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ONDA JOVEM
ARTE & CULTURA
número 5 – maio 2006
ano 1 – número 3 – novembro 2005
SUJEITO DE
DIREITOS
Em busca da afirmação de sua
identidade e de seus direitos,
os jovens experimentam novas
formas de participação social
sonar
A
PARTICIPAÇÃO EM GRUPOS É
VIVIDA POR 28% DOS JOVENS BRASILEIROS
Em pesquisa de 2003, 35% dos
jovens revelaram desmotivação
em participar por falta de informação
DOS JOVENS MORTOS POR
CAUSAS EXTERNAS, 74% SÃO NEGROS
As mulheres, incluindo meninas
e jovens, são as maiores vítimas
da violência doméstica e sexual
Dos jovens que participam de grupos,
27% DESENVOLVEM
ATIVIDADES
ARTÍSTICAS
Uma agência de mobilização
desenvolve projetos
que envolvem 400 jovens
brasileiros pág.
22
EM BRASÍLIA, JOVENS FAZEM UM JORNAL
PARA 95 MIL ESTUDANTES PÁG. 8
Jovens mantêm um escritório
de garantia dos direitos da
juventude negra em Salvador
pág.
18
A VIOLÊNCIA CONTRAS AS
MULHERES É O TEMA DE CD
GRAVADO POR 40 CANTORAS
E COMPOSITORAS DE HIP HOP
pág. 46
Um projeto em São Luís
desperta talentos e
consciência social pág.
40
3
âncoras
“Apesar de concordar com a ideologia dos movimentos sociais,
não participo de nenhum grupo.”
Marciéli da Silva,
22 anos, universitária que mora em Itapema (SC)
“Não acredito mais em partidarismo como
existe no Brasil, com esses grupos políticos
que mais parecem máquinas de pedir voto.”
Hugo de Lima Souza,
21 anos, morador de Recife
“A política está presente em todos
os aspectos do nosso dia-a-dia, e os
representantes que elegemos são
prestadores de serviço público que têm
deveres a cumprir.”
Ionara Talita Silva,
20 anos, é estudante de Comunicação em Brasília
“Tomar os jovens como sujeito de direitos
significa reconhecer a especificidade de
sua condição e a singularidade da sua
experiência geracional.”
Helena Abramo,
socióloga, coordenou o Projeto Juventude
“Não podemos ignorar que há uma cultura da
intolerância arraigada nas nossas tradições.”
Gustavo Lemos Petta,
24 anos, presidente da UNE – União Nacional dos Estudantes
“O desafio da instituição pública é
montar espaços que sejam atrativos
à participação juvenil.”
Luciana Guimarães,
diretora do Centro de Cidadania da
Juventude do município de São Paulo
“Aqueles pequenos grupos que não tinham
força na intervenção política começam a ter
como rede. Juntos, ganhamos peso na hora
da discussão política.”
Tytta Ferreira,
24 anos, representante na Bahia da Rede de Jovens do Nordeste
“Minha experiência diz que não, os jovens não são
tolerantes. Diferenças étnicas, de religião e de orientação
sexual causam estranhezas.”
João Felipe Terena,
24 anos, da Associação de Estudantes Indígenas do Mato Grosso do Sul
“Cada um se pergunta: como garantir meus direitos?
É essa oportunidade de conhecer seus direitos que
queremos propiciar aos jovens.”
Angélica Ferreira dos Santos,
17 anos, membro do Escritório de Garantia de Direitos da Juventude Negra de Salvador
“É crescente a descoberta pelos jovens de que a sustentabilidade
política do país e do planeta depende tanto dos políticos que
elegemos quanto da política que praticamos no cotidiano.”
Simone André,
coordenadora da Área de Juventude do Instituto Ayrton Senna
5
ilustração: Anderson Rei, Marcelo Pitel, Rodolfo
Herrera
Capa: jovem se exercitando fotografado por
Henk Nieman
Direção editorial
Josiane Lopes – MTb 2913/12/13
Apoio editorial: Vinicius Precioso
(Instituto Votorantim)
Secretaria editorial
Lélia Chacon
Revisão: Eugênio Vinci de Moraes
Projeto gráfico
Artur Lescher e Ricardo van Steen
(Tempo Design)
Colaboradores
texto: Albertina Duarte, Annette Schwartsman,
Aydano André Motta, Beatriz Seara, Cecília
Dourado, Cristiane Ballerini, Daniela Rocha, Eloísa
Grossman, Flávia Oliveira, Gabriela Calazans,
Jane Soares, Karina Yamamoto, Leusa Araujo, Luis
David Castiel, Rosely Sayão, Yuri Vasconcelos
foto: Andréa Graiz, Beatriz Assumpção, Bruno
Garcia, Carlos Cavalcante, Davilym Dourado,
Deise Lane Lima/Viva Favela, Edson Queiroz,
Francisco Andrade Neto, Francisco Campos,
Diagramação
Nonono onono oonononono nonono
(D’Lippi Editorial)
Fotolito
D’Lippi Editorial
08
DEISE LANE LIMA
Projeto editorial e realização
Fátima Falcão e Marcelo Nonato
Olhar Cidadão – Estratégias para
o Desenvolvimento Humano
www.olharcidadao.com.br
Impressão
SAG
Como entrar em contato com Onda Jovem:
E-mail [email protected]
Endereço: R. Dr. Neto de Araújo, 320 – conj. 403,
São Paulo, CEP 04111-001
Tel. 55 11 5083-2250 e 55 11 5579-4464
www.ondajovem.com.br um portal para quem
quer saber de juventude
ONDA JOVEM INTEGRA
PUBLICAÇÃO DA ASHOKA
O projeto Onda Jovem foi um dos 70 selecionados para compor o livro “Jovens Transformações”, do programa Iniciativa de Aprendizagem Inovadora, da Ashoka – Empreendedores
Sociais, juntamente com o Banco JP Morgan. O programa é o primeiro da entidade voltado
exclusivamente para instituições que atuam com jovens. A seleção, feita por um comitê de
21 especialistas mais o conselho editorial da publicação, considerou relatos e depoimentos
sobre as experiências, inscritas segundo sete diferentes princípios, que corresponderão aos
capítulos do livro. Onda Jovem se inscreveu sob o princípio “Quem educa jovens deve estar
em permanente formação”, apresentando depoimentos de seus leitores sobre a revista e o
site www.ondajovem.com.br, que oferece também conteúdos exclusivos,
como os Planos de Aulas – sugestões de como os educadores
podem usar os textos da revista em atividades dirigidas
com jovens. Com o valor de um prêmio, a seleção de
Onda Jovem é fruto da crescente participação de seus
leitores de todo o Brasil, que, principalmente por meio do site,
enviam informações, sugestões e críticas ao projeto, constituindo
um verdadeiro conselho editorial, informal mas muito participativo,
que ajuda a revista a se tornar cada vez mais útil para seu público.
14
AUGUSTO PESSOA
Um projeto de comunicação apoiado pelo
Instituto Votorantim
Francisco Valdean / Imagens do Povo, Gustavo
Lourenção, Henk Nieman, Jonas Oliveira,
Levi Silva, Marcelo Alvarenga, Renato Nunes /
Imagens do Povo, Ricardo Ayres, Ricardo Mega,
Rodrigues Moura/Viva Favela, Stanley Talião,
Tom Cabral
18
NONO ONONO ONONO
ano 2 - número 5
março/junho 2006
ARNALDO CARVALHO
expediente
22
8 - Navegantes
A participação dos jovens, segundo eles mesmos
14 - Mestres
A ação de três educadores que cultivam consciências
18 - Banco de práticas
Quatro propostas de promoção da cidadania
22 - Caminho das pedras
A flexibilidade da Agência Aracati para mobilizar jovens
26 - Horizonte global
O diretor do BID Juventude, Fabian Koss,
fala sobre participação na América Latina
28 - Sextante
A participação política juvenil embute um conflito de gerações
30 - 90 Graus
Participação e escola: o desafio de formar
jovens para a democracia
34 - 180 Graus
Participação e direitos: como a juventude
brasileira está se tornando sujeito
38 - 270 Graus
Participação e desencanto: a crise das formas tradicionais
42 - 360 Graus
Participação no século 21: há novas formas de se fazer política
46 - Sem bússola
Os extremos da exclusão têm idade, sexo e raça: os jovens negros
e as jovens mulheres formam o perfil da invisibilidade social
52 - O sujeito da frase
"Eu acredito numa sociedade mais justa", diz Ariel Alves,
advogado militante dos direitos da infância e da adolescência
56 - Luneta
Desenredando os criativos nós das redes sociais juvenis
60 -.Gov.Com
A multiplicação dos órgãos públicos voltados
para jovens afeta o tabuleiro do poder
64 - Ciência
O gosto juvenil pela vida em grupo
também pode render transformação social
68 - Chat da revista
Quatro jovens discutem a tolerância na sociedade brasileira
2?
é o número de
projetos com jovens
que você verá
nesta edição
Sonar
02
Pistas do todo e de algumas
partes da situação do jovem
Âncoras
06
Alguns conceitos e comentários
sobre participação social
Links
72
Notícias sobre juventude e
terceiro setor
Fato Positivo
74
Cresce o trabalho voluntário entre
jovens
Cartas
76
As mensagens dos leitores
Navegando
78
A webarte de Andrei Thomaz
7
navegantes
MILITANTES
CONTEMPORÂNEOS
Por _ Marcelo Barreto
CONSCIENTES DOS
PROBLEMAS DO
PAÍS, OS JOVENS
BRASILEIROS
DESCONFIAM
DA POLÍTICA
INSTITUCIONAL
E DIVERSIFICAM
SUAS FORMAS DE
PARTICIPAÇÃO
SOCIAL
Em 1968, os jovens mudaram o mundo. Na França,
picharam os muros com palavras de ordem contra o
capitalismo. Na Tchecoslováquia, questionaram o comunismo. No Brasil, resistiram à ditadura militar. Quase 40
anos depois, os jovens franceses discutem o primeiro
emprego e a imigração – com greves e violentas ondas
de protesto. Os herdeiros da Primavera de Praga vivem
na República Tcheca e na Eslováquia, pois o país de seus
pais, assim como o comunismo de Estado, não existe
mais. E os jovens brasileiros?
O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
(Ibase) quis saber. A pesquisa “Juventude Brasileira e
Democracia – Participação, Esferas e Políticas Públicas”
ouviu 8 mil jovens de 15 a 24 anos em Belém, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador
e São Paulo e Brasília, com a participação do Instituto
Pólis, de São Paulo, e de outros nove parceiros nas
regiões pesquisadas. O objetivo era conhecer o potencial
de participação do jovem brasileiro no espaço público.
“Os jovens mostraram profunda consciência sobre
os problemas presentes em suas vidas, nos seus locais
de moradia e mesmo no país”, diz Patrícia Lanes, uma
das coordenadoras da pesquisa. “No entanto, para que
eles possam contribuir mais e melhor, é preciso considerar as diferentes maneiras de atuar da juventude
de hoje, que nem sempre correspondem a práticas
políticas mais institucionalizadas.”
As respostas à pesquisa revelaram muitas preocupações: mais segurança, menos corrupção, qualidade
na escola, melhor qualificação profissional, mais espaços de cultura e lazer perto de casa. Mas, segundo
Patrícia, não há dados para comparar a participação
dos jovens de hoje na sociedade com a da geração 68,
nem como dizer se é alto ou baixo o percentual de 28%
dos jovens brasileiros ligados a grupos com alguma
forma de atuação social. Comparar não é mesmo o
mais importante. O necessário é compreender que
os tempos, e os jovens, são outros.
Liberdade de opção
“Apesar de concordar com a ideologia dos movimentos sociais, não
participo de nenhum grupo”, diz
Marciéli da Silva, de 22 anos, que
mora em Itapema e estuda Jornalismo em Florianópolis. Nos famosos
anos 60, Marciéli correria o risco de
ser taxada de alienada – um rótulo
que os militantes aplicavam a jovens
sem engajamento social. Mas nem
de longe ela se enquadra no estereótipo. Filha de um bombeiro hidráulico
e de uma cozinheira, trabalha para
pagar a faculdade e tem posições
críticas. O que falta é identificação:
“Os movimentos que conheço são
desorganizados e com propósitos
exageradamente revolucionários,
que distorcem seu real objetivo”.
Entre os jovens que se identificam com a ação de algum grupo,
a religião é a porta de entrada para
42,5%. Foi assim com o goiano Hugo
Leonnardo Cassimiro, 23 anos. A
atuação na Pastoral da Juventude
da Igreja Católica levou-o à assessoria na Casa da Juventude Padre
Bournier, a Caju, e impulsionou sua
participação em outras esferas.
RAFAEL VENTURA,
16 ANOS,
é um cyberativista que já provocou
uma mudança real em Ribeirão
Pires, em São Paulo
9
GUSTAVO LOURENǘÃO
FELIPE CHRIST
MARCIÉLI SILVA, 22 ANOS,
SOBRE
não se identifica com as ações de nenhum
movimento que conhece em Santa Catarina
PARA SABER MAIS
“Acredito que o que faço poderia ser
definido como militância. Goiânia
tem muita demanda. Na faculdade,
presido o centro acadêmico. Sou filiado ao Partido dos Trabalhadores,
mas acredito que a participação
social da juventude não se restringe
a partidos políticos ou movimentos
organizados. O problema é o tipo de
participação, se é crítica ou apenas
reprodutora de práticas já automáticas”, diz.
Já Osmar Pequim Júnior, 25 anos,
que há quatro é líder de louvor da
Igreja Batista em São Paulo, diz que
sua ação social está totalmente
vinculada à Igreja. “Atuamos com o
objetivo de restaurar vidas, porque
entendemos que a base da sociedade é a família. Trabalhamos com
crianças, jovens e adultos, com
arrecadação de alimentos para
carentes e aconselhamento pela
palavra de Deus, com reuniões e
visitas”, diz. Mas Osmar considera
fazer uma opção político-partidária.
Ele pretende se filiar ao PSDB.
Não é um passo fácil, e muitos
jovens hesitam em dá-lo. Na primeira parte da pesquisa do Ibase
(quantitativa, com aplicação de
questionários), a frase “É preciso
abrir canais de diálogo entre os
cidadãos e o governo” foi aprovada
por 85% dos jovens. Mas a segunda
parte (qualitativa, com a formação
de grupos de diálogo) mostrou
que ainda há muitos obstáculos à
participação política. Dos três caminhos apontados para discussão nos
grupos, e batizados pelos próprios
jovens como o da política, o da ação
social e o da cultura, foi justamente
o primeiro que teve a menor adesão
inicial. “Os três caminhos apresentados foram percebidos pelos
jovens como complementares, ou
seja, todos tinham aspectos que
podiam contribuir para as mudanças desejadas”, diz Patrícia Lanes.
DAVILYM DOURADO
navegantes
OSMAR PEQUIM, 25 ANOS,
concentra sua ação social nas atividades
da Igreja Batista de São Paulo
JORNAL RADCAL, DA FUNDAÇÃO ATHOS BULCÃO
ÁREA DE ATUAÇÃO DISTRITO FEDERAL
JOVENS ATENDIDOS 95 mil estudantes recebem o jornal
PROPOSTA Discutir assuntos do dia-a-dia da juventude de forma inteligente, crítica e inventiva por
intermédio de um jornal trimestral feito por jovens e distribuído a alunos da rede pública do distrito federal
APOIO PROGRAMA DST/AIDS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, PNUD, UNESCO, UNICEF, COMISSÃO DE DIREITOS
HUMANOS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO E SECRETARIA DE CULTURA DO
DISTRITO FEDERAL
CONTATO Setor Asa Norte, Quadra 01, Bloco E, CEP 70041-904 – Brasília (DF) – Tel. 61/3322-7801. Site:
www.fundathos.org.br
ARNALDO CARVALHO
KARLOS RIKARYO
HUGO SOUZA, 21 ANOS,
PARA SABER MAIS
SOBRE
não acredita no sistema partidário e prefere
militar por meio de um site sediado em Recife
TASSARA SARMENTO, 18 ANOS,
é voluntária do Mover e ensina vôlei
no interior do Ceará
PROJETO VOLEITÁRIO, DO MOVER (MOVIMENTO DE JOVENS VOLUNTÁRIOS DO SEMI-ÁRIDO CEARENSE)
ÁREA DE ATUAÇÃO BAIRRO FLORES, EM IGUATU (CE)
JOVENS ATENDIDOS 20 crianças e adolescentes de 9 a 17 anos
PROPOSTA Oferecer aulas práticas de vôlei para crianças e adolescentes carentes, com acompanhamento
familiar e reforço escolar. As atividades são desenvolvidas na escola Juscelino Kubitschek, nos domingos,
às 17:00.
APOIO NÃO TEM
CONTATO Rua 21 de Abril, s/n, Prado, CEP 63500-000 – Iguatu (CE) – Tel. 88/3581-6575
ENTRE AS
PREOCUPAÇÕES
DOS JOVENS ESTÃO
MAIS SEGURANÇA,
MENOS CORRUPÇÃO,
QUALIDADE
NA ESCOLA,
QUALIFICAÇÃO
PROFISSIONAL
E ESPAÇOS DE
CULTURA E LAZER
PERTO DE CASA
Participantes apartidários
É bom observar que a desconfiança dos jovens é com os políticos, não
com a política. Mas 24% dos jovens
só optariam por essa militância se
tivessem certeza de que haveria “luta
por direitos e combate à desigualdade”. Mesmo entre os engajados
em alguma forma de participação, a
visão do tema é crítica.
“Não sou filiado a nenhum partido
a não ser o meu próprio, o da minha
opinião”, diz Hugo de Lima Souza,
universitário de 21 anos, morador
de Recife. “Não acredito mais em
partidarismo como existe no Brasil,
com esses grupos políticos que mais
parecem máquinas de pedir voto.
Quando penso em compromisso
público, pela sociedade, não imagino
como isso se enquadraria no Brasil de
hoje, em relação a partidos e a uma
boa parte da mídia.”
Mas Hugo encontrou seu espaço de
atuação: o site Boivoador (www.boivoador.com). “O site tem um compromisso público pela democratização
da informação, não só pelo conteúdo
postado on-line, oferecendo espaço
para comunidades mais pobres se
manifestarem, tratando de assuntos
políticos, divulgando eventos alternativos de cultura e arte, mas também
por projetos off-line como um zine
que estaremos lançando em breve.
Sou coordenador e gerente. Meu
trabalho é voluntário”, diz.
11
FELIPE BARRA
PARA OS JOVENS,
OS CAMINHOS
DA POLÍTICA, DA
AÇÃO SOCIAL E
DA CULTURA SÃO
COMPLEMENTARES:
TODOS ELES PODEM
CONTRIBUIR PARA
AS MUDANÇAS
NECESSÁRIAS
O FUTURO É AGORA
“Com 12 anos me incomodava muito a falta de atividades na minha escola que
proporcionassem a participação dos alunos. As escolas em que estudei eram públicas e
extremamente precárias. Chamei alguns amigos e criamos o Grupo de Teatro Conexão e
Arte. O objetivo era tornar o intervalo mais prazeroso. Com a ajuda de alguns professores e
colegas, criamos espetáculos e os apresentamos na escola. Começamos a realizar oficinas de
teatro e também de participação política, cultura e educação. O apoio que recebemos da escola
e de uma professora foi fundamental. Foi daí que percebi que eu podia participar ativamente
na minha escola e na comunidade. Não sou filiada a nenhum partido, por opção. A política
está presente em todos os aspectos do nosso dia-a-dia e os representantes que elegemos são
prestadores de serviço público que têm deveres a serem cumpridos. Nós, eleitores, cidadãos
e contribuintes, temos o dever de acompanhar e cobrar de perto. Participo ativamente na
minha comunidade e em todos os espaços onde eu possa interferir: na associação de moradores
do meu condomínio; na articulação do Diretório Central dos Estudantes da faculdade; nas
discussões do Plano Nacional da Juventude. Na Fundação Athos Bulcão, coordeno a área de
comunicação, com projetos como o “Jornal Radcal” , que já ganhou o Prêmio Itaú-Unicef e o
Prêmio dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça. São 100 mil exemplares distribuídos
na rede pública de ensino do Distrito Federal, tratando de temas como cultura, direitos
humanos e ecologia. Toda essa experiência foi fundamental para que eu me tornasse uma
cidadã mais atuante e consciente dos meus direitos."
IONARA TALITA SILVA, 20 ANOS,
PARA SABER MAIS
SOBRE
é estudante de Comunicação em Brasília
PROJETO JOVES PELA FLORESTA, DO GREENPEACE
ÁREA DE ATUAÇÃO GLOBAL
JOVENS ATENDIDOS No Brasil, dez jovens participaram da Conferência sobre Diversidade Biológica da ONU
PROSPOSTA Defesa das florestas por meio do cyberativismo (participação social via internet) em vários
países do mundo. Os integrantes também fazem trabalho de conscientização, principalmente em escolas
APOIO O GREENPEACE NÃO ACEITA APOIO EXTERNO, APENAS DOS SÓCIOS
CONTATO Site www.greenpeace.org.br
Atitudes como a de Hugo apontam
para o segundo caminho debatido pelos
jovens na pesquisa do Ibase: o da ação
social. “Não adianta só deixar na mão
do governo” foi uma frase bastante
ouvida nos grupos que discutiram essa
alternativa. Embora vista como justa, foi
considerada também uma forma mais
lenta de mudar a sociedade.
O que não desanima o estudante
secundarista Rafael Ventura, de 16
anos, que mora em Ribeirão Pires, na
região metropolitana de São Paulo. Um
ano atrás, ele jamais tinha se envolvido
com qualquer grupo de atuação social,
nem participado de um ato público,
até que encontrou pela internet sua
maneira de atuar, intervindo diretamente na esfera pública. Um caminho
cada vez mais comum, que já ganhou
até nome: o cyberativismo.
“Eu sempre tive aquela conscientização, de não jogar papel na rua, reciclar
o lixo. Mas quando entrei no site do
Greenpeace, adorei o trabalho da organização e me filiei”, conta Rafael. A militância que começou no mundo virtual
chegou rapidamente ao mundo real. Foi
pela internet que ele ficou sabendo que
Ribeirão Pires poderia se transformar
em Cidade Amiga da Amazônia, criando
leis exigindo a compra de madeira de
uso legal e sustentável para as obras
públicas. Rafael resolveu levar a idéia
ao prefeito da cidade, numa audiência
aberta aos cidadãos. E conseguiu no
mesmo dia que ele assinasse o termo de
compromisso da campanha. “O que eu
quero mesmo nesse mundo político são
pessoas honestas, que tenham comprometimento com o meio ambiente e com
os cidadãos do Brasil”, diz o cyberativista, que, por conta da idade, ainda não
teve a oportunidade de votar.
GYANCARLO BRAGA
RODRIGUES MOURA / VIVA FAVELA
HUGO LEONNARDO, 23 ANOS,
PARA SABER MAIS
SOBRE
começou na Igreja Católica a participação que se estendeu
para os movimentos estudantil e partidário de Goiânia
JOYCE DA SILVA, 17 ANOS,
descobriu num grupo de teatro carioca a sua
carreira e a possibilidade de ação social
PROJETO TALENTOS DA VEZ, DO GALPÃO APLAUSO
ÁREA DE ATUAÇÃO RIO DE JANEIRO (RJ)
JOVENS ATENDIDOS: 500
PROPOSTA Projeto sócio-cultural desenvolvido no Galpão Aplauso, espaço do Projeto Favela-Bairro para
atendimento a jovens de comunidades populares. Oferece oficinas de teatro, circo, música e artes
plásticas, com duração de um ano.
APOIO BANCO INTER-AMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID) E PREFEITURA DO RIO.
CONTATO E-mail [email protected]. Tel. 21/2233-6648
Esporte e cultura
Fazer do esporte, do lazer e da arte
o instrumento para a participação
social foi a terceira opção apontada
nos grupos de diálogo da pesquisa
do Ibase. Os jovens a batizaram de
caminho da cultura e a consideraram ideal para expressar suas idéias
democraticamente, mas também a
menos eficiente, por não ter força
política ou crédito do governo.
“A juventude tem um potencial
muito grande, mas é preciso criar mais
oportunidades para que esse potencial seja explorado, deixando de ser o
“futuro do Brasil” e passando a ser o
presente, fazendo parte das mudanças
agora”. Assim como 32,5% dos jovens
ouvidos pelo Ibase que participam de
algum grupo de ação social, Tassara
encontrou no esporte esse atalho entre
presente e futuro. Sua participação no
Movimento de Jovens Voluntários do
Semi-Árido Cearense (Mover) a levou
ao projeto Voleitário, que oferece aulas
de vôlei a crianças e adolescentes carentes do bairro Flores, em Iguatu, no
interior do Ceará. E ela se encontrou.
“Percebi a carência de prática esportiva nas escolas públicas. Por praticar
esporte e conhecer bem o vôlei, sabia
que poderia contribuir”, diz.
A carioca Joyce da Silva, 17 anos,
também começou no esporte, mas
como atleta. Era jogadora federada
de futebol até conhecer a ONG Galpão
Aplauso. Foi assim que, como 26,9%
dos jovens ouvidos na pesquisa, começou sua participação social: pela
arte. Integrou o grupo de teatro e fez
um curso de operação de áudio. “Hoje
trabalho operando áudio em peças
de teatro e não quero outra carreira.
Gostaria até de fazer faculdade de engenharia acústica”, diz. Mas algo mais
mudou na vida de Joyce. A experiência
no Galpão Aplauso levou-a também
à participação social. “Faço operação
de áudio gratuitamente para peças,
como forma de ajudar e de passar
para outras pessoas o conhecimento
que adquiri. Quero também conhecer
outros projetos, encontrar novos
meios de tentar mudar um pouco
a nossa realidade”, diz ela, que não
descarta nem a política institucional
como uma dessas possibilidades.
13
mestres
EDUCADORES
DESENVOLVEM
PROJETOS
PARA AJUDAR
OS JOVENS A
TRANSFORMAR A
REALIDADE
Carla Lopes, Fábio Deboni e Ana Luisa Florentino
não se conhecem, mas estão em total sintonia. Eles
estão convencidos de que educar não é uma mera
transferência de conhecimento, mas um processo de
conscientização individual e coletivo. Carla usa a sala
de aula, numa escola no Rio de Janeiro, para discutir
as diferentes formas de racismo verde-amarelo. Fábio
defende uma educação ambientalmente sustentável.
Ana Luisa está empenhada em estimular os jovens
de Capão Bonito a se tornarem multiplicadores. Os
três juntos comprovam que ensinar não é reproduzir
modelos, mas transformar realidades.
As letras da lei
A constatação da total falta de referência dos alunos
quanto às suas raízes étnicas e socioculturais levou
a professora de História Carla Lopes a liderar uma
revolução silenciosa no Colégio Estadual Professor
Sousa da Silveira, na zona Norte do Rio de Janeiro. Ela
é coordenadora pedagógica da escola, que fica em
Quintino. Corria o ano de 2004 e o governo acabara
de aprovar a lei no 10.639/03, que alterou a Lei de
Diretrizes e Bases – LDB, instituindo a obrigatoriedade
do ensino de História Africana e Cultura Afro-brasileira
nos currículos fundamental e médio. Faltava, apenas,
definir o conteúdo dos livros didáticos.
Carla decidiu então se antecipar à aplicação da lei.
Só que tirar essa idéia do papel não seria uma tarefa
muito fácil. Não bastasse a falta de conscientização dos
alunos, muitos dos quais nem mesmo se enxergavam
como parte da população afro-brasileira, que chega a
45% do total, os professores também não sabiam como
lidar com o tema e, muito menos, como incluí-lo nas
discussões em sala de aula.
A coordenadora percebeu que, para que o projeto
político-pedagógico da escola atingisse a maturidade,
seria preciso ampliar as discussões sobre a questão
dos negros na sociedade brasileira. Assim nasceu o
Programa de Reflexões e Debates para a Consciência
Negra, com palestras mensais, e duas
características essenciais: as discussões não se restringiam às disciplinas
citadas pela lei, como História, Língua
Portuguesa e Educação Artística, mas
envolviam todos os professores, e os
debates aconteciam no auditório da
escola, para que os alunos se sentissem prestigiados com a visita dos
palestrantes convidados.
Os resultados não tardaram. Nas
salas de aula, dos gráficos com dados estatísticos sobre as condições
socioeconômicas da população negra, evoluiu-se, por exemplo, para a
etnomatemática. Escritores negros,
como Carolina Maria de Jesus, Castro
Alves, Lima Barreto e Machado de
Assis, passaram a ser valorizados
nas aulas de português. E a história
do movimento negro americano foi
incorporado ao ensino de inglês e
passou a ser usado como referência
para estudar o idioma.
por _ Liana Melo
CULTIVANDO
DEISE LANE LIMA
15
CONSCIÊNCIAS
A coordenadora pedagógica
Carla Lopes revolucionou um
colégio em Quintino, no Rio,
com discussões sobre racismo
Ambientalmente sustentável
De formação, o paulista Fábio Deboni é engenheiro agrônomo, mas,
de coração, ele gosta mesmo é de
trabalhar com educação de crianças e
jovens. Ainda na faculdade, começou
a participar de projetos de extensão
em creches e escolas e não parou
mais. Seu envolvimento com as Redes de Educação Ambiental acabou
por levá-lo, de Piracicaba, no interior
de São Paulo, para Brasília, onde foi
trabalhar no Ministério da Educação
(MEC). Aos 27 anos, como responsável pelo Programa Juventude e Meio
A pedagoga paulista Ana
Luisa Florentino forma
RODRIGO NORONHA
jovens multiplicadores,
em Capão Bonito
SOBRE
PARA SABER MAIS
SOBRE
PARA SABER MAIS
O sucesso foi tanto que o projeto
político-pedagógico do Sousa da Silveira ultrapassou os muros da escola.
Virou objeto de estudo do Observatório Jovem, núcleo da Universidade
Federal Fluminense (UFF), e passou a
fazer parte do Fórum Permanente de
Educação e Diversidade Étnico Racial,
do Ministério da Educação (MEC).
Para Carla, uma carioca de 41 anos,
ficou provada sua hipótese: “O ensino das matérias não teria sucesso
simplesmente com a obrigatoriedade
estipulada por lei”.
JUVENTUDE E MEIO AMBIENTE
ÁREA DE ATUAÇÃO 27 ESTADOS.
PROPOSTA Articulados nos chamados Coletivos Jovens de Meio Ambiente, alunos das escolas pública
e privada debatem temas como diversidade étnico-racial, mudanças climáticas, segurança alimentar
e nutricional e biodiversidade.
APOIO MINISTÉRIOS DA EDUCAÇÃO E CULTURA (MEC) E DO MEIO AMBIENTE (MMA), PETROBRAS,
ELETROBRÁS, VALE DO RIO DOCE.
CONTATO Coordenação-Geral de Educação Ambiental (CGEA) – MEC – SGAS 607 – lote 50 – Ed. CNE
– Sala 212 – 70200-670 – Brasília (DF) – Tels.: 61/2104-6157 OU 61/2104-6144 – E-mail: ea@mec.
gov.br.
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO COLÉGIO ESTADUAL PROFESSOR SOUSA DA SILVEIRA
ÁREA DE ATUAÇÃO QUINTINO, NO RIO DE JANEIRO.
PROPOSTA Discutir com professores e alunos as condições históricas vivenciadas pelos negros na
sociedade brasileira, debatendo o tema de forma transversal na educação, saúde, direito, religião e
cultura.
JOVENS ATENDIDOS 513.
APOIO NÃO TEM.
CONTATO Rua Amália s/n – Quintino – CEP?? – Rio de Janeiro (RJ) – Tels.: 21/2595-6290; 21/ 96495961 – E-mail: [email protected].
Ambiente, ele articula os Coletivos Jovens e estimula
a militância política em prol do meio ambiente. Nos
últimos meses, não fez outra coisa nos bastidores da
II Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, realizada em abril, em Luziânia (GO).
Os números que envolveram a conferência deste
ano são grandiosos: quatro milhões de estudantes
provenientes de 12 mil escolas participaram das discussões preparatórias do encontro, em 26 Estados.
Foram eleitos, ao final, 600 delegados. O estímulo à
participação não se restringiu aos alunos das 5ª
a 8ª séries das escolas públicas e privadas, mas
envolveu jovens de comunidades quilombolas, indígenas, assentamentos rurais e até
meninos e meninas de rua. Após cinco dias
de discussões, os delegados produziram
um documento, intitulado Carta de Responsabilidades.
Segundo Deboni, a Carta não inclui reivindicações dos delegados, mas sugestões
que podem virar políticas públicas.
Não é à toa que os temas que
permearam as discussões
desse ano foram escolhidos
levando em consideração
os acordos internacionais,
dos quais o Brasil é signatário. São eles: Convenção sobre a Diversidade
Biológica, Protocolo de
Quioto, Declaração de
Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial e
Declaração de Durban
contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia
e Intolerância Correlata. Os
delegados vão discutir ações locais
que levem em consideração cada um
desses princípios.
“O meio ambiente é um assunto
emergente”, diz Deboni. “Nosso
objetivo é levar a discussão socioambiental para dentro das escolas,
envolvendo estudantes, professores,
juventude e comunidade para um
projeto de educação ambientalmente
sustentável.”
Jovens multiplicadores
Capão Bonito não é mais conhecida
como uma cidade rica. O ouro, que um
dia encheu a bateia dos garimpeiros
locais, sumiu lá por volta de 1800.
Desde então, o município, distante 287 quilômetros de São Paulo,
convive com histórias de antigos
bandeirantes e velhos garimpeiros.
Fábio Deboni
coordena a
participação juvenil
nos programas
socioambientais
brasileiros
17
FELIPE BARRA
SOBRE
Geração têm seis meses para desenvolver um projeto de
elaboração de intervenção na comunidade. Ela própria
uma transformadora, que conseguiu romper a barreira
da exclusão social, em São Caetano, na região do ABC
paulista, e hoje ostenta com orgulho seu diploma de
professora, Ana Luisa tem uma convicção: “Transformar
a realidade local é a única forma de evitar que as novas
gerações reproduzam uma triste história”.
PARA SABER MAIS
Hoje, sua juventude convive com
a evasão escolar, o uso abusivo de
drogas, a gravidez precoce. É contra
essas mazelas típicas da vida contemporânea que Ana Luisa Florentino
vem lutando.
Engajada inicialmente como voluntária no Programa Geração, desenvolvido pela VCP e pelo Instituto Aliança
com o Adolescente, com apoio do
Instituto Votorantim, essa pedagoga
de 34 anos começou a desenvolver
com os jovens de Capão Bonito alternativas que ajudassem a romper com
o ciclo vicioso de dificuldades. O desemprego no município é alto, o que
acaba empurrando os trabalhadores
para “bicos”, como o de bóia-fria.
“Nosso objetivo é transformar
esses jovens envolvidos no projeto
em multiplicadores do que aprendem”, diz Ana Luisa, que acabou
sendo contratada como pedagoga
no projeto. Ela trabalha hoje com
240 jovens, com idades que variam
de 14 a 19 anos. Eles são divididos
em cinco grupos de trabalho nas
áreas de saúde, educação, esporte
e lazer, arte e cultura e trabalho. “E
não estamos conseguindo atender
toda a demanda”, diz ela, sobre os
600 jovens, aproximadamente, que
se inscreveram no teste de seleção,
no início do ano.
Treinados para multiplicar entre
os mais novos os conhecimentos
adquiridos, os jovens do Programa
PROGRAMA GERAÇÃO, DO INSTITUTO ALIANÇA COM O ADOLESCENTE
ÁREA DE ATUAÇÃO CAPÃO BONITO (SP) E LARANJEIRAS (SE).
PROPOSTA Capacitar jovens, transformando-os em multiplicadores, em diferentes áreas, como
saúde, esporte, lazer, educação, arte, cultura e trabalho.
JOVENS ENVOLVIDOS 240, em Capão Bonito.
APOIO VOTORANTIM PAPEL E CELULOSE E INSTITUTO VOTORANTIM
CONTATO Rua Duque de Caxias, 197 – Centro – 18.300-310 – Capão Bonito (SP) – Tel.: 15/35425195 – E-mail: [email protected].
Cidadania é a “condição de pessoa que, como membro
de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida política”. Essa definição, presente
no dicionário “Houaiss”, é o fundamento de projetos que
incentivam o jovem a participar da vida política, seja na
sua escola, na comunidade, no país ou no mundo. A idéia
é trazer o conceito e a prática da política para perto de
cada um. Só assim se exerce plenamente a cidadania,
só assim se constrói a democracia. Parece difícil? Talvez, mas a verdade é que todos nós fazemos política o
tempo todo, sem, no entanto, nos darmos conta disso.
“Nas ações do cotidiano, toda vez em que se articula
um interesse se faz política”, diz José Domingos Teixeira
Vasconcelos, do Instituto Ágora.
Os quatro projetos aqui destacados traduzem, em diferentes práticas, os conceitos de cidadania, democracia,
governança, participação e mobilização. Em comum, dão
oportunidade aos jovens de reconhecerem que podem
e devem ocupar espaço de forma consciente para
contribuir nas tomadas de decisão. A diversidade das
propostas revela que as esferas de atuação são plurais:
seja na organização de grêmios estudantis, como na
experiência do Consciência Estudantil, da Paraíba, seja na
pesquisa para conhecer movimentos sociais e descobrir
como eles são capazes de transformar a realidade em
nome de um interesse comum, como é o caso dos jovens
pesquisadores do Governança.
O grupo de jovens do Escritório de Garantia de Direitos
da Juventude Negra de Salvador é oriundo de outros
projetos do Ceafro – Centro de Estudos Afro-Orientais,
da Universidade Federal da Bahia – e cobre uma área que
os próprios jovens descobriram precisar de atenção: a de
difusão dos direitos e de garantia de seu pleno exercício.
O jovem como sujeito de direito também é a base das
ações do projeto Jovem Cidadão, da ONG maranhense
Formação, que investe na construção da credibilidade da
juventude como participante das políticas pública de desenvolvimento. A seguir, leia mais sobre essas práticas.
RISONALDO CRUZ
Por _ Daniela Rocha
DIVULGAÇÃO
CULTURA DA CIDADANIA
DIVULGAÇÃO
PROJETOS ESTIMULAM
A PARTICIPAÇÃO SOCIAL
E POLÍTICA
AUGUSTO PESSOA
banco de práticas
João Pessoa, PB
Consciência
Estudantil
Salvador, BA
Escritório de
Garantia de
Direitos da
Juventude Negra
Consciência crítica e participação são o pano de fundo do movimento Consciência Estudantil, projeto com
jovens de João Pessoa que busca estimular a formação
de grêmios escolares. Tudo começou com uma reforma
na Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental do
Alto do Mateus, iniciada em outubro de 2004. A reforma
atrasou e colocou em risco o ano escolar. Alunos e comunidade se mobilizaram, fizeram protestos, buscaram
apoio do Poder Legislativo, formaram comissão de 30
alunos para falar com o secretário estadual de Educação >>
Iniciativa de jovens para jovens sobre como garantir
seus direitos. É assim que o Escritório de Garantia de
Direitos da Juventude Negra de Salvador se autodenomina. O grupo faz o atendimento direto de jovens que são
vítimas de discriminação ou preconceito, encaminhando
o problema para instituições vinculadas ao Sistema de
Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente ou ao
Conselho Tutelar, e também promove palestras, debates, seminários e oficinas em comunidades da periferia
de Salvador. Os integrantes do Escritório visitam as >>
19
Baixada Maranhense, MA
Projeto Jovem
Cidadão
São Paulo, SP
Governança
Este projeto é fruto de um processo. Primeiro,
foram mapeadas mais de 200 organizações juvenis
e outras da sociedade civil e do governo na região da
Baixada Maranhense. Só depois de vários encontros
foi aprovado o projeto maior, com prazo de execução
entre seis e dez anos, envolvendo jovens, governo e
sociedade em geral, para garantir a sua sustentabilidade e construir a credibilidade do jovem como sujeito
capaz de participar da elaboração e implementação
de políticas públicas. Segundo Regina Cabral, da ONG >>
O exercício pleno da democracia está em nossas mãos.
Esse poderia ser um dos lemas do Governança, programa
do Instituto Ágora, de São Paulo, que mantém também um
observatório civil com foco no legislativo. O Governança
começou em 2004 com um grupo de 13 jovens que saíram
a campo para conhecer movimentos sociais. O objetivo era
avaliar como uma comunidade pode se organizar, decidir
e interferir na política para o benefício comum. Entre os
locais escolhidos estavam um assentamento do Movi- >>
>> e, em conjunto, encontraram a solução
de continuar com as aulas em um galpão. A contar daí, o grupo se animou e
passou a se reunir para debater o que
são e para que servem o movimento
estudantil e os grêmios escolares.
Dos 150 participantes iniciais, cerca
de 40 organizaram o Consciência
Estudantil. "Buscamos o resgate
>> comunidades para conversar com
jovens e identificar temas relevantes
para debater. “Nesse mapeamento,
notamos que é importante tratar
de temas como gravidez precoce,
violência entre jovens e envolvimento
no tráfico de drogas”, diz Angélica Ferreira dos Santos, 17 anos, um dos 13
jovens que integram o Comitê Gestor
>> Formação, principal incentivadora do
projeto, o que se busca é o desenvolvimento das cidades apostando no
desenvolvimento das organizações
juvenis. O Jovem Cidadão se apóia
em três eixos: cidadania, desenvolvimento e inclusão. Suas estratégias:
mobilização e formação política
dos jovens; formulação de políticas
>> mento dos Sem Terra e uma favela com
crianças em situação de risco. O grupo
era composto de jovens com diversos
perfis (estudantes de Relações Internacionais, Relações Públicas, Psicologia,
Geografia, Turismo, História). “O programa conseguiu dos jovens mais do que
a tomada de consciência, conseguiu
levantar a importância de a sociedade
os apoiadores e ONGs integrantes
do projeto participam de sua gestão.
“Trata-se de um projeto de formação
de juventude que leva em consideração a diversidade. Queremos incentivar jovens livres, fortes, criativos,
críticos, cidadãos que lutem por seus
direitos e dialoguem para a ampliação
deles”, diz Regina.
intervir de maneira sistemática”, diz
José Domingos Teixeira Vasconcelos,
diretor de Assuntos de Governança da
América Latina, do Instituto Ágora. Os
estudantes chegaram a conclusões
como estas: que uma ação de sucesso
na comunidade só se consolida caso
se torne política pública; a sustentabilidade de projetos depende mais de sua
apropriação pela comunidade do que
da existência de um líder; é necessário
ampliar a comunicação entre projetos
semelhantes para a troca de experiências; a Igreja tem enorme potencial
para a organização social, entre outras.
O resultado foi tão positivo que dará
origem a uma publicação e terá uma
nova fase, internacional.
SOBRE
PARA SABER MAIS
SOBRE
PARA SABER MAIS
SOBRE
públicas para o desenvolvimento
local sustentável, sobretudo nas
áreas de educação (com o envolvimento de professores e gestores
públicos) e geração de trabalho e
renda; realização de mostras de
cultura e arte; difusão do esporte e
lazer e uso da comunicação como
instrumento de mobilização. Todos
PARA SABER MAIS
desdobramento do projeto Ampliando,
e Juventude Negra de Combate ao Racismo. “Sentimos muito receptividade
dos jovens nas comunidades porque
também somos jovens. Cada um se
pergunta: como garantir meus direitos? É essa oportunidade de conhecer
e aprender sobre os seus direitos que
queremos propiciar”, diz Angélica.
SOBRE
do Escritório, instalado no Centro de
Estudos Afro-Orientais (Ceafro) da
Universidade Federal da Bahia. Todos
os integrantes do Comitê Gestor integraram outros projetos do Ceafro,
como o Ampliando Direitos e Horizontes, voltado para garantia de direitos
de meninas trabalhadoras domésticas,
Resistência Negra em Ação, que foi
"O núcleo do Consciência Estudantil é
formado por estudantes que perceberam a necessidade de se articular,
entenderam que podem mudar uma
realidade e fazer valer seus direitos", diz
Luciano. Os participantes têm a missão
de ser multiplicadores e de estimular
os alunos a batalhar pela garantia de
seus direitos como estudantes.
PARA SABER MAIS
histórico dos movimentos estudantis,
estimulamos a discussão sobre política e a montagem de grêmios", diz
Luciano Alves, 25 anos, facilitador das
reuniões e educador da ONG Beira da
Linha, apoiadora da proposta. Este ano,
o movimento pretende mobilizar os
representantes de turma eleitos para
fomentar a formação dos grêmios.
CONSCIÊNCIA ESTUDANTIL
ÁREA DE ATUAÇÃO: JOÃO PESSOA (PB)
PROPOSTA Estimular a formação de grêmios
estudantis que atuem nas escolas e nas
comunidades, contribuindo na formação cidadã
dos alunos e incentivando a participação de jovens
na resolução de problemas sociais
JOVENS ATENDIDOS Pretende atingir 1.500
estudantes em 2006
APOIO PROJETO BEIRA DA LINHA
CONTATOS Projeto Beira da Linha – Centro
Educacional Miramangue – Rua José Gomes
de Abreu, s/no – Alto do Mateus –
João Pessoa (PB) – Tel.: 83/3212-8149 –
E-mail: [email protected]
ESCRITÓRIO GARANTIA DE DIREITOS DA JUVENTUDE NEGRA
DE SALVADOR, DO CENTRO DE ESTUDOS AFRO-ORIENTAIS
DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (CEAFRO/UFBA)
ÁREA DE ATUAÇÃO SALVADOR (BA)
PROPOSTA Contribuir para o enfrentamento da
violação de direitos da juventude negra, fazendo valer
o que está garantido na Constituição Federal. Faz
atendimento e encaminha casos de violência doméstica
e urbana, homofobia, discriminação, racismo,
intolerância religiosa e diferentes formas de violação
dos direitos da juventude; promove também debates
em comunidades da periferia
JOVENS ATENDIDOS Indefinido
APOIO FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF)
CONTATOS praça Inocêncio Galvão, 42-A – Largo 2 de
Julho – Salvador (BA) – 40060-180 – Tel.: 71/3321-2580
– E-mail: [email protected] – www.ceafro.ufba.br
PROJETO JOVEM CIDADÃO, DA ONG FORMAÇÃO
ÁREA DE ATUAÇÃO NOVE MUNICÍPIOS DA BAIXADA
MARANHENSE E CIDADE DE SANTA INÊS
PROPOSTA Melhorar a realidade sociocultural e
político-econômica de jovens de baixa renda, por meio
ações integradas nas áreas de educação e trabalho,
arte e cultura, esporte e lazer, saúde e ecologia. Inclui
mobilização e fortalecimento de organizações juvenis
para formação política
JOVENS ATENDIDOS 4.800
APOIO FUNDAÇÃO KELLOGG, UNICEF, UNESCO, INSTITUTO
TELEMAR, GOVERNOS MUNICIPAIS
CONTATOS Avenida Ana Jansen, Edifício Mendes Frota,
6º andar, sala 612 – São Francisco – 65.076-200 –
São Luís (MA) – Fonefax: 98/3227-7203 –
www.formacao.org.br
PROJETO GOVERNANÇA, DO INSTITUTO ÁGORA
ÁREA DE ATUAÇÃO AMÉRICA DO SUL
PROPOSTA Estimular o conhecimento dos
movimentos sociais e disseminar o conceito
de governança local e mundial, que pressupõe
a participação da sociedade civil influindo nas
esferas de decisões
JOVENS ATENDIDOS Ilimitado
APOIO FUNDAÇÃO CHARLES LEOPÓLD MEYER PARA
O PROGRESSO DA HUMANIDADE (EM 2004-ESTAMOS
EM 2006!)
CONTATO Av. Nove de Julho, 5.966, 5º andar
– Jardim Paulistano – São Paulo (SP) – 01406-200
– Tel. 11/3898-0123 – 3898-0123 – 3088-6787
– E-mail: [email protected] –
Site: www.oeleitor.org.br – Institutoagora.org.br
21
Por _ Jane Soares
caminho das pedras
VENTOS DE
MUDANÇA
Estimular a participação juvenil, um direito agora expresso na
Constituição, é o objetivo da Aracati – Agência de Mobilização Social. Embora seja uma organização criada em São Paulo, seu nome
foi inspirado no Nordeste. O aracati é uma brisa formada no litoral
do Ceará, geralmente no fim da tarde, que atinge cidades e vilas
quentes do interior. Quando ela chega, seus moradores vão para as
ruas “pegar a fresca”. Como a brisa, a Aracati pretende tirar as pessoas,
especialmente os jovens, de suas casas, levando-as a integrar movimentos
de participação social.
A Aracati nasceu pelas mãos da administradora Luciana Martineli, de 30
anos, e do publicitário Antonio Lino, 27. Atuando na área social desde a adolescência, Luciana criou o Instituto Pró-Ação pela Cidadania Jovem ainda na
faculdade. O trabalho ultrapassou os limites da universidade ao desenvolver
projetos em escolas particulares públicas e privadas no Rio de Janeiro, São
Paulo e Santos. Mas Luciana sentia ser preciso ir mais longe.
Antonio, por sua vez, participou de trabalhos voluntários na faculdade. Com
o correr do tempo, um grupo de alunos e professores começou a discutir a carência do terceiro setor na área de comunicação e marketing. Antonio
criou então a ONG Marco 3. Logo percebeu que as instituições
precisavam mais do que logotipos ou identificação
visual. Careciam de projetos de gestão para
serem mais eficientes.
23
COM NOME
DE BRISA DO
NORDESTE,
A AGÊNCIA
ARACATI
INVESTE NA
MOBILIZAÇÃO
JUVENIL EM
TODO O PAÍS
COM FLEXIBILIDADE PARA
EVOLUIR, A ARACATI NÃO
SE LIMITOU AOS PROJETOS
DE SUCESSO, MAS
DESENVOLVEU PONTOS
FORTES E BUSCOU
NOVOS DESAFIOS
Compromisso com a mudança
Luciana e Antonio se cruzaram
quando a Marco 3 criou o logotipo da
Pró-Ação. Ao discutir suas inquietações,
descobriram que comungavam os
mesmos valores. Em 2001, da união
das duas entidades surgia a Aracati,
para desenvolver uma cultura de participação juvenil no Brasil, por meio de
projetos de educação e comunicação.
“A mobilização abre a visão de mundo
dos jovens, levando-os a assumir um
compromisso com a transformação, o
primeiro passo para superar o enorme
fosso criado pela desigualdade”, diz
Luciana.
Um dos maiores projetos da Aracati
foi a Gincana da Cidadania, em 2001
e 2002. Realizada em 23 escolas públicas e particulares de ensino médio
de Santos, no litoral paulista, envolveu
diretamente 300 jovens, além de pais,
educadores, jornalistas, representantes
do poder público e de cerca de 80 organizações locais. “A Gincana mudou a
visão de mundo de seus participantes”,
diz Antonio. “A descoberta de seus
direitos e dos valores democráticos
foi extremamente positiva porque
ocorreu em um momento importante
da formação da moçada.”
Daniel Sena, 21 anos e aluno da
faculdade de Relações Públicas, concorda. Envolvido desde os 15 anos com
o grêmio estudantil da escola pública
onde estudava, participou ativamente
da Gincana. Agora se desdobra entre
o curso universitário, um trabalho de
meio período e a elaboração do “Fala
Aí!”, um jornal de oito páginas feito
por 20 jovens, sob a supervisão de
educadores, para divulgar opiniões,
idéias, ações e necessidades da juventude santista, outro
projeto da Aracati. O primeiro número foi lançado em maio.
“Discutimos temas como o desemprego juvenil na Baixada
Santista”, diz Daniel. Para ele, o jornal é uma forma de
ampliar e envolver outras pessoas no debate de vários
problemas. “Os jovens se acomodam por desconhecerem
a importância da participação, por não estarem acostumados a questionar e por falta de informações sobre seus
direitos”, diz.
Reconhecida em 2002 pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) como uma das quatro melhores
práticas de voluntariado juvenil da América Latina e Caribe,
a Gincana rendeu outros frutos. Levou a Secretaria de Ação
Comunitária e Cidadania de Santos a criar a Comissão
Municipal de Juventude, na qual governo e sociedade civil
discutem políticas para a moçada. Com isso, foram criados
dois Centros da Juventude, onde são desenvolvidas várias
atividades, incluindo a formação de educadores juvenis.
Tecido social
A Aracati não se fixou na reprodução da Gincana, somente porque era um projeto de sucesso, mas investiu
nos seus frutos. A preparação dos educadores, que ajudam
a multiplicar a cultura de mobilização, tornou-se um de
seus pontos fortes. A entidade desenvolveu técnicas de
apoio para realizar esse trabalho. Uma delas é a confecção
Nono ono onono onono oonono
ononoo onono onono oonono
onono oononono onoonono
nonono no onono onono onono
oonono ononoo onono oononoo
Nono ono onono onono
oonono ononoo onono
onono oonono onono
oononono onoonono
nonono no onono onono
onono oonono ononoo
onono oononoo onono
oonnoo onono no onono
onono onono ononoo
onono oononono oonono
ononoono no ononononon
SOBRE
Neide Duarte conta sua experiência: “Durante um
encontro com as oito organizações, em Brasília, no ano
passado, fiquei impressionada com a segurança e a
forma quase imperceptível com que os coordenadores
da Aracati dirigem os trabalhos, criando um ambiente de
inteira liberdade, sem perder de vista os objetivos”, diz. “E
a postura, o nível de informação, a formação política e as
idéias desses jovens são absolutamente surpreendentes.”
Neide conta como muitos deles, provenientes da zona
rural, conseguiram criar e gerir pequenos negócios, com
assessoria e doação de pequenas quantias – de R$ 400
a R$ 500. “Rapazes e moças, até então sem nenhum
horizonte, agora se consideram pequenos empresários.
Não pensam mais em abandonar suas cidades. Querem
ficar, crescer e ajudar outras pessoas.”
Os 5 mil exemplares da primeira edição do livro lançado
em maio estão sendo distribuídos gratuitamente para
PARA SABER MAIS
da colcha de retalhos, uma de suas
“marcas registradas”. Nos encontros,
os participantes recebem um pedaço
de tecido, linha, agulha, aviamentos.
Cada um conta sua história de vida a
seu grupo. Ao longo do encontro, vão
“bordando” essas histórias em seus
respectivos retalhos. No fim, todos são
emendados, formando uma enorme
colcha, simbolizando a possibilidades
de criar realidades novas e melhores.
Para este ano, o trabalho de educação da Aracati deve assumir uma dimensão mais claramente política, com
questionamentos sobre itens como
democracia, direitos dos cidadãos, papel das instituições públicas, na certeza
de que somente mudanças estruturais
podem levar a resultados mais tangíveis
na luta contra a desigualdade social.
A entidade também vai suprir o que
considera uma lacuna da mídia nacional, lançando um livro e um vídeo para
mostrar como a mobilização juvenil está
mudando a realidade brasileira.
O livro “Frutos do Brasil”, escrito
pela jornalista Neide Duarte, repórter
da Rede Globo, com prefácio do colombiano Bernardo Toro, intelectual
com experiência internacional no desenvolvimento de projetos de comunicação e mobilização social, mostra
a história de oito entidades brasileiras
e de alguns de seus integrantes. Elas
foram escolhidas – entre as 132 que
se apresentaram em uma “consulta
pública” realizada pela internet – por
traduzirem a complexidade das organizações juvenis brasileiras. As visitas
às ONGs renderam mais de 100 horas
de depoimentos e imagens.
organizações sociais, escolas, grupos
juvenis, gestores, institutos e empresas,
como forma de incentivá-los a incluir
a participação juvenil em suas pautas.
O material colhido vai gerar ainda um
vídeo-documentário, também produzido por Neide Duarte, com lançamento
previsto para o segundo semestre. Ele
será veiculado em escolas e espaços comunitários com a intenção de fazer com
que outros jovens possam se reconhecer
nas experiências apresentadas, estimulando-os a participar dos movimentos
de mobilização. Como a brisa do Ceará,
a Aracati pretende continuar tirando as
pessoas de casa para construir um país
mais justo e mais democrático.
ARACATI – AGÊNCIA DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL
ÁREA DE ATUAÇÃO NACIONAL.
PROPOSTA Contribuir para o desenvolvimento de uma cultura de participação juvenil no país.
JOVENS ATENDIDOS 400.
APOIO FUNDAÇÃO KELLOGG, INSTITUTO C&A DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E ASHOKA.
CONTATO Rua Mourato Coelho, 460 – CEPXXXXX-XXX – Pinheiros – São Paulo (SP) – Tel.: 11/3031-1133
– E-mail: [email protected].
25
horizonte global
Embora enfrentem desafios muito grandes, como a pobreza e o alto
desemprego, os jovens são os maiores agentes de mudanças sociais
na América Latina e mais dispostos que qualquer outro segmento
social a se comprometer com causas nobres. A opinião é do argentino Fabian Koss, especialista em relações públicas internacionais
e responsável pela coordenação do BID Juventude – área do Banco
Interamericano de Desenvolvimento que cuida dos investimentos
relativos ao segmento jovem na América Latina e Caribe. Na Reunião
de Governadores realizada em abril, em Belo Horizonte, o banco
anunciou, entre outras iniciativas, a criação do Fundo da Juventude
para Inovação e Ação Social. Do seu posto, que lhe dá uma visão
abrangente das condições da juventude em todo o continente, Koss
vê uma crescente integração entre os jovens latino-americanos e
uma maior consciência do papel crítico que eles têm na criação de
economias sustentáveis e de uma maior igualdade social na região.
Leia, a seguir, os principais trechos de sua entrevista.
PARA FABIAN KOSS, RESPONSÁVEL
PELO BID JUVENTUDE, OS JOVENS
LATINO-AMERICANOS TÊM UMA FUNÇÃO
ESSENCIAL NA TRANSFORMAÇÃO
ECONÔMICA E SOCIAL DO CONTINENTE
AGENTES DE
TRANSFORMAÇÃO
Por _ Annette Schwartsman
Ilustração _ Adriano Marinho da
Silva, Bruno César Cerqueira,
Vinícius Barreto Barbosa
Quais são os maiores obstáculos à
participação social da juventude no
continente?
Como em outras partes do mundo,
o desemprego juvenil continua sendo
um problema urgente e cada vez mais
grave. Os jovens desempregados
mostram uma maior propensão para
se envolver em comportamentos de
alto risco, como o abuso de drogas. A
falta de informação e a falta de tecnologia são outros grandes desafios.
Onda Jovem: Como o sr. vê a situação
da juventude na América do Sul?
Fabian: Há uma representação
espetacular dos jovens na América
do Sul. Mais de 40% da população
da América Latina e do Caribe tem
menos de 30 anos de idade. O modo
pelo qual as novas gerações crescem
e se desenvolvem hoje em dia tem
importantes implicações sobre as
economias, as sociedades, o meio
ambiente e os governos. Os jovens
têm um papel crítico no desenvolvimento desses países, no sentido
de criar economias sustentáveis e
uma maior igualdade social. Por outro lado, enfrentam desafios muito
grandes: muitos vivem em situação
de extrema pobreza e representam
quase metade dos trabalhadores
desempregados.
E como se dá a participação social da juventude latinoamericana?
Os jovens sabem melhor do que ninguém das necessidades da juventude. Há muitas diferenças entre
os países, mas também há um grande movimento
de integração, para compartilhar melhor as práticas,
êxitos e desafios em projetos de desenvolvimento comunitário. E os progressos tecnológicos têm permitido
compartilhar idéias e colaborar de uma forma que não
era possível antes. Os jovens latino-americanos são os
maiores agentes de mudanças sociais. Mais do que
qualquer outro setor social, eles têm uma disposição
enorme para se comprometerem com causas nobres.
E como o BID investe na juventude?
Desde 2001, o BID, por intermédio
do Fundo Multilateral de Investimentos (Fumin) e da Fundação
Internacional para a Juventude (IYF),
vem implementando o Programa
Entra 21, que prepara jovens para
os empregos da nova economia. São
35 projetos em 18 países, incluindo o
Brasil. Apoiamos também um projeto
que usa o futebol para melhorar as
perspectivas de emprego de jovens
do Brasil, do Equador e do Uruguai. Já
o Fundo da Juventude para Inovação
e Ação Social, em parceria com a
Microsoft, vai fornecer financiamento
direto não-reembolsável para apoiar
negócios, empreendimentos sociais
e projetos de tecnologia. E vamos
lançar, neste semestre, uma campanha para promover a participação de
jovens em processos democráticos
e de desenvolvimento econômico e
social, propiciando uma plataforma
para que eles expressem suas opiniões e ofereçam soluções para os
problemas sociais que os afligem.
Serão pequenas narrativas veiculadas
pela MTV da América Latina e pela
BID America TV, além do site do BID
Juventude (www.iadb.org/exr/mandates/youth/Brownbaglunch2.htm).
Como o sr acha que a participação
social da juventude pode contribuir
para transformar a realidade da
América Latina?
Os jovens líderes têm interesse no
desenvolvimento social e econômico
de suas comunidades, países e a
regiões. A participação ativa deles é
fundamental no processo de desenvolvimento, pois eles são os verdadeiros agentes das mudanças.
27
SEXTANTE
CRISE DE GERAÇÕES
A forma como as sociedades
incorporam as novas gerações tem
a ver, também, com as relações
de poder entre gerações adultas e
jovens: a participação juvenil não
resulta somente de um encontro
feliz entre a vontade de participar
dos jovens (o que nos remete às suas
percepções individuais sobre custos
e benefícios) e as oportunidades que
lhes são abertas para fazê-lo, mas
também de um complexo sistema
de hábitos, regras, regulamentos,
instituições e práticas destinadas a
negociar os conflitos da reprodução
das gerações.
Isso nos remete a um aspecto
fundamental da participação da
juventude: a sua relação com a mudança social. A cultura muda quando
muda o sujeito que é construído
nela. Portanto, é relevante analisar a
dimensão subjetiva da participação
do jovem relacionando-a à questão
das gerações.
José Miguel Abad é psicólogo,
especialista em Economia do
Trabalho. Argentino, é consultor em
políticas públicas de juventude em
vários países da América Latina, e
autor de artigos e livros sobre o tema.
Por _ José Miguel Abad G.
Um presente de grego
Assim como a infância parece ser definida pelo futuro,
a idade adulta pelo presente e a velhice pelo passado,
as idades sociais da adolescência e da juventude se
confundem na tensão entre o que se deixa de ser e o
que ainda não se chegou a ser. Este caráter liminar é
acentuado pela ambigüidade da moratória social que
caracteriza a fase juvenil, que consiste no adiamento
das “responsabilidades adultas” com a condição de
adquirir habilidade para “ganhar a vida” e livrar-se da
dependência das instituições de amparo na infância
– a família e a escola.
A ambigüidade de que falamos se evidencia em dois
casos que cobrem a grande maioria da juventude: temos, por um lado, os jovens que são forçados a procurar
trabalho, intercalando empregos de baixa qualidade com
períodos, cada vez mais abundantes, de desocupação.
A moratória juvenil, para eles, é um tempo vazio, não
legitimado nem valorizado socialmente, de impotência,
raiva e estigmatização, que muitas vezes os empurra
para a marginalidade; no outro, os jovens da classe
média, que, embora ainda possam adiar o ingresso no
mercado de trabalho, têm sua moratória transformada
em uma espera mortificada, devido à ausência de um
destino economicamente garantido.
Tanto para uns como para outros, a moratória juvenil
é um “presente de grego”. Na medida em que “curtem”
a opção de não serem “obrigados” a participar do mercado de trabalho por suas atribuições sociais, os jovens
devem também aceitar um “encaixe”
marginal e de substituição na força de
trabalho. É uma situação que diminui
suas oportunidades de participação
política e de lutar para melhorar as
suas condições de vida, o que leva à
debilidade de sua posição para uma
ter uma estratégia de ação política
perante as “velhas gerações” e outros
grupos sociais de interesse.
Formas próprias
A especificidade da participação
dos jovens é determinada pela posição deles na estrutura social e na
sua relação com as gerações adultas.
Inseridos em uma e submetidos à outra, a sua participação adota canais de
expressão, formas de ação e objetivos
próprios que se ajustam à precariedade de suas bases materiais para
desenvolver uma posição autônoma,
às suas limitações para atuar organicamente, e ao caráter dependente,
suplementar e periférico de sua posição social. De fato, a participação da
juventude tende a se incorporar a um
ou outro projeto político – conservador ou progressista –, segundo o signo da mudança social. De todo modo,
geralmente é bastante fácil aproveitar
a sua debilidade corporativa para falar
em nome deles, além de ser “politicamente correto” usar a pegada jovem
no sentido capitalista-mercantil de
tudo o que representa a “mudança”,
A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA JUVENIL PROVOCA MUDANÇAS
CULTURAIS QUE EXPÕEM TAMBÉM CONFLITOS DE IDADES
29
a “novidade” e o “diferente”, mesmo se referindo
às propostas mais reacionárias.
Vem daí que a participação dos
jovens esteja forçosamente confinada – em situações “normais” – à
interação solidária de um pequeno
grupo juvenil e à atuação em guetos
de consumo, idealizando uma certa
virtude comunitária que os convoca
a se organizar, mobilizar e exibir
publicamente como “jovens”. Deste
modo, a participação juvenil circula ao
redor do reduzido espaço dos “objetivos” e das
“atividades” dos projetos institucionais, com um enfoque
psíquico-social mais do que político, dirigido a “solucionar” os problemas mais imediatos e próximos, e não à
análise crítica das relações sociais que determinam o
alcance e o conteúdo desta participação.
Ruptura de gerações
Mas a participação dos jovens pode ser entendida além
das determinações estruturalistas e das “escolhas racionais” dos líderes juvenis? O que ocorre quando a dinâmica
da transição definida pela relação de forças entre as gerações é alterada? Nessas circunstâncias, as novas gerações
devem provocar rupturas com os valores e estilos de vida
das gerações anteriores, ou sucumbir a elas.
Nessa medida, a participação
do jovem adota um caráter autoeducativo, e ele é forçado a tomar
em suas próprias mãos a transição
de sua geração para poder ocupar o
lugar da geração anterior – sem que
isso represente forçosamente uma
mudança nas instituições político-jurídicas nem nas relações econômicas
da sociedade. E é essa “falha” na
reprodução das gerações que produz,
paradoxalmente, a transformação do
sujeito “educado” em “educador”.
Este ensaio é
um extrato do
texto original,
disponível no site
ondajovem.com.br.
90º
PARTICIPAÇÃO E ESCOLA
ALUNOS DA
DEMOCRACIA
Ao considerarmos que a escola é
um dos principais locus de formação
da cidadania e tem como função
principal a socialização dos conhecimentos historicamente acumulados
e a construção de saberes escolares,
é importante destacar que compreendemos a cidadania na perspectiva
democrática, ou seja, a que contribui
e deve assegurar aos cidadãos o
exercício dos direitos à liberdade e à
igualdade de acesso aos bens sociais
e ao desenvolvimento.
Uma das questões que se colocam
para os educadores, e em especial
para os que trabalham com juventude, é que a escola tem a tarefa de
garantir o acesso e a permanência
dos jovens e, portanto, deve ser
vista como espaço de construção
do conhecimento e de socialização
de práticas sociais. Para isso, é imprescindível reavaliar a finalidade da
educação, seus objetivos e o papel
social da escola, para que esta possa
responder às novas exigências que
emergem na sociedade, em especial
as questões referentes à formação
dos jovens na perspectiva do respeito
aos direitos humanos e da formação
da cidadania democrática.
Compreender o papel da escola
nessa direção é entender que a formação da cidadania é prática de vida
em todas as instâncias de convívio
social dos indivíduos: na família, na
escola, no trabalho, na comunidade,
Por _ Aida Maria Monteiro Silva
na igreja e no conjunto da sociedade. É trabalhar, em
todos os níveis e modalidades de ensino, com a formação de hábitos, atitudes e mudanças de mentalidades,
calcada nos valores da solidariedade, da justiça e do
respeito ao outro.
É o que Maria Victoria Benevides, da Universidade
de São Paulo, denomina de cidadania ativa, a que
possibilita ao ser humano não apenas conhecer os
seus direitos, mas motivá-lo a criar oportunidades para
exercê-la e materializá-la. Nesse sentido, a escola é um
local singular, uma vez que trabalha com a socialização
dos diversos tipos de conhecimentos, com valores e
atitudes.
Essa escola é o que o sociólogo francês Alain Touraine
denomina de escola democratizante, ou seja, é a que
assume o compromisso de capacitar os indivíduos para
serem atores, ensina a respeitar a liberdade do outro,
os direitos individuais, a defesa dos interesses sociais
e os valores culturais.
À escola democratizante é associada à idéia de escola
da comunicação e, por isso, deve priorizar na formação
do aluno a capacidade de expressão, de compreender
as mensagens escritas ou orais. É necessário trabalhar
Aida Maria Monteiro Silva é
coordenadora do Programa de
Pós-graduação em Educação
da Universidade Federal de
Pernambuco, Coordenadora do
Comitê Nacional de Educação
em Direitos Humanos da
Secretaria Especial de
Direitos Humanos
O ESPAÇO DA
CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO
É TAMBÉM O DO
EXERCÍCIO DAS
PRÁTICAS SOCIAIS
E UMA DE SUAS
EXIGÊNCIAS É A
FORMAÇÃO DE
JOVENS CIDADÃOS
DEMOCRÁTICOS,
OBSERVADORES DOS
DIREITOS HUMANOS
31
90º
A ESCOLA DEMOCRATIZANTE CAPACITA
INDIVÍDUOS PARA SEREM ATORES, QUE
RESPEITAM A LIBERDADE DO OUTRO, OS
DIREITOS INDIVIDUAIS, OS INTERESSES
SOCIAIS E OS VALORES CULTURAIS
“Durante muito tempo, houve
uma cultura de que os movimentos
estudantis, como os grêmios,
atrapalhavam as atividades
da escola. Hoje essa idéia está
superada. Ainda existem algumas
queixas e repressão, mas muito
pouco. A maioria das escolas apóia
a formação de grêmios, o que
favorece o interesse do estudante em
participar mais, se organizar para
reivindicar algo. Isso aproxima o
estudante da política. Ele percebe
que organizado tem maior poder
de mobilização e de ação. Mas a
escola poderia dar mais espaço para
as organizações estudantis, pois
isso aumentaria a mobilização e
a união dos estudantes para fazer
trabalhos conjuntos com os grêmios,
os professores, a direção da escola.
Pois a nossa luta principal é por um
ensino público de maior qualidade.
Se a escola fosse mais valorizada, o
estudante teria maior auto-estima
e seria mais participativo. A escola
desvalorizada desmobiliza o
estudante.”
DAVILYM DOURADO
o diálogo, ensinando ao aluno a argumentar, analisar
discursos e mensagens e principalmente a manejar a
língua como instrumento de emancipação e autonomia. E, ainda, a escola deve ensinar a ler os meios de
comunicação de massa, especialmente a televisão, que
veicula mensagens descontextualizadas.
É importante, ainda, que a escola trabalhe com o
aluno o respeito à cultura do outro, às diferenças, em
termos de necessidades, opções e características dos
sujeitos. E que a escola possibilite aos jovens serem
autores e atores do projeto pedagógico e do projeto de
sociedade, trazendo para o seu interior o debate sobre
temas da atualidade ligados diretamente à vivência da
GABRIEL ALVES,
20 ANOS,
é presidente da UMES – União
Municipal dos Estudantes
Secundaristas de São Paulo
formação dos jovens, como política e
responsabilidade social com o voto, a
sexualidade, as drogas e os seus efeitos, convivência social, entre outros.
A escola, nessa direção, deve priorizar metodologias em que o jovem
possa ter o cotidiano como objeto de
estudo, em que desenvolva práticas
dialógicas e interativas sobre a realidade em que ele se encontra, buscando não apenas compreendê-la, mas
procurando as diferentes formas de
modificá-la.
É preciso instituir no ambiente escolar práticas docentes que respeitem
o jovem como sujeito de direitos, que
ajudem o aluno na sua auto-estima
e no respeito ao outro, como sujeito
coletivo. A prática escolar e as vivências pedagógicas devem privilegiar as
diferentes linguagens como formas
de expressão: a literária, a musical,
a teatral, a plástica, a telemídia e a
informática, para que o jovem possa
perceber uma relação e uma motivação mais direta entre os conteúdos
curriculares e as vivências do seu
cotidiano. O aluno nesse processo
é o agente ativo e produtor do seu
conhecimento; o professor, o mediador entre o aluno e o conhecimento
historicamente sistematizado, e a
escola, local de exercício permanente
da cidadania.
A formação cidadã
Se entendermos que a escola é
um dos principais locus de formação
da cidadania e tem como função
principal a socialização dos conhecimentos historicamente acumulados
e a construção de saberes escolares,
como as práticas e os saberes podem
contribuir para essa formação?
Ao tomarmos como referências
resultados de pesquisas realizadas
por nós em escolas públicas de
Pernambuco (no estudo “Escola
Pública e a Construção da Cidadania: Limites e Possibilidades”), em
relação ao trabalho pedagógico da
escola e a sua relação com a formação da cidadania, consideramos
o trabalho pedagógico como o que
engloba os elementos constituintes da ação educativa e do fazer
docente, que se concretizam no
espaço escolar, especialmente, na
sala de aula.
Assim, focalizamos a seguinte
questão: É possível desenvolver na
escola pública um projeto pedagógico na perspectiva da formação
da cidadania? Algumas respostas
podem indicar como é possível desenvolver um trabalho pedagógico
nesta direção, conforme podemos
observar nas falas dos professores.
Um exemplo:
“Com a minha prática eu pretendo dar a eles o máximo, explorando
a realidade atual do nosso país, as
relações humanas que nós deve-
mos ter. Isso é uma coisa muito importante. Os valores
familiares, que a gente deve explorar, devem servir não
só para aqueles conteúdos pedagógicos, mas também
entrar na relação, na vivência dos alunos com os pais,
com a família, como ele deve se comportar na vida.
É uma aula mista, de tudo, porque é um campo de
estudos sociais”.
É possível observar que o professor direciona suas
práticas à valorização das relações pessoais e familiares, e a preocupação de contextualizar os conteúdos
curriculares é muito presente. Outros professores
relatam dinâmicas diferenciadas. Um exemplo:
“Eu trabalho muito com Português, compreensão e
leitura de textos e da escrita a partir dos conteúdos
de todas as matérias. A gente fez uma pesquisa em
jornal, na comunidade e com textos. Depois os alunos
montaram peças de teatro e apresentaram. Dessa
forma eu acho que os alunos se interessam mais
pelo assunto”.
Nas diferentes práticas observadas é possível inferir
que há intenção dos professores em desenvolver o
ensino de forma mais prazerosa, lúdica e crítica, possibilitando ao aluno ser agente ativo da aprendizagem
e construtor do seu conhecimento. Além disso, no
conjunto das escolas havia experiências de trabalhos
muito interessantes, com grupos de dança, música,
teatro, cujo objetivo era melhorar a sociabilidade, a
auto-estima, a aprendizagem do aluno e envolvê-los
no projeto da escola.
No processo de análise da prática
pedagógica, o que nos chamou a
atenção foi o fato de que a escola é
capaz de desenvolver práticas significativas que estimulam o respeito, a
criatividade, a crítica, a autonomia, a
participação e o diálogo.
Assim, lutar pela construção de
uma escola que contribua para a
formação da cidadania dos jovens,
no contexto de uma sociedade com
tradições escravocrata, autoritária
e clientelista tão arraigadas, é perceber que essa luta vai além da escola e deve permear o conjunto das
instituições sociais, no sentido de
romper com essa cultura e criar uma
contracultura, calcada nos princípios
democráticos de liberdade e de
igualdade, nos valores republicanos
do bem comum e do bem coletivo,
com vistas à construção de uma
sociedade baseada nos valores da
solidariedade e justiça social.
A construção da escola pública no
contexto da sociedade brasileira parte
inicialmente da contradição em que
vive o seu povo: o Estado é regido
por leis, normas, pactos avançados
em termos de garantia dos direitos
humanos, e o próprio Estado é agente
violador dos direitos e se mantém
distante da sua materialização.
É essa contradição no regime
democrático que permite avançar,
respaldada nos instrumentos legais, a
reivindicação dos direitos instituídos.
Há, portanto, uma tensão que perpassa o conjunto das instituições sociais,
o direito legitimamente assegurado e
não materializado, em que a escola
é palco onde se reproduzem essas
violações, mas pode contribuir para
combatê-las.
33
180º
PARTICIPAÇÃO E CONSTRUÇÃO
QUAIS DIREITOS?
Helena Wendel Abramo é socióloga
e foi coordenadora do Projeto
Juventude. É consultora da Comissão
de Juventude da Câmara Municipal
de São Paulo e membro do Conselho
Nacional da Juventude
A noção de que o jovem deve ser
tomado como sujeito de direitos
vem sendo cada vez mais acionada
por aqueles que tomam a defesa
dos jovens no Brasil. Esta afirmação
ganha importância na medida em que
busca deslocar a perspectiva, ainda
dominante na opinião pública, do
jovem como problema para si mesmo e para a sociedade, assim como
a ótica que o toma apenas na sua
dimensão de sujeito em preparação
para o futuro.
No Brasil, essa noção ganhou
força e legitimidade por meio de
uma importante e longa mobilização
de diversos atores, no processo de
luta contra a ditadura militar e seus
efeitos mais perversos. Até então, a
expressão legal existente, o Código
de Menores, estava dirigido para as
situações de desvio, configuradas
pela vivência de situações de risco
ou ações delinqüentes. O foco real
desse arcabouço jurídico eram as
Por _ Helena Wendel Abramo
crianças e os adolescentes pertencentes a famílias
pobres e “desestruturadas”, com uma compreensão
de que essas situações conduziam potencialmente tais
“menores” a uma conduta de desvio que era preciso
controlar, reprimir e prevenir. Desse modo, acabava
por operar uma perspectiva quase de criminalização
das crianças pobres do país.
Para se contrapor a uma crescente onda de repressão e violência contra tais “menores de idade”, foi
desencadeado, nos últimos anos da ditadura militar,
um movimento envolvendo uma série de atores (entre
juristas, funcionários públicos, militantes de movimentos sociais e comunitários), demandando a defesa dos
direitos destas crianças, para que passassem a ser tratados como sujeitos de direitos e não como elementos
perigosos para a sociedade. Foi, desse modo, uma luta
pela superação da ótica problematizadora da infância,
que se afirmava também como uma luta contra a desigualdade no tratamento das crianças dos diferentes
segmentos sociais.
A PERCEPÇÃO DO JOVEM COMO
UM SUJEITO ESPECÍFICO AINDA
ESTÁ EM CONSTRUÇÃO NO
BRASIL E OS DEBATES SOBRE O
TEMA PERMANECEM ABERTOS
35
180º
Essa mobilização logrou pautar a
questão da infância e da adolescência na agenda pública, engendrou
o desenvolvimento de políticas e
programas, e resultou, no processo
da elaboração da Constituinte, na
criação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, abarcando todos os
aspectos da vida e criando uma verdadeira teia de proteção às crianças
e aos adolescentes do país.
O quanto conseguimos garantir
estes direitos é uma questão ainda
em aberto, mas não há dúvida de que
foi operada uma importante mudança
de postura com relação à infância
no Brasil, e que é essa mudança de
postura, e o vigor desta idéia sobre os
direitos das crianças e adolescentes,
que podem funcionar como força para
a execução de políticas que garantam
o cumprimento destes direitos. Nesse
sentido, é preciso lembrar que a luta
continua em curso, em torno da polêmica que tem polarizado a sociedade:
a questão do limite de idade para a
imputabilidade penal.
Construção social
Essa breve história mostra que os
direitos são uma construção social
e não um dado natural. Traduzem
uma determinada concepção que,
num dado momento, uma sociedade
formula a respeito do que é justo, do
O RECONHECIMENTO DA JUVENTUDE COMO ETAPA
DISTINTA DA INFÂNCIA E DA CONDIÇÃO ADULTA
É RECENTE E EXIGE AÇÕES E POLÍTICAS QUE
PRECISAM SER DEFINIDAS NO DEBATE SOCIAL
que é digno, do que é essencial para a vida humana em
sociedade. Por isso mesmo, são noções que traduzem
visões distintas sobre o que é o humano e sobre como
deve se organizar a vida social; e o seu estabelecimento
como direitos reconhecidos se faz sempre por meio da
disputa política.
Na história da sociedade ocidental moderna, os
direitos foram sendo conquistados por meio de lutas
sociais: primeiro, os direitos cívicos; depois os direitos
políticos e, somente na segunda metade do século
passado, os direitos sociais, demandados pelas classes
trabalhadoras na perspectiva de estabelecimento dos
padrões de uma vida digna. Hoje, vivemos um período
de expressão das demandas das diferentes subjetividades, ou dos “sujeitos singulares”: as mulheres, os
negros, os deficientes físicos, os idosos. São situações
de vida, atravessadas por vários planos de diferenças
e desigualdades, que demandam o estabelecimento
de regras e medidas sociais para serem incluídos na
condição de cidadania.
Nesse sentido é que surge, mais recentemente, a
questão dos jovens, para além da adolescência, dos
15 aos 24 ou dos 18 aos 29 anos
(as faixas etárias variam segundo
diferentes postulações), a partir da
constatação da existência de uma
condição juvenil que se diferencia da
infância, por um lado, e da condição
adulta, por outro. Um período que se
alonga bastante e não se constitui
mais numa breve passagem, mas
em toda uma etapa da vida, com necessidades e demandas específicas.
Por muito tempo “invisíveis” e sem
interlocutores públicos, na última
década muitos atores juvenis vieram
se manifestar (muitas vezes por meio
de uma linguagem mais cultural que
propriamente política) a respeito
das questões que os afetam nesta
conjuntura de virada de século, e
que não estão sendo respondidas
nem pelas soluções desenvolvidas
para a infância e adolescência, nem
e do Conselho Nacional de Juventude; no legislativo, a
criação de comissões, como a da Câmara Municipal de
São Paulo, em 2001, e as da Câmara Federal, a partir
de 2003, que já produziram vários projetos de lei, em
tramitação, inclusive. Todos esses processos têm
resultado na formulação de uma pauta de políticas
específicas dirigidas a jovens, diferentes das dirigidas
às crianças, cujas diretrizes, porém, ainda estão em
debate. Poderíamos dizer que estamos no momento da
enunciação dos direitos dos jovens, ou seja, em pleno
estágio da definição, invenção e disputa do que venham
a ser tais direitos.
BEATRIZ ASSUMPÇÃO
pelos serviços estruturados para a
população adulta.
Tais questões se relacionam a
necessidades ligadas a diversas
dimensões de suas vidas e são, politicamente, “novas”, sob a ótica desta
especificidade, ou seja, não constam
ainda do repertório das soluções já
testadas e estruturadas. Além da
reivindicação do cumprimento do
direito à educação – a uma educação
para todos, completa e de qualidade
– (que, na verdade, é o único direito
reconhecido aos jovens, no plano
retórico, pelo menos), os jovens têm
expressado demandas por mecanismos de apoio e participação em
várias outras áreas: trabalho, saúde,
lazer, cultura, circulação pelo espaço
público, política.
Tomar os jovens como sujeito de direitos significa, portanto, em primeiro
lugar, reconhecer a especificidade
de sua condição e a singularidade da
sua experiência geracional; significa
também olhar suas demandas como
relevantes e pertinentes ao debate
público. Exige, como aconteceu no
caso das crianças e adolescentes,
que se vá além da ótica que apreende
os jovens como risco ou problema social, assim como da perspectiva que
os situa apenas como sujeitos voltados para o futuro, negligenciando a
sua vida e necessidades no presente.
Implica, necessariamente, incorporar
a participação de seus interlocutores (aqueles que expressam esta
experiência e condição singular) nas
disputas que definem as formulações
sobre os direitos e sobre as políticas.
Ou seja, significa abrir um debate
público democrático sobre tal pauta
de demandas e sobre o modo como
podem e devem ser respondidas pelo
estado e pela sociedade.
Foi apenas muito recentemente
que a questão da juventude entrou para a pauta política e ganhou
canais institucionais de resolução,
que se materializam na criação de
mecanismos institucionais e canais
públicos de diálogo: no plano do
executivo, além da criação de uma
série de secretarias ou coordenadorias municipais, a criação, em 2005,
da Secretaria Nacional de Juventude
MAFOANE ODARA POLI
SANTOS, 25 ANOS,
integrante do Programa de
Juventude do Ceert – Centro de
Estudos da Relação do Trabalho e
da Desigualdade
Um dos projetos de lei propostos
pela Frente Parlamentar da Câmara
Federal é a proposta de um Estatuto
da Juventude, tendo como referência
a faixa etária entre 15 e 29 anos.
No entanto, se cada vez mais ganha
clareza a idéia de que é necessário
ter ações e políticas específicas para
responder às questões singulares
vividas pelos jovens, que os seus
direitos devem, assim, ser expressos
e garantidos por meio de políticas
públicas, não é tão claro se devem
ser definidas num estatuto jurídico.
Este é um debate em aberto e, com
certeza, sua resolução será tanto
mais significativa quanto maior número de atores, principalmente os
jovens, entrarem e se posicionarem
a esse respeito.
“Um dos maiores obstáculos ao
desenvolvimento e ao reconhecimento
da juventude como um segmento que
tem a contribuir com a sociedade
são os mitos, por exemplo, de que o
jovem é um revoltado, inconseqüente,
irresponsável. Os mitos impedem
perceber o jovem como um
interlocutor confiável. Outro
obstáculo é a falta de investimento
em canais para a sua organização.
Por isso os jovens precisam de
formação e informação, para que
possam intervir de forma mais
qualificada, para se colocarem de fato
como sujeitos de direitos. Trata-se
de um processo de empoderamento
a partir do conhecimento. Em busca
disso, como participante do Ceert,
que trabalha com relações raciais e
de gênero, atuo em vários espaços.
Na universidade, lutamos pela
promoção de ações afirmativas,
como as cotas. Na área da saúde,
procuramos mostrar aos jovens que
a ausência de doença não define a
vida saudável, que eles estão sujeitos
a outras violências que interferem na
sua qualidade de vida. No mercado
de trabalho, buscamos a qualificação
e, dentro das empresas, defendemos
cotas de progressão nos planos de
carreira. É assim que batalhamos
pela visibilidade da juventude, em
especial da juventude negra.”
37
270º
A JUVENTUDE
É AO MESMO
TEMPO O GRUPO
COM A MAIOR
DISPOSIÇÃO PARA
A AÇÃO POLÍTICA
E TAMBÉM O
MENOS MOTIVADO
A FAZÊ-LO
NOS ESPAÇOS
CONVENCIONAIS
PARTICIPAÇÃO E DESENCANTO
A CRISE NA
TRADIÇÃO
Por _ Paulo Carrano
Pesquisas recentes revelaram traços significativos
sobre o relacionamento dos jovens brasileiros com a
“política”. Em 2003, a pesquisa de opinião encomendada
pelo Observatório da Educação da ONG Ação Educativa
procurou conhecer a participação dos cidadãos brasileiros
nas instâncias e mecanismos de elaboração, monitoramento e avaliação de políticas públicas. Chamou a
atenção o fato de a maioria dos entrevistados (56%) não
desejar participar das práticas capazes de influenciar nas
políticas públicas. Daqueles que “desejam participar”,
destacaram-se os jovens mais escolarizados e as pessoas de maior renda.
Um número expressivo de pessoas revelou desmotivação em participar por
falta de informação (35%); neste grupo
destacam-se os mais jovens, entre 16
e 24 anos, os menos escolarizados e
os de menor renda.
Há consenso entre diferentes pesquisas que o aumento da idade provoca a diminuição do interesse ou
disponibilidade para a participação.
Neste sentido, o período de idade
compreendido entre 15 e 20 anos
é decisivo para o fortalecimento de
práticas e princípios de participação
39
democrática. Sem dúvida, as instituições e coletivos juvenis já mobilizados
precisam estar atentos a este indício
revelado pelas pesquisas e, assim, criar
estratégias para que esse período vital
da juventude seja potencializado. Em
conjunto com tal campo potencial de
participação entre os mais jovens, há
a evidência de que faltam informações
que viabilizem a própria participação
"A democracia é um grande
exercício e temos de buscar sempre
novos caminhos para exercê-la.
Penso nisso diante do desencanto
que o jovem, em geral, sente em
relação ao quadro político atual.
Ele precisa encontrar novas formas
de participação e estamos vendo
isso acontecer com a formação de
vários grupos associativos juvenis,
que se agrupam por conta de uma
causa ambiental, em torno de um
movimento artístico ou por causa
de uma questão específica de sua
comunidade. Isso é bom, mas
falta incorporar a esses grupos a
discussão política e, com isso, abrir
mais portas para a representação
juvenil no cenário político nacional.
Só assim os jovens poderão ter mais
poder de intervenção nas políticas
públicas. É assim que se fomenta
a democracia. É preciso resgatar
entre os jovens a idéia de que viver
em sociedade é fazer política, porque
estar em sociedade é estar no coletivo
e zelar pela comunidade. Desde os
15 anos participo de movimentos,
primeiro com a questão ambiental,
depois em um movimento cultural e
também participei da discussão do
orçamento da prefeitura da minha
cidade. Procuro afirmar minha
participação na sociedade assim.
Estou sempre buscando brechas para
intervir. Essa é a estratégia para se
ter uma sociedade melhor."
BRUNO TADEU GARCIA
270º
e também pessimismo ante as reais possibilidades de
interferir em processos decisórios.
Na pesquisa Perfil da Juventude Brasileira, do Instituto
Cidadania, realizada em 2003, a maioria dos entrevistados
(54%) concordou com a afirmação de que a política é algo
muito importante, contra 11% que disseram que a política
é nada importante. O reconhecimento da importância da
política não significa, contudo, que os jovens não sejam
críticos aos operadores da política institucional. Nesta pesquisa: 64% dos jovens entrevistados “não confiavam” em
deputados e senadores do Congresso Nacional, 65% “não
confiavam” nos partidos políticos, 61% “não confiavam” em
vereadores da sua cidade, 55% “não confiavam” no governo
federal. Não seria preciso muito esforço para reconhecer
que, considerando a sucessão de episódios de corrupção
envolvendo “políticos” a partir do ano de 2005, a desconfiança nessas instituições e sujeitos tenderia a aumentar
significativamente caso a pesquisa fosse atualizada.
JULIA FORLANI, 22 ANOS,
integrante do Movimento Jovem pela Democracia
(www.ymd.youthlink.org)
A recente pesquisa Juventude Brasileira e Democracia (Ibase/Pólis, 2005)
entrevistou jovens de sete regiões
metropolitanas e do Distrito Federal.
Dos participantes, 28,1% faziam parte
de algum tipo de grupo – esfera pública básica e voluntária, cuja existência
evidencia certo potencial de participação associativa. A pesquisa confirmou
o resultado de outros estudos que
apontam que os grupos de orientação
religiosa, esportiva e artística constituem o substrato do associativismo
juvenil no Brasil de hoje. Na pesquisa, a
participação político-partidária aparece
como sendo pouco atrativa, em especial, para os jovens mais pobres e menos escolarizados. O envolvimento de
jovens em movimentos de melhorias
voltados ao bairro ou à cidade atingiu
18,5% das respostas.
Um dos problemas sentidos no
debate sobre a participação juvenil se
refere aos poucos estudos que possibilitem correlacionar o comportamento
dos jovens ao conjunto da população.
O senso comum que intui que haveria
uma menor disposição participativa
entre os jovens muitas vezes deixa
de considerar que a “crise de envolvimento e participação” é generalizada
na sociedade. A realização da mesma
indagação para o conjunto da população seria extremamente interessante
para se perceber se os jovens partici-
É preciso evitar
a associação
mecânica entre as
reivindicações dos
jovens por direitos
e uma busca deles
por participação em
órgãos relacionados
com as políticas
públicas
PESQUISAS INDICAM
QUE, ENTRE OS JOVENS,
FALTAM INFORMAÇÕES
PARA A PARTICIPAÇÃO
E HÁ PESSIMISMO
SOBRE AS CHANCES
DE INTERFERÊNCIA
NAS DECISÕES
pam mais ou menos da vida social e
comunitária se comparados com os
adultos. A pesquisa Ibase/Pólis aponta
que o número de jovens que já participaram em diferentes entidades e
organizações é maior que o número de
jovens que participam atualmente, o
que caracteriza uma deserção participativa que pode estar apontando para
a perda de interesse e confiabilidade
nessas organizações.
As citadas investigações e tantas
outras desvelam fenômenos sociais
e políticos importantes e provocam
a necessidade de novos estudos
sobre a participação juvenil. Novos
contextos, sentidos de mobilização
e entraves materiais e simbólicos à
participação nos cobram a ampliação
e o aprofundamento das análises. Há
a emergência de diferentes coletivos
de participação que se orientam para
o simbólico, o cultural, o corpóreo e as
demandas do cotidiano que reconfiguram o campo da participação que
não se reduz aos espaços clássicos de
participação juvenil, notadamente os
partidos e os movimentos estudantis.
Há também uma ampla maioria de
jovens de todas as faixas de idade que
se encontram às margens de qualquer
tipo de envolvimento associativo ou
processo de mobilização social.
Políticas públicas de juventude
O adensamento do campo das
políticas públicas de juventude que
presenciamos hoje é decorrência de
induções de governos, de agências
internacionais e da busca de respostas a processos sociais como a violência que envolve sobretudo os jovens,
simultaneamente vítimas e vitimizadores. Contudo, há
também a movimentação dos próprios atores jovens
que inseriram suas demandas por direitos, notadamente
no âmbito das cidades a partir da segunda metade dos
anos 90. Exemplo disso é a luta pelo passe livre e a meia
passagem para os estudantes nos ônibus e a visibilidade
que a temática da periferia e da juventude negra ganhou
a partir das vozes de diferentes atores. Os órgãos de
juventude criados pelos municípios, estados e governo
federal vivem a tensão entre responder às pressões
conservadoras pelo controle social do tempo juvenil e desenvolver políticas emancipatórias que contribuam para
que os jovens sejam sujeitos de seus próprios tempos,
espaços e projetos de vida.
Na história recente das políticas de juventude, os
jovens têm sido convocados a participar na condição de
assessores, conselheiros, representantes e clientela de
projetos governamentais e socioeducativos, em espaços públicos dominantemente controlados por lógicas
institucionais de governos, organizações e adultos,
preconcebidas e configuradas em margens de restritas
autonomias. Os jovens são desafiados a inventar espaços públicos de maior liberdade para o estabelecimento
de agendas políticas forjadas a partir de seus próprios
interesses.
É preciso cuidar, contudo, para não associar mecanicamente as reivindicações dos jovens por direitos a uma
busca desses por participação em órgãos relacionados
com as políticas públicas. Os jovens querem satisfazer
suas necessidades cotidianas e poder planejar o futuro
mas não necessariamente participar de instâncias de
decisão política tal como conselhos gestores e órgãos de
governo. De modo geral, a maioria dos jovens percebe
que não são muitas as oportunidades de participar em
espaços de decisão e administração das políticas que
interferem diretamente em suas vidas. É neste sentido
que os jovens “mobilizados” em agremiações partidárias
se apresentam mais fortalecidos e
adaptados para participar dos espaços de decisão política cujas lógicas e
práticas de realização não diferem em
muito daquelas existentes em suas
agremiações.
Os jovens que emergem hoje no
cenário político por intermédio de diferentes organizações não partidárias
(movimentos culturais, grupos religiosos ou esportivos, ONGs) percebem
sinais e experimentam situações que
os levam a concluir que suas forças são
limitadas na arena pública dos espaços
institucionalizados. Assim, é bastante
animador perceber o surgimento de
diferentes fóruns de participação
não controlados por atores políticos
tradicionais, no âmbito das cidades e
também no plano nacional. O convívio
entre diferentes lógicas e práticas de
participação tem sido saudável para
todos os sujeitos participantes e para
as próprias esferas de participação.
Os jovens brasileiros enfrentam o
desafio de se reconhecerem como
atores políticos e criarem participações
que façam a diferença num quadro
de mobilização popular ainda insuficiente e ação incipiente do Estado na
resolução dos graves problemas que
comprometem a própria condição de
ser jovem no Brasil. Assim sendo, a
participação que poderia fazer diferença e restabelecer a confiança nas
instituições políticas no atual quadro
de desigualdades seria aquela que
abriria caminhos na agenda pública e
apostaria na mobilização interpeladora
da ineficiência do Estado, reivindicando
políticas efetivas e democráticas, adequadas às necessidades dos jovens
brasileiros.
Paulo Carrano é professor-adjunto
da Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense.
Coordenador do Observatório Jovem
do Rio de Janeiro/UFF, é membro do
Conselho Nacional de Juventude.
41
360º
PARTICIPAÇÃO E ATUALIDADE
O PULSO
AINDA
PULSA?
É lugar-comum ouvir entre adultos
– pais, pensadores, pesquisadores,
pedagogos, políticos – que a atual
geração de jovens é indiferente à vida
política de seu país.
Adultos nascidos e criados no século 20, embalados politicamente por
utopias revolucionárias de esquerda
ou pelo conservadorismo de direita;
críticos ou defensores radicais dos
fundamentos da sociedade em que
viviam; seguidores fiéis ou antagonistas infiéis dos adultos de seu tempo;
rebeldes ou caretas. Jovens do século
que passou, acostumados a aderir a
um ou outro ideário social, político e
religioso que tomavam como guias
– de fora para dentro e do alto para
baixo – de suas formas de militância.
Estariam demasiado presos à própria
juventude quando tratam como indiferença as múltiplas escolhas dos
jovens de hoje?
O que sabemos com toda certeza
é que o incerto século 21 exige novas
formas de juventude, novas formas
de ser cidadão.
Se o mundo adulto não quiser
tornar-se por sua vez indiferente à
juventude de seu tempo terá que
se dispor a manter o dedo – com
firmeza e abertura – no pulso deste
novo cidadão. O que pulsa na vida política da juventude? Desejam mudar
o mundo? Estão à altura do mundo
que desejam? Querem participar das
decisões sobre as questões que afetam suas vidas?
Conhecem os caminhos da cidadania? Seus interesses e
pontos de vista contam nos espaços onde vivem e convivem? Suas escolhas são individualistas ou solidárias?
O que pesa na hora em que tomam decisões sobre o
destino de seu país?
Ninguém pode furtar aos jovens de hoje o direito de
formular ao seu modo essas perguntas e ao seu modo
buscar respondê-las.
Por _ Simone André
O APEGO ÀS
VELHAS FÓRMULAS
IMPEDE OS
ADULTOS DE
PERCEBEREM AS
NOVAS FORMAS
DE FAZER POLÍTICA
DA JUVENTUDE
43
Simone André é
psicóloga e educadora.
Coordenadora da
Área de Juventude do
Instituto Ayrton Senna.
Membro da Cátedra
Unesco de Educação
e Desenvolvimento.
Co-autora do livro
"Educação para o
Desenvolvimento
Humano"
FRANCISCO CAMPOS
As políticas da vida
É seguindo suas pegadas que podemos saber de que
modo os jovens escolhem exercitar o poder de criar ou
transformar a ordem social e reinventar o futuro que os
espera. Há oito anos no Instituto Ayrton Senna, à frente
dos programas sociais e educativos voltados para a
juventude, ouço, acompanho e comemoro, com minha
equipe, muitas das escolhas juvenis de participação
social. Vale a pena, então, compartilhar aqui ao menos
três dos caminhos apontados pelos jovens.
“Comecei a participar há poucos meses do curso
de percussão do Grupo de Dança Afro-Malungos,
de São Luís, Maranhão. Essa oportunidade
está mudando a minha vida. Aprendo aqui,
principalmente, a me afastar do que fazia antes,
das coisas de adolescente rebelde que se envolve
em confusão. Comecei a perceber a importância
de pertencer a um grupo, de ter união, de respeitar
o outro. Estou adquirindo consciência sobre mim
mesmo e sobre a cultura maranhense. Isso me
dá a sensação de ser visto, me faz sentir parte da
comunidade. O aprendizado maior aqui é a arte da
convivência. Isso é fundamental para mim e acho
que para todos os brasileiros. Se todos aprendessem
essa arte, os vários grupos sociais se respeitariam
mais, teriam seus direitos mais assegurados,
apareceriam mais como cidadãos. Na verdade, acho
que estou aprendendo que a convivência é um valor
da democracia. Por isso, acho que o governo deveria
investir mais em espaços de convivência para os
jovens. E usar as manifestações artísticas para
isso é legal, porque interessa aos jovens. No futuro,
quero montar meu grupo para passar todo esse
aprendizado para outros caras como eu.”
JONATAS MORAES
RODRIGUES, 17 ANOS,
integrante do Grupo de Dança
Afro-Malungos, de São Luis (MA)
Em primeiro lugar, constatamos que
sempre que lhes é oferecida a chance
de escolher, os jovens recusam o rótulo que os identifica como problema social. Chamá-los de apáticos, alienados,
consumistas, desinformados, narcisistas, individualistas, violentos e por aí a
fora, em nada alimenta o sentido que
vêem em seus atos cotidianos e os
rumos que desejam para suas vidas.
Eles são altamente sensíveis ao direito
de serem vistos e tratados como parceiros e interlocutores das questões
que afetam diretamente suas vidas
e as vidas dos que os rodeiam. Eles
querem ser parte da solução.
Em segundo lugar, se a política dos
políticos não lhes interessa mais, as
políticas da vida calam profundamente
em seus corações, mentes e mãos.
Os chamados direitos de quarta
geração, que, como nos ensina o
educador Antonio Carlos Gomes da
Costa, celebram os direitos à cultura,
ao ambiente, ao desenvolvimento
sustentável, à paz – acima e além do
desenvolvimento econômico – estão
no centro de suas preocupações mais
imediatas e de suas buscas concretas
de transformação.
A arte é uma escolha clara para
expressão de suas identidades e
preocupações sociais. A marca registrada de suas formas de expressão
artística não são mais a negação das
tradições culturais ou a busca de ser
vanguarda, mas sim o impulso de
serem co-produtores da cultura de
seu tempo, pela música, pela estética,
Se as gerações
jovens estão dispostas
a criar caminhos para
reinventar suas vidas
políticas e nosso futuro
coletivo, as gerações
adultas precisam
comprometer-se em
assegurar-lhes o
direito ao exercício
da liberdade de
fazer escolhas
A política dos políticos pode não interessar tanto, mas
as políticas da vida – como a paz, a auto-expressão, o
empreendedorismo, o consumo consciente e a produção
de informação – calam fundo nos corações, mente e
mãos da juventude
pela comunicação, pelo pensamento
próprios da juventude. A tão falada
passividade dos jovens, por exemplo,
se torna bastante questionável se
pensamos na quantidade de informação emitida, produzida e editada por
eles em blogs, fanzines, vídeos, sites
de relacionamento etc.
Seu interesse pelo meio ambiente
vai, com freqüência, desde o simples
desejo de cuidar dos jardins de suas
escolas e das paredes de suas salas
de aula até a preocupação com o bemestar coletivo e a sustentabilidade do
planeta. A consciência crescente da
ameaça do fim dos recursos naturais
vem acompanhada pela noção de que
o peso da mão de cada um de nós
– adultos, jovens e crianças – faz toda
a diferença na tarefa inadiável de deixar
às próximas gerações um ambiente
igual ou melhor ao que temos hoje.
Se eles são os mais expostos a todas as formas de
violência, são eles também os primeiros a manifestar a
disposição e a urgência de cultivar a paz, a não-violência,
o respeito à diversidade das formas de ser e conviver. A
segurança de cada um e do mundo é um de seus temores
mais prementes e um dos fatores que mais os mobiliza
a conhecer a si mesmos para se colocarem à altura do
mundo que desejam construir.
Do mesmo modo, o temor de que a face sombria da ordem econômica a que estamos submetidos comprometa
o desenvolvimento humano e as chances de emprego para
os jovens adultos, não obscurece a determinação com que
cultivam uma nova atitude na reinvenção do mundo do
trabalho (o auto-emprego, o cooperativismo, o empreendedorismo etc.). Além disso, os mais jovens parecem cada
vez mais responsáveis pela emergência de novas formas
de questionamento ao poderio ilimitado do mercado. Por
exemplo, se o alerta de que é preciso não ser um alvo
tão fácil à mídia publicitária (para poderem libertar-se da
“liberdade de consumo”) não tem o efeito desejado junto
aos jovens consumidores, o poder que estão descobrindo
no consumo consciente já tem se mostrado ameaçador
às grandes marcas.
É crescente, ainda, a descoberta pelas gerações jovens
de que a sustentabilidade política do nosso país e do planeta depende tão fundamentalmente dos políticos que
elegemos quanto da política que praticamos no nosso
cotidiano.
Por uma vida política
Em terceiro lugar, então, descobrimos que quando o
mundo adulto – educadores, familiares e governantes
– se dispõe a ultrapassar as inúmeras camadas de falta
de oportunidades de participação democrática a que os
brasileiros (pobres ou ricos, jovens ou adultos) foram
submetidos, desde a invenção deste Brasil, encontra um
jovem com sensibilidade social aguçada e com altíssima
capacidade de agir concretamente para solucionar as
questões que estão ao seu redor: na sua família, na sua
escola, na comunidade.
Estamos afirmando que não é somente pela força
de inovação e transformação da juventude que se
efetivará o direito desta de participar ativamente da
construção da democracia assegurada pela Carta
Magna de nosso país. É preciso mais que isso. Que
o mundo adulto dê um voto de confiança decisivo
aos jovens: a oportunidade verdadeira de sua participação nas decisões que afetam suas vidas e seu
entorno social.
Se as gerações jovens estão dispostas
a criar caminhos para reinventar suas
vidas políticas e nosso futuro coletivo,
as gerações adultas precisam comprometer-se em assegurar-lhes o direito ao
exercício da liberdade de fazer escolhas
– permitindo que decidam livremente,
por exemplo, as formas de agrupar-se
e cultivar seus interesses comuns; dando-lhes, durante suas vidas escolares,
a chance de participar ativamente da
criação das normas de convívio, dos
rumos de seu processo educativo.
Mais importante, ainda, para assegurar a sustentabilidade política da juventude, tendo como base a cooperação
intergeracional, é estimulá-la a assumir,
cada vez mais, sua parcela de poder
e responsabilidade na construção do
bem-comum.
Essa co-responsabilidade sobre o
coletivo só se concretiza efetivamente
se além do desejo de solidarizar-se já
presente no universo juvenil somar-se
o compromisso das gerações adultas de
dar-lhes a chance de conhecer, refletir
e agir como protagonistas sobre as circunstâncias em que vivem: a família, a
camada social a que pertencem, a escola
em que estudam, a comunidade em
que moram, a cidade, o estado, o país e
também o planeta onde as distâncias se
encurtam a cada inovação tecnológica.
É por isso que acreditamos que qualquer política séria de juventude deve ter
propostas consistentes para os jovens
no período de suas vidas escolares. É
nesta etapa que um jovem define se vai
se tornar uma pessoa capaz de fazer as
escolhas que seu tempo e sua existência
impõem. É nessa etapa de suas vidas
que nós, adultos, temos a maior chance
de lhes dar a oportunidade de definir,
por si mesmos, que tipo de pessoas,
cidadãos e futuros profissionais eles
serão. E esta oportunidade está, em
grande parte, no tipo de educação escolar que mais de 20 milhões de jovens
brasileiros terão.
45
sem bússola
NO QUADRO GERAL
DA DESIGUALDADE
SOCIAL, ALGUNS
SEGMENTOS
DA JUVENTUDE
TÊM A SITUAÇÃO
AINDA MAIS
AGRAVADA POR
DISCRIMINAÇÕES
DE SEXO E RAÇA
A EXCLUSÃO
DOS INVÍSIVEIS
A janela de oportunidade para o desenvolvimento
humano, social e econômico que uma alta parcela de
jovens na população proporciona está se fechando no
Brasil sem que a sociedade se dê conta de mais esse
desperdício. A juventude brasileira – essa faixa etária
vigorosa, com potencial produtivo para garantir boa
parte do sonhado crescimento socioeconômico –, dia
após dia, sucumbe à violência e à má formação educacional, com agravantes em relação à raça e ao gênero.
Se o conjunto da juventude é visto com desconfiança
por parte da sociedade, alguns de seus grupos, como
jovens negros e jovens mulheres, aparentemente nem
mesmo são vistos como sujeitos de direitos elementares da cidadania formal, previstos na Constituição
– como educação e acesso à Justiça, sem discriminação
de nenhuma ordem.
Em sua recém-lançada “Síntese de
Indicadores Sociais”, o IBGE chama
a atenção para o que o antropólogo
Júlio César de Tavares, professor da
Universidade Federal Fluminense
(UFF), classifica como “quadro de
extermínio” da juventude no país. Ele
se refere à taxa de mortalidade por
causas externas (acidentes de trân-
47
sito e violência à frente) de rapazes
de 20 a 24 anos, que passa de 170
por 100 mil habitantes. E que ainda
tem agravantes.
“A situação desse segmento é gravíssima. E, seguramente, os números
são piores para os negros, moradores
de favelas, que são alvos nos homicídios”, diz Tavares, coordenador-geral
da conferência que a Associação para
o Estudo da Diáspora Africana (Aswad,
na sigla em inglês) realizou ano passado no Rio de Janeiro.
De fato, segundo o Mapa da Violência IV, publicado em 2004 pela
Unesco, a maioria das vítimas jovens
é negra (74%). E, pelo IBGE, um rapaz tem quatro vezes
mais chances de morrer que uma moça. Numa situação ideal (ausência total de violência), ambos os sexos
estariam num patamar muito mais próximo, diz Juarez
Oliveira, demógrafo do IBGE.
“É a primeira vez que o Brasil atravessa esse recorde de população jovem, que eu considero um bônus.
Contraditoriamente, é o segmento etário mais exposto
a riscos”, lamenta.
Por _ Flávia Oliveira
Dupla marginalidade
O risco de morte é o mais grave,
mas não é o único. Falta de oportunidades, educação de má qualidade,
entrada precoce e precária no mercado de trabalho estão entre os fatores
que tiram dos brasileiros o direito a
uma juventude plena.
“A população jovem é a mais vitimizada no Brasil. Isso está relacionado a
uma lógica de Estado que não valoriza
a expectativa de cidadania formal
deste segmento e só oferece a ele
alternativas de subalternização de
mão-de-obra, o que muitas vezes o
leva para o crime”, argumenta Carlos
Nicodemos, coordenador-executivo
do Projeto Legal, que atua na assistência jurídica e na defesa de direitos
humanos de jovens infratores.
Um dos 127 jovens assistidos atualmente pelo
Projeto Legal é Sérgio Cláudio de Oliveira Teixeira, de
21 anos. Ele foi apresentado ao Brasil quatro meses
atrás, com a exibição de “Falcão – Meninos do Tráfico”,
documentário do rapper MV Bill e de seu empresário,
Celso Athayde. A obra trazia a história de 17 meninos
e adolescentes que serviam ao tráfico de drogas em
diferentes cidades. Dois anos depois das filmagens,
apenas Sérgio “Fortalece” Teixeira sobrevivera.
A vitimização da
população jovem
segue uma lógica
que não valoriza
a expectativa de
cidadania formal
deste segmento
OS RAPAZES
MORREM
MAIS QUE AS
MOÇAS, E OS
JOVENS NEGROS
MAIS QUE OS
BRANCOS. AS
MULHERES
GANHAM MENOS,
MESMO QUANDO
ESTUDAM MAIS
E AINDA SOFREM
A VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA
Preso no Rio de Janeiro, ele conquistou a progressão de regime
(do semi-aberto para o aberto) e
se prepara para viajar para Santa
Catarina, onde vai trabalhar no circo
de Beto Carreiro. No documentário,
é comovente o momento em que
Fortalece, arma em punho, revela que
o sonho de sua vida sempre foi ser
palhaço. E emociona a possibilidade
de o solitário sobrevivente começar
a realizá-lo.
“Essa população é duplamente
discriminada. É segregada por ser
jovem e por ter cometido infrações.
Por isso, o exemplo do Fortalece nos
anima”, diz Nicodemos.
Outro projeto destinado a adolescentes infratores é o Jovem Legal, do
Instituto de Acesso à Justiça, de Porto
Alegre. A proposta, diz a psicóloga
Sílvia Giugliani, é oferecer aos egres-
sos do sistema socioeducativo novas oportunidades
que os mantenham “do lado de cá da fronteira do ato
infracional”. Equipes multidisciplinares prestam um
atendimento que envolve as famílias e a qualificação
profissional dos atendidos. Os resultados são animadores: a reincidência no crime caiu 80%.
“O jovem é o protagonista do diálogo, é ele quem
define o projeto de vida que vai seguir. Não adianta
oferecer um curso de culinária para alguém que quer
trabalhar com informática. É nesse tipo de falha que
muitos programas fracassam”, diz Sílvia.
Foi para não se deixar seduzir pelo canto da sereia da
delinqüência que Joabson Lourenço Barreto, de 21 anos,
começou a participar dos projetos sociais na comunidade
Ponte dos Carvalhos, no município de Cabo de Santo
Agostinho, em Pernambuco. Ele era voluntário no projeto
Biblioteca Itinerante quando foi apresentado ao Centro
de Cidadania Umbu-Ganzá, em Recife, onde participou
do programa Exercitando o Protagonismo Juvenil.
“As oficinas ensinam as pessoas a se organizarem,
a conhecer os direitos. Isso não existe para o jovem.
Minha participação foi uma forma de eu não entrar na
criminalidade e me ajudou a crescer como pessoa”, diz
Joabson, que já concluiu o ensino médio e hoje é arteeducador do projeto “Respeito é Bom e Eu Gosto”, que
oferece aulas de Artes Plásticas, Arte Circense e hip hop
a crianças e adolescentes participantes do Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).
Sem rumo
Ao longo da década de 90, o governo brasileiro praticamente cumpriu
a meta de ter todas as crianças de
7 a 14 anos matriculadas no ensino
fundamental. O desafio, agora, é
universalizar e melhorar a qualidade do ensino médio, além de criar
oportunidades iguais de acesso à
universidade.
O Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2005 – Racismo, Pobreza
e Violência, divulgado recentemente
pelo PNUD, aponta que os avanços
brasileiros na área educacional ainda
não conseguiram vencer a desigualdade racial: o percentual de brancos
formados na universidade hoje é mais
que quatro vezes o de negros. Segundo o relatório, a proporção de brancos
com nível universitário passou de
1,8% em 1960 para 11,8% em 2000,
enquanto a de negros subiu de 0,13%
para 2,9% no mesmo período.
Foi neste quadro que nasceu o
projeto Geração XXI, parceria entre
a fundação BankBoston, a ONG Geledés – Instituto da Mulher Negra,
e a Fundação Cultural Palmares, do
Ministério da Cultura. Foi o primeiro
programa de ação afirmativa implementado no Brasil e tornou-se referência aqui e no exterior. Em 1998,
foram selecionados 21 adolescentes
negros (12 meninas e 9 meninos) de
famílias de baixa renda, que serão
acompanhados das últimas séries
do ensino fundamental até a universidade, em 2007. Eles participam de
programas de suplementação escolar,
que incluem apoio financeiro, cursos
de idiomas e tecnologia e ajuda no
acesso ao curso superior.
Priscila Gomes de Freitas, hoje
com 25 anos, no sexto semestre de
jornalismo na Universidade Metodista
49
de São Paulo, foi selecionada quando
cursava a sétima série de um colégio
estadual da capital paulista. Ela cresceu na Bela Vista, bairro da região
central da cidade onde vive até hoje
com os pais e um irmão, de 17 anos.
Todo o seu ensino médio foi custeado
pelo programa, numa escola particular. Ela estudou inglês e informática.
Em 2003, passou no vestibular.
“Eu sempre quis fazer jornalismo
ou moda. Poderia ter realizado esse
sonho sem o programa, mas seria
muito mais difícil. A escola pública
não tem tanta qualidade e, provavelmente, eu teria de trabalhar de dia
para pagar a faculdade à noite. Hoje,
meu trabalho é um estágio na minha
profissão”, conta.
Além do Geração, o Geledés tem
outros três programas desse tipo.
“Todos têm em comum a intenção de viabilizar o
acesso, a permanência e o sucesso no ensino superior
da população negra, e sempre alinhados com a proposta
do Geledés, de priorizar as mulheres, que são as mais
atingidas pelo perfil de invisibilidade de nossa sociedade”, diz a coordenadora Rosângela Araújo, a Janja.
Ela toca noutro aspecto que mancha as estatísticas
sociais brasileiras: a desigualdade de gênero, desta vez
contra as mulheres. Embora mais escolarizadas que os
homens, as mulheres invariavelmente ocupam cargos
de menor importância e ganham salários menores. A
situação ganha contornos dramáticos no caso das negras, que ficam em nítida desvantagem em relação às
“Jornalista há 14 anos, tenho nos
últimos seis me debruçado sobre temas
socioeconômicos. Pobreza e desigualdade
são assuntos recorrentes no meu
exercício profissional e, infelizmente,
nas condições de vida da juventude
brasileira. A proposta da reportagem de
Onda Jovem me alcançou num momento
particularmente sensível: a exibição
do documentário “Falcão -Meninos do
Tráfico”; a sucessão de debates por ele
desencadeada; e a divulgação pelo IBGE
da “Síntese de Indicadores Sociais”. Esses
tesouros de informação, em estado bruto
(caso da obra de MV Bill e Celso Athayde)
ou tabuladas (como na apresentação do
IBGE), permitem aos bem intencionados
a ampla compreensão dos problemas que
afetam este pedaço da sociedade brasileira
tão expressivo quanto desassistido.
Pelos dados macros, a reportagem não
teria boas notícias a apresentar. Mas
o esforço de um punhado de brasileiros
capazes, otimistas, atuantes, que
trabalham país afora para mudar
o desolador cenário, livrou-nos do
desalento. Bom foi descobrir, tal como na
fábula da floresta em chamas, que há
beija-flores despejando salvadoras gotas
d'água para impedir a tragédia.
Quando virão os bombeiros?”
RATÃO DINIZ / IMAGENS DO POVO
VIDA DE REPÓRTER
FLÁVIA OLIVEIRA
tem 36 anos e é mãe de Isabela, de 10.
brancas. Seus filhos têm as mais altas
taxas de mortalidade infantil: 46,1 por
mil nascidos vivos, contra 29,3 das
que se declaram brancas. É em suas
famílias que a renda é menor. São
elas que, predominantemente, criam
a prole sem marido. Sofrem com a
violência doméstica e sexual.
Em Palmas, Manoel Orismar Vieira
Ribeira, de 28 anos, usa sua experiência pessoal como instrumento para se
aproximar e orientar os mais jovens.
Ele montou, com quatro amigos, a Associação Tocantinense de Juventude
Negra. Negro, casado há sete anos
com uma jovem que hoje tem 22,
Manoel é pai de quatro crianças. O primeiro filho nasceu quando a mulher
tinha 15 anos. Eles se conheceram
ainda meninos, se reencontraram na
adolescência e foram morar juntos
três dias depois.
“Nossa história é de um amor imenso. A minha base de luta é a mulher.
Mas nem todos os jovens são assim.
Muitos engravidam as namoradas e
desaparecem. Elas, às vezes, nem
sabem como evitar”, diz Manoel.
Nas palestras que já deu em todas
as escolas da rede pública de Tocantins, ele trata das relações sexuais
entre os jovens, mas principalmente
da consciência racial. As palestras
incluem orientações sobre doenças
que afetam a população negra, como
SOBRE
PARA SABER MAIS
SOBRE
PARA SABER MAIS
SOBRE
PARA SABER MAIS
SOBRE
PARA SABER MAIS
SOBRE
PARA SABER MAIS
SOBRE
PARA SABER MAIS
a anemia falciforme, educação e
direitos civis. No momento, Manoel
tenta viabilizar a elaboração de um
perfil da juventude de seu estado,
com informações que possam
orientar a formulação de políticas
voltadas para este segmento tão
grande quanto marginal.
A dura realidade das mulheres
germinou também os projetos do
Núcleo de Juventude da ONG feminista Cemina (sigla para Comunicação, Educação e Informação
em Gênero), que usa o hip hop
para esclarecer as jovens sobre
os riscos a que estão sujeitas. A
primeira iniciativa, em 2004, foi
uma campanha antitabagista e
que resultou no lançamento do
primeiro CD. No ano passado, foram duas outras obras, realizadas
após dois seminários em que 40
moças, envolvidas com o gênero
musical e de reconhecida liderança
em suas comunidades, debateram
direitos individuais e reprodutivos
e violência contra a mulher.
“Organizamos os seminários,
com a participação de especialistas, e formamos os grupos de
trabalhos encarregados das composições. Os CDs gravados viram
ferramentas das próprias mulheres
em suas áreas. Usamos a linguagem dos jovens, o hip hop, para
tratar de questões que, em geral,
estão nas mãos da academia”, diz
Fábio ACM, DJ e responsável pelo
projeto. Ele anuncia que o quarto
CD está em andamento e vai tratar
da violência sexual sob o enfoque
dos agressores. Imperdível.
GERAÇÃO XXI
ÁREA DE ATUAÇÃO SÃO PAULO.
PROPOSTA Oferecer a jovens negros de famílias de baixa renda apoio financeiro e
acompanhamento para seu desenvolvimento social, cultural e educacional, proporcionando
o acesso ao ensino superior.
JOVENS ATENDIDOS 20.
APOIO: FUNDAÇÃO BANKBOSTON, GELEDÉS – INSTITUTO DA MULHER NEGRA E FUNDAÇÃO
CULTURAL PALMARES.
CONTATO Rua Santa Isabel, 137, 4º. Andar – Vila Buarque – 01221-010 – São Paulo (SP)
– Tel.: 11/3333-6917 – E-mail: [email protected] – Site: http://www.bankboston.com.
br/fundacao.
JUVENTUDE NEGRA DE PALMAS
ÁREA DE ATUAÇÃO PALMAS (TO).
PROPOSTA Oferecer a jovens negros alunos da rede pública informações sobre saúde, direito
e cidadania, por meio de palestras, e desenvolver estudos e pesquisas que ajudem na
formulação de políticas públicas para a juventude.
APOIO SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO.
CONTATO Rua T19, quadra 44, lote 11 – Santa Fé – Palmas (TO) – Tel.: 63/3218-5545 ou
3218-5546 – E-mail: [email protected].
NÚCLEO DE JUVENTUDE – REDEH/CEMINA
ÁREA DE ATUAÇÃO BRASIL.
PROPOSTA Inserir a perspectiva de gênero na cultura hip hop e introduzir a reflexão e
compreensão dos fatores que levam à violação dos direitos da mulher, especialmente os
sexuais e reprodutivos.
APOIO REDE TABACO ZERO, REDE JOVENS BRASIL, SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS
MULHERES, UNIFEM, OMS, AMARC, VIVA RIO, REAL HIP HOP, ENRAIZADOS E MINAS DA RIMA.
CONTATO Rua Senador Corrêa, 48 – Laranjeiras – 22231-180 – Rio de Janeiro (RJ) – Tel.:
21/9103-3570 – E-mail: [email protected] / [email protected] – Site:
www.njrc.org.br.
PROJETO LEGAL
ÁREA DE ATUAÇÃO RIO DE JANEIRO.
PROPOSTA Atua como centro de defesa de direitos humanos, especialmente de crianças, adolescentes e
jovens em situação de vulnerabilidade e risco. Oferece assistência jurídico-social; promove capacitações
técnicas para agentes sociais e instituições.
JOVENS ATENDIDOS 127.
APOIO UNICEF, SOS KIDS INTERNATIONAL, CÁRITAS MENSEN IN NOOD, FUNDAÇÃO HOLANDA BRASIL, HUSOC,
FAROL – PROJETO DANCKAERT, ADVOGADOS PARA ADVOGADOS, CORDAID, FUNDO CANADÁ, CRIOLA –
ORGANIZAÇÃO DE MULHERES NEGRAS, IBISS, CENTRO DE ARTICULAÇÃO E APOIO À POPULAÇÃO MARGINALIZADA
(CEAP) E MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E ÓRGÃOS PÚBLICOS.
CONTATO Largo de São Francisco de Paula, 34, 7º. andar – Centro – 20051-070 – Rio de Janeiro (RJ) – Tel.:
21/2232-3082 / 2507-6464 – E-mail: [email protected] – Site: www.projetolegal.org.br.
CENTRO DE CIDADANIA UMBU-GANZÁ
ÁREA DE ATUAÇÃO RECIFE.
JOVENS ATENDIDOS 180.
PROPOSTA Atua na promoção de crianças, adolescentes, jovens e famílias. Auxilia os jovens em
seu desenvolvimento pessoal e social, oferecendo rodas de debates e reflexões no exercício da
cidadania com ações socioeducativas.
APOIO PREFEITURA DO RECIFE, REDE ESTADUAL DE COMBATE AO ABUSO E À EXPLORAÇÃO DE CRIANÇAS
E ADOLESCENTES, GRUPO DE GÊNERO, CENTRO NORDESTINO DE ANIMAÇÃO POPULAR, CIELA, CENTRO
CRISTÃO DE EDUCAÇÃO POPULAR, CENTRO DE CULTURA LUIZ FREIRE, PREFEITURA DO CABO DE SANTO
AGOSTINHO, COMUNIDADE ECUMÊNICA DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS E PROJETO ESCOLA ABERTA.
CONTATO Rua do Hospício, 194, 12º andar, sl. 1204 – Boa Vista – 50060-080 – Recife (PE) – Tel.:
81/3221-2278 / 3221-1911 – E-mail: [email protected] – Site: www.umbuganza.org.br.
PROJETO JOVEM LEGAL
ÁREA DE ATUAÇÃO PORTO ALEGRE.
JOVENS ATENDIDOS 60.
PROPOSTA Oferecer aos jovens egressos do sistema socioeducativo auxílio na elaboração
de um plano de vida que os mantenha afastado dos atos infracionais. Proporciona
atendimento psicológico, jurídico e formação profissional, além de apoio às famílias.
APOIO CONANDA, SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS.
CONTATO Avenida Getúlio Vargas, 379, conjunto 207 – 90150-001 – Porto Alegre (RS) – Tel.:
51/3211-5808 – E-mail: [email protected] – Site: www.iaj.org.br.
51
o sujeito da frase
“EU ACREDITO NUMA
SOCIEDADE MAIS JUSTA”
Ele já foi refém em rebeliões da
Febem e sofreu agressões e ameaças
de funcionários da instituição. Às
vezes, tem a sensação de que seu
trabalho é como “enxugar o chão
com a torneira aberta”. Mas, aos 29
anos, o advogado paulista Ariel de
Castro Alves nem pensa em desistir
da defesa dos direitos humanos em
geral e dos direitos de crianças e
adolescentes em particular. Para isso,
atua em várias frentes: é conselheiro
federal na Comissão da Criança e do
Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), coordenador em
São Paulo do Movimento Nacional de
Direitos Humanos, presidente do Projeto Meninos e Meninas de Rua de São
Bernardo e Guarulhos e assessor jurídico da Fundação Projeto Travessia
– organizações paulistas dedicadas
ao atendimento de crianças e adolescentes que vivem nas ruas –, além de
colaborar com o movimento Justiça
Global. A energia para tanta atividade
é gerada pela consciência social que
começou a formar na adolescência,
no convívio familiar e estimulada
também pela escola. Por isso, Ariel
lamenta: “As escolas se fecharam e
se tornaram ambientes medíocres”.
A vivência de suas realidades – das
baladas nos bairros noturnos mais
animados de São Paulo aos presídios
e unidades da Febem – às vezes gera
incompreensão entre seus amigos,
Ariel de Castro Alves, de 29 anos,
descobriu na adolescência a violência
contra as crianças de rua e se tornou
um advogado militante na defesa dos
direitos humanos. Sobre a Febem, diz
que “estamos plantando bandidos e
querendo colher cidadãos”
mas não o desanima. “Eu acredito numa sociedade
mais justa, em que as crianças e jovens não fiquem na
rua, envolvidos com a criminalidade, e tenham garantidos seus direitos e a subsistência”, reafirma Ariel, que
pretende escrever um livro sobre essas experiências.
A seguir, trechos de sua entrevista:
Onda Jovem: Como e quando você começou a sua
atuação social?
Ariel: Desde os 12 anos eu acompanho o trabalho
com meninos de rua. O meu pai era um dos fundadores e meu irmão era voluntário numa entidade em
São Bernardo do Campo, e eu me interessei. O que me
impressionou naquela época foi que a gente conhecia
uma criança numa semana e na seguinte recebia a
notícia de que ela tinha sido assassinada. Havia muitos
grupos de extermínio na cidade. Em 1996, passei a
atuar no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente
do ABC, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara
Municipal de Santo André e na CPI da Febem, na Assembléia Legislativa de São Paulo. Em 1997, ingressei no
Movimento Nacional de Direitos Humanos, que congrega
cerca de 400 organizações. Desde então, faço visitas
freqüentes à Febem. Depois, passei a visitar presídios
e encontrei no Carandiru alguns homens que havia
conhecido meninos na Febem.
A escolha do Direito como profissão
fez parte desse processo de conscientização?
Eu sempre quis fazer Direito e
Jornalismo. Como advogado, queria
defender as pessoas, principalmente os mais fracos. Acredito que os
setores mais vulneráveis e mais violados precisam ter voz. Hoje, quando
acontece alguma coisa na Febem, a
imprensa me procura.
Por _ Cecília Dourado
Fotos _ Márcia Zoet
A convicção do advogado Ariel de Castro Alves
o transformou em uma das vozes mais ativas na
defesa dos direitos de crianças e adolescentes
53
Para Ariel, as escolas se
fecharam e se tornaram ambientes
extremamente medíocres, quando
deveriam oferecer mais formação
e atenção: “Os jovens precisam de
atendimento individual e a escola
os trata em massa”
Ao invés de ser jornalista e entrevistar pessoas, você
dá entrevistas.
É, mas também atuo na área de comunicação. Ajudo
organizações a divulgarem seu trabalho. Para mudar alguma coisa no país, é preciso conquistar a sociedade por
meio da mídia. O “Falcão – Meninos do Tráfico”, exibido no
Fantástico, por exemplo: encontrei pessoas reacionárias
que me disseram que choraram ao ver o documentário.
Compreenderam que os meninos são vítimas do tráfico de
drogas e não os principais criminosos. As imagens chocam
mais que mil palavras.
Por que você escolheu o segmento de crianças e adolescentes e a área de direitos humanos para atuar?
As crianças e adolescentes estão numa fase fundamental de desenvolvimento e a má formação deles pode
comprometer ainda mais o nosso futuro como nação. É
o segmento que acaba sendo a maior vítima da violência,
do descaso e da falta de políticas sociais.
Fale um pouco da sua experiência com a Febem.
A criança é fruto do meio em que vive. Os jovens
que eu conheci, antes de serem autores de violência,
geralmente foram vítimas: dentro de casa, por abuso
sexual e maus-tratos; na comunidade, por discriminação, exclusão, falta de vagas nas escolas e de atendi-
mento à saúde. Os jovens precisam
de dinheiro para estudar e para o
consumo. São valorizados não pelo
que são, mas pelo que têm – roupas
e tênis de grife, carros. Isso atinge
principalmente os mais pobres e
influencia muito no envolvimento
com o crime. Há muitos casos de
jovens que roubaram carros ou tênis
de marca para impressionar garotas.
Quando são pegos, são levados para
a Febem, e isso tem graves efeitos
criminais. Estamos plantando bandidos e querendo colher cidadãos.
Como está a situação dos direitos
humanos dos jovens no Brasil?
O Brasil é o quarto país no mundo
em homicídios de jovens. O maior
violador dos direitos humanos é o
próprio Estado, que não garante o
respeito a esses direitos e não cumpre seus deveres. É preciso aplicar
integralmente leis como o Estatuto
da Criança e do Adolescente e garantir os direitos básicos dos jovens
mais pobres.
Qual foi o papel da escola na sua
conscientização social? A escola
brasileira colabora para a formação
de jovens cidadãos?
A escola teve influência, sim, além
da família, na minha conscientização.
Estudei em um colégio de classe média
alta, o Colégio Metodista de São Bernardo do Campo, e havia discussões,
participação no grêmio estudantil e integração com a comunidade. Em geral,
porém, acho que houve uma deterioração nas escolas. Elas se fecharam e
se tornaram ambientes extremamente
medíocres. Falta o envolvimento da sociedade na gestão da escola. A família
e a escola são as bases da formação
de uma criança e de um adolescente.
Numa situação em que a família tem
problemas e o Estado também oferece pouco, os jovens são excluídos
da comunidade. Deveria haver mais
cursos profissionalizantes. A escola
deveria oferecer também um serviço
de assistência social, psicológico, psiquiátrico e de saúde, inclusive no caso
de dependência de drogas. Os jovens
precisam de atendimento individual e
a escola os trata em massa.
Pesquisas mostram que os jovens
estão muito desencantados com a
participação política convencional.
Como um jovem pode atuar para
defender os seus direitos e os da
sua geração?
A participação política do jovem é
muito pequena. Existe pouca reciclagem na liderança e os líderes são
sempre os mais velhos. As crises e
os escândalos políticos favorecem a
desesperança, a alienação e a falta
de engajamento social e político. Mas
há alternativas de participação social.
A melhor delas é o terceiro setor. O
trabalho das ONGs vem se ampliando
e também há os sindicatos e organizações corporativas, como a OAB.
Diante de tantas dificuldades, você não
tem vontade de viver como alguns de
seus amigos, cuidando da sua carreira
e aproveitando a vida?
Não. Eu acredito numa sociedade
mais justa, em que as crianças e jovens
não fiquem na rua, envolvidos com a
criminalidade, e tenham garantidos
seus direitos e a subsistência. Aos poucos, a gente vai
conseguindo que a sociedade compreenda a situação
e pressione o poder público. No dia-a-dia, a gente consegue evitar alguns casos de tortura, criminalizar alguns
autores de tortura nas instituições que abrigam menores,
e algumas mudanças, como a construção de pequenas
unidades. Mas os resultados são lentos e pouco visíveis.
É como enxugar o chão com a torneira aberta.
Quais são as suas propostas para melhorar a situação?
Defendo a lei da responsabilidade social. Vai para a cadeia quem não cumprir as suas responsabilidades sociais,
estabelecidas na Constituição Federal, Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei Orgânica da Assistência Social e outras. Essa
proposta tem um apoio de peso, o jurista Dalmo Dallari. A
lei de responsabilidade fiscal que vigora no Brasil acabou
levando a uma gestão orçamentária rígida e a cortes na
área social. A responsabilidade fiscal não pode ser cumprida à custa da responsabilidade social.
55
“O maior
violador
dos direitos
humanos é
o próprio
Estado, que
não garante
o respeito
a esses
direitos”
luneta
UMA FORMA DE ORGANIZAÇÃO
CONTEMPORÂNEA, AS REDES
SOCIAIS VÊM GANHANDO CADA
VEZ MAIS FORÇA ENTRE OS
JOVENS COMO ESTRATÉGIA DE
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
CAINDO NAS REDES
Participantes: representantes de grupos e organizações da sociedade civil, dos setores público e privado,
que compartilhem valores e objetivos; pessoas com
experiências e opiniões diversas, dispostas a discutir
suas propostas de ação em busca de consenso. Procedimento: os participantes se reúnem numa organização
sem hierarquia ou subordinação para desenvolver
trabalhos colaborativos, com decisões coletivas e divisão de tarefas. “Grosso modo”, eis a receita das redes
sociais, que têm atraído cada vez mais jovens no Brasil
e conquistado espaço na discussão política e na defesa
dos direitos da juventude.
Para Célia Schlithler, autora do livro “Redes de Desenvolvimento Comunitário: Iniciativas para a Transformação
Social” e coordenadora de investimento social comunitário do Idis – Instituto para o Desenvolvimento do
Investimento Social –, as redes têm uma lógica que se
difere da de outros movimentos sociais. “Os movimentos têm toda uma conotação de reivindicar. Já as redes
procuram trazer o setor público para discutir a questão
com elas. No caso dos jovens, esse é um processo em
amadurecimento, novo e ainda mais bonito”, diz.
“Aqueles pequenos grupos que não tinham força de
intervenção política, começam a ter como rede. Juntos,
Por _ Tetê Oliveira
Ilustração _ Rodolfo Herrera
ganhamos peso na hora da discussão
política, para que ela não fique restrita
a um gueto”, diz Tytta Ferreira, de 24
anos, representante na Bahia da Rede
de Jovens do Nordeste, a RJNE, uma
das pioneiras no Brasil, criada em
1998 e hoje representada em todos
os estados nordestinos. “Nas redes,
os grupos constroem demandas comuns, têm mais espaço público e uma
presença mais articulada e sólida”,
diz o sociólogo e consultor da Rede
Juventudes, Marcílio Dantas Brandão,
de 27 anos.
Transformação social
Para Célia Schlithler, essas conexões entre várias
pessoas, que representam diferentes organizações,
possibilitam a construção de projetos coletivos. “Uma
rede social é formada com objetivo de provocar algum
tipo de transformação social. Só a conexão e a troca de
informações e conhecimentos não bastam, deve haver
uma proposta que leve a uma ação.”
Na pauta de discussões atual de muitos “enredados”
– como alguns integrantes das redes se denominam
– está, por exemplo, o Plano Nacional de Juventude.
“Estamos construindo com outras redes do Nordeste
propostas para o Plano”, diz o baiano Jackson Rodrigues Caetano, de 19 anos, facilitador da rede Sou de
Atitude, que monitora políticas públicas para infância,
adolescência e juventude.
Outra forma de ação é desenvolvida pela Renaju,
Rede Nacional de Organizações, Grupos e Movimentos
da Juventude, desta vez em parceria com o Ministério
da Educação e a Secretaria Nacional de Juventude.
“Estamos apoiando a campanha de salas de alfabetização de jovens e adultos. As redes vão participar com
a montagem de salas, capacitação de professores”,
diz Daniel Vaz, 31 anos, da Renaju. Já o Coletivo Jovem
de Minas Gerais da Rejuma, Rede da Juventude pelo
Meio Ambiente e Sustentabilidade, desenvolve um
projeto-piloto em Sabará. “Negociamos a criação da
Coordenadoria de Políticas Públicas da Juventude. A
proposta é estender essa conquista a outros municípios mineiros”, José Patrício Lustosa, 28 anos, que é o
coordenador do órgão.
Há ainda redes mais temáticas e
regionais, como a Rede Cidadania
Jovem, uma rede de comunicação
comunitária que envolve 250 entidades e grupos ligados à juventude em
Belo Horizonte. A rede é um projeto
da Associação Imagem Comunitária
(AIC), mas sem subordinação. “Existe
uma parceria, divisão de trabalhos,
troca de idéias, mas sem hierarquia.
A AIC apóia a produção e os eventos
da rede, e promove oficinas de comunicação”, diz Aléxia Melo, de 30
anos, da AIC.
57
Nem tudo é virtual
Para a difusão de informações
entre os “enredados”, as redes têm
na internet o meio mais freqüente
de comunicação – chats, e-grupos,
teleconferências, e-mails. Como
a inclusão digital ainda não é uma
realidade em todo país, há redes,
como a RJNE, que também recorrem
aos Correios – cartas, Sedex. Mas as
redes sociais não devem mesmo ser
meras redes on-line. “Elas devem
ter momentos presenciais, não só
virtuais”, diz Célia Schlithler.
O conselho editorial da Rede Cidadania Jovem, por
exemplo, que não tem membros fixos e é aberto a
todos os grupos que integram a rede, se reúne mensalmente, juntando, em média, de 20 a 30 pessoas. Na
RJNE, os coletivos (encontros) regionais são trimestrais.
“Eles têm a participação de um representante de cada
Estado que integra a rede”, diz Tytta, acrescentando
que há ainda coletivos microrregionais e estaduais,
que são deliberados a partir das necessidades de seus
núcleos.
GRUPOS SEM HIERARQUIA,
COM DECISÕES COLETIVAS
E DIVISÃO DE TRABALHO,
AS REDES SOCIAIS GANHAM
FORÇA PARA INTERFERIR
NAS POLÍTICAS QUE
INTERESSAM À JUVENTUDE
SOBRE
Sem hierarquia
Outra característica básica das
redes sociais é a sua forma de organização. “As redes sociais não são
piramidais, são horizontais e sem hierarquia”, explica Célia. Na sua opinião,
esse talvez seja o maior desafio das
redes, pois as pessoas têm um modelo muito forte de organização vertical,
com subordinação. E cada uma define
seu formato. A Rede Juventudes tem
um Núcleo Dinamizador, composto
por dez pessoas e que arbitra, por
exemplo, sobre as questões operacionais da rede. “O Núcleo apresenta
propostas, mas quem bate o martelo
são as organizações e os indivíduos
que compõem a rede”, diz Marcílio. E
nem todas as ações envolvem todos
os participantes. É o caso do mapeamento atual pela rede de grupos
e organizações juvenis existentes
em Natal, Recife e Salvador, além de
17 municípios do interior do Ceará,
Pernambuco e Bahia. “Somente 12
das organizações da rede participam
desse trabalho, porque são as que
atuam nas cidades envolvidas no
mapeamento”, diz o sociólogo.
PARA SABER MAIS
No dia-a-dia das redes, a presença
de facilitadores e articuladores é essencial. “Facilitador é aquele que dá
gás, puxa a rede em nível nacional,
suas ações e reuniões”, diz Jackson,
um dos que exercem esse papel na
Sou de Atitude. Já o articulador, ou
animador, é a pessoa de referência
nos estados. Para Luã Gabriel, 18
anos, que mora em Belém do Pará,
muitas redes nascem e não se mantêm porque a forma como a animação
é conduzida não proporciona bons
resultados. “As pessoas e organizações então abandonam o espaço”,
diz ele, um “enredado” convicto, que
integra a Rejuma, a Renaju e a rede
GTA, Grupo de Trabalho Amazônico,
da qual é um dos representantes no
Conselho Nacional da Juventude.
Para evitar o surgimento de divergências futuras que
venham a inviabilizar a proposta das redes, Célia defende que, no momento de sua concepção, os integrantes
escrevam uma carta de princípios da organização. “Adotamos um Plano de Ação, pactuado num seminário que
envolveu 60 participantes da rede. Definimos missão,
objetivos, temáticas e grupos de trabalho da rede”, diz
Marcílio. Segundo Tytta, a carta do núcleo regional da
RJNE dá um rumo aos estados, que, no entanto, têm
autonomia e suas própria carta de orientação. “Na
verdade, a carta regional ainda não foi fechada, porque
queremos ouvir as diferentes opiniões da galera que
compõe a rede”, diz.
Esses documentos não inibem o debate nas redes.
Luã adora participar das discussões. “Isso é que é maravilhoso nas redes, pois prova que as pessoas não são
iguais, que existem divergências, e então elas nunca
ficam subordinadas a alguém ou alguns”, diz. “Acredito
que toda discussão em grupo deve ter polêmica. Isso
porque cada pessoa tem um pensamento diferenciado
da outra. Em cada reunião da Sou de Atitude temos
diversos pontos de vista, mas sempre caminhamos para
um consenso”, diz Jackson. “Sabemos que uma pessoa
só não suporta o peso do trabalho que é a transformação social e que não dá para se ter um outro mundo se
todos não colaboram.”
REDE SOU DE ATITUDE
ÁREA DE ATUAÇÃO 19 ESTADOS E O DISTRITO FEDERAL.
PROPOSTA Articular jovens para fazerem o acompanhamento das políticas públicas voltadas
para a infância, adolescência e juventude.
CONTATO E-MAIL: [email protected] – www.soudeatitude.org.br.
REDE GTA – GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO
ÁREA DE ATUAÇÃO AP, AM, AC, MA, MT, PA, RO, RR E TO.
PROPOSTA Promover a participação das comunidades da floresta nas políticas de
desenvolvimento sustentável.
CONTATO E-MAIL: [email protected] ou [email protected] – www.gta.org.br.
REDE JUVENTUDES
ÁREA DE ATUAÇÃO BA, PE, RN, CE, PA E BRASÍLIA.
PROPOSTA Favorecer a participação dos jovens em processos que garantam os seus direitos.
CONTATO E-MAIL: [email protected] – www.redejuventudes.org.br.
REJUMA – REDE DA JUVENTUDE PELO MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE
ÁREA DE ATUAÇÃO 27 ESTADOS E DISTRITO FEDERAL.
PROPOSTA Articular a juventude na questão de educação ambiental e introduzir nas agendas
governamentais a temática de meio ambiente.
CONTATO E-MAIL: [email protected] – www.rejuma.org.br.
RJNE – REDE DE JOVENS DO NORDESTE
ÁREA DE ATUAÇÃO REGIÃO NORDESTE.
PROPOSTA Fortalecer as organizações juvenis no Nordeste, por meio da participação política
e da inclusão sociocultural.
CONTATO E-MAIL: [email protected] – Blog: www.rjne.blogger.com.br.
RENAJU – REDE NACIONAL DE ORGANIZAÇÕES, GRUPOS E MOVIMENTOS DA JUVENTUDE
ÁREA DE ATUAÇÃO Nacional.
PROPOSTA Organizar esse setor que atua junto a juventude, apoiando na discussão e
implementação de políticas públicas no país.
CONTATO E-MAIL: [email protected] – www.redejuvenil.org.br.
REDE JOVEM DE CIDADANIA
ÁREA DE ATUAÇÃO GRANDE BELO HORIZONTE.
PROPOSTA Criar uma estrutura para produção de mídia feita pela e para a juventude das
comunidades envolvidas.
CONTATO E-MAIL: [email protected] – www.redejovembh.org.br.
59
.gov/.com
Por _ Yuri Vasconcelos
Fotos _ Henk Nieman
O NÚMERO CADA
VEZ MAIOR DE
ÓRGÃOS MUNICIPAIS
DEDICADOS ÀS
QUESTÕES JUVENIS
LEVANTA DISCUSSÕES
SOBRE SEU PAPEL
E PARTICIPAÇÃO
POLÍTICA
No início de fevereiro deste ano,
aconteceu em Belo Horizonte o primeiro Encontro Nacional de Gestores
Municipais de Políticas Públicas para
a Juventude. Reuniram-se mais de
50 gestores de prefeituras das cinco
regiões do Brasil, que trocaram informações, apresentaram projetos,
debateram o Plano Nacional de Juventude e fundaram o Fórum Nacional de
Gestores Municipais de Políticas para a
Juventude. O Fórum é o lado mais visível de uma onda que vem tendo grande
repercussão no âmbito das políticas locais: a criação de instituições públicas
voltadas para as questões juvenis. O
movimento – que se fortaleceu no ano
passado com a criação da Secretaria
Nacional de Juventude e do Conselho
Nacional de Juventude, iniciativas do
governo federal – mostra a importância
que o segmento juvenil vem ganhando
na sociedade brasileira e também levanta uma série de questões, como o
desenho dessas instituições, seu papel
e a divisão do poder político.
NO TABULEIRO
DO PODER
Sobre o formato da instituição, o
que se discute é o que é mais adequado: a criação de uma secretaria,
uma coordenadoria, um departamento, uma assessoria ou uma gerência
da juventude? Quais as diferenças
práticas entre esses órgãos? O secretário municipal da Juventude de Porto
Alegre, Mauro Zacher, acredita que
a criação de secretarias no primeiro
escalão dos governos é a forma mais
apropriada para tratar do tema. “Isso
se faz necessário pelo débito que as
administrações públicas têm com
os jovens. O país demorou muito a
perceber a necessidade de agir objetivamente com políticas públicas para
esse segmento”, diz Zacher.
A posição do secretário gaúcho não
é unânime. Segundo Nelsinho Santos,
coordenador da Juventude de Belo
Horizonte, independentemente do
tipo de instituição, o importante é
que ela tenha um lugar de destaque
na prefeitura, esteja alocada no organograma em um local estratégico
– com acesso direto ao gabinete – e receba a importância política necessária. “Aqui em Belo Horizonte, a
Coordenadoria da Juventude integra a Secretaria de
Governo da prefeitura. Isso tem sido importante no
desenvolvimento de nossas ações”, diz ele.
A diretora do Centro de Cidadania da Juventude do
município de São Paulo, Luciana Guimarães, também
acredita que, embora relevante, a discussão sobre o
desenho institucional do órgão é menor. O principal,
diz ela, é estabelecer um debate em relação ao poder,
ao orçamento próprio e à autonomia que esse órgão
deve ter. “O que pode fazer diferença é a existência
desses fatores e não o desenho institucional em si”,
diz. ”Você pode ter uma coordenadoria com mais poder,
orçamento e autonomia do que uma secretaria que, em
tese, é mais importante.”
Nono onono onono oonono
oonono onoono oononoo
onono oonono ononoo
ononoo ononoo ononoo
ononoo ononoo ononoo
ononoo ononoo ononononon
61
Existe pra quê?
Se, por um lado, ainda há muito
debate sobre o formato ideal dessas
instituições, por outro, parece haver
certo consenso sobre o papel delas.
A maioria dos gestores municipais
acredita que a missão é organizar
a juventude das cidades, fazer a
interlocução entre os movimentos
organizados e o poder público e construir uma política intersetorial. “Para
que isso seja possível, precisamos
conhecer a realidade desses jovens,
o que pensam, quais são os seus
anseios e como as administrações
públicas podem intervir para tornar
melhor a qualidade de vida desses
cidadãos. Os jovens não querem ser
tratados como futuro, querem ter
o direito de participar do presente,
articulando seu protagonismo nas
ações do governo para eles”, diz o
secretário Mauro Zacher.
Para Anderson Batata, coordenador da Juventude de Nova Iguaçu, na
Baixada Fluminense, a atuação dos
órgãos da juventude deve se apoiar
em dois eixos. “No plano horizontal,
ela tem a missão de facilitar a articulação com as demais secretarias,
dando visibilidade e coerência às
políticas setoriais de juventude existentes no governo, com a efetiva
participação da sociedade civil. O
formato vertical é a forma direta
de execução pela instituição, com
programas específicos, estimulando
a participação dos jovens, a mobiliza-
ção, a livre criação e a circulação de informações”, diz.
O papel dessas instituições, em resumo, é sensibilizar
as demais secretarias de governo para o trabalho com
o jovem, ajudá-las na aproximação com a juventude, os
grupos e os movimentos juvenis, apoiar novos projetos
e os já existentes, dar unidade de ação e coordenar uma
proposta avançada de trabalho com a juventude.
Coordenadora de uma pesquisa sobre juventude,
escolarização e poder local em Santa Catarina, a educadora Olga Celestina da Silva Durand, da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), concorda com essa
visão, mas faz uma crítica às políticas de juventude
adotadas por muitas prefeituras, e que, para ela,
ocupam posição secundária no conjunto das políticas
municipais. “As políticas de juventude estão mais ligadas à política social de matiz assistencialista ou, ainda,
partem do pressuposto de que se o jovem estiver
ocupado, o problema se resolve, pois a desocupação
é a fonte principal de todos os problemas”, diz. “Essa
perspectiva é inadequada e a maioria dos programas
e projetos voltados ao investimento social para jovens
e adolescentes não tem gerado cidadãos autônomos
de livre pensar, nem tem lhes dado a oportunidade de
acesso e permanência aos bens sociais mínimos, como
educação, trabalho, moradia e saúde”, diz Olga.
Divisão do poder
Para superar esses obstáculos, uma discussão fundamental a ser travada pelos gestores da juventude e
pelos movimentos juvenis é como dar voz aos jovens e
dividir poder no âmbito local. Um bom início para esse
debate é deixar de entender o compartilhamento das
decisões com os jovens como um problema. “Dividir a
decisão pode ser bom”, diz Luciana Guimarães, do Centro de Cidadania da Juventude de São Paulo, “pois cria
uma co-responsabilidade muito positiva para o poder
público, que sempre se apresenta como o salvador da
pátria, sem poder abrir mão desse papel para ocupar o
lugar de um ator estratégico na construção das soluções
dos problemas.” Para ela, mais do que dividir o poder, o
maior desafio é trazer os jovens para participar.
Segundo Luciana, a participação
geralmente é promovida por meio
de práticas pouco sedutoras para a
maioria dos jovens, o que privilegia
a participação dos mesmos grupos
de sempre. “O desafio da instituição
pública é exatamente montar espaços
que sejam atrativos à participação
juvenil. Em São Paulo, criamos fóruns
temáticos, sem qualquer vinculação
partidária e de uso dos movimentos,
com encontros periódicos em horários adequados aos jovens. Temos
tido excelentes resultados”, diz.
OS DESAFIOS
SÃO SUPERAR O
ASSISTENCIALISMO
E PRODUZIR
UMA GESTÃO
DEMOCRÁTICA,
ATRAINDO A
AMPLA
PARTICIPAÇÃO
JUVENIL
Em Belo Horizonte, uma das ações para ampliar a
participação passa pela reestruturação do Conselho
Municipal da Juventude, um dos pioneiros no gênero,
cujo objetivo é orientar e fortalecer as políticas públicas
para a juventude da cidade. O processo foi iniciado no
fim de abril e conta com o apoio de instituições da
sociedade civil, entidades e organizações ligadas aos
movimentos juvenis locais. Os jovens participam de
conferências que debatem o formato e as temáticas
discutidas pelo órgão. “A partir do momento em que
eles são chamados à participação, fazer parte das decisões sobre políticas a serem desenvolvidas torna-se
um processo natural, porque os jovens vão cobrar que
suas opiniões e manifestações sejam legitimadas”, diz
o coordenador Nelsinho Santos.
Um processo parecido acontece em Rio Branco, no
Acre. A Coordenadoria Municipal de Juventude, criada
em 2005, implantou em abril passado o primeiro fórum
municipal para ouvir os jovens sobre o tipo de política
pública que eles querem para a cidade e qual a composição ideal do Conselho Municipal da Juventude, que
pode ser criado ainda neste ano. “Dividir o poder com
os jovens não é fácil, mas é gratificante”, diz André
Nono onono onono oonono
oonono onoono oononoo
onono oonono ononoo
ononoo ononoo ononoo
ononoo ononoo ononoo
ononoo ononoo ononononon
Kamai, coordenador da Juventude de
Rio Branco. “A partir das discussões
no fórum e da criação do conselho,
queremos elaborar diretrizes para um
Plano Municipal da Juventude. Nossa
idéia é fazer de Rio Branco uma cidade
de oportunidades para os jovens.”
As iniciativas de Belo Horizonte e de
Rio Branco são apoiadas por Anderson
Batata, de Nova Iguaçu, para quem,
seja qual for o formato do órgão, sua
criação deve ocorrer em conjunto com
a instalação do Conselho Municipal da
Juventude, visando à divisão do poder
com os movimentos e instituições
juvenis organizados, bem como a
promoção de fóruns, abertos também
aos jovens que não façam parte de
nenhum organismo. É essa participação, real, que não se pode perder de
vista, sob risco de que a criação das
instituições locais seja só um modismo. “É necessário que se constituam
gestões com matrizes mais democráticas, que tenham como base o direito
do jovem participar da gestão e da
organização dos programas e projetos dos quais fazem parte”, conclui a
educadora Olga Durand.
63
65
significados”, diz Tiago Matheus. É
quando se abandonam ou se fortalecem valores recebidos da família e da
escola. É momento de definição.
Até a fisiologia do cérebro está
nessa toada: o córtex pré-frontal
está amadurecendo e, com ele, a
capacidade de se colocar no lugar
do outro, habilidade essencial para a
(boa) convivência em sociedade. E um
ambiente emocional acolhedor pode
fazer muita diferença nessa hora.
No entanto, entre o cenário propício
para atuar nas suas comunidades até
o exercício pleno dessa possibilidade
existe uma distância considerável.
O psicólogo social Marcelo Calegare
NATURAL NA
JUVENTUDE, A
REUNIÃO EM
GRUPOS TEM
MUITAS FORMAS
E, QUANDO
ARTICULADA,
PODE PRODUZIR
MUDANÇAS NO
CONTEXTO SOCIAL
apresentou no Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo, em janeiro deste ano, uma dissertação
de mestrado em que analisou como uma entidade
não-governamental influencia a vida dos jovens
atendidos. Sob o título “A Transformação Social no
Discurso de uma Organização do Terceiro Setor”, o
estudo acompanhou uma fundação nacional e uma
ONG que lidam com juventude. Perceberam-se mais
mudanças no comportamento pessoal do público dos
programas que transformações sociais relevantes na
comunidade. Para otimizar os resultados dos projetos
sociais com esse público, Calegare diz que é fundamental considerar o jovem em seus vários aspectos e
perceber os muitos contextos em que ele se insere. “O
jovem precisa perceber que suas necessidades individuais podem ser do interesse de seus pares também e
que, somando o que eles têm em comum, formam um
coletivo”, diz. Assim unidos, eles materializariam seu
potencial, criando condições de interferir de fato no
jogo político mais amplo.
Contexto social
Para a psicóloga social Soraia Georgina Ferreira de
Paiva Cruz, professora da Universidade Estadual de
São Paulo, em Assis, no interior do Estado, ao avaliar a
participação juvenil é necessário considerar o contexto
social. Se a sociedade prega o “cada um por si”, como
esperar, então, que os jovens se manifestem como
cidadãos ativos? Vivemos também tempos velozes.
Tudo é efêmero. E isso dificulta a formação de grupos
mais consistentes e de atuação a longo prazo por conta
da quebra nos laços de confiança e reciprocidade. As
relações – amorosas, familiares, profissionais – ficaram
mais fluidas e são encaradas de maneira mais complexa. “Os laços hoje são menos sólidos, as fixações
são pontuais e a noção de tempo é momentânea”,
diz Lucia.
Isso explica parte do que os adultos entendem como
a “apatia” dos jovens de hoje. Nos anos 60, 70, grupos
organizados peitavam governos, pregavam o amor livre,
seguiam guerrilhas para derrubar regimes. Com um número menor de ditaduras no horizonte, a juventude do
século 21 está mais preocupada com a sobrevivência,
com as perspectivas de educação e emprego.
No caso brasileiro, existem ainda outros fatores a serem
levados em conta. A descrença nas instituições é reforçada
pelo atual cenário político, com crises e denúncias contínuas de corrupção. A percepção da política se radicaliza.
“Ser político é visto como coisa de vagabundo. Perde-se
o referencial de que essa figura é o gestor administrativo e econômico do país”, diz Lucia.
Isso não quer dizer que os jovens estejam observando o noticiário como espectadores passivos.
“Eles estão participando politicamente, mas não é um
movimento de multidão. Estão mudando a sociedade
deles por meio dos seus próprios movimentos culturais,
como o hip hop, com o violão e o grafite”, diz Soraia,
reforçando a idéia de que, no caso da população juvenil,
a definição de participação não deve ficar circunscrita
às associações formais.
Educação para o público
Pais e educadores podem estimular uma maior participação da juventude. Como? “Abrindo espaços para
os jovens se expressarem e ajudando a formalizar os
grupos que já existem”, diz Miriam Abromovay. O
que costuma acontecer, segundo a pesquisadora,
é que os adultos têm uma visão de que esse é um
grupo a ser controlado. E essa relação
precisa mudar. “Precisamos começar
a pensar no que eles desejam e incorporar a cultura juvenil.”
Para isso, são necessárias muitas
instâncias de diálogo – na família,
na escola, na comunidade. Sem
autoritarismos, com a recusa pura
e simples da opinião do jovem, nem
complacência desmedida, na busca
de agradar o jovem a qualquer custo.
A convivência em ambientes repressores ou indiferentes, na família ou
na escola, deixa a juventude mais
suscetível à sedução de grupos manipuladores. “Aquele que tem mais
bagagem está mais preparado para
dialogar com as novas referências e
responder de maneira mais crítica”,
diz Tiago. E de agir com mais responsabilidade.
É fundamental criar oportunidades
para o debate. “Precisamos trazer
a discussão dos problemas sociais
para o cotidiano”, diz Soraia. A receita é “falar, falar, falar” sobre a
Constituição, a democracia, a exploração social, os direitos humanos, a
tolerância. Quando se acostumam ao
exercício da crítica, os jovens tendem
a transferir seus conceitos para os
pequenos problemas do dia-a-dia.
“Ao sentir a força que têm, como
são capazes de fazer os questionamentos e de se posicionarem, eles
começam a ter consciência de grupo
e um projeto político.”
67
ciência
A FORÇA
DA TURMA
NATURAL NA
JUVENTUDE, A
REUNIÃO EM
GRUPOS TEM
MUITAS FORMAS
E, QUANDO
ARTICULADA,
PODE PRODUZIR
MUDANÇAS NO
CONTEXTO SOCIAL
Já viu alguém jovem sem turma? Pode até ser que
sim, mas é difícil. A juventude é o momento de sair
debaixo das asas dos pais, de ir além dos limites da
escola, de buscar os pares. Isso significa olhar para o
grupo – escola, igreja, bairro, cidade – e se posicionar
em relação a ele. “Existe uma disposição, que é natural
dessa idade, de buscar parcerias, que podem ser com
mais duas, três ou 30 pessoas”, diz o psicanalista
paulistano Tiago Corbisier Matheus. De fato, segundo
uma recente pesquisa, intitulada Juventudes Brasileiras,
27,3% dos jovens participam ou já participaram de alguma associação. “Pode parecer pouco em porcentagem,
mas isso representa cerca de 13 milhões de pessoas”,
diz a socióloga Miriam Abramovay, que coordenou o
estudo juntamente com Mary Garcia de Castro.
Financiado pela Unesco, o levantamento traz ainda
outro dado que revela o perfil da participação juvenil:
dentre a parcela dos mais atuantes, 81% estão ligados a
alguma entidade religiosa. Stephanie Chao Ni Ng, de 18
anos, é uma entre esses quase 10 milhões. Estudante
de Engenharia na Universidade de São Paulo, ela passa
suas tardes de sábado com colegas da Igreja Evangélica
dos Cristãos. “Contamos como foi a semana, oramos,
fazemos estudos bíblicos”, diz. “É uma oportunidade
de encontrar pessoas que vivem sob o mesmo propósito.”
Para Miriam, é preciso levar em conta também outros
tipos de agrupamentos não-formais, como os grupos
de rap ou times de futebol. “Todo grupo é importante
porque possibilita aos jovens a aquisição de capital
cultural”, diz a pesquisadora. São experiências que vão
ajudá-los, como indivíduos, a fazer suas escolhas pelo
resto de suas vidas.
Por_ Karina Yamamoto
Ilustração _ Dedê Paiva
Terreno fértil
Fazer parte de uma turma também é importante para definir a
nossa identidade. “Só existimos em
relação ao outro”, diz a psicanalista
e socióloga Lucia Valladares, de São
Paulo. Mas, na adolescência e na
juventude, o sentimento de bando é
mais intenso. “Nessa fase, a matriz
da personalidade, que foi dada nos
primeiros anos de vida, ganha novos
QUATRO LÍDERES
JOVENS REFLETEM
SOBRE A DEMOCRACIA
E A TOLERÂNCIA NA
SOCIEDADE BRASILEIRA
PRINCÍPIOS DE
CONVIVÊNCIA
Estudiosos dizem que a tolerância tem na democracia sua melhor
morada. Sem ela, seria impossível
conceber o diálogo, a liberdade, o pluralismo, a representação e a participação políticas, o princípio da maioria
e os direitos das minorias. Será que
a democracia brasileira é exercida
em bases razoáveis de tolerância ou
precisa melhorar? A pergunta abriu
o debate entre quatro lideranças
juvenis convidadas por Onda Jovem
a refletir sobre o tema: o estudante
de Jornalismo João Felipe Terena, 24
anos, representante da Associação
dos Estudantes Indígenas do Mato
Grosso do Sul no Conselho Nacional
de Juventude; Magnólia Fagundes da
Silva, 21 anos, integrante do Coletivo
de Juventude do MST (Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra) de
São Paulo; a estudante de Direito
Isabelle Lessa, 19 anos, presidente
da Juventude Municipal do PSDB do
Rio de Janeiro e parceira da Fundação Konrad Adenauer
na promoção de cursos de formação política; e o estudante de Jornalismo Gustavo Lemos Petta, 24 anos,
presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) em
segundo mandato e membro do Comitê Central do PC
do B. A seguir, os principais momentos do nosso “chat
de revista”.
Onda Jovem: Você acha que a democracia brasileira é
exercida em bases razoáveis de tolerância?
GUSTAVO: O fato de termos direitos civis e liberdade
de expressão, que poderíamos chamar de democracia
formal, já é uma grande conquista. Mas não podemos
parar por aí. É preciso estabelecer a democracia efetiva,
com instrumentos capazes de garantir o respeito à
diferença e a tolerância ao outro. Temos as leis, mas é
preciso garantir o cumprimento delas.
BEATRIZ ASSUMPÇÃO
BRUNO TADEU GARCIA
chat de revista
MAGNÓLIA FAGUNDES
DA SILVA, 21 ANOS,
representante do Coletivo
de Juventude do MST/SP
ISABELLE LESSA, 19 ANOS,
presidente da Juventude
Municipal do PSDB do Rio de Janeiro
GUSTAVO PETTA, 24 ANOS,
presidente da UNE
(União Nacional dos Estudantes)
JOÃO FELIPE TERENA,
24 ANOS,
representante da Associação dos Estudantes
Indígenas do Mato Grosso do Sul
ISAÍAS MEDEIROS
ROSÂNGELA DA SILVA / IMAGENS DO POVO
69
MAGNÓLIA: Acho que a democracia no Brasil
ainda é ditada por poucos. Por exemplo, os jovens assentados e acampados são tratados pela
mídia como criminosos e bandidos, quando de
fato lutamos por nossos direitos. É a intolerância
alimentada pelo desconhecimento da realidade
em que vivemos.
Os jovens brasileiros são tolerantes em relação
à diversidade humana, social e política?
ISABELLE: Os jovens em geral são mais flexíveis na aceitação das diferenças, buscam o
espírito democrático.
MAGNÓLIA: A maioria dos jovens é descomprometida quanto a essas questões, talvez por
falta de espaço para a juventude.
TERENA: Minha experiência diz que não, os jovens não são tolerantes. Diferenças
étnicas, de religião e de orientação sexual causam estranhezas. Tenho dificuldade até
para montar um time de futebol com jovens. Ainda estamos todos aprendendo a ser
mais tolerantes com a diversidade humana da nossa região.
Como você vê a representatividade da juventude em termos
de participação política, conquista e defesa de direitos? Há
pluralismo de idéias, diálogo?
Gustavo: Infelizmente, vivemos uma crise profunda na
política. Os jovens não se interessam com o entusiasmo que
deveriam ter. Pior para todos, pois a política é o resultado do
nosso envolvimento e assim não teremos as mudanças que
gostaríamos de ver. No movimento estudantil, existem, sim,
disputas e incompreensão, mas dentro de uma lógica de cooperação. Quando o jovem se organiza no centro acadêmico ou
MAGNÓLIA
no grêmio, ele precisa buscar formas de associação, de disputar
idéias para construir consensos.
Terena: Acho difícil avaliar a representação política dos jovens brasileiros. Começo a
conhecer, em minha região, as juventudes partidárias. Mas acredito que a criação da
Secretaria Nacional de Juventude, no ano passado, é um marco na história de lutas
da juventude brasileira.
Isabelle: O movimento jovem ainda precisa se firmar com poder de decisão na esfera
nacional. Falta ouvir o jovem e deixá-lo assumir seu papel protagonista e essa deficiência
só pode melhorar com a maior participação política dos próprios jovens.
No que os jovens precisam investir para contribuir para uma sociedade melhor?
Gustavo: Em associações de bairro, redes comunitárias, ONGs, movimentos sociais,
não importa. Organizar é a palavra de ordem. Quanto mais aprimorada for a organização,
maior será a capacidade dos jovens de intervir e lutar por melhorias.
GUSTAVO
PARA SABER MAIS
SOBRE
GUSTAVO: Os jovens brasileiros são tolerantes,
mas não podemos ignorar que há uma cultura
da intolerância arraigada nas nossas tradições.
A todo instante, precisamos refletir sobre nossa
conduta para evitarmos atos impensados, o
preconceito que às vezes nem percebemos,
mas que deve ser igualmente combatido. Devemos estar sempre ligados, provocando uma
tensão com esta tradição conservadora, que é
obstáculo ao respeito às diferenças.
MAGNÓLIA FAGUNDES
SOBRE
TERENA: O exercício da democracia no Brasil ainda precisa melhorar muito, especialmente para as
comunidades indígenas, que não são tratadas com
respeito. Muitas vivem em situação de exploração,
“usadas” apenas para votar em troca de cesta
básica, combustível, patrocínio de festinhas...
Se na política tudo fosse
perfeito, não precisaríamos
nos organizar para lutar
PARA SABER MAIS
ISABELLE: Há tolerância demais e também de
menos na democracia brasileira. No primeiro caso,
refiro-me ao modo de condução do sistema de
governo. Ficam muitas brechas, o que gera vulnerabilidade e falta de consistência política nas
ações. Por outro lado, falta tolerância nas relações
sociais quanto aos direitos de todos (etnia, orientação sexual, religião, cultura, opinião política etc.).
O respeito a essas diferenças é o maior significado
da tolerância democrática.
UNE – UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES
ÁREA DE ATUAÇÃO NACIONAL, COM REPRESENTAÇÕES EM ÓRGÃOS INTERNACIONAIS COMO A OCLAE
(ORGANIZAÇÃO CARIBENHA E LATINO-AMERICANA DOS ESTUDANTES).
PROPOSTA Representar e defender os interesses dos estudantes universitários brasileiros, participando das
principais questões nacionais.
JOVENS ATENDIDOS A UNE representa o conjunto de cerca de 4 milhões de estudantes universitários.
APOIO NÃO HÁ APOIO DIRETO DE NENHUMA ENTIDADE OU ASSOCIAÇÃO, MAS INTERLOCUÇÃO COM DIVERSAS
ENTIDADES, DO SETOR PÚBLICO À REDE DOS MOVIMENTOS SOCIAIS.
CONTATO Rua Vergueiro, 2485 – Vila Mariana – 04101-200 – São Paulo (SP) – Tel.: 11/ 5572-1119 – www.
une.org.br
ASSOCIAÇÃO DOS ESTUDANTES INDÍGENAS
ÁREA DE ATUAÇÃO MATO GROSSO DO SUL.
PROPOSTA Inclusão de estudantes e permanência de acadêmicos indígenas nas universidades.
JOVENS ATENDIDOS Atualmente 50.
APOIO UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO E FUNAI.
CONTATO Rua padre Valentim, 66 – São Francisco – 79009 290 – Campo Grande (MS).
SOBRE
PARA SABER MAIS
SOBRE
PARA SABER MAIS
COLETIVO DE JUVENTUDE DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA/SP
ÁREA DE ATUAÇÃO SÃO PAULO.
PROPOSTA Garantir a formação política e cultural dos jovens, com o compromisso de contribuir na luta pela
reforma agrária e por um projeto popular para o Brasil.
JOVENS ATENDIDOS Cerca de 20 mil jovens acampados e assentados do MST no Estado de São Paulo.
APOIO: ????????????????????????
CONTATO Fazenda Pirituba Agrovila 1 – 13 de Maio – 18400-000 – Itapeva (SP) – Cx. Postal 76 – Tel.: 15/
3562-6602 – E-mail: [email protected].
ISABELLE
CENTRO DE ESTUDOS DO RIO DE JANEIRO DA FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER
ÁREA DE ATUAÇÃO Sul, Sudeste e Centro-Oeste
PROPOSTA Trabalhar em prol dos direitos humanos, da democracia representativa, do Estado de Direito, da
economia social de mercado, da justiça social e do desenvolvimento sustentável. Atua com formação política,
desenvolvimento de pesquisas e incentivo à participação política e social.
JOVENS ATENDIDOS 500 por ano.
APOIO JULAD – JUVENTUDE LATINOAMERICANA PELA DEMOCRACIA; CENTRO DE ESTUDOS DAS AMÉRICAS DA
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES; INSTITUTO TANCREDO NEVES; INSTITUTO TEOTÔNIO VILELA; OEA; INTERNATIONAL
REPUBLICAN INSTITUTE; NATIONAL DEMOCRATIC INSTITUTE.
CONTATO Praça Floriano, 19 – Centro – Rio de Janeiro – 20031-050 – Tel.: 21/ 2220-5441 – konrad@adenauer.
org.br e [email protected] (projetos de formação política) – www.adenauer.org.br.
Isabelle: Na reflexão, no conhecimento, no senso crítico, no empreendedorismo para
articular ações e protagonizá-las. Esta é a demanda. O desenvolvimento mundial está
voltado para a educação, para a sociedade do conhecimento, para o capital humano.
Magnólia: Precisamos que a juventude esteja realmente organizada, ciente de seu
papel enquanto sujeito na construção da história.
Terena: Os jovens devem sempre estar informados sobre o cotidiano da vida política
do país. Não podem permitir ser utilizados como ferramenta de políticos. A democracia
precisa dos jovens!
Gustavo: De que forma vocês esperam sensibilizar o maior número de pessoas para
defender as causas que consideram justas?
Magnólia: Trabalhando a formação política e cultural dos jovens, para que eles possam
se sentir como parte do processo de construção de uma nova sociedade.
TERENA
Isabelle: Pela construção de um espaço unificado e também
trabalhando para eliminar as possibilidades de exclusão e as
barreiras, gerando um ambiente onde todos se sintam parte
dele. É a união que sensibiliza as pessoas.
Terena: Temos conseguido mobilizar muitas pessoas em
torno da nossa causa mostrando um pouco da nossa cultura,
das dificuldades que temos para chegar ao ensino superior,
nosso histórico de situação de exclusão. Isso sensibiliza para
a busca da cidadania.
O poder do governo passa
e o do povo transforma, de
geração em geração
ISABELLE LESSA
Isabelle: Como podemos construir um movimento
pela democracia, unindo todas as correntes num
manifesto mundial pela paz?
Magnólia: Creio que não devemos construir um
movimento, e sim espaços. Por exemplo, um fórum
onde estejam representadas todas as correntes,
organizadas ou não, para que possamos juntos
discutir.
Terena: Temos de pensar primeiro na articulação
da juventude brasileira. Penso que o esporte, por
exemplo, é um bom instrumento para sensibilizar
os jovens em torno de uma causa. Quanto à paz,
que todos queremos, pequenas atitudes ajudam
muito. Denunciar um crime é uma atitude a favor
da paz; educar nossos filhos para viver em sociedade também.
Gustavo: A saída passa pela construção de amplos fóruns de discussão em nível global, como é
o caso do Fórum Social Mundial, uma referência a
partir da qual podemos nos organizar.
Terena: Como fazer o jovem acreditar em política
e participar, mesmo com a situação vergonhosa
atual dos nossos representantes?
Magnólia: Vivemos, sim, uma situação política
vergonhosa, mas aí é que está: se na política tudo
fosse perfeito, nós não precisaríamos nos organizar
para discutir e lutar. Temos de discutir com os jovens os pontos negativos da política, e não exercer
a democracia somente na hora do voto.
Gustavo: A corrupção tem muitos aspectos perversos. Talvez o maior deles seja a desqualificação
da atividade política, a disseminação da idéia de que
tudo é a mesma coisa. Por isso, os jovens envolvidos
em alguma causa pública têm um compromisso
ainda maior de não reproduzir os vícios da política
tradicional.
Isabelle: É preciso mostrar ao jovem que política
tem um significado amplo: todos vivem e fazem
política o tempo todo, e ela não pode ser crucificada pelo mau exemplo de alguns representantes.
O poder do governo passa de quatro em quatro
anos e o poder do povo modifica, transforma e se
desenvolve de geração em geração.
71
Links
1
PARTICIPAÇÃO
POLÍTICA EM
CARTILHAS
Jovens querem estimular outros jovens ao exercício
da cidadania e à participação política. O Grupo Interagir,
ONG juvenil de Brasília, lançará em julho uma cartilha
para mostrar como avaliar programas políticos de
candidatos e projetos de leis relativos à juventude. A
iniciativa faz parte do projeto “Voto, logo opino”, criado
pela organização em 2002. Na época, aconteciam as
DEBATE NAS ESCOLAS
Outra cartilha – “Participação
Política: Crianças e Adolescentes
Participando da Construção dos
Caminhos do Semi-Árido Brasileiro”
– está levando o debate político
para escolas de centenas de municípios do Nordeste, Minas Gerais e
Espírito Santo. A iniciativa faz parte
projeto Selo Unicef – Município
Aprovado, que visa a incentivar os
municípios da região do semi-árido
a melhorar sua atuação em políticas públicas. Uma das ações do
projeto é aumentar a participação
política dos adolescentes em seus
municípios. Por isso, a Agência
de Notícias da Infância Matraca,
organização de São Luís (MA), produziu o material. “O projeto tem
como meta aumentar o número
de eleitores jovens e também sua
participação política geral”, explica
Lissandra Leite, coordenadora
de projetos na Matraca. A
cartilha, acompanhada de
um CD, faz várias sugestões
para mobilizar os estudantes,
como um comício de boas
idéias, gincanas e uma feira
de política nos moldes de
uma feira de ciências. Além
disso, traz dicas para facilitar
a instalação de grêmios estudantis e levar os estudantes
a atuar nos conselhos escolares, entre outras ações.
Segundo Lissandra, essas
ações poderão ser ampliadas
a partir dos dados de uma pesquisa que está sendo
finalizada com jovens da região do semi-árido. “Queremos saber como o adolescente da região se envolve
com a política para promover outras ações que fortaleçam sua participação.” A cartilha pode ser solicitada
pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone
98/3254-0210.
eleições para governador no Distrito
Federal e o projeto consistia em uma
oficina para debater o programa dos
candidatos. “A mesma metodologia
usada na oficina será divulgada na
cartilha, mas não estamos pensando
apenas nas eleições atuais. A idéia é
que a cartilha seja uma ferramenta
permanente para a discussão de
questões da juventude. Muitos jovens
querem participar da política, mas não
sabem como. A cartilha os ajudará
a ter uma visão mais crítica sobre
temas de seu interesse”, diz Juliana
Mendes, coordenadora do projeto.
Com tiragem inicial de mil exemplares,
a cartilha será distribuída para organizações juvenis em todo o Brasil.
Nonoo onono onono
onono oonono onono
ononoo onono onono
ononoo ononono oono
Como faz desde o primeiro número, a revista Onda
Jovem continua divulgando novos talentos nas áreas
de fotografia e ilustração. Entre os colaboradores desta
edição, estão quatro ilustradores que vivem no Nordeste. O trio Adriano Marinho da Silva, 18 anos, Bruno César
Cerqueira, 18 anos, e Vinícius Barreto Barbosa, 19 anos,
responsável pela ilustração da seção Horizonte Global,
é formado por alunos egressos da primeira turma da
Kabum! Escola Telemar de Arte e Tecnologia de Salvador,
que é coordenada pela Cipó – Comunicação Interativa.
Para criar a ilustração da entrevista de um especialista
em juventude do continente latino-americano, o trio
desenvolveu a seguinte argumentação: “Hoje em dia, a
participação política e social do jovem na América Latina
é um assunto bastante complicado para ser tratado
entre jovens, pois muitos deles acabam percebendo
que ainda há um certo preconceito quando se fala na
juventude ‘interferindo’ no mundo político e social. O
foco está nessa questão, pois cada jovem sempre tem
algo a acrescentar na sua região, e é justamente isso
que apresentamos nessa ilustração”. A imagem que
criaram espelha bem a análise. Outra nova colaboradora
é a paulistana Dedê Paiva, 25 anos, que mora em São
Luís e estuda Educação Artística na Universidade Federal
2
Dos 96 distritos que compõem o
município de São Paulo, a maioria é
considerada de alta vulnerabilidade
social e apresenta grande concentração de jovens. Eles estão, por isso,
entre as maiores vítimas da violação
de direitos humanos e são um dos
alvos principais de acompanhamento
do SIM Direitos Humanos, o Sistema
de Monitoramento Intraurbano criado
recentemente pela Comissão Municipal de Direitos Humanos da Prefeitura
de São Paulo (CMDH). A ferramenta
reúne e sistematiza informações
ILUSTRADORES
DO NORDESTE
relativas às violações de
direitos socioeconômicos, sociais e culturais da
população das 31 subprefeituras da cidade.
“Pela primeira vez, estamos medindo os direitos
humanos, aceitando o
desafio de traduzir o tema
em números e colocar
à disposição dos planejadores públicos para orientar
suas decisões”, diz José Gregori, que preside a CMDH.
De acordo com o SIM Direitos Humanos, Cidade Ademar, Guaianazes, Jabaquara, M’Boi Mirim, São Mateus,
Parelheiros e Socorro são as regiões de São Paulo que
têm as mais precárias garantias de direitos humanos.
Nesses distritos, por exemplo, a população jovem têm
pouco ou nenhum acesso a equipamentos culturais
e de lazer, instrumentos importantes para diminuir a
violência. “Informações como essas, que o SIM Direitos
Humanos permite identificar, são muito importantes
para orientar políticas de atenção aos jovens. Oferecer
a eles mais pontos de encontro, além de contribuir para
o combate à violência e à violação de direitos, significa
do Maranhão. Convidada a ilustrar a
seção Ciência, que aborda as formas
juvenis de se agrupar, ela achou que
o tema permitia uma certa abstração.
“Fiz uma ciranda de jovens, formando
uma mandala: no centro, a espiral
representa o movimento; nas bordas,
o meio social ( a cidade e a natureza)
é representado por grafismos”, diz.
Dedê é também a ilustradora da cartilha sobre política da Unicef (leia nota
na página oposta) e seu trabalho pode
ser conhecido no site www.flogao.
com.br/dedepaiva.
3
MAPA DA
VIOLAÇÃO
DE DIREITOS
estimular sua participação comunitária, cidadã e política”, ressalta José
Gregori. É possível ter acesso aos
dados do SIM – Direitos Humanos
pelo endereço http://portal.prefeitura.
sp.gov.br/cidadania/cmdh. Para saber
mais sobre o projeto, pode-se entrar
em contato com Comissão Municipal
de Direitos Humanos pelo telefone
11/3106-0030.
73
Fato Positivo
DIVULGAÇÃO / PARCEIROS VOLUNTÁRIOS
DE LIVRE VONTADE
Cada vez mais jovens descobrem que a indignação
com o estado das coisas pode ser, sim, transformada
em ação. Três das maiores centrais de voluntariado no
país – a Rio Voluntário, a Natal Voluntários e a Parceiros Voluntários, do Rio Grande do Sul – detectam um
aumento significativo de jovens que realizam trabalho
voluntário por meio de instituições ou mesmo diretamente em suas comunidades.
Um dos motivos desse aumento de interesse dos
jovens está na mudança das próprias intenções que
movem os projetos sociais. Se há alguns anos o trabalho voluntário estava próximo da caridade pontual e
isolada, hoje está mais ligado ao conceito de cidadania
e da ação continuada. “Com o trabalho voluntário, os
jovens têm a possibilidade de buscar resultados e ver
mudanças concretas na sociedade. Com isso, sentemse comprometidos e integrados no mundo”, diz Claudia
Remião Franciosi, gerente de mobilização da Parceiros
Voluntários (www.parceirosvoluntarios.org.br). A organização existe há nove anos no Rio Grande do Sul e criou
um projeto para direcionar as demandas dos jovens. É
A ATUAÇÃO
VOLUNTÁRIA
CRESCE ENTRE
OS JOVENS
Por _ Cristiane Ballerini
o Tribos nas Trilhas da Cidadania, no
qual grupos de moças e rapazes escolhem em que áreas querem atuar
e interagem com comunidades para
criar e desenvolver projetos ao longo
do ano. Em três anos, o número de
participantes voluntários saltou de
18 mil para 52 mil no estado. “Os
jovens buscam desafios, experiências novas e conseguem incorporar
a imprevisibilidade dos projetos. Eles
têm muito a contribuir com o terceiro
setor que, tantas vezes, lida com o
inusitado”,diz Claudia.
Outra razão que leva mais jovens
à fila de voluntários está ligada ao
mercado de trabalho. Muitas empresas passaram a valorizar profissionais com esse tipo de atividade no
currículo. E não se trata apenas de
uma “onda politicamente correta”.
“O voluntário é alguém disposto a
trabalhar em grupo e lidar com realidades diversas. Não é de se espantar
DIVULGAÇÃO / NATAL VOLUNTÁRIO
DIVULGAÇÃO / RIO VOLUNTÁRIO
Avesso
Falta de planejamento. Esse ainda
é um motivo para que muitas ações
sociais se percam nas boas intenções
dos voluntários. Sem estudos prévios,
determinação de necessidades e
objetivos, dificilmente uma organização
consegue manter a motivação do
voluntariado, especialmente os jovens.
“Nessa fase, há um desejo intenso
de mudanças. É preciso lidar com a
ansiedade dos jovens, mostrando a
eles que é necessário mais tempo para
certas realizações, mas quando elas
não acontecem ou acontecem mal, por
falta de organização, é difícil mantê-los
disponíveis”, diz Laurelena Palhano,
do Rio Voluntário. Por isso, várias
centrais voltam parte de sua energia
para qualificar as próprias instituições
onde os voluntários devem atuar. O
desencontro de interesses também
pode gerar problemas. Não é raro
que jovens voluntários sonhem em
realizar determinadas atividades. Em
contato com a realidade, no entanto,
essas ações podem se mostrar pouco
importantes. E quando isso acontece, é
preciso experiência para não acabar de
vez com as motivações do participante.
“Não podemos cometer o equívoco de
colocar o foco da ação apenas no desejo
do voluntário. É preciso ajudar o jovem
a pensar nas realidades diversas da
sua e fazer parcerias”, diz Mônica Mac
Dowell, da Natal Voluntário.
que as empresas simpatizem com o perfil. São
competências importantes para o trabalho”, diz
Laurelena Palhano, coordenadora do Rio Voluntário (www.riovoluntario.org.br), organização que já
capacitou 5 mil pessoas, entre as quais muitos
jovens, líderes de projetos.
Mas não é contraditório fazer trabalho voluntário pensando também em melhorar as
chances de emprego? Foi-se o tempo em que
se esperava apenas “doação” dos voluntários. A integração entre pessoas em torno de
um objetivo comum pode ensinar muito aos
participantes e trazer experiências de vida
transformadoras, especialmente para o futuro
profissional. “Durante as atividades, os jovens
aprendem a planejar, fazer projeções e, muitas
vezes, têm a oportunidade de experimentar a
futura profissão. Um estudante de advocacia,
por exemplo, pode ganhar experiência estudando casos e fazendo consultoria informal
em uma comunidade”, diz Laurelena.
No Rio Grande do Norte, a Natal
Voluntário ([email protected].
br) também aposta no trabalho voluntário para aprimorar a formação.
Conhecida por movimentar grandes
grupos durante os dias de Ação Global,
a organização coordena um projeto de
voluntariado em parceria com escolas
locais. Os alunos empreendem ações
comunitárias em várias áreas, como
meio ambiente, saúde e cultura. Os
professores apóiam os grupos com
conhecimentos específicos e ainda
aproveitam as atividades práticas
para tornar as aulas mais eficientes.
A diretora do Natal Voluntários, Mônica Mac Dowell, lembra que, apesar
do crescente entusiasmo dos jovens
com o voluntariado, eles às vezes se
frustram ao perceberem que as ações
voluntárias não trazem soluções imediatas para problemas conjunturais
profundos. “Por outro lado, os jovens
estão conscientes de que ser voluntário é, acima de tudo, uma questão
de atitude. E atuam cada vez mais
voltados para a busca de soluções em
suas comunidades.”
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Cartas
NAS MÃOS DOS
EDUCADORES
Sou socióloga e Onda Jovem irá
colaborar muito na compreensão
da realidade do jovem e no processo de elaboração de minhas
aulas, no projeto Agente Jovem
da Prefeitura de Cambé, onde
leciono há dois anos. Foi o próprio
coordenador do projeto que me
indicou a revista, pela qual me
interessei muito.
Mariana de OLiveira Lopes
Cambé, PR
É com enorme prazer que escrevo para parabenizá-los pelo bonito
trabalho. Estamos fundando uma
ONG para trabalhar com crianças,
jovens e idosos e gostaria de solicitar exemplares da revista Onda
Jovem, pois além de pretendermos desenvolver a leitura entre
os participantes, nós também
estamos à procura de experiências
inovadoras.
Salomão Medeiros
Felipe Guerra, RN
FAÇA CONTATO
Envie cartas ou e-mails para esta
seção com nome completo, endereço
e telefone. ONDA JOVEM se reserva
o direito de resumir e editar os
textos. Endereço: Rua Dr. Neto de
Araújo, 320, conjunto 403, CEP
04111-001, São Paulo, SP. E-mail:
[email protected].
ONDA JOVEM NO PARANÁ
A edição número 4 de Onda Jovem, que abordou o
tema “Saúde – Os Desafios para Promover o Bem-Estar Físico, Mental e Social da Juventude Brasileira”, foi
destaque no material de apoio ao I Seminário Integrado:
Sexualidade – Diversos Olhares, promovido em abril
pela Secretaria de Educação do Paraná. O seminário
promoveu palestras para cerca de 500 professores
da área e incluiu discussões de políticas públicas para
adolescentes, das quais participaram 180 pessoas,
representantes de 32 Núcleos Regionais de Educação
do Estado e das Secretarias da Justiça, Ciência e Tecnologia, Saúde, Ministério Público e Conselhos Tutelares.
A Rede Antena Verde–RAV (www.antenaverde.org.br.)
é uma organização da sociedade civil cujo objetivo é estimular o público jovem a participar de iniciativas sociais,
culturais, conservação do meio ambiente e perpetuação
da vida saudável em nosso planeta. Pelo que vi, o projeto
de vocês tem muito a ver com o nosso. Desejo muito
sucesso a vocês.
Anna Frota
Rede Antena Verde
Recebemos Onda Jovem e gostamos muito. Gostaríamos de saber como adquirir mais exemplares, pois
nossa equipe é muito grande e utilizamos a revista como
orientação para a equipe técnica.
Núcleo Meu Guri Tucuruvi
São Paulo, SP
Gostaria de receber a revista e também o boletim online, por ser um material extremamente bem elaborado
e rico em informações sobre juventude. Trabalho com
programas sociais e tenho interesse em aprofundar-me
no tema.
Neide Rocha Sencovici
São Paulo, SP
Sou assistente social e estamos
implantando uma unidade de medidas
socioeducativas para atendimento
de adolescentes que cometeram pequenos atos infracionais na cidade de
Eunápolis. O trabalho é uma parceria
do governo da Bahia, prefeitura e a
metodologia é da Fundação Reconto.
O nome já diz: proporcionar ao adolescente uma oportunidade de recontar a
sua história. Por isso, gostaríamos que
nos enviassem a revista Onda Jovem,
pois ela será de grande valia para o
nosso trabalho.
Rita Jardim de Olanda
Fundação Reconto
Eunápolis, BA
Trabalho com assessoria em juventude no Piauí e com a Pastoral da
Juventude. Gostei muito dessa iniciativa
e gostaria de colaborar no que puder
com Onda Jovem.
Clésio Jonas
Piauí
Faço parte da equipe regional de
comunicação da Pastoral da Juventude
no Rio Grande do Sul e quero indicar o
material de vocês para nos auxiliar. Parabéns pela iniciativa e pela qualidade!
Joice Rossato Lima
Pastoral da Juventude do Rio
Grande do Sul
Cumprimento Instituto Votorantim
e Olhar Cidadão pela publicação da
excelente Onda Jovem, que com um
ano de vida já se destaca como a
melhor e a mais importante revista
brasileira destinada às questões
referentes à nossa juventude. Onda
Jovem já é leitura obrigatória para
todos que se preocupam e trabalham
pelo futuro dos jovens do Brasil! Parabéns a toda equipe!
Luiz Eduardo Reis de Magalhães
Diretor de Marketing (voluntário)
AACD – Associação de Assistência
à Criança Deficiente, São Paulo, SP
ENTRE
PROFESSORES
Sou professora há 26 anos na rede
pública municipal de Campo Grande
e no curso de Jornalismo da Universidade Católica Dom Bosco. Trabalho
também com catequese e sempre
procuro discutir questões voltadas
ao jovem. Com a indicação da profª
coordenadora, Maria Terezinha, pude
ler no site Onda Jovem textos de apoio
ao meu trabalho e estou solicitando
aos alunos a leitura e o intercâmbio
para discussão e análise dos assuntos
divulgados. Espero merecer fazer parte deste grupo de pessoas que fazem
da juventude um compromisso e que
esta onda jovem seja de fato um meio
de fazer a diferença numa sociedade
tão desigual como a nossa.
Maria Fernanda B. D. Alencastro
Campo Grande, MS
Gostaria de parabenizá-los pela
iniciativa do site e da revista Onda
Jovem, veículos fundamentais a
todos nós profissionais e cidadãos
que lidamos cotidianamente com as
questões postas pela juventude contemporânea. Estamos afinados com
a sua pauta de discussão no curso
de pós-graduação lato sensu sobre
Juventudes, que está sendo implementado na Universidade Estácio de
Sá, no Rio de Janeiro.
Daniella Coelho de Oliveira.
Professora de Juventudes
Contemporâneas
Rio de Janeiro, RJ
Ficamos muito emocionados com a forma que a Onda
Jovem mostrou o Jovens de Bem com a Vida (seção Mestres, edição número 4). Ainda que a matéria tenha focado
um profissional, todos nós sabemos que o projeto é resultado de um grande esforço coletivo. O reconhecimento nos
faz seguir com mais determinação. A propósito, já fomos
entrevistados, por conta da matéria, pela Rádio Nacional
de Brasília. E meu e-mail já não é mais o que consta na
reportagem, mas [email protected].
Marizélia Ribeiro
Médica coordenadora do projeto de extensão
universitária Jovens de Bem com a Vida
São Luís, MA
Conheci a revista Onda Jovem e me interessei bastante
pela publicação. Achei a revista com formato original,
criativo e interessante. Sou professora e acredito que esta
publicação será muito útil em minhas atividades, assim
como de outros professores de minha escola.
Luzia Pires Lambiasi
Professora titular do Ensino Fundamental II da
prefeitura do Município de São Paulo
Vi um exemplar no Conselho Municipal de Educação de
Belo Horizonte, li e me interessei muito por essa belíssima
revista. Gostaria de saber como obter exemplares.
Professora Maria D`Ajuda Silva
Belo Horizonte, MG
NA AMÉRICA LATINA
Quero felicitá-los pelo portal na internet. Está muito
legal. Gostaria de dizer que na Bolívia um grupo de jovens
desenvolve um projeto chamado www.mundoalreves.com,
que se destina a promover a comunicação participativa
de uma forma mais humana e aberta. Acreditamos que
podemos apoiarmo-nos mutuamente por meio de nosso
sites. Saudações do Oriente Boliviano.
Annelissie Arrázola M.
Santa Cruz, Bolívia
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Estamos divulgando Onda Jovem
no site www.joveneslac.org. – Portal
de Juventud para América Latina y el
Caribe, uma iniciativa da Celaju – Centro
Latinoamericano sobre Juventud – e da
Unesco. Estamos à sua disposição.
H. Daniel Spíndola
Equipe de gestão do portal
JUNTO COM OS
JOVENS
Aqui em Guapiaçu também temos o
Parlamento Jovem, criado em novembro
de 2005, e gostaríamos de poder contar
com quem já tem mais experiência e
que nos ajude a crescer. Temos curiosidade em saber mais sobre o assunto e
talvez até promover um encontro entre
jovens parlamentares.
Maria Angélica
Guapiaçu, SP
Navegando
NAS TEIAS DO
CYBERESPAÇO
Quem temia que a disseminação do uso dos computadores e
o desenvolvimento da internet
prejudicassem a criatividade
humana preocupou-se à toa:
não só não prejudicaram como
estimularam diretamente o
desabrochar de jovens artistas,
à medida que se transformaram
em ambiente para vários gêneros de arte, principalmente a
webarte. Andrei Thomaz, gaúcho
de 24 anos, considerado um dos
mais talentosos webartistas
brasileiros é um desses jovens.
“Comecei a me interessar por
computação no ensino médio.
Eu me envolvi com o computador primeiro do que com a
arte. A partir do meu interesse
por programas de computação
gráfica foi que surgiu a vontade
de prestar vestibular para Artes
Plásticas, e não para Computação”, diz Andrei, que concluiu
a graduação em Porto Alegre e
agora faz pós-graduação em Ar-
tes na Universidade de São Paulo. Seus trabalhos
– alguns dos quais estão reunidos no site www.
rgb.designdigital.com.br – revelam a atração pelos
labirintos e pelos jogos, que a mobilidade espacial
do computador permite explorar em imagens
inesperadas. Outra característica da internet – a
possibilidade de livre acesso – está na raiz do
projeto Usos do Espaço. Em sua etapa inicial, “N
Formas de Monitorar o Espaço”, os internautas
são convidados a monitorar um espaço, de sua
livre escolha, e enviar os resultados para o site. O
primeiro espaço que está sendo monitorado é o
Parque da Harmonia, um dos principais de Porto
Alegre, e um apartamento vazio. Para Onda Jovem, Andrei articulou duas imagens. A da página
esquerda é derivada da obra Labirintos, com um
labirinto pode ser visualizado de cinco formas
diferentes, incluindo esta em que o percurso é
representado como uma seqüência de setas.
Na página direita, a imagem resulta de uma obra
interativa (www.rgbdesigndigital.com.br/atravesdoespelho/pacman_minotauro/pacman_draw_
frameset.htm), em que o usuário e o trabalho
vão ‘desenhando’ na tela. É impossível reproduzir
aqui a interatividade das obras, mas vale a pena
registrar uma amostra de sua beleza.
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SOBRA DE TEXTOS CARTAS
Por intermédio de um amigo da faculdade, tomei conhecimento dessa maravilhosa revista. Faço o curso de Ciências
Sociais e adorei a revista pois fala de tudo
do que eu preciso para meu desenvolvimento na área de Antropologia, que é a
que mais gosto. Quero muito trabalhar
na transformação por vias culturais.
Dany Gregório
Por e-mail
Tenho 23 anos e coordeno a Agência
Mandacaru de Comunicação e Cultura,
que atua com 12 jovens e realiza ações
nas áreas de cultura, cidadania e comunicação social em 20 municípios do interior
da Bahia, tendo a sede em Retirolândia,
a 230 km de Salvador. Queremos que
as ações por aqui realizadas por jovens,
crianças e idosos tenham visibilidade em
todo o país!
João Netto
Retirolândia, BA
NAS BIBLIOTECAS
Agradecemos a recepção de exemplares da publicação
Onda Jovem, que são incorporados ao acervo do Centro
de Referência Patricia Bildner (CRPB), do GIFE, onde fica à
disposição não somente de nossa equipe, mas de todos os
associados e dos usuários externos que nos acessam.
Claudia Cândido
GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
Este título de periódico foi indicado no Plano de Ensino
do curso de Pedagogia do UNIFIEO – Centro Universitário de
Osasco e solicitamos informações sobre os procedimentos
para recebê-lo em nossa biblioteca.
Centro Universitário FIEO
Osasco, SP
Trabalho no Instituto de Pastoral de Juventude de Porto
Alegre. Temos uma biblioteca especializada em juventude
e gostaríamos de receber as edições da revista Onda
Jovem.
Fabrício Preto
Porto Alegre, RS
NO SETOR PÚBLICO
Há poucos meses à frente da Coordenação de Juventude da Prefeitura de São Luís, estamos fazendo esforços
para articular políticas públicas para a juventude da nossa
capital. Neste sentido, gostaríamos de estreitar o intercâmbio de nossa coordenação com Onda Jovem e receber as
edições desta tão conceituada revista.
Olímpio Araújo
Coordenador da área de Juventude da Prefeitura de
São Luís, MA
Gostaria de parabenizar a toda a equipe de produção da
revista Onda Jovem, que cada vez mais vem trazendo conteúdos atrativos e de interesse não só do público jovem,
mas também do interesse de todos. A quarta edição, bem
como as demais, está sensacional. Parabéns!
Michel Martinelli
Secretário da Frente Nacional de Prefeitos

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