Itália - CCIAA di Brindisi

Transcrição

Itália - CCIAA di Brindisi
Itália
Púglia
No tacão da bota
A Púglia é o sul orientalizado de Itália. São casas
rurais parecidas com tendas de pedra, quintas
fortificadas à maneira de castelos, cidades
inteiras iguais a “kasbashs”. Luís Maio (texto e fotos)
partiu à descoberta de uma região que condensa o
fascínio e a história do Mediterrâneo
A Púglia é o tacão da bota de Itália.
Uma região de chuvas fracas,
planícies imensas, raras elevações e
a mais longa faixa litoral do país
(800 km). Apesar de seca e rochosa,
foi desde tempos remotos cultivada
e hoje praticamente não restam
florestas, muito menos vida
selvagem. É um território agropecuário por excelência, onde
extensos pastos alternam com
olivais, vinhas e mais culturas
mediterrânicas, em geral exploradas
em regime latifundiário. Esta
dinâmica produtiva, aliada à
situação geoestratégica, atraiu vagas
sucessivas de conquistadores, que
de uma forma ou de outra deixaram
a sua marca no território.
Isto pelo menos até à Unificação
(1861), que favoreceu o Norte e
ditou um certo ostracismo das zonas
meridionais e mais remotas de Itália.
Graças a esse esquecimento, no
entanto, os seus tesouros agrícolas e
gastronómicos, as suas belíssimas
praias e jóias patrimoniais
mantiveram-se bastante intactas, até
há bem pouco tempo. Hoje mesmo,
apesar da multiplicação de nódoas
industriais e turísticas, Púglia é uma
terra que ainda oferece prazeres
difíceis de encontrar noutros lados
de Itália. Incluindo um corpo
original de obras de arquitectura,
entre o civil e o militar, que não se
encontram em mais parte nenhuma.
Terra de
sentinelas
Torre Guaceto é um parque natural
de cerca de 1100 hectares, gerido
desde 2000 por um consórcio
constituído pelas câmaras
municipais de Caravigno e Brindisi e
pela organização ambiental WWF.
Uma das raras zonas de paisagem
protegida na costa adriática, revelase também um excelente ponto de
partida para explorar a Púglia, na
medida em que lhe condensa a
história. Na verdade, este pedaço de
litoral que em tempos remotos foi
ÁUSTRIA
SUÍÇA
ESLOVÉNIA
BÓSNIA-HERZ.
CROÁCIA
ITÁLIA
Roma
Pú
gli
a
Mar
Mediterrâneo
considerado ideal para o
assentamento humano, veio depois
a ser abandonado, permitindo que a
natureza voltasse colonizá-lo.
A reserva é dominada por um promontório, onde se eleva uma torre de
vigia, frente a um conjunto de escolhos e pequenas ilhas. Num passado
longínquo, formavam uma língua de
terra que protegia uma laguna, onde
desaguava o chamado Canal Real.
Uma ampla superfície de água doce,
em torno da qual cresceram bosques
de carvalhos, habitados por fauna
mediterrânica. Em resumo, um lugar
perfeito para a ocupação humana,
documentada desde meados do
segundo milénio antes de Cristo. Muitos séculos depois, na Idade Média, os
sarracenos elegeram-no como porto
de desembarque para as suas incursões no sul de Itália, dando-lhe o
nome de “gawsit”, “lugar de água
doce”, donde deriva o actual Guaceto.
Os constantes e devastadores ataques dos turcos levaram ao esvaziamento do litoral, empurrando as
populações para o interior. Isto até
ao século XVI, quando a Casa de Aragão (que então governava o reino de
Nápoles) pôs em prática um sistema
de torres de observação ao longo de
toda a costa do Adriático. A maior
parte dessas sentinelas ainda hoje
dominam a linha do horizonte, mas
foram sendo sitiadas por povoações,
entre o piscatório e o turístico. Não
aconteceu, porém, com a imponente
Torre Guaceto de 1530, uma vez
que o depósito de sedimentos foi
gradualmente transformando o
porto numa zona pantanosa,
adversa à ocupação humana,
ditando que a torre só voltasse a ser
empregue e por razões militares na
Segunda Grande Guerra. Hoje é um
bastião solitário na ponta da baía
formada pela antiga laguna, cercado
por pântanos e bosques onde a vegetação autóctone redespontou ou foi
reintroduzida. Dão lugar, mais para
o interior, a campos de cultivo (oliveira, tomate, melão), que representam perto de oitenta por cento da
área protegida. Esta biodiversidade
certifica o parque como um lugar
único para desfrutar do litoral da
Púglia, incluindo passeios a pé e de
bicicleta, como ainda para ir a
banhos e fazer mergulho nalguns
trechos autorizados, uma vez que a
reserva inclui também um largo
perímetro marinho.
Quintas
fortificadas
Divisam-se torres ameadas não
apenas à beira-mar, mas também
dominando vastas propriedades
agrícolas, sobretudo nas planícies
mais próximas da faixa litoral. São o
elemento mais distintivo das
“masserias”, quintas fortificadas que
começaram a ser construídas nos
séculos XV e XVI, para fazer frente
aos ataques vindos do Adriático.
Perante o crescente rol de ameaças e
à fraca oposição do poder central, os
senhores da terra foram
transformando os seus domínios em
pequenos castelos, construindo altas
muralhas, portões fortificados,
torreões e pontes levadiças. A defesa
requeria a auto-suficiência e, para
além das habitações, o núcleo
amuralhado devia integrar forno de
pão, lagar, currais e capela. A função
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Torre Guaceto
defensiva conservou-se inclusive no
tempo da Unificação, quando os
latifundiários passaram a enfrentar
grupos organizados de salteadores.
As muralhas não chegaram a vir
abaixo, mas com o tempo o núcleo
habitado foi-se abrindo ao ócio com
a construção de balcões, terraços e
jardins.
A maior parte das “masserias”
continua em funcionamento e
também há novas quintas que
replicam o seu modelo tradicional.
Mas algumas das antigas – talvez por
serem mais fotogénicas, ou mais
emblemáticas – foram entretanto
reconvertidas em unidades de agroturismo. Uma das melhores moradas
é seguramente Il Frantoio, quinta
nas vizinhanças de Ostuni,
fortificada no século XVI e
circundada por 72 hectares de
oliveiras. No início dos anos 90, a
propriedade foi comprada por um
casal tipicamente “soixant huitard”
de Bari, que restaurou o sítio e
inventou toda uma mística “new
age” em redor. Só têm oito quartos
para hóspedes, mas são todos
esplendidamente decorados com
mobiliário de época, e a ementa do
jantar, com oito pratos e muitos
produtos da quinta, é um verdadeiro
desfile de iguarias locais.
Outra quinta fortificada no século
XVI, já mais perto do mar que de
Ostuni, é Torre Coccaro. A casa-mãe
é esplêndida, o templo já é mais
igreja que capela, a muralha tem a
grandeza de um castelo. E, no
entanto, tudo isto é pouco mais que
um cenário exótico para o que na
realidade é um hotel de cinco
estrelas, oferecendo o habitual
pacote de luxos cosmopolitas (spa,
design) a uma clientela de “jet set”
internacional. Também se
encontram, por outro lado,
“masserias” tão ou mais estupendas
que não mostram qualquer sinal de
se render à invasão turística – aí,
claro, não se pode ficar, nem comer,
mas pode-se sempre visitar. É o caso
por excelência da Areiprete, quinta
fortificada que fica mais para o
interior, perto de Mesagne, mas que
em nada fica a dever às suas
homólogas mais célebres do litoral.
A autenticidade aqui é garantida,
quando o imponente torreão do
século XVI e a casa primitiva ainda
não foram intervencionadas e em
redor tudo o que se encontra são μ
Cisternino
Fugas • Sábado 10 Janeiro 2009 • 17
Itália
μ quinze mil oliveiras, das quais cerca
de duas mil são de origem. É um
luxo a que se pode dar a si própria a
Stasi, empresa especializada na
produção de azeites seleccionados,
que só vende para restaurantes e
lojas gourmet. Tem, porém, um
pequeno ponto de venda na
propriedade e esse pretexto basta
para visitar a “masseria”.
Tendas
de pedra
Chamam-se “trullo” (plural de
“trulli”), parecem tendas de
nómadas, mas são habitações feitas
em pedra. Constituem uma técnica
de construção camponesa única,
típica da Púglia, ou mais
especificamente de Murgia, o
planalto de baixa altitude que
domina a zona centro-sul da região.
“Trullo” é a palavra grega para
cúpula, mas esta é uma designação
mais recente e a que se usa
tradicionalmente é “casedda”, que
significa casa pequena. Numa zona
onde o solo é mais rocha que terra
vermelha, o aproveitamento agrícola
dos terrenos implicou desde sempre
remover grandes quantidades de
pedra. Pedra calcária, fácil de
trabalhar, que passou a ser usada
nestas peculiares construções a seco
(sem argamassa). São feitas
empilhando pedras mão a mão, em
camadas concêntricas que vão
estreitando num telhado cónico,
sempre rematado por um pináculo.
Símbolos cristãos e pagãos são
comuns, tanto nas formas dos
pináculos como nas pinturas caiadas
nos telhados.
A origem do “trulli” permanece
em aberto, havendo quem defenda
que representa uma forma de
construção rural, local e
espontânea, como há quem aponte
as semelhanças com os túmulos
antigos do Médio Oriente. Mais
pacífico se revela identificar as
principais etapas da sua evolução: os
“trullo” mais arcaicos são cones
simples que arrancam directamente
do solo e que deveriam servir para
guardar animais e produtos
agrícolas; no passo seguinte estão
aqueles que exibem uma base
cilíndrica com uns bons dois metros
de espessura, já servindo de
habitação. Os mais evoluídos
mantêm o telhado cilíndrico, mas a
base é um cubo e um ou mais
andares. Estas e outras variações
podem ser testemunhadas em
Alberobello, a capital da região dos
“trullo” e património da UNESCO.
Nasceu em meados do século XV,
quando um aristocrata deu
autorização para construir uma
aldeia nos seus terrenos. Diz-se que
a oferta veio com a condição de
construir sem argamassa, para
facilitar a demolição das casas de
quem se escusasse a pagar os
devidos tributos e essa terá sido a
razão da excepcional concentração
urbana de “trullo”. O certo é que a
pequena cidade integra hoje 15 mil
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destas construções, sobretudo
numerosas nos bairros do Monti e de
Aja Piccola.
No Monti os “trullo” são quase
todos de figurino medieval, estão
zelosamente reabilitados e parte
reconvertidos em lojas de produtos
regionais. Já Aja Piccola é menos
turística, a maioria dos “trullo” são
habitados, não têm lojas e
constituem um cenário urbano
menos uniforme, incluindo “trullo”
geminados e de dois andares. Um
pouco por todo Alberobello há
também “trullos” híbridos com
estilos que vão do barroco ao
modernismo, provando que, longe
de ser uma curiosidade histórica,
este tipo de construção singular se
tem mantido popular através dos
séculos. É, aliás, o que se confirma
passeando pelos campos nas
redondezas, em particular no Vale
d’Itria, onde provavelmente nunca
se construíram tantos “trullo” como
agora.
“Kasbahs”
italianos
À medida que se avança para o
interior, a monotonia da planura vai
sendo interrompida por outeiros
isolados, noutros lados por
pequenas cadeias montanhosas, mas
sempre de baixa altitude. Os picos
mais elevados, ou mais
estrategicamente situados, são
colonizados por núcleos urbanos,
que já foram ou ainda são
amuralhados. Muda o relevo, a
arquitectura também, mas a lógica
defensiva que esculpiu este
território é em todo o lado a mesma.
Tal como se levantou um colar de
torres à beira-mar e se acastelaram
quintas nas planícies agrícolas, as
cidades foram construídas como
bastiões defensivos, em pontos
altaneiros e íngremes do interior. A
ironia histórica, e a surpresa para
quem vai à procura de uma espécie
de Itália “genuína”, é que estas
cidades da Púglia são, mais
frequentemente, tiradas a papel
químico das que se encontram do
“outro lado” do Mediterrâneo.
Ostuni é, porventura, o pólo mais
gritante desta duplicação, afinal
natural numa óptica de vizinhança e
intercâmbio plurissecular. Recuada
cerca de seis quilómetros do litoral,
43 quilómetros a norte de Brindisi,
Ostuni desenvolveu-se sobre três
colinas, pouco mais de 200 metros
sobre o nível do mar. Chega e sobra,
no entanto, para o seu amontoado
de casas sobressair do verde
circundante como um caprichoso
castelo de cartas. O centro histórico
revela uma teia de ruelas estreitas e
sinuosas, escadarias enviesadas e
becos sem saída, onde todas as casas
Como ir
Roma fica a cerca de 420 km (4h30
de carro) de Bari e 550 (6 horas) de
Brindisi. O voo de ida e volta entre
Lisboa e Bari ou Brindisi, sempre
com escala em Roma, na TAP-Air
Portugal, é a partir de 387€.
Onde dormir e comer
Masseria Il Frantoio
S.S. Ostuni-Brindisi, km 16
Telefone: +39 0831330276 e site:
www.masseriailfrantoio.it
Duplos desde 88€. Jantar 55€.
Masseria Torre Coccaro
C. da Coccaro, 8, Savelletri di Fasaso
Telefone: +39 080 4829310
Vale d’Itria
Ostuni
são cubos caiados de branco,
directamente escavados na rocha e
ensanduichados uns nos outros.
Troque-se a catedral gótica que
coroa o conjunto por uma mesquita
e Ostuni em pouco ou nada difere
das medinas e dos “kasbahs”
magrebinos.
Pitoresca e fotogénica, a cidade
velha é hoje um museu a céu aberto,
bem restaurada e hiperturística.
A rua principal vai-se forrando de
lojas de artesanato, nórdicos
grisalhos estão a comprar as casas
de habitação, enquanto a fachada
urbana sobre o Adriático é
convertida em recreio juvenil ao
entardecer. Mas Ostuni está longe de
ser a única cidade “marroquina” da
Púglia e há outras menos
www.masseriatorrecoccaro.com.
Duplos desde 262€, suite desde
632€.
Masseria Le Torri
Via prov. Le Torre S. Susanna,
Mesagne km 4
Telefone: +39 (0)831 747326 e site:
www.masserialetorri.it
Duplos desde 95€
Rione Antico La Terra e
restaurante San Piero
Via G. Petrarolo
Telefone: +39 0831 336651/2 e site:
www.laterrahotel.it
Duplos desde 65€
Polignano a Mare
concorridas, mas com tantos ou
mais encantos. Assim sucede com a
vizinha Cisternino, outra cidade
construída num outeiro (394 m),
desta feita com vista para o reino
dos “trullo”, que é como quem diz
para Vale d’Itria. A trama oriental do
bairro histórico é semelhante à de
Ostuni, a diferença é que se nota
menos turismo e mais casas
medievais emolduradas por
alumínio dourado.
Ostuni e Cisternino são cidades
onde as muralhas foram derrubadas
ou assimiladas pelo casario
circundante, mas outras cidades
brancas conservam as suas
guarnições intactas, incluindo os
respectivos castelos. Há várias rotas
de castelos da Púglia, itinerários que
acabam por ser alternativos quando
exploram zonas mais interiores e
remotas do território, onde o
impacto da modernidade não foi tão
letal. Fora de circuito está
nomeadamente Oria, terriola a meio
caminho entre Brindisi e Manduria,
que ainda hoje é dominada nas
alturas (116 m) por um imponente e
bem conservado castelo, do tempo
de Frederico II.
As cidades de sabor oriental são
na maioria interiores, mas há
excepções que confirmam a regra no
litoral do Adriático. O caso por
excelência é Polignano a Mare, com
um fantástico “kasbah” medieval,
encavalitado no alto das falésias que
caem de mais de vinte metros de
altura, a pique sobre o mar. Um
casario antigo e popular eleva-se
num labirinto de ruelas, que
invariavelmente desembocam em
terraços, na ponta de escarpas com
vistas soberbas sobre o mar
profundo. Há homens a pescar nos
terraços, crianças a jogar à bola nas
praças, namorados que procuram a
penumbra das grutas na praia,
famílias inteiras que fazem bicha à
porta das geladarias com luzes de
néon. Precisamente como em
Marrocos, no Egipto ou na Turquia.
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