Fundamentos de Produção

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Fundamentos de Produção
Fundamentos de Produção
Entender a forma como os diversos artigos1 fluem num sistema produtivo2 é provavelmente a melhor porta de
entrada para o complexo e intrincado mundo da produção. Alguns dos aspectos dessa dinâmica podem ser
mais facilmente entendidos se observarmos o que acontece num sistema de produção sem grande
complexidade. O sistema de produção que vamos usar como base de estudo está representado na figura 1.
Temos 3 postos de trabalho3 sequenciais cujas taxas de produção são respectivamente de 30, 20 e 24
unidades do artigo por hora. Além dos postos de trabalho consideramos também espaços de
armazenamento local antes de cada posto de trabalho e no final do sistema. Finalmente, consideramos que
este pequeno sistema produtivo em linha processa um único tipo de artigo.
Figura 1. Representação de um sistema produtivo simples
Importa notar que a terminologia usada nestes textos não é nem pretende ser o padrão. É apenas o que,
na opinião do autor, são os temos mais adequados, mas que nem sempre reúnem consenso entre a
maioria dos académicos e dos profissionais dos diversos ramos da industria. A terminologia usada na
prática industrial varia enormemente com o tipo de industria, com a sua história, com as experiências
passadas dos seus profissionais e com a influência dos seus fornecedores e clientes que em muitos casos
são estrangeiros. De qualquer modo, é importante conhecer bem alguns conceitos base por forma a
interpretar os termos usados por diferentes profissionais.
1. Taxa de Produção
A taxa de produção ou cadência de produção diz respeito à velocidade de processamento com que uma
máquina, um posto de trabalho ou um qualquer sistema, processa os artigos. Usando o exemplo da figura 1
podemos dizer que o posto de trabalho PT1 tem capacidade para levar acabo a operação em causa a uma
taxa de 30 artigos por hora enquanto que o posto de trabalho PT2 processa apenas 20 artigos em cada hora.
A velocidade de processamento do PT1 é maior do que a velocidade de processamento dos outros dois
postos de trabalho. Na terminologia em língua inglesa, dependendo do contexto, um termo possível para
1
Artigo é o termo usado para designar todos os itens que através de operações de fabrico e/ou montagem
contribuem para os produtos finais. Este termo inclui componentes, peças, conjuntos pré-montados, módulos, etc..
2
Sistema Produtivo é um termo genérico que cobre um grande leque de realidades, podendo ir de apenas um posto
de trabalho a uma fabrica inteira. Uma célula de produção, uma linha de montagem e uma secção de fabrico são
exemplos de sistemas produtivos.
3
O termo Posto de Trabalho diz respeito a um passo da processamento num sistema produtivo, pode estar
relacionado com uma ou mais máquinas mas que normalmente está relacionado apenas com um operário. Num
posto de trabalho pode haver uma ou várias operações de acordo com a sua duração e a sua complexidade. Um posto
de trabalho pode ser apenas um bancada ou uma mesa onde um operário leva a cabo operações manuais sem uso de
qualquer máquina. No caso da figura 1, usamos a representação de uma máquina para identificarmos um posto de
trabalho. Em Inglês, o termo equivalente é Workstation.
Taxa de Produção é Production Rate embora o termo Throughput (Cox III e Blackstone, 2001) também possa
ser encontrado.
A taxa de produção pode dizer respeito a um posto de trabalho, a uma máquina ou a um sistema produtivo
mais complexo e pode dizer respeito aos valores esperados ou a valores observados. Este indicador é um
indicador importante para o desempenho e sobrevivência das empresas e será tratado frequentemente ao
longo deste livro.
2. Tempo de processamento
O tempo de processamento, ou tempo de operação, está directamente relacionado com a velocidade de
processamento ou taxa de produção, sendo que, o tempo de processamento é o inverso da taxa de
produção. O tempo de processamento é o tempo que a máquina ou posto de trabalho necessita para levar a
cabo uma operação ou um conjunto de operações num artigo. Para o caso da figura 1 o tempo de
processamento de PT1 é de 2 min/artigo (ou 2 min/peça) enquanto que o tempo de processamento de PT2
e de PT3 é de 3 min/artigo e de 2,5 min/artigo, respectivamente.
3. Tempo de Percurso
O tempo de percurso4 de um artigo diz respeito ao tempo que esse artigo demora a atravessar o sistema
produtivo em causa. O tempo de percurso é sempre relativo ao sistema que nos interessa considerar,
podemos considerar apenas uma secção, uma linha, ou a empresa toda. Se considerarmos como fazendo
parte do sistema, o armazém de matérias-primas e o armazém de produtos acabados, então o tempo de
percurso é medido desde o momento que a matéria-prima chega do fornecedor até que o produto ou
produtos gerados dessa matéria-prima são enviados para o cliente. Este ultimo tempo de percurso é a base
para a definição do prazo de entrega.
Quando se fala em tempo de percurso pode estar a falar-se do tempo de percurso de uma unidade particular
de um produto, de um lote, de uma encomenda, ou ao seu valor médio num período de tempo. Podemos ter
um tempo de percurso curto para uma encomenda que se considere urgente mas em termos médios
podemos estar na presença de tempos de percurso bastante longos. O valor médio é o que conta como
indicador do desempenho e vitalidade de um sistema produtivo ou duma empresa.
Para este caso particular representado na figura 1, o tempo de percurso de um artigo é o tempo que leva
esse artigo, desde que inicia o seu processamento no PT1 até que termina o seu processamento em PT3.
Como iremos verificar a seguir, este tempo de percurso depende de vários factores e é um elemento central
para a compreensão plena da produção e do seu impacto no sucesso do negócio.
Vamos começar por considerar que o sistema inicialmente está vazio e que um artigo começa a ser
processada no PT1 no instante zero. Esse artigo demorará 2 minutos a ser processado no PT1, depois
demorará 3 minutos no PT2 e finalmente mais 2.5 minutos no PT3, resultado num tempo de percurso de
7.5 minutos (ver gráfico da figura 2).
4
Na literatura em inglês é usado frequentemente o termo Flow Time, ou Throughput Time.
Tempo de Percurso = 7.5 min
PT1
PT2
PT3
2 min
5 min
7.5 min
Figura 2. Percurso de uma peça no sistema produtivo da figura1.
Vamos agora considerar que em vez de produzirmos apenas um artigo vamos produzir um lote de 10 artigos.
Esse lote inicia o seu processamento no PT1 no instante zero gastando 20 min até ser enviado para o PT2.
Se desprezarmos os tempos de transporte entre os postos de trabalho temos que o posto PT2 começará o
processamento do lote imediatamente. PT2 necessitará de 30 min para processar o lote de 10 artigos e
finalmente o PT3 gastará 25 min para o mesmo lote. Temos então que o lote de 10 artigos levará 20 + 30 +
25 = 75 min para que o lote de 10 artigos. O tempo de percurso do lote é então de 75 minutos.
Se considerarmos que os artigos só estão disponíveis quando todo o lote estiver pronto, o tempo de percurso
médio dos artigos é de 75 min (ver figura 3), mas se os artigos puderem ser retirados à medida que são
finalizadas em PT3, o mesmo não se verifica. Neste segundo caso o primeiro artigo fica concluído
(20+30+2.5) 52.5 minutos depois do instante zero. Seguinte este raciocínio, todos os artigos terão um tempo
de percurso diferente. O tempo de percurso médio será igual à média dos tempos de percurso dos 10
artigos. Fazendo o calculo obtemos o valor de 63.8 como sendo o tempo que em média os artigos demoram
a atravessar o sistema.
Tempo de Percurso da peça 1 = 52.5 min
PT1
Tempo de Percurso do lote = 75 min
PT2
PT3
20 min
50 min
75 min
Figura 3. Percurso de um lote de 10 artigos.
Tudo o que foi dito até aqui considera a produção esporádica de um ou de um lote de 10 artigos e
obviamente não considera a produção continuada diferentes artigos como acontece numa grande parte de
sistemas produtivos.
4. Tempo de Ciclo e “Takt Time”
De uma forma geral podemos dizer que os sistemas produtivos reais funcionam o mais possível de forma
continuada, especialmente os sistemas produtivos em linha como o apresentado na figura 4. Nesta situação
devemos produzir na capacidade máxima do sistema produtivo desde que haja procura equivalente para
esse tipo ou para esses tipos de produtos. A procura é frequentemente representada em termos de Takt time,
que mais precisamente nos diz de quanto em quanto tempo o mercado pede em média uma unidade do
produto em causa, durante o período de produção. Enquanto o takt time é imposto pelo mercado, o tempo
de ciclo é resultado do sistema produtivo em causa. Vejamos como se calcula o TT (takt time):
Considere-se a procura de um produto como sendo em média de 650 unidades por semana. Considere-se
também que cada dia de trabalho equivale a 460 minutos e que em cada semana se trabalham apenas 5
dias. Desta forma teremos que em média o mercado pede 130 produtos por dia de trabalho e
consequentemente um produto em cada 3,54 minutos, ou seja, o TT (Takt Time) é de 3,54 minutos. Em
termos matemáticos o TT é o inverso da procura (não esquecer o detalhe de que a variável tempo está
relacionada com o tempo de produção).
Se formo rigorosos podemos não considerar os 460 minutos por dia como sendo o tempo disponível para
produção. Se soubermos que o sistema produtivo em causa (célula ou a linha) tem paragens que em
média equivalem a 30 minutos por dia então termos que o TT associado não é de 3,54 minutos mas sim
de 3,31 minutos. Por outras palavras podermos então dizer que de 3,31 em 3,31 minutos teremos de ter
um produto pronto por forma a satisfazer a procura. Mas pode não ser tudo, pois se soubermos que por
exemplo 5% dos produtos produzidos são defeituosos então o TT ainda será menor. Para determinar o seu
valor teremos de fazer os seguinte cálculos:
A quantidade que é então necessário produzir por dia por forma a ter 130 unidades depois de retirarmos
os produtos defeituosos:
Q-0,05Q=130 ==> Q=130/0,95 ==> Q=136,8 (podemos dizer 137 unidades)
Resultando então um TT de:
TT = 430/137 = 3,14 minutos por produto.
De facto, considerando as paragens típicas da linha e a produção de defeituosos teremos que um TT
resultante de cerca de 3,14 minutos. Sendo assim, o nosso sistema produtivo terá de ter um produto
pronto em cada 3,14 minutos ao contrário dos iniciais 3,54 minutos.
Figura 4. Sistema produtivo de estudo com identificação dos armazéns locais.
Vamos começar por supor que o armazém local5 A1 tem sempre artigos para alimentar o posto PT1. Nessas
condições, com PT1 a produzir continuamente, o armazém A2 receberá artigos a uma taxa de um artigo em
cada 2 minutos ao mesmo tempo que alimentando o PT2 perderá artigos a uma taxa de um em cada 3
minutos. Desta forma, em cada 6 minutos, A2 receberá 3 artigos de PT1 e perderá 2 artigos para PT2,
resultado numa acumulação de um artigo em cada 6 minutos.
Quanto ao armazém A3 temos que receberá um artigo em cada 3 minutos e a menos que tenha artigos
acumulados por alguma razão, também perderá um artigo a cada 3 minutos. Quer isto dizer que o posto PT3
nunca poderá produzir continuamente à sua taxa máxima de 24 unidades por hora. Isso só poderá acontecer
se estiver parado durante algum tempo, permitindo que A3 acumule artigos, e depois trabalhe durante algum
tempo à sua capacidade máxima.
5
Vários são os termos usados na industria para designar estes armazéns locais (buffers, almofadas, amortecedores
ou simplesmente stock). Trata-se de armazenamento a montante ou a jusante dos postos de trabalho apenas existente
porque esses artigos estão à espera de ser processados ou movimentados.
Admitindo que as máquinas operam sempre que tenham artigos no seu armazém de entrada, há uma
questão que se pode colocar neste momento: a que taxa chegam os artigos a A4?
Ora a taxa a que chegam artigos a A4, ou por outras palavras, a taxa a que o sistema produtivo é capaz de
produzir, equivale à taxa de produção do posto de trabalho mais lento, neste caso o PT2 com uma taxa de
20 unidades/hora. Dito por outras palavras, o sistema produtivo representado na figura 4 é capaz de
fornecer um artigo em cada 3 minutos. Esse é o tempo de ciclo do sistema produtivo em causa. O tempo de
ciclo6 é então o intervalo de tempo entre dois artigos sucessivas, processados por um sistema produtivo.
Começamos a entrar num tema que é bastante mal entendido por muita gente da industria. Trata-se da
relação entre o tempo de ciclo, o tempo de percurso e o somatório do tempo de processamento. Ora
vejamos para o caso da figura 4: o tempo de ciclo já é conhecido, é de 3 minutos; o somatório dos
tempos de processamento é de 7,5 min; mas o tempo de percurso, esse depende das quantidades de
artigos que estiverem nos armazéns locais à espera de processamento. É muito fácil cair na tentação de
pensar que um artigo apenas levará 7,5 min a atravessar o sistema mas isto é apenas uma ilusão e por
isso podemos ter dificuldades em cumprir prazos. Se imaginarmos que em cada armazém local tivermos
em média 10 artigos à espera de processamento, um artigo que chegue a A1 terá de aguardar 20 minutos
pela sua vez até ter inicio o seu processamento em PT1. Depois esperará 30 minutos no armazém A2 e
finalmente, depois de ser processado em PT2 terá de permanecer mais 25 minutos em A3. Este artigo
gastaria um total de 75 minutos apenas aguardando a sua vez para ser processado nos diversos postos de
trabalho e apenas 7,5 minutos em processamento. (Se imaginarmos que em vez de 10 artigos em média
em cada armazém temos 100 artigos, faça as suas contas e veja o resultado). No caso hipotético
assumido neste exemplo temos que 10% do tempo de percurso é gasto em processamento e os restantes
90% do tempo é gasto em esperas, mas nas nossas empresas a relação é bastante pior. Nas nossas
empresas temos relações muito mais modestas, temos muitos casos a rondar o 1% mas o valor médio
não é conhecido por não haver nenhum estudo nesse sentido. Um valor apresentado como média da
industria Americana aponta para 5% (Productivity Press Development Team, 1998) embora eu
pessoalmente tenha as minhas dúvidas com a veracidade deste valor.
5. Lei de Little
No que diz respeito ao entendimento da produção é importante notar que a nossa intuição e o nosso bom
senso nos podem levar para caminhos errados e que antes de podermos usar de forma eficaz essa
“intuição” e esse “bom senso” temos de entender o comportamento dos fluxos de produção. Não há nada
de especial no seu comportamento, que até é bastante simples, mas interpretações erradas levam
normalmente a ineficiência e perda de competitividade. O que vem a seguir não é novo mas sei que ainda
não está claramente entendido pela maioria dos profissionais da área.
O fluxo dos materiais em produção pode ser comparado ao fluxo de líquidos em tubagens e essa analogia
pode de facto ajudar-nos bastante. Esta ideia foi formalmente apresentada por Little (1992) e é hoje
conhecida por Lei de Little. A ideia é que, se diminuirmos a secção das tubagens, a velocidade do fluido tem
de aumentar para manter o mesmo caudal. Aumentado a velocidade, cada partícula do fluido demora menos
tempo a percorrer as tubagens. Um comportamento análogo se passa nos sistemas de produção. A área da
secção das tubagens é comparada à quantidade de artigos em curso, deste modo, quantos mais artigos em
curso existirem maior vai ser o tempo que cada artigo demora no sistema. Os artigos em curso são os artigos
que estão em espera ou a ser processados num sistema produtivo e a sua quantidade é frequentemente
designada por WIP (Work In Process). Para o caso da figura 4, e assumindo uma média de 10 artigos em
6
Tempo de ciclo é um parâmetro importante de um sistema produtivo e em Inglês é bastante comum ser usado o
termo Cycle Time.
cada um dos 4 armazéns locais, teríamos um WIP de 43 artigos (40 artigos em espera mais 3 a ser
processados em cada posto de trabalho).
Figura 5. Representação da Lei de Little.
A figura 5 pretende ajudar a explicar a ideia associada à lei de Little. Na parte de cima da figura temos a
representação de um sistema com muito WIP (tubagem larga) e em baixo um sistema com pouco WIP
(tubagem estreita). Agora vamos assumir que em ambos os casos a taxa de produção (caudal) é a mesma,
ou seja, o mesmo numero de “bolas” a ser debitadas por unidade de tempo. Em qual dos casos a bola azul
demora mais tempo a percorrer sistema? Se o raciocino estiver correcto a resposta é: no sistema de cima.
A lei de Little, pode ser expressa da seguinte forma:
WIP = Taxa de Produção x Tempo de Percurso
O WIP é a quantidade de produtos que se encontra em curso de fabrico dentro do sistema produtivo que
estamos a analisar. A Taxa de Produção7 é a quantidade de produtos por unidade de tempo que o sistema
produtivo em causa está em média a debitar. O Tempo de Percurso8 é o tempo que em média um produto
demora a atravessar o sistema em causa, desde que entra no sistema até que o abandona.
À luz desta lei, o WIP é o mesmo que tempo de percurso. Para WIP elevados, tempos de percurso longos;
para WIP reduzidos, tempos de percurso curtos
Esta simples equação permite-nos ver a produção de um ponto de vista muito interessante, como se pode
ver nos exemplos a seguir.
Exemplo 1:
Entre numa qualquer secção de fabrico e/ou montagem e conte os produtos que estão em curso (WIP). Não precisa
de ser 100% preciso, basta um valor aproximado. Vamos assumir que contou 2000 produtos. Depois peça que lhe
digam quantos produtos em média são produzidos por dia naquela secção ou fábrica (Taxa de Produção). Vamos
assumir que lhe dizem, uns 100 por dia. De acordo com a lei de Little, faça as contas e obterá um valor de 20 dias
para o tempo de percurso. De seguida, peça para lhe dizerem quanto tempo os produtos demoram na secção,
desde que chegam até que saem. Na maioria dos casos dizem um valor muito menor do que os 20 dias que
calculou. Isto quer dizer que muitos gestores das secções não sabem exactamente o tempo de percurso e como tal
não sabem muito bem como responder às solicitações do mercado.
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O Tempo de Percurso é normalmente designado, na terminologia inglesa, de Throughput Time embora também
sejam usados outros termos como Lead Time ou Flow Time.
Exemplo 2:
Procure saber qual o valor em euros de todos os inventários (stocks) em matérias-primas, em produto acabado e em
curso de fabrico. Obter este valor pode não ser fácil mas com a contribuição dos responsáveis pelos diversos
armazéns e secções, acaba por se ter uma ideia muito aproximada (vamos assumir um milhão de euros). Em
seguida procure saber as vendas mensais e o valor dessas vendas em euros a preço de custo (vamos assumir 200
mil euros por mês). Com esses dados fica com uma ideia muito aproximada do tempo médio entre a chegada da
matéria-prima até que os produtos produzidos por ela são enviados para o cliente (5 meses). Este pequeno cálculo
ajuda a conhecer melhor a realidade da empresa.
O prazo de entrega é um indicador de desempenho cada vez mais apreciado no mercado. Responder mais
rápido que os concorrentes é um inquestionável factor de competitividade e está intimamente associado ao
tempo de percurso. A questão aqui é simples, para se responder rapidamente ao mercado, não é necessário
ter maiores taxas de produção, basta reduzir a quantidade de artigos em curso, ou de uma forma mais
generalizada, reduzir os inventários9. Assim sendo, os prazos de entrega e o nível dos inventários são
indicadores intimamente ligados, são basicamente a mesma coisa.
A lei de Little pode ser vista também de uma outra forma dado que a taxa de produção é o inverso do tempo
de ciclo. Assim teremos que:
Tempo de Percurso = Tempo de Ciclo x WIP
Desta forma, conhecendo o tempo de ciclo de um sistema produtivo e contando as quantidades em curso
dentro do mesmo sistema, poderemos facilmente determinar o tempo que cada artigo gasta em média para
atravessar esse sistema produtivo.
6. O papel dos inventários
Os inventários (stock) são uma constante dos sistemas produtivos, na prática não há sistemas produtivos
sem inventários. Eles existem por necessidade, porque não é viável viver sem eles, eles resolvem um
conjunto de problemas que de outra forma são visto como sendo mais difícil resolvê-los. Eles são a solução
fácil mas são ao mesmo tempo um fonte de problemas, um desperdício, um custo. Embora se deva reduzir o
mais que pudermos, o inventário “zero” é uma miragem. Sem inventário os supermercados não poderiam
existir, nem as lojas de roupa ou de electrodomésticos. Muito do nosso modo de vida está associado aos
inventários, temo-los nas nossas casas, arroz, massa, leite e muitos outros produtos.
Os inventários servem para amortecer os desajustes entre a oferta e a procura ou para reduzir os custos do
ajuste. Embora eu gaste apenas uma meia dúzia de folhas de papel por dia, faz mais sentido ter uma resma
armazenada no local onde preciso do que ir comprar todos os dias apenas as folhas que necessito. Além
disso não sei exactamente quantas preciso em cada dia.
Embora não pareça à primeira vista, os inventários assume um papel central no desempenho de um sistema
produtivo. A forma como uma empresa olha para os inventários pode determinar se sobrevive ou
simplesmente é eliminada pelo mercado. Não menospreze o papel dos inventários, é vital que os entenda e
entenda o seu impacto em toda a organização. Os inventários escondem problemas e dão uma falsa ideia de
organização. Com inventários altos todos os elementos da organização dormem melhor mas a organização
caminhará inevitavelmente para o fim.
9
Inventários é uma palavra portuguesa que pode muito bem ser usada em vez da palavra “Stock”. Tipicamente há
inventários de matérias-primas, o inventário de artigos em curso (designado por WIP) e o inventário de produtos
acabados.
Os inventários tem sido tradicionalmente mal entendidos nas empresas, repare-se que até contam como um
activo na contabilidade, mas está na hora de começar a olhar para eles de uma forma mais realista: eles
custam muitos recursos às organizações, se puder viver sem eles será muito mais lucrativo.
Tome nota do seguinte: se me perguntarem, o que se deve fazer para melhorar o desempenho da
produção? A resposta passa sem dúvida pela redução dos inventários.
Goldratt e Fox (1986) apresentam uma ideia muito interessante que vale a pena rever com atenção e reter
na memória. Estes autores defendem que o impacto do desempenho da produção no desempenho de uma
empresa ou negócio (traduzido em lucro, rendibilidade do investimento e Cash Flow) é levado a cabo por 3
indicadores: O fluxo de produção, o inventário e as despesas de operação (ver figura 6).
Lucro Líquido
Rendibilidade do
Investimento
Cash Flow
Fluxo de
Produção
Inventário
Despesas de
Operação
Figura 6. Impacto da Produção no desempenho do negócio.
Qual é o objectivo das empresas em geral? O que é que de facto querem os donos e os investidores das
empresas? Será realista pensar que os investidores e os trabalhadores ponham o seu dinheiro e o seu
esforço na empresa com o interesse altruísta de providenciar melhores serviços para os clientes? Ou porque
querem melhor imagem e maior quota de mercado? Será que os investidores e operários são impelidos pelo
orgulho de terem os produtos com melhor qualidade?
É perfeitamente aceitável que o objectivo das empresas seja o de ganhar dinheiro no presente e garantir que
se ganhe dinheiro no futuro. Mas qual é de facto o significado disso? Estaremos a falar do Lucro Líquido? da
taxa de retorno do capital investido (Rendibilidade do Investimento)? Ou do Cash Flow? O lucro líquido é uma
medida absoluta do resultado do negócio, a Rendibilidade do Investido é uma medida relativa desse
resultado e o Fluxo de Caixa dita a sobrevivência presente da empresa.
Os autores escolheram estes 3 indicadores porque eles complementam-se. Ora vejamos porquê. Um lucro
líquido de 20.000 € é bom? Pode ser ou não. Para uma micro empresa pode ser bom mas para uma grande
empresa é péssimo. Por outro lado uma empresa pode ter um bom lucro, uma boa rendibilidade de
investimento mas pode ir à falência por falta de Cash Flow. Muito poderia ser dito acerca deste assunto mas
para resumir poderemos dizer que se todos os 3 indicadores estiverem bem então o negócio vai bem.
O Fluxo de Produção10 (Throughput) - representa a taxa a que a organização gera dinheiro através das vendas.
De notar no detalhe “através das vendas” e não “através da produção”. Se produzirmos algo e não o
10
Aqui é usado o termo “Fluxo de Produção” em vez de “Taxa de Produção” para salientar a ideia que se trata
apenas do fluxo que gera dinheiro, não deve ser incluído o que foi produzido e que ficou em inventário de produtos
vendermos então não gera fluxo de produção, só conta o que gerar dinheiro. Esta diferença é frequentemente
desvalorizada nas empresas tradicionais uma vez que o responsável pela produção tem o objectivo de
produzir de forma eficiente, o responsável pelo departamento comercial tem o objectivo de vender e o
responsável pela qualidade tem o objectivo de garantir a qualidade dos produtos. É frequente que haja
conflitos de objectivos resultando num pobre desempenho global da empresa.
O Inventário diz respeito a todo o dinheiro investido na compra de tudo aquilo que se pretende transformar
para posteriormente vender. Esta definição é diferente da tradicional pois exclui o valor acrescentado da mãode-obra (MDO) e os custos indirectos. A avaliação de tudo o que está em inventário, quer seja matériasprimas, artigos em curso ou produto acabado; é feita apenas na base do valor que foi investido na sua
compra.
As Despesas de Operação são todo o dinheiro gasto pelo sistema produtivo para transformar Inventário em
Fluxo de Produção. Esta definição inclui o custo da MDO e os custos indirectos (gestão, computadores,
secretárias). Se o trabalho de uma secretária não contribui para transformar Inventário em Fluxo de
Produção então o seu salário não é um despesa de operação, é simplesmente um desperdício.
Quando aumentamos o fluxo de produção (expresso em vendas) sem afectar negativamente o inventário e as
despesas de operação, estamos directamente a aumentar os 3 indicadores financeiro (lucro líquido, retorno
do investimento e o fluxo de caixa). Se o fluxo de dinheiro a entrar na empresa aumenta, então o lucro
líquido aumenta pois para os mesmos custos (despesas de operação) conseguimos mais dinheiro a entrar.
Se entra mais dinheiro então temos mais dinheiro em caixa (cash flow) e se entra mais dinheiro então mais
depressa obtemos o retorno do capital investido. O impacto directo da redução das despesas de operação
nos 3 indicadores financeiros é o mesmo que o impacto directo do aumento do fluxo de produção.
Qualquer empresário ficará contente se vir aumentado o fluxo de produção (mais dinheiro a entrar por
semana), sem mexer as despesas de operação. O mesmo se pode dizer que ficará contente se vir reduzidas
as despesas de operação mantendo o fluxo de produção. O que não será tão fácil é convencê-lo dos
benefícios de reduzir os inventários e é aí que reside um dos maiores problemas.
A redução do inventário não tem impacto directo no Lucro Líquido mas apenas na Rendibilidade do
Investimento e no Fluxo de Caixa. Será que se pode dizer que o inventário é menos importante do que os
outros indicadores de produção? Não podemos cair neste erro típico.
O fluxo de produção (resultados das vendas) e as despesas de operação sempre foram assumidos com
indicadores importantes e sempre foram levados em conta, mas o inventário sempre foi sistematicamente
menosprezado. Veremos aqui que além da sua importância directa no desempenho económico da empresa
devemos prestar atenção ao impacto indirecto que tem o inventário no desempenho financeiro da empresa.
Vamos então analisar esse impacto indirecto.
Como sabemos, ao reduzir o inventário estamos também a reduzir algumas despesas de operação como por
exemplo: custo do capital empatado em inventário, espaço de armazenamento, custos de manuseamento,
etc.. Algumas empresas estimam que o custo anual de posse do inventário andará entre os 20 e os 25% do
valor do inventário. Como ao reduzir o inventário estamos a reduzir as despesas de operação então fica claro
de uma forma indirecta estamos a aumentar os 3 indicadores financeiros de que se tem vindo a falar.
Cada vez há mais a ideia que, para além do impacto referido atrás, há benefícios intangíveis na redução do
inventário. Acredito que devemos dar sempre ênfase à redução dos inventários, mesmo que já sejam baixos.
A redução do inventário trará sempre benefícios na competitividade.
acabados. Nesta forma de ver, tudo o que foi produzido mas que não foi vendido é como que não tivesse sido
produzido ainda.
Mas uma pergunta é legítima: Se a redução do inventário é assim tão importante porque será que as
empresas não estão já a produzir com baixos níveis de inventário?
Qualquer gestor conhece bem que o nível de vendas e as despesas de operação tem uma enorme
importância a curto prazo. Por isso tem medo que ao reduzir o inventário esteja a alterar negativamente
esses indicadores. Se por falta de inventário forem perdidas algumas entregas de produtos aos clientes
dentro do prazo, é muito natural que venha a perder dinheiro. Além disso, também se pode ter medo de,
pelo facto de ter baixo inventário alguns postos de trabalho estejam temporariamente à espera de trabalho e
isso representa aumento das despesas de operação. Estas são razões mais que suficientes para que
qualquer gestor, pelo sim pelo não, mantenha algum inventário para se proteger.
NOTA: Com o intuito de reforçar a ideia que tem sido apresentada nestes textos e como forma de a
resumir podemos dizer que a redução dos inventários tem duas classes de benefícios: (benefício classe 1)
A redução dos custos associados à sua posse (estima-se que sejam anualmente na ordem dos 25% do
seu valor) e (benefício classe 2) como a redução do inventário é o mesmo que redução dos tempos de
percurso, resulta que a empresa passa a ter prazos de entrega mais curtos e por isso mais competitiva. A
produção de menores quantidades de cada vez resulta numa melhoria da qualidade dos produtos (REF) e
na prática há evidências do aumento da produtividade (REF).
7. Razões para os inventários
Esta secção pretende listar as principais razões que levam as empresas a assumir os inventários como
uma necessidade ou como um mal menor. Também se apresentará algumas razões que levam os
gestores a resistir à redução dos inventários
Longos tempos de preparação dos equipamento
O tempo de preparação de uma máquina (também conhecido por tempo de setup11 ou Changeover)
quando se muda de artigo, influencia directamente a quantidade que se deve produzir de cada vez.
Quanto maior for o tempo que se gasta para preparar uma máquina tanto maior é a tendência para se
produzir grandes quantidades desse artigo.
Uma prensa de enormes dimensões com ferramentas pesadíssimas e de difícil ajuste pode facilmente
demorar umas 7 ou 8 horas a preparar para a produção de uma nova peça cujo tempo de
estampagem por unidade não passa de alguns segundos. Nunca seria económico rentável,
produzirem-se apenas 2 ou 3 peças de cada vez. É mais que natural aceitar-se que se produzam
essas peças em grandes séries. Digamos que se deveria manter a produção desse artigo durante uma
semana ou duas por forma a diluir o custo de preparação numa grande quantidade de peças. Este é
ainda hoje uma pensamento padrão na nossa industria e um dos grandes entraves à sua
competitividade.
Este pensamento intuitivo e de reconhecido “bom senso” está também patente nos modelos tradicionais
de gestão de inventários (ver anexo I). Uma máquina que demora uma hora a preparar para mudar de
artigo deverá trabalhar no mesmo artigo algumas horas ou dias
Produzir lotes de grandes dimensões implica grandes níveis dos “em-curso” (WIP) e consequentemente
enormes encargos não apenas nos custos relativamente fáceis de reconhecer, como o custo do capital
11
Setup or Changeover – “the wok required to change a specific machine, resource, work centre, or line from
making the last good piece of item A to making the first good piece of item B...” (Cox e Blackstone, 1998)
empatado, mas também nos custos mais difíceis de reconhecer tais como a desordem e a ineficiência que
esses “em-curso” geram na produção. O maior problema, não é apenas relacionado com o facto de estes
últimos serem difíceis de determinar mas principalmente porque nem sempre são reconhecidos pelos
profissionais responsáveis.
Vamos agora aos inventário dos produtos finais que são função das dimensões dos lotes produzidos pela
secção 3 e pela secção 4 (figura 7). Mais uma vez essa dimensão dos lotes é função dos tempos de
preparação das máquinas dessas secções e dos custos de posse associados.
Os sistemas MRP (Material Requirements Planning) veio, nos anos 1960, revolucionar a atitude perante os
inventários, pela introdução do conceito de procura dependente. Este assunto será abordado no capítulo
XXXXXXX
Apesar do aparecimento do conceito MRP e mais tarde do conceito de Lean Manufacturing,
revolucionando completamente a atitude perante os inventários, os modelos matemáticos de gestão de
inventários continuam, em alguns casos, ainda hoje a ser aplicados.
Referencias
Cox, J.F., Blackstone, J.H. (2001), APICS Dictionary, 10th ed., APICS-Educational Society for Resource
Management, Falls Church, VA,
Gonçalves, J.F. (2000), Gestão de Aprovisionamentos, Publindústria, Edições Técnicas
Little, J.D.C. (1992) “Tautologies, Models and Theories: Can we find ‘Laws’ of manufacturing?” IIE Transactions 24:713.
Productivity Press Development Team. (1998) Just-In-Time for Operators. Portland, OR: Productivity Press.

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