14. Desobrigas - Diocese de Rio Branco, Acre
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14. Desobrigas - Diocese de Rio Branco, Acre
DESOBRIGAS Embora a renovação conciliar tivesse provocado novas formas de apostolado, a prática das desobrigas não caiu em desuso, pois às vezes, era a única maneira de chegar até o povo do interior dos rios e levar algum tipo de conforto, tanto corporal como espiritual. As desobrigas continuaram sendo totalmente necessárias nas paróquias, onde os rios dificultavam a chegada com frequência dos missionários. Às vezes, nem todos os anos era possível fazer a desobriga, por falta de pessoal ou de meios para realizá-la. A paróquia de Sena Madureira, por suas características próprias, com abundantes rios, sempre dispensou grande atenção às visitas pelos rios e comunidades dentro da mata. E também foi a que maior documentação escrita nos deixou, podendo-se saber assim, com detalhe, como aconteciam essas visitas aos seringais. Nas outras paróquias, por falta de documentação, podemos entender que a situação era parecida. “Impressões da desobriga no Iaco 1964. “Os dois padres voltaram com bastante saúde. O Pe. Pio Bosello que desobrigou nas margens, gostou da experiência apostólica adquirida, deixando entre os fiéis ótima impressão pelo seu espírito de sacrifício, de paciência e energia. O outro também, indo pelos centros, no conjunto foi bem recebido. Porém, a comum impressão gravou-se no ânimo dos dois. Em resumo: grande ignorância religiosa, fé misturada à superstição, pois são também pouco assistidos. É necessário visitá-los mais frequentemente. Problema difícil!”.1 Frei Paolino, depois de sua chegada a Sena Madureira como pároco, e cheio de ardor missionário, organizou sua primeira desobriga: “No dia 24 de abril de 1968, o Pe. Paolino, mais as enfermeiras Inês e Sílvia, viajam rumo ao rio Macauã para a desobriga. Faz sete anos que não se faz a desobriga neste rio e a última vez foi feita às pressas e quase nada adiantou. É um rio estreito e cheio de paus. Depois de 34 dias voltou em Sena. A desobriga levada com calma e com ajuda das enfermeiras deu outro horizonte a este lado do apostolado da nossa paróquia. Na gente foi encontrada forte penetração protestante, que já não Frei Paolino preparando a aceitam o Padre convencidos de ser salvos e Igreja celebração no seringal. Católica é errada. Predominam os protestantes nos seringais S. Francisco, S. José e Riozinho. Nos outros seringais o Padre é bem aceito. Um certo Alcides, que veio do Maranhão anos atrás, tendo um pequeno saber e pertencendo à seita dos pentecostais, em pouco 1 II Livro de Tombo de Sena Madureira. Pág. 38. tempo conseguiu fanatizar o pessoal simples daquela região e se como professa nada de progresso deu aquela região em vinte anos, mas conseguiu virar a cabeça de muitos. Não faltaram para o padre e as enfermeiras verdadeiras satisfações espirituais naquela desobriga por encontrar muita gente simples e que aceita com verdadeiro entusiasmo a Palavra de Deus”.2 Sem dar trégua, e sem descanso propriamente, para conhecer toda sua paróquia, empreendeu uma nova desobriga: “Dia 14 de junho de 1968. Como verdadeiros exploradores e heróis, partem rumo às cabeceiras brasileiras (isto é até o último seringal do Brasil) do rio Iaco, em desobriga que provavelmente durará até fins de outubro (!), o Pe. Paolino e as duas enfermeiras italianas Inês Bertoni e Sílvia Lavi. Em embarcação própria e com motorista também próprio, encetam esta viagem-façanha, sob os auspícios e as bênçãos de Deus e da Virgem Santíssima. Os paroquianos, sobretudo as Associações, acompanham com orações esta missão apostólica dos „três mosquiteiros de Cristo‟ Finalmente, depois de 4 meses e 13 dias, volta o Pe. Paolino da desobriga do Iaco. (Dois dias antes chegaram as enfermeiras Sílvia e Inês). „Surrado‟, magro, mas com a alegria estampada nos olhos, satisfeito por ter levado uma palavra de conforto e a Boa Nova a mais de 12.000 almas ao longo e nos centros do rio Iaco”.3 Depois, o próprio frei Paolino, contou suas primeiras impressões daquela desobriga no rio Iaco, para ele totalmente desconhecido: “Resumo da desobriga do Iaco de 1968. Houve por parte dos patrões dos seringueiros muito interesse. Foi feito com calma o centro e a margem. Não aproveitou da visita só quem não quis. A fé do povo é rudimentar. Há falta absoluta de escolas. O vício da bebida impera. O apostolado é muito difícil porque um contato passageiro não pode absolutamente imprimir uma orientação Frei Paolino de visita no seringal. religiosa. Uma certa penetração podia ter o rádio mas o único programa que é a Ave Maria na Difusora Acreana, é inconstante e sem um programa certo e construtivo. Se tentou formar pequenos núcleos deixando pessoas responsáveis pelo movimento religioso. Na desobriga foram elementos preciosíssimos as duas enfermeiras Inês Bertoni e Sílvia Lavi que enfrentando as dificuldades de clima, de alimentação, e as longas viagens a cavalo através da mata puderam seguir passo a passo o padre numa obra de assistência religiosa e humana que poderá dar à desobriga outras feições. Embora foi feita a grande desobriga do Iaco, 2 3 II Livro de Tombo de Sena Madureira. Pág. 67. II Livro de Tombo de Sena Madureira. Pág. 68, 68v, 70. fica agora ainda o Purus e o Caeté, mas... o inverno começou cedo e torna-se impossível fazer mais estas duas desobrigas”.4 E assim, aos poucos, acompanhado pela valiosa companhia das enfermeiras, foi percorrendo todos os rios, que fazia tantos anos que não eram visitados, chegando até os últimos seringais, conhecendo todo seu povo: “Dia 15 de abril de 1969. Pe. Vigário e as duas enfermeiras Inês e Silvia viajam para a desobriga do Caeté, que há nove anos não se faz. A desobriga seguiu seu curso normal. O rio tem pouca gente. A Santa Helena, o último seringal, não foi possível avisar em tempo e naturalmente não houve quase concurso. Reforma é um seringal que denota grande abandono. Havia antigamente prosperidade, agora só um grande campo abandonado. Iracema também só abandono. Não há muito concurso. Com a gente perdida na mata só pode-se ter um contato esporádico. A gente em geral recebe bem o Padre, mas é um cristianismo muito superficial. É difícil deixar também alguma pessoa que possa dar uns princípios religiosos. A desobriga dura mais ou menos 18 dias”.5 E, no fim do ano, completava a visita aos principais rios, fazendo a desobriga no rio Purus: “Em outubro, depois de ter enviado na frente as enfermeiras, chega o Pe. Paolino, depois de quatro longos meses de desobriga no rio Purus. A desobriga foi bem sucedida. Muito trabalho, mas muito abandono. De Mamoriá para cima, o Purus está quase deserto. De alguns seringais só existe o nome. O Xandless antigamente cheio de índios, agora está completamente deserto. Moram algumas famílias peruanas em Tabajara, Manaus e Primeiras viagens pelas estradas. Reintegro, com alguns caçadores de peles”.6 Suas impressões, bem reais e com conhecimento de causa, nos deixaram um retrato desses anos, da situação do povo do interior: “Como sempre o povo do interior é um povo hospitaleiro e trata bem o padre. Houve também uma certa melhora do lado religioso. Parece que o tempo da borracha está mesmo terminando. Só o que se escuta é a cantiga: Vou embora...! As novas rodagens que estão surgindo estão modificando completamente a vida. Os ribeirinhos estão procurando as grandes rodagens. Os seringais estão em crise com falta absoluta de dinheiro e de mercadoria e um fator importante é a queda dos preços das pelas. Foi feita a desobriga no modo mais perfeito possível. Além das enfermeiras foi levado um motor de luz para projeções luminosas de assunto religioso, mas... na gente não há amor à terra e não parece se procurar melhora, por causa da ideia de mudar 4 II Livro de Tombo de Sena Madureira. Pág. 70v. II Livro de Tombo de Sena Madureira. Pág. 73v. 6 II Livro de Tombo de Sena Madureira. Pág. 74v. 5 continuamente, e porque também a vida do seringueiro é de meio escravo, é de cativo”.7 Os tempos iam mudando e o progresso também foi chegando à Prelazia, não com a rapidez como as necessidades exigiam. Parece incoerência, mas depois dos aviões, chegaram os barcos rápidos: “Chega de Rio Branco o bote para o serviço rápido. Presente da Alemanha para assistência nos rios. O bote é bonito, confortável e desenvolve boa velocidade”.8 E, em seguida, em Sena Madureira se organizou a primeira viagem: “Viagem com o bote até Reforma, rio Caeté. Este rio está numa alagação pasmosa. Muitas casas foram arrancadas pela enchente. Voltamos à noite encontrando a cidade completamente embaixo da água. O Caeté está com sinais de vazante, como também o Macauã. As três embarcações da paróquia estão a disposição da gente. Fatos desagradáveis na nossa cidade. Uma mãe deixa a criancinha doente para ir pular carnaval, a criança cai na água e morre afogada”.9 A paróquia, sempre empenhada em conseguir uma vida melhor e mais digna para o povo, não deixou para trás uma das necessidades maiores do povo, como era a educação. Frei Paolino, principalmente, dedicou muito trabalho e esforço na construção de numerosas escolas no interior da paróquia, espalhadas por todos os rios. Assim, nesses primeiros anos, já se podiam ver escolas funcionando em Silêncio, Oriental, Boca do Caeté, Boca do Iaco, S. Bento, Providência, Santa Rita, Sol Nascente... Pe. André de moto visitando as Comunidades. 7 II Livro de Tombo de Sena Madureira. Pág. 89. II Livro de Tombo de Sena Madureira. Pág. 80. 9 II Livro de Tombo de Sena Madureira. Pág. 84. 8