Thwaites et al - Academia Brasileira de Neurologia
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Thwaites et al - Academia Brasileira de Neurologia
Prezado colega: A Academia Brasileira de Neurologia está lançando o NeuroAtual, um boletim eletrônico com a síntese dos artigos mais recentes e relevantes em Neurologia, com o objetivo primordial de permitir a atualização dos neurologistas brasileiros. Os coordenadores dos Departamentos Científicos da ABN estão selecionando os artigos da respectiva área de atuação. Os artigos das áreas descobertas, isto é, sem um Departamento Científico constituído na ABN, tais como os de Semiologia Neurológica, Neoplasias, Neuropatologia, História da Neurologia, etc. serão selecionados por mim. O conteúdo de NeuroAtual será renovado continuamente e as atualizações serão enviadas por E-mail aos membros da ABN e inseridas no portal da ABN. A idéia inicial era de disponibilizar todos os artigos na íntegra, também no portal da ABN. Entretanto, por questões de direitos autorais, isto não é viável. Como os artigos selecionados são dos periódicos mais importantes da literatura médica, sugiro que procurem-nos numa biblioteca local ou regional. Para os que tiverem acesso à Internet, é possível a obtenção gratuita e na íntegra da maioria deles; para isso, acesse os seguintes endereços: 1- Pub Med (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi) 2- Periódicos CAPES (http://www.periodicos.capes.gov.br/) 3- ScienceDirect (http://www.sciencedirect.com/science/journals) 4- MedBioWorld (http://www.medbioworld.com/cgibin/displaycontents.cgi?table=med&type=Journals&filecode=(M)%20Neurology) 5- Free Medical Journals (http://www.freemedicaljournals.com/htm/index.htm) 6- Scielo (http://www.scielo.br/scielo.php/script_sci_home/lng_pt/nrm_isso) 7- Health InterNetwork (http://www.healthinternetwork.org/) Se, por qualquer razão, estiver tendo dificuldades na obtenção do artigo, solicite-o em PDF para o coordenador do seu Departamento Científico ou para mim. Osvaldo M. Takayanagui Diretor Científico da ABN [email protected] RESUMO DE ARTIGOS Neurocardiogenic syncope. Grubb. Engl J Med, 352: 1004, 2005 A síncope neurocardiogênica ou vasovagal é a causa mais comum de síncope reflexa, caracterizada por um súbito colapso do sistema nervoso autonômico para manter a pressão arterial e, às vezes, do batimento cardíaco suficiente para manter a perfusão cerebral e a consciência. As outras condições neste grupo incluem a síndrome do seio carotídeo e as sincopes “situacionais” que ocorrem após a micção, defecação e tosse. A síncope é responsável por 3,5% de todos atendimentos emergenciais. A síncope neurocardiogênica pode ser desencadeada por permanência prolongada em posição ortostática, exercícios vigorosos em ambientes quentes, medo, emoções ou dor intensa. A perda da consciência é habitualmente breve, de 30 segundos a 5 minutos, e pode, ocasionalmente, ser acompanhada de movimentos similares a crise convulsiva (“sincope convulsiva”). A recuperação é rápida e praticamente sem quadro pós-ictal. O diagnóstico exige a exclusão de doenças cardíacas ou neurológicas; a presença de sopros na ausculta cardíaca ou de anormalidades no exame neurológico requer uma investigação mais aprofundada. Contudo, na ausência de anormalidades semiológicas, a presença das características sugestivas na anamnese é suficiente para o diagnóstico clínico de síncope. A realização do teste de inclinação do leito ou “tilt-table testing”, o único de comprovada utilidade, está indicada nos casos duvidosos. O teste é considerado positivo para síncope neurocardiogênica se induzir queda da pressão arterial que reproduza os sintomas do paciente após inclinação passiva da mesa num ângulo entre 60 e 70 graus. A especificidade de um teste negativo é de cerca de 90% (falso positivo em 10%). A conduta depende de alguns fatores. Nos casos de ocorrência apenas em condições excepcionais, a conduta deve ficar restrita à orientação para evitar as situações desencadeantes, aumento da hidratação (2 litros/dia), maior ingestão de sal, posicionamento corporal, movimentação isométrica dos membros (fechamento das mãos ou cruzamento das pernas acompanhados de contração mantida da musculatura desses segmentos). O tratamento medicamento da síncope neurocardiogênica está indicado apenas aos pacientes com episódios recorrentes, súbitos e imprevisíveis, sem sintomas prodrômicos, particularmente àqueles com traumatismos freqüentes ou cuja atividade profissional envolve riscos de queda e de morte. Embora uma variedade de substâncias tenha sido testada, como beta bloqueadores, corticosteróides, vasoconstritores, inibidores da recaptação seletiva de serotonina e escopolamina transdérmica, não há evidências cabais de seu benefício através de estudos randomizados e controlados. Reaching beyond the midline: why are human brains cross wired? Vulliemoz et al. Lancet Neurol, 4: 87, 2005. Por que cada metade do corpo é controlada pelo lado oposto do cérebro? E porque há cruzamento de fibras no quiasma óptico? Hipócrates (460-380 aC.) foi o primeiro a inferir que a crise convulsiva seria desencadeada pelo lado oposto do cérebro. Filogeneticamente, o cruzamento da linha média do trato córtico-espinhal (TCE) ocorre apenas nos mamíferos e é mais evidente nos primatas e em poucos outros animais que necessitam de precisão de movimentos nas extremidades, configurando uma emergência mais recente na evolução. No homem, cerca de 75% a 90% das fibras do TCE decussam e de forma assimétrica: as fibras originárias do hemisfério cerebral esquerdo cruzam em maior número e mais rostralmente que as do hemisfério oposto. Conseqüentemente, o lado direito da medula espinhal é maior que o esquerdo, independentemente da dominância manual. Qual seria afinal a razão para o cruzamento de fibras do TCE e das vias ópticas no quiasma óptico? Segundo a hipótese do histologista espanhol Santiago Ramón y Cajal, o comportamento de fuga à visão de um estímulo agressor seria mais rápido e eficaz com o cruzamento de fibras. Esta idéia é sedutora e permanece atual. O artigo expõe, ainda, as conseqüências clínicas do cruzamento anormal de fibras presente em algumas doenças neurológicas congênitas, em que ocorrem movimentos em espelho, caracterizados por movimentos involuntários de um membro, espelhando os movimentos voluntários do lado oposto, particularmente na mão e no antebraço. Finalmente, debatem a base molecular do processo de desenvolvimento da decussação de fibras. Este artigo contém boas ilustrações coloridas. Uncrossed cortico-muscular projections in humans are abundant to facial muscles of the upper and lower face, but may differ between sexes. Fischer et al. J Neurol, 252: 21, 2005. A paralisia facial central pode ser diferenciada da periférica pela movimentação da fronte. De acordo com o conceito clássico, os músculos da parte inferior da face recebem inervação principalmente de projeções do hemisfério oposto e os da parte superior recebem projeções adicionais do hemisfério ipsilateral. Contudo, a variação interindividual do grau de comprometimento da parte superior da face na paralisia facial central levanta dúvidas sobre esta explicação. Utilizando estimulação cerebral magnética transcraniana focal, os autores quantificaram as projeções córtico-musculares cruzadas e não cruzadas para 6 músculos faciais de 36 indivíduos sadios. Constataram que as projeções cruzadas córtico-bulbares para o músculo frontalis eram tão potentes quanto para os da parte inferior da face. Não havia também diferenças significativas na inervação homolateral para os músculos da parte inferior e superior da face. A latência era virtualmente simétrica para projeções cruzadas e não cruzadas, sugerindo vias oligossinápticas e, portanto, não mediadas através de conexões calosas ou de interconexões polissinápticas cruzando de volta a linha média no tronco encefálico. A abundante inervação córtico-muscular ipsilateral para os músculos tanto da parte superior como da inferior da face coloca em dúvida o conceito fisiopatológico clássico da preservação da movimentação da parte frontal na paralisia facial central. Alerta, contudo, que não é possível excluir a possibilidade de maior quantidade de influxos sub-córtico-bulbares para os músculos da parte superior da face, o que poderia se constituir numa possível explicação fisiopatológica. Curiosamente, os autores constataram diferenças na inervação homolateral entre os sexos: as projeções do lado esquerdo para o esquerdo eram mais abundantes no homem e as do lado direito para o direito nas mulheres, com possível relação da maior expressão facial aos estímulos emocionais na mulher que no homem. Viral encephalitis. Kennedy. J Neurol, 252: 268, 2005. É um artigo de revisão, listando os principais vírus causadores de encefalite aguda e descrevendo os quadros clínico-laboratoriais mais freqüentemente encontrados. Discute com maior profundidade a encefalite herpética, a causa mais importante de encefalite viral. Enumera causas de encefalite infecciosa não virais e apresenta um esquema de conduta prática (algoritmo) frente a um caso suspeito, com a recomendação da introdução precoce de aciclovir. Viral encephalitis: a review of diagnostic methods and guidelines for management.Steiner et al. Eur J Neurol, 12: 331, 2005. É um excelente artigo de revisão sobre encefalite viral, preparado por um grupo de pesquisadores e baseado nos dados publicados, classificando-os de acordo com os graus de evidência em relação aos critérios de diagnóstico e às medidas terapêuticas. A encefalite viral é uma emergência médica. Os autores debatem com grande profundidade detalhes da amamnese, dos exames físico geral e neurológico e dos exames complementares fundamentais para o diagnóstico de encefalite viral, assim como para o diagnóstico diferencial. Discutem o papel dos exames de neuroimagem, do PCR, da cultura viral, dos testes imunológicos no LCR e de histopatologia para o estabelecimento diagnóstico. Além da apresentação dos vários procedimentos terapêuticos, incluem duas tabelas finais muito interessantes avaliando os procedimentos diagnósticos (LCR, provas imunológicas, PCR, EEG, neuroimagem, cultura viral e biopsia cerebral) e terapêuticos (aciclovir, ganciclovir, pleconaril, corticosteróides e descompressão cirúrgica) de acordo com a classe de evidência e nível de recomendação. Infectious causes of multiple sclerosis. Gilden. Lancet Neurol, 4: 195, 2005. A noção de que a esclerose múltipla possa ser de natureza infecciosa não é recente. As principais teorias envolvem um processo infeccioso ou uma imunopatologia desencadeada por vírus e, possivelmente, um componente autoimune. Um vírus poderia se reativar após vários anos de latência e destruir oligodentrócitos, tal como ocorre na leucoencefalopatia multifocal progressiva e poderia iniciar um processo imunopatológico levando à desmielinização, tal como ocorre em animais infectados por linhagens de vírus da encefalomielite murina de Theiler, coronavírus e lentivírus. A evidência mais importante à favor da causa infecciosa da esclerose múltipla é a constatação, em mais de 90% dos casos, de elevada concentração de IgG no cérebro e no LCR, confirmada pela presença de bandas oligoclonais. Praticamente todas as doenças neurológicas com elevada concentração de IgG, com bandas oligoclonais, são inflamatórias e a maioria é de natureza infecciosa. Se a esclerose múltipla for uma doença infecciosa, pode ser resultante de um processo imunopatológico induzido por vírus ou, então, autoimune. Até o presente momento, vários agentes infecciosos foram investigados: Chlamydia pneumoniae, herpes vírus 6 (HHV-6), vírus Epstein-Barr, HTLV-I, seqüências de retrovírus endógeno, coronavirus e vírus JC. Embora não tenha sido estabelecido um elo convincente com quaisquer deles, o recente desenvolvimento de novas estratégias e técnicas laboratoriais pode permitir melhor investigação de vírus latente na etiologia da esclerose múltipla. A busca de uma causa viral deve prosseguir. Tuberculous meningitis: many questions, too few answers. Thwaites et al. Lancet Neurol, 4: 160, 2005. Excelente artigo de revisão sobre as dificuldades no diagnóstico e tratamento da meningite tuberculosa. As anormalidades neurológicas são resultantes de 3 processos: a) exsudato inflamatório afetando principalmente a base do crânio que pode obstruir o trânsito do LCR e causar hidrocefalia; b) formação de tuberculomas e c) vasculite que pode acarretar infarto cerebral. O diagnóstico apresenta limitações pela baixa sensibilidade da coloração pelo Ziehl-Neelsen, da cultura e do PCR no LCR. Entretanto, a análise mais meticulosa de um volume maior de LCR (> 5 ml) eleva a possibilidade de um resultado positivo. O esquema terapêutico recomendado apresenta variações, diferindo de país para país, e essa heterogeneidade é conseqüência da escassez de estudos clínicos controlados. Há incertezas quanto ao número e tipo de medicamentos e duração total do tratamento. Os autores incluem os resultados de um trabalho próprio em que constataram que a administração concomitante de dexametasona reduziu a taxa de letalidade embora não de seqüelas nos sobreviventes. Entretanto, a indicação de corticosteróides nos indivíduos co-infectados com o HIV é questionável, principalmente naqueles recebendo drogas antiretrovirais. The neuropathogenesis of AIDS. González-Scarano et al. Nat Rev Immunol, 5: 69, 2005. Excelente revisão sobre o mecanismo fisiopatológico da demência associada ao HIV. A maioria do HIV que invade o SNC cruza a barreira hematencefálica no interior de monócitos infectados (teoria do cavalo de Tróia) e replica nos macrófagos e células microgliais. A morte neuronal é a conseqüência neuropatogênica chave da demência associada ao HIV. Como os neurônios não possuem, em sua superfície, CD4 ou co-receptores, a apoptose neuronal deve ser resultante de agressão indireta através dos macrófagos e células microgliais infectados e possivelmente por proteínas virais. O artigo inclui ilustrações coloridas de excelente qualidade. Diagnosis and management of acute myelopathies. Kaplin et al. The Neurologist, 11: 2, 2005. As mielopatias agudas representam um grupo heterogêneo de doenças com diversas etiologias, características clínicas e de imagem e prognóstico. A mielite transversa é um protótipo desse grupo em que um processo imunomediado agride a medula espinhal, acarretando graus variáveis de paresia, distúrbios sensitivos e disfunção autonômica. A mielite transversa pode fazer parte de uma doença neurológica multifocal (p. ex. esclerose múltipla), de uma afecção multissistêmica (p. ex. lupus eritematoso sistêmico) ou uma entidade isolada e idiopática. Este artigo de revisão apresenta os critérios diagnósticos, características clínicas e laboratoriais e um excelente algorritmo de conduta para investigação etiológica; discute também as opções terapêuticas e medidas de reabilitação. The frequency of intractable seizures after stopping AEDs in seizure –free children with epilepsy. Camfield & Camfield. Neurology, 64: 973, 2005. Interessante artigo relatando estudo de base populacional onde os autores avaliam a ocorrência de epilepsia refratária, após suspensão de drogas antiepilépticas (DAEs) em crianças com diagnóstico prévio de epilepsia. Foram avaliados pacientes incluídos na coorte de Nova – Escócia, com diagnóstico de epilepsia realizado entre 1977-1985 e que tinham no mínimo cinco anos de seguimento. Das 367 crianças incluídas, 71% teve suas crises controladas em 1-4 anos e as DAEs foram suspensas. Destas, 70% permaneceram sem crises e 30% tiveram recorrências. Das que apresentaram recorrência, 3 desenvolveram epilepsia refratária (1%) sendo que duas foram submetidas a cirurgia da epilepsia. Apesar deste tipo de recorrência ter sido relativamente raro na coorte em questão, os autores relatam não ter sido possível predizer este tipo de desfecho e postulam que nestes casos possivelmente o desfecho seria o mesmo ainda que não fosse suspenso o tratamento. The latest on infantile spasms. Rikonen R. Curr Op Neurol, 18: 91, 2005. Artigo de revisão com enfoque especial no tratamento e de novas causas de síndrome de West. Inicialmente são avaliados os estudos envolvendo o uso de ACTH, esteróides oral e vigabatrina, que são divididos entre classe I (ensaio clínico prospectivo, controlado, randomizado) a classe IV (evidências através de estudo não controlado). Um único estudo classe I demonstra superioridade do ACTH sobre esteróide oral. Estudo recente, controlado, realizado na Inglaterra, demonstrou eficácia semelhante do uso de prednisolona 40 mg/dia ou prednisona 2 mg/kg em comparação ao ACTH. A vigabatrina, apesar do efeito colateral de perda do campo visual, continua sendo a droga de escolha para S. West relacionada a esclerose tuberosa. Não existem estudos classe I ou II demonstrando eficácia de qualquer opção de tratamento em longo prazo. O autor concluiu que com base nos dados disponíveis na literatura atual não é possível recomendar um tratamento específico para S. de West. Também chama atenção para novas possibilidades etiológicas no West sintomático: mutações do gene ARX, mitocondriopatias (mesmo com lactato inicialmente normal), esclerose tuberosa e autismo (mutação do gene TSC2) e alterações do desenvolvimento cortical raras tais como displasia do quadrante posterior. Meta-analysis: high-dosage vitamin E supplementation may increase all-cause mortality. Miller et al. Ann Intern Med 142: 37-46, 2005 A suplementação com vitamina E tem sido estudada em vários ensaios clínicos para prevenção de doenças crônicas. Os autores realizaram uma meta-análise destes estudos, focando seu interesse na mortalidade por todas as causas. A pesquisa foi no MEDLINE e no banco de dados Cochrane de estudos randomizados. Dezenove ensaios clínicos preenchiam os critérios de inclusão, sendo o número total de participantes de 135967. Observou-se que o uso de vitamina E, principalmente em altas doses esteve associado ao aumento de mortalidade. Em 8 ensaios com suplementação em baixas doses, não houve um risco significativo, porém nos 11 ensaios testando o uso em altas doses, o risco de morte foi significativamente aumentado, a razão de risco foi de 1.04 (IC, 1.01 a 1.07; p= 0.035). Na análise de dose-resposta, a mortalidade por todas as causas progressivamente aumentou a partir de doses acima de 150 UI/d. Na discussão, extensa e rica, os autores relatam vários ensaios clínicos com efeitos adversos da vitamina E. Baseando-se no estudo, a suplementação de vitamina E em altas doses não está justificada. Os autores terminam sua discussão chamando atenção de que a suplementação é freqüentemente associada à sua inocuidade e que seu uso deve ser desencorajado até que evidências de sua eficácia sejam documentadas por ensaios clínicos apropriadamente desenhados. Vitamin E and donepezil for the treatment of mild cognitive impairment. Petersen et al. N Engl J Med 352: 1-10, 2005 Os autores seguiram pacientes com comprometimento cognitivo leve do tipo amnéstico por 3 anos, em estudo duplo cego randomizado para receberem 2000UI/dia de vitamina E, 10 mg de donepezil ou placebo. Verificando primariamente a evolução para Doença de Alzheimer provável ou possível, e como medida secundaria, cognição e função. Foram acompanhados 769 indivíduos (idade media de 72.9 +- 7.3), a progressão para demência ocorreu em 214, com 212 classificados como tendo DA provável ou possível (73 no grupo placebo, 76 no grupo de vit E e 63 no grupo de donepezil). A razão de progressão foi de 16% ao ano. Nos 3 anos de acompanhamento não houve diferença na progressão de CCL para DA entre os 3 grupos de tratamento. Foi executada análise a cada 6 meses, verificando-se que não houve diferença entre vit E e placebo, em nenhum ponto do ensaio. O risco de progressão para DA foi significativamente menor para o grupo tomando donepezil nos primeiros 12 meses (p=0.004), o que foi confirmado pelas medidas secundárias. A presença de alelo E4 foi o maior fator preditor de progressão para DA, com 76% dos casos de evolução para DA entre os portadores (p<0.001). Entre os sujeitos portadores de um ou mais alelos E4 da apolipoproteina E, houve beneficio com o uso do donepezil nos 3 anos de seguimento. Concluindo, a vit E não apresenta benéfico para pacientes com CCL, enquanto o uso do donepezil apresentou um alentecimento na evolução para DA num período de 12 meses. Como colocam os autores, este tratamento pode ser discutido com o paciente. Memory dysfunction. Budson et al.. N Engl J Med, 352:692, 2005. A visão tradicional de memória como um conceito simples não mais se sustenta, visto que diferentes métodos de pesquisa têm demonstrado que, ao contrário, a memória é composta de sistemas complexos e distintos. Disso resulta que uma doença única, como a doença de Alzheimer pode comprometer mais um aspecto que outro. O melhor conhecimento dos tipos de memória proporcionará um diagnóstico mais específico de seu distúrbio e uma indicação terapêutica mais eficiente. Isso tem uma importância crescente à medida que surgem novas estratégias terapêuticas, farmacológicas ou não. O artigo de Budson e Price é uma excelente revisão conceitual de memória e seus distúrbios, ricamente ilustrada com gráficos e figuras didáticas. Os autores discutem de uma forma clara os conceitos de memória episódica, semântica, de procedimento e de trabalho, demonstrando correlações neuroanatômicas, e discorrem sobre os principais distúrbios desses sistemas de memória, correlacionando com etiologia. Family-based association between Alzheimer´s disease and variants in UBQLN1. Bertram et al. N Engl J Med, 352:884, 2005. A doença de Alzheimer, como outras doenças neurodegenerativas, resulta da interação de defeitos genéticos com fatores ambientais, ambos pouco conhecidos. O trabalho de Bertram e cols. demonstra um distúrbio genético localizado no cromossomo 9, envolvendo o gen codificador denominado ubiquilin 1 (UBQLN1), provavelmente associado a um risco aumentado de DA. Os autores avaliaram 19 polimorfismos de nucleotídeo-único em três genes no cromossomo 9, em 437 famílias com DA (1.439 sujeitos), e observaram uma associação significativa entre DA e vários polimorfismos de nucleotídeo-único no UBQLN1. Concluem que seus achados sugerem que variantes genéticos no UBQLN1 no cromossomo 9 aumenta substancialmente o risco de DA. Mild cognitive impairment is related to Alzheimer disease pathology and cerebral infarctions. Bennett et al. Neurology, 64:834, 2005.Achados patológicos de doença de Alzheimer ocorrem na maioria dos casos de demência vascular e patologia cerebrovascular é um achado importante em muitos casos de DA. O trabalho de Bennett e colegas pretendeu examinar o quanto pessoas com Comprometimento Cognitivo Leve apresentam de patologia de DA, de infartos cerebrais e de doença de corpos de Lewy. Examinaram os cérebros de 180 religiosos participantes do Estudo das Ordens Religiosas autopsiados, particularmente nos córtices frontal médio, temporal superior, temporal médio, parietal inferior e entorrinal, além de hipocampo e substância negra. Próximo do óbito, 37 tinham CCL, 60 não tinham comprometimento cognitivo e 83 tinham demência. Quase todos tinham alguma patologia de DA, 35,2% tinham infartos cerebrais e 15,6% tinham doença de corpos de Lewy. Em termos de critérios neuropatológicos para DA, pessoas com CCL foram intermediários entre os grupos sem comprometimento cognitivo e o com demência. Pessoas com CCL também foram intermediários entre os outros dois grupos com relação aos níveis de infartos cerebrais. Para os autores, seus dados sugerem que CCL pode ser a manifestação clínica mais precoce de doenças neurológicas demenciantes no idoso. Attention Deficit-Hyperactivity Disorder. Rappley MD. N Engl J Med, 352:165, 2005. Trabalho de revisão, básico, porém completo, sobre o Transtorno do Déficit de Atenção-Hiperatividade (TDAH), que é o distúrbio neurocomportamental mais encontrado em crianças (3 a 7%), persistindo em boa parte delas na idade adulta. A autora resume inicialmente os principais dados sobre conceito, diagnóstico e etiopatogenia. A caracterização clássica do quadro, que é amplamente salientada na literatura médica e psicológica universal, implica na incapacidade para dirigir e manter o foco da atenção, modular o nível de atividade e moderar a impulsividade nas reações, o que resulta em comportamentos inadequados para a faixa etária e o nível do desenvolvimento, afetando intensamente o convívio familiar, escolar e social. Destaca que o diagnóstico é efetuado numa base puramente clínica, obedecendo aos critérios diagnósticos do DSM-IV R (4a edição, 2000) e de acordo com as observações constantes de questionários aplicados a pais e professores. Cita brevemente a etiopatogenia, que se baseia em alterações dos neurotransmissores, sobretudo dopamina e noradrenalina, nos circuitos fronto-estriatais, existindo também uma predisposição genética e alguns fatores pré e perinatais valorizáveis, além de alguma influência ambiental. Enfatiza a possibilidade de o quadro vir associado com co-morbidades, principalmente distúrbios da linguagem, da aprendizagem, transtorno tipo desafiante-opositor e outros tipos de distúrbios do comportamento. Entretanto, o principal enfoque do trabalho é relativo ao tratamento e à polêmica que existe quanto ao emprego de medicamentos estimulantes, isolados ou em combinação com terapia comportamental, ou ainda, de terapia comportamental apenas. A autora descreve em maiores detalhes o tratamento com metilfenidato, mas também se refere às outras opções terapêuticas possíveis, de acordo com a ocorrência de co-morbidades. Também lembra a importância de um ambiente escolar especificamente preparado e orientado para lidar com crianças com TDAH e conclui que o tratamento medicamentoso bem conduzido é indispensável, devendo-se reservar a terapia comportamental para aqueles casos em que existem conflitos familiares ou co-morbidade com outros transtornos do comportamento. The congenital muscular dystrophies in 2004: a century of exciting progress. Muntoni F et al. Neuromuscul Disord, 14:635, 2004 Os autores descrevem os principais aspectos relacionados à nova classificação da distrofia muscular congênita (DMC), doença autossômica recessiva, que é a segunda forma de distrofia muscular mais encontrada em crianças, após a distrofia muscular de Duchenne. Nos últimos 10 anos, avanços contínuos no campo de genética molecular permitiram estabelecer inúmeras correlações genotípico-fenotípicas dentro deste grupo extremamente heterogêneo de distrofias musculares de início precoce ao nascimento ou nos primeiros meses de vida. A primeira destas correlações foi estabelecida em 1994, quando foi identificada a forma merosinanegativa de DMC, causada por mutações no gene da laminina alfa-2 (merosina), em 6q2, a qual se associa a alterações difusas da substância branca cerebral, a dismorfismo facial e à falta de marcha independente. A partir daí, novas correlações clínico-genéticas foram identificadas e a classificação das formas clínicas da DMC permanece em aberto com a inclusão a cada ano de novos subtipos. Os autores descrevem as particularidades clínicas e genéticas de cada um dos subtipos já identificados, os quais podem apresentar comprometimento muscular isolado ou associado a comprometimento do Sistema Nervoso Central e/ou a alterações oculares. Tais subtipos, além da forma merosina-negativa (DMC 1 A) são a forma de Ullrich, causada por mutações nos genes do colágeno VI, a forma com espinha rígida (gene da selenoproteína), DMC forma 1C (gene da proteína fukutina-relacionada), DMC forma 1D (gene da proteína LARGE ou acetilglucosaminiltransferase-like), a forma de Fukuyama (gene da fukutina), a forma músculo-óculo-cerebral (gene da O-manose β-1,2-N-acetilglucosaminiltransferase) e síndrome de Walker Warburg (gene da Omanosiltransferase). Há ainda uma série de pacientes com fenótipos aparentemente específicos, porém sem defeito genético identificado até o presente momento, na sua maioria com merosina normal ou, mais raramente, com deficiência secundária de laminina alfa-2, como, por exemplo, a forma 1B. Os autores enfatizam que a nova classificação da DMC foi recentemente enriquecida pela descoberta de que um dos principais mecanismos para explicar a fisiopatogenia de algumas formas de DMC está relacionado à glicosilação anormal da proteína alfa-distroglicana que é um importante elo de ligação da membrana da fibra muscular com a matriz extracelular. Analisam em detalhes estes defeitos da glicosilação, assim como as demais formas de DMC geneticamente identificadas ou ainda em estudo. É um artigo indispensável para quem deseja se atualizar neste assunto e trabalha em neurologia infantil, abordando com maior ou menor freqüência as doenças neuromusculares em crianças e a síndrome da criança hipotônica. Continuous EEG monitoring in the Intensive Care Unit: an overview. Hirsch LJ. J Clin Neurophysiol, 21:332, 2004. Os avanços tecnológicos associados ao EEG, permitem o registro do EEG contínuo, associado ou não ao vídeo, aplicados a pacientes com quadros críticos em UTIs. Isto propiciou verificar que as crises eletrográficas sem manifestação clínica, são muito mais freqüentes que o suposto e indicativas de um pior prognóstico. Outra observação feita pelos autores é que ocorrem um número muito maior de crises eletrográficas sem manifestação clínica durante o registro que crises clínicas. Os fatores causais associados a crises eletrográficas são coma, infecção SNC, tumor cerebral, neurocirurgia recente, e descargas epileptiformes periódicas. O EEG contínuo também mostrou-se útil no acompanhamento da atividade elétrica cerebral de fundo (AECF), monitorando quadros isquêmicos ou de sedação anestésica. A detecção de alterações na AECF em quadros isquêmicos em curso, permitindo a intervenção atualmente é exeqüível e terá em um futuro próximo aplicação de rotina. Hallucinations in Parkinson´s disease: a follow up study. Maindreville AD et al. Mov Disord 20:212-217, 2005. Alucinações, principalmente de natureza visual, afetam aproximadamente ¼ dos pacientes com DP. Se forem incluídas as chamadas “alucinações menores”, que são sensações de presença ou passagem de vultos, esta prevalência aumenta. As alucinações ocorrem em geral num contexto de cognição preservada e parecem ser crônicas e recorrentes. Entretanto, poucos estudos investigaram o curso de longo prazo deste sintoma. O objetivo do presente estudo é determinar se a prevalência e o tipo de alucinações permanece estável no intervalo de um ano em pacientes com DP e identificar fatores preditivos do início das mesmas nos pacientes que não as apresentavam. Para tanto, foram seguidos prospectivamente 141 pacientes com DP. Dados demográficos, clínicos e terapêuticos foram registrados. Três tipos de fenômenos alucinatórios foram pesquisados na data base e após um ano: 1) alucinações menores/ilusões, incluindo a sensação não visual de “presença humana, sensação de passagem breve de animal ou pessoa e ilusão visual; 2)alucinação visual complexa; 3)alucinação auditiva. A presença de distúrbios do sono graves, sonolência diurna e transtornos oculares (incluindo catarata, doença retiniana e glaucoma) nos três meses anteriores a data de inclusão no estudo também foram pesquisadas. Após analises estatísticas apropriadas, os autores concluíram: a prevalência de alucinações de quaisquer tipos na avaliação inicial era de 41,7% e após um ano de 49,6%. A única mudança significativa foi o aumento de alucinações menores de 29,1% para 40,2%. No grupo de pacientes que apresentavam alucinações, estas ocorreram ao menos uma vez por semana em 67% deles e menos freqüentemente nos demais. Em 33% dos pacientes com alucinações , dois ou três tipos delas ocorreram em combinação e 73% dos pacientes tinham crítica preservada em relação aos fenômenos alucinatórios. Alucinações raramente iniciaram-se ou cessaram durante o período de estudo, sendo que o tipo menor desenvolveu-se em 20% dos indivíduos e cessou em 9% deles. Levando-se em conta todos os tipos de alucinações, 26% dos pacientes iniciaram o quadro entre a primeira e a segunda avaliação e apenas 17% remitiram o quadro. Se o grupo que iniciou suas alucinações durante o período de estudo for comparado com o que permaneceu sem alucinações durante todo o ano de seguimento, identificou-se várias diferenças, porém nenhuma relacionada com o tratamento antiparkinsoniano: entre os que tiveram aumento de suas medicações dopaminérgicas, apenas 12,5% desenvolveram alucinações, enquanto que 16,9% dos que permaneceram com doses estáveis ou menores também o fizeram ( diferença essa não significativa). Regressão logística identificou três fatores, todos presentes na primeira avaliação, que eram, independentemente, preditivos para a presença de alucinações na segunda avaliação: desordens graves do sono, distúrbios oculares e escore axial > 2 (calculado levando-se em conta sintomas de comprometimento axial na UPDRS parte III). Os autores concluem que há uma relativa estabilidade na presença de alucinações numa população de parkinsonianos ao longo de um ano e que talvez um estudo longitudinal mais prolongado pode trazer um aumento desta prevalência. As ditas alucinações menores são as mais lábeis. Comentam ainda que o papel facilitador das drogas dopaminérgicas no início das alucinações é bem conhecido, entretanto a relação entre o tratamento e o início das alucinações é complexo, não sendo necessariamente associadas com doses mais altas de medicação. De fato, o presente estudo não encontrou correlação entre mudanças no tratamento dopaminérgico e as alucinações. E embora prejuízo cognitivo seja um fator importante para risco de alucinações na DP, ele não foi um fator preditivo no presente estudo. O valor preditivo dos distúrbios do sono apontaria para a importância da patologia extranigral na DP, assim como os sintomas axiais predominantes. Quanto ao papel dos distúrbios oculares como fator preditivo de alucinações, os autores sugerem que haveria um aumento de atividade sensorial específica a nível cortical, com redução do limiar para o início das alucinações. Leitura sugerida: no mesmo volume Mov Disord 20:130-140, 2005, há um interessante artigo de revisão, Repeated visual hallucinations in parkinson´s disease as disturbed external/internal perceptions: focused review and a new integrative model, de Diederich NJ et al. Genetic testing in Parkinson´s disease. McInerney-Leo A et al. Mov Disord 20: 1-10, 2005 Este artigo é uma breve revisão sobre genética na DP e discute aspectos sobre a utilidade e possíveis implicações clínicas e éticas dos testes genéticos para diagnóstico sintomático e pré-sintomático da DP. Historicamente, a DP era comumente vista como uma condição idiopática ou desencadeada por fatores ambientais. Entretanto, há vários relatos de famílias com DP que demonstram claramente um padrão de herança mendeliana. Até o momento desta publicação, nove loci genéticos haviam sido relatados e quatro genes patogênicos identificados: alfa-sinucleína, parkin, DJ1 e PINK1. Famílias com alterações nestes genes ou sítios relacionados demonstram padrões recessivos ou dominantes de herança e podem ter sintomas típicos ou atípicos, com idade de início da segunda à sexta décadas de vida. Testes comerciais para mutações parkin e alfa-sinucleína estão atualmente disponíveis. Assim, os autores prevêem que os médicos, e particularmente neurologistas, serão crescentemente abordados para informações e referências a respeito de testes genéticos em DP. Desta forma, deverão saber quando tais testes podem trazer resultados significativos, como interpretá-los e também estarem atentos às conseqüências emocionais e sociais de tal testagem. Os 11 loci genéticos que haviam sido reportados até o momento da publicação são designados PARK1 até PARK11, respectivamente. Dois destes loci na verdade não existem (a família originalmente designada PARK4 é na verdade PARK1 e PARK 9 na realidade não é um locus de DP). Entre os nove loci remanescentes, quatro genes foram identificados (vide nota da tradução): PARK-1(alfa-sinucleína), PARK-2 (parkin), PARK-6(PINK1) e PARK-7 (DJ-1). Além disso, quatro genes adicionais foram identificados em doenças hereditárias cujos fenótipos apresentam similaridades clínicas com parkinsonismo: demência frontotemporal com parkinsonismo ligada ao cromossomo 17 (FTDP-17), distonia parkinsonismo ligada ao X (XDP) e duas das ataxias espinocerebelares (SCA -2 e SCA-3 ou doença de Machado-Joseph). Também foi identificado um gene para a distonia dopa-responsiva (doença de Segawa). Embora o número de indivíduos com história familiar claramente consistente com herança mendeliana seja relativamente pequeno, em comparação com o número de casos esporádicos de DP, a identificação dos fatores genéticos contribuindo para a doença nestas raras famílias nos dá importantes pistas para o entendimento da etiologia da DP idiopática. Os autores apresentam então uma interessante tabela com as características clínicas e étnicas para todos os loci até então conhecidos e descrevem as particularidades dos genes cujos produtos gênicos já são identificados. Após discutir sobre testagem genética em doenças neurodegenerativas, usando como modelo a experiência em doença de Huntington, os autores ponderam que o diagnóstico da DP ainda é essencialmente clínico. Visto nosso conhecimento ainda muito limitado sobre a ocorrência e significância das mutações PARK, eles recomendariam testes pré-sintomáticos apenas para famílias nas quais um membro afetado tenha sido previamente identificado como portador de mutação específica autossômica dominante com penetrância alta ( alfa-sinucleína), pois neste caso o risco do indivíduo portador da mutação pode ser estimado. A pesquisa de parkin é apropriada apenas para diagnóstico de indivíduos com sintomas em idade muito precoce e somente se o resultado for auxiliar no diagnóstico clínico. Sempre que a testagem genética for oferecida, é vital que seja acompanhada de aconselhamento e medidas educacionais num centro altamente especializado, dentro de guias éticos bem definidos. (Nota da Tradução: após a publicação deste artigo, também o produto do locus PARK-8 foi identificado como sendo a dardarina ou LRRK2- leucine rich repeat kinase 2). Moléstias Neuromusculares Clinical evaluation and management of myasthenia gravis. Keesey. Muscle & Nerve, 29 (4): 484, 2004. Este é um excelente artigo de revisão sobre Miastenia Gravis, que aborda todos os aspectos de interesse e especialmente: variantes clínicas, diagnóstico diferencial, susceptibilidade genética, anticorpos, tratamento. Quanto ao diagnóstico diferencial lembra das formas congênitas que simulam a forma adquirida e que, embora raras, devem ser lembradas, já que implicam em tratamento distinto. Promove atualização do leitor quanto a forma com a presença de anticorpo anti- MuSK, dita miastenia soronegativa, além de abordar vários outros anticorpos que podem estar presentes na miastenia. Faz uma ótima revisão do tratamento usual, além de situar o leitor quanto ao uso de novas terapias tais como a imunoglobulina endovenosa e o micofenolato mofetil. Refere-se ainda à indicação de timectomia e ao estudo multicêntrico em andamento. O autor sempre faz referência aos estudos controlados ou não que corroboram a indicação de cada modalidade terapêutica. Conclui pela perspectiva futura de estratégia de tratamento que deverá regular com maior especificidade anticorpos ou células imunes específicas. Leprosy and the peripheral nervous system: basic and clinical aspects. Ooi et al. Muscle & Nerve, 30(4): 393, 2004. Este artigo é importante por promover atualização sobre este tema que embora já muito conhecido dos especialistas brasileiros, requer conhecimento renovado dada a sua freqüência em nosso meio. O autor faz uma revisão sobre a patogênese da agressão ao nervo tratando de aspectos modernos da estrutura do Mycobacterium leprae e da célula de Schwann; segue fazendo revisão das diferentes formas clínicas e abordando aspectos terapêuticos, que nem sempre são de domínio dos neurologistas. Faz ainda uma revisão dos aspectos eletrofisiológicos enfatizando a presença de desmielinização no início do processo, e a lesão axonal que se segue, além do papel da eletroneuromiografia no auxílio ao diagnóstico diferencial com a neuropatia tóxica induzida pelo uso da talidomida, já que esta costuma se portar como uma neuronopatia sensitiva. Conclui pela necessidade do maior entendimento sobre a estrutura molecular do agente agressor que levará ao tratamento mais eficaz. Lewis-Sumner syndrome and multifocal motor neuropathy. Verschueren A et al. Muscle Nerve 31:88-94, 2005. Estes autores franceses de Marselha tentam verificar as diferenças e semelhanças entre a síndrome de LewisSumner: Mononeuropata Múltipla Sensitivo-Motora com bloqueio de condução (MADSAM) e a síndrome de Parry-Clarke: Mononeuropata Multifocal Motora com bloqueio de condução (MMN). desta maneira estudam 13 pacientes com MADSAM e 20 com MMN no período de 1989 a 2000. Em todos consideram os critérios eletrofisiológicos de desmielinização propostos pela Academia Americana de Neurologia e os de bloqueio de condução parcial motora sugeridos pela Associação Americana de Eletrofisiologia. Realizaram biópsia de nervo sural em 7 pacientes com MADSAM e em 3 com MMN. Em todos avaliaram os títulos de anticorpos anti-GM1 e em 12 com MADSAM e 11 com MMN fizeram exame do LCR. A média de idade de início foi semelhante nos 2 grupos. O início dos sintomas nos membros superiores foi mais freqüente nos pacientes com MMN (16), ficando restrita aos membros superiores em 11nste grupo. Já nos enfermos com MADSAM o acometimento dos 4 membros foi mais freqüente do que em 2 membros superiores isolados. Os nervos medianos e ulnar foram os mais envolvidos nos 2 grupos e 4 pacientes com MADSAM tiveram acometimento dos nervos cranianos não tendo nenhum dos enfermos com MMN acometimento destes nervos. Alterações da sensibilidade objetiva só foram encontrados em pacientes com MADSAM. A frequência da presença do bloqueio de condução motora e o aumento da latência da onda F foram estatisticamente semelhantes nas duas síndromes. As amplitudes dos potenciais de ação sensitivas foram sempre normais nos pacientes com MMN enquanto reduzidas em todos os pacientes com MADSAM nos mesmos nervos motores acometidos e em alguns casos também em outros nervos clinicamente normais. A biópsia do nervo sural foi normal nos pacientes com MMN e alterada em 4 enfermos com MADSAM, caracterizando uma neuropatia desmielinizante sem infiltrado inflamatório. Quarenta por cento dos pacientes com MMN tinham aumento significativo dos níveis de anticorpos anti-GM1, sendo as taxas deste anticorpo normais em todos com MADSAM. O tratamento com Imunoglobulina endovenosa melhorou 75% dos pacientes com MMN e 67 % daqueles com MADSAM. Dos 8 pacientes com MADSAM tratados com corticosteróides somente 3 não obtiveram sucesso. Os autores concluem que as duas entidades são distintas concordando com a maioria dos outros trabalhos. Entretanto apesar da fisiopatologia das duas não ser ainda bem esclarecida, acham que fazem parte de um “continuum” com a Polineuropatia Desmielinizante Inflamatória Crônica (PDIC) tendo muitas semelhanças entre os três. A distinção deve ser feita principalmente na instituição do tratamento, onde os pacientes com MMN só melhoram com Imunoglobulina endovenosa podendo até piorar com o uso de corticosteróide. Cryptogenic polyneuropathy: clinical and neurophysiological findings. Lindth J et al. J Periph Nerv System 10: 31-37, 2005 Os autores verificaram a incidência de Polineuropatia (PN) de causa desconhecida: Polineuropatia Criptogênica (PC) em três departamentos de Neurologia Suecos, em pacientes ambulatoriais de janeiro de 1993 a dezembro de 2001. Estudaram pacientes de 40 a 79 anos de idade. Excluíram enfermos abaixo de 40 anos para não incluir formas hereditárias ainda não diagnosticadas e acima de 80 anos para excluir pacientes com processos degenerativos próprios da idade ou por ação de fármacos. As seguintes investigações laboratoriais foram realizadas com resultados normais: hemoglobina, glicose de jejum. Vitamina B12, folatos, funções tiroidianas e renais e imunoglobulinas. Foram excluídos todas as causas conhecidas de PN e aqueles com eletroneuromiografia do tipo desmielinizante para não incluir enfermos com neuropatias desmielinizantes inflamatórias e hereditárias. Assim tiveram 168 pacientes. Foram verificados os seguintes dados: idade, idade do início dos sintomas, quadro clínico na primeira consulta, alterações neurofisiológicas A gravidade do quadro, variou de 1 : sintomas e sinais sensitivos e/ou motores mínimos sem distúrbio funcional, até 5 que não deambulavam. Em 139 fizeram estudo da condução nervosa e em 117 eletromiografia. A proporção de homens para mulheres foi de 2 para 1. O quadro clínico era leve em 90, moderado em 68 e 10 tinham grave PN. A idade média do primeiro sintoma foi 61 anos e quando feito o diagnóstico era de 64 anos. O diagnóstico foi realizado em menos de 5 anos em 82%, de 6 a 10 anos em 14% e mais de 10 anos em 4%. As parestesias distais foram os sintomas mais freqüentes em 65%. Alteração do equilíbrio ocorreu em 56%, dor em 51%, fraqueza distal em 44%. As alterações proprioceptivas ocorreram em 81% e a abolição dos reflexos aquileus em 77%. A maioria dos enfermos tinha 2 ou mais sintomas (65%). O exame eletrofisiológico foi do tipo axonal sensitivo e motor em 62 casos e misto (axonal e desmielinizante sensitivomotor) em 35. Em 21 casos as alterações eram somente do tipo axonal sensitiva e em somente um era axonal exclusivamente motora. Os pacientes com fraqueza distal eram mais graves clinicamente e eletrofisiologicamente do que aqueles só com sinais e sintomas sensitivos. Os autores concluem ser importante o estudo das PN uma vez que as são os distúrbios mais freqüentes do sistema nervoso vindo após as doenças vasculares cerebrais e o Herpes Zoster. Acham que a maior incidência no sexo masculino fala a favor de fatores tóxicos ou ambientais crônicos como prováveis determinantes das PC. Os pacientes com fraqueza distal e alteração do equilíbrio estavam entre os mais graves. Concordam com a maioria, que as PC tem evolução longa e atingem um “plateau” no mínimo após 2 meses de evolução. Concluem que as PC são de evolução lenta do tipo axonal sensitiva motora ou somente sensitiva de leve à moderada gravidade. O sexo masculino é mais afetado e o quadro típico é de PN em pacientes acima de 60 anos com parestesias distais, alteração da propriocepção, reflexos aquileus abolidos e eletrofisiologicamente do tipo axonal Differential diagnosis of chronic dysimmune demyelinating polyneuropathies with and without antiMAG antibodies. Isoardo G et al. Muscle Nerve 31:52-58, 2005. Os autores propõem fazer o diagnóstico diferencial da polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PDIC) com a polineuroparia desmielinizante da gamopatia monoclonal IgM com anticorpo anti–MAG (PNMAG). Devido à dificuldade e ao custo elevado para realização de teste anti-MAG tentam fazê-lo através do quadro clínico e eletrofisiológico. Desta maneira estudam os casos de polineuropatia desmielinizante crônica adquirida examinados no período de janeiro de 2001 a junho de 2002. Quarenta e nove pacientes são incluídos: 14 com PN-MAG e 35 com PDIC. Todos os pacientes com PN-MAG tinham títulos de anti-MAG de 15000 a 100000 unidades Bohman. Em ambos os tipos houve predominância do sexo masculino. A idade média de início foi algo mais baixa nos pacientes com PDIC (68 para MAG-PN e 57 para PDIC). Somente os pacientes com PDIC apresentavam concomitância de diabetes mellitus (10 enfermos).A forma sensitiva pura da polineuropatia foi mais freqüente nos pacientes com PN-MAG do que naqueles com PDIC. Somente alguns pacientes com PDIC tiveram evolução subaguda ou recorrente. Em todos os enfermos com PN-MAG a evolução foi crônica sem surtos de melhora ou piora. O acometimento de fibras largas ou finas, a presença de ataxia sensitiva e dor foi igual nos 2 grupos. O índice de latência distal motora nos nervos dos membros superiores estava bem mais alterado nos indivíduos com PN-MAG e a amplitude dos potenciais de ação motora de nervos dos membros inferiores era menor também neste grupo. A redução da velocidade de condução motora e a presença de bloqueio de condução parcial em 2 ou mais nervos foi igual nos 2 grupos. O aumento de proteínas no LCR também não foi diferente nos dois grupos. Concluem que o tipo sensitivo puro ou sensitivo-motor de predomínio distal, a maior alteração do índice de latência distal motora e a queda da amplitude motora dos nervos dos membros inferiores são dados mais preditivos em favor da PN-MAG do que a PDIC. Doenças do Neurônio Motor/Esclerose Lateral Amiotrófica Excluindo 10 % dos pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA) que apresentam uma herança genética em geral autossômica dominante, pouco se sabe sobre a etiologia desta doença. Acredita-se, no entanto, que esta se deva a uma interação entre múltiplos fatores. Os dois artigos resumidos a seguir analisam o possível envolvimento de fatores genéticos, no caso retrovírus herdados, e ambientais, como atividade física e trauma como causa de ELA. Detection of serum reverse transcriptase activity in patients with ALS and unaffected blood relatives. Steele et al. Neurology, 64 (3): 454-8, 2005. Desde o reconhecimento de que retrovírus podem causar síndromes semelhantes a doença do neurônio motor, se suspeita de seu envolvimento na etiologia da ELA esporádica. A alta prevalência de marcadores retrovirais (atividade da transcriptase reversa – TR) já havia sido demonstrada em um estudo piloto (deste mesmo grupo) no soro de pacientes britânicos com ELA. Neste estudo o soro de 30 pacientes norte-americanos com ELA esporádica, de 14 de seus parentes sangüíneos, 16 cônjuges e 28 controles sem relação familiar foram testados para atividade da TR. Observouse que esta foi detectada numa proporção maior de pacientes com ELA (47%) do que em controles não geneticamente relacionados (18 %, p=0.008). A prevalência de atividade da TR nos cônjuges (13 %) foi semelhante à dos controles não familiares. Uma surpresa foi que a prevalência de atividade sérica da TR em parentes sangüíneos (43 %) chegou ao nível da encontrada em pacientes com ELA, sugerindo que esta se deva a um retrovírus endógeno herdado. Soccer, neurotrauma and amyotrophic lateral sclerosis, is there a connection? Piazza et al. Curr Med Res Oppin, 20 (4): 505-508, 2004. Este artigo de revisão é motivado pelo achado amplamente divulgado e posteriormente publicado (Brain 2005;128:472-6) de uma incidência 20 vezes maior que o esperado de ELA em ex-jogadores de futebol profissional italianos. Nele, os autores analisam a potencial relação entre a prática de futebol e traumatismo cranio-encefálico, e entre trauma e o risco de desenvolver ELA. A possibilidade deste risco ser primariamente devido ao esforço físico ou mesmo ao uso de fármacos (dopping ou não) é desconsiderada pelo fato de que o acompanhamento de 6000 ciclistas italianos por 30 anos não demonstrou nenhum caso de ELA. Apesar de a força média transmitida ao cabecear uma bola (500-1200 N) ser significativamente menor que a de receber um soco em uma luta de box (6300 N) e de que não se encontrem casos de “demência pugilística” em jogadores de futebol, há uma relação entre o número de cabeçadas por temporada e baixos escores em testes cognitivos. Os autores sugerem que esta repetição de traumatismos leves seria capaz de desencadear a degeneração de neurônio motores em pacientes geneticamente predispostos. Doppler Transcraniano O Doppler transcraniano (DTC) é um método relativamente novo, não-invasivo, que utiliza a técnica do ultrasom para medir indiretamente o fluxo nas porções proximais das principais artérias intracranianas (pertencentes ao polígono de Willis), oferecendo informações dinâmicas da circulação cerebral. O primeiro artigo resumido representa a confiabilidade do método para os neurologistas descrevendo os níveis de evidência para o DTC pela Academia Americana de Neurologia publicado em 2004. O segundo artigo, mais específico, traz inovações ainda em caráter de pesquisa, relativas ao possível efeito terapêutico da monitoração contínua da artéria cerebral média com DTC durante a trombólise endovenosa (CLOTBUST). Transcranial Doppler ultrasonography Report of the Therapeutics and Technology Assessment Subcommittee of the American Academy of Neurology. Sloan et al. Neurology, 62: 1468, 2004 Este artigo descreve as principais indicações clínicas do Doppler Transcraniano (DTC) embasado em estudos relevantes para classificação em níveis de evidência, com intuito de criteriar a utilidade das informações geradas pelo exame, sua importância nas decisões terapêuticas e se o mesmo era preferível em relação a outros métodos diagnósticos. O DTC foi estabelecido como NÍVEL A nos seguintes tópicos: 1) identificação de risco de AVCi em crianças entre 2 e 16 anos com anemia falciforme; 2) detecção e monitoração de vasoespasmo após hemorragia subaracnóidea espontânea; 3) detecção de parada circulatória encefálica como exame complementar no diagnóstico de morte encefálica; 4) investigação de shunt direito-esquerdo quando utilizado com agente contrastante. O DTC é provavelmente útil (NÍVEL B) em: 1) detecção de oclusão/estenose intracraniana; 2) estudo de vasorreatividade cerebral; 3) monitoração de trombólise cerebral no AVC agudo; 4) monitoração de procedimentos como endarterectomia carotídea e revascularização do miocárdio; 5) detecção de sinais de microembolia cerebral; 6) detecção e monitoração de vasoespasmo após hemorragia subaracnóidea traumática. O uso do DTC foi considerado possivelmente útil (NÍVEL C) na análise de estenose da artéria carótida interna extracraniana. Não há dados suficientes na literatura para utilização de rotina do DTC na migrânea, trombose venosa cerebral e malformação arteriovenosa. Ultrasound-enhanced systemic thrombolysis for acute ischemic stroke. Alexandrov et al. N Engl J Med, 351: 2170, 2004. Estudo fase 2, multicêntrico denominado “Combined Lysis of Thrombus in Brain Ischemia Using Transcranial Ultrasound and Systemic t-PA” (CLOTBUST) randomizou 126 pacientes com AVCi secundário a oclusão da artéria cerebral média, com menos de três horas de evolução, para infusão de rTPA endovenoso com monitoração contínua da reperfusão pelo DTC (63 pacientes – grupo estudo) ou rTPA endovenoso com DTC intermitente (63 pacientes – grupo controle). Os principais pontos analisados foram a recanalização completa identificada pelo DTC, recuperação clínica nas primeiras horas; independência funcional e mortalidade após três meses. Os resultados demonstraram presença de hemorragia sintomática em três pacientes de cada grupo. Houve diferença significativa (p=0,03) a favor da monitoração contínua quando analisados a recanalização completa ou a recuperação clínica nas primeiras duas horas após a terapêutica. Não houve diferença significativa (p=0,20) na análise de independência funcional ou mortalidade após três meses do tratamento. Este é o primeiro estudo randomizado que demonstra efeito terapêutico do DTC como complementação da trombólise endovenosa em pacientes com AVCi. Na verdade esse estudo foi resultado da observação pessoal dos autores que utilizavam o DTC como método de seguimento da trombólise e optaram por desenhar esse estudo inicial. Novos estudos estão sendo realizados para melhor definição da indicação do exame com esse objetivo.