Ricardo da Silva - PPGHIS

Transcrição

Ricardo da Silva - PPGHIS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS – V
PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA REGIONAL E
LOCAL
Ricardo da Silva Campos
O JOGO POLÍTICO LOCAL:
Competição e dinâmica política em Feira de Santana
(1948- 1965)
Santo Antonio de Jesus/BA
2012
2
Ricardo da Silva Campos
O JOGO POLÍTICO LOCAL:
Competição e dinâmica política em Feira de Santana
(1948 e 1965)
Texto
apresentado
ao
Programa de Pós-Graduação
em História Regional e Local
como requisito para o exame
de qualificação.
Orientador: Dr. Paulo Santos Silva
Santo Antonio de Jesus/BA
2012
3
Folha de Aprovação.
Santo Antonio de Jesus,
Dezembro, 2012
______________________________________________
Prof.Dr. Paulo Santos Silva(orientador)
Universidade do Estado da Bahia
______________________________________________
Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto
Universidade Estadual de Feira de Santana
______________________________________________
Prof. Dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira
Universidade do Estado da Bahia
4
AGRADECIMENTOS
Ao meu Pai exemplo de honestidade cuja falta de formação acadêmica
nunca minimizou o desejo de ver o filho formado. Que incontáveis vezes, me
obrigava a ir a escola dizendo: “o menino não pode faltar a escola, não!”. Sua
presença nunca esteve tão viva em minha memória.
À minha Mãe que desde os sete anos de idade trabalha com um vigor
invejável e está vendo o filho seguir os caminhos do magistério, por ela
iniciado, mas que determinadas circunstâncias a impossibilitaram. Esta
dissertação eu dedico aos meus pais.
Aos meus amigos-irmãos João, Thiago e Joserlan que me ensinaram a
suportar críticas e a incorpora-las quando elas poderiam surtir efeito.
A Rodrigo e Samuel pelos conselhos, apoio e companheirismo.
A Lanny minha companheira que suportou irritações e a falta de
disponibilidade. Apoiou-me e me deu força para ver esse trabalho concluído.
A realização deste trabalho também é tributária da participação de
outros feirenses ilustres. A Carlos Mello funcionário do jornal Folha do Norte
agradeço por abrir o acervo particular deste periódico para que eu adentrasse
numa Feira de Santana dos anos 1940 que ainda não conhecia.
Foi a partir de conversas com Mello que ele me disse onde encontrar o
jornal Gazeta do Povo pertencente à família Galeão. Agradeço particularmente
a Hildete Galeão tanto pelas conversas sobre Feira de Santana quanto por
guardar e disponibilizar coleções deste periódico que seu pai, Osvaldo Galeão
um dos sócios do jornal, lhe legou. A sensibilidade histórica e a atenção para
preservação de documentos sobre nossa cidade agora rende frutos.
Ao CEDOC/UEFS onde estive estagiário desde os primeiros meses de
2006 através de Lucilene Reginaldo, Luiz Cleber, Fernanda Vitorino, Mizay,
Claudimir, Danilo Fé, Daniel, Francemberg e Márcia. Onde aprendi mais do que
catalogar documentos. A experiência em atuar neste centro me permitiu abrir
os horizontes sobre a atuação do historiador além de perceber que por trás da
poeira que cobrem papeis pode se encontrar tesouros históricos.
A Clovis Frederico Ramaiana Oliveira e aos estudantes do curso de
História
da
UNEB/Alagoinhas por permitirem
que
participasse,
como
“tirocinista”, alcunha que ele mesmo me colocou, na disciplina História Cultural.
5
Saudosas sextas-feiras nas quais discordâncias teóricas eram mergulhadas em
néctares etílicos.
A Henrique Senna dos Santos pelo papel fundamental na minha
formação como historiador. Seus lúcidos conselhos permearam toda a minha
vida acadêmica. Sinto-me agraciado por ser seu amigo.
A Kelman Conceição. Uma companheira, no sentido denotativo da
palavra. Com ela dividi angustias, satisfações e os perigos de sermos
estudantes nas viagens de Feira de Santana a Santo Antonio de Jesus. Além
disso as discussões de textos no trajeto e as conversas me motivaram a seguir
em frente.
À Professora Leila Fernandes de Oliveira que gentilmente me
presenteou um de seus livros, intitulado “Os inquilinos da cidadania”. A obra
ajudou a traçar os perfis de políticos feirenses.
À Professora Ely Souza Estrela que se disponibilizou, nos primeiros
momentos a orientar esse trabalho. Os rumos que a dissertação tomou foi
resultado das conversas que tivemos. Sinto-me feliz por ter conhecido uma
docente séria e comprometida tanto com a História quanto com concepções
políticas, combinação cada vez mais rara entre historiadores. Da mesma forma
sinto-me triste por não tê-la, fisicamente, entre nós.
Ao professor Paulo Santos Silva pela leitura atenta, pelos livros
presenteados, emprestados e pelas discussões historiográficas e, por vezes,
gramaticais. Sem sua participação esse trabalho não teria os contornos que
possui. Agradeço por ter aceito o desafio de orientar o trabalho, num momento
difícil para o programa quando da redução do quadro de professores agravado
pela perda da Professora Ely Estrela.
À Ane Geildes pela eficiência e em muitas vezes pela ajuda em coisas
que não eram suas atribuições enquanto funcionária do mestrado. Ela
certamente é exemplo de um profissional que alia compromisso profissional
com boa disposição.
À minha turma de mestrado. Formada por Manuela, Adriana, Amélia
Saback e Kelman Conceição. Nós compensamos a parca capacidade
quantitativa com disciplina na leitura dos textos e intensos debates.
A Raimundo Nonato, Sara Farias, Carlos Zacarias, Ana Maria pelas
disciplinas ministradas e pelos debates teóricos e metodológicos.
6
A Eurelino Coelho e ao LABELU/UEFS com quem aprendo que
pesquisar rende mais frutos quando seus resultados são compartilhados, vistos
e revistos por outros historiadores, independente do grau de “treinamento”. As
sementes dessa dissertação foram lançadas e regadas neste laboratório.
Aos colegas de trabalho do São Roque do Paratigi, distrito de Rafael
Jambeiro. Entender o funcionamento da política nessa cidade me ajudou na
compreensão do objeto de estudo desse trabalho.
A CAPES que ao subsidiar a pesquisa permitiu certa seguridade
financeira. Hoje entendo com mais lucidez o termo “fomento a pesquisa”.
7
RESUMO
O objetivo dessa dissertação é analisar como se processaram os conflitos
políticos e sociais entre grupos feirenses ligados à União Democrática Nacional
(UDN) e ao Partido Social Democrático (PSD) entre 1948 e 1965. A classe
dirigente em Feira de Santana desse período foi formada por um conjunto de
indivíduos privilegiados economicamente que detinham cargos de direção
dentro do aparelho do Estado. A maioria de suas disputas quase nunca incluía
a possibilidade de participação popular. A utilização do poder público tinha o
intuito de beneficiar o grupo vencedor. Ambos faziam parte do mesmo sistema
de dominação. O trabalho fundamenta-se em atas, processos crimes, jornais,
entrevistas. A competição pelo poder estava articulada com o Brasil dos anos
1940-1960, tanto do ponto de vista ideológico como no que se refere às
articulações entre lideranças feirenses, baianas e as de projeção nacional.
Assim, os rumos tomados por Feira de Santana nos anos que se seguiram a
1964 foram resultado de divergências entre esses dois segmentos.
Palavras Chaves: Feira de Santana, Política, década de1940 a 1960, UDN,
PSD, imprensa.
8
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS .................................................................................................................... 4
RESUMO ....................................................................................................................................... 7
LISTA DE ABREVIATURAS UTILIZADAS ................................................................................ 10
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 11
SEÇÃO II – CAPÍTULO I ............................................................................................................ 19
DA “REDEMOCRATIZAÇÃO” ÀS ELEIÇÕES EM FEIRA DE SANTANA, 1947: DEFINIÇÕES
IDEOLÓGICAS E POLÍTICAS. ................................................................................................... 19
1. O posicionamento do jornal Folha do Norte: democracia, liberalismo e novos horizontes
políticos .................................................................................................................................... 19
2.
“O brigadeiro vem aí”: a UDN feirense e as eleições nacionais ..................................... 28
3.
Otávio Mangabeira governador em 1946: candidato da unanimidade? ......................... 33
4.
Corrida para as eleições municipais, 1947: da conciliação ao embate .......................... 35
5. Janeiro frustrado da UDN: a dupla derrota udenista e as fraudes eleitorais nas eleições
de 1948 .................................................................................................................................... 40
SEÇÃO III – CAPÍTULO II .......................................................................................................... 49
A IMPRENSA COMO ESTRATÉGIA ......................................................................................... 49
1.
A escassez de votos e o jornal como meio de propaganda ........................................... 49
2.
O Folha do Norte na defesa do juracisismo. ................................................................... 52
3.
O Trovão: PTB, impresa e disputas internas. ................................................................. 55
4.
Os “jornaizinhos” Santanopolis e o Coruja: jornais estudantis e militantâcia política ..... 60
5.
De pasquim a jornal: o Gazeta do Povo e a imprensa do PSD. ..................................... 64
SEÇÃO IV – CAPÍTULO III ......................................................................................................... 71
VIOLÊNCIA COMO PRÁTICA.................................................................................................... 71
1.
O “self-made-man” contra o “torrador de café” ............................................................... 71
2.
A prefeitura para o comércio: o público serve ao privado ............................................... 78
3. “Transfigurou-se o panorama político do município”: PSD-PTB, de aliados a inimigos
políticos .................................................................................................................................... 83
4. “Ofensas pessoais” e “divergência político-partidárias”: novos atores, conflitos
históricos. ................................................................................................................................. 90
5.
Nas escolas, nas ruas, nos currais: o governo do prefeito Francisco Pinto (1962-1964)
98
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 111
LISTAGEM DE FONTES: ......................................................................................................... 113
9
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 115
APENDICE A – ATIVIDADES PROFISSIONAIS DOS VEREADORES PELA UDN (1948-1962)
................................................................................................................................................... 119
APENDICE B – ATIVIDADES PROFISSIONAIS VEREADORES PSD (1948-1962) ............. 120
APENDICE C - RELAÇÃO DE VEREADORES ELEITOS (1948-1962).................................. 121
APENDICE D - PREFEITOS (1943-1963) ................................................................................ 126
APENDICE E - QUADRO DE CANDIDATOS E ELEITOS PARA PREFEITURA DE FEIRA DE
SANTANA (1948-1964) ............................................................................................................ 127
10
LISTA DE ABREVIATURAS UTILIZADAS
CEDOC/UEFS Centro de Documentação e Pesquisa da Universidade Estadual
de Feira de Santana
PSD
Partido Social Democrático
UDN
União Democrática Nacional
ARENA
Aliança Renovadora Nacional
MDB
Movimento Democrático Brasileiro
DIP
Departamento de Imprensa e Propaganda
PCB
Partido Comunista Brasileiro
PTB
Partido Trabalhista Brasileiro
IBGE
Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística
11
INTRODUÇÃO
O objetivo dessa dissertação é analisar como se processaram os
conflitos políticos entre grupos feirenses ligados principalmente à União
Democrática Nacional (UDN) e ao Partido Social Democrático (PSD) entre
1948 e 1965. Os embates visavam controlar o aparelho governamental
encarregado da administração direta em Feira de Santana.
Embora, compartilhassem a mesma situação econômica, esses grupos
se subdividiram em dois agrupamentos partidários: a UDN e o PSD.
Constituíam-se de comerciantes, profissionais liberais (advogado, médico,
contador, professor) e pecuaristas.
A classe dirigente em Feira de Santana foi formada por um conjunto de
indivíduos que detinham cargos de direção dentro do governo local. Eles
acumulavam funções dentro da sociedade feirense. Havia estreita ligação entre
a situação profissional e a atividade política.1 A orientação política e as
disputas pelo Estado se apresentaram com cores mais vivas com a
reorganização política em 1946.
Maria do Carmo Campello de Souza, no seu estudo de 1983, Estados e
Partidos Políticos no Brasil (1930-1964), propõe que a estrutura partidária que
se seguiu à implantação do Estado Novo, mesmo com o pluripartidarismo e a
“redemocratização”, foi marcada pela continuidade das classes dirigentes no
Estado. A transição que gestou o novo regime manteve Getúlio Vargas como
“interlocutor-chave”, o que lhe facultou a adoção de decisões que visaram à
manutenção da máquina política, baseada nas interventorias, lançando bases
para as organizações partidárias.
Com o objetivo de combater os regionalismos e implementar a
nacionalização dos partidos, o Código Eleitoral de 1945 estabeleceu a coleta
de assinaturas em todos os estados da federação como critério básico para a
efetivação dos registros partidários. Dessa forma, o PSD em 1945, saiu na
frente da organização partidária, justamente porque agregou sob suas bases
prefeitos e interventores dos estados beneficiados por cargos concedidos por
1
Os apêndices A e B ao final da dissertação dão um perfil mais detalhado das atividades
profissionais desses indivíduos.
12
Vargas, conseguindo, assim, afiliação nacional necessária para disputar as
eleições. A UDN só conseguiu se adequar aos critérios, quanto ao registro do
partido, após se articular com outras facções que tinham em comum a
oposição ao Estado Novo, em outubro de 1945.2
A iminência das eleições presidenciais para o final do ano de 1945 fez
com que as várias organizações que compunham a UDN se reunissem para
apoiar o Brigadeiro Eduardo Gomes. As oligarquias destronadas com a
“Revolução de 1930”, os antigos aliados de Vargas, grupos liberais e as
esquerdas, conforme Maria Victória de Mesquita Benevides, em A UDN e o
Udenismo (1981), fizeram parte, nos momentos iniciais, de uma ampla frente
de oposição a Vargas.3
Assim como no resto do país, a UDN na Bahia foi formada por uma
frente oposicionista. Paulo Santos Silva, em A Volta do Jogo Democrático,
Bahia 1945 (1992), destaca que importantes líderes baianos como Otávio
Mangabeira, Nestor Duarte, Juraci Magalhães, Aloísio de Carvalho Filho, Luiz
Vianna Filho, entre outros, se aglutinaram na luta contra o Estado Novo.
Mesmo tendo sido adversários políticos em determinadas conjunturas da Era
Vargas, eles fizeram parte de uma união em prol da “redemocratização” do
país que lançou as bases udenistas no estado, através da “Concentração
Autonomista da Bahia”. Seus quadros foram formados por bacharéis
pertencentes à elite dirigente e conservadora.
A militância da UDN em Feira de Santana foi composta principalmente
por médicos, bacharéis, comerciantes, pecuaristas e industriais alguns
pertencentes às oligarquias que fizeram parte do poder na Primeira República.
Assim, o industrial Clovis Amorim, o criador de gado Carlos Rubiños Bahia,
nascido em 1906, comerciante João Marinho Falcão (1890-1971), o médico
Honorato Bonfim (1890-1949), o advogado Hugo Silva, entre outros, liderados
pelo jornalista Arnold Silva (1894-1965), compuseram as hostes udenistas na
cidade.4 Embora fossem personalidades influentes nos meios políticos
feirenses, eles compartilhavam do antigetulismo certamente por não terem
ocupado cargos estratégicos na administração feirense durante o Estado
2
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil(1930-1964). São
Paulo: Alfa-ômega, 1983.p.115.
3
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o udenismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1981.
4
Assinalamos que os políticos cujas datas de nascimento e morte não foram encontradas
serão escritas por extenso. Àqueles que estão vivos não aparecerá.
13
Novo.5 Esta condição contribuiu para apoiarem a derrubada do governo de
Getúlio Vargas.
Arnold Silva, que foi intendente durante a Primeira República, conseguiu
consolidar ao longo da Era Vargas o jornal Folha do Norte como um importante
veículo de comunicação do interior da Bahia. O processo de transição da
década de 1940 e o objetivo de redemocratizar o país definiu o conteúdo
ideológico
do
periódico.
Marcado
pela
defesa
do
liberalismo,
como
argumentação que embasava a insatisfação com o Estado Novo, o Folha do
Norte agrupou as frentes oposicionistas e antipopulistas feirenses.
Diferente foi a formação do Partido Social Democrático (PSD). Lucia
Hippolito, em PSD de raposas e reformistas (1985), assinala que esse partido
surgiu de “fora para dentro”, composto pelos “interventores nomeados por
Vargas”, o que possibilitou a sobrevivência de parcela da elite política no
regime subsequente. A autora destaca o papel dessa agremiação como a
responsável pela estabilidade do segundo período republicano, “o fiador da
democracia”. Seus quadros foram formados por membros da “classe média”,
como professores, médicos e muitos elementos ligados à propriedade rural, na
condição de latifundiários.6
Na Bahia, coube a Renato Onofre Pinto Aleixo, interventor entre 1942 e
1945, organizar membros do executivo dos municípios baianos para articular o
PSD e dinamizar a candidatura de Eurico Gaspar Dutra.7 Em Feira de Santana,
os ex-prefeitos Edelvito Campelo de Araújo (1904-1976), Francisco Barbosa
Caribé (1914-1984) e Eduardo Fróes da Motta(1891-1988) fundaram as bases
desse partido.
Os agrupamentos partidários locais foram, portanto, organizados por
políticos que tiveram papel relevante na Primeira República ou durante o
Estado Novo. Essa experiência política proporcionou a aglutinação de facções
em torno de duas lideranças feirenses. Arnold Silva, que foi intendente entre
1924 e 1928, tornou-se um dos chefes locais da UDN e Eduardo Fróes da
Motta, prefeito entre 1944 e 1945, consagrou-se como líder do PSD.
5
CONCEIÇÃO, Kelman. Quem manda na Feira? Política, e rearranjos de poder em Feira de
Santana-BA na Era Vargas (1930 – 1945). Mestrado (dissertação). UNEB, Santo Antonio de
Jesus, 2012.
6
HIPPOLITO, Lúcia. De Raposas e Reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira
(1945-64). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
7
SILVA, Paulo Santos. A volta do jogo democrático. Bahia, 1945. Salvador: Assembleia
Legislativa, 1992
14
Ambos eram herdeiros políticos de coronéis. Eduardo Fróes da Motta
era filho de Agostinho Fróes da Motta (1856-1922) e Arnold Silva genro de
Bernardino Bahia (1871-1931).8 Essas duas figuras, Agostinho e Bernardino,
segundo Eul-Sou-Pang, em Coronelismo e Oligarquias, foram dois dos
“cinquenta coronéis mais ativos da Bahia, entre 1889 e 1937”.9 Além disso,
Eduardo e Arnold nasceram no final do século XIX e fizeram parte de uma
geração que assistiu o desenrolar político da única experiência republicana que
se teve no Brasil até então. Embora a figura dos coronéis parecesse extinta,
seus “descendentes” participaram ativamente dos embates políticos.
A primeira eleição municipal, em 1948, marcou o inicio da luta política
visando ao cargo do executivo municipal. Duas uniões interpartidárias que
buscavam somar forças para concorrer ao pleito lançaram seus candidatos. Em
dezembro de 1947, a Coligação Democrática Feirense foi formada pela junção
entre o Partido Social Trabalhista, o Partido Socialista Brasileiro e o Partido
Republicano que, liderada UDN, apoiou o nome do pecuarista Carlos Rubiños
Bahia. No mesmo mês se formou a outra frente composta pelo Partido Social
Democrático e pelo Partido Trabalhista Brasileiro, que lançou a candidatura do
comerciante Agnaldo Soares Boaventura (1898-1975).10
As eleições eram o clímax das disputas. Elas foram travadas em frentes
diversas, processo em que se utilizaram vários instrumentos. A imprensa e o
uso de medidas violentas foram recursos adotados na defesa dos interesses de
grupos articulados na UDN e no PSD. O personalismo, baseado na fidelidade a
determinada liderança, somou-se ao “mandonismo local” que utilizava cargos
públicos como objeto de barganha e apoio político. O nepotismo era
manifestado através dos benefícios feitos aos familiares, com empregos em
instituições públicas.
A UDN e o PSD utilizaram os meios disponíveis para o enfrentamento e
a conquista do poder para suas respectivas facções. O meio impresso foi um
dos responsáveis por explicitar divergências e concepções políticas. A
preocupação em fundar periódicos se justificava pela necessidade de um canal
de interlocução entre agremiações partidárias e a comunidade feirense.
8
A representatividade política de Agostinho Fróes da Motta foi tamanha que João Marinho
Falcão sancionou a lei nº 140/56 que considerou feriado, 4 de maio de 1956, data do
centenário de nascimento deste “homem público”. O autor do projeto foi vereador do PSD, na
época, Colbert Martins da Silva.
9
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias 1889-1943. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1979.p. 246.
10
Folha do Norte, Feira de Santana, 15/Dez/1947.
15
O Folha do Norte, que tinha como sócio-proprietário Arnold Silva,
defendeu os interesses partidários da UDN. Sua parcialidade política associou
esse jornal aos udenistas de Feira de Santana que eram responsáveis por
divulgarem propostas da legenda. Seus jornalistas foram integrantes do partido
e publicaram artigos de crônica política e de crítica à oposição. Embora não
expressassem através de editorais, o conteúdo jornalístico evidenciou que este
canal estava fechado a grupos políticos que faziam oposição a esse partido.
No entanto, outras agremiações políticas abriram frestas no campo
informativo. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) fundou em 1952 o
semanário O Trovão, órgão estratégico de propaganda político-partidária de
cunho getulista-trabalhista.11
Com intuito semelhante, o PSD consolidou um veículo impresso e em
1959 fundou o Gazeta do Povo. O jornal surgiu com a pretensão de ser o órgão
de comunicação vinculado a esse partido. Fundamentou suas ações na crítica
ao segundo governo Arnold Silva em Feira de Santana (1958-1962) a partir da
criação de colunas como o “A voz do Povo” e a “Voz dos Distritos”. Essas
colunas funcionavam como canais de diálogo por meio dos quais se faziam
denuncias e solicitações aos poderes públicos de demandas das camadas
populares. O que parecia ser um meio de participação democrática acabou
convertendo-se em instrumento de propaganda das ações dos políticos
pessedistas.
Têm-se a imprensa como território de disputa ideológica, tanto para o
conflito perante à opinião pública como pela possibilidade de preparar quadros
políticos para a luta. Em determinados momentos, a crítica à oposição e
propaganda surtiam efeitos, porque desestabilizava a “situação” e abria
caminhos em territórios não ocupados. Em outras situações, partia-se para a
violência aberta entre membros do PSD e da UDN.
A violência resultava da intolerância quanto às críticas, principalmente
quando essas fossem direcionadas aos chefes políticos locais, Arnold Silva e
Eduardo Motta. Em Feira de Santana, as práticas políticas foram marcadas
pelo personalismo que mantinham acesas as chamas da disputa pelo poder
entre frações das classes dominantes que compunham a UDN e o PSD. Ela
também servia como dispositivo de intimidação tanto para adversários como
para setores da população feirense, particularmente, os trabalhadores.
11
O Trovão,03/jan/1952
16
Os conflitos entre 1940 e 1960 foram redirecionados com o golpe civilmilitar de 1964, o que interferiu nos municípios que esboçavam resistência,
como Feira de Santana. Dessas intervenções resultaram a deposição do
prefeito, na época, Francisco Pinto (PSD). Foi instituído o bipartidarismo,
através do AI-2, que acabou com o pluripartidarismo e reconfigurou os partidos
em duas agremiações. A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
A imprensa feirense também foi atingida, sendo o Gazeta do Povo
empastelado em abril de 1964 por ordem dos militares. A exceção foi o jornal
Folha do Norte, que forneceu apoio ao novo governo.
A análise aqui proposta acerca das práticas políticas em Feira de
Santana entre 1948 e 1965 apoiou-se em fontes de vários tipos. O corpus
documental que subsidia a análise é primordialmente o conjunto formado pelos
números do jornal Folha do Norte, publicados entre 1945 e 1949. Este conjunto
se revelou altamente fecundo tanto no fornecimento de informações das
conjunturas históricas específicas quanto no debate sobre democracia,
liberdade e imprensa no pós-Estado Novo. No conjunto, os periódicos locais,
formam uma série documental de onde tiramos evidencias que nos levaram
aos processos crimes.
Inquéritos policiais protagonizados por personalidades políticas foram
utilizados. Identificaram-se informações sobre lesões corporais, injúria,
prevaricação, difamação e tentativa de homicídio. Os aspectos em comum nos
delitos foram as motivações políticas e partidárias que incitaram a abertura dos
processos. Essa documentação apresentou evidencias sobre o poder e a
utilização da violência como dispositivo de ação.
As provas anexas aos processos crimes foram de suma importância.
Numa delas, encontram-se fotografias e documentos com os nomes dos
políticos que fundaram o PSD em Feira de Santana em 1945. Constatamos
que o PTB feirense criou os jornais “O combate” e o “Trovão”, em 1952, como
“órgão do Partido Trabalhista Brasileiro”.12 O desenrolar do inquérito permitiu a
compreensão dos objetivos do impresso, a identificação dos editores e o tempo
de circulação. Esses dados nos ajudaram a entender parte da ação política de
petebistas em Feira de Santana.
12
Injúria. Processos-crimes, CEDOC/UEFS. E-03;Cx.-85;Doc.-1668.
17
Outro inquérito que nos chamou atenção foi o de prevaricação que
envolveu o ex-prefeito Agnaldo Soares Boaventura e seu filho Aristocles
Boaventura movido por Mario Mascarenhas em razão de disputa pela posse de
terras aforadas pela prefeitura. Ele serviu para analisar casos de nepotismo e
para pensar como o aparelho estatal poderia ser instrumento para o
fortalecimento econômico e expansão do agrupamento que estivesse no poder,
tema do terceiro capítulo.
O jornal Folha do Norte foi o mais consultado. Circula desde 1909 e
durante o período em estudo não teve interrupções. Além disso, como será
demonstrado no capítulo II, partia em defesa da UDN em Feira de Santana,
sendo responsável pela propaganda da legenda. Foi um instrumento deste
partido. Suas oficinas também foram utilizadas por outros periódicos, desde
que simpáticos às suas perspectivas políticas.
Dessa forma, os jornais estudantis Santanópolis e O Coruja circularam
como semanário entre 1954 e 1957, utilizando as oficinas do Folha do Norte. A
análise desses impressos mostrou que, além de defenderem as perspectivas
políticas da UDN, editores e jornalistas tinham laços de parentesco com
candidatos do partido e com os proprietários do Folha do Norte. O que este
dado evidencia é uma rede de sociabilidades que visavam cooptar novos
quadros.
Surgido como órgão do PSD, o jornal Gazeta do Povo foi outra das
fontes consultadas. Depois do Folha do Norte, foi o periódico que teve maior
longevidade, circulou entre 1959 e 1964. Apesar de ter sofrido no ano de
fundação um atentado em suas instalações por motivos políticos, ele marcou a
defesa de proposições de um dos maiores partidos do período.
O Dicionário Personativo, Histórico, Geográfico e Institucional da Feira
de Santana, escrito pelo padre Oscar Damião de Almeida, foi um importante
instrumento para entender o perfil social dos grupos políticos feirenses. O livro
tem a pretensão de fornecer informações sobre nomes de personalidades,
instituições públicas, bairros e breves históricos dos distritos. A maior parte da
obra ocupa-se da listagem de sujeitos que, segundo o autor, exerceram
posições de destaque e marcaram a história do município.
A obra traz informações sobre nascimento, profissão, filiações, lugares
de formação escolar, grau de instrução de “personalidades”. A partir disso e de
informações fragmentárias dos jornais e processos crimes foi possível seguir
18
trilhas percorridas por políticos feirenses. O cruzamento de dados revelou uma
rede de relações baseadas em compadrios, casamentos e amizades que
contribuíam para a solidificação e manutenção do poder dentro de um círculo
restrito de indivíduos.
No primeiro capítulo, recuperamos o processo eleitoral de meados de
1940. Buscamos entender como frações da classe dirigente feirense,
particularmente aquelas ligadas à UDN, entendiam o novo horizonte político
instituído a partir de 1946, o que ajuda a compreender articulações políticas e
os motivos que levaram à formação de coligações partidárias. A reorganização
política (re)definiu as bandeiras de luta e o conteúdo ideológico que será
utilizado no embate político. Por isso esse capítulo terá dois momentos: um
visa compreender a linha ideológica seguida pelo udenismo feirense, divulgado
no Folha do Norte, e o outro analisa como se travaram os embates entre o PSD
e a UDN desde as corridas eleitorais para presidência da república até o ápice
do conflito local com o pleito para prefeito.
O segundo capítulo analisa periódicos constituídos por diferentes
grupos políticos de Feira de Santana como parte das estratégias empregadas
entre 1948 e 1965. Suas ações visavam criticar adversários e enaltecer
correligionários. A imprensa foi utilizada com fins partidários, ocupando papel
de relevo no conjunto das táticas políticas utilizadas. Examinamos como os
jornais foram construídos em articulação com grupos políticos feirenses
analisando, sobretudo, sua funcionalidade partidária.
O terceiro capítulo analisa a violência no processo político municipal
marcado pelo personalismo. Entendemos que as relações entre adversários
políticos foram caracterizadas pelo uso de agressões físicas e verbais.
Lançamos mão de vários tipos de processos crimes como prevaricação, injúria,
bem como de inquéritos policiais de difamação para mostrar a dinâmica da luta
política local.
19
SEÇÃO II – CAPÍTULO I
DA “REDEMOCRATIZAÇÃO” ÀS ELEIÇÕES EM FEIRA DE
SANTANA, 1947: DEFINIÇÕES IDEOLÓGICAS E POLÍTICAS.
Esse capítulo analisa o processo eleitoral de meados de 1940. Visa-se
entender como frações da classe dirigente feirense, particularmente aquelas
ligadas à UDN, interpretou o novo horizonte político democrático instituído a
partir de 1946, aspecto importante para a compreensão das articulações
políticas e dos motivos que levaram à formação de coligações partidárias em
âmbito local. A reorganização política (re)definiu as forças sociais, bandeiras de
luta e o conteúdo ideológico utilizado no embate político.
1. O posicionamento do jornal Folha
liberalismo e novos horizontes políticos
do
Norte:
democracia,
O mapeamento de 28 artigos de autoria de Joaquim Nabuco, Alcindo
Guanabara, Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa e Assis Chateaubriand, publicados
pelo Folha do Norte no final da década de 1940, permitiu verificar uma
engenhosa combinação que aliava uma concepção de democracia e uma
perspectiva política de tipo liberal. Os textos ocuparam sempre a primeira
página do jornal, destinada às principais noticiais do periódico.
Os artigos visavam refletir sobre a democracia e suas vantagens em
relação aos regimes autoritários. Esses textos foram retirados de “páginas
antigas”, escritos no início do século XX. Eles provavelmente foram resultado
de uma seleção constituída de antigas edições do jornal ou extraídos de livros
pertencentes às bibliotecas particulares dos editores. 13
Uma parcela dessas publicações retoma aspectos da Primeira República.
Sobretudo aspectos como liberdade, a função da imprensa e crítica a formas
autoritárias de governo. Autores como Quintino Bocaiuva, Joaquim Nabuco,
Rui Barbosa, Alcindo Guanabara possuíam em comum o fato de terem suas
histórias ligadas às questões políticas do regime imperial e republicano.
13
A IMPRENSA. Folha do Norte, 16/out./1948,p.1
20
Bocaiuva (1836-1912) participou ativamente do processo de Proclamação
da República, atuou como jornalista, político e ministro das relações exteriores
(1889 – 1891) no primeiro período republicano; Nabuco (1849-1910), jornalista,
diplomata, historiador, jurista, membro fundador da Academia Brasileira de
Letras e defensor da Abolição da Escravatura; Guanabara (1865-1918),
senador e fez parte da campanha republicana tendo sido deputado (18911893); Rui Barbosa (1849-1923), coautor da constituição de 1891 e, além de
advogado, foi deputado, senador e ministro. Com exceção de Alcindo
Guanabara, que abandonou a faculdade de Medicina, todos os outros eram
formados em Direito.
Suas trajetórias políticas foram marcadas pela transição do regime imperial
para o republicano, alinhadas com ideais de cunho liberal, fundamentadas na
defesa das liberdades individuais do fim de regimes autoritários e da
implantação de governos republicanos. Esses autores, além de textos
jornalísticos publicavam, nas áreas de direito, história, literatura e poesia. O
perfil desses intelectuais se assemelha ao das gerações que se formaram nos
idos dos anos 1940, sobretudo na diversificação das atividades, nas quais
muitas vezes um mesmo indivíduo acumulava várias funções dentro da
sociedade, como jornalista, advogado, escritor, político.
Intelectuais feirenses de meados dos anos 1940 tinham em figuras como
Rui Barbosa referências tanto profissionais, por ter sido um destacado jurista,
como política, como defensor de ideais liberais. “Mestre”, exemplo a ser
seguido, cujas ideias norteavam tanto leitores quanto elaboradores do Folha do
Norte. Entrar em contato com suas obras, e com as de um grupo de
intelectuais que subsidiaram a luta contra a Monarquia, empolgava e servia de
inspiração política. A hipótese é que essa seja a razão para a (re)publicação
dos artigos.14
Elas voltaram à tona, certamente, por causa do alcance histórico e por
esclarecer aspectos da democracia e da liberdade de expressão, questões
importantes para entender o processo de transição de regimes autoritários para
experiências de maior participação política. Isto é, temáticas abordadas em
14
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o udenismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1981. A autora diz: “uma leitura do manifesto mineiro (1943) revela fontes significativas da
herança reclamada pelos futuros udenistas. Além das citações nominais aos bravos
consagrados – Tavares Bastos, Rui Barbosa, Prudente de Morais, Assis Brasil, entre outros – o
documento sugere como modelos para a organização política e administrativa da nação”.
21
uma dada conjuntura histórica serviam como modelo para a ação política na
década de 1940.
Uma das questões que eram postas contra a ditadura varguista era a
liberdade de expressão. Desde a implantação do Estado Novo, em 1937, o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) fazia censura às publicações
que questionassem o governo. Vargas também possuía uma política pautada
na reciprocidade com elites locais que se beneficiavam com indicações para
prefeituras em troca de apoio político.
Um dos textos escritos pelo jornalista Assis Chateaubriand, e publicado pelo
Folha do Norte, destacou essa característica do governo Vargas. Mesmo em
1945 ano marcado pelo compromisso do governo em realizar eleições, práticas
de censura ainda permaneciam. Em “Os farroupilhas”, o jornalista denunciou
um decreto de confisco do poder federal que inviabilizou as operações da
Rádio Farroupilha, no Rio Grande do Sul. O efeito disso foi o fechamento do
órgão de comunicação.
A concessão de “crédito gratuito” para o Brigadeiro Eduardo Gomes
anunciar sua campanha para presidente, tempos antes da solicitação de apoio
feito pelo governo Federal, colocou a Rádio Farroupilha em rota de colisão com
o Estado Novo, resultando no seu fechamento. Não fica explícito no artigo o
porquê a Radio Farroupilha não apoiou Vargas, no entanto alegou que tinha
destinado o horário de propaganda eleitoral ao outro candidato à presidência. 15
A falta de justificativa sobre o motivo da rádio não ter apoiado Vargas evidencia
o antigetulismo declarado de Assis Chateaubriand, que nessa época tinha
também uma cadeia de jornais.16 Portanto, segundo as informações
veiculadas, a falta de apoio à candidatura de Vargas foi o motivo que levou ao
fechamento da rádio.
Além de denunciar o fechamento da rádio, o artigo “Os farroupilhas de 45”
serve para pensar como eventos passados são reapropriados para direcionar
lutas de uma dada conjuntura histórica. 1945 foi o ano do centenário da
“Revolução Farroupilha”, que encampou uma luta por autonomia políticoadministrativa e contra o fim do centralismo monárquico imposto pela
constituição de 1824. A luta contra práticas autoritárias vividas “cem anos
atrás” rondava mais uma vez os rio-grandenses naquele momento,
15
OS FARROUPILHAS de 45. Folha do Norte, 14/jul./1945, p.1
LAURENZA, Ana Maria de Abreu. Batalhas em letra de forma: Chatô, Wainer e Lacerda.In.:
História da Imprensa no Brasil. MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tânia Regina (orgs). São Paulo:
Contexto, 2008.p.179.
16
22
representada no embate contra o Estado Novo onde eles [leia-se Assis
Chateaubriand, que teve sua rádio censurada] mesmo “caçados pelo
mandonismo” ostentarão “intacta, a mesma têmpera de outros cem anos
atrás”.17
Não foi possível mapear a forma como esse texto foi parar no Folha do
Norte, mas a opção em publicá-lo definiu o posicionamento político contra a
ditadura varguista. Além de demonstrar certo nível de articulação política entre
o editorial desse jornal com outros jornais do país. O artigo criticava o governo
Vargas, afirmando ser o Brasil uma “ditadura nazista” e Vargas “o chefe sádico
desse estado-polícia”. E frisava: “mesmo que a ditadura nos despoje de todas
as ferramentas [no caso o fechamento da rádio]” ela continuará exercendo um
papel de “educação cívica do povo gaúcho”.
Em outro artigo, escrito por Alcindo Guanabara, intitulado “Marechal
Floriano”, o autor ressalta o comportamento autoritário do “consolidador da
república”
“Muito se tem contestado que sobre o seu governo se tinha vivido
uma República (...). Mas o fato é que o marechal Floriano não
obedece, não sente e não se guia por mais forte intenção senão essa
18
de manter, defender e sustentar a República”.
Nesse artigo, Floriano aparece como um “caboclo do norte”, “arguto e
sagaz” munido de uma “desconfiança geral (...) contra tudo e contra todos”
“essencialmente um militar”. Uma figura que ao mesmo tempo afirma cumprir a
lei, tendo por ela “veneração”, por vezes passa por cima desta. De onde se
pode compreender que a intenção em publicar o texto era mostrar que o
regime republicano não poderia ter características autoritárias e que o
governante deveria se submeter ao cumprimento das obrigações legais.
Mas, mesmo com o anúncio feito por Vargas prometendo eleições para o
final do ano de 1945, políticos feirenses esperaram apreensivos a realização
das eleições e a “vitória” da “democracia”. A argumentação central do artigo
“Para as urnas, brasileiros!” convergia para a confirmação das eleições, já em
agosto. Segundo o autor, elas ocorreriam dentro da normalidade, já que a
maior força de apoio a Vargas, as forças armadas, redefinia sua posição frente
à nova conjuntura política a favor do compromisso com o fim do Estado Novo:
“[...] Para mais uma vez ludibriar o povo, seria preciso que ele dispusesse,
17
18
OS FARROUPILHAS de 45. Folha do Norte, 14/jul./1945, p.1
O MARECHAL Floriano. Folha do Norte, 24/jul./1948, p.1
23
como em 1937, do apoio das classes armadas. Mas esse apoio ele não conta
para empresas contrárias ao sentimento popular[...]”.19
De maneira geral, as oposições entendiam que Vargas tinha intenções
de continuar no poder, mas naquela conjuntura ele estaria política e
militarmente fragilizado, sobretudo por que “fora das forças armadas nada há
quem ampare o ditador”. Tendo em vista que “o exército que a criou e sustenta
[a ditadura], está obrigado, em defesa da própria honra, a não consentir que ela
deixe de cumprir a palavra dada”
20
, isto é, a garantia das eleições no final do
ano.
As eleições para o final do ano de 1945 estavam confirmadas através da
Lei Constitucional nº9 de 28/02/1945. Cabia o enfretamento da ditadura contra
a democracia nas urnas e a luta para a construção de uma “democracia real à
maneira anglo-saxônica” no Brasil. “Para as urnas, Brasileiros! (...), pois as
eleições são inevitáveis”.21 O cerco ao palácio Guanabara e o golpe foi feito
em 29 de outubro pela oficialidade da Marinha e do Exército utilizando como
pretexto a nomeação do civil Beijamim Vargas para chefia da polícia. Manobra
política icentivada pelas forças civis de oposição, que clamavam a intervenção
armada para se garantir a democracia.
A imagem da democracia que seria construída estava relacionada à
garantia das liberdades individuais, sobretudo na capacidade de o indivíduo se
expressar livremente. Nas palavras de Bocaiúva, ser cidadão consistia em
zelar pelo “direito que tem, (...)[onde] cada indivíduo como membro do Estado,
exercia a parte do poder que lhe pertence”. Isso garantiria ao indivíduo
liberdade de expressão e o avanço da literatura, do romance e do teatro. O
autor salienta que a liberdade deveria ser a base do poder político, único
terreno onde poderiam expandir-se livremente. Ao contrário, nos regimes
autoritários, nos quais os governos tentam monopolizar todo o poder em suas
mãos, há um disfarce da verdade e das opiniões. Existe uma falta do espírito
progressista e cerceamento das liberdades.22
Para um periódico como Folha do Norte era necessário destacar a
importância da livre manifestação do pensamento, exaltar as liberdades
democráticas e criticar a ditadura. Trata disso utilizando um texto,
provavelmente, produzido no inicio dos anos XX, de um jornalista que
19
PARA AS URNAS, brasileiros!. Folha do Norte, 11/ ago./1945, p.1
PARA AS URNAS, brasileiros!. Folha do Norte, 11/ ago./1945, p.1
21
PARA AS URNAS, brasileiros!. Folha do Norte, 11/ ago./1945, p.1
22
A LIBERDADE e a literatura. Folha do Norte, 31/jul./1948, p.1
20
24
participou ativamente da Proclamação da República. O peso da militância
histórica de Quintino Bocaiuva mostra quais referências eram utilizadas pelos
editores, bem como o perfil das pessoas que liam o jornal, cada vez mais
atraídas pelas ideias liberais.
A argumentação do artigo nos leva à conclusão de que formas
autoritárias de governo representam atraso e improdutividade intelectual. “Livre
expressão do pensamento” ou, liberdade de expressão, não é compatível com
regimes ditatoriais. A forma de governo em que há garantia dessas liberdades
individuais é a democracia, asseverava o autor do artigo.23
A julgar pelas críticas feitas ao Estado Novo, certamente leitores do
Folha do Norte investiam na formação de uma frente antiestadonovista, que se
consolidou na União Democrática Nacional. Sob a bandeira da reconquista das
liberdades democráticas, liberdade de imprensa, anistia, eleições livres e
sufrágio universal os opositores do regime constituíam-se em um elenco
heterogêneo. As oligarquias destronadas com a Revolução de 1930, os antigos
aliados de Getúlio, marginalizados depois de 1930 ou em 1937, os que
participaram do Estado novo e se afastaram antes de 1945, os grupos liberais
com forte identificação regional e as esquerdas integravam o agrupamento
antivarguista.24
A UDN formou-se como movimento da sociedade civil, particularmente
das camadas médias. Bacharéis, intelectuais de esquerda e de direita,
movimentos estudantis (União Nacional dos Estudantes), entidades dos
trabalhadores (União de Trabalhadores Intelectuais) e setores da igreja católica
(Liga
Eleitoral
Católica)
formavam
campanhas
ostensivas
para
a
democratização e para a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes. Essa
frente antiestadonovista precisava amadurecer a ideia de democracia e
liberdades individuais suprimidas durante a ditadura do Estado Novo.
Dentre os intelectuais, Rui Barbosa teve mais textos publicados. Seus
trabalhos versavam sobre a função social da imprensa, a importância da
liberdade e da democracia. Suspeita-se que os artigos foram escolhidos por
Hugo Silva ligado “umbilicalmente” à redação do jornal.
A família de Hugo Silva na década de 1930, composta pelos irmãos
Dálvaro, Raul e Arnold Silva, conseguiu através de leilão público, comprar o
23
A LIBERDADE e a literatura. Folha do Norte, 31/jul./1948, p.1
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o udenismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1981. p. 23-29
24
25
jornal Folha do Norte, que pertenceu ao coronel Tito Ruy Bacelar. Silva, filho de
Dálvaro, nasceu em 1929 e, a partir de 1948, publicou artigos de sua autoria no
periódico fazendo reflexões de cunho político, como num de seus primeiros
artigos, “Absolutismo”, que tratava da Revolução Francesa.25 Supõe-se que,
junto com outros jornalistas do Folha do Norte como Dival Pitombo (1915-1989)
e Honorato Bonfim Filho (1890-1949), ele selecionou textos de autores da
Primeira República e os divulgou.
Hugo Silva via na figura de Ruy Barbosa e na sua trajetória um exemplo
a ser seguido. O jornalista feirense exerceu múltiplas funções dentro da
sociedade. No final da década de 1940, já atuava na imprensa. Por volta de
1956, tornou-se advogado e no início da década de 1960 conseguiu se tornar
vereador pela UDN. A admiração é expressa através de artigos biográficos que
enaltecem a luta política do jurista ressaltando virtudes, inteligências e a sua
qualidade inigualável de ser um “polemista invencível”.
Aos “homens de imprensa, homens de letras” cabiam algumas
obrigações, propostas por Ruy Barbosa
Cada jornalista é, para o comum do povo, ao mesmo tempo, um
mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia em ação,
um advogado e um censor, um familiar e um magistrado. Bebidas
com o primeiro pão do dia, as suas lições penetram até o fundo das
consciências inexpertas, onde vão elaborar a moral usual, os
sentimentos e impulsos, de que dependem a sorte de governos e das
26
nações.
Nessa passagem, o jornalista seria aquele que ensina os primeiros
passos com lições relacionadas às letras e ao amadurecimento de conceitos
como o de democracia. Os escritos publicados fornecem pistas sobre como
frações da classe dirigente pensavam a utilidade da imprensa e qual a
responsabilidade de quem escreve no jornal. Sua importância é ressaltada na
definição de comportamentos, podendo funcionar na elaboração moral do
indivíduo e influir nas decisões políticas.
Além de pensar sobre o papel da imprensa e dos jornalistas como
formadores de opinião, ao jornal Folha do Norte cabia a tarefa de construir a
imagem de Rui Barbosa como a de um defensor “natural” da liberdade. A
argumentação do texto “Liberdade” centra-se nas lutas do autor pela ampliação
das liberdades. Sobretudo “na República saudei a esperança do teu reinado”.
25
26
ABSOLUTISMO. Folha do Norte, 13/Mar/1948, p.1
A IMPRENSA. Folha do Norte,16/out./1948, p.1
26
Mas, mesmo saudando e ajudando na consolidação da República, quando ia
de encontro aos princípios liberais, que dizia defender, ele não hesitava e
clamava através da tribuna e da imprensa que fosse retomado aos rumos da
“liberdade!”.27
Joaquim Nabuco também mereceu destaque. Exemplo de luta por
liberdade, conhecido como “O Paladino da Abolição”.28 O texto mostra como
Nabuco foi um defensor ferrenho da Abolição da escravatura, tendo na câmara
o local da luta contra “o que há de pior na terra”29, a escravidão, através da
“palavra”, da “eloquência”.
A presença marcante de textos escritos por Ruy Barbosa no Folha do
Norte se deve não apenas ao conteúdo liberal, mas por servir de “farol
ideológico” de um representante da “inteligência da terra”. Os livros, A vida de
Ruy Barbosa, de Luiz Vianna Filho, publicado pela primeira vez em 1941, e a
coletânea de artigos Rui: o estadista na República, de 1943, escrito por João
Mangabeira, circularam em Feira de Santana e não apenas entre os
intelectuais que atuavam em Salvador.
30
Essas obras poderiam ter servido
como fontes para informações presentes nos jornais, sobre a vida desse
político.
Resgatar textos “antigos” e escritores ligados às ideias liberais visavam
conectar ideais como liberdade de imprensa e direitos políticos ao regime
democrático que se seguiu. Uma democracia, conforme caracterizada pela
UDN feirense, extirparia traços autoritários da sociedade brasileira e garantiria
liberdades individuais inexistentes durante o Estado Novo. Dessa forma,
liberalismo e democracia estariam “naturalmente” associados. O esforço do
jornal em qualificar a historicidade do horizonte democrático visava obter
ganhos políticos locais.
A tática dos políticos feirenses para divulgação de suas ideias seguia
tendências da UDN nacional. Desde 1943, com o “Manifesto dos Mineiro”,
figuras como Rui Barbosa apareciam como “heróis aclamados” dos “futuros
udenistas”. A “herança liberal” embasava ideologicamente discursos de
membros do partido em todo país.31
27
LIBERDADE. Folha do Norte, 23/out/1948, p.1
JOAQUIM Nabuco: O Paladino da Abolição. Folha do Norte, 20/ago/1949.p.1
29
JOAQUIM Nabuco: O Paladino da Abolição. Folha do Norte, 20/ago/1949.p.1
30
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição: luta política, intelectuais e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1949). Salvador: EDUFBA, 2011.
31
BENEVIDES, op.cit.p. 245.
28
27
Isso possibilitou ao partido moldar a ideia de que liberalismo e
democracia eram indissociáveis. A UDN se apresentava como restauradora “do
passado demolido” e como defensora de tradições democráticas. 32 Foi dessa
noção passadista que se fundamentou o discurso do udenismo feirense.
Tratava-se de uma tática de conservação do passado com a garantia da
propriedade privada e sem proposições de alterações da participação do povo
no jogo político. O “futuro da democracia” deveria ser concedido pelo “Estado
Harmonioso”, ordeiro. Isto é, o povo, principalmente os movimentos populares
não fazia parte do horizonte de participação democrática.
O apelo à intervenção militar fazia parte do repertório de “ambiguidades”
e das práticas do udenismo.33 A análise da conjuntura nacional divulgada pelo
Folha do Norte apontava para uma solução autoritária no início de agosto e o
papel das Forças Armadas na condução da abertura democrática.34 Coube aos
militares, auxiliados pelas forças civis de oposição, em que teve papel de
relevo a UDN, o ato final contra o governo e o golpe em Getúlio Vargas em 29
de outubro de 1945.35 A saída para uma nova reorganização política foi o
golpismo, com o intuito, conforme alegavam, de impedir a continuidade do
regime vigente.
Mas a reorganização do sistema político não veio seguida de alterações
na esfera da participação de setores populares, como trabalhadores e
feirantes.36 Àqueles que, em Feira de Santana, viriam a compor o PSD e o
PTB, partidos gestados por Vargas, já eram de antigos beneficiados políticos e
a mudança do regime político não implicou em transformações para as
camadas populares do município.
O que a UDN demonstrou entre os anos de 1940 e 1960 foi o
distanciamento entre retórica e prática. Embora o seu programa falasse de
liberdade de organização, autonomia sindical e direito de greve, suas ações
32
ALMINO, João. Os democratas autoritários: liberdade individuais, de associação política e
sindical na Constituinte de 1946.São Paulo: Brasiliense, 1980. p.301.
33
BENEVIDES. Op.cit. A tese de que a UDN tinha uma prática política baseada na
readaptação de ideais liberais, ou como ela prefere, ambiguidades, é a ideia defendida pela
autora.
34
PARA AS URNAS, brasileiros!. Folha do Norte, 11/ ago./1945, p.1
35
CARONE, Edgar. A república Liberal II Evolução política(1945-1964). São Paulo: Difel, 1985.
p.10.
36
PACHECO, Larissa Penelu. Trabalho e costume de Feirantes de Alimentos: pequenos
comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana. Feira de Santana, 2009.
Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia. Departamento de
Ciências Humanas e Filosofia.
28
foram contrarias à teoria.37 O teor liberalizante do programa do partido
apresentava inconsistências pragmáticas. Os integrantes da UDN em Feira de
Santana opuseram-se aos setores populares taxando-os de anárquicos e
subversivos.38 Ameaças à ordem foram duramente repremidas. Ao povo cabia,
simplesmente, a participação através do voto.
A UDN feirense que anunciava a “democracia” ao final de 1945 agregou
o mesmo grupo conservador com traços autoritários que passaram a agir entre
os anos 1950 e 1960. As classes dominantes feirenses apelavam às forças
armadas por meio da amizade com o oficial do exército Juraci Magalhães. Por
seu intermédio foi possível que “democratas” solicitassem a deposição em abril
1964 do prefeito Francisco Pinto “manu militari” na defesa dos “princípios
democráticos”.39
A confiança nas Forças Armadas para a transição pôde ser ratificada
com o nome de um militar, o Brigadeiro Eduardo Gomes, como candidato da
UDN. Retratado como herói do Forte de Copacabana, participante da revolução
de 1930 e opositor intransigente da ditadura do Estado Novo, o oficial parecia
reunir as qualidades morais e emblemáticas para a democracia.40 O udenismo
em Feira de Santana o apoiaria nas eleições de 1945.
2. “O brigadeiro vem aí”: a UDN feirense e as eleições nacionais
As eleições para presidente, desde fevereiro 1945, estavam confirmadas
para dezembro daquele ano. Foi necessário que comitês em todo o país
fossem formados com o intuito de arregimentar eleitores, organizar comícios e
trabalhar em frentes diversas para conseguirem o maior número de votos em
um curto espaço de tempo. Foram nove meses para por em ordem a
campanha eleitoral cuja votação se realizou em dezembro.
37
Ibid.,p.39.
Ver.; SANTOS, Ana Maria Fontes dos. O ginásio municipal no centro das lutas populares em
Feira de Santana (1963-1964). Sitientibus: Revista da Universidade Estadual de Feira de
Santana, n. 24, jan./jun. 2001. Esse episódio é emblemático para entender movimentos
populares e as reivindicações das populações em Feira de Santana além da tensa relação que
se processou com a classe dirigente ferense.
39
Moção de aplausos a Revolução. n. 01. 08/04/1964. Acervo do Autor.
40
CARONE.op.cit.,p.15
38
29
O General Eurico Gaspar Dutra, candidato pelo Partido Social
Democrático, tinha sido ministro da guerra durante o Estado Novo e teve o
apoio de Vargas; o segundo, o Brigadeiro Eduardo Gomes (União Democrática
Nacional)
sobrevivente da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana e
participante do movimento tenentista na década de 1920, disputou o pleito com
a sustentação de uma organização que teve sua história política marcada na
luta contra a ditadura varguista.
Em Feira de Santana, a campanha eleitoral realizada pelo Folha do
Norte veiculou a propaganda do Brigadeiro Eduardo Gomes. A sede do jornal
serviu como local de venda de cédulas eleitorais para aqueles que quisessem
contribuir “para a vitória” do candidato da UDN.41 Os partidos eram os
responsáveis pela confecção das cédulas eleitorais e sua distribuição ao
eleitorado. Esse mecanismo vigorou até 1955 quando a nova Reforma Eleitoral
instituiu a cédula única com o objetivo de evitar fraudes.
Os esforços para o lançamento da candidatura de Eduardo Gomes pela
UDN significavam um ato cívico, segundo o Folha do Norte. Tratava-se de uma
luta que todos os cidadãos deveriam encampar com o objetivo de consolidar a
abertura democrática. Uma segunda batalha política, pois a primeira, contra o
Estado Novo, tinha sido vitoriosa, seria o triunfo no pleito de 1945, a favor dos
udenistas.
Por isso, na noite domingo dia 18 de novembro, concentraram-se uma
grande multidão e a presença de importantes lideranças baianas conforme
noticiou o Folha do Norte. Na praça de Santana, a principal da cidade, e ao
som da filarmônica Vitória e da banda de música da Sociedade 25 Março
estiveram presentes no comício Arnold Silva, Barros Barreto, João Mendes
Filho, Clovis Amorim, Rogério de Farias, Alberico Fraga, Jayme Ayres, Nestor
Duarte, Juca Pedreira, Áureo Filho, Aloísio Carvalho, Durval Fraga, Juraci
Magalhães e o estudante Raimundo Reis de Oliveira. 42
Políticos
presentes
no
comício
faziam
parte
da
Concentração
Autonomista da Bahia. Surgida em 1933, como reação ao desprestígio que a
Bahia e seus líderes políticos tiveram depois do movimento de 1930, ela foi
uma corrente política aglutinadora de facções políticas que se reuniram com o
objetivo de conferir à Bahia autonomia frente ao poder central. Tinham o lema
41
42
CONTRIBUA para a vitória da Eduardo Gomes. Folha do Norte.03/Nov/1945
A GRANDE concentração do domingo.Folha do Norte, 24/nov/1945, p.1.
30
“reintegrar a Bahia na posse de si mesma”. Essa organização lançou as bases
políticas e ideológicas para a formação da UDN no estado.43
Conforme sugere Maria Vitória Benevides, existiam “várias UDNs”. A
UDN organizou-se na Bahia mesmo repartida entre as facções juracisistas e
mangabeiristas. Os primeiros seguiam orientações políticas do ex-interventor
Juraci Magalhães e os segundos as de Otávio Mangabeira.44 O que as
conciliava e dava unidade era o discurso autonomista carregado de crítica à
estrutura centralizada do Estado Novo. Além de objetivarem o retorno aos
antigos postos de comando na esfera estadual.
A equipe de políticos presentes no comício confirma o caráter de “frente
oposicionista” no estado. Ao instalarem o diretório estadual da União
Democrática Nacional, a direção foi divida entre mangabeiristas e juracisistas
para permitir uma melhor coordenação partidária, segundo eles. A cada um
dos dois grupos coube a escolha de quatro elementos para compor a comissão
diretora. Os mangabeiristas foram compostos por Aloísio de Carvalho Filho,
Nestor Duarte, Luiz Viana Filho e Gilberto Valente. Os juracisistas Manuel
Novais, Albérico Fraga, Aliomar Baleeiro e Rafael Cincorá.45
Comparando-se os membros do diretório com os políticos presentes no
comício
percebe-se
que
ambas
as
correntes
estavam
igualmente
representadas. Em Feira de Santana, a coesão interna certamente tinha o
objetivo de evitar a dispersão de votos. Além disso, a concentração da maioria
do eleitorado no campo obrigava os partidos a se deslocarem em caravanas
em direção ao interior para disputarem o eleitorado rural e semirrural baiano.
Os comícios para o lançamento da candidatura do Brigadeiro Eduardo
Gomes se realizaram na principal praça da cidade, a de Santana também
conhecida como Matriz. Uma “multidão” se avolumou para ver do coreto
falarem políticos influentes na Bahia como Jayme Ayres e Nestor Duarte. As
praças feirenses construídas entre o Império e a República tinham coreto,
espécie de púlpito, coberto em estilo neoclássico ao ar livre, normalmente
destinado a apresentação de bandas ou filarmônicas; em ocasiões de
campanhas eleitorais músicos e políticos se revezavam na tarefa de animar e
passar a mensagem ao público.
43
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição: luta política, intelectuais e construção do
discurso histórico na Bahia (1930-1949). Salvador: EDUFBA, 2011.
44
BENEVIDES, op.cit.
45
SILVA. Op.cit., p.97
31
Certamente os políticos presentes não eram a única atração da festa. A
filarmônica Vitória e a banda de música da Sociedade 25 de Março motivavam
pessoas a irem à praça. Normalmente, só faziam apresentações em ambientes
particulares com entrada restrita. Escutar os principais grupos musicais da
cidade gratuitamente era uma propaganda que tinha o objetivo de atrair
possíveis eleitores e levar a mensagem política ao maior número de pessoas.
O jornal não divulgou os pronunciamentos feitos pelos políticos no
comício, mesmo que tenha sido em apoio à candidatura do Brigadeiro Eduardo
Gomes no que seria um dos primeiros comícios realizados no pós-Estado
Novo. Nelson de Souza Sampaio em um estudo sobre a experiência
republicana no pós-1945, intitulado Diálogo Democrático, ressalta que em sua
a maioria, os discursos improvisados agradavam mais o público e poderiam ter
maior poder de persuasão, o que dificulta o acesso ao conteúdo dos
comícios.46
O público que escutava comícios improvisados e as apresentações
musicais ao ar livre era composto por populares. Homens e mulheres
participavam desses comícios; mas elas tinham um motivo político a mais: a
constituição que assegurou à mulher o direito de voto. Durante as campanhas
presidências elas formaram comitês femininos apoiando o Brigadeiro Eduardo
Gomes junto com jovens feirenses:
Instala-se [...] o comitê feirense pró-Eduardo Gomes, que terá uma
brilhante e eficiente ala feminina. Movimento espontâneo de um
grupo de moços idealistas [...] o comitê estenderá sua ação a todos
os distritos do município através de intensa e bem orientada
47
propaganda.
Não foi possível identificar as jovens feirenses que fizeram parte do
“comitê pró-Eduardo Gomes”. No entanto, a notícia de sua formação atenta
para a importância da “ala feminina”, certamente, intencionando converter
mulheres alfabetizadas em eleitoras e convidando-as a participarem da vida
política. A princípio, o agrupamento não teve ligações partidárias diretas com a
UDN, isto é, associando a legenda ao movimento, embora, indiretamente, esse
partido financiasse ações e ajudasse na divulgação dos seus objetivos. Em
discurso, Otávio Mangabeira dizia que a ideia era realizar uma campanha
cívica, um movimento de opinião que reunisse os vários setores sociais como a
46
SAMPAIO, Nelson de Souza. O Diálogo democrático na Bahia. Revista Brasileiro de Estudos
Políticos: Livraria da Revista Forense, Rio de Janeiro,1960.
47
COMITÊ feirense pró-Eduado Gomes. Folha do Norte, 29/set/1945, p.1
32
imprensa,
intelectuais,
mocidade,
proletários
e
elementos
femininos,
consolidado na formação desse comitê. 48
O comitê sistematizou suas propostas políticas na forma de um
manifesto. O documento posicionava-se contra a ditadura varguista ao dizer
que a UDN era a portadora da “luz” que norteou o Brasil para os rumos da
democracia, expondo as razões para o apoio “à candidatura presidencial do
BRIGADEIRO EDUARDO GOMES bravo e impoluto militar, protótipo de
virtudes cívicas e morais”. Conclamou de amigos a operários para com a
cédula eleitoral apoiarem a candidatura udenista. 49
Qual seria o perfil da mocidade feirense que compunha os comitês a
favor de Eduardo Gomes? Supõe-se que ela foi formada por estudantes do
Colégio Santanópolis. Acima foi mencionado um comício feito em apoio à
candidatura presidencial da UDN e um de seus participantes foi o estudante
Raimundo Reis de Oliveira (1930-2002). Este jovem tinha 15 anos em 1945 e
destacou-se como orador nessa escola de formação secundária, motivo que
levou políticos feirenses a levarem-no ao coreto para participar do ato público.50
Talvez sua presença dotasse a campanha do Brigadeiro Eduardo Gomes de
teor cívico, sugerindo que todas as pessoas deveriam apoiar aqueles que
lutaram para a abertura democrática e o fim da ditadura.
Em suas ações políticas, o comitê voltou-se para o meio rural. Os
distritos eram locais mais habitados do que os centros urbanos e a quantidade
de eleitores era maior; constituíam em divisões territoriais administradas por
uma sede e seu contingente populacional superava a população urbana que
residia em Feira de Santana. A propaganda deveria ser intensificada nessas
localidades para levar as propostas políticas às populações mais distantes e
convencê-la a votar em Eduardo Gomes.
Apesar da campanha, o Brigadeiro Eduardo Gomes perdeu as eleições
para Eurico Gaspar Dutra, candidato do PSD. Em Feira de Santana a diferença
foi de mais de três mil votos.51 No plano nacional, Dutra foi eleito com 55% dos
votos.
A concepção de frente única, entretanto, defendida pela UDN, teve mais
força no candidato a governador da Bahia em 1946. Ela incluiu outros partidos
48
ENTRA EM ATIVIDADE a União Democrática Nacional. Folha do Norte, 02/jun/1945, p.1
MANIFESTO do comitê feirense pró-Eduado Gomes. Folha do Norte,13/out/1945,p.1
50
Disponivel em: <http://ginasiosantanopolis.blogspot.com/2010/12/raimundo-reis-oliveira.html>.
Acesso em 17 nov. 2011 às 23:26.
51
DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ESTATISTICAS. Representação política. IBGE,1949.
49
33
na defesa de Otávio Mangabeira para o governo do estado, como veremos a
seguir.
3. Otávio Mangabeira
unanimidade?52
governador
em
1946:
candidato
da
A corrida para o pleito presidencial, apesar do curto espaço de tempo,
serviu para tecer alianças nos municípios baianos e ratificar antigos laços. A
derrota da UDN deixou um legado político considerável para as próximas
disputas: comitês políticos, forte propaganda nos municípios e a imagem de
que a UDN lutou para a abertura democrática.
As próximas eleições seriam para governador do estado e o candidato
de “conciliação” foi Otávio Mangabeira:
Estamos informados de que durante sua permanência entre nós, o
parlamentar e dirigente pessedista [Eduardo Fróes da Motta]
procurará orientar seus correligionários no sentido de uma política de
conciliação adotada pelas maiores forças democráticas do estado em
torno da candidatura, ao governo da Bahia, do Sr. Otavio Mangabeira
53
presidente da UDN.
O PSD e a UDN formaram uma coalizão que, apesar das diferenças,
acentuadas pelo antigetulismo e antipopulismo, visou criar um clima de paz
social e assegurar a normalidade democrática.54 Otávio Mangabeira era um
político cuja trajetória foi marcada pelo combate ao Estado Novo e, mesmo
exilado, fez críticas à ditadura Vargas enviando cartas ao Brasil cujo conteúdo
ideológico ajudou a construir uma alternativa política que viria a se tornar a
União Democrática Nacional.55
Uma das lideranças feirenses que apoiou a candidatura de Otávio
Mangabeira foi Eduardo Fróes da Motta. Filho do ex-intendente de Feira de
Santana, Agostinho Fróes da Motta. O médico Motta se graduou em medicina
na Universidade da Bahia e ao longo do século XX construiu uma trajetória de
52
Lucia Hipólito aponta para a intencionalidade de Otávio Mangabeira se tornar o candidato a
presidência. O acordo interpartidário de 1948 visava à sucessão presidencial de 1950. Dutra
tentava coordenar uma candidatura de união nacional para manter o controle da própria
sucessão. O acordo mantinham vivas as aspirações de Otávio Mangebeira de vir a ser
escolhido por Dutra como candidato de união nacional. Ver PSD de raposas e reformistas.
p.70.
53
DEPUTADO Fróes da Motta. Folha do Norte, 09/Nov/1946, p.1
54
DULCI, Otávio Soares. A UDN e o antipopulismo no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 1986.
55
Ver: SILVA. op. cit.
34
destaque dentro da política nacional. Durante a ditadura de Vargas, conseguiu
se aliar ao governo alcançando benefícios políticos, como o cargo de prefeito,
que, durante o Estado Novo, era ocupado por indicação dos interventores que
eram nomeados por Getúlio Vargas. Eduardo Fróes da Motta durante as
primeiras décadas do século XX coligou-se com outras lideranças políticas
feirenses, como Edelvito Campello Araújo, Servilio Alves Carneiro, Colbert
Martins da Silva (1928-1994), Francisco Caribé,56 entre outros, agrupando
herdeiros políticos da Era Vargas.
Parte dos ex-prefeitos formaram quadros do Partido Social Democrático
em Feira de Santana ao lado de outros políticos que se tornaram entre 1948 e
1965 vereadores e prefeitos. Abaixo, temos o documento, onde se encontra
registrado a lista de fundadores do PSD feirense.
Nominantes dos membros do partido; PRESIDENTE – Eduardo Fróes
da Motta. 1º vice-presidente Servilio Alves Carneiro. 2º vicepresidente – Teódulo Bastos de Carvalho. 1º secretário Antonio
Manuel Araújo. 2º secretário – Antonio Salustio Azevedo. – tesoureiro
Alvaro dos Santos Rubem – Membros: Américo de Almeida Pedra –
Augusto Fróes da Motta – Agostinho Fróes da Motta – Anacleto
Figueiro Mascarenhas – Antonio Faustino de Oliveira – Colbert
Martins da Silva – Carlos Marques – Francisco Martins da Silva –
Genésio Moreira de Azevedo – Hermogenes Santana – João Pereira
de Aguiar – Manuel dos Anjos Almeida – Mario Portugal Caribé –
Nourival de Oliveira Freitas – Manuel Justo de Brito – Osvaldo Abreu
Boaventura – Osvaldo Monteiro Pirajá – Olegário Bispo de Almeida –
Oscar Marques – Tito Barreiros Machado – Francisco José Pinto dos
57
Santos – Manuel de Castro Barbosa – Dorival Costa Oliveira.
Dos 27 nominantes que assinaram o registro de fundação do PSD em
Feira de Santana e que atuaram nos partidos doze conseguiram ser eleitos
para vereador pela legenda e um se tornou prefeito: Francisco José Pinto dos
Santos, mais conhecido como Chico Pinto. Este conjunto de políticos foi
liderado pelo presidente do partido Eduardo Motta e o direcionamento dado aos
seus correligionários para apoiarem a candidatura de Otávio Mangabeira
caracteriza o agrupamento como frente suprapartidária, o que contribuiu para a
vitória de Mangabeira ao governo do estado apoiado pela aliança PSD-UDN
em 1946.58
No entanto, no plano municipal esta união não se configurou e longe de
estarem mais uma vez coligados em torno de um nome para as eleições
56
Sumário – difamação.Processos-Crimes. Feira de Santana, CEDOC/UEFS. Cx-86 Ex-03
Doc- 1686. Fls 48.
57
Sumário – difamação.Processos-Crimes. Feira de Santana, CEDOC/UEFS. Cx-86 Ex-03
Doc- 1686. Fls 48.
58
DEPUTADO Fróes da Motta. Folha do Norte, 09/Nov/1946, p.1
35
municipais de 1948, o cargo de prefeito passou a ser objeto de disputa entre
esses dois partidos.
4. Corrida para as eleições municipais, 1947: da conciliação ao
embate
A coligação UDN-PSD que elegeu para governador do estado da Bahia
Otávio Mangabeira em 1946 não se repetiu nas eleições municipais que
elegeram um novo prefeito para Feira de Santana para o período entre 1948 e
1952. Ao contrário da “tranquilidade” que se vivenciou durante a campanha
estadual, o pleito de 1947, para o executivo municipal, foi marcado por um
clima de tensão e disputa.
A UDN feirense foi formada por políticos que perderam espaço durante o
Estado Novo e que comungavam de ideias liberais. Muitos deles entraram em
contato com essas ideias quando se graduaram entre 1930 e 1940, na
Faculdade Livre de Direito da Bahia, lugar de destino de estudantes do interior
que almejavam uma formação de nível superior. Esta instituição, conforme
demostrava Paulo Santos Silva, foi um dos locais de resistência contra a
ditadura de Vargas. Através de entidades estudantis como o Centro Acadêmico
Ruy Barbosa, e por meio de publicações no jornal A tarde, onde destacavam a
necessidade do restabelecimento das liberdades políticas e civis, os
bachalerandos em direito protagonizaram a campanha pela volta da
democracia.59
A possibilidade de reocuparem espaços no controle do município, com
as eleições em 1947, redirecionou a campanha política udenista. Durante a
corrida presidencial, a UDN baiana através de jornais e comitês montou uma
estrutura propagandística que serviu à campanha eleitoral do udenista Carlos
Rubiños Bahia ao cargo de prefeito de Feira de Santana. Os comitês formados
durante a campanha do Brigadeiro foram reutilizados e a corrida por eleitores
se voltava não para o centro urbano feirense, mas para o seu entorno, os
distritos, locais onde os contingentes populacionais eram maiores, apesar da
existência de um grande número de analfabetos.
59
SILVA.op.cit.
36
Foi então constituída a Coligação Democrática Feirense, formada por
quatro partidos: a União Democrática Nacional, o Partido Social Trabalhista, o
Partido Socialista Brasileiro e o Partido Republicano.60 O número de legendas
que apoiavam a candidatura de Carlos Bahia poderia sugerir uma ampla
adesão ao seu nome e a conclusão de que ele seria um candidato da
unanimidade, como havia sido Otávio Mangabeira. Supondo-se que ele faria a
“pacificação na política local”.61 Com essa ideia o jornal Folha do Norte
anunciou o lançamento de sua campanha eleitoral.
Foram marcados dois comícios para 1º de novembro de 1947, em
Pacatú, da “Coligação Democrática Feirense”, que contou com a presença de
“oradoras”, isto é, mulheres que formavam o comitê feminino pró-Carlos Bahia,
encarregadas de discursar publicamente ao lado de importantes líderes
políticos feirenses.62
Junto estavam rapazes que ajudavam na organização dos comícios e da
campanha partidária. Nelson de Souza Sampaio salientou que a utilização de
outros meios de propaganda política como rabiscos nas paredes, cartazes,
manifestos, rádio, anúncios em jornais era comum. Dessas tarefas se
incumbiam os comitês.
A
escolha
de
Bahia
para
a
prefeitura
teve,
conforme
seus
correligionários, o objetivo de congregar todos os partidos políticos feirenses.
No comício da Coligação Democrática, realizado em 23 novembro de 1947, foi
ressaltado que essa era uma “candidatura dos interesses superiores, do
espírito da ordem e das tradições cristãs, políticas e sociais do povo feirense”.63
O discurso se utilizou de palavras que pregavam a defesa de valores cristãos
católicos, como se o candidato fosse detentor de princípios morais
indispensáveis para se tornar prefeito:
A candidatura do Sr. Carlos Rubiños Bahia justifica-se pelo
entusiasmo de todos os correligionários, porque o nome do candidato
à prefeitura municipal é um escudo inquebrantável da ordem, do
64
civismo, da fé, da honestidade, do trabalho e do amor à família.
60
POSSÍVEL a pacificação em torno da candidatura de Carlos Bahia. Folha do Norte,
01/Nov./1947, p.1
61
POSSÍVEL a pacificação em torno da candidatura de Carlos Bahia. Folha do Norte,
01/Nov./1947, p.1
62
POSSÍVEL a pacificação em torno da candidatura de Carlos Bahia. Folha do Norte,
01/Nov./1947, p.1
63
RUMO as urnas. Folha do Norte, 22/Nov/1947, p.1
64
RUMO as urnas. Folha do Norte, 22/Nov/1947, p.1
37
O direcionamento da campanha da Coligação Democrática Feirense
centrou-se na figura de Carlos Bahia como um homem de caráter, detentor de
um “escudo inquebrantável”, não de sua trajetória como político. A escolha de
Bahia cumpria estratégias da UDN feirense, que era levar ao pleito de 1947 um
candidato sem muita experiência política, cuja carreira como pecuarista e
homem de bens, baseada na “honestidade” e no “trabalho” era mais importante
naquele
momento.
Para
os
udenistas
de
Feira
de
Santana
a
“redemocratização” iniciada em 1945 deveria significar uma nova fase política
livre dos resquícios e do atraso político representados pelo Estado Novo.
Embora não fosse bacharel, Carlos Bahia incorporava características do
“estilo” udenista. A “mística da ordem” e o “moralismo” foram traços
característicos de sua campanha e do “perfil ideológico” do partido. A ordem
que aparece como “escudo inquebrantável” foi um dos lemas da UDN
convertidos em práticas políticas. A defesa da ordem era mais importante do
que a defesa da democracia.65
A imagem que transparecia de Carlos Bahia acentuava valores morais
inspirados na “honestidade, na fé, no civismo e no amor à família”. Os valores
morais desse homem público serviam para explicar seu comportamento político
com ênfase na probidade pessoal, conforme assegurava o Folha do Norte.
Carlos Bahia também era ligado a uma rede de parentesco que se não o
impulsionava, certamente servia como referencial simbólico para a indicação
do seu nome para o pleito. Ele era filho de Bernardino Bahia, ex-intendente de
Feira de Santana durante a Primeira República, cunhado de Arnold Silva que
era líder político da UDN e sócio-proprietário do jornal Folha do Norte. Esse
laço familiar o colocava na mais “elevada linha social da cidade” ligado à uma
família abastada e tradicional. Apesar de não ter ocupado cargos públicos,
antes de sua candidatura, existiam chefes políticos que o apoiavam. De alguma
forma, esses referenciais serviam para recuperar a imagem desses antigos
líderes e associá-los ao pretendente udenista numa tentativa de fortalecer a
candidatura. 66
A sua figura também se revestia de um “sentido de excelência”, de um
elitismo ligado à aristocracia feirense. A ênfase nas qualidades pessoais e na
tradição familiar foi o eixo de sustentação da campanha, além da crença de
65
66
BENEVIDES.op.cit.,p.263.
PELA ORDEM moral e social. Folha do Norte, 19/dez./1947, p.1
38
que Bahia era o melhor nome para representar parcelas da classe dirigente
feirense.67
Durante a campanha da Coligação Democrática Feirense, o Folha do
Norte reservou as primeiras páginas para promover a candidatura de Carlos
Bahia. Discursos, comícios e comentários dos eventos da agenda política do
candidato da UDN eram a prioridade. Frases de efeito ou trechos do programa
partidário ditas em pronunciamentos foram reproduzidas em destaque sob a
forma de epígrafe, abaixo do nome do jornal. Enquanto não se definia uma
candidatura pessedista, para o leitor, ficava claro que apenas Bahia disputava
o pleito alimentando a ideia de repetir em Feira de Santana o resultado que
elegeu Otávio Mangabeira nas eleições de 1946.68 O impresso, durante as
eleições pendeu abertamente para promoção do candidato udenista,
redirecionando o trabalho de seus jornalistas para a elaboração de artigos com
fins partidários. 69
Embora, naquele momento, o PSD não tivesse um jornal que divulgasse
suas propostas, como o Folha do Norte, que divulgava as da UDN, ele detinha
forte influência nos meios políticos. No pós-Estado Novo os pessedistas saíram
fortalecidos, do ponto de vista político, principalmente porque aqueles que
foram beneficiados durante a ditadura Vargas fizeram parte do PSD. Isso
permitiu a esses políticos a criação de uma rede de indivíduos, principalmente
nos meios rurais, que seriam responsáveis por levar até os locais mais
distantes do centro urbano de Feira de Santana as políticas públicas. Essa era
a função dos administradores de distritos. Eles eram o vínculo entre o prefeito e
comunidades rurais e ao mesmo tempo gozavam de prestígio social e político.
Supõe-se que durante a ruptura do Estado Novo aqueles que
comporiam o PSD feirense nomearam a maioria dos administradores de
distritos, permitindo o controle político sobre áreas rurais onde se concentrava
a maioria do eleitorado. As localidades que formavam a circunscrição territorial
eram: Tiquarussu, Ipuaçu, Jaguara, Tanquinho de Feira, Maria Quitéria, locais
administrados por Feira de Santana.
Mesmo com influência política no interior de Feira de Santana os
pessedistas não concorreram ao pleito majoritário. Cogitou-se o nome do então
Deputado Federal Eduardo Fróes da Motta para concorrer pela legenda do
67
BENEVIDES.p.253
PELA ORDEM moral e social. Folha do Norte, 19/dez./1947, p.1
69
Honorato Manuel Bonfim que também era filiado à UDN e um dos jornalistas que publicavam
artigos a favor da campanha de Carlos Bahia.
68
39
partido o que não se efetivou, conforme foi anunciado em entrevista do político
ao jornal O Globo e reproduzido pelo Folha do Norte.
O periódico feirense ao reproduzir parte da entrevista transcreveu uma
das afirmações feitas no O Globo. Com espanto esse jornal anunciou: “um
deputado federal vai trocar sua cadeira de deputado por uma prefeitura do
interior”.70 Tentando contornar a situação, Motta disse que o cargo de prefeito
de Feira de Santana era tão importante quanto o de deputado ou secretário de
estado e que sua candidatura seria um gesto de “gratidão, evitando que o
município seja entregue a pessoas pouco ou quase nada interessadas em
servi-lo”.71 E principalmente porque existiam “pessoas interessadas em
apoderar-se da prefeitura para beneficiar amigos, explorar o povo e exercer
vinganças pessoais”, certamente essa era uma alusão ao grupo composto por
membros da UDN que disputava com o PSD feirense. 72
O controle de redutos eleitorais permitiu a Eduardo Fróes da Motta se
articular com o PTB e formar a Aliança Feirense. A “atuação moderadora”
baseada na “esperteza” e na “acomodação” refletia o comportamento típico dos
pessedistas. Era uma“raposa” formada na prática política e nas lutas eleitorais.
Liderança tradicional e atenta às reivindicações das bases do interior, de onde
viam sua força eleitoral.73
Agnaldo Soares Boaventura foi o indicado pela Aliança Feirense. As
reuniões entre lideranças do Partido Trabalhista Brasileiro e do Partido Social
Democrático para formalizarem a junção das legendas e a escolha do
candidato foram realizadas no “reduto trabalhista”, a Fazenda Paus Altos.74 O
jornal Folha do Norte qualificou a união interpartidária como uma “tragédia”.75
A Aliança Feirense elegeu o candidato petebista Agnaldo Soares
Boaventura. A conciliação entre os partidos criados por Getúlio Vargas obteve
êxito.
76
A perda provocou rápida reação da UDN alegando, através do Folha
do Norte, que nas eleições houve fraudes. Iniciava-se uma conspiração contra
70
ASSIM FALOU vsa. excelência. Folha do Norte. 01 /Nov./1947, p.4.
ASSIM FALOU vsa. excelência. Folha do Norte,01 /Nov./1947, p.4.
72
ASSIM FALOU vsa. excelência. Folha do Norte,01 /Nov./1947, p.4.
73
HIPPOLITO, Lúcia. De Raposas e Reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira
(1945-64). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. pp.44-49.
74
DO CONCLAVE de finados à tempestade da quarta Feira. Folha do Norte, 15/Nov./1947, p.4.
Na Folha do Norte de 14 fevereiro de 1948 consta que essa fazenda pertence a Carlos Bahia.
75
DO CONCLAVE de finados à tempestade da quarta Feira. Folha do Norte, 15/Nov./1947, p.4.
76
As fraudes e irregularidades do pleito de 21 de dezembro, preocupam a justiça. jornal folha
do Norte. 10/jan/1948.
71
40
a posse do prefeito, ligado ao “temido getulismo”, que visava deslegitimar o
pleito como veremos a seguir.77
5. Janeiro frustrado da UDN: a dupla derrota udenista e as fraudes
eleitorais nas eleições de 1948
No domingo dia 21 de dezembro de 1947, eleitores feirenses
compareceram às urnas para escolherem o prefeito e os membros da câmara
de vereadores. As semanas que se seguiram às eleições foram de espera pelo
resultado.78 A apuração adentrou as festas de final ano, mas não saiu a
decisão definitiva na primeira semana de janeiro, como era de se esperar, pois
haviam sido feitas denúncias de fraudes nas eleições divulgadas pelo Folha do
Norte. A Junta Apuradora composta por membros da Coligação Democrática
esteve à frente das investigações.
Desde sexta-feira, dia 2 de janeiro de 1948, com a abertura das últimas
urnas localizadas no distrito de Tanquinho, já circulavam pela cidade rumores
da vitória de Agnaldo Soares Boaventura.
No sábado, o Folha do Norte
noticiou a vitória da Aliança Feirense no texto intitulado: “Gravíssimas
irregularidades nas eleições de dezembro”, sugerindo que a vitória “pessedista”
foi conseguida através de fraudes:
Examinadas com atenção e cuidado as listas eleitorais, membros da
“Coligação Democrática Feirense” em trabalho penoso e demorado,
conseguiram descobrir algumas das tremendas fraudes e
anormalidades verificadas nas eleições municipais, onde eleitores
votaram duas ou três vezes [...]
Ai está à vitória pessedista [...]
O total de votos impugnados pela “Coligação Democrática Feirense”
monta a mais de 2.300 votos e o Sr. Dr. juiz acha-se na
impossibilidade de expedir o diploma de prefeito porque as urnas
79
impugnadas podem fazer mudar a situação do pleito
Membros dos partidos ou das coligações faziam parte da Junta
Apuradora que contabilizava os resultados e os comparavam as listas
eleitorais. Essas listas eram publicadas em jornais de grande circulação, como
o Folha do Norte, e divulgavam nominalmente os votantes da Zona Eleitoral.80
77
BENEVIDES.op.cit.,p.249.
O PLEITO de 21. Folha do Norte 27/dez/1947.p.1
79
GRAVÍSSIMAS irregularidades nas eleições de dezembro. Folha do Norte. 03/jan/1948.p.1
80
Ver: Folha do Norte. 24/Nov/1945.p.1
78
41
As juntas após constatarem irregularidades, como essa que foi registrada,
poderiam solicitar ao juiz a impugnação das eleições no Tribunal Regional
Eleitoral (TRE).
Essas informações que foram publicadas pelo Folha do Norte tentavam
cancelar o pleito devido às irregularidades encontradas no processo eleitoral.
Todas as edições do mês de janeiro foram destinadas a divulgar,
semanalmente, os “achados” feitos pela laboriosa equipe, composta por
membros da Coligação Democrática e responsável pelas investigações. Quem
apresentou as denúncias, formalmente, foi o advogado e então Deputado
Estadual pelo PR, Humberto Alencar, à justiça eleitoral.
Coube ao “vanguardeiro da Democracia que é o Deputado Humberto
Alencar”, como adjetivou o Folha do Norte, que não poupava elogios aos
membros da Coligação Democrática, a liderança na condução dos trabalhos
para anular as eleições.81
O Juiz de Direito da Vara Crime, Colombo Cerqueira, ao atender
solicitações da Junta Apuradora, foi quem enviou um telegrama para o
presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Andrade Teixeira, expondo motivos
do impedimento da diplomação do prefeito de Feira de Santana. A mensagem
relatava irregularidades eleitorais, como votos de eleitores falecidos e em
duplicidade, falsidade de títulos e falsidade de registros que não foram
publicados antes das eleições. Essas alegações poderiam mudar os resultados
das eleições 82
Em resposta ao telegrama enviado pelo juiz feirense, o presidente do
TRE respondeu que diante da possibilidade de “alteração na colocação dos
candidatos, proclamação e posse resultantes tão somente votos apurados e
recorridos não poderão ser realizadas até que o tribunal comunique resultado
de suas decisões”. 83
Com
isso,
a
Coligação
Democrática
Feirense
comemorou
a
possibilidade da confirmação das irregularidades e consequentemente a
nulidade do pleito. Almejava a possibilidade de, pela via jurídica, mudar o rumo
das eleições.
As cinco edições do Folha do Norte do mês de janeiro trouxeram o
resultado das investigações feitas pela Junta Apuradora. O esquema de
81
FRAUDES e irregularidades no pleito de 21. Folha do Norte.10/jan/1948.
FRAUDES e irregularidades no pleito de 21. Folha do Norte.10/jan/1948.
83
FRAUDES e irregularidades no pleito de 21. Folha do Norte.10/jan/1948.
82
42
fraudes baseou-se, segundo o jornal, na manipulação eleitoral do “partido
dominante” de Feira de Santana, o PSD, através de: 1) Inscrição de eleitores
fora do prazo legal estabelecido pelo TRE; 2) duplicação de votos, isto é,
eleitores votavam várias vezes em seções diferentes, portando títulos
diferentes ou com o mesmo; 3) acesso a documentos de eleitores em branco,
por indivíduos ligados à política pessedista, o que possibilitava uma pessoa
votar com mais de um título; 4) Votos de pessoas falecidas antes da execução
do pleito; e 5) votações de eleitores de outras zonas eleitorais. 84
Inscrições de eleitores fora do prazo legal constituíram táticas
pessedistas de fabricação de votos, segundo as informações do Folha do
Norte. Relações de amizade entre Demócrito Soares (1908-1963), exserventuário da justiça e tesoureiro do PSD, e o Juiz Alibert do Amaral abriram
brechas nos prazos para entrega das inscrições de eleitores, assim publicou o
periódico. Ao invés de entrega-las na segunda-feira dia 21 de outubro de 1947,
último dia para entrega, Soares entregou no outro dia. Mesmo com o aviso do
escrivão do cartório, Epaminondas Vicente dos Reis, do vencimento do prazo
para entrega da documentação eleitoral, o ex-tesoureiro, conseguiu um bilhete
do Juiz que dizia: “Epaminondas – receba as petições sob minha
responsabilidade[...]”.85 A ligação pessoal entre ambos garantiu o tratamento
diferenciado dado pelo Juiz ao membro do PSD. Naquele dia, foram aceitas 77
inscrições que, posteriormente, seriam convertidas em títulos eleitorais.
A multiplicação de votos consistia na repetição da votação pelos
eleitores. O título ao portador possibilitava àquele que estivesse com o
documento em mãos votar sem nenhum tipo de comprovação de identidade.86
O Folha do Norte registrou que um mesmo eleitor votou 9 vezes com títulos
diferentes. Em outra denúncia o título “6.045 pertenceu a 6 pessoas”.87 Em
determinadas seções o número de votos foram superiores aos previstos.88
Segundo o deputado estadual Humberto Alencar, Demócrito Soares não
se beneficiou da amizade com o juiz apenas para aumentar o prazo para
entrega de inscrições eleitorais. O “ex-serventuário da justiça” obteve acesso a
fichas de eleitores em branco. Alencar exibiu um documento do cartório que
84
GRANDE escândalo eleitoral. Folha do Norte.17/jan/1948.p.1.
GRANDE escândalo eleitoral. Folha do Norte.17/jan/1948.p.1.
86
SOARES NETO, Cícero José Alves. Coronelismo e fraudes eleitorais: análise processual
(1950). Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 33, 2005.
87
UM SÒ ELEITOR deu nove votos – Assinatura nos títulos – como funcionava a máquina
dominante – a dignidade política de Feira exige desagravo. Folha do Norte 24/jan/1948.p1.
88
GRANDE escândalo eleitoral. Folha do Norte.17/jan/1948.p.4.
85
43
confirmava a entrega de “489 processados eleitorais e igual número de fichas
em branco” ao Sr. Soares. Fato que comprovava a utilização de “papeis
privativos do Juizo Eleitoral” pelos “dirigentes pessedistas” para a fabricação de
títulos eleitorais.89
As apurações feitas pelos membros da coligação encontrou votação feita
com o título de José Joaquim Cerqueira falecido em Humildes no dia 21 de
fevereiro de 1947, exatamente 11 meses antes das eleições. Em resposta,
Agnaldo Soares Boaventura e membros do PSD requereram ao juiz de paz do
distrito, um exame nos livros de Registro Civil daquela localidade. Segundo as
informações compiladas pelo Folha do Norte não havia, no livro 7, óbito em
nome de José Joaquim Cerqueira.
O documento e a suposta intenção em ajudar com as investigações por
parte do PSD não convenceram a “coligação”. A “caravana jurídica” dirigiu-se
ao distrito compondo-a o Juiz da 2º Vara Crime, Candido Colombo,
responsável pelas investigações, na busca pela certidão de óbito de José
Joaquim Cerqueira.90 O Juiz achou no livro 7, folha 47, que estava solta, o
registro de óbito de Cerqueira que morreu em 11 de fevereiro de 1948. Isso
confirmava fraudes e ratificava a imagem construída pelo Folha do Norte de
que
havia
crimes eleitorais acontecendo
e
seus
autores eram
“os
pessedistas”.91
O Tenente e Bacharel Durval Tavares Carneiro foi um dos que votaram
fora da zona eleitoral. Desde 1946, mudou-se da capital do estado para Feira
de Santana sem, contudo, transferir seu título de eleitor. Segundo denúncias
divulgadas no Folha do Norte, ele participou das eleições feirenses mesmo
sem autorização legal para votar com um documento, cuja numeração
pertencia a Teresinha Fernandes Cavalcanti, conforme certifica o escrivão
Epaminondas Vicente dos Reis. Um oficial da Polícia Militar, responsável pela
ordem citadina, estava ligado umbilicalmente aos partidos políticos feirenses e
votou “como disciplinado pessedista que é”.92
As denúncias divulgadas pelo Folha do Norte do processo eleitoral
feirense nos apresentam um emaranhado de conexões entre política partidária,
89
GRANDE escândalo eleitoral. Folha do Norte.17/jan/1948.p.4.
91
O “DEFUNTO” de Humildes morreu, mesmo... Folha do Norte.24/jan.1948.p.4
GRANDE escândalo eleitoral. Folha do Norte.17/jan/1948.p.4.
92
44
abusos de poder e relações pessoais. Desses fios entrelaçados é possível
extrair informações valiosas sobre práticas políticas realizadas em Feira de
Santana.
Cícero José Alves Soares Neto analisando as relações entre fraudes
eleitorais e coronelismo caracteriza, historicamente, onde se instalaram, entre
1940 e 1960, falcatruas nas fases do processo eleitoral e identifica três: 1)
Alistamento onde se processa a qualificação do eleitorado para habilita-lo a
participar ou não do direito de votar; 2) votação, fase na qual o eleitor é
recebido pela mesa receptora e o auxilia no ato de votar; e 3) a apuração, que,
como o próprio nome sugere apura e coleta o resultado que foi depositado nas
urnas; é o momento de consolidação do processo. O autor argumenta que a
falta de controle dos coronéis sobre a “massa votante cativa do curral eleitoral”,
em meados da década de 1940, fez com que eles recorressem às fraudes
eleitorais, principalmente nessas “dimensões” supracitadas.
Apesar da dissertação não sustentar a tese central defendida por Soares
Neto, seu trabalho sociológico nos mostra a dinâmica interna das eleições.
Subsidiado por dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ele constata três
tipos de fraudes, o eleitorado fantasma, a votação múltipla e o mapismo. No
primeiro ocorre uma produção desenfreada de uma massa votante superior a
população alistável. No segundo, em que o eleitor, por meio do título eleitoral
ao portador, pode votar com vários títulos diferentes ou em seções diferentes.
No último caso, existe adulteração das atas, mapas e boletins eleitorais,
visando reaproveitamento dos votos em branco e a transferência de um
candidato para o outro. Em muitos casos existia a conivência de setores do
judiciário com a Junta Apuradora para “redirecionarem os votos”.93
Essas fraudes eram facilitadas pela existência do título ao portador e das
cédulas individuais dos candidatos e partidos. Quando o eleitor se dirigia às
urnas, antes de 1955, ele tinha que ter em mãos, além do título, as cédulas
individuais dos partidos. Nelas constavam informações eleitorais do partido que
forneceu esse documento. No caso das eleições em Feira de Santana, o
votante quando comparecia às urnas tinha em mãos uma cédula onde não
constavam informações dos dois candidatos, Agnaldo Soares Boaventura
(PTB/PSD)
e Carlos Rubiños Bahia (UDN). Havia registro de um dos
candidatos e a distribuição era feita pelos partidos, que arcavam com os custos
93
CÍCERO.op.cit.,
45
de confecção e entrega aos eleitores. Apenas com a Reforma Eleitoral, em
1955, são adotadas a cédula única com informações de todos os candidatos ao
pleito e a identidade eleitoral com retrato no título. Alterações que objetivavam
“evitar o controle político dos eleitores”.94
O cartório, conforme boletim do TSE, era um dos locais de onde se
originavam as fraudes eleitorais.95 A partir dele era possível produzir títulos de
eleitores falsificados ou autênticos, mas sem o preenchimento da assinatura,
cabendo àquele que receber o documento assiná-lo. Dessa forma um “eleitor
partidário”, isto é, aquele que tem partido definido e caso se envolva na luta
política, poderia com a conivência de membros do poder judiciário ter vários
documentos eleitorais que não foram entregues aos donos. Isso permitiria
realizar votações múltiplas, facilitadas pela imprecisão da identidade eleitoral.
O setor cartorial de Feira de Santana no final dos anos 1940 e início dos
1950 tinha funcionários ligados às hostes do PSD. Uma análise em perspectiva
dará uma visão mais ampla de práticas políticas que utilizam órgãos públicos
para interesses partidários.
Como vimos e conforme foi publicado pelo Folha do Norte, Demócrito
Soares era amigo do juiz Alibert Batista do Amaral. A amizade foi constituída
dentro do cartório onde eram funcionários. Soares, provavelmente, se afastou
do cargo para concorrer às eleições para vereador, cujo pleito obteve êxito em
1948.96
Concorrendo anos mais tarde, outro funcionário de cartório, o tabelião e
professor Almáchio Alves Boaventura, pelo PSD, foi eleito prefeito de Feira de
Santana, entre 1951 e 1955. No entanto, o jornal não divulgou denúncias de
fraudes ou irregularidades, sendo otimista em relação à futura administração
pessedista na reportagem em que divulgou a posse de Boaventura. 97 Nessa
edição reproduz notícias dos seus correspondentes, em que divulga a posse do
governador da Bahia, Régis Pacheco, e do presidente, o petebista Getúlio
Vargas.
De algum modo, parecia operar uma espécie de “economia eleitoral” em
que as moedas seriam amizades. Essa economia era movida pela troca de
favores. O beneficio era dado aos amigos, muitas vezes companheiros de
partido, e negado aos inimigos, aqueles que não faziam parte dos círculos
94
Ibid.
Idem.
96
Para mais informações ver Apêndice C.
97
EMPOSSADO novo prefeito. Folha do Norte. 03/fev/1951.p.1
95
46
políticos e afetivos. A instância do político, longe de ser baseada em relações
frias de interesses econômicos e partidários, era entremeada por laços de
afetividade, respeito, honra e consideração. Esses sentimentos definiam
práticas políticas, ações e ao mesmo tempo hábitos como a fidelidade ao
partido ou a uma personalidade.
O oficial da polícia militar Durval Carneiro, que respondia pela delegacia,
votou com um título que não lhe pertencia. De fato, era um partidário da política
do PSD feirense não apenas como eleitor, mas como propagador da política
pessedista através de pequenos jornais que eram datilografados na delegacia
em 1948, como veremos no segundo capítulo.
Órgãos da justiça eleitoral e da delegacia de policia eram controlados
por partidários do PSD de Feira de Santana. Os tentáculos pessedistas faziam
esforços para controlar setores chaves na administração e ordem pública.
Repetidas vezes, o Folha do Norte adjetivou de “máquina” esse complexo de
controle político que abrangia diversas esferas da sociedade feirense como a
polícia e o poder judiciário.
Essa estrutura permitia ao grupo ordenar a cidade conforme suas
concepções de progresso que excluía a grande maioria da população e
ratificava Feira de Santana como centro comercial, dinâmico e ordenado.
Nesse aspecto, PSD e UDN não se distinguiam, pois adotavam práticas que
visavam a minimização da participação popular e do seu poder de decisão no
jogo político.
No entanto, a eleição de Francisco Pinto, o crescimento dos movimentos
populares durante os anos de 1950, além do surgimento de novas correntes
políticas dentro do PSD, sobretudo a “ala moça”, operaram mudanças na
maneira como segmentos das classes dominantes feirenses viam parcelas
marginalizadas socialmente.
Retomemos as fraudes eleitorais. A narrativa feita pelo Folha do Norte
pode incorrer na falsa conclusão de que a UDN feirense manteve-se longe de
falcatruas. Como veremos no segundo capítulo, esse jornal e a União
Democrática Nacional mantinham vínculos e ajudaram organicamente na
construção e fortalecimento da corrente juracisista em Feira de Santana.
Foi João da Costa Falcão quem nos forneceu informações do
envolvimento da UDN com fraudes eleitorais. Ao narrar em seu livro O partido
comunista que eu conheci sua trajetória nas campanhas para deputado da
47
constituinte em 1946 afirma que “a maior decepção” que teve na vida foi a
quantidade de votos obtidos em Feira de Santana: “Não podia compreender
como meus conterrâneos me haviam abandonado, dando-me pouco mais de
200 votos”.E acrescentava: ”Eu esperava, naturalmente, uma queda na minha
votação,[...] mas não tanto”.98
Anos mais tarde ele encontrou a explicação para a baixa votação em
Feira de Santana, numa campanha em que visitou vários municípios do sertão
e do recôncavo baiano, além da capital e da “princesa do sertão”, e que lhe
rendeu a 5º suplência com apenas 870 votos:
[...] após a apuração e antes de fechar o mapa final da votação que
seria remetido ao Tribunal Regional Eleitoral, um dos experts no
habitual mapismo, que sempre existiu no Brasil, isto é, ganhar as
eleições no mapa, sugeriu que, para o bem dos feirenses, uma vez
que eu não seria eleito, deviam repartir parte dos meus votos com os
dois candidatos da terra que tinham chances: Arnold Ferreira da
Silva, pela UDN, e Eduardo Fróes da Motta, pelo PSD. Contando com
a conivência do Juiz da Comarca surrupiaram a mim e ao Partido
algumas centenas de votos
Nessa passagem o autor afirma que fraudar eleições eram práticas
corriqueiras na década de 1940. O Juiz Eleitoral da época, em Feira de
Santana, era Alibert Batista do Amaral que, para beneficiar “candidatos da
terra”, legitimou a fraude e redistribuiu votos “arduamente” conquistados por
João Falcão.
Conivência não apenas do Juiz Eleitoral, mas dos dois principais
políticos da cidade, entre os anos de 1940 e 1960, Arnold Silva e Eduardo
Motta. Silva, e com ele a UDN feirense, manipularam votos entre os que melhor
representavam anseios para “a população feirense”. Representavam indivíduos
que organizaram frações da classe dirigente feirense durante o período
estudado e se consolidaram como suas principais lideranças.
A conciliação de interesses uniu adversários que mancomunavam juntos
a ida à assembleia que elaborou a constituição de 1946. Mas a segunda
tentativa de Arnold Silva para a constituinte, mesmo com a utilização do
“habitual mapismo” não surtiu efeito. Apenas Motta se beneficiou da manobra
eleitoral e conseguiu uma cadeira na câmara dos deputados.
Os udenistas feirenses que lideraram a “Coligação Democrática”
souberam como investigar as fraudes nas eleições em 1948 por que já as
conheciam e desses mecanismos tentou se beneficiar. A classe dirigente
98
FALCÃO, João. O partido comunista que eu conheci. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro,
1988. p.308.
48
feirense se uniu quando era possível beneficiar ambas as frações distribuídas
na UDN e no PSD, o que implicava passar por cima da vontade do eleitor.
As investigações realizadas pelo Folha do Norte visavam impedir a
diplomação do candidato apoiado pelo PSD. Mesmo com provas de fraudes, a
justiça eleitoral empossou em 14 de maio de 1948 vereadores, inclusive
Demócrito Soares, e o prefeito Agnaldo Soares Boaventura.
Com a diplomação de Boaventura, a UDN foi derrotada duplamente;
uma vez nas urnas, pela via eleitoral, e outra, pelo insucesso na tentativa de
recorrer ao TRE para impedir a posse. Seria uma tentativa golpista em favor da
democracia, versão municipal de práticas corriqueiras entre as décadas de
1950 e 1960 no Brasil? Soluções que empregavam meios autoritários foram
utilizados pela UDN feirense quando da deposição de Francisco Pinto. Em
Feira de Santana o udenismo se moldava na concepção da “eterna vigilância”,
estandarte do golpismo.
Além de fraudes o enfrentamento político e as articulações partidárias
são os pontos altos das ações desenvolvidas em diversas esferas. Outras
estratégias foram forjadas ao longo do período. O uso da imprensa foi uma
delas. Ela assume papel relevante no diálogo interpartidário como meio de
interlocução entre políticos, comunidade e no conjunto das iniciativas de
interesse partidário. Assunto que será discutido no segundo capítulo.
49
SEÇÃO III – CAPÍTULO II
A IMPRENSA COMO ESTRATÉGIA
Este capítulo analisa estratégias e práticas utilizadas por políticos
feirenses durante o período de 1948 a 1965. Suas ações visavam à
representatividade política e à conquista de cargos públicos. Pode-se notar, a
partir de processos crimes, que os espaços institucionais, como partidos e
câmara de vereadores, não eram os únicos locais de embate, cabendo a
imprensa um papel central nas disputas políticas.
1. A escassez de votos e o jornal como meio de propaganda
A partir de 1945, com o fim do governo Vargas, tornou-se cada vez mais
livre a manifestação de pensamento e opinião expressos através de jornais,
revistas e outros meios de comunicação que começavam a se multiplicar pelo
país. Em Feira de Santana, temos evidencias do surgimento, entre 1946 e
1964, de cinco jornais: O Coruja, Santanópolis, Gazeta do Povo, O Combate e
O Trovão, todos eles com vida curta, não circulando por mais de seis anos.
Além de garantir liberdade de expressão, a constituição de 1946 também
estabelecia novos critérios eleitorais. Alfabetizados e maiores de 21 anos
poderiam votar incluindo as mulheres, o que possibilitou a ampliação do
contingente eleitoral. Além disso, criaram-se mecanismos que presumivelmente
assegurariam lisura nas eleições, como o Supremo Tribunal Eleitoral e o voto
secreto. Para conquistar o poder no executivo ou no legislativo, qualquer um
que pudesse votar poderia ser votado, independente de raça, religião ou poder
aquisitivo desde que fosse alfabetizado e maior de idade.
Os meios de comunicação, sobretudo o jornal, ao longo desse período
tiveram papel relevante, por veicularem a propaganda político-partidária. O
desafio para muitos candidatos era levar propostas ao seu eleitorado, para que
ele decidisse em quem votar. A imprensa teve um papel de destaque na
divulgação das ideias e proposições de partidos políticos, quando não era a ela
50
vinculado. Através dela o eleitor lia as notícias da agenda eleitoral do seu
candidato, das filiações partidárias, dos objetivos da campanha e das disputas
interpartidárias. Nelson de Souza Sampaio, um observador da época, nos
fornece algumas informações: “A propaganda sob suas diversas formas se
tornou indispensável na batalha das urnas [...] um processo de catequese
coletiva do eleitorado generaliza-se logo, como sucede com uma nova arma de
guerra. Tem a força de uma coerção social irresistível”.99
O autor ressalta a força da propaganda como a principal “arma do
arsenal político”, mesmo não representando uma parcela considerável das
despesas com a campanha eleitoral. As propagandas variavam em suas
formas indo desde pichações com carvão e tintas, manifestos, cartazes até
distribuição de brindes.100 A impressa tinha uma funcionalidade estratégica na
promoção do candidato, por tornar públicas ideias, objetivos e a figura do
candidato. O controle de veículos de comunicação em massa poderia resultar
em um maior poder de “catequização” do eleitorado, isto é, de transformar ou
formar opiniões das pessoas.
A população feirense em 1948 era composta por 93.253 pessoas
distribuídas em dez distritos (Anguera, Bonfim de Feira, Humildes, Ipuaçu,
Jaguara, Maria Quitéria, Pacatu, Santa Bárbara, Tanquinho e Tiquaruçu) e a
sede Feira Santana. A cidade tinha cerca de 20% do total dos habitantes e os
80% restantes residiam nessas localidades, em média cada distrito tinha cerca
de 7 mil feirenses, o que nos leva à constatação de que a população estava
pulverizada nessas microrregiões administrativas. O interesse político não era
no contigente populacional absoluto; mas na quantidade de indivíduos cujo
perfil se enquadrasse nos termos do Código Eleitoral de 1946. Um censo feito
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas traz os seguintes dados:
99
SAMPAIO, Nelson de Souza. O Diálogo democrático na Bahia. Revista Brasileiro de Estudos
Políticos: Livraria da Revista Forense, Rio de Janeiro,1960.p.19-20.
100
Idem.p.21
51
Quadro I – Perfil dos eleitores feirenses em 1948
INFORMAÇÕES DA LOCALIZAÇÃO, IDADE E
ALFABETIZAÇÃO DA POPULAÇÃO DE FEIRA DE
SANTANA
LOCALIZAÇÃO
POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO DE
FEIRA DE SANTANA
Urbana e suburbana
19.750
Rural
63.518
IDADE
De 20 a 59 anos
34.829
INSTRUÇÃO
Sabem ler e escrever
15.318
Não Sabem ler nem escrever
55.579
Instrução não declarada
339
Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sinopse Estatístico do Município de Feira de
Santana. Rio de Janeiro, 1948. (Adptado)
Cruzando-se os dados do IBGE e os comparando com os critérios para
ser um votante, chegaremos à conclusão de que 15. 318 pessoas estavam
aptas a votar. A maioria da população estava excluída da participação política
através do voto. Os dados não forneceram detalhes sobre a caracterização da
população de cada distrito, apenas concentrou as informações na coluna
“município”. Assim aconteceu com o campo “instrução” em que não foi
informado o nível de escolaridade dos feirenses, apenas distinguiu-se
alfabetizados de não alfabetizados. Numa cidade com cerca de 90 mil
habitantes entre final de 1940 e inicio de 1950, em média 16% da população
poderia votar, quando compareciam às urnas.101
Segundo Sampaio, existiam três categorias de eleitores: o indiferente
que não possui motivo para votar, o tutelado, que adota passivamente a
decisão de outra pessoa e o independente, que resolve sem nenhuma
influência em quem votar. O autor salienta que para o desenvolvimento político
é necessário aumentar a quantidade desse último tipo de eleitor para
consolidação do direito ao voto e o pleno exercício da cidadania, livre de
influencias externas. De fato, ele ressalta que o desafio era tornar efetiva a
autonomia do cidadão na escolha do candidato, uma vez que o eleitor tutelado
101
POPINO, Rolie E. Feira de Santana. Salvador: Ed. Itapuã, 1968. Diz: “Conquanto o voto se
tenha universalizado, recentemente, o direito de votar está ainda restrito a uma pequena
porcentagem dos habitantes de Feira de Santana. Em 1950, pouco mais do que 10% dos
habitantes votaram nas eleições municipais. Esta situação é, em parte, o reflexo da apatia
geral, em relação à política, entre a população adulta de Feira de Santana. Uma explicação
bem significativa é a que decorre do fato das leis brasileiras excluírem os analfabetos das
urnas”.p.14.
52
compreendia a maioria dos votantes, enquanto que os politizados compunham
uma reduzida minoria.102
O voto era um objeto escasso e o meio essencial para o acesso aos
cargos do executivo e do legislativo através dos pleitos majoritários e
proporcionais. Apesar da propaganda política realizada pelos jornais como
meio de ligação entre eleitor e o candidato, a compra de votos e a coerção
vigoravam como práticas políticas.
Fundar um jornal significava não apenas obter uma empresa de
comunicação, mas a possibilidade de propagandear ideias e aspirações de um
grupo de pessoas, assim como obter um elemento na defesa de proposições e
na crítica aos adversários. Os jornais como empreendimentos particulares se
reservam a realizarem publicações que os interessassem, principalmente no
campo político. Com a inexistência da televisão e o precário acesso ao rádio,
devido ao alto custo, a maioria da população ficava sabendo das informações
através do jornal. Ele era utilizado para realizar propagandas ou anúncios e
servia com um instrumento poderoso nas batalhas políticas.
2. O Folha do Norte na defesa do juracisismo.
Informações divulgadas pelo o jornal indicam que com o falecimento de
Tito Ruy Bacelar, em 1930, sem deixar herdeiros, os funcionários e irmãos
Silva, arremataram em leilão público o periódico que desde então passou a
pertencer aos membros dessa família.103 A produção jornalística e as disputas
por espaços na política, no entanto, permaneceram apesar da troca de donos.
Entre os membros dessa irmandade, será Arnold, quem terá uma ascensão
substancial.
Arnold Ferreira da Silva nasceu em 1894 e conseguiu construir uma
trajetória de ascensão baseada na aliança com os membros de setores
dominantes. O enlace de Arnold Silva com uma das famílias mais abastadas da
cidade contribuiu para a sua ascensão política. Casou-se primeiramente com
Amanda de Barros Bahia e, após falecimento desta, com Bereniza Barros
102
103
SAMPAIO.op.cit,.35-41
EDIÇÃO comemorativa 100 anos do Folha do Norte. Folha do Norte, 18/set/2009, p.1
53
Bahia, com quem teve uma filha, Maria Luisa da Silva. Ambas eram filhas do
Coronel e político da Primeira República Bernardino Bahia.104
Quadro II – Intendentes e prefeitos de Feira de Santana (1890-1931)
INTENDENTE OU PREFEITO
ENTRADA
SAÍDA
Joaquim de Melo Sampaio
16 Jan. 1890
30 Jul. 1890
José Freira de Lima
30 jun. 1890
25 jul 1903
Agostinho Fróes da Motta
25 jul. 1903
1 jan. 1904
Tito Ruy Bacelar
1º jan. 1904
22 mai. 1907
José Antunes Guimarães(interino)
22 mai. 1907
1º jan. 1908
Abdon Alves de Abreu
1 jan. 1908
15 out. 1912
Bernardino da Silva Bahia
15 out. 1912
1º jan 1916
Agostinho Fróes da Motta
1 º jan.1916
1º jan. 1920
Bernardino da Silva Bahia
11 jan. 1920
1º jan. 1924
Arnold Ferreira da Silva
1º jan 1924
1º jan. 1928
Elpídio Raimundo Nova
1º jan. 1928
3 jan. 1931
Fonte: POPINO, Rolie. Feira de Santana. Salvador: Ed. Itapuã, 1968.p.149.(Adaptado)
Não é nosso objetivo traçar uma biografia de Arnold Silva, mas conectálo uma rede de relações sociais que se construiu nos bastidores das redações
dos jornais e que marcaram definições políticas de um conjunto de
personalidades. Eles constituíram um grupo político, não apenas por se
afinarem como as mesmas ideias, mas por compartilharem de um mesmo ramo
familiar.
Membros da família Silva compuseram as fileiras da UDN feirense
intimamente ligadas à liderança de Juraci Magalhães. Quando visitava Feira de
Santana e região, para cumprir funções político-partidárias, se hospedava na
residência do ex-prefeito de Feira de Santana.105 Não apenas esse grupo
ligava-se a essa personalidade política; outros políticos feirenses também o
seguiam como o industrial Clovis Amorim, o advogado e médico Manuel
Bonfim, ambos articulistas e frequentes colaboradores do jornal Folha do Norte.
Eram comuns reuniões partidárias na casa de Arnold Silva, que servia como
local de encontros. Isso acentuava a cisão udenista entre juracisistas e
104
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias 1889-1943. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1979.
105
CORONEL Juraci Magalhães: instalado festivamente diretório em Serrinha. Folha do Norte.
08/set/1945, p.1
54
mangabeiristas, o que acirrava a disputa interna em torno das lideranças de
Juraci Magalhães e Otávio Mangabeira.
Certamente, a cisão da UDN feirense resultou no seu enfraquecimento
nas primeiras eleições para o legislativo, para o período de 1948-1951, no qual
o partido elegeu apenas dois candidatos. Otávio Dulci, ao se referir à UDN
nacional, salienta que o fracionamento começou por conta da sucessão
estadual de 1950, na qual os mangabeiristas não endossaram a candidatura de
Juraci Magalhães.
106
No entanto, Sonia Serra escrevendo sobre o Momento,
jornal militante vinculado ao PCB baiano, identifica que o racha já se verificava
nas eleições municipais de 1948.107
Mais do que um órgão vinculado à UDN feirense, evidências mostram
que o Folha do Norte ligava-se à corrente juracisista. Posição que foi se
acentuando ao longo dos anos de 1940 a 1960, com a inclusão de barganhas
políticas, como o pedido de deposição de Francisco Pinto, prefeito entre 1963 e
1964, intermediada por Juraci Magalhães com o advento do golpe civil-militar
de 1964. O corpo de colunistas era declaradamente a favor de Magalhães e os
sócios-proprietários como Arnold Silva coadunavam com os juracisistas,
mesclando relações de amizade com interesses políticos. Silva e seu sobrinho
Hugo eram responsáveis por colunas do jornal para o qual contribuíam na
produção jornalística e gerência, além de serem filiados a essa agremiação
partidária. Por isso o jornal mais do que um reduto udenista em Feira de
Santana, era o local de articulação política do juracisismo feirense.
Eles compunham junto com Áureo Filho, José Joaquim Saback,
Heráclito Dias de Carvalho e João Mendes da Costa Filho uma agremiação que
defendia perspectivas antigetulistas e antipopulistas. Através de artigos dos
Diários Associados, escritos por Assis Chateabriand e republicados no Folha
do Norte, eles criticavam as iniciativas nacionalistas durante o segundo
governo de Getúlio Vargas que, segundo eles, ajudavam a distanciar o Brasil
dos Estados Unidos e deixava a relação entre os dois países num estado
letárgico.108
O suicídio do ex-presidente evidenciou a maneira como o jornal se
posicionava diante do getulismo e da figura de Vargas. O caso parece não ter
106
DULCI, Otavio. A UDN e o anti-populismo no Brasil. Belo Horizonte: PROED, 1986.
p.128.
107
SERRA, Sônia . O Momento: História de um jornal militante. Dissertação de Mestrado.
UFBA, 1987.p.60.
108
A INQUIETAÇÃO Norte Americana. Folha do Norte, 28/out/1950, p.1.
55
causado comoção para o corpo de redatores do jornal, que resumiu a noticia
na metade da primeira página, reproduzindo um discurso do líder da câmara
federal na época, Gustavo Capanema, no qual salientou a honra como
sentimento motivador para o crime. Além disso, expôs dados biográficos, mas
sem comentários a respeito.
Para o Folha do Norte o que provocou enternecimento em Feira de
Santana foi a morte do médico feirense Gastão Guimarães, na manhã da terçafeira. O dia 24 de agosto teve comoções divididas em face das duas mortes. O
periódico salientou sua atuação na área da saúde na Bahia e como professor
da Escola Normal e do Ginásio Santanópolis. Dedicou ao fato a maior parte da
primeira página. O “companheiro de redação” professorando Antonio Navarro
da Silva, à beira do túmulo, sublinhou o sofrimento dos seus “discípulos” e a
perda de um “mestre” que era um “manancial, no qual matávamos a nossa
imensa e torturante sede de conhecimentos”.109
Embora quase nunca houvesse editorais no Folha do Norte para
explicitar suas posições políticas, seu corpo de redatores era vinculado ao
juracisisismo e defendia o antigetulismo. Como pontua Maria Benevides é “o
corte do getulismo” que acentua diferenças políticas e ideológicas objetivas
entre PSD e UDN. O subnoticiamento do suicídio de Getúlio Vargas destaca “a
tradicional aversão ao getulismo” que transformava “no horror ao populismo” e
a qualquer manifestação de simpatia ou culto ao líder populista.110
Outros jornais que surgiram definiram posições políticas e ajudaram a
compreender a função do jornal nos debates e caracterizá-lo como meio
propagandístico durante o período.
3. O Trovão: PTB, impresa e disputas internas.
O Partido Trabalhista Brasileiro em Feira de Santana durante o período de
1948-1964 conseguiu eleger dois prefeitos. Em 1948, o comerciante Aguinaldo
Soares Boaventura e, em 1952, o prof. Almáchio Alves Boaventura (19151975), ambos apoiados pelo PSD. A governabilidade durante o período se deu
principalmente pelas alianças feitas ao longo das gestões que subsidiavam as
109
SACIFICOU-SE pela honra e Dr. Gastão Clovis Souza Guimarães. Folha do Norte,
28/ago/1954, p.1.
110
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A UDN e o udenismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1981. p.212.
56
ações da prefeitura. Essa agremiação, durante o período, disputou postos do
executivo principalmente pela inserção em direções de sindicatos feirenses.
Quadro III - Prefeitos e coligações vitoriosas (1948-1964)
PREFEITO
GESTÃO
PARTIDO
COLIGAÇÃO VITORIOSA
Aguinaldo Soares
Boaventura
1948-1951
PTB
PTB – PSD “Aliança
feirense”
Almáchio Soares
Boaventura
1951-1955
PSD
João Marinho Falcão
1955-1959
UDN
Arnold Ferreira da Silva
1959 -1962
UDN
José Sisnando Lima
1962-1963
UDN
PTB-PSD
“Aliança Democrática
Feirense”
UDN - PR
“Frente Democrática
Feirense”
Sem coligações entre os
principais partidos. Cada um
lançou a sua própria.
Substituiu por motivo de
doença Arnold Silva
Francisco José Pinto
dos Santos
1963 -1964
PSD
[Não Identificada]
Fonte: pesquisa do autor.
Das cinco legislaturas do período – José Sisnando Lima era vereador e
presidente da Câmara e substituiu Arnold Silva que teve problemas de saúde –
duas foram resultadas da aliança PTB – PSD. Se no executivo o PTB tinha
força, o mesmo não se pode dizer do legislativo. Das cinco legislaturas, entre
1948 e 1966, a legenda do partido não conseguiu eleger mais do que 3
cadeiras na câmara de vereadores, embora estivesse ligado ao PSD.
Benevides diz que o PTB foi a agremiação política que mais cresceu tanto em
nível de representatividade federal, como na formação de diretórios municipais
e locais.111 No entanto, em Feira de Santana, no plano municipal, os petebistas
tiveram um pico de ascensão em 1955, quando elegeram 24% dos vereadores,
mas nos mandatos posteriores não conseguiram repetir nem ultrapassar esse
número.
Além de ter se constituído num dos primeiros partidos organizados, o
PTB conseguiu inserção nas organizações de classe através da atuação de
seus militantes nas diretorias de sindicatos. Segundo Maria Vitória Benevides,
“a legenda destinada ao operariado, tinha de transformar as entidades e órgãos
111
BENEVIDES, Maria Victoria. O PTB e o Trabalhismo: partido e sindicato em São Paulo
(1945-1964). São Paulo: Brasiliense, 1989.
57
trabalhistas em sustentáculos de sua estrutura e ação”.112 O cruzamento de
dados permite rastrear em quais locais os petebistas feirenses estavam
alocados e quais funções desempenhavam. Manuel Narciso da Natividade, era
tesoureiro na Associação dos Profissionais da Indústria da Construção Civil,
mesma função que exercia no partido; Waldomiro Alves dos Santos tinha essa
mesma atividade no Sindicato dos Fumageiros; e Hamilton Cohim, ex-deputado
estadual e vereador era vice-presidente da Associação Comercial. Todas essas
organizações ficavam em Feira de Santana. Os postos por eles ocupados
tinham funções estratégicas ligadas à direção das referidas organizações.
Era comum encontrar anúncios de candidatos do PTB na defesa dos
trabalhadores. Claudemiro Campos Suzart, nas eleições de 1954, se
proclamou “o candidato dos Trabalhadores”.113 Mas a candidatura não obteve
êxito. No Folha do Norte apareciam poucos candidatos realizando propaganda
e dava-se maior notoriedade às figuras que concorriam para o executivo.
Candidatos a vereadores que não pertenciam à coligação liderada pela UDN
tinham parcos espaços nesse veículo de informação e reservadas as últimas
páginas.114
Tudo indica que no conjunto das ações políticas do PTB feirense a
elaboração de um jornal de cunho getulista-trabalhista fizesse parte das
estratégias políticas de divulgação de ideias e propaganda partidária. O Trovão
foi o órgão do petebismo feirense, apesar da curta existência. Circulou apenas
três meses em 1952.
Não possuímos coleções completas desse jornal. As informações que
tivemos foram provenientes de um inquérito policial envolvendo membros da
direção do periódico. A maioria dos anexos traz trechos do impresso como
meio de comprovação de afirmações/acusações realizadas entre as partes. No
entanto, os fragmentos que foram juntados aos autos nos mostram os objetivos
do jornal, sua linha política e as pessoas que o gerenciavam. Como órgão do
partido, O Trovão, tinha por “lema” servir o “povo na defesa de sua economia”,
visando não fazer retaliações nem ataques. Como chefe de honra, tinha Getúlio
Vargas e de orientação, Joel Presídio. O jornal “defenderá a política trabalhista
112
NEGRO, Antonio Luigi. & SILVA, Fernando Teixeira da. Trabalhadores, Sindicatos e política
(1945-1964).In.: Brasil Republicano. Livro 3. FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de
Almeirda Neves (orgs). Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2010.p.53.
113
Uma das alcunhas que Claudemiro Campos Suzart possuía era “Getulinho de Feira”.Ver.:
OLIVEIRA, Leila Vitor Fernandes. Inquilinos da Casa da Cidadania. CD-ROM.
114
Folha do Norte, 04/ago/1954, p.4.
58
do eminente estadista Sr. Getúlio Vargas, porque foi criado por sua inspiração
e em defesa do bem estar da família baiana, sendo a Feira de Santana, uma
das suas mais vivas partículas”, proclamava o periódico.115
No entanto, ele não foi o único jornal vinculado organicamente ao PTB
na Bahia. Sônia Serra destaca que em 1946, junto com O Momento, A Tarde e
O Imparcial, circulou em Salvador o semanário Correio Trabalhista vinculado
ao partido, mas de circulação efêmera.116 A pesquisadora conseguiu
informações ao ler atas da Associação Brasileira de Imprensa sem consultar
coleções completas do periódico. Isso provavelmente aconteceu porque esses
jornais não foram incorporados aos acervos públicos e privados e não
preocuparam membros do partido que visassem à preservação de sua
memória. Apesar disso as notícias que dispomos sobre o PTB feirense,
fornecem-nos dados valiosos sobre suas estratégias, objetivos e conflitos
internos.
Da mesma forma o acesso às notícias do jornal petebista deu-se através
de outros meios. No nosso caso por meio de processos crimes que relatavam
disputas entre indivíduos ligados ao PTB feirense. O inquérito policial foi
movido pelo ex-jornalista petebista Gonçalves de Souza que declarou ter sido
vítima de uma tentativa de homicídio na madrugada de 28 de abril de 1952. Na
ocasião, foram deflagrados em sua residência dois tiros e, logo após, apareceu
embaixo de sua porta um envelope contendo um recorte do jornal “O
Combate”. Segundo seu depoimento, a acusação pelo atentado recaiu sobre
Antonio Leopoldo Cabral, com quem tinha discutido por ter deixado de
colaborar com outro periódico, O Trovão.117
O jornal O Combate surgiu da dissolução da diretoria de O Trovão,
formada por Gonçalves Souza e Antonio Leopoldo Cabral. O racha aconteceu
porque conforme o depoimento de Cabral, Souza estava usando o periódico
para
fazer
chantagem,
ameaçando
divulgar
noticias
que
pudessem
comprometer prefeituras municipais, caso não fosse pago a quantia exigida.
115
O Trovão. 03/jan./1952. Fragmento anexado ao processo crime E – 03; CX – 85; DOC –
1668.
116
SERRA, Sonia. O Momento: História de um jornal militante. Dissertação de Mestrado.
UFBA, 1987.
117
O Trovão. 03/jan./1952. Fragmento anexado ao processo crime E – 03; CX – 85; DOC –
1668.
59
Ele juntou recibos ao processo que mostram pagamentos realizados ao
periódico O Trovão pelas prefeituras de Alagoinhas e de Santo Amaro.118
Segundo o depoimento de Antonio Leopoldo Cabral, quando Gonçalves
Souza rompeu com o jornal, ele saiu da redação de O Trovão levando dinheiro
e “materiais da redação”. Em sua delação, Cabral não especificou quais
equipamentos foram subtraídos, sem a devida permissão, das instalações do
jornal.
Com capital e os recursos técnicos Souza conseguiu montar uma oficina
em um de seus pontos comerciais em Feira de Santana, à Praça Bernadino
Bahia. Quando o ex-vereador foi realizar a cobrança do dinheiro e dos
materiais aconteceu um desentendimento entre ambos e pôs Cabral como o
acusado pelo atentado à residência de Souza.
Não foi encontrado o responsável pelo atentado. No decorrer das
investigações Antonio Leopoldo Cabral juntou provas que confirmavam suas
acusações e que colocavam Gonçalves Souza como um jornalista que estava
utilizando jornais, O Trovão e, posteriormente, O Combate para fazer
chantagem e extorsão. Essa desarticulação contribuiu para desviar o foco do
jornal de “defender a política trabalhista” e de se consolidar como órgão de
comunicação vinculado ao Partido Trabalhista Brasileira.119
Essas divergências ajudam a pensar articulações internas e desgastes
nas relações entre os elaboradores do jornal petebista. Do depoimento de
Gonçalves Souza foi possível extrair indícios de um clima de animosidade que
existia dentro o partido. Ele relatou que o ambiente político no partido era tão
tenso que duas das principais lideranças, Hamilton Cohim e Antonio Leopoldo
Cabral no inicio dos anos 1950, chegaram a trocar ameaças. Segundo suas
declarações, numa das discussões entre os líderes, Cabral ameaçou atirar em
Cohim, porque este discordava da orientação “nazista” dada à organização
política.
Os depoimentos apontam que a dissolução da diretoria dos periódicos
pessedistas são reflexos de disputas existentes dentro do PTB feirense. Além
disso, fornecem evidencias da necessidade política de setores envolvidos com
política-partidária em obter um meio de expressão de suas ideias. Jovens
feirenses passam a perceber a centralidade da sua participação no debate
118
Sumário. Processos-Crimes. Feira de Santana, CEDOC/UEFS. E – 03; CX – 85; DOC –
1668.
119
O Trovão. 03/jan./1952. Fragmento anexado ao processo crime E – 03; CX – 85; DOC –
1668.
60
político e, da mesma forma, procuram um canal impresso de divulgação de
propostas.
4. Os “jornaizinhos” Santanopolis e o Coruja: jornais estudantis e
militantâcia política
Merecem destaque os jornais o Santanópolis e O Coruja, produzidos
pelos alunos do Colégio Santanópolis, este último fundado em 1933 e extinto
em 1984. Os periódicos não se limitaram a registrar o cotidiano escolar.
Preocuparam-se em dialogar com a sociedade feirense interferindo em
questões políticas, econômicas, culturais e sociais. Trata-se de 7 números do
jornal O Santanópolis e 67 edições de O Coruja, editados com interrupções em
função das dificuldades de mantê-los.
Em 1954, os periódicos amadureceram de “gazetas” de circulação
interna nos espaços escolares para “hebdomadário”, isto é, semanários de
ampla circulação divulgados em toda a cidade de Feira de Santana.120 O
“Centro Cultural Áureo Filho, órgão de classe dos estudantes” começou com
publicações semanais do “jornalzinho”, dirigido e escrito pela comunidade
estudantil ligado a essa organização, intitulado Santanópolis. Naquela época
muitos já haviam ingressado na Escola Normal de Feira de Santana e
conciliavam estudos com a atividade jornalística. Criaram o jornal com a
“função mais relevante de expressar o pensamento, pela imprensa livre”.121
Apesar de ter o mesmo nome do Ginásio Santanópolis, e os seus
diretores terem ligações familiares com essa instituição de ensino, o jornal
afirmou que não possuía ligações com a diretoria do colégio.122 A escola
dirigida por Áureo Filho era um dos poucos ginásios da Bahia onde jovens
saiam com uma formação de nível médio. Os que tinham interesse e condições
econômicas poderiam continuar os estudos de nível superior em Salvador e se
graduarem em Direito, Medicina e Engenharia, ou ingressarem na Escola
Normal de Feira de Santana, no magistério. O Santanópolis era um local de
120
RESSURGE o Santanópolis. O Santanópolis, 09/set/1954, p.1. Também existiam outros
jornais segundo Evandro Oliveira, filho do dono do Ginásio Santanópolis. A AVEICA e o
JORNAL CULTURA. Eram jornais estudantis mimiografados. Ver: MELLO, Carlos Alberto
Almeida. Memórias Periódicos Feirenses: Santanópolis (1954-1955) O Coruja (1955-1957).
Feira de Santana: Fundação Senhor dos Passos; Núcleo de Preservação da Memória
Feirense, 2010.
121
RESSURGE o Santanópolis. O Santanópolis, 09/set/1954, p.1
122
ATENÇÃO. O Santanópolis, 09/set/1954, p.2
61
referência na formação dos feirenses, tendo em vista que, até meados da
década de 1960, se constituiu no único lugar para a formação secundarista e
na preparação de estudantes para o ingresso no nível superior.
Alguns jovens que estudaram no Ginásio Santanópolis uniram-se em
torno do Centro Cultural Áureo Filho e quando iniciaram o jornal Santanópolis
já haviam sido aprovados em exames vestibulares. Trata-se de um periódico
formado por estudantes, que mesmo após iniciar os estudos superiores
mantiveram um vínculo organizacional formado no ensino médio. O semanário
direcionava-se ao “moço feirense” e ao “desejo incessante, de elevar o nível
cultural de nossa terra” e se intitulava “órgão independente, literário e noticioso”
que trazia noticias da política nacional, municipal e estadual, além de crônicas,
poesias, curiosidades, divulgação de eventos sociais e propagandas. 123
O Santanópolis circulou por um ano exatamente de 1954 a 1955 e ao
todo somam sete edições. Seu diretor foi José Luiz Navarro da Silva, tendo
como redator chefe Antonio Wanderley, até outubro de 1955, quando assumiu
Oyama Pinto.124 Ele era impresso na tipografia do jornal Folha do Norte, que
pertencia ao pai de Silva que ajuda a explicar a disponibilidade das instalações
da empresa gráfica aos estudantes. Certamente a infraestrutura desse
periódico permitiu ao Santanópolis a formação de um impresso para um publico
maior do que aquele restrito à escola, pela qualidade técnica e o aumento na
quantidade de jornais. O Santanópolis não objetivava competir com um jornal
tradicional, mas ser uma publicação paralela, com a finalidade de atrair a
comunidade estudantil. Os jovens que deram corpo ao Santanópolis
compuseram também o Centro Cultural Áureo Filho. Eram formados por
Oyama Pinto, Evandro Oliveira, Antonio Wanderley, Jair Santos Silva, Maridélia
Jales, Olney São Paulo. 125
Em 1954, ano de corrida eleitoral para deputados estaduais, federais,
vereadores e prefeitos, o jornal trouxe propagandas e publicava artigos
apologéticos de candidatos a Deputado Estadual como Áureo Filho e também
anúncios da candidatura de João Marinho Falcão a prefeito. Ambos foram
candidatos pela legenda da UDN. A identificação partidária e os elos familiares
123
RESSURGE, o Santanópolis. O Santanópolis, 09/set/1954, p.1
Oyama Pinto 13 anos depois de ter sido diretor do Santanópolis foi diretor do jornal Folha do
Norte durante a Ditadura Militar entre 1968-1971.Ver.: Folha do Norte. 28/jul/2012.
125
MELLO, Carlos Alberto Almeida. Memórias Periódicos Feirenses: Santanópolis (1954-1955)
O Coruja (1955-1957). Feira de Santana: Fundação Senhor dos Passos; Núcleo de
Preservação da Memória Feirense, 2010..
124
62
entre estudantes e membros do corpo editorial do Folha do Norte fizeram dos
“jornais estudantis” um veículo de militância política pró-udenista.
Jair Santos Silva, em 9 de setembro de 1954, a pouco mais de um mês
das eleições, divulgou um texto que fazia apologia da candidatura de Áureo
Oliveira Filho: “Candidato à legislatura estadual, satisfaz no terreno do poder
temporal as aspirações do povo; é um candidato esclarecido com dotes
intelectuais capaz de reagir a qualquer ataque aos nossos direitos
constitucionais”.126 O artigo defendeu o prestígio do nome, sua eficiência
profissional e a qualidade superior de dirigente, como era o caso de Oliveira
Filho, muito da próxima a imagem que a UDN possuía de ser um “partido dos
notáveis”, em oposição ao “partido das massas” prezando mais pela qualidade
do que pela quantidade dos seus membros notáveis”.127 Oliveira Filho venceu
com uma margem considerável de votos as eleições daquele ano.
Um dos membros do Centro Cultural Áureo Filho tinha vínculo familiar
com o candidato. Evandro de Oliveira que foi estudante do Santanópolis era
filho do ex- Deputado Estadual Áureo de Oliveira Filho. Este era uma das
figuras mais proeminentes da UDN feirense, tendo sido presidente desse
partido em 1954. No entanto, a definição política dos membros do jornal serviu
para a decisão nos rumos das perspectivas políticas dos seus jornalistas e
redatores.
Quando muitos desses membros começaram a “se envolver com as
coisas da cidade” e começaram “a fazer campanhas que envolviam posições
políticas” isso deu outros objetivos ao jornal. Motivo que deve ter levado a uma
crise no jornal sinalizada com um intervalo de 11 meses, em que não foram
publicadas novas edições entre outubro de 1954 e setembro de 1955. Assim
que retornaram as publicações Antonio Wanderley foi substituído por Oyama
Pinto, que ficou como diretor do jornal Santanópolis até sua última edição
publicada em 10 de setembro de 1955.
Na semana seguinte a última publicação do Santanópolis, o jornal
mudou de nome passando a se chamar O Coruja, mas preservou a contagem
do outro periódico, saindo com o “número 8”.128 Isto evidencia que o jornal
preservou o corpo editorial do Santanópolis. Ao mesmo tempo sugere o
comprometimento político não apenas dos diretores do jornal, mas dos
126
À CANDIDATURA Aúreo Filho. O Santanópolis. 09/set/1954.p.1.
BENEVIDES. op.cit. p.225.
128
O Coruja. 17/set/1955, p.1.
127
63
jornalistas, que mesmo com a redefinição dos objetivos do semanário,
mantiveram a mesma equipe de jornalistas com Olney São Paulo, Juvenaldo
Lopes, Andrade Geraldo Leite e José Navarro da Silva. Antonio Wanderley foi o
único que parece ter se afastado do grupo, com a mudança de nomenclatura,
uma vez que não teve mais artigos por ele assinados.
O Coruja, que se dizia “independente, noticioso e literário” passou a
seguinte composição: diretor Oyama Pinto da Silva, redator-chefe José Luiz
Navarro da Silva
e os secretários Juvenaldo Correia Lopes e diretores de
publicidade Joel Magno e José Amaral. A redefinição política do jornal se deu
por meio de publicações que faziam apologia a políticos ligados à UDN.
Não temos informações sobre vinculações orgânicas entre a UDN e
membros de O Coruja, isto é, se estiveram coligados ao partido durante a
circulação do jornal. O teor das notícias aponta que o partido e o impresso
concordavam muitos aspectos. Reportagens trazem informações elogiosas de
políticos udenistas, como o Wilson Falcão e Joselito Amorim, principalmente
quando eles apoiavam atos do prefeito João Marinho Falcão.
Numa das reportagens os articulistas escreveram que com exceção
desses dois, a “câmara de vereadores” estava com “descaso” “para com os
problemas do município”, porque segundo o periódico, os edis deveriam ter a
mesma ação desses udenistas: “desistir dos vencimentos, em beneficio do
município, até que a situação financeira do mesmo fosse equilibrada”. E
censuram a atitude: “os representantes do povo rejeitaram a proposta do Sr.
Prefeito, maculando de maneira vergonhosa aquela tradicional casa,
escrevendo assim uma das páginas mais negras da história de Feira”. 129
Saliente-se que Wilson Falcão e Joselito Amorim eram mais do que camaradas
de partido de João Marinho Falcão; o primeiro era filho e o segundo primo,
laços de parentesco que não foram destacados pela reportagem, mas devem
ter influído nos rumos da decisão desses políticos.
Sem dados estatísticos sobre a situação econômica da cidade não
sabemos se houve exageros nas informações transmitidas. Diziam que a
administração anterior era “corrupta” e que a vitória de João Marinho Falcão
significaria o fim do jogo do bicho, tema que foi debatido frequentemente no
jornal O Coruja. Por essas ações Falcão não era apenas mais um político, era
129
O DESCASO da câmara de vereadores para com os problemas do município. O Coruja,
06/Nov/1955. p.1.
64
um exemplo, que incorporava virtudes altruístas, chegando a escrever um
artigo apontando razões que levaram a “ser [ele] benemérito”.130
O comércio, a indústria e a prestação de serviços que comprava espaço
no periódico para fazer divulgação dos seus produtos mantinham O Coruja em
circulação. Destinavam-se páginas quase completas as propagandas; mas o
que chama a atenção são os anunciantes que divulgavam seus préstimos.
Entre os mais assíduos estão o médico Waldir Pitombo, o advogado Hugo
Navarro da Silva, o dentista João Durval Carneiro, todos eles foram vereadores
pela UDN feirense, como Pitombo (1959-1962), Silva (1963-1966) e Carneiro
(1955-1958;1959-1962). Se não identificamos ligações orgânicas com esse
partido, as informações sobre quem financiou e quem apoiou indica ligação
com o udenismo feirense.
Os membros do jornal O Coruja, com seu “jornalzinho” estudantil,
formado por universitários, posicionaram-se politicamente defendendo a
bandeira partidária da UDN, embora tentassem colocar em prática a
proposição de ser um periódico independente. Nessa redação se formaram
jovens que experimentariam não apenas o “exercício do jornalismo”, mas a
participação política permeada pela imprensa, “a voz do mundo”.131
5. De pasquim a jornal: o Gazeta do Povo e a imprensa do PSD.
O Gazeta do Povo, jornal fundado em 1959, como órgão vinculado ao
PSD feirense, fez parte das táticas políticas iniciadas no final da década de
1940. Examinaremos como o PSD feirense construiu um veículo de informação
de massa para o embate político iniciado com publicações caseiras e
amadurecido através no Gazeta do Povo. Como não existe uma série definida
dos “pasquins pessedistas” trabalhamos com informações transmitidas pelo
Folha do Norte.
A denominação pasquim foi dada pelos jornalistas do Folha do Norte
visando desprestigiar publicações dos adversários. Nos vários artigos em que
examinamos prevalecia um tom de desprezo, deboche e a crítica
aos
“pasquins” seguida da indicação de Carlos Bahia, da UDN para prefeito de
Feira de Santana em 1947. Havia esforço em minimizar o impacto das
130
NOVE MESES de serviços honestos, superaram quatro anos de desequilibro. O Coruja,
07/jan/1955, p.1.
131
A IMPRENSA é a voz do mundo, é o terror do traidor e do covarde. O Coruja, 14/jan/1955.
p.1.
65
informações veiculadas pelos “pasquins pessedistas” porque elas atingiam
pessoas que detinham prestígio na cidade.
Quase nunca o Folha do Norte reproduzia o que era escrito pelas
publicações do PSD. Limitava-se a criticar o teor das informações veiculadas
pelos pasquins, que contrariavam a “moralidade política”, desacatava “os
lares”, ofendia “os brios”, “divulgava infâmias” “atingindo pessoas de conceito
firmado”. A divulgação dessas publicações representava para o médico,
professor e jornalista Honorato Bonfim Filho, uma “hora triste, em que se
entrechocam os interesses partidários, e se retalha o conceito moral de
pessoas acatadas na sociedade, com a distribuição criminosa de pasquins por
pessoas desqualificadas”. Ao longo deste artigo, intitulado “Pela Moralidade
política”, ao passo que faz observações ao teor político dos pasquins, ele
realiza propaganda política do “probo e benquisto Carlos Arthur Rubiños
Bahia”. 132
No entanto, informações divulgadas pelo Folha do Norte sobre os
“pasquins pessedistas” nos permitiram analisar aspectos da impressa do PSD
em Feira de Santana. As primeiras notícias apareceram em seis de agosto e as
últimas no inicio de novembro de 1947, o que sugere que articulistas do PSD
publicaram matérias com fins de propaganda político-partidária, durante cerca
de quatro meses.133 Foi difícil precisar a frequência das publicações, mas elas
tinham local e equipe de pessoas responsáveis pela distribuição e elaboração.
Armando distribuía e seu filho, Valter Lacerda, escrivão e datilógrafo da polícia,
escrevia no jornal. A Delegacia de Policia era o lugar de impressão do jornal,
com a autorização do chefe, o Tenente Durval Carneiro. A precariedade
pessoal e instalações evidencia o comprometimento de poderes públicos com a
política partidária. Foi o Folha do Norte quem expôs os fatos:
Valter foi designado, há meses pela prefeitura local, para servir na
delegacia de policia local para servir como auxiliar de escrivão.
Com o aceso da campanha política municipal surgiram, na cidade,
pasquins datilografados, contendo infâmias contra elementos da
“coligação democrática feirense” pasquins esses de origem
pessedista.
Implicando Valter no inquérito que se instaurou a respeito, sem
rebouços dirigiu uma carta ao advogado impetrante, demonstrando
132
PELA MORALIDADE política. Folha do Norte, 20/set/1947,p.1.
Por terem circulado clandestinamente não há evidencias materiais da existência desses
pasquins. No entanto, a Folha do Norte do ano de 1947, particularmente entre agosto e
setembro travou intenso diálogo com essas publicações.
133
66
sua irresponsabilidade no assunto, historiando como nasceram, no
134
recinto da delegacia de polícia local, os pasquins em causa.
Nesse e em outros artigos há um direcionamento político para essas
publicações do PSD. Eles direcionavam suas “infâmias” aos membros da
Coligação Democrática Feirense e as edições pessedistas, devido à disputa
pelo pleito em Feira de Santana, aparecem como elementos catalisadores das
disputas políticas iniciadas com o fim do Estado Novo, especificamente durante
a corrida presidencial de 1945.
As publicações do PSD tiveram tanta repercussão nos meios políticos
feirenses que rendeu a Valter Lacerda um inquérito policial, pelo crime de
injúria, devido às agressões verbais direcionadas aos membros da Coligação
Democrática. O que o levou a se envolver na elaboração dos pasquins
pessedistas foi explanado na carta que dirigiu ao advogado que moveu a ação
criminal contra ele. Mas podemos especular um dos motivos com base nas
informações do jornal Folha do Norte. O seu cargo de auxiliar de escrivão de
de polícia não foi obtido por meio de concurso de público. Resultou de uma
designação da prefeitura que pagava seu salário, cujo prefeito, em 1947,
compôs aliança com o PSD de Feira de Santana.135 Além disso, o Delegado, o
Tenente Durval Carneiro, era um “político a serviço do PSD” junto com
membros da delegacia.136
Mas Valter Lacerda não foi o único envolvido. Além do comprometimento
com o PSD feirense do delegado de polícia, o primeiro suplente João Aguiar
junto com Armando Lacerda, responsável pela distribuição, montaram a equipe
chefiada por Durval Carneiro. A delegacia era a oficina e o centro de
distribuição, contando com o espaço e o pessoal do serviço público na
realização de publicações orientadas pelo PSD.
O que levou o PSD a elaborar publicações com características
clandestinas? Objetivava uma agitação política? Supõe-se que o objetivo dos
pasquins fosse criar um canal de diálogo com membros da sociedade feirense
através de um instrumento impresso, tendo em vista que o Folha do Norte
abrigava as principais lideranças udenistas que disputavam partidária e
politicamente postos no legislativo e executivo contra o PSD. Razão pela qual o
134
REVIVE o caso dos pasquins pessedistas.. Folha do Norte. 15/Nov/1947, p.1.
Folha do Norte. 03/jul/1948.
136
REVIVE o caso dos pasquins pessedistas.. Folha do Norte. 15/Nov/1947, p.1.
135
67
partido se utilizou de mecanismos de controle de órgãos públicos para bancar
um meio impresso de divulgação de ideias.
A ideia de criar um veículo de comunicação com vínculos com o PSD foi
desenvolvida durante a década de 1950. Nesse período o partido, apesar de
sempre ter conquistado a maioria na Câmara de Vereadores, perdeu duas
eleições consecutivas para prefeito, em 1954 e 1959, ambas disputadas pela
principal liderança do pessedismo feirense, o médico e pecuarista Eduardo
Fróes da Motta.
Em 03 de maio de 1959, Osvaldo Galeão, o Capitão José Máximo
Jandiroba e Eduardo Fróes da Motta fundaram o Gazeta do Povo “jornal
político sob orientação do PSD”.137 Diz em suas “diretrizes”:
Trazendo à lume o primeiro número desse semanário, não fugimos
de confessar que o fazemos sob o impacto da mais sadia emoção e
da maior alegria. Uma e outra são, inegavelmente, o prêmio da fé
com que encaramos sempre a efetivação de tão acalentado sonho
que vencendo óbices, superando dificuldades, hoje se corporifica,
nestes homens que labutam, nesta impressora que roda, nesta folha
138
que circula[...].
A partir daí o partido corporificou um sonho e trouxe à luz um
hebdomadário para competir politicamente com o udenista Folha do Norte.
Ressalte-se que a ideia de fundar um jornal não era disputar espaços no
comercio jornalístico; buscava-se abrir espaços num esquema onde o Folha do
Norte e sua agremiação política eram hegemônicos. A criação dos jornais era a
manifestação escrita do embate na política cotidiana e tinha um objetivo bem
definido: expor suas ideias diante da opinião pública feirense, desestabilizar o
adversário, ao realizar críticas, e propagandear as ações dos políticos do
partido.
O financiamento do jornal era dependente da contribuição financeira de
membros do PSD. Não eram feitas campanhas de arrecadação pelo próprio
periódico para a sua manutenção. Eram destinados poucos espaços para
propagandas, reservando-se a maioria das colunas do jornal para reportagens
de cunho nacional e local. Os anúncios eram realizados por integrantes do
partido que possuíam empresas ou prestavam serviços. Oscar Marques,
vereador pelo partido entre 1958 e 1962, por exemplo, foi um dos que mais
utilizaram páginas do jornal para realizar propagandas de sua revenda
137
138
DIRETRIZES. Gazeta do Povo, 03/05/1959, p.1.
DIRETRIZES. Gazeta do Povo.. 03/05/1959. p.1.
68
autorizada das cervejas Brahma. Olegário Bispo Almeida era também um dos
acionistas
do
jornal,
de
quem
não
conseguimos
identificar
maiores
informações.139 Ao que tudo indica, o dono do jornal Eduardo Fróes da Motta
era o responsável pela maior parte dos recursos.
Durante os primeiros meses de circulação, o Gazeta do Povo fez
críticas ao governo do udenista Arnold Silva (1958-1962). As noticias
veiculadas pelo periódico abordavam deficiências do governo de Silva, a
exemplo do descaso com que o governo municipal tratava os distritos feirenses
e as más destinações de recursos públicos. Para isso, o jornal dedicou dois
trechos: um intitulado “A Voz dos Distritos” para que os distritos expressassem
suas demandas e outra coluna “O povo reclama” onde eram expostas
demandas, abrindo um canal de diálogo com o leitor e moradores da sede do
Município que não tinham espaço no Folha do Norte.
Eram comum solicitações de serviços públicos em “A voz dos distritos”
como instalação de escolas e postos de saúde. No entanto, o Gazeta do Povo
reutilizou a coluna, que além de possibilitar reclamações da população ao
poder público, serviu como espaço para propagandear ações de vereadores
vinculados à legenda do PSD:
Tiquaruçu
Estamos sem luz. A sede de nosso distrito, continua às escuras, não
obstante os apelos do nosso representante na Câmara Municipal,
Antonio Araujo. Acreditamos que na atual legislatura, os pedidos do
nosso querido vereador encontrem eco.
Humildes
Em 1960 teremos um prédio escolar para nosso Distrito. O projeto de
lei de autoria do vereador Antonio Pinto, trará muitos benefícios aos
escolares de Humildes. Os moradores da Vila estão regorjizando com
a notícia, pois a grande obra terá o nome do nosso saudoso vigário
Cngo. Henrique Borges.
Bonfim de Feira
Reina muito entusiasmo, entre os habitantes desta vila, com a
atuação do vereador Teódulo Carvalho Junior. Em suas atividades,
na atual legislatura, já vem demonstrando interesse por sua terra.
Requereu ao Sr. Prefeito reparos para a estrada municipal, que liga
nosso distrito à Anguera. Sua maior preocupação é estender a rede
de iluminação elétrica até Bonfim, através de movimento conjunto
140
com os prefeitos de Serra Preta e Ipirá. [GRIFOS NOSSOS]
Os nomes em destaque foram de vereadores pelo PSD entre 1958 e
1962. Ao mesmo tempo em que o Gazeta do Povo frisava demandas dos
distritos, dava ênfase à atuação dos legisladores e seus esforços para
beneficiar a população. Nas colunas, a impressão que se tinha era a de que as
139
140
Gazeta do Povo. 06/dez/1959, p.1
A VOZ dos distritos. Gazeta do Povo. 03.05.1959, p.4.
69
ações da prefeitura não eram efetivadas nos locais fora da sede de Feira de
Santana, ficando a população do entorno sedenta por serviços públicos, dando
margem à ação dos vereadores pessedistas para cumprirem suas solicitações.
Em “O Povo reclama” o jornal expunha críticas diversas à
administração pública. Desde aquelas relacionadas à carestia da carne até a
forma como casais de namorados se comportavam nas praças públicas. A
destinação de recursos para a construção de uma biblioteca pública foi motivo
de reclamações:
O Povo Reclama!
Contra um projeto do executivo Municipal que tramita na câmara, pelo
qual o prefeito solicita verba inicial de três milhões para a construção
de uma Biblioteca Pública, e, anexo um teatro. Como se sabe tais
obras custarão aos cofres municipais cerca de uns trinta milhões de
cruzeiros. Enquanto as populações dos bairros vivem completamente
141
abandonada sem água, luz calçamento e etc.
Esse era um “projeto de fachada”, que naquele momento não havia
necessidade, segundo o jornal, tendo a prefeitura outras prioridades. Mesmo
com as reclamações do “Povo” – ressalte-se que essa coluna não tinha
quaisquer assinatura o que pode evidenciar que isso era em parte opinião dos
jornalistas do Gazeta do Povo – foi aprovada na câmara de vereadores a
solicitação do prefeito, mesmo com Raimundo Aguiar (PSD), Colbert Martins
(PSD) e Antonio Manuel Araújo (PSD)
“torpedeando” e votando contra o
projeto. A obra foi concluída em 1962 e recebeu o nome Biblioteca Municipal
Arnold Ferreira da Silva, no final da gestão desse prefeito.
As críticas realizadas contra a administração do prefeito Arnold Silva
junto com problemas de saúde o afastaram da prefeitura algumas vezes,
geraram um clima de tensão, em que limites entre problemas pessoais e
políticos eram cada vez mais indefinidos. A maioria delas incluía denuncias de
corrupção como o emprego de funcionários fantasmas e desvio de dinheiro.
Questionavam a honestidade do chefe do executivo. Por esta razão, Itamar
Silva, que não possuía ligações orgânicas com a UDN, mas era sobrinho do
prefeito, invadiu as instalações do Gazeta do Povo depredou as oficinas do
jornal e bagunçou os tipos, mas nada que atrapalhasse a circulação do
periódico na semana seguinte. O fato foi amplamente divulgado, devido aos
telegramas enviados por Eduardo Fróes da Motta para redações de jornais
141
O POVO reclama. Gazeta do Povo. 20/Dez./1959, p.4.
70
onde possuía conexão. O que possibilitou uma repercussão nacional do
ocorrido.142
Isso rendeu a Itamar Silva um inquérito policial. No interrogatório, foi-lhe
perguntado diversas vezes se sua ação criminosa nas instalações do Gazeta
do Povo teve motivações políticas. Em todas as ocasiões ele ou fugiu do
assunto ou não respondeu diretamente às perguntas. Isso pode ser uma
evidencia de que Silva estava contrariado com as posições sustentadas pelo
semanário, vendo seu tio enfermo receber cobranças e críticas do jornal.
O Gazeta do Povo conseguiu dar notoriedade às políticas pessedistas.
Os canais de diálogo abertos no jornal também foram estabelecidos junto às
camadas populares, tendo à frente Francisco José Pinto dos Santos, mais
conhecido como Chico Pinto, que, além de advogado, foi vereador entre 1951 e
1954. O foco da política, tanto do jornal quanto do partido, foi descentralizar o
apelo e as revindicações. Ao invés de procurar o eleitorado nos lugares
centrais, eles buscaram nas periferias da cidade e nos distritos, aproximandose dos sindicatos e de setores populares.143
A aproximação com os setores populares, a ação do jornal e a indicação
de Francisco Pinto, em lugar de Eduardo Fróes da Motta, revigorou o PSD
feirense, que em 1962, elegeu pela segunda vez um prefeito.144 No entanto, o
golpe de 1964, além de fechar o jornal Gazeta do Povo, substituiu Pinto por
Joselito Amorim, encerrando o pluripartidarismo e o modelo político iniciado em
1945.
Além da análise do papel da imprensa no embate entre as facções,
resta-nos examinar detidamente atos de violência praticados por políticos
feirenses. Esse será o tema do próximo capítulo.
142
O EMPASTELAMENTO do jornal Gazeta do Povo. Gazeta do Povo, 10/jul/1960, p.1.
Depoimento de Sinval Galeão. O movimento comunista. Doc. n. 42. Acervo de História Oral.
CEDOC/UEFS.
144
Para mais informações ver o apêndice D.
143
71
SEÇÃO IV – CAPÍTULO III
VIOLÊNCIA COMO PRÁTICA
Este capítulo analisa o uso da violência física e moral como estratégia
política durante o período de 1948 a 1965. O uso dela revelou a
indissociabilidade do universo político e social na dinâmica dos conflitos
feirenses. A competição pelo estado entre frações da classe dirigente de Feira
de Santana interessava pela possibilidade de implementar projetos que
beneficiassem seus pares e também pela utilização do poder como forma de
legitimar ações no conjunto da vida social. Examina-se a relação entre o
público e o privado, o social e o político. Fazer parte da administração do
município significava apropriar-se de um instrumento de controle que favorecia
os interesses pessoais e políticos. Não raro aconteceram casos de conflito
direto entre frações sobre os rumos do executivo feirense. Eles ocuparão papel
central neste capítulo, pelo fato de não se limitaram à vida institucional.
1. O “self-made-man” contra o “torrador de café”
De que maneira o aparelho governamental serviu para atender os
interesses privados e para a reprodução de frações da classe dirigente local?
De qual forma eram tratados setores da população feirense que reivindicavam
direitos?
Ao buscar informações sobre disputas entre políticos feirenses
encontramos processos crimes que denunciam irregularidades e atos de
truculência envolvendo Aguinaldo Soares Boaventura. Trazem notícias sobre
como setores da classe dirigente operacionalizavam o aparelho do Estado e
também como lidavam com outras classes sociais como trabalhadores
feirenses.
O primeiro documento analisado é o processo crime de lesões
corporais no qual, supostamente, o ex-prefeito de Feira de Santana Aguinaldo
Soares Boaventura foi o mentor intelectual da agressão sofrida por João
Hermelino da Silva. Ele revela para além da utilização da coerção como prática
de repressão, algumas questões relacionadas a tensões entre trabalhadores
72
urbanos de Feira de Santana e as classes dominantes. Nesse sentido, cabe
pensar como a classe que briga entre si pode se aliar tacitamente quando
enfrentam um mesmo “inimigo”.
João Hermelino da Silva era pai de nove filhos e funcionário há 16 anos
do comerciante e ex-prefeito de Feira de Santana Aguinaldo Soares
Boaventura. Morava na Rua Senador Quintino no número 116, local
relativamente distante do centro na década de 1950. Durante todo o período
em que trabalhou como empacotador de café nunca gozou de férias ou
benefícios trabalhistas. Segundo ele, o que ganhava mal dava para seu
sustento.145
Em setembro de 1952, resolveu solicitar ao patrão aumento salarial. No
dia estavam presentes dois outros funcionários de Aguinaldo Soares
Boaventura. Uma “moça” que trabalhava no caixa e Domingos. Discutiram e
Boaventura chegou a chamar João Hermelino, que na época tinha 66 anos, de
“safado velho”, porque o chamara de “mentiroso e garganteiro”.
O patrão demitiu Hermelino e, semanas depois, o contratou novamente
aumentando-lhe o salário de 120 para 150 cruzeiros semanais. O funcionário
saia desse primeiro embate com aumento salarial, mas com mudanças pouco
significativas para melhoria dos padrões de vida. No entanto, Aguinaldo Soares
Boaventura parece ter ficado ressentido com a situação, o que o levou a tratar
“o velho João” no ambiente de trabalho com “aspereza”. De alguma maneira o
longo período em que trabalhará na empresa lhe dera alguma margem de
negociação entre ele e o patrão. A tensão que se desenvolveu entre ambos
culminou numa tentativa de homicídio.
No dia 28 de outubro de 1952, por volta das 18:30 horas, quando
retornava do trabalho, pela avenida Senhor dos Passos, João Hermelino
recebeu uma paulada na nuca seguido de pancadas violentas no abdômen
desferidas por um homem que não foi identificado. Por sorte a esposa de
Clóvis Amorim estava na porta de sua residência e, ao ver a cena gritou,
espantando o indivíduo que escapou do local. A senhora ao prestar-lhe socorro
solicitou a um dos transeuntes que acionassem a policia. Ao chegar, o
delegado conduziu Hermelino ao hospital que ficou internado por alguns dias.
As pancadas foram tão violentas que só depois de 8 dias ele teve
condições de prestar depoimentos, ainda assim colhidos em sua residência.
145
Inquérito policial – lesões corporais. Processos crimes. Feira de Santana, CEDOC/UEFS. E
– 01; CX – 20; DOC – 369.
73
Segundo o laudo da perícia, as agressões que atingiram a cabeça, braço e
abdômen provocaram sequelas no seu ouvido direito com a redução da
capacidade auditiva.146
As acusações recaíram sobre Aguinaldo Soares Boaventura. Nenhum
dos envolvidos foram presos e o processo foi arquivado em 1964. O que esse
caso ajuda a pensar sobre as classes dominantes de Feira de Santana e suas
disputas?
Tivemos acesso às informações do espancamento sofrido por João
Hermelino através do processo crime. Nenhuma informação foi veiculada pelo
jornal Folha do Norte acerca do ocorrido. Em 1º de novembro de 1952, semana
seguinte ao ocorrido, os articulistas se preocuparam em denunciar o “jogo do
bicho” e com as emancipações políticas de Tanquinho e Serra Preta de Ipirá,
que se separaram de Feira de Santana provocando desagregações no território
feirense.
Nesse artigo denunciaram a depredação da Praça Bernadino Bahia
que estava em péssimas condições porque aquele que dá nome era uma das
referências políticas do udenismo feirense. As zonas centrais e “as pútridas
cozinha do Mercado Municipal” eram despejadas na rua “e ali toda a sarjeta é o
mesmo ferver de panelas sujas, o mesmo fumaçar de fogões improvisados a
mesma sordidez africana de cubata”. Segundo as informações do jornal existia
irregularidades acontecendo na cidade na gestão do pessedista Almáchio
Alves Boaventura, que governou entre 1951e 1955, segundo o periódico. A
imagem divulgada era de uma cidade atrasada e não modernizada. 147
Nas outras edições nada se comentou a respeito do ocorrido. Poderia
ter sido explorado politicamente, principalmente porque envolvia o ex-prefeito
da cidade, apoiado pelo PSD, e vereador em 1952, ligado ao “trabalhismo” da
cidade. Mas assim não fez o Folha do Norte. O jornal silenciou acerca do
sofrimento do trabalhador urbano como várias vezes fariam as classes
dominantes feirenses.
146
Inquérito policial – lesões corporais. Processos crimes. Feira de Santana, CEDOC/UEFS. E
– 01; CX – 20; DOC – 369. Anexo ao processo existe um laudo de lesões corporais.
147
Para discussão mais adensada sobre modernização em Feira de Santana. Ver:
OLIVEIRA,Clovis Frederico Ramaiana Moraes. “Canções da cidade amanhecente”:
urbanização, memórias urbanas e silennciamentos em Feira de Santana, 1920-1960. Tese
(doutorado). Programa de pós-graduação. Universidade de Brasilia: Brasília, 2011 e OLIVEIRA,
Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana em tempos de modernidade: olhares,
imagens e práticas do cotidiano. Recife: 2008. Tese(Doutorado em História) – Universidade
Federal de Pernambuco.
74
Uma das possibilidades para o silenciamento do jornal sobre o caso de
João Hermelino tavez se deva ao realinhamento político de Agnaldo Soares
Boaventura depois das eleições de 1948. Como vimos no primeiro capítulo, ele
foi candidato pelo PTB apoiado pelo PSD feirense de Eduardo Motta e venceu
as eleições com auxílio da “máquina pessedista”.
Em meados de 1948 ele alinhou-se à UDN feirense. Posição política
não muito estratégica, já que a maioria dos vereadores fazia parte da chapa
PSD-PTB.148 O seu alinhamento deu-se após a crise na coligação devido à
demissão do pessedista Edelvito Campelo Araujo do estratégico cargo de
secretário da prefeitura. Tal atitude foi justificada na rádio sociedade, três
meses depois das eleições, em que o prefeito fez um discurso “livre de
maquievelismos” políticos e baseado no “moralismo”. Agnaldo Boaventura
disse que foi necessário estruturar as contas da prefeitura antes de iniciar
obras como as de calçamentos na cidade. Por isso exonerou Araújo de uma
função que onerava os cofres da prefeitura.149
No entanto, a demissão de Edelvito Araujo da secretária representou
um conflito direto com o Eduardo Froes da Motta que o indicou para o cargo.
Segundo informações do Folha do Norte existia um plano que consistia num
“golpe branco da insidia e da traição”, que visava destituir Agnaldo Soares
Boaventura, com auxilio da Câmara Municipal de maioria pessedista, e eleger
Araujo como prefeito. Intento que não se efetivou e nem há outras fontes que
possam comprovar o que escreveu o periódico.150
Isso marcou um embate direito entre o principal chefe político do PSD
em Feira de Santana e o “torrador de café”.151 Talvez a iminência de se tornar
uma marionete pessedista com a maioria do PSD na Câmara dos Vereadores e
a presença de um secretário que tinha o peso de vice-prefeito o colocava numa
posição que não desejava.
Determinados instrumentos jurídicos forneceram a Agnaldo Soares
Boaventura o aparato legal para se contrapor à vontade política de Motta. Com
a extinção do cargo de secretário da prefeitura pelo decreto lei 160 de 1945, o
148
Para mais informações ver apêndice E
Folha do Norte. 11/set/1948.p.4..
150
Folha do Norte. 21/ago/1948. p.1. Na edição do mês de 23 de outubro de 1948 têm-se o
seguinte: “De uma forma ou de outra ou pela convenção criminal ou pela intervenção estadual
é necessário e urgente que seja dada uma solução ao escabroso caso do prefeito de Feira de
Santana”.p.01
151
As atividades comerciais de Agnaldo Boaventura era o comércio de café em que Hermelino
Trabalhava.
149
75
prefeito possuía recurso necessário para exoneração de Edelvito Campello
d’Araújo.152 Dessa forma, rompeu politicamente com parcelas do PSD e PTB
articulando-se, pela primeira vez, com a UDN feirense.
Diante do novo quadro político, Agnaldo Soares Boaventura estava
isolado dentro da Aliança Feirense que o sustentara. “Ordem, paz e moralidade
política” eram agora os atributos que Boaventura possuía e que conseguiu
conquistar apoio de “outras forças partidárias”.153 No entanto, ele assumiu uma
posição tática. Ao se “coligar”
com a UDN, aproximou-se também das
principais lideranças udenistas o governador Otávio Mangabeira e Juraci
Magalhães ao apoiar em 1950 à candidatura a governo do estado.154
As alianças políticas tecidas entre UDN e Agnaldo Soares Boaventura
fortaleceram-se durante seu mandato e o jornal Folha do Norte, órgão que
reproduzia ideias da ala juracisista/udenista em Feira de Santana, demonstrava
apoio à política de Boaventura. Era improvável que aliados políticos que
compunham o editorial do impresso publicassem matérias que pudessem
macular a imagem do “operoso e honesto prefeito” com a acusação de ter
mandado espancar um de seus funcionários que trabalhavam no seu comércio
de café.
Para além de mostrar como a política local se configurou em fins dos
anos 1950 o processo crime também é revelador da situação da classe
trabalhadora brasileira nessa década. Sabemos que desde o governo Dutra as
lutas contra a carestia estouravam em todo o país e que se efetivavam com a
alta de gêneros alimentícios, alugueis, pão e transportes somando-se a isso o
baixo poder de compra dos salários dos trabalhadores.155
Retomemos o caso do “velho João”. O pedreiro João Hermelino da
Silva Filho, de 26 anos, que morava na casa com os pais, prestou depoimentos
sobre o ocorrido, porque João Hermelino da Silva estava hospitalizado. Afirmou
que seu pai trabalhava, naquela ocasião, há 16 anos sem receber férias,
gratificações ou quaisquer direito trabalhistas. E quando foi solicitar aumento
salarial, ao seu patrão, Agnaldo Soares Boaventura este começou a trata-lo
com descortesia, objetivando pressionar seu genitor a sair da empresa sem o
152
EXONERADO das funções de diretor da secretaria da prefeitura.Folha do Norte.7/ago/1948.
Folha do Norte. 21/ago/1948.p.1.
154
JURACY Agnaldo a. Folha do Norte. 7/jan./1950.p.1.
155
CARONE, Edgar. A república Liberal II Evolução política(1945-1964). São Paulo: Difel,
1985.p.21.
153
76
recebimento das indenizações trabalhistas. Declarou ainda que os salários dos
dois não eram suficientes para o sustento da família.156
Seu depoimento é ilustrativo para analisarmos a situação de
trabalhadores feirenses na década de 1940 e 1950, no que diz respeito ao
custo de vida. Principalmente quando o comparamos com os de outras cidades
do país.
O trabalho de Mirian Freitas intitulado Populismo e Carestia, apesar de
analisar a capital do Estado, leva-nos a um quadro econômico de carestia que
assolava a classe trabalhadora brasileira e, especificamente, a baiana. A
autora chegou à conclusão, em estudo comparativo das famílias operárias das
principais capitais do país em 1952, que Salvador se apresentava como a
cidade com maior custo de vida. Do orçamento familiar da classe operário
industrial, 75% (setenta e cinco por cento) era destinado a despesas básicas
de alimentação e habitação, e em Porto Alegre, cidade com melhores índices,
essa estatística caia para 52%. Some-se a isso a flutuação nos preços que
poderiam resultar na perda do poder aquisitivo do salário.
Esses dados eram para aqueles que ganhavam um salário mínimo em
1952 que havia subido em janeiro para Cr$ 700,00 (setecentos cruzeiros).157
Enquanto isso João Hermelino Silva só recebeu aumento salarial a partir de
setembro, quando sua contribuição pecuniária subiu de Cr$ 480,00
(quatrocentos e oitenta cruzeiros) para Cr$ 600,00 (seiscentos cruzeiros)
mensais. Mesmo com a elevação, Silva não recebia a remuneração mínima
prevista na legislação trabalhista. Sua apelação de aumento salarial
correspondia ao primeiro concedido pelo governo Vargas que se seguiu às
políticas de combate à carestia como as de congelamento de preços. 158
O aumento salarial aconteceu depois de ter enfrentado o patrão
Agnaldo Boaventura dentro do estabelecimento, ponto de discórdia e um dos
motivos apontados pela vítima para Boaventura mandar um indivíduo “eliminalo”.159 Conforme as declarações, o intuito era fazer com que “o velho João” não
recebesse os direitos trabalhistas, seja pedindo demissão voluntariamente ou
através de um assassinato.
156
Inquérito policial – lesões corporais. Processos crimes. Feira de Santana, CEDOC/UEFS. E
– 01; CX – 20; DOC – 369.. p.8
157
FREITAS, Mirian Tereza de. Populismo e Carestia. Salvador, 1985. Dissertação (Mestrado).
Mestrado em ciências sociais. Universidade Federal da Bahia. p.59
158
FREITAS.op.cit.
159
Inquérito policial – lesões corporais. Processos crimes. Feira de Santana, CEDOC/UEFS. E
– 01; CX – 20; DOC – 369.
77
Tratava-se da luta do trabalhador feirense contra a espoliação e
carestia de vida. Sua luta individual fazia parte de um conjunto de
enfrentamentos populares que se espalhavam por toda a Bahia. Em Ilhéus
manifestações contra açougues; em Juazeiro protestos, contra a carestia; em
Murituba, São Felix e Afonso Pena revolta popular contra o aumento da farinha;
protestos contra a carestia em São Antonio de Jesus e Cachoeira; no Distrito
Federal, apedrejamento de açougues.160 Em nenhuma dessas manifestações o
Folha do Norte fez qualquer alusão às reivindicações populares.
Além disso, tratava-se de denuncias de não cumprimento de
obrigações trabalhistas. No entanto, para Agnaldo Soares Boaventura recaia
uma maior atenção por ser um dos representantes do trabalhismo na cidade.
Apesar de migrar em 1951 para o PTN (Partido Trabalhista Nacional), quando
se elegeu vereador, continuou a manter relações com o trabalhismo quando
recepcionou Getúlio Vargas em campanha para presidente da república pelo
PTB em 1950.
Os elos com o trabalhismo limitavam-se aos meios políticos. Por
dezesseis anos o “torrador de café” João Hemelino trabalhou sem ter recebido
os direitos “concedidos” por Getúlio Vargas.161 Era a luta de um trabalhador
urbano para diminuir o abismo entre as leis escritas na Consolidação das Leis
Trabalhistas e sua realidade laboral.162
Apesar da tentativa de homicídio acontecer no centro de Feira de
Santana o Folha do Norte nada informou sobre o caso. O silenciamento do
jornal articular-se com vários fatores. Um deles o esforço em apaziguar os
conflitos de classe que estouravam em todo o país ao escamotear a situação
de trabalhadores urbanos feirenses; a crença histórica que o periódico possuía
de que aos setores populares não cabia qualquer forma de enfrentamento; e as
ligações políticas entre Agnaldo Boaventura e membros do impresso.
O jornal esforçava-se para conter movimentos urbanos feirenses, e
qualquer desvio de conduta fora da “ordem” e da “harmonia” padronizada pela
classe dirigente, como o enfrentamento de Hermelino contra o seu patrão,
deveria ser tratado com rigidez, sob pena de perderem os rumos da
160
FREITAS.op.cit.p. 124. Ela mostra esse panorama com base em informações do jornal O
Momento.
161
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
162
FRENCH. John. Afogados em leis: A CLT e a cultura política dos trabalhadores
brasileiros.São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001. Nisso consiste a argumentação
central desse autor tomando como base a cidade de São Paulo entre 1945-1964.
78
administração pública. As frações se uniam tacitamente para preservar o
controle do poder político na esfera da “sociedade politica”.163
O poder político também servia para atender aos interesses de seus
familiares com o intuito de beneficiar parentes, como veremos a seguir.
2. A prefeitura para o comércio: o público serve ao privado
Argumentamos nos dois capítulos anteriores de que modo se
operavam a competição pelo poder político de Feira de Santana. Essas
disputas visavam o aparelho governamental e o controle político da cidade.
Assim, dar-se-ia se a reprodução da fração da classe dirigente no poder tanto
na ocupação de cargos públicos quanto no atendimento aos interesses
privados utilizando-se instâncias do poder público.
Conseguimos encontrar um processo em que o comerciante Mario
Figueiredo Mascarenhas acusa Agnaldo Soares Boaventura, ex-prefeito de
Feira de Santana, de crime de prevaricação em 1951. Essa queixa
caracterizou-se como ato praticado por funcionário público
contra a
Administração Pública. Consistiu em retardar ou deixar de praticar devidamente
ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei para satisfazer
interesse ou sentimento pessoal. As razões que levaram Soares a cometer
essa atitude ilegal permitem analisar usos do aparelho governamental para
obtenção de vantagens para entes da família Boaventura.
A queixa-crime prestada por Mario Figueiredo Mascarenhas foi contra o
aforamento de terras feito por Agnaldo Soares Boaventura quando ainda era
prefeito de Feira de Santana. Em dezembro de 1950, a prefeitura, através do
jornal Folha do Norte, publicou o edital 248 concedendo o lote 84, próximo à
estrada de rodagem que ligava Feira de Santana a Ipirá, no Bairro do
Sobradinho nas imediações dos antigos currais modelo, a Aristocles Soares
Boaventura.164
Ao tomar conhecimento do edital, publicado pelo Folha do Norte em 2
de dezembro de 1950, Mario Mascarenhas deve ter se surpreendido. Meses
antes, em 17 de agosto, ele havia solicitado à prefeitura o lote 84 (o mesmo
que o de Aristocles Boaventura) para a construção de um abrigo. Para tanto
163
BIANCHI, Álvaro. O laboratório de Gramsci: filosofia, historia e política. São Paulo: Alameda,
2008.
164
Queixa-crime Prevaricação. Processo-crime. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-1;CX- 2;
DOC 41.
79
apresentou plantas e o projeto de construção; documentação necessária para
obtenção do direito de usar a terra pública. Esses terrenos pertenciam ao poder
público municipal e de acordo com os interesses de crescimento urbano do
executivo, poderiam ser cedidos a indivíduos que primeiro apresentasse
objetivos para a construção de edificações. A prefeitura não garantia a posse
efetiva o que impedia a venda da terra e estipulava o prazo de dois anos para
execução do projeto.165
No entanto, Mascarenhas alegava que havia apresentado toda a
documentação necessária para a construção de um abrigo antes que Aristocles
Soares Boaventura. Como foi o primeiro a se pronunciar como interessado pelo
imóvel e estabelecer intenções legais para a obtenção do contrato de
aforamento, deveria ter sido ele o contemplado com o lote 84. Por essa razão
ele entrou com uma ação criminal contra o ato administrativo de Agnaldo
Soares Boaventura.
O depoimento de um dos funcionários do paço municipal fornece
detalhes sobre o ocorrido. Ao ser intimado, Oscar Ribeiro, porteiro da Prefeitura
e responsável pelo livro de protocolos onde são registrados os documentos
entregues no paço municipal, disse que foi procurado por Mario Figueiredo
Mascarenhas que lhe apresentou uma petição acompanhada de plantas para a
construção. Estas, segundo ele, foram encaminhadas ao prefeito. Ele, como de
costume, as protocolou e extraiu o conhecimento para pagamento da taxa de
entrada e forneceu recibo.
Dias depois foi procurado por seu colega de
repartição, cuja pessoa e nome não se recordava, que vinha em nome e por
ordem de Agnaldo Soares Boaventura, trazer-lhe uma documentação de
Aristocles Soares Boventura sobre o mesmo assunto que dizia respeito a Mario
Mascarenhas afim de que ele a substituísse. 166
Para cumprir a ordem do prefeito, raspou do livro o nome de Mario
Figueiredo Mascarenhas e substituiu pelo de Aristocles Soares Boaventura,
ficando o nome deste em lugar daquele e a petição do segundo com a entrada
e petição idêntica a do primeiro. 167
165
Queixa-crime Prevaricação. Processo-crime. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-1;CX- 2;
DOC 41.
166
Queixa-crime Prevaricação. Processo-crime. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-1;CX- 2;
DOC 41.p.13.
167
Queixa-crime Prevaricação. Processo-crime. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-1;CX- 2;
DOC 41.p.13.
80
Agnaldo Soares Boaventura contestando as afirmações de Oscar
Ribeiro disse que não recebeu nenhum pedido de Mario Figueiredo. Afirmou,
em depoimento, que tomou conhecimento do protesto através da imprensa, por
meio do jornal Vanguarda.168
O comerciante Mário Mascarenhas, segundo as informações de Oscar
Ribeiro teve o nome do livro de protocolos “raspado”. Os documentos
protocolados não foram encontrados nos arquivos da prefeitura. No processo
não foi informado à destinação dos documentos. Informações que poderiam
servir como provas para Mascarenhas desapareceram.
Em 14 de outubro de 1952, por solicitação do Juiz, dois contadores
serviram como peritos para avaliar o livro de protocolos da prefeitura que foi
raspado. No parecer, concluíram que o nome de Mário Figueiredo
Mascarenhas foi substituído pelo de Aristocles Soares Boaventura. Um dos
indícios para tal conclusão foi a constatação da letra “s” ao final da palavra
Boaventura que poderia ter sido do sobrenome Mascarenhas.169
Ficou provado que houve adulteração no livro de protocolos da
prefeitura e a responsabilidade do ato recaiu sobre o Prefeito que ordenou a
prática delituosa. Com isso, Mario Mascarenhas entrou com processo de
nulidade do ato do prefeito. Agnaldo Soares saiu sem sofrer nenhuma sanção
haja vista que o crime prescreveu.170
A esta altura, é possível relacionar os laços de parentescos a partir dos
sobrenomes. Aristocles Soares Boaventura era filho de Aguinaldo.171
Trabalhava com o pai no comércio de café, era solteiro e morava com sua
família.
Em 9 de dezembro de 1950 o Folha do Norte não publicou apenas o
edital 248. Foram ao todo 15 editais comunicando publicamente aforamentos
de áreas que pertenciam à municipalidade localizados nas imediações dos
Currais Modelos próximos a Rua Santos Dumont. Essa era uma zona de
passagem obrigatória para quem se dirigia de ônibus para Ipirá e transeuntes
vindos de outros estados poderiam ter acesso a Feira de Santana, por essa
168
Queixa-crime
DOC 41.p.11.
169
Queixa-crime
DOC 41.p.74.
170
Queixa-crime
DOC 41.
171
Queixa-crime
DOC 41.p. 78.
Prevaricação. Processo-crime. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-1;CX- 2;
Prevaricação. Processo-crime. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-1;CX- 2;
Prevaricação. Processo-crime. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-1;CX- 2;
Prevaricação. Processo-crime. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-1;CX- 2;
81
via. Por ser um local de intenso trânsito de pessoas, poderia ser utilizado para
atividades comerciais ou mesmo para a construção de abrigo, onde pessoas
poderiam se hospedar, especificamente aquelas que vinham às segundasfeiras negociar no diversificado comércio feirense.172
Enquanto zona de passagem, lugar de feira, a cidade possuía uma
grande população flutuante. Nas segundas-feiras, o comércio era feito a céu
aberto e ocorria no centro, na interseção das principais avenidas da cidade, a
Senhor dos Passos e a Getúlio Vargas. Além disso, o desenvolvimento
comercial atraia pessoas vindas de outros estados, geralmente fugindo da
seca, que procuravam melhores oportunidades.
A zona que estava em litígio entre Agnaldo Boaventura e Mario
Mascarenhas era um local estratégico, principalmente para comércio ou a
construção de abrigo. Tanto Mascarenhas como Aristocles Soares Boaventura
tinham interesses econômicos.
Mesmo o juiz pedindo que fossem juntadas plantas do abrigo que seria
construído por Mário Mascarenhas essa documentação não foi encontrada nos
arquivos da prefeitura, segundo as informações do processo. No entanto, o que
consta nos autos é um projeto para construção de um abrigo que foi
apresentando por Aristocles Boaventura. O trânsito de pessoas cada vez mais
intenso, em razão da construção de estradas em 1949 que ligavam Feira de
Santana a então capital do pais e do estado era um fator positivo para essa
atividade econômica.173 Eles perceberam a falta de locais para estadia de
comerciantes vindo de outras regiões para comercializar em Feira de Santana.
Mas outro fato desperta curiosidade nessa edição de dezembro do
Folha do Norte. De 15 lotes aflorados quatro beneficiaram filhos de Aguinaldo
Soares Boaventura. Aristocles pleiteou o lote 84 e 87; Anibal o 85 e a
Aristófanes o 86. Todos situados na Rua Santos Dumont próximo ao Currais
Modelos. Trata-se de terras contíguas e que talvez formassem um quarteirão a
julgar pelo tamanha dos terrenos.
É provável que esses imóveis servissem para especulação imobiliária.
Entre as décadas de 1940 e 1950 a população por pouco não dobrou. Ela
aumentou de 14.131 para 26.559. Mesmo sendo, nesse período, a cidade mais
populosa do interior baiano, nenhum projeto de habitação popular foi
172
POPINO, Rolie E. Feira de Santana. Salvador: Ed. Itapuã, 1968. Ver capítulo X O papel do
comércio na economia da Feira de Santana de 1860 a 1950.
173
Ibid.p.13.
82
executado.174 Então à prefeitura não interessava solucionar problemas sociais.
Doava terrenos para comerciantes em áreas estratégicas, em detrimento de
qualquer política habitacional efetivamente popular.
O então prefeito Agnaldo Soares Boaventura poderia manobrar
recursos municipais através da concessão do usufruto de terras da
“municipalidade” para seus filhos. Disso podemos inferir que a disputa pelo
poder político em Feira de Santana envolvia interesses econômicos e
tentativas, mesmo ilícitas, de favorecimento de indivíduos de um mesmo círculo
familiar.
Também nesse processo crime encontramos conexões das ligações
políticas entre o Folha do Norte e Agnaldo Soares Boaventura. São nos
silenciamentos do periódico que se escuta vozes desse imbricamento entre a
política e a imprensa feirense. No seu depoimento ele disse que tomou
conhecimento do “protesto” contra o aforamento de terras através do jornal
Vanguarda. Este era o outro impresso do município que concorria com o Folha
do Norte, que em 1950 era “o jornal mais lido de todo o interior da Bahia”.175
Daí tem-se notícias de outro periódico que circulou entre 1948 e 1955, em
Feira de Santana, antes da sua migração para Jacobina.176
Mário Figueiredo Mascarenhas denunciou atos ilícitos do poder
executivo por esse canal de comunicação. Sua atitude se explica, certamente,
porque Mascarenhas sabia das ligações políticas entre Agnaldo Soares
Boaventura e o Folha do Norte. Sobretudo porque desde maio de 1950, ano
eleitoral, o então prefeito manifestou apoiou ao candidato feirense Carlos Bahia
da UDN e também ao candidato Juraci Magalhães.177 Mesmo partilhando de
uma legenda diferente, “o operoso prefeito”
era um correligionário da
Coligação Democrática Feirense. Desde o conflito com Eduardo Motta no início
do mandato ele se coligou com essa agremiação política e dela soube extrair
vantagens estratégicas, como veremos detidamente mais adiante.
174
POPINO.op.cit. Ver especificamente o capítulo XI. Neste capítulo Popino preocupa-se mais
com características arquitetônicas de casas populares feirenses do que com problemas
relacionados a habitação popular em Feira de Santana.
175
Ibid. p.220. Ver capítulo transportes e comunicações em Feira de Santana entre 1860 a
1950.
176
http://memoriadeouro.com/?page_id=32. Este site possui registros do periódico Vanguarda
que circulou em Feira de Santana e depois migrou para Jacobina. Segundo as informações da
home page, o jornal foi fundado em Setembro de 1948 e teve contribuições do feirense
Demócrito Soares (1908-1963).
177
PREFEITO Agnaldo Boaventura levantou a candidatura do Sr. Carlos Bahia. Folha do
Norte.6/mai/1950.
83
Como vimos no segundo capítulo, o Folha do Norte era composto por
membros da UDN que defendiam a corrente juracisista. O apoio dado pela
imprensa a Agnaldo Boaventura estabeleceria laços de reciprocidade baseados
no apoio político da agremiação. Ao final, Mario Mascarenhas deveria recorrer
a outro periódico para denunciar o prefeito, uma vez que aquele órgão de
comunicação mantinha vinculações com Boaventura.
A omissão do jornal
visava à manutenção de um governante e aliado político que enfrentou o PSD
liderado por Eduardo Motta.
3. “Transfigurou-se o panorama político do município”: PSD-PTB, de
aliados a inimigos políticos
São múltiplas as determinações históricas imbricadas nas decisões
políticas. Não se trata isoladamente de questões econômicas, sociais ou de
projetos políticos. A política em Feira de Santana de meados do século XX
ajuda entender o poder político como resultado de múltiplas determinações.
O primeiro capítulo teve como objetivo específico analisar o processo
eleitoral no final dos anos 1940. Uma questão, no entanto, que merece melhor
tratamento é como se operou a dinâmica interna da aliança PSD-PTB. A
competição pelo controle do aparelho estatal definiu dissidências entre frações
da classe dirigente feirense.
Em 1948, o líder Eduardo Fróes da Motta, objetiva manter o cargo de
deputado federal e manipular o prefeito Agnaldo Soares Boaventura. Ele
conseguiria controlar o executivo municipal através da indicação do então
presidente da câmara de vereadores Edelvito Campello d’Araujo para assumir
a função de diretor da secretaria da prefeitura.
No entanto, a estratégia de Motta, segundo o Folha do Norte, surtiu
efeitos apenas nos primeiros meses da gestão de Boaventura, entre janeiro e
agosto de 1948. Esse cargo era estratégico porque ao dirigir a secretaria geral
da prefeitura ele substituía o prefeito em sua ausência e não impedia que o
indivíduo acumulasse outra função política como a de vereador, por exemplo.
Ele poderia realizar simultaneamente os dois trabalhos. Ao prefeito cabia a
indicação para o cargo.
84
A função de diretor de secretaria da prefeitura, provavelmente, foi a
moeda de troca para a aliança PSD-PTB.178 Ao receber apoio de Eduardo
Fróes da Motta,
Agnaldo Soares Boaventura indicou Edelvito Campello
d’Araújo para a função. Isso ajuda a explicar o esforço do PSD tanto na
campanha eleitoral quanto no reconhecimento da legalidade das eleições,
como mostramos no primeiro capítulo.
No entanto, Boaventura nos primeiros meses de administração
percebeu o peso político de Edelvito Campello d’Araújo e o cargo a ele
atribuído. Araújo ao acumular a função de diretor de secretaria e a presidência
da câmara atuou nas esferas legislativa e executiva; suas estreitas ligações
com o então deputado federal Motta garantia ser ele o porta-voz da liderança
do PSD em Feira de Santana.
Segundo as informações do Folha do Norte, a presença de um membro
do PSD nesse importante cargo resultaria na tentativa de um “golpe branco”
para depor Boaventura orquestrado pelo partido.
Mal concluído o acordo PTB-PSD [...]conceberam os pessedistas o
plano de tornar ainda mais asfixiante para o senhor Agnaldo Soares
Boaventura, esse instrumento de suplicio, violando o contrato [....]. O
plano era, evidentemente, o de forçar a renuncia do digno
conterrâneo para que, então a maioria da câmara, com que o
pessedismo supunha contar, elegesse um novo prefeito, todo seu, e
179
que seria, precisamente o dr. Edelvito Campello d’Araujo
O jornal não apresentou provas do “golpe” que estava em curso.
Quantitativamente o PSD era maioria na câmara contando com dez dos treze
vereadores eleitos. Não houve projetos na câmara que cogitassem a hipótese
sustentada pelo Folha do Norte. Além disso, vereadores do PSD e do PTB
defenderam o prefeito apresentando moções de apoio ao governo e aos atos
do executivo.
“Ainda mais asfixiante” era a supressão dos poderes executivos devido
à presença de elementos políticos que limitavam as ações do prefeito. A
indicação para o cargo de diretor de secretaria junto com a presidência da
câmara, concedida ao advogado e vereador “dr. Edelvito Campello d’Araújo”
prendia Agnaldo Soares às deliberações partidárias do PSD. Provavelmente
não havia intenções de “forçar a renuncia”, conforme foi noticiado pelo Folha do
178
Câmara de Vereadores de Feira de Santana. Arquivo da Câmara Municipal. Ata da Sessão.
19/08/1948.fls.28
179
TRANSFIGUROU-SE o panorama político do município. Folha do Norte. 21/ago./1948.
85
Norte. O intuito do pessedismo [leia-se Eduardo Motta] era acumular margem
de participação política no plano federal sem perder os rumos da administração
municipal.
Agnaldo Soares Boaventura em pronunciamento à população através
da Rádio Sociedade de Feira de Santana, em 11 de setembro de 1948,
caracterizou a política local e definiu seu realinhamento como aliado da UDN.
Não exercito a política de cacequismo, adotando o filhotismo como
condição básica para a conquista de prestígio eleitoral [...] Bani um
pseudo funcionário que vinha sendo pago e bem pago pelos cofres
municipais agarrado que era desde 1945 a uma comissão extinta.
Tratava-se dum afilhado que trazia como marca de batismo, a
representação em segundo corpo do padrinho todo-poderoso. Demiti
[...], obedecendo tão somente a dispositivos da Constituição Federal
e estadual. Vê o povo quê, quando demiti um funcionário que exercia
180
cargo extinto agi por um princípio altamente moralizador
Apesar de não citar nomes o “pseudo funcionário” era o advogado
Edelvito Campello d’Araújo. Ele só esteve diretor da secretaria da prefeitura
nos três primeiros meses da gestão Boaventura. Um dispositivo constitucional
o decreto-lei n. 160 de 29 de agosto de 1945 havia tornado extinto esse cargo,
mas, até 1948 essa função era exercida e remunerada pelos cofres municipais.
“Por decreto, [o] prefeito municipal, exonerou o bacharel [...] das funções da
secretaria da prefeitura”.181
As palavras do pronunciamento remetem à dinâmica da política local:
“caciquismo” e “filhotismo”, “afilhado” e “padrinho”. Para ser mais preciso,
Boaventura estava caracterizando as relações entre Eduardo Fróes da Motta e
Edelvito Campello d’Araújo. O primeiro como um cacique e líder político local, e
o segundo como seu filhote. Motta como padrinho, d’Araújo como afilhado e,
portanto, alguém que deve ser tutelado.
Edelvito Campello d’Araújo era a “representação em segundo corpo do
padrinho todo-poderoso” Eduardo Fróes da Motta. A atuação de Motta como
deputado federal, no distrito federal, impedia sua presença física na
administração municipal, sendo seu partido uma das bases do executivo. Era
necessário fazer-se presente, mesmo estando ausente, nomeando pessoas de
sua confiança para exercer cargos estratégicos. No entanto, o que Motta não
cogitava era que Agnaldo Boaventura fosse se utilizar de dispositivos
constitucionais para retirar o cargo de Edelvito d”Araújo.
180
181
MENSAGEM do prefeito aos munícipes. Folha do Norte. 11/set./1948.
GOVERNO do município. Folha do Norte. 11/ago./1948
86
Boaventura afirmou que sua atitude foi guiada por um “principio
altamente moralizador”, porque foi embasada legalmente pelos princípios
constitucionais. Talvez ai resida os fios que o uniu à UDN.
A desarticulação dessa aliança não abalou apenas estruturas políticas,
mas também sociais. Laços de amizade foram desatados, resultando em cenas
de luta corporal em defesa dos seus líderes e valores morais. As ruas e o paço
municipal foram territórios desses conflitos onde apareceram a “eloquência das
armas de fogo”.182
Na terceira semana de setembro de 1948, processou-se a crescente
turbulência que resultaria na cisão PSD-PTB. Depois disso, o pessedismo
feirense afastar-se-ia de candidaturas que os aliassem nos três pleitos para o
executivo municipal que se seguiram.183 Configurou-se então um momento
importante do debate político feirense, pois uniões partidárias se remodelaram.
Assim que anunciou a exoneração de Edelvito Campello d’Araújo, em 3
de agosto, vereadores da câmara municipal lançaram críticas e moções contra
a atitude do prefeito. Entre agosto e setembro não houve votações de projetos.
Na 19º sessão ordinária o vereador José Joaquim Saback (UDN) propôs uma
“moção de apoio ao prefeito pelo transcurso do terceiro mês de sua
administração”.184 A partir daí as discussões que se seguiram foram acerca do
significado político de posicionar-se a favor ou contra o prefeito.
A luta de parcela do PSD visava à rejeição dessa moção. No mesmo
dia Almáchio Soares Boaventura apelou ao proponente “para que o mesmo
retirasse a moção para melhor harmonia dos trabalhos da câmara”.185 Parece
que o edil sabia que isso resultaria num enfrentamento direto por vias de fato
entre legisladores.
Em resposta, na 22º sessão, Antonio Matos propôs “moção de
desconfiança e desaprovação as atitudes do prefeito” aprovada por
unanimidade, principalmente porque vereadores que apoiavam o prefeito não
estavam presentes ou saíram do plenário durante a votação.186 O documento,
182
CLIMA de insegurança. Folha do Norte. 18/set/1948.
Ver quadro de candidatos e eleitos para prefeitura de Feira de Santana entre 1948-1964 em
anexo.
184
Câmara de Vereadores de Feira de Santana. Arquivo da Câmara Municipal. Ata da 19º
Sessão Ordinária. 16/ago/1948.
185
Câmara de Vereadores de Feira de Santana. Arquivo da Câmara Municipal. Ata da 19º
Sessão Ordinária. 16/ago/1948.
186
Câmara de Vereadores de Feira de Santana. Arquivo da Câmara Municipal. Ata da 22º
Sessão Ordinária. 6/set/1948. A moção foi assinada por Antonio Matos, Edelvito Campello,
Abílio Santa Fé, Servilo Carneiro, Democrito Soares e Almáchio Boaventura.
183
87
segundo Matos, se justificava “pela maneira arbitrária e sobretudo ilegal que [o
prefeito] vem gerindo os destinos do município”187
A 23º sessão marcaria a divisão da câmara entre os que apoiavam ou
não atos do prefeito, motivados pela discussão quanto à aprovação da ata
reunião passada, que aprovou moção de desconfiança ao prefeito. Nessa
plenária o presidente por três vezes fez intervalos de cinco minutos para
acalmar os ânimos. Nas atas não foram registradas cenas de agressão,
embora haja inscrições de vereadores falando em “altas vozes” e com
comportamento “descortês”. Um deles foi protagonizado por Renato Santos
Silva que “gritando palavras ofensivas ao Sr. Presidente, verificando-se ligeira
discussão entre os srs. Vereadores Renato Santos Silva e Antonio Matos,
estabelecendo tumulto”.
Como atas da câmara de vereadores são documentos produzidos pelo
legislativo,
passam
por filtragens.188 A
imprensa feirense
noticiou
o
enfrentamento entre esses edis de forma diferente:
AGRESSÃO EM PLENA CÂMARA
Durante o debate quando falava o vereador [Renato] Santos Silva
verberando a atitude da mesa, que não queria respeitar a decisão da
maioria, o representante integralista marchou para o orador tentando
agredi-lo. Com a intervenção de outros representantes, o “valentão”
populista tentou sacar de um revólver para atingir o vereador
pessedista, no qual foi impedido. A esta altura dois ou três
pessedistas sacaram das armas, sendo contidos pelo povo que a
essa hora clamava contra aos vereadores pessedistas e impunha a
189
ordem, mesmo contra a polícia.
Essa noticia foi reproduzida dos Diários Associados que através de um
“correspondente especial” noticiou fatos que aconteceram em Feira de
Santana.190 Cruzando informações das atas e dos jornais foi possível perceber
que tensões se acentuavam e tomavam cores políticas. O “representante
integralista” e “populista” foi Antonio Matos, membro do PSD feirense e quem,
certamente, tinha posturas que, na análise do articulista, estava associada ao
187
Câmara de Vereadores de Feira de Santana. Arquivo da Câmara Municipal. Ata da 22º
Sessão Ordinária. 6/set/1948.
188
BACELLAR, Carlos. Uso e mal uso dos arquivos.In.: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes
históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
189
CLIMA de insegurança. Folha do Norte. 18/set/1948.
190
Os Diários Associados constituíam uma cadeia de imprensa que no auge, entre 1946 e
1960, congregou 90 empresas todas pertencentes à Assis Chateaubriand, integrando-a jornais,
radio e televisão. Ver LAURENZA, Ana Maria de Abreu. Batalhas em letra de forma: Chatô,
Wainer e Lacerda.In.: História da Imprensa no Brasil. MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tânia
Regina (orgs). São Paulo: Contexto, 2008.p.179.
88
populismo/integralismo. Tratava-se de um conflito político-ideológico. Apesar
disso não houve cenas de vias de fato entre os edis mesmo estando, quase
todos, armados segundo as informações da Folha do Norte.
A partir daí os edis se dividiram entre os que apoiavam o prefeito e os
que desaprovaram o governo. A própria bancada do PSD, que era maioria, foi
“desmanchada”.191 Renato Santos Silva (PSD), José Joaquim Saback (UDN)
Áureo Filho (UDN), Augusto Matias Carneiro(UDN), Antonio Cabral (PTB)
apoiava o prefeito. Enquanto que Abílio Santa Fé (PSD), Servilio Carneiro
(PSD), Antonio Matos (PSD), Demócrito Soares (PSD), Almáchio Boaventura
(PSD), Edelvito d’Araujo (PSD) fizeram pronunciamentos e elaboraram moções
que discordavam de atos do prefeito.
Na 19º sessão Antonio Matos ao justificar a rejeição a moção de apoio
ao executivo, relacionou o apoio de membros da bancada da UDN com a
concessão de cargos públicos aos parentes do vereador Renato Santos Silva.
Segundo ele, Silva foi beneficiado pelo prefeito por conseguir “nomeação de
uma parente para o quadro de funcionalismo municipal”.192
Evidencia-se que uma das formas adotadas por Agnaldo Soares
Boaventura para conseguir apoio político foi barganhando cargos públicos.
Além disso, o fato de enfrentar Eduardo Motta ao descumprir o acordo
interpartidário e realizar denuncias de corrupção assegurou que a bancada
udenista o apoiasse.
Além dos conflitos verificados na câmara, houve luta corporal entre o
vereador Demócrito Soares e o secretário da prefeitura Gabriel Castilho nas
ruas da cidade. O incidente foi registrado na delegacia de policia na forma de
um processo crime de injúria. Discutiram por causa de afirmações feitas no
“Panorama Político” da Rádio Sociedade apresentado por Castilhos em que ele
divulgava crônicas da política local e estadual.
No depoimento prestado por Demócrito Soares e em pronunciamentos
na câmara de vereadores, Gabriel Castilho estava insultando “beneméritos
feirenses” através da “imprensa local” com “notas infundadas”.193 Ele vinha
diariamente, segundo depoimentos, tecendo comentários de caráter político,
visando elementos destacados do PSD, como Eduardo Fróes da Motta, Carlos
191
POLÍTICA local. Folha do Norte.11/set/1948.
Câmara de Vereadores de Feira de Santana. Arquivo da Câmara Municipal. Ata da 19º
Sessão Ordinária.
193
Câmara de Vereadores de Feira de Santana. Arquivo da Câmara Municipal. Ata da 25º
Sessão Ordinária.
192
89
Valadares
e
Edelvito
Campelo
Araújo
sem
assumir
a
autoria
dos
pronunciamentos. 194
Ao se encontrarem no edifício do Correio e Telégrafos, no sábado dia
18 de setembro, Demócrito Soares pediu permissão a Gabriel Castilho para
perguntar-lhe acerca das crônicas que divulgava na imprensa local onde
destratava a ele e a “amigos seus” membros do PSD. Motivo que os levaram
às vias de fato. Soares desferiu um soco do qual Castilho se esquivou com a
ajuda do guarda chuva que carregava na mão. Ato contínuo, o primeiro puxou
uma arma de fogo e atirou, ferindo Castilho na testa e no dedo mínimo,
conforme relatou Gabril Castilho.195
O laudo de exame de lesões corporais comprovou a agressão. No seu
depoimento, afirmou que Demócrito Soares estava com uma arma, fato negado
por Soares. No entanto, a luta corporal se seguiu e nas cenas descritas
apareciam, por exemplo, Castilho “negaceando como um capoeira, gingando
como um malandro” ao brigar com Soares.196
Tratava-se de antigos amigos e correligionários do PSD, que naquele
momento reposicionavam-se no meio político. Durante a campanha que elegeu
Agnaldo Boaventura, o Promotor Público de Barreiras, Gabriel Castilho ajudou
na campanha como tesoureiro do partido e foi um dos responsáveis pela festa
de posse. Em depoimento, Demócrito Soares afirmou que mantinha “relações
amistosas” com Castilho.197
Além da conjuntura política marcada pela divisão entre PSD e PTB,
depois da exoneração de Edelvito d’Araujo, aquela semana de 12 a 19 de
setembro selaria o fim de amizades. Enquanto o segundo se manteve fiel aos
seus amigos e “beneméritos feirenses” Eduardo Motta e Carlos Valadares as
ofensas feitas por Gabriel Castilho posicionara-o próximo a Agnaldo Soares
Boaventura, de quem gozava de confiança política a ponto de ser nomeado
secretário da prefeitura.
A esses arranjos políticos incluem-se novos atores ao longo da década
de 1950. No entanto, os embates permaneceram. É o que veremos a seguir.
194
Sumário – injúria. Processos Crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS.p.11.
Sumário – injúria. Processos Crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS.p.16.
196
Sumário – injúria. Processos Crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS.
197
Sumário – injúria. Processos Crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. No processo crime
Carlos Valadares advogado de Demócrito Soares disse que Castilho e Soares “mantinham
relações amistosas”.p.17.
195
90
4. “Ofensas pessoais” e “divergência político-partidárias”: novos
atores, conflitos históricos.
Em 1958, a UDN baiana obteve vitórias expressivas. Para governador
Juraci Magalhães (1959-1963) e uma das cadeiras do senado ficou com Otávio
Mangabeira (1886-1960). Os feirenses João Mendes da Costa Filho, falecido
em 1971, e Wilson Falcão (1918-2007) conquistaram vagas, o primeiro, na
câmara dos deputados e o segundo, na Assembleia Legislativa. O número de
assentos destinados aos udenistas na Câmara Municipal também cresceu em
relação à legislatura anterior. Subiu de quatro para seis, o número de
vereadores eleitos pela legenda, o que representava quase metade dos edis.
Representatividade nunca vista até então.198
Em Feira de Santana, era a primeira vez que as duas principais
lideranças feirenses se enfrentavam para um cargo do executivo. A vitória
coube a Arnold Silva (UDN) que venceu Eduardo Motta (PSD). O primeiro com
8.025 e o segundo 7.612. 199 Diferença de votos significativa. O PTB participou
das eleições ao lançar candidatura de Claudemiro Campos Suzart que
conseguiu com 497 votos.200
Era a segunda vez consecutiva que Eduardo Fróes da Motta disputava a
prefeitura. A primeira foi em 1954 na qual João Marinho Falcão (UDN) venceu
com 5.477, ficando Motta com 3.671 e Hamilton Cohim (PTB) 3.058 votos. 201
Em 1958, o líder pessedista sentia a força que o Partido Trabalhista Brasileiro
possuía nas urnas. Nas eleições de 1954 e 1958, caso as legendas do PTB e
do PSD tivessem indicado um único candidato como aconteceu em 1948 a
soma dos votos presumivelmente seria suficiente para a vitória dos partidos
nesses pleitos. No entanto, realinhamentos políticos no final da década de
1940 cortariam laços dessa união partidária.
Em 1954, segundo o Folha do Norte, a vitória expressiva de João
Marinho Falcão representou a reação do município contra o “jogo do bicho”, a
“corrupção” e a “dilapidação da fortuna pública”.202 As críticas ao governo
198
Ver tabelas de legislaturas de vereadores em anexo.
A EXTRAORDINÁRIA passeata do triunfo. Folha do Norte.18/out/1958.p.1
200
Nas eleições de 1958 quando concorreu para prefeito, o lema da campanha de Claudemiro
Suzart era: “A pititinga contra os tubarões”. Ver.: OLIVEIRA, Leila Vitor Fernandes. Inquilinos
da Casa da Cidadania. CD-ROM.
201
POLÍTICA Local. Santanópolis.13/set/1954.p.1
202
TODO o município reagiu. Folha do Norte. 16/out/1954.
199
91
pessedista de Almáchio Alves Boaventura giraram sempre em torno dessas
questões.
Em 1958, pela primeira vez, a UDN experimentou em Feira de Santana
a alternância no poder executivo. Substituiu o udenista João Marinho Falcão
por um dos principais chefes políticos feirenses, Arnold Silva. Nessas eleições
Wilson Falcão, filho do então prefeito, foi eleito Deputado Estadual.
Em razão da expressiva votação, as festividades da vitória de Arnold
Silva para prefeito de Feira de Santana iniciaram-se às 17 horas do domingo, 3
de outubro, dia das eleições. Estavam presentes Juraci Magalhães, Wilson
Falcão, João Marinho Falcão, entre outros.203 Todos eles estavam no Paço
Municipal, que naquela época, abrigava o poder executivo, legislativo e
judiciário, isto é, a Câmara de Vereadores, o gabinete do prefeito e a Comarca.
O Folha do Norte Assis descreveu o cenário:
Cortejo, [...] de pessoas possuídas de incontido entusiasmo para a
residência de Arnold Silva que vinha acompanhado de Juraci
Magalhães e Wilson Falcão, em carro aberto precedido de vibrante
falange feminina que fazia tremular, nos céus da Feira [...] dezenas
de bandeiras da Bahia.[...] Enquanto a banda da “25 de Março”
tocava a marcha de Juraci”, o povo cantava e dançava, e o cortejo
avançava em meio as miríades de papelotes que se despejavam do
alto dos edifícios.[...] Educado politicamente, o povo sabe o que quer
204
[...].
Como vimos no segundo capítulo, as conexões políticas e pessoais
entre Juraci Magalhães e Arnold Silva eram estreitas. Motivo pelo qual o
governador eleito participou das festividades de posse do prefeito eleito. O
artigo, obviamente, veio repleto de adjetivos pelo “triunfo” de Silva.
Mais uma vez as mulheres mereceriam destaque entre os participantes
do “cortejo”. Desde as formações dos comitês políticos, no final da década de
1940, a participação política da mulher feirense ganhou visibilidade. Em 1950,
a professora Helena de Sena Assis (1912-1997) apareceu como um dos nomes
da UDN para ocupar o cargo no legislativo com relevante carreira docente no
interior baiano.205 Sua candidatura significava uma “expressiva homenagem à
inteligência, à cultura e ao civismo da Mulher Feirense”.206 Provavelmente uma
das estratégias udenistas para angariar votos do público feminino.
203
A EXTRAORDINÁRIA passeata do triunfo.Folha do Norte. 18/out/1958.p.1
A EXTRAORDINÁRIA passeata do triunfo. Folha do Norte. 18/out/1958.p.1
205
ALMEIDA, Oscar Damião de. Dicionário da Feira de Santana. Feira de Santana: Santa Rita,
2006.p.69.
206
Folha do Norte. 9/set/1950.p.1.
204
92
Acompanhados pela “marcha de Juraci” tocada pela “banda da 25 de
Março” o povo seguiu o cortejo. Fundada no final do século XIX, a Sociedade
Filarmônica 25 de Março contava com a colaboração financeira, na década de
1950, de sujeitos como João Marinho Falcão (1893-1971), os irmãos Silva,
Arnold, Dálvaro e Raul, Carlos Rubiños Bahia, Heráclito Dias de Carvalho,
todos ligados à UDN.207 Esse dado acentua o caráter multifacetado das classes
dirigentes que concentravam, em poucos indivíduos, uma diversidade de
atividades na sociedade feirense.208 Arnold Silva solicitou a presença musical
de uma banda que mantinha ligações com ele e seus correligionários para
festejar sua vitória.
Acompanhar o cortejo e as lideranças udenistas em meio à chuva de
papéis, ou como escreveu o Folha do Norte, uma “miríade de papelotes”, era
evidencia de que o “povo” estava “educado politicamente”. Não era mais
“marionete” no jogo político.209 Logicamente essa afirmação respondia as
iniciativas da UDN para o período. Mudanças com permanências. Indicar um
chefe político que acumulava a experiência política nos anos 1920 e era sócioproprietário do jornal mais lido do interior da Bahia, como Arnold Silva, com
uma trajetória amarrada ao juracisismo, foi uma estratégia de conservação de
poder vitoriosa. O udenismo feirense por sua vez se aproximou de grupos de
estudantes e também de mulheres para deles obter vantagens políticas como
bases eleitorais e formação de quadros.
Um dos jovens estudantes cooptados pela UDN foi Hugo Navarro da
Silva. Sobrinho de Arnold Silva, o jovem advogado, professor, jornalista e
político no início dos anos 1950 seria um dos novos atores dos conflitos entre
pessedistas e udenistas feirenses. Sua participação política ganha relevo após
o afastamento de seu tio, Arnold Silva, por motivos de saúde das atividades de
prefeito em 1958, cargo que foi ocupado por Sisnando Lima. Ele foi uma das
principais vozes udenistas nos anos 1960 utilizando-se, principalmente, do
Folha do Norte como espaço de divulgação de ideias.
Assim como a UDN, o PSD feirense redirecionou suas estratégias
políticas no final dos 1950. A aproximação do PSD com movimentos populares
e de trabalhadores conferiu a base necessária para a sua vitória em 1962.
Eduardo Fróes da Motta foi responsável pela renovação do partido convocando
207
ALMEIDA.op.cit.p.217.
Ver quadro em anexo atividades profissionais vereadores PSD entre 1948-1962.
209
A EXTRAORDINÁRIA passeata do triunfo.Folha do Norte. 18/out/1958.p.1
208
93
novos membros. Entre eles destacaram-se Francisco José Pinto dos Santos
(1930-2008), ou Chico Pinto, como era mais conhecido. É o ex-prefeito de
Feira de Santana quem narra no livro “Autênticos do MDB” o convite feito por
Motta:
“Fui procurado [...] pelo deputado federal constituinte de 1946 e exprefeito do município, dr. Eduardo Froes da Motta, uma das maiores
figuras que conheci na vida pública, que convidou-me para ser
candidato pelo PSD.[....] Afirmou conhecer meu trabalho e que
também me beneficiaria com o apoio de alguns correligionários do
meu pai, sobretudo do distrito de Humildes [...] Acrescentou, ainda,
210
que queria renovar o PSD no município.
O trabalho desenvolvido por ele e outros jovens feirenses visava articular
um novo partido na cidade. Intento que foi desaconselhado por Eduardo Motta
pois a nova agremiação não conseguiria o coeficiente eleitoral necessário. Seu
trabalho, inicialmente, foi “fazer” eleitores trabalhando no alistamento eleitoral.
Ao realizar inscrições de pessoas que votariam pela primeira vez, divulgava
seu nome como candidato. O convite de “dr. Eduardo” e o apoio de
correligionários de seu pai que tinham influência política em Humildes, um dos
distritos mais populosos do município, o beneficiaram nas urnas, garantindo
expressiva votação para vereador em 1950.
Somava-se a isso o fato de Francisco Pinto ser filho de membros da
oligarquia baiana. Seu pai, o “coronel” José Pinto dos Santos (1889-1946),
fazendeiro, agricultor e industrial foi ligado à política. Atuou como Conselheiro
Municipal, sendo por isso influente nos meios políticos feirenses.211 A
renovação do PSD proposta por Motta inseria jovens ligados às tradicionais
classes dirigentes feirenses. Renovações nos quadros partidários ocasionaram
atritos entre políticos mais experientes e iniciantes.
Um exemplo desses conflitos foi entre o líder pessedista Eduardo Froes
da Motta e o jovem udenista Hugo Navarro da Silva, logo após as eleições para
prefeito em 1962. A arena da luta foi a imprensa. Através dos jornais Gazeta do
Povo e Folha do Norte esses dois políticos trocaram ofensas pessoais
motivados pelas divergências partidárias. Nem mesmo a intervenção do Lions
Club de Feira de Santana, através de sua comissão de interesses da
comunidade, resolveu definitivamente a situação.
210
NADER, Ana Beatriz. Autênticos do MDB: semeadores da democracia: historia oral de vida
política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. p.143.
211
DAMIÃO.op.cit p.91.
94
Em 21 de março de 1963, Eduardo Fróes da Motta apresentou uma
queixa de calúnia contra Hugo Silva. Esse processo crime foi impetrado porque
no mês de fevereiro de 1963 ainda continuava reminiscências das acirradas
disputas eleitorais travadas entre o PSD e a UDN. Partia-se para outras esferas
de disputa. Ataques à moralidade, à honra e às memórias de parentes eram
alvos de divergências políticas. Motta, denunciou Silva, fundamentado-se na
Lei de Imprensa de 1953, passando procuração para representar seus
interesses e os do seu falecido pai Agostinho Motta aos advogados José Sá
Moraes e Francisco Pinto dos Santos.212 A edição do Folha do Norte trouxe em
letras maiúsculas um artigo intitulado “Os filhos de alguém”.
Nele,
o
articulista,
desqualificavam
Eduardo
Hugo
Motta.
Silva,
não
Esforçou-se
poupou
em
adjetivos
que
desmoralizá-lo,
correlacionando suas atividades econômicas com o “jogo do bicho” e
denunciando seu envolvimento com o candomblé, através de substantivações
como “Dudu de Ogum” ou “chefe nagô”.213 Com o objetivo de associá-lo a um
universo de falcatruas, acusava-o de ser “o dono do “bicho”, que corria, nesta
cidade [...] o banqueiro do “bicho” [que] engolia o dinheiro do jogo [e]
embolsava”.214
Este artigo ocupou quase toda a primeira página do jornal. As ofensas
se estenderam ao patriarca da família Motta, Agostinho, e às origens de sua
fortuna.
Vê o chefe pessedista, nas origens alheias, cocheiros, lacaios,
barregãs, esquecido de que o preto Agostinho, carroceiro que foi da
convivência com as éguas adquiriu o hábito de dar coices, que não
abandonou mesmo depois de receber o dinheiro pelo qual vendeu a
215
alma ao Diabo.
São nessas passagens que se baseiam as calúnias denunciadas por
Eduardo Motta. Ataques à sua imagem de homem que desfruta de “dignidade”
e “conceito social” e a de seu genitor Agostinho Fróes da Motta ao associa-los
a indivíduos marginalizados socialmente, sem valores morais e materiais,
requesitos indispensáveis à construção de um caráter imaculado, de pessoa
pública, conforme o Folha do Norte. O periódico associou o traço étnico, “o
212
Queixa crime Injúria calúnia/calúnia.
5; CX – 128; 2504.
213
Queixa crime Injúria calúnia/calúnia.
5; CX – 128; 2504. p.1.
214
Queixa crime Injúria calúnia/calúnia.
5; CX – 128; 2504.p.4.
215
Queixa crime Injúria calúnia/calúnia.
5; CX – 128; 2504.p.1
Processos Crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS EProcessos Crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS EProcessos Crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS EProcessos Crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS E-
95
preto Agostinho”, e a religiosidade afrodescendente como fatores negativos das
origens familiares de Motta.216
No artigo, a desqualificação a Agostinho Motta aparece uma segunda
vez:
Nunca o bronze, esse nobre metal em que se fundem os sinos da
casa de Deus e se eterniza a imagem dos justos e dos heróis teve
aplicação menos digna do que lhe deram um busto que há nesta
praça desta cidade
A praça, que o articulista Hugo Silva fez alusão, é a que possui um busto
de bronze em frente à mansão que pertencia à família Motta intitulada
Agostinho Fróes da Motta. O bronze foi mal aplicado por compor ao mesmo
tempo objetos simbólicos do mundo cristão católico e representar figuras
ligadas ao candomblé ou que possuíam ligações com espíritos demoníacos.
Criticas a homenagens feitas à memória do pai de Eduardo Motta foi parte de
um conjunto de ofensas pessoais de tom discriminatório e fundamentadas nos
valores católicos motivadas pela acirrada disputa política entre udenistas e
pessedistas.
A última das afrontas foi a que justificou o título da reportagem “Os filhos
de alguém”. Hugo Silva reproduziu um documento que dizia que Eduardo Motta
não era filho de Agostinho.
quanto ao mais bastar-nos-ia transcrever um pequeno trecho de uns
velhos e empoeirados autos: ‘o coronel Agostinho tinha o propósito
de dar a cada qual dos seus filhos um nome cuja inicial fosse – A- daí
( o documento cita todos os pré-nomes, todos começados por A em
número de sete [...]) A inicial do nome é – E – e não –A-, logo não é
filho do Cel. Agostinho.’
De quem será filho então Eduardo Motta?
217
De alguém, por certo ... de alguém ...
No documento citado não foi feita referência ao local de onde essas
informações foram retiradas. O que talvez demonstre que o articulista se
utilizou de dados imprecisos para atacar o inimigo político. Ainda mais porque
os irmãos Motta tinham nomes iniciado com a letra “A”: Artur Fróes da Motta,
Augusto Fróes da Motta, Albertina de Almeida Motta, Amália de Almeida Motta
216
Para mais informações sobre Agostinho Motta ver: REIS, Wagner Alves. Agostinho Fróes da
Motta: comércio, política e questões raciais na Princesa do Sertão (1900-1922). Monografia de
Especialização. Feira de Santana, UEFS: 2008.
217
Queixa crime Injúria calúnia/calúnia. Processos Crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS E5; CX – 128; 2504.p.4
96
e Adalgisa de Almeida Motta.218 Ele era exceção. Detalhe que não passou
desapercebido a Hugo Silva.
Em resposta, Hugo Silva, advogando em causa própria, apresentou
queixa crime em 21 de maio de 1963, contra Eduardo Motta. Fundamentandose, também, na Lei de Imprensa de 1953, ele impetrou processo de difamação.
Queixou-se de noticiais veiculadas pelo jornal Gazeta do Povo, de propriedade
de Motta, que desmoralizava a ele e seus parentes.
Afirmou que a luta entre os dois era de cunho político. E que a criação
do jornal Gazeta do Povo tinha intenções de fazer criticas acerbas e injustas
aos adversários políticos. Incluía-se entre elas o atual prefeito Arnold Silva que
foi atacado, em seu decoro e dignidade, e cujos comentários violentos levaram
o membro do executivo, adoentado, a deixar o paço municipal para tratamento
de saúde. 219
Em anexo ao processo crime seguem fotografias do jornal Gazeta do
Povo comprovando a argumentação do advogado. Nas primeiras linhas, Hugo
Silva salientou o caráter político das disputas históricas entre os semanários,
que, como viu-se no segundo capítulo, representavam de um lado o udenismo
“juracisista” em Feira de Santana e de outro o PSD, com seus respectivos
chefes, Arnold Silva e Eduardo Motta, como proprietários.
Este processo crime apresentou mais detidamente embates entre essas
facções no final da década de 1950. Segundo suas informações, Hugo Silva e
seus “parentes” foram difamados pela “malsinado Gazeta do Povo”.220
O advogado listou que entre aqueles que foram difamados estão seus
irmãos: o bacharel Antonio Navarro da Silva (1933), na época delegado de
policia, e o professor do ensino médio José Luiz Navarro da Silva
desmoralizados com notícias “aviltantes” e perversas publicadas pelo jornal.
Hugo Silva juntou aos autos do processo “calúnias e difamações” contra
seu primo, Itamar Silva, divulgadas no Gazeta do Povo. Segundo ele, depois
que o jornal chamou o rapaz de “bandido”, “desordeiro”, “maconheiro”,
“marginal” o jovem teve que deixar o “lar honrado e exemplar dos pais para
218
Ver http://oliveiradimas.blogspot.com.br/2011/10/no-final-do-seculo-19.html visitado em 20
de agosto de 2012.
219
Sumário – difamação. Processos crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-3; CX-86;
DOC - 1686.
220
Sumário – difamação. Processos crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-3; CX-86;
DOC - 1686.p.5
97
buscar meios de vida no sul do país”.221 No entanto, o que Silva não destacou
foi que seu parente apareceu nas colunas do periódico porque depredou as
instalações do Gazeta em junho de 1959.222
Ele juntou ao processo artigos do Gazeta do Povo que se posicionava
contra o seu tio Arnold Silva. Várias críticas foram feitas ao seu tio, na época
prefeito. Num deles intitulado “No mundo das piranhas” o periódico fez uma
avaliação criteriosa da política udenista qualificando-a de “ditatorial”. E que
depois que o “Sr. Juraci Magalhães assumiu o governo os seus partidários em
Feira de Santana puseram as manguinhas de fora” vendo-se jornais
empastelados como a G.P., assassinatos, jogo do bicho, funcionários
fantasmas e desvios de recursos em obras de pavimentação públicas. Foi
necessário que Sisnando Lima (1914-1984), conforme a ironia apresentada no
periódico “com três galhos de salsa, arruda e guiné” tangesse um “grupo de
fantasmas em forma de funcionários que dilapida o erário público”.223
A Hugo Silva também foi imputado fatos ofensivos, conforme anexo do
processo crime. Na edição de 27 de janeiro de 1963, o Gazeta do Povo, em
editorial, teceu comentários sobre a conduta funcional de Hugo Silva, que além
de ser advogado, exercia docência como professor de português do “Ginásio
Estadual”. Publicou o periódico que “metido a professor de português,
desmoraliza o título a que se arroga, deixando de dar aulas e, quando o faz, é
em tal estado de embriaguês, que deixa a mostra a sua falta de compostura”
comprometendo “várias gerações de jovens”.224
Para amenizar os conflitos, setores da comunidade feirense intervieram.
Essas ofensas, que abrangiam a vida particular, obrigou o Lions Club de Feira
de Santana a publicar uma carta pública, chamada “mensagem ao cidadão
feirense” onde ressaltou a preocupação dessas “disputas estéreis”. Criticou o
comportamento de “homens públicos” que não pouparam nem a sagrada figura
dos antepassados.225
Tratava-se de disputas dentro da classe dirigente de Feira de Santana.
Antepassados ou parentes ligados ao poder público eram alvos. Funcionários
públicos, como o Delegado de Polícia da 4º região Antonio Navarro da Silva e o
221
Sumário – difamação. Processos crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-3; CX-86;
DOC - 1686..p.5
222
Inquérito. Processos Crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-2; CX-46; DOC-786.
223
O MUNDO das piranhas. Gazeta do Povo.27/jan/1963.p.6
224
Sumário – difamação. Processos crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. E-3; CX-86;
DOC – 1686.p.2.
225
MENSAGEM ao cidadão feirense. Folha do Norte. 2/fev/1963.p.1.
98
professor do ensino médio José Luiz Navarro e figuras de destaque durante a
Primeira República como o cel. Agostinho Fróes da Motta e Arnold Silva. Os
métodos de agressão praticados por Eduardo Fróes da Motta e Hugo Navarro
da Silva foram semelhantes. Atingir o adversário político através de ataques
diretos a pessoa ou por meio da dilapidação de sujeitos ligados por laços
familiares, mas conectados com a trajetória política e social de cada um deles.
Mais frutíferas, do ponto de vista social, foram as atividades de
movimentos populares durante a curta gestão do prefeito eleito pelo PSD,
Francisco Pinto.
5. Nas escolas, nas ruas, nos currais: o governo do prefeito Francisco
Pinto (1962-1964)
Em 1962, ocorreu uma competição árdua pelo pleito municipal. Pouco
mais que 40 votos garantiram a vitória do PSD.226 Desde o reinício do jogo
“democrático” o resultado das eleições para prefeito municipal em Feira de
Santana nunca foi tão estreito.
Disputaram as eleições em 1962 os ex-vereadores Francisco José Pinto
dos Santos (1930-2008) e João Durval Carneiro (UDN). Pinto venceu as
eleições. Os slogans de campanha são emblemáticos para a análise dar
perspectivas políticas em disputa e do contexto das lutas populares do Brasil
no inicio dos anos de 1960. O primeiro tinha como lema: “Chico Pinto no poder
é o povo governando” e o segundo, pouco mais conservador, “João Durval no
poder é João Durval governando”.227
A diferença pouco significativa da vitória de Francisco Pinto se deveu,
certamente, às suas aproximações com setores populares urbanos de Feira de
Santana. Assim que terminou a faculdade de Direito em Salvador, começou a
advogar em 1955: “Tornei-me advogado dos sindicatos de Construção Civil,
Fumageira, Feirantes, Metalúrgicos e Comerciários e cheguei a ter a maior
banca de advocacia da região, embora não a mais rendosa”.228 Assistência
jurídica que lhe rendeu apoio político.
226
PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Pequena historia de Feira de Santana. Feira de
Santana, Ba: Sicla, 1971.
227
NADER. Op.cit.145.
228
Ibid.p.144.
99
Em campanha, chegou a afirmar que não queria “votos da burguesia”.
Ao direcionar sua campanha para bases populares visava, sobretudo, retirar os
votos do Partido Trabalhista Brasileiro conforme afirmava: “comecei a esvaziar
o PTB, que conduzia parte do eleitorado da periferia”.229 Além disso membros
dessa agremiação estavam inseridos na cúpula das organizações sindicais de
trabalhadores em Feira de Santana. Trabalhadores urbanos e populações
periféricas eram a direção tomada pela campanha eleitoral de Pinto.
Dois fatores podem explicar os motivos que levaram Francisco Pinto a
direcionar suas políticas a setores “marginalizados” da sociedade feirense. Um,
certamente, foi os “ideais socialistas absorvidos na universidade”. 230 O outro foi
o contexto do crescimento das lutas sociais no Brasil.
As estratégias de renovação dos quadros do PSD tentadas por Eduardo
Motta redirecionaram os rumos das políticas pessedistas em Feira de Santana.
A agremiação buscou o apoio dos trabalhadores urbanos, por conta da
mudança da composição do eleitorado, consequência do avanço da
urbanização possibilitada pelo Programa de Aceleração do Crescimento dos
anos Jucelino Kubitschek.231 Principalmente porque a proporção das pessoas
que viviam na cidade havia crescido substancialmente. Entre as décadas de
1950 e 1960, Wilson Falcão Deputado Federal entre 1963 e 1967 registrou que
“o aumento populacional foi de 135% estando a média atual de crescimento
muito acima da média estimada para o nosso estado”.232
Francisco Pinto parecia entender a emergência de novos atores, como
os trabalhadores, no jogo político dos anos 1950 e 1960. Apesar da imprensa
feirense não noticiar as greves nas regiões de São Paulo e do ABC paulista os
enfrentamentos resultaram na conquista de direitos como o décimo terceiro
salário em 1962.233
Elas aumentaram substancialmente no poder de
mobilização. De 300 Mil em 1953 para 700 Mil em 1963.
Governar com o povo, tendo-o como base eleitoral. Esse era o slogan de
campanha. As urnas demonstraram que de alguma forma “os trabalhadores e o
229
Idem.p. 145.
Idem Ibid. p.142. Os livros da sua biblioteca foram doados à Universidade Estadual de Feira
de Santana que estão sob a responsabilidade do Laboratório de História e Memória da
Esquerda e das Lutas Sociais apresentam títulos de escritores ligados ao socialismo e ao
pensamento marxista.
231
HIPPOLITO, Lúcia. De Raposas e Reformistas: o PSD e a experiência democrática
brasileira (1945-64). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.p.140
232
Folha do Norte. 16/mai/1964
233
NEGRO, Antonio Luigi. & SILVA, Fernando Teixeira da. Trabalhadores, Sindicatos e política
(1945-1964).In.: Brasil Republicano. Livro 3. FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de
Almeirda Neves (orgs). Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2010.
230
100
povo querem é participar da vida econômica, política e administrativa da
nação”.234
Essa abertura às demandas populares e propostas de modernização
administrativa para uma gestão mais à “esquerda” encontrou eco no PSD
através de uma corrente política chamada “Ala Moça”.
Os moços que compunham a “Ala Moça” visavam adquar o partido aos
novos tempos. Segundo a argumentação de Lúcia Hippólito, a modernização
partidária empreendida por esse grupo objetivava ocupar um novo centro
político-ideológico que estava deslocado mais para a esquerda. Ligando-se a
propostas
nacionalistas
como
a
intocabilidade
da
PETROBRÁS,
o
reordenamento das remessas de lucros, o disciplinamento da entrada de
capitais estrangeiros e a formulação de uma política nacional de energia
nuclear. Posições pelas quais foram acusados de serem comunistas ou
comunizantes.
Esse grupo teve colaboração decisiva na aprovação dos mais
importantes projetos e no apoio ao governo Kubitschek.235 Participavam da “Ala
Moça” cerca de nove deputados, entre os quais os baianos Viera de Melo e
Oliveira Brito, que compunham comissões permanentes de Constituição e
Justiça, Economia, Cultura, Legislação Social e Finanças constituindo o
principal suporte legislativo do governo JK. Apesar da tentativa de renovação, o
grupo não conseguiu tomar o lugar da ala velha do PSD. A falta de apoio do
governo
entre
1958
e
1960,
a
oposição
das
“raposas”
e
sem
representatividade nos governos estaduais, o final da gestão de Juscelino
Kubitschek selaria o fim das atividades dos “moços”.236
Embora não fosse membro da “Ala Moça”, Francisco Pinto, certamente
reconhecia a vitalidade das ideias defendidas por esses jovens. Nacionalismo,
renovação
de
práticas
políticas,
modernização
administrativa
foram
características da gestão de Pinto.
Os meses da administração de Francisco Pinto contribuem para a
análise da competição e dinâmica política na medida em que ela nos revela
demandas de setores dominados e seus meios de reivindicações. Assim como
a continuidade dos embates entre UDN e PSD e de que forma conexões
234
BENEVIDES, Maria Victoria. O PTB e o Trabalhismo: partido e sindicato em São Paulo
(1945-1964). São Paulo: Brasiliense, 1989. p.137.
235
HIPÓLITO. Op.cit. p.139 – 184.
236
Ibid.p.182
101
estaduais e nacionais de políticos feirenses definiram os rumos do poder local
no pós-1964.
Entre as articulações de esquerda de Francisco Pinto estavam as
estabelecidas com Miguel Arraes. Então governador do estado de Pernambuco
pelo PSB em 1962, Arraes foi uma das figuras com quem Pinto se articulou na
política nacional, junto com Waldir Pires, na época, Consultor Geral da
República. 237.
Paralelamente à reunião do diretório do PSD, que juntou prefeitos
baianos pessedistas em sua casa, Francisco Pinto, convidou Miguel Arraes
para participar do encontro.
No entanto, mesmo sendo o prefeito, Francisco Pinto “o dono da festa,
é quem vai gastar o dinheiro”238, os altos dirigentes do PSD desaprovam a
vinda do governador de Pernambuco. Numa análise da situação o Folha do
Norte registrou:
[...] que a direção partidária desaprovou unanimemente a conduta do
senhor Francisco Pinto considerando-a impertinente, (o senhor
Miguel Arraes é comunista filiado ao PSB e não pessedista),
inoportuna e contraditória em face dos princípios acolhidos pelo
partido [PSD] em sua linha pragmática para servirem de balisamento
239
à sua ação no plano estreitamento político
A presença de Miguel Arraes em Feira de Santana significava um
desvio dos princípios do PSD “que se notabilizava nacionalmente pela
moderação de suas propostas e um posicionamento de centro”.240 Os
princípios do partido, a que se refere à reportagem, parecem sugerir que um
deles consistia em se distanciar de propostas tidas como socialistas. O convite
era contraditório por que não sendo pessedista, Arraes venceu as oligarquias
tradicionais pernambucanas baseado no compromisso de reformas econômicosociais e abertura às demandas populares.
A vinda do governador de Pernambuco serviria, supostamente, para
falar das experiências de luta da Frente do Recife, ao lado das associações de
bairro e sindicatos em Pernambuco. A Frente tinha como plataforma política as
237
AS LIÇÕES do encontro. Folha do Norte. 05/out/1963.p.1.
DIREÇÃO do PSD desaprova Pinto: Convite a Miguel Arraes Folha do Norte 28/09/1963. p.1
239
DIREÇÃO do PSD desaprova Pinto: Convite a Miguel Arraes. Folha do Norte. 28/09/1963.
p.1.
240
FERREIRA, Muniz Gonçalves. O golpe de estado de 1964 na Bahia. Disponível em:
<http://www.fundaj.gov.br/licitacao/observa_bahia_02.pdf>. Acesso em: 01/ Set/2008.
238
102
resoluções da Carta de Salvação do Nordeste.
241
Entre as suas proposições
estavam a “proteção à industria nacional, reforma agrária, reconhecimento de
comissões intersindicais e do direito de greve e pleno funcionamento da
Confederação dos Trabalhadores do Brasil”.242
Esse documento propunha as reformas estruturais que Chico Pinto
apoiava tanto que, aproveitando a presença de Arraes em Salvador para um
evento da PETROBRÁS (que coincidiu com a reunião do diretório e dos
prefeitos baianos), o convidou, para discutir essas questões em Feira de
Santana.243 O convite feito a Miguel Arraes, apesar da insistência de Pinto, foi
desaprovada pelo PSD e o governador de Pernambuco, assim como Waldir
Pires, não apareceram em Feira de Santana.
Foi num período em que “a luta de classe no Brasil alcançou um de
seus momentos mais intensos” que Chico Pinto governou.
244
Em Feira de
Santana contradições sociais e tendências crescentes de participação popular
eram características da abertura política da população feirense.
Assembleias em praças públicas, onde a população tinha direito a voz
e voto, faziam parte das medidas que visavam à participação popular. Nas
palavras de Pinto:245
Inicialmente organizamos a população em associações de bairro,
ainda inexistentes no município e criamos uma Federação das
Associações nascentes; nenhuma obra era realizada na cidade sem
246
uma discussão em cada bairro e em praça pública.
Essa forma de governar em que a participação da população era
estimulada, marcou a gestão de Chico Pinto. Isso, no entanto, não agradou a
grupos feirenses que, derrotados na eleição anterior, fizeram campanhas de
desestabilização e perseguição ao governo. Frequentemente era taxado de
241
A carta de Salvação do Nordeste surgiu como resultado do congresso de Salvação do
nordeste, realizado em 1955, que inaugurou o novo tratamento da questão regional do
nordeste. De congressos, encontros e documentos como esse, sobre possibilidades de
desenvolvimento do nordeste, surgiu a SUDENE. Ver: VIEIRA.op.cit.
242
VIEIRA. op.cit.p.63.
243
NADER [...] op.cit. p.145 Chico Pinto afirmou que junto com alguns de seus secretários, em
praça pública, defendia as reformas de base.
244
TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia. Revista
Brasileira de História, São Paulo,v. 24, n. 47,2004. p.2.
245
Chico Pinto foi um dos primeiros prefeitos do país a fazer uma reforma administrativa
subdividindo a secretária da prefeitura em secretarias, como de educação, transportes e obras
públicas, etc. Cada secretário ficava responsável por gerir algum setor dentro da administração
municipal.
246
NADER. op.cit.p.145
103
anarquista ou comunista, posições políticas que, segundo ele, não se
sustentavam.247
Essas hostilidades à política de Pinto geraram problemas com a
administração estadual. A aliança política PTB-UDN que elegeu Lomanto
Júnior em 1962 fez com que udenistas feirenses tivessem influência no
governo do estado. O resultado dessa ligação foi a retirada do secretário de
finanças do município, cargo de indicação do Governo do Estado.
Como forma de enfrentamento da deliberação de Lomanto Junior, Pinto
recrutou, às pressas, “voluntários dos subúrbios”
248
e com o auxilio de 140
homens da Guarda Municipal, conseguiu reunir nos currais-modelos de Feira
de Santana uma frente armada para barrar a cobrança de impostos, feita pelo
governo estadual. 249
Os currais do município eram onde acontecia a feira de gado
tradicional da cidade.250 Nesse local existia uma infraestrutura, com balança de
pesagem do gado e uma área cercada, destinada ao comércio e à cobrança
das taxas pelo estado e município.251 O comercio de gado era uma das
principais atividades econômicas do município e os currais, o palco necessário
para essa relação comercial.
Para o prefeito municipal seria esse um lugar estratégico para fazer
retaliação ao governo do estado, por ter tirado o secretário de finanças do
município e impedido que o município contratasse pessoas para realizar ações
de cobrança na Recebedoria de Rendas. Nesse período, as prefeituras baianas
não tinham um aparato para cobrarem impostos e o estado colocava à
disposição dos municípios, secretários de finanças. João Torres assumiu o
cargo em Feira:
O Torres fazia um bom trabalho na prefeitura, mas as forças da UDN
feirense começaram a pressionar o Lomanto para que o retirassem
da prefeitura. Conseguiram isso e foram mais além, pois proibiram
247
NADER. op.cit.145.
GUERRA dos currais. Folha do Norte. 22/jun/1963
249
NADER. op.cit.p 147.
250
A medida que Feira de Santana crescia o campo do gado mudava de localização. Damião
salienta que o campo do gado foi mudado 5 vezes ao longo dos séculos XIX e XX. O 1º foi nos
Olhos D’Agua, ao ar livre, o 2º próximo ao abrigo do nordestino, o 3º situou na zona que
compreende hoje o Ginásio Municipal Joselito Amorim e o Museu e Arte Comtemporânea, e foi
feito de maneira planejada, sendo denominado currais-modelo, o 4º esteve localizado próximo
do bairro da Queimadinha, constituído currais-modelo como o construído anteriormente,
certamente foi nele que ocorreu a “guerra dos currais”, o 5º, é o atual, situa-se no bairro do
Campo do Gado. Ver: Damião, Oscar. Dicionário, histórico personativo de Feira de Santana.
p.174 e 175.
251
POPINO.op.cit. p.167.
248
104
que nós colocássemos funcionários para cobrar impostos na
252
Recebedoria da Rendas
Não sabemos quais motivos fizeram com que João Torres fosse
retirado do cargo de secretário de finanças. Ao que tudo indica, no entanto, a
aliança local entre UDN e o PTB, nas eleições para prefeito e governador em
1962, apesar de não obterem êxito em Feira de Santana, colocou aquela
coalizão no governo do estado e elegeu Lomanto Júnior, para a gestão de
1962 a 1966 253.
Com a máquina estatal ligada à UDN, os udenistas feirenses
utilizaram-na para tencionar e enfraquecer o governo pessedista em Feira. A
tentativa de impedir que o município arrecadasse imposto, certamente,
comprometeria o orçamento para o ano seguinte, inviabilizando a execução de
projetos para a cidade. A força política dos udenistas feirenses obteve êxito
provisório, pois Lomanto Júnior criou instrumentos para barrar a cobrança de
imposto na cidade.
Em reação às medidas do governo estadual, Pinto resolveu ocupar o
campo do gado e impediu que o estado fizesse cobranças naquele
estabelecimento. Ele e funcionários da prefeitura disponíveis no momento
estavam entrincheirados, nos Currais do Município fortemente armados e
dispostos a repelir, à bala, os prepostos da fiscalização estadual caso
pretendessem arrecadar os impostos. 254
Sobre os gritos de “hoje nóis come esses burgueses na faca,
prefeito”255 e com a proteção judicial de um Hábeas Corpus preventivo,256 os
populares e o prefeito impediram que os fiscais do estado, junto com a Polícia
Militar, adentrassem os currais. A população e a Guarda Municipal não
entraram em conflito armado com a Polícia. A solução encontrada parece ter
252
BATISTA, Jailton. Chico Pinto, a voz do contra. Revista PANORAMA. Feira de Santana: ano
2, n. 44., p.13, ago./set., 1985.p.85.
253
“O governo de Antônio Lomanto Júnior se constituiu como resultado do triunfo da coalizão
UDN-PTB sobre o candidato do PSD, Waldir Pires, nas eleições estaduais de 1962.
Sustentada pelos círculos conservadores da política e da sociedade civil baiana de então e
tendo como “padrinho” eleitoral Juraci Magalhães — na época governador, figura de proa da
UDN e adversário declarado do presidente João Goulart —, a candidatura de Lomanto
engendrava desde o início o paradoxo de incluir em sua chapa o PTB baiano, partido que,
conquanto fosse hegemonizado na Bahia por sua ala menos “progressista”, era também o
partido do primeiro mandatário da República”. Ver. MUNIZ. Op.Cit.
254
GUERRA dos currais. Folha do Norte. 22/jun/1963.p.1.
255
NADER. op.cit.p.147
256
Habeas Corpus Preventivo. Processos Crimes. Feira de Santana. CEDOC/UEFS. Esse
documento, tendo Pinto como advogado, garantiria a libertada dos envolvidos na manifestação
dos currais-modelo de Feira.
105
sido a permanência de João Torres e a volta à normalidade das funções da
Recebedoria de Rendas. “A guerra dos currais”, como ficou conhecida mostrou
o apoio da população a Chico Pinto. 257
A aliança entre o PTB e a UDN a nível estadual subsidiou ações de
udenistas feirenses ao render de favores políticos que visavam minar a
administração de Francisco Pinto. Esse tipo de prática tinha o objetivo de
aniquilar o adversário para que fosse desprestigiado e visto pela população
como alguém ineficiente e incapaz de resolver os problemas da população.
Outro
episódio,
conhecido
como
“Quebra-Quebra
da
Câmara
Municipal” marcou as lutas da população feirense em prol de uma educação
pública e gratuita na cidade. O monopólio da educação secundaria foi
conseguido desde a década de 1930 pelo Ginásio Santanópolis, de
propriedade do professor Áureo de Oliveira Filho, um dos principais expoentes
da UDN local. Como era uma instituição particular, o internato, não estava
acessível à boa parte dos estudantes feirenses, salvo nos casos em que a
Câmara Municipal concedia bolsas a alguns jovens que queriam dar
continuidade aos estudos. O problema da educação secundária não era
apenas local.
No país até os anos 60, o ensino médio era restrito a um grupo
pequeno de indivíduos, provenientes, em maioria, das camadas
medias e altas da sociedade, a partir de quando outros grupos
sociais passam a reivindicar e pressionar por mais vagas nesse nível
258
de ensino.
A carência de vagas no ensino médio público começava a ser um
problema de âmbito nacional. Além disso, os níveis mais altos de educação
continuavam pertencendo às camadas médias e altas da sociedade brasileira,
principalmente, quando o acesso à educação secundária, em lugares como
Feira de Santana, estavam sob responsabilidade da iniciativa privada.
As bolsas de estudos municipais concedidas a esses estudantes
tinham que ser aprovadas pela Câmara de Vereadores. O aluno tinha que ter
bom rendimento para não perder o financiamento municipal. Elas também
257
GUERRA dos currais. Folha do Norte. 22/jun/1963.p.1.
SANTOS, Ana Maria Fontes dos. O ginásio municipal no centro das lutas populares em
Feira de Santana (1963-1964). Sitientibus : Revista da Universidade Estadual de Feira de
Santana, n. 24, jan./jun. 2001.p.34
258
106
serviam “para estimular a iniciativa privada a suprir a escassa oferta pública
dessa modalidade de ensino”.259
Além disso, o crescimento populacional durante a década de sessenta
contrastou com a estabilização na oferta desse tipo de ensino. Feira de
Santana experimentava um impressionante crescimento urbano, superior a
90%, entre as décadas de 1950 e 1960, enquanto a taxa de oferta educacional
manteve-se praticamente estabilizada.260
Era urgente a instalação de uma escola de nível médio em Feira de
Santana, ao longo da década de 1960. Tanto que em 1961 a Câmara de
Vereadores aprovou a Lei Municipal 352/61 que instituiu o Ginásio Municipal de
Feira de Santana e, curiosamente, num de seus dispositivos, previu a
suspensão imediata das bolsas de estudos.261 A lei antecedeu à gestão de
Chico Pinto; no entanto, exigências da população e do Prefeito Municipal para
sua aplicação geraram conflitos.
Por ter sido protelada por diversas vezes a discussão na Câmara, que
previa o orçamento municipal para o ano de 1964 e a aplicação da lei 352/61
os estudantes e movimentos sociais compareceram ao Paço Municipal, para
acompanhar a última sessão do ano. Encheram as galerias da Câmara e
quando o presidente da casa, Joselito Amorim, abriu a sessão foi recebido por
vaias, que aumentaram, quando disse que ia suspender a sessão caso
permaneça a algazarra.
Suspensa a sessão; os agitadores, entre os quais pessoas ligadas
ao executivo, lançaram-se a depredação. Estabeleceu-se o caos.
Todas as galerias da câmara foram completamente destruídas. Os
vândalos aos gritos de “quebra”, “quebra”, arrancaram janelas,
estilhaçaram vidros e puseram cerco ao prédio da prefeitura na
tentativa de coagir os vereadores a votarem o orçamento segundo a
262
vontade do todo poderoso prefeito.
A intenção dos estudantes feirenses, principalmente da AFES –
Associação dos Estudantes Secundaristas de Feira de Santana – talvez não
fosse depredar o patrimônio público, mas certamente pressionar os
vereadores. Ao longo do ano, a matéria era desqualificada e retardava-se a
criação do Ginásio Municipal. Pressões de camadas médias, dos movimentos
259
Ibid.p.38
Ibid.p.38
261
Idem. p.34
262
Folha do Norte. 30/nov/1963.
260
107
populares feirenses e dos estudantes foram imprescindíveis para se constituir
na cidade instituições de educação pública e gratuita.263
Se a vitória de Chico Pinto, no pleito de 1962, não foi marcada por um
sucesso grande no número de votos, sua administração fora de participação
popular e a abertura política à população feirense, traduzida, como em boa
parte do país, em conflitos sociais que visavam as demandas da população.
Educação, certamente era uma das pautas prioritárias.
Participação popular, atendimento as demandas da população, práticas
de assembléias públicas, no entanto, não eram bem recebidas pela oposição
que viam essa prática política como “desordem”.264 Para esses setores não
competiria à população tomar posições políticas, porque:
o povo ama a paz e a família, a segurança e liberdade, a inteligência
e a justiça. O povo vive de persuasão e esperança, benignidade e
trabalho. Não é do seu seio que sai a Mão Negra das destorras
265
anônimas
Essas atitudes – tanto as manifestações na Câmara Municipal quanto a
represália feito pelo prefeito ao governo do estado – significavam para a
oposição parte de um plano comunista para o país.266 Não partiria do pacato
povo feirense atitudes como essa, imaginavam os setores conservadores,
marcadamente alinhados com a UDN. E o possível plano comunista incluiria a
ação de Chico Pinto e os seus “agentes”, como advertiu o Folha do Norte:
Pode ficar ciente [...] que os democratas não se entregarão sem luta
e que estão dispostos a revidar golpe por golpe parta de onde partir
a agressão e, para isso, contam com o apoio de todos os que ainda
267
não perderam a fibra e a coragem
Pode-se supor que um golpe estava realmente a caminho, e suas
vítimas foram mapeadas ao longo da década de 1960. A ligação de políticos
263
O prédio do Ginásio Municipal tinha abrigado os currais da cidade na década de 20. Depois
da sua transferência para novas instalações no Bairro da Queimadinha, sediou as Escolas
Reunidas Agostinho Fróes da Motta. Com a aplicação da lei 352/61, esta escola, após o ano de
1963, cedeu lugar ao Ginásio Municipal de Feira de Santana. Para mais informações consultar
ALMEIDA.op.cit.
264
PINTO Comanda a desordem: a câmara foi invadida e depredada. Folha do Norte
30/nov/1963.
265
PINTO Comanda a desordem: a câmara foi invadida e depredada. Folha do Norte
30/nov/1963
266
PINTO Comanda a desordem: a câmara foi invadida e depredada. Folha do Norte
30/nov/1963
267
PINTO Comanda a desordem: a câmara foi invadida e depredada. Folha do Norte
30/nov/1963
108
feirenses com os de projeção nacional, a abertura política aos setores da
população e, principalmente, os conflitos entre udenistas e pessedistas foram
os motivos da deposição de Chico Pinto, em 1964.
A UDN feirense com seu moralismo, “o partido da eterna vigilância”,
vigiava os passos de Francisco Pinto, seu adversário e entrave nos planos
udenistas. 268 Na avaliação deles, a administração de Pinto mesclava anarquia,
comunismo, falência e desmoralização.269 Ela, por via da força, conseguiu
retornar ao poder em 1964. 270
A deposição de Francisco Pinto foi cobrada por Juraci Magalhães a
Castelo Branco.271 A solicitação partiu da UDN feirense, maior beneficiada com
a vacância do cargo, que indicou o nome de Joselito Amorim. Ele governou até
o fim do mandato que deveria ser exercido por Pinto. Eles ajudaram o governo
militar a efetuar as punições, na troca do restabelecimento do poder aos
udenistas feirenses.
O golpe político possibilitou a restauração da UDN no executivo. Isso
foi crucial para a continuidade dos projetos políticos udenistas iniciados nas
gestões anteriores dos João Marinho Falcão (1954-1958) e Arnold Silva (19581962). Eles, no decorrer dos 1960/70, basearam-se na tentativa de inserção da
cidade nos rumos da industrialização, do desenvolvimento urbano, no
esfacelamento dos movimentos populares, assim como na abertura ao capital
estrangeiro, com a implantação de um parque industrial.272
Por isso “a revolução” foi saudada, como um marco para história do
Brasil, segundo o Folha do Norte. Uma reportagem publicada na edição de
dezembro de 1964 fez uma retrospectiva dos principais acontecimentos no
mundo. Nela, o golpe de 1964 figurou como o acontecimento que salvou a
pátria da ameaça comunista e devolveu a ordem e o progresso a Feira de
Santana e ao Brasil.
268
BENEVIDES.op.cit.p.11
Folha do Norte. 16/mai/1964.p.1
270
Maria Benevides faz uma análise do paradoxo da UDN: “Um partido que nasceu da luta
conta uma ditadura, cresceu apesar de sofridas derrotas [..] para finalmente, quase vinte anos
depois, surgir vitorioso num esquema de poder que instalaria um regime militar de arbítrio,
repressivo e autoritário”. Ver.: BENEVIDES.op.cit.p.11.
271
A Tarde.31/mar/2004.p.9.
272
Um das iniciativas foi a criação do CIS/Tomba. Centro Industrial do Subáe situado no bairro
do Tomba e foi fundado na década de 1970. Para mais informações sobre industrialização em
Feira de Santana ver.: MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses hegemônicos na margem da
periferia: ação política de dirigentes industriais em Feira de Santana (1963–1983). Dissertação
(Mestrado). Feira de Santana, UEFS: 2009.
269
109
Veio entretanto para a felicidade da Feira, a Revolução Democrática,
que baniu do poder do nosso município, comunistas e simpatizantes,
entregando ao homem honesto e trabalhador os destinos da
comuna. Coube ao Prof. Joselito Falcão Amorim restaurar a
prefeitura, colocar a “casa em ordem” e iniciar uma administração,
justa, séria e profícua, que muito vem fazendo e muito fará ainda
273
pela terra feirense.
Antes de congratular as forças armadas, essa reportagem fala da
“intranquilidade e agitação” que nos primeiros meses de 1964 havia pairado
sobre a cidade, com o exemplo da “depredação da Câmara de Vereadores”, no
governo do “prefeito deposto”. Era necessário estabelecer um clima de paz e
tranquilidade, uma gestão, diferente da anterior, que restaurasse e organizasse
a cidade e a população feirense.
Colocar “a casa em ordem”, mesmo sendo um ditado popular, deveria
ter aparecido sem aspas na reportagem, pois foi com rigor que o governo de
Joselito Amorim e os militares atuaram na cidade nos primeiros anos do pósgolpe. As primeiras atitudes tomadas pela gestão Amorim atingiram o
funcionalismo público municipal. Exonerações de servidores e administradores
de distritos ocorreram nos primeiros dias de mandato, e antes de julho de 1964,
a nova estrutura de funcionários da prefeitura estava montada.
Alguns vereadores e secretários como Oscar Marques, secretário de
Agricultura e Obras Públicas, e Colbert Martins, secretário de agricultura e
indústria, que votaram contra o impeachment de Pinto, foram os primeiros a
perderem seus cargos. Outras pessoas que tinham cargos de confiança, em
suas maiorias políticos, também foram exoneradas. 274
O “expurgo” deu-se também nos administradores de distritos de Feira
de Santana. Em locais distantes da sede do município havia um representante
da prefeitura, nomeado pelo prefeito, que era o administrador de distrito que
fazia parte dos cargos de confiança do funcionalismo municipal. Os
administradores de Tiquarussu (José Gregório Araújo), Jaguara (José Batista
Carneiro), Maria Quitéira (Raul de Oliveira) e Ipuaçu (Agrário de Oliveira) foram
exonerados dos seus cargos, quando Joselito Amorim assumiu a prefeitura.275
Com o golpe de 1964, uma dupla ação seguia-se em Feira de Santana.
Uma de cunho político-administrativo e outra de repressão efetiva. Ou seja,
essas ações visavam coibir focos de levante contra o governo municipal
273
Folha do Norte. 26/dez/1964.p.1
Folha do Norte. 09/mai/1964
275
Essas exonerações foram encontradas em nota na Folha do Norte entre os meses de maio
e julho de 1964.
274
110
instituído na figura de Joselito Amorim e também refrear a participação da
população feirense, prendendo participantes e lideranças progressistas dos
movimentos populares e estudantil e associações de bairro. Colocar “ordem na
casa”, como aparece na reportagem acima, visou esfacelar a participação
popular no poder político institucional.
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise sobre a competição e dinâmica política em Feira de Santana,
entre 1948 e 1965 revelou que disputas em torno da conquista do poder
político, protagonizadas pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo Partido
Nacional Democrático (PSD), envolveram diversos mecanismos. Os embates
mais enérgicos foram localizados fora do campo político institucional. A
dimensão social dos enfrentamentos deu cores mais vivas à luta pelo o poder e
mostrou-se fundamental para compreensão do tema em estudo.
A imprensa foi um dos campos de disputa. Ela foi a arena onde vários
segmentos tentaram expressar suas ideias. A UDN, através do jornal Folha do
Norte, que divulgava suas concepções, não foi a única experiência jornalística
e partidária. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) forjou iniciativas, nessa
perspectiva, mas os conflitos internos culminaram no enfraquecimento e,
posteriormente, no fim do periódico. Da mesma forma, o PSD incorporou às
suas estratégias, sobretudo ao longo dos anos 1950, a construção de um
semanário, o Gazeta do Povo, que circulou seis anos. Os pessedistas criaram
um canal de interlocução com a população feirense e, ao mesmo tempo,
estabeleceram um espaço de conflito político no jornalismo, baseado na crítica,
na divulgação de ideias e de denúncias.
A violência foi reveladora de uma rede de relações sociais e políticas
que caracterizava as práticas políticas do período. Os processos crimes foram
importantes para mostrar dissidências internas da UDN e do PSD e a influência
exercida pelas duas principais lideranças: Eduardo Fróes da Motta e Arnold
Silva. A utilização de métodos violentos foi um mecanismo para causar
intimidação e calar vozes destoantes dos agrupamentos dominantes.
A liderança de dois políticos Arnold Silva e Eduardo Fróes Motta
evidenciou o personalismo como uma das características do período. A análise
dos perfis das lideranças locais mostrou que ambos os líderes pertenciam às
classes dominantes e ocupavam papel de destaque na sociedade. A trajetória
social e política revelou que eram herdeiros políticos de dois dos principais
“coronéis” da Bahia. Esses laços de parentesco ajudaram a impulsionar suas
112
carreiras políticas. Apesar do caráter personalista de ambas as lideranças,
manteve-se o caráter ideológico das disputas locais. Aspectos como o
antigetulismo, liberalismo, anticomunismo, trabalhismo e populismo foram
temas de discussões e afinidades entre políticos feirenses.
Apesar do esforço de membros da classe dominante feirense, visando
silenciar setores populares estes tiveram papel ativo na política feirense. Seja
através das luta pró-educação pública e gratuita ou através de enfrentamento
patrões, a população feirense teve papel central em todo o período.
Os rumos políticos tomados por Feira de Santana no pós-1964 foi
resultado das divergências históricas entre pessedistas e udenistas. Conexões
com políticos, como Juraci Magalhães, ligados aos militares, contribuíram
decisivamente no golpe contra Francisco Pinto (PSD), que colocou Joselito
Amorim (UDN) no poder. Ao fim, a participação dos movimentos populares ou
perspectivas de participação da população no governo foram suprimidas por
setores da classe dirigente da cidade que apoiaram a Ditadura Militar.
113
LISTAGEM DE FONTES:
a) Biográficas, memórialisticas
ALMEIDA, Oscar Damião de. Dicionário da Feira de Santana. Feira de
Santana: Santa Rita, 2000.
OLIVEIRA, Leila Vitor Fernandes. Inquilinos da Casa da Cidadania. CD-ROM.
b) CEDOC/UEFS
Autos criminais
Tipo
Período
Inicio
Partes envolvidas
Parte I(autuado)
fim
Localização
Parte II(autor da ação)
Est
Cx
Doc
Sumário de difamação
1963
1964
Eduardo Fróes da Motta
Hugo Navarro da Silva
03
86
1686
Queixa crime
1963
1964
Hugo Navarro da Silva
Eduardo Fróes da Motta
05
128
2504
Inquérito
1960
1960
Itamar Silva
jornal Gazeta do Povo
02
46
781
Lesões corporais
1952
1964
Agnaldo Soares Boaventura
João Hermelino da Silva
01
20
369
Injúria
1949
1956
Demócrito de Lima Soares
Bel.
José
Castilho
Gabriel 05
35
591
Prevaricação
1951
1952
Mario
Mascarenhas
Soares 01
02
41
Injuria
1963
1964
Rossine Souza
95
1980
Figueiredo Agnaldo
Boaventura
Antonio Leopoldo Cabral
04
Acervo de História Oral
Entrevistados
Tema
Sinval Galeão
Movimento
comunista
Título do projeto
Movimento comunista: envolvimento dos comunistas na 42
frente de mobilização popular
c) Arquivo da Câmara de Vereadores de Feira de Santana

Atas das sessões Ordinárias e Extraordinárias (1945 a 1964)
d) Jornais

Arquivo Particular do jornal Folha do Norte
 jornal Folha do Norte (1945 a 1964)

nº.doc.
Coleção de Jornais da Família Galeão
 jornal Gazeta do Povo (05/1959 a 03/1964)
114

Jornais Santanópolis (1954-155) e O Coruja (1955-1957)
 MELLO, Carlos Alberto Almeida. Memórias Periódicos Feirenses:
Santanópolis (1954-1955) O Coruja (1955-1957). Feira de
Santana: Fundação Senhor dos Passos; Núcleo de Preservação
da Memória Feirense, 2010.
 Este livro contém publicações fac-símile de todas as edições dos
jornais O Coruja e Santanópolis.
115
REFERÊNCIAS
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APENDICE A – ATIVIDADES PROFISSIONAIS DOS VEREADORES PELA UDN (1948-1962)
VEREADOR
ALBERTO SAMPAIO DE
OLIVEIRA
ARTUR VIEIRA DE OLIVEIRA
AUGUSTO MATIAS DA SILVA
ÁUREO DE OLIVEIRA FILHO
GODOFREDO LEITE FILHO
HERÁCLITO DIAS DE CARVALHO
HUGO NAVARRO DA SILVA
JOÃO BATISTA CARNEIRO
JOÃO DURVAL CARNEIRO
JOÃO JOAQUIM SABAK
JOSÉ SISNANDO LIMA
JOSELITO FALCÃO DE AMORIM
NEWTON TAVARES CARNEIRO
PAULO ALMEIDA CORDEIRO
WALDIR DA SILVA PITOMBO
WALTER NINCK MENDONÇA
WILSON DA COSTA FALCÃO
QUANTAS VEZES
FOI ELEITO
PROFISSÃO
PREDOMINANTE
FUNCIONÁRIO
PÚBLICO
Sim
Não
Sem
dados
ATIVIDADE
JORNALISTICA
Sim
Não
PROFESSOR
Sem
Dados
Sim
Não
PRO
Sem dados
Sim
X
X
1
3
3
1
1
1
1
1
2
1
1
2
1
1
1
2
2
médico
Professor
Professor
Agricultor
Advogado
Pecuarista
Dentista
Tenente
Sem dados
Professor
Sem dados
Comerciante
Médico
Sem dados
Médico
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
120
APENDICE B – ATIVIDADES PROFISSIONAIS VEREADORES PSD (1948-1962)
VEREADOR
ABILIO SANTA FÉ AQUINO
ALMÁCHIO ALVES BOAVENTURA
ANTONIO DE OLIVEIRA MATOS
ANTONIO LOURENÇO NERY
ANTONIO MANOEL DE ARAUJO
ANTONIO PINTO DOS SANTOS
ANTONIO RIBEIRO DA CUNHA
COLBERT MARTINS DA SILVA
DEMÓCRITO DE LIMA SOARES
DORIVAL COSTA DE OLIVEIRA (ter
certeza. Parece que era udenista)
EDELVITO CAMPELLO DE ARAUJO
FRANCISCO BARBOSA CARIBÉ
FRANCISCO JOSÉ PINTO DOS
SANTOS
HUMBERTO CERQUEIRA
MASCARENHAS
JACKSON DO AMAURY
JOÃO DE OLIVEIRA CAMPOS
JORGE CERQUEIRA
MASCARENHAS
OSCAR MARQUES
OSVALDO MONTEIRO PIRAJÁ
RENATO SANTOS SILVA
SERVILHO ALVES CARNEIRO
THÉODULO BASTOS DE CARVALHO
JUNIOR
TITO BARREIRO MACHADO
QUANTAS VEZES
FOI ELEITO
1
1
1
1
2
2
2
3
2
1
PROFISSÃO
PREDOMINANTE
1
1
1
Comerciante
Tabelião
Sem dados
Sem dados
Tabelião
Advogado
Sem dados
Dentista
Pecuarista
Fun. Secretária da
Fazenda
Advogado
Sem dados
Advogado
1
Contador
1
1
1
Médico (suponho)
Médico
Sem dados
1
1
1
1
1
comerciante
Médico
Médico
1
Sem dados
Médico
FUNCIONÁRIO
PÚBLICO
Sim
Não
Sem
dados
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
ATIVIDADE
JORNALISTICA
Sim
Não
PROFESSOR
Sem
Dados
X
Sim
Não
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Sim
X
X
X
X
Sem dados
X
X
X
PROP
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
121
APENDICE C - RELAÇÃO DE VEREADORES ELEITOS (1948-1962)
1ª LEGISLATURA (1948-1950)
NOME
PARTIDO
ABILIO SANTA FÉ AQUINO
PSD
ALMÁCHIO ALVES BOAVENTURA
PSD
ANTONIO DE OLIVEIRA MATOS
PSD
ANTONIO LEOPOLDO CABRAL
PTB
ANTONIO RIBEIRO DA CUNHA
PSD
ANTONIO DE MOURA CARNEIRO
PSD(SUPLENTE)
AUGUSTO MATIAS DA SILVA
UDN
ÁUREO DE OLIVEIRA FILHO
UDN
CLOVIS GONÇALVES AMORIM
PSD/ PTB (Suplente)
DEMÓCRITO DE LIMA SOARES
PSD
EDELVITO CAMPELLO DE ARAUJO
PSD
FRANCISCO BARBOSA CARIBÉ
PSD/PTB (Suplente)
GENESIO MOREIRA DE AZEVEDO
PSD (Suplente)
JOÃO BATISTA CARNEIRO
UDN
JOSÉ JOAQUIM SABAK
UDN
RENATO SANTOS SILVA
PSD
MANOEL NARCISO DA NATALIDADE
PSD (Suplente)
SERVILHO ALVES CARNEIRO
PSD
SUPLENTES:5
TOTAL DE VEREADORES:13
Mesa Diretiva (01 de Janeiro de 1948 a 31 de Dezembro de 1950):
Presidente: Edelvito Campello de Araujo
Vice-Presidente: Servilho Alves Carneiro
1º Secretário: Abilio Santa Fé Aquino
2º Secretário: Antonio Ribeiro da Cunha
122
2ª LEGISLATURA (1951-1954)
NOME
AUGUSTO MATIAS DA SILVA
ARTUR VIEIRA DE OLIVEIRA
ANTONIO MANOEL DE ARAUJO
ANTONIO RIBEIRO DA CUNHA
AGUINALDO SOARES BOAVENTURA
ÁLVARO DOS SANTOS RUBEM
CLAUDEMIRO CAMPOS SUZART
DEMÓCRITO DE LIMA SOARES
ESTEVAM MOREIRA
FRANCISCO BARBOSA CARIBÉ
FRANCISCO JOSÉ PINTO DOS SANTOS
HAMILTON SABAK COHIN
HERÁCLITO DIAS DE CARVALHO
JOÃO CATAPANO
JOÃO DE OLIVEIRA CAMPOS
PARTIDO
UDN
UDN
PSD( Suplente)
PSD
PTB
PTB (Suplente)
PTB (Suplente)
PSD
PTB (Suplente)
PSD
PSD
PTB
UDN
PR (Suplente)
PSD
JOÃO MARTINS MAMONA
PSD (Suplente)
JORGE TUPHIQ ISMERA
PR (Suplente)
JOSELITO FALCÃO DE AMORIM
UDN (Suplente)
MANOEL NARCISO DA NATALIDADE
PSD (Suplente)
MARIO BORGES DE SOUZA
PR (Suplente)
RAIMUNDO SIMÕES AGUIAR
PSD (Suplente)
RENATO SANTOS SILVA
PR (Suplente)
TITO BARREIRO MACHADO
PSD
WILSON DA COSTA FALCÃO
UDN
WALTER NINCK MENDONÇA
Total de vereadores: 13
Suplentes: 12
UND
Mesa Diretiva (01 de Janeiro de 1951 a 31 de Dezembro de 1952):
Presidente: Hamilton Sabach Cohim
Vice-Presidente: Francisco Barbosa Caribé
1º Secretário: Francisco José Pinto dos Santos
2º Secretário: Tito Barreiro Machado
123
Mesa Diretiva (01 de Janeiro de 1953 a 31 de Dezembro de 1954):
Presidente: Francisco Barbosa Caribé
Vice-Presidente:Demócrito de Lima Soares
1º Secretário: Walter Ninck Mendonça
2º Secretário: Wilson da Costa Falcão
3ª LEGISLATURA (1955-1958)
NOME
AUGUSTO MATIAS DA SILVA
ARTUR VIEIRA DE OLIVEIRA
ANTONIO LOURENÇO NERY
ANTONIO MANOEL DE ARAUJO
ANTONIO RIBEIRO DA CUNHA
COLBERT MARTINS DA SILVA
DORIVAL COSTA DE OLIVEIRA
JOÃO DE CASTRO BARBOSA
JOÃO DURVAL CARNEIRO
JOSELITO FALCÃO DE AMORIM
JORGE WATT DA SILVA
MÁRIO BORGES DE SOUZA
MÁRIO PORTO
OSVALDO MONTEIRO PIRAJÁ
WALTER NINCK MENDONÇA
WILSON DA COSTA FALCÃO
PARTIDO
UDN
UDN
PSD
PTB
PSD (Suplente)
PSD
PSD
UDN (Suplente)
UDN
UDN
PTB
PTB (Suplente)
PTB
PSD
UDN
UDN
Total de vereadores: 13
Suplentes:3
Mesa Diretiva (01 de Janeiro de 1955 a 31 de Dezembro de 1956):
Presidente: Augusto Matias da Silva
Vice-Presidente: Jorge Watt da Silva
1º Secretário: Antonio Manuel de Araujo
2º Secretário: Walter Ninck Mendonça
Mesa Diretiva (01 de Janeiro de 1957 a 31 de Dezembro de 1958):
Presidente: Jorge Watt da Silva
Vice-Presidente:Osvaldo Monteiro Pirajá
1º Secretário: Dourival Costa de Oliveira
2º Secretário: Mário Porto
124
4ª LEGISLATURA (1959-1962)
NOME
ALBERTO SAMPAIO DE OLIVEIRA
ALTAMIR ALVES LOPES
ANTONIO MANOEL DE ARAUJO
ANTONIO PINTO DOS SANTOS
ANTONIO RIBEIRO DA CUNHA
PARTIDO
UDN
PTB
PSD
PSD
PSD (Suplente)
ARTUR VIEIRA DE OLIVEIRA
UDN
COLBERT MARTINS DA SILVA
PSD
DEMÓCRITO DE LIMA SOARES
UDN (Suplente)
GILBERTO MOREIRA FERREIRA
PR (Suplente)
HUMBERTO CERQUEIRA MASCARENHAS
PSD
JOÃO CATAPANO
PR
JOÃO DURVAL CARNEIRO
UDN
JONATHAS TELES DE CARVALHO
UDN (Suplente)
JOSÉ MARQUES FIGUEIREDO
UDN (Suplente)
JOSÉ SISNANDO LIMA
UDN
JOSELITO FALCÃO DE AMORIM
UDN (Suplente)
OSCAR MARQUES
PSD
RAIMUNDO SIMÕES AGUIAR
PR
SEVERINO ALVES CARNEIRO
PSD (Suplente)
THÉODULO BASTOS DE CARVALHO JUNIOR
PSD
WALDIR DA SILVA PITOMBO
Total de vereadores: 14
Suplentes: 7
UDN
Mesa Diretiva (01 de Janeiro de 1959 a 31 de Dezembro de 1960):
Presidente:João Durval Carneiro
Vice-Presidente: Antonio Manoel Araujo
1º Secretário: João Catapano
2º Secretário: Humberto Cerqueira Mascarenhas
___________________________________________________
Mesa Diretiva (01 de Janeiro de 1961 a 31 de Dezembro de 1962):
Presidente: João Durval Carneiro
Vice-Presidente: Antonio Manuel de Araújo
1º Secretário: Altamir Alves Lopes
125
2º Secretário: Colbert Martins da Silva
5ª LEGISLATURA (1963-1966)
NOME
ANTONIO MANOEL DE ARAUJO
ALTAMIR ALVES LOPES
ANTONIO ANTUNES DOS SANTOS
ANTONIO PINTO DOS SANTOS
COLBERT MARTINS DA SILVA
GODOFREDO LEITE FILHO
HUGO NAVARRO DA SILVA
HUMBERTO CERQUEIRA MASCARENHAS
JACKSON DO AMAURY
JORGE CERQUEIRA MASCARENHAS
JOSÉ MANOEL DE ARAUJO FREITAS
JOSÉ MOREIRA
NEWTON TAVARES CARNEIRO
PAULO ALMEIDA CORDEIRO
RAIMUNDO SIMÕES AGUIAR
THÉODULO BASTOS DE CARVALHO JUNIOR
JOSELITO FALCÃO DE AMORIM
PARTIDO
PSD
PTB
PTB
PSD
PSD
UDN
UDN
PSD (Suplente)
PSD
PSD
UDN (Suplente)
PSD (Suplente)
UDN
UDN
PSD (Suplente)
MDB
UDN
TOTAL DE VEREADORES:13
SUPLENTES: 4
Mesa Diretiva (01 de Janeiro de 1963 a 31 de Dezembro de 1964):
Presidente:Joselito Falcão de Amorim
Vice-Presidente: Paulo Almeida Cordeiro
1º Secretário: Altamir Alves Lopes
2º Secretário: Theódulo Bastos de Carvalho Junior
___________________________________________________
Mesa Diretiva (01 de Janeiro de 1965 a 31 de Dezembro de 1966):
Presidente:Paulo Almeida Cordeiro
Vice-Presidente: Godofredo Leite Filho
1º Secretário: Altamir Alves Lopes
2º Secretário: Newton Tavares Carneiro
126
APENDICE D - PREFEITOS (1943-1963)
NOME
PERÍODO
PARTIDO
Heráclito Dias de Carvalho (UDN)
6 de julho de 1938 a 11 de março de 1943
Dr. José Berbert Tavares(NI)
11 de março de 1943 a 5 de abril de 1944
Dr. Eduardo Fróes da Motta(PSD)
5 de abril de 1944 a 9 de novembro de 1945
Dr. Augusto Vital Graça (NI)
9 a 16 de novembro de 1945
Dr. Alibert do Amaral Batista(NI)
16 de novembro a 10 de dezembro de 1945
Engº Civil Acioly Vieira de Andrade
10 de dezembro de 1945 a 1° de março de 1946
Dr. Augusto Vital Graça
1° de março a 25 de abril de 1946
Dr. Carlos Valadares (PSD)
25 de abril de 1946 a 3 de janeiro de 1947
Farmac.ºJoão Barbosa de Carvalho –
(PSD)
3 de janeiro a 20 de maio de 1947
Dr. Edelvito Campelo de Araújo(PSD)
21 de maio a 6 de junho de 1947
Francisco Barbosa Caribé
6 de junho de 1947 a 16 de maio de 1948
Aguinaldo Soares
Boaventura - 16 de maio de 1948 a 31 de
janeiro de 1951
PTB
Prof. Almáchio Alves
Boaventura - 31 de janeiro de 1951 a 7 de abril de
1955
PSD
João Marinho Falcão
10 de abril de 1955 a 7 de abril de 1959
UDN
Arnold Ferreira da Silva
7 de abril de 1959 a 24 de novembro de 1962
UDN
Dr. José Sisnando Lima
24 de novembro de 1962 a 7 de abril de 1963
UDN
Dr. Francisco José Pinto dos Santos
7 de abril de 1963 a 6 de maio de 1964
PSD
Prof. Joselito Falcão de Amorim
8 de maio de 1964 a 7 de abril de 1967
UDN
127
APENDICE E - QUADRO DE CANDIDATOS E ELEITOS PARA
PREFEITURA DE FEIRA DE SANTANA (1948-1964)
Ano das
Eleições
Candidatos
Partidos/coligação
Vitorioso
Período
1947
Carlos
Bahia(UDN)
Coligação
Democratica
Feirense (PR,
UDN, PTN,PDC)
Agnaldo Soares
Boaventura
(1948-1951)
Agnaldo Soares
Boaventura(PTB)
Aliança Feirense
(PSD,PTB)
Almáchio Soares
Boaventura(PSD)
Coligação
(PSD,PTB)
Almáchio Soares
Boaventura(PSD)
(1951-1955)
Carlos
Bahia(UDN)
Aliança (PR, UDN,
PTN,PDC)
João Marinho
Falcão (UDN)
(1955-1959)
Arnold Silva (UDN)
(1959-1963)
Francisco
Pinto(PSD)
(1963-1964)
1950
1954
Hamilton Cohim
(PTB)
Eduardo Motta
(PSD)
João Marinho
Falcão (UDN)
1958
Eduardo
Motta(PSD)
Frente Democrática
Feirense
Claudemiro
Campos Suzart
(PTB)
Arnold Silva (UDN)
1962
Francisco
Pinto(PSD)
João Durval
Carneiro (UDN)
Hamilton Cohim
(PTB)

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