
produtos:
9 Produção a partir de bens reciclados;
9 Fabricação com economia de água e energia;
9 Utilização de embalagens ambientalmente responsáveis;
9 Produção em sistema orgânico;
9 Fabricação de produtos com design ambiental33 (facilite reciclagem pós-uso, economize
energia e/ou água no uso, facilite desmontagem, etc.).
Porém, esse atributo pontual, conforme mostrado por Peattie (2008), não está sendo
suficiente pDUDFDUDFWHUL]DUXPSURGXWRFRPR³YHUGH´DWHQGrQFLDpTXHXPSURGXWRSDUDSRGHUVHU
considerado ambientalmente correto, deve considerar as questões ambientais desde o seu berço
(matérias-primas e seu processo produtivo) até o seu túmulo (o que será feito com o produto depois
de usado e também com seus agregados, como embalagens).
Portanto, existe uma mudança para se considerar o desempenho do ciclo de vida do produto,
no qual o produto é observado desde a fase de desenho (concepção técnica) e planejamento,
passando pela compra de matérias-primas, produção, distribuição, serviço pós-venda e terminando
com o fim da vida útil do produto (Manzini, 2002).
Segundo Frei (1998) e Ottman (1999), nessa nova tendência, o produto verde deve ter as
seguintes características:
9 Manter o foco na função do produto, ou seja, desempenhar sua função primária e
ambiental;
9 Considerar em todo o ciclo de vida do produto (ACV) princípios de produção mais
limpa e de eco-desing: a) minimizar a utilização de recursos naturais e de energia para produção; b)
evitar a utilização de produtos perigosos ao meio ambiente; c) evitar testes em animais; d) utilizar
produtos recicláveis, reciclados e reutilizáveis no produto e nas suas embalagens; e) reduzir
embalagens desnecessárias; f) facilitar o processo de desmonte para reciclagem; g) utilizar materiais
que tenham mercado para reciclagem.
9 Considerar os impactos ambientais de todo sistema produtivo;
3
Design for the Environment - DFE, Design for Recycling - DFR ou Design for Disassembling - DFD.
9 Considerar os requerimentos ambientais dos consumidores, para ser direcionado para a
satisfação de necessidades genuínas;
9 Integralizar a variável ambiental no desenho e planejamento do produto.
ESVERDEAM ENTO NO PREÇO
Segundo Kotler (2000), o preço é o componente do marketing mix responsável por gerar
receitas para a empresa ± todos os outros componentes são responsáveis por gerar custos. No
marketing, a função de determinar o preço de um produto visa não só impacto econômico, mas
também o psicológico sobre o consumidor.
8PDSROtWLFDSDUDGHWHUPLQDUR³SUHoRDPELHQWDO´GHYHSULPHLUDPHQWHWHUEHPdefinido os
objetivos da determinação desse preço. Da mesma forma que para um produto comum, deve ser
considerada a demanda pelo produto, a estimativa de custos, uma análise dos custos, preços e
ofertas dos concorrentes (Kotler, 2000). Porém, algumas diferenças são observadas por Polonsky
(1994; 2005), Peattie (2008) e Dias (2008):
a) A derivação dos preços dos produtos ecológicos não necessariamente é formada
somente pelo processo de equilíbrio entre oferta e demanda. A formação do preço verde pode ter a
finalidade de estabilizar ou concretizar uma demanda por produtos verdes, e para isso pode existir
acordos entre concorrentes para manter a oferta desses produtos verdes durante um maior tempo.
b)
Normalmente os processos ecológicos envolvem um maior investimento inicial, mas
promovem uma economia de longo prazo. Atenção deve ser dada para exigências de mão-de-obra
especializada, tecnologias mais caras, certificação, pesquisa e desenvolvimento de novos produtos,
comunicação e assessoria. Atentar também para oportunidades de economia de recursos e energia
no processo.
c) Na fase inicial da comercialização (até a estabilização da demanda) de um produto
ecológico, pode ser interessante manter os preços inelásticos (não sensíveis à demanda) e maiores
do que os preços médios praticados pelos produtos convencionais caso haja altos investimentos
realizados e / ou níveis baixos de vendas.
Além da própria formação de preço, outros aspectos podem ser considerados no componente
³SUHoR´ GHQWUR GR PDUNHWLQJ mix ambiental. Dentre eles, está a função da busca de estratégias
YHUGHVEDVHDGDVQRSUHoRTXHFRPRPRVWUDGRSRU3RORQVN\SRGHPVHUGRWLSR³YDORU
PDLVEDL[R´SRUHFRQRPLDGHUHFXUVRQRSURFHVVR, mudança no tipo de cobrança (de valor fixo para
valor proporcional ao consumido) até uma mudança mais radical onde as empresas não vendem
mais produtos e sim alugam. Outra estratégia interessante é a determinação de preços iniciais altos,
justificado por uma posterior economia durante o uso do produto44.
ESVERDEAM ENTO NA PRAÇA
Para que um serviço ou produto seja oferecido a um consumidor, o mesmo deve passar pela
organização principal ou intermediária para chegar ao alcance do consumidor ou cliente (Kotler,
2000). Porém, quando o enfoque dessa distribuição é ambiental os aspectos verdes devem ser
considerados em todas as etapas da distribuição, do produtor das matérias-primas, passando por
vários intermediários, o local de transformação e novamente intermediários para chegar finalmente
aos varejistas e ao consumidor (Peattie, 2008).
Para as empresas que têm um programa de marketing ambiental e querem utilizar o
FRPSRQHQWH 35$d$ ³YHUGH´ DOJXQV IDWRUHV GHYHP VHU REVHUYDGRV H WUDEDOKDGRV XP GRV
principais é a minimização de utilização de energia e geração de resíduos em todas as etapas dessa
cadeia distributiva (Peattie, 2008); não menos importante é a exigência de fornecedores e
distribuidores implementem políticas e práticas de gestão ambiental (Polonsky, 2005); a empresa
deve priorizar cadeias que tenham menos intermediários; e finalmente deve disponibilizar um canal
logístico para o retorno dos produtos e de suas embalagens.
4
Casos clássicos: aquecimento solar de água; lâmpadas fluorescentes compactas; torneiras com controle automático;
sensores de luz.
Particular importância tem o último item que é denominado de Logística Reversa, ou seja, o
sistema de retorno do produto e embalagens para sua reutilização ou reciclagem ou destinação final
caso necessário (Polonsky e Rosemberg, 2001). Essa etapa PRAÇA irá contribuir de forma
significativa para que realmente possa se considerar que o marketing ambiental esteja trabalhando
de forma correta em todo o ciclo de vida do produto, ou seja, esse componente tem sua contribuição
durante o todo o ciclo de vida, mas é fundamentalmente importante no pós-uso do produto.
ESVERDEAM ENTO NA PROM OÇÃO
Para Kotler (2000), o componente de promoção envolve uma gama de ferramentas com a
finalidade de promover um produto, serviço, idéia ou marca para o consumidor final, sendo as mais
comuns: propaganda, publicidade, relações públicas e venda pessoal. Para Polonsky (2005), o
LQWHUHVVH SULPRUGLDO GD ³SURPRomR´ DPELHQWDO p IRUnecer informações através das ferramentas
citadas sobre os benefícios ambientais de uma empresa ou de seu produto para os consumidores ou
para seus stakeholders de forma geral.
Todavia, para que haja um processo de comunicação com os clientes e/ou stakeholders
através de ³promoções´ ambientais, é necessário manter relações próximas com os mesmos através
de estratégias explicitadas por Lovelock (2001) a seguir:
9 Informar e conscientizar os clientes potenciais sobre a organização e as características
relevantes ambientais dos bens e serviços que ela oferece;
9 Persuadir os clientes-alvo de que seu serviço ou produto ambiental oferece a melhor
solução para suas necessidades, comparada às ofertas de organizações concorrentes;
9 Lembrar os clientes sobre seu produto ou serviço e motivá-lo a agir:
9 Manter contato com os clientes existentes e fornecer atualizações e informações
adicionais sobre como obter os melhores resultados ambientais dos produtos ou serviços da
organização;
Seja qual for a estratégia ou objetivo escolhido para a comunicação ambiental, as
corporações terão de se balizar na confiabilidade e respeito para banir possíveis desconfianças e
descrédito (Prakash, 2002). O descrédito nas informações ambientais fornecidas pelas empresas é
uma herança ingrata para o marketing ambiental deixada por um número bastante grande de
campanhas baseadas em falsas promessas ambientais.
Para vencer essa barreira, Polonsky (2005) apresenta algumas estratégias possíveis para
garantir que haja uma confiabilidade nas informações ambientais transmitidas:
9 Ter seus serviços ou produtos certificados ou endossados por uma terceira parte;
9 Ser patrocinadora de atividades ambientais;
9 Participar de eventos e promoções como parceiras de organizações ambientais.
CONSI DERAÇÕES FI NAI S
Atualmente o marketing, incluindo assim o marketing verde e social, é visto pela sociedade,
de modo geral, como parte das causas dos problemas ambientais e como um entrave ao
desenvolvimento sustentável, pois estimula o crescimento desenfreado e irresponsável do consumo.
Porém, o marketing (ambiental) propõe mudanças nesses paradigmas, e, quando tratado de
forma holística, conforme visto sobre as diferentes abordagens de marketing ambiental, pode ser
uma ferramenta bastante interessante para complementar esforços na busca do desenvolvimento
sustentável.
Sheth e Parvartiyar (1995), também acreditam que o marketing ambiental tem papel
fundamental na busca do desenvolvimento sustentável, e, além disso, defendem que a melhor forma
para buscar o desenvolvimento sustentável, é através do binômio: maior intervenção governamental
e adoção de marketing ambiental por parte das empresas. Eles propõem que para a busca do
desenvolvimento sustentável é necessário uma mudança na orientação do marketing das empresas,
no sentido de contemplar os dois fatores (figura 2).
Essa nova orientação de marketing pode e deve acontecer em duas dimensões fundamentais,
como forma a contribuir para a busca de um desenvolvimento sustentável: uma diz respeito à
mudança de postura ambiental das empresas e a outra diz respeito à função de educação do
marketing ambiental para promoção de um consumo ambientalmente consciente.
Figura 2: Nova orientação do marketing em busca do desenvolvimento sustentável
Fonte: Seth e Parvartiyar (1995).
Em relação à primeira via, mudança de postura ambiental, Peattie (2008) afirma que o
marketing ambiental é a melhor forma para se introduzir as questões ambientais nas pautas de
tomada de decisão das empresas, por ser uma atividade que se adapta aos objetivos financeiros e de
competitividade das organizações.
A mudança de postura proposta pelo marketing ambiental é fundamentada na inserção das
questões ambientais em todo ciclo de vida do produto, o que garante que vários princípios na busca
do desenvolvimento sustentável sejam atendidos. Além disso, ferramentas muito importantes
advêm, quase que exclusivamente das práticas de marketing ambiental: a logística reversa; o design
ambiental de produtos; e a formação de mercado de subprodutos. Essas mudanças não ocorrem
somente na organização que adota a prática de marketing ambiental, essas atitudes e processos
permeiam por toda cadeia de produção e suplemento.
A outra via é através de uma abordagem de comunicação e técnicas de ajuda para informar,
educar e canalizar necessidades para seus clientes atuais e potenciais para produtos, serviços e / ou
atividades ecologicamente corretos. Essa função ainda vai além, e apesar de ser uma contradição, é
uma função crítica de identificar e desenvolver escolhas na sociedade por um consumo que satisfaça
as suas necessidades atuais sem sacrificar a capacidade de satisfazer as necessidades de gerações
futuras. Ou seja, a utilização das técnicas de marketing para mudar os padrões de consumo são
incentivos positivos em busca do desenvolvimento sustentável, ao estimular um consumo
responsável na sociedade, promovendo a utilização de produtos ambientalmente viáveis e evitando
o consumo desnecessário (Mintu e Lozada, 1993).
Portanto, o marketing ambiental pode proporcionar uma melhoria, que vai além das interrelações empresa-sociedade e empresa-meio ambiente, ela tem o alcance de proporcionar melhora
na inter-relação entre sociedade e meio ambiente. A figura 3 apresenta as potenciais melhorias nas
inter-relações entre empresa e meio-ambiente, empresa e sociedade e finalmente entre sociedade e
meio-ambiente.
Menos recursos
Bem estar para
as próximas gerações
Menos impactos
negativos
Menos impactos
negativos
Menos
recursos
MARKETING AMBINETAL
Produtos
Serviços
Ambientais
Pagamento
verde
Trabalho
FI GURA 3: Marketing ambiental e as inter-relações empresa, sociedade e meio ambiente.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Dessa forma, considerando as contradições do consumo sustentável no seio da sociedade
capitalista, a mudança em direção às perspectivas de um marketing ambiental de caráter mais
holístico, passando os limites do ³micromarketing´ para o ³macromarketing´, pode auxiliar o
processo de busca de um desenvolvimento sustentável ao transformar o marketing ambiental em
importante instrumento de gestão das questões ambientais e de transformação de paradigmas
sociais.
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A gramática normativa aplicada nas provas do Enem 2008 e 2009
Valdenice Oliveira Mendes1
Rômulo Giácome de Oliveira Fernandes2
1
Graduando em Gramática Normativa pelas Faculdades integradas de Cacoal - UNESC,
Graduada em Letras Português/Inglês e Respectivas Literaturas pela UNESC e Especialista
em Gramática Normativa pela UNESC.
2
Graduado em Letras e Direito pela UNESC, Mestre em Letras pela UNESP/SP e
Doutorando em Letras pela UNESP/SP.
RESUM O
O presente artigo tem como objetivo promover um estudo a respeito das provas do Exame
Nacional do Ensino Médio - Enem 2008 e 2009, e descrever como a gramática normativa está
sendo utilizada no Enem nesse período e se o exame contempla e exige os conhecimentos
gramaticais. Foram efetuadas análises descritivas das questões de Língua Portuguesa e
classificação segundo critérios específicos da pesquisa. Dos resultados obtidos, foi possível
verificar que as questões de Língua Portuguesa do Enem 2008 e 2009 não contemplam a
gramática normativa como deveria ser contemplado. Assim, é possível destacar que há uma
necessidade maior em cobrar a norma gramatical da Língua Portuguesa nas questões do
Enem, para que se possam ser cobradas as habilidades do aluno em relação a Língua
Portuguesa.
PALAVRAS-CHAVE: Gramática Normativa. Enem 2008 e 2009
I NTRODUÇÃO
Este artigo tem o objetivo de verificar como as questões do Enem contemplam o
ensino da gramática normativa; compreender como as regras ou informações gramaticais são
exigidas nas questões, bem como sua contextualização e também descobrir quais os objetivos
das questões contemplando competências e habilidades.
Neste, será colocado em questão o ensino da gramática desde que se iniciaram as
avaliações do Enem. É possível perceber que a cada ano que passa, as questões com normas
gramaticais vêm aparecendo cada vez menos.
É por isso que se faz necessário repensar nas formas de ver as questões gramaticais
nas provas do Enem, mostrar ao aluno a relevância da linguagem culta por meio da gramática
normativa para a sua formação intelectual e profissional.
Verifica-se que não há como ensinar gramática isolada do contexto social do aluno,
porém ela não deve ser deixada de lado. Medir as habilidades e competências de um aluno vai
além de questões com enunciados que agucem o seu raciocínio.
Assim como é necessário que o aluno aprenda os campos que compreendem a
gramática (fonética, morfologia sintaxe e semântica) na escola, é necessário também que tais
questões sejam acrescentadas às questões do Enem.
Desta forma, é necessário que haja uma visão mais ampla em relação a elaboração das
questões sobre o ensino da gramática.
Tais medidas podem ser a base para que a visão em relação ao ensino da gramática nas
avaliações do Enem seja ampliada, valorizada e, o mais importante, que acrescente ao aluno
uma aprendizagem significativa.
Desde a época antiga quanto atualmente, o ensino da gramática normativa é de grande
importância para a formação intelectual do indivíduo. Com a falta de hábitos de leitura de
milhares de brasileiros, o contado com a linguagem culta, bem como as normas gramaticais
vai ficando cada vez mais escasso.
Sabe-se que a prática de leitura nas aulas de língua portuguesa, vem a auxiliar o
aprendizado das normas gramaticais, propiciando ao indivíduo um contato gradativo com a
língua portuguesa. Esse contato é que faz com que a maioria dos leitores esteja preparada para
realizar uma avaliação como a prova do Enem no final do Ensino médio.
Porém, é possível perceber que, com o advento do Enem, as questões gramaticais vão
ficando cada vez mais deixadas de lado. Desta forma, como está o ensino da gramática desde
que surgiu o Enem? E como essa avaliação absorveu a gramática, principalmente nos anos de
2008 e 2009?
Uma pessoa não aprende regras gramaticais com fragmentos de textos isolados do
contexto social, mas sim com leituras significativas. Isso deixa claro que a prática de leitura
tem relevância para o indivíduo, como também, faz-se necessário que o ensino das regras
gramaticais esteja presentes nas aulas de Língua Portuguesa e também nas avaliações para
medir como está o desenvolvimento do aluno.
O Exame Nacional do Ensino Médio - Enem vem sendo uma das portas para que o
aluno, ao sair do Ensino Médio, venha a se ingressar no ensino superior. Sua importância
para avaliar o aprendizado do aluno é bastante significativa, uma vez que é por meio dela que
ele irá apresentar suas habilidades e competências em todas as áreas do conhecimento e se
mostrar apto para o mercado de trabalho.
O presente artigo poderá ajudar os alunos, professores e escolas em relação à visão da
importância do ensino da gramática e também, avaliar como está sendo atribuído o valor às
questões gramaticais na avaliação.
Este trabalho visa esclarecer o nível de profundidade da gramática aplicada nas
questões do Enem em Língua Portuguesa, como já foi dito e para isso, serão verificados em
três níveis: o primeiro, como é o ensino das regras gramaticais (normativo) nas provas do
Enem; a segunda, verificar se existem fragmentos de textos que exigem a norma culta e
terceiro, verificar se existem apenas interpretações de texto.
GRAM ÁTI CA: POR QUE É I M PORTANTE APRENDÊ-LA?
Sabe-se que cada ser humano possui sua gramática internalizada. Toda pessoa possui
seus conhecimentos linguísticos internos independentes de ir à escola. Seus conhecimentos
linguísticos internos obedecem aos conhecimentos lexicais sintáticos e semânticos da língua.
(POSSENTI, 2001)
Percebe-se que não há só língua, mas sim, as línguas faladas e a língua escrita. Tais
variações são causadas devido aos fatores internos da língua ou fatores sociais.
Quando um falante aprende a conhecer um verbo, perceberá que é uma palavra que
pode variar em pessoa e tempo, isso, por causa do conhecimento implícito do indivíduo.
Mesmo sem se dar conta, ele conhece cada palavra que pode conjugar. Nunca irá, por
H[HPSORFRQMXJDUDSDODYUD³FRPSXWDGRU´RXDSDODYUD³VHPSUH´3(5,1,
O que se percebe é que ele necessita de ir à escola apenas para aperfeiçoar esses
FRQKHFLPHQWRV TXH Mi SRVVXL ³2 GRPtQLR GH XPD língua é o resultado de práticas efetivas,
significativas, cRQWH[WXDOL]DGDV´*(5$/',, 1999, p. 36)
Neste caso, o aluno precisa aprender a externar seus conhecimentos linguísticos na
escrita, o que irá necessitar de uma aprendizagem adequada para somar a linguagem escrita a
qual segue as regras gramaticais à sua gramática internalizada.
A prática do ensino da gramática não deve ser uma prática exaustiva, mas sim, algo
contextualizado com as práticas sociais do aluno, isso, para que ele possa acrescentar os
conhecimentos da norma culta aos que já possui.
Uma das formas de terem contato com a língua escrita é por meio da prática de leitura
e da prática da escrita de textos. Também, a forma de conceituar o momento da fala do aluno
com as regras gramaticais, a prática do ensino da língua escrita pode tornar-se um método
muito significativo.
Um dos problemas apontados por muitos críticos à língua e linguagem, é que os
ensinos da gramática nas escolas estão sendo feitos de forma inadequada pelo fato de, mesmo
com algumas teorias novas, as metodologias ainda são muito antigas.
Na escola, Geraldi (1999) defende que tal processo pode ser feito por meio da prática
da leitura, da escrita e também do ensino das próprias regras gramaticais, com exemplos
significativos para o aluno, defendendo, é claro, os métodos que incluam uma
contextualização desses ensinos na vida dele.
Parece-me importante, sobretudo nos primeiros anos de contato com
os textos, exercitar a leitura e a escrita, para que a reflexão teórica e
histórica sobre eles se dê a partir de uma convivência e do processo
que os gera: o trabalho criativo com a linguagem, a prática da
expressão livre. (GERALDI, 1999, p. 22)
O ensino da gramática nas escolas junto à prática da leitura deve exercer a função de
formar o cidadão um ser crítico, consciente do seu próprio discurso. ³Estudar a língua é,
então, tentar detectar os compromissos que se criam por meio da fala e as condições que
devem ser preenchidas por um falante para falar de certa forma em determinada situação
concreta de interação´. (GERALDI, 1999, p. 42)
O ensino da gramática nas escolas deve ser visto como um conjunto de atitudes que
possam gerar benefícios maiores ao aluno, um deles, é poder comprovar suas habilidades e
competências em uma avaliação como o Exame Nacional do Ensino médio - Enem.
Tais atitudes não podem partir apenas por parte do professor ou da escola, mas
também da comunidade, do Estado e do Ministério da Educação. É possível ver que o
problema da falta de domínio da escrita pela maioria dos jovens que terminam o ensino
médio, é atribuído também às irresponsabilidades administrativas para com o ensino, bem
como a falta de condições econômicas à educação. (GERALDI, 1999)
O baixo índice dos resultados das avaliações no Brasil pode ser causado por inúmeros
fatores: além da falta de políticas públicas para a educação, falta de valorização aos
profissionais da educação, não há também a prática dos métodos avançados de se ensinar a
gramática, bem como a falta de recursos escolares para que o professor possa realizar um bom
trabalho em sala de aula.
Não há um apoio e métodos adequados para a educação, do contrário, não haveria o
vergonhoso baixo índice de leitura.
Quando há o ensino das regras gramaticais sem contextualização é possível avaliar que
o aluno poderá adquirir uma YLVmRGHTXHDOtQJXDHVFULWDpDOJRGLItFLOH³FKDWR´
Podemos, sim, fazer o aluno crescer em linguagem, aumentando o
vocabulário, os recursos expressionais, tomar consciência das
potencialidades da língua. E dominar a escrita, pontuação, estrutura e
parágrafos, técnicas de correção e aperfeiçoamento estilístico,
variabilidade expressional. (LUFT, 2006, p. 88)
Desta forma, não há como cobrar questões com habilidades e competências sem
aprender a internalizar as regras gramaticais por meio do aproveitamento do que o aluno já
possui; não com exemplos de ensino isolados. O resultado disso tudo é o grande índice de
reprovação nas avaliações, pois, sabe-se que o aluno possui seus conhecimentos e suas
competências linguísticas internalizadas, mas com a diferença da língua escrita, aumenta a
dificuldade, na maioria das vezes, de ler e compreender um enunciado.
AS QUESTÕES DE LÍ NGUA PORTUGUESA DO ENEM NAS AVALI AÇÕES 2008 E
2009
É sempre bom perceber a alegria de um estudante ao conseguir atingir os objetivos
depois de um longo tempo de preparo nos estudos, contando o ensino básico todo. É possível
perceber que, nesse preparo para o Exame Nacional do Ensino Médio- ENEM são exigidas
habilidades e competências em várias áreas dos conhecimentos, e uma delas, é: Linguagem,
Códigos e Suas tecnologias. É nesta área do conhecimento que estão inclusas as questões de
Língua Portuguesa.
É possível perceber que tais questões de língua portuguesa exigem do aluno, um
raciocínio hábil na área da linguagem. E as interpretações desta área do conhecimento, bem
como as questões que envolvem o raciocínio lógico são bem mais exigidas do que a norma
gramatical da Língua portuguesa nas questões do ENEM. Isso é bastante positivo, no entanto,
é necessário levar em conta a necessidade de se exigir que as regras gramaticais também
sejam bem mais cobradas desse aluno que se prepara para as questões do Enem, de forma que
o seu desempenho seja bem mais proveitoso em relação ao aprendizado da Norma Culta da
língua.
Antes mesmo de relatar dados desta pesquisados, é preciso levar em conta a necessidade
lembrar que o conhecimento gramatical é todo o complexo normativo da língua engessado em
certos conteúdos exemplares tais como: concordância, ortografia, regência, mesóclise,
pretérito imperfeito, pretérito mais-que-perfeito, entre outros.
É válido lembrar que ao observar à prova do Enem 2008, cor azul, as questões que
contemplam a Língua portuguesa são 10 ao todo. Já da prova do Enem 2009, também de cor
azul, as questões que contemplam a Língua Portuguesa vão de 91 à 135, um número de
questões bem maiores do que no Enem de 2008.
No ENEM 2008, é possível perceber que há uma prioridade em testar os conhecimentos
do aluno nas interpretações textuais nas quais são testadas o raciocínio do aluno e também
sobre literatura, como pode ser percebido nas questões 09, 12 e 13. Nesse caso vemos
claramente do que se tratam as questões. Outros pontos marcantes na área de Linguagem,
Códigos e suas Tecnologias é a linguagem tratando neste caso das linguagens formal e
informal, como trata a questão 14 do ENEM 2008, já no que se toca a questão gramatical, não
apresenta nenhuma questão com a norma gramatical de forma explícita.
Na prova do ENEM 2009, além de tratar da linguagem formal e informar (culta e
coloquial), interpretações textuais, linguagem literária, funções de linguagem, gênero textual,
funções de linguagem, língua falada e língua escrita, entre outros. No que se trata
explicitamente da norma gramatical da L.P, é possível verificar que a questão de número 96
da prova azul do ENEM 2009, menciona nas alternativas desta questão, orações subordinadas
e pronomes.
Em se tratando da prova do ENEM 2009, nas questões que envolvem a Língua
Portuguesa é possível verificar que é muito raro uma questão que trata da gramática
normativa.
Os principais recursos utilizados para envolvimento e adesão do leitor
à campanha institucional incluem:
A ± O emprego de enumeração de itens e apresentação de títulos
expressivos.
B ± O uso de orações subordinadas condicionais e temporais.
C - 2 HPSUHJR GH SURQRPHV FRPR ³YRFr´ H ³VXD´ H R XVR GR
imperativo.
D ± A construção de figuras metafóricas e o uso de repetição.
E - O fornecimento de número de telefone gratuito para contato. 1
No que toca à gramática normativa, surgem de forma quase que implícita e noutros
casos, bem superficiais, ou seja, não está sendo contemplada como deveria. No caso da única
1
Questão 96 da prova do Enem 2009, segundo dia, caderno sete, cor azul. Disponível em: <http://download.globo.com/vestibular/dia2_caderno7.pdf>. Acessado em: 30-­‐09-­‐2011. TXHVWmRTXHPHQFLRQRXDJUDPiWLFDQRUPDWLYDHODVXUJLX³GHUHODQFH´HQWUHDVDlternativas, o
que dá a entender que o nível de profundidade é bastante superficial e não contempla a norma
gramatical como um todo.
Há uma preocupação em fazer com que o aluno consiga mostrar habilidades em:
detectar a diferença entre linguagem culta e coloquial, linguagem falada e escrita, funções de
linguagem, onde possa detectar quem é o emissor e o receptor de uma mensagem, entre outros
pontos. Neste caso, a gramática está implícita dentro dos textos e das questões, porém, a
gramática normativa quase não é mencionada.
Isso quer dizer que a norma gramatical da LP não está sendo tanto exigida nessas
avaliações como deveria ser, em outras palavras, as questões do Enem 2008 e 2009 de Língua
Portuguesa não contemplam a gramática normativa em um todo, como deveria ser
contemplada.
Neste caso, é possível perceber que as questões de língua portuguesa que envolve a
gramática são pouco mencionadas, levando em questão à importância de se aprender a
gramática da língua portuguesa para que assim o aluno possa entender com mais clareza a
língua que ele utiliza no seu cotidiano, bem como a diferenciação dessa língua falada com a
língua escrita que é muito cobrada dele nas aulas de LP.
Uma sociedade anti-leitura na qual a maioria dos alunos tem preguiça de ler, é muito
complicado aprender a gramática normativa e sua diferença entre a língua que ele utiliza no
cotidiano e a norma culta, sem que ele encontre a necessidade de aprendê-la.
É bastante compreensível que as questões do ENEM 2008 e 2009 que se tratam da
Língua Portuguesa são estruturadas com base nos conhecimentos que o aluno deve saber ao
concluir o Ensino Básico. É neste pondo que colocamos em questão as competências a
habilidades.
Por ser um Exame Nacional do Ensino Médio e carregar tantas responsabilidades e
cobranças do Ensino Básico, é possível ver que não há uma cobrança maior das regras
gramaticais nas provas do ENEM, isso faz com que o aluno não dê tanta importância para a
gramática, ou pela dificuldade de compreensão e ou mesmo pelo desinteresse de achar que
não é tão cobrado.
No caso das questões mencionadas que se tratam da LP, é muito importante valorizar
a linguagem seus códigos e tecnologias, bem como explorar os conhecimentos linguísticos
que circundam o universo do aluno e, nas provas no ENEM é bastante claro esses descritores.
Mas o que é preciso entender é que, se não são cobradas essas normas gramaticais de forma
explícita e com frequência nas questões do ENEM, o aluno não irá se preocupar em aprender
a gramática normativa.
É sabido que há uma gramática implícita nessas questões, porém, a gramática
normativa de maneira explícita, onde fica? Qual é a sua importância numa sociedade que não
gosta de ler e, portanto, não se depara com ela a não ser na sala de aula ou em algum curso
preparatório? É necessário levar em consideração, desta forma, que não há como aprender a
norma culta da LP se não estiver presente, a gramática normativa.
CONSI DERAÇÕES FI NAI S
Neste artigo foram analisadas as questões de Língua Portuguesa do Enem 2008 e 2009
para verificar qual é o nível de profundidade da gramática normativa presente nas avaliações:
primeiro, se há gramática normativa, segundo, se há fragmentos de textos que exigem a norma
culta e terceiro, se existem apenas interpretações de texto.
Desta forma, foi possível perceber que tais avaliações não contemplam o primeiro
nível dos conteúdos engessados, mas sim, os dois últimos níveis. Assim, é possível perceber
que tais avaliações privilegiam mais as condições de uso da Língua Portuguesa, do que as
condições teóricas sobre a língua, ou seja, há uma preocupação em como o aluno está usando
ou mesmo irá usar a língua, e não, se ele está aprendendo ou irá aprender as regras da
gramática normativa.
REFERÊNCI AS
BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade?. São Paulo: Ática, 1991.
GERALDI, João Wanderlei (org.). O texto na sala de aula. 2. ed. São Paulo: Ática
PERINI, Mário A. Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática, 2002.
POSSENTI, Sírio. Porque (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de
Letras, 2001.
LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade. 8. ed. São Paulo: Ática, 2006.
Leitura e linguagem na aquisição e domínio do conhecimento científico Antônio Carlos da Silva Costa de Souza O autor é Licenciado em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caetité ± Campus VI da Universidade do Estado da Bahia (UNEB-­1994);; é especialista em Metodologia e Didática do Ensino Superior e em Língua Portuguesa pelas Faculdades Integradas de Cacoal ± UNESC;; é mestre em Educação pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS-­2007);; é pesquisador nas áreas das Letras e do Direito;; coordenador do Grupo de Pesquisa em Códigos, Línguas, Linguagens e Ensino. RESUMO A atividade conhecida enquanto leitura compreende o escalonamento de unidades mínimas com seus significantes. Quando se refere a textos específicos que não estão disponíveis à compreensão da população geral e possuem termos característicos de uma área este escalonamento ou compreensão translacional dos termos já conhecidos não é possível. Desta forma, ler um texto científico compreende ações mais complexas que a leitura, mas o domínio da linguagem da área e seus diferentes níveis de leitura como passo fundamento para a compreensão dos fenômenos humanos e, consequentemente, de si mesmo. PALAVRAS-­CHAVE: leitura, linguagem, ciência. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Contemporaneamente, muito se discute sobre a importância da leitura, mas nada é feito substancialmente para mudar a situação terrível ocasionada pelas teorias tradicionalistas que entendem leitura como o simples ato de decodificar, ou seja, de reconhecer palavras. O que é ler? Ler não é apenas decodificar letras, palavras ou frases. Não é reconhecer significados isolados. Ler vai além dessas questões primárias. Ler é mergulhar no conteúdo de uma mensagem, é poder compreender a relação que há entre o texto e o contexto;; é entender as múltiplas referências com fatores externos;; é, de igual modo, poder perceber o objeto discursivo, as intenções, as ideologias pertinentes e poder refletir sobre todo o conteúdo de uma dada mensagem, relacionando-­o com o contexto em que está inserido e utilizando-­o como instrumento de transformação individual e coletiva. Leitura não é algo mecânico, padronizado, programado para o leitor reter informações, sem conceber sentidos ao que lê podendo, desde modo, por meio da leitura, transformar-­se e buscar a transformação do meio em que está inserido. O fenômeno da leitura só pode ser compreendido numa perspectiva crítica e dialética, se admitir a possibilidade de interpretação intra e extratexto, se puder revelar novos e importantes significados e se o leitor estabelecer uma relação de reciprocidade com o texto. Para entender o fenômeno da leitura é necessário compreender que o texto é um conjunto de informações significativas e complexas e não simplesmente uma unidade ou um sistema formado por elementos puramente lingüísticos. Todo texto sofre as mais diversas influências do contexto sob o qual foi gerado. O leitor precisa ter ampla visão de mundo a fim de desvendar as significações implícitas e explicitas no texto. Segundo Paulo Freire (1988, p. 11-­12): A leitura de mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquela. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica na percepção das relações entre o texto e o contexto. A leitura, contudo, começa pelo contexto e deve considerar as inter-­relações que o leitor tem com o meio social em que vive. Uma leitura profunda de um texto, seja ele da natureza que for, só é possível se o leitor usar como caminho o conhecimento de mundo que tem e as relações que estabelece com outros indivíduos da mesma sociedade. Deve o leitor considerar ao ler um texto, além de tudo, também as experiências sociais, filosóficas, históricas, políticas, culturais e lingüísticas que acumulou ao longo de sua vida, ou seja, suas leituras de vida, seus textos pessoais. Assim sendo, pode-­se afirmar que uma leitura crítica de mundo é essencial para que o leitor faça uma leitura crítica da palavra. Ao estabelecer relações com o texto, o leitor retira dele os sentidos mais intrínsecos das palavras e pode, por meio do exercício de observação cautelosa, ser capaz de entender até aquilo que se subentender por trás das entrelinhas. NÍVEIS DE LEITURA DE UM TEXTO Estabelecer os níveis de leitura de um texto não é tarefa muito fácil. Deste modo, deve-­se considerar os diversos elementos que podem influenciar direta e indiretamente na constituição do tecido lingüístico. Em primeiro lugar, é preciso saber quem é o autor e para quem ele escreveu, em segundo, é necessário saber as intenções do autor e sob quais circunstâncias contextuais o texto foi elaborado. Em terceiro, é preciso considerar os níveis de complexidade do texto e o poder de leitura do leitor. Modernamente, conhecemos três níveis de leitura de um texto, são eles: decodificação, intelecção e interpretação. A decodificação da palavra é o nível mais raso da leitura, trata-­se, por tanto, do ato de reconhecer letras, palavras e mesmo algumas relações primárias das estruturas frasais. Com isso, se um leitor mostra intimidade com as letras, com as palavras e com as relações primárias existentes entre elas, diz-­se que atingiu o primeiro nível de leitura de um texto, ou seja, a decodificação textual. Se for capaz de identificar o conteúdo do texto, o leitor terá atingido o segundo nível de leitura ± a intelecção. E, por fim, se ultrapassar os limites lingüísticos e desfechar-­se nas questões extralingüísticas, ou seja, contextuais, terá o leitor atingido o terceiro nível de leitura ± a interpretação. Sobre o nível interpretativo, vale ressaltar que, somente, será alcançado quando o leitor mostra-­se capaz de reconhecer e relacionar os elementos significativos do texto com os elementos que permeiam o seu real vivido, a exemplo dos fenômenos sociais, filosóficos, históricos, políticos, religiosos, econômicos e culturais. A fim de contribuir com os estudos da leitura, queremos cogitar a existência de mais três outros níveis: o exegético, o discursivo e o epistemológico. Fato que elevaria os níveis de leitura do texto de três para seis. O nível exegético é o quarto nível de leitura e, de certo modo, resume os três primeiros, a exegese é, portanto, uma leitura minuciosa que tem o objetivo de separar, de analisar e de estabelecer relações entre os elementos constitutivos do texto, fragmentando-­os em partes a fim de estudar a importância que cada uma tem na constituição total do tecido textual. O discursivo é o quinto nível de leitura de um texto e tem como principal atribuição revelar os diferentes sentidos que um mesmo enunciado (palavra, frase, texto) pode assumir considerando a sua formação discursiva, as relações de sentidos, o texto e o contexto, além dos aspectos tempo, espaço e cognição dos interlocutores (autor e leitor). O sexto e último nível deve ser o epistemológico, pelo qual o leitor se ocupará de uma reflexão em torno dos limites estabelecidos pelo conhecimento. Ao atingir o nível epistemológico, o leitor transpõe as etapas intermediárias de leitura e alcança o mais alto grau de consciência ideológica em relação ao texto e, a partir daí, passa a interferir no discurso do autor de modo crítico e a fazer uso dos conhecimentos do texto para criticar o seu próprio conhecimento. Para se chegar ao nível epistemológico de leitura não basta decodificar, perceber o conteúdo, relacioná-­lo com os fatores extralingüísticos, compreender os diversos sentidos pretendidos ou involuntários, é necessário conhecer profundamente o assunto e as relações que ele tem com o conhecimento universal. Com o intuito de fundamentar as idéias que anteriormente expomos, queremos tomar Soares (2003, p. 69) que afirma o seguinte: [...] a leitura estende-­se da habilidade de traduzir em sons sílabas sem sentido a habilidades cognitivas e metacognitivas;; inclui, dentre outras: a habilidade de decodificar símbolos escritos;; a habilidade de captar significados: a capacidade de interpretar seqüências de idéias ou eventos, analogias, comparações, linguagem figurada, relações complexas, anáforas;; e, ainda, a habilidade de fazer previsões iniciais sobre o sentido do texto, de construir significado combinando conhecimentos prévios e informação textual, de monitorar a compreensão e modificar previsões iniciais quando necessário, de refletir sobre o significado do que foi lido, tirando conclusões e fazendo julgamentos sobre o conteúdo. Assim sendo, encerramos esta etapa da discussão afirmando que em nenhum momento pretendemos esgotar as discussões sobre os níveis de leitura. Até porque, seria audácia de nossa parte se assim nos procedêssemos diante da complexidade que envolve o ato de ler. Contudo, temos uma certeza: deixamos registrados nesta reflexão os primeiros passos rumo a uma infinita contenda científica sobre os níveis de leitura, sua natureza profunda, seus limites espaciais, sua relações com o tudo e entre si e, por fim, seus instrumentos de mensuração. LEITURA CRÍTICA DO TEXTO Conforme vimos no tópico anterior, há níveis de leitura de um texto específicos para cada fase que o leitor deseja atingir. Para isso, o leitor precisa considerar, não só o seu desejo em compreender o que está escrito, mas a sua capacidade para alcançar os níveis de leitura necessários para o entendimento. Sobre as competências de leitura, Luckesi (1997, p. 144) afirma que: um texto de leitura nos conduz [...] a um entendimento do mundo, a partir do entendimento que dele possui o seu autor. Para que esta nossa leitura signifique ³XPD OHLWXUD GH PXQGR´ LPSRUWD TXH D QRVVD SUiWLFD GH OHLWRUHV VHMD FUtWLFD, quer dizer, que façamos o esforço, de um lado, de aprender a mensagem intencionalmente transmitida pelo autor e, de outro lado, façamos um esforço de julgamento sobre o que lemos. Nas palavras de Luckesi, fica evidente que não basta uma decodificação de elementos lingüísticos, é necessário que o leitor considere a visão de mundo do autor (texto-­contexto), além de relacionar a sua própria visão extratextual a fim de compreender a mensagem transmitida pelo autor. Ainda segundo Luckesi (1997, p. 144), ³Rque importa não é a leitura pela leitura, mas sim a leitura como mecanismo auxiliar de nosso trabalho de entendimento do PXQGR´ O domínio do ato de ler é imprescindível para o avanço do homem rumo aos patamares mais altos do conhecimento a fim de conhecer aquilo que foi pensado para elaborar novos pensamentos sobre si mesmo e sobre todas as coisas que compõem o meio em que está inserido. Como vimos anteriormente, para entender as leituras de mundo solidificadas nas palavras, é preciso dominar além da habilidade de conhecer letras, palavras e suas relações simples. O indivíduo que almeja avançar no conhecimento das ciências deve buscar desenvolver competências mais profundas em relação aos níveis de leitura de um texto. Ninguém nasce sabendo ler, ao menos as leituras que nesta reflexão estamos tratando. O ato de ler é adquirido com a convivência situacional do indivíduo com os mecanismos que levam ao desenvolvimento de tais habilidades. Para ler um texto, não é preciso lançar mão do domínio de todos os seis níveis de leitura discutidos no segundo ponto desta reflexão;; deve-­se, portanto, fazer a escolha do que se pretende ler e, então, selecionar níveis de compreensão a serem atingidos na leitura. Para Luckesi (1997, p. 145): é possível e desejável que, didaticamente, façamos incidir nossa atenção seletiva sobre determinados setores do processo de leitura, em determinados momentos. Assim, num momento poderemos estar mais preocupados em obter informações subsidiárias à leitura que estamos fazendo, ou poderemos estar mais preocupados com a apreensão da idéia principal do autor ou, ainda poderemos estar mais atentos a estabelecer uma crítica ao texto lido. No processo de leitura crítica de um texto, tudo pode ser considerado relevante. Deve-­
se ler minuciosamente o título e suas pressuposições, a biografia do autor e suas relações com o espaço e tempo da obra, as referências bibliográficas consultadas, o tema central e temas periféricos, as construções lingüístico-­textuais e suas intencionalidades discursivas, os aspectos extralingüísticos e as influências ideológico-­culturais que implementam no entendimento geral do texto, além de outras questões que se fizerem necessárias, tais como: esclarecimento de termos desconhecidos, a inserção histórica, a conectividade e intertextualidade. Dessa forma, nenhuma leitura pode ser considerada crítica, se forem descartados elementos que, embora possam ser considerados de pouca importância, convirjam com o propósito de produzir um entendimento amplo e geral do que pensou inicialmente o autor ao escrever o texto. LINGUAGEM, LEITURA E CONHECIMENTO Até este ponto, falamos sobre os níveis de leitura e sobre a importância de dominar os instrumentos de alcance desses níveis com o propósito de alcançar as regiões mais profundas de um texto e com isso obter uma leitura crítica e compromissada com o plano inicial do autor. Todas as discussões sobre leitura trazem reflexões, não só a respeito do ato de ler, mas, sobretudo, por que e para que se deve ler. O domínio da linguagem e suas relações lingüísticas pressupõem o domínio da leitura. Quanto maior for o domínio em relação à linguagem, maior será a profundidade que um indivíduo atingirá ao ler um texto, quer seja científico, quer seja literário. Não basta querer ler. Como tudo o que se pretende fazer sem correr riscos de equívoco, ler é, primeiramente, planejar, é saber o que, para que e como ler. O que ler? Esta é a primeira pergunta a ser respondida. É preciso selecionar os textos que são importantes para a construção do conhecimento que se pretende obter. A segunda pergunta é: para que ler? Os textos escolhidos deverão convergir para os interesses prévios do planejamento do leitor, ou seja, ler para entreter, ler por simples curiosidade, ler para adquirir conhecimentos específicos e/ou ler para fundamentar um trabalho científico. A terceira pergunta ± Como ler ± diz respeito aos seis níveis de leitura de um texto apresentados no começo de nossas discussões. É necessário que o leitor saiba o tipo de conhecimento que pretende obter no texto, para isso ele precisa escolher as ferramentas que o levarão à compreensão daquilo que planejou inicialmente. A partir deste ponto, quero tratar especialmente de um assunto que considero importante como fundamento de nossas preocupações em relação ao ato de ler, ou seja, quero tratar especialmente da pergunta: ler para quê? Ler para se desenvolver socialmente;; ler para entender e socializar-­se com os conhecimentos científicos;; ler para se tornar um cidadão completo e capaz de agir dentro da comunidade como agente de transformação social, podendo, por meio da consciência individual, estimular a consciência coletiva e, por conseguinte, despertar no semelhante o desejo de melhorar como homem. O homem precisa conhecer a ciência para entender a si mesmo e as coisas que o cercam, mas para isso, ele precisa adquirir o instrumental necessário para trilhar os caminhos rumo à compreensão daquilo que ainda é, sem sombra de dúvidas, sua maior incógnita, em outras palavras, ele deve desenvolver habilidades de leitura para transpor o emaranhado de palavras que guardam o segredo do conhecimento científico. O conhecimento oriundo de pesquisas científicas é uma realidade muito distante daqueles que estão à margem das comunidades formadas por homens de ciência. Para Chassot S ³XVXDOPHQWH FRQKHFHU FLrQFLD p DVVXQWR quase vedado àqueles que não SHUWHQFHPDHVVDHVRWpULFDFRPXQLGDGHFLHQWtILFD´. É necessário rever conceitos escolares a fim de se criar novos caminhos para que o homem tenha acesso ao conhecimento científico. Precisamos discutir novas teorias que viabilizem esse contato de maneira que a ciência possa sair do seu alto posto acadêmico e popularizar-­se, sem, no entanto, tornar-­se ³FRQKHFLPHQWRempírico´ na mais vulgar acepção do termo. Popularizar a ciência sem preparar o homem para recebê-­la, dando-­lhe condições de estudar e de desenvolver o ato de leitura crítica, é continuar negando-­lhe a possibilidade de transformar e aprimorar os seus conhecimentos. A idéia de iniciar o homem na ciência não pode constituir algo sem planejamento. A ciência deve fazer parte da vida de um indivíduo desde os seus primeiros anos de escola de modo a constituir uma gradação que aumenta de intensidade à medida que o educando aumenta o seu potencial em relação à compreensão de mundo. Sobre este assunto, encontramos embasamento na teoria da alfabetização científica de Chassot (2003, p. 91) que prevê a inclusão científica do indivíduo a partir do ensino fundamental, como se pode ver a seguir: A alfabetização científica pode ser considerada como uma das dimensões para potencializar alternativas que privilegiam uma educação mais comprometida. É recomendável enfatizar que essa deve ser uma preocupação muito significativa no ensino fundamental, mesmo que se advogue a necessidade de atenções quase idênticas também para o ensino médio [...] Ainda sobre essa questão, vale dizer que a alfabetização cientifica representa uma mudança radical e necessária ao ensino. Ela deve constituir uma ponte entre as velhas teorias que pregam a repetição de conteúdos que não mais importam ao aluno para um novo horizonte ensolarado pelos raios luminosos da ciência que emerge do próprio real vivido pelo educando. Sem querer ser pessimista, creio que nenhum contato com a ciência será total se o educando não possuir competências para compreender o fenômeno, como ele acontece e por que acontece. Chassot (2003, p. 91) DFUHGLWD TXH ³VH SRVVD SHQVDU PDLV DPSODPHQWH QDV
possibilidades de fazer com que alunos e alunas, ao entenderem a ciência, possam FRPSUHHQGHUPHOKRUDVPDQLIHVWDo}HVGRXQLYHUVR´ Mas para compreender a ciência o aluno tem que ser capaz de fazer leituras críticas de mundo e, conseqüentemente, competentes leituras críticas da palavra escrita. Assim sendo, linguagem, leitura e ciência não se separam. São elementos que se interdependem. Um indivíduo deve dominar a linguagem escrita para fazer uma boa leitura da ciência, assim como dominar a leitura constitui para ele instrumento imprescindível no desenvolvimento da linguagem a fim de melhora sua competência como leitor crítico da ciência, de si e do mundo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao findarmos esta reflexão pela qual nos propusemos, inicialmente, refletir a importância da leitura e da linguagem como fatores preponderantes na aquisição e domínio do conhecimento científico e ao depararmos com o emaranhado de situações que se inter-­
relacionaram e convergiram-­se como apófises espinhosas da vértebra central de nossas preocupações, percebemos que não poderíamos, nem se quiséssemos, esgotar as discussões sobre linguagem, leitura e conhecimento num único ensaio. De tudo o quanto pesquisamos, queremos ressalta o notório valor que tem a leitura como instrumento de aquisição do saber. Dominar o ato de ler é progredir-­se em relação ao domínio da linguagem crítica, é, sobretudo, alcançar níveis elevados de criticidade em relação ao conhecimento. Em face do exposto, queremos encerrar dizendo que ler é fazer uso das leituras de outrem a fim de desenvolver nossas próprias leituras de mundo. Ler é construir linguagem, consciência, ideologia e, finalmente, poder. REFERÊNCIAS CHASSOT, Attico. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista Brasileira de Educação, nº 22, 2003, p.89-­100. FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22.ed. São Paulo: Cortez, 1988. LUCKESI, Cipriano et al. Fazer universidade: uma proposta metodológica. 9.ed. São Paulo: Cortez, 1997. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.