Boletim da AMEAM n°2 Dez/2013

Transcrição

Boletim da AMEAM n°2 Dez/2013
Boletim da
Publicação Mensal
N.º 002 » Dezembr o de 2013
Editor: Helder Martins  Corpo Redactorial: Aldino Muianga, João Schwalbach, Pedro Utui e Cátia Fernandes
Editorial
Da Solução de Problemas aos Desafios do Futuro!...
O
O
ano de 2013 está a terminar.
Nestas ocasiões é costume
fazer-se o balanço do que foi
realizado e analisar as perspectivas para o futuro!
A AMEAM nasceu em 2013 e ainda
não atingimos o nosso primeiro aniversário. A criação da AMEAM não foi fácil!
Eramos poucos e em alguns deles ainda
persistiam dúvidas sobre a oportunidade de criar uma Associação. Aos poucos
mais colegas se foram convencendo da
utilidade de nos associarmos. Os procedimentos para registar uma Associação
não são muito complexos, mas exigem
trabalho, persistência, dedicação e solução de muitos problemas administrativos sempre maçadores e demorados.
Mas mesmo assim, a nossa capacidade de solução de problemas foi grande e conseguimos criar oficialmente a
AMEAM a 25 de Abril e de ter a sua legalização no Boletim da República no
último dia de Maio.
Depois disso 4 actividades principais dominaram a nossa atenção e os
nossos esforços:
„„ A realização dum primeiro Acto
Cultural, Artístico e Literário;
„„ A consolidação e organização
interna da nossa Associação;
„„ A publicação e distribuição do
nosso Boletim electrónico;
„„ Os preparativos para a realização em Maputo do 9º Congresso da UMEAL, a que passámos
a pertencer.
Tudo isto implicou novos desafios e
novos problemas a solucionar.
Por Helder MARTINS
A 12 de Julho, depois de muitos problemas para os quais foi preciso encontrar soluções pragmáticas, realizou-se,
com grande êxito, o nosso 1º Acto Cultural, Artístico e Literário. Para o êxito desse Acto Cultural muito contribuiu a colaboração do ISCTEM (Instituto Superior
de Ciência e Tecnologia de Moçambique), por nós muito apreciada e que sentidamente agradecemos. A realização
deste Acto Cultural foi um estímulo para
muitos colegas, confreiras e confrades,
que sentiram que a AMEAM era capaz
de desenvolver uma actividade cultural
de acordo com os seus objectivos. Sentiram que envolver-se na AMEAM tinha
valido a pena!
A consolidação e organização interna da nossa Associação está sendo feita lenta, mas seguramente, sempre com
novos problemas a solucionar.
O nosso Boletim é uma realidade. Depois do Número Especial de Lançamento
que começámos a distribuir em Outubro,
este já é o segundo número regular, com
novo formato e com uma maquetização
profissional, que devemos também a um
patrocínio generoso da Elográfico Lda.,
que muito agradecemos. O nosso Boletim chega já a milhares de destinatários,
em diversas partes do mundo, muitos dos
quais nos têm enviado mensagens de felicitações e de encorajamento, mas ainda
temos problemas de distribuição a solucionar, para chegar a um número sempre
crescente de destinatários interessados.
Muito foi feito para a organização do
9º Congresso da UMEAL, a realizar em
Maputo. Isso também implicou a solução
de muitos problemas. Por razões já explicadas em devido tempo, o Congresso
foi adiado, mas fica-nos a consolação da
compreensão e solidariedade dos nossos
parceiros do Brasil e Portugal e a certeza
que um próximo Congresso da UMEAL se
realizará em Maputo, na devida altura.
Apesar de todos este sucesso demonstrativo da nossa capacidade de solução de problemas, temos muitos desafios pela frente!
A consolidação e organização interna da nossa Associação e a sua expansão e divulgação têm que continuar e
desenvolver-se e vai ainda exigir a solução de muitos e novos problemas!
O Boletim tem que continuar a sair
mensalmente e tudo faremos para a
melhoria da sua qualidade e por uma
mais eficaz, mais extensa e mais rápida distribuição! O novo grande desafio
imediato é de fazer colocar no ar a nossa página da Net, ainda neste ano de
2013. Para isso dispomos do patrocínio
generoso da Lógica Software, que muito agradecemos.
Um novo Acto Cultural, Artístico
e Literário já está previsto para 28 de
Fevereiro de 2014 e importantes actividades Culturais, Artísticas e Literárias
para a celebração do nosso primeiro
aniversário em 25/04/2014.
Um Plano de acção a curto prazo
e um Plano Estratégico para 2014/16 já
estão em processo de elaboração. Os
grandes eixos do Plano de acção para
2014 já foram aprovados. Há ainda que
enriquecê-los. As perspectivas fara o
futuro parecem-nos boas.
Estou seguro que, assim como solucionámos os problemas a que tivemos que fazer face, venceremos todos
os Desafios do Futuro! A todos, Votos
de Boas Festas e um 2014 Próspero!
“Lutei a vida toda contra o racismo. Vou continuar a lutar até ao fim dos meus dias” - Nelson Mandela (1962)
Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique
1
BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013
Destaques
Paulina CHIZIANE Premiada no Brasil
E
m meados de Novembro, a nossa
Membro Associado, a consagrada
escritora Paulina Chiziane participou no Congresso de Africanidades, na Universidade Federal do
Espírito Santo, no Brasil.
Depois, esteve em S. Paulo, no Festival do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra, que decorreu entre 15 e 17
de Novembro, no Memorial da América
Latina e que se integra nas comemorações da Semana da Consciência Negra.
Neste Festival a nossa querida Paulina recebeu o troféu Raça Negra, edição
2013. Este troféu homenageia as pessoas de todas as raças e de todos os continentes que lutam pela valorização e
inclusão social do negro brasileiro, luta
que começou com Zumbi dos Palmares.
Zumbi dos Palmares, foi um líder
negro (nascido em 1655 – falecido a 20
de Novembro de 1695), descendente de
escravos, que lutou contra a escravatura, até ao fim dos seus dias. Por isso, o
Brasil decretou o dia 20 de Novembro,
dia da sua morte, como o dia da Consciência Negra.
Os organizadores do grande evento,
a Universidade Zumbi dos Palmares,
atribuíram o Óscar a Paulina Chiziane,
porque a sua literatura é de luta pela
identidade do negro e ajuda a fortalecer
a consciência do negro no Brasil. Discute, de forma assumida, os problemas
dos africanos: religião, sociedade, ancestralidade e a luta contra o racismo.
Representando a literatura moçambicana Paulina recebeu a homenagem,
que já foi concedida a personalidades
de renome mundial como: o Reverendo
Jasse Jackson, dos Estados Unidos da
América e Agostinho Neto (Primeiro
Presidente de Angola e lutador pela
libertação dos povos de África), para
além de diferentes individualidades
brasileiras que se destacaram ao longo
dos anos, na luta pela igualdade entre
as raças.
Por ocasião deste Festival foi lançado no Brasil o livro da Paulina: «Andorinhas» (publicado pela primeira vez em
Moçambique em 2009). Dados biográficos da Paulina estão contidos no nosso Número Especial de Lançamento,
de Outubro de 2013. (H. Martins com
dados e foto fornecidos pela própria)
“Devemos promover a coragem onde há medo, promover o acordo onde existe conflito e inspirar
esperança onde há desespero.” Nelson Mandela
Portugal Condecora Escritores Moçambicanos
P
aulina Chiziane (nossa Membro
Associado) e o escritor moçambicano Francisco Esaú Cossa,
Presidente da AEMO (Associação
dos escritores Moçambicanos)
e conhecido nos meios literários por
Ungulani BA KA KHOSSA foram condecorados a 26 de Novembro, pelo Presidente da República Portuguesa, com
o grau de «Grande Oficial da Ordem
do Infante Dom Henrique».
ções verdadeiramente notáveis, que devem
servir de modelo à Sociedade». O comunicado afirma ainda que «a atribuição
destas condecorações é sinal inequívoco do
apreço e do reconhecimento por estes dois
escritores e intelectuais moçambicanos que
se destacaram pelo grande contributo que
têm dado para o enriquecimento das letras
moçambicanas e para a divulgação de Moçambique e das suas culturas a nível internacional».
O comunicado da Presidência da
República indica que esta condecoração «premeia os serviços prestados no
exercício de cargos públicos, pelo mérito
artístico, científico ou empresarial», «permitindo destacar personalidades e institui-
Dados biográficos da Paulina e do
Ungulani estão contidos no nosso Número Especial de Lançamento, de Outubro de 2013. (H. Martins com dados
divulgados pela Agência Lusa e foto
de João Schwalbach)
“Democracia com fome, sem Educação e Saúde para a maioria é uma concha vazia.” - Nelson Mandela
2
Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique
BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013
Notícias
Mia Couto Homenageado em Portugal
O
nosso Membro Associado, o prestigiado escritor Mia Couto, foi homenageado recentemente em Portugal, pelas Câmaras Municipais de
Lisboa e Paredes. Na Câmara Municipal de
Lisboa Mia recebeu a Medalha de Mérito Grau
Ouro, que lhe foi atribuída por unanimidade, sob o
lema «Mia Couto: 30 anos a escrever, 30 anos de Maravilhamento».
Na Câmara Municipal de Paredes Mia recebeu
como prémio uma cadeira intitulada «Princesa de
África», concebida pelo designer italiano Luigi Baroli, que se inspirou no escritor nosso compatriota.
Este prémio enquadra-se no projecto DUETS, em
que 11 designers criaram cadeiras inspiradas em
11 personalidades representativas da sociedade
contemporânea, que incluíram futebolistas, treina-
dores de futebol, cantores e outros intelectuais. A
finalidade deste projecto da Câmara Municipal de
Paredes é que as cadeiras fossem leiloadas a favor
do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (ACNUR).
Em declarações à agência Lusa, Mia Couto
reafirmou o que já disse noutras ocasiões, que
«o escritor não tem carreira. Tem um percurso
feito de paixão e entrega» e acrescentou que «é
preciso que o escritor perceba que tem que aprender sempre». Ele considerou-se «um viajante que
está a fazer uma travessia» e afirmou que um
escritor não pode dizer: «agora já tenho credenciais, já sou consagrado. Se ele fizer isso morre».
(H. Martins com dados da Agência Lusa e foto de
João Schwalbach)
“Ser pela liberdade não é apenas tirar as correntes de alguém, mas viver de forma que respeite
e melhore a liberdade dos outros.” - Nelson Mandela
Direcção da AMEAM recebida pelo Ministro da Cultura
S
ua Excelência o Ministro
da Cultura, o conceituado
poeta Armando Artur, recebeu recentemente, no
seu Gabinete de trabalho,
o Presidente e o Secretário da
AMEAM, respectivamente os Colegas e Confrades Helder MARTINS e Altino Felizardo Boavida
Zandamela.
A audiência decorreu em ambiente de grande cordialidade
e permitiu que os dirigentes da
AMEAM viessem explicar ao Ministro, que depois do adiamento
«sine die» do Congresso da UMEAL em Maputo, as atenções da
nossa associação estão viradas
para o plano nacional. O Presidente da AMEAM descreveu a
SExa. Ministro as grandes linhas
do Plano de Acção para o próximo ano e sublinhou a intenção
de realizar um 2º Acto Cultural,
Artístico e Literário, a 28 de Fevereiro próximo e grandes celebrações do Primeiro Aniversário
da criação da AMEAM, em 25
de Abril de 2014. Os dirigentes
da AMEAM convidaram SExa.
Ministro a honrar-nos com a sua
presença nestes eventos.
No final o Ministro agradeceu
a explicação que lhe foi fornecida
e louvou os médicos que tiveram
a iniciativa de criar uma Associação de carácter cultural, que tem
por objectivo, entre outros, difundir a cultura entre os médicos e
mesmo entre os estudantes de
SExa. Ministro da Cultura (ao centro) ladeado pelos dirigentes
da AMEAM: Presidente (à esquerda) e o Secretário (à direita)
Medicina. Considerou isso como «uma mais-valia
para a Cultura moçambicana». Desejou sucessos à
AMEAM e disponibilizou-se para que o seu Ministério pudesse apoiar no que fosse necessário. (H.
Martins com foto de Altino Zandamela)
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, pela sua origem ou pela sua religião. Para odiar,
as pessoas precisam de aprender e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.”
Nelson Mandela
Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique
3
»
BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013
»
50º Aniversário da Faculdade de Medicina da UEM
O Colega e Confrade João Schwalbach quando pronunciava a sua alocução
A
Faculdade de Medicina
da Universidade Eduardo Mondlane (ex-Universidade de Lourenço
Marques) completou
agora 50 anos.
Esta Faculdade formou
grande parte dos médicos
moçambicanos, pois que durante muitos anos foi a única
em todo o país. A efeméride
foi celebrada com toda uma
semana de eventos culturais, científicos, académicos
e desportivos, mas a grande
celebração ocorreu numa ce-
rimónia pública, muito concorrida, no Centro Cultural
da Universidade, no dia 29
de Novembro, que foi presidida pelo Magnífico Reitor da Universidade, o Prof.
Doutor Orlando Quilambo,
coadjuvado pela Vice Reitora para a Área Académica,
Profª. Doutora Ana Maria
MONDJANA. Na mesa de
honra estavam também o
actual Director da Faculdade, Prof. Doutor Moshin
Sidat, e representantes de
SExas. Ministros da Saúde e
da Educação.
Coube ao Presidente da
Mesa da Assembleia Geral
da AMEAM, Colega e Confrade João Schwalbach (um
dos primeiros alunos da Faculdade e mais tarde seu Director durante vários anos)
fazer, com todo o brilhantismo que lhe é habitual, a alocução principal, sob o título:
Crónica da Música
Médicos Músicos
T
odas as quartas-feiras à noite, o
centro cirúrgico dá lugar ao palco. Em vez de bisturis, curativos
e tesouras, o que se vê nas mãos
dos médicos são flautas, violinos
e clarinetes. Essa é a rotina de ensaios
da Orquestra Filarmônica dos Médicos
do Hospital Albert Einstein.
Formada em Agosto de 1989, quando as apresentações se resumiam às
festas de final de ano de médicos apaixonados por música erudita, o grupo
hoje tem mais de 80 integrantes, incluindo contratados e convidados.
É uma entre tantas orquestras, formadas por profissionais de diversas
áreas, que encontraram na música
uma forma de reduzir o stresse e descobrir uma nova vocação. (Pedro Utui
com informação e foto colhida de:
http://www.folhauniversal.com.br/
brasil/noticias/imagens/14-abre.jpg)
4
Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique
«De Sonho em Sonho... 50
anos duma Existência!».
Na cerimónia houve premiações de muitos daqueles que, ao longo dos anos
contribuíram para o sucesso da Faculdade, incluindo
alguns a título póstumo.
Foram também premiados
estudantes vencedores das
provas desportivas realizadas no quadro das celebrações.
De entre os membros
da AMEAM foi premiado o
próprio Colega e Confrade João Schwalbach, com
um Diploma de Mérito de
Liderança, o Presidente da
AMEAM, Prof. Helder Martins e a recém-admitida
Membro Efectivo da AMEAM, Profª. Doutora Carla
Carrilho, com Diplomas de
Mérito Académico. (H. Martins com foto de Hamilton
Simão D’Almeida)
BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013
Contar Clinicando
Introdução
N
a generalidade o profissional de
Saúde sempre acalentou o sonho
de registar as suas experiências
com os pacientes; porém, numa
perspectiva que se situasse fora
do território formal das unidades sanitárias.
Aquelas experiências para-clínicas
acumuladas seriam – e é assim que nós
desejamos que elas sejam – o fio condutor da relação médico/paciente para
Por Aldino Muianga
o lado humano e social, porque cremos
que, por detrás de cada história existe
sempre outra história. E é nessas outras histórias onde muitas vezes achamos o bálsamo que no sub-consciente
desanuvia os dramas do quotidiano,
onde se desintrincam os novelos da
psicologia dos pacientes e fazem-nos
perceber quão complexa pode ser a
natureza humana ou quanta grandeza
se oculta numa palavra, ou ainda em
gestos simples como aqueles que vão
discorrer ao longo das narrativas nesta
coluna.
Contar Clinicando constitui uma
digressão ao outro lado dos enfermos,
espaço onde ele ou ela se redescobre
e reencontra, e onde o profissional de
saúde reconquista a sua dimensão de
ser social.
Assim sendo, vamos então contar
clinicando.
«Os bebés que dormem no ventre das mães…»
N
o longínquo ano de 1962, quando
era ainda um jovem médico, fui
trabalhar em Marrocos. Fui colocado no Hospital de Bou Izakarn,
um Oásis no Sul de Marrocos, no
Deserto do Saará, a 200Km da capital
da Província de Agadir, que se situava
junto da costa.
Chegado a Agadir, pedi ao Médico
Chefe Provincial para me autorizar a ficar no Hospital Provincial, algum tempo, para me familiarizar com o Sistema
de Saúde marroquino e com os hábitos culturais da população. Era o meu
primeiro contacto com um país, com
o Islão como religião de Estado, o que
condicionava muito a cultura das populações e as suas percepções sobre
a Saúde e a Doença. O Médico Chefe
Provincial concordou e acabei por ficar
um mês.
Agadir era uma cidade que, 2 anos
e meio antes, tinha sido devastada por
um terrível terramoto. Só cerca de 25%
da população sobreviveu. Quase todas
as famílias tinham sido afectadas.
Aproveito fazer um parêntesis para
contar uma estória verídica que ocorreu durante o terramoto. Este aconteceu pouco depois da meia-noite, duma
noite de lua cheia. Um dos edifícios
mais afectados, situado mesmo no
epicentro do terramoto, foi um hotel de
12 andares situado perto da praia, que
estava cheio. Ruiu completamente,
como um castelo de cartas, e todos os
ocupantes (em grande parte turistas)
faleceram. Entre os hóspedes do hotel
havia um jovem casal de franceses, re-
Por Helder Martins
cém-casados, que passavam a lua-demel. Estava uma noite quente e como já
indiquei de lua cheia. Um pouco antes
da meia-noite, a recém-casada achou
que seria muito romântico e idílico ter
relações sexuais na praia, dentro de
água. O marido preferia o conforto da
cama, mas ela insistiu no seu desejo e
ele gentilmente acedeu. Foram os únicos sobreviventes do hotel. No meio do
seu delírio sexual assistiram ao hotel a
desmoronar-se. O noivo achou que daí
em diante devia ceder a todos os caprichos da esposa. Não era caso para
menos...!
Voltando à minha narrativa: Logo
no primeiro dia, no Hospital de Agadir
dou com uma médica portuguesa minha amiga dos tempos de Faculdade,
muito embora ela estivesse uns anos à
minha frente. Foi uma grande alegria.
Ela era a Ginecologista do Hospital e
foi com ela que comecei a trabalhar.
Ela deu-me as primeiras orientações e
foi uma ajuda extraordinária, para me
fazer penetrar nos meandros daquela
cultura e daquele modo de vida.
Antes de iniciar a consulta, a minha amiga explicou-me uma crença
existente naquela população, de que,
durante a gravidez, os fetos podiam
«adormecer no ventre das mães e voltar
a acordar mais tarde». As causas desse
adormecimento e posterior acordar estavam em relação com acontecimentos
mais ou menos felizes ou infelizes da
vida do casal.
Uns meses mais tarde, comecei a
ler o Corão e percebi donde vinha essa
crença. Na realidade o Corão é um tratado de Direito. Maomé, o Profeta, ia
fazendo justiça, à medida que os casos lhe eram apresentados e o Corão
contém toda essa jurisprudência. Uma
vez, confrontado com um caso complicado, de heranças de uma criança
nascida muito tempo depois do alegado pai ter morrido, Maomé, para evitar
confusões, declarou que a gravidez
durava normalmente 9 meses, mas excepcionalmente, podia durar mais, até
5 anos. Daí esta crença dos «bebés que
dormem nos ventres das mães». O certo é que essa crença resolve a vida de
muita gente.
Quando a minha amiga começou
a consulta, a primeira cliente era uma
viúva, com uma gravidez de 4 meses,
que dizia estar grávida do marido, falecido no terramoto, 2 anos e meio antes.
Com o desgosto da morte do pai, o feto
teria ficado a dormir e agora acordara
de novo. Ela só não sabia porquê.
A minha amiga explicou-lhe que,
ela podia dar aquela explicação a quem
quisesse, mas nós médicos sabíamos
que ela tinha tido relações sexuais, 4
meses atrás e, de certeza, não tinha
sido com o defunto marido. Mas não
serviu de nada. Ela continuou a jurar a
pés juntos, que nunca tinha conhecido
outro homem, senão o defunto marido.
Durante a minha actividade clínica
de um ano em Marrocos e mais tarde
de 2 anos na Argélia, tive que fazer face
a vários casos de «bebés que dormem
no ventre das mães». Essa crença arranjava sempre a vida de alguém!
Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique
5
BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013
Foto do Mês
Uma voz
Por: Onestaldo GONÇALVES
Na profundeza do meu silêncio
Na penumbra do meu quarto vazio
E no sossego de uma noite de luar
Ponho-me a pensar
Oiço uma voz penetrante
Uma voz firme e persistente
Vejo uma ténue luz
Caminhando para mim
Sinto uma dor voraz
Que se aninha em mim.
Chamem-me de lunático
De esquizofrénico
Se quiserem, louco
Mas não me impeçam de sonhar
Com um novo raiar
E o despontar
De um futuro que pressinto risonho
Rio Zambeze
(Foto de João Fumane)
“A educação e o ensino são as mais poderosas armas que podes usar para mudar o mundo.” - Nelson Mandela
«Quem é Quem?»
Entrevista com:
Pedro Manuel UTUI – Vice-Presidente da AMEAM
Nome, onde nasceu, como cresceu, como foi o
seu percurso escolar/académico?
Chamo-me Pedro Manuel UTUI,
nasci em Maputo, no Hospital Central
de Maputo, no Distrito Municipal de
Kamavota, em 13 de Abril de 1952.
Residi no bairro do Aeroporto “A”,
perto do Cinema Império, próximo da
escola do Bairro Indígena, perto do
Xipamanine, onde fiz os estudos primários e onde também acabei por ser
professor da escola primaria. Tive uma
infância normal para as crianças daquela época. Gostava muito de jogar
futebol, esquecendo-me diversas vezes
de coisas importantes, incluindo de al-
6
Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique
moçar. Durante as férias ajudava a minha mãe camponesa na Machamba, no
Bairro da Costa do Sol. Nos domingos
ajudava o meu pai que tinha uma banca de venda no mercado.
Fiz os estudos secundários na ex.
Escola Governador Joaquim de Araújo,
hoje Escola Secundária Estrela Vermelha, entre 1966-1968, e depois na Escola
Secundária Josina Machel e ainda, na
Francisco Manyanga. De 1972 a 1974 fiz
o curso de enfermagem na ex. Escola
Técnica Calouste Gulbenkian, hoje Instituto de Ciências da Saúde de Maputo.
De 1977 a 1978 fiz o curso de Enfermeiro especializado em Anestesiologia no
BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013
mesmo Instituto de Ciências da Saude
de Maputo.
De 1988-1995 fiz a Licenciatura em
Medicina na Universidade Eduardo
Mondlane. De 1997 a 2002 fiz a pósgraduação em Anestesiologia e Reanimação no Hospital Central do Maputo.
A opção pela Medicina nasceu desde cedo ou foi
uma opção tardia?
Fiz medicina, como uma continuação natural do curso de enfermagem e
porque gosto muito de atender doentes
como de forma de ajudar o próximo.
O que gosta de fazer nos tempos livres?
Nos tempos livres medito na palavra de Deus. Vou à igreja geralmente
nos domingos e também participo em
actividades agropecuárias. Também
me dedico à colecção de moedas (Numismática).
Durante tempo que leccionei na Escola Secundária Josina Machel (19691971) formámos um grupo musical de
Professores da Escola na qual posso salientar o escritor Juvenal BUCUANE (viola solo) e o nosso colega e membro da
AMEAM, Benjamin MOIANE (organista).
Depois da Independência Nacional
integrei o grupo de Makwela dos jovens do Bairro do Aeroporto e o grupo
Raul Baza como dançarino. No grupo
de Makwaela destaco o malogrado
Júlio MATHOMBE que depois pertenceu à Companhia Nacional de Canto e
Dança como bailarino e depois como
coreógrafo. Este grupo apresentou-se
em várias cerimónias oficiais, algumas
delas, presididas pelo nosso querido
falecido Presidente Samora MACHEL,
por vezes, por ocasião das visitas de
grandes dignatários estrangeiros.
Porque acha que os médicos devem ter
actividade cultural?
Acho os médicos devem se envolver em actividades culturais, principalmente a música, porque há uma
ligação entre a Medicina e Música pois
ambas envolvem sentimento, arte e
dedicação. Além disso, estas actividades permitem aliviar o stress do dia-adia. Um grande exemplo dum médico
músico que conseguiu introduzir uma
grande inovação na prática médica é o
de Leopold Auenbrugger que, em 1761,
introduziu a percussão do tórax.
Porque achou que devia aderir à AMEAM?
A AMEAM oferece uma oportunidade de partilhar experiências, fazer
novos amigos e de aliviar o stress quotidiano do trabalho.
O que gostaria que ainda se soubesse sobre si?
Depois de muitos anos voltei a
constituir um grupo musical, desta vez
em Xai-Xai, com colegas da Saúde. O
grupo era constituído inicialmente por
2 médicos (Pedro UTUI e Toni SOUSA)
1 enfermeiro (Augusto) tendo-se juntado ao grupo posteriormente um enfermeiro e um técnico de fisioterapia,
respectivamente, Abner e Nelson.
Este grupo teve actuações no Hospital Provincial de Xai-Xai, no Ministério da Saúde, no Seminário de Educação Médica da Ordem dos Médicos e
no Bairro de Xilembene nas comemorações alusivas ao Presidente Samora
Machel. Este último concerto contou
com a presença de altas personalidades do país salientando-se SExa. o Presidente Armando GUEBUZA. Este grupo foi criado devido à iniciativa da Dra.
Helena MULA, Directora do Hospital
Provincial de Xai-Xai, que estimulou a
sua formação para aumentar o convívio entre os profissionais de Saúde nos
tempos livres.
Para si como foi o ano de 2013? E um desejo
para 2014...
Para mim o ano em curso foi ano de
sucesso e prosperidade e espero o ano
2014 seja um ano de muita paz para o
povo moçambicano. (Entrevista conduzida por Cátia Fernandes e foto de
João Schwalbach)
“Se falares a um homem numa linguagem que ele compreenda, a tua mensagem entra na sua
cabeça. Se lhe falares na sua própria linguagem, a tua mensagem entra-lhe directamente no coração.”
Nelson Mandela
Adeus Madiba! Até Sempre…
T
odos nós africanos perdemos o nosso
grande símbolo de tudo o que a África,
até hoje, teve de melhor. O mundo perdeu o seu melhor cidadão e em todo o
mundo, por toda a gente de bem, ele foi
e será chorado como tal!
Fisicamente Madiba partiu, mas a sua
obra, os seus ensinamentos e o seu fantástico exemplo de luta intransigente pela Liberdade e contra o racismo, de humanidade,
de dignidade, de honradez, de compreensão
humana, de tolerância, de tranquilidade, de
reconciliação, de boa governação e de PAZ
(que tanta falta nos faz) vão perdurar para
sempre, como um exemplo para toda a humanidade. Oxalá todos nós nos deixemos iluminar pelo exemplo deste grande HOMEM.
Neste momento de imensa dor, queremos exprimir à nossa compatriota Graça
MACHEL as nossas sentidas condolências
e expressar-lhe toda a nossa solidariedade.
(Notícia da Redacção com foto extraída
da InterNet por Helder de Brito Martins –
Neto)
Ficha técnica
AMEAM - Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique
Associação autorizada por despacho Ministerial de 27 de Março de 2013, publicado no Boletim da República nº 44, III Série, de 31 de Maio de 2013. Legalmente
constituída a 25 de Abril de 2013. Registada (Registo Definitivo) na Conservatória do Registo das Entidades Legais de Maputo, em 28/05/13, com o nº 100392615.
NUIT nº 700127036
Sede Provisória, na Sede da Associação Médica de Moçambique, na: Av. Salvador Allende, 560, 1º andar, em Maputo. E-mail: [email protected]
Boletim maquetizado com o patrocínio da EloGráfico – Rua Kwame Nkrumah, 1591, 1º Maputo Tel: 21417333 e 21418600, E-mail: [email protected]
Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique
7