7 – VERACIDADE DO DESTINO HISPANO
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7 – VERACIDADE DO DESTINO HISPANO
7 – VERACIDADE DO DESTINO HISPANO albertosolana Tradução por Paulo Santos Uma primeira objeção dos detratores jacobeus é a FALTA DE TEMPO para realizar tão grandiosa viagem, perante o eventual mandato de Cristo aos Apóstolos de permanecerem em Jerusalém doze anos após a Ascensão. Os escassos depoimentos desta informação não são fiáveis pelo seu carácter indireto, tardio e duvidoso, em total contradição com depoimentos diretos evangélicos em que Cristo encarrega os seus apóstolos que preguem ao povo dando-lhes instruções de forma e não de tempo [Mt 10:1-17], [Mc 6:6-13], [Lc 9:1-6]. Jesus pediu a seus apóstolos uma permanência em Jerusalém, mas só até ao dia de Pentecostes, e depois deverão ir pregar por todo mundo com a força do Espírito Santo [Lc 24:44-49], [Act 1:4-8), de modo que as escrituras constatam que Pedro e João aparecem em seguida fora de Jerusalém, Filipe evangeliza em Samaria e Bernabé, Antioquia, o que sugere uma organização eclesiástica com sede em Jerusalém, mas da qual saíram os apóstolos para pregar aos gentios por todo mundo, ficando responsável em Jerusalém um dos Santiago, o chamado irmão do Senhor. Se a morte de Cristo e o dia de Pentecostes é datado no ano 30, e a morte de Santiago no ano 44, existe um diferença de 14 anos em que Santiago pôde realizar folgadamente a viagem, cujo início algumas fontes situam entre os anos 33 e 36, com uma estadia de 6 a 8 anos, e o regresso a Jerusalém no ano 42. Para além desta precisão cronológica, uma viagem assim não estava longe de ser inacessível, como veremos, e inclusivamente outros apóstolos viajaram para muito mais longe. A primeira referência é citada na bíblica, através do romano Cornélio, centurião da corte Itálica (perto de Sevilha, Espanha), e a necessidade de fugir da represália de Herodes perante o roubo do corpo do apóstolo Santiago, primeiro e muito significativo critério de que Espanha pode constituir um destino apropriado. Importa precisar que a travessia Palestina-Galiza era um curso já dominado desde os fenícios, fundadores de Cádis, 10 séculos antes de Cristo, e iniciadores da chamada rota do estanho até às ilhas britânicas através do Atlântico, passando pela costa da Galiza. Quer isto dizer, que a rota marítima da Tradição Jacobeia era muito conhecida e frequentada nos tempos apostólicos. Os romanos fizeram seu o Mar Mediterrâneo (Mare Nostrum) e navegaram-no de um a outro ponto do Império. Dominaram o tráfego até à Galiza e, na sua costa e rias fundaram, às vezes aproveitando antigos castros, cidades como Brigantium (A Corunha), e Iria Flávia (Padrón) entre outras. Atingiram Britânia que conquistaram para o Império, consolidando a rota marítima do estanho, extraído em Cornualles, ilhas Sorlingas e na Galiza. Os Atos dos Apóstolos mencionam algumas narrações em que é inequívoco que as viagens marítimas eram comuns e necessárias na época (Act 20:13-16], [Act 21:1-7], [Act 27:1-44] e [Act 28,1-14]. O édito de Diocleciano, imperador durante o ano de 284 a 305, indicava que o trajeto médio para chegar à Lusitânia, desde o porto romano, seria de 20 dias, o que demonstra o domínio através da experiência muito antiga. A existência, por outra parte, do porto romano de Pontecesures, já no tempo de Tibério (42 a.C. - 37 d.C.), permitia o traslado de um judeu desde a Palestina até Iria Flávia, no século I, numa das embarcações que efetuavam periodicamente essa rota, que sob o domínio romano, tornava-se mais viável e frequente do que em outros momentos da história. O escritor romano Plínio, em tempos contemporâneos com os apostólicos, autor da História Natural, escreveu que uma embarcação à vela podia realizar a travessia entre Cádiz e Ostia em 7 dias, e em quatro, desde a Hispânia romana citerior. Finisterra era uma referência apostólica: “dareis depoimento de mim na Judeia, em Samaria e até o fim da Terra”, referem as Escrituras, em que o evangelista Lucas pode estar a fazer alusão expressa a este facto. O Apóstolo Paulo deixanos um depoimento claro de que os apóstolos têm acometido a evangelização de toda a órbita conhecida, também com uma referência de que se chegou até aos extremos do mundo: [Rom 10:18]. Estas palavras de Paulo não são uma mera alusão bíblica ao Salmo 19, mas sim um depoimento de que a profecia tem sido cumprida e que os apóstolos têm chegado a anunciar o cristianismo até os extremos do mundo conhecido, tal como dirão muitos patriarcas da Igreja, alguns citando expressamente Hispânia. O descobrimento sepulcral e a identificação do bispo Teodomiro, apresenta duas grandes interrogações: ■ Por que Santiago? ■ Por que em Espanha? O Livro A da Catedral de Santiago, cartorário que recolhe as mordomias outorgadas pelos monarcas hispanos ao Senhorio de Santiago, contém um documento de grande valor argumental. Trata-se uma cópia que remete aos tempos em que ainda não existia a sede Compostelana, mas somente a Iriense, e que assinala que Iria Flávia acolheu os bispos de Tuy e Lamego, emigrados durante a invasão muçulmana, fazendo-o em honra de Santiago, o que decorre mais de um século antes da descoberta do seu sepulcro. É um documento reconhecido, por Enrique Flórez, no seu livro Espanha Sagrada (Tomo XIX) e também por Antonio López Ferreiro, na História da Santa A. M. Igreja de Santiago de Compostela (Volume II). Posteriormente Manuel Risco, seguidor da Espanha Sagrada, no Tomo XXXIV, revaloriza a notícia do documento e do seu valioso conteúdo, nos tempos em que se conservam poucos instrumentos de documentação. Nesse documento, o rei Ordonho II de León, ordena aos bispos das mencionadas dioceses que retornem às suas origens, dado que o perigo da invasão muçulmana havia desaparecido. Os bispos que permaneceram em Iria Flávia, e que abandonaram as sedes originais, o documento menciona que lhes foi dispensado acolhimento e proporcionado rendas para subsistir, em honra do Apóstolo Santiago: “…ac tendentes ad Episcopum supra memórate sedis hiriensis propter honorem sancti Iacobi collegit eos humanitate prestate…”. Definitivamente, o documento assinala que o Bispo de Iria Flávia, guardava memória de que o Apóstolo Santiago teria a sua sepultura algures na diocese. José Guerra Campos e Salustiano Portela Pazos mencionam a existência do Culto a Santiago anterior ao descobrimento do túmulo apostólico. Nos séculos VI, VII e VIII proliferam relíquias e igrejas dedicadas a Santiago em países como Inglaterra e França de acordo com os depoimentos de Aldhelmo de Malmesbury, que identifica Santiago, como o primeiro pregador em Espanha, e Beda, o Venerável, reconhece a localização onde se encontram trasladados e escondidos os restos mortais. São claros os indícios da existência de um culto sepulcral, escondido algures na Galiza, de onde partem para os identificados países, relíquias por terem contacto com os restos do santo (brandeum). Também em Astúrias e, sobretudo na Galiza, proliferam igrejas consagradas a Santiago, muito antes da descoberta do túmulo, notando que as de Boente, Cerceta, Fornito, Mera, Queirico, Villabonoriz, foram consagradas a Santiago antes do ano 748, e a de Avezán no ano de 758. São dados que falam da existência de um culto jacobeu anterior à descoberta oficial do sepulcro. Assim, o culto local não devia estar abandonado, quando muito reduzido, estando o túmulo acessível e guardado. É este estado de apatia existente, como é mencionado na lenda pelo eremita Pelayo, quando constata o túmulo e dá a conhecer. Isto é, que o culto e a proximidade do sepulcro apostólico poderiam estar relacionados, e a exumação de Teodomiro, poderá ter tido origem num túmulo escondido, mas de existência local conhecida. Na Epístola aos Romanos: Paulo anuncia o seu propósito de viajar a Espanha, em termos que sugerem uma evangelização prévia: [Rom 15:23-24]. E reitera esta intenção numa segunda referencia: [Rom 15:28]. As palavras de Paulo, independentemente de que chegasse ou não a cumprir o seu propósito, falam da existência de uma comunidade cristã em Espanha consolidada em época anterior a ele, que desejava conhecer pessoalmente desde fazia “muitos anos”. Uma comunidade cristã no século I que, pode ser considerada a primeira igreja em Espanha, e que pode ter sido iniciada por um dos doze apóstolos. A referida epístola, foi escrita no ano de 57, a eventual evangelização teve que ter início muito antes, e portanto, também cabe presumir que cronologicamente pode ter sido durante a vida de Santiago. Há uma tradição europeia, que situa Santiago em Espanha, enviado por Pedro e Paulo, e existe até representado numa obra de arte, Santiago e despedir-se de Paulo. Para além da realidade destas tradições, acreditam que Espanha é um objetivo apostólico em sintonia com a existência de indícios de uma igreja estabelecida já no século II. No ano de 180, São Irineu de Lyon, menciona as comunidades cristãs em Espanha, e em 202, Tertuliano, refere que o cristianismo se tinha estendido até os últimos confins (omnes termini) da Espanha, penetrando até às florestas e serranias inacessíveis às legiões (loca inaccesa), ainda que alguns possam proferir de exagero retórico e proselitista, não se deve ignorar o que representa que a evangelização e o seguimento do cristianismo pelos hispanos foi muito notável. Compreende-se desta forma que Arnóbio de Sicca (260-327) escreva que “os cristãos em Espanha são inumeráveis”. Cipriano de Cartago, na primeira metade do século III, na sua carta 67, datada do ano de 255, designada “A partida do nascimento da Igreja espanhola”, cita as igrejas de León, Astorga, Mérida e Zaragoza, que nos indica uma importante extensão da Igreja em Espanha. As diversas perseguições do cristianismo em Espanha durante os séculos III e IV, inclusive no seio dos acampamentos dos exércitos romanos, vêm creditar que, o cristianismo em Espanha, estava entranhado, o que é um facto importantíssimo. A perseguição do cristianismo em Espanha estendeu-se durante os governos de Decio (249-251), Galo (251-253), Valeriano (253-260), e Diocleciano (284-305), que produziram muitos mártires espanhóis, recolhido pelo poeta hispano-latino Prudêncio (348–410), na sua obra “Peristephanon”, constituída por 14 hinos, onde exalta a heroica atitude dos mártires, não só por letra imaginativa, mas por conhecimento direto de testemunhos sobreviventes das perseguições. A perseguição de Diocleciano foi o último esforço pagão para derrubar o cristianismo, que se implantava no Império e inclusive no palácio imperial, (esposa e filha do imperador foram noviças), penetrando nas classes altas e no exército, justificando que Tertuliano de Cartago, mencione no ano 200: «Somos de ontem e já temos enchido todas as vossas coisas: as cidades, as ilhas, os povoados, as vilas, as aldeias, o exército, o palácio, o senado, o foro. A vocês só deixámos os templos…». «Quanto mais nos cegais mais numerosos somos: o sangue é semente dos cristãos». Os templos ficaram vazios e cessantes e, os sacerdotes pagãos, apoiados pelo senado romano, difundiam que os cristãos eram uma seita nociva que ameaçava o Império, pressionando o imperador até a mudar a política de tolerância que, Diocleciano tinha mantido desde o início de seu governo. Estalou a perseguição que procurava o abandono com torturas, bajulações e subornos, para desmoralizar a igreja, surgindo falsificadores, que conseguiam um certificado em como realizavam sacrifícios pagãos, para figurar na lista dos fiéis ao Império e que os deixassem em paz. Inclusive surgiu uma nova classe de renegados, os traditores, que para salvarem as vidas, entregavam os escritos e livros sagrados, que eram destruídos e queimados para evitar a extensão do cristianismo. Mesmo em Gallaecia, como em muitas das primeiras sedes cristãs importantes (León, Astorga, Lugo, Braga), guarda indícios de uma cristianização precoce, inclusive em meios rurais. Com efeito, os cristãos de León, compareceram a São Cipriano, e abordaram-no acerca de uns bispos que negaram a fé em Jesus Cristo, forçados pela ameaça do martírio, podiam ser reintegrados nas suas antigas igrejas, e sua contestação, mencionada na carta 67, quando ainda não se tinha instaurado a autoridade do bispo de Roma, vem creditar a presença de comunidades cristãs importantes e bem organizadas, presididas por um bispo, o que parece sinal de uma velha corrente cristã, que deve ter demorado um tempo muito considerável para se constituir; e não parece que fosse um caso isolado, sendo um indício claro da existência contemporânea e anterior de outros núcleos cristãos no noroeste peninsular. A aceitação unânime de que o priscilianismo se fixou maioritariamente na Galiza no século IV, inclusive no âmbito rural, implica já a preexistência do antigo assentamento cristão em Gallaecia, ao que parece confirmado nas escavações do subsolo da Catedral de Compostela. Até meados do século III, não consta nenhum documento sobre o cristianismo em Espanha, o que não deixa de ser natural, pois tratam-se de uns tempos em que não existe documentação de nada, onde não é permitido ser-se cristão e até se é perseguido de forma dura. No entanto, existem depoimentos de que está já bem instaurado no século II, pelo que os primeiros começos tiveram que ser necessariamente muito anteriores, provavelmente durante o século I, como confere o depoimento de São Paulo (Rom 15:28). Por isso, não se deve ignorar nenhuma veracidade à Tradição Jacobeia, como é praticado frequentemente pela ciência histórica sem que tal atitude se possa considerar justificada.
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