Estudo da diferenciação floral em framboesa

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Estudo da diferenciação floral em framboesa
Estudo da diferenciação floral em framboesa
Ana Filipa Esteves1, Pedro B. Oliveira2, Cristina Oliveira1, Teresa Valdiviesso2
1
Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa
2
INRB, L-INIA, Quinta do Marquês, Nova Oeiras, 2784-505 Oeiras
Palavras Chave: Rubus idaeus, framboesa vermelha, fotoperíodo, intensidade luminosa
Resumo
Para maximizar e programar a produção de framboesas (Rubus idaeus L.)
eficazmente é fundamental estudar a fisiologia da planta, nomeadamente a
influência dos factores ambientais e culturais na iniciação/diferenciação floral.
Realizou-se um ensaio com três cultivares; Tulameen’ (não remontante), ‘Glen
Lyon’ (semi-remontante) e ‘Autumn Bliss’ (remontante), três ambientes de
crescimento condicionadas por diferentes épocas de corte e três condições luminosas
utilizando rede de sombreamento e lâmpadas incandescentes. Colheram-se gomos
em todos os tratamentos ao longo do ciclo de crescimento. Para estabelecer uma
classificação dos meristemas de acordo com as suas características morfológicas de
diferenciação, estes foram observados ao microscópio electrónico de varrimento e
realizaram-se cortes histológicos. Para detectar e estudar a diferenciação floral,
observaram-se os meristemas, através da dissecação do gomo à lupa. A floração da
‘Autumn Bliss’ ocorreu no terço superior do lançamento em todos tratamentos. A
diferenciação floral apenas ocorreu no terço médio nos lançamentos do segundo
corte, um pouco mais que o terço médio nos lançamentos do primeiro corte e em
quase todo o lançamento da modalidade sem corte. Na ‘Glen Lyon’ observou-se um
atraso da floração no tratamento ‘dias longos’. A ‘Tulameen’ não apresentou
nenhuma diferença entre tratamentos e entrou em dormência antes da iniciação
floral.
INTRODUÇÃO
Com a apetência actual do consumidor por framboesas frescas ao longo de todo o
ano, novas técnicas culturais foram desenvolvidas no sentido de alterar o ciclo biológico
da planta. Para o desenvolvimento das diferentes tecnologias de produção foi necessário
tirar partido dos diferentes hábitos de frutificação das framboesas. Na framboesa não
remontante o ciclo dura dois anos. No primeiro ano ocorre o crescimento vegetativo até
ao Outono, quando o crescimento cessa a planta entra na fase de dormência. A floração e
a frutificação iniciam-se na Primavera seguinte. Nas cultivares remontantes, o
crescimento vegetativo dá-se durante a Primavera, e a floração e frutificação ocorrem
entre o fim do Verão e o início do Outono desse primeiro ano.
Na produção precoce utilizam-se principalmente os lançamentos do segundo ano
de cultivares não remontantes. A produção tardia de framboesas é obtida através do corte
ao nível do solo, dos lançamentos do ano, em cultivares remontantes (Oliveira et al. 1996).
O processo floral no Género Rubus é influenciado ou controlado por vários
factores, tanto externos como internos, sendo a luz um dos mais importantes (Moore e
Caldwell, 1985). Vários estudos fisiológicos têm mostrado que a luz regula a floração
através da acção de três variáveis principais: qualidade, quantidade e duração. As
framboesas vermelhas raramente são encontradas sob a densa cobertura de uma floresta
fechada (Ricard e Messier, 1996), pois é uma espécie intolerante à sombra (Whitney,
320
1982; cit. em Oliveira et al., 2004). Os dias curtos e as temperaturas baixas são os factores
responsáveis pela indução floral em framboesa.
Assim foi objectivo deste estudo avaliar o efeito do ambiente (tratamento época de
crescimento/corte) e da luz (fotoperíodo e intensidade) na diferenciação floral em três
genótipos com diferentes hábitos florais.
MATERIAL E MÉTODOS
O ensaio foi realizado na Herdade Experimental da Fataca (37º30'N 8º45'O), no
concelho de Odemira, a 4 km do litoral e a 106 m de altitude.
O delineamento experimental foi do tipo Split-split-plot, com nove tratamentos
correspondentes a três condições luminosas, três cultivares e três ambientes. A área total
ocupada foi de 1170 m2 dividida em três blocos, sendo cada bloco constituído
aleatoriamente por três túneis de plástico. A cada túnel foram impostas condições
luminosas diferentes - main plots. Cada túnel tinha três linhas de plantação, uma para
cada cultivar - subplots e cada linha de plantação estava dividida em três ambientes,
criados através do corte dos lançamentos em diferentes datas - sub-subplots.
Foram utilizadas as seguintes cultivares: ‘Tulameen’ – não remontante, ‘Autumn
Bliss’ – remontante, e ‘Glen Lyon’ – semi-remontante. No dia 21 de Março foram
plantadas seis estacas por caixa de substrato composto por fibra de côco, casca de
pinheiro e perlite, na proporção de 3:1:1. As caixas foram dispostas em três linhas, uma
por cultivar, sendo o espaçamento entre-linhas de 1,6 m.
O conjunto de três túneis (bloco) possuía as seguintes condições luminosas: C –
ambiente natural; LD – dias longos (interrupção artificial da noite) e S – dias longos (o
mesmo que no túnel LD) + sombreamento (rede de sombreamento que bloqueia 30 % da
luz solar). Para estabelecer os ‘dias longos’, foram instaladas a 14 de Junho, lâmpadas do
tipo flowerpower, incandescentes, marca Philips de 100 W. A intensidade luminosa
fornecida pelas lâmpadas era de 21 W/m2. A iluminação nocturna foi realizada através de
4 ciclos de luz/sem luz com duração de 2 hora com início às 20:00 h.
Para alterar a estação de crescimento das plantas (ambiente), procedeu-se ao corte
dos lançamentos do ano em diferentes datas: i) não se realizou corte (SC), ii) corte a 22
Maio (1C) e iii) corte a 4 Julho (2C). Os cortes foram realizados manualmente, ao nível do solo.
Em cada talhão foi feita a amostragem aleatória de dois lançamentos e repetida
para cada bloco, totalizando seis repetições por tratamento. A partir da base de cada
lançamento colheram-se gomos de três em três nós. A colheita de gomos em todas as
cultivares e tratamentos foi realizada de acordo com o estado fenológico da ‘Autumn
Bliss’. Para a primeira colheita foi escolhido o estado fenológico F (Edin et al., 1999). As
colheitas seguintes realizaram-se em intervalos de um mês até a confirmação da
diferenciação até à base dos lançamentos. Os gomos foram fixados em etanol (1:1), em
microtubos, para posterior manuseamento no laboratório.
Para estabelecer uma escala das alterações morfológicas externas do meristema
(Tabela 1) durante a diferenciação floral, realizaram-se observações no microscópio
electrónico de varrimento (MEV). Os gomos foram dissecados à lupa de forma a revelar a
zona meristemática e seguidamente desidratados numa série progressiva de etanol, após o
que foram emersos em acetona. O material foi seco através do método do ponto crítico de
CO2, metalizadas com um banho de vapor de ouro e finalmente montado em suportes
metálicos. Foram realizados cortes histológicos com o objectivo de observar as alterações
morfológicas ao nível celular durante o período de diferenciação floral. Estes foram
321
efectuados num micrótomo de congelação, com 20 μm de espessura, corados com tintada-china, observados num microscópio e fotografados.
Para detectar e estudar a diferenciação floral, observaram-se os meristemas
utilizando a dissecação do gomo à lupa. Este método foi realizado numa lupa (até 189 x)
até se atingir o meristema, registando-se as características morfológicas observadas por
comparação com a escala estabelecida no método anterior.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os cortes histológicos dos gomos revelaram que o meristema vegetativo
apresentava uma forma esférica (Figura 1a), sendo o seu alargamento e achatamento as
alterações iniciais da diferenciação floral. Em seguida foram observados crescimentos
secundários na axila das folhas primordiais e abaixo do crescimento principal (Figura 1b),
sendo estes crescimentos secundários as flores secundárias da inflorescência. A última
alteração observada foi o desenvolvimento de órgãos florais, primeiro no crescimento
principal seguido mais tarde pelos crescimentos secundários (Figura 1c).
Os meristemas foram classificados pelo seu estádio de diferenciação floral
seguindo a escala obtida pelas observações através do MEV. A observação dos
meristemas revelou que os crescimentos secundários observados nos cortes histológicos
apresentavam uma disposição em espiral (Figura 2a) e que o desenvolvimento dos órgãos
florais nestes crescimentos seguiu o mesmo padrão espiral, ou seja, maior
desenvolvimento dos crescimentos secundários abaixo do principal do que os
crescimentos na base da inflorescência (Figura 2b).
Na ‘Autumn Bliss’ o tratamento luz não afectou a floração (5). O tratamento
“ambiente” alterou o número de dias necessários para a floração com uma redução do
ciclo em 20 dias (1C) e aumento de 14 dias (2C) em relação às plantas não cortadas (NC)
(Figura 3). Nesta cultivar o terço superior do lançamento floriu em todos os tratamentos.
Nos restantes gomos a diferenciação floral foi semelhante nos tratamentos “luz”. No
entanto, no tratamento “ambiente” a diferenciação ocorreu em todo o lançamento no SC,
em 75% no 1C e em 65% no 2C (Figura 4).
A floração (5) na ‘Glen Lyon’ foi observada nos tratamentos SC e 1C, mas não no
tratamento 2C. No tratamento SC a floração foi observada, em todos os tratamentos “luz”,
na data de colheita de 28 de Agosto, no entanto no tratamento 1C a floração foi observada
na data de colheita de 5 de Setembro apenas no tratamento C e só foi observada a 25 de
Outubro, nos tratamentos DL e S (Figura 3). Nesta cultivar, o primeiro corte no
tratamento C diminuiu 49 dias até à floração, mas nos tratamentos DL e S atrasou a
floração em 58 dias (em relação a SC). Assim, na ‘Glen Lyon’ verificou-se uma floração
terminal típica desta cultivar apenas no tratamento SC. A diferenciação floral deu-se até à
base do lançamento (SC) e em apenas 40% dos gomos no 2C.
O único factor que teve influência determinante na diferenciação floral foi o
“ambiente”. A alteração da data de corte provocou uma redução da percentagem de
gomos diferenciados com um aumento no número de dias necessários para se atingir um
mesmo estádio de diferenciação floral. Na ‘Tulameen’ os gomos não diferenciaram em
nenhum dos tratamentos até 23 de Janeiro.
Referências
Edin, M., Gaillard, P. and Massardier, P. 1999. Le Framboisier, Editor CTFIL, Paris.
Moore, J.N and Caldwell, J.D. 1985. Rubus, CRC Handbook of Flowering Vol. IV, A.H. Halevy,
Editor CRC, Boca Raton.
322
Oliveira, P.B., Oliveira, C.M., Lopes da Fonseca, L. and Monteiro, A.A. 1996. Off-season
production of primocane-fruiting red raspberry in mil winter climate using summer-pruning
and polyethylene tunnels. HortScience, 31(5): 805-807.
Oliveira, P.B., Oliveira, C.M. and Monteiro, A.A. 2004. Pruning Date and Cane Density affect
primocane development and yield of Autumn Bliss red raspberry. HortScience, 39(3): 520-524.
Ricard, J.P. and Messier, C. 1996. Abundance, growth and allometry of red raspberry (Rubus
idaeus L.) along a natural light gradient in a northern hardwood forest. Forest Ecology and
Management, 81: 153-160.
Tabela 1 – Descrição das alterações morfológicas nos estadios de diferenciação floral dos
gomos
Estadio
0
1
2
3
4
5
Características
Vegetativo
Diferenciado; alargamento do ponto de crescimento
Diferenciado; aparecimento de pontos de crescimento secundários
Diferenciado; alongamento do ponto de crescimento
Diferenciado; desenvolvimento de peças florais
Flor visível
323
SC
0,6
100%
92%
83%
75%
67%
a
F
DF
V
58%
50%
42%
11-07
33%
11-07
11-07
25%
17%
c
b
8%
0%
Figura 1. Cortes histológicos de gomos de
framboesa (ampliação 10x). a) vegetativo
(0), b) diferenciado (1), c) diferenciado (4).
1C
100%
92%
83%
75%
67%
58%
50%
F
DF
26-07
26-07
26-07
V
23-11
F
DF
42%
33%
25%
17%
a
b
8%
0%
Figura 2. Meristemas de framboesa observados
em Microscópio Eletrónico de Varrimento
(MEV) a) estadio 1, b) estadio 3.
2C
100%
92%
83%
75%
67%
58%
23-11
50%
23-11
V
42%
33%
25%
17%
8%
0%
C
Figura 3 – Número de dias desde a plantação/corte
até à floração (5), em todos os tratamentos na
‘Autumn Bliss’ (AB) e ‘Glen Lyon’ (GL).
324
LD
S
Figura 4. Floração e diferenciação floral ao
longo do lançamento, na ‘Autumn Bliss’.
F – estadio 5, DF – estadio 2 a 4, V –
estadio 0 a 1.

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