The OC 5 – O final é apenas o começo (Cap. 1,2,3,4)

Transcrição

The OC 5 – O final é apenas o começo (Cap. 1,2,3,4)
Capítulo 1 - Hoje
O dia voltava a nascer em Orange County. Deitados no sofá, atraídos
desordenadamente pela força da gravidade, Ryan e Seth dormiam profundamente. O
sol de mais uma manhã de verão na Califórnia dava as boas-vindas à terra dos ricos,
inundando a casa de luz através das enormes vidraças. Há muito tempo que Newport
Beach não vivia os Cohen no seu esplendor. Na verdade, desde o dia em que
Berkeley os acolhera para recomeçarem uma nova vida, aquela que se seguira ao
terramoto. O terramoto! Foi há uma eternidade. Desde então, muita coisa mudou, não
poderia ter sido de outra maneira. Mas mudou apenas nas vidas e nos caminhos mais
ou menos sinuosos que cada um teve de percorrer, porque as pessoas, essas, são as
mesmas de sempre.
Ryan Atwood, agora um arquitecto com uma carreira sólida e de sucesso,
encontrou em Clara a alma gémea que um dia tivera em Marissa, embora Clara em
nada se assemelhasse à Cooper rebelde. Ryan vivia em Berkeley, cidade onde se
formou academicamente e reorganizou – novamente - a sua vida, mas sempre com os
Cohen por perto. Afinal, o que seria de Ryan sem eles! Os anos na faculdade
mostraram-no preocupado em servir de exemplo à irmã, mas sobretudo para si
mesmo, destacando-se como um dos melhores alunos na Universidade de Berkeley.
Não o admitia conscientemente, mas nas profundezas do seu coração, o mesmo que
tantas e tantas vezes tinha dificuldades em abrir aos outros, Ryan lutou também por
Marissa e pela oportunidade que ela nunca tivera. Mas Atwood era agora um homem
independente e empregava todos os seus esforços na carreira profissional. Mas se era
verdade que os Cohen tinham sido uma presença constante nos últimos anos,
ultimamente as suas vidas tinham-se afastado, suavizado. Faltava algo…
Seth Cohen. “Personagem” idiossincrática, continuava a viver dos sonhos. A
fama não tinha subvertido a sua essência. Los Angeles não o conseguira, apesar de
tudo. Os comics são, e sempre foram, a sua forma de expressar o mundo, de se
expressar a si próprio. A seriedade da vida nunca foi algo que Seth prezara
especialmente.
O espírito aberto, bondoso e infantil que um dia lhe permitiu acolher em casa um
estranho e adoptá-lo como irmão e amigo mantinha-se inalterado. Mas talvez por isso,
pela infantilidade e ingenuidade, Seth vivia agora a vida apenas por viver. Perdera a
única coisa que sempre quisera em toda a sua vida. Faltava algo…
Sandy Cohen, o ombro amigo em qualquer circunstância. Foi assim que o
conhecemos, e é assim que continua, após todos estes anos. Em Berkeley tinha
decidido romper com o passado. Paralelamente à carreira como professor
universitário, Sandy fundou a “CASA” (Casa de Apoio aos Sem Abrigo), uma
instituição que tirou da estrada e desviou da miséria famílias inteiras, restaurando-lhes
a esperança num futuro melhor. Sandy parecia viver na sua essência, um homem feliz
com a simplicidade da vida que escolhera. Invariavelmente ao seu lado, qual braço
direito, Kirsten era o seu complemento, o seu abrigo. Mas os últimos tempos não
tinham a mesma brisa, o mesmo fulgor do passado. A vida corria depressa demais e
os Cohen perdiam-se a cada dia mais que passava. Faltava algo…
Kirsten Cohen. Berkeley significou também para ela o começo de uma nova
vida. Os anos em Newport, o legado do pai e o trabalho na Newmatch faziam parte de
uma recordação que parecia distante, esbatida, e Sophie, a filha mais nova, passou a
ser o centro do seu mundo. O início foi maravilhoso. O nascimento de Sophie
transportara-a ao passado e o seu crescimento era o odor adoçado que inundava a
casa dos Cohen de vida e felicidade. Havia momentos em que se recordava do
pequeno Seth a crescer naquela mesma casa, a mesma vida.
Kirsten foi também aumentando a sua influência na “CASA”, trabalhando ao lado do
marido e experienciando os bons momentos que o novo rumo lhes proporcionava. Mas
os últimos sentimentos eram diferentes também em “Kiki”. O tempo era apenas isso.
Tempo. E quem conhece Kirsten sabe que romper com o passado e seguir em frente é
algo que sempre soube enfrentar. Mas agora era diferente. Os oito anos que
mediaram a vida entre o último dia em Newport e o hoje em Berkeley tinham passado
rápido de mais. Faltava algo…
Sophie Rose Cohen. A mais nova do clã que apenas conhecia a vida pós-OC.
Nascera e crescera levada pelos ventos da nova cidade e destacava-se pela
inteligência e sentido perspicaz, qualidades transversais à família Cohen. Algo que
lhes correr no sangue, tal como… Orange County. Newport Beach. E assim, Sophie,
filha de Berkeley, sentia também que a alegria de outrora se fora.
Capítulo 2 – Dois meses antes
04:30 Horas da manhã.
“Não vou conseguir acabar antes
das 10 horas!”
“Isso é que vais. Não te esqueças
que quem decide isso não és tu, mas eu!
E eu acabei de decidir que às 8 horas da
manhã em ponto tenho essa porcaria em
cima da MINHA mesa no MEU gabinete, ou
vais recambiado para a espelunca de onde vieste.”
“Mas…” Do outro lado da linha já não havia ninguém. Seth estava enterrado
num cadeirão a olhar pela janela do seu quarto no Hotel Hollywood Roosevelt. Parte
da cidade de Los Angeles acabava de se deitar enquanto a outra parte se preparava
para mais um dia de trabalho. Ele sentia-se algures no meio. Com o ar de sonhador
melancólico no rosto, Seth continuava a segurar o telefone, hipnotizado pelo
incessante e regular som da linha telefónica, incapaz de o pousar, pois isso seria
sinónimo de um esforço físico e psicológico que Seth não estava disposto a enfrentar
naquele momento.
Em cima da mesa, que ele tinha deslocado cuidadosamente para junto da janela do
quarto situado no 14º andar, Seth espalhara uma enormidade de folhas, canetas,
lápis, marcadores e outros objectos que constituíam a ferramenta da sua vida. Os
comics eram definitivamente a sua paixão. Recorda-se que vivera muitos anos na
indefinição quanto ao seu futuro profissional. Poucas coisas o interessavam ao ponto
de as poder encarar seriamente como uma profissão a seguir. Ao invés, os comics
eram uma obsessão tão ardente que nem o próprio Seth alguma vez os encarou como
o seu caminho de vida. Consequentemente, foi obra do acaso o facto de Seth Cohen
se ter transformado naquilo que é hoje. Uma estrela. No currículo, mais de uma
dezena de comics dignos dos mais altos louvores da crítica da especialidade e
recordes de vendas em todo o país. A isto, “Homem Destemido”, a história de um
super-herói à moda antiga e um dos seus maiores sucessos junto dos fãs, acabava de
estrear no grande ecrã.
Seth vivia rodeado de gente bonita e famosa, sempre pronta a posar e a sorrir para os
fotógrafos e para a televisão, oferecendo o alimento de que vive este circo mediático.
Mas ele não é assim. Passava os dias a rabiscar folhas, a amarrotá-las e a recomeçar.
Por vezes encontrava na televisão e nos videojogos o seu maior aliado, amigo até.
Para Seth, uma aparição pública para divulgar algum dos seus trabalhos era um
desafio gigantesco e monstruoso que o aterrorizava. Tinha literalmente medo. A
exposição mediática e a vida de farsa não era a dele. Sentia-se sozinho na vastidão
de Los Angeles.
Eram exactamente oito da manhã quando passou a imponente porta do
edifício. O gabinete privado de Stanley Maddock situava-se no 20º andar, e não
fossem os “divinos” elevadores e Seth nunca o teria visitado com toda a certeza. Ainda
completamente absorvido pelo sono dirigiu-se à porta e bateu três vezes. Ouviu um
grunhido distante que interpretou como sinal para rodar a maçaneta e entrar. Stanley
Maddock era uma personalidade incontornável no mundo dos comics. Poderoso e
influente, teve o mérito de descobrir Seth e o seu talento numa loja de revistas de
banda desenhada nos subúrbios de Los Angeles. Era igualmente o presidente da
“Global Art”, a empresa para a qual Seth trabalhava. O físico impunha um certo
respeito. Tinha o seu 1.90 m e à vontade cem quilos, o que inevitavelmente intimidava
o franzino Cohen. E era essa figura que Seth tinha à sua frente.
“Bom dia Sr. Maddock.” Uma pausa prolongada, pautada pelo silêncio das
quatros paredes, quase levou Seth a adormecer em pé.
“Trouxeste a porcaria que me anda a roubar o sono há semanas?” vociferou
Maddock sem tirar os olhos do documento que analisava.
“Roubar-lhe o sono? Tenho a leve sensação que quem não tem dormido muito
sou eu, mas tudo bem.” Seth formulou esta observação apenas no seu pensamento.
Proferi-la em voz alta teria certamente causado demasiada confusão logo pela manhã,
algo que o Cohen queria definitivamente evitar.
“Sim, tenho. Mas na verdade eu…” respondeu Seth, antes de ser bruscamente
interrompido.
“… deixa-me ver que eu não tenho todo o tempo do mundo”. O tom autoritário
do patrão fez esmorecer em definitivo qualquer esforço de Seth na tentativa de expor a
sua opinião sobre o trabalho. Limitou-se a estender o braço e a entregar a capa com
os desenhos a Maddock. Mais segundos de um silêncio embalador.
“Mas que raio vem a ser esta… coisa?”
“A verdade é que tenho tentado explicar-lhe desde não sei bem quando. Eu…”
Mais uma interrupção.
“Seu imbecil! Julgas-te quem? Uma estrela, que tem o direito de fazer qualquer
porcaria que lhe passa pela cabeça?” Maddock explodia de irritação, tomado pela
cólera que fazia o seu rosto inchar e assumir tons pouco saudáveis. Seth sabia que
este não era o seu melhor trabalho, nem por sombras. A sua vida estava confusa e
Los Angeles não ajudava na árdua tarefa de a recompor. Muita coisa acontecera
desde aquele dia. Ou aqueles dias. Ao princípio julgou que poderia canalizar todas as
desilusões e frustrações para o trabalho. Mas tinha-se enganado. Os dias, as horas,
os minutos eram para ele um tormento difícil de suportar.
Capítulo 3
Ryan
preservava
os
velhos
hábitos. Não dispensava as corridas na
praia que vezes incontáveis ao longo dos
anos funcionaram como calmante para
os sucessivos problemas que teve de
enfrentar. Os problemas, agora, eram
outros, mas a fórmula mantinha-se a
mesma. Todos os dias antes de seguir
para o trabalho, Ryan percorria as praias de
Berkeley levado pela brisa matinal, aproveitando esses momentos de isolamento para
se abstrair dos pensamentos. Nunca fora um falador. Era do estilo recatado e
introvertido, só tomando a palavra quando estritamente necessário. Era no escritório
ou em casa, quando esboçava os desenhos e trabalhava com a mente que mais se
sentia cómodo. Ryan Atwood era basicamente o mesmo. Mas longe iam os tempos
das confusões e da violência, quando não conseguia suster os ataques de fúria. Era
essa a forma que na altura encontrava para libertar os pesos que o atormentavam. Foi
essa a forma que encontrou para combater o sentimento de raiva, descontrolo e
inutilidade que a morte de Marissa lhe trouxe. Mas tudo isso fora há anos,
demasiados. Podia jurar que desde aí uma vida inteira passara.
Acabava de se preparar para dar início a mais uma ronda pelas obras dos seus
mais recentes projectos. Como já era habitual, Ryan estava sozinho em casa. Apesar
de ser um indivíduo relativamente madrugador, por força do vício das corridas, tinha
tido a “habilidade” de encontrar uma parceira que conseguia superá-lo nesse aspecto
em particular. Não. Clara não acordava às seis da manhã para assistir ao nascer do
sol na praia enquanto corria, apesar de ser possuidora de um corpo elegante e
atraente. Era mais do tipo que frequentava o ginásio nas (poucas) horas vagas. Aos
28 anos podia indiscutivelmente ser considerada uma mulher de sucesso. Geria uma
das maiores empresas do estado da Califórnia, a “WomenInStyle”, ligada à moda e
com delegações espalhadas por todo o continente norte-americano, o que levava a
que passasse grande parte do seu tempo em viagens e longe de casa. Nesse
momento estava em Nova Iorque reunida com os mais famosos estilistas da
actualidade a delinear os novos projectos da empresa.
Em casa, Ryan já se tinha habituado à ausência de Clara. Desde que a conhecera, há
mais de três anos, que era assim. Os primeiros tempos da relação foram vividos com a
intensidade natural e uma grande proximidade. Seguiu-se a normalidade e ambos
acomodaram-se, passando a focar grande parte da atenção nos respectivos trabalhos
do que propriamente na relação. No entanto, Ryan gostava dela.
Quando não estava com novos projectos entre mãos, Ryan passava os dias a visitar o
andamento dos trabalhos nas diferentes obras. A presença do arquitecto era
importante e ele prezava a competência. Desde que saíra da faculdade tinha-se
transformado num workaholic infalível. Isso trouxera-lhe grande admiração junto das
pessoas que profissionalmente lhe interessavam, permitindo-lhe uma rápida ascensão
e um enorme reconhecimento. Mas com o passar dos anos, Ryan sentia-se cada vez
mais afastado daquilo que tinha sido, dos gostos e de uma vida da qual sentia uma
certa saudade. Não culpava o trabalho e muito menos Clara por esse facto. Era
apenas um sentimento que surgira gradualmente e que teimava em não o largar.
Enquanto conduzia pensava qual teria sido a última vez que estivera com Seth.
Meses. Pior. Até o último telefonema datava de há algumas semanas. Subitamente,
Ryan sentiu-se um estranho dentro do seu próprio corpo.
O som do telemóvel chamou-o de novo à realidade. Mas ficava a promessa feita a si
mesmo. Reatar o contacto com Seth passava a ser um assunto prioritário.
“Atwood.” Atendeu a chamada sem olhar para o visor do telemóvel, mantendo
a atenção na estrada.
“Querido, sou eu!” A voz segura de Clara soou do outro lado da linha. “Como
estás?” continuou.
“Acho que… com saudades tuas.”
“Que querido. Eu também estou a morrer de saudades mas infelizmente tenho
uma péssima notícia. Vamos ter de aguentar mais algum tempo. Está tudo louco aqui
em Nova Iorque e receio que o trabalho se prolongue por mais alguns dias.”
Ryan não expressou grande reacção perante este anúncio de Clara. Não era a
primeira vez que ela lhe ligava para adiar o regresso a casa de uma qualquer viagem
de trabalho.
“E quando tencionas regressar? Já prometi ao Sandy e à Kirsten que íamos
jantar lá a casa no fim-de-semana.” Ryan fez a pergunta receando a resposta. Não por
Clara, mas porque temia ter de adiar a visita a casa dos pais mais uma vez. Desde
que tinha casado com Clara e optado por uma vida a dois que as idas a casa dos
Cohen se tinham tornado menos frequentes. Clara era perita em adiar as coisas e
sempre que dispunha de algum tempo livre preferia passá-lo sozinha com Ryan. Aliás,
ela nunca demonstrara grande entusiasmo pelos jantares conjuntos com os pais
adoptivos de Ryan. Isso talvez se devesse ao facto de nunca ter tido uma boa relação
com os seus próprios pais que viviam na Europa há já vários anos. Não eram nada
próximos e Clara parecia não se preocupar muito com essa circunstância.
“Não sei meu amor. Mas parece-me que este fim-de-semana vai ser muito
complicado. Desculpa.” O que mais perturbava Ryan era o facto de saber que Clara
não estava muito desapontada.
“Ok. Por favor vai dando notícias, sim?” despediu-se Ryan, num tom de voz
que deixava claramente transparecer uma certa tristeza e desilusão que o
acompanhava havia semanas.
“Vemo-nos muito em breve. Amo-te” atirou Clara de forma apressada antes de
desligar a chamada. Enfiou o telemóvel de novo no bolso do casaco e procurou Tomy
no meio das muitas pessoas que por ali ziguezagueavam.
Capítulo 4
Sandy, Kirsten e Sophie viviam do
outro lado da cidade de Berkeley, na casa
que há oito anos os acolhera novamente
de braços abertos para o recomeço de
uma nova vida. A mesma casa que
tinham carinhosamente renegociado com
um casal gay e que na altura simbolizou o
regresso ao passado nas vidas dos
membros da família Cohen.
“Sophie, despacha-te! Vais chegar atrasada à escola.” Kirsten não descuidava
o papel de mãe, aquele que tinha abraçado desde a chegada a Berkeley.
“Já estou a ir.” Sophie desceu dois a dois os degraus das escadas, deixando a
mãe com a sensação de a qualquer momento a ter de erguer do chão depois de uma
queda aparatosa. Mas não. A filha mais nova dos Cohen era uma criança ágil e activa,
e no que se refere ao desporto e à actividade física não havia obstáculo que a
intimidasse.
A esta hora da manhã já Sandy estava na Universidade a dar as suas aulas.
Trabalhava de manhã como professor e à tarde dedicava-se à “CASA”, que no período
em que Sandy não poderia estar presente contava com a chefia de Kirsten. No
entanto, antes de seguir para as instalações da instituição, Kirsten deixava Sophie na
escola. Na volta, era o pai o motorista de serviço, numa rotina diária.
Depois de ver a filha desaparecer nos corredores da escola, e debaixo de um
sol abrasador, Kirsten seguiu para a “CASA”. Naquele momento, a instituição contava
com cerca de trinta pessoas que todos os dias por lá procuravam soluções para os
seus problemas, uma refeição digna ou simplesmente um amigo para conversar. Mas
desde o nascimento pelas mãos de Sandy Cohen, a “CASA” já tinha acolhido mais de
trezentas pessoas que procuravam desesperadamente a esperança de uma vida
melhor. E não eram apenas as pessoas desfavorecidas de Berkeley que lá chegavam.
Os desalojados e excluídos, os abandonados pelas famílias e os órfãos de San
Francisco há muito que atravessavam a ponte com destino a Berkeley. Tudo porque a
boa reputação de Sandy, Kirsten e de todos os que entretanto trabalhavam na “CASA”
não parava de crescer.
“Bom dia a todos.” Kirsten deu as boas-vindas com um enorme sorriso.
“Bom dia Senhora Cohen.” A resposta surgiu quase em uníssono.
“Então? Tínhamos combinado que não era „Senhora Cohen‟ mas sim Kirsten.”
O esforço por manter um ambiente familiar e informal era essencial, tal como
pretendiam Sandy e Kirsten. Contudo, e perante as sucessivas mudanças de
inquilinos da “CASA”, esse era um hábito que se tinha de renovar constantemente.
Sandy aparecia depois da hora de almoço ou, sempre que podia, juntava-se a
Kirsten e aos restantes membros da “CASA” para a refeição. Fazia a habitual ronda de
saudações pelos hóspedes e se fosse o caso dava as boas-vindas aos novos
habitantes. Havia de tudo na instituição. Situada bem próxima da Baía de São
Francisco, dispunha de cinquenta quartos, todos eles equipados com as comodidades
necessárias para receber os carenciados. Tinha ainda uma enorme cozinha e uma
sala de convívio que proporcionava todo o bem-estar a quem desfrutava dela. Oferecia
igualmente todo o tipo de serviços que de outra forma não estariam ao alcance dos
que chegavam à “CASA”, desde o auxílio médico aos serviços mais burocráticos, tudo
lhes era facultado sem qualquer tipo de obrigação.
“Muito boa tarde Sandy!” A voz era de Esteban, um equatoriano de aspecto
escanzelado e ar doente que tinha deixado o seu país à procura de melhor sorte.
Estava refastelado num sofá confortável a beber um saboroso sumo de laranja.
“Buenas tardes amigo.” Sandy retribuiu com simpatia e humor, virtudes que
mantinha há muitos anos. “Como estamos hoje?” prosseguiu.
“Muito melhor, muito melhor. As enfermeiras têm tratado bem de mim. E além
disso são „mui guapas‟”, atirou com um sorriso maroto estampado no rosto, enquanto
piscava o olho a Sandy.
“A quem o dizes Esteban, a quem o dizes!” Com ar de aprovação ao
comentário do hispânico, Sandy continuou a ronda pelos amigos que habitavam o
edifício até que finalmente encontrou Kirsten, que se encontrava de pé, num dos
cantos mais afastados da casa, a observar a vida que se desenrolava à sua frente.
“Olá querida” disse de sorriso nos lábios, beijando-a. “Novidades por aqui?
Para além das tentativas de engate do Esteban?” perguntou num tom divertido.
“Digo-te que as técnicas dele têm estado cada vez mais apuradas”, ripostou
Kirsten com um ar de falsa seriedade. “Tirando isso, tudo calmo. Apesar de esta
manhã ter estado cá um sujeito que perguntou por ti. Procurei ajudá-lo mas quando
dei por mim já tinha desaparecido.”
De facto, nessa manhã, pouco depois de ter chegado, Kirsten apercebera-se da
presença de um rosto novo na “CASA”. Depois de o ter observado por alguns
instantes, certificando-se de que não era nenhum habitante mais reservado, avançou
para o interpelar. Perguntara-lhe se precisava de algum tipo de ajuda e se estava
interessado em se juntar à instituição. O homem, na casa dos quarenta anos e com
aspecto desgastado, mostrou-se reticente e inseguro perante a primeira abordagem
de Kirsten. até que cedeu à insistência. Perguntou por Sandy Cohen. Apenas. Ouvi de
Kirsten que só chegaria depois da hora de almoço e recusou deixar qualquer recado.
Depois, desapareceu.
“Bem. Se for algo importante seguramente que voltará” respondeu Sandy.
“Sim, vamos esperar.”