notas de aula i - Anne Marie Sumner

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notas de aula i - Anne Marie Sumner
NOTAS DE AULA I: UM ARCO HISTÓRICO DA REFLEXÃO E PRÁTICA DA
ARQUITETURA
Anne Marie Sumner
RESUMO:
O texto procura estabelecer um arco histórico da Arquitetura visando introduzir o aluno recém ingresso na Escola de Arquitetura - à reflexão e à pratica de projeto. Procura
elencar algumas das inúmeras hipóteses projetuais que historicamente tem se perpetuado
como a ênfase na técnica ou nos materiais ou ainda nas relações com a geografia e o
clima, ou ainda atravessando e mesclando-se às outras artes sobretudo no que refere
aos seus modus operandi, isto é, não propriamente debruçando-se sobre o que se faz
mas sobre como se faz. O texto dá ênfase à interface arte/arquitetura no que refere ao
modo intrínseco de raciocínios formais que - no caso da arquitetura - articulam-se
naturalmente e desde sempre aos diferentes usos e diferentes loci. (Pesquisa realizada
no exercício de Professor em regime de Tempo Parcial)
PALAVRAS CHAVE: Arquitetura, Arte, Reflexão Projetual
ABSTRACT:
The text intends to establish a historical point of view for the young students that have
recently entered the Architecture School, involving practical and theoretical trains of
thought. It puts forth some of the many design hypothesis that have perpetuated
themselves throughout history whilst enphasizing technology and materials, as well as
geography and climate or still shifting and mingling with other arts mainly considering their
different modus operandi, and consequently more concerned with how the design process
comes into being than particularly what it comes to be. The text enphasizes the
art/architecture relationship in its intrinsic formal manners that - in architecture’s case –
are associated, as have always been, to different uses as well as to different loci.
(Research undertaken as Part Time Professor )
KEY WORDS:Architecture, Art, Design trains of thought.
EIXO: Fundamentação e crítica
TOPICOS: Epistemologias de Projeto; Arte e Cultura; História e Teoria;
Anne Marie Sumner
Arquiteta formada pela FAUUSP, 1978
Mestre em Filosofia-Área de Concentração: Estética, FFLCHUSP/Orient. Otilia Beatriz Fiori Arantes, 1987
Doutora em Estruturas Ambientais e Urbanas FAUUSP/Orient. Joaquim Guedes, 2002
Profa. de Projeto na FAU-Mackenzie, 1990Titular do escritório Anne Marie Sumner-Arquitetura Ltda. , 1984-
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NOTAS DE AULA I: UM ARCO HISTÓRICO DA REFLEXÃO E PRÁTICA DA
ARQUITETURA1
Há tantas raízes e desdobramentos imponderáveis na Arquitetura e ao mesmo tempo a
pergunta recorrente persiste, afinal, o que a move? Mãe das artes como enfatiza Banister
Fletcher: “Throughout the history of the human race, architecture, the mother of all arts,
has supplied shrines for religion, homes for the living, and monuments for the dead” (1955,
p. 4) recorrentemente marca sua diferença e importância em relação às demais artes
rivalizando
com suas irmãs históricas, pintura e
escultura, como
exalta o poeta
americano Longfellow:
...Ah, to build, to build! That is the noblest art of all arts.
Painting and sculpture are but images,
Are merely shadows cast by outward things
On stone or canvas, having in themselves
No separate existence. Architecture,
Existing in itself, and not in seeming
A something it is not, surpasses them
As substance shadow (LONGFELLOW apud FLETCHER, 1955, p.4)
Lembra a perseguição de Platão às artes por parecerem ser algo que não são; como a
referência de Erwin Panofsky no seu belo livro Idea: a evolução do conceito de belo aos
pássaros bicando as uvas de Caravággio.
A mais táctil e física das artes, a mais material, a mais estrutural e técnica é, como as
demais, uma das artes, nem mais nem menos. É como dizer que a música é a mais
sonora das artes, obviamente, desenvolvimento no ar, sem corpo mas que preenche
todos os continentes e é neles contida; mas ainda, mais uma das artes, para muitos a
mais sublime.
Sendo a arquitetura continente, aquilo que também contém uma vez que é ao mesmo
tempo, interior e exterior, abriga não só pintura e escultura como poderá fazer o mesmo
1
Estas Notas de Aula procuram indicar um arco histórico de Arquitetura visando introduzir o aluno - recém
ingresso na Escola de Arquitetura - à refelxão e à pratica de projeto. Estruturam-se a partir das leituras da
"Histoire de l’Architecture" de Auguste Choisy, diretor da École de Ponts et Chaussés de Paris no final do Sec.
XIX; da "History of Architecture on a Comparative Method" de Sir Banister Fletcher, Professor de Kings
College, Cambridge University entre outros citados na Bibliografia utilizada; associados a leituras em Arte de
autores como Sir Ernst Gombrich e Giuglio Carlo Argan. Tais leituras são alinhavadas de modo livre com
alguns recortes da filosofia em autores como Maurice Merleau -Ponty e Erwin Panofsky.
2
com o teatro e a música, donde ela tender quase de modo competitivo a se exaltar como
abrigo - que invariavelmente é - e se colocar também como a grande arte que abriga as
demais. Sendo fato, apenas a caracteriza sem torná-la mais ou menos superlativa que as
demais: há até quem, ao contrario de Longfellow e Banister Fletcher, avalie a arquitetura
como a menos importante das artes por ser excessivamente material e pouco espiritual:
Hegel por exemplo na sua Estética. São interpretações. O melhor será, sem dúvida, vê-la,
vivenciá-la, exercitá-la; tudo menos falá-la. Aliás, é o que pede qualquer arte: que se a
vivencie dentro de seu diapasão, donde não ser inusual o desdém e/ou o desconforto dos
artistas em relação à critica ou mesmo às teorias. Panofsky demarca habilmente esta
desconfiança citando o pintor renascentista Rafael quando este rejeita qualquer definição
da obra dizendo basicamente não saber se há ou não uma idéia anterior que norteia a
obra (PANOFSKY, 1994). Sabemos que em ultima instância
esta era uma das
discussões candentes do renascimento: afinal o que move a arte? “nao sei” foi a resposta
de Rafael; e será preciso saber? Panofsky conclui o livro com a mesma dúvida de Rafael.
E confesso, que afora a ilustração acadêmica - no qual o presente texto se insere – ou
leiga, de fato trata-se de uma fala, para a obra, dispensável. A filosofia2 é de outra
natureza
porque pensa a Arte, a Estética,
do ponto de vista de uma produção do
espírito, como a Ética ou a Moral e não como tentativa explicativa. A referência recorrente
de que mil palavras não substituirão a obra é a afirmação mais simples, precisa e direta;
o paradoxo talvez pudesse se comparar à
compulsão ao registro fotográfico que de
tanto tudo fotografar nada vê per se ; apenas através da lente, dentro de um recorte sem
entorno e sempre a posteriori.
Que a arte represente ou melhor dito, apresente o seu tempo não há dúvida; embora
conte com variadas índoles e muitas recorrências. Cézanne, citado por Merleau - Ponty
já dizia que a pintura pinta sempre a pintura de todos os tempos. Imemorial3, como algo
do qual não se tem memória devido a sua extraordinária antiguidade mas um imemorial
recorrente, perene, uma espécie de trace4, o homem como traço do universo como diria
2
Há também o leitor simpático, termo cunhado por Platão que designa àquele que sem ser artista percebe a
obra no seu melhor.
3
A definição no dicionário de Aurelio Buarque de Holanda.
4
Trace ou traço, ou rastro: o homem como traço do Universo, como as pedras ou as folhas. Trata-se do
raciocínio do grande antropólogo francês Claude Levi-Strauss, autor do inaugural Tristes Trópicos
curiosamente, elaborado entre nós, no Brasil e que tanto influenciou a filosofia do Séc. XX, particularmente a
francesa com a idéia de estrutura.
3
Levi Strauss. Não vemos em Lascaux e Altamira de 15.000 anos atrás a escultura de
Phídias e Praxíteles? Observem:
Figura 1 Phidias, Atenas,
Fonte WWW.wikipedia.com
Figura 2 Phidias, Atenas,
Acesso em 20 jan. 2009
Fonte WWW.wikipedia.com
Acesso em 20 jan. 2009
Figura 3 Lascaux, França, Séc. XIII A.C.
Fonte WWW.wikipedia.com
Acesso em 20 jan. 2009
Figura 4 Lascaux, França, Sec. XIII A.C
Fonte WWW.wikipedia.com
Acesso em 20 jan. 2009
4
Figura 5 Diana:Praxiteles, Atenas,
Figura 6
Hermes: Praxiteles, Atenas
Séc. IV A.C
Sec. IV A.C.
Fonte WWW.wikipédia.com
Fonte WWW.wikipedia.com
Acesso em 20 jan. 2009
Acesso em 20 jan. 2009
Figura 7 Altamira, Espanha, Séc. XIII A.C.
Figura 8 Altamira, Espanha Sec. XIII A.C.
Fonte WWW.wikipedia.com
Fonte WWW.wikipedia.com
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Acesso em 20 jan. 2009
Acesso em 20 jan. 2009
Como na filosofia, nas artes as questões são sempre as mesmas e várias; as dela: ser ,
razão, paixão, bem, mal, belo, sujeito, objeto etc.; as nossas : climas, técnica, materiais,
estrutura, desdobramentos espaciais de geometrias e sistemas de proporções, além das
implacáveis e magníficas topografias e geologias do lugar.
Na arquitetura, são aos mortos as primeiras obras, as pirâmides de Gizé ou Saquara no
Egito e outras - talvez não tão abstratas - contemporâneas aos egípcios, na mesopotâmia,
os Zigurates e outros.
Mas assim como a filosofia desdobra no argumento suas hipóteses, em arquitetura
formalizamos espacialmente. Não há como falá-la, é preciso vê-la e percorê-la. É sempre
uma formalização, freqüentemente associada a uma hipótese de mundo, prerrogativa não
apenas da arquitetura mas das artes em geral. Poderia dizer que na arquitetura
freqüentemente esta hipótese é técnica, ética e estética; mas também poderá ser
verdadeiro estender tal caracterização às demais artes, cada uma a seu modo. A questão
ética aqui talvez seja mais marcada na arquitetura dada sua relação intrínseca com a
cidade e portanto com o modo de vida de seus cidadãos: ética, um código acordado de
civilização indissociado historicamente da vida em sociedade, em geral urbana. Mas há
também uma
ética na estética: a arte além de um jogo agradável ou útil é um
desdobramento de verdade (HEGEL); e é a expressão que atinje os sentidos no seu
mais alto grau. Saber ver e saber ouvir generalizados tornarão os homens mais apurados:
apresentamos aos outros e nos comunicamos entremeados por graus de superlatividade
também formal; esta uma das grandes potencias da arte desde sempre, que nos arrebata
e move a humanidade. Tal superlatividade suporia uma percepção e intelecção contínuas
ao ponto de tornarem-se naturais e cotidianos na sociedade. Mais ou menos como na
Grécia antiga em que tanto a inteligência quanto o belo eram valores fundantes daquela
sociedade5.
Mas se em arte tudo é formalização, do que quer que seja, na arquitetura, dentro dos
vários vieses, talvez a questão fosse observar COMO em cada um deles a arquitetura se
5
Na exposição dos fragmentos do Parthenon no British Museum , uma das primeiras observações no texto
de localização histórica da obra refere ao insulto que seria para o cidadão da Pólis grega, qualquer desdém
em relação à inteligência e à beleza.
6
faz. Haverá, claro, tantas obras quanto arquitetos projetando-as. Algumas melhores
outras piores. Para as melhores, referindo-se às artes plásticas em geral, diria Sir Ernst
Gombrich it just looks right. Algumas, atingem o patamar de concinittas para usar o termo
de superlatividade de Alberti, e com freqüência indicam extensos arcos de direção ou
simples e magnificamente, profunda comoção: força é mudares de vida 6. Envolve treino e
pelo menos algum talento. Há Tiziano mas há tambem a escola de Tiziano; são graus
distintos . E há artistas que não criam escola alguma: Oscar Niemeyer e Vincent Van
Gogh, entre outros. Ou aqueles que logo no início inauguram uma escola: Michel Ângelo
esculpiu a Pietá aos 20 anos de idade.
Não há portanto como ensinar arte. Há como ensinar as destrezas e certas percepções.
Trata-se de um processo de aproximação em geral associado a obras
emblemáticas e
preferencialmente superlativas. O “ensinamento” se dá no atelier de Rafael, Tiziano ou de
Phídias segundo o gesto de Rafael, Tiziano ou Phídias. Na arquitetura nos ateliers e
canteiros de Ictino, Alberti ou Mies van der Rohe.
A fatura da obra é sempre uma decisão do sujeito, a qualquer tempo. A compulsão a
tentar mapear a gênese da obra assim como o seu processo de constituição – aflição
moderna e contemporânea - pode ser produtiva para o seu autor no sentido de melhor
entendê-la mas não a qualifica como obra e nem a produz. Como a fala da obra pouco
tem a ver com a própria, e nunca a substitui. Há artistas que não só indagam seus
processos produtivos como também os tornam públicos como é o caso de Peter
Eisenman, ou Leon Battisti Alberti e há outros que silenciam: a maioria. A necessidade da
norma, a vontade, a necessidade mesmo de um método, está longe do processo de
constituição da obra embora possa
freqüentemente criar e lapidar um léxico: são as
escolas, a arquitetura entendida como disciplina e ofício. Mas a arte nos seus inúmeros
viéses, já existentes e por surgir, rejeita qualquer normatização de sua índole o que não
significa que não tenha especificidades como a escala musical, a paleta etc, ou seja, sua
matéria intrínseca e constitutiva. São coisas correlatas mas diferentes.
A obra se faz fazendo-se: como um pensamento encarnado7 porque seu suporte é sua
própria matéria, seja ela a cor, o som o desenho, a palavra. Mas há sempre em maior ou
6
Rilke, Rainer Maria Rilke. Torso Arcaico de Apollo (último verso do poema).
O termo pensamento encarnado foi cunhado por Marilena Chauí, a partir da obra de Maurice MerleauPonty
7
7
menor grau uma pulsão – irmã da compulsão - para usar um termo caro a Freud nesta
índole que a anima e que resulta extraordinária quando associada a uma certa
naturalidade ou facilidade daquele sujeito com talento: algo com o qual se nasce, embora
possa ser lapidado o que em geral envolve, sobre tudo na arquitetura mas não apenas,
um certo treino, às vezes nominado ofício.
A ênfase da idéia de processo é uma das tônicas da arte do séc. XX; o termo work in
process é a evidência disso. Se dá por este deslocamento da arte no séc. XX que procura
evidenciar na obra o seu fazer e sua matéria, i.e. sua própria gênese. Nada mais tendo
que representar8 evidencia-se a si mesma. Vemos nela a sua própria fatura. Ela não
representa, se apresenta. A dificuldade da decisão do sujeito na obra tem como correlato
a idéia exacerbada de autonomia da obra e seus mecanismos; como se ela aparecesse
ao acaso, sem a pulsão do seu autor.
Nem sempre foi assim. Aliás, historicamente, o processo deu-se por imitação do anterior.
Vale lembrar que J. S. Bach transcreveu para vários instumentos distintos um sem
número de obras de Vivaldi. A idéia de autoria e de originalidade não tinha muito
importância. As obras iam se constituindo por uma espécie de adensamento onde a
experiência anterior, ou a história informava o presente. Imagino que a preocupação com
o processo devia ser próxima ao inexistente.
Mas mesmo na idéia de processo há sempre em última instância a obra, e do ponto de
vista da perspectiva histórica a obra e nada mais; por mais que seja circundada de
processos. A Arquitetura será aquela que aparece, que está na cidade e não aquela
acompanhada de seus croquis processuais. E afinal, será o tempo seu único validador.
Por ter um outro suporte que não o texto ou a fala, torna-se menos manejável; mas é a
potência da arte, com a sua própria presença - música, arquitetura, escultura, pintura que perpassa os tempos e há milênios, arrebata a humanidade. A presença da obra se
sobrepõe a qualquer tempo, de Lascaux até aqui. Nos rendemos a ela e não há, hélas!
como normatizá-la.
É certo que projetos ao longo da historia, sem terem jamais sido construídos ou mesmo
sequer tendo a intenção final da obra, informaram profundamente seu tempo assim como
8
Refiro-me ao fenômeno da crise de representação, largamente analisada e teorizada pela Filosofia do Séc.
XX
8
constituíram o substrato para outras obras. Dois exemplos entre tantos do Séc. XX são
Saint Elia com o futurismo italiano e sua imagem de velocidade lindamente explicitada na
obra de Boccioni que encontra-se no acervo do MACUSP; ou ainda de modo mais
acentuado a Ville Radieuse que tem em Brasília sua sequencia máxima. Há outros
projetos e idéias como a Casa Dominó que perpassaram grande parte dos edifícios
modernos no Sec. XX com a poderosa vontade , melhor ou pior explicitada do contínuo
espacial além do aforisma estrutural e correlato espacial, da planta livre, consequente à
estrutura independente das vedações; e assim sucessivamente passando pelas rendas
goticas - muitas não tendo suportado a leveza das verticais apoiadas nos seus arcos
botantes - os flying buttresses – voadores mesmo - que tão bem definem o que são e
que por serem estruturas tão rarefeitas, nem sempre resistiam: não havendo sempre
projeto, o processo era frequentemente empírico.
E assim como os processos são distintos, também as variações aparecerão nos tempos
distintos. São os viéses de obras nos vários tempos.
Há claro, épocas mais frutíferas e outras menos. Será que não há períodos em que
algumas artes florescem mais que outras? Ou períodos de estiagem maior ou menor, ou
períodos generalizadamente retumbantes
como o Séc. V A C na Grécia?
Como foi
também o Renascimento ou ainda os séculos XVI, XVII e XVIII para a música na Europa
como nunca jamais visto, antes ou depois? Pode ser que esta nossa época contenha
uma espécie de vácuo. Mas a urgência da época é sempre contundente para todo artista,
mas não é um absoluto, é um dado. Para quem faz há que defrontar-se com a obra,
decidí-la; para quem frui, no mínimo render-se a ela.
Há momentos de manifestos, sempre houve; dos Dadaístas et alli ao círculo de músicos
de J. S. Bach que reunia-se em segredo para ouvir a dissonância de um trítono.
O entendimento do mundo e o desvelamento do processo inventivo em arte é desde
sempre assunto da filosofia; para o artista o caminho se faz caminhando, às vezes de
modo dilacerado como em Van Gogh, às vezes como uma segunda pele como em
Mozart. Às vezes nunca se chega. Com ou sem manifestos.
O que a move?
Mas então, de onde a arquitetura deve partir? das imagens? das estruturas formais?
quais as relações possíveis?
9
Auguste Choisy mapeia as ênfases: clima, matéria, utensílios, métodos construtivos,
desenho, geometria: pela argila vem a abóbada, por exemplo. O Brutalismo Paulista
evidencia a estrutura associada a uma espécie de manifestação ética da verdade dos
materiais com forte inclinação ideológica, quase uma estética discursiva, da escassez.
Worringer em Abstração e Natureza mapeia simultaneamente o ornamento de motivo
floral e o de motivo geométrico: a folha de acanto, segundo Choisy sucessora da coluna
egípcia de estilo Palmier, ou o tapete persa. Levou-se 8 séculos para resolver a junção
do quadrado com a circunferência, sofisticadíssima geometria: Hagia Sophia, Instambul:
árabes; os romanos, apesar do arco, não tinham conseguido: Panteon, Roma. Às vezes
as metamorfoses levam séculos; às vezes certas épocas produzem um compasso de
espera.
Figura 09: Hagia Sophia, Istambul,
Séc. VIII. Fonte WWW.wikipedia.com
Acesso em: 20 jan. 2009
Fig. 10:Panteon, Roma Sec. I.
Fonte WWW.wikipedia.com
Acesso em 20 jan. 2009
Além da matéria portanto, da geologia, solo e clima, há também o raciocínio da estrutura
que, historicamente, como enfatizam Choisy e Banister Fletcher , está associado aos
utensílios, por sua vez apropriados aos distintos materiais e deles derivados:
ferro,
bronze, madeira. Novamente pela argila vem a abóbada, por sua vez associada ao tipo
de solo e à ausência de pedra: mesopotâmia. Ou às condições climáticas que
engendraram estruturas suspensas: as antiqüíssimas palafitas dando conta das variações
das águas, assim como os lendários jardins da Babilônia.
Há, segundo o já citado Worringer de Abstração e Natureza, duas grandes linhagens
desde sempre: o viés do desenho geométrico e o do desenho livre; o desenho abstrato e
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geométrico dos motivos do tapete persa ou o motivo floral ou vegetal de tantos capitéis.
Há os motes do programa que variam conforme as épocas. Dizem que o corredor é
invenção de uma duquesa com espírito prático que habitava um dos castelos do Vale do
Loire na França . Até então passava-se de um ambiente a outro sem o distribuidor, hoje
natural, da circulação projetada. Na arquitetura moderna tudo é fluido, aberto; dentro e
fora se equivalem, na casa e na cidade; o continuo espacial: um modo de vida proposto9.
Nos primórdios a arquitetura era toda fechada e mesmo após a era de exclusividade dos
monumentos aos mortos quando ela adentra as representações, os palácios, - Assírios,
Egípcios etc. - e depois na vida civil, através das instituições, fóruns etc. Mas também
houve outras situações como Stonehendge que de fechada nada tem; é uma estrutura
simbólica circular cujo vão
é dado pela dimensão da pedra. Mas a tônica em geral
durante séculos não era de abertura embora na monumental - embora de dimensão
pequena - arquitetura grega clássica - aberta e fechada ao mesmo tempo - com vãos de
2,5 como no Parthenon., resultante de 300 anos de variações e precisões para chegar
àquela obra no Séc. V AC. Por isso mesmo obra clássica na forma e na idéia para
lembrar a antiga controvérsia entre Platão e Aristóteles, entre matéria e espírito; é quando
as paredes se abrem: a vontade do homem de olhar para fora.(KAHN)
9
A idéia de contínuo presente na proposta tão urbana do pilotis assim como o pano de vidro, piso-teto, planta
livre, estrutura independente etc. Havia também, é claro, a idéia de um modo de vida democrático e
accessível. Que a cadeira do Arq. Marcel Breuer tenha vindo a custar uma fortuna faz parte de outro
problema; a rigor trata-se de uma barra de aço torcida com um assento previsto de plástico, tecido ou couro,
com um magnífico e arrebatador desenho, que associa de modo essencial, forma, matéria e estrutura.
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