BREVES NOTAS SOBRE O SEMINÁRIO INTERNACIONAL

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BREVES NOTAS SOBRE O SEMINÁRIO INTERNACIONAL
BREVES NOTAS SOBRE O SEMINÁRIO INTERNACIONAL
“PERSECUCIÓN
PENAL
NACIONAL
DE
CRÍMENES
INTERNACIONALES DESDE UNA PERSPECTIVA COMPARADA”
Maria Thereza Rocha de Assis Moura*
Realizou-se em Montevideo, nos dias 27 e 28 de
fevereiro deste ano, o Seminário Internacional “Persecución penal nacional de crímenes
internacionales desde uma perspectiva comparada”, organizado pelo Instituto
Max-Planck para o Direito Penal Estrangeiro e Internacional e pela Fundação Konrad
Adenauer – Programa Estado de Direito para América do Sul, sob os auspícios da
Faculdade de Direito – Universidade da República (Uruguai).
Onze
países
da
América
Latina
estiveram
representados, a saber: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colombia, Costa Rica, El
Salvador, México, Peru e Uruguai.
A apresentação do Seminário coube ao Prof. Dr. Dr.
mult. h. c. Albin Eser, do Instituto Max-Plank. Salientou que o objetivo do Projeto é
incentivar e dar impulso às reformas internas com vistas à implementação do Estatuto de
Roma, que foi ratificado, até agora, por 89 países. Lembrou que, de acordo com o contido
no parágrafo sexto do Preâmbulo, é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição
penal sobre os responsáveis por crimes internacionais, daí porque o Tribunal Penal
Internacional só deve atuar, de acordo com o princípio da complementariedade, quando
se frustrar a persecução no Estado-Parte. Isto significa que, primeiramente, deve
prevalecer a jurisdição nacional, sendo a Corte subsidiária (art. 17).
O projeto deve desenvolver-se em duas etapas: na
primeira, cada país apresentou, para este Seminário, seu informe nacional, analisando: 1)
em que medida as formas de comportamento criminalizadas no Estatuto de Roma e no
Direito Internacional Consuetudinário (genocídio, crimes contra a humanidade e crimes
de guerra) são puníveis; 2) quais são os crimes perseguidos; 3) quais são os elementos de
conexão aplicáveis (princípio da territorialidade, etc); 4) quais são as causas de
justificação aplicáveis no Direito Penal interno (legítima defesa, obediência devida, etc.);
5) o que dispõem as regras especiais, tais como imunidades, prescrição e competência; 6)
em que medida a persecução penal interna dos crimes internacionais é efetiva; 7) em que
*
2ª Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM; advogada e
professora doutora de direito processual penal da Universidade de São Paulo, Brasil.
1
medida o país desenvolve uma reforma penal nacional para a implementação do Estatuto.
A segunda etapa consistirá em análise comparativa dos informes.
Em seguida, o Prof. Dr. Kai Ambos, do Instituto
Max-Planck e da Universidade de Göttingen, introduziu o tema “Obrigação e modelos de
implementação do Estatuto de Roma”. Como regra, o Estatuto não obriga os
Estados-Partes a implementar suas disposições. A exceção vem prevista no art. 70, inciso
4.a: os crimes contra a Administração da Justiça devem ser objeto da legislação interna da
cada país. O Estatuto pressupõe, porém, a colaboração dos Estados, nos moldes do
estabelecido no art. 87.
A
implementação
do
Estatuto
faz-se
porém
necessária para que a persecução penal dos crimes internacionais se dê de maneira eficaz,
daí decorrendo que cada Estado deve legislar internamente sobre a matéria.
Embora os países participantes do Projeto sejam
signatários de instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos, as reformas
se fazem necessárias em face do princípio nullum crimen sine lege, sendo imprescindível
tipificar as condutas dos crimes internacionais (genocídio, crimes contra a humanidade e
crimes de guerra) e suas respectivas penas, para que a persecução penal possa ser
realizada no âmbito de cada Estado-Parte.
Vários e conhecidos são os problemas a serem
enfrentados, sobressaindo, dentre outros, a aplicação dos princípios da jurisdição
universal, da culpabilidade, da legalidade e da certeza; prisão perpétua; extradição e
entrega; imunidade, sem se falar nos acordos bilaterais firmados entre os Estados Unidos
da América e o Estado-Parte, que obrigam este último a não entregar os nacionais dos
EUA à Corte sem a concordância expressa daquele país1.
Os onze países que se fizeram representar no
Seminário apresentaram seus informes e deram notícias sobre a implementação do
Estatuto de Roma no direito interno.
Chile e México não ratificaram o Estatuto. El
Salvador sequer subscreveu o Estatuto.
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Discutiu-se no Seminário acerca da validade do acordo bilateral firmado entre os EUA e um
Estado-parte que já tenha ratificado o Estatuto, com tal propósito. O entendimento firmado foi no
sentido de que, a partir do momento em que o Estado-Parte ratifique o Estatuto, não é mais
possível firmar o acordo, sem que reste violado o dever de cooperação imposto no art. 96. A
invocação do art. 98 só será possível se o tratado for anterior à ratificação. Por esse motivo, a
Resolução de julho de 2002, das Nações Unidas, que concede imunidade aos soldados
americanos pelo prazo de um ano, deslegitima todo o sistema internacional.
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Entendeu-se, no Chile, que a ratificação do Estatuto
requer uma reforma constitucional. Os únicos crimes que existem na ordem interna são
certos crimes de guerra. A Lei Penal Militar, de 1926, constitui um completo direito penal
especial, mas antiquado: fala em “estado de guerra”, mas não diz se guerra externa ou
interna. Não há descrição típica para genocídio e crimes contra a humanidade.
Já, o México tem um duplo discurso sobre o Tribunal
Penal Internacional. O país tem um compromisso com os direitos humanos, mas não
tomou as medidas necessárias para ser Estado-Parte, sob o argumento de que isto
reduziria as garantias hoje existentes na Constituição (entrega de nacionais ao Tribunal;
pena perpétua, por exemplo). É certo que em 7 de setembro de 2000 firmou “ad
referendum” o Estatuto, mas isto significa que a posterior ratificação fica submetida ao
Senado da República. Entendeu-se que o art. 21 da Constituição necessitava ser mudado,
mas até hoje o Estatuto não foi ratificado, desconhecendo-se que, de acordo com o art.
120 do Estatuto, não é possível fazer reservas, exceção feita à prevista no art. 124 (crimes
de guerra).
El Salvador não subscreveu o Estatuto devido a
problemas constitucionais. Entende-se que há incompatibilidade com a Constituição do
país, no tocante à prisão perpétua, que seria considerada tratamento degradante. Há forte
influência dos Estados Unidos da América, existindo um vazio no que diz respeito à
persecução nacional de crimes internacionais. Existe a tipificação do crime de genocídio,
mas não com as características do “standard” internacional, sendo a pena similar à do
delito de sequestro. Também não há crimes contra a humanidade previstos no direito
interno. O país subscreveu a Convenção sobre “Apartheid”, mas não existe qualquer tipo
penal autônomo no direito interno. Há crimes de guerra previstos. A reforma do Código
Penal de 1998 incorporou delitos contra a humanidade (tortura, desaparecimento forçado,
incluindo forma culposa), punidos com 3 a 6 anos de prisão e inabilitação para função
pública, mas não há no Código de Processo Penal procedimento específico para crimes
internacionais. Não há qualquer projeto e nem se discute a subscrição do Estatuto de
Roma.
O Uruguai ratificou o Estatuto e em 17 de janeiro
deste ano o Poder Executivo enviou ao Legislativo projeto contendo normas de
implementação ao Estatuto, estabelecendo penas de 2 a 30 anos de prisão para os crimes
internacionais. Dentre as críticas feita ao projeto sobreleva a de que ele remete ao Estatuto
de forma única e genérica, sem possibilidade de introduzir melhoras, como, por exemplo,
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a que prevê, no art. 8, b, xxvi, ser crime de guerra o recrutamento de menores de 15 anos
nas forças armadas nacionais, enquanto que o Uruguai ratificou instrumentos
internacionais que garantem proteção até os 18 anos. O Código Penal uruguaio em vigor
não contempla nenhuma figura sobre genocídio, embora aquele país tenha ratificado a
Convenção sobre Genocídio. Não possui, também, normas penais que permitem a
persecução de crimes de lesa humanidade. Há problemas para a aplicação automática do
Estatuto, embora o Uruguai tenha ratificado os tratados sobre tortura e desaparição
forçada e as Convenções de Genebra, porque não há pena estabelecida. Em síntese, o
Uruguai não tem nenhuma disposição legal que o ampare em alguma denúncia de crimes
internacionais.
O Código Penal da Venezuela contempla os tipos
penais de escravidão, tortura e desaparição forçada, embora com conotação diversa da
prevista no Estatuto de Roma. Há projeto de reforma do Código Penal, para adaptá-lo às
normas do Tribunal Penal Internacional, mas não há vontade política para mudar a Parte
Geral. A reforma penal faz-se necessária para incluir a tipologia prevista no Estatuto de
Roma.
A Argentina participou do processo de elaboração do
Estatuto de Roma, mas ainda não o implementou, fazendo-se necessária reforma no
direito interno. Embora os tratados internacionais se incorporem automaticamente no
direito interno, não existem normas penais que tipifiquem os crimes internacionais,
valendo-se o direito interno dos tipos de direito penal clássico. Não há sanções previstas
para crimes internacionais, portanto há impedimento para a sua aplicação. É que, embora
as normas internacionais que digam respeito aos direitos fundamentais prevaleçam sobre
as normas constitucionais, o princípio nullum crimen é de aplicação estrita, inclusive para
os crimes internacionais. Portanto, não há nas leis argentinas, crimes internacionais,
exceto algumas condutas tipificadas no Código Penal Militar. Há um projeto que prevê
vários crimes internacionais, nos moldes feitos pela Alemanha, ou seja, a implementação
deve se dar por um lei especial.
A Bolívia ratificou o Estatuto, mas não houve um
debate político para a sua implementação. Existe anteprojeto que tipifica a desaparição
forçada, porém em outro contexto do que o do Estatuto. A última reforma do Código
Penal, em 1997, não tipificou a figura da desaparição forçada, não obstante a Bolívia já
tivesse ratificado instrumentos internacionais sobre tal conduta. O genocídio, por seu
turno, é tipificado no Código Penal.
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A Costa Rica introduziu em seu Código Penal, no ano
2002, duas figuras: crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Contempla os crimes
de genocídio; lesa humanidade; escravidão e guerra. O crime de agressão não existe, mas
há a figura de atos hostis. Adota o princípio da justiça universal em relação aos direitos
humanos e o “ne bis in idem”.
O Brasil ratificou o Estatuto de Roma em 2002, sendo
certo que, antes mesmo da ratificação, no ano 2001, o Ministro da Justiça constituiu uma
Comissão de juristas para apresentar anteprojeto de lei, que define o crime de genocídio,
crimes contra a humanidade e crimes de guerra e dispõe sobre a cooperação com o
Tribunal Penal Internacional. A Comissão apresentou, em outubro de 2002, texto que se
acha em fase de colheita de sugestões, com vistas à elaboração do texto definitivo, que
deverá ser apresentado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional. O Brasil tem
tipificados, no direito interno, os crimes de genocídio e tortura, além de alguns crimes de
guerra, estes últimos previstos no Código Penal Militar. Mas todas as condutas são
previstas como crimes individuais e não no contexto do Estatuto de Roma.
O Peru ratificou o Estatuto em 16 de setembro de
2001, após influência exercida pela Anistia Internacional, pela Cruz Vermelha e por
organizações não-governamentais. De início se entendeu que a ratificação poderia trazer
perigo para o Governo Fujimori, devido às violações de direitos humanos no Peru. Há
anteprojeto de lei para alterar a Constituição, relativamente à imprescritibilidade; à
impossibilidade de anistia e indulto, entrega e prisão perpétua. Faz-se necessário também
efetuar reforma do Código Penal para adequá-lo ao Estatuto, já que não é possível
adotar-se imediatamente os tratados internacionais em matéria criminal, ainda que se
trate de normas de direitos humanos. No direito interno há o tipo penal de genocídio,
introduzido em 1991, mas com déficit de certeza, porque não se conceitua o que seja
“grupo social”, previsto no tipo penal. Há também algumas formas de crimes contra a
humanidade (tortura, desaparição forçada e algumas formas de discriminação), crimes de
guerra e crime de agressão. O Código de Justiça Militar é a base para aplicação dos
crimes de caráter internacional e crimes de guerra. Reforma efetuada em 2002 neste
diploma legal passou a tipificar crimes relevantes, previstos no Estatuto de Roma. O
princípio básico para a persecução penal é o da territorialidade. O princípio da jurisdição
universal subsidiária ao direito penal interno não é expresso na lei peruana, mas deve ser
adotado por razões teóricas. O direito peruano não prevê a imprescritibilidade dos crimes,
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e no tocante à prisão perpétua, lei que entrou em vigor neste último mês prevê a
possibilidade de revisão após 35 anos de seu cumprimento.
Finalmente, a Colômbia também ratificou o Estatuto,
autorizada por ato legislativo. No direito interno, os crimes de genocídio e crimes contra a
humanidade estão previstos no Código Penal, dispondo o art. 2º deste Estatuto que as
normas de direitos humanos previstas na Constituição e nos tratados fazem parte do
Código. O genocídio político é regulado no Código Penal, mas tem-se por
inconstitucional, porque fala na destruição de grupo que atue dentro do marco da lei, o
que tornaria permitido o genocídio praticado contra grupos fora da lei. O Governo
colombiano invocou o art. 124 do Estatuto para dizer que, nos próximos sete anos não
perseguirá crimes de guerra, tendo em vista, sob sua ótica, que a relação entre o Estatuto e
a paz não está muito clara, havendo, nesse período, a possibilidade de novas negociações
com a guerrilha em busca de processo de paz, aplicando-se inclusive os institutos da
anistia e indulto.
O Seminário contou também com exposições sobre
temas particulares, a saber:
i) a tipificação dos crimes internacionais, com
especial referência à legislação espanhola foi abordada pela Prof. Dra. Alicia Gil Gil, da
UNED, Madrid. Sobre os crimes contra a humanidade, importa ressaltar quais os bens
jurídicos protegidos pelo Direito Internacional. Para a tipificação das condutas previstas
no art. 7º, é necessário que o ataque seja generalizado ou sistemático (a interpretação é
disjuntiva) e que o agente aja com dolo, não sendo necessário, sob a ótica da professora,
que ele tenha conhecimento de todos os detalhes da operação, admitindo, assim, o dolo
eventual, não obstante haja posicionamentos contrários de doutrinadores alemães e
austríacos, no sentido de que o dolo deve ser específico; ii) no que diz respeito ao crime
de genocídio, salientou que o art. 6º do Estatuto não pretende castigar fatos cometidos por
motivos racistas, mas proteger a existência de determinado grupo estável. Os atos
enumerados naquele dispositivo devem ser praticados com a intenção de destruir grupo
nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal, sendo indiferente o móvil do delito.
Perfecciona-se com a consumação antecipada (fora do tipo objetivo), podendo haver
destruição de parte do grupo. Admite-se a consumação formal a partir da primeira morte
do grupo cometida com a intenção de destrui-lo. A morte do líder do grupo não é
necessária para a consumação. A prática do crime de genocídio deveria possibilitar a
punição do agente em concurso de delitos com crimes contra a humanidade. Há um
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concurso ideal de crimes em relação ao genocídio e um concurso real de delitos
(genocídio e crime contra a humanidade), pois há a violação de bens jurídicos individuais
e supra individuais.
ii) “Aut dedere aut judicare”: A prática Argentina foi
o tema abordado pelo Juiz da Câmara Federal de La Plata Dr. Leopoldo Schiffrin. A
dilema sobre entregar ou julgar; entregar ou castigar já era posto por Grocius, que dizia
que o Direito Penal é o direito de todos os indivíduos a tomar satisfação de toda violação
à sua pessoa por outras pessoas. Assim, se o Estado onde a pessoa está refugiada não o
extradita, deveria ser obrigado a julgá-lo de acordo com suas leis. Mas há a consideração
de que é melhor julgar o agente onde os fatos foram ocorridos. A Argentina não quer que
seus nacionais sejam entregues à justiça internacional, passando a entender que, a partir
de cartas rogatórias internacionais, deveria abrir ou reabrir as investigações no direito
interno. A jurisdição universal é plenamente admitida pela jurisprudência, estabelecendo
a Constituição Federal que a lei dirá qual Tribunal julgará crimes internacionais (“ius
gentium”).
iii)
A
imprescritibilidade
em
Direito
Penal
Internacional foi tema exposto e debatido por Ruth Kok, da Universidade de Amsterdam.
Expôs as diferenças entre prescrição em crimes comuns e crimes internacionais. A
impossibilidade de efetiva persecução em nível nacional; os interesses comuns de
Estados e a extrema gravidade dos crimes são fatores importantes para o estabelecimento
de critérios diversos. Se o conhecimento da verdade e o julgamento do passado é
importante, deve-se indagar o porquê se invoca a prescrição. Há vários argumentos que a
legitimam, como o esquecimento, a diminuição da necessidade de expiação, conforme o
tempo passa; a maior dificuldade de obtenção da verdade. Mas em nível internacional, há
vários instrumentos que declaram imprescritíveis os crimes internacionais, dentre eles o
art. 29 do Estatuto de Roma, devendo ser indagado a partir de quando se deve considerar
imprescritíveis os crimes no Direito Internacional Costumeiro: desde 1968, 1998 ou 1º de
julho de 2002. A expositora defendeu, em posição que admitiu ser conservadora, a
imprescritibilidade a partir da 1º de julho de 2002, quando se deu o início da vigência do
Estatuto de Roma.
iv) “A adaptação do direito penal nacional com
motivo da implementação do Estatuto de Roma. Considerações provisórias no exemplo
da desaparição forçada de pessoas” foi o tema exposto por Christoph Grammer, do
Instituto Max-Planck. Analisou os elementos da desaparição forçada e as indagações
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sobre a existência de obrigação internacional de castigar penalmente tal conduta, e se é
necessário um tipo penal independente. Deve-se entender por desaparição forçada a
privação de liberdade (ações contra o desaparecido); ocultamento da privação de
liberdade, tais como denegação de informação, impedimento de busca (ações contra
terceiros); e a participação estatal, direta ou indireta, com intenção de suspender a
proteção legal do desaparecido. Quanto à obrigação internacional, o interesse é próprio
dos Estados em relação ao Estatuto de Roma, já que vige o princípio da
complementariedade; mas a obrigação de castigar penalmente, sem exceção, é universal
que deriva das fontes gerais do Direito Internacional, sendo de se realçar que tal
obrigação, para os países da América Latina, resulta da Convenção Interamericana. Sobre
a indagação de ser necessário um tipo penal independente, é de se verificar quais os bens
jurídicos afetados pela desaparição forçada: lesão da liberdade e a colocação em perigo
total. O resultado final, frequentemente, é o sumiço do desaparecido. Isto significa
violação múltipla e continuada dos direitos postos na Convenção. A participação do
Poder estatal específico e o ocultamento sistemático afetam bens jurídicos em três níveis:
a) do desaparecido; b) dos parentes e outras pessoas próximas (a desaparição gera
frustração, impotência, sofrimento e insegurança) e c) de bens coletivos (a impunidade
afeta a segurança pública e Estado de Direito, já que gera medo e temor à sociedade, que
deixa o indivíduo sem nenhuma proteção). Portanto, tem-se um injusto sistemático, que
supera a soma dos bens individualmente considerados. A persecução penal, neste crime,
até agora é limitada ao primeiro nível: só se perseguem os crimes que levem à privação da
liberdade do desaparecido. O segundo e o terceiro nível não são levados em conta para a
tipicidade, o que justifica a necessidade de um tipo penal independente, para que se
castigue o injusto sistemático. Efetuou, finalmente, a interpretação do tipo dentro do
Estatuto de Roma (art. 7º).
O Seminário foi concluído pelo Prof. Dr. mult. h.c.
Albin Eser, que enfatizou ter o debate atingido sua finalidade, isto é, discutir a persecução
nacional dos crimes internacionais e o que cada país pode fazer para persegui-los, uma
vez que a responsabilidade é do direito interno, possuindo o Estatuto caráter subsidiário.
O importante é que cada país modifique sua legislação para estar em condições de
perseguir tais crimes. Salientou, outrossim, que o Estatuto de Roma é um passo muito
importante para o estabelecimento de um equilíbrio entre os direitos das vítimas e do
imputado. De um lado, a luta contra crimes internacionais objetiva conseguir o
fortalecimento dos direitos humanos e do papel das vítimas; e de outro, os direitos
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humanos do imputado perante a Corte também devem ser preservados (devido processo
legal).
A Fundação Konrad Adenauer, que organizou o
evento junto com o Instituto Max-Planck, fará publicar na íntegra, ainda este ano, os
relatórios dos informes nacionais e, tendo em vista a importância do tema, o grupo de
trabalho, criado informalmente e integrado por representantes dos onze países presentes
ao evento, deverá provavelmente se reunir em São Paulo, Brasil, no próximo ano, para
dar continuidade à discussão de temas relacionados à persecução de crimes internacionais
e à implementação do Estatuto de Roma na América Latina.
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