Por Núcleo Prisma
Transcrição
Por Núcleo Prisma
Revista Inter Ação | UFSM - Universidade Federal de Santa Maria | Vol. 4, nº 4 | jan/jun. 2013 ISSN 2178-1842 Por Núcleo Prisma Revista Inter Ação | UFSM - Universidade Federal de Santa Maria | Vol. 4, nº 4 | jan/jun. 2013 ISSN 2178-1842 Universidade Reitor Prof. Felipe Martins Müller Vice-Reitor: Prof. Dalvan José Reinert Centro de Ciências Sociais e Humanas – CCSH Diretor Rogério Ferrer Koff Vice Diretor: Mauri Leodir Löbler Departamento de Ciências Econômicas Chefe Orlando Martinelli Júnior Subchefe: Pascoal Marion Filho Corpo Editorial editor José Renato Ferraz da Silveira Comitê Editorial Ana Carolina Serro Polita, Augusto César Dall’Agnol, Bruna Toso de Alcântara, Bruno Gomes Gottschefsky, Bruno Rizzi, Dionathan Ysmael Rodrigues da Silva, Fabiane Frois, Germano Londero Zenkner, Giuliana Facco Machado, Guilherme Pastl, Gustavo Manduré, José Renato Ferraz da Silveira, Juliana Graffunder Barbosa, Junior Ivan Bourscheid, Marcelo Fabri Junior, Marcos Pascotto Palermo, Nerissa Krebs Farret e Rafaela Gardin dos Santos. Conselho editorial Adriano José Pereira (UFSM), Ana Maria Evans de Carvalho (Georgetown University, EUA), Clarissa Franzoi Dri (UFSC), Fréderic Louault (Sorbonne Nouvelle, Paris), Guillaume Pierre Leturcq (UFSM), Gláucia Angélica Campregher (UFRGS), Ivani Vassoler (UFSM), José Carlos Martines Belieiro Junior (UFSM), José Luiz de Moura Filho (UFSM), José Renato Ferraz da Silveira (UFSM), Marcelo Arend (UFSC), Niousha Roshani (UFSC), Oliver Stuenkel (FGV), Sérgio Alfredo Massen Prieb (UFSM), Teresa Cristina Bruno Andrade (UNESP) e Uacauan Bonilha (UFSM). Nota: Os trabalhos assinados exprimem conceitos da responsabilidade de seus autores, coincidentes ou não com os pontos de vista da redação da Revista. Todos os direitos Reservados: Proibida a reprodução total ou parcial, sem a prévia autorização do Núcleo, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos ou videográficos. Vedada a memorização e/ou recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de quaisquer partes desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e §§, do Código Penas, cf Lei nº 6.895, de 17-12-1980) com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreenção e indenizações diversas (arts. 122, 123, 124 e 126, da Lei nº 5.988 de 14-12-1973, Lei dos Direitos Autorais). pareceristas Alfredo Alejandro Gugliano (UFRGS) Fernando da Silva Camargo (UFPEL) Doutorado em Sociologia + Ciência Política Doutorado em História (PUC-RS) [email protected] [email protected] Álvaro Augusto de Borba Barreto (UFPEL) Graciela De Conti Pagliari (UFSC) Doutorado em História (PUC-RS) Doutorado em Relações Internacionais (UnB) [email protected] [email protected] Antônio Manoel Elibio Júnior (UFSC) Jerônimo Siqueira Tybusch (UFSM) Doutorado em História Social Política (Unicamp) Doutorado em Direito e pós-doutorando em Ciência Política e Relações [email protected] Internacionais (UFP) [email protected] Léo Peixoto Rodrigues (UFPEL) Doutorado em Sociologia (UFRGS) Ceres Karan Brum (UFSM) [email protected] Doutorado em Antropologia [email protected] Mônica Salomón González (UFSC) Doutorado em Ciência Política Danilo da Cás (IESB) (Universidad Autónoma de Barcelona) Doutorado em Pedagogia (Universidade Estadual [email protected] Paulista – Marília) e Doutorado em Pedagogia (USC) [email protected] | [email protected] Reginaldo Teixeira Perez (UFSM) Doutorado em Ciência Política Diorge Alceno Konrad (UFSM) (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) Doutorado em História Social [email protected] [email protected] Edison Rodrigues Barreto Junior (Canada) Doutorado em Economia Internacional Sebastião Peres (UFPEL) Doutorado em Educação (UFMG) [email protected] [email protected] Érica Winand (UFS) Doutorado em História [email protected] Thiago Rodrigues (UFF) Doutorado em Relações Internacionais [email protected] Interação/Universidade Federal de Santa Maria. Centro de Ciências Sociais e Humanas. Departamento de Ciências Econômicas - Vol. 4, n. 4 (jan/jun. 2013) - Santa Maria, 2013 Semestral. ISSN: 2178-1842 Vol. 4, n. 4 (jan/jun. 2013) CDU 327 Ficha catalográfica elaborada por Maristela Eckhardt - CRB-10/737 Biblioteca Central da UFSM Os editores Apresentação Thiago Rodrigues entrevista 07 Apresentação 11 entrevista 23 ensaio Carlos Andrés Jiménez Navarro América Latina: amenazas y calidad de la democracia en el siglo XXI Cristine Koehler Zanella Inaê Siqueira de Oliveira A atuação do Brasil no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC e o lugar do direito na PEB Luciano Vaz Ferreira Fabio Costa Morosini Corrupção e investimento estrangeiro direto 43 59 Alan Gabriel Camargo Por uma leitura mais ampla: a contribuição da Historiografia nas Relações Internacionais 83 artigos Luiz Fernando Vescov Os centros do poder econômico mundial na atualidade e as possibilidades de conflitos regionais 107 Prakash Kona Revolutionary medicine: a response to corporatizing healthcare in India 131 R.S. Rose The Manipulation of History: Censorship in Freedom of Information Act Requests at the U.S. Department of Justice, Federal Bureau of Investigation 163 6 | InterAção InterAção | 7 apresentação 8 | InterAção InterAção | 9 CARTA DE APRESENTAÇÃO “O destino da humanidade é desconhecido, mas sabemos que o processo de existir modifica-se”. A transcrição do pensamento de Edgar Morin revela o papel estrito e importante da investigação cien- tífica de monitorar, prever, criar e desenvolver ideias para a evolução da humanidade em diversas áreas do saber. Com o objetivo de fundamentar a complexa formação acadê- mica frente a diversas, contínuas e amplas transformações das socie- dades, o curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria estrutura-se em três hélices de interação – Universidade, extensão e sociedade. Coesa a tal estrutura desenvolve um núcleo de ideias de pesquisas sob a ótica multidisciplinar, assim, originando-se o núcleo de pesquisas Prisma, como eixo ser um locus de fontes geradoras de ideias nutrindo a perspectiva acadêmica de temas relevantes e contemporâneos que culminam na constituição da revista InterAção, tendo esta como lema a multidisciplinaridade que delineia a intrincada rede das relações na sociedade. Sob essa estrutura, compreende-se que, a dinâmica do siste- ma mundial deve ser lida à luz dos fatos pretéritos e presentes, pois o destino da sociedade tem sido orientado e estruturado por fatos e ideias, que, ora positiva e, ora negativamente modificaram o destino da humanidade. A análise das primeiras décadas do século XXI é amostra de como a disposição dos fatos pode alterar a intensidade da interação social traçando os rumos da sociedade sob o domínio da economia, política e justiça. Na seara das Relações Internacionais os temas são 10 | InterAção múltiplos. A amplitude dos temas deve ser direcionada pela pauta da estrita investigação científica de qualidade. Nesse enfoque, a revista InterAção acomoda sua composição em pesquisas científicas relevantes e internacionais. De tal forma identificar um destino menos desconhecido frente às constantes modificações ao processo de existir da humanidade. O periódico InterAção, na quarta edição, tem leitura refinada de temas de ampla relevância cientifica nas ciências sociais. O Corpo Editorial apoiado pelos pareceristas especializados em temáticas específicas, em código de ética científico e critérios do Sistema Qualis selecionou os trabalhos comprometendo-se ao propósito do periódico e expectativa dos leitores. Mediante estes critérios, a re- vista InterAção, como empreendimento ainda novo, começou a lograr êxito em suas avaliações e renova em mais esta edição a sua disposição em continuar crescendo em qualidade e excelência acadêmica. O Corpo Editorial agradece aos leitores e pesquisadores que submeteram suas pesquisas. E, oferece um instrumento de exploração científica para a comunidade acadêmica das Relações Internacionais. Boa Leitura!! Os editores InterAção | 11 entrevista Thiago Rodrigues 12 | InterAção InterAção | 13 1. O narcotráfico, por ser um movimento transnacional, exige medidas específicas no que tange ao combate. Podemos afirmar que soluções em curto prazo por parte das entidades governamentais serão insatisfatórias? Existe uma grande coerência na política global sobre dro- gas que é o consenso em torno da proibição. Temos hoje um regime internacional de controle de drogas estabelecido já há mui- tas décadas, principalmente desde os anos 60, e que se articula a partir do princípio de que proibir e reprimir tanto a produção quanto todo circuito de comercialização e consumo é a política indicada para enfrentar a questão das drogas ilícitas. Nos últimos anos houve algumas mudanças pontuais em países isolados, mas essa é a grande política global sobre drogas. As políticas de repressão nacionais têm algumas dimen- sões que são transnacionais, ou melhor, de cooperação. Às vezes há cooperação entre países, às vezes não; às vezes são intervenções mais por repressão, principalmente exercida pelos Estados Unidos. O fato é que diante da continuidade da ilegalidade e da repressão, o narcotráfico se mostra flexível e adaptável. Então, o que vem acontecendo historicamente é que quando se reforça a proibição e a repressão em um determinado lugar, país ou região há um trânsito para outros espaços. Por isso, a chamada cooperação internacional será sempre insuficiente para acabar com o narcotráfico, na vigência desse atual regime. 2. O que seria uma visão libertária das Relações Internacionais? Uma visão libertária das Relações Internacionais é, antes de mais nada, uma visão agonística das Relações Internacionais. 14 | InterAção O que quer dizer isso? É uma visão interessada no combate às ver- dades estabelecidas e no combate às perspectivas já consolidadas, não por preciosismo ou por um capricho, mas como uma tentativa de mostrar que os conceitos e as teorias no jogo da produção do saber têm uma história e têm também intencionalidades políticas. O campo das teorias de Relações Internacionais, por exemplo, é extremamente naturalizado. Quer sejam as perspectivas teóricas realistas ou liberais, elas são extremamente natura- lizadas como se não houvesse alternativa possível de pensamento fora desses espaços. Então, é preciso mostrar que é possível sim pensar desde outras perspectivas para analisar os acontecimentos internacionais desde outros ângulos. E, a partir disso, mostrar uma outra coisa: que essas perspectivas consolidadas, as clássicas em Relações Internacionais, têm compromissos políticos que não são explícitos e mas que as vinculam com o Estado; com a justificação e defesa do Estado. Elas fazem parte de uma tradição da filosofia política, que é de legitimação do Estado, ainda que isso não seja explícito ou autoevidente. Assim, elas estão no campo de discurso jurídico-político, como nomeou Michel Foucault, e é preciso explicitar essa filiação para que primeiro a gente possa desnaturalizar esses discursos e abrir caminhos para possibilidades de pensamentos diferenciados e não, necessariamente, comprometidos com a defesa do Estado e do capitalismo. Por isso a urgência de uma atitude de combate; e agonis- mo é combate. Essa perspectiva libertária, então, é agonística no sentido de liberar visões diferenciadas, explicitando as criações políticas no Estado, no regime econômico capitalista e nas na- InterAção | 15 turalizações do que existe tanto no campo econômico quanto no político. Essa perspectiva estaria interessada em destacar não apenas os jogos diplomáticos e militares dos Estados, dando a enten- der que as RI se resumiriam a eles. Ao contrário, o libertarismo nas RI estaria atento às resistências ao poder, aos contrapoderes, às invenções de novas práticas sociais. Estaria atenta ao que é dissonante e evidencia que há combate, uma guerra na política, constante e incontornável que desafia as teorias tradicionais que querem nos convencer que a guerra é apenas um fenômeno militar domesticado pelo Estado e que acontece, vez ou outra, no plano internacional. Haveria aí, com esses elementos, um ensaio de uma perspectiva libertária das RI. 3. Na atualidade, nas Relações Internacionais, ainda a Escola Realista é a “melhor” que explica os fenômenos internacionais? Existe um debate entre as teorias sobre qual seria a mais ade- quada, qual seria a melhor para explicar os fenômenos internacionais. Trata-se de uma disputa por prestígio acadêmico e por influência política. O realismo teve um apelo muito grande durante a Guerra Fria por seu caráter instrumental muito importante para os Estados Centrais e, principalmente, para os Estados Unidos naquele momen- to. Então, ela se afirmou como instrumento teórico e de formulação política, ou de orientação para a elaboração de política externa, muito interessante para os Estados Unidos e seus aliados. Analisando por esse prisma, o realismo não é melhorou pior do que outras perspectivas. Ele foi historicamente mais adequado às articulações, as intencionalidades políticas dos Estados poderosos. 16 | InterAção Com isso, o realismo se afirmou politicamente, e ao mesmo tempo, também se afirmou academicamente. Ele nunca foi melhor do que qualquer outra perspectiva, mas ele foi sim melhor articulado e instrumentalizável do ponto de vista político e, a partir daí também se firmou no mundo acadêmico. 4. Em sua opinião, está havendo uma “crise de paradigmas” nas Relações Internacionais? Eu acho que não. O que existe são questionamentos a res- peito dos chamados paradigmas clássicos; e os próprios “paradigmas clássicos” se readaptaram nos anos 90. Existe uma falsa dicotomia, na qual muita gente ainda aposta, da separação estanque, absoluta, entre liberalismo e realismo. Digo falso porque eles pertencem a uma mesma tradição filosófico-política e operam com categorias e prin- cípios semelhantes. O que eles têm, historicamente, é uma disputa por influência que não é uma disputa em torno de princípios ou de antagonismo. Realismo e liberalismo não são inimigos; são mais adversários disputando espaços e influência na academia e nos corredores do poder dos países centrais. O compromisso político muitas vezes velado de ambas as correntes teóricas é com a afirmação da importância e inevitabilidade do Estado e do capitalismo, ainda que discordem, por vezes, no receituário para alcançar o mesmo fim: a saúde da forma-Estado como modelo de organização política e do ca- pitalismo liberal e o regime da propriedade como sistema econômico global e incontornável. Ambos não têm uma grande diferenciação do ponto de vista da sua base filosófico-política, e puderam se adaptar e articular nos anos 90, diante do fim da Guerra Fria. InterAção | 17 O que há hoje não é uma crise desses paradigmas, mas a emer- gência de novas possibilidades de questionamento, que aí sim são de outras teorias ou de analíticas que vão surgindo sem pretensão teórica e que podem atacar este núcleo que é bastante articulado da tradição realista/neo-realista e da tradição liberal/neoliberal. A maioria dos cursos de graduação e pós-graduação continua filiada a uma dessas teorias – ou às combinações possíveis entre ambas – e os discursos dos países centrais seguem lançando mão dos seus princípios. Há, no entanto, outras perspectivas que despontam compondo alianças, abrin- do espaços em universidades, publicando livros e artigos, inventando revistas e projetos de pesquisa. Essas perspectivas não nascem fora do campo das RI, mas em meio à preponderância das teorias tradicionais que seguem associadas ao poder político, econômico e acadêmico. 5. Os BRICS estão preenchendo vácuos de poder com declínio relativo do poder norte-americano? Não penso que os BRICS venham preencher vácuos de poder. O que me parece é que há uma nova redistribuição, tanto do ponto de vista econômico quanto das questões de gerenciamento político dos te- mas planetários, na qual os BRICS cumprem uma função. A emergên- cia dos chamados BRICS é interessante para essa nova fase do capitalis- mo transterritorial, planetarizado, e para o enfrentamento de questões políticas e econômicas planetárias, que já não podem ser enfrentadas isoladamente pelos países, nem mesmo pelos Estados Unidos. Então, a emergência dos BRICS não vem para confrontar os Estados Unidos; ao contrário, os BRICS viriam para auxiliar o gerenciamento das questões planetárias que beneficiam a eles próprios 18 | InterAção e aos Estados Unidos. Desse modo, eu não vejo como um enfren- tamento, mas como uma realidade nova, na qual existe uma outra articulação entre os Estados. Os Estados Unidos não deixam de ter o protagonismo, mas acabam dividindo e compartilhando, digamos assim, funções gerenciais com outros países e com conglomerados de outros países – como a União Europeia e outras associações – e os BRICS entrariam aí como um novo arranjo para o governo das questões planetárias. 6. Caminhamos para uma multipolaridade? Multipolaridade implicaria numa ideia de que haveria Esta- dos posicionados de forma estanque, competindo entre eles. Não me parece que isso seja um novo arranjo da política global, porque se hoje há competição entre os Estados há, também, uma complementaridade na ação dos Estados que não exclui as assimetrias de poder econômico e geopolítico, mas que se interessa muito mais pelas articulações possíveis, que interessam aos Estados, em maior ou menor grau. Como despontam Estados supostamente dotados de novos potenciais, pode-se sugerir uma ideia de multipolaridade na qual cada um estaria na sua trincheira competindo por hegemonia, ou visando estabelecer o equilíbrio de forças precário, ainda baseado numa lógica westphaliana. Já não me parece que as relações internacionais obedeçam a essa fórmula. Estados e conglomerados de Estados associam-se e competem numa lógica global e diante dos fluxos transterritoriais de capital, produtos, informações e “ameaças” que os leva a buscar arranjos diplomático-militares coligados e regimes internacionais renovados e de alcance global. Se analisarmos pela perspectiva do ca- InterAção | 19 pitalismo – seu fortalecimento e expansão – seria possível dizer que China e Estados Unidos, por exemplo, são polos antagonistas? 7. Em termos de construções de cenário: qual será o cenário mais provável para daqui a vinte anos, considerando Estados Unidos, China, União Europeia e Brasil? Se for válida a hipótese de uma articulação planetária para gerenciamento das questões globais, seria possível imaginar uma con- tinuidade desse processo, pelo menos nos próximos anos, que não le- varia a uma confrontação apocalíptica como muita gente prevê, mas à consolidação dessas formas de governo do planeta e dos fluxos plane- tários que interessam a todos esses países ou conglomerado de países: Brasil, China, Estados Unidos e União Europeia. Todos eles estão interessados em quê? Na continuidade do ca- pitalismo global, nessa remuneração capitalista global, nos fluxos de produção, nos fluxos de capital e de produtos. Todos eles, em maior ou menor grau, têm uma participação nesse grande mercado global, e se articulam para poder fazer com que esse mercado global exista e seja minimamente seguro para reprodução dessa lógica. Então, me parece que há uma tendência para que isso se consolide. Eu não vejo um grande antagonismo belicista, por exemplo, entre China e Esta- dos Unidos, e sim, muito mais, uma complementaridade, que não é isenta de tensões. 8. O que falta para o Brasil sair da condição de país emergente para um país de destacada e ativa participação no sistema internacional? As categorias de país emergente ou decadente são muito 20 | InterAção conjecturais. Não se pode esquecer que a própria discussão sobre os BRICS, por exemplo, surge de agências de avaliação de risco de países, que tem haver com avaliações de mercado financeiro interna- cional. Então, nesse tipo de avaliação não se consideram contextos socioeconômicos, políticos e históricos específicos de cada país, refletindo muitas vezes, visões de agências privadas voltadas ao mercado financeiro e aos interesses de investidores internacionais. É possível, no entanto, pensar que o Brasil já emergiu. Eu penso que o Brasil já ocupa um espaço, nesse arranjo para o governo das questões planetárias. O Brasil ocupa uma função na economia contemporânea e cumpre uma função, inclusive, no campo da segurança planetária se apresentando como um partícipe desse gerenciamento das questões planetárias. O Brasil, nesse sentido, já emergiu. O fato de ser considerado um dos primeiros postos na econo- mia planetária; o fato de ter ampliado sua zona de influência diplo- mática e de ter a pretensão é de ampliá-la ainda mais, fazem do Brasil um país pronto a estabelecer conexões e interfaces para o governo do planeta. Nesse sentido, o Brasil se apresenta para ocupar papéis de gerenciamento, mesmo que sejam locais e para além da América do Sul, que é a sua área de tradicional influência, como indica, por exem- plo, a sua participação na MINUSTAH, no Haiti, desde 2004. Há, também, a reentrada na África a partir do partido do Governo Lula, com uma conexão interessante que merece ser estudada e problemati- zada, com a Política Externa do Governo Militar, do governo Geisel em especial, que teve um olhar para a zona de influência africana e do Atlântico Sul, e que voltou a ser tema da agenda diplomático-militar brasileira nos dois mandatos de Lula. InterAção | 21 Então, a situação é a de um Brasil que tem pretensões de assumir maior relevância internacional em tempos nos quais existem novos problemas para a manutenção do poder político centralizado – na forma dos Estados e dos conglomerados de Estado – e para a con- tinuidade do capitalismo global. O dispositivo diplomático-militar brasileiro parece investir, com sucesso até agora, nessa inserção nos novos arranjos para o governo do planeta, nos quais o Brasil passa a ocupar um papel gerencial de médio escalão em escala planetária e de alto escalão no plano regional. 22 | InterAção InterAção | 23 ensaio 24 | InterAção InterAção | 25 América Latina: amenazas y calidad de la democracia en el siglo XXI Carlos Andrés Jiménez Navarro1 Resumen La primera década del siglo XXI en América Latina ha trascur- rido en la mayoría de los países bajo el control de gobernantes elegidos democraticamente, lo que no indica necesariamente que la democracia este plenamente consolidada, sino que aun se encuentra en proceso de construcción. Por lo tanto, en medio del desarrollo de los procesos de- mocráticos en la región, es necesario establecer factores que se conviertan en punto de partida para evaluar la calidad de las democracias; un primer factor que permite determinar de manera general la calidad de las demo- cracias es la justicia, entendida como: La democracia opera con justicia, contenido de justicia dentro de las democracias y la democracia como herramienta para identificar injusticias. Así mismo, se determinaron tres aspectos identificados como amenazas latentes y permanentes para las democracias en la región: 1. Desigualdad e inequidad. 2. Participación e inclusión de la ciudadanía. 3. Personalización de la democracia. Palabras Clave: Democracia, consolidación, calidad de la democracia, ciudadanía, justicia, desigualdad, elecciones, poder, mecanismos, instituciones. 1 Estudiante Maestría en Asuntos Internacionales, Universidad Externado de Colombia, Bogotá. 26 | InterAção Abstract The first decade of the century in Latin America has elapsed in most countries under the control of democratically elected govern- ments, which does not necessarily indicate that this fully consolidated democracy, but that is still under construction. Therefore, in the middle of the development of democratic processes in the region, it is necessary factors to become a starting point for assessing the quality of democracy, a first factor that determines the overall quality of democracies is justice, understood as democracy operates with fairness, justice content within democracies and democracy as a tool to identify injustices. It also identified three areas identified as latent and permanent threat to democracies in the region: 1. Inequality and inequity. 2. Participation and inclusion of citizenship. 3. Customizing democracy. Keywords: Democracy, consolidation, quality of democracy, citizenship, justice, inequality, elections, power, machinery, institutions. El Siglo XXI en América Latina se desarrolla sobre el obje- tivo de lograr la consolidación del sistema democrático, teniendo en cuenta los antecedentes de las dictaduras militares en los años 70 y 80 y las transiciones democráticas en los años 90; lo cual representó cierto optimismo sobre la búsqueda de una mayor participación e inserción de las mayorías dentro de la participación política “Sin una tendencia idealista una democracia no nace, y si nace, se debilita rápidamente. Más que cualquier otro régimen político, la democracia va contra la corriente, contra las leyes inerciales que gobiernan los grupos humanos.” (SARTORI, 1991. p. 118). InterAção | 27 El logro de esta consolidación está sujeto a la definición mis- ma de democracia “La democracia es un régimen político cuyo funcionamiento está mediado por los tipos de articulación entre sociedad, sistema político y Estado existentes en una formación social en un momento histórico determinado” (ZAPATA, 2001. p. 35). Lo anterior necesariamente condiciona tanto la forma como el grado de desarrollo de la democracia dentro de cada país, teniendo en cuenta que son diferentes entre sí y por ende las características y particularidades de cada democracia difieren de los demás. Al mismo tiempo que se presentaban los procesos de tran- sición democrática en América Latina, se experimentaban cambios significativos en cuanto al modelo económico desarrollado, —modelo neoliberal— lo que expuso a la región frente la globalización económica y la competencia en mercados internacionales —sin contar con suficiente eficiencia y competitividad—; dichos cambios profundiza- ron los niveles de desigualdad e inequidad dentro de la población latinoamericana. Este panorama que presenta el siglo XXI genera una paradoja dentro de la región, entre contar con sistemas democráticos (elecciones periódicas, libres, competitivas y trasparentes) —salvo alguna excepción, en todos los países sus gobernantes fueron elegidos— y por otro lado un notable descontento de las mayorías frente la creciente desigualdad y exclusión a la cual son sometidas las sociedades. A pesar de existir esta paradoja dentro del contexto democrático latino- americano y aunque dentro de la primera década han existido crisis cuyo objetivo ha sido desestabilizar los regímenes democráticos como fueron los intentos de golpe tanto en Venezuela como en Honduras 28 | InterAção en 2002 y 2009 respectivamente; América Latina presenta un sistema democrático estable toda vez que aunque existen ciertas fallas dentro de las instituciones estas se han mantenido durante las dos últimas décadas, lo anterior sumado al incremento en los índices de desigual- dad y malestar social no han debilitado la vocación democrática de la región sino por el contrario han buscado evitar y blindar la región del regreso de gobiernos autoritarios. Dentro de este fortalecimiento del sistema democrático en los países de América Latina, ha sido un factor fundamental las elecciones, ya que estas definen el modo como se accede al poder y la forma como éste es ejercido; esta importancia refleja que las democracias latinoame- ricanas son en cierto grado “democracias enraizadas, que consisten en la interdependencia de cinco regímenes parciales: (régimen electoral, derechos políticos, derechos civiles, control horizontal de poderes y capacidad efectiva para gobernar)” (MERKEL, 2008. p. 21). Calidad de la democracia Teniendo en cuenta el desarrollo democrático en América Latina desde finales del Siglo XX se hace necesario pasar de una eva- luación no solo del funcionamiento mismo de las democracias a una evaluación de la calidad de las mismas; la mayor dificultad que surge frente esta evaluación es, ¿Calidad de la democracia respecto de qué?, es decir establecer un valor de referencia dentro de las democracias para determinar, sí la democracia en cierto país es buena o no. El concepto mismo de calidad surge y tiene un uso más fre- cuente en disciplinas como la administración o la producción de algún InterAção | 29 tipo de bien, ya que implica que tan bueno o malo es cierto producto frente unos parámetros de comparación, por lo general de tipo cualitativo; es allí donde aplicar el concepto de calidad de la democracia y ante todo establecer las condiciones o atributos de calidad para la misma puede variar de un estudio o investigador a otro, como de un país así como la metodología misma para cuantificar los resultados obtenidos. (El presente artículo no evalúa ningún tipo de metodología utilizada para evaluar la calidad de la democracia en América Latina, únicamente busca determinar algunas condiciones mínimas, que sirvan como punto de partida para señalar si existe o no algún grado de calidad en la democracia). La principal dificultad en el análisis en cuanto la calidad de la democracia es que este depende de la definición misma de democracia y que es posible “confundir la calidad de una democracia con el nivel de democratización de un régimen político. Sin embargo, los análisis de calidad sólo pueden aplicarse a aquellas sociedades que han asumido un mínimo grado de democratización, esto es, aquellas que cumplen los requisitos elementales de una democracia” (MORLINO, 2009. p. 26). Como punto de partida en la evaluación de la calidad de la democracia es necesario tener en cuenta —como mínimo— el elemento de la justicia; discriminada en tres aspectos fundamentales: 1.La democracia opera con justicia: entendiendo que el procedi- miento o funcionamiento mismo de la democracia debe contener ni- veles de justicia, de tal manera que ofrezca las condiciones necesarias para satisfacer como mínimo las garantías que propone el concepto de poliarquía de Robert Dahl: 30 | InterAção (…) libertad de asociación, libertad de expresión, libertad de voto, elegibilidad para el servicio público, derecho de los líderes a competir en busca de apoyo, diversidad de fuentes de información, elecciones libres e imparciales e instituciones que garanticen que la política del gobierno dependa de los votos y demás formas de expresar las preferencias (DAHL, 2002). Desde esta perspectiva de análisis, la calidad democrática dentro de la región no es el resultado del proceso sino las característi- cas dentro de las cuales se desarrolla el mismo. 2. Contenido de justicia dentro de las democracias: las democra- cias por sí mismas deben propender por la implementación de procedimientos justos que permitan a los diferentes actores —instituciones, ciudadanos y partidos políticos— participar en condiciones de liber- tad e igualdad. Del contenido de justicia que presenta la democracia depende en gran parte tanto el mantenimiento y fortalecimiento de la misma—traducido necesariamente en una mejora de la calidad en la democracia— por lo tanto esta labor no exige ningún tipo de esfuerzo extraordinario ni por parte de gobiernos, ni de las sociedades; única- mente requieren de un compromiso constante frente la importancia de mantener el régimen y lo que significa estar inmerso dentro del mismo; parte de lo que pueden —y deben— hacer los gobiernos, ya en 1941 el Presidente Franklin Delano Roosevelt lo manifestaba en su Discurso de las Cuatro Libertades: No hay nada misterioso respecto de los cimientos de una democracia saludable y fuerte. Las cosas básicas esperadas por nuestro pueblo de sus sistemas político y económico son simples. Ellas son: 1. La igualdad de oportunidad para los InterAção | 31 jóvenes y los demás. 2. Un empleo para los que pueden trabajar. 3. La seguridad (social) para los que la precisan. 4. El fin del privilegio especial para unos pocos. 5. La preservación de las libertades civiles para todos. 6. La participación en los frutos del progreso científico, en un estándar de vida constantemente creciente y ampliamente compartido. Éstas son las cosas sencillas y básicas que nunca deberían perderse de vista en el tumulto y complejidad increíble de nuestro mundo moderno. La fuerza interior y duradera de nuestros sistemas económico y político depende del grado en que cumplen con estas expectativas (ROOSEVELT, 1941). 3. La democracia debe identificar las injusticias: si bien la calidad democrática se puede medir más por los procedimientos y las formas que por los resultados, los regímenes democráticos deben estar en la capacidad de identificar las injusticias que se presentan dentro del proceso y proponer acciones que permitan la corrección de las mis- mas de manera eficiente y oportuna, ya que el no hacerlo la expone a mayores en riesgos —estos riesgos para la región se clasifican dentro del presente artículo como amenazas de la democracia—. Amenazas de la democracia Más allá de la euforia causada por los evidentes avances pre- sentados en cuanto el desarrollo democrático en tan corto tiempo —20 años—, no se puede desconocer la problemática misma del proceso de consolidación democrática y las amenaza a las cuales está expuesta, es por eso que tanto los gobiernos como las sociedades deben velar por el mantenimiento y fortalecimiento del sistema, tal como lo expresa el 32 | InterAção Director del Informe: La Democracia en América Latina: hacia una democracia de ciudadanas y ciudadanos, en el marco de la estrategia del Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD): Los déficit, las lagunas, las asechanzas que se ciernen sobre nuestras democracias no deberían llevarnos a olvidar que hemos dejado atrás la larga noche del autoritarismo. No hay malestar con la democracia, pero hay malestar en la democracia y para resolverlo es indispensable hacer uso del instrumento más preciado que ella nos brinda: la libertad. Libertad para discutir lo que molesta, lo que algunos preferirían que se oculte… libertad para saber que un sistema que es casi un sinónimo de igualdad, convive con la desigualdad más alta del planeta (CAPUTO, 2004. p. 21-22). En este sentido, es posible identificar tres factores que son considerados como amenazas permanentes para las democracias en la región: 1. Desigualdad e inequidad. 2. Participación e inclusión de la ciudadanía y 3. Personalización de la democracia; por lo tanto, en la medida en que estos factores sean tratados y neutralizados, los riesgos inherentes al sistema democrático serán reducidos, de la misma ma- nera se fortalecerá el proceso democrático mejorando los indicadores de calidad de las democracias —sin importar cuales sean, es decir que son transversales a cualquier democracia o cualquier indicador de calidad de la misma—. Desigualdad e inequidad Tal como se ha citado anteriormente, la paradoja entre demo- cracia - desigualdad e inequidad —que se hace evidente al revisar los InterAção | 33 índices de pobreza en la región—, obliga a reformular el replantea- miento de: ¿Cuál puede ser en realidad el modelo económico exitoso, para que democracia y desarrollo económico —general— sea posi- ble?; sobre este cuestionamiento Friedrich A. Von Hayek en la década de los 70 del siglo XX manifestaba: El advenimiento de la democracia en el pasado siglo [XIX] produjo una alteración radical de la actitud del ciudadano ante el poder estatal. Si, durante siglos, los esfuerzos de la humanidad se habían dirigido a la limitación del poder del gobernante súbitamente empezó a pensarse que el hecho de que el gobierno hubiera quedado sometido al control de la mayoría hacía innecesario mantener sobre él cualquier limitación, por lo que cabía impunemente abandonar todas las salvaguardias constitucionales hasta entonces erigidas. Surgió así la moderna democracia ilimitada; y es está, (...) la que constituye el problema (HAYEK, 1985. p. 8). Ahora bien, es en este aspecto donde los gobiernos de Améri- ca Latina no deben, por una parte, regresar al paternalismo estatal en el cual las sociedades dejan de ser competitivas —más aun donde la economía mundial se encuentra en pleno proceso de globalización—, pero de igual manera se hace necesario eliminar aquellos privilegios que se otorgan a las elites que históricamente han detentado el poder. Una forma en que el Estado y los gobierno puede lograr una reducción en los niveles de desigualdad e inequidad —y de esta ma- nera fortalecer la Democracia— es mediante el respeto y regulación de las condiciones del mercado en cuanto: la competencia, facilidades y oportunidades de acceso, seguridad jurídica y cambiaria; de esta 34 | InterAção manera la democracia y los movimientos democráticos se convier- ten en medios para buscar mejoras en el bienestar de las sociedad, ratificando que “uno de los objetivos principales de los movimien- tos democráticos ha sido buscar compensación en la esfera política para los efectos de las desigualdades en la economía y en la sociedad” (BEITZ, 1989. p. 16). Participación e inclusión de la ciudadanía Paralelamente al proceso de transición y consolidación de- mocrática en América Latina se ha desarrollado y tomado cada vez más importancia el concepto de ciudadanía, reconocida no solo como actor fundamental dentro de la lucha por el retorno democrático sino como “un arma crucial no sólo en las luchas en contra de la exclusión y la desigualdad económica y social, sino mas, más importante aún, en la ampliación de las ideas dominantes de la política en si misma... ha sido un paso esencial hacia la ‘democratización de la democracia’ o hacia su intensificación”(DAGNINO, 2008. p. 194-195). La democracia desde su definición básica de una forma de ac- ceso al poder, tiene que vincular al ciudadano ya que sobre éste recae la responsabilidad política de quién lo representa y toma las decisiones dentro del estado; la fragilidad del régimen democrático es a su vez otra paradoja ya que por una parte democratiza el reclamo social sobre la función del estado y el gobierno en cuanto su participación en las decisiones haciendo evidente que los “regímenes son institucionalmente frágiles, porque sus líderes políticos no están realmente preo- cupados por la participación política o la movilización de los actores InterAção | 35 sociales para contribuir a la formación de la representación, sino en la medida en que se garantice el cumplimiento de las formas electorales” (ZAPATA, 2001. p. 47). En la medida en que las sociedades y la participación ciu- dadana se hagan más incluyentes, permitan la participación de la ciudadanía sin ningún tipo de exclusión se fortalecerá el sistema de- mocrático teniendo en cuenta que “afianzar la democracia […] pasa necesaria e indispensablemente por la sociedad civil, sobre todo por las posibilidades de volver visibles a los invisibles. Esto simplemente porque no pueden existir derechos de ciudadanía si no son para todas y todos. Derechos para algunos, por más numerosos que éstos sean, no son derechos, son privilegios. Ciudadanía es expresión de una relación social que tiene como presupuesto a todos, sin excepción”. (GRZYBOWSKI, 2004). Es el sistema democrático mismo el que debe crear y ofre- cer los mecanismos institucionales — operativos y eficientes— que permitan el control del poder, es decir el establecer un control de abajo hacia arriba y entre iguales sobre la base del interés general y la capacidad de reacción frente los abusos — o potenciales abusos— de quienes en determinado momento detenten el poder. Personalización de la democracia Dentro de las distorsiones que han enfrentado los sistemas democráticos durante el Siglo XXI en América Latina, una de las más visibles — en la actualidad — es el fenómeno del surgimiento de personajes que se autoproclaman como la personificación de la demo- 36 | InterAção cracia y por lo tanto salvación de cada uno de los pueblos, lo cual se convierte en una de sus amenazas principales. Esta amenaza atenta de manera directa contra la esencia mis- ma de la democracia —en cuanto su definición— afectando cada uno de sus componentes: elecciones libres (como consecuencia de la per- sonalización del poder, crean aparatos burócratas y clientelistas para su propio interés), elecciones periódicas ( modifican las constituciones nacionales con el fin de ampliar, prorrogar y hasta perpetuar su periodo en el poder), elecciones competitivas (desprestigian la oposición, destruyen el sistema de partidos y polarizan las sociedades), eleccio- nes transparentes (como consecuencia de la concentración de poder manipulan las elecciones y cuentan con apoyos de todo tipo para la satisfacción de sus intereses). Estos gobernantes quienes utilizan a su favor las amenazas citadas anteriormente —desigualdad económica e inclusión ciudadana— más la debilidad institucional propia de este proceso de con- solidación democrática, padecen del Síndrome Hybris —enfermedad de la arrogancia, o borrachera de poder—, definida por el Neurólogo y político Británico David Owen como “una patología que afecta a determinados políticos con alta responsabilidad de gobierno, que se inicia desde una megalomanía instaurada y termina en una paranoia acentuada. Una persona más o menos normal de repente alcanza el poder y al principio le asalta la duda de si será capaz de desarrollar esa actividad engrandecida de la política. Pero pronto sale de la duda porque empieza a merodearle una legión de incondicionales que no cesan de felicitarle, darle palmaditas en la espalda y recibir halagos, reconociéndole su valía” (OWEN, 2010). InterAção | 37 Los principales síntomas de dicha patología presentes en la actualidad latinoamericana son: a) Transforma las dudas en seguridades, y comienza a pensar que todo lo bueno que sucede es mérito propio; b) Cree totalmente en todo lo que hace y dice y el iluminismo se apodera de él. Su mundo se hace amplio y el de los demás estrecho el suyo ilimitado y el de los demás, casi inexistente; c) Se convierte en infalible y se cree insustituible; d) Todo aquel que no asume sus ideas o las rebate, se vuelve un enemigo personal que pierde todos sus derechos. La mejora en los índices de calidad de la Democracia en América Latina es posible si se realizan acciones —no solo por parte de los Estados y los Gobiernos sino de la ciudadanía en general— direccionadas a superar las amenazas mencionadas anteriormente; lo importante es detectar y tomar acciones de manera oportuna frente los síntomas que presentan las democracias de la región frente estas amenazas, solo así se podrá continuar con su protección y garantía para el futuro. De igual manera es fundamental dentro del proceso de con- solidación democrática comprender que no es el sistema democrático el que conduce el país, sino son los ciudadanos y el estado los que conducen la democracia, dentro de sus dinámicas propias —recono- ciendo que existen diferencias históricas importantes en cada país—; es por eso que la democracia no es un sistema que sea importado o exportado, su desarrollo depende en gran parte del desarrollo mismo de las sociedades y de la participación activa de la sociedad civil en la toma de decisiones; es la articulación entre Ciudadanía – Gobierno – 38 | InterAção Partidos Políticos quien define y establece el conjunto de herramientas que son y serán utilizadas para lograr la consolidación democráti- ca, limitando el poder de los gobernantes y de esta manera alejando el autoritarismo; logrando así una democracia con altos indicadores de calidad sostenibles en el tiempo. Referencias BEITZ, Charles. Igualdad política: Un ensayo sobre la teoría democrática. Princeton: Editorial de la Universidad de Princeton, 1989. CAPUTO, Dante. Libertad, democracia y política. In: La democracia en América Latina: hacia una democracia de ciudadanas y ciudadanos. Ed. Fernando Esteves. Buenos Aires, Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara, 2004. pp. 21-23. DAGNINO, Evelina. Los significados de ciudadanía en América Latina. In: Estado, democracia y populismo en América Latina. Ed(s). Adolfo Chaparro, Carolina Galindo y Ana María Sallenave. Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2008. pp. 194-227. DAHL, Robert. La poliarquía: participación y oposición. Madrid: Tecnos, 2002. GRZYBOWSKI, Cándido. Democracia, sociedad civil y política en América Latina: notas para un debate. Texto preparado para PRODDAL. In: PNUD. La democracia en América Latina. Hacia una democracia de ciudadanas y ciudadanos: Contribuciones para el debate. Buenos Aires: Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara, 2004. HAYEK, Friedrich. Democracia, Justicia y Socialismo. Madrid: Unión Editorial, 1985. InterAção | 39 MERKEL, Wolfgang. Democracias enraizadas y defectuosas. In: Estado, democracia y populismo en América Latina. Ed(s). Adolfo Chaparro, Carolina Galindo y Ana María Sallenave. Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2008. pp. 21-50. MORLINO, Leonardo. La calidad de la democracia. In: Claves de razón práctica, No. 193: 2009. pp. 26-35. OWEN, David. En el poder y en la enfermedad. Madrid: Ediciones Siruela, 2010. ARIAS, Jorge; PRIESS, Frank. Índice de desarrollo democrático de América Latina. México D.F: Fundación Konrad Adenauer, 2011. Disponível em: <www.idd-lat.org>. ROOSEVELT, Franklin Delano. Discurso de las Cuatro Libertades. Discurso presentado en, Enero 06, Washington D. C, Estados Unidos, 1941. SARTORI, Giovanni. Democracia. In: Revista de Ciencia Política. Vol. 13, No. 1: 1991. p. 118. TOURAINE, Alain. ¿Qué es la democracia? Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1995. ZAPATA, Francisco. Las perspectivas de la democracia en América Latina. In: Foro Internacional. Vol. 41, No. 163, 2001. pp. 35-62. 40 | InterAção InterAção | 41 artigos 42 | InterAção InterAção | 43 A atuação do Brasil no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC e o lugar do direito na PEB Cristine Koehler Zanella1 Inaê Siqueira de Oliveira2 Resumo O reconhecimento de que o direito é um instrumento político distingue a Política Externa Brasileira (PEB) desde os tempos coloniais. Modernamente, essa característica da PEB pode ser aferida por meio da atuação do Brasil junto ao Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da Organização Mundial do Comércio. O artigo analisa, valendo-se fundamentalmente do método histórico, o percurso do comércio in- ternacional durante o século XX, marcado por sucessivas e acentuadas mudanças, e a atuação do Brasil junto ao OSC. Ao fazê-lo, demonstra como essa instrumentalização do direito pela PEB, ao mesmo tempo em que reduz as assimetrias do poder mundial, salvaguarda os interesses nacionais e faz com que o Brasil cresça dentro do sistema multilateral de comércio, impulsionando a sua projeção internacional. 1 Doutoranda em Estudos Estratégicos Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora no Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter – Porto Alegre). Membro do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais de Santa Maria (PRISMA) – Eixo de Globalização e Integração Regional. E-mail: [email protected] 2 Graduanda em Direito na Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma). E-mail: [email protected] 44 | InterAção Palavras-chave: Comércio internacional, Órgão de Solução de Controvérsias, Política Externa Brasileira Abstract Brazilian Foreign Policy (BFP) uses law as a political in- strument since 1750’s, and nowadays this BFP’s characteristic ap- pears through Brazilian participation in World Trade Organization Dispute Settlement System (DSS). The purpose of this article is to analyze, basically through the historical approach, how international trade has been transformed during the XX century and how law have been used by BFP to the country’s growth on international trade sys- tem. Through DSS Brazil defends its national interest, reduces global power asymmetries and boosts the Brazilian international projection. Keywords: International trade, Dispute Settlement System, Brazilian Foreign Policy INTRODUÇÃO O comércio internacional iniciou o século XX sob os efeitos protecionistas das crises que sucederam a Primeira Guerra Mundial e o encerrou com a criação de uma Organização Mundial do Comér- cio (doravante OMC ou Organização). Entre o surto protecionista da década de 30 e os acordos de livre comércio dos anos 90, a maior guerra da história moderna aconteceu, o mundo viu-se dividido por ideologias e a ordem internacional se transformou. O percurso do InterAção | 45 comércio internacional no século XX foi marcado por emblemáticos pontos de inflexão, um caminho de curvas acentuadas no qual alguns paradigmas ruíram e outros foram erigidos. A defesa do comércio pelas armas deu lugar, com a adoção do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, à diplomacia. A diplomacia, por sua vez, passou a ser acompanhada pelo direito a partir da criação da OMC – que trouxe consigo aquele que tem sido considerado o mais poderoso tri- bunal internacional existente. O advento do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) representou o reforço do controle jurídico sobre o sistema multilateral de comércio, fazendo com que o direito se tor- nasse uma poderosa ferramenta em um mundo outrora condicionado apenas pelas leis da selva econômica. Em meio a muitas assimetrias e desequilíbrio de poder, a atuação do Brasil no sistema multilateral de comércio reforça um elemento de continuidade da Política Externa Brasileira: a utilização do direito como instrumento político. A atuação no Brasil no comércio internacional demonstra que o país se vale do direito, das normas internacionais – e, na área comercial, isso significa dizer que o Brasil utiliza fundamentalmente o Órgão de Solução de Controvérsias – para salvaguardar os seus interesses e reduzir as assimetrias do sistema multilateral de comércio. Isso contribuiu para que o Brasil conquistasse um papel de liderança entre os Estados-membros da OMC, abrindo caminho até à mesa de negociações do comércio internacional. Ao discutir a transformação do comércio internacional du- rante o século XX e a atuação do Brasil no Órgão de Solução de Controvérsias, este artigo analisa como a utilização do direito como 46 | InterAção um instrumento político impulsionou a projeção brasileira no atual sistema multilateral de comércio. Das armas ao direito: O tortuoso percurso do comércio internacional no século XX Nos primeiros cinquenta anos do século passado, a guerra foi utilizada como instrumento para garantir interesses políticos e econô- micos – não por outra razão esse curto intervalo de tempo é caracteriza- do por duas guerras mundiais. Além disso, a década de 30 foi marcada por um surto protecionista ao redor do globo. Como aponta Blustein, a edição da Lei Smoot-Hawley – que aprovou as mais altas tarifas da história americana – pelos Estados Unidos “desencadeou um ciclo mundial de retaliações e contrarretaliações” (2010, p. 40). Os Estados reagiram à crise de 29 protegendo seus mercados e suas moedas, criando barreiras ao comércio internacional e restringindo quantitativamente as importa- ções. A “Guerra de Tarifas” iniciou um sistema de retaliações comerciais recíprocas - o que só acentuou a crise econômica3. Foi quase ao final da Segunda Guerra Mundial que veio, para- doxalmente do mesmo país que editara a infame Lei Smoot-Hawley, a proposta do livre comércio sob a justificativa de que isso proporcionaria a recuperação econômica e o desenvolvimento. Com isso, formulou-se o paradigma de uma nova ordem comercial liberal, consubstanciado na 3 Os parceiros comerciais dos EUA reagiram à Lei Smoot-Hawley editando as suas próprias: a França aumentou as tarifas sobre alimentos de 19% (1927) para 53% (1931); as da Alemanha foram de 27% para 82%; as da Itália de 24% para 66%, entre outros países (BLUSTEIN, 2010). InterAção | 47 emblemática Conferência de Bretton Woods4. Nela, discutiu-se a criação de instituições econômicas a fim de evitar que os erros cometidos no passado voltassem a acontecer – em razão da Conferência surgiram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), pilares do que viria a ser conhecido como “Sistema de Bretton Woods”. Durante o mesmo período (1944-1947), discutiu-se a neces- sidade da criação de uma Organização Internacional do Comércio (OIC), cujo objetivo seria estabelecer diretrizes e regular o renovado comércio internacional. Divergências entre grandes potências, entretanto, dificultaram as negociações, ao que se somou uma barreira decorrente da conjuntura política interna norte-americana5, principal ator do comercio internacional à época. Em lugar de uma organiza- ção internacional, adotou-se em 1947, por meio de um Protocolo de Aplicação Provisória (PPA)6, o Acordo Geral sobre Tarifas e Co- 4 A Conferência de Bretton Woods foi realizada entre os dias 1º e 22 de julho de 1944 em New Hampshire, nos Estados Unidos. Por ocasião deste encontro, criaram-se os pilares do que viria a ser conhecido como “Sistema Bretton Woods”: um modelo de ordem econômica, baseado em um esquema de paridades cambiais fixas (mas ajustáveis), fundamentadas no padrão dólar-ouro, que tinha como objetivo de regular a política econômica internacional. 5 Os representantes dos Estados Unidos negociavam sob autorização do Congresso, que expiraria em junho de 1948 e dificilmente seria renovada caso a nova composição do Congresso fosse majoritariamente republicana. Devido à dificuldade nas negociações da Carta Constitutiva da OIC ficou claro que ela não seria concluída antes desta data – o que motivou a adesão dos Estados Unidos (à época governado por um democrata, Harry Truman) ao GATT em 30 de outubro de 1947 (VAN DEN BOSSCHE, 2005). 6 O Protocolo de Aplicação Provisória, em fato, nunca foi substituído e vigorou até a criação da OMC, em 1995 – o que totaliza quarenta e sete anos de “aplicação provisória” (JACKSON, 2006). 48 | InterAção mércio (mais conhecido por sua sigla em inglês: GATT). O GATT, concebido como um tratado, continha o que seria a segunda e a terceira partes da Carta Constitutiva da OIC7: esta referente a cláusulas gerais sobre obrigações tarifárias e aquela relacionada à negociação multilateral para a redução recíproca de tarifas. Para que se conseguisse reduzir tarifas foram realizadas su- cessivas conferências entre os Estados que participavam do GATT – denominadas “Rodadas”. Durante a vigência do Acordo (1947-1994), o livre comércio obteve um significativo avanço: dentre as oito rodadas realizadas no âmbito do GATT, seis dedicaram-se à redução de direitos aduaneiros sobre produtos industrializados, resultando num decréscimo tarifário médio de 40% para 4% (VAN DEN BOSS- CHE, 2005) 8. Em que pese o avanço no comércio internacional, este ainda era guiado por vias demasiadamente diplomáticas, eviden- ciando o desequilíbrio de poder entre os Estados. Em razão disso, durante a Rodada Uruguai, iniciada em 1986, começou a discutir-se o reforço do controle jurídico sobre as relações comerciais internacio- nais. O objetivo era garantir mais estabilidade e equidade ao sistema, inibindo o uso indiscriminado e abusivo do poder econômico, prática notadamente utilizada em situações de litígio. O processo culminou 7 A Carta Constitutiva da OIC, também conhecida como “Carta de Havana”, foi finalizada em 1948 e, apesar de repetidamente submetida ao Congresso Americano, não foi aprovada. Como os EUA eram os responsáveis pela maior parte do comércio internacional, a sua não adesão à Organização comprometeu a sua existência. 8 Não se pode ignorar, entretanto, que estes avanços não se deram de forma simétrica para todas as nações que aderiram ao GATT. A disparidade entre as regras aplicadas aos produtos industriais e agrícolas (que ainda hoje existe) é apenas um dentre os tantos exemplos de desnível no terreno da disciplina do comércio internacional (AZEVEDO; CARDOSO, 2007). InterAção | 49 na criação da OMC, cujo Acordo Constitutivo9 foi assinado por 112 países em 1994, à ocasião do término da Rodada Uruguai10. A nova organização simbolizou uma profunda transformação no comércio internacional, uma vez que a postura power-oriented deu lugar à pos- tura ruled-oriented. Os contornos jurídicos se delinearam em um importante elemento que acompanhou a criação da OMC: o Órgão de Solução de Controvérsias. A criação do Órgão de Solução de Controvérsias chancelou a 9 Os Acordos de Marraqueche, assinados por ocasião da Conferência na cidade de mesmo nome, encerram a Rodada Uruguai e têm adesão obrigatória a todos que desejassem se tornar membros da Organização que surgia – eles formavam o chamado single package. São eles: o Acordo Constitutivo da OMC, os Acordos Multilaterais de Comércio de Bens – que mantém as obrigações legais previstas no GATT-47 –, o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, o Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, o Mecanismo de Exame de Políticas Comerciais e o Entendimento Relativo às Normas e ao Procedimento sobre Solução de Controvérsias (ESC). (CARVALHO, 2006). 10 Apesar de não ser um dos propósitos originais da Rodada Uruguai – a declaração de Punta del Este apenas reconhecia a necessidade de reformas institucionais no sistema GATT – a delegação canadense propôs formalmente, em abril de 1990, a criação de uma organização que administraria os diversos instrumentos legais relacionados ao comércio internacional. Neste mesmo sentido, a Comunidade Europeia propôs, em julho do mesmo ano, a criação da “Organização Multilateral do Comércio”. As reações a estas propostas foram mistas, e ao término da Rodada Uruguai, previsto para dezembro 1990, não havia nenhuma definição sobre o tema. No ano seguinte as negociações recomeçaram, e, desta vez, Europa, Canadá e México submeteram, em conjunto, a proposta de uma organização internacional que regulasse a atividade comercial, denominada “Organização Multilateral do Comércio”. Os EUA adotaram uma posição contrária, mas, já em 1993, a maior parte dos participantes da Rodada Uruguai preparava-se para ingressar na organização, o que tornava a posição norte-americana extremamente isolada. Finalmente, em dezembro de 1993, para a surpresa de muitos, os Estados Unidos concordaram com a criação da organização. Impuseram, entretanto, uma condição: a alteração do nome para Organização Mundial do Comércio. (VAN DEN BOSSCHE, 2005). 50 | InterAção postura ruled-oriented nas relações comerciais internacionais. De jurisdição compulsória para todos os membros da Organização Mundial do Comércio, o OSC tem competência para decidir sobre qualquer disputa entre membros da OMC que envolvam direitos e obrigações decorrentes dos acordos e princípios da Organização – isso significa que 155 Estados estão obrigatoriamente vinculados à jurisdição do Órgão de Solução de Controvérsias11. Suas decisões funcionam por consenso reverso – é necessário que todos os países da OMC discordem de uma sentença para que ela não seja aplicada – o que confere às decisões do OSC execução praticamente automática (CARVALHO, 2006). Não por outra razão, o Órgão de Solução de Controvérsias é justificadamente descrito como um dos mais importantes e poderosos tribunais internacionais. Nas palavras de John H. Jackson, professor de Direito na Universidade de Georgetown e ex-consultor jurídico do Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos: This DSS (Dispute Settlement System) is unique in international law and institutions, both at present and historically. It embraces mandatory exclusive jurisdiction and virtually automatic adoption of dispute settlement reports, extraordinary for an institution with such broad-ranging competence and responsibilities as the WTO – virtually every aspect of economic regulation and policy is touched upon at least potentially, if not actually, and 11 Dados referentes a maio de 2012, disponíveis no site oficial da OMC, indicam que atualmente a Organização Mundial do Comércio possui 155 membros e 29 países observadores (WTO, 2012a). Mas há que se considerar que a Rússia confirmou sua adesão à organização dia 21 de julho de 2012 – que começará a valer 30 dias após a ratificação, quando a OMC passará, então, a contar com 156 membros e 28 países observadores (RUSSIA TODAY, 2012). InterAção | 51 it is already imposing obligations on 148 nations (out of 192 recognized), comprising 93 percent of world trade, and 87 percent of world population. The DSS has been described as the most important and most powerful of any international law tribunals, although some observers reserve that primary place to the World Court (International Court of Justice). Even some experienced World Court advocates, however, have been willing to concede that primacy under some criteria to the WTO DSS (2006, p. 163). O adensamento da juridicidade no sistema multilateral de co- mércio pôs fim à possibilidade, várias vezes adotada durante a vigência do GATT, de um Estado infrator rejeitar unilateralmente uma decisão contrária a ele. Portanto, ainda que se tenha preservado o caráter político-diplomático do OSC e por mais que a OMC não possa forçar seus membros – que são nações soberanas – a cumprir uma decisão do OSC, o direito dos reclamantes vitoriosos de impor medidas retaliatórias (como o aumento punitivo da tarifa sobre os produtos do país infrator até o valor limite do prejuízo causado pela infração) garante mais segurança e previsibilidade às relações comerciais internacionais à medida que inibe muitos impulsos protecionistas e práticas desleais. Ao direito como arma:O percurso do Brasil até à mesa de negociação do comércio internacional Nas palavras de Paul Blustein, “esse acordo [do OSC] evita que as controvérsias relativas ao comércio se tornem desnecessariamen- te destrutivas, assim como qualquer sistema baseado nos princípios do direito ajuda a conter as leis da selva” (2010, p. 44). O papel do Órgão 52 | InterAção de Solução de Controvérsias, entretanto, parece ir além disso: mais do que ajudar “a conter as leis da selva”, o adensamento jurídico do sistema multilateral de comércio consubstanciado no advento do OSC permitiu que países em desenvolvimento apresentassem demandas comerciais importantes que não teriam força – política e econômica – para defender de outra maneira. Dentre os países em desenvolvimento, aquele que notadamente mais se utilizou do OSC – ou seja, do direito – como instrumento para garantir seus interesses foi o Brasil. O reconhecimento de que o direito é um instrumento de po- lítica acompanha a história da Política Externa Brasileira (PEB). O Brasil consolidou a maioria de suas fronteiras não pela força das armas, senão pelos argumentos jurídicos de seus diplomatas. A cons- trução da teoria do uti possidetis de fato (quem possui de fato, deve possuir de direito) resolveu uma série de disputas de fronteira desde os tempos coloniais, e a atuação de diplomatas como Alexandre Gusmão e José Maria Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, está vastamente documentada, sendo um dos significativos exemplos do relevo do direito nos movimentos da PEB. A utilização do direito como instrumento político, que se fez notar desde o século XVIII quando o objetivo era consolidar as fronteiras do país, é uma característica da PEB que permaneceu e se redesenhou no tempo. Hoje pode ser vislumbrada ao se analisar a atual projeção do Brasil no comércio internacional. O Brasil é considerado um dos principais atores do sistema mul- tilateral de comércio, um major player. Isso não se explica por sua participação no comércio internacional, senão por sua importância dentro da Organização Mundial de Comércio. Esta importância é o resultado InterAção | 53 de ações pautadas pela consciência de que o multilateralismo é a melhor via para inserção internacional do país, conjugada à utilização do direito como instrumento para diminuir as assimetrias do sistema multilateral de comércio. Segundo o Ex-Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, “é melhor trabalhar com a regra imperfeita, tentar melhorar a regra e, progressivamente, ir modificando, do que ficar fora disso e se expor à lei da selva que é o unilateralismo” (2007, p. 18). Da valorização do multilateralismo enquanto forma e do di- reito enquanto instrumento político resulta a contundente atuação brasileira no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Como pode ser visto na tabela abaixo, a participação do Brasil como recla- mante no OSC demonstra que a utilização do direito como meio para diminuir as assimetrias do poder mundial e salvaguardar os interesses nacionais é uma característica da Política Externa Brasileira que se manifesta nitidamente na condução da política comercial. Por mais que o Brasil não tenha grande representatividade no comércio internacional (o Brasil, em 2011, somou aproximadamente 1,35% do total de importações e exportações realizadas no mundo - um número in- ferior ao de países como Índia, México e Austrália), é o quarto maior reclamante no Órgão de Solução de Controvérsias, apenas superado por Estados Unidos, União Europeia e Canadá. A Austrália, país cuja representação no comércio internacio- nal é uma das que mais se aproxima da brasileira, é responsável por 1,14% das reclamações levadas ao OSC – um número bastante inferior ao percentual de reclamações feitas pelo Brasil, que responde por 5,68% do total de 440 demandas feitas no OSC. Há também que se considerar que a Índia e a China, dois países cujo crescimento econô- 54 | InterAção mico tem atraído os olhares do mundo, atuam como reclamantes em 4,32% e 2,05% dos casos do OSC respectivamente, apesar de terem maior representatividade no comércio internacional do que o Brasil. Tabela - Representatividade dos países selecionados no comércio internacional e participação como reclamante no Órgão de Solução de Controvérsias Membro da OMC Representatividade no comércio internacional* (%) União Europeia** 22,88 China*** 9,95 EUA Japão Canadá Índia 10,24 19 1,35 1,41 1,30 África do Sul 0,60 Chile 0,42 Venezuela Egito Peru 22,05 9 2,04 2,50 Brasil Argentina 97 86 14 1,94 Arábia Saudita Participação como reclamante sobre o número de casos do OSC (%) 4,58 México Austrália Casos em que aparece como reclamante no OSC 0,43 0,38 0,24 0,23 31 17 5 25 0 19,55 2,05 3,14 7,05 4,32 3,86 1,14 5,68 0,00 0 0,00 9 2,05 14 1 0 3 3,18 0,23 0,00 0,68 * Calculada a partir do fluxo total de importações e exportações no ano de 2011. ** Desconsideradas as reclamações realizadas individualmente pelos países da UE no OSC. *** Único país da lista a não ingressar na OMC em 1995 (o ingresso da China ocorreu em 2001). Fonte: elaboração própria a partir de “WTO Statistics Database” (WTO, 2012b) e “WTO Disputle Settlement: The Disputes – Chronological list of disputes cases” (WTO, 2012c). InterAção | 55 Além de garantir os interesses comerciais do país, a atuação do Brasil no OSC, mesmo não tendo como tônica a conquista de um importante papel de liderança perante outros países em de- senvolvimento e subdesenvolvidos que integram a OMC, conduziu a esse resultado. Como destacou o Representante Permanente do Brasil junto à OMC, Embaixador Roberto Azevêdo, por ocasião da I Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional (CNPEPI), a atuação do Brasil no DS267 (WTO, 2012d), usualmente referido como “Contencioso do Algodão”, por exemplo, fez com que o Brasil se tornasse um líder no tema perante os demais Estados-membros da OMC (AZEVEDO; CARDOSO, 2007). Ao demonstrar capacidade de ação e responsabilidade, o Brasil conquistou um importante papel de liderança entre seus pares e foi legitimado como porta-voz de vários países que, apesar de interesses comerciais muitas vezes contrastantes, têm um grande objetivo em comum: diminuir as assimetrias do sistema multilateral de comércio. Por conta do respeito conquistado internacionalmente por meio de sua atuação no OSC, o país hoje ocupa lugar de desta- que à mesa de negociações do comércio internacional ainda que seja pequeno em termos de volume comercial. E é a análise da relação entre a representatividade do Brasil no comércio internacional e a participação do país como reclamante no OSC que oferece as pistas de como o reconhecimento do direito enquanto instrumento políti- co - uma característica da PEB desde os tempos coloniais - serviu para impulsionar a projeção brasileira dentro do sistema multilateral de comércio. 56 | InterAção CONSIDERAÇÕES FINAIS O caminho percorrido pelo comércio internacional no século XX foi marcado por curvas acentuadas. Em um período de sessenta anos, caminhou-se do protecionismo da década de 1930 à institucio- nalização do livre comércio, simbolizada na criação da Organização Mundial do Comércio nos anos 1990. Além de ser um libelo ao livre comércio, a OMC trouxe consigo aquele que tem sido considerado o mais poderoso tribunal internacional existente: o Órgão de Solução de Controvérsias, o qual chancelou a postura ruled-oriented, reforçando o controle jurídico em um mundo outrora condicionado apenas pelos preceitos da selva econômica. Foi esse reforço do direito sobre o sistema multilateral de comércio que criou uma possibilidade concreta de redução das assimetrias do poder mundial, tão evidentes na seara econômica – em especial nas situações de litígio. A análise da participação do Brasil como reclamante junto ao OSC demonstra que a utilização do direito como instrumento polí- tico pela PEB redesenhou-se no tempo e hoje impulsiona a projeção brasileira no sistema multilateral de comércio. Os dados indicam que a condição de major player do Brasil no comércio internacional não se justifica por sua representatividade no volume de exportações e importações mundiais, e sim por sua liderança dentro da OMC. Li- derança que em grande medida foi conquistada através do reconhecimento obtido pelo país com a sua atuação junto ao OSC. Em outras palavras: a consciência de que o direito é um ins- trumento de política caracteriza a Política Externa Brasileira desde os tempos coloniais, quando os objetivos ainda eram consolidar as InterAção | 57 fronteiras do país. Modernamente, a instrumentalização do direito na PEB, evidenciada na atuação brasileira junto ao OSC, contribui para reduzir as assimetrias do poder mundial e, ao mesmo tempo, impulsionar a projeção do país no comércio internacional. REFERÊNCIAS AMORIM, Celso. Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim. In O Brasil no mundo que vem aí – I Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional. Jerônimo Moscardo e Carlos Henrique Cardim (orgs.). Brasília: FUNAG, 2007. pp. 9-28. AMORIM, Celso. Palestra proferida pelo Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, aos alunos do Instituto Rio Branco. Brasília: MRE, 06 de agosto de 2008. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigosentrevistas-e-outras-comunicacoes/ministro-estado-relacoes-exteriores/ palestra-proferida-pelo-ministro-das-relacoes>. Acesso em: 22. mai. 2012. AZEVÊDO, Roberto Carvalho; CARDOSO, Elio de Almeida. Negociações Comerciais Multilaterais – Nova Geografia. In O Brasil no mundo que vem aí – I Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional. Jerônimo Moscardo e Carlos Henrique Cardim (orgs). Brasília: FUNAG, 2007. p. 37–44. BLUSTEIN, Paul. Desventuras das nações mais favorecidas. Brasília: FUNAG, 2010. CARVALHO, Evandro Menezes de. Organização Mundial do Comércio: cultura jurídica, tradução e interpretação. Curitiba: Juruá, 2006. 58 | InterAção JACKSON, John H. Dispute Settlement and the WTO. In Journal of International Economic Law, Vol. 1, Issue 3, pp. 329-351, 1998. _____. Sovereignty, the WTO, and Changing Fundamentals of International Law. New York: Cambridge University Press, 2006. VAN DEN BOSSCHE, Peter. The Law and Policy of the World Trade Organization: text, cases and materials. New York: Cambridge University Press, 2005. WTO. World Trade Organization. Understanding the WTO: the Organization - Members and Observers. Disponível em: <http://www. wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e .htm>. Acesso em: 30 jun. 2012a. _____. Statistics Database. Disponível em: <http://http://stat.wto.org/>. Acesso em: 16 jul. 2012b. _____. Dispute Settlement: The Disputes – Chronological list of disputes cases. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/ dispu_status_e.htm>. Acesso em: 16 jul. 2012c. _____. Dispute Settlement: Dispute DS267. United States — Subsidies on Upland Cotton. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/ dispu_e/cases_e/ds267_e.htm>. Acesso em: 17 jul. 2012d. RUSSIA TODAY. Russia officially joins World Trade Organization. Russia Today, Moscou, 21 jul. 2012. Disponível em: <http://rt.com/ politics/russia-putin-wto-joins-755/>. Acesso em: 21 jul. 2012. InterAção | 59 Corrupção e investimento estrangeiro direto Luciano Vaz Ferreira1 Fabio Costa Morosini2 Resumo A presente pesquisa possui como problema central de investigação a análise do impacto da corrupção no fluxo de investimento estrangeiro direto (IED). A primeira parte da pesquisa estuda o papel do IED na economia globalizada; a segunda tem como objetivo analisar as consequências da corrupção em operações envolvendo IED. Para tanto, realizou-se uma revisão bibliográfica sobre o tema. A etapa da investigação aponta que a percepção da corrupção pode ser um fator condicionante para o ingresso de IED em um determinado país. Palavras-chave: Globalização. Corrupção. Investimento Estrangeiro Direto. Instituições. Abstract This research aims to analyze the impact of corruption in the flow of foreign direct investment (FDI). The first part of the research 1 Doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS). E-mail: lvazferreira@ gmail.com. 2 Doutor em Direito (University of Texas at Austin), Professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS). E-mail: [email protected]. 60 | InterAção studies the role of FDI in the global economy; the second examines the consequences of corruption in transactions involving FDI. For this purpose, we carried out a bibliographic review on the subject. The stage of the research indicates that the perception of corruption can be a conditioning factor for the inflow of FDI in a particular country. Keywords: Globalization. Corruption. Foreign Direct Investment. Institutions. Introdução A globalização traz novas possibilidades de desenvolvimento, graças ao estabelecimento de um intenso fluxo de capitais. No mundo global, a estratégia dos países é de beneficiarem-se com o investimen- to estrangeiro direto (IED) ao mesmo tempo em que lançam suas empresas transnacionais em novos mercados. Um dos grandes problemas do mundo globalizado é o fenô- meno da corrupção. Alimentada pelo setor privado e frequente nas práticas de investimento estrangeiro, a corrupção posa como uma ver- dadeira ameaça para a dinâmica do livre mercado. Nesse contexto, o presente trabalho possui como objetivo analisar a possível influência da corrupção na atração do IED. Como metodologia, optou-se por fazer revisão bibliográfica. As fontes possuem natureza interdisciplinar, com trabalhos oriundos das ciências jurídicas, econômicas e administrativas. O artigo é dividido em duas partes. A primeira parte refere- -se ao papel que o IED desempenha no sistema econômico mundial InterAção | 61 contemporâneo, inserido em um cenário globalizado. Para isso, é necessário definir conceitualmente o IED, diferenciando-o dos demais tipos de investimentos. Também será referida, nesse ponto, a importância que as instituições possuem para a escolha do Estado hospedeiro de investimento. A segunda parte é dedicada para entender as consequências da corrupção no fluxo de IED. Para isso, serão analisadas, primeiramente, as definições de corrupção indicadas pelos autores. Após, será investigada a possibilidade de influência do fenômeno na atratividade de IED pelos países. 1 Os Fluxos Internacionais de Investimento Estrangeiro Direito A expansão do capitalismo e o impacto das novas tecnologias, especialmente na esfera do transporte e das comunicações, criaram condições para a globalização, fenômeno distinto de outros processos internacionalizantes do passado3. A revolução tecnológica foi respon- sável pelo encurtamento das distâncias naturais de tempo e de espaço, que conduziu a um cenário de crescente integração e interdependên- cia mundial, em diferentes áreas. Construiu-se, assim, uma densa rede de relações que perpassam a vetusta figura do Estado. Nesse contexto, a globalização pode ser caracterizada como a tomada de 3 Entende-se que as grandes navegações e as primeiras expressões do capitalismo já representavam de certa forma, um movimento de crescente integração entre diferentes zonas do mundo. ARRIGHI (1998) aponta o sistema econômico da cidade-estado de Gênova, do Século XV, uma expressão primária do capitalismo, como um processo baseado na extraterritorialidade. No entanto, se os antigos processos apresentavam limitações de alcance, a globalização apresenta-se como um processo muito mais abrangente, por que engloba todas as partes do mundo. 62 | InterAção consciência de interesses comuns a tudo aquilo que recobre a superfície da terra (ARNAUD, 1999, p. 4). O processo alterou drasticamente a dinâmica da economia, que passou a ter como base um intenso fluxo transnacional de bens, serviços e capitais. Entende-se que a adoção dominante dos princí- pios do livre comércio criou um verdadeiro “mercado global”, inde- pendente de fronteiras geográficas ou políticas. Teoricamente, o livre trânsito dos recursos permite que eles sejam eficientemente alocados e melhor aproveitados, de acordo com as especificidades e capacidades de cada região, fomentando-se, assim, o desenvolvimento das nações como um todo4. A redução das barreiras comerciais, efetuada por meio da ins- titucionalização de um sistema de negociações multilaterais (Acordo Geral de Tarifas e Comércio e depois Organização Mundial do Comércio), fez com que o comércio adquirisse proporções mundiais. Desde então, é possível exportar ou importar produtos e serviços de praticamente qualquer parte do mundo. Hoje, o comércio internacional explora um novo estágio, proporcionado pelo contexto globalizante. Sustenta o livre trânsito internacional de capitais, que de maneira fluida, supera as limitações físicas do comércio tradicional. A ideia é que o capital abundante dos países desenvolvidos, ávidos por novos mercados, seja direcionado a países em desenvolvimento, carentes de investimentos, o que geraria crescimento econômico e redução de desigualdades. O “investimento estrangeiro” pode ser conceituado como a 4 O fundamento é a “Teoria das Vantagens Comparativas” de David Ricardo, descrita em sua obra “Princípios de Economia Política e Tributação” de 1817. InterAção | 63 “transferência de fundos ou materiais de um Estado (chamado de ‘país exportador de capital’) para outro (chamado de ‘país receptor’) em troca de uma participação direta ou indireta no empreendimento” (SORNARAJAH, 2010, p. 08). Enquadrariam nessa definição, por exemplo, empresas que deixam de apenas produzir em seu solo e exportar para exterior e passam a desenvolver operações envolvendo o emprego de capital. Sendo assim, pulverizam a sua produção e sua logística ao redor do globo; estabelecem filiais e subsidiárias; engajam-se em atividades de joint ventures com empresas locais, tudo em busca da maximização da eficiência econômica. O modelo representativo dessa nova era é a estrutura empresária de caráter multinacional (ou transnacional): empresas que exploram a sua atividade econômica além de seu país de origem e organizam o seu sistema de produção e suas estratégias de acesso a consumidores em escala mundial. Costuma-se a dividir o investimento estrangeiro em duas áreas: investimento estrangeiro de portfólio e investimento estrangeiro direto. O investimento estrangeiro de portfólio é representado pelo movimento de dinheiro com o propósito de compra de ações em empresas localizadas em outros países, sem se vincular a sua gestão (SORNARAJAH, 2010, p. 08). É conhecido como “capital especulativo”, pois objetiva ganhos de curto prazo, migrando de mercado facilmente. De acordo com a definição do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), o investimento estrangeiro direto (IED) ocorre quando é mantida participação societária duradoura na gestão de empreendimento em economia diversa do investidor. É 64 | InterAção necessário que o investidor possua 10% ou mais do capital votante. Conforme o World Economic Survey 2005 (UNITED NATIONS, 2005, p. 79), o IED divide-se em projetos de investimento originais (greenfield investment), quando o investidor estrangeiro inaugura um novo empreendimento, e fusões e aquisições transfronteiriças (cross- -border merger and acquisitions), quando o investidor compra ou realiza fusão com empreendimento nacional já existente. Ainda que parte da literatura especializada veja o fenômeno do IED como representação de uma agenda neoliberal para garantir os interesses econômicos das nações desenvolvidas, conduzindo à submissão das economias em desenvolvimento às atividades das empresas multinacionais (SORNARAJAH, 2010, p. 53-55), estudos apontam que o relacionamento pode ser benéfico para o Estado receptor caso consiga atrair e manter bons investimentos. Neste contexto, alguns aspectos positivos sobre o ingresso de IED podem ser indicados, especialmente em relação aos países emergentes enquanto hospedeiros. Entende-se que a liberalização do investimento incrementa a competitividade internacional entre as empresas, produzindo um aumento na qualidade dos produtos e serviços oferecidos. Pensa-se em uma empresa nacional que sofre com a concorrência de uma compa- nhia transnacional do mesmo ramo que produz mais eficientemente (produto mais barato e de melhor qualidade, por exemplo). Assim, o ambiente competitivo internacional servirá de estímulo para que os produtores locais busquem novas estratégias. O inverso também é possível acontecer: caso revelem-se empreendimentos de sucesso, as empresas locais podem acessar os mercados de outros países. InterAção | 65 O investidor estrangeiro direto geralmente introduz tec- nologia, know-how e práticas de excelência gerencial que inexistem na economia hospedeira (SORNARAJAH, 2010, p. 48). Nesse passo, conforme relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (2002, p. 05), o IED pode ajudar nas condições ambientais e sociais do Estado receptor, como por exemplo, transferindo tecnologias “mais limpas” (que causam me- nos danos ao meio ambiente) e levando a implementação de políticas corporativas voltadas à responsabilidade social. Outro ponto interessante é o desenvolvimento de infraestru- tura nacional graças ao ingresso do IED. O incremento em infraestrutura de transporte, saúde e educação, por exemplo, não só facilitam que o investidor estrangeiro conduza o seu empreendimento como também beneficiam a sociedade do país receptor como um todo (SORNARAJAH, 2010, p. 48). Estudos apontam um aumento vertiginoso no uso de IED em negócios internacionais, o que demonstra a sua importância para a economia mundial na atualidade. A partir da década de 90, com a abertura de novos mercados nacionais e a onda de privatizações, houve um rápido crescimento do IED e da participação das empresas transnacionais (UNITED NATIONS, 2005, p. 79). Indicadores do Banco Mundial mencionam que em 20 anos, o dinheiro investido de maneira internacional aumentou de aproximadamente 200 milhões em 1990 para quase 1,3 trilhão de dólares em 2010. A partir disso, observa-se que a maioria de nações procedeu à liberação do IED e a consequente reforma de seus marcos regulatórios na área, de modo a tornar suas economias mais atrativas a in- 66 | InterAção vestidores (WORLD COMISSION ON THE SOCIAL DIMEN- SION OF GLOBALIZATION, 2004, p. 28). Instaurou-se, assim, um interessante ambiente de competitividade entre os Estados pelo recebimento de IED, todos visando extrair a maior quantidade de benefícios desse fenômeno econômico. As vantagens competitivas para a atração de projetos de IED podem ser representadas por diversos elementos. Conforme MU- DAMBI e NAVARRA (2002, p. 635), características macroeconômicas como tamanho e crescimento do mercado, disponibilidade de trabalho e seus custos, níveis de inflação e endividamento externo e a situação do balanço de pagamentos são tradicionalmente consi- derados como indicadores para o grau de atratividade de IED. No pensamento contemporâneo, além desses fatores, cresce a ideia de que as estruturas institucionais nacionais são peças fundamentais para a determinação dos fluxos de IED. Sob o ponto de vista econômico, NORTH (1991, p. 97) con- ceitua as instituições como restrições a conduta humana desenvolvidas para estruturar as interações políticas, econômicas e sociais da vida em sociedade. Consistem em restrições informais (como costumes e códigos de condutas) e regras formais (como o sistema jurídico). O comportamento egoístico e utilitarista dos agentes econômicos, que buscam a maximização dos benefícios e minimização dos prejuízos, produz um cenário de incertezas, que pode acarretar a elevação dos custos de transação. Nessa linha teórica, entende-se que o estabele- cimento de instituições produz maior certeza às interações sociais; os agentes conhecerão as regras que regulam o seu comportamento e serão capazes de calcular os seus riscos e os custos de transação envol- InterAção | 67 vidos, de modo a reduzi-los. Sendo assim, pode-se dizer que a qua- lidade das instituições impacta na formação dos custos de transação, fazendo com que o comportamento e escolha dos atores sociais sejam influenciados pela configuração da estrutura institucional. Sobre a relação entre instituições e comportamento dos agentes, COOTER e SCHÄFER (2006, p. 03) apresentam como exemplo a produção das pesquisas em inovação e tecnologia, que se baseiam em uma relação simbiôntica entre investidor e inovador; enquanto o primeiro investe, esperando retorno financeiro, o segundo cria, esperando o investimento. Essa troca é baseada em uma dinâmica de (des)confiança recíproca: o inovador precisa confiar que o inves- tidor não disseminará a ideia, e este deve confiar que o investidor não se apropriará do capital. Um ambiente institucional que preveja um direito de propriedade intelectual garante a confiança mútua; caso esse arcabouço jurídico inexista, os investidores irão investir menos, enquanto os inovadores irão ficar com receio que seu trabalho seja copiado indevidamente. Essa situação conduziria à inibição do investimento nessa área. Em um cenário globalizado de competitividade entre as na- ções e grande mobilidade de empresas e de fatores de produção, os investidores estrangeiros irão decidir pelo melhor ambiente institucional para o seu empreendimento, que ofereça baixos custos de transação, alta produtividade e retorno financeiro garantido. Nesse passo, os custos de transação relacionados ao sistema legal, político e administrativo podem determinar a opção por um ou outro país receptor na definição do local de investimento (AMAL; SEABRA, 2007, p. 235). 68 | InterAção Conforme MUDAMBI E NAVARRA (2002, p. 641), as ins- tabilidades do ambiente institucional geram incertezas às operações de IED, aumentando o custo do empreendimento e desencorajan- do sua entrada. Na mesma linha, BÉNASSY-QUÉRÉ, COUPET e MAYER (2005, p. 765) apontam que a ineficiência do governo, mudanças políticas, fraca proteção dos direitos de propriedade e do cumprimento do direito em geral contribuem para essa incerteza. Os argumentos são no sentido de que os investidores seriam mais propensos a entrar em países onde o cumprimento do regime (político e jurídico) é relativamente mais fácil de prever (MUDAMBI; NAVARRA, 2002, p. 641). Existem sólidas pesquisas empíricas que defendem a existên- cia de relação entre a movimentação de investimentos e a qualidade das instituições do país hospedeiro. Ao realizarem o cruzamento de índices de governança e fluxos de IED5, DAUDE e STEIN (2007, p. 341) afirmaram que “a qualidade das instituições possui efeitos positivos sobre o IED”, de modo que o “impacto de variáveis ins- titucionais é estatisticamente significativa e economicamente muito 5 GLOBERMAN e SHAPIRO pesquisaram os dados referentes a 144 países entre 1995 e 1997. Para os fluxos de investimento, foram utilizados os relatórios da United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD). Em relação aos aspectos institucionais, os autores utilizam os Worldwide Governance Indicators (Indicadores Mundiais de Governança), desenvolvido por KAUFMANN, KRAAY e ZOIDO-LOBATÓN (1999) e adotado pelo Banco Mundial. Trata-se de um conjunto de pesquisas realizadas com vários segmentos da sociedade ao redor do mundo. O instrumento é dividido em seis dimensões: voz e accountability, estabilidade política e ausência de violência, efetividade do governo, qualidade regulatória, aplicação do direito (rule of law) e controle da corrupção. Para acessar os índices, consultar: http://info.worldbank.org/ governance/wgi/index.asp. InterAção | 69 importante”. Entendimento similar pode ser encontrado nos estudos de GLOBERMAN e SHAPIRO (2002, p. 1914-1916) e de LI e RESNICK (2003, p. 202-203). DUNNING e LUNDAN (2008, p. 314) ao analisarem as pesquisas citadas concluíram que a “boa governança ajuda a atrair o IED, enquanto a má governança repele”. Alguns exemplos podem ajudar a ilustrar o argumento. A existência de uma legislação nacional que proíbe a expropriação imotivada de IED confere maior tranquilidade ao investidor, que pode- rá calcular, de maneira mais precisa, os riscos que envolvem o seu projeto. Ainda, a proteção da propriedade intelectual pelo direito do hospedeiro pode contribuir para a atração de IED ligado ao desenvolvimento tecnológico. Nessa mesma linha, uma nação marcada pela instabilidade política e com histórico de nacionalização de IED, por sua vez, poderá repelir investidores, que se demonstrariam cautelosos em aplicar seus recursos em um local de retorno financeiro incerto. 2 As Consequências da Corrupção no Investimento Estrangeiro Direto Nas análises de risco e qualidade institucional realizadas pe- los investidores estrangeiros, tem-se adicionado o grau de corrupção no país hospedeiro como um dos elementos que auxiliam a definição do local do investimento. Cresce, nos últimos anos, pesquisas que buscam correlação entre IED e o fenômeno da corrupção. É importante, antes de adentrar nos pormenores envolvendo o problema de pesquisa, encontrar uma definição de corrupção. O BANCO MUNDIAL (1997, p. 08) costuma conceituar a corrupção como sendo o “abuso de cargo público para obter benefícios privados”. 70 | InterAção Como pode ser observado, o conceito é amplo e englobaria uma série de condutas. A mais evidente é a prática de suborno, no qual incidem tanto o funcionário público que exige, solicita ou recebe vantagem indevida, como os agentes privados que pagam esses valores para terem algum benefício do poder público. Situações que não envolvem suborno também estariam incluídas na definição, como a patronagem e o desvio e apropriação de recursos públicos. Um conceito um pouco diferente é apresentado pela ONG TRANSPARENCY INTERNATIONAL (2008, p. 02) que entende a corrupção como o “abuso de poder confiado para obter benefícios privados”. Constata-se que não há menção ao termo “cargo público”. A ideia é defender a possibilidade de prática corrupta envolvendo apenas atores privados (“corrupção privada ou corporativa”). Um exemplo seria a conduta de um executivo de uma grande multinacional que mascara a péssima saúde financeira da empresa e emite bônus em seu benefício e de seus colegas, enganando os interesses dos acionistas e investidores. Estudos apontam a relação entre a percepção de corrupção de um país e sua capacidade de atrair investimento estrangeiro. Os argumentos são no sentido de que um país visto como corrupto pode sofrer inibição ou fuga de IED (WEI, 2001, p. 02-03). Outra possibilidade é a atração de IED de baixa qualidade, com pouco volume de capital e sem perspectivas de transferência de tecnologia. Existem explicações para esse comportamento dos investi- dores estrangeiros. Consoante pesquisa desenvolvida por MAURO (1995, p. 705-706 e 1997, p. 104), a corrupção contribui para a insta- InterAção | 71 bilidade política, baixo crescimento econômico, diminuição do investimento doméstico e o uso dos gastos públicos de maneira ineficiente, elementos que interferem na qualidade das instituições nacionais. Assim, fazendo uma conexão com o que foi apresentado na primeira parte, pressupõe-se que os investidores de IED farão uma avaliação das instituições dos países receptores, buscando por aqueles que possuam mecanismos institucionais de natureza política e jurídica que possam minimizar a incidência da corrupção e, consequentemente, dos custos de transação. Sobre os custos de transação envolvidos, não se pode esquecer que o IED é um investimento de grande vulto e de tempo longo para o retorno financeiro, de modo que é necessário planejamento de todas as variáveis capazes de interferir no sucesso econômico do empreendimento. Nesse passo, conforme SHLEIFER e VISHNY (1993, p. 612), WEI (2001, p. 03), e TANZI (1998, p. 586) a corrupção é vista como uma espécie de “tributação extra” que inibe os IEDs. O suborno sistematicamente exigido por uma autoridade pública; a necessidade de contratação de lobistas para a concessão de licenças e outros benefícios; os riscos de perder o empreendimento em caso de crise institucional: tudo é traduzido como custo para atividade empresária nos projetos de IED. Algumas pesquisas empíricas têm sido conduzidas para com- provar a existência de relações entre o fenômeno da corrupção e o ingresso de IED, destacando-se os trabalhos de WEI (2000a, 2000b, 2001) e HABIB e ZURAWICKI (2001). WEI (2000a, p. 03) analisou os fluxos de investimento ori- ginados de 12 países em direção a 45 hospedeiros, cruzando-os com 72 | InterAção indicativos de percepção da corrupção6. A conclusão do autor foi no sentido de que o acréscimo do nível de corrupção em um país opera efeitos similares ao aumento da carga tributária em um Estado hospedeiro. Para o autor (WEI, 2000a, p. 08), o aumento do nível nacional de corrupção de baixo para alto (como na situação de um índice de corrupção igual à Singapura para um índice apresentado pelo México) equivale a aumentar entre 18% a 50% a tributação de um país. Levando em consideração a necessidade que a globalização impõe de redução das barreiras comerciais e tributárias, trata-se de uma elevação brutal do custo para manter uma atividade empresarial, situação que, obviamente, prejudica o país. Em estudo similar, HABIB e ZURAWICKI (2001, p. 691- 698) analisaram o ingresso de IED em 111 países durante o período de 1994-1998 relacionando-o com os respectivos índices de percepção de corrupção7. O resultado também aponta para a existência de uma interferência negativa da corrupção na atração de IED. Os autores ponderam que a corrupção deve ser analisada em conjunto com ou- 6 Os índices de percepção de corrupção tentam representar como a comunidade internacional vê a incidência do fenômeno em um determinado país. Esses índices são compostos por várias pesquisas e entrevistas realizadas por instituições respeitáveis, refletindo a opinião de observadores de todo o mundo, como especialistas no assunto, analistas de risco e empresários, incluindo pessoas que vivem e trabalham nos países avaliados. Os dados são retirados de instituições internacionais que estudam o desenvolvimento econômico, empresas de análise econômica e de risco, ONGs de pesquisa em democracia e governança e instituições acadêmicas. Wei utilizou, em sua pesquisa, os índices calculados por duas agências de avaliação de riscos de investimento (Economist Intelligence Unit e a PRS Group) e uma organização não governamental (Transparency International). 7 Também foram utilizadas as pesquisas do PRS Group e da Transparency International. InterAção | 73 tras variáveis que caracterizam o ambiente social, pois seus efeitos serão menores na presença de fatores positivos de atratividade de IED, como a abertura de mercado e estabilidade política. Concluem que a corrupção é uma “barreira, e não um fator decisivo, para a realização do pleno potencial de investimento de um país”. Outra constatação interessante diz respeito a possível influ- ência da corrupção no tipo de investimento estrangeiro. Conforme dados levantados por WEI (2000b, p. 14), países com altas taxas de corrupção possuem baixo IED comparativamente em relação aos in- vestimentos de portfólio. Isso ocorre por que esse tipo de investimento é menos dependente do arranjo político-institucional para florescer. Enquanto as operações de IED são vulneráveis à extorsão de agentes governamentais, uma vez que necessitam firmar um relacionamento duradouro com o poder público, na forma de concessão de autorizações, licenças e benefícios, o investimento de portfólio desenvolve pouco contato com o governo, pois é um projeto de retorno financeiro em curto prazo e de fácil mobilidade para outras economias. Outras pesquisas, realizadas na forma de entrevistas, auxi- liam a comprovação dos argumentos apresentados. Em estudo da TRANSPARENCY INTERNATIONAL (2009, p. 21), no qual foram entrevistados 2.700 executivos oriundos de 26 países, um a cada quatro respondentes indicou que a corrupção prejudica a operação e o crescimento de seu negócio. Dentre 350 executivos senio- res entrevistados pela PRICEWATERHOUSECOOPERS (PwC) (2008, p. 02) quase 45% dos entrevistados confessou que costuma de- sistir de ingressar em um mercado ou implementar um negócio devido ao risco de corrupção. Por fim, conforme pesquisa de WEITZEL 74 | InterAção e BERNS (2006, p. 01), em análise de quase cinco mil operações de fusão e aquisição envolvendo IED, revelou-se que ambientes com alto índice de corrupção reduzem a avaliação das empresas nacionais, tornando-as menos atrativas para investidores. Entende-se, no entanto, que a relação entre corrupção e o baixo nível não deve ser encarada como uma espécie de fórmula matemática. Existem casos emblemáticos de países que são classificados como cor- ruptos, mas costumam a receber grande quantidade de investimento, como China, Rússia e Angola. Tal situação demonstra que o ambiente institucional (pouco ou baixa corrupção) pode ser uma condicionante para a definição do ingresso de IED, mas não é a única variável existente (HABIB e ZURAWICKI, 2001, p. 698). Cogita-se que os fatores macroeconômicos (como o tamanho do mercado, custo da mão de obra, etc.) extraordinários acabaram sendo avaliados como mais importantes para os estrangeiros que investem nesses países. Contudo, autores apontam que mesmo os países que apre- sentam grandes taxas de ingresso de IED e um ambiente corrupto podem ter problemas no futuro. Segundo ROSE-ACKERMAN (1997, p. 33), na medida em que essas sociedades com deficiências institucionais de transparência despontam economicamente, o risco de aumento vertiginoso da corrupção e de uma consequente espiral de declínio econômico é enorme: pensa-se na profusão de projetos de infraestrutura superfaturados, ou o fácil desvio de novos recursos que se encontram em abundância. De maneira complementar ao argumento, WEI (2001, p. 03) estima que a China teria o dobro de IED se combatesse de maneira mais eficiente a corrupção. Ainda, não se pode esquecer que o valor nominal da quanti- InterAção | 75 dade de ingresso de IED, demonstrado nos relatórios, não é suficiente para atestar a qualidade do investimento recebido. Tomando por base os escritos de SHLEIFER e VISHNY (1993, p. 615), observa-se que os governos de países com alta incidência de corrupção possuem a tendência de direcionar os investimentos a projetos que facilitem a ocultação das práticas corruptas e potencializem os ganhos pessoais dos agentes. Isso pode ser demonstrado pela preferência por projetos de alta complexidade, custo elevado e fornecedores monopolistas, como os investimentos em infraestrutura e na área de defesa. O risco de canalização de recursos nacionais e estrangeiros para obras de es- cassa utilidade social é alto, o que pode acarretar graves prejuízos no desenvolvimento do país em longo prazo8. Constatada a possibilidade de a corrupção ser uma condi- cionante para o ingresso de IED, questionam-se quais estratégias os países podem tomar para enfrentar o problema. A saída pode ser a implementação de uma política de controle da corrupção. O objetivo é estabelecer instituições nacionais que garantam que os investidores não terão seus empreendimentos assediados por agentes do Estado corruptos, implicando custos indesejados e desestímulo ao investi- mento. Reformas jurídicas e institucionais são fundamentais para esse processo. Tal qual uma legislação protetora dos direitos de propriedade intelectual, exemplo mencionado no início do texto, a criação 8 A promoção de grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas pode ser uma ótima oportunidade para alavancar o ingresso de IED em um país. Contudo, em um cenário de corrupção generalizada, os recursos, tanto nacionais quanto estrangeiros, podem ser direcionados a obras economicamente ineficientes, como a construção de um luxuoso estádio público com custo de manutenção extremamente elevado. 76 | InterAção de um arcabouço jurídico anticorrupção composto de mecanismos preventivos e repressivos contribui para a formação desse ambiente institucional. Para WEI (2001, p. 05), uma reforma anticorrupção pode ser mais eficiente na atração de IED do que o oferecimento de incentivos fiscais excessivamente generosos que acarretam indesejáveis renúncias de receitas tributárias. Até mesmo as economias que aparentemente estariam alheias às consequências das práticas corruptas começaram, nos últimos anos, a implementar programas governamentais anticorrupção, como é o caso da China, Rússia e Índia9. O Brasil, recentemente, realizou uma série de reformas institucionais que culminaram, por exemplo, na criação de uma agência governamental de controle da corrupção no âmbito federal (Controladoria Geral da União)10 e na divulgação dos gastos governamentais em sítios da internet11. Uma nova legislação está sendo preparada, com o foco na prevenção da corrupção nas atividades empresárias12. Isso demonstra a provável preocupação que existe em torno do fenômeno, especialmente no que diz respeito à necessidade de construção de um ambiente institucional livre de cor- rupção e consequentemente mais atraente para o investimento. 9 Nos últimos três anos, China, Rússia e Índia conduziram reformas legislativas com o objetivo de aperfeiçoar seus mecanismos de controle da corrupção. Tratam-se de projetos em andamento (BBC, 2010, 2012; RIA NOVOSTI, 2011). 10 Lei Federal nº 10.683 de 28 de maio de 2003. 11 Lei Federal nº 12.527 de 18 de novembro de 2011. 12 Projeto de Lei nº 6.826/2010. A legislação prevê a possibilidade das empresas brasileiras serem punidas em caso de vinculação com práticas corruptas. A idéia é atacar os financiadores da corrupção. As empresas poderão ser impedidas de participarem de contratos do governo (a atual legislação é insuficiente nesse aspecto) e condenadas a severas multas. InterAção | 77 Considerações Finais A dinâmica do mundo globalizado conduziu à competitivi- dade das nações na atração do investimento estrangeiro direto. Os investidores, por sua vez, seguindo uma lógica de racionalidade econômica, enviam o seu capital para os locais que apresentem melhores possibilidades de retorno financeiro. Dessa maneira, somente as na- ções que demonstrarem qualidade em suas instituições, representada pela existência de um ambiente de estabilidade jurídica e política, poderão se beneficiar desse fluxo de investimentos. O fenômeno da corrupção é, no entanto, a antítese do bom clima para proliferação do IED. Cogita-se, com esse estudo preliminar, que a percepção da corrupção em um determinado país pode ser fator condicionante para o ingresso de IED, baseando-se nos estudos realizados por Wei, Habib e Zurawicki. Nesse contexto, a implementação de políticas anticorrupção pode ser uma opção interessante para incrementar a capacidade de atração de IED. Para isso, faz-se necessário o estabelecimento de reformas jurídicas e institucionais que demonstrem o comprometimen- to do país com o controle da corrupção. Indica-se a possibilidade de realização de estudos dessa natureza em outra oportunidade. Referências AMAL, Mohamed; SEABRA, Fernando. Determinantes do Investimento Direto Externo (IDE) na América Latina: uma Perspectiva Institucional. EconomiA, Brasília, v. 8, n. 2, p. 231-247, 2007. 78 | InterAção ARNAUD. André-Jean. O Direito Entre Modernidade e Globalização: lições de filosofia do direito e do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. ARRIGHI, Giovanni. O Longo Século XX: Dinheiro, Poder e as Origens de Nosso Tempo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998. BÉNASSY-QUÉRÉ, A.; COUPET, M.; MAYER, T. Institutional Determinants of Foreign Direct Investment. World Economy, New Jersey, v. 30, n. 5, p. 764-782. BRITISH BROADCASTING CORPORATION (BBC). China Expands Anti-corruption Law. 12.07.2011. Disponível em: <http:// www.bbc.co.uk/news/10595981>. Acesso em: 05.08.2012. _________________. Indian PM Singh appeals for anti-corruption bill. 23.03.2012. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/news/worldasia-india-17484998>. Acesso em: 05.08.2012. COOTER, Robert D.; SCHÄFER, Hans-Bernd. O Problema da Desconfiança Recíproca. The Latin American and Carribean Journal of Legal Studies, Berkeley, v. 1, n. 1, p. 01-19, 2006. DAUDE, Christian; STEIN, Ernesto. The Quality of Institutions and Foreign Direct Investment. Economics & Politics, Oxford, v. 19, n. 3, p. 317-344, 2007. DUNNING, John H.; LUNDAN, Sarianna M. Multinational Enterprises and the Global Economy. 2. ed. Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2008. GLOBERMAN, Steven; SHAPIRO, Daniel. Global Direct Investment Flows: The Role of Governance Infrastructure. World Development, Amsterdã, v. 30, n. 11, p. 1899-1919, 2002. InterAção | 79 HABIB, M.; ZURAWICKI, L. Country-level Investments and the Effect of Corruption. International Business Review, Amsterdã, v. 10, p. 687-700. KAUFMANN, Daniel; KRAAL, A.; ZOIDO-LOBATÓN, P. Aggregating Governance Indicators. Policy Research Working Paper. New York, World Bank, 1999. LI, Quan; RESNICK, Adam. Reversal of Fortunes: Democratic Institutions and Foreign Direct Investment Inflows to Developing Countries. International Organizations, Cambridge, v. 57, p. 175-211, 2003. MAURO, Paolo. Corruption and Growth. Quarterly Journal of Economics, Oxford, v. 110, n. 3, p. 681-712, 1995. _______________. The Effects of Corruption on Growth, Investment, and Government Expenditure: A Cross-Country Analysis. In: ELLIOTT, Kimberly Ann (org). Corruption and the Global Economy. Washington: Institute of International Economics, p. 83-107, 1997. MUDAMBI, Ram; NAVARRA, Pietro. Institutions and International Business: a Theoretical Overview. International Business Review, Leiden, v. 11, p. 635-646, 2002. NORTH, Douglass. Institutions. Journal of Economic Perspectives, Nashville, v. 5, n. 1, p. 97-112, 1991. NUNNEMKAMP, Peter; SPATZ, Julius. Intellectual Property Rights and Foreign Direct Investment: a Disaggregated Analysis. Review of World Economics, Leibniz, v. 140, n. 3, p. 393-414, 2004. ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Foreign Direct Investment for Development: Maximising Benefits, Minimising Costs. Paris: OECD publications service, 2002. 80 | InterAção PRICEWATERHOUSECOOPERS. Confronting Corruption: The Business Case for an Effective Anti-corruption Programme (2008). Disponível em: <http://www.pwc.com/th/en/publications/com fronting-corruption.jhtml>. Acesso em: 10.12.2011. RIA NOVOSTI. Russia Medvedev signs landmark anticorruption law. 04.05.2011. Disponível em: <http://en.rian.ru/ russia/20110504/163854280.html>. Acesso em 05.08.2012. RICARDO, David. Princípios de Economia Política e Tributação. São Paulo: Nova Cultural, 1996. ROSE-ACKERMAN, Susan. The Political Economy of Corruption. In: ELLIOTT, Kimberly Ann (org). Corruption and the Global Economy. Washington: Institute of International Economics, p. 31-60, 1997. SHLEIFER, Andrei; VISHNY, Robert W. Corruption. The Quarterly Journal of Economics, Oxford, v. 108, n. 3, p. 599-617, 1993. SMARZYNSKA JAVORCIK, B. The Composition of the Foreign Direct Investment and the Protection of Intellectual Property Rights: Evidence from Transition Economies. European Economic Review, Amsterdã, v. 48, p. 39-62, 2004. SORNARAJAH, M. The International Law of Foreign Investment. 3. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. TANZI, Vito. Corruption Around the World: Causes, Consequences, Scope and Cures. IMF Staff Papers, Washington, v. 45, n. 4, p. 559-594, 1998. TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Bribe Payers Index 2008. Berlim: Transparency International, 2008. InterAção | 81 _________________. Relatório global de corrupção 2009: A corrupção e o setor privado. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. UNITED NATIONS. World economic and social survey 2005: financing for development. New York: United Nations publication, 2005. WEI, Shang-Jin. Corruption and Globalization. Brooking policy brief series, n. 79, abr. 2001. Disponível em: <http://www.brookings.edu/ papers/2001/04corruption_wei.aspx>. Acesso em: 11.12.2011. _______________. How Taxing is Corruption on International Investors? The Review of Economics and Statistics, Massachusetts, v. 82, n. 1, p. 1-11, 2000a. ________________. Negative alchemy? Corruption and Composition of Capital Flows. OECD development centre working paper, n. 165, 2000b. Disponível em: <http://www.oecd.org/ dataoecd/49/16/2072209.pdf>. Acesso em: 11.12.2011. WEITZEL, Utz; BERNS, Sjors. Cross-border Takeovers, Corruption and Related Aspects of Governance. Tjalling C. Koopmans Research Institute Discussion Paper, n. 06-03, 2006. Disponível em: <http:// SSRN: http://ssrn.com/abstract=909546>. Acesso em 11.12.2011. WORLD BANK. Helping Countries Combat Corruption: The Role of World Bank. Washington: World Bank, 1997. WORLD COMISSION ON THE SOCIAL DIMENSION OF GLOBALIZATION. A fair globalization: creating opportunities for all. Genebra: International Labour Office, 2004. 82 | InterAção InterAção | 83 Por uma leitura mais ampla: a contribuição da Historiografia nas Relações Internacionais Alan Gabriel Camargo1 Resumo O objetivo central deste artigo é entender, a partir da análise das tradições francesa e inglesa, as contribuições conferidas pela His- toriografia ao estudo das Relações Internacionais. Para isso, traçar-se-á inicialmente a perspectiva sobre o domínio do campo historiográfico e, concomitantemente, resgatar-se-á as primeiras literaturas historicistas voltadas à compreensão dos acontecimentos internacionais. Em seguida, os contornos que marcam as tradições historiográ- ficas francesa e inglesa serão elucidados, respectivamente, a partir de DUROSELLE (2000) e BULL (2002), seus representantes por ex- celência. Por meio de um balanço que analise o alcance e as falhas de cada uma das tradições mencionadas, o trabalho se aterá aos efeitos que as dinâmicas globais geram a tais produções intelectuais. A partir dessas considerações, o artigo concluíra as discussões apresentadas ao compreender os meios historiográficos como formas de estudar mais amplificada, tanto contextual quanto cognitivamente, as Relações Internacionais. 1 Mestrando em Relações Internacionais. Instituto de Relações Internacionais - Universidade de Brasília. E-mail: [email protected] 84 | InterAção Palavras-chave: Historiografia. Relações Internacionais.Tradição Francesa. Tradição Inglesa. Abstract The central objective of this paper is to understand the contri- bution of Historiography to the study of International Relations from the analysis of the French and English traditions. For this purpose, it will draw firstly the perspective on the historiographical field and concomitantly it will rescue the first historicist literature aimed at the understanding of international events. Then, the contours that mark the French and English historiographical traditions will be elucidated, respectively, with DUROSELLE (2000) and BULL (2002), their representatives par excellence. Through a balance to examine the scope and failures of each mentioned traditions, the article will focus the effects that the global dynamics grant to such intellectual productions. From these considerations, the paper will conclude the discussions understanding the historiographical studies as means to read the International Relations more amplified contextual and cognitively. Keywords: Historiography. International Relations. French Tradition. English Tradition. Introdução Grande parte da literatura apresenta o surgimento científico das Relações Internacionais no início do século XX, mais precisa- InterAção | 85 mente em 1917, quando se deu a inauguração de um departamento próprio à disciplina na universidade escocesa de Aberystwyth. Segundo as indicações de NOGUEIRA e MESSARI (2007), os acadêmicos reunidos na referida instituição pautaram seus trabalhos na compreensão ampla da Primeira Guerra Mundial, com a finalidade de buscar caminhos normativos para evitar outros acontecimentos com proporções semelhantes. Mediante a inevitabilidade do segundo conflito global e o bipolarismo formado após seu encerramento, novas reestruturações foram empreendidas na ciência que nascia. O novo campo acadêmico foi popularizado e beneficiado pelo lançamento de novas tecnologias que permitiram o contato mais direto entre os pensadores, elaboração de novos recursos, ferramentas e métodos de pesquisa para as Relações Internacionais. Entre os anos 1980 e 1990, as reestruturações na política in- ternacional lançaram novos desafios para se pensar o mundo. Muitos dos conceitos, modelos e teorias perderam consistência na sustentação da nova realidade da época. Enquanto as grandes tradições teóricas foram colocadas em xeque na tentativa de fornecer justificativas para o cenário complexo que se criava, novas propostas ganharam espaço perante a conjuntura das crises paradigmáticas. Dessas considerações, percebe-se a visibilidade, ampliação e renovações contínuas lançadas às Relações Internacionais ao longo do último século. De acordo com LAKE (2011), isso parte das próprias condições internacionais, as quais se apresentam aos estudiosos como o sistema social mais complexo de ser entendido e que, por consequência, carece de uma formulação científica única e capaz de 86 | InterAção dar conta da sua totalidade. Nesse sentido é que a pluralidade e a interdisciplinaridade, traços marcantes da ciência em questão, regis- tram iniciativas acadêmicas frutíferas. Para cada um dos pensadores que se debruçam à área, sejam eles historiadores, cientistas políticos, juristas, economistas, sociólogos ou profissionais de outras formações, cada aspecto pode ser tratado sob diferentes abordagens. E é justamente na trajetória seguida pela História que reside o foco deste trabalho. Seus adeptos, insatisfeitos com os padrões vinculados à Ciência Política para a justificação do mundo, buscam forne- cer compreensões mais amplas, que ponderem a política internacional como parte de um processo histórico e que necessita, portanto, ser contextualizado e interpretado sob tal consideração. Todavia, por mais interdisciplinar que sejam, as Relações In- ternacionais nem sempre propiciaram um diálogo profícuo entre his- toriadores e teóricos internacionalistas. Como afirma RAPOPORT (1992), os primeiros são criticados pelo grande foco nos acontecimentos passados em detrimento da análise contemporânea ou futura, enquanto os teoricistas recebem condenações devido às tentativas de sintetizar a complexidade contemporânea em modelos ou conceitos de tendências generalizantes. Longe de tomar ambos os grupos como rivais ou irreconciliáveis, MOURA (1989) interpreta positivamente o diálogo em questão ao reconhecer que, enquanto é crescente a incorporação dos modelos, teorias e conceitos nos trabalhos dos historia- dores, ao mesmo tempo é possível identificar iniciativas dos teóricos em invocar a historicidade como elemento para a compreensão do processo de conhecimento. O que se percebe, assim, é a contribuição mútua de recursos entre tais pesquisadores. InterAção | 87 Canonizado enquanto fundador da tendência de invocar a história nas Relações Internacionais, um grupo de franceses foi res- ponsável por inaugurar uma tradição própria. Introduzida por Pierre Renouvin e ampliada por expoentes como DUROSELLE (2000), a tradição francesa teve sua originalidade ao propor explicações dos conceitos recorrentes da área com uma forte sustentação empírica. Não obstante tal excentricidade, historiadores da Grã-Bretanha também produziram importantes obras para a compreensão das Relações Internacionais. Voltados à interpretação do mundo nos termos de uma “sociedade internacional”, os ingleses demonstraram a relevância da ordem, bem como das dimensões culturais, éticas e valorativas desse suposto arranjo social. Isto posto, o presente artigo tem como objetivo entender as contribuições conferidas pelas apreciações historiográficas às Rela- ções Internacionais a partir da análise das duas tradições clássicas da área: a francesa e a inglesa. Para isso, será mapeado inicialmente o campo de estudos da Historiografia em concomitância ao resgate das primeiras obras historicistas voltadas ao estudo dos acontecimentos internacionais. Na seção seguinte, os traços marcantes da corrente francesa serão elucidados, especialmente através da consideração da obra prima de DUROSELLE (2000) como marco. Posteriormente, o foco se voltará às inovações historiográficas lançadas pela corrente britânica, tomando como referência BULL (2002), seu representante por excelência. Após a síntese de ambas as tradições, o artigo identificará o alcance logrado pelos nódulos centrais de cada abordagem estudada, sem deixar de reconhecer os pontos falhos atribuídos a eles contemporaneamente. A proposta dessas argumentações consistirá 88 | InterAção em, justamente, demonstrar os efeitos que as mudanças na realidade internacional geram na produção de pensamentos em Relações Internacionais. Por fim, a partir de tais considerações, alcançar-se-á a resposta para o problema central deste artigo ao reconhecer a contribuição historiográfica às Relações Internacionais como novos meios de estudar a disciplina a partir de perspectivas mais amplificadas contextual e cognitivamente. 1 O campo e as primeiras obras As explicações históricas para a evolução das ciências é um dos aspectos mais notáveis nas pesquisas contemporâneas. Através desses esforços acadêmicos, procura-se compreender como se criaram as teo- rias, os contextos do seu nascimento, recursos disponíveis no período, interesses permeados, alcance das abordagens e o envolvimento destas com os demais pensamentos da época. Foi em meio a tais animações que surgiu os estudos da Historiografia das Relações Internacionais. Resgatando as afirmações de DUNNE (1998), a disciplina historiográfica em Relações Internacionais busca entender como os acontecimentos e movimentos sociais impactam nas ideias e produções acadêmicas deste campo. A atenção é voltada às diferentes abordagens lançadas por grupos de intelectuais para explicar ou interpre- tar a vida internacional. Nesse sentido é que o autor alarde sobre a importância de considerar os fatores do contexto entre os debates: A more sophisticated approach […] would be attentive to the context within which the internal debates were carried forward, retracing the InterAção | 89 footsteps of academics who self-consciously and institutionally understood themselves as carrying on a distinctive conversation about International Relations (DUNNE, 1998, p.1) Pode-se constatar já no século XIX a emersão de literaturas historicistas preocupadas com os movimentos internacionais. Embo- ra não fossem pioneiras, uma vez que se confere comumente a Tucídides (século V a.C) a iniciativa consagrada de obras acerca das relações entre os povos, somente no período novecentista é que as produções voltadas ao tema assumiram um teor científico. Dois importantes fatores da época foram influentes nesse sen- tido, um concernente à política internacional e outro ao desenvolvi- mento científico. Em primeiro lugar, é mister lembrar a formação dos Estados nacionais e a construção de um sistema baseado nas relações entre essas unidades. Mediante a organização sob o formato estatal, as nações passaram a interagir de modo estratégico para a conquista dos seus interesses, em meio a regras e parâmetros que condicio- nariam as relações entre si. Por outro lado, no campo intelectual, o período marcou-se pela expressão da chamada “história científica”, movimento dominante de oposição à geração romântica. Segundo as explicações de Gerson Moura, Diferentemente da perspectiva romântica que constituía a história a partir de momentos e de personagens exemplares e se expressava como narrativa literária, a “história científica” apresentava-se como uma corrente contínua de causas e efeitos tangíveis, expressos em linguagem objetiva e impessoal e totalmente despreocupada com valores (MOURA, 1989, p. 68). 90 | InterAção Dessas condições, partiram as obras que, por meio de visões realistas, ativeram-se às relações internacionais a partir do epicen- tro estatal. A preocupação residia em fornecer justificativas à figura do Estado e as posturas que seus representantes tomavam frente aos demais governos. Por transmitir visões intimamente ligadas às estra- tégias oficiais, essa corrente historiográfica, também conhecida como “história diplomática”, teve pouca capacidade crítica o que a fez ser rechaçada por pensadores futuros. 2 A ruptura historiográfica: o nascimento da tradição francesa Coube ao professor Pierre Renouvin, célebre historiador francês do século XX, o trabalho de fundar um novo campo median- te o rompimento com a história diplomática. Em seus discursos, o pensador se opunha à perspectiva limitada imposta pelas chancelarias e, mediante ao reconhecimento das falhas metodológicas dessa tradição, convenceu-se sobre a possibilidade de alargar as interpretações acadêmicas: As forças morais e materiais que agitavam o mundo do seu tempo, como os movimentos nacionais e as forças econômicas, deveriam ser sempre consideradas se o objetivo fosse construir conhecimento mais abrangente e dinâmico da vida internacional. As fontes da pesquisa, portanto, necessitavam ser ampliadas (SARAIVA, 2008, p. 13). De acordo com SARAIVA (2008), o pioneirismo de Pierre Renouvin, além de consagrar uma tradição francesa na interpreta- ção histórica, também fundou o campo de estudos conhecido como “História das Relações Internacionais”. Para Saraiva, o rompimento InterAção | 91 com a corrente diplomática possibilitou a inauguração de uma nova disciplina com um objeto próprio, responsável por construir leituras historicistas das relações entre as nações segundo os problemas da vida internacional. Com a consagrada Histoire des relations internationales, lança- da em 1953, Pierre Renouvin edificou um marco ao nortear gerações de estudiosos que desenvolveram suas pesquisas inspirados nas ideias contidas nesta obra. Tal tendência caracterizou uma linhagem de pensamento conhecida, propriamente, como “tradição francesa das Relações Internacionais”. De maneira geral, dois importantes aspectos são notados no trabalho renouviniano. Primeiramente, evidencia-se o caráter perma- nente dos conflitos interestatais, sobretudo devido à busca incessante das nações por espaço e poder no ambiente internacional. Em segundo lugar, ao ampliar o espectro de análise, a obra enfatizou as relações internacionais para além da Europa, entendidas como resultados do progresso material e promotoras do intercâmbio de ideias, do colonia- lismo e dos maiores fluxos migratórios. Nascia, desse modo, o conceito de “forças profundas”, esmiuçada posteriormente por DUROSELLE (2000), que compreende o conjunto das causalidades sob as quais atuavam os homens no cálculo das suas estratégias (SARAIVA, 2008). 3 Uma teoria baseada na história: a excentricidade de Duroselle DUROSELLE (2000) revelou-se como o herdeiro mais evi- dente da tradição de Renouvin. Através das palestras e cursos proferidos na Suíça e nos Estados Unidos, Duroselle expandiu os horizontes 92 | InterAção da disciplina e conferiu renovação à geração francesa, especialmente com o lançamento da sua obra prima Todo Império Perecerá nos anos 1980. Já no início do livro, o autor apresenta o objetivo central de construir uma teoria própria, “[...] cuja característica é ser baseada na história, fundada sobre a coletânea de acontecimentos concretos – logo empírica –, sobre suas sucessões – logo evolutiva – e sobre as analogias e as regularidades – logo metódica” (DUROSELLE, 2000, p. 40). Com o primeiro elemento da teoria, DUROSELLE (2000) se empenhou em refutar as debilidades de interpretar de modo “ar- tificial” a realidade, característica inerente aos conceitos. Ou seja, a incapacidade dos modelos teóricos em abarcar a complexidade da vida levaria a construção de certas falhas como: explicação de um grande número de acontecimentos por meio de um pequeno número de homens; explicação de um grande número de acontecimentos por uma única causa e, finalmente, explicação de um grande número de acontecimentos por meio de um conceito reificado. Dessa forma, o autor invoca a importância da empiria em oposição ao abstrato, e se dedica à formulação de uma teoria das Relações Internacionais com esse teor. Em segundo lugar, DUROSELLE (2000, p. 21) é crente sobre a impossibilidade de sua teoria ser baseada exclusivamente na racionalidade dos atores. Nas suas palavras, “Devemos, pois, estudar cientificamente o homem; este, porém, é uma mistura de racional e irracional”. Isso o levou a identificar dois importantes aspectos: a finalidade, voltada à abrangência dos propósitos e poderes que um InterAção | 93 ator tem para realizar seus objetivos; e a causalidade, conjunto de dimensões que exercem forças confusas, que modificam os episódios e a racionalidade. O reconhecimento de ambas as dimensões seria imprescindível para reconstruir os acontecimentos e as suas sequências dentro da lógica de alternâncias e contrapesos que identifiquem a evolução humana. Por fim, o pensador propõe três níveis de análise aos estudos historiográficos como meio de não incorrer à generalização, mas, ainda assim, ser capaz de formular perspectivas “seguras”. O primeiro deles estaria relacionado às ações pontuais de um dado momento ou circunstância. O segundo pertenceria às estruturas sociais, ou melhor, a uma das fases lentas da evolução histórica. O último – e, tal- vez, de maior realce –, englobaria o conjunto da história humana ou as “regularidades”: O exame empírico feito pelo historiador leva-o a constatar a existência repetitiva de certos tipos de acontecimentos ou de conjuntos de acontecimentos apresentando analogias muito fortes e que são completamente independentes dos níveis técnicos e sociais, dos regimes políticos ou das regiões geográficas” (DUROSELLE, 2000, p. 358). Assim, ao invocar a observação empírica da história interna- cional, DUROSELLE (2000) conclui a obra prima com o reconhe- cimento de que, tanto o nascimento quanto a morte dos impérios são uma das grandes “regularidades” da história, ainda que a queda seja resultada por diferentes fatores. O brilhantismo desta formulação tornou-o um dos poucos a identificar o desmoronamento da União Soviética, fato que viria a ocorrer dentro de alguns anos após 94 | InterAção a publicação da sua obra magna. 4 Um outro olhar sobre as relações internacionais: a tradição britânica Na Grã-Bretanha, a origem de uma tradição historiográfica em Relações Internacionais se deu em meados dos anos 1950, inti- mamente ligada à London School of Economics and Political Science e ao British Committee on the Theory of International Politics. Em torno desta última instituição, reuniram-se autores consagrados como Herbert Butterfield, Martin Wight, Hedley Bull e Adam Watson, tomados por muitos como os fundadores da tradição insular. Segundo DUNNE (1998), a primeira geração de estudiosos ingleses, embora não compartilhasse laços acadêmicos, debruçava-se sobre conteúdos particulares de estudo. Quando emergiu o British Committee, o corpo de intelectuais adquiriu maior coesão e consci- ência de grupo, especialmente ao compartilhar certos conceitos e vocabulários. Durante a década de 1960, a tradição assumiu maior amadurecimento e, em meados dos anos 1980, surgiu a controversa expressão “Escola Inglesa” como referência ao conjunto desses traba- lhos. Atualmente, o reconhecimento pauta-se na auto-identificação de um autor com a literatura ou corpo de pesquisa inaugurada pelos clássicos dessa tradição. É importante ressaltar que a corrente britânica, de modo mais elucidativo que a francesa, não se compõe por um corpo homogêneo. Ao contrário, há diferentes perspectivas e abordagens entre seus autores que permitem constatar certo dissenso acerca dos pressupostos centrais da tradição. Por outro lado, mesmo não consensual, o grupo InterAção | 95 insular guarda a marca identitária de busca pelo significado dos conceitos em detrimento da racionalização desses. Em alguns momentos, seus representantes chegaram a rejeitar até mesmo a possibilidade de as relações internacionais serem estudadas de modo científico a partir de um conjunto de causas e efeitos. Como aponta DUNNE (1998), tais autores conseguiram ir além da tendência hegemônica da disciplina, pautada na perspectiva americana de dicotomia entre o racionalismo e o reflexivismo. Dentre interpretações formuladas para o mundo, aloca-se a célebre ideia de “sociedade internacional” em detrimento do concei- to de “sistema internacional”. Resgatando a perspectiva lançada por BULL (2002), Ngaire Woods distingue o sistema como o arranjo entre “[…] two or more states which have sufficient contact between them and sufficient impact on one another’s decisions to cause them to behave as parts of a whole.” Em contraste, a sociedade internacional se caracterizaria por “[…] a group of states which knowingly share common interests and values and ‘conceive themselves to be bound by a common set of rules in their relations with one another and share in the working of common institutions” (WOODS, 1996, p. 10). Aqui, nota-se que ênfase no conceito de sociedade interna- cional carrega um forte embasamento moral para informar as ações. Disso parte o aspecto normativo da tradição, ou seja, de importância às normas, leis, princípios e valores que sustentam a ordem mundial. Nesse sentido é que os Estados passam a ostentar um caráter de alinhamento ao sentido moral, que encaminha a uma sociedade em que, tanto o conflito quanto a cooperação são possíveis. Em outros termos, ainda que imperfeitas, as relações interestatais não significariam ne- 96 | InterAção cessariamente uma catástrofe geral; haveria a possibilidade de ordem. A análise dos aspectos normativos revela a existência de um debate bipolar entre os historiadores insulares, distintos por BULL (2002) como pluralistas e solidaristas. Conforme explica Emerson de Souza, [...] o pluralismo descreve sociedades internacionais “tênues” (thin) onde são poucos os valores compartilhados e onde o foco principal é desenvolver regras de coexistência dentro de um quadro de soberania e não-intervenção; o solidarismo, por sua vez, descreve sociedades internacionais “densas” (thick) onde uma maior gama de valores é compartilhada e as regras não são apenas de coexistência, mas também sobre a busca de ganhos comuns e o gerenciamento de problemas coletivos (SOUZA, 2009, p. 134). 5 Os desencantos do pluralismo de Hedley Bull BULL (2002), além de descendente do pensamento de Wi- ght, é mencionado como um dos principais nomes da historiografia britânica. Apesar de ser naturalmente australiano, Bull é entendido como expoente dessa tradição dado os trabalhos científicos que desenvolveu junto à London School, ao British Committee e à Universidade de Oxford. Um dos traços pelos quais é tradicionalmente lembrado deve- -se ao estudo conjunto de dois conceitos que aparentavam ser mutuamente excludentes: a anarquia e a sociedade. Para explicar a combi- nação de ambos, a partir das luzes de Wight, BULL (2002) afirma existir três tradições observadas ao longo da história para compreen- der as relações internacionais: a hobbesiana – ou realista; a kantiana InterAção | 97 – ou universalista; e a grociana – ou racionalista. Para os hobbesianos, a política internacional é palco de lutas e guerras em que cada Estado se coloca contra todos os demais. Tais atores assumem liberdade para perseguir seus objetivos sem quaisquer restrições morais ou legais, uma vez que a vida internacional ultra- passa os limites de qualquer sociedade. As únicas regras ou princípios que poderiam circunscrever as ações estatais seriam as concernentes à prudência ou convivência, mediante o interesse dos Estados em respeitar tais acordos. Já a tradição kantiana, de maneira evidentemente oposta, concebe as relações internacionais como vínculos sociais e transnacionais entre os seres humanos, contexto no qual a possibilidade de conflito é afastada. Isso porque os homens formariam uma comunidade universal e composta por interesses semelhantes, na qual não haveria possibilidades de soma zero. Assim, ao contrário dos hobbe- sianos, a concepção universalista admite a existência de imperativos morais que limitam a ação dos Estados e busca esforços para sustentar a substituição do mundo por uma sociedade cosmopolita. Por fim, os comungantes da tradição grociana colocam-se entre as duas correntes supramencionadas e descrevem a política internacional em termos de uma sociedade de Estados ou de sociedade internacional. Nesse sentido, não há empenhos para as lutas diretas entre os Estados por haver limites impostos pelas regras e instituições em comum. De acordo com a interpretação de DUNNE (1998), os atores – que, vale ressaltar, continuam sendo os Estados – mantem a noção subjetiva acerca dos vínculos entre si e identificam os objetivos em comum e as práticas institucionais necessárias para promovê-los. 98 | InterAção Porém, ao contrário das noções universalistas, a tradição grociana não prevê o cosmopolitismo, mas sim a aceitação de certas exigências para que haja a coexistência. Bull sempre demonstrou maior apoio ao racionalismo grocia- no. Em A Sociedade Anárquica, chega a mencionar a importância dessa perspectiva nas reflexões que considerem a sociedade de Estados e as mutações sofridas por esta. Segundo o autor, a história revelara três padrões de organização internacional: a Sociedade Internacional Cristã (séculos XV, XVI e XVII), a Sociedade Internacional Europeia (séculos XVIII e XIX) e, por fim, a Sociedade Internacional Mundial (século XX) (BULL, 2002). A compreensão ampliada dessa evolução levou o autor a notar certos elementos que, embora não ocorressem em conjunto nos perío- dos anteriores, mostrar-se-iam marcantes no atual estágio da política internacional: “a guerra e a disputa pelo poder entre os estados, o conflito e a solidariedade transnacionais, superando as fronteiras dos estados, e a cooperação e o intercâmbio regulado entre os estados” (BULL, 2002, p. 51). Nesse momento é que o pensamento do autor sofre uma mu- dança nítida. A concepção pluralista de considerar a sociedade internacional como modo de promover a ordem com base em laços tênues foi abalada pelas constatações de ocorrências nocivas na vida internacional, mesmo perante a existência de condicionantes morais. Por isso, como revela DUNNE (1998), Hedley Bull reconhe- ceu que a coexistência internacional não poderia ocorrer somente com o consenso ideológico mínimo entre os envolvidos. Em vez disso, se- ria possível pensar em termos do solidarismo na sociedade internacio- InterAção | 99 nal, ainda que o autor tenha demonstrado pessimismo quanto à capacidade deste ocorrer na prática. Com propriedade, Dunne explica: Bull identified a growing moral solidarity in the late twentieth century […]. But the key question is how far this awareness translates into sustained moral and political action. Given his recognition of the limits of ‘cosmopolitan moral awareness ‘ his only mechanism for heightening solidarity was through states acting as guardians over global human rights (DUNNE, 1998, p.155). 6 Um encontro necessário: e historiografia e as relações internacionais Em todos os campos do saber humano, de maneira pouco ou muito dinâmica, o desgaste dos postulados geralmente conduz à revisão do campo científico. Dessa tendência não se esquiva a própria disciplina das Relações Internacionais ao evidenciar insatisfações por parte dos seus catedráticos quanto aos padrões analíticos recorren- tes. Como demonstra José Flávio Sombra Saraiva, os “[...] problemas, métodos e resultados têm chegado a explicações insatisfatórias, não só para a evolução dos sistemas internacionais ao longo dos últimos séculos, como também para os desafios da interpretação do presente.” (SARAIVA, 2008, p. 9). A busca por redefinições e novas leituras permitiu a incorpo- ração das análises historiográficas às Relações Internacionais desde meados do século XX. Encabeçado por historiadores e certos teoricistas, o empenho procura abordar de modo interdisciplinar o curso da vida internacional sob aspectos contextuais da História. Os esforços, reunidos em torno das grandes tradições de pesquisa, tem pro- 100 | InterAção movido perfilhadas renovações ao campo de estudos. Com notável predicado, MOURA (1989) indica que a his- toriografia das Relações Internacionais deve ser entendida como um processo intelectual em renovação, decorrente de estímulos “exter- nos” e “internos” à disciplina. Segundo a lição que deixa, é necessário notar, de um lado, os fatores inerentes à política internacional de cada época e os movimentos de ideias e pensamentos gerados no interior dos debates acadêmicos. Pois bem, internacionalmente, é necessário relembrar aconte- cimentos como o encerramento das Guerras Mundiais e a conformação de um mundo estruturalmente bipolar. No contexto do ocidente, conformou-se uma ordem centralizada na figura estadunidense em substituição à hegemonia europeia do século XIX. Mesmo coadjuvante no contexto, o Velho Mundo não deixou de expressar certas lideranças, como a francesa e a inglesa, enquanto potências com elevado envolvimento internacional e consagradas pelas tradições científicas influentes. Esse é o grande ambiente dentro do qual se deve compreender e analisar a formação das gerações historiográficas apresentadas anteriormente neste trabalho. Para os franceses, a preocupação inicial era, evidentemente, buscar outras fontes de pesquisa para marcar o rompimento com a história diplomática. Através da substituição das matérias oficiais do governo, Renouvin e seus companheiros procuraram explicar a evo- lução internacional a partir de fontes tradicionalmente negligenciadas na literatura da época. Os autores dessa primeira fase, contemporâneos aos abalos e consequências das Guerras Mundiais, vivenciaram a perda da importância relativa da Europa no conjunto das relações in- InterAção | 101 ternacionais. Dessa observação, decorreu a busca de explicações para o envolvimento histórico do continente com o restante do mundo. Todavia, o cenário internacional em meados dos anos 1980 era reconhecidamente diferente do encontrado nas décadas anteriores; as explicações de Renouvin pareciam desconexas para o momento em questão. Convicto da possibilidade de conduzir uma releitura da matriz historiográfica, pode-se dizer que DUROSELLE (2000) trouxe renovação à disciplina francesa, ao formular o Todo Império Perecerá como evidência da maturidade e capacidade de renovação do seu gênero historiográfico. DUROSELLE (2000) teve um papel fundamental no resga- te da tradição francesa, principalmente ao demonstrar a conveniência de grande parte do seu aporte à realidade da época. Em meio às crises paradigmáticas que assolavam as teorias das Relações Internacionais nos anos 1980, o autor soube identificar e conjecturar com proprie- dade a desarticulação da União Soviética. Além disso, as dissertações acerca do estrangeiro, das fronteiras e dos grupos mostraram importante contribuição para a compreensão dos movimentos de nacionalismo e formação das identidades no Pós-Guerra Fria. Por outro lado, muito se reflete, atualmente, sobre a visão transmitida pelo autor na referida obra. DUROSELLE (2000) é contestado pela perspectiva nitidamente francesa, além de eurocêntrica, com a qual trata dos temas e da teoria formulada. As próprias noções de fronteiras, identidades, interesses e impérios baseiam-se nas cog- nições correntes na França que é, vale dizer, um paradigma no modo de organização dos Estados modernos em torno de uma nação. Questões como o atraso, o subdesenvolvimento, a dependência e as assi- 102 | InterAção metrias internacionais recebem pouca abertura nas suas elaborações. Já no ângulo insular, a produção não esteve vinculada aparen- temente a tentativas de rompimentos; ao contrário, manteve-se en- quanto resultado de tradições de pesquisas cingidas especialmente ao British Committee e à London School. Disso, decorre seu caráter aberto e difuso que, muitas vezes, tornam inviável a tentativa de circunscrever as gerações de autores em torno de aspectos comuns e conferir-lhes, assim, uma grande identidade. Mesmo assim, como demonstra DUNNE (1998), os britâ- nicos são equivocadamente identificados como corrente teórica do Realismo dada à semelhança das premissas comuns. Ou seja, tanto a tradição historiográfica quanto o paradigma teórico confluem no reconhecimento de que os conflitos interestatais são possíveis e a guerra, ao longo dos séculos, foi a maneira tradicional de encaminhá-los. O ambiente anárquico é considerado aqui como variável influente e dificultosa às iniciativas de cooperação internacional. Embora convergentes nesses aspectos, DUNNE (1998) res- salta a incompatibilidade de certas concepções como ponto crucial na distinção entre ambos os grupos. Enquanto a tradição britânica busca entender a evolução histórica dos sistemas internacionais que permitem a interpretação desses enquanto sociedades internacionais, o Realismo dedica-se à auto-afirmação como paradigma teórico por excelência das Relações Internacionais. Além das finalidades dis- tintas, o ângulo insular também se contrapõe à Teoria Realista ao reconhecer a possibilidade dos Estados conformarem seus compor- tamentos e interesses aos princípios normativos. É evidente para essa linhagem a sustentação de uma ordem internacional entre grupos de InterAção | 103 Estados que se consideram ligados por certos valores, instituições e objetivos em comum. Uma perspectiva importante nessa consideração é o pluralis- mo lançado justamente por BULL (2002), que acredita ser possível ocorrer a ordem mesmo em sociedades internacionais permeadas por laços frouxos. Para o autor, nos contextos pluralistas em que poucos valores são compartilhados, a ordem internacional pode ser lograda mediante as regras básicas de coexistência – como soberania e não intervenção. Porém, muitos questionamentos são levantados às premissas de Bull no início do presente século. Acontecimentos marcantes do período, como as crises humanitárias, a maior atuação das redes ter- roristas e a invasão do Iraque liderada pelos Estados Unidos colocam à prova as noções de regras legítimas de coexistência internacional. Em outros termos, o contexto contemporâneo fornece espaço para reavaliar a afirmação de que a sociedade internacional é um fator im- portante na sustentação da ordem. A grande pergunta que se faz é até que ponto se pode considerar existir uma sociedade com tantas evidências de contradições às supostas normas que a mantém. Essa inquietação tangenciou também a atenção de BULL (2002) e o fez reconhecer que o conflito com as regras é parte natural da expansão das sociedades internacionais. Todavia, como contrapõe SOUZA (2009), o problema não se pauta na percepção de que as normas são violadas, mas no fato de os participantes da estrutura societária empreender atitudes para desafiá-las. Disso, torna-se questionável as afirmações da sociedade internacional pluralista dada a exacerbação das tensões, contradições e deformidades. Assim, as li- 104 | InterAção teraturas da tradição britânica, atualmente, voltam-se ao estudo de outras questões que ampliam a análise para uma possível sociedade mundial em que os indivíduos passam a ganhar mais atenção. Com o balanço entre as tradições francesa e inglesa lançado nesta seção, é possível constatar os frutos consolidados da conjugação entre a historiografia e as Relações Internacionais. Ditas em outras palavras, as perspectivas historiográficas na disciplina possibilitaram a compreensão do surgimento, alcances e transformações que as abor- dagens francesa e inglesa empreenderam durante as últimas décadas. A observação sob a ótica da historiografia permite averiguar o empenho crescente entre certos historiadores para abarcar conceitos próprios das teorias das Relações Internacionais, ao mesmo tempo em que os teoricistas passaram a prezar pela historicidade em seus trabalhos. A tendência de adotar perspectivas históricas nas análises da disciplina, como visto anteriormente, esteve presente desde os primeiros trabalhos da área e, ao longo do desenvolvimento do campo científico em questão, gerou importantes correntes que abordaram os problemas e acontecimentos da vida internacional de maneira própria. Não se trata de perspectivas alternativas, uma vez que acom- panharam o surgimento e a consolidação da disciplina, mas sim de abordagens reconhecidamente capazes de compreender as dimensões estruturais e conjunturais do momento histórico analisado. Como ilumina sabiamente Gerson Moura A diversificação de objetos e níveis de análise no campo [...] aponta para a conjugação frutífera de dimensões estruturais e conjun- turais, de condicionantes externos e internos e de esforços teóricos e InterAção | 105 empíricos, destinados a oferecer explicações cada vez mais compreensivas do convívio internacional (MOURA, 1989, p. 80). Conclusão Por todas as apresentações e considerações lançadas no de- correr deste trabalho, parece sustentável pensar a importância da historiografia nas Relações Internacionais como possibilidade única de entender a política internacional e sua relação com os movimentos intelectuais. Dessa forma é que se compreende não apenas a aceitação de certas tradições de pensamento, mas também as refutações que são destinadas a elas de acordo com as dinâmicas de cada contexto temporal. Tais perspectivas, compostas por grupos minoritários de estudiosos, entendem a necessidade de incorporação dos fatores históricos e percebem a relevância que a evolução e os acontecimentos passados exercem sobre os conhecimentos produzidos. É nesse sentido que os trabalhos historiográficos oferecem um aporte rico à compreensão dos acontecimentos, sua relação com as produções acadêmicas e os alcances destas. Trata-se de uma ferramenta profícua de criticidade e entendimento das dimensões cognitivas que ampliam os horizontes de análises das Relações Internacionais. Referências BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. 106 | InterAção DUNNE, Tim. Inventing international society: a history of the English school. London: Macmillan Press, 1989. DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo império perecerá: Teoria das Relações Internacionais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. LAKE, David A. Why ‘‘isms’’ Are Evil: Theory, Epistemology, and Academic Sects as Impediments to Understanding and Progress. International Studies Quarterly, v. 55, p. 465-480. 2011. MESSARI, Nizar.; NOGUEIRA, João P. Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. MOURA, Gerson. Historiografia e Relações Internacionais. Contexto Internacional, n. 10, jul-dez. 1989, p. 67-86 RAPOPORT, Mario. Una Teoría sin Historia? El estudio de las relaciones internacionales en cuestión. Ciclos, v.2, n. 3, jul-dez. 1992, p. 147-159. SARAIVA, José F. S (Org.). História das relações internacionais contemporâneas: da sociedade internacional do século XX à era da globalização. São Paulo: Saraiva, 2008. SOUZA, Emerson M. Ordem e Justiça na Sociedade Internacional pós-11 de Setembro. Revista Brasileira de Política Internacional, v.52, n.1, p. 133-148. 2009. WOODS, Ngaire. Explaning international relations since 1945. Oxford: Oxford University Press, 1996. InterAção | 107 Os centros do poder econômico mundial na atualidade e as possibilidades de conflitos regionais Luiz Fernando Vescovi1 Resumo A presente pesquisa tem por intuito investigar as fontes pri- mordiais de poder econômico mundial da atualidade, sob um enfoque geopolítico e das relações internacionais contemporâneas, e que detenham representatividade nas questões político-econômicas e administrativas de poder do globo, tendo por análise, também, as pos- sibilidades de conflitos regionais decorrentes do crescimento destes centros. Tem por escopo, ainda, traçar, em linhas gerais, as evidências fáticas que este poder econômico mundial possa vir a ensejar num futuro internacional próximo, pelas relações que acontecem entre os Estados e pelos interesses que expressam, no cenário mundial. 1 Professor dos cursos de Direito e de Ciências Contábeis da UNOESC – Universidade do Oeste de Santa Catarina Campus Videira; mestre em Direito Internacional pela USC – Universidad San Carlos (Paraguai); especialista em Geopolítica e Relações Internacionais pela UTP – Universidade Tuiuti do Paraná; MBA (Master in Business Administration) em Comércio Internacional pela FATEC INTERNACIONAL – Faculdade de Tecnologia Internacional; bacharel em Direito (hab. Direito Empresarial) pela UP – Universidade Positivo; pesquisador em Contratos Internacionais e Arbitragem pela UFPR – Universidade Federal do Paraná (2005) e em Direito Internacional Econômico pela ABDCONST – Academia Brasileira de Direito Constitucional (2006); Advogado. E-mail: [email protected] 108 | InterAção Palavras-chave: Poder econômico – conflitos regionais – relações internacionais. Abstract This research is meant to investigate the primary sources of world economic power today, a focus on geopolitical and contempo- rary international relations, and which have representation in politi- cal and economic issues and administrative power of the globe, with the analysis, too, the potential for conflicts arising from the growth of these regional centers. Its scope also outline, in general, the factual evidence that the world economic power is likely to give rise in a fu- ture international neighbor, the relationships that occur between the states and the interests they express on the world stage. Keywords: Economic power - regional conflicts - international relations. Introdução O verdadeiro cenário internacional, hoje observado e investi- gado pelos analistas internacionais e geopolíticos contemporâneos, em nada se mostra, sequer analogamente, àquele mundo tido há algumas décadas atrás, pelo fato de os países e os momentos mundiais mudarem e transformarem-se, atualmente, numa velocidade tamanha e, por vezes, de difícil compreensão e/ou aceitação. Isso se pode afirmar, de maneira categórica, por haver interesses diversos e buscas por poder a todo o tempo, o tempo todo, pelos Estados que detém maior consoli- InterAção | 109 dação econômico-administrativa e financeira, no mundo. A idéia, portanto, de “centros de poder mundial” remonta deste há muitos séculos, dos pontos de vista histórico e sociológico, e que vêm aprimorando, sua conceituação, com o progresso e com novos acontecimentos que o cenário mundial acaba por sofrer. Neste sentido é que se compreende a concretização de Estados ou blocos econômicos como a verdadeira formação de centros donde o poder mundial (de toda ordem) emana. As conquistas que certos países detiveram, no passado e, al- guns, no presente, reafirmam o ensejo de se angariar o poder em suas mãos, com a voluntas de comandar e dominar certo espaço geográ- fico mundial, com seus intentos sociais, econômicos, tecnológicos e bélicos. Com essa vontade trazida no bojo de países – quase sem- pre tidos de “primeiro mundo” – criam-se os conhecidos “centros de poder mundial”, que são o cerne do presente trabalho e se formam quando da aglutinação do poderio, de forma hegemônica, alcançada a partir de intensos conflitos para se estabelecer uma ordem na qual estes “centros” (Estados com grande poder) ditam àqueles Estados desprovidos desta capacidade/força e, por razões de dominação, estes últimos acabam por mostrarem-se “dependentes” dos grandes centros de poder econômico mundial. Por essa razão é que se tem o foco da pesquisa como uma averiguação aos centros contemporâneos de poder, em âmago supra- nacional, com o fim precípuo de compreender quais as razões, de fato, do porque existem países que conseguem atingir este status e, consequentemente, gerenciar grande monta do globo, sob sua égide de interesses. 110 | InterAção 1 O poderio hegemônico dos Estados Unidos: a superpotência mundial No que se refere à única superpotência mundial atual, esta não poderia deixar de representar o maior de todos os centros de poder no mundo – em todos os sentidos –, tanto de cunho social, econômico, militar, tecnológico, dentre outros. Vários são os autores (pode-se citar: Immanuel Wallerstein, Joseph S. Nye Jr., dentre ou- tros) que, por muitas vezes, já publicaram seus entendimentos sobre a ascensão estadunidense como superpotência internacional e detentora de grande parte (25%) das riquezas produzidas no globo, bem como do consumo exacerbado das fontes naturais de recursos. O forte armamento bélico e a inserção do soft power (poder brando) – este último chegando, por vezes, a um estágio de hard po- wer (poder duro) – coadunam com a influência supranacional que os Estados Unidos mantêm no mundo. O poder econômico, muito bem simbolizado nas então torres do World Trade Center, com toda a sua reafirmação de austeridade e supremacia na qual jamais alguém viria a colimar, demonstrou, ao mundo, que, embora abalado com os ataques de 11 de setembro de 2001, o país se reergueu e hoje se apresenta, novamente, como consolidado centro de poder econômico-financeiro mundial. A nação norte-americana assim se mostra e autodetermina acerca de sua cultura: de uma forma tal que, sob abalo ou tensão mediatista, jamais irá se abalar, pois seu Estado é forte, central e de- tentor de todo e qualquer poder, donde nada, nem ninguém, poderá deixá-lo, um dia, obsoleto. A astúcia e o domínio do povo estadunidense – no que con- cerne a uma hegemonia e luta por engrandecimento tal – os coloca- InterAção | 111 ram como o cerne dos diversos poderes existentes e conhecidos, sob o enfoque do domínio e exploração de outros países, face ao mundo que assim o assiste. Neste sentido, não há o que se questionar do já tão estudado e analisado país “superpotente” do mundo, senão a afirma- ção de que a sua hegemonia e poderio são tão grandes e evidentes que os Estados Unidos, sob certa ótica, acabam por gerenciar quase que todo o globo terrestre, quando das decisões que auferem, em especial quando grande parte dos órgãos e organismos internacionais é, por eles, administrada. Destarte, a essência do poder norte-americano, sob a égide do intuito de se fazer como o efetivo e máximo centro de poder eco- nômico mundial se explica, claramente, nas palavras de Demétrio Magnoli e Regina Araujo, quando explanam suas idéias em consonância com o crescimento ativo e implacável no que tange às indústrias, desde a segunda metade do século XIX, reafirmando tal poderio, de hoje, nas fontes históricas favoráveis: Até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) viveu ainda o ciclo de crescimento iniciado na segunda metade do século XIX, baseado nas indústrias do aço e dos motores a combustão interna, na eletricidade e no petróleo. Esse ciclo foi interrompido por uma seqüência de crises agudas, cujo ponto extremo foi a Grande Depressão de 1929. Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o crescimento capitalista foi retomado sobre novas bases, reativando a produção e a circulação de mercadorias. Ao longo desses dois ciclos diferentes de crescimento do capitalismo, os Estados Unidos firmaram-se como a principal potência econômica do 112 | InterAção século. Na verdade, já em 1900, a produção industrial americana ultrapassava a britânica. Nas vésperas da Crise de 1929, os Estados Unidos atingiam uma dianteira folgada, que seria um pouco atenuada pelos efeitos da Depressão. (MAGNOLI; ARAUJO, 1991, p. 65). Ainda, no entendimento notório de toda a população mun- dial, porém, literalmente explanado por José William Vesentini, tem-se a certeza de que grandes organismos internacionais, gerenciados diretamente pelos Estados Unidos – tais como o BIRD e o FMI, dentre outros – consolidam, de vez, a projeção estadunidense de poder central do mundo, atualmente, in verbis: O FMI surgiu no final da Segunda Guerra Mundial juntamente com seu irmão gêmeo, o BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento –, também conhecido como Banco Mundial e igualmente sediado em Washington. Tanto o BIRD como o FMI são instrumentos financeiros controlados pelos países ricos, especialmente os Estados Unidos. Na realidade, essas duas instituições pertencem à ONU e centenas de países possuem cotas e participam delas. (grifos nossos). (VESENTINI, 1992, p. 64). Assim, tendo os Estados Unidos como a cúpula mundial de poder, na atualidade, nada de novo se tem a afirmar senão o reco- nhecimento de que seu poder e prestígio, no cenário internacional, são válidos e de autenticidade absoluta. A hegemonia do país, por- tanto, trouxe tal título àquele único, no momento atual, tido por “superpotência”. InterAção | 113 2 O bloco econômico da União Europeia e sua influência mundial: o poder econômico dos países desenvolvidos A União Européia, bloco econômico formado por países do Velho Mundo, oriundo da então CEE – Comunidade Econômica Européia, de 1958, se apresenta, da maneira mais “avançada” que se conhece, na prática, como um efetivo bloco (conglomerado) de países, em comunidade – sistema de cooperação – para um desen- volvimento uno. Sua moeda é única (Euro) e o livre comércio de pessoas e serviços favorece esse tipo de transação e cooperação internacional. Ocorre que, mesmo havendo uma intenção forte de se efe- tuar um bloco rico e consolidado no continente europeu, a União Européia vem passando por crises de grande relevância – em espe- cial no que concerne à dificuldade em se conseguir implantar uma Constituição única, por haver resistência de alguns países (Holanda e França). Outro fator importante a se ressaltar, acerca do bloco, é a sua relativa “ineficiência” no aspecto estratégico-militar, segundo afirmam, a seguir, Angela Corrêa Krajewski, Raul Borges Guimarães e Wagner Costa Ribeiro: Embora muitos analistas apontem a União Européia – bloco formado por países europeus – como uma potência mundial, isso não se confirma do ponto de vista estratégico-militar. Se é verdade que sua população representa um grande mercado consumidor, que supera o dos Estados Unidos, e que o euro (moeda da União Européia desde janeiro de 1999) pode vir a se tornar uma alternativa para as transações internacionais nos campos 114 | InterAção financeiro e econômico, a União Européia ainda não conseguiu constituir forças armadas unificadas, principal termo de comparação quanto à capacidade de influência no mundo. (KRAJEWSKI; GUIMARÃES; RIBEIRO, 2003, p. 106). Entretanto, como um bloco de esfera econômica e de poderio efetivo – núcleo do presente trabalho – e em negativa ao que se ex- plana acima, não se tem como negar, hoje em dia, a UE como sendo um dos verdadeiros centros de poder mundial. Essa assertiva fundamenta-se no fato de que os países da União Européia são realmente os grandes detentores do poderio, no continente, ou seja, Estados ricos desde há muitas décadas, por si só, se aglutinando para fortalecerem ainda mais sua pretensão de riqueza e poder, frente à grande potência mundial (EUA) certamente acabou por trazer um bloco forte e de cunho econômico-financeiro rígido e concreto. Tendo a Alemanha como líder da UE e a França como sendo a “vice-líder” do bloco, a tendência deste é o progresso intenso de trabalho e favorecimento dos países, num sistema de cooperação. É certo que estes dois Estados mencionados já se apresentavam fortes há anos atrás, assim, como grande parte dos países que da União Européia fazem frente, por esse sentido é que, com a unificação de nações já previamente fortes e detentoras de poder – cada qual com o seu – não poderia deixar de ser diferente o crescimento do poderio, quando da efetivação do bloco, centrando-se, desse modo, o poder das nações num único núcleo, formando uma potência, e, consequentemente, um verdadeiro centro de poder mundial O cunho desenvolvimentista do bloco europeu é facilmen- te perceptível e estudado por especialistas na área da geopolítica e InterAção | 115 das relações internacionais; de importante menção acerca do ocorrido no processo integrativo do Velho Mundo, tem-se as palavras de José William Vesentini: Um dos principais fundamentos dessa interpretação foi o sucesso da integração européia, cujo exemplo foi parcialmente imitado em várias partes do mundo (Nafta, Mercosul, Apec, as tentativas de se criar a Alca – Área de Livre Comércio nas Américas etc.). Nos anos 1980 alguns autores, e inúmeros jornalistas, falavam em “fortaleza européia”, sugerindo um progressivo fechamento do continente com o avançar da integração. A partir daí, muitos começaram a interpretar como “natural” a formação de mercados regionais nos diversos continentes, vendo nesse processo o nascimento de uma nova ordem geopolítica mundial “plural”, marcada pelas associações de países ao redor de um Estado núcleo ou central. Alguns dos adeptos dessa interpretação, exagerando a importância desses mercados regionais (e inclusive os homogeneizando, não percebendo as suas diferenças e vendo todos a partir do prisma da União Européia, o único que caminha de fato no sentido de construir uma confederação), passaram a falar numa “nova geografia regional do mundo” ou até mesmo em “blocos internacionais de poder”. (VESENTINI, 2003, p. 36-37). Fica evidente, portanto, que o bloco regional da Europa se convalida como um centro concretizado de poder econômico mun- dial, em especial pelo fato de sua integração ter sido efetuada de maneira cautelosa, seguindo a um patamar de confederação. Neste sentido, tal como os Estados Unidos, a UE explicita suas vontades de maneira austera e, por vezes, imperativa ao globo, perfazendo justamente o estereótipo de um núcleo que detém o poderio e o domínio, 116 | InterAção sob outros países. O seu fortalecimento, logo, deu-se com o sistema de integração e cooperação entre Estados, gerando forte e arraigada confiança de poder mundial. 3 A China e seu poderio em constante ascensão: crescimento industrial acelerado O Estado chinês, localizado em ponto estratégico favorável da porção asiática do globo detém seu domínio como forma de poder no setor da mão-de-obra intensa e barata e população de alta densida- de, passando de 1.000.000.000 (um bilhão) de pessoas, donde se tem produção de bens e produtos a todo instante, de forma ininterrupta. A China, portanto, é um verdadeiro império do poder comercial, especialmente no que tange aos produtos de segunda linha, conhecidos por “piratas” ou falsificados. O crescimento, como país, no ano de 2006 mostrou-se na ordem de 11% (onze por cento), contra menos de 1% (um por cento) do crescimento brasileiro, por exemplo. Neste sentido é que se acredita num boom chinês nos próxi- mos anos, no que se refere à questão econômica, principalmente por haver esse tipo de crescimento populacional sem precedentes, jun- tamente com questões de ordem política (imperialismo exacerbado, administrando (o país) com “mãos de ferro”) e os fatores de cunho nuclear (bombas e artefatos produzidos pelos chineses, neste segmento). Assim, observa-se a China, sob o ponto de vista desenvolvimentista: A China é a economia que mais vigor tem demonstrado nas últimas décadas, com níveis constantes de crescimento. Isso se deve ao fato de ter conseguido InterAção | 117 a posição de parceiro comercial preferencial dos Estados Unidos, o que a favorece enormemente. Nessa condição, empresas norte-americanas recebem financiamento para se instalarem na China, embora os investimentos também cheguem de outros países, como do Japão. (KRAJEWSKI; GUIMARÃES; RIBEIRO, 2003, p. 110). O poderio chinês, portanto, é vasto e digno de estudo crite- rioso por nunca ter tido um domínio de mercado – aqui, eminente- mente no sentido econômico-comercial – tal como hoje ocorre neste Estado. As parcerias existentes, conforme explanado acima, mesmo criando certos atritos, atualmente, como em problemas de propriedade intelectual (patente de produtos, etc.) ainda se mostra em voga, tanto que há pouco tempo atrás o próprio Estado norte-americano negociou a fórmula secreta do refrigerante “Coca-cola” com a China devido a sua alta lucratividade, em vendas, naquele país, expressando ser um emergente mercado e centro de poder mundial, em expectativa comercial, dentre outros. Tendo por embasamento e compreendido seu domínio mun- dial de mercado, analisa-se o ponto geopolítico-militar da nação chinesa. Neste aspecto duas passagens são interessantes de se avençar; a primeira dos professores antes citados e a segunda, de Craig Smith, sobre a forte potência bélico-militar que a China detém: Um país que detém o maior exército do mundo (cerca de 2,5 milhões de homens), é potência nuclear, participa como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e tem a maior população do planeta – cerca de 1,3 bilhão – deve ser considerado quando se discute o sistema internacional. Não bastassem esses aspectos, a China tem 118 | InterAção atraído investimentos de diversos países, além de desenvolver tecnologias de ponta, como a produção de satélites artificiais e foguetes. (KRAJEWSKI; GUIMARÃES; RIBEIRO, 2003, p. 110). Uma nova geração de generais chineses está remodelando as inchadas e superadas forças armadas da China, transformando-as numa força de combate moderna e integrada que está emergindo como potência regional, dizem especialistas ocidentais. A longo prazo, a meta é criar uma força capaz de projetar o poderio da China para muito além de sua costa. (SMITH, 2003, p. 112). Perceptível é, portanto, que a China, mesmo em um governo tido, ainda, ditatorial, apresenta, hoje em dia, o capitalismo como uma constante dentro do Estado e com forte intuito de se tornar – como está caminhando para ser – um país dominador e de poderio sobre as nações vizinhas, ou até mesmo em parte do mundo. A expansão “exagerada” que o mundo assiste, por parte da China, tal como seu desenvolvimento e crescimento militar acabam por assustar países de outras partes do globo, devido à instabilidade e falta de precedentes de um progresso como tal. Por isso, o Estado chinês, percebendo tal alarde mundial frente à sua expansão, se fortalece nos segmentos que mais detém especialidade, angariando força e poder, com status de nação consolidada – ou em consolidação repentina – colocando-se no rol dos grandes centros de poder mundial do século XXI. Por fim, se tem a China como a grande nação em discussão, na atualidade, pelos geopolíticos e analistas internacionais justamente pelo contexto em que se encontra e, em especial, pelo futuro incerto que ela irá demonstrar, no cenário supranacional, mas, sem deixar de ostentar o título de ser um dos centros mundiais de poder, este que, InterAção | 119 por vez, por anos vem sendo o objetivo chinês, com tais crescimentos comercial, tecnológico e desenvolvimentista. 4 O centro de poder russo oriundo da antiga ex-URSS: tecnologia bélica ainda respeitada Outro Estado que também expressa importância no cenário internacional como sendo um centro de poder mundial – hoje já mais relativizado pela sua essência capitalista – é a Rússia. Quando ainda integrava o bloco da extinta URSS – União das Repúblicas Socialis- tas Soviéticas, fazia frente ao poderio estadunidense na famosa dico- tomia capitalismo x socialismo que foi exaurido com o fim da Guerra Fria, no final da década de 80 e início da década de 90. Após o término da referida guerra, a nação russa entrou numa profunda crise política, na qual sofreu com questões de ordem econômica, dentre outras, entretanto, com sua força e garra advinda de seu cunho socialista da época passada, conseguiu estabilizar a situação, mas, em 1998, uma nova crise – intensa – se alojou na Rússia, agra- vando os problemas já existentes. Posteriormente, foi se recuperando, atingindo, hoje, o status de país primeiro-mundista. O poderio russo não apenas se mostra em seu arsenal bélico, ainda com resquícios do armamento socialista, mas também como sendo uma potência nucle- ar. Neste sentido tem-se as afirmações de Angela Corrêa Krajewski, Raul Borges Guimarães e Wagner Costa Ribeiro, in verbis: Além de ser a principal potência nuclear depois dos Estados Unidos, a Rússia possui um dos maiores exércitos do mundo, o que lhe garante uma po- 120 | InterAção sição destacada no cenário internacional. Após a glasnost, entretanto, sua tecnologia bélica tornou-se inferior à da superpotência, o que a obriga a adotar táticas de guerra convencionais utilizando menos recursos eletrônicos. (KRAJEWSKI; GUIMARÃES; RIBEIRO, 2003, p. 108). Mesmo com alguns percalços que a Rússia possa estar pas- sando, o seu poderio é real, em especial no sentido regional, visto que os outros países de origem soviética detêm respeito e credibilidade à nação russa e seu domínio. Ainda, a força bélico-militar e tecnológica do Estado, mesmo tendo sido parcialmente destituído após a Glasnost, ainda merece consideração, pela importância histórica e contemporânea, e por expressar-se, portanto, como poder mundial centralizado. Outro aspecto a ser ressaltado é a geografia política vantajosa (saídas para o Mar Mediterrâneo) que a Rússia expressa, bem como a relevante corrida espacial – que se fez por muitos anos – explicitando o poder tecnológico da nação. Por tal razão, reafirma-se, a Rússia, como importante centro de poder econômico mundial de hoje. 5 O centro de poder japonês: poder tecnológico mundial e líder asiático O Japão é um país eminentemente tecnológico e leva a cabo seu avançado centro de estudo e pesquisa neste setor. Grande parte do segmento mundial de tecnologia de ponta (robótica, em especial) tem origem neste Estado oriental. Ressalta-se, ainda, que o país en- frentou grandes tormentas em guerras, nas quais houve baixas, como ocorreu com as temíveis bombas atômicas despejadas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. InterAção | 121 Entretanto, seu crescimento – no que se refere à reconstrução do Estado –, após as guerras, aconteceu de maneira acelerada e bastante efetiva, investindo-se grandes somas em dinheiro nesta tão surpreen- dente tecnologia avançada que os japoneses detém. Com este poderio tecnológico-científico, tem-se a assertiva de que o Japão é sim um centro de poder mundial, neste e em outros setores, ainda hoje comandando, (acerca do domínio e da questão geográfico-político), o continente asiático, mesmo com o crescimento e a intervenção chinesa. Célebres passagens sobre o Japão, sob um enfoque his- tórico, são descritas pelos professores Raul Borges Guimarães, Wagner Costa Ribeiro e Angela Corrêa Krajewski, que merecem destaque, enfatizando, de plano, a potência expansionista, o crescimento empresarial e o domínio do poder japonês, no continente onde se situa: O Japão aparece como importante centro de produção tecnológica; entretanto, seu papel vai além. Empresas e grupos financeiros japoneses estão entre os maiores do mundo. A industrialização do Japão estruturou-se no final do século XIX. Antes disso, o país era dividido em xogunatos, sistema político fragmentado em domínios militares. Em 1868, com o enfraquecimento do sistema, o poder retornou às mãos do imperador Mutsuhito, iniciando-se a Restauração Meiji, período de significativa modernização. Estabeleceu-se uma Constituição e o ensino passou a ser obrigatório. Foram criados os Zaibatsus, grandes monopólios familiares concentrando indústrias e bancos, que se transformaram na base econômica do país. O fortalecimento econômico e militar resultante da Era Meiji alimentou o caráter expansionista do Japão. (KRAJEWSKI; GUIMARÃES; RIBEIRO, 2003, p. 111). 122 | InterAção Havendo, portanto, este caráter histórico de crescimento progressivo do poderio japonês, conjugado com seu domínio no se- tor tecnológico, todo o tipo de produto dessa natureza passa por um “aval” do país, o que lhe confere, por certo, o reconhecimento fático como sendo um “centro de poder econômico mundial”, na atualidade. 6 O poder brasileiro frente ao bloco do MERCOSUL: sua influência na América Latina Não se pode deixar de mencionar a nação brasileira quando se trata de centros de poder mundial. Não que o Brasil detenha forte poder sobre muitos Estados, com o fim de se titulá-lo como centro mundial de poder econômico, militar e tecnológico, dentre outros, mas sim quando se trata do domínio efetivo que existe, por parte des- te, sobre as nações do continente sul-americano. A força – diga-se de passagem: vasta, nos sentidos territorial, populacional e até mesmo financeiro – credita o Estado brasileiro a apresentar-se como centro de poder. Este centro, então, podendo expressar maior potência regional do que mundial, mas de relevância ao país, no cenário internacional. Os tratados e/ou acordos internacionais ratificados para o Mercosul, por certo, tem o Brasil sempre (ou quase sempre) como signatário. Primeiro pelo fato de o país fazer parte do bloco da América do Sul e segundo pelo cunho desenvolvimentista e progressista que se tem, frente aos países do continente que, por vez, mostram-se menos favorecidos que o Brasil. Neste sentido, portanto, é possível afirmar o seu Estado como espécie regional de “centro de poder”, sem InterAção | 123 deixar de mencionar os extensos recursos naturais que se encontram no território nacional, bastante visado pelos primeiro-mundistas. Sendo, o Brasil, o maior Estado integracionista da América do Sul, este expressa seu poderio e dominação por sobre seus vizi- nhos, em especial pelo seu “expansionismo” no cenário internacional atual e por sua posição geopolítica e estratégia favorável. Neste norte, apontam-se as palavras de Manuel Correia de Andrade: Sendo o Brasil um país de grande extensão territorial, de alto índice populacional e com o oitavo PIB do mundo, em 1996, não é de estranhar que ele tenha uma tendência a expandir a sua influência sobre os países vizinhos e/ou próximos. (ANDRADE, 2001, p. 80). Ao Brasil, ainda, como país pacifista que é, tal como a po- sição marítima e continental privilegiada que expressa, não se tem dúvida de ser, de certo modo, um centro de poder mundial ainda em expansão e que, por sua vez, irá crescer muito ainda, devido aos seus recursos naturais e pela boa política da diplomacia internacional que apresenta, atualmente. 7 Possibilidades de conflitos regionais Como se pode ter por base, analisando e avençando vários aspectos históricos e geográficos do mundo, em qualquer ponto ou momento em que o poder encontra-se em luta, para sustentar com quem este ficará, as possibilidades de conflito – armado ou não – são inevitáveis, isto é, em linhas gerais, o poder é “pressuposto” para se 124 | InterAção criarem agitações entre países, pelo interesse comum sob este último. Mas é necessário ter em mente que, para haver uma certa dis- seminação do poder, principalmente quando um Estado-nação busca alcançá-lo – por medidas de domínio regional ou outra fonte – este estará situado em determinado lugar, preferencialmente central. Assim é que explana Claude Raffestin, em sua obra sobre a geografia do poder: O poder, antes de se difundir e antes de se esgotar, se cristaliza num lugar, em lugares que com freqüência ele marca profundamente, às vezes até de uma forma indelével: “Há por que pensar que a verdade está inscrita na própria estrutura das comunidades, nos lugares centrais, a partir dos quais tudo irradia e que quase sempre constituem locais simbólicos de uma unidade coletiva cujo caráter original não devemos suspeitar, a priori, pois em geral é confirmado, ao menos em parte, pelas escavações arqueológicas”. (RAFFESTIN, 1993, p. 186). Mesmo havendo uma densa carga filosófica nas palavras do autor, é justamente assim que os Estados e blocos econômicos se com- portam frente à possibilidade de angariar e deterem, para si, o poder propriamente dito. A incessante luta pelo poderio e hegemonia de um país por sobre o outro traz conseqüências, por vezes, desastrosas: guerras, conflitos entre civis, retaliações, falta de diplomacia, dentre outros. É neste momento que as possibilidades de conflitos regionais, e até mesmo, mundiais, podem vir a ocorrer. Os atuais centros de poder mundial – de cunhos econômi- co, social, militar, tecnológico e político –, tal como as imposições que estes fazem ao mundo, embasados no domínio que atêm em suas mãos, causam furor àqueles desprovidos de tal favorecimento, geran- InterAção | 125 do problemas de ordem geopolítica e de guerrilha. Essas “formas” de furor podem se apresentar de diversas configurações e fundamentações: religiosa, discriminatória (social), política, etc. Ao que parece, não existem maneiras de se exaurir o cunho conflituoso, (seja regional ou supra-regional), quando se fala de poder, dominação e hegemonia, precipuamente quando se tem poucos com tal ferramenta, ou seja, existindo algo que se poderia chamar de “oligárquica do poderio supranacional”, com poucos (Estados) mandando muito e em muitos (outros Estados), decorrente de sua fartura econômico-financeira, a aversão a estes é verdadeira e fática, sempre com um idealismo a fim de propulsar os conflitos, com a voluntas de “socializar” tal poder para outras nações do globo. Onde há poder sempre haverá conflito. Nesta máxime pode-se sintetizar o que realmente acontece no mundo, atualmente, em nome da conquista do poderio e hegemonia face aos outros países, uma vez que é com o poder que tudo se alcança e, por conseqüência, tem-se o comando – senão total, ao mínimo parcial – do espaço geográfico universal. A ira de alguns Estados embasa-se, por vezes, na forma de como o poder é ditado pelos grandes países, por não existir um consenso ou limitações ao seu uso – que hoje se mostra de maneira descontrolada e abusada – denegrindo (ou mesmo ridicularizando) as questões de crenças e/ou costumes daqueles. Neste ponto, tal como aconteceu com as caricaturas (charges) ao profeta Maomé, dos muçulmanos, causaram intensos conflitos, desordem e abalos, no mo- mento, das relações internacionais diplomáticas entre os islâmicos e o Ocidente – matéria investigada por Alexsandro Eugenio Pereira –, como critério exemplificativo. 126 | InterAção In fine, os conflitos regionais por disputas de poder, tal como ocorre entre nações antagônicas e de ideologias diversas (p. ex. Israel e Palestina, ou Coréia do Sul e Coréia do Norte, ou outros) eviden- ciam o que o cenário internacional expressa hoje e como será o porvir acerca das relações internacionais contemporâneas. Que os problemas deixarão de existir por causa de poder isso jamais ocorrerá, mas um bom trabalho diplomático, feito com humanismo, tolerância e parcimônia, certamente acalentará eventuais problemas que possam ainda surgir, por implicação da luta e busca incessante do poder do mundo, entre as nações de primeiro-mundo. Conclusão Após verificação dos principais centros de poderio econômi- co-tecnológico e militar que o cenário mundial apresenta, contempo- raneamente, é possível concluir que das manifestações, por parte destes Estados ou blocos, tem-se a direção de como e para onde está indo o progresso e o desenvolvimento do globo terrestre, uma vez que, as pesquisas científicas e os investimentos financeiros em tecnologia de ponta e em armamento militar (alguns dos fatores determinantes para se alcançar um status de país forte e investido de “poder” frente ao mundo) estão de posse destes países, e, por decorrência, detentores do futuro dos acontecimentos maiores, no plano supranacional. Seus intentos – oriundos do poderio centrado que detém em mãos –, conjugado com a alta arrecadação de dinheiro e a possibili- dade financeira de angariar recursos de países menos favorecidos economicamente, por todo o mundo, anseiam a proliferação de vontades InterAção | 127 que se fazem presentes, sem que hajam órgãos fiscalizadores para barrar até certas atrocidades que perpetram com as nações “pobres”. O poder, então, como pleito maior de toda nação, juntamente com a sua soberania absoluta e a independência de outras nações, é que efetivam a viabilidade de um país transformar-se em centro mundial de poder, donde se emanam, como bem se sabe, os “interesses do mundo”. Neste sentido é que se afirma a busca plena e incessante de recursos financeiros e de origem da natureza, para deter reconhecimento e obediência como nação consolidada, possuidora de poderio válido e efetivo, no plano internacional, em face dos países desprovidos deste. Certamente, os conflitos regionais, e até mesmo mundiais, por conta da “oligarquia” do poder, no mundo, são inevitáveis – em especial quando se tem insurgências religiosas, nucleares, consume- ristas ou outros fatores que os proporcionam – em face destes que retém para si o tão almejado e buscado por todas as nações: o poder, propriamente dito. Os confrontos já são ferramentas utilizadas por muito tempo atrás, na esfera da geopolítica e das relações internacionais, com o fim de se conseguir uma harmonia e paz, sob o uso da força, entre Estados inimigos. Esta é a afirmação básica que constitui os conflitos regionais e mundiais, quando se tem o poder, o dinheiro e o domínio em jogo, pleiteado, seguramente, pelas nações conflitantes. Referências ALMEIDA, Paulo Roberto de. Democratização do poder mundial: possível, realizável, imaginável ou simplesmente desejável? Site de Paulo Roberto de Almeida. Disponível em: <http://www.pralmeida.org/05Do csPRA//936DemocratizPoderMundial.htm>. Acesso em: 19.abr.2007. 128 | InterAção ANDRADE, Manuel Correia de. Geopolítica do Brasil. Campinas: Papirus, 2001. CARVALHO, Leonardo Arquimimo de. Introdução ao estudo das relações internacionais. Porto Alegre: Síntese, 2003. COELHO, Marcos de Amorim. Geografia geral: o espaço natural e sócio-econômico. – 3. ed. – São Paulo: Moderna, 1992. FERREIRA JÚNIOR, Lier Pires. Estado, globalização e integração regional: políticas exteriores de desenvolvimento e inserção internacional da América-Latina no final do século XX. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. GUIMARÃES, Paulo César Milani. Centros mundiais de poder. RESERVAER. Disponível em: <http://www.reservaer.com.br/ estrategicos/centrosmundiais.html>. Acesso em: 23.abr.2007. JACKSON, Robert; SORENSEN, Georg. Introdução às relações internacionais: teorias e abordagens. (Trad. Bárbara Duarte). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. KRAJEWSKI, Ângela Corrêa; GUIMARÃES, Raul Borges; RIBEIRO, Wagner Costa. Geografia: pesquisa e ação. – 2. ed. – São Paulo: Moderna, 2003. MAGNOLI, Demétrio; ARAUJO, Regina. A nova geografia: estudos de geografia geral. São Paulo: Moderna, 1991. PEREIRA, Alexsandro Eugenio. A relação do Ocidente com o Islamismo: da incompreensão à animosidade. Raízes Jurídicas, Curitiba, v. 2, n.2, jul./dez. 2006. Semestral. InterAção | 129 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. (Trad. Maria Cecília França). São Paulo: Ática, 1993. SMITH, Craig. Pequim moderniza exército para ser potência militar. The New York Times. (Trad. Clara Allain). In: Folha de São Paulo, 20.nov.2002 apud KRAJEWSKI, Ângela Corrêa; GUIMARÃES, Raul Borges; RIBEIRO, Wagner Costa. Geografia: pesquisa e ação. – 2. ed. – São Paulo: Moderna, 2003. VESENTINI, José William. Novas geopolíticas. – 2. ed. – São Paulo: Contexto, 2003. __________. Sociedade e espaço: geografia geral e do Brasil. – 22. ed. – São Paulo: Ática, 1992. 130 | InterAção InterAção | 131 Revolutionary medicine: a response to corporatizing healthcare in India Prakash Kona1 Abstract This article explores Che Guevara’s notion of “revolutionary medicine” and how it is imperative to challenge the corporatization of healthcare in a developing nation such as India where millions live under subhuman conditions owing to lack of basic necessities that constitute any definition of a human life. With the corporati- zation of healthcare the deprivation gets further magnified creating the grounds for a social revolution. The notion of “revolutionary medicine” helps us analyze the role of corporatization of healthcare in furthering the haves-havenots divide, the need for nationalization of healthcare, the possibilities of a social revolution and the role of a revolutionary doctor in changing the order. Political institutions are formed upon the consideration of what will frequently tend to the good of the whole, although now and then exceptions may occur. Thus it is better in general that a nation 1 Prakash Kona is a writer, teacher and researcher working as Associate Professor at the Department of English Literature, The English and Foreign Languages University (EFLU), Hyderabad, India. He is the author of Conjurer of Nights [poetry: 2012, Waterloo Press, Hove, UK]; Nunc Stans [Creative Non-fiction: 2009, Crossing Chaos enigmatic ink, Ontario, Canada], Pearls of an Unstrung Necklace [Fiction: 2005, Fugue State Press, New York] and Streets that Smell of Dying Roses [Experimental Fiction: 2003, Fugue State Press, New York]. 132 | InterAção should have a supreme legislative power, although it may at times be abused. And then, Sir, there is this consideration, that if the abuse be numerous, Nature will rise up, and claiming her original rights, overturn a corrupt political system.” James Boswell: Life of Johnson Key Words: Healthcare. Revolution. Medicine. Doctor. Che Guevara. Corporate Healthcare Walter Benjamin famously concludes his essay “The work of art in the age of mechanical reproduction” with the enigmatic sta- tement, “Communism responds by politicizing art”. While fascism conceals politics under an “aesthetic” discourse, communism unmasks politics and shows power relations for what they really are in a fascist society. In the attempt to unmask the vicious character of power, “the specter of communism” will haunt the battlefields where the aesthetic will fight the bitter reality of experience. How do we define experience other than as lived reality! How do we define reality other than as lived experience! To experience reality is to know the difference between one’s immediate situation and what is alternative to the situation. Bourgeois realism accepts the situ- ation for an unchanging fact of life. The experience of reality is to see through the fictitious basis of the so-called fact; to embrace the emotional insights that bridge the gap between what is and what should be; to be intransigent in the face of the violence of what passes for the truth; to allow realization to transform reality; to see the transformation as an everyday fact of life; to use transformation interchangeably with expe- InterAção | 133 rience; the politicizing of art is the politicizing of everyday life and the politicizing of experience. The intellectual is political in a comprehensive sense and not someone who reduces the world to politics. To politicize is to make choices and not to indulge in jargon that through a pre-given method re- solves a puzzle the way one does with the Rubik’s cube. How do we define the communist intellectual except as Gramsci says, someone who has “worked out and made coherent the principles and the problems raised by the masses in their practical activity” (330). In the same passage Gramsci stretches the point further that only when a philosophical movement comes into contact with what he calls the “simple” by which he means the problems raised by the masses in their practical activity, “does a philosophy become “historical”, purify itself of intellectualistic elements of an individual character and become “life”. The “intellectualistic elements” are without the character of life because they are not rooted in practical activity or what we call work. The ability to theorize is rooted in the experience of work. Work is a complex term from breathing to doing a difficult arithmetic problem, swimming or designing a building. There is no work however despicably routine or soul-killing that it does not need imagination. The “corporate market” is not anti-work in principle as much as it is anti-worker; it is guilty of separating work from reality; that there is a reality outside the human effort to be creative and free; as McMurtry makes the point in The Cancer stage of capitalism: “People who must work most of their active hours to earn enough money to live must normally sell their work or service to a corporation or other employer in exchange for wages and salaries. The sale 134 | InterAção of their work is all of the value they have to sell in the corporate market” (49). Their right to imagine or the right to be real is taken away from them. Having lost the reality that creative work promises to bring them into touch with, they live isolated from the “concrete” submitting consciously to free market hallucinations. Karel Kosik in Dialectics of the Concrete calls it the “doctrinaire systematization or the romanticization of routine ideas” (6). Trite and banal notions get packaged and repackaged as original without possessing the essence of originality which is being creative. The lack of freedom is built into the idea – since the idea is about consumption and not about freedom. Dr. Johnson notes that: “Human experience, which is con- stantly contradicting theory, is the great test of truth” (Life 238). Theory is the ability to make assumptions about a situation; but such ability has to be preceded by experience that is bound to contradict the theory at any point in time. Theories are static in that sense unless like the legendary Proteus they are able to adapt themselves to the lived nature of experience. Gramsci points out that: “the majority of mankind are philosophers in so far as they engage in practical activ- ity and in their practical activity (or in their guiding lines of conduct) there is implicitly contained a conception of the world, a philosophy” (344). The theoretical basis of healthcare is that it forms a privileged body of knowledge independent of power relations. That the “treat- ment” of patients is far more patient-centered in a corporate than in a state-run hospital is the premise on which the latter claim their superiority. The dehumanization of the patient and stripping of individual rights is never spoken about as an issue. It’s not knowledge InterAção | 135 that creates a sense of power but pure faith in that kind of knowledge. The statement from Louis Pasteur and the hidden world of microbes il- lustrates my point. “Referring to Colin’s results, which contradicted his own, Pasteur scoffed, “If I take a clod of earth and find anthrax there, that’s because it’s there; and if, placing the same clod between the hands of M[onsieur] Colin, he doesn’t find it, that’s because he has made a mistake. One road leads to truth, a thousand to error. Colin always takes one of the latter”” (72). The road that leads to “truth” is just one, while “thousand” lead to error. There is nothing to explain what distinguishes truth from error. There is no definition to back the statement even for a great scientist like Louis Pasteur. The modern hospital is built on a theory of what constitutes knowledge because it has “truth” on its side. An ahistorical truth can never be a scientific one. A truth isolated from social and political contexts is an ideological statement because it is a natural one or a cultural one but never a historical one. The Hospital X that Orwell talks about in “How the poor die” shows what the reality on the ground is like. Orwell says: “If you are seriously ill and if you are too poor to be treated in your own home, then you must go into hospital, and once there you must put up with harshness and discomfort, just as you would in the army.” The “army” and the “hospital” comparison is true with everyone who has the experience of being in a hospital for a certain period of time irrespective of whether it’s a private or a public one. In the public hospital you confront the reality of being in a state of want. In the private hospital the good-will and the atmosphere is paid for and thus alienating in its own way. Orwell adds in the same essay: 136 | InterAção Hospitals began as a kind of casual ward for lepers and the like to die in, and they continued as places where medical students learned their art on the bodies of the poor. You can still catch a faint suggestion of their history in their characteristically gloomy architecture. I would be far from complaining about the treatment I have received in any English hospital, but I do know that it is a sound instinct that warns people to keep out of hospitals if possible, and especially out of the public wards. Whatever the legal position may be, it is unquestionable that you have far less control over your own treatment, far less certainty that frivolous experiments will not be tried on you, when it is a case of ‘accept the discipline or get out’. And it is a great thing to die in your own bed, though it is better still to die in your boots. However great the kindness and the efficiency, in every hospital death there will be some cruel, squalid detail, something perhaps too small to be old but leaving terribly painful memories behind, arising out of the haste, the crowding, the impersonality of a place where every day people are dying among strangers. While medical students continue to learn “their art on the bodies of the poor,” it is the apparent “impersonality” of state-run hospitals, a painful experience you supposedly avoid by going to a corporate hospital. This is not to forget that the latter has all the fe- atures of a theatre – sometimes with the settings more than obvious – a mise-en-scene with the doctors and nurses and ward boys etc. into which the patient enters as a necessary component of the perfor- mance. Money is the basis of the performance and not method – not blatant self-deception but outright calculatedness. In his “The Power of Money in Bourgeois society,” from Eco- nomic and Philosophic Manuscripts of 1844,” the young Marx points out that: “By possessing the property of buying everything, by posses- InterAção | 137 sing the property of appropriating all objects, money is thus the object of eminent possession. The universality of its property is the omnipotence of its being. It therefore functions as the almighty being. Money is the pimp between man’s need and the object, between his life and his means of life. But that which mediates my life for me, also mediates the existence of other people for me. For me it is the other person” (Tucker 102). The corporate hospital is a financial institution where money is rotated at various levels. Institutions are social pro- ducts and reproduce the hierarchies of the real world. The corporate hospital is an extension of inequalities of the social world. If corporatization is meant to reach out to the poor it is merely to appropriate their meager resources and not to address the disease whose origins are social as much as political rooted in an economy of powerlessness. Corporatization of healthcare in India is an American-style institution attempting to be comprehensive in the maximum sense possible. The American conditions are conspicuous by their absence. By American conditions I mean the cultural matrix for an institution to exist; this is not possible in a third world country like India where the relationship between the doctor and a patient is fundamentally an unequal one more so if the patient comes from the exploited classes; the patient is patronized and humiliated and made to rely completely on the doctor for support or “cure”; money is the principal medium that brings together the patient and the doctor – practically you cannot be in a corporate hospital unless you afford it; the relationship therefore is a deeply alienating one similar to the prostitute and a client except that the prostitute is the exploited while the doctor who sells himself is the exploiter. McMurtry says: “The efficiency that 138 | InterAção exists here is the lower ratio of costs to revenues for transnational corporations. This once more is accepted as rational and good. But its implication is again not seen, that it excludes costs to life. On the life scale, this system is very inefficient. How monstrously inefficient we will discover as this diagnosis deepens” (54). Theoretical paradigms that deal with the doctor-patient relationship outside the larger framework of the role of capitalism and ownership are not merely mis- sing the tree for the forest; the tree in this case is without roots and like fantastic trees in fantasy tales stands in the air and shows all signs of a fantastic life without any basis in day-to-day reality. Bourgeois society brings out that pimp quality of money and the corporate hospitals take the viciousness of the pimp to a whole new level when it comes to the body of the sick person. In a country like India we’ve to deal directly with the hospital management through money that “mediates my life for me.” The Indian patient more often than not does not have the buffer zone of the insurance company to deal with. You pay the money and you get the service. You don’t pay the money, you don’t. In one of the “Proverbs of Hell,” William Blake says: “Prisons are built with stones of Law, Brothels with bricks of Religion.” He forgot to add: “Hospitals are made with bodies of the old, the sick and the dying.” If sickness is invented for the treatment to become a reality, then, in more ways than one, the standardized treatment anticipates the sickness. Without the existence of the “sick” the treatment is meaningless. The sick person embodies the treatment. Apart from the fact that the idea of a “cure” is born before the person is in fact ill, a particular body aesthetic is associated with InterAção | 139 corporate healthcare. The aestheticizing of the body is opposed to the politicizing of the same body. The aesthetic body dreads the disease and allows the knowledge of the medical institution to disempower it of all meaning. The political body is suspicious and constantly raises doubts as to the truthfulness of institutional statements pronoun- ced as God-given dictum by the doctors. The aesthetic body submits while the political body resists to the last minute. The aesthetic body allows its humanity to be torn to shreds while it can keep up appearances in tact. The political body damns all appearance, refuses to renounce its humanity and like Johnson will say to the very end: “I will be conquered; I will not capitulate” (972). The rational, scientific treatment of the disease is integrated with the discourse of care. The 2003 Hindi comedy movie Mun- na Bhai MBBS aspires to be the spokesperson for the voice of care. “Care” however is an economic and political term and the worst forms of patronage and inequality are disguised under the label of caring. Care is dealt with at a superficial level of being “nice” to people the way it is expected in Walt Disney cartoons and Munna Bhai who is an outsider to the system ends up being a traitor to his class by becoming one with his exploiters. All he wants of them is to care for him. He mouths the very philosophy of the bourgeoisie which is to talk about anything but not his marginality except in vague and sentimental terms. The convenient ending for Munna Bhai is to get married to the doctor’s daughter – the very doctor whom he has been at odds with through a great part of the movie. From a potential radical Munna Bhai ends up becoming a full-time reactionary. The body aesthetic that Munna Bhai espouses – its ultimate embodiment 140 | InterAção is the corporate healthcare. In a neocolonial political economy such as the US where in- surance and the individual are connected you have a corporate healthcare system though its inclusiveness is a matter of debate. The first provision of the Health Reform introduced recently by the Obama administration proudly declares: This Act puts individuals, families and small business owners in control of their health care. It reduces premium costs for millions of working families and small businesses by providing hundreds of billions of dollars in tax relief – the largest middle class tax cut for health care in history. It also reduces what families will have to pay for health care by capping out-of-pocket expenses and requiring preventive care to be fully covered without any out-of-pocket expense. For Americans with insurance coverage who like what they have, they can keep it. Nothing in this act or anywhere in the bill forces anyone to change the insurance they have, period. It does not say that healthcare is the right of the individual citizen. The devil is in the detail and these reforms significantly mean nothing because they are based on the fact that unless you’re insured you get nothing. What do these reforms mean to someone with no means to survive on a day-to-day basis! It’s another tactic for getting more customers to the Insurance companies and by extension the hospitals as well. The much-trumpeted Rajiv Aarogyasri Community Health In- surance Scheme in the Indian state of Andhra Pradesh is basically a corporate-friendly venture that provided much needed oxygen to the InterAção | 141 dying hospital industry that put the poor out of the picture. Instead of directly looting from the poor the corporations take from the government that loots the poor. These so-called people-oriented sche- mes are symptom-addressing devices and do not address the disease of exploitation endemic to this nation. The corporatization made possible through widespread cor- ruption at every level has reached tyrannical proportions and holds an entire civil society to ransom. The pauperization of the middle classes who are portrayed as the beneficiaries of globalization is achieved in a gradual manner. The plight of those who barely make a living such as migrant workers and other homeless people exposed to the worst forms of pollution can only be imagined. Samuel Johnson says: “I consider that in no government power can be abused long. Mankind will not bear it. If a sovereign oppresses his people to a great degree, they will rise and cut off his head. There is a remedy in human nature against tyranny that will keep us safe under every form of government” (351). Ultimately there is only so much tyranny that mankind will bear. The “remedy in human nature” that Johnson speaks of whi- ch is cutting the head of the sovereign is a euphemism for an armed revolution. Revolutionary Medicine In his talk “On Revolutionary Medicine,” the doctor-turned- -revolutionary Che Guevara says that, “For one to be a revolutionary doctor or to be a revolutionary at all, there must first be a revolution.” The “objective” conditions on the ground where irreconcilable contra- 142 | InterAção dictions begin to show have to meet the “subjective” conditions that involve individual or group decisions and strategies to be used for the revolution to be a reality (A Revolutionary Life 553). The closest ana- logy to what is “objective” is a boiling point situation where the com- mon people are deprived of basic amenities and where the illusions produced by ideological mechanisms such as the media fail to reduce the staggering gap between having and not having; there is a relative dimension to it because globalization produces a feeling of want, a loss of dignity, an awareness of being exploited and humiliated along with an exhilarating sense that “things” must fall apart for life as it is to become what it should be. The viciousness of an order produces a subjective response that is virulent and devastating because it has no place for what is moderate and reasonable. The complexities of individual situations must be borne in mind at all times. Che elabo- rates on the point while quoting the Second Declaration of Havana in Guerrilla Warfare: A Method when he says: “The subjective condi- tions in each country, the factors of consciousness, of organization, of leadership, can accelerate or delay revolution, depending on the state of their development. Sooner or later, in each historic epoch, as objective conditions ripen, consciousness is acquired, organization is achieved, leadership arises and revolution is produced”. The argument central to this paper is that the objective con- ditions along with their contradictions exist in terms of the horrendous poverty and underdevelopment of the villages and the substan- dard quality of life of the urban poor who exist on the margins of a rather thin globalized mainstream India. According to the website Economy Watch: InterAção | 143 Since its independence, the issue of poverty within India has remained a prevalent concern. According to the common definition of poverty, when a person finds it difficult to meet the minimum requirement of acceptable living standards, he or she is considered poor. Millions of people in India are unable to meet these basic standards, and according to government estimates, in 2007 there were nearly 220.1 million people living below the poverty line. Nearly 21.1% of the entire rural population and 15% of the urban population of India exists in this difficult physical and financial predicament. It is apparently ironic that despite deprivation that involves millions, the subjective conditions Che is talking about are yet to emerge on a mass scale. In Guerrilla Warfare: a method, Che mentions that: “it is not always necessary to wait for all conditions favorable to revolution to be present; the insurrection itself can create them.” The conditions for radical change are not always the same as conditions of exploitation; it is essential for them to merge in order for a revolution to be a matter of life and death. In a country like India, religion, cas- te, language, ethnicity and other divisions work against the coming together of exploited groups with common interests. Globalization irons out those differences and makes visible an invisible enemy. In submitting to the indignity of globalization through a sys- tem of dehumanizing wage slavery the poor have little choice but to embrace the struggle that will recognize their humanity. Given the fundamental importance of healthcare the pinch of the economy on the meager wages of the working classes becomes the straw that’ll break the proverbial camel’s back. The labor is alienated, the poor are poorer but the fruit of their labor stands in the form of glaring 144 | InterAção wealth and the unleashing of productive forces through an ideology popularly termed as globalization. This is where revolutionary medicine comes into picture. The revolution is an antidote to globalization and its ideologues such as the right-wing economist Jagdish Bhagwati who claim: 1. Far too many among the young see capitalism as a system that cannot address meaningfully questions of social justice…That capitalism may be viewed instead as a system that can paradoxically destroy privilege and open up economic opportunity to the many is a thought that is still uncommon. I often wonder, for example, how many of the young skeptics of capitalism are aware that socialist planning in countries such as India, by replacing markets system wide with bureaucratically determined rations of goods and services, worsened rather than improved unequal access because socialism meant queues that the well-connected and the well-endowed could jump, whereas markets allowed a larger number to make it to the check-out counter. I have always been astonished at the number of well-meaning socialists, whose aspirations I admire, who continue to fall for the erroneous view that controls and direct allocations are an appropriate answer to inequality. 2. But the anti-capitalist sentiments are particularly virulent among the young who arrive at their social awakening on campuses in fields other than economics. English, comparative literature and sociology are fertile breeding grounds. (15) The Indian economist at Columbia University in the cocoon of the School of International and Public Affairs can afford to believe that the “perils of globalization” are “exaggerated” (6). He can also afford to believe that reactionary “economics” has more truth to its InterAção | 145 credit than English, comparative literature and sociology. Men such as Bhagwati are a part of the “categories of intellectuals” that Gramsci points out are “already in existence and which seemed indeed to represent an historical continuity uninterrupted even by the most complicated and radical changes in political and social forms” (7). Among these intellectuals Gramsci gives the example of “ec- clesiastics” who were “organically bound to the landed aristocracy. It had equal status juridically with the aristocracy, with which it sha- red the exercise of feudal ownership of land, and the use of state privileges connected with property.’” But the monopoly held by the ecclesiastics in the superstructural field was not exercised without a struggle or without limitations, and hence there took place the birth, in various forms (to be gone into and studied concretely), of other categories, favoured and enabled to expand by the growing strength of the central power of the monarch, right up to absolutism” (7). The economist Bhagwati falls among the intellectuals whose superstruc- tural affiliations are bound with a system of privileges they benefit from. Jagadish Bhagwati’s book In Defense of Globalization I would gladly use for an English class on how to write a textbook of economics or on just how to make one point in roughly 265 pages without any significant deviations. Speaking of the “accomplishments of social medicine which have been performed in Cuba,” Che says: The principle upon which the fight against disease should be based is the creation of a robust body; but not the creation of a robust body by the artistic work of a doctor upon a weak organism; rather, 146 | InterAção the creation of a robust body with the work of the whole collectivity, upon the entire social collectivity. Some day, therefore, medicine will have to convert itself into a science that serves to prevent disease and orients the public toward carrying out its medical duties. That medicine will play the role of prevention is more or less an accepted truism. But what he calls “social medicine” is not merely about preventing disease. The “revolutionary doctor” is not just so- meone who prevents disease but is also part of a “revolution” because the greater disease called capitalism thrives on imperialism and what Che refers to as self-serving “individualism, in the form of the indivi- dual action of a person alone in a social milieu.” He or she is involved in finding answers for the “old questions” of: “How does one actually carry out a work of social welfare? How does one unite individual endeavour with the needs of society?” In this process of finding answers for social questions “indivi- dual goodness” that is not part of a radical cause is meaningless. The saintly doctor who selflessly works for the good of the world but lo- cked within himself in Chekov’s “The Head-Gardener’s Story” might not actually be Che’s idea of a revolutionary doctor. Che’s doctor, like Che himself, will create the world anew in the image of a revolution. Surely he’s not the protagonist of the lyrical masterpiece Dr. Zhivago by Pasternak that is deeply critical of the anti-individual nature of the revolution. Perhaps Che’s physician comes closer to the utopian doctor Judym in Stefan Zeromski’s novel Homeless People. The revolutionary doctor is as much about the “revolution” as about the “doctor.” In essence the discussion on revolutionary me- InterAção | 147 dicine moves in the direction of what Marx says in “The German Ideology.” “This fixation of social activity, this consolidation of what we ourselves produce into an objective power above us, growing out of our control, thwarting our expectations, bringing to naught our calculations, is one of the chief factors in historical development up till now” (160). The revolution will overturn that “historical development” by liberating the human person from “fixation of social activity.” In being a teacher, worker, farmer and politician, the revolutiona- ry doctor demonstrates that they “are going to learn with the people.” The revolutionary doctor is what Claude Levi-Strauss calls a “bricoleur” in his book The Savage Mind. The ‘bricoleur’ is adept at performing a large number of diverse tasks; but, unlike the engineer, he does not subordinate each of them to the availability of raw materials and tools conceived and procured for the purpose of the project. His universe of instruments is closed and the rules of his game are always to make do with ‘whatever is at hand’, that is to say with a set of tools and materials which is always finite and is also heterogeneous because what it contains bears no relation to the current project, or indeed to any particular project, but is the contingent result of all the occasions there have been to renew or enrich the stock or to maintain it with the remains of previous constructions or destructions. (11) The collective spirit of technologically underdeveloped socie- ties is embodied in the notion of bricolage. The doctor consciously embraces the role of a bricoleur which gives him or her plenty of opportunities to experiment with roles. In a revolutionary situation 148 | InterAção where time is a bigger issue than “correctness” or accuracy, to experiment is vital and everything to keep the momentum of “social change” in tact. You cannot afford to be pushed into the specialist club. The doctor is a fighter, a worker, a mother, a peasant – and everything in required proportions depending on the demands of the situation. A revolution cannot be fought in parts. The change must be holistic transformation of the social order since “there is no valid definition of socialism other than the abolition of the exploitation of one human being by another” (Global Justice 20). Further, as Che sees it: We shall see that diseases need not always be treated as they are in big-city hospitals. We shall see that the doctor has to be a farmer also and plant new foods and sow, by example, the desire to consume new foods, to diversify the Cuban nutritional structure, which is so limited, so poor, in one of the richest countries in the world, agriculturally and potentially. We shall see, then, how we shall have to be, in these circumstances, a bit pedagogical- at times very pedagogical. It will be necessary to be politicians, too, and the first thing we will have to do is not to go to the people to offer them our wisdom. We must go, rather, to demonstrate that we are going to learn with the people, that together we are going to carry out that great and beautiful common experiment: the construction of a new Cuba. Anderson in his biography of Che points out that: “For Gue- vara, politics were a mechanism of social change, and it was social change, not power itself, that impelled him” (177). This distinction is important to understand what revolutionary medicine is all about. InterAção | 149 The doctor is an agent of social change. The power that the doctor seeks is not just the power to do good, but the power to lead the mas- ses to fight for their rights, to arouse the “nature” in a human being to “rise up” and claim “her original rights” by overturning “a corrupt political system.” The doctor’s role is a more immediate one as well. And one way of getting to the heart of the medical question is not only to visit and become acquainted with the people who make up these cooperatives and work centres, but to find out what diseases they have, what their sufferings are, what have been their chronic miseries for years, and what has been the inheritance of centuries of repression and total submission. The doctor, the medical worker, must go to the core of his new work, which is the man within the mass, the man within the collectivity. Always, no matter what happens in the world, the doctor is extremely close to his patient and knows the innermost depths of his psyche. Because he is the one who attacks pain and mitigates it, he performs and invaluable labour of much responsibility in society. Revolutionary medicine is a multifaceted term and is about ethics as much as about politics. The ethical for Che is a manifesta- tion at the personal level of the political. Precisely what is absent in a capitalist society is morality that does not reduce the individual to a commodity. The visible reduction into a state of a commodity is what the individual is fighting against and must eventually put to an end. Things don’t happen just like that. What causes them is in many ways more important than what meets the eye. At the heart of the commodification of the individual is “imperialism” “the final stage of capitalism.” 150 | InterAção The contribution that falls to us, the exploited and backward of the world, is to eliminate the foundations sustaining imperialism: our oppressed nations, from which capital, raw materials and cheap labor are extracted, and to which new capital (tools of domination), arms and all kinds of goods are exported, sinking us into absolute dependence. The fundamental element of this strategic objective, then, will be the real liberation of the peoples, a liberation that will be the result of armed struggle in the majority of cases, and that, in Latin America, will almost unfailingly turn into a socialist revolution. (Global Justice 58) Liberation is about the effective destruction of bureaucracies in the third world that take the name of “governments” and serve the interests of powerful elites. “Governments in general” says the late historian Howard Zinn in “The Uses of History and the War on Ter- rorism”: “do not represent the people of the societies that they govern. And since they don’t represent the people and since they act against the interest of the people, the only way they can hold on to power is if they lie to the people. If they told people the truth, they wouldn’t last very long.” This general truth applies more specifically to postcolonial nations where governments have an essentially colonial character in terms of their vicious need to preserve the status quo. The ideal response to this situation would be if only as Zinn points out: “people really knew history, if they learned history, if the educational institutions did their job, if the press did its job in giving people historical perspective, then a people would understand.” History is a weapon of the revolution as much as the distortion of history through lies is the weapon of governments. The revolutionary doctor is above all a historian and an edu- InterAção | 151 cator. She breaks through those imaginary cordons that ideology pla- ces in the minds of the exploited. To the oppressed she reveals the possibilities of change. She belongs to the “vanguard organization” of the “party” which is “made up of the best workers, who are proposed for membership by their fellow workers. It is a minority, but it has great authority because of the quality of its cadres. Our aspiration is for the party to become a mass party, but only when the masses have reached the level of the vanguard, that is when they are educated for communism. Our work constantly strives toward this education” (Global Justice 43). “Doctoring” the revolution From the perspective of “revolutionary medicine” the doctor is the bearer of the revolutionary ideal. The doctor lives the revolu- tion as a reality. The character of the revolution is about the people and the kind of society that espouses it. Revolutions do not happen in neutral spaces. To neutralize a revolution and attempt to give it a universal character is another way of destroying it. The bourgeoisfication of the revolution is when superficial changes in lifestyles attempt to take on the character of being “radical.” There is nothing radical in superficiality which is skin-deep and does not touch the mind. As Murray Bookchin puts it: “While autonomy is associated with the presumably self-sovereign individual, freedom dialectically interweaves the individual with the collective” (12). He further adds that “lifestyle anarchism” with its “trendy posturing” and “yuppie fashions” is “antithetical to the development of serious organizations, a radical 152 | InterAção politics, a committed social movement, theoretical coherence, and programmatic relevance” (19). It is not the lifestyle of the doctor with its self-centered individualism that will make a revolution. The revolutionary doctor embodies the social conscience of a people and keeps the spirit of the movement alive while it seems invisible for all practical purposes. Helen Yaffe in Che Guevara - The Economics of Revolution speaks of the relationship between cons- ciousness and social conscience. For one to be aware of the world is to be aware of the injustices that one is confronted with on a day-to-day basis and the need to address them. Interestingly Che’s choice of becoming a doctor was a social choice because it meant being involved with the bodies of people. The revolutionary doctor that Che himself represents integrates an awareness of the world with a deep belief in the need to change it. To interpret the world is to change it – where each gives according to her ability and each takes as much as she needs. Guevara’s concept of consciousness as social conscience meant a commitment to the social and economic justice aims of the Revolution, the conscious integration and participation of individuals in the project of socialist transition. His concern for consciousness evolved out of his interest in philosophy, a concern for the human condition, evident through his choice of a medical career and in his observations about the social conditions he experienced travelling through Latin America in the 1950s. Human beings were central to his vision of history and social development. Like Marx, he was interested not only in the historical development of modes of production, but also their impact on human beings as the key to production. (231-32) InterAção | 153 Any revolution has both immediate as well as long-term go- als and both need not always seem compatible for the sake of con- sistency. The dismantling of colonial structures is a painfully slow process because it entails changing the mindset before eliminating the forms that this mindset requires for its sustenance just as a ghost needs a body for it to act with the full force of its evil; exorcizing the ghost of colonialism is the goal of a revolution in the third world. The “liberation” that comes with globalization is restricted to lifestyles without any social content; the liberation that comes with a revolution brings out the collective character of the individual and the in- dividual character of the collective. It shows that they’re inseparable and therefore any personal liberation is political in the larger sense of the term involving the ‘body politic.’ In any revolutionary context “truth” and “social justice” are terms that mean one and the same thing which is the liberation of the exploited. For all its limitations the nationalization of healthcare is a priority in a democratic political system. Politically this is the maxi- mum that can be achieved in a system based on electoral politics but not of course without a mass movement in that direction. A modern, educated elite which aspires to produce alternatives to a social revolution would not mind considering nationalization as a viable alternative to western-style corporatization whose viciousness is bound to provoke an equally harsh response from the victims of a corporate order. The nationalization of medicine will not change the reactiona- ry attitudes of medical personnel used to looking at the patient as a dependent. A transformation of attitudes cannot be achieved except through a revolution. 154 | InterAção The nationalization of medicine is the buffer period before the revolution. A revolution is essentially a period of cautious waiting without apparently doing much or what Gramsci terms as “intran- sigence.” The movement takes on an “intellectual” character. Like Aristotle’s definition of God as the “unmoved mover,” the revolution moves to raise the class consciousness of a people while keeping its intransigent position. “Movement, however, is never just a physical act; it is intellectual as well. Indeed, it is always intellectual before be- coming physical - except for puppets on a string” (The Gramsci Reader 44). The revolution must happen in the mind before it shows itself in physical terms. The time that will cancel every other time is the time of the revolution. It is also the time of the poet and the prophet. The time of the revolutionary is Che Guevara hounded to death in the jungles of Bolivia; a man who “did not simply theorize about guerrilla warfare; he practiced it from the triumph of the Cuban Revolution on January 1, 1959, to his death in Bolivia on October 9, 1967” (Dosal 183). A socialist state should not face constraints in viewing the nationalization of medicine as an immediate goal. It’s the first step in the long process of revolutionizing medicine in a way that will root the doctor within the framework of ethical responsibility and give the patient the right to evaluate the doctor. The body’s privacy is a sensitive issue; because social life depends on how the body is able to stand up for itself at home, the workplace and the street; the hospital that has access to the patient’s body must show extraordinary com- passion to combat the sense of isolation that he or she experiences in the context of the “treatment.” The patient’s body is not an actor in a InterAção | 155 porn-film with mechanically driven responses. The body that is “ill” is filled with a genuine love of life. The goals of medicine cannot be independent of the goals of life. As Cassell points out in The Nature of Suffering and the Goals of Medicine Central to any moral understanding is the concept of person. Ethical standards; rules about good and bad, right and wrong; rights and their corollary obligations; matters of custom and conscience that guide the moral aspects of life are always in terms of persons (even though they may be directed toward nonhuman matters, such as animals or the environment). It follows that all understandings of the moral and morality are based on some idea of the nature of persons, whether manifest or latent. (Cassell 26) The goals of medicine must be compatible with those of a just and egalitarian society. Johnson says that “A decent provision for the poor is the true test of civilization” (329). A true test of civilization is how we care for the poor and the powerless. Civili- zation is how we “look” at the sick, how we define what is normal and how we feel about the dying. The “true test” is in recognizing the personhood of the person. The reality of the person is central to any notion of civilization that must be rescued from its colonial overtones. Such a notion of civilization has to be a revolutiona- ry one. A revolution is built with the centrality of the person in mind. Without a person to substantiate it a revolution is an empty term. A social revolution embraces the body of the marginalized – the body abandoned to the streets by the global order. Health is a meaningful concept when it fights for the rights of the sick. To 156 | InterAção be healthy is a passive state. To be health conscious is a bourgeois contempt for work-related activity. Health in its political state is a moral understanding of the body. Reforms that create a small number of beneficiaries out of a sea of deprived masses will perpetuate the framework of an exploitative order. That’s where socialism as the basis of decolonization comes into the picture. As Nkrumah says: “Whereas capitalism is a deve- lopment by refinement from slavery and feudalism, socialism does not contain the fundamental ingredient of capitalism, the principle of exploitation” (Decolonization 73). Decolonization is the process as much as it is the goal of all postcolonial societies. It does not happen in a piecemeal “reformist” manner. To quote Nkrumah “The passage from the ancestral line of slavery via feudalism and capitalism to socialism can only lie through revolution: it cannot lie through reform” (Decolonization 73). Revolution is the antidote to global injustice perpetuated through capitalism. The revolutionary doctor’s relationship with the sick is not constructed around power since revolutions are ultimately about faith and believers and not about logic and philosophers of logic. It’s a faith guided by a scientific rationale because it is based on the experiences of real men and women on the ground. The “truth” of science is not fundamentally different from the truth of revolutions. Both rely on experience to make the final decision. The revolutionary doctor is as much a revolutionary as a doctor. His or her relationship with the sick is based on shared humanity and the long-term goal of social change. The lines that Che thought as a boy on a motorcycle journey across Latin America stand true now as ever before: InterAção | 157 Like the medical researcher he was on his way to becoming, Ernesto immediately searched for a cause when he saw a symptom. And, having found what he thought was the cause, he searched for its antidote. Thus, in Ernesto’s mind, the dying old lady in Valparaiso and the persecuted miner couple on the road to Chiqui had become “living examples of the proletariat in the whole world,” who lived in misery because of an unjust social order, and whose lives would not improve until future enlightened governments changed the state of things. Symptom and cause were wrapped up into one ugly package. Standing behind the local regimes holding sway and perpetuating the injustice were the Americans and their overwhelming economic power. (ARL 82) If revolutions are built on faith based on reasons that expe- rience gives them, “self-sacrifice” and “solidarity” form the moral basis of the change. While pointing out that, “All our knowledge has its origin in our perceptions” (6), Da Vinci adds that “all sciences are vain and full of errors that are not born of Experience, mother of all certainty, and that are not tested by Experience; that is to say, that do not at their origin, middle, or end, pass through any of the five sen- ses” (6). The scientific character of revolutions is based on experience and faith in the observations produced by experience. A transformed society is the end result of the faith because it brings with it a new set of attitudes that does not revolve around profit-making or individual gain. As Helen Yaffe says: For Guevara, the challenge was to replace alienation and antagonism with integration and solidarity, developing a collective attitude to production and the concept of work as a social duty…As so- 158 | InterAção cialist consciousness developed and workers took increasing control of production, they would value increases in production and productivity, not in terms of personal gain or profit, but as increasing the benefits for society. Work would evolve from a social duty into a social pleasure. (232) The “social pleasure” in how one takes real joy in sharing one’s knowledge with the world is at its greatest in the case of the doctor. In a way the state of healthcare is a litmus test for how society is doing. To diagnose the ills of a social order we need to see the level of health in that particular order. The doctor is a revolutionary before he or she is a doctor. Being a doctor is an acknowledgement of one’s role in the processes of social transformation. In the absence of a corporate framework where the doctor is an authority-figure that one needs to look up to, the patient is a friend who opens the possibilities for a deeper understanding of the human body. The doctor cannot play the role of the savior. His knowledge plays a partial role in providing an understanding of the complexi- ties of human life. The physicist and mathematician Freeman Dyson points out: “Life has escaped the tyranny of the genes by evolving brains with neural connections that are not genetically determined. The detailed structure of the brain is partly shaped by genes and environment and is partly random” (89). The tyranny of man over others goes against the nature of living because it tries to suppress that which is random and creative in a person. The partiality in our attempts to know the world has to be acknowledged in order to reduce the kind of institutional power that doctors are endowed with. Since this power does not work in isolation but is connected to the power InterAção | 159 that capitalism invests in the global market system my thesis is that it is not possible to dismantle the corporate-based medical industry without a social revolution in view. Bibliography Anderson, Jon Lee. Che Guevara – A Revolutionary Life. New York: Grove Press, 1997. Benjamin, Walter. The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction. 1936. Walter Benjamin Archive. Web. Feb. 2005. Bhagwati, Jagdish. In Defense of Globalization. New York: Oxford University Press, 2004. Blake, William. The Marriage of Heaven and Hell. 1790-93. The Alchemy Website. 7 May 1995. Bookchin, Murray. Social Anarchism or Lifestyle Anarchism: an unbridgeable chasm. Edinburgh and San Francisco: AK Press, 1995. Boswell, James. The Life of Samuel Johnson. London: Penguin, 2008. Cassell, Eric. J. The Nature of Suffering and the Goals of Medicine. New York and Oxford: Oxford University Press, 1994. Duara, Prasenjit. Decolonization – Perspectives from Now and Then. London and New York: Routledge, 2004. Dosal, Paul J. Comandante Che. University Park: The Pennsylvania State University Press, 2003. 160 | InterAção Dyson, Freeman. Origins of Life. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. Forgacs, David. The Gramsci Reader – Selected Writings 1916-1935. New York: New York University Press, 2000. Gramsci, Antonio. Prison Notebooks. ed. and trans. Hoare, Quentin and Geoffrey Nowell Smith. New York: International Publishers, 1992. Guevara, Che. Che Guevara Internet Archive. Marxists Internet Archive Library. January 28, 2012. < http://www.marxists.org/archive/ guevara/works.htm>. Global Justice: Liberation and Socialism. Delhi: LeftWord Books, 2004. Health Reform and the Department of Health and Human Services. January 28, 2012. <http://www.healthreform.gov/health_reform_and_ hhs.html>. Kosik, Karel. Dialectics of the Concrete. Dordrecht-Holland: D. Reidel Publishing Company, 1976. VINCI, Leonardo da. Notebooks. Oxford: Oxford University Press, 2008. McMurtry, John. The cancer stage of capitalism. London: Pluto Press, 1999. Munna Bhai MBBS. Dir. Rajkumar Hirani. Vinod Chopra Productions, 2003. Film. Orwell, George. How the poor die. Web. January 28, 2012. Poverty in India, Economy Watch. Web. January 28, 2012. InterAção | 161 Rajiv Aarogyasri Community Health Insurance Scheme. January 28, 2012. <http://www.aarogyasri.org/> LOUISE, Robbins. E. Louis Pasteur and the hidden world of microbes. Oxford: Oxford University Press, 2001. Tucker, Robert C. Ed. The Marx-Engels Reader. New York: Norton, 1978. Yaffe, Helen. Che Guevara – The Economics of Revolution. New York: Palgrave Macmillan, 2009. Zinn, Howard. The uses of history and the war on terrorism, Web. Nov. 24, 2006. 162 | InterAção InterAção | 163 The Manipulation of History: Censorship in Freedom of Information Act Requests at the U.S. Department of Justice, Federal Bureau of Investigation1 R.S. Rose2 Abstract O Freedom of Information Act americano é gratuito até um nú- mero governo decidiu de páginas, mas as informações dadas está sujeita à censura desnecessária. Como essa supressão se relaciona com o Federal Bureau of Investigation, assumimos que grande parte desse controle de informações deve a sua existência a uma regra em casa, seja de facto ou de jure, que restringe qualquer coisa que mesmo parece que pode voltar a assombrar a agência. O suporte é fornecido por documentos liberados pelo FBI contrastados com os mesmos documentos disponibilizados a partir dos serviços de segurança do Canadá. Key Words: Brazil. Canada. Censorship. Communism. Freedom of Information Act. Government Corruption. Federal Bureau of Investigation. USA. 1 An Earlier Version of this Work was Presented to the Academy of Criminal Justice Sciences Convention San Diego, CA, February 24, 2010. 2 Professor Visitante no Núcleo de Estudos das Américas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 164 | InterAção While conducting the research for “Johnny Project,”3 in Janu- ary 1995, the American Federal Bureau of Investigation was contacted when it was learned that they might have a file on Johann Heinrich Amadeus de Graaf, commonly known, among 69 other names, as Johnny de Graaf.4 Indeed, the FBI did have such an archive, and we were instructed to initiate a request to the U.S. Department of Justice, Freedom of Information Action section to have the appropriate documents released.5 This article serves as a warning to those planning to use the seemingly open archive policy of the United States, first made available in 1966 when the act became law during the presidency of Lyndon B. Johnson.6 In theory, anyone, foreign or domestic, can request informa- tion under the statute. For academicians, it gave then and still gives now the impression of a largely untapped reserve of information. Such things, however, are never exactly what they seem. De Graaf led a life worthy of a Hollywood movie: World 3 The published version is available in English in as Johnny: A Spy’s Life (College Park: Penn State University Press, 2010) and in Portuguese as Johnny: A vida do espião que delatou a Rebelião Comunista no Brasil (Rio de Janeiro: Editora Record, 2010). 4 U.S. Department of Justice, Federal Bureau of Investigation [hereafter FBI], [J. Kevin O’Brien], letter, August 18, 1995. At the time, O’Brien was the chief of the Freedom of Information Privacy Acts Information Resources Division. 5 Ibid., letters, January 24, 1995 and August 3, 1995. 6 Johnson was opposed to the bill for much of its ride through the legislature. He begrudgingly signed it, on July 4th, following a good deal of cajoling by California Democratic congressman John Moss. LBJ’s resistance revolved around his dislike of allowing outsiders to scrutinize government archives. In the end, he affixed his signature to the measure with an accompanying statement cautioning against releasing military secrets, confidential advice, personnel files, investigative files and those items withheld out of executive privilege. “Freedom of Information at 40,” The National Security Archive, [http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB194/index. htm], accessed August 12, 2012. InterAção | 165 War I hero in the German navy, the Kaiserliche Marine, condemned to death for sedition, agitator and member of the German Communist Party, involved in the murder of Horst Wessel, educated in Moscow, M4 (Soviet Military Intelligence) officer, Communist operative on four continents, double agent up to and during World War II. The Soviets thought he was one of theirs, but since 1933, he actually worked for England’s MI6. Nearly singlehandedly, he kept Brazil from going Communist in 1935. He travelled to Canada twice and assisted the Royal Canadian Mounted Police through much of the war to unmask local Nazis and Communists. He was the first to inform London of the location of the pocket battleship, Graf Spee. As with other requests by other researchers, a Department of Justice/FBI stipulation was included with their initial response that some items might be restricted owing to various legal provisions of the Act. The Americans never used the word censorship, conceivably due to the feeling that such terminology was reserved for accusing other, less democratic nations of this or that transgression. Instead, the preferred synonym employed by Washington, DC was “redacted,” a word that many would have to look up to comprehend.7 It was likewise pointed out that there was a backlog of cases in July 1995. They had received 14,450 requests requiring at least 5.2 years to be reviewed before their potential release.8 These last two sentences, of course, translated into the American’s way to say that their review process could take considerable time, if ever, to complete. 7 The term is perhaps only exceeded in its hilarity by another U.S. government phrase, “expletive deleted.” 8 J. Kevin O’Brien], letter, August 18, 1995. 166 | InterAção The next communication from the FBI was nearly 18 months later when they wished to know if the release of documents were still desired. A response within 30 days was required or the request would be “administratively” dropped.9 A reply to the FBI confirmed that the documents were still desired, however, the FBI, for its part nearly a year later, could still not give a date or even an estimation of when the requested material might be available.10 On November 27, 2000, nearly six years after the initial com- munication to them, a partial liberation was made of the total number of releasable documents. The total number of items reviewed totaled 475 pages, of which 400 were made available. Possibly, the censored 75 pages consisted in a number of duplicates, but this could not be confirmed owing to the FBI’s failure to report such information.11 Among the released pages, however, numerous names, sentences, and paragraphs were blacked out. Initially, the Department of Justice’s Freedom of In- formation Act functionaries xeroxed the original document, and then censored the too sensitive sections with a thick Pentel before reproducing the copy. The copy of the copy was then sent to the requester. The suppressed sections were deleted from release owing to Title 5 of the United States Code, Section 552 (Freedom of Information Act), Subsections (b)(1), (b)(2), (b)(7)(C), and (b)(7)(D). Subsection (b)(1) withholds information that is deemed to be “(A) spe- 9 Ibid., letter, February 14, 1997. 10 Ibid., letters, January 9, 1998. 11 FBI, John M. Kolar [family name partially illegible], letter, June 13, 2001 [hereafter, Kolar letter]. Kolar’s official title was the chief of the Freedom of Information Acts Section Office of Public and Congressional Affairs. InterAção | 167 cifically authorized under criteria established by an executive order to be kept secret in the interests of national defense or foreign policy and (B) are in fact properly classified pursuant to such executive order.” Subsection (b)(2) removes from release items “related solely to the internal personnel rules and practices of an agency.” Note that this latter subsection would conceivably allow functionaries to censor anything they so wished without fear of reprisal. Subsections (b)(7)(C) deletes from public scrutiny items that “could reasonably be expected to constitute an unwarranted invasion of personal privacy.” Subsection (b)(7)(D) censorsmaterial that “could reasonably be expected to disclose the identity of a confidential source, including a state, local, or foreign agency or authority of any pri- vate institution which furnished information on a confidential basis, and, in the case of record or information compiled by a criminal law enforcement authority in the course of criminal investigation, or by an agency conducting a lawful national security intelligence investigation, information furnished by a confidential source.”12 On June 13, 2001, another 244 out of 294 reviewed pages were made available.13 Following an appeal process, a further 75 pa- ges were released.14 This brought the total number of pages forwarded 12 FBI, “FBI Records: Freedom of Information Act/Privacy Act,” <http://www.fbi.gov/ foia/foia-exemptions>, accessed February 4, 2012. 13 Kolar letter. 14 R.S. Rose to Co-Director [Richard L. Huff], U.S. Department of Justice [hereafter USDJ], June 19, 2001; U.S. Department of State, [Margaret P. Grafeld], letter, August 7, 2001; USDJ, [Richard L. Huff], letters, October 1, 2001; and July 29, 2004. At the time of her communication, Grafeld was the director of the IRM Programs and Services at the Department of State. Huff was the co-director of the Department of 168 | InterAção to this researcher on De Graaf to 719. Having read the available literature on Johnny de Graaf, and having interviewed several persons from his family, this author was familiar with many of the events with which he had been involved. The FBI and other U.S. Government documents released thus con- tained many censored names that the author knew were blacked out, but should not have been so treated. Early in the process, it was explained that the rule used to release a name was based on three criteria: 1) obtaining permission from that individual, 2) showing that a person was diseased, or 3) proving that the person was over 100 years of age, and thus could reasonably assume to be diseased. In order to prove that someone had passed away, on the other hand, the burden was placed squarely on the shoulders of the re- quester. U.S. government’s functionaries would not lift a finger to search for someone on the internet—even when the internet source was provided confirming a death. All they had to do was click on the cyberspace address to check. Proof of death or age of 100+ had to be provided at the time of the original FOIA request. American bureau- crats accepted death certificates, newspaper articles about someone’s demise, or other documental sources attesting to a death or advanced age—at that time only.15 This would conceivably mean that if an ap- plicant suspected the identity of a censored name in already released material, he or she would have to reapply with written proof of an individual’s death, not an internet address to that proof, then wait Justice, Office of Information and Privacy. 15 USDJ, [Richard L. Huff], letter, March 7, 2005. InterAção | 169 years and pay the copying fees once again. Moreover, the applicant would have to repurchase the entire file and not just single pages in the file.16 Through this clever and expensive process, the number of researchers who reapply was/is obviously reduced. Throughout the appeal process, moreover, government offi- cials continued to use the same opening phraseology made infamous by the American auto insurance industry when denying a claim: “After careful consideration [italics mine] of this matter, I have determined that my original decision, . . . was appropriate.”17 There was no “careful consideration.” In fact there was prob- ably no consideration of any kind. What happened and continues to happen was and is a circling of American government wagons. This fact was borne out by two facts. First, the vast majority of names in the released documents sent to this researcher were expunged. This could lead one to believe that the persons who did the censoring simply covered up any name they ran across. As bureaucrats, they must have reasoned, “Why stick my neck out? It might come back to haunt me. So I’ll just delete everything that looks interesting, relevant, or that I don’t understand.” Second, and most revealing, De Graaf 16 USDJ, [David M. Hardy], letter, May 27, 2005. At the time of his communication, Hardy was the U.S. Department of Justice’s section chief, Record/Information Dissemination Section, Records Management Division. A list of 91-released pages with suspected erroneously censured names was prepared and sent to the Department of Justice. They indicated that a new request to see the entire file would have to be made. USDJ, [Richard L. Huff], letter, March 7, 2005. 17 USDJ, [Richard L. Huff], letters, September 29, 2004; March 7, 2005; and USDJ, [David M. Hardy], letter, May 10, 2006 [postmarked]. 170 | InterAção agreed to a series of FBI interrogations, that began in Montreal on March 10, 1952. Johnny had filed the paperwork to become a Canadian citizen three days before the arrival of the FBI agents in “La belle ville.”18 As a condition for those interviews to take place, the RCMP supervised the meeting and received a typed, uncensored copy of the 101-page question and answer session. While the released FBI material had a version of this document, complete with censored names, the Canadian version, later released to the author, did not. Comparing the two accountings produced a total of 51 “redacted” names, some appearing more than once on the 101-page FBI copy. Name deleted at least once on each FBI page U.S. censoring statute Page number, FBI copy Page number, RCMP copy (vol. 4) Aitken, George (b)(7)(C) 39 42 Aitken, George (b)(7)(C) 40 44 Aitken, George (b)(7)(C) 42 46 Aitken, George (b)(7)(C) 44 47 Aitken, George (b)(7)(C) 45 48 Aitken, George (b)(7)(C) 45 49 Berger, Harry19 (b)(7)(C) 55 60 Billy (b)(7)(C) 39 42 Billy (b)(7)(C) 40 43 Billy (b)(7)(C) 42 46 18 Canada, document, “Petition for a Certificate of Canadian Citizenship by a British Subject,” John Henry de Graff [petitioner], March 7, 1952, p. 2. 19 Harry Berger, one of the aliases of Arthur Ernst Ewert, was on the list of names originally provided to FBI bureaucrats, with proof of his death. InterAção | 171 Brandler, Heinrich (b)(7)(C) 9 8 Brandler, Heinrich (b)(7)(C) 10 9 Bunzlau, Josef (b)(7)(C) 88 95 Bunzlau, Josef (b)(7)(C) 89 96 Cachin, Marcel (b)(7)(C) 44 48 Cachin, Marcel (b)(7)(C) 53 57 17 17 Dunker, Herman Feix (b)(7)(C) 71 77 Fischer, Ruth (b)(7)(C) 9 8 Fischer, Ruth (b)(7)(C) 10 8 Fischer, Ruth (b)(7)(C) 11 10 Fischer, Ruth (b)(7)(C) 11 11 Fischer, Ruth (b)(7)(C) 12 11 Florin, Wilhelm (b)(7)(C) 16 16 Frohlich, Paul (b)(7)(C) 17 17 General Blucher [a.k.a Galem] (b)(7)(C) 32 34 Gobbels, Jacob (b)(7)(C) 48 52 Gobbels, Jacob (b)(7)(C) 49 53 Gobbels, Jacob (b)(7)(C) 52 56 Goldie (b)(7)(C) 71 78 Hans (b)(7)(C) 85 92 Harry [Hans Wilhelm] (b)(7)(C) 85 92 Harry [Hans Wilhelm] (b)(7)(C) 86 93 Harry [Hans Wilhelm] (b)(7)(C) 89 96 Harry [Hans Wilhelm] (b)(7)(C) 90 97 Harry [Hans Wilhelm] (b)(7)(C) 92 99 Heckert, Fritz (b)(7)(C) 46 50 Heckert, Fritz (b)(7)(C) 47 50 Heckert, Fritz (b)(7)(C) 47 51 Horstman, Dr. (b)(7)(C) 18 18 172 | InterAção Julien, Francisco (b)(7)(C) 89 96 Junescu (b)(7)(C) 34 37 Junescu (b)(7)(C) 36 38 Kaganovich, Lavar (b)(7)(C) 80 87 Kaganovich, Lavar (b)(7)(C) 81 88 Kruerberg (b)(7)(C) 12 12 Kuusinen, Otto (b)(7)(C) 28 31 Ladislaw (b)(7)(C) 56 61 Ladislaw (b)(7)(C) 58 63 Lebowitsch [Leibovitch] (b)(7)(C) 19 19 Lebowitsch [Leibovitch] (b)(7)(C) 43 47 Losafsky (b)(7)(C) 44 48 Manuilski, Dmitri (b)(7)(C) 38 41 Manuilski, Dmitri (b)(7)(C) 44 48 Manuilski, Dmitri (b)(7)(C) 45 49 Manuilski, Dmitri (b)(7)(C) 46 50 Manuilski, Dmitri (b)(7)(C) 62 67 Manuilski, Dmitri (b)(7)(C) 62 68 Manuilski, Dmitri (b)(7)(C) 63 68 Manuilski, Dmitri (b)(7)(C) 75 82 Manuilski, Dmitri (b)(7)(C) 76 82 Manuilski, Dmitri (b)(7)(C) 76 82 Maria (b)(7)(C) 91 98 Marti (b)(7)(C) 44 48 Marti (b)(7)(C) 44 48 Max (b)(7)(C) 80 87 Mello, Dr. [Dr. Barbosa de Mello Ilvo Meireles] (b)(7)(C) 64 69 Mikoyan, Anastas (b)(7)(C) 80 87 Milly (b)(7)(C) 39 42 InterAção | 173 Milly (b)(7)(C) 40 43 Milly (b)(7)(C) 42 46 Milly (b)(7)(C) 43 46 Milton [Eugene Dennis] (b)(7)(C) 56 60 Milton [Eugene Dennis] (b)(7)(C) 60 65 Milton [Eugene Dennis] (b)(7)(C) 60 66 Milton [Eugene Dennis] (b)(7)(C) 61 66 Milton [Eugene Dennis] (b)(7)(C) 62 67 Molotov, Vyacheslav (b)(7)(C) 80 87 Molotov, Vyacheslav (b)(7)(C) 81 88 Munzenberg (b)(7)(C) 14 13 Obuch, Dr. (b)(7)(C) 18 18 Paulina (b)(7)(C) 34 37 Pieck, William (b)(7)(C) 9 8 Pieck, William (b)(7)(C) 10 10 Pieck, William (b)(7)(C) 18 19 Pieck, William (b)(7)(C) 19 19 Plantz, Special Agent (b)(7)(C) 23 25 Pollitt, Harry (b)(7)(C) 38 41 Pollitt, Harry (b)(7)(C) 40 43 Pollitt, Harry (b)(7)(C) 41 44 Pollitt, Harry (b)(7)(C) 41 45 Pollitt, Harry (b)(7)(C) 42 45 Pollitt, Harry (b)(7)(C) 42 46 Pollitt, Harry (b)(7)(C) 44 47 Pollitt, Harry (b)(7)(C) 45 48 Pollitt, Harry (b)(7)(C) 45 49 Saul (b)(7)(C) 34 37 Saul (b)(7)(C) 35 38 Silverthorn, Special Agent (b)(7)(C) 23 25 174 | InterAção Stolzenberg (b)(7)(C) 11 11 Swan, Willie (b)(7)(C) 9 8 Swan, Willie (b)(7)(C) 10 9 Swan, Willie (b)(7)(C) 11 10 Swan, Willie (b)(7)(C) 11 11 Thalheimer, August (b)(7)(C) 9 8 Thalheimer, August (b)(7)(C) 10 9 Ulbricht, Walter (b)(7)(C) 9 8 Ulbricht, Walter (b)(7)(C) 10 10 Ulbricht, Walter (b)(7)(C) 18 19 Ulbricht, Walter (b)(7)(C) 51 55 Voroshilov, General Klimientiy (b)(7)(C) 31 34 Walter, Mrs. (b)(7)(C) 59 64 Wickman, Harry (b)(7)(C) 55 59 Wickman, Harry (b)(7)(C) 55 60 Wickman, Harry (b)(7)(C) 57 62 Wilhelm, Hans (b)(7)(C) 52 56 Wilhelm, Hans (b)(7)(C) 60 65 Wilhelm, Hans (b)(7)(C) 62 67 Wollenberger (b)(7)(C) 42 45 Using simple ratio and proportion, in the 719 released pages, some 363 names were considered too dangerous for the public to see in documents as old as 80 years. Disturbing as this is, can we expect that there are names that any college-educated Department of Justice/FBI civil servant should have known as belonging to persons who had died—and thus were releasable? Counted here were: Heinrich Brandler Ruth Fischer InterAção | 175 Lavar Kaganovich Otto Kuusinen Dmitri Manuilski Anastas Mikoyan Vyacheslav Molotov William Pieck Harry Pollitt August Thalheimer Walter Ulbricht General Klimientiy Voroshilov Indeed, can we presume that the functionaries of the U.S. Department of Justice and FBI have ever taken an introductory cour- se in 20th Century English, German, or Russian history during their college careers? How can the release of such identities be constituted to be, according to subsection (b)(7)(C), “an unwarranted invasion of personal privacy” if the person is deceased? Is this not one of the criteria mentioned as a reason for releasing someone’s name in the first place? If the onus of providing names of deceased person when first applying falls on the applicant, why then does the Department of Justice/FBI even need people to respond to their Freedom of In- formation Act applications? Could not a machine do the job just as well if not better than a human? Certainly, the supervisors of such public servants are selected because they have at least a master’s degree and/or have lived through the times at the Bureau when communism was enemy number one. Should they, if anyone, know that all of the above short-listed indivi- 176 | InterAção duals are dead? It is reasonable to believe that they should, but do not because of faulty selection procedures by the American Department of Justice and FBI in allocating supervising employees to the roles of Freedom of Information Act overseers. Moreover, to say that “after careful consideration” these superiors deem that their underlings have acted correctly in repressing a name is probably a falsehood. While some superiors actually read the requests and appeals that cross their desks, a more likely scenario is that the majority of superiors simply sign off without ever reading beyond the recommendations of underlings. There is one final alternative. Could it be that the American government, in it labyrinth of competing security agencies, allows its records of who was on or is on the political left to influence what and how much material is released to the petitioner under the terms of the Freedom of Information Act? While we would hope that such is not the case, it is not beyond the realm of possibility in view of the ite- ms withheld in this study on Johnny de Graaf. Contributors might, accordingly, wish to think carefully about their own past, including their ties to Latin America, before requesting documents from the U.S. Department of Justice/FBI. It is vital to note, in this regard, that the selective availability of archival items impacts what we know and do not know about the past. In that vein, the forces controlling access to this information shape our collective memories and in so doing manipulate our history—not just in Latin America, but so too in the United States of America. InterAção | 177 178 | InterAção Formatação Direção de arte: André Luis Zago Designer responsável: Mariana Capa: André Luis Zago Miolo: Mariana Medidas: 160 x 230mm Tipologia: Adobe Caslon Pro ISSN 2178-1842