parlamento pan-africano pan-africanismo e renascimento africano
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parlamento pan-africano pan-africanismo e renascimento africano
PARLAMENTO PAN-AFRICANO PAN-AFRICANISMO E RENASCIMENTO AFRICANO Pelo Professor Abdoulaye BATHILY Ministro de Estado junto do Presidente da República do Senegal O conceito do Pan-africanismo pode ser compreendido sob dois níveis: 1. O Pan-africanismo como um movimento intelectual e político, criado pelos Africanos e Afro-Americanos, que consideraram ou consideravam, não só os africanos, mas também os povos ascendentes dos africanos, como homogéneos; 2. O Pan-africanismo como um conjunto de ideias que deram relevo, ou procuraram a unidade cultural e a independência política da África, e ao mesmo tempo, manifestaram o desejo de modernizar a África, tomando como base a igualdade dos direitos. A «redenção da África» e «A África para os africanos» foram as divisas fortes do Pan-africanismo. No seu princípio, o pan-africanismo era um movimento político e ideológico da intelectualidade Afro-americana, que conheceu o seu início desde o século XVIII, no seio das elites africanas emergentes à volta das potências coloniais da Costa Oeste da África, e a colónia do Cabo, na África do Sul. O primeiro congresso Pan-africano teve lugar em Londres, em Julho de 1900, cuja iniciativa foi de Henry Sylvester Williams, advogado de Trindade e assessor dos indigenatos (no actual Ghana). De 1900 a 1950, o movimento Pan-africano defendeu as causas dos povos africanos contra a escravatura, a discriminação racial, a conquista colonial e a dominação. Os escritos e as acções dos líderes desta primeira fase do movimento pan-africano continuam a inspirar as nossas lutas actuais. Tal é o caso de Williams du Bois, Marcus Garvey, Edward W. Byden, PK Seme, Georges Padmore e Kwame Nkrumah. A segunda fonte histórica do movimento progressista africano é representada pelas grandes coligações anticoloniais, que conduziram as lutas contra a dominação imperialista, assim como a exploração das diferentes colonias, a favor da emancipação e da independência nacionais. Estas coligações nacionais constituíam as amplas alianças entre os partidos políticos progressistas da época, os movimentos operários, os jovens, as mulheres, os camponeses e outras organizações de massas inspiradas nos valores progressistas de libertação nacional, da democracia e da transformação qualitativa das relações em África. Por volta de 1950, o movimento pan-africano e as lutas anticoloniais fundiram-se em um só movimento histórico, que conduziu ao que o primeiro ministro britânico Harold Mac Millan chamou «vento da mudança», que se alastrou por toda a África. O movimento pan-africano tornou-se o caldeirão dos diversos grupos progressistas das sociedades africanas. As forças progressistas africanas não funcionaram isoladamente, durante a execução das actividades anticoloniais. Desde os primórdios do pan-africanismo, este movimento beneficiouse do apoio de algumas grandes figuras das sociedades ocidentais, que se recrutavam entre os abolicionistas, alguns filósofos anti-racistas e chefes religiosos. A elevação do movimento operário e em particular do Internacional Socialista, o movimento Comunista Mundial e os defensores dos direitos humanos, proporcionou, de várias formas e dimensões, suporte e solidariedade aos movimentos de libertação da Africa contra o colonialismo e o Apartheid. Por outro lado, o movimento progressista africano fez mais promoção da sua própria causa, ao desenvolver relações com os movimentos progressistas da Ásia e da América Latina. As dinâmicas de Bandoeng, ao cerne das quais os dirigentes progressistas africanos, tais como: Gamal Abdel Nasser, Kwame Nkrumah, Modibo keita, Jommo Kenyatta, Odinga Odinga, Julius Nyerere, Sekou Touré, etc, desempenharam um papel decisivo com os seus homólogos asiáticos, e aceleraram a descolonização da Africa. Deste modo, através do pan-africanismo e das diversas lutas anticoloniais, o movimento progressista africano alcançou o seu maior objectivo, que visava inverter a causa da história, que ate então era marcada pela iniciativa das potências coloniais. Segundo as palavras de Kwame Nkrumah, o reino político foi exigido e ganho. Por volta de meados dos anos 1960, a maior parte dos países obteve a sua soberania, com a excepção das colonias portuguesas e das colonias racistas. O sonho dos líderes Pan-africanos, parecia, então, ter sido alcançado, aquando da criação da OUA em Maio de 1963, e seguidamente, da criação do Comité de libertação, em Dar Es Salam (Tanzânia). II. A INDEPENDÊNCIA AFRICANA: CONSTRANGIMENTOS E SOMBRAS O vasto movimento progressista pan-africano saudou uma rápida transformação durante o período que antecedeu as independências em África. Infelizmente, esta transformação não gerou os frutos desejados na maioria dos casos. Houve, sem quaisquer dúvidas, tentativas de traduzir a visão de autonomização económica nacional e cultural em alguns países onde os progressistas levaram a cabo o movimento de libertação. Todavia, estas experiências tiveram curta duração devido a várias razões. Estes mesmos regimes desmoronaram sob pressão das contradições internas, e dos efeitos da guerra fria. A maioria, no seio dos mesmos, foi substituída pelos ditadores militares. E os outros só sobreviveram ao preço do abandono dos valores progressistas que defendiam outrora. A vasta coligação anticolonial eclodiu na maioria dos países, mas foi substituída pela ditadura, pelo culto da alta personalidade, pela ascensão do nacionalismo do estado em detrimento do Panafricanismo. Os membros do partido substituíram a visão comum da libertação nacional, da unidade e do progresso económico pelo tribalismo, solidariedade étnica e outras filiações sectárias. A maior parte dos ganhos positivos das lutas anticoloniais foram perdidos ao decorrer dos anos 70 aos 80. A nível nacional e regional, os movimentos pan-africanos enfrentaram uma era de fragmentação e de desastrosas divisões ideológicas, que os fragilizou, tanto individualmente, como colectivamente. Estas tendências afectaram de igual modo os movimentos de massa. Nestas circunstâncias, os ideais de unidade e solidariedade eram defendidas e promovidos pelos movimentos de libertação nas colonias portuguesas e dos países sob possessão de colonias racistas. Enquanto estas mudanças afectavam a estrutura política africana, a base económica se encontrava, igualmente, em crise. Isto porque, na maioria dos casos, os movimentos progressistas que se subjugaram ao Estado, não apresentaram políticas económicas inovadoras. O progresso das políticas do modo colonial de produção, no novo contexto internacional agravou as condições de vida das populações no seu todo. Tudo fazia crer que o movimento pan-africano estava melhor equipado para vencer as batalhas políticas e militares contra o regime colonial, contudo, incapaz de criar um quadro económico e social alternativo para o novo Estado soberano. Conforme o indicaram os inúmeros estudos, a imposição pelas instituições de Bretton Woods, de Programas de Ajuste Estrutural (PAS), por volta de meados dos anos 1980, conduziu ainda mais a deslocação do tecido social africano, em vários aspectos: - Aumento da pobreza; - Colapso do Estado; - Os conflitos sociais e políticos levando a guerras civis, etc. Uma das grandes consequências desta situação foi o declínio dramático das forças progressistas, tanto ao nível ideológico, como ao nível organizacional. A resistência em torno dos valores defendidos pelo movimento pan-africano, foi conduzido, na maioria dos países, por pequenos grupos clandestinos e pela ascensão das organizações da sociedade civil. III. FACE AO RENASCIMENTO AFRICANO A combinação dos movimentos de protesto contra os efeitos do Programa de Ajuste Estrutural (PAS), a mudança do cenário mundial e o fim da guerra fria, respectivamente, condicionaram, desde os anos 1990, novas oportunidades para o movimento pan-africano. O processo da democratização deu lugar a criação e a legislação de novos partidos políticos. O desmoronamento do apartheid mudou, qualitativamente, a atmosfera politica na África do Sul, África Austral, e noutros países. Nas outras sub-regiões, novas coligações nacionais, assentes num programa progressista, substituíram as ditaduras ou os sistemas de partido único, que reinaram durante longas décadas. . Alguns destes partidos políticos da esquerda, da esquerda clássica, e os movimentos de libertação juntaram-se ao Internacional Socialista. Importa reconhecer que muitos doutros partidos permanecem fora desta organização de renome. O sentimento geral vigente entre os progressistas africanos tende a orientar-se em direcção a uma nova iniciativa, que visa reunir, a nível continental, todas as organizações, a fim de que elas troquem os seus pontos de vistas regularmente sobre o estado actual, bem como sobre o futuro da África. Não deixa sombra de qualquer dúvida até agora, que há uma necessidade de reconstruir o movimento progressista africano, para desenvolver uma visão comum e uma abordagem coerente, com vista a relevar os desafios com os quais o nosso continente se encontra, tanto a nível nacional, como sub-regional, regional e internacional. Se se assumi como verdade a necessidade de se estabelecer ligações com os movimentos progressistas das outras partes do mundo, com o objectivo de construir um mundo mais humano, parece-me que o movimento progressista africano não pode ser um parceiro importante no cenário internacional, a menos que primeiro decidamos nos reunir e colocar a nossa própria casa em ordem. Podem ser identificados outros três grandes desafios: Um desses desafios é a necessidade de articular novos paradigmas de desenvolvimento, que poderiam ser conceptualizadas como alterativas para a ideologia dominante neoliberal. Foram propostos alguns quadros conceptuais e teóricos, ao decorrer dos últimos 15 anos, bem como o desenvolvimento humano e os conceitos de segurança humana, que realçam a necessidade de desenvolver abordagens centradas nas pessoas por mudar. O progresso da elaboração é, entretanto, tão necessário quanto as ferramentas, os métodos e os procedimentos para a sua concretização. Um outro desafio importante consiste em rever as noções de democracia e de cidadania num mundo mais globalizado. Estas noções, como todos o sabemos, são demasiado enriquecidas. Cresceram e amadureceram na medida grande, sobretudo na paisagem europeia. Ainda que alguns dos valores incarnados por estas nações possam ser considerados como universais, a abordagem do modelo único não é apropriado. Com efeito, este enfrenta limitações severas, e chegou até a ser contra- produtivo a medida que tomou como uma imposição, o que se chama de valores ocidentais para as sociedades cujas trajectórias históricas foram completamente diferentes. A maneira de reconhecer e de valorizar a diversidade das experiências históricas, e de democratizar os processos de democratização que estão em curso, é evidentemente, uma questão crítica. O terceiro desafio, em torno do qual os progressistas devem debater é a necessidade de se construir estados de desenvolvimento sólidos. É crucial que reconheçamos que não será possível resolver o problema da pobreza no mundo tomando como o mercado como único suporte. Devemos, também, voltar a colocar em questão a sapiência convencional que assola os mercados, e tende a opor os indivíduos e as comunidades, os indivíduos e o estado, a liberdade e a segurança. Esta situação remete-me à primeira dificuldade que identifiquei: a necessidade de se conceber paradigmas alternativos. Parece-me que o renascimento enaltecido pelo Ex- Presidente Tabo Mbeki, no âmbito das «Reflexões sobre os desafios e perspectivas africanos» (2010) impulsionará a superação dos desafios acima mencionados. Todavia, parece-me, também, que a visão do renascimento africano terá grandes oportunidades de se tornar real, se for retida não só por alguns governos, mas também pelos partidos políticos progressistas e os movimentos de massa aos níveis nacional e continental. O último ponto, porém não o menos relevante, é que no momento em que as diferentes regiões do mundo reforçam as suas capacidades para a formação de blocos económicos e geopolíticos de modo a garantir o sucesso na batalha, o movimento do renascimento africano é confrontado por um desafio similar. A necessidade de reconstruir as sociedades, as comunidades e as nações, com vista a reduzir a pobreza, a autonomização das populações pobres e desfavorecidas, entre outras catástrofes, requer uma acção urgente da nossa parte. Construindo a unidade, a integração e a solidariedade entre os povos africanos ao nível de todo o continente, conduzir-nos-ia à Redenção da África. O renascimento africano necessita de um novo governo de governação, e de uma melhor liderança para reduzir o síndrome de Berlim (Abdoulaye BATHILY, a conferência de Berlim 1885: causas e consequências na África actual, N° 31-32 centenário da conferência de Berlim 1884-1885).