o primeiro e o segundo plano diretor de Pelotas e

Transcrição

o primeiro e o segundo plano diretor de Pelotas e
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
Dissertação:
Ordenanças urbanas e ideia de cidade: o primeiro e o segundo plano diretor de
Pelotas e os temas de urbanismo do século XX.
Mestranda:
Roberta Taborda Santa Catharina
[email protected]
Orientadora:
Célia Helena Castro Gonsales
Pelotas, RS, dezembro de 2012.
Roberta Taborda Santa Catharina
Ordenanças urbanas e ideia de cidade: o primeiro e o segundo plano diretor de
Pelotas e os temas de urbanismo do século XX.
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação
em
Arquitetura
e
Urbanismo
da
Universidade Federal de Pelotas, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Arquitetura e Urbanismo.
Orientadora
Profª.
Gonsales
Pelotas
2012
Drª.
Célia
Helena
Castro
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Aline Montagna da Silveira
Profª. Drª. Nirce Saffer Medvedovski
Profº. Drº. Silvio Belmonte de Abreu Filho
Orientadora: Profª. Drª. Célia Helena Castro Gonsales
Aos meus pais, que sempre
priorizaram a educação de seus filhos.
AGRADECIMENTOS
Apesar do processo solitário que envolve uma investigação científica, este
trabalho não seria realizado sem o apoio de algumas pessoas, em especial a
Professora Célia Gonsales, orientadora desta investigação. Agradeço por acreditar
no trabalho, pelo interesse, exigência, sabedoria, paciência diante das minhas
dificuldades e também pelos cafés e conversas descontraídas.
Aos alunos de Teoria História e Crítica da Arquitetura e Urbanismo VI, pela
experiência docente e trocas de ideias. Ao aluno Giancarlo e à aluna e amiga
Cristiane, que colaboraram nas simulações gráficas deste trabalho.
Aos professores e funcionários do PROGRAU.
A CAPES, pela bolsa concedida, que contribuiu, além dos estudos, a me
sustentar.
A Biblioteca Municipal de Pelotas e à Secretaria de Gestão Urbana, pela
disponibilização de documentos essenciais para esta investigação.
A minha família, por entender as ausências e pelo incentivo desde os
tempos da graduação e muito antes disso. Especialmente ao meu pai, pelo
“paitrocínio”, que vai além do financeiro.
Ao Lauro, por todo o carinho, paciência e apoio durante este último ano.
As minhas amigas Natália e Stífany, pela amizade e pelo abrigo que
alegraram minhas viagens semanais. E ao amigo Julio, que proporcionou música e
risadas para este trabalho.
Resumo
Um plano urbanístico – tanto em seu traçado, seu aspecto físico, quanto em
seu conjunto de ordenanças - funciona como guia, aponta para uma direção
segundo a qual a produção da cidade deve seguir. É um modelo ou ordenamento
ideal que aporta sempre uma ordem para a construção e transformação urbanas e
que, finalmente, expressa um acordo consensual para a ação. A legislação urbana
assume a função de traduzir uma ideia de cidade, de ordem urbana que, de uma
forma ou de outra, remetem a teorias e práticas urbanísticas universais. Pelotas,
desde a sua fundação, se enfrenta com planos urbanísticos, alguns mais pontuais,
outros mais gerais, alguns com traçados e ordenanças, outros somente com estas
últimas. Este trabalho pretende realizar um estudo sobre os planos diretores
desenvolvidos para a cidade de Pelotas, em 1968 e 1980, e fazer uma reflexão
sobre as ideias urbanísticas identificadas nessas legislações.
Palavras-chave: plano diretor; urbanismo em Pelotas; urbanismo moderno.
Abstract
An urban plan – both in its outline, its physical aspect, as well as in its group
of ordinances – works as a guide, pointing to a direction according to how a city
should be built. It is a model or ideal order which always brings rules for urban
construction and transformation and that, finally, expresses a consensus agreement
to take action. The urban legislation takes the role of presenting an idea about the
city, in urban terms, that in one way or another, refer to universal urban theories and
practices. Pelotas, since its foundation faces urban problems, some more specific
ones, others more general, some with outlines and ordinances, others only with the
ordinances. This work intends to conduct a study on the master plans developed for
the city of Pelotas, in 1968 and 1980, and to reflect on the urban ideas identified in
the plans.
Key words: master plan; urbanism in Pelotas; modern urbanism.
Índice de ilustrações
Figura 1: as doutrinas que, nas diferentes épocas, incidiram sobre os planos
diretores .................................................................................................................... 13
Figura 2: as três etapas para configuração da imagem e espaço da cidade. Exemplo
da cidade de Brasília ................................................................................................. 16
Figura 3: exemplo da cidade de Pelotas ................................................................... 16
Figura 4: evolução do espaço central da quadra ....................................................... 21
Figura 5: exemplo de zona piloto da área central...................................................... 25
Figura 6: gráficos mostrando as tipologias de quarteirões ........................................ 25
Figura 7: área central e adjacente de Pelotas ........................................................... 29
Figura 8: evolução urbana de Pelotas ....................................................................... 29
Figura 9: plano de Letchworth ................................................................................... 34
Figura 10: diagramas chave da cidade-jardim........................................................... 34
Figura 11: Letchworth, plano original publicado em 1904. ........................................ 35
Figura 12: Barry Parker e Raymond Urwin. Jardim América ..................................... 36
Figura 13: projeto de ampliação da cidade de Pelotas .............................................. 37
Figura 14: projetos do arquiteto americano Frederick Law Olmsted ......................... 38
Figura 15: zoneamento funcional .............................................................................. 39
Figura 16: anteprojeto de extensão de Pelotas, 1927 ............................................... 41
Figura 17: planta da cidade de Pelotas, 1835. .......................................................... 47
Figura 18: planta geral............................................................................................... 48
Figura 19: planta geral............................................................................................... 49
Figura 20: bairros populares...................................................................................... 49
Figura 21: sistema viário, saídas da cidade .............................................................. 51
Figura 22: mapa com a localização dos loteamentos ................................................ 58
Figura 23: planta do bairro Dammerstock de Karlsruhe e planta do bairro
Siemenstadt de Berlim .............................................................................................. 68
Figura 24: as Mietskasernen de Berlim e J.J.P. Oud. Conjunto em Blijdorp ............. 68
Figura 25: esquema preparado por Le Corbusier comparando o novo tecido urbano
com os tecidos tradicionais de Paris, Nova York e Buenos Aires ............................. 69
Figura 26: situação em 1966 ..................................................................................... 78
Figura 27: sobreposição de mapas ........................................................................... 79
Figura 28: situação do uso do solo em 1966 ............................................................. 82
Figura 29: zoneamento proposto Plano Diretor de 1968 ........................................... 83
Figura 30: zoneamentos ............................................................................................ 86
Figura 31: densidade demográfica – 1966 ................................................................ 87
Figura 32: vias de acesso – Situação em 1966 ......................................................... 89
Figura 33: exemplos de perimetrais .......................................................................... 90
Figura 34: avaliação do aspecto físico visual ............................................................ 91
Figura 35: proposta de requalificação da Praça Coronel Pedro Osório .................... 92
Figura 36: ausência de equipamentos sociais, áreas problemas .............................. 94
Figura 37: proposição: zoneamento, sistema viário e equipamento social................ 97
Figura 38: proposição: estética urbana ..................................................................... 98
8
Figura 39: proposta da área para pedestre no centro da cidade ............................. 105
Figura 40: proposta da Rua Andrade Neves, exclusiva para pedestre no centro da
cidade ...................................................................................................................... 106
Figura 41: transporte coletivo e abrigos dos terminais e paradas ........................... 107
Figura 42: passeios Conde de Piratini e Ismael Soares. ......................................... 108
Figura 43: projetos existentes para Pelotas ............................................................ 109
Figura 44: proposições GEIPOT – médio prazo ...................................................... 110
Figura 45: diretrizes de traçado da Av. Duque de Caxias e modelo de bicicletários
para curta e longa duração...................................................................................... 111
Figura 46: vazios urbanos ....................................................................................... 116
Figura 47: Indústrias. ............................................................................................... 119
Figura 48: zoneamento II Plano Diretor de Pelotas ................................................. 122
Figura 49: comparação entre os mapas de zoneamento ........................................ 124
Figura 50: ruas pavimentadas em 1978 .................................................................. 127
Figura 51: transporte coletivo. ................................................................................. 128
Figura 52: habitantes por economia ........................................................................ 130
Figura 53: áreas verdes........................................................................................... 131
Figura 54: saúde ..................................................................................................... 132
Figura 55: recuos .................................................................................................... 137
Figura 56: recuos II Plano Diretor ............................................................................ 137
Figura 57: a Cidade de 3 milhões de habitantes de Le Corbusier, 1922 ................. 139
Figura 58: simulações em zona residencial - Plano Diretor de 1968 ....................... 141
Figura 59: simulações em zona residencial - II Plano Diretor de 1980 .................... 141
Figura 60: zoneamentos .......................................................................................... 142
Figura 61: Localização das zonas piloto.................................................................. 159
9
Índice de tabelas
Tabela 1: Número de casas para cada região do município. Observa-se que no
cálculo final o número é de 11.087 casas. ................................................................ 47
Tabela 2: Disciplinas e professores do Curso de Urbanismo do IBA. ....................... 76
Tabela 3: Uso do solo. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas
informações descritas no Plano de 1968................................................................... 84
Tabela 4: equipamentos sociais. ............................................................................... 95
Tabela 5: dimensionamento técnico - parcelamentos. Tabela comparativa
desenvolvida pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980. 117
Tabela 6: usos para área de ocupação intensiva. Tabela comparativa desenvolvida
pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980. ..................... 123
Tabela 7: índice de aproveitamento, as taxas de ocupação e limites de altura
estipulados pelo II Plano Diretor de Pelotas. Tabela comparativa desenvolvida pela
autora com base nas informações descritas no Plano de 1980. ............................. 125
Tabela 8: recuos estipulados pelo II Plano Diretor de Pelotas. Tabela comparativa
desenvolvida pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980. 126
Tabela 9: dimensionamento das vias propostas pelo sistema viário do II Plano
Diretor. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas informações
descritas no Plano de 1980. .................................................................................... 129
Tabela 10: recuos exigidos nos Planos. .................................................................. 138
Tabela 11: índices de Aproveitamento e Taxas de Ocupação para usos conformes.
................................................................................................................................ 140
Tabela 12: alturas permitidas nos planos. ............................................................... 140
Tabela 13: sistema viário “7 vias de Le Corbusier”. ................................................ 143
Sumário
Agradecimentos ........................................................................................................ 5
1.
Introdução ......................................................................................................... 12
1.1.
Caracterização do problema .................................................................................. 12
1.1.1.
Justificativa e relevância ................................................................................. 14
1.1.2.
Pergunta de pesquisa ..................................................................................... 15
1.1.3.
Objetivos da investigação ............................................................................... 15
1.2.
Revisão Bibliográfica ............................................................................................. 17
1.2.1.
Ordenanças urbanísticas ................................................................................ 17
1.2.2.
Urbanismo moderno ....................................................................................... 18
1.2.3.
Espaço urbano ............................................................................................... 19
1.2.4.
Trabalhos acadêmicos de referência .............................................................. 22
1.3.
Técnicas e procedimentos metodológicos ............................................................. 22
1.3.1.
Estudo das teorias urbanísticas ...................................................................... 23
1.3.2.
Estudo dos planos .......................................................................................... 23
1.3.3. Identificação das teorias urbanas nos planos diretores e dos principais
instrumentos utilizados para transformar essas teorias em cidade real ........................ 25
1.4.
2.
3.
Estrutura da dissertação ........................................................................................ 26
A conformação da cidade até 1968 ................................................................. 28
2.1.
O Código de Construções e Reconstruções, 1915 ................................................ 30
2.2.
Plano de ampliação da cidade, 1924 ..................................................................... 32
2.3.
Saneamento de Pelotas, 1927 ............................................................................... 40
2.4.
O Código de Construções, 1930 ............................................................................ 42
2.5.
Saneamento de Pelotas - novos estudos, 1947 ..................................................... 46
2.6.
Considerações ....................................................................................................... 52
Plano Diretor de Pelotas, 1968. ....................................................................... 62
3.1.
Contexto do segundo pós-guerra, a formação do plano ......................................... 62
3.2.
O Plano Diretor de Pelotas, 1968........................................................................... 73
3.2.1.
O processo de ocupação do solo .................................................................... 77
3.2.2.
Uso do solo..................................................................................................... 80
3.2.3.
Intensidade de ocupação ................................................................................ 86
3.2.4.
Sistema viário ................................................................................................. 88
3.2.5.
Paisagismo ..................................................................................................... 90
3.2.6.
Equipamento Social ........................................................................................ 93
3.2.7.
Dinâmica do Plano.......................................................................................... 96
11
3.3.
4.
II Plano Diretor de Pelotas, 1980.................................................................... 101
4.1.
As questões urbanas dos anos 70 ....................................................................... 102
4.2.
O II Plano Diretor de Pelotas, 1980. ..................................................................... 112
4.2.1.
Parcelamento do solo ................................................................................... 116
4.2.2.
Do zoneamento urbano ................................................................................ 118
4.2.3.
Sistema viário ............................................................................................... 127
4.2.4.
Habitação e Equipamento Social .................................................................. 130
4.3.
5.
Considerações ....................................................................................................... 98
Considerações ..................................................................................................... 133
Os Planos e as Ideias ..................................................................................... 136
5.1.
O continuum espacial .......................................................................................... 136
5.2.
A cidade concentrada .......................................................................................... 138
5.3.
Zoneamento funcional – o zonning ...................................................................... 141
5.4.
O sistema viário como fundamental organizador da cidade ................................. 142
5.5.
A tabula rasa e os novos paradigmas .................................................................. 144
6.
Considerações finais ...................................................................................... 146
7.
Bibliografia ...................................................................................................... 150
8.
Fontes de Pesquisa ........................................................................................ 156
APÊNDICES ........................................................................................................... 158
APÊNDICE A – Zonas Piloto .......................................................................................... 159
APÊNDICE B – Roteiro das entrevistas. ........................................................................ 162
ANEXOS ................................................................................................................. 163
ANEXO A - Carta de motivos, de 22 de julho de 1930, para o Código de Construções,
assinada pelo Intendente Municipal de Pelotas João Py Crespo. ................................... 164
ANEXO B – Sínteses do Programa do Curso de Urbanística e Arquitetura Paisagística da
Faculdade de Arquitetura de Montevidéu. ...................................................................... 167
ANEXO C - Disciplinas do Curso de Urbanismo IBA. ..................................................... 169
1. INTRODUÇÃO
1.1. Caracterização do problema
Choay (2010b), em seu livro “A Regra e o Modelo”, divide os escritos
instauradores - que “alicerçam” teoricamente os espaços construídos e a construir
da cidade - em tratados, utopias e escritos urbanísticos. Segundo a autora, eles se
diferenciam pelos procedimentos adotados na conceitualização e criação do espaço
edificado. O tratado de arquitetura baseia-se na aplicação de princípios e regras, a
utopia na reprodução de modelos e os escritos urbanísticos, de alguma maneira, são
o resultado da mútua interferência entre os dois primeiros.
Nesta categoria dos escritos urbanísticos, segundo Abreu Filho (2006), os
planos diretores podem ser analisados como textos instauradores da arquitetura,
reunindo características de tratado e de utopia, pois apresentam uma abordagem
crítica da realidade e a modelização espacial de uma realidade futura. A ideia de
cidade é posta em cena a partir de modelos que, de alguma maneira, tentam ser
representados com base em regras e índices, instrumentos básicos das ordenanças.
No Brasil, os planos diretores passaram por muitas nomenclaturas, desde
plano de melhoramentos e embelezamento, urbanismo, planejamento urbano e
plano diretor, plano urbanístico, plano local integrado, e, novamente, plano diretor no
final da década de 1980. Além do nome, o conteúdo e metodologia desses
regramentos também foram transformando-se, passando de “enormes volumes, com
mapas, pesquisas e estatísticas elaborados por equipes multidisciplinares e
abordando enorme leque de problemas, para meros projetos de lei, às vezes
contendo apenas declarações de princípios, políticas ou diretrizes gerais”.
(VILLAÇA, 1999, p.191).
Essas transformações, de nomenclatura, de conteúdo e de metodologia,
devem-se ao momento histórico de cada posição doutrinária que serviu de
13
paradigma para os planos. Segundo Nygaard (2005), muitos críticos apontam como
base ideológica geral dos planos diretores no Brasil as doutrinas do positivismo, em
especial o positivismo lógico, o urbanismo moderno, as ideias do padre Lebret, e as
resoluções do Serfhau (Figura 1).
Figura 1: as doutrinas que, nas diferentes épocas, incidiram sobre os planos diretores. (Fonte:
NYGAARD, 2005 p.52).
No início do século XX, marcado historicamente pela publicação de “Uma
Cidade Industrial”, de Tony Garnier, a ideologia positivista cientificista está na base
da visão progressista de reestruturação das cidades. A visão do urbanismo
modernista fica consolidada mais tarde na doutrina dos CIAM e da Carta de Atenas,
a partir de “uma ordem totalmente lógico-ideal, esquemática e determinística”
14
NYGAARD, 2005. p.51). Na década de 50, através dos trabalhos do padre Lebret
realizados no Brasil e do movimento Économie et Humanisme, incorporou-se às
outras doutrinas uma visão que indicava novos caminhos para o planejamento das
cidades ao realçar as questões sociais nos estudos urbanos. A metodologia do
Expediente Urbano também foi muito utilizada pelos urbanistas brasileiros, com
referência aos trabalhos realizados em Nova York e Montevidéu. Nos anos 60, é
criado o Serviço Nacional de Habitação e Urbanismo – Serfhau, ligado ao Banco
Nacional de Habitação – BNH, que “reforçou e valorizou acima de tudo o
conhecimento científico no planejamento urbano e na administração pública, e
contribuiu de forma vigorosa e persistente para enraizar a ideologia positivistacientificista nos estudos urbanos e nos planos diretores.” (NYGAARD, 2005. p.5153).
A cidade de Pelotas tem seu crescimento fundamentado em ordenanças e
planos urbanísticos desde o “Código de Construções e Reconstruções” de 1915, até
o “Terceiro Plano Diretor”, de 2008. Evidentemente, estas ordenanças seguem
modelos embasados nas ideias urbanísticas do século XX. Nesse caminho, esta
investigação pretende realizar um estudo sobre os planos diretores desenvolvidos
para a cidade de Pelotas, desvendando as teorias por trás desses regramentos
através de uma análise do Plano Diretor de Pelotas de 1968 e do II Plano Diretor de
1980.
1.1.1. Justificativa e relevância
A relevância desta investigação dá-se, primeiramente, pela importância dos
planos diretores como o principal instrumento da política urbana e do controle do
desenvolvimento físico-espacial de uma cidade. Outro fator fundamental é o papel
determinante dos planos como organizadores do espaço da cidade: são reflexos de
uma visão de cidade que se tem no momento em que esses planos são concebidos.
Assim, como destaca Sabaté (1999, p.14), os planos são importantes no valor
propositivo das ordenanças urbanas: “[…] y no con esta entendida como límite o
tope volumétrico, como hoy desgraciadamente se tiende a entender en tantas
ocasiones, sino con la ordenanza como idea de arquitectura, como idea de ciudad,
como idea de la ciudad que se quiere”.
15
Embora se conte com o estudo realizado por Soares (2002) em sua tese de
doutorado “Del proyecto urbano a la producción del espacio: morfología urbana de la
ciudad de Pelotas, Brasil (1812-2000)”, na qual aponta os principais agentes que
influenciaram na produção espacial da cidade e a sua relação com os planos
urbanísticos, um estudo sobre os embasamentos teóricos dos planos diretores de
Pelotas, que determinam e controlam a forma da cidade, ainda está por se fazer.
1.1.2. Pergunta de pesquisa
Com base nas informações expostas até o momento, as perguntas de
pesquisa desta investigação são:
a) Quais os paradigmas e teorias urbanas contidos nos planos diretores
propostos para a cidade de Pelotas?
b) Qual é a relação (de continuidade e de contraposição) entre os planos
diretores de Pelotas, dos anos de 1968 e de 1980?
1.1.3. Objetivos da investigação
Em geral, a imagem e o espaço da cidade configuram-se a partir de três
etapas: a) paradigma e modelo: que expressam um desejo de cidade, com
concepções espaciais diferentes em cada momento (fazem parte deste grupo o
pensamento e as teorias urbanas), b) planos urbanísticos: são gerados e articulamse a partir de modelos e ideais do seu tempo, instrumentalizando sua aplicação, c)
cidade real: lida com o espaço construído da cidade, tem resquícios de outras
intervenções (planos antigos com paradigmas e modelos diferentes). 1 (Figura 2;
Figura 3).
1
A indicação de Abreu Filho é a principal referência para este estudo: “Entendemos que são possíveis três níveis
relativamente independentes de leitura dos planos: a estrutura do Plano como discurso; a estrutura do Plano enquanto
conjunto de normas, procedimentos, regras e princípios ordenadores concretos; e a estrutura urbana que sua aplicação vai
favorecer, que consiste numa mediação entre a cidade ideal (e suas regras de consecução), e a cidade real, construção
coletiva no tempo” (ABREU FILHO, 2006, p. 15, grifo nosso).
16
a)
b)
c)
Figura 2: as três etapas para configuração da imagem e espaço da cidade. Exemplo da cidade
de Brasília. a) paradigma. (Fonte: Le Corbusier, 1992, p.232). b) plano urbanístico, maquete do
plano de Brasília c) cidade real. (Fonte: A cidade de Brasília, 2011. p.s/n).
a)
b)
c)
Figura 3: exemplo da cidade de Pelotas. a) paradigma. (Fonte: Le Corbusier, 1992, p.232). b)
plano urbanístico. Simulação de aplicação total do Plano Diretor (Fonte: GONSALES, 2002,
p.s/n). c) cidade real. Zona da Várzea Pelotas. Volumetria de quarteirão existente. (Fonte:
GONSALES, 2002, p.s/n).
Nesse sentido, o trabalho tem por objetivo geral analisar as duas primeiras
etapas, os paradigmas e os planos urbanísticos do município de Pelotas - Plano
Diretor de Pelotas (1968) e do Segundo Plano Diretor (1980).
A partir do objetivo geral, o trabalho tem como objetivos específicos:
a) Ao nível documental e bibliográfico: identificar, analisar e sistematizar
documentos – os regramentos e planos diretores de Pelotas - e a
bibliografia - livros, artigos, teses, dissertações - sobre as teorias urbanas
e contexto cultural urbano da época em que os planos diretores foram
instaurados, estudar os Planos Diretores dos anos de 1968 e 1980,
propostos para a cidade de Pelotas, de modo a encontrar analogias e
contrastes entre eles.
b) Ao nível metodológico: ensaiar instrumentos e formas de leitura e
organização que possibilitem o estudo sistemático dos regramentos e do
pensamento urbanístico.
c) Ao nível operativo: identificar e descrever como são implantados os
conceitos presentes em teorias nos planos urbanísticos e quais os
17
instrumentos utilizados para fazer com que essas ideias se reflitam na
cidade ou espaço urbano.
d) Ao nível disciplinar: identificar o devir do pensamento urbanístico no
século XX a partir da legislação urbana de Pelotas, estudar os preceitos
urbanos contidos na legislação através dos elementos intrínsecos e
conformadores do espaço urbano.
1.2. Revisão Bibliográfica
Com a seguinte revisão da literatura, busca-se indicar os temas essenciais
ao desenvolvimento deste trabalho, definidos como três: ordenanças urbanísticas, o
urbanismo moderno e o espaço urbano.
1.2.1. Ordenanças urbanísticas
As obras tomadas aqui são uma referência ao estudo do papel da legislação
urbana e aos conceitos de elementos que compõe a forma urbana. Pertencem a
este conjunto a obra de Joaquín Sabaté, “El proyecto de la calle sin nombre. Los
regulamentos urbanos de la edificación París – Barcelona”, publicada em 1999 e a
de Fernando Diez, “Buenos Aires y algunas constantes en las transformaciones
urbanas”, de 1996.
Segundo Sabaté (1999, p.14), “La ordenanza constituye uno de los
instrumentos fundamentales para la ordenación y control de la ciudad, una de las
herramientas más decisivas en su construcción y parece llamada, a pesar de todo, a
continuar siéndolo”. Segundo o autor, a importância das leis urbanas reside no fato
de que elas resultam uma condição que está muito vinculada à forma das
edificações. Outro indicativo fundamental do valor das ordenanças é o valor
propositivo que estas tiveram ao longo da história, como instrumento de
configuração da cidade, como um consenso em prol da melhoria da construção
urbana.
Nesse caminho, o autor indica os diferentes tipos de regramentos que
refletiram a maneira de observar a cidade em diferentes momentos na história e que
podem indicar as mudanças fundamentais no conteúdo das ordenanças:
18
a) Controle indireto na forma urbana: ordenança da atividade construtiva;
ordenança da boa construção; ordenança da boa vizinhança;
b) Controle direto do espaço da cidade: ordenanças de ornamento público;
ordenanças de higiene; ordenanças de zoneamento.
De acordo com Diez (1996), as regulamentações são descritas como
normas que, em defesa do bem comum, impedem a construção de algo a mais do
que aquilo determinado pelos limites. O autor divide as regulamentações em normas
restritivas e postulativas.
As normas restritivas são normas do que não se deve fazer. Em beneficio do
bem comum, impedem a construção de algo além de certos limites. Impõe-se um
limite quando existe divergência entre o interesse comum e o desenvolvimento
descontrolado de uma tendência. Em uma tendência a construir cada vez mais alto,
por exemplo, se impõe um limite máximo de altura; a uma tendência de construir
pátios cada vez menores, são determinadas dimensões mínimas. (DIEZ, 1996).
As normas postulativas marcam o que se deve fazer, não estabelecem
limites. A meta é conseguir algo e não evitá-lo. Elas surgem com a intenção de gerar
uma forma, um modelo de edifício e de quarteirão que em si resolva todos os
problemas que as regulamentações restritivas controlavam um a um. Em seu
conjunto, geram um modelo de edifício em que, por sua característica, considera-se
que tenha assegurado todas as condições desejáveis. (DIEZ, 1996).
1.2.2. Urbanismo moderno
Francoise Choay, em seu livro “O urbanismo”, publicado em 1965, aponta a
gênese das ideias que forneceram a base do urbanismo do século XX. Entre os
modelos apresentados pela autora estão o urbanismo progressista, o culturalista e o
naturalista. Embora esta classificação restrita tenha sido superada, apresentando-se
os planos e as cidades mais como uma fusão desses modelos, o estudo dessa
autora ainda é uma referência para qualquer abordagem sobre o tema.
Segundo Choay (2010a), a primeira expressão da corrente de pensamento
progressista ocorre na obra “A Cidade Industrial”, do arquiteto Tony Garnier. Editada
em 1917, a obra tem como princípios fundamentais a separação das funções
19
urbanas e a exaltação dos espaços verdes. Indica, por exemplo, que a superfície
construída de qualquer edificação deverá ser sempre inferior à metade da superfície
total do lote e o restante deverá formar um jardim público utilizado pelos pedestres.
Sem muros limitando os terrenos, o solo da cidade é visto como um grande parque.
A cidade industrial exerceu grande influência sobre a primeira geração dos
arquitetos modernos, como Walter Gropius, Le Corbusier e Mies van der Rohe.
No Brasil dos anos 30, o Estado Novo procurava promover uma nova classe
operária e transformar um país em sua maioria de caráter rural em caráter urbano.
Nesse contexto, os pressupostos progressistas ganharam corpo e consistência no
país, tornando-se o modelo da cultura nacional, ganhando volume e densidade até a
sua expressão máxima, com a construção de Brasília. Até hoje o legado do
urbanismo moderno progressista deixa marcas nítidas em todas as cidades
brasileiras (DEL RIO; GALLO, 2000).
O modelo culturalista – que tem como exemplo a cidade jardim de Ebenezer
Howard - está por trás da criação da cidade com baixa densidade na periferia,
comum nos Estados Unidos e presente, também, nos planos diretores do Brasil e de
Pelotas, em particular. Neste modelo, o ponto de partida não é mais o indivíduo tipo.
A ideia de comunidade é mais importante e o indivíduo é considerado um elemento
com suas particularidades e originalidade própria.
Portanto, tem-se os seguintes conceitos síntese decorrentes dos dois
modelos acima: continuum espacial, espaço homogêneo e socialmente distribuído, a
cidade concentrada, altas/baixas densidades, zoneamento de atividades, conceitos
de padronização, habitação coletiva e unifamiliar, intensificação e hierarquização
dos meios de circulação, unidade de vizinhança, dissolução do quarteirão e
abandono da rua-corredor.
1.2.3. Espaço urbano
Colquhoun (2004) define espaço urbano a partir de duas visões. A primeira,
dos geógrafos e sociológicos, tem como objeto de estudo o espaço social. Na
segunda visão, a dos arquitetos, o espaço urbano é visto como o espaço construído
propriamente dito em sua morfologia, na maneira como ele afeta nossas
percepções, como é utilizado e os significados que pode transmitir. Esta última visão
20
tem duas abordagens: a que atenta para as formas independentes das funções e a
que considera as funções como determinantes das formas. A visão “modernista”
tende, em geral, a esta última abordagem.
Em um edifício, caracterizam-se os elementos morfológicos como elementos
construtivos e espaciais. Diferentes elementos, pilares, vigas e etc., que, por sua
função e forma de organização, distinguem a arquitetura de várias épocas. Na
cidade, Lamas (1992, p.80) esclarece que a forma coletiva se dá a partir dos objetos
- edifícios ou construções – e de sua articulação com o espaço por eles definido. O
autor destaca como elementos da forma urbana: o solo, os edifícios, o lote, o
quarteirão, a fachada, o logradouro, o traçado, a praça, o monumento, as
vegetações, o mobiliário urbano e destaca o elemento mínimo.
O elemento mínimo do espaço urbano são os edifícios. É através deles que
se organizam os diferentes espaços que podem ser identificados com forma própria:
a rua, a praça, o beco, ou outros espaços. Agrupados em distintos tipos, os edifícios
estabelecem uma relação dialética com a forma urbana: “a tipologia edificada
determina a forma urbana, e a forma urbana é condicionadora da tipologia edificada,
numa relação dialética. Esta interdependência é um dos campos mais sólidos em
que se colocam as relações entre cidade e a arquitetura.” (LAMAS, 1992, p.86).
Panerai, em sua obra “Formes urbaines: de l’îlot à la barre – Formas
urbanas: da quadra ao bloco”, de 1977, realiza a conhecida análise do
desenvolvimento do espaço urbano a partir do estudo do quarteirão e seu processo
de dissolução ao longo do século XX. Dentro do tecido urbano, a quadra é um
elemento determinante do espaço. A partir do estudo das suas tipologias é possível
observar a relação da arquitetura com a cidade e sua evolução. No século XIX, as
quadras têm características de altas densidades e grande compacidade. Com o
tempo, essa quadra vai se transformando, a periferia das quadras vai sendo mais
organizada e a parte central subtraída, originando pátios de usos coletivos. Outra
fase dessa evolução é marcada pela abertura das extremidades das quadras, os
pátios tornam-se caminhos públicos e a densidade é menor. Logo, as quadras
consistem em duas fileiras autônomas de moradias e sua localização se dá em
função da trajetória solar. A continuidade da quadra em relação à rua e sua
submissão ao traçado urbano vão desaparecendo pouco a pouco (Figura 4).
(PANERAI; CASTEX; DEPAULE, 1986).
21
a)
b)
Figura 4: a) Philippe Panerai, evolução do espaço central da quadra amsterdanesa. (Fonte:
Panerai; Castex; Depaule, 1986, p.101). b) Ernst May, esquema ilustrando a evolução da quadra
urbana, 1930. (Fonte: Panerai; Castex; Depaule, 1986, p.108).
A relação do edifício com o espaço urbano, na cidade tradicional, vai
acontecer através da fachada. Cada edifício dispõe apenas da fachada para a
comunicação com o espaço urbano. Elas fornecem as características que compõem
a imagem da cidade. Segundo Lamas (1992, p.96), a fachada tem uma importância
e significado diferentes na morfologia urbana da cidade tradicional e na cidade
moderna, no urbanismo moderno:
O edifício, e sua fachada deixam de ocupar no espaço urbano a posição
que detinha na cidade tradicional, passando a ser objeto isolado com um
espaço livre ao redor. Desaparecem as empenas e os lados passam a ser
vistos e a pertencer à imagem da cidade. Nesse contexto modifica-se
fortemente a posição e a importância da fachada na morfologia urbana.
Quanto ao traçado, a rua, Lamas (1992) os caracteriza como os elementos
mais identificáveis, tanto na forma de uma cidade, como no gesto de projetá-la. Eles
ajustam a disposição dos edifícios e dos quarteirões, servindo como objeto de
ligação dos vários espaços e partes da cidade e, ainda, estabelecem a relação mais
direta de assentamento entre a cidade e o território. Solà-Morales (1997), destaca o
traçado como o momento inicial e mais permanente do processo do projeto em que
as decisões estão mais concentradas, constituindo-se de um elemento expressivo,
principalmente na composição tradicional, que tem o seu uso como um recurso
disciplinar primário. A rua organiza o espaço do encontro e o espaço do movimento.
A construção da cidade, ou de parte dela, é combinada ao longo do tempo
de distintas operações sobre o solo e a edificação. A complexidade do seu resultado
22
não é só a repetição de tipos e justaposição de tecidos, ela expressa o processo em
que as formas e os momentos construtivos se sucedem com ritmos próprios.
Segundo Solà-Morales (1997, p.19), o projeto urbanístico, para dar forma a um
processo físico, necessita combinar solo, edificação e infraestrutura:
La construcción de la ciudad es parcelación + urbanización + edificación.
Pero estas tres operaciones no son actos simultáneos ni encadenados
siempre de igual manera. Al contrario, de sus múltiples formas de
combinarse en el tiempo y en el espacio, so origina la riqueza morfológica
de las ciudades. Tanto mayor, cuanto más variadas sean las formas de esa
combinatoria.
Estas operações fazem parte das tipologias estruturais de crescimento, em
que o parcelamento é a transformação do campo em espaço urbano, atribuindo uso
urbano; a urbanização é a operação de construção de elementos físicos coletivos da
cidade; e a edificação é fundamentalmente a construção do edifício em si.
1.2.4. Trabalhos acadêmicos de referência
Neste trabalho, duas teses de doutorado são referências fundamentais. A
primeira, de Silvio Belmonte de Abreu Filho, “Porto Alegre como cidade ideal: planos
e projetos urbanos para Porto Alegre”, que tem como foco os planos e projetos
urbanos da cidade de Porto Alegre. O trabalho se dá através de estudo sobre estes
planos com o objetivo de relacioná-los com os paradigmas e modelos urbanísticos.
E a segunda, de Paulo Roberto Rodrigues Soares, “Del proyecto urbano a la
producción del espacio: morfologia urbana de la ciudad de Pelotas, Brasil (18122000)”, faz uma análise da morfologia urbana de Pelotas no período de 1812 – 2000,
considerando os agentes de produção espacial da cidade, estudando o
desenvolvimento urbano, o projeto urbano, a produção do espaço e os ciclos de
crescimento e expansão da cidade.
1.3. Técnicas e procedimentos metodológicos
Os planos diretores de Pelotas de 1968 e de 1980 foram elaborados em
momentos diferentes de pensamentos, no que diz respeito à cidade e ao seu
desenvolvimento. Nesse caminho, os procedimentos foram estabelecidos através da
necessidade de descobrir mais sobre as elaborações dos planos e, principalmente,
23
em revelar as teorias que estão por trás deles. Para alcançar esses objetivos, os
passos para a investigação foram organizados da seguinte forma:
1.3.1. Estudo das teorias urbanísticas
a) Estudos das fontes primárias com a finalidade de destacar suas
principais ideias. O estudo é feito através de análise de documentos
urbanos referentes às épocas em que foram elaborados os planos.
Também é realizado o estudo das legislações (Código de Construção
e Reconstrução de 1915, Plano de ampliação da cidade de 1924,
Saneamento de Pelotas de 1927, Código de Construções de 1930 e
Saneamento de Pelotas – novos estudos de 1947), que regeram a
cidade de Pelotas antes do Plano Diretor de 1968, com a finalidade
de entender a conformação da cidade até a implantação deste plano,
uma vez que o estudo do crescimento de uma cidade é uma maneira
de entendê-la de forma global.
b) Revisão da bibliografia, na qual são desenvolvidas as leituras das
fontes secundárias, por meio de pesquisa bibliográfica e documental.
Estudos sobre as legislações, espaço urbano, elementos urbanos das
cidades e o urbanismo moderno, são temas fundamentais que darão
suporte para o desenvolvimento da investigação.
1.3.2. Estudo dos planos
Os Planos Diretores de Pelotas são definidos como os objetos de estudo
deste trabalho. Nesta fase, são desenvolvidas:
a) Leituras dos planos de 1968 e 1980, destacando suas principais
características, compondo mapas e tabelas comparativas;
b) Revisão bibliográfica com pesquisa de outros materiais que foram
desenvolvidos sobre os mesmos planos;
c) Entrevistas com os profissionais que fizeram parte das equipes técnicas
dos planos;
24
d) Análises de zonas piloto para verificação dos potenciais construídos,
através de simulações 3D (Figura 5). Este recurso de observar os
quarteirões tridimensionalmente é utilizado em muitas ordenanças para
explicar uma ideia de conformação de cidade, assim como também é
utilizado em diversos estudos de planos (Figura 6). Esta etapa é
realizada nos seguintes passos:
(i)
escolha das zonas piloto. Bairros Areal, Centro, Fragata,
São Gonçalo e Três Vendas, pois são extensões de
incidência
da
cidade,
com
estrutura
viária
e
características distintas.
(ii)
as áreas piloto serão delimitadas por quarteirões inseridos
no sistema AutoCad. A partir disto serão compostos
mapas, gráficos e tabelas com informações de dimensões
dessas áreas. Com esses dados, será possível retirar as
medidas das quadras e lotes. O objetivo dessa tarefa é
verificar a média dos lotes entre bairros;
(iii)
a partir dos estudos dos planos de 1968 e 1980,
serão desenvolvidos desenhos sobre as quadras das
zonas piloto, com os recuos e alturas propostos pelos
planos, caso fossem utilizados seus índices máximos.
Estas informações foram transformadas em modelos
tridimensionais no software ScketchUp (este estudo está
apresentado nos apêndices do trabalho – Apêndice A),
onde é possível ter uma perspectiva de desejo de cidade
contida nos planos diretores.
25
Imagem aérea da quadra –
Centro (Catedral)
Simulação das edificações nos
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o I PD
lotes, de acordo com o II PD
Definida pelo plano como ZR2
Definida como ZCC permite
Média área dos lotes: 287,70m²
permite edificações acima de
edificações de altura livre,
Média frente dos lotes: 10,22m
12m de altura, exigindo recuos
dispensando recuos laterais e
laterais e de ajardinamento
de ajardinamento
Figura 5: exemplo de zona piloto da área central. (Fonte: autora, 2011)
a)
b)
Figura 6: gráficos mostrando as tipologias de quarteirões. a) gráficos apresentados no Plano
Diretor de Porto Alegre 1959/81. (Fonte: ABREU FILHO, 2002). b) modelos com máximo
potencial construído. (Fonte: DIEZ, 1996).
1.3.3. Identificação das teorias urbanas nos planos diretores e dos principais
instrumentos utilizados para transformar essas teorias em cidade real
Após os estudos das teorias urbanas e dos planos diretores, através das
leituras e do auxílio das simulações, serão analisadas, nesta etapa, as formas de
26
influência das teorias urbanas na criação dos planos e quais ideias foram utilizadas
nos mesmos. Os seguintes itens serão analisados:
a) Os temas fundamentais do urbanismo moderno:
- o continuum espacial;
- a cidade concentrada;
- zoneamento de atividades;
- hierarquização dos meios de circulação.
b) Instrumentos: relações dos regramentos (Códigos e Projetos de
Saneamento e Expansão) e planos diretores com:
- os estudos segundo Diez (1996) de legislações restritivas e
postulativas;
- presença das preocupações e prioridades de Sabaté (1999);
- definição de elementos urbanos de Lamas (1992);
- formas de crescimento de Solà-Morales (1997).
1.4. Estrutura da dissertação
O presente trabalho é constituído de seis capítulos. No primeiro capítulo,
“Introdução”, é apresentada a caracterização do projeto de pesquisa, a justificativa
do tema de investigação, as perguntas, os objetivos, a revisão bibliográfica e os
procedimentos metodológicos.
No segundo capítulo, “A conformação da cidade até 1968”, são
apresentadas as ordenanças anteriores ao Plano Diretor de 1968, com início no
Código de Construções e Reconstruções de 1915, Plano de Ampliação de 1924,
Saneamento de Pelotas de 1927, Código de Construções de 1930 e Saneamento de
Pelotas – novos estudos - de 1947. Mesmo sendo ordenanças com nomenclaturas
diferentes (códigos, planos e relatórios), todos apresentam, de alguma forma,
características que auxiliam na composição da forma urbana da cidade. O objetivo
deste capítulo é perceber as mudanças que ocorreram em Pelotas durante o período
27
dessas ordenanças e compreender as características da cidade encontrada pela
equipe que, em 1966, inicia os estudos para o primeiro plano diretor.
No terceiro capítulo, “Plano Diretor de Pelotas, 1968”, é apresentada uma
breve passagem pelas teorias urbanas que influenciaram os planos urbanísticos no
Brasil ao longo do século XX, como os preceitos do urbanismo moderno
manifestados nos CIAM, o movimento Économie et Humanisme do padre Lebret, o
Urban Survey e a emergência do Serfhau no panorama brasileiro. A última parte do
capítulo apresenta uma leitura crítica do Plano Diretor de Pelotas de 1968.
No quarto capítulo, “II Plano Diretor de Pelotas, 1980”, seguindo a mesma
estrutura do capítulo anterior, é exposto um relato do contexto urbano dos anos 70,
como a falência do BNH e do Serfhau, as críticas ao urbanismo do CIAM e a
importância do sistema de circulação no planejamento das cidades modernas com a
Empresa Brasileira de Planejamento de Transporte – GEIPOT. Posteriormente,
como no capítulo anterior, é apresentada uma leitura crítica do II Plano Diretor de
Pelotas de 1980.
“Os Planos e as Ideias”, o quinto capítulo da dissertação, apresenta uma
síntese comparativa entre os temas do urbanismo do século XX, encontrados nos
dois planos diretores de Pelotas. São analisados os temas comuns: o continuum
espacial, a cidade concentrada, zoneamento funcional, sistema viário como
fundamental organizador da cidade, a tabula rasa e os novos paradigmas.
Por fim, no sexto capítulo, “Considerações Finais”, é realizado o fechamento
do trabalho remetendo aos conceitos e hipóteses iniciais. É feita também a
identificação dos principais instrumentos utilizados para transformar as teorias em
cidade real.
2. A CONFORMAÇÃO DA CIDADE ATÉ 1968
Pelotas, desde a sua origem, é conduzida por planos urbanísticos que
apontam a direção de sua produção. Os planos fundacionais indicavam um traçado
reticular e determinavam um conjunto de ordenanças. Este traçado regular, herança
da
engenharia
militar,
teve
influência
hispânica,
“esta
política
valorizava
especialmente as praças. Eram, na verdade, o centro da cidade, nas quais se
concentravam os pontos de atenção e de focalização urbanística, e onde se
concentravam os edifícios principais, oficiais e religiosos.” (SANTOS, 2001, p. 132).
Esses planos iniciais correspondem aos projetos de urbanização do 1º
loteamento de 1812 a 1815, com a localização da Igrejinha, hoje Catedral São
Francisco de Paula; do 2º loteamento em 1830, com a expansão das ruas
longitudinais em direção ao canal São Gonçalo; do 3º loteamento em 1858, quando
a cidade cresce em direção norte, no Bairro da Luz; e do 4º loteamento em 1870,
quando se resgata o Bairro da Várzea, época em que a cidade encontrava-se no
início do seu apogeu do desenvolvimento econômico, social e cultural.
Nas primeiras décadas do século XX, outros planos de loteamentos, também
com traçados e ordenanças, foram configurando, de maneira bastante fragmentada,
a periferia da ocupação inicial (Figura 7). Na citada zona de retícula, o conceito é de
cidade tradicional, que configura o quarteirão e a rua-corredor. Já no entorno de
traçado irregular, embora com os elementos urbanos básicos como ruas, quadras e
lotes, os preceitos são da cidade-jardim, com edificação isolada no lote.
29
Figura 7: área central (em vermelho) e adjacente de Pelotas. (Fonte: GONSALES, 2002, p.s/n).
Novos loteamentos surgem como alternativa mais econômica à moradia
para a população de média e baixa renda, extrapolando esses limites centrais, e a
cidade desenvolve-se para o leste, conformando o Bairro Areal, para o oeste, no
Bairro Fragata, e para o norte, configurando a zona das Três Vendas (Figura 8).
Figura 8: evolução urbana de Pelotas (dos primeiros loteamentos até 1966). (Fonte: PELOTAS,
1978d, p.s/n).
30
A partir da segunda década do século XX, em Pelotas, o poder público
implanta uma série de ordenanças que vão instituindo uma forma para o espaço da
cidade. Neste caminho, este primeiro capítulo busca descrever e analisar estes
regramentos - procurando compreendê-los a partir da cultura urbanística geral do
momento - com a finalidade de perceber as mudanças que ocorreram ao longo da
primeira metade do século XX na cidade e de compreender, acima de tudo, as
tendências e principais características da cidade encontrada pela equipe que, em
1966, inicia os estudos para o primeiro plano diretor de Pelotas.
Este estudo inicia com o Código de Construções e Reconstruções de 1915,
uma normativa que já apresenta inovações em relação aos planos anteriores:
incentiva recuos do alinhamento da calçada, obriga a construção de platibandas
eliminando os beirais sobre os passeios e mostra preocupações com questões de
higiene. O Plano de Ampliação, realizado em 1924 por Fernando Rullmann, é o
primeiro plano de desenvolvimento urbano para o município, onde, pela primeira
vez, a cidade foi pensada no seu conjunto e não de forma pontual. O Escritório
Saturnino de Brito, em 1927, além da proposta de rede de água e esgoto, realiza um
anteprojeto de extensão da cidade, propondo para algumas áreas ainda não
ocupadas quadras longas e estreitas e recuo de ajardinamento de 5m. Em 1930, o
Código de Construções recomendava que as fachadas formassem um conjunto
harmonioso e que apresentassem um afastamento do alinhamento predial de 4m.
No ano de 1947, o escritório de Saturnino de Brito volta à cidade e realiza o
Relatório de Saneamento – novos estudos, com previsão de áreas industriais,
organização de tráfego e de bairros populares, além das propostas de rede de água
e esgoto.
É importante salientar que apenas uma parte desses regramentos passou do
terreno das ideias para as ações. No entanto, eles mostraram o desenvolvimento
urbanístico na cidade, como será apresentado ao longo do capítulo.
2.1. O Código de Construções e Reconstruções, 1915
No Brasil, os primeiros planos elaborados discutiam o saneamento, as vias,
a beleza e a expansão da cidade. São os planos de melhoramentos – de cunho
higienista - e embelezamento urbano. A expressão “embelezamento urbano”
31
sintetizou o planejamento de origem renascentista que enfatizava, acima de tudo, a
beleza monumental. Segundo Villaça (1999), foram altamente ideológicos, pois
visavam glorificar o Estado e a classe dirigente capitalista. O período compreendido
entre os anos de 1875 a 1930 representou uma época em que a “classe dominante
brasileira tinha uma proposta urbana, que era apresentada com antecedência e
debatida abertamente. Suas condições de hegemonia eram tais que lhe permitia
fazê-lo”. Este momento pode ser dividido em dois: “de 1875 a 1906, ascensão dos
planos de melhoramentos e embelezamento; e de 1906 a 1930, declínio dos planos
de melhoramentos e embelezamento.” (VILLAÇA, 1999, p. 197).
Em Pelotas, o código de posturas referentes às construções e reconstruções
é proposto em 1915 (já no período de declínio dos planos de embelezamento e
melhoramentos), por ocasião da instalação da rede de esgotos da cidade. Devido ao
aumento da aglomeração em torno da área central, o código buscava a ideia de
conforto, higiene e segurança com base nas “grandes cidades, como São Paulo e
Rio de Janeiro, além de outras no estrangeiro”, que modificaram seus tipos edilícios
básicos e as regras das construções a fim de facilitar a edificação em geral
(PELOTAS, 1915, p.5). É importante lembrar que, nesta época, Pelotas ainda vivia
do reflexo das charqueadas que formaram a base do primeiro ciclo econômico do
Estado. Era uma das importantes cidades do Rio Grande do Sul. A capital Porto
Alegre ainda não era uma referência à cidade, como se pode ver neste e nos
regramentos a seguir. A capital do país, Rio de Janeiro, e São Paulo eram as
principais referências, assim como as cidades europeias.
Segundo o regramento de Pelotas, em relação a aspectos formais do edifício
e do espaço urbano, algumas das condições a serem observadas nas construções
diziam respeito ao alinhamento. Os prédios poderiam ser alinhados à via pública ou
deveriam ser recuados, pelo menos, 4m para o interior do terreno. Por outro lado,
todas as edificações que tivessem a fachada sobre o alinhamento das via pública,
deveriam estar providas de platibanda ou “beiral ornamentado na frente da rua”.
Além disso, os encontros de rua não poderiam ter arestas vivas, que deveriam ser
substituídas por uma nova face (chanfro) com no mínimo 2m de largura. O código
destacava que a arquitetura ou forma dos edifícios seria livre, e ainda salientava
uma dúbia exigência arquitetônica dentro dos padrões da época:
32
O conjunto seja harmônico e estético, podendo ser admitidos
edifícios especiais de qualquer estilo arquitetônico, edifícios
afastando-se, embora, dentro de uma tolerância aceitável, das
em vigor, respeitem as regras gerais da construção moderna.
1915, p. 12).
projetos de
esses que,
disposições
(PELOTAS,
Quanto às questões sanitárias, o regramento é bem mais rígido, com
penalizações pela má execução dos serviços domiciliares de instalações sanitárias,
pela manutenção de ligações clandestinas e pela derivação de águas pluviais e
outros líquidos para o esgoto sanitário. As habitações coletivas necessitariam de
coletores gerais e seriam obrigadas a dispor de aparelhos sanitários para cada
família. Portanto, “a simples existência de uma legislação detalhada, a exemplo de
outras cidades maiores, já indicava a intenção de implantar a modernidade urbana
na cidade também pela via de saneamento.” (SOARES, 2001, p. 6).
2.2. Plano de ampliação da cidade, 1924
No Diário Popular, jornal local, de 20 de abril de 1924, foi publicado o
memorial do projeto de ampliação da cidade, estudos de urbanismo e suas regras
gerais, desenvolvido por Fernando Rullmann 2 e aprovado, pelo intendente municipal
Dr. Pedro Luis Osório.
Em tal publicação, a municipalidade declara que procurava um plano geral
para a cidade, que previsse um desenvolvimento racional em harmonia com o
progresso e o gosto moderno. Mas, ao mesmo tempo, buscava evitar os projetos
grandiosos e não destruir o caráter peculiar da cidade, mantendo o seu passado
histórico e a sua fisionomia, respeitando, na área central, os antigos alinhamentos,
apesar de expressar uma opinião crítica em relação a esse tipo de espaço urbano. É
descrito no texto:
2
Fernando Rullmann nasceu na Alemanha em 22/05/1893 e em 25/04/1938 tornou-se cidadão brasileiro. A data e as razões
de sua vinda para Pelotas, assim como qual era sua formação profissional não foram obtidas. No ano de 1936, foi autorizado
pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA a ocupar o cargo de Engenheiro Chefe da Seção Técnica da
Prefeitura Municipal de Pelotas. Além do Projeto de Ampliação da cidade em 1924, sabe-se que também projetou a residência
de Augusto Simões Lopes, no Bairro Simões Lopes.
33
Os arquitetos de hoje falam, com insistência, nos inconvenientes dos
traçados da cidade em forma de xadrez, isto é, com ruas retas, cortando em
ângulos retos e, portanto, os quarteirões construídos por prismas de base
quadrada. Suas considerações visam às condições de higiene, salubridade,
comodidade de trânsito e aformoseamento da cidade em geral. É na
disposição de ruas sinuosas, traçadas com intento proposital de beleza
pitoresca e satisfazendo as exigências da perspectiva, que se permite
observar, de modo variado, a série de frentes, cujos pormenores ficam em
evidencia, mediante alinhamentos côncavos. O sistema geométrico de
Pelotas em forma de xadrez, para esses arquitetos, desfaz o conceito
estético, é uniforme, pesado, monótono e foi baseada na necessidade de
trânsito [...] esta disposição apresenta, entre outros inconvenientes, o que
se refere à ubiquação deficiente dos grandes monumentos arquitetônicos,
por cuja causa se trata, para corrigir tais inconvenientes, de estabelecer
diagonais na planta geral. (DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).
Esta citação nos leva a refletir sobre quem eram esses arquitetos que
buscavam tais condições. Fernando Rullmann, idealizador do Plano de Ampliação,
era alemão.
Nesse contexto, é importante considerar a teoria de Camillo Sitte exposta na
obra “Der Städtebau nach seinen kunstlerischen Gründsätzen - A construção das
cidades segundo seus princípios artísticos” (1889), uma teoria e um modelo de
cidade que inspirou uma geração de urbanistas, muito presente na Alemanha do
momento, e influenciou de forma decisiva a realização das cidades-jardins e o
chamado por Choay, urbanismo culturalista. (SITTE, 1992).
Sitte acreditava que a simetria de traçado, com casas regularmente
alinhadas, provocava um mau efeito e contribuía para o isolamento de monumentos.
No campo da higiene, reconhecia o progresso alcançado devido a este modo de
construir cidades, mas não acreditava que para obter tal benefício fosse necessário
suprimir a beleza das cidades3.
Em 1924, Letchworth (Figura 9), está construída – projeto de Raymond
Unwin e Barry Parker - sob os preceitos de Ebenezer Howard, este, de alguma
maneira, seguidor de Sitte.
3
Uma curiosidade a respeito dos arquitetos Sitte e Rullmann, é que ambos citam de Aristóteles em suas obr as. Camillo Sitte
na introdução de Construção das cidades segundo seus princípios artísticos, de 1889, cita: “uma cidade deve ser construída
para tornar o homem ao mesmo tempo seguro e feliz. Para que esta última condição se efetive, a construção urbana nã o
deveria ser apenas uma questão técnica, mas também artística.” (SITTE, 1992, p. 14) e Rullmann no início do memorial do
Plano de Ampliação de Pelotas, também cita o filósofo: “a felicidade de um povo se revela pela beleza das suas cidades.”
(DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).
34
Figura 9: plano de Letchworth. (Fonte: HOWARD, 2002, p. 46)
Howard havia exposto sua teoria da cidade-jardim no livro “To-morrow – a
Peaceful Path for True Reform, Amanhã: um caminho pacífico para a reforma social”
de 1898, reeditada em 1902 com o título: “Garden Cities of Tomorrow - CidadesJardins de amanhã”. Para Howard, tanto a cidade, quanto o campo podiam ser
considerados como imãs que atraem para si a população. O propósito do livro
consiste em mostrar a direção para a construção do imã cidade-campo, o imã que
une essas duas possibilidades em uma (Figura 10). Portanto, a ideia de cidadejardim nasce da intenção de agregar as vantagens da vida ativa da cidade com a
beleza e outras qualidades da vida do campo. (CHOAY, 2010a).
Figura 10: diagramas chave da cidade-jardim. (Fonte: HOWARD, 2002, p. 109,113,114 e 204).
35
Segundo Howard, a cidade-jardim elevaria o nível da saúde e do bem-estar
dos trabalhadores, com a combinação da vida da cidade com a vida do campo. A
cidade seria construída com baixas densidades e com casas isoladas no meio do
espaço verde (CHOAY, 2010a).
E põe em prática esta teoria em Letchworth (Figura 11), a primeira CidadeJardim construída. Raymond Unwin e Barry Parker, além da contribuição para a
elaboração do plano, também participaram no preparo das normas de construção,
no controle da construção dos edifícios e na realização de vários projetos de
arquitetura do local.
a)
b)
Figura 11: a) Letchworth, plano original publicado em 1904. (Fonte: HOWARD, 2002, p.49). b)
Letchworth (Fonte: Google Earth).
Também se deve lembrar que no Brasil já havia aplicações concretas desse
modelo de cidade nos “jardins” paulistanos, a partir de 1918. Os empreendimentos
da Companhia Britânica City trazem à cidade de São Paulo o projeto do Jardim
América (Figura 12), um bairro exclusivamente residencial inspirado nos modelos
ingleses de Cidade-Jardim e projetado pelos mesmos arquitetos de Letchworth.
Posteriormente, foram conformados com as mesmas características o Jardim
Paulista, Europa e Paulistano e o Pacaembu. (GONSALES, 1999).
36
Figura 12: Barry Parker e Raymond Urwin. Jardim América. (Fonte: GONSALES, 1999, p.240).
Unwin prega a síntese entre rua reta e rua curva. Cidade como síntese da
beleza formal e informal, do reto e do irregular, da geografia e da arquitetura e deixa
claro isso nos seus projetos para Letchworth e nos bairros paulistanos. Esta
premissa encontra-se presente na proposta de Rullmann para Pelotas: “proporcionar
situações de belo efeito, dando oportunidade para nelas situar monumentos ou
edifícios públicos de valor arquitetônico.” (DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).
Todos esses exemplos podem ter sido referência para o Plano de Rullmann,
já que apresenta um desenho de cidade (Figura 13) que, de alguma maneira, reflete
os princípios presentes nesses precedentes.
37
Figura 13: projeto de ampliação da cidade de Pelotas. Em destaque as áreas existentes.
Adaptado pela autora. (Fonte: DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).
Por outro lado, é importante observar as próprias experiências alemãs, pois
o texto do plano (DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5) indica que o uso do “método
irregular é muito adotado na Alemanha por especialistas contemporâneos”.
Simões Jr. (2008), descreve alguns princípios sobre a urbanística germânica
no período anterior a 1920, dentre eles alguns de caráter formal são muito
semelhantes aos critérios adotados por Rullmann. A escolha do traçado com ruas
retas ou curvas escondia um debate entre a racionalidade versus a espontaneidade
na edificação do desenho urbano. Outra questão era o alinhamento das fachadas e
os efeitos visuais decorrentes deste alinhamento.
Estas questões também são encontradas no artigo de Eskinazi (2009), que
faz um estudo sobre as exposições de arquitetura que ocorreram na Alemanha de
1901 a 1957. O autor destaca que a mostra de 1910 teve Werner Hegemann como
coordenador. O mesmo que, um ano antes, esteve nos Estados Unidos,
organizando a “Boston 1915”, um movimento de melhorias urbanas que previa um
plano de incorporação à cidade de Boston de 40 bairros vizinhos, tornando-os uma
única unidade metropolitana. Com este trabalho, Hegemann é colocado em contato
38
com
urbanistas
americanos
(Figura
14),
cujos
trabalhos
influenciaram
a
compreensão de Hegemann sobre o urbanismo e sua consequente atuação e
difusão na Alemanha e na Europa.
a)
b)
c)
Figura 14: projetos do arquiteto americano Frederick Law Olmsted. a) Riverside, Chicago,
1868. (Fonte: SALT CREEK GREENWAY ASSOCIATION, p.s/n). b) plano de Sudbrook, 1889.
(Fonte: SUDBROOK PARK, p.s/n). c) Central Park, Nova York, 1851. (Fonte: YURBANISM,
p.s/n).
Simões Jr. (2008) também destaca como princípio do urbanismo germânico
o instrumento de zoneamento, em três categorias: a zona industrial, as zonas de
negócios e de comércio e as zonas exclusivas para residências. Eskinazi (2009)
menciona que na exposição de 1901 é “projetado e construído um quarteirão
moderno integrando moradia e trabalho”. Esses ideais surgem no Plano de
Ampliação de 1924. Rullmann propõe um zoneamento funcional 4 , organizando a
cidade em zonas industriais, comerciais e residenciais, nesta última sendo permitido
o pequeno comércio (Figura 15).
4
O instrumental do zoning planing (teoria do zoneamento urbano) foi proposta originalmente por Franz Adikes em Frankfurt em
1893 com o objetivo de controlar as rendas fundiárias urbanas e ao valor do solo urbano. (MIRANDA, 2011).
39
Hipódromo
Canal
Santa
Bárbara
Canal
Pepino
Habitação
Parque
elite
Centro de
exposições
Cemitério
Habitação
burguesa
Zona
comercial
Habitação
Cultura
operária
cívica e física
Centro
industrial
Engenho
Centro indústria
de carnes
Frigorífico
Figura 15: zoneamento funcional. Zona de comércio em laranja, zona industrial em rosa,
habitação de elite em azul, habitação operária em verde, habitação burguesa em amarelo e o
hipódromo em roxo. Adaptado pela autora. (Fonte: DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).
O comércio e serviços administrativos aproximavam-se da área central
(Figura 15 em laranja), enquanto os serviços públicos especializados dispuseram-se
segundo as suas necessidades, na periferia da cidade. Foi localizado um centro
comercial e industrial, para a alta importação e exportação, perto do novo cais às
margens do canal São Gonçalo, já que a região contava com linha férrea e marítima
(Figura 15 em rosa). Ainda foram previstos centros de cultura cívica e intelectual
(Figura 15 em cinza), sobre o ponto mais alto da cidade, para fazê-los sobressair do
conjunto, e um centro de cultura física.
As habitações foram propostas de acordo com a classe social. As
habitações da elite foram planejadas na cidade-jardim (Figura 15 em azul), ao norte
da área central, sobre um arruamento sinuoso, “cujas edificações, devem ser
recuadas e isoladas do alinhamento das ruas por jardins, emprestando assim, pelo
conjunto, o aspecto duma grande praça edificada, com o máximo de estética e
conforto”, como consta no plano. (DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).
40
O centro de habitação operária estava em anexo ao centro industrial (Figura
15 em verde), ligando o lugar do trabalho com a moradia, já a habitação burguesa
(Figura 15 em amarelo), localizava-se nos terrenos canalizados e drenados junto ao
arroio Santa Bárbara. O plano garantia que toda a habitação nova tivesse ao seu
lado um jardim e salientava a importância do código de construções para a harmonia
estética urbana:
“Não se precisará tão cedo determinar a altura as casas, porque o ar e a luz
ainda não constituem privilégios, por conter a cidade na sua maioria
edificações baixas. Porém cabe ao emprego fiel do Código de Construções
assegurar a estética urbana, pondo um freio a liberdade privada,
combatendo as fachadas inexpressivas, por elas pertencerem ao domínio
público estético”. (Memorial do Projeto de Ampliação da Cidade. DIÁRIO
POPULAR, 1924, p.5).
Soares (2001, p.11) chama a atenção para uma “coincidência histórica ou
prova da difusão dos modelos urbanísticos”, pois, no ano de 1927, o governo do Rio
de Janeiro, então capital do país, contrata o urbanista francês Alfred Agache. O
Plano Agache, elaborado entre 1927 e 1930, dividia a área urbana carioca de acordo
com as proximidades funcionais. Para as áreas residenciais, a proposta era de uma
hierarquia através de classes sociais, com cidade-jardim para a elite, bairros
burgueses para a classe média, bairro dos funcionários públicos e bairros operários,
localizados nos subúrbios. “Neste sentido, as propostas de planejamento urbano
implementadas em Pelotas, precediam em alguns anos às idealizadas para a própria
capital da república”. De acordo com Villaça (1999, p.188), o Plano Agache “é, no
nosso conhecimento, o primeiro plano a apresentar a expressão plano diretor.”.
2.3. Saneamento de Pelotas, 1927
Segundo Villaça (1999), no Brasil, o urbanismo sanitarista resume-se quase
totalmente na obra de Francisco Rodrigues Saturnino de Brito. O engenheiro carioca
é formado pela antiga Escola Politécnica do Rio de Janeiro e teve participação em
projetos de abastecimento de água, saneamento e urbanização em muitas cidades
brasileiras, como São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Rio Grande e
outras.
Na cidade de Pelotas, o engenheiro realizou, no ano de 1927, o relatório de
saneamento, que tinha como principal objetivo o desenvolvimento e complemento
dos serviços existentes de água e esgoto. Os temas desenvolvidos no relatório
41
diziam respeito ao abastecimento de água; esgoto pluvial, drenagem, aterro e cais
do Porto; esgoto sanitário; organização e custo dos trabalhos.
O relatório também incluía um projeto de expansão urbana, menos
ambicioso que o de Rullmann, ou talvez mais realista, como sugere Soares (2001),
já que as ampliações seriam feitas sem muitas alterações na trama urbana existente
(Figura 16). O relatório iniciava com uma descrição sobre a cidade de Pelotas e seus
recursos hídricos, seguida das intenções de expansão para município. Uma das
primeiras propostas refere-se ao traçado da cidade. As ruas diagonais e curvas das
áreas de expansão tinham o intuito, segundo o relatório, de facilitar o trânsito local.
Figura 16: anteprojeto de extensão de Pelotas, 1927. Em destaque o existente. Adaptado pela
autora. (Fonte: PELOTAS, 1927, p.s/n).
Por outro lado, a expansão da cidade para o bairro da Luz (Norte) e para a
margem direita do arroio Santa Bárbara (Oeste), já era uma realidade e estava
acontecendo de forma desordenada ao longo das estradas ou formando
aglomerações de pequenas habitações, com algumas ruas e vielas de escassa
largura, traçadas sem a preocupação de constituírem elementos harmônicos de um
plano geral. Desta forma, o “plano” julgava necessário, como resolução geral,
estabelecer que as construções fossem feitas: ao longo das estradas, com faixa de
42
10m contados do eixo das mesmas para cada lado; e, ao longo das ruas centrais ou
comerciais, com faixa de 5m a partir do alinhamento da via pública. As faixas da
propriedade particular, assim reservadas como não edificáveis, poderiam ser
cultivadas ou ajardinadas pelos proprietários.
Quanto à formação dos quarteirões e a largura dos lotes, o “plano”
comentava:
Os quarteirões quadrados, com lotes estreitos e compridos, estão sendo
banidos dos novos projetos; podem ser admitidos com a subdivisão por
meio de vielas sanitárias e o estabelecimento de pequenos parques no
interior. Os quarteirões alongados, com 150 a 250m de comprimento por 60
a 80 de largura, são os mais convenientes; dar-lhes a direção norte sul,
aproximadamente – traz a vantagem de deixar expostos à iluminação solar
a frentes e os fundos das casas; as fachadas voltadas para o sul são muito
úmidas no inverno.
Podem os lotes ter pequena extensão (25 a 35m), desde que tenham 15 a
20m de largura ou frente; nesse caso, se os edifícios ficarem isolados, será
preferível que os lados sejam isolados e a orientação dos quarteirões
deverá ser diferente da meridiana. Nos quarteirões operários as dimensões
serão menores, estabelecendo-se as ruas principais e as ruas secundárias
ou particulares. (PELOTAS, 1927, p. 12-13).
A construção de vielas sanitárias ou de pequenos parques no interior das
quadras está presente no conhecido plano Ensanche de Barcelona, 1865, de
Ildefonso Cerdá, que envolve o casco antigo de Barcelona. O quarteirão de Cerdá
era uma versão “moderna” do quarteirão tradicional, onde os aspectos de higiene do
século XIX se mostravam presentes. E quanto à exposição das edificações à
iluminação solar, Cerdá considerava a moradia como suporte fundamental da
qualidade de vida, reivindicava a salubridade das habitações de maneira radical e
efetiva.
Por outro lado, os quarteirões alongados já estavam presentes em alguns
planos americanos que já foram citados neste trabalho (Olmsted) e consolidados
nas primeiras Siedlungen centro-europeias.
2.4. O Código de Construções, 1930
Em 1930, foram propostos planos para as duas maiores cidade do país, que
marcaram uma nova etapa, a dos “planos gerais” na história do planejamento
urbano no Brasil: “Cidade do Rio de Janeiro extensão, remodelação e
embelezamento”, de Alfred Agache e “Estudo de um Plano de Avenidas para a
43
cidade de São Paulo”, de Francisco Prestes Maia. Segundo Villaça (1999, p.182),
estes dois planos marcam o fim dos planos de melhoramentos e embelezamento e
dão início ao período dos planos gerais, “marcados pela ideologia do planejamento
enquanto técnica de base científica.” Mesmo assim, estes dois planos apresentavam
características de melhoramentos e embelezamento, especialmente no sistema
viário e, no plano Agache, a palavra embelezamento aparece no título do plano.
O plano Agache desenvolve estudos de abastecimento de água, coleta de
esgotos, combate de inundações e limpeza pública. Também apresenta um
detalhado conjunto de leis urbanísticas sobre os loteamentos, desapropriações,
gabaritos, edificações e estética urbana. E, ainda, estudos sobre planos de
habitação para classes operárias, com considerações sobre financiamento,
subvenções e cooperativas. (VILLAÇA, 1999, p.188).
O plano de Prestes Maia dedica-se mais ao sistema de transportes, a
algumas legislações urbanísticas, à habitação popular, ao zoneamento, à retificação
do rio Tiete e urbanização de suas margens e um apêndice sobre os parques da
cidade. “Do urbanismo embelezador ele [Prestes Maia] guardou as propostas de um
desenho urbano monumental.” (VILLAÇA, 1999, p.209, grifo nosso).
Estes dois planos tratavam, além do destaque da infraestrutura de
saneamento e de transportes, de questões urbanísticas e regulamentos para a
construção, como tolerâncias de altura e de superfície, salubridade e zoneamento,
de forma mais detalhada, mas não diferente do que vinha acontecendo em Pelotas.
Em 16 de setembro de 1930, foi reavaliado o Código de Construções e
Reconstruções de 1915, com a Lei nº 1, assinada pelo intendente municipal de
Pelotas, João Py Crespo. Como expõe o intendente na carta de motivos (Anexo A),
o código impõe regras de construção. Na carta, o intendente relata a insatisfação
com o código anterior e o desejo de que a cidade estivesse no mesmo patamar que
outras cidades mais adiantadas do país:
44
A deficiência do atual em face do desenvolvimento sempre crescente da
cidade, a omissão em pontos essenciais de maneira a suscitar razoáveis
controvérsias, observadas em tão longo período de sua vigência, as
reclamações formuladas por proprietários e construtores, forçam à medida
que se põe em prática. Manifestou-se também ultimamente em outras
cidades adiantadas do país, por semelhantes motivos, a necessidade dessa
medida, onde os Códigos, como condição inadiável, foram modificados ou
substituídos, aceitando os novos processos recomendados pelos
especialistas em estudos de urbanismo. E o caso local, não podendo fugir a
essa exigência comum, reveste-se, entretanto, da maior importância, se
atendermos a oportunidade do atual trabalho que vem satisfazer, desta
forma, uma justa aspiração da nossa gente. (PELOTAS, 1930, p. 88).
O código dispõe de regras para a construção. Algumas delas colaboram
para o desenho final da forma urbana, porque dizem respeito ao desenho do
conjunto edilício da cidade. Quanto às questões de alinhamento, continua valendo o
regramento de 1915, ou seja, os prédios deveriam ser construídos no alinhamento
da via pública ou fora deles e, neste caso, afastados, pelo menos, 4m para o interior.
Em prédios de esquina, deveria ser observado o recuo de 4m para ambas as faces.
Nos cruzamentos das vias públicas, os dois alinhamentos seriam conciliados por um
terceiro (chanfro) que, independente da forma, seria sempre preenchido por janela,
porta ou outros motivos decorativos. A platibanda ou beiral ornamentado
continuavam sendo exigidos nos prédios com fachada sobre os alinhamentos das
vias públicas. A largura mínima para abertura de ruas era de 18m e a de cada um
dos passeios, no mínimo, de um quinto (1/5) da largura da rua.
Referente às fachadas ou fachadas visíveis dos logradouros públicos, todos
os projetos, qualquer que seja o fim a que estes se destinassem, seriam submetidos
a um exame especial. Também seriam indicadas nos projetos das fachadas as cores
a serem adotadas, não sendo permitida a pintura de mesmo motivo arquitetônico
com cores diversas, nem o uso de cor branca. Esta proposição também aparece no
plano Agache, que determina que os projetos fossem submetidos ao exame da
Seção de Arquitetura e que as fachadas se caracterizassem por um único motivo
arquitetônico e que não recebessem pinturas de várias cores, porque perturbariam a
harmonia do conjunto. (RIO DE JANEIRO, 1930, p.LXI).
Uma novidade que este regramento apresentava em relação ao de 1915 é a
determinação da altura dos edifícios 5 . A altura das edificações não poderia ser
5
No Código de 1915 não há nenhuma menção a esta questão e no Plano de Ampliação de 1924 diz que “felizmente não se
precisará tão cedo determinar a altura as casas, porque o ar e a luz ainda não constituem privilégios, por conter a cidade, n a
sua maioria, edificações baixas.” (DIÁRIO POLULAR, 1924, p.6).
45
superior a uma vez e meia a largura da rua e, quando construídos na interseção de
duas ruas, a duas vezes a largura da rua mais estreita. Os pavimentos superiores ao
limite estabelecido pela largura da rua deveriam ser recuados do alinhamento numa
distância mínima, de maneira a manter a relação uma vez e meia a largura da rua.
Em logradouros novos e existentes, a abertura de ruas e travessas teriam
uma largura mínima de 18m e a de cada um dos passeios, no mínimo, de um quinto
da largura daquelas.
Quanto à área construída, o código exigia que a sua totalidade devesse ser
superior a um terço da superfície do lote nos prédios destinados a habitação e de
um quarto nos de esquina e nos destinados a fins comerciais. A respeito dos
estabelecimentos industriais e comerciais, o código deixa claro que não seria
permitida, dentro da zona servida por esgotos, a construção de edifícios ou
aproveitamento dos existentes para o funcionamento de fábricas e estabelecimentos
industriais, com a finalidade de não prejudicar a salubridade da vizinhança.
O código ainda faz referência às áreas litorâneas e suburbanas. Sobre as
obras no litoral, o capítulo dezessete do código expõe que em cada margem dos
arroios, rios, etc., fosse respeitada a legislação em vigor. Deveria ser reservada uma
faixa com largura mínima de 20m, onde não seria permitida construção alguma. Na
zona suburbana, seria permitida a construção de prédios que satisfizessem as
seguintes prescrições: I – localização sobre logradouro público oficialmente
reconhecido; II – lote, com largura mínima de 12m; III – distâncias mínimas das
construções às divisas laterais do lote deverão ser de 3m e à divisa do fundo de 7m;
IV – deverão ficar recuados 6m do alinhamento do logradouro público.
Neste código, como se pode observar, são reforçados os ideais de
zoneamento, higiene e as questões de salubridade - relação da largura das ruas
com as alturas das edificações e o zoneamento das indústrias - instrumentos
presentes nos planos anteriores da cidade e também em outras cidades do país,
como Rio de Janeiro e São Paulo.
46
2.5. Saneamento de Pelotas - novos estudos, 1947
No mandato do prefeito Dr. Procopio Duval Gomes de Freitas, o Escritório
Saturnino de Brito6 realizou o anteprojeto de saneamento, em 1947, que tinha como
foco os serviços de abastecimento de água e esgoto da cidade de Pelotas e que se
constituía como uma revisão do Relatório de Saneamento de 1927 e do Código de
Construções de 1930:
Em 16 de setembro de 1930 foi decretado pela Intendência Municipal de
Pelotas o Código de Construções, em que se atendiam as indicações de
Saturnino de Brito (1927), prevendo-se o isolamento dos talvegues, o
loteamento racional de novas zonas de expansão e a obrigatoriedade de
projetarem-se novas vilas com serviço de água e condições sanitárias. Em
29 de março de 1933 o Decreto nº 1.851 “suspende, provisoriamente, o
Código de Construções, em vigor, nos capítulos que se referem à divisão de
terrenos em lotes e à edificação, em geral.”.
O “provisório” mantém-se até nossos dias e o resultado é o que todos
podem observar, percorrendo vilas, verdadeiras “favelas”, que se formaram
ao redor da cidade, criando uma situação sanitária crítica, que está a exigir
solução urgente. (PELOTAS, 1947, p. 31).
Com base nesta exposição, o relatório de 1947 tentava solucionar, além dos
problemas na área do abastecimento e esgoto, as irregularidades da formação da
cidade. Este relatório e o plano de Rullmann (1924), devido a sua importância para a
cidade, foram assinalados como planos diretores no Plano de 1968, estudado no
próximo capítulo, que faz a seguinte menção a eles:
[...] no período 1920-1924 houve a primeira tentativa de disciplinar o
crescimento urbano através de um Plano Diretor, que, no entanto, não foi
executado. Em 1947 um segundo Plano Diretor foi realizado e tem servido
até agora como diretriz ao Serviço de Água e Esgoto em seus projetos de
expansão de rede. (PELOTAS, 1968, p. 70).
O relatório do escritório de Saturnino de Brito apresenta, primeiramente, uma
introdução sobre a cidade de Pelotas, uma descrição de sua topografia e de seus
recursos hídricos, seguido pelo relato da geologia do município, do clima e dos
aspectos de salubridade. O relatório foi planejado a partir do exame de duas plantas
do município, uma de 18357, outra do plano de expansão de 1927 (Figura 16) e de
observações do que vinha acontecendo na cidade no momento. Assim, identificava
o crescimento para o Sul em direção ao porto, para o Norte, onde surgiu o Bairro da
Luz, mas, principalmente, o crescimento em direção ao Oeste, ao longo da antiga
6
Fundado pelo Engenheiro Saturnino de Brito, o Escritório Saturnino de Brito (ESB) esteve em funcionamento até a morte de
seu filho e continuador da sua obra Francisco Rodrigues Saturnino de Brito Filho em 1978. O escritório realizou projetos de
engenharia hidráulica e sanitária em todo o país.
7
No ano de 1835, Pelotas é elevada a categoria de município.
47
estrada para Piratini, Avenida General Daltro (atual Avenida Duque de Caxias), que
não aparece no mapa da Figura 17.
Figura 17: planta da cidade de Pelotas, 1835. (Fonte: PELOTAS, 1947, p.s/n) e anteprojeto de
extensão de Pelotas, 1927. Em verde o que seria, mais ou menos, a sobreposição do mapa de
1835. (Fonte: PELOTAS, 1927, p.s/n).
A partir do estudo da rede de esgotos das zonas edificadas no perímetro
urbano e suburbano, o relatório trazia uma previsão do número de casas que a
cidade comportaria na época, um total de mais de 11.000 casas, dispostas nas
seguintes zonas da cidade, como mostra a Tabela 1:
Tabela 1: Número de casas para cada região do município. Observa-se que no cálculo final o
número é de 11.087 casas.
Zona Urbana
Cidade (entre o Staª Bárbara – Pepino e rua P. Martins)
8.123 casas
Vilas Simões Lopes, Barros, Silva e Machado
401 casas
Rua F. Bastos
47 casas
Vilas São Francisco e Hilda
360 casas
Vila do Prado
297 casas
Avenida P. Machado e Vila Carucio
118 casas
Vila Gotuzo
80 casas
Avenida General Daltro
387 casas
Vila Carucio e Reingantz
75 casas
Avenida Argentina
143 casas
Vilas Idalina e Eloá
212 casas
48
Estrada Domingos de Almeida
Várias (E. Salso, Tablada, Vilas Angela, Cascais, Ebersol e
Marchesi)
Zona suburbana
111 casas
Vila Gastão Duarte
70 casas
Vila Carucio
84 casas
Vila Bom Jesus e Europa
30 casas
Vila Santa Terezinha
286 casas
Estrada Domingos de Almeida
85 casas
178 casas
Total
11.078 casas
(Fonte: PELOTAS, 1947, p. 39).
Portanto, a partir destes estudos, foi apresentada a área urbana da cidade
marcada pela linha pontilhada na planta geral (Figura 18).
Figura 18: planta geral. As áreas em vermelho são as existentes, em azul os projetos
existentes e as áreas que não estão em destaque são do anteprojeto de expansão do
Escritório Saturnino de Brito. A linha pontilhada mostra a área urbana da cidade. Linha em
vermelho o Canal Santa Bárbara e em azul o Canal do Pepino. Adaptado pela autora. (Fonte:
PELOTAS, 1947, p.s/n).
Os bairros populares foram planejados para formarem conjuntos com lotes
com espaços para jardins e locais de serviços, com área de 20% do total do terreno.
Entre os locais projetados, os bairros marcados - 1 e 2 - na Figura 19 e em detalhe
na Figura 20, têm, respectivamente, lotes de 12m x 30m em ruas de tipo comum e
de 10m x 24m em ruas “fundo de saco” de 9m de largura, com grandes jardins
49
internos. Entre os fundos dos lotes, foram deixadas vielas de 3m para passagem de
coletores, serviço e pedestres. As ruas com características “fundo de saco”
destinam-se apenas a atender as moradias nelas estabelecidas, sendo estas as
ruas do limite do bairro para o grande trânsito. No bairro 1, a área total do terreno é
de cerca de 187.000m², com 10.130m² de jardins e 411 lotes de 12m x 30m. E no
bairro 2, há 570 lotes de 10m x 24m e 45 de 15m x 25m, tem 50.659m² de jardins,
sendo o terreno total de 250.000m².
Figura 19: planta geral. Adaptada pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1947, p.s/n).
Figura 20: bairros populares. (Fonte: PELOTAS, 1947, p.s/n).
50
Em um terceiro local, marcado como 3 na planta geral, ao lado da Avenida
Pinheiro Machado, é projetado
um grande bairro com uma área de cerca de
330.000m², onde poderiam ser localizados 744 lotes de 12m x 24m e 80.000m² de
jardins. Na Zona Norte da cidade, ponto 4 da planta, no espaço compreendido pelas
Avenidas Argentina (atual Avenida Presidente João Goulart) e Dom Joaquim, foram
traçados 11 quarteirões alongados para lotes de 10m x 25m. A proximidade do
grande parque da cidade permite que o traçado deste bairro permaneça sem
grandes jardins internos.
No local do antigo Prado, entre a Vila do Prado e os terrenos do Parque,
ponto 5 na planta geral, foram projetados 6 quarteirões alongados, a partir da
Avenida General Daltro (atual Avenida Duque de Caxias). Um terreno de 215m x
510m, com 168 lotes de 12m x 50m. Outra opção para este mesmo terreno é a
organização de “um só quarteirão gramado e arborizado, e nele distribuir 36 edifícios
de 3 andares, com 6 apartamentos”. Estes edifícios ficariam afastados, um dos
outros, cerca de 40m, “teriam a melhor orientação para a insolação e o seu conjunto
poderia apresentar um magnífico aspecto”. Na área de Várzea, na parte ainda não
habitada (ponto 6), entre as diagonais 1 e 2 até a rua 3 de Maio, ou mais além,
poderia ser organizado um bairro popular, reunindo-se os quarteirões em um só
bloco para novo loteamento com jardins e serviços. (PELOTAS, 1947, p.43).
Esses loteamentos populares apresentavam intrínsecas ideias que poderiam
ter sido extraídas das teorias da cidade-jardim, como Letchworth e Welwyn, com
suas ruas fundo de saco e casas unifamiliares. Também apresentavam
características das Siedlungs centro-europeias com um desenho seguindo uma
ordem “racional” e, até mesmo, a Cidade Radiante ou as propostas do CIAM com
edifícios implantados isentos sobre o terreno coletivo.
Na zona da Tablada, Rullmann (1924) havia projetado um grandioso parque,
que teve sua área diminuída em parte pela instalação da Sociedade Agrícola
Pastoril, da estação PRH-4, do Sanatório H. Roxo e do Seminário. Mesmo assim,
com as indicações apresentadas na planta geral, ainda se tem uma área com
aproximadamente 95 hectares, permitindo a instalação de um parque. Este parque
deveria ser estudado em detalhes, por arquiteto paisagista e por agrônomos
especializados em assuntos florestais, para ser implantado como um museu de
51
árvores do Município. Junto ao parque, ao lado da Avenida Dom Joaquim, ficaria
localizado, em amplo terreno, o stadium da cidade.
Uma nova área destinada à indústria, obtida por drenagem, seria localizada
junto à foz do arroio Santa Bárbara e serviria como uma ligação entre as zonas
industriais às margens do arroio e do canal São Gonçalo (Figura 19, em rosa). Uma
área para a indústria da carne, localizada do outro lado do arroio Pepino, prevista
pelo engenheiro Rullmann em 1924, já era uma realidade em 1947, com a instalação
de um matadouro e de um frigorífico (Figura 19, em azul).
Para locais sem arruamentos, foram estabelecidos anteprojetos de
loteamentos de ruas. Em sua maioria, as ruas de 18m estão de acordo com o antigo
Código de Construções (1930), sendo as avenidas de ligação de várias zonas bem
mais largas, de 25m ou mais.
Algumas dessas ruas foram preparadas para tráfego intenso, com o objetivo
de ligar as zonas portuária e industrial às saídas da cidade, como mostra a Figura 21
apresentada pelo Escritório Saturnino de Brito, em 1947.
Figura 21: sistema viário, saídas da cidade. (Fonte: PELOTAS, 1947, p.s/n).
O relatório lembra que, sem ser posto em execução um código de
construções, não é possível à Prefeitura levar avante estes empreendimentos, com
52
determinação clara das zonas industriais, das zonas residenciais e dos bairros
populares.
O Saneamento de Pelotas – novos estudos, é um relatório muito importante
para este trabalho, porque é um projeto que abrange a cidade inteira e, de alguma
forma, sintetiza grande parte das ideias – apresentadas nos regramentos estudados
– que foram amadurecendo ao longo da primeira metade do século XX. O relatório
expõe preceitos importantes que serão ratificados no próximo regramento – Plano
Diretor de Pelotas, 1968 - para a cidade: grande importância da rede viária e do
zoneamento de funções e a experimentação, em algumas porções de cidade, de um
tipo de espaço urbano que se tentará implantar em toda a cidade dezesseis anos
depois, quando é criado o Conselho do Plano Diretor.
2.6. Considerações
Neste início de trabalho, foram estudados os regramentos anteriores ao Plano
Diretor de 1968: Código de Construção e Reconstrução – 1915; Plano de Ampliação
– 1924; Saneamento de Pelotas – 1927; Código de Construções – 1930; e
Saneamento de Pelotas, novos estudos – 1947. Mesmo sendo regramentos distintos
- códigos, planos e relatórios – tinham uma proposta para conformação da cidade.
Estes regramentos organizaram o espaço urbano da cidade de maneira mais ou
menos definitiva, até mesmo aqueles que tratavam, exclusivamente, das
construções edilícias, já que, quando observadas em seu conjunto proporcionam o
aspecto geral do espaço urbano.
O que se pode observar é que os ideais do urbanismo moderno vão sendo
inseridos aos poucos na cidade, através destes planos. Cada um apresenta uma
abrangência maior de modernização, em um visível diálogo entre as chamadas
correntes culturalista e progressistas (CHOAY, 2010a): a começar com as questões
de saneamento e embelezamento, logo depois novas propostas de formas urbanas
com ruas sinuosas e diagonais, os quarteirões alongados e as propostas de
zoneamento e, por fim, o sistema viário como importante regulador.
É interessante observar que os planos de Pelotas podem ser relacionados
ao diferentes tipos de regramentos indicados por Sabaté (1999), que refletiram a
maneira de observar a cidade em diferentes momentos da sua história.
53
Sabaté aponta seis grupos de preocupações e regras que podem indicar as
mudanças fundamentais de forma e conteúdo das ordenanças:
a) Ordenanças nas quais se produz um controle indireto na forma urbana:
- Ordenança da atividade construtiva: aparece nos primeiros regramentos
urbanos, preocupa-se com a forma e com as construções da cidade, o
objeto de estudo é a regulamentação de ofícios.
- Ordenança da boa construção: indica regras de estabilidade e
segurança. A referência mais importante é Vitrúvio, que com “Os dez
livros da arquitetura” mostra requisitos construtivos que asseguram a
estabilidade estrutural, a resistência e a proteção das fachadas e o
conforto térmico. O código de construção de Nova York de 1916, Building
Code, regulamenta a forma dos edifícios, o que não havia acontecido em
nenhuma outra cidade.
- Ordenança da boa vizinhança: conjunto dos princípios do direito civil
aplicados nas construções.
b) Ordenanças que constituem instrumentos para o projeto, nas quais se dá
uma antecipação da arquitetura e da cidade:
- Ordenanças de ornamento público: são regramentos que mesmo
dirigidos aos edifícios, regulamentam o ordenamento da rua e das
fachadas públicas das construções, isto é, a imagem geral da cidade. O
espaço urbano tem que ser pensado com critérios de função e forma
corretos para se obter uma boa imagem da cidade. Para atingir a
estrutura formal desejada, as ordenanças determinam a relação entre a
posição da edificação e o traçado da rua, a forma exata do perfil da rua e
as condições gerais de composição do plano de fachada.
- Ordenanças de higiene: ordens de higiene dos quarteirões, da
ocupação de parcelas e pátios, de luz e ar.
- Ordenanças de zoneamento: implica separação e diferença. A ordem
de zoneamento surgiu como uma necessidade para racionalizar o
aproveitamento da cidade moderna, diferenciando, inicialmente, as áreas
industriais, a residência da burguesia e a área dos trabalhadores. O
54
zoneamento diz respeito aos usos e as intensidades e atende ao
pensamento da cidade aberta, contrapondo com a cidade tradicional de
quadras fechadas e ruas corredores.
Sabaté completa afirmando que, uma vez conhecida as origens diversas dos
regramentos urbanos, cabe identificar como cada uma das categorias manifesta-se
nos atuais planos urbanísticos. O autor ainda menciona que dependendo dos
objetivos e da situação específica – é muito diferente atuar em uma ampliação ou
em uma cidade já construída - podem existir diferentes estratégias de ordenanças:
algumas trabalham mais sobre o espaço público, outras no controle do tipo
edificatório.
Quanto ao controle indireto na forma urbana, são encontradas características
da ordenança de atividade construtiva (ofício) nos dois Códigos de Construção
(1915 e 1930). Neles constam os deveres dos construtores, a direção das obras, o
livro de matrícula, as penalidades e a dispensa de construtor. Da mesma forma, as
ordenanças de boa construção, acontecem nestes mesmos códigos. Indicam regras
de estabilidade e segurança, quando apresentam condições gerais a serem
observadas nas construções e reconstruções, como espessuras de paredes, de
alicerces, de compartimentos, tipos de coberturas, materiais permitidos para a
construção, etc. As questões referentes à ordenança da boa vizinhança apresentam
o conjunto dos princípios do direito civil, aplicados nas construções com a finalidade
de evitar o prejuízo da construção vizinha. Esta ordenança não aparece nos
regramentos estudados.
Constituem instrumentos para o projeto, de acordo com o ornamento público,
todos os regramentos que, de alguma forma, visam atingir uma estrutura formal
desejada à cidade através de elementos gerais de composição dos edifícios. Quanto
às ordenanças de higiene - comum aos regramentos do século XX - os regramentos
Código de Construção e Reconstrução – 1915; Saneamento de Pelotas – 1927;
Código de Construções – 1930; e Saneamento de Pelotas, novos estudos – 1947
apresentam essas características de higienização. O Plano de Ampliação de 1924
não deixa clara esta preocupação, mas através de sua proposta baseada nas
cidades-jardim, o uso das edificações isoladas no lote para uma melhor ventilação e
iluminação das construções não deixa de ser uma questão de higiene. E, por último,
as ordenanças de zoneamento já surgem no Plano de Ampliação da cidade – 1924 e
55
dão seguimento nos regramentos posteriores Saneamento de Pelotas – 1927 e
Saneamento de Pelotas, novos estudos – 1947, com as divisões de zonas
industriais, comerciais e residenciais.
Portanto, percebe-se que, com exceção à ordenança da boa vizinhança,
todos os outros tipos são contemplados nos regramentos de Pelotas. Dentre os
regramentos estudados, as ordenanças de controle indireto da forma estão
presentes em um único tipo de regramento: os Códigos de Construção e
Reconstrução, por se tratarem de normas que dizem respeito diretamente a regras
de construção. Já as ordenanças que constituem instrumentos para o projeto
predominam em quase todos os regramentos, independente do tipo de regramento.
Também se pode fazer uma análise comparativa através da teoria das
regulamentações em normas restritivas e postulativas, segundo Diez (1996).
O Código de Construções e Reconstruções de 1915 tinha o uso do recuo
como alternativa e, portanto, não obrigatória. O que se pode deduzir é que havia o
embrião de uma nova ideia de cidade apenas acenada, incentivada. Isto porque era
difícil transformar em obrigação em uma sociedade ainda conservadora, que não via
o afastamento da construção da via pública com bons olhos. A obrigatoriedade de
platibanda, de beiral ornamentado e de chanfro nas esquinas, também postula uma
ideia moderna de cidade, de uma nova urbanidade.
Sem pontuar obrigatoriedades, o Plano de Ampliação de 1924, aponta
caminhos, escolhe locais para abrigar equipamentos na cidade, faz um zoneamento
preciso, mas não chega a restringir, a impor limites à cidade. Dessa maneira, o
regramento em si apresenta caráter postulativo ao ideal moderno.
No Saneamento de Pelotas, em 1927, o recuo já é utilizado como norma, em
um sentido postulativo. Ao contrário da questão dos quarteirões, quando diz “estão
sendo banidos dos novos projetos”, o relatório não deixa de impor um limite,
proibindo os quarteirões quadrados e dando lugar aos quarteirões alongados.
(PELOTAS, 1927, p. 12).
O Código de Construções de 1930 segue alguns preceitos do código de
1915 na construção do espaço urbano (recuos, platibandas, etc.). No entanto, frente
a uma tendência de verticalização – entendida como desfavorável à cidade - em
zonas com ruas estreitas, há uma restrição quanto à altura dos edifícios
56
relacionando-a a largura das ruas (restritiva). Por outro lado, existe uma ideia de
densificação demográfica quando se determina. ocupações mínimas dos lotes pelas
construções (1/3 no caso residencial e 1/4 no comercial, por exemplo). Dentro de
uma ideia ainda de “melhoramento”, o plano se propõe a um regulamento restritivo
refletindo preocupações com higiene, salubridade e uma distribuição adequada das
funções urbanas (indústrias, principalmente).
O Relatório de Saneamento de Pelotas – novos estudos, de 1947, faz todo
um estudo para bairros populares, estipulando áreas de terrenos, áreas e testadas
de lotes, mas da mesma forma que o Plano de Ampliação de 1924, não restringe
quando aponta possibilidades para esses loteamentos.
De uma maneira geral, os primeiros regramentos apresentam características
postulativas, com algumas normas pontuais mais restritivas. As restrições estão
mais nos Códigos de Construção, até pelo caráter deste tipo de norma. O Plano de
Ampliação e os Relatórios de Saneamento dão mais possibilidades de expansão e
os relatórios são mais restritivos nas questões sanitárias, que são os temas
principais desses regramentos.
Analisando as teorias de crescimento, segundo Sola- Morales (1997), um
projeto urbanístico para dar forma a um processo físico e arquitetônico que combine
solo, edificação e infraestrutura, necessita de três operações para a construção da
cidade: parcelamento (P), urbanização (U) e edificação (E), que nem sempre são
encadeadas de mesma maneira e nem simultâneos. Dessas três combinações
surgem as diferentes morfologias das cidades.
Na Carta de Atenas, quando o projeto urbanístico se divide em leis e
palavras por um lado e volumetrias abstratas de outro, e quando Gropius projeta
Dammerstock, a noção de tempo desaparece da concepção da obra. As operações
de parcelamento, urbanização e edificação passam a ser simultâneas e unitárias.
Se forem analisados os regramentos propostos para Pelotas, de acordo com
os processos de planejamento indicados por Solà-Morales, o Projeto de Ampliação
de 1924, apesar das características de cidade-jardim, Rullmann propõe, na verdade,
um grande plano de expansão “ensanche”, com características de traçados e
edifícios isolados da cidade-jardim. Possui o processo parcelamento + urbanização
+ edificação (P+U+E).
57
O Projeto de Saneamento de 1927, já relacionado com o Ensanche de
Cerdá nos estudos acima, apresenta características de expansão, com as
operações sendo feitas uma em cada momento, iniciando com o parcelamento, em
seguida urbanização e, por último, a edificação (P+U+E). O plano não se afasta por
completo da ideia da ordenação em malha, mesmo assim há distinção entre cidade
antiga e cidade nova, apresenta certas características de repetição do tipo, com
propostas de diagonais e quarteirões alongados. Diante de uma realidade existente,
de uma urbanização na periferia do tecido urbano consolidado, o Plano de
Saneamento – novos estudos, de 1947, propõe um crescimento bem sistematizado
por cidade-jardim (PU+E). Os Códigos de 1915 e 1930, por apresentarem
características de normas construtivas, não possuem propostas de “expansão”
urbana, assim não são analisados nestes parâmetros.
Entretanto, de todos esses “planos” de avanços para a cidade de Pelotas,
somente os referentes à melhoria e ampliação das redes de água e esgoto
acabaram sendo executados. Como afirma Moura (1998), os planos que tratavam da
ocupação, de desenhos e de expansões urbanas da cidade se limitaram a servir
como um alerta para às suas necessidades. Auxiliaram, em alguns momentos, nas
delimitações de zoneamento nos planos seguintes e, também, serviram de
referência para o desenho de alguns novos loteamentos (Figura 22) que foram
construídos em Pelotas na década de 1950, devido ao aumento da população
urbana e da demanda por novas áreas habitacionais.
58
Figura 22: mapa com a localização dos loteamentos aprovados na década de 1950. Adaptado
pela autora. (Fonte: base Google Earth).
O primeiro dos loteamentos, realizado em 1953 pela Prefeitura Municipal,
tratava-se de um “Plano Diretor para a Zona da Várzea”, que ficou, em grande parte,
no papel, sendo executada apenas a área que correspondia ao terreno da Prefeitura
Municipal. Mais tarde, este loteamento foi denominado como “Bairro Nossa Senhora
de Fátima”. Foram implantadas 26 quadras, subdivididas em 679 lotes. As
dimensões dos terrenos são variáveis, já que as quadras não são quadráticas,
ficando em sua maioria entre 12m de testada por 30m de profundidade. (MOURA,
1998).
O segundo projeto de loteamento, também de 1953, realizado pela empresa
Comercial e Construtora América S/A e localizado no Bairro Areal, recebeu o nome
de “Jardim Europa”. O engenheiro agrônomo italiano Renato Salvini foi o idealizador
deste empreendimento. O traçado viário apresenta um “desenho de flor”, com um
núcleo circular que vai se desenvolvendo, gerando diferentes quadras, mas sempre
em curva. O terreno é de aproximadamente 65ha, dividido em 886 lotes. A escolha
do traçado pode ser um resultado do conhecimento de Renato Salvini das
59
experiências similares na Europa, como também porque ele acreditava que este
traçado poderia amenizar tanto a umidade quanto os ventos intensos da cidade.
(MOURA, 1998).
O terceiro projeto, aprovado em 1955, denominado “Loteamento Simões
Lopes”, é a segunda etapa de um loteamento iniciado em 1914, pelo proprietário
daquelas terras, Dr. Augusto Simões Lopes e era composto por 1055 lotes
habitacionais, com tamanho médio de 10m de testada por 30m de profundidade. O
traçado semelhante ao loteamento Nossa Senhora de Fátima é desenvolvido a partir
de uma solução radial, cujo ponto de partida é a estrada de acesso a Rio Grande. O
loteamento tem continuidade para o outro lado da estrada, porém o traçado neste
trecho é reticular. O loteamento buscava atender a um público de renda
média/baixa. (MOURA, 1998).
Estes projetos trazem novas formas ao traçado viário da cidade e à
configuração
de
suas
quadras.
É
importante
destacar,
também,
outro
empreendimento público no ano de 1953, mas que apresenta um traçado reticulado.
Localizado na zona norte, Tablada, o “Bairro Jardim” tem 27 quadras, subdivididas
em 530 lotes para a habitação, com área para escola e praças. Os lotes possuem
duas dimensões diferenciadas: os próximos à Avenida Dom Joaquim têm média de
15m de testada por 40m de profundidade, enquanto que os da Avenida República do
Líbano têm 10m de testada por 30m de profundidade. Junto dessa área, a prefeitura
reservou duas quadras, cada uma com 24 lotes, para a construção de casas
populares. (MOURA, 1998).
As regras urbanísticas aprovadas para reger as construções demonstram
que este loteamento foi realizado para atender à população de maior poder
aquisitivo. Algumas dessas regras, de certa forma, resgatam a ideia de Fernando
Rullmann com a sua “cidade-jardim”, prevista para o mesmo local. O edifício
principal deveria ter altura máxima de dois pavimentos, recuo frontal mínimo de 4m;
taxa de ocupação máxima de 2/3 da superfície do terreno; recuo mínimo de 1,5m,
quando a construção não estiver sobre a divisa lateral. A construção mista, de
alvenaria e madeira, só era possível se o objetivo fosse obter “maior efeito
arquitetônico”. O recuo, já presente no Código de Construções e Reconstruções de
1915, neste momento, torna-se obrigatório, “propondo uma nova relação de
60
construção com o lote e alternando a configuração predominante do núcleo mais
antigo.” (MOURA, 1998).
No período em que os loteamentos foram realizados, estava em vigor o
Código de Construções de 1930, que estabelecia a largura dos lotes de 8m quando
se situassem em logradouros existentes, largura mínima de 10m quando em zona
urbana e de 12m quando em zona suburbana. Segundo Moura (1998), o engenheiro
Idel Lokschin8, técnico da Prefeitura Municipal na época, disse recordar-se apenas
de duas regras que deviam ser seguidas na realização ou aprovação de novos
loteamentos: ruas com largura de 18m e terrenos com largura de 10m. A autora
também elucida que o poder público ampliou a oferta de lotes habitacionais em
novas áreas da cidade, não levando em conta os vazios urbanos e os problemas daí
decorrentes.
Dezesseis anos depois do Saneamento de Pelotas - novos estudos, do
escritório Saturnino de Brito, é criado, em 1963, o Conselho do Plano Diretor e
contratada uma equipe para trabalhar no novo plano urbanístico de Pelotas, que
seria aprovado em 1968. Portanto, com a descrição dos regramentos anteriores a
esta data, percebe-se que a cidade é, aos poucos, transformada. Ou seja, se
inserem os ideais do urbanismo moderno e novas ideias vão sendo incorporadas:
uma cidade organizada em zonas funcionais, que não é concentrada, mas
apresentava edificação isolada; o caráter tradicional dando lugar à teoria da cidadejardim, com alterações dos alinhamentos e formato dos quarteirões e as primeiras
preocupações com o sistema viário.
Essas mudanças ocorrem, principalmente, nas áreas de expansão, ficando o
centro, a área dos primeiros loteamentos, praticamente preservada quanto ao seu
traçado original. Em algumas ordenanças chega a estar exposto a importância
dessas características, com o intuito de manter o passado histórico e a sua
fisionomia, acrescentando ideais de outros tempos. Conforme explica Rossi (1995,
p. 57), “a forma da cidade é sempre a forma de um tempo da cidade, e existem
muitos tempos na forma da cidade.”.
Através dos regramentos apresenta-se, por parte da municipalidade, a busca
de estudos que visassem o ideal moderno que estava sendo proposto em grandes
8
Depoimento dado a Arq. Rosa Maria Garcia Rolim de Moura em 28 de janeiro de 1997. (MOURA, 1998).
61
cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Fato observado pela contratação de
profissionais de outras localidades, como Fernando Rullmann e o engenheiro
Saturnino de Brito, que implementaram na cidade projetos distintos dos que vinham
sendo executados na região. As críticas ao traçado regular, que muitas vezes foi
apontado como monótono, as propostas de expansão baseadas na classificação de
zonas comerciais, residenciais e industriais e na proximidade do lugar de trabalho
com a moradia, estão entre as contribuições. Estas questões são retomadas depois
pelo II Plano Diretor, em 1980.
Logo, vê-se que esses regramentos, resultado em grande parte da
adaptação de teorias urbanas, ou seja, do diálogo de teorias mais universais com as
contingências locais, foram de fundamental importância para a configuração da
cidade que o Plano Diretor de 1968 vai encontrar. É com essa cidade que a
aplicação, em parte bastante “radical”, do urbanismo moderno e da Carta de Atenas,
representada nesse plano, terá que dialogar. É a partir dessa realidade, levantada
através de longos relatórios iniciais, do estudo desse devir urbano de mais de um
século e meio, que a equipe encontrará um caminho de aplicação, o mais realista
possível, dos novos ideais urbanísticos difundidos na segunda metade do século XX.
Este período constitui-se como um momento de grande divulgação e
expansão dos ideais do urbanismo moderno desenvolvido e referendado pelos
Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAMs. Nos próximos
capítulos serão demonstrados os pontos do Plano Diretor de 1968, com o
zoneamento funcional e os índices urbanísticos como instrumentos básicos de
formalização geral do espaço urbano, que refletem a filiação às ideias urbanísticas
explícitas na Carta de Atenas. E também do II Plano de 1980, que apesar de já
incorporar certa crítica ao “funcionalismo” presente no Brasil da época, segue a
mesma metodologia e os princípios básicos do primeiro.
Essas conclusões levarão ao capítulo seguinte, que apresenta o contexto
em que Plano Diretor de Pelotas de 1968 foi desenvolvido e a descrição das partes
desse regramento.
3. PLANO DIRETOR DE PELOTAS, 1968.
Desde o ano de 1947, Pelotas não tinha uma nova proposta de regramento
que ordenasse o crescimento e o desenvolvimento do município. A cidade vinha se
desenvolvendo com leis em desuso, segundo entendimento da época, que não
atendiam mais as demandas da cidade moderna. Devido a estes fatos, no mandato
do prefeito João Carlos Gastal (no período de 1959-1963) é contratada uma equipe
para desenvolver um plano diretor para direcionar o crescimento de Pelotas.
No terceiro capítulo desta investigação, antes da abordagem do plano diretor
propriamente dito, é desenvolvida uma breve passagem pelas teorias urbanas que
influenciaram os planos urbanísticos no Brasil ao longo do século XX, como os
preceitos do urbanismo moderno manifestados nos CIAM, o movimento Économie et
Humanisme do padre Lebret, o Urban Survey e a emergência do Serfhau no
panorama brasileiro. Posteriormente, são apresentadas as partes do plano – o
processo de ocupação do solo, uso do solo, intensidade de ocupação, sistema
viário, paisagismo, equipamento social e dinâmica do plano – com seus
levantamentos, diagnósticos e principais recomendações da lei do plano.
3.1. Contexto do segundo pós-guerra, a formação do plano
Do final do século XIX aos anos 60, ocorreu a mudança de conceito do
termo urbanismo para o termo planejamento urbano, a partir de duas linhas de
pensamento. A primeira surgia dos planos de melhoramentos que resultaram nos
planos diretores de desenvolvimento integrado e a segunda, com origem no
movimento modernista, encabeçada pelo CIAM, que no Brasil tem a construção de
Brasília, no final da década de 50, como principal fato. O período da construção da
capital é um momento de importantes transformações no pensamento urbano
63
através da emergência de novos temas, de novos métodos e com a participação de
profissionais de outras áreas que, até o momento, não compartilhavam das questões
urbanas. Após a Segunda Guerra Mundial surge a temática regional como objeto de
planejamento e intervenção. (LEME, 1999).
A década de 60 também é marcada pelo debate entre os arquitetos sobre o
problema habitacional devido à urbanização acelerada das décadas anteriores e
sobre o papel social desses profissionais, evocando a si a função de “relacionar a
arquitetura
com os problemas sociais e
de
desenvolvimento
econômico,
distanciando-se da tradição de ver na arquitetura apenas seus aspectos artísticos”.
(RIBEIRO, PONTUAL, 2009).
Esta tendência de pensamento tem três fontes. A primeira é o movimento
Économie et Humanisme, criado em 1941 pelo padre dominicano Louis Joseph
Lebret. O movimento não via como urbanistas somente os arquitetos, mas também
profissionais de outras áreas, como os sociólogos, geógrafos, economistas e
buscava promover o desenvolvimento social através do planejamento urbano.
(LEME, 1999; NYGAARD, 2005; RIBEIRO, PONTUAL, 2009; CESTARO, 2010).
A segunda é a teoria do Urban Survey, de 1927, que utilizava como
metodologia uma detalhada pesquisa urbana, incluindo aspectos históricos, sociais e
físicos, antes de propor o planejamento de uma cidade.
A terceira fonte é a ideia de reconstrução da sociedade através da
arquitetura, que ocorreu na Europa dos anos 20 e 30. A arquitetura e o urbanismo
deixam de ser reflexo da sociedade e se tornam instrumentos da sua reconstrução,
ideais difundidos pelos CIAM.
Em 1941, com o apoio dos intelectuais franceses François Perroux,
Raymond Delprat, Gustave Thibon, Jean-Marie Gatheron, René Moreaux e
Alexandre Dubois, o padre dominicano Louis Joseph Lebret cria o Movimento
Économie et Humanisme. O Movimento idealizava uma nova atitude de trabalho,
“uma maneira de analisar a realidade social, de forma a deduzir e explicar
concretamente, diferenciando o homo oeconomicus dos valores econômicos,
abrindo espaço para uma economia das necessidades humanas e criando uma
hierarquia destas necessidades”. (CESTARO, 2010).
64
Dentro do Movimento, Lebret publica o manual Méthodo d’enquête,
indicando maneiras de interpretação da realidade social e econômica, com
“referências das disciplinas da economia, estatística, sociologia e geografia,
apontava para a necessidade do pesquisador ir a campo buscar suas referências e
conhecer a realidade social” (CESTARO, 2010). A disciplina de urbanismo aparece
em 1961 em um novo manual que apresenta “a cidade como o espaço de atuação e
possibilidade de construção do desenvolvimento harmônico”. (CESTARO, 2010).
Lebret esteve no Brasil em 1947, convidado a oferecer um curso de
Economia Humana e Planejamento Econômico no nível de pós-graduação, junto à
ELSP – Escola Livre de Sociologia e Política, em São Paulo. No país, o padre
fundou o escritório da Sociedade de Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos
Complexos Sociais (SAGMACS), que agregava profissionais de diferentes áreas
como arquitetos, engenheiros, sociólogos e economistas. Coube à SAGMACS
realizar pesquisas socioeconômicas com vistas à elaboração de planos diretores.
(CESTARO, 2010; LEME, 1999; NYGAARD, 2005).
A inclusão do método de Lebret compondo a base doutrinária dos planos
diretores justifica-se pelo fato de que:
“durante dezessete anos, o padre orientou no Brasil trabalhos de pesquisa
urbana e regional e a elaboração de planos diretores, balizados por uma
forte visão humanitária e social dos problemas e pela ampla adoção de
procedimentos científicos, exercendo forte influência sobre a postura dos
técnicos para enfrentar os problemas urbanos e regionais.” (NYGAARD,
2005, p.82).
A atuação do padre Lebret e da SAGMACS, cuja conotação ideológica foi
balizada por uma forte visão humanitária e social dos problemas urbanos, durou até
1964, quando foi interrompida pelo golpe militar.
Outro modelo admirado pelos urbanistas brasileiros e bastante utilizado na
região sul do país, foi o Regional Survey of New York and Its Environs, levantamento
urbano realizado para a cidade de Nova York sob a direção de Tomas Adams, em
1927.
Patrocinado
pela
City
Planning
Commission
de
Nova
York
(com
representantes do empresariado local), sentiu-se a necessidade de contratar um
economista para estudar os problemas da cidade, pois se desejava uma abordagem
científica em relação ao uso do solo, com uma pesquisa econômica que indicava
três linhas de investigação: “1. os requisitos espaciais das funções urbanas; 2.
tendências das mudanças nas demandas por espaço; 3. o futuro dessas
65
tendências”. Foi desta forma que os estudos econômicos entraram para a história do
planejamento urbano (VILLAÇA, 1999, p.200).
O Survey era um método preparatório para a composição de qualquer plano
urbanístico de uma cidade, com origem nas ideias do inglês Raymond Unwin, do
francês Leon Jaussely e do belga L. van der Swaelmen. (PAIVA, 1943).
Em 1930, dois planos marcaram uma nova etapa do urbanismo no Brasil e
geraram uma série de estudos e planos para outras cidades do país. Estes planos,
já citados neste trabalho, eram o “Estudo de um Plano de Avenidas para a cidade de
São Paulo”, de Francisco Prestes Maia e “Cidade do Rio de Janeiro extensão,
remodelação e embelezamento” de Alfred Agache.
O plano de Prestes Maia é um misto de plano, compêndio de urbanismo,
estudos acadêmicos que apresentavam um sistema de transportes, legislação
urbana, embelezamento, habitação popular, zoneamento, retificação do rio Tiete e
urbanização de suas margens e um apêndice sobre os parques da cidade. O plano
de Agache apresenta as ideias do urbanismo francês da Société Française des
Urbanistes - SFU9, balizado no cientificismo e na técnica. (VILLAÇA, 1999).
O paulista Arnaldo Gladosch, engenheiro-arquiteto formado em 1926 pela
Escola Superior Técnica da Saxônica em Dresden, colabora na equipe de Agache
para o plano do Rio de Janeiro. Este plano é composto de três partes. A primeira
parte é um extenso estudo da cidade, em todos os seus aspectos, realizado nos
moldes das Urban Surveys. A segunda é o plano propriamente dito e a terceira trata
da infraestrutura e equipamento, saneamento, esgotos e abastecimento de água.
(ABREU FILHO, 2006).
Na década de 30, Gladosch é contratado para desenvolver o Plano Diretor
do Município de Porto Alegre, no mandato de José Loureiro da Silva. Em 1943, foi
editado o Plano de Urbanização de Porto Alegre, documento que apresentava um
resumo sobre os antecedentes históricos da cidade; aportes teóricos e conceituais
9
A Société Française des Urbanistes procura mais precisão em todos os sentidos se valendo de inovações, como levantamento
por aerofotos e projeções matemáticas conquistadas através de pesquisas científicas, a partir de informações sociais e
cadastrais. Enfatiza o envolvimento da sociedade nas discussões urbanas. “Para a SFU, este novo modo de desenvolver
urbanismo possui um entendimento multidisciplinar. Engloba, além da socioeconômica e da higiene, o próprio progresso
material e humano.” Os caminhos trilhados pela corrente modernista e o urbanismo praticado pela SFU se contrapuseram em
muitos pontos. “O Plan Voisin e a Ville Radieuse, que resumem o ideal da cidade modernista, com extensas áreas,
construções verticalizadas, pilotis, permitindo visuais abertas e consequentemente liberação do solo urbano. [...] As propostas
formuladas pela SFU pregam uma cidade desenhada e voltada para a escala do homem, com ruas, quadras e p arcelamento
em lotes individuais; com urbanização estruturada, eixos hierárquicos, valorização de seus aspectos monumentais, sem
esquecer pequenos espaços abertos como praças, arborizações e percursos.” (CAROLLO, 2002, p.22 e 23).
66
sobre plano diretor; propostas do Anteprojeto do Plano Diretor de Arnaldo Gladosch;
o conjunto de obras executadas na administração de Loureiro da Silva e, finalmente,
o Expediente Urbano. (NYGAARD, 2005).
Em Porto Alegre, o Expediente Urbano nada mais era que a expressão de
origem uruguaia para as urban surveys. O Expediente, criado por decreto em 1942 e
concluído no mesmo ano, foi coordenado por Edvaldo Pereira Paiva, que havia
retornado do Curso de Especialização em Urbanismo em Montevidéu, de onde
trouxe a metodologia de levantamento e organização da pesquisa urbana. Definia
“alcance, função e métodos de trabalho do Expediente Urbano de Porto Alegre, de
acordo com a metodologia proposta pelo arquiteto urbanista uruguaio Maurício
Cravotto 10 para a organização do Expediente Urbano de Montevidéu.” (ABREU
FILHO, 2006, p. 131-132).
O Expediente Urbano compreendia um extenso estudo dos aspectos
urbanos – históricos, socioeconômicos e físico-territoriais - de Porto Alegre,
elaborado para que, em seguida, fosse preparado o Plano Diretor definitivo. Ao final
deste estudo, era apresentado um diagnóstico apontando aspectos positivos e
negativos da cidade:
10
Maurício Cravotto (1893 -1962), nas décadas de 20 a 50 tornou-se marco cultural da arquitetura e do urbanismo no
continente latino-americano. Sua experiência se consolidou após viajar para os Estados Unidos e depois percorrer a Europa
(Inglaterra, Espanha, Itália e Paris) nos anos de 1920. Foi professor, nas décadas de 1940 e 1950, de Edvaldo Pereira Paiva e
acabou exercendo uma enorme influência sobre os urbanistas de Porto Alegre.
O Plano Regulador de Montevidéu (1930) sob sua coordenação é exemplo dos seus trabalhos. “A elaboração de um Pré-Plano
incorporava a metodologia adotada, onde faziam parte extensos estudos sobre os mais variados aspectos da realidade urbana
local, desde estudos sobre a base econômica da província, aspectos financeiros, habitacionais, físico-territoriais, de paisagem
e infraestrutura urbana. Potencialidades futuras como centro de negócios e turismo, avançadas preocupações de ordem
política e regional faziam parte dos estudos oferecidos à comunidade pelo pré-plano elaborado. Essa etapa de levantamentos
amplos foi chamada de Expediente Urbano, que fazia parte da estratégia preparatória para a realização do Plano Regulador
que consistia na elaboração final do conjunto de ordenamentos e metas de longo prazo direcionadores do futuro
desenvolvimento da cidade”. (SOUZA; ALMEIDA, 2010).
No Anexo B desta dissertação encontra-se a síntese do Programa do Curso de Urbanismo de Montevidéu.
67
Vimos analisando Porto Alegre da mesma maneira que um médico observa
um ser humano. Apontamos a origem, evolução e estado atual de suas
enfermidades e, também, quase as suas virtudes. [...] Aspectos positivos:
razão de existir, economia e política; esplêndida localização geográfica;
função regional de entreposto comercial e centro produtor principal; caráter
de capitalidade; existência de um esquema viário bastante aproveitável;
existência de locais aprazíveis para implantação de residências; tendência
de zoneamento das atividades coletivas. Aspectos negativos: enchentes
periódicas; tendência de desenvolvimento pelos vales inundáveis;
coincidência do espaço ocupado pelos centros comercial e industrial como o
espaço atingido pelas enchentes; excessivo crescimento em área;
predominância do sistema antigo de divisão da terra; falta de ligações
concêntricas em boas condições técnicas; circulações indiferenciadas
principalmente na zona central; transportes coletivos inadequados,
existência de bairros insalubres; excentricidade do ponto de instalação do
comando da vida econômica urbana; excessiva centralização da vida
urbana, com todos os males correspondentes; falta de separação nítida e
completa dos elementos funcionais da vida coletiva; distribuição inarmônica
da população no espaço urbano; moradias em sua maioria inadequadas e
insuficientes; escassez de verde urbano; falta de aproveitamento da extensa
costa para implantação de waterways; falta de acesso franco ao oceano.
(PAIVA, 1943, p. 163-164).
Os CIAM – Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, foram os
responsáveis por fundamentais estudos sobre a arquitetura e urbanismo. Fundado
em 1928, em La Sarraz, na Suíça, o primeiro congresso discutiu a produção
racionalizada da construção e a redistribuição mais justa de terra urbana seguindo
os critérios do funcionalismo. O segundo, em 1929, discutiu a habitação mínima. O
terceiro, em 1930, tratou da utilização de métodos construtivos racionais, com
apresentação de estudos matemáticos relacionando a altura, a densidade e a
distância entre os blocos de habitações, realizado por Walter Gropius.
Gropius tinha como temas fundamentais os conceitos de padronização, préfabricação e criação de um espaço igualitário para à época moderna. O arquiteto
aplicou esses conceitos nos conjuntos operários de Dammerstock de Karlsruhe
(1927-1928) e de Siemenstadt de Berlim (1928) (Figura 23).
Algumas das ideias urbanísticas de Gropius estão relacionadas à cidadestandard, capaz de produzir uma cidade com espaço homogêneo e socialmente
distribuído. Para o arquiteto, a repetição de elementos padronizados aumentaria a
qualidade das construções e diminuiria o seu preço de custo. O arquiteto propõe
também, uma cidade mais dispersa no território, com construções horizontais
limitando as zonas suburbanas de baixa densidade demográfica e centros urbanos
mais verticais, com garantia de ar, luz e sol às edificações, uma das exigências da
demanda de higiene.
68
a)
b)
Figura 23: a) planta do bairro Dammerstock de Karlsruhe. (Fonte: BENEVOLO; MELOGRANI;
GIURA LONGO, 2000, p.88). b) planta do bairro Siemenstadt de Berlim. (Fonte: BENEVOLO;
MELOGRANI; GIURA LONGO, 2000, p.89).
De acordo com Alan Colquhoun, em seu artigo “Conceitos de espaço urbano
no século XX” (2004), o modernismo tendia a considerar a cidade como um
fenômeno das funções sociais, que resultava em um determinado espaço urbano. O
urbanismo moderno na Alemanha, com seus edifícios habitacionais em forma de
lâminas paralelas espaçadas de acordo com ângulos de luz, proporcionando
conforto e habitabilidade, apesar do aumento da densidade demográfica, foi uma
resposta às chamadas Mietskasernen, construídas em Berlim no século XIX para
abrigar o proletariado urbano (Figura 24). “Quando se veem essas Mietskasernen
hoje”, diz Colquhoun (2004, p.212), “com suas altas densidades e seus pátios
labirínticos e esquálidos, de repente se compreende todo o movimento moderno”.
a)
b)
Figura 24: a) as Mietskasernen de Berlim (Fonte: GEO.DE, 1929, p.s/n). b) J.J.P. Oud. Conjunto
em Blijdorp (Fonte: MARTÍ ARÍS, 1991, p.39)
No entanto, o representante mais influente do urbanismo chamado
progressista por Choay (2012a) é Le Corbusier. A cidade idealizada pelo arquiteto é
caracterizada por classificar as funções urbanas - habitar, trabalhar, circular e
69
cultivar o corpo e o espírito -, por exaltar os espaços verdes e pela racionalização do
habitat coletivo.
Le Corbusier sugere que o urbanismo moderno abandone a “rua-corredor” e
a partir de uma nova distribuição de espaços, cria em escala ampla uma nova
ambiência arquitetônica (Figura 25). Desse modo, a cidade moderna é concebida
como um grande parque com princípios fundamentais de descongestionamento do
centro urbano, aumento da densidade e uma intensificação e hierarquização dos
meios de circulação - a proposta em Chandigahr, em 1951, com o sistema das sete
vias é exemplar nesse sentido. (CHOAY, 2010a).
Figura 25: esquema preparado por Le Corbusier comparando o novo tecido urbano com os
tecidos tradicionais de Paris, Nova York e Buenos Aires. (Fonte: BENEVOLO; MELOGRANI;
GIURA LONGO, 2000, p.54).
Em 1933, realizado na cidade de Atenas, o IV CIAM foi marcado pelo
estabelecimento de preceitos para a cidade moderna, que resultou na Carta de
Atenas. Um manifesto que pregava uma arquitetura e urbanismo unificador,
internacional, composta por uma lista de normas e princípios gerais que o projeto
urbanístico moderno deveria seguir. O manifesto apresentava a orientação
funcionalista da primeira geração modernista, que defendia uma cidade organizada
a partir das funções humanas: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo e o
espírito. Assim, deveria haver uma intervenção nos planos de cidades existentes
com o objetivo de impor a cada função e a cada indivíduo o seu justo lugar,
discriminando os locais de habitação, centros industriais ou comerciais e terrenos
destinados ao lazer. (LE CORBUSIER, 1971).
Também determinava questões espaciais, como a cidade parque, que era
definida através da fundamental interpenetração entre a cidade e a paisagem a partir
da distribuição dos edifícios isolados implantados nos espaços abertos coletivos. O
70
século XX acumulou um acervo considerável de planos urbanísticos baseados
nesse paradigma, planos estes que tiveram que se confrontar com a cidade
existente, como “proposta de uma cidade moderna sobre a cidade tradicional, como
uma proposta de mudança ao lado da cidade existente.” Porém, na prática, a
estrutura física moderna mostrou-se mais explicitamente nas propostas para novos
pedaços de cidade que respondiam, principalmente, à demanda de habitação
decorrente do grande crescimento urbano e, também, na construção de novas
cidades, como o caso da capital Brasília. (GONSALES, 2005).
O concurso para o plano piloto de Brasília foi uma grande oportunidade para
os urbanistas brasileiros. Em um território totalmente livre, o plano era de uma
cidade completa no planalto central do Brasil. Quase todos os projetos que
concorreram se valeram dos preceitos modernos em suas propostas, apresentando
conceitos da cidade funcional com esquema das 4 funções humanas, das unidades
de vizinhança - uma vez que agregavam atividades residenciais juntamente com as
de serviço, comércio e equipamentos - e das altas densidades.
O “urbanismo CIAM” encontrou, no Brasil, Lúcio Costa como um importante
representante que, com o plano-piloto de Brasília, conseguiu desenvolver os
conceitos da cidade-parque:
[...] definição em escalas, abertura da cidade, propriedade pública do solo,
parcelamento, hierarquização viária e harmonia do conjunto volumétrico de
sua fisionomia, integrado ao terreno. Esse conjunto torna a vegetação
essencial para a constituição dos espaços abertos, estruturando e
caracterizando, como elemento arquitetônico, estético e ambiental, a
cidade-parque. (JUCÁ, 2009).
Apesar de não estar destacada neste trabalho como uma das fontes do
pensamento urbanístico brasileiro do segundo pós-guerra, as ideias provenientes do
chamado modelo culturalista por Choay (2010a) foram importantes no Brasil e
dialogaram com as ideias de cidade citadas acima: as baixas densidades da
periferia e, principalmente, o conceito de unidade de vizinhança tiveram presença
marcante.
As unidades de vizinhança, segundo Barcellos (2001), são áreas
residenciais que dispõem de certa autonomia com relação às necessidades diárias
de consumo de bens e de serviços urbanos. Os equipamentos de consumo coletivo
possuem sua área de atendimento coincidindo com os limites da área residencial.
71
Clarence Perry definiu originalmente o conceito de unidade de vizinhança
identificando seis princípios que devem ser seguidos no projeto:
a) Tamanho: a população ficaria em torno de 5000 habitantes, sendo a
população necessária para suportar uma única escola;
b) Limites: o tráfego deveria tangenciar a área das habitações;
c) Espaços públicos: 10% da área deveriam ser de espaço livre;
d) Áreas institucionais: a escola e outras instituições deveriam estar no
centro;
e) Comércio local: deveria ficar na periferia da unidade de vizinhança,
especialmente nos cruzamentos, onde as condições para o negócio são
as melhores;
f) Sistema interno de ruas: deveria ter um traçado variado, com ruas
suficientemente largas para o tráfego local.
No Brasil, os projetos com essa procedência, em sua maioria loteamentos
exclusivamente residenciais voltados às classes mais altas, tinham como
características principais a baixa densidade, a ocupação dos lotes residenciais em
meio a espaços arborizados e ruas tortuosas, bucólicas e adaptadas à topografia.
(DEL RIO; GALLO, 2000).
Todas essas influências – a do padre Lebret, embora fosse voltada mais
para a pesquisa do que propositiva; a do expediente urbano, com forte influência na
região sul, devido à proximidade com o Uruguai, país onde esse método tinha
presença sólida; e a do CIAM, que trazia uma questão social no seu bojo, mas que
ao mesmo tempo era portador de uma doutrina espacial/formal muito contundente geraram inúmeros modelos, que ao longo do tempo foram fazendo parte do contexto
do urbanismo moderno brasileiro. Todas elas compõem um conjunto de teses que
não se anulam, mas que podem se relacionar e originar pensamentos e ideologias,
como explica Nygaard (2005, p.109):
72
[...] não constituíram campos independentes e específicos, mas
apresentaram significativas convergências, influenciando-se mutuamente ao
longo do tempo e atestando a presença de uma base ideológica comum. As
mesmas insistem em resultados de estudos sobre a realidade, adquirem
veracidade, validade e qualidade apenas quando apresentam natureza
científica; a pesquisa para o conhecimento efetivo da realidade requer o uso
do método experimental, racional e objetivo; a realidade somente pode ser
explicada e programada por técnicos especializados nos campos de
conhecimento científico requeridos para a respectiva tarefa.
As décadas de 1950 e 1960 são momentos fundamentais do planejamento
urbano brasileiro. São introduzidas a pesquisa urbana e regional e a pesquisa social
como instrumentos dentro das ações do planejamento econômico e territorial. O
urbanismo moderno, representado pela Carta de Atenas, tem o seu ápice na
construção de Brasília e isso é repassado para o restante do país.
Em Pelotas, fragmentos deste pensamento são implantados em uma cidade
consolidada, com origem tradicional, mas que vem apresentando ao longo da
primeira metade do século XX, uma implementação progressiva – através de planos
e regramentos - dos ideais de modernidade desse século, como se verificou no
capítulo anterior. Compreende-se que o peso dessas teorias para os planos
diretores de Pelotas é, justamente, na formação do pensamento e no modelo de
cidade desejada. Este “contexto” de teorias urbanas dá fundamentos para destacar
os paradigmas que, de alguma forma, estão presentes nas composições dos planos
diretores da cidade. Mesmo sem uma influência direta, chega a Pelotas a cultura de
levantamento da realidade, de um conhecimento científico e detalhado, de uma
visão da realidade através da multidisciplinaridade, que está por trás dos
pensamentos de Lebret e do Expediente Urbano.
Por outro lado, a ideia de espaço urbano oriunda do CIAM foi fundamental. A
ideia do edifício isolado conformando um espaço mais fluido, assim como a
organização da cidade a partir de zonas funcionais, discutida nesses encontros. está
presente de uma maneira muito direta e evidente no Plano Diretor de Pelotas de
1968.
Outro fato significativo para o planejamento urbano brasileiro é a reforma
urbana que passa a ser centrada na habitação exercendo um alto significado
econômico, político e social. Visando esta demanda, surge, então, o Banco Nacional
de Habitação (BNH) e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo 11 (Serfhau),
11
O BNH, criado anteriormente sem recursos para atingir seus fins, passou, a partir de 1967, a contar com os recursos do
FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), investindo-os no sistema urbano nacional. O Serfhau, criado juntamente
73
órgão que passa a centralizar e comandar a política urbana no país. (BASTOS;
ZEIN, 2010; NYGAARD, 2005).
O Serfhau tinha a concepção de planos locais como agentes de mudanças.
Para isso, era preciso que os planos apresentassem como características a
integração multidisciplinar dentro de uma perspectiva de racionalidade técnica e a
preocupação com amplos e setorializados diagnósticos, fundamentados em
informações quantitativas, com perspectiva temporal de médio e longo prazo.
Durante
sua
existência,
o
Serfhau
promoveu,
nos
planos
de
desenvolvimento local e no planejamento urbano o conceito de integração. Esta
integração constituía-se na relação de diferentes setores e compreensão global do
desenvolvimento urbano, tanto vertical (dentro das três esferas de governo), como
horizontal (setor econômico, político, financeiro e administrativo). (VIZIOLI, 1998).
De acordo com Rezende (1982, p.30), durante o período de existência deste
programa foi quando se teve a maior “qualidade de planos diretores urbanomunicipais e de propostas de planejamento urbano.” No entanto, Villaça (1999,
p.172) salienta que a integração não ocorreu. Mesmo pretendendo incrementar o
planejamento urbano integrado no Brasil, o Serfhau não conseguiu alcançar essa
meta, já que estimulou apenas os planos individuais de cada cidade. Vizioli (1998,
p.50) destaca, também, a falta de autonomia do programa e a “descontinuidade do
processo de planejamento, muitas vezes interrompido quando da mudança da
administração municipal.” Mesmo assim, era evidente o alinhamento com os
procedimentos e métodos urbanos indicados pelos urbanistas naquele momento.
(NYGAARD, 2005).
3.2. O Plano Diretor de Pelotas, 1968.
Em Pelotas, a “modernização” da arquitetura começa a aparecer nos anos
30, com uma série de edifícios que, ainda que marcados por forte acento tradicional,
representa já algo do “espírito da época” promulgado no século XX. Nos anos 50,
com o BNH, passou com os recursos deste, a atuar, a partir de 1967, como organismo voltado especificamente aos problemas
do desenvolvimento urbano e local no Brasil. No ano de 1975 o Serfhau é extinto e suas atividades passam a ser atribuídas ao
BNH. (PELOTAS, 1978a; VIZIOLI, 1998).
74
nota-se uma ampliação e amadurecimento dos gestos modernos utilizados nas
décadas anteriores, com uma tímida, mas clara influência da Escola Carioca. Nos
anos 60, a arquitetura moderna já se apresenta na cidade de maneira bastante
evidente.
Vários edifícios exemplares projetados sobre novos parâmetros técnicos,
funcionais e compositivos pontuavam o centro da cidade. É importante observar que
no centro da cidade, onde os lotes são pequenos, os edifícios modernos seguem
implantação tradicional, mas em zonas mais afastadas do miolo central, em terrenos
mais generosos, as residências possuem recuos frontais e laterais mesmo não
sendo ainda uma exigência legal. A ideia do espaço urbano “moderno” já está
presente quando é implantado o novo Plano Diretor.
Em 1963, é criado o Conselho do Plano Diretor, no governo de João Carlos
Gastal, a partir da promulgação da Lei 1.289, em 14 de dezembro do mesmo ano. A
empresa privada ORPLAN - Organização e Planejamento -, da cidade de Porto
Alegre, foi contratada para estabelecer as diretrizes urbanas que, posteriormente,
seriam desenvolvidas pelo Escritório Técnico do Plano Diretor, órgão da
municipalidade. A equipe de planejamento era composta pelos sócios da ORPLAN:
os arquitetos Lais de P. Salengue e. Luiz G. Miranda e o geógrafo Gervásio R.
Neves. Contava, ainda, com os arquitetos Ivânio Fontoura, Ernesto A. J. Pagganelli,
Udo da Silva Mohr e com a geógrafa Vânia A. Abrantes como colaboradores. O
consultor era o engenheiro Cloraldino Severo.
Em entrevista à autora, os sócios da empresa declararam já terem
experiências em planos anteriores ao Plano de Pelotas e, posteriormente,
desenvolveram planos para outras cidades. E afirmaram: “quem participou da
ORPLAN fez história no planejamento”, já que essa empresa foi responsável por
grande parte dos planos diretores desenvolvidos no Rio Grande do Sul
(aproximadamente 25% dos planos produzidos no Estado, nas cidades de Canoas,
São Leopoldo, Santa Maria, Bento Gonçalves, Montenegro, Santana do Livramento,
Passo Fundo e outras). Quando a empresa encerrou suas atividades, seus sócios
seguiram para os programas do Banco Nacional de Habitação - BNH (Lais
Salengue), Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul - Sudesul (Luiz
Miranda) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Gervásio Neves).
(MIRANDA, NEVES, SALANGUE, 2011).
75
Lais Salengue e Luis Miranda são formados pela Faculdade de Arquitetura
da UFRGS, em 1956 e 1961, respectivamente. A arquiteta fez estágio de Urbanismo
na França, mas atribui à sua estadia na Secretaria de Obras Públicas de Porto
Alegre, que utilizava a metodologia do Urban Survey, grande parte de sua
formação 12. Já o arquiteto participou do Curso de Especialização em Urbanismo,
fundado em 1947, no Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul.
O curso de urbanismo, fundamental na formação do pensamento urbanístico
gaúcho a partir de então, era aberto, mediante concurso de admissão, apenas para
arquitetos e engenheiros civis diplomados. Com duração de dois anos, o currículo
tinha como objetivo a complementação da formação do arquiteto com vistas às
práticas do urbanismo. (LICHT; CAFRUNI, 2002). Na Tabela 2 estão indicadas as
disciplinas oferecidas pelo curso (Anexo C), que inicialmente tem como professores
dois importantes urbanistas do cenário rio-grandense, Luiz Artur Ubatuba de Faria 13
e Edvaldo Pereira Paiva14, este último formado na Faculdade de Montevidéu. Ambos
os funcionários da prefeitura de Porto Alegre, utilizaram os métodos de
planejamento do Expediente Urbano de Montevidéu. O curso contava com a
colaboração do arquiteto Demétrio Ribeiro 15 , formado no Uruguai e com outros
convidados externos.
12
Nesta época o plano diretor de 1959 de Porto Alegre foi realizado por uma equipe de urbanistas, encabeçados por Edvaldo
Pereira Paiva
13
Contribui no Estudo da Urbanização de Porto Alegre 1936-1938. “Conforme o jornal Correio do Povo de 21 de abril de 1949,
os urbanistas Edvaldo Pereira Paiva e Luiz Arthur Ubatuba de Faria teriam se formado no Uruguai. Porém, segundo Alm eida
(ALMEIDA, Maria S.(2004) Transformações urbanas: atos, normas, decretos, leis na administração da cidade de Porto Alegre
1937/1961. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP. - Tese de Doutorado), a ida de Ubatuba de Faria para
Montevidéu não pode ser comprovada pela falta de registros de sua passagem pelo Instituto de Urbanismo ou pela Faculdade
de Arquitetura de Montevidéu, ainda que sua presença em Montevidéu se confirme em depoimento do arquiteto Demétrio
Ribeiro, na ocasião estudante de arquitetura na mesma faculdade.” (MIRANDA, 2011, p.5 grifo nosso).
14
Contribuiu no Estudo da Urbanização de Porto Alegre 1936-1938; Anteprojeto de planificação de Porto Alegre 1951; Plano
Diretor 1954-1964; e Plano Diretor de Porto Alegre 1959-1961.
15
Arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura de Montevidéu, Uruguai, em 1943. Esta instituição recebe a influência da
École des Beaux Arts de Paris. Em 1944, Demétrio teve seu diploma revalidado no Rio de Janeiro, quando voltou à Porto
Alegre e se estabeleceu. Lá ingressou como docente na Faculdade de Arquitetura da UFRGS. Em 1964, com o golpe militar,
foi afastado do exercício do magistério, voltando em 1980, com a anistia. Trabalhou com o Engenheiro e Urbanista Edvaldo
Pereira Paiva em planos diretores para cidades do interior do estado em 1946 (Plano Diretor de Uruguaiana) e também na
discussão dos conceitos urbanísticos do Plano Diretor de Porto Alegre, que chamaram Ideias para Porto Alegre, em 1959.
Após a vigência do plano, Demetrio foi, também, membro do Conselho do Plano Diretor. Ainda participou da elaboração de
planos diretores de outras cidades do estado e também como consultor. Nos anos de 1967 a 1969 foi presidente do
Departamento do Rio Grande do Sul do Instituto de Arquitetos do Brasil. De 1977 a 1979 exerceu a Presidência Nacional do
IAB. (MOHR, 2003). Em 1980 participa como consultor no Segundo Plano Diretor de Pelotas.
76
Tabela 2: Disciplinas e professores do Curso de Urbanismo do IBA.
Ano
Disciplina
Professor
Teoria e Prática dos Planos da cidade I
Edvaldo Pereira Paiva
Evolução Urbana I
Edvaldo Pereira Paiva
Higiene da Habitação, Saneamento das cidades
Luiz Arthur Ubatuba de Farias
Urbanologia, etc.
Luiz Arthur Ubatuba de Farias
Teoria e Prática dos Planos da cidade II
Edvaldo Pereira Paiva
Evolução Urbana II
Edvaldo Pereira Paiva
Arquitetura paisagística
Luiz Arthur Ubatuba de Farias
Organização social das cidades
Luiz Arthur Ubatuba de Farias
Administração Municipal
Max Waldemar Lübke
1º
2º
(Fonte: Livro de Atas nº2 do CTA f. 65v. 28.03.1947).
A influência do método uruguaio no curso de urbanismo de Porto Alegre fica
evidente com a presença da maioria dos professores com formação da Faculdade
de Montevidéu, além da prática de seminários com professores visitantes, como a
visita do professor Maurício Cravotto, envolvendo a cultura platina na formação dos
urbanistas do curso do Instituto de Belas Artes.
No Plano Diretor de Pelotas, foi utilizada uma metodologia que buscava
resultados expedidos e objetivos, através de visitas à cidade, de carta planimétrica e
de fotografias aéreas. Embora os autores do plano afirmem o abandono do processo
do Expediente Urbano, fica evidente o seu uso uma vez que realizam um
levantamento bastante detalhado da cidade e seu desenvolvimento nos diversos
campos. Os autores que tiveram em sua formação esta teoria relatam que o
conhecimento deste “método deu base técnica e científica que permitiu abandonar
algumas ideias”, e continuam: “nos inspirou a estabelecer uma metodologia mais
dinâmica, com conceitos dos geógrafos, de interação da cidade com os municípios
próximos ou com uma determinada região de entorno”. O que se pode notar com
esta afirmação e ao longo do estudo do plano, é que este referido “abandono” é
mais no sentido de uma sintetização do estudo, já que tinham um curto espaço de
tempo para organizar o trabalho. (MIRANDA, NEVES, SALANGUE, 2011).
Dotados de uma visão multidisciplinar (com profissionais do campo da
geografia, administração municipal e arquitetura), a equipe valeu-se de uma
metodologia de planejamento urbano baseada no estudo da região, equipados com
77
os conceitos da geografia. Foram utilizados como temas fundamentais as ideias de
sítio e de relevo, que deveria ser conciliada com a ocupação da cidade, a questão
da umidade e o reflexo de Pelotas na região.
Após oito meses de trabalho, foram entregues ao Poder Público da cidade
critérios básicos e padrões orientadores para os planos setoriais que deveriam ser
realizados pelos órgãos técnicos da Prefeitura como complementação do plano
geral.
A publicação do Plano Diretor de Pelotas é apresentada através de textos,
mapas e gráficos e foi dividida em três partes. A primeira parte, “a cidade e a
região”, constitui um estudo amplo do espaço urbano que verificou as tendências do
crescimento urbano como consequência do comportamento regional e a influência
da cidade na região. Os temas desenvolvidos nesta etapa dizem respeito ao
município, à região polarizada, à população, aos aspectos econômicos, e à
infraestrutura. A segunda parte denominou-se “a cidade”, e a terceira parte constitui
a Lei do Plano, lei nº 1.672 de 30 de maio de 1968.
Os títulos a seguir fazem referência à segunda parte do plano, “a cidade”,
que está dividida em: processo de ocupação do solo, uso do solo, intensidade de
ocupação, sistema viário, paisagismo e equipamento social. Para cada um destes
são apresentados os principais diagnósticos apontados pelo levantamento da equipe
da ORPLAN, assim como suas principais recomendações.
3.2.1. O processo de ocupação do solo
a) Principais avaliações e diagnósticos do levantamento:
Em 1900, a cidade já contava com uma população de 26.312 habitantes. A
partir do início do século XX, há um decréscimo da taxa de crescimento no período
de 1910-12, isto pelo declínio da indústria do charque na cidade. No entanto, de
1920 a 1940, a população passa dos 43.000 a 62.000, já de 1940 a 1950, a taxa se
mantém estável. No período de 1950 a 1960, com o êxodo rural, a cidade atinge
uma taxa de 4,7% ao ano, atingindo 121.280 habitantes.
Esta população se distribui de forma desordenada na cidade, sendo uma
das causas desse fenômeno a procura de loteamentos na área periférica (Figura
78
26). Nesse contexto, as concentrações de população ficam condicionadas às áreas
de menor custo. De qualquer forma, não existem normas atualizadas sobre
loteamentos e construções, já que o Código de Construções data de 1930 e o plano
de revisão do escritório Saturnino de Brito, de 1947, somente estava servindo como
diretriz para projetos de expansão de rede de água e esgoto. Os loteamentos
necessitavam de uma legislação própria que correspondesse às diretrizes do Plano.
a)
b)
Figura 26: situação em 1966. a) área urbana. b) loteamentos. (Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).
O estudo dos planos anteriores a 1968 para Pelotas podem deixar mais
claro as propostas e ideias de crescimento da cidade. O Plano de Ampliação de
1924 propunha um grandioso projeto de extensão urbana, assim como o
Saneamento de Pelotas – novos estudos de 1947. Utilizando o contorno da evolução
79
encontrada pela equipe da ORPLAN em 1966 e sobrepondo a estes projetos (Figura
27), tendo como referência nesta sobreposição o Arroio Santa Bárbara, pode-se
observar que o projeto de 1947 condiz mais com o que se concretizou, talvez
também por ser mais novo - a cidade já possuía esse formato - do que o Plano de
1924, que tinha uma proposta maior de expansão.
a)
b)
Figura 27: sobreposição de mapas. a) evolução urbana de 1966 sobre o Plano de Ampliação de
1924. Adaptado pela autora. (Fonte: DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5). b) evolução urbana de 1966
sobre o Mapa de Saneamento de Pelotas de 1947. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS,
1947, p.s/n).
80
b) Principais recomendações:
As edificações deveriam ser regidas por normas, respeitadas as diretrizes do
Plano. Nas que estão em locais de uso incompatível, quanto à classificação de uso,
serão permitidas apenas manutenções do prédio, sendo vedada qualquer ampliação
da área construída, exceto para hospitais e indústrias.
Há também as determinações relativas aos loteamentos:
Não será permitida a construção em lotes com área inferior a 215m² e
testada inferior a 8,50m, salvo em terrenos escriturados ou averbados no
registro de imóveis em data anterior a vigência da apresentada lei e
respeitada a cota ideal mínima (CI) na zona considerada quando para fins
residenciais. (PELOTAS, 1968, p.151)
3.2.2. Uso do solo
É entendido pelo Plano como uso do solo a distribuição das atividades no
espaço e, nesse sentido, foram avaliadas as tendências naturais (o que vinha
acontecendo) quanto à distribuição das atividades na cidade. “A distribuição deve,
contudo, ser considerada, basicamente, segundo seu aspecto evolutivo, onde as
tendências de implantação natural servem de critério avaliativo para julgamento de
adequação à estrutura urbana.” (PELOTAS, 1968, p.84).
a) Principais diagnósticos do levantamento:
A densidade encontrada em 1966 era de 50 hab/ha, o que ao nível global é
considerada baixa, mas ideal para os padrões brasileiros de cidades médias e
grandes. Mantidas as condições vigentes, a tendência para 1980 é de 79 hab/ha –
todas as propostas previstas por este Plano são sempre até o ano de 1980 (ano
base), casualmente, ano em que o II Plano Diretor entraria em vigor.
Na área central é constatada uma densidade maior e crescimento vertical
acentuado, o mesmo acontece com a área do bairro Fragata, ao longo da Avenida
Duque de Caxias. Também são constatadas inadequações na estrutura urbana, que
não responde ao conflito existente na área entre o tráfego de veículos e de
pedestres. Neste ponto, já percebe-se a intenção de um indício de calçadão. Além
desses pontos, nessas áreas há um “elevado número de edifícios antigos,
demonstrando que o processo de renovação é lento.” (PELOTAS, 1968, p. 92).
81
O ponto de partida para o estudo do uso do solo foi uma avaliação das
tendências que se verificam quanto à distribuição das atividades na área. Dentro do
processo natural produção-consumo, pode-se estabelecer espaços segundo
exigências funcionais, considerando as atividades:
Produção de bens primários,
predominantemente rural;
que
demandam
espaços
de
uso
Transformação de bens ou espaço de uso industrial;
Distribuição de bens ou espaço de uso comercial;
Consumo de bens ou espaço de uso residencial e equipamentos
complementares. (PELOTAS, 1968, p. 84).
Todos os itens caracterizam um uso de predominância urbana, com exceção
do primeiro, que trata da produção rural.
No levantamento, o Plano Diretor, apresenta um mapa (Figura 28) do uso do
solo encontrado em 1966, apontando três tipos de indústrias, segundo critérios de
nocividade: as inofensivas, as incômodas e as nocivas. Também é marcada a zona
com predominância de uso comercial. Embora haja uma predominância de
indústrias na área central, devido a suas características, não apresentam grandes
prejuízos às outras atividades desta área. Já ao longo da linha férrea e do Arroio
Santa Bárbara, há um acúmulo de indústrias nocivas, parte do processo histórico da
cidade. No Saneamento de Pelotas – novos estudos de 1947, esta área já era
apontada como zona industrial. Mas, segundo o diagnóstico, esta localização
prejudica a área central em vários fatores: odores, poeira, fumaça, fluxo de
caminhões e veículos em direção à área central.
82
indústrias
inofensivas
incômodas
nocivas
uso comercial
Figura 28: situação do uso do solo em 1966. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1968,
p.s/n).
b) Principais recomendações e definições:
Quanto à intensidade de ocupação do solo, o plano julga necessário:
Conservar no centro tradicional, sua atual tendência de intensidade de
ocupação afim de não tornar anacrônicas, pela mudança brusca de critérios,
16
as edificações recentes
e não permitir alterações dos índices
estabelecidos pelo plano, mesmo em suas reavaliações periódicas.
(PELOTAS, 1968, p. 94)
A cidade, então, é dividida por zonas, com o intuito de facilitar a distribuição
dos equipamentos para cada lugar (Figura 29). Em Pelotas, a implantação do
zoneamento foi de forma bastante rígida (a equipe do plano, em entrevista afirma o
contrário, que o zoneamento foi maleável), estabelecendo-se em toda a área urbana
usos do tipo conforme, permissível e incompatível. Nas áreas de caráter comercial e
industrial há uma tendência de se indicar algum uso residencial, principalmente nas
zonas de bairros populares, onde há uma procura de proximidade entre residência e
trabalho.
16
Pelotas nesse momento já tem construídos uma série de edifícios “modernos” em altura no centro da cidade.
83
Figura 29: zoneamento proposto Plano Diretor de 1968. Adaptado pela autora. (Fonte: Base
Google Earth).
84
Por uso conforme entende-se o uso que deverá predominar na zona, dandolhe a característica; por uso permissível entende-se o uso capaz de desenvolver na
zona sem comprometer as suas características; e uso incompatível, o uso em
desacordo com a característica da zona, sendo proibida sua localização na área.
Para cada zona é fixada a intensidade de ocupação (Tabela 3), considerando Índice
de Aproveitamento (IA) – quociente entre a área construída máxima e a área do lote
–, Taxa de Ocupação (TO) – percentagem da área do lote, ocupada pela projeção
horizontal máxima da edificação:
Tabela 3: Uso do solo. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas
informações descritas no Plano de 1968.
Zona
ZCC
ZCS
ZR1
ZR1 (em lote
de 2.500m²
ou mais)*
ZR2
ZR2 (em lote
de 2.500m²
ou mais)*
ZR3
ZR3 (em lote
de 2.500m²
ou mais)*
ZR4
ZR4 (em lote
de 1.000m²
ou mais)*
ZI1 e ZI2
ZCA
Uso conforme
Uso permissível
IA
TO
IA
TO
7
5
4
70%
70%
50%
5
4
2,8
50%
50%
40%
4,5
35%
-
-
2
50%
1,4
70%
1,4
70%
-
-
1
50%
0,7
70%
1,2
30%
-
-
1
60%
0,7
70%
2
50%
-
-
3
90%
0,7
70%
3
90%
0,7
70%
Será regulamentada após a realização do plano geral urbanístico da área,
ZE
pelo Escritório Técnico do Plano Diretor.
*para fins residenciais
(Fonte: PELOTAS, 1968).
Através desses dados, percebe-se que as taxas de IA para uso conforme
são altas nas zonas comerciais, coincidentes com a parte mais antiga da cidade,
assim como a TO, caracterizando um aspecto de grande densidade e altura.
Característica essa que é dissolvida nas outras zonas, essencialmente nas zonas
residenciais mais periféricas, com taxas de IA baixas em relação a TO. Essas
características se repetem no uso permissível, mas com níveis mais baixos.
85
Nas áreas comerciais, o plano propõe manter o atual uso e ampliar o espaço
comercial do centro tradicional, dando estruturação física adequada a essa
atividade. Propõe também a criação de zonas comerciais no Fragata e Três Vendas,
além da criação de zona de comércio atacadista junto ao Porto. O pavimento térreo
das edificações não poderá ser construído para fins residenciais, com exceção feita
nas edificações sobre pilotis para residência do zelador do prédio. Esta
regulamentação afirma o desejo de manter o espaço mais fluído, apenas
interrompido quando há a necessidade de comércio, fundamental para a área.
As zonas residenciais seguiam dois padrões, as habitações populares
respondiam a uma tendência natural, localizando-se próximas às áreas comerciais,
atendendo à relação trabalho-moradia, como já era previsto no Plano de Ampliação
de 1924. As áreas de habitação de classe média ou alta ficariam localizadas em
uma área especial de expansão urbana com maiores lotes e uso predominante
residencial.
Já as zonas de uso industrial fixadas com uso predominantemente para este
fim, que nos primeiros regramentos eram localizadas às margens do Canal São
Gonçalo, na área portuária, e Arroio Santa Bárbara, ao longo da linha férrea, agora
seriam localizadas nos arredores da cidade, com a finalidade de não prejudicar a
população com emissão de gases, transporte de carga e poluição sonora.
Os regramentos de 1924 e 1947, Planos de Ampliação e Saneamento de
Pelotas – novos estudos, respectivamente, fazem referência ao uso do solo, com
distribuição de atividades. No plano de 1924 (Figura 30a), o zoneamento é mais
direto, com zonas industriais, comerciais e residenciais bem definidas. Em laranja
está a área comercial e, em rosa, a industrial. As habitações seriam divididas em
habitação para operários em verde, próxima à área comercial e industrial, garantindo
a proximidade trabalho-moradia. A habitação burguesa, em amarelo, e a cidadejardim para a habitação de elite, em azul. Em roxo, tem-se a área do hipódromo, que
aparece novamente na Figura 30b. O regramento de 1947 aponta áreas industriais
perto do porto da cidade (áreas em rosa do mapa para a indústria e em azul para a
indústria de carnes) e alguns novos loteamentos populares (áreas em amarelo).
Destaca-se que as áreas industriais nos dois planos concentram-se perto do Canal
São Gonçalo, região portuária da cidade.
86
a)
b)
Figura 30: zoneamentos. a) Plano de Ampliação, 1924. Em laranja o comércio, em rosa a
indústria, em amarelo a habitação burguesa, em azul a habitação de elite, em verde a habitação
operária e em roxo o hipódromo. Adaptado pela autora. (Fonte: DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5).
b) Saneamento de Pelotas – novos estudos, 1947. Em rosa a indústria, em azul a indústria de
carnes, loteamentos populares em amarelo, parques em verde e o hipódromo em roxo.
Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1947, p.s/n).
3.2.3. Intensidade de ocupação
Segundo o Plano, intensidade de ocupação do ponto de vista físico, é o
resultado do volume das edificações e seu espaçamento, que define o padrão de
densidade de uma área.
a) Principais diagnósticos do levantamento:
No levantamento foi apresentado um mapa de densidade demográfica
(Figura 31) que aponta uma maior densidade da área central que vai se dissolvendo
para a periferia.
87
De 0 a 18 hab/ha
De 15 a 30 hab/ha
De 40 a 60 hab/ha
De 60 a 90 hab/ha
De 100 a 120 hab/ha
De 140 a 180 hab/ha
De 190 a 210 hab/ha
Mais de 600 hab/ha
Figura 31: densidade demográfica – 1966. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1968,
p.s/n).
Na área central, com densidade superior a 200h/ha, é onde se encontra a
maioria dos prédios com mais de 10 pavimentos da cidade. Mesmo assim, ainda é
bastante elevado o número de construções antigas, demonstrando que o processo
de renovação urbana é lento. Nas áreas periféricas, esta intensidade é de forma
desigual e as densidades são baixas. Mesmo assim, existem pequenas áreas de
periferia em que as densidades variam de 5hab/ha até 40hab/ha, como o Bairro
Dunas e a Vila Castilhos.
Além disso, a tendência natural na intensidade de ocupação encontrada em
Pelotas e indicada nos estudos do Plano seguiam dois padrões:
- Com tendência ao crescimento vertical: área central e o centro comercial
do bairro Fragata;
- Com tendência ao crescimento horizontal: área norte, leste e adjacências
do bairro Fragata. Essas áreas apresentam grandes vazios urbanos,
servindo para a construção de loteamentos de baixa ocupação.
88
b) Principais recomendações e definições:
Portanto, quanto à intensidade de ocupação, a equipe julga necessário
estabelecer índices restritivos, taxa de ocupação e índices de aproveitamento e
exigir para os lotes residenciais a cota ideal de terreno.
Quanto à densificação, há a indicação de conservar no centro tradicional sua
alta densidade e não permitir alterações dos índices estabelecidos pelo plano,
mesmo em suas reavaliações periódicas. Nos centros de bairros, a densidade deve
ser aumentada, juntamente com as áreas residenciais periféricas à área central,
permitindo a construção em altura e exigindo maior área livre do lote, configurando
um espaço urbano mais homogêneo e fluido em toda a cidade.

3.2.4. Sistema viário
A equipe visava estudar o sistema viário não só do ponto de vista funcional,
mas também como fator de desenvolvimento. O estudo teve como consultor o
Engenheiro Cloraldino Severo e indica alguns fatores como determinantes para a
definição do sistema viário e ajuste de sua hierarquia na cidade:
- determinação das vias de acesso ao meio urbano;
- necessidade de ligações entre os espaços internos da área urbana;
- viabilidade de execução;
- interesse no desenvolvimento de determinadas áreas.
a) Principais diagnósticos do levantamento:
Inicialmente, verificou-se que a cidade como organismo urbano reflete o
crescimento econômico da região. A cidade cresce em forma de “V” em direção a
Porto Alegre (direção do Bairro Três Vendas) e Canguçú-Campanha (Bairro
Fragata), tendo como vértice o centro tradicional e área do porto (Figura 32).
O Bairro Três Vendas tende a receber o comércio redistribuidor de produtos
e os serviços, em virtude do desenvolvimento econômico encontrado no local e o
Bairro Fragata, o comércio ligado às áreas coloniais, a indústria de transformação e
de equipamentos agrários.
89
Porto Alegre
Canguçú-Campanha
Figura 32: vias de acesso – Situação em 1966. Em rosa estão as estradas radiais e em verde as
estradas projetadas. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).
b) Principais recomendações e definições:
O Plano propõe uma hierarquia do sistema viário através da criação das vias
perimetrais e radiais, seguindo o exemplo das perimetrais de Porto Alegre e de
outras cidades brasileiras17 (Figura 33).
Como complementação do Plano Diretor, a equipe sugere que seja
elaborado um Plano de Racionalização do Trânsito, que crie um anel viário
abrangendo a Zona Central, com intenção de reduzir o número de veículos nesta
área. Na área interna do anel, a mão única seria adotada e na periferia externa do
anel viário seria incentivada a construção de garagens. Dentro da proposta do
Plano, as perimetrais e radiais teriam gabaritos de 30 e 40 metros, sendo os
alargamentos feitos de forma progressiva, atendendo às prioridades. Não fica
apontada a localização exata das ruas que formariam o anel viário.
17
Criação de uma avenida perimetral que circulasse pelos limites do centro da cidade. Em 1914, Moreira Maciel, no Plano de
Melhoramentos propõe uma conexão contínua entre várias ruas que delimitavam o centro, além de uma avenida junto ao
Porto. (LEME, 1999). O uso das radiais e das perimetrais também estão presentes nos plano de Prestes Maia para São Paulo
e no de Alfred Agache no Rio de Janeiro, ambos em 1930.
90
O sistema viário compreenderia rodovias federais, estaduais e municipais,
com faixa de domínio de no mínimo 60m de largura; avenidas, em duas pistas, com
características de trânsito rápido e largura mínima de 30m; ruas principais, coletoras
de trânsito para avenidas, com largura mínima de 20m; ruas locais, de trânsito lento,
com largura mínima de 16m; e ruas, praças e passagens de uso exclusivo de
pedestres. Ao longo das rodovias e ferrovias, seriam previstas vias de trânsito local
com largura mínima de 20m.
b)
c)
a)
d)
Figura 33: exemplos de perimetrais. a) Plano Geral de Melhoramentos para Porto Alegre.
Moreira Macial, 1914. (Fonte: ABREU FILHO, 2006, p.49).b) Plano de Avenidas de São Paulo.
Prestes Maia, 1930. c) Contribuição. Esquema Teórico de Porto Alegre. Ubatuba de Faria e
Edvaldo Paiva, 1936-98. d) Plano de Avenidas do Rio de Janeiro. Alfred Agache, 1930. (Fonte:
ABREU FILHO, 2006, p.109).
3.2.5. Paisagismo
O estudo de paisagismo tem por objetivo ordenar de maneira clara e legível
a estrutura formal da cidade, através de análise da realidade formal de Pelotas.
Desta forma, procura definir os valores a preservar, enfatizar ou substituir. O
Arquiteto Ernesto Paganelli foi o responsável por esse segmento e autor dos
desenhos encontrados no Plano.
a) Principais diagnósticos do levantamento:
Os primeiros loteamentos da cidade são formados por quarteirões
densamente edificados e um traçado urbano xadrez. Para o usuário, esta forma
91
imposta pelas ruas-corredores, apresenta-se de maneira bidimensional, já que os
planos verticais das edificações bloqueiam lateralmente a visão. A ocupação total da
testada do lote, bem como a ausência do jardim frontal são fatores marcantes na
paisagem urbana e, conforme é afirmado no Plano, é de “um conjunto monótono,
constatando-se como único valor da paisagem a profundidade visual.” (PELOTAS,
1968, p.103).
A equipe constata que a circulação de pedestres na zona central é intensa e
os passeios estão mal dimensionados em relação ao fluxo, devido, em grande parte,
à circulação de veículos que prejudica a paisagem e bloqueia os espaços já
reduzidos de domínio do pedestre. Há uma carência de hierarquia visual no sistema
de vias e de fluidez de ligações entre os principais espaços da vida urbana.
A cidade conta com uma série de ambientes e monumentos com grande
importância para o enriquecimento da forma da cidade e da constituição de espaços
de lazer (Figura 34), que estão prejudicados pela localização, falta de adequação ou
descaso.
Predominância de leitura bidimensional
Corpo de espaço
Pré-existências na paisagem urbana
Massa plástica de interesse
Figura 34: avaliação do aspecto físico visual. (Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).
92
b) Principais recomendações e definições:
É sugerido que, para a área central, onde há uma carência de hierarquia
visual no sistema de vias e de fluidez entre os espaços, devam ser elaborados
estudos de arborização com estruturas vegetais dispostas de maneira descontínua e
informal. Quanto aos monumentos, o Plano propõe a construção de um Centro
Administrativo (Figura 35) que deveria ser construído no mesmo local do Mercado
Público Municipal. No texto há o seguinte posicionamento:
No estudo da praça assume importância a redistribuição dos monumentos
existentes em espaços adequados. A terceira zona, ocupada hoje pelo
Mercado, foco de deterioração da área, deverá ser liberada e o mesmo
removido como medida de saneamento desde que acompanhada da devida
atenção aos seus reflexos sociais.
A longo prazo o local deverá ser ocupado pelas instalações da
Administração Municipal. A organização da estrutura formal do conjunto
dará condições ao desenvolvimento dos usos propostos. Deverá
caracterizá-lo plasticamente e traduzir sua unidade. (PELOTAS, 1968, p.
109).
a)
b)
Figura 35: proposta de requalificação da Praça Coronel Pedro Osório. Desenhos do Arq.
Ernesto Paganelli. a) perspectiva da praça com proposta de edifício de centro administrativo
ao fundo à direita – no lugar do Mercado Público. b) localização da área. (Fonte: PELOTAS,
1968, p.s/n).
93
É possível observar nas figuras uma nova proposta de desenho para a
Praça Coronel Pedro Osório, mais fluida e aberta. Características bem diferentes do
existente, que segue um traçado em formato de estrela, comum a outras praças da
cidade. Também é significativa a mudança da paisagem geral, do entorno da praça,
com edifícios altos e base ocupando todo o terreno. Esses atributos vão se refletir na
Lei do Plano, com a aplicação de recuos, com a implantação das taxas de ocupação
e índice de aproveitamento e em outros instrumentos que alteram a imagem da
cidade.
Conforme o texto do Plano, o Mercado Público, na área central da cidade,
contribui para a centralidade da vida urbana. Nas cidades brasileiras há uma
tendência ao seu desaparecimento, devido ao desvirtuamento do comércio exercido
nele. Em Pelotas, há distorção em suas funções e uma deterioração física e social
desse espaço e seu entorno, onde se localizam os terminais de ônibus, agravando a
decadência do comércio original. Em entrevista, a equipe do Plano assegura que
esta atitude foi tomada devido ao abandono do local, e que a proposta de Centro
Administrativo era para a renovação do centro da cidade. Os entrevistados também
declararam que se o Plano fosse desenvolvido nos dias de hoje, talvez, essa
decisão não fosse tomada. (MIRANDA, NEVES, SALANGUE, 2011).
As propostas do sistema viário principal, incluindo o anel viário, assim como,
o projeto do Centro Administrativo, são medidas previstas para serem executadas
em curto prazo. Considerando para um novo plano o ano base 1980, essas
questões deveriam ser concluídas em três anos.
3.2.6. Equipamento Social
Segundo o estudo do Plano, os equipamentos sociais são unidades de
prestação de serviço público e/ou privado, localizados adequadamente para melhor
atingir as necessidades da população. Estes equipamentos são as escolas, as
praças, os mercados, os órgãos públicos e etc.
a) Principais diagnósticos do levantamento:
A área central é a única que conta com todo tipo de equipamento,
aumentando o congestionamento no centro tradicional, como se pode ver na Figura
94
36, as áreas periféricas mais grifadas são as que possuem menor número de
equipamentos sociais.
Figura 36: ausência de equipamentos sociais, áreas problemas. (Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).
b) Principais recomendações e definições:
As diretrizes do Plano dividem os equipamentos sociais em três níveis: o
centro local, o centro de bairro e o centro principal, que podem receber os seguintes
equipamentos, como são apresentados na Tabela 4:
95
Tabela 4: equipamentos sociais.
Nível
Centro
local
Centro de
bairro
Centro da
cidade
Proximidade
Frequência de utilização
Diária
Periódica
Imediata
Escola primária,
jardim de infância,
comércio de
abastecimento
cotidiano, parque
de recreação,
parque infantil.
Mediana
Cinemas, mercados
públicos,
supermercados,
Escolas secundárias.
centros de saúde,
centros de
puericultura.
Mediata
Escolas superiores.
Ocasional
Praças, feiras livres,
farmácias.
Comércio
especializado
Praças esportivas,
ambulatórios,
consultórios, pronto
socorro, correios.
Parques, biblioteca
pública, museu,
hospitais e casas de
saúde, zoológico,
jardim botânico,
centro
administrativo.
(Fonte: PELOTAS, 1968, p. 114).
Segundo a equipe, os equipamentos sociais de centro local quase não
aparecem na vida comunitária do nosso país, mas são de vital importância na
relação de um grupo social e, através deles, é possível desenvolver um processo de
interação social em termos de unidade de vizinhança:
No presente trabalho não são desenvolvidas unidades de vizinhança em
seu sentido integral, mas unidades de área, delimitadas pelo próprio
sistema de vias do Plano, e que deverão merecer, subsequentemente,
estudos detalhados para a localização dos equipamentos relativos a centro
local. As unidades de área, em função de suas dimensões, deverão
comportar um ou mais polos desse nível. (PELOTAS, 1968, p. 115).
Diferente da unidade de vizinhança, que proporciona a uma área residencial
certa autonomia com relação às necessidades diárias de consumo de bens e de
serviços urbanos, definindo tamanho e limites para a população, espaços públicos,
áreas institucionais, comércio local e de sistema interno de ruas, os níveis de polos,
caracterizados pelo uso predominantemente comercial, nos centros de bairros,
poderiam, posteriormente, ser mais desenvolvidos com a implantação de
equipamentos sociais de interesse da área a que o polo sirva.
A área do entorno da represa Santa Bárbara, com aproximadamente 650/ha,
oferece condições para acolher o Parque da Cidade, com a promoção dos seguintes
equipamentos de atividades: parques infantis, recreação, esportes, jardim zoológico,
96
jardim botânico, camping, pesqueiro, esportes lacustres, horto florestal e clubes
esportivos particulares.
3.2.7. Dinâmica do Plano
Em linhas gerais, as medidas preconizadas pelo plano, dizem respeito a:
- identificação das tendências da expansão urbana e estabelecimento de
normas para seu controle;
- definição da área de expansão urbana para os próximos 13 anos e
estabelecimento de normas para a sua ocupação;
- elevação da densidade demográfica geral na área urbana através da
contenção das expansões em áreas;
- fixação de densidades demográficas específicas segundo áreas de
características peculiares;
- fixação de zoneamento segundo usos predominantes;
- estruturação da cidade em polos internos (centros secundários) visando o
descongestionamento do centro tradicional;
- definição de um sistema viário principal, abrangendo rodovias de acesso e
passagem, perimetrais e radiais de importância local;
- determinação de critérios de distribuição dos equipamentos sociais;
- identificação dos valores paisagísticos a enfatizar ou renovar;
- definição de unidades de área para o subsequente detalhamento do Plano.
(PELOTAS, 1968, p. 133).
Seu programa de ação considerava o ano de 1980 como ano base e
estabelecia como medidas de curto prazo aquelas que deveriam ser concluídas em
até três anos, em médio prazo nos seguintes quatro anos e em longo prazo nos
cinco anos restantes. Além disso, as medidas de médio e longo prazo deveriam ser
sujeitas à revisão.
Esta segunda parte do Plano – “a cidade” – posteriormente à apresentação
de vários mapas de levantamento, é finalizada com três mapas que sintetizam as
proposições da equipe. São mapas de zoneamento, de sistema viário, de
equipamento urbano (Figura 37) e de estética urbana (Figura 38).
97
a)
b)
Figura 37: a) proposição: zoneamento, sistema viário. b) proposição: equipamento social
(Fonte: PELOTAS, 1968, p.s/n).
98
Figura 38: proposição: estética urbana. Reparar na proposta espacial para a Av. Duque de
Caxias, Rua Marechal Floriano Peixoto e Praça Coronel Pedro Osório. (Fonte: PELOTAS, 1968,
p.s/n).
3.3. Considerações
É evidente o reflexo do pensamento urbanístico no Brasil, destacado na
primeira parte deste capítulo, sobre o Plano Diretor de Pelotas. Nota-se que, na
época, prevalecia o conhecimento científico e a entrada da pesquisa urbana no país
deu início a um planejamento detalhado, com levantamento da realidade da região
por um grupo de profissionais de diferentes áreas. O plano de 1968 apresentava
uma ideia de planejamento geral do território, através da definição de um rigoroso
zoneamento funcional, de uma organização viária hierarquizada e de um conjunto de
índices urbanísticos que procuravam como normas “postulativas”, essencialmente,
resolver os problemas que havia se tentado combater mais pontualmente nas
ordenanças anteriores. Além disso, este plano apresenta uma proposta muito clara
de paisagem urbana a ser seguida, com base nos princípios do CIAM.
O Plano Diretor de 1968 serviu como principal regramento da cidade por
doze anos. Recebeu dois prêmios em 1970 no 3º Salão de Arquitetura do IAB/RS,
99
medalha de bronze em planejamento urbano e medalha de prata na categoria
prêmio especial. (MIRANDA, NEVES, SALANGUE, 2011). Um estudo de revisão só
seria realizado em 1977 quando uma nova equipe é contratada para desenvolver o II
Plano Diretor da cidade.
As análises das partes do Plano Diretor de Pelotas apresentaram uma série
de atributos que podem ser comparados a outros regramentos urbanísticos. Pela
época em que foi desenvolvido, pode-se fazer análises comparativas do Plano
Diretor de Pelotas de 1968 com o Plano Diretor de Porto Alegre 1959/1961.
Sendo uma forte referência ao Plano Diretor de Pelotas, o Plano Diretor de
Porto Alegre 1959/1961 apresentava a metodologia do Urban Surveys das décadas
de 30 e 40, que foram incorporadas ao expediente urbano por Edvaldo Pereira
Paiva, em 1942. Em Pelotas, a equipe conta que não se utilizou deste recurso, e sim
de uma metodologia mais rápida e menos detalhada, proveniente dos conceitos da
geografia. Mesmo com este relato da equipe, o estudo apresentado é bastante
completo e extenso, apresentando muitos diagnósticos, históricos, características
sociais e físicas da cidade que coincidem com questões muito singulares do
expediente urbano.
Ideologicamente, o Plano 1959/1961 é subordinado às ideias da cidade
moderna abordada pelos CIAMs e consolidada na Carta de Atenas: zoneamento
rigoroso das funções urbanas, morfologia baseada no edifício isolado, controle de
ocupação e do aproveitamento dos lotes, visão funcionalista e sistêmica. Agrega,
ainda, noções da cidade-jardim, de Unidade de Vizinhança e dos planos anteriores
para Porto Alegre, com o reforço da estrutura rádio-concêntrica através da definição
morfológica de corredores com taxa de ocupação e de aproveitamento, uso e altura
incentivados nas radiais principais. (ABREU FILHO, 2006).
Essas mesmas características de cidade organizada através de um rigoroso
zoneamento, tendência a edifício isolado no lote, visão funcionalista e proposta de
um sistema viário com hierarquia através da criação das vias perimetrais (anel viário)
e radiais são encontradas no Plano de 1968. O Plano, ainda conta com uma questão
especial, propondo um processo de interação social em termos de unidade de
vizinhança, mas não da forma em que é proposta em Porto Alegre. Foram
desenvolvidas unidades de área - polos - delimitadas pelos sistemas de vias do
plano que, posteriormente, seriam estudados mais profundamente. Esta proposição
100
não vingou após a aplicação do Plano e esta questão acabou voltando à tona no
regramento futuro.
O próximo capítulo é destinado a este novo regramento, o II Plano Diretor de
Pelotas de 1980, sendo apresentado o contexto em que foi planejado e a descrição
das suas partes.
4. II PLANO DIRETOR DE PELOTAS, 1980.
Pelotas permaneceu durante 12 anos sob o regime do Plano Diretor de
1968. Acaso ou não, foi o período estipulado pelo plano como base para que se
validassem as suas proposições.
No ano de 1977, após a eleição do prefeito Irajá Andara Rodrigues, é
formada uma equipe para desenvolver o novo regramento. Uma característica que
vai distinguir este plano do anterior é a conformação desta equipe. Diferentemente
da anterior, a municipalidade do momento elege profissionais, na sua maioria,
residentes em Pelotas, que em um primeiro momento revisam e reavaliam os
instrumentos e propostas contidas no Plano Diretor de 1968. Esta ação foi
denominada “marco teórico”, que avaliava o desenvolvimento da cidade, a direção
de planejamento indicado pelo plano anterior e apontava uma série de intenções. Só
depois de finalizado este estudo – que durou um ano - é que são desenvolvidos os
conceitos para o novo regramento e o seu desenvolvimento.
Portanto, este quarto capítulo da dissertação descreve esta nova lei, o II
Plano Diretor de Pelotas, colocado em prática no ano de 1980. Antes de apresentar
suas diretrizes e objetivos, é apresentado um resumo do contexto em que este
Plano foi idealizado e desenvolvido, como a falência do BNH e do Serfhau, as
críticas ao urbanismo do CIAM e a importância do sistema de circulação no
planejamento das cidades modernas com a Empresa Brasileira de Planejamento de
Transporte – GEIPOT. Posteriormente, são apresentadas as partes do II Plano
Diretor de Pelotas de 1980 – parcelamento do solo, do zoneamento urbano, sistema
viário, habitação e equipamento social – com seus levantamentos, diagnósticos e
principais recomendações da lei do plano.
102
4.1. As questões urbanas dos anos 70
O BNH tinha a finalidade de promover a construção e aquisição da casa
própria para a população mais pobre. Em 1971, a expansão de suas atividades
urbanas ganha impulso, criam-se os Fundos de Desenvolvimento Urbano e é
lançado o projeto CURA (Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada).
Segundo Vizioli (1998, p.26), este projeto “propunha racionalizar o uso do solo
urbano, melhorar as condições dos serviços de infraestrutura das cidades e corrigir
as distorções causadas pela especulação imobiliária.”.
Umas das iniciativas que contribuíram para a formação do espaço urbano da
cidade de Pelotas foram os conjuntos residenciais promovidos pelas cooperativas
habitacionais, que apresentavam características sindicais, com a finalidade de
capturar recursos do BNH e promover a construção de habitações. Constituída em
1967,
a
Cooperativa
Habitacional
dos Operários
da
Cidade
de
Pelotas
(COHABPEL), promoveu a construção de um grande conjunto de habitações
destinadas à classe média. Também operou a Cooperativa Habitacional Princesa do
Sul (COOHAPRIN), em 1975, na periferia da área central e a Cooperativa Duque de
Caxias (COHADUQUE), que em 1979 construiu 28 blocos de apartamentos na Av.
Duque de Caxias, no Bairro Fragata. (SOARES, 2002).
Em 1986, o BNH vai à falência e é incorporado à Caixa Econômica Federal.
Com este episódio, surgem as críticas tanto aos seus objetivos, quanto a sua
operacionalização, que de algum modo contribuiu para aumentar a segregação
socioespacial nas cidades brasileiras - terrenos periféricos, grandes conjuntos,
práticas do mercado de terra. Neste sentido, foram criadas verdadeiras cidades
dormitórios destinadas nitidamente à população de baixa renda.
Enquanto isso, a crescente fragmentação e verticalização dos centros
urbanos, das grandes e médias cidades brasileiras, mostravam espaços que, na
prática, eram conformadas por discursos individuais de edificações que não
conformavam um todo urbano coeso e coletivo. É neste período que surge no Brasil
uma incipiente crítica ao urbanismo dos CIAM:
103
“A valorização de ambiências urbanas regidas pelas regras antigas de
alinhamento e gabarito, à sua maneira, também empreende um retorno à
origem, da mesma forma que a opção construtiva pelo tijolo estrutural. Essa
atitude, crítica ao urbanismo moderno, chegou a influir no desenho de
cidades novas, na implantação de conjuntos de algum porte, na
configuração de arquiteturas que procuraram uma implantação respeitosa
com o entorno, tendo um papel importante na reflexão arquitetônica dos
anos 80. No entanto, não teve qualquer atuação para reverter a legislação
moderno-funcional do uso do solo nas cidades brasileiras.” (BASTOS; ZEIN,
2010, p. 220).
Na década de 1980, ocorre um processo de politização da questão urbana,
ressurge o nome Reforma Urbana18 e a necessidade de melhorar a legislação, para
a criação de instrumentos de controle do uso e ocupação do solo que estabeleçam
novos
limites
ao
exercício
da
propriedade.
(RIBEIRO,
PONTUAL,
2009;
FELDMANN, 2011).
É neste contexto, com os arquitetos atribuindo uma maior função social a
sua prática profissional que, em 1978, são dados os primeiros passos para a
produção de um novo plano, confirmando a estratégia de ação do Plano Diretor de
1968 de Pelotas, que previa uma revisão para o ano de 1980.
É relevante destacar a importância crescente que vai adquirindo o sistema
de circulação e o sistema viário no planejamento das cidades modernas com grande
crescimento. Nesse sentido, a Empresa Brasileira de Planejamento de Transporte –
GEIPOT - contratada pela Prefeitura Municipal de Pelotas, vai desenvolver um
importante estudo para a cidade e que servirá de subsídio para o novo Plano Diretor
– reflete a importância dessa questão para as estratégias de planejamento urbano
nesse momento.
O estudo é um resultado do convênio entre o Ministério dos Transportes e a
Secretaria de Planejamento da Presidência da República, com a interveniência do
18
A Reforma Urbana tem início nos anos sessenta, com a realização da Reforma Agrária no campo, que já integrava o plano
das Reformas de Base do presidente João Goulart. Em 1963, foi inicialmente formulada uma reforma urbana para as cidades
brasileiras no Congresso. Mas com o golpe de 1964 o regime autoritário inviabilizou a realização dessas reformas. Quando os
movimentos sociais começaram a ganhar mais visibilidade, em 1970 e 1980, os temas da reforma urbana reapareceram.
Em 1985 foi criado o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que inicialmente reivindicava a moradia, mas com o final do
regime militar, incorporou a ideia de cidade. Mas foi em 1988 que a luta pela reforma urbana ganhou força com a Constituinte
do mesmo ano. reforma urbana significa segundo Saule Junior, “uma nova ética social, que condena a cidade como fonte de
lucros para poucos em troca da pobreza de muitos. Assume-se, portanto, a crítica e a denúncia do quadro de desigualdade
social, considerando a dualidade vivida em uma mesma cidade: a cidade dos ricos e a cidade dos pobres; a cidade legal e a
cidade ilegal. Condena a exclusão da maior parte dos habitantes da cidade determinada pela lógica da segregação espacial;
pela cidade mercadoria; pela mercantilização do solo urbano e da valorização imobiliária; pela apropriação privada dos
investimentos públicos em moradia, em transportes públicos, em equipamentos urbanos e em serviços públicos em geral.”
(SAULE JUNIOR, 2009).
104
Instituto de Planejamento Econômico e Social – IPEA, da Comissão Nacional de
Regiões Metropolitanas e Política Urbana – CNPU, da Financiadora de Estudos e
Projetos – FINEP, da Empresa dos Transportes Urbanos – EBTU e do GEIPOT. O
GEIPOT faz um estudo dos transportes urbanos da cidade com propostas de baixo
custo para implantação imediata e de médio prazo, que tem como objetivo melhorar
o trânsito na área central da cidade de Pelotas.
Baseados em planos existentes (planos, mapas e estudos estatísticos), as
pesquisas básicas de campo, realizadas na primeira fase de estudos do GEIPOT,
foram: rotatividade em estacionamentos; contagem classificada de veículos;
pesquisa de fluxos de entrada e saída de veículos na área central; contagem de
embarque e desembarque de passageiros de ônibus; e contagem de fluxos de
pedestres. Para cada item, é apresentada a análise da situação atual com os seus
problemas, acompanhada da proposição das melhorias necessárias com a
correspondente justificativa. (GEIPOT, 1978).
No período dos estudos, os levantamentos realizados apontaram algumas
inadequações comuns aos núcleos urbanos em crescimento. O volume de veículos
registrados no município cresceu, registrando um aumento na frota de automóveis
de 16% anual, no período de 1969/1977 e, além disso, a cidade também
apresentava pavimentação não dimensionada, nas principais vias, para o tráfego do
momento. Não existiam estudos para a organização do tráfego, especialmente
quanto ao transporte coletivo e movimentação de pedestres. Outro ponto
significativo é a localização de Pelotas, que a torna ponto obrigatório de passagem
dos principais fluxos de carga gerados pelas importações e exportações feitas pelo
porto de Rio Grande, causando danos às vias urbanas. Havia, ainda, algumas
fábricas localizadas em locais inadequados, que causavam problemas de acesso e,
na zona central, os pedestres tinham dificuldades de circulação, já que em várias
ruas centrais era permitido o estacionamento de veículos e os serviços de transporte
coletivos não dispunham de terminais adequados quanto à segurança e ao conforto.
O objetivo principal deste estudo era propor melhorias nas condições de
circulação de pedestres e veículos na área central de Pelotas. Para isto, seguiam as
seguintes recomendações:
- pedestres: implantação de melhores condições de segurança, conforto e
acessibilidade para os deslocamentos a pé;
105
- transporte coletivo: estabelecimento de prioridades para a circulação de
ônibus de forma a melhorar seu grau de atratividade;
- tráfego de veículos em geral: ordenação do tráfego nas áreas consideradas
críticas;
- estacionamentos: controle das áreas disponíveis, de forma a aumentar sua
utilização pela maior rotatividade nas vagas;
- sinalização: melhoria de suas condições com vistas a uma maior
segurança e fluidez nos deslocamentos de veículos e pedestres.
Devido a sua importância e aos problemas observados, a área central da
cidade foi estudada mais profundamente e recomendadas as indicações básicas:
a) Criação de um anel viário, para auxiliar no desvio do tráfego de passagem
em torno do núcleo central. Este anel compreende as ruas Barão de Santa Tecla,
Gen. Neto, Félix da Cunha e Tiradentes, (Figura 39, área em azul);
1
2
Figura 39: proposta da área para pedestre no centro da cidade. Em azul o anel viário, em rosa
claro as áreas exclusivas de pedestres, em rosa os alargamentos de passeios da 1ª etapa e em
verde os alargamentos de passeios da 2ª etapa. Adaptada pela autora. (Fonte: GEIPOT, 1978,
p.36).
106
b) Fixação de áreas prioritárias para pedestres. As ruas Andrade Neves e 15
de Novembro, compreendidas entre as ruas Marechal Floriano e General Neto,
foram escolhidas - como pode ser observado em rosa claro, pontos 1 e 2 na Figura
39 e na Figura 40 em perspectiva - para serem exclusivas de pedestres, devido à
presença do principal comércio varejista e à movimentação na localidade. Também
é proposto o alargamento de alguns passeios para facilitar a circulação dentro no
anel viário;
Figura 40: proposta da Rua Andrade Neves, exclusiva para pedestre no centro da cidade.
(Fonte: GEIPOT, 1978, p.81).
c) Remanejo do núcleo da área central. Inclui a criação de vias prioritárias
para a circulação de ônibus e a relocação de terminais de transporte coletivo com as
devidas prioridades para a sua utilização, com instalação de abrigos em todos os
terminais e nas principais paradas, assegurando proteção climática e conforto aos
usuários (Figura 41). De certa forma, o atendimento atual não foi alterado, apenas
foram eliminadas as paradas localizadas muito próximas, que causam redução na
velocidade de escoamento. Estas alterações visavam tornar o transporte coletivo
mais atrativo e seguro para os usuários;
107
Figura 41: transporte coletivo e abrigos dos terminais e paradas. Adaptada pela autora. (Fonte:
GEITOP, 1978, p.44 e 45).
d) Criação de áreas de estacionamento controlado. Em Pelotas, era
permitida a utilização indiscriminada das vias públicas para estacionamento. Através
de pesquisas específicas que procuravam determinar o tempo médio de
permanência dos veículos no estacionamento, a proposta básica do GEIPOT foi de
manter a maior oferta possível de estacionamentos, já que a área central não
permite a criação de bolsões de estacionamentos nas proximidades. Além disso,
havia a proposta, também, de criar áreas, a Zona Azul, onde o tempo de
estacionamento é controlado. Fora dos períodos mencionados, os estacionamentos
serão livres.
e)
Recomendações
complementares.
Ainda
são
feitas
algumas
recomendações, como a urbanização das áreas para pedestres. Na área dos
passeios Ismael Soares e Conde de Piratini são propostas valorizações das
espécies vegetais existentes, substituição do pavimento por outro que apresente
conformidade com as demais áreas de mesma finalidade, bem como a instalação de
equipamentos (bicicletários, bancos e bancas de revistas) e a substituição da rede
elétrica aérea por subterrânea. A forma desses ambientes foi idealizada como
mostra a Figura 42 do estudo.
108
Figura 42: acima planta baixa e abaixo as vistas dos passeios Conde de Piratini e Ismael
Soares, respectivamente, marcações 1 e 2 da Figura 39. Adaptada pela autora. (Fonte: GEIPOT,
1978, p.76, 77 e 78).
Um ano depois desse estudo, complementando as proposições da primeira
etapa, o GEIPOT publicou as recomendações de médio prazo que levavam em
consideração, principalmente, as questões ligadas ao transporte coletivo e o de
baixo impacto (bicicletas). Os levantamentos de campo foram executados por meio
de contagens de veículos e bicicletas; entrevista com os usuários de bicicletas;
pesquisa nas empresas de transporte coletivo e nas indústrias; e as velocidades e
tempo dos percursos dos ônibus.
Esta etapa do estudo de GEIPOT levou em consideração alguns projetos
que já estavam sendo estudados pela municipalidade, como a criação da Av.
Perimetral; áreas para estocagem de veículos de carga nos arredores da cidade;
mudança da localização da rodoviária, complementação da Av. bento Gonçalves; e
a construção da Via do Contorno. Todos esses projetos podem ser observados no
mapa abaixo (Figura 43), que consta nos estudos realizados pelo GEIPOT.
109
Figura 43: projetos existentes para Pelotas. Em preto a Av. Perimetral, em vermelho o
prolongamento da Av. Bento Gonçalves, em verde o contorno DNER, em azul a nova estação
rodoviária e em laranja alternativas de área de estocagem. Adaptada pela autora. (Fonte:
GEIPOT, 1979, p.26).
Para este novo estudo, as proposições apontavam como objetivos as
seguintes recomendações:
a)
Orientação do tráfego de passagem, do tráfego de carga e implantação
de uma área de estocagem para caminhões. Um projeto do DNER (Departamento
Nacional de Estradas e Rodagem) para a Via do Contorno já estava traçado, porém
a prefeitura defendia uma solução alternativa, que aumentava 1600 metros do
percurso, com o intuito de evitar o secionamento da área urbanizada do Bairro
Fragata. A proposição do GEIPOT aponta o projeto do DNER como definitiva em um
espaço de tempo de curto prazo. Mas, tentando solucionar o problema de forma
imediata, o estudo aponta uma alternativa que permite minimizar conflitos e não
impõe grandes investimentos, passando pelo itinerário: BR-116, Av. Presid. João
Goulart, Av. Duque de Caxias, R. Jornalista Cândido Melo, R. Sete de Abril, Av.
Brasil, Av. Saturnino de Brito, Av. Visconde da Graça e BR-392, isso enquanto a
proposta do DNER não é finalizada. O objetivo era conectar as áreas onde se
instalaram as principais indústrias às rodovias BR-116, BR-293 e BR-392/471, por
meio de vias adequadas.
110
As opções para acesso da carga à zona portuária são, principalmente, a Via
do Contorno (traçado do DNER e alternativa da Prefeitura), acesso pelo dique de
contenção do DNOS (Departamento Nacional de Obras) na área do antigo leito do
arroio Santa Bárbara e acesso pelo prolongamento da Av. Bento Gonçalves.
Ressalta-se que a implantação da Av. Perimetral é peça fundamental da malha
viária para distribuir e coletar o fluxo gerado pelas indústrias. Além disso, as áreas
de estocagem são delimitadas em três locais diferentes, o primeiro na BR-116, entre
a Av. Fernando Osório e Av. Presidente João Goulart, a segunda na R. Frederico
Bastos, entre Av. Duque de Caxias e Via do Contorno, e a última na BR-392/471,
entre o dique projetado pelo DNOS e a Av. Perimetral. Estas áreas foram escolhidas
para liberar as vias públicas dos caminhões que esperam operações de carga e
descarga.
b)
Implantação da Av. Perimetral. O anel viário proposto em médio prazo
passa a ser denominado Av. Perimetral, e serve para aliviar o fluxo da cidade.
Estas proposições dos tópicos a) e b) podem ser observadas na Figura 44,
que mostra as principais operações do estudo referente ao sistema viário da cidade;
Figura 44: proposições GEIPOT – médio prazo. Em verde a proposta do DNER, em rosa a
alternativa da Prefeitura, em azul a alternativa imediata da GEIPOT, em roxo o dique DNOS, em
laranja a Av. Perimetral e em amarelo as áreas de estocagem. Adaptada pela autora. (Fonte:
GEIPOT, 1979, p.38).
111
c)
Implantação de pista exclusiva para a circulação de bicicletas. Dois
tipos de circulação foram planejados: o tipo canalizado, por meio de pistas
exclusivas, as quais podem ter sentido unidirecional ou bidirecional e, quando não
houver espaço suficientemente disponível para o uso de pista, o tipo partilhada com
o tráfego local, através de faixas pintadas nas vias. Os requisitos básicos para a
pavimentação de uma ciclovia é ter a superfície de rolagem regular, ser
impermeável, antiderrapante e ter aspecto agradável para estimular o uso. Os tipos
de estacionamentos para bicicletas são relacionados ao tipo de atividade que se
exerce com ela. As paradas de longa duração, os bicicletários, auxiliam nas
atividades de trabalho, enquanto as curta duração destinam-se às atividades rápidas
de lazer, serviços e outros, podendo ser encontrados em forma de canaletas fixadas
no chão (Figura 45).
Na Av. Duque de Caxias é previsto a implantação de uma ciclovia e de uma
via exclusiva de transporte coletivo no canteiro central da avenida. Esta medida é
tomada, principalmente, pelo aumento habitacional do Bairro Fragata, com um
projeto CURA para este setor já em andamento. Também é previsto uma faixa
exclusiva para circulação de bicicletas no eixo da Av. Fernando Osório/Rua Santos
Dumont;
Figura 45: diretrizes de traçado da Av. Duque de Caxias e modelo de bicicletários para curta e
longa duração, respectivamente. Adaptada pela autora. (Fonte: GEIPOT, 1979, p.175, 180 e
181).
112
d) Racionalização do sistema de transporte coletivo. As recomendações ao
serviço de transporte coletivo dizem respeito aos terminais da área central. Esses
terminais de linhas urbanas já foram definidos nos estudo de 1978, bem como, os
terminais de linhas distritais. Nas recomendações de 1979, acrescenta-se a criação
de um novo terminal na R. Mal. Floriano, entre as R. Mal Deodoro e Barão de Santa
Tecla.
4.2.
O II Plano Diretor de Pelotas, 1980.
“Permitir que o homem, onde quer que viva, tenha a mesma qualidade de
vida”, é com esta frase que Edgar Henrique Klever 19 inicia o editorial do II Plano
Diretor de Pelotas (1980, p.5). E é neste sentido que o novo plano busca elaborar
suas proposições de planejamento urbano, com uma visão sociológica muito forte e
preocupação com os interesses dos diferentes segmentos da comunidade.
Pelotas passava não só por um período economicamente satisfatório, como
também por um processo de crescimento acelerado e o Plano Diretor de 1968 já não
atendia mais as necessidades da cidade. Em 1977, no mandato do Prefeito Irajá
Andara Rodrigues, é formada uma equipe técnica local da Secretaria Municipal de
Planejamento e Coordenação Geral e é desenvolvido o marco teórico para a
confecção do II Plano Diretor, que seria implantado a partir dos recursos do BNH e
do poder público. Este documento de intenções contextualizava o planejamento de
forma mais geral até o “foco” que, neste caso, seria a cidade de Pelotas. Sua
publicação é realizada em 1978, dois anos antes da publicação do Plano Diretor.
Está dividida em cinco capítulos:
a) Reavaliação do Plano Diretor de Pelotas. Metodologia;
b) Reavaliação do Plano Diretor de Pelotas. Diagnóstico físico territorial;
c) Reavaliação
do
Plano
Diretor
de
Pelotas.
Diagnóstico
político
administrativo;
d) Modelo;
19
Diretor-Presidente da FUPURP (Fundação de Planejamento Urbano e Regional de Pelotas), Secretário Municipal de
Planejamento e Coordenação Geral de Pelotas.
A FUPURP foi criada a partir do trabalho do Plano Diretor na tentativa de manter a continuidade de ação do planejamento
urbano mesmo com a troca de prefeituras. A iniciativa contou com o apoio do Prefeito Irajá, mas nas eleições seguintes, com a
entrada do Prefeito Bernardo de Souza essa fundação foi fechada. (MOURA, 2011).
113
e) Reavaliação do Plano Diretor de Pelotas. Estratégia do Planejamento.
Foram feitos inúmeros estudos avaliando os resultados do plano anterior,
traçando estratégias de trabalhos e definindo um modelo de cidade desejada nesse
momento.
Algumas das proposições gerais que norteavam o Plano Diretor de 1968
serviram de parâmetro para uma avaliação dos resultados efetivos do mesmo
(PELOTAS, 1978c, p.33):
a)
Controlar a expansão caótica, definindo o sentido do crescimento
urbano: o plano anterior permitiu a continuidade dos problemas de expansão caótica
e descontinuidade espacial, o crescimento urbano permaneceu sem definição;
b)
Elevar a densidade demográfica geral da área urbana controlando
essas expansões: a área urbana não adensou como foi previsto em 1968;
c)
Fixar zoneamentos segundo espaços de usos diferenciados: algumas
vezes o plano de 1968 não levou em conta a vocação da zona;
d)
Definir uma hierarquia viária, caracterizando os acessos, as vias de
passagem e as vias locais: aspecto permanecia indefinido;
e)
Reforçar a incipiente tendência de descentralização estruturando polos
internos com zoneamento e densidades especiais através de estímulos construtivos
e com a localização de equipamentos vitais à vida comunitária: os polos internos
continuaram sem expressão no conjunto da cidade.
A partir dessas análises do Plano de 1968 e do que vinha sendo observado
na cidade real pelos integrantes da equipe do II Plano, foi concluído que muito dos
problemas de crescimento de Pelotas eram reflexos da falta de continuidade e de
compromisso com a lei, “[...] é o desrespeito à Lei do Plano, ao que parece, o
responsável pela pouca contribuição do planejamento urbano na condução do
correto crescimento da cidade.” (PELOTAS, 1978c, p.36).
Fazia parte da equipe técnica o Arq. Armando Rodrigues Costa, a Arq. Rosa
Maria Garcia Rolim de Moura, o Geog. Renato Martins Müller, o Econ. José Aquiles
Suzin, a Soc. Dora Farias Lopes, o Adv. Alceu Salamoni, o Adv. Antonio Camelato
Voltan e o Adv. Bernardo Olavo Gomes de Souza. Como consultor foi convidado o
Arq. Demétrio Ribeiro e como coordenador o Arq. Rogério Gutierrez Filho. Ainda
114
participaram os acadêmicos: Estela Reinhardt, Eunice Maria Ferreira Borges, José
Leonardo Villas Boas Carúccio, Margareth Bonow, Margarete Maria Castro Satte
Alam, Maria Margareth Bainy, Ronaldo Cupertino de Moraes, Sérgio Passos de
Oliveira. A secretária executiva era Regina Reis Fernandes Ferrugem.
Todos os arquitetos desta equipe estudaram na Faculdade de Arquitetura da
UFRGS, em Porto Alegre. O Arq. Rogério Gutierrez Filho, formado em 1972, embora
não conste no título como urbanista, tem esta atribuição legal. Depois de formado,
coordenou a execução do Plano Diretor de Canoas e também trabalhou na
Prefeitura Municipal de Rio Grande até 1976/1977, quando foi trabalhar na Prefeitura
Municipal de Pelotas. Em Pelotas, fez uma consulta com a Secretaria de
Planejamento, onde trabalhava o Arq. José Albano Volkmer, que o indicou como
coordenador II Plano Diretor de Pelotas. Volkmer também fez a indicação de
Demétrio Ribeiro como consultor. (GUTIERRES FILHO, 2012).
O Arq. Armando Rodrigues Costa, pelotense, depois de formado em 1977,
retorna à cidade e o Plano Diretor de Pelotas de 1980 foi um dos primeiros trabalhos
que desempenhou como profissional. (COSTA, 2011).
A Arq. Rosa Maria Garcia Rolim de Moura, formada em 1978, logo após sua
graduação trabalhou no Projeto CURA da cidade de Lajeado, que visava promover a
ocupação dos vazios urbanos da cidade com a instalação de infraestrutura. A seguir,
foi contratada pela Secretaria de Obras do Estado que, na época, tinha um convênio
com as Prefeituras dos municípios gaúchos com o fim de assessorar suas equipes a
efetuarem seus Planos Diretores. Neste período, a arquiteta foi trabalhar no Plano
Diretor da cidade de Rio Grande, mas o plano acabou não se concretizando. Logo
após, através de entrevista com o Coordenador do Plano Diretor de Pelotas, Arq.
Rogério Gurierrez Filho, a arquiteta entrou para a equipe técnica deste plano no
momento de conclusão do marco teórico. (MOURA, 2011).
Em entrevista20, a Arq. Rosa relata que durante a composição do II Plano
não se tinha uma ideia de imagem da cidade. A visão que se tinha era muito mais
política, sociológica e econômica do que propriamente arquitetônica. Além disso,
não se tinha uma discussão formal sobre estudos teóricos que posteriormente
20
Foram entrevistados os arquitetos da equipe do II Plano Diretor: Rogério Gutierrez Filho, Rosa Maria Garcia Rolim de Moura
e Armando Rodrigues Costa.
115
seriam aplicados. Discutia-se a cidade de Pelotas e suas características com o
auxílio do consultor Demétrio Ribeiro. (MOURA, 2011).
Além da equipe técnica, foi conformado também o Escritório Técnico do
Plano Diretor (ETPD), que tinha a finalidade de coordenar e executar os trabalhos
técnicos necessários à aplicação e à atualização permanente do II Plano Diretor de
Pelotas. Caberia a este escritório manter atualizado o acervo de informações
referente ao plano, propor alterações e detalhamento urbanístico do Plano Diretor,
adequando-o às necessidades do desenvolvimento urbano. Além disso, deveria
estudar e propor medidas relativas à preservação do meio ambiente, à defesa do
patrimônio histórico e cultural do município, ao controle de projetos de parcelamento
do solo e das edificações. Tinha a incumbência também de assessorar o Conselho
do Plano Diretor nos assuntos de sua competência.
O II Plano Diretor foi publicado contendo, primeiramente, textos sobre a
realidade do planejamento urbano na cidade de Pelotas e considerações sobre o
plano proposto. A segunda parte conta com a Lei nº 2565/80, que instituía o
regramento. A lei foi dividida em cinco títulos:
a) Das diretrizes gerais: onde estão descritos os objetivos do II Plano
Diretor:
- distribuição racional das atividades e das demandas populacionais na
área urbana;
- a estruturação do sistema viário urbano;
- a distribuição espacial adequada dos equipamentos sociais;
- controle e preservação da qualidade do meio ambiente;
- a proteção do patrimônio histórico e cultural do município.
(PELOTAS, 1980, p.16).
b) Das edificações: onde constam as especificações para a execução de
qualquer edificação;
c) Das infrações: constam as penalidades por infração de disposições de
plano;
d) Das disposições gerais e transitórias.
Ao longo do capítulo, a Lei do Plano é apresentada, dedicando-se aos
conteúdos do título “Do controle e da ocupação do solo” – parcelamento do solo, do
zoneamento urbano, sistema viário, habitação e equipamento social – juntamente
116
com o que foi desenvolvido no marco teórico. Como este plano é organizado de
forma diferenciada do anterior, procurou-se destacar os conteúdos da mesma
maneira que os do Plano de 1968 – com as principais ideias de levantamento e as
recomendações do plano -, com a finalidade de se efetuar uma análise entre eles
mais organizada e de fácil entendimento.
4.2.1. Parcelamento do solo
a) Levantamentos
Em Pelotas, havia uma grande área ainda não ocupada na área urbana
legal, rodeada em sua maior parte por áreas ocupadas (Figura 46). Um estudo
dessas áreas deveria ser realizado a fim de detectar em que medida decorria de
processos de retenção de terra para fins especulativos e/ou de dificuldades técnicas
e econômicas de urbanização. Nesta última hipótese, os custos de incorporação à
malha urbana desses vazios deveriam ser estimados. Também deveria ser estudado
as possibilidades econômicas e institucionais de viabilidade de conservação de
alguns vazios, ou de parte deles, para fins de reservas verdes, visando compensar
as carências da cidade nesta questão. (PELOTAS, 1978c).
Figura 46: vazios urbanos. Em laranja as áreas não ocupadas. Adaptado pela autora. (Fonte:
PELOTAS, 1978e, p.s/n).
117
b) Recomendações
Parcelamentos para fins urbanos só seriam permitidos em zona urbana ou
de expansão urbana, procurando ocupar, assim, os vazios urbanos.
Por outro lado, em todos os terrenos destinados ao parcelamento seriam
reservadas áreas para o sistema de circulação, implantação de equipamento
comunitário e urbano, bem como espaços livres de uso público. Além disso, os
loteamentos deveriam conter vias destinadas à formação de um sistema viário.
Estes parcelamentos poderiam ter características distintas quanto a sua
formação (Tabela 5), podendo ser destinados a loteamentos (divisão de glebas, com
abertura de novas vias de circulação), desmembramento (divisão de glebas, com
aproveitamento das vias de circulação existentes) e fracionamento (subdivisão de
lote com situação regular). Em loteamentos populares, as dimensões estipuladas
para os lotes eram de testada mínima de 6,50m, área mínima de 162,50m² e área
máxima de 200m².
Tabela 5: dimensionamento técnico - parcelamentos. Tabela comparativa desenvolvida pela
autora com base nas informações descritas no Plano de 1980.
Quarteirões
Zonas
área
(m²)
testada
(m)
ZCC
225,00
8,50
ZCC
225,00
8,50
comprim.
(m)
largura
(m)
Lotes mínimos
ZR1
200,00
80,00
225,00
8,50
ZR2
200,00
80,00
225,00
8,50
ZR3
200,00
80,00
360,00
12,00
ZRMI
130,00
60,00
162,50
6,50
ZRMII
130,00
60,00
162,50
6,50
COV
200,00
80,00
600,00
12,00
COA
200,00
80,00
750,00
15,00
400,00
100,00
1000,00
30,00
DI
(Fonte: PELOTAS, 1980).
Com base na tabela acima, observa-se que as medidas dos quarteirões
revelam um formato retangular, rompendo com a malha xadrez dos quarteirões
tradicionais que compõe o centro da cidade de Pelotas. Essa configuração de
quarteirões alongados já estava presente nos planos anteriores a 1968 e buscavam
alcançar a ideia de ocupação total, sem áreas ociosas no centro da quadra.
118
Também observa-se, na ZR3 a presença de grandes lotes - configurando
baixas densidades em direção à periferia e conformando também uma ideia de
cidade-jardim – confirmando uma tendência já presente no plano de Rullmann, em
1924 – correspondente à área de cidade-jardim, habitação de elite.
4.2.2. Do zoneamento urbano
a) Levantamento
A Arq. Rosa Rolim de Moura revela que durante a composição do plano não
se tinha a ideia de transformar a cidade radicalmente. Como o centro continuava
sendo a área mais valorizada, consequentemente entendia-se que a cidade deveria
ser densificada e não espalhada.
O comércio encontrava-se em diferentes áreas comerciais. No centro estava
a Zona de Comércio Central, ao longo da Avenida Duque de Caxias observavam-se
três feições de comércio, zona de comércio misto, zona de comércio secundário e
zona de comércio atacadista de produtos coloniais. Na Avenida Fernando Osório
destacava-se a zona de comércio atacadista e na Avenida Dom Joaquim, a zona de
comércio secundário. Também é importante salientar que na Avenida Domingos de
Almeida encontravam-se pequenas zonas de comércio, principalmente de
abastecimento. (PELOTAS, 1978c).
A atividade industrial apresentava um quadro bastante descontínuo, não
havia de forma marcante um setor da cidade que concentrasse a atividade industrial,
exceção feita ao Distrito Industrial. A partir do levantamento realizado (Figura 47),
observa-se a predominância de indústrias ao longo de dois eixos que se constituem
como acessos à cidade e zona portuária, esta última definida desde o Plano de
Ampliação de Rullmann em 1924 como área de atividade industrial. Tudo indica,
porém, que com os limites impostos pelo espaço urbano, o crescimento desta
atividade foi interrompido. O Distrito Industrial, já marcado no plano anterior, não
surtiu os efeitos esperados:
A falta de infraestrutura para a área bloqueou a esperada localização das
indústrias, não conseguindo ter a esperada força de atração que se
supunha. Por outro lado, embora sua localização esteja na periferia, não
deixa de poluir, uma vez que seus detritos afetam (são jogados) no
reservatório da água que abastece a cidade. (PELOTAS, 1978c, p.32).
119
Figura 47: Indústrias. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).
b) Recomendações
Um dos pontos chave deste novo plano foi a flexibilidade quanto ao
zoneamento de funções urbanas (Figura 48), proposto anteriormente pelo Plano
Diretor de 1968. A criação das Zonas Mistas permitia novos usos para determinadas
áreas, como é explicado pela própria equipe técnica na Reavaliação do Plano
Diretor de Pelotas (PELOTAS, 1978b, p. 9) “o uso misto dessas zonas colide à
primeira vista com o próprio conceito de zoneamento diferenciado; a opção justificase, porém como medida capaz de acelerar a ocupação estruturada de áreas de
extensão destinadas à baixa renda”. Com este parecer, a equipe técnica também
conciliava o trabalho da população com a habitação, aproximando a atividade
produtiva da moradia.
Outra mudança importante foi a criação dos Corredores Comerciais e de
Serviço, que correspondiam às faixas lineares das grandes avenidas, permitindo
120
uma maior variação de usos com comércio, serviço e habitação, principalmente a
multifamiliar e uma aproximação de atividades terciárias às zonas residenciais.
(PELOTAS, 1978a; 1980).
A Zona Urbana - perímetro legal - seria composta por áreas de ocupação
intensiva e diferenciada:
I – Área de Ocupação Intensiva correspondente à parte da Zona Urbana
dotada de infraestrutura e equipamentos urbanos, ainda que não efetivamente
ocupada.
a)
Zona de Comércio Central (ZCC);
b)
Zona Residencial I (ZRI);
c)
Zona Residencial II (ZRII);
d)
Zona Residencial III (ZRIII);
e)
Zona Residencial Mista I (ZRMI);
f)
Zona Residencial Mista II (ZRMII);
g)
Corredor Varejista (COV);
h)
Corredor Atacadista (COA);
i)
Zona Industrial.
II – Área de Ocupação Diferenciada corresponde à parte da Zona Urbana,
contígua à Área de Ocupação Intensiva, com população rarefeita não servida por
infraestrutura e equipamentos urbanos e destinada à expansão urbana.
a)
Zona de Expansão Prioritária (ZEP);
b)
Zona de Expansão Secundária (ZES);
c)
Zona de Expansão Industrial (ZEI).
Pela primeira vez, na cidade de Pelotas, pensa-se em programar um sistema
de controle ambiental, com a finalidade de preservar o patrimônio histórico, cultural e
natural. O II Plano apresentava esta proposição através da definição das Zonas de
Preservação Ambiental, que consistiam em:
I – Zonas de Preservação Paisagística Cultural (ZPPC): aquelas destinadas
a preservar a memória histórica e cultural ou arquitetônica do Município através de
121
cadastramento de zonas e prédios de interesse histórico, cultural ou arquitetônico e
seu tombamento quando considerado pertinente;
II - Zonas de Preservação Paisagística Natural (ZPPN): aquelas destinadas
à preservação das características biofísicas significativas da cidade, ficando sujeitas
a regime urbanístico especial em atenção às peculiaridades de cada área;
III - Zonas de Preservação Permanente Legal (ZPPL): aquelas sujeitas à
preservação permanente por disposição do Código Floresta de 1965. Com faixas de
proteção ao longo de cursos d’água e encostas e também com proteção dos locais
de valor científico, histórico e com excepcional beleza, assegurando a fauna e flora
ameaçadas;
IV - Zonas de Preservação Permanente Ecológica (ZPPE): locais como
parques naturais (federais, estaduais ou municipais), praças e recantos, onde só
serão permitidas atividades destinadas ao lazer ativo ou passivo da população e
para fins científicos.
Para as áreas de Ocupação Intensiva foram estabelecidos usos (Tabela 6)
seguindo os padrões:
a)
Uso conforme: corresponde aos que deveriam predominar na Zona,
assegurando-lhe a característica;
b)
Uso proibido: correspondente aos não permitidos na Zona, por não se
adequarem às suas características;
c)
Uso permissível: corresponde aos que poderiam se desenvolver na
Zona, sem comprometer suas características.
122
Figura 48: zoneamento II Plano Diretor de Pelotas. Adaptado pela autora. (Fonte: Base Google
Earth).
123
Tabela 6: usos para área de ocupação intensiva. Tabela comparativa desenvolvida pela autora
com base nas informações descritas no Plano de 1980.
Usos
Zonas
Conforme
Permissível
Proibido
ZCC
AT1-AT3-RM-RC
UE2-UE3-UE4-I1
RU-I2-I3-I4-I5-AT2UE1-AA
ZR1
RU-RM-RC-AT3-UE2-UE3UE4
AT1-I1
AT2-UE1-I2-I3-I4-I5-AA
ZR2
RU-RM-AT3-UE2-UE3-UE4
RC-UE1-I1
AT1-AT2-I2-I3-I4-I5-AA
ZR3
RU-AT3-UE1-UE2-UE3UE4
RM-RC-I1
AT1-AT2-I2-I3-I4-I5-AA
ZRMI
RU-AT3-UE1-UE2-UE3UE4
RM-RC-I1-I2-I3
AT1-AT2-I4-I5-AA
ZRMII
RU-AT2-AT3-UE1-UE2UE3-UE4
RM-RC-I1-I2-I3
AT1-I4-I5-AA
COV
RM-AT3-UE3-I1-I2-I3
RU-RC-AT1-UE2
AT2-UE1-UE4-I4-I5-AA
COA
RU-RC-UE2-UE3-I1-I2-I3
RM-AT3-AT2
AT1-UE1-UE4-I4-I5-AA
ZI
I1-I2-I3-I4-I5
AT2
RU-RM-RC-AT1-AT3UE1-UE2-UE3-UE4-AA
LEGENDAS
RESIDÊNCIA UNIFAMILIAR
RU
CASAS
RESIDÊNCIA MULTIFAMILIAR
RM
EDIFÍCIOS DE APARTAMENTOS
RESIDÊNCIA COLETIVA
RC
HOTÉIS/ASILOS/PENSÕES/INTERNATOS
ATIVIDADES TERCIÁRIAS
AT
1
EDIFÍCIOS
PÚBLICOS/
BANCOS/
GRNADES
LOJAS
TRANSPORTADORA/
COM.
ATACADISTA/OFICÍNAS
2
ESCRITÓRIOS/
COM. VAREJISTA/
PEQUENAS LOJAS
3
USOS ESPECIAIS
EU
1
HOSPITAIS
E
SIMILARES
2
ATIVIDADES
CULTURAIS
3
CLUBES E ATIVIDADES
RECREATIVAS
4
ATIVIDADE
EDUCACION.
INDÚSTRIAS
I
1
A< 200,00m²
2
200,00m² < A < 1.200,00m²
3
4
RUÍDO SUPERIOR A 80 DECIBÉIS
LANÇAMENTO DE RESÍDUOS AO MEIO AMBIENTE
5
A > 1.200,00m² LANÇAMENTO DE RESÍDUO AO MEIO AMBIENTE
ATIVIDADE AGROPASTORIL
AA
É CONSIDERADO USO PROIBIDO, EM TODAS AS ZONAS, O EXERCÍCIO DE ATIVIDADES
AGROPASTORIL E EXTRATIVA VEGETAL, PARA FINS NÃO DOMÉSTICOS.
(Fonte: PELOTAS, 1980).
124
Plano de Ampliação, 1924.
Plano Diretor, 1968.
Saneamento Pelotas, 1947
Segundo Plano Diretor, 1980.
Figura 49: comparação entre os mapas de zoneamento: Plano de Ampliação, 1924;
Saneamento de Pelotas, 1947; Plano Diretor, 1968 e Segundo Plano Diretor, 1980. Adaptados
pela autora. (Fonte: DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5; PELOTAS, 1947, p.s/n; autora, sobre imagem
Google Earth).
No Saneamento de Pelotas, em 1947, não se chega a determinar ou indicar
um zoneamento propriamente dito. É estipulada a zona industrial (em rosa no
mapa), mas em relação às outras zonas não se faz uma referência maior. Mas ao
colocar lado a lado os quatro planos (Figura 49) que tratam do zoneamento, fica
evidente o aumento do número de zonas dos últimos em relação aos primeiros
planos, indicando uma especialização funcional urbana crescente. Isso ocorre a
partir de uma maior especialização entre as zonas, como por exemplo, mais de um
tipo de zona de comércio - comercial central e comercial secundária. E também
quando outras questões vêm à tona, como a preocupação ambiental, que requer
zonas de preservação.
125
Além dos usos, as zonas também estabeleciam outros instrumentos para a
formação da cidade, como os índices de aproveitamento, as taxas de ocupação,
limites de altura e os recuos (ajardinamento, frontal, lateral e fundos), apresentados
na Tabela 7 e Tabela 8.
Tabela 7: índice de aproveitamento, as taxas de ocupação e limites de altura estipulados pelo II
Plano Diretor de Pelotas. Tabela comparativa desenvolvida pela autora com base nas
informações descritas no Plano de 1980.
(IA) índice de
aproveitamento
Zonas
conforme
(TO) taxa de
ocupação
(H) alturas
máximas das
edificações
Permissível
permissível
conforme
66,6%
térreo ou H< 7m
ZCC
5
3
ZCC 100% e
ZCC-1 90% H>
7m 70%
ZR1
2
1
66,6%
50%
12,00m ou
4 pav.
ZR2
2
0,8
66,6%
50%
12,00m ou
4 pav.
ZR3
1
0,8
66,6%
50%
6,00m ou
2 pav.
ZRMI
1
0,8
66,6%
50%
6,00m ou
2 pav.
ZRMII
1
0,8
66,6%
50%
6,00m ou
2 pav.
COV
2
1
térreo
75% 2º ao
66,6%
66,6%
12,00m ou
4 pav.
COA
2
1
térreo
75% 2º ao
66,6%
66,6%
12,00m ou
4 pav.
ZI
5
3
80%
66,6%
4º pav
4º pav
(Fonte: PELOTAS, 1980).
altura livre
altura livre
126
Tabela 8: recuos estipulados pelo II Plano Diretor de Pelotas. Tabela comparativa desenvolvida
pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980.
Recuos
zonas
Ajardinamento Frontal
- zcc 0,00
ZCC
ZR1
ZR2
ZR3
ZRMI
ZRMII
COV
COA
ZI
H≤12m ou
4pav.
0,00m H>
12m a partir
de h> 7m -
extensão 1-zcc 4,00m
3,00m
4,00m
lateral
Fundos
P/10 h>
-
7,00m
mínimo
2.50m
lote esquina
mín.
p/10 mín.
2,50m
-
2,50m
idem
4,00m
-
idem
Idem
5,00m
-
idem
Idem
4,00m
-
idem
Idem
4,00m
-
idem
Idem
6,00m
-
idem
Idem
6,00m
-
idem
Idem
idem
Idem
10,00m
Idem
(Fonte: PELOTAS, 1980).
A densificação era maior na área central e diminuía à medida que se
afastava do centro, com continuidade de densificação média nas vias axiais, devido
ao valor da terra e facilidades de acesso. Com relação ao índice de aproveitamento,
havia uma redução com a finalidade de prevenir densidades excessivas. O plano
destacava o problema:
“A perpetuação do círculo vicioso da concentração das densidades, que se
auto-alimenta através da valorização da terra urbana e gera por sua vez a
pressão econômica em favor da concentração dos investimentos públicos
em detrimento dos objetivos comunitários do planejamento” (PELOTAS,
1978a, p. 10).
Os recuos laterais eram exigidos em pelo menos uma das divisas do terreno,
com medida de ¼ da testada do lote ou no mínimo de 2,50m. No pavimento térreo
das edificações da Zona Comercial Central, em atividade de uso conforme no COV e
COA e nas edificações residenciais que não se situassem em terreno de esquina, os
recuos laterais foram dispensados. Caso o recuo fosse implantado nos dois lados da
divisa, a largura não poderia ser inferior a 2,50m, salvo em área secundária que
poderia ter largura mínima de 1,50. (PELOTAS, 1980).
Em geral, houve um afrouxamento quanto aos recuos em relação ao plano
anterior, configurando uma cidade mais compacta e que se configura menos como
espaço urbano fluido.
127
4.2.3. Sistema viário
a) Levantamento
É apresentado no marco teórico, no capítulo sobre diagnóstico físico
territorial, o item que diz respeito à avaliação do sistema viário. É diagnosticado que
o tabuleiro xadrez representado pela malha viária não chegava a apresentar pontos
críticos, entretanto, carecia de uma hierarquização que oportunizasse as circulações
e desestimulasse a concentração excessiva no centro.
Com a finalidade de avaliar o nível qualitativo do sistema viário, foi
pesquisado, por setores, o percentual de extensão viária pavimentada em 1978,
(Figura 50). Nota-se a concentração na área central, com 98% das vias
pavimentadas, assim como a carência nos bairros periféricos.
Figura 50: ruas pavimentadas em 1978. O mapa apresenta a cidade dividida por setores e em
cada um desses setores a porcentagem de ruas pavimentadas através do preenchimento dos
círculos. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).
128
O transporte coletivo era efetuado por frotas que, a partir de terminais
localizados na área central, abasteciam os bairros. A localização desses terminais
congestionava ainda mais a área central, que já possuía a característica de conter
um grande fluxo de pessoas e veículos.
Para efeito de levantamento, imaginou-se uma faixa de atendimento que se
desenvolveria por 250m para cada lado das vias por onde transitariam os
transportes coletivos. A partir deste critério, poderia ser estabelecido um percentual
de atendimento (Figura 51) que mostra uma razoável abrangência em todo o
perímetro urbano, com 93% de abrangência na área urbanizada.
Figura 51: transporte coletivo. O mapa apresenta a cidade dividida por setores e em cada um
desses setores a porcentagem do atendimento de transporte coletivo através do
preenchimento dos círculos. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).
Além desses estudos, é importante salientar que, em 1978, como já foi
indicado, o GEIPOT apresentou propostas inovadoras de circulação de pedestres e
de veículos na área central, que foram acatadas pelo plano de 1980 e
implementadas na cidade, como a criação do anel central, ruas destinadas ao uso
exclusivo de pedestres (calçadões), Av. Duque de Caxias com implantação de
129
ciclovia e via específica para transporte coletivo. Dados do GEIPOT foram utilizados
para compor o levantamento e a pesquisa do marco teórico.
b) Recomendações
Basicamente, o sistema viário fixava uma hierarquia de vias, com a intenção
de tornar mais rápida e disciplinada a circulação urbana. Esta hierarquia era
composta por uma rede viária principal, vias principais locais, vias coletoras e vias
locais. O sistema principal tinha como característica distribuir os fluxos que
ingressavam na cidade ou provenientes do centro; as vias principais locais eram
responsáveis pela
distribuição
em grandes zonas;
já
as vias coletoras,
conjuntamente ao sistema principal, serviriam ao transporte coletivo. Todas as
demais vias sem destaque na estrutura viária seriam consideradas locais e de
interesse restrito à circulação interna das zonas.
A hierarquia viária seria distinguida através do dimensionamento (Tabela 9)
e tratamento, com gabaritos, faixa carroçável e pavimentação distintas. As vias
locais teriam o mesmo gabarito das coletoras, variando a relação entre as faixas
carroçável e passeio, o que futuramente poderia permitir uma nova hierarquização.
Nos corredores de comércio, os passeios foram aumentados para proteger a
circulação de pedestres, assim como exigidos recuos de ajardinamento.
Tabela 9: dimensionamento das vias propostas pelo sistema viário do II Plano Diretor. Tabela
comparativa desenvolvida pela autora com base nas informações descritas no Plano de 1980.
vias principais
zonas
vias coletoras
vias locais
largura carroçável largura carroçável largura carroçável
(m)
(m)
(m)
(m)
(m)
(m)
vias
pedestres
largura
(m)
ZCC
ZCC
ZR1
40,00
9,00
18,00
10,00
18,00
8,00
12,00
ZR2
40,00
9,00
18,00
10,00
18,00
8,00
12,00
ZR3
40,00
9,00
18,00
10,00
18,00
8,00
12,00
ZRMI
40,00
9,00
18,00
10,00
18,00
8,00
12,00
ZRMII
40,00
9,00
18,00
10,00
18,00
8,00
12,00
COV
40,00
9,00
18,00
10,00
18,00
8,00
12,00
COA
40,00
9,00
18,00
10,00
18,00
8,00
12,00
DI
34,00
12,00
20,00
12,00
(Fonte: PELOTAS, 1980).
130
4.2.4. Habitação e Equipamento Social
a) Levantamento
Era notável o processo de concentração no centro da cidade, tanto na
questão populacional e de investimentos de infraestrutura, quanto de equipamentos
sociais. No entanto, existiam mais habitações do que pessoas, o número de casas
vazias era maior do que o número de pessoas por habitação. Também existiam subhabitações em alguns pontos da cidade, principalmente em solo urbano de baixo
valor ou em áreas de domínio da prefeitura (Figura 52). (PELOTAS, 1978c).
Figura 52: habitantes por economia. Habitações irregulares e sub-habitações. O mapa
apresenta a cidade dividida por setores e em cada um desses setores a porcentagem das
habitações irregulares e sub-habitações através do preenchimento dos círculos maiores. E os
habitantes por economia nos círculos menores. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).
Quanto às áreas verdes, o marco teórico apontava a existência de um déficit
substancial dessas áreas (Figura 53). Quando comparados a um parâmetro de
10m²/hab, em nível de cidade, corresponde a 2,12m²/hab. No bairro Fragata, essa
relação é de 0,08m²/hab. (PELOTAS, 1978c).
131
Figura 53: áreas verdes. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).
Considerando a importância que a cidade exercia na Região Sul do Estado,
em termos de utilização hospitalar, apresentava um índice elevado de ocupação dos
mesmos. Existia carência nos serviços de Pronto Socorro e atendimento
ambulatoriais, mesmo localizados de maneira descentralizada. A ausência de um
esquema de atendimento que estimulasse sua utilização tornava os equipamentos
ociosos, além de não incentivar a melhoria dos serviços (Figura 54). (PELOTAS,
1978c).
132
Figura 54: saúde. Adaptado pela autora. (Fonte: PELOTAS, 1978e, p.s/n).
No setor educacional existia um desequilíbrio entre os bairros da cidade no
que diz respeito à distribuição de vagas. Havia uma concentração no centro, que
detinha 49,4% das vagas de 1º grau (ensino fundamental) para uma demanda de
12,9% de crianças, enquanto que o Bairro Fragata detinha 17,2% de vagas para
26% de crianças. Analisando o 2º grau (ensino médio), este quadro se agravava:
das 6.223 vagas existentes em toda a cidade, 5.441 estavam localizadas no centro.
(PELOTAS, 1978c).
b) Recomendações:
O plano previa quatro tipos de terrenos para localizar os equipamentos
sociais para escolas de 1º Grau, áreas esportivas, praças de lazer e equipamentos
comunitários diversos. Não foram feitas indicações precisas de terrenos para
escolas, esta incumbência ficaria a cargo do Escritório Técnico do Plano Diretor.
133
As áreas de praças foram determinadas a partir do índice de 2,50m² por
habitante. E para os equipamentos comunitários, as áreas foram fixadas com
critérios distintos, mas com o sentido de prever centros institucionais e comunitários
de bairros, reforçando a estrutura do zoneamento e enfraquecendo a dependência
do centro da cidade.
4.3. Considerações
Este capítulo narrou o II Plano Diretor de Pelotas, apresentando as questões
que estão descritas na lei, no documento do marco teórico e nas informações que
foram obtidas durante entrevistas com os profissionais responsáveis pela
conformação do mesmo. Percebe-se que este plano, sintonizado a uma atitude da
época, é caracterizado por uma visão social e política, com muito mais atitudes de
planejamento e menos de desenho urbano. Todos os mapas realizados no início do
trabalho são reflexos da “cultura do levantamento”, havendo uma preocupação muito
maior com diagnósticos do que com proposições. A necessidade, quase obsessiva,
de conhecer a realidade era um contraponto em relação à ideologia moderna mais
presente no Plano Diretor de 1968, que planejava a cidade para um “homem ideal”.
O II Plano Diretor de Pelotas tentava solucionar questões que haviam ficado
pendentes do plano anterior. Em 1968, foi proposta uma grande transformação
urbana, já em 1980 a proposta era mais pragmática, tentava acomodar o que vinha
acontecendo naquele momento, flexibilizando o zoneamento e utilizando vazios
urbanos para o crescimento da cidade, de forma a não espalhá-la ainda mais.
O Plano de 1968 tinha o item “paisagismo” – paisagem urbana – que o Plano
de 1980 não apresentava, no entanto, novas ideias foram incorporadas a este plano
quando procurava formas de preservar o patrimônio histórico e cultural da cidade e
também o meio natural, que no final da década ganhou destaque sendo incorporado
o direito ambiental na Constituição de 1988.
Assim como se comparou o Plano Diretor de Pelotas de 1968 com o Plano
Diretor de Porto Alegre 1959/1961, pode-se analisar algumas ideias do 1° Plano
Diretor de Desenvolvimento Urbano (1° PDDU) de Porto Alegre, de 1979, que foram
adaptadas de algum modo ao II Plano Diretor. No II PD há a equipe multidisciplinar,
que primeiramente faz uma avaliação do plano anterior, e a do Escritório Técnico do
134
Plano Diretor (ETTC), que aplicava, desenvolvia e atualizava o Plano: “era preciso
uma equipe atuante e de um apoio do poder público para que o documento do Plano
pudesse ser realizado.” (MOURA, 2011). Por outro lado, em termos de conteúdo,
estava a criação das zonas mistas (flexibilização do zoneamento e a tentativa de
compor uma ideia mais eficiente de unidade de vizinhança, prevendo a aproximação
entre habitação e trabalho).
Essas iniciativas podem ser relacionadas com as propostas do 1ºPDDU, que
contou com uma equipe multidisciplinar e tinha como paradigma principal a unidade
de vizinhança:
O 1° PDDU incorpora metodologicamente o conceito de Unidade de
Vizinhança como Unidade Territorial de Planejamento, e induz tipológica e
morfologicamente um modelo matizado de cidade-jardim de média altura e
baixa densidade. [...] Uma das explicações para isso é que o 1° PDDU,
assim como o Plano Diretor anterior, tem sua origem numa regulamentação
urbanística, e não num projeto estratégico, ou imagem da cidade. (ABREU
FILHO, 2006, p.282).
Além da questão da unidade de vizinhança, esta citação mostra que o
1ºPDDU não tinha a intenção de alcançar uma “imagem da cidade”. A estratégia de
ação começou com um processo de reavaliação do plano anterior, tanto que as
ideias constituem-se, em boa, parte da atualização das ideias do Plano Diretor de
1959-61. O II Plano Diretor também não tinha essa ideia de desenho da cidade. Em
entrevista, a arquiteta Rosa Rolim de Moura explica que o plano teve muito mais
uma visão ampla, política, sociológica e econômica, do que de uma visão de
arquitetura.
Duas características difundidas pelo Serfhau também são encontradas
nestes planos: a ideia de planejamento como processo permanente e a de
integração. No II Plano de Pelotas, com a criação da equipe de planejamento
(ETTC) e no 1ºPDDU com a proposta de um sistema permanente de planejamento,
como núcleo de elaboração, gestão e “para fazer frente à dinâmica inerente à
evolução da cidade.” (ABREU FILHO, 2006, p. 280). A ideia de integração, também
está presente com o objetivo abranger todos os aspectos da vida urbana, integrando
não só os planos, mas os aspectos físicos, sociais, econômicos e institucionais das
cidades. (ABREU FILHO, 2006).
As relações entre estes quatro planos – os dois de Pelotas e os dois de
Porto Alegre – são bastante verossímeis porque, obviamente, Porto Alegre, capital
135
do Estado, era uma cidade referência para as outras cidades do Rio Grande do Sul.
Por outro lado, abrigava a única Faculdade de Arquitetura do Estado. Esta escola foi
a base de ensino dos idealizadores dos planos de Porto Alegre e formou boa parte
dos responsáveis pelos planos de Pelotas. Demétrio Ribeiro, arquiteto formado em
Montevidéu, em grande parte, segundo os preceitos modernistas, teve grande
influência na Faculdade de Arquitetura da UFRGS e na Prefeitura de Porto Alegre,
participando do Anteprojeto de Planificação de 1951 e dos dois Planos Diretores
para Pelotas de formas distintas. Sua participação no Plano de 1968 se dá de forma
indireta: Demétrio é professor na Faculdade de Arquitetura da UFGRS e trabalha na
Prefeitura de Porto Alegre com alguns dos arquitetos responsáveis pelo plano e
utilizando a metodologia do Urban Surveys. Já no Plano de 1980, sua participação é
direta: além de professor de alguns componentes da equipe, o arquiteto foi consultor
deste trabalho, participando semanalmente dos debates durante a composição do
regramento.
O II Plano Diretor, aprovado em 1980, vigorou por 30 anos e durante este
tempo, foram elaboradas muitas leis complementares para que o plano se
adaptasse às diversas transformações da cidade. No ano de 2008, entra em vigor o
III Plano Diretor de Pelotas.
Após serem estudados os planos nos capítulos 3 e 4, o próximo capítulo é
dedicado à comparação entre ambos e às relações desses regramentos com as
teorias urbanas do século XX.
5. OS PLANOS E AS IDEIAS
Depois de realizados os estudos do primeiro e segundo Plano Diretor de
Pelotas, pode-se compará-los indicando em modo de síntese os principais temas temas do urbanismo do século XX - encontrados em seus textos. Portanto, neste
quinto capítulo, serão realizadas conexões entre as linhas – e entrelinhas – dos
planos diretores e as ideias urbanísticas, nas seguintes categorias: o continuum
espacial, a cidade concentrada, zoneamento funcional, sistema viário como
fundamental organizador da cidade, a tabula rasa e os novos paradigmas.
5.1. O continuum espacial
Um dos pontos da cidade tradicional que existe no núcleo central de Pelotas
é o espaço contido e fechado. Em contraponto a este conceito, o espaço urbano
contínuo e aberto é um componente essencial da ideia de cidade surgida nos anos
vinte. É esta característica empregada nas áreas de expansão da cidade de Pelotas
ao longo dos anos. Neste novo conceito, os edifícios não definem mais as entidades
tradicionais da cidade, rua e quarteirão (edifício é o fundo e o espaço uma figura
definida), mas pontuam o espaço homogêneo (edifícios são figuras e o espaço que
os rodeia é fundo). (DIEZ, 1996; COMAS, 1986).
O Plano Diretor de 1968, com recuos generalizados, é a tradução para a
cidade dividida em lotes privados, da proposta da cidade do CIAM (Figura 55a). Esta
proposta, preconizada pelo Plano Diretor modifica a posição e a importância da
fachada na morfologia urbana. Assim, como Lamas (1992) esclarece, é a partir do
urbanismo moderno que esta relação deixa de ocupar no espaço urbano a posição
que detinha na cidade tradicional, passando o edifício a ser objeto isolado com um
espaço livre ao redor. As empenas desaparecem e os lados das edificações passam
137
a ser visíveis e a pertencer à imagem da cidade. Na área central de Pelotas, há a
proposta destes objetos isolados e a quebra da continuidade do alinhamento através
do uso dos recuos frontais e laterais, como se pode observar na simulação desta
área na Figura 55b, caso fossem implantados os índices máximos propostos pelo
plano diretor.
a)
b)
Figura 55: recuos. a) uma cidade contemporânea. (Fonte: LE CORBUSIER, 1992, p.230). b) PD e
sua configuração espacial na Zona Central. (Fonte: MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).
O II Plano Diretor apresentava uma redução dos recuos e ainda permitia em
algumas zonas a ausência deles. Esta escolha curiosamente resgata algo – ainda
que obviamente não existisse essa intenção – da cidade tradicional. Este plano
apresenta como um dos objetivos a proteção do patrimônio histórico e cultural, mas
em entrevista, a equipe conta que esta preservação estava mais voltada ao
elemento isolado e não havia uma reflexão mais consistente sobre a forma geral do
espaço urbano. Na Figura 56ª, tem-se uma rua com características de cidade
tradicional preservada na área central de Pelotas e na Figura 56b, a simulação da
Zona Central, caso fossem utilizados os máximos índices propostos por este Plano.
Nota-se que a continuidade e a “monótona” profundidade visual, muitas vezes
questionada, são preservadas por este regramento.
b)
a)
Figura 56: recuos II Plano Diretor. a) Pelotas, cidade tradicional. (Fonte: autora, 2012). b) II PD e
sua configuração espacial na Zona Central. (Fonte: MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).
138
Os recuos (ajardinamento, frontal, lateral e fundos) estipulados pelos planos
são comparados na Tabela 10. Pode-se observar as alterações que ocorreram
durante esses dois regramentos 21. Na Zona Comercial Central, a maior alteração
quanto ao continnum espacial, se dá nos recuos laterais, obrigatórios no Plano de
1968 para ambos os lados e inexistente no Plano de 1980. Já nas Zonas
Residenciais, além dos recuos laterais, chama a atenção o tratamento quanto ao
recuo frontal, que é contemplado apenas nos recuos de ajardinamento, sem
alterações na maioria das zonas.
Tabela 10: recuos exigidos nos Planos.
Plano Diretor, 1968
Recuos
Ajardinamento
Zona
Comercial
Central
-
4,00m (ZR 1)
Zona
Residencial
4,00m(ZR 2)
5,00m(ZR 3)
4,00m(ZR 4)
Frontal
Lateral
2,50 m
3,00 m (a
(em
partir de
ambos os
10m.)
lados)
1,00 m (a
partir de
24m)
2,50 m
1,00 m (a
(em
partir de
apenas
10m)
um dos
lados)
1,00 m (a
partir de
24m)
-
2,00m
II Plano Diretor, 1980
Fundos
Ajardinamento
Frontal
Lateral
5,00m
-
3,00m (a
partir de
12m)
-
4,00m (ZR1)
L/4 - mín.
2,50m
3,50m
-
Fundos
P/10 –
min
2,50m
4,00m (ZR2)
-
5,00m (ZR3)
-
-
-
-
-
-
-
(Fonte: MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).
Essas informações, colocadas juntamente com outros elementos urbanos
compõem a forma da cidade e a alteração de apenas um deles pode modificar
significativamente o aspecto geral do espaço urbano. Na cidade tradicional, rua e
edifício são entidades inseparáveis, já na cidade moderna esta relação não é mais
direta. O traçado se transfigura em uma forma geométrica abstrata sem qualquer
possibilidade de percepção na terceira dimensão e a forma da cidade não possui
nenhuma relação com a forma das edificações. (GONSALES, 2005).
5.2. A cidade concentrada
A cidade recebe caráter de concentração quando suas edificações
apresentam certas propriedades. Desta forma, pode-se afirmar, assim como Lamas
21
Não foram analisadas as Zonas Industriais, apenas a Zona Comercial Central e Zonas Residenciais, também não foram
computadas as Zonas Residenciais Mistas e os Corredores de Comércio, pois estão presentes apenas no II Plano Diretor.
139
(1992), que o elemento mínimo do espaço urbano é o edifício, pois através dele se
organizam os diferentes espaços identificáveis e com forma própria: a rua, a praça, o
beco, a avenida ou outros espaços, influenciando diretamente a morfologia urbana
com a tipologia edificada. Os elementos primários da forma urbana são identificados
com os tipos construtivos, agrupando-se em diferentes tipos, decorrentes da sua
função e forma, estabelecendo relações de diálogo com as formas urbanas.
A cidade concentrada e verticalizada (Figura 57) foi o contrapondo dado
pelos arquitetos modernistas à cidade-jardim. Uma cidade assim transmitiria os
prazeres essenciais: o céu, a vegetação e a luz. Le Corbusier declarava no IV CIAM,
em 1933, que “enquanto o padrão da cidade jardim satisfazia o individuo, perdia as
vantagens da organização coletiva. Para ele, a cidade concentrada favorecida com
as técnicas modernas, assegurava a liberdade do indivíduo dentro da estrutura
residencial e organizava a vida coletiva em relação com a recreação.” (MUNFORD,
2007, p. 105).
Figura 57: a Cidade de 3 milhões de habitantes de Le Corbusier, 1922. (Fonte: COLIN, 2006,
p.s/n).
Nos Planos Diretores de Pelotas, os índices e taxas altos nas zonas mais
centrais em relação à cidade tradicional indicam a proposta de uma cidade
concentrada em seu núcleo central. No entanto, no II Plano há uma redução nos
Índices de Aproveitamento com a finalidade de diminuir a concentração das
densidades nas áreas mais valorizadas da cidade. Onde antes eram permitidas
construções com área até sete vezes a superfície do terreno na Zona Comércio
Central, por exemplo, ficou restrito a cinco vezes no novo plano. Todavia, as taxas
de ocupação geral aumentam no II Plano, como mostra a Tabela 11 e aumenta a
densidade projetada para as áreas residenciais mais periféricas, Tabela 12.
140
Tabela 11: índices de Aproveitamento e Taxas de Ocupação para usos conformes.
Índices
Plano Diretor (1968)
II Plano Diretor (1980)
ZCC
IA 7 - TO 70%
IA 5 - TO 70%
ZRI
IA 4 - TO 50%
IA 2 - TO 66,6%
ZR2
IA 2 - TO 50%
IA 2 - TO 66,6%
ZR3
IA 1 - TO 50%
IA Zr3 1 - TO 66,6%
ZR4
ZRM1 e
ZRM2
IA 1 - TO 60%
-
-
IA 1 - TO 66,6%
(Fonte: MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).
Tabela 12: alturas permitidas nos planos.
Alturas
Plano Diretor (1968)
II Plano Diretor (1980)
Altura zona
comercial
Livre
Livre
Acima 10,00m – recuo
Acima 12,00m – recuo
ZR4 Até 6,00m
Altura zona
residencial
ZR2 Acima de 12,00
6,00m
ZR1 e ZR3: Acima de 24,00
(Fonte: MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).
A partir das informações dos índices, das alturas permitidas e dos recuos
estipulados por cada plano, pode-se identificar um modelo de cidade “idealizada”. É
possível observar como os índices maiores combinados com a exigência de recuos
laterais no Plano de 1968 (Figura 58), têm como consequência uma cidade bastante
verticalizada, com a qual vai se contrapor, em parte, o Plano de 1980 (Figura 59).
Através destas simulações, constata-se que o Plano de 1968 buscava um caráter de
cidade moderna, com grandes recuos, alturas e densidades. Todo esse aumento de
altura e densidade em relação à cidade existente se dava, também, pelo estudo que
a equipe fez, acreditando que haveria um incremento populacional muito superior à
cidade do que realmente ocorreu. Nos estudos do II Plano, verificou-se que a área
urbana não adensou como foi previsto e nem o número de habitantes, como mostra
o estudo do marco teórico (1978c, p.33):
“O desconhecimento da tecnologia adotada, tanto para o cálculo da
densidade como para a fixação da área de estudo, nos impossibilita
comparar os números que se apresentam desconexos, como é o caso da
densidade do centro de 200hab/ha como foi declarado no Plano, contra os
112hab/ha encontrados na pesquisa atual. Foi apontada também uma
densidade de 50hab/há e se previu um adensamento de 79hab/ha para o
ano de 1980. Como a evolução da população não se verificou pela hipótese
adotada, pode-se afirmar que na década de 80 não se alcançará a
densidade projetada.”
141
b)
a)
Figura 58: simulações em zona residencial - Plano Diretor de 1968. a) simulação de volumetria,
com altura livre e maior IA. b) recuos, alturas e largura de rua local - 16m PD. (Fonte:
MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).
b)
a)
Figura 59: simulações em zona residencial - II Plano Diretor de 1980. a) simulação de
volumetria: altura livre e maior TO. b) recuos, alturas e largura de rua local - 13m II PD. (Fonte:
MANZOLLI; VIGNOLO, 2011).
5.3. Zoneamento funcional – o zonning
A ideia de que a cidade deveria ser organizada de acordo com as funções
básicas do ser humano - habitação, trabalho, recreação e circulação - surge já nos
primeiros anos do século XX22 e se consolida na famosa Carta de Atenas. Deveria
haver uma intervenção nos planos de cidades existentes com o objetivo de impor a
cada função e a cada indivíduo seu justo lugar, discriminando os espaços para as
atividades humanas. (LE CORBUSIER, 1971).
Em Pelotas, este ideal aparece pela primeira vez no Plano de Ampliações
em 1924, por Fernando Rullmann. Ao longo dos próximos regramentos, essa ideia
de zoneamento vai se consolidando na cidade. No Plano Diretor de 1968, a cidade é
dividida em 11 setores com usos preferenciais, admitindo atividades bastante
específicas para cada zona (Figura 60a). No II Plano, há uma continuação da ideia
de organização funcional da cidade, mas a constatação dos problemas causados
22
Sabaté (1999, p.25) faz referência à “Ordenanza de Frankfurt de 1891, el arranque de los reglamentos de zonificación”.
142
pelo zoneamento muito estrito leva à sua flexibilização e à tentativa de compor uma
ideia mais eficiente de unidade de vizinhança (Figura 60b).
a)
b)
Figura 60: zoneamentos. a) Plano Diretor. b) II Plano Diretor. Adaptado pela autora. (Fonte:
Base Google Earth).
A criação das Zonas Residenciais Mistas permitia novos usos para
determinadas zonas, uma saída para aproximar habitação e trabalho, principalmente
para a população de baixa renda. Outra mudança importante foi o reforço dos eixos
que já existiam na cidade, as radiais dos bairros Fragata, Três Vendas e Areal, com
a criação dos Corredores Comerciais. Essas vias de comércio, que por sua própria
importância interessavam ao bairro todo, aproximavam os locais de trabalho às
zonas residenciais. (PELOTAS, 1978a; MOURA, 2011).
5.4. O sistema viário como fundamental organizador da cidade
A definição de uma hierarquia viária é um dos objetivos fundamentais nos
dois planos, distinguida através de dimensionamento e tratamento, com gabaritos,
faixa carroçável e pavimentações distintas. Neste período, há um aumento na
produção de veículos automotores e as alternativas de melhoramentos são
baseadas no automóvel como meio de transporte principal.
A hierarquia de vias é bastante conhecida na proposta de Chandigahr, na
Índia, em 1951. Le Corbusier apresenta um sistema de sete vias com a finalidade de
hierarquizar, regular e controlar a circulação da cidade:
V1: estrada nacional que atravessa o país ou o continente; V2: criação
municipal, artéria de uma aglomeração; V3: vias reservadas às circulações
mecânicas permitem veículos em velocidade considerável; V4: rua
comercial do setor; V5: penetrando no setor, conduz os veículos e os
pedestres às portas das casas, ainda com a ajuda da V6; V7: via que
alimenta a zona verde, onde ficam as escolas e os esportes; V8: veio
depois, canalizando as bicicletas. (CHOAY, 2010a. p.188).
143
Alguns desses conceitos de via estão presentes nos dois planos e no estudo
do GEIPOT. Partindo do princípio das vias de Chandigahr, os dois planos de Pelotas
possuem vias bem delimitadas quanto às características estipuladas por Le
Corbusier - somente não podendo ser identificadas as vias V7 e V8. A V8 poderia
ser identificada nos estudos do GEIPOT, que propõe um sistema cicloviário. Desta
forma, tem-se a Tabela 13: sistema viário “7 vias de Le Corbusier”.
Tabela 13: sistema viário “7 vias de Le Corbusier”.
Sistema Viário
Plano Diretor (1968)
II Plano Diretor (1980)
Rodovias
60m (V1 - V2)
-
Avenidas
30m (V3)
40m (V2 – V3)
Coletoras
20m (V4)
18m (V4)
Locais
16m (V5 – V6)
18m (V5 – V6)
Pedestres
8m (V4)
(Fonte: autora, 2012).
É possível destacar as propostas do GEIPOT como um avanço do sistema
viário da cidade. Pela primeira vez, são realizados estudos abrangentes sobre a
mobilidade de Pelotas. Os indícios de calçadões e o anel viário proposto em 1968,
visando o descongestionamento do centro urbano, reaparecem nestes estudos com
mais detalhes e proposições para a área central, como já foi apresentado neste
trabalho, no capítulo 4, título 4.1.
As questões de sistema viário, assim como um plano de zoneamento, eram
pontos importantes dos planos diretores da época. No informe do IAB-RS, no ano de
1949, sobre a as observações da comissão revisora de Plano Diretor de Porto
Alegre, está destacado que um plano diretor deveria:
Ser baseado em uma teoria de ordem geral orientadora do projeto, com
premissas iniciais definidas, extraídas da análise da forma de evolução e
estado atual da cidade e suas adjacências.
Incluir:
a) Um plano de zoneamento. Com a localização das atividades e órgão
urbano.
b) Um plano viário, incluindo a sistematização do verde urbano, como
decorrência de todos os elementos anteriores, que estabeleça as
ligações racionais e perfeitamente diferenciadas entre todos os órgãos,
atividades e elementos urbano. (ESPAÇO, 1949, p.s/n).
144
5.5. A tabula rasa e os novos paradigmas
Pelotas, hoje, é uma cidade conhecida pelos seus casarões ecléticos
construídos no século XIX e pelo traçado xadrez com construções em fita ao longo
do alinhamento. Há debates e incentivos para reciclar, dar novos usos e preservar
esse acervo que agrega valores histórico, arquitetônico e paisagístico para a cidade,
mas nem sempre foi assim. Ao se retornar algumas ideias dos antigos regramentos,
podemos nota-se que no Plano de Ampliação de 1924 há intenção de manter e
preservar o caráter peculiar da cidade, mantendo o que a cidade tinha de melhor. Já
o Plano Diretor de 1968 não previa nenhum tipo de proteção (ao exemplo das
medidas de demolição do Mercado Público Municipal para a construção de um novo
Centro Administrativo). No Plano de 1980, não se tem uma legislação específica,
mas a criação de um conselho de patrimônio abre a possibilidade para que estudos
nesta área sejam feitos.
Ambos os planos trazem consigo a formação modernista nas suas equipes e
o tratamento do urbanismo moderno em relação à cidade existente deve ser olhado
sob dois aspectos. Um pode ser representado pelo Plano Voisin 23 , que é a
representação das declarações de Le Corbusier nos anos trinta, de que para criar
espaços de recreação com ar, luz e espaço, uma parte da cidade existente deveria
ser demolida, ainda que ao mesmo tempo exista o pensamento de que “as coisas
antigas deveriam ser respeitadas.” (MUNFORD 2007, p. 105).
O outro diz respeito aos câmbios de paradigma: as categorias da cidade
existente – quarteirão e rua-corredor - se baseavam em conceitos que estavam
obsoletos e não eram mais aplicáveis à cidade moderna. A cidade tradicional não
era mais modelo para a nova cidade. As normas deveriam indicar novas tipologias
que respondessem aos novos conceitos de “habitar”.
Nos Planos Diretores de Pelotas, a tendência era de mudança e não de
permanência. Embora os estudos de embasamento para a construção dos planos
mostre um levantamento detalhado da cidade, a partir do qual se buscava suas
evoluções espontâneas, os dois pontos de vista acima indicados se entrelaçam.
Primeiro, o fato de incentivar altas densidades em certas áreas, com a consequente
23
Plano de Le Corbusier para Paris que previa a demolição de parte do centro da cidade e a construção de um conjunto de
arranha-céus.
145
valorização imobiliária, indiretamente é um estímulo à destruição de parte da cidade.
A previsão, em zonas centrais, de alargamento de ruas para alcançar padrões de
mobilidade e habitabilidade também. Por outro lado, a exigência de recuos e outros
aspectos da definição dos índices indicam a formação de um espaço, como já foi
visto acima, que se contrapõe com o existente.
Um tema novo que aparece no Plano de 1980 é o controle e preservação da
qualidade do meio ambiente. Sabe-se que em 1988, pela primeira vez o direito
ambiental é agregado à constituição. Nesta questão, é um avanço considerável do
plano indicar as áreas e seu nível de preservação. O Plano Diretor de 1968 previa
uma zona especial, mas que só seria regulamentada após a realização do plano
geral urbanístico da área, pelo Escritório Técnico do Plano Diretor.
Como é possível observar, neste capítulo foram feitas as conexões de temas
comuns entre os planos diretores de 1968 e 1980. Foram analisadas as categorias
de continnum espacial, a cidade concentrada, zoneamento funcional, sistema viário,
e novos paradigmas. Ressalta-se que os dois regramentos têm questões muito
semelhantes, tais como o uso do solo com zoneamento, as indicações de áreas, as
regras de recuos, o sistema viário hierarquizado com dimensionamento de vias e o
uso de equipamentos sociais. Questões que caracterizaram os planos diretores
como um todo no Brasil. Mas, de uma forma geral, observa-se que no primeiro plano
há mais intenções de cidade que se desejava alcançar, com uma influência muito
forte dos preceitos do urbanismo moderno. Já no segundo não havia essa visão, não
se tinha um paradigma real naquele momento, os resultados de desenho de cidade
não foram intencionais, foram reflexo de situações econômicas e sociais.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os planos diretores de Pelotas trazem em seu cerne resquícios, alguns de
maneira mais evidente, dos tipos de regramentos indicados por Sabaté (1999), que
demonstram diferentes preocupações e objetivos. Embora não se possa dizer que
correspondam a uma ordenança de ornamento público - como entendido no século
XIX (SABATÉ, 1999) e nos primeiros regramentos de Pelotas – no Plano de 1968
está clara a preocupação com uma ideia de imagem da cidade, do espaço urbano,
presente na crítica à cidade tradicional e nas propostas para a Av. Duque de Caxias,
com arborização e urbanização de passeios, por exemplo.
É possível observar indicações das ordenanças de higiene, através dos
cuidados que o Plano de 1980 tem com tamanhos de compartimentos, assim como
na própria ideologia dos dois planos, seguindo os preceitos do urbanismo moderno
de ventilação, insolação e higienismo. Da mesma forma, está presente a ordenança
de zoneamento, um dos carros chefes do urbanismo CIAM.
Por outro lado, embora os planos diretores estudados apresentem normas
restritivas (Diez, 1996) em suas partes, poderiam ser considerados, no todo, como
regramentos postulativos, porque existe uma ideia geral de cidade que se deseja
concretizar.
No entanto, o Plano de 1968 responde a um conceito ainda mais postulativo
de normas do que o Plano de 1980, porque leva intrínseco um modelo de cidade
mais claro - cidade “funcionalista”, Carta de Atenas, etc. -, tanto em aspectos de
estrutura formal do espaço urbano como de organização funcional: estipula o tipo de
zoneamento funcional da cidade, criando zonas quase monofuncionais ou com o
predomínio quase absoluto de uma função ou uso - deixa claro o que se quer para
determinada zona, qual o uso que essencialmente vai ser estimulado através de IAs
e TOs. A cidade desejada por este plano é uma cidade demograficamente densa na
147
área central que vai se dissolvendo para a periferia. Espacialmente, uma cidade
“tridimensional” em oposição à monótona dimensionalidade daquele momento, em
que o espaço e as pessoas fluam entre os edifícios através de edificações isoladas
no solo e pilotis nos pavimentos térreos.
Os dois planos dão indicações de alturas máximas que se deseja alcançar,
caracterizando-se como uma norma postulativa. No Plano de 1980, as unidades de
vizinhanças possibilitam que mais de uma atividade seja desenvolvida em uma única
área, dando um caráter também postulativo ao regramento nesse aspecto. O Plano
de 1980 é uma revisão do plano anterior, com algumas normas restritivas que
tentam limitar indicações do Plano de 1968 - densidades e altura da área central, por
exemplo - considerando o que não é adequado para o desenvolvimento da cidade.
Apesar de não demonstrar uma clara imagem de cidade, demonstra, sim, de
maneira clara, a vontade de densificá-la. As normas restritivas auxiliam a
redirecionar as tendências estipuladas a partir da implantação do plano anterior.
Por outro lado, o Plano de 1968 prevê formas de crescimento diferentes dos
regramentos anteriores. O crescimento é proposto a partir de uma tendência natural,
de uma expansão que já vinha acontecendo na cidade. Este processo de
crescimento, classificado por Solà-Morales como crescimento suburbano, é
constituído por urbanização + parcelamento + edificação, nessa ordem de
implantação. Já no plano de 1980, não há nenhuma proposta de expansão, pois
seus estudos iniciais demonstram que os vazios urbanos de Pelotas são suficientes
para um crescimento em longo prazo. Dessa forma, propõe que esses vazios
urbanos sejam ocupados antes de se propor uma real expansão da cidade.
No Brasil, os planos diretores são um instrumento de suma importância, uma
vez que têm regido as normas do espaço urbano e as formas de crescimento das
cidades. Por muito tempo eles foram desenvolvidos para se tornar, aos poucos, o
instrumento mais completo e mais eficaz de que pudesse dispor o Estado na sua
ação de intervir e controlar o espaço urbano.
Em Pelotas, os primeiros regramentos têm uma aplicabilidade mais direta
nas questões de saneamento. As propostas de expansão serviram mais como um
alerta para às necessidades da cidade do que como uma alternativa concreta. As
propostas de “modernização” que acontecem, desde os primeiros regramentos até
os planos diretores, modificam o conceito básico dos elementos urbanos, a exemplo
148
dos recuos que vão modificando o caráter da rua e dando lugar à cidade-jardim.
Lamas (1992, p.86) explica essa influência mútua entre a morfologia urbana e a
tipologia edificada. Genuinamente, o elemento essencial da relação dos edifícios
com o terreno é o lote. Sua forma é condicionante da configuração do edifício,
consequentemente, da forma da cidade. Na cidade tradicional essa afinidade é
muito intensa, já na cidade moderna, a parcela fundiária deixa de existir, pois o
edifício não ocupa mais o solo definido pela sua projeção vertical. Os edifícios são
assentados em pilares sobre o terreno público, todo o espaço é espaço coletivo.
No entanto, o quarteirão segundo Lamas (1992), pode basear-se na sua
forma construída como no processo de traçado e divisão fundiária. Faz parte de um
contínuo de edifícios agrupados entre si em anel, ou sistema fechado e separado
dos demais. É também um modelo de distribuição de terra e um modo de agrupar
edifícios no espaço delimitado pelo cruzamento de traçados. Ele não é autônomo em
relação aos restantes elementos do espaço urbano, mas simultaneamente, o
resultado de regras geométricas de divisão fundiária do solo e de ordenamento do
espaço urbano e um instrumento operativo de produção da cidade tradicional. O
quarteirão agrega e organiza também outros elementos da estrutura urbana: o lote e
o edifício, o traçado e a rua e as relações que estes estabelecem com os espaços
públicos, semipúblicos e privados. Em muitas partes da cidade de Pelotas,
principalmente a partir dos últimos regramentos, o quarteirão já não é mais um anel
fechado, mas uma porção urbana limitada pelas vias. A percepção das fachadas não
é mais bidimensional, todos os planos das edificações dialogam, de alguma forma,
com a cidade e nas zonas de menor densidade, a “natureza” penetra entre os
elementos urbanos. Como reforça Willian Curtis (2008, p.23), “um grande tema da
arquitetura moderna no início do século XX, seria a reforma da cidade materialista e
sua substituição por uma ordem supostamente harmoniosa enriquecida pelo contato
com a natureza”.
Além do urbanismo moderno, outra influência encontrada é a do padre
Lebret, que prega como estratégia de ação as equipes multidisciplinares e o
pensamento científico e social. Sua chegada dá início à pesquisa urbana e regional
no Brasil, além da elaboração de planos diretores “balizados por uma forte visão
humanitária e social dos problemas e pela ampla adoção de procedimentos
científicos, exercendo forte influência sobre a postura dos técnicos para enfrentar os
149
problemas urbanos e regionais.” (NYGAARD, 2005. p.82). Este agrupamento de
profissionais é encontrado nos dois planos estudados e a proposta de
desenvolvimento social através do planejamento, presente no plano de 1980, é uma
característica do movimento Économie et Humanisme.
O survey tem como proposta o detalhamento dos estudos iniciais, como
histórico da cidade, aspectos sociais e físicos. Mesmo em 1968, quando a equipe
afirma que se desprendeu da teoria do survey para o plano de Pelotas, é impossível
não diagnosticar essa influência sobre os mais variados levantamentos que foram
organizados. Talvez a metodologia do survey, contivesse mais detalhes e
abrangência, mas ainda assim a equipe se vale de um longo estudo sobre a cidade
antes de realizar o plano propriamente dito. A proximidade com o Uruguai reforça a
influência desta teoria, muito estudada e utilizada nesse país.
Portanto, não há apenas uma teoria que seja responsável pelo aporte teórico
dos planos diretores de Pelotas. Como foi visto no capítulo anterior “Os Planos e as
Ideias”, nota-se a presença mais explícita de alguns preceitos, como os do
urbanismo moderno (o uso do solo com zoneamento, as indicações de áreas, as
regras de recuos, o sistema viário hierarquizado com dimensionamento de vias), e
de maneiras mais implícitas outras teorias, como a influência francesa do padre
Lebret, que está presente na formação do pensamento social dos profissionais do
país. Isto demonstra a forte proximidade das equipes responsáveis pelos planos –
principalmente, por meio de sua formação teórica – ao que vinha sendo
desenvolvido no restante do país e em outras partes do mundo. Panerai (1986,
p.151) escreve sobre o movimento de ideias e conceitos:
En cada una de las realizaciones objeto de estudio se expresan aspectos y
actuaciones que estructuran la composición. Los aspectos son el corolario
de conjuntos conceptuales, referentes y tecnológicos que sirven de base
para la elaboración del proyecto. A estos conjuntos los denominaremos
modelos arquitectónicos. La historia de la arquitectura comprende también
la historia de estos modelos, el estudio de su elaboración, transmisión y
deformación.
Esses “conjuntos conceituais”, adotados nos planos de Pelotas, tinham um
tom de transformação da cidade tradicional que demonstravam, por parte dos
profissionais participantes, a nítida confiança nesses novos paradigmas. Desta
forma, o pensamento urbanístico foi conformado a partir de vários ideais, várias
experimentações que foram sendo aplicadas na cidade ao longo dos anos.
7. BIBLIOGRAFIA
ABREU FILHO, Silvio Belmonte de. Porto Alegre como cidade ideal: planos e
projetos urbanos para Porto Alegre. 2006. 365f. Tese (Doutorado em Arquitetura e
Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre.
A
CIDADE
DE
BRASÍLIA.
Disponível
em:
<http://www.brasiliabsb.com/
minis_p.htm> Acesso em: 27 mai. 2011.
BARCELOS, Vicente Q. Unidade de Vizinhança: notas sobre sua origem,
desenvolvimento e introdução no Brasil. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Ed.
2001.
Brasília,
2001.
Cadernos
Eletrônicos.
Disponível
em:
<http://vsites.unb.br/fau/pos_graduacao/paranoa/edicao2001/unidade/unidade.htm>.
Acesso em: 25 jun. 2011.
BASTOS, Maria Alice Junqueira; ZEIN, Ruth Verde. Brasil: arquiteturas após 1950.
São Paulo: Editora Perspectiva, 2010.
BENEVOLO, Leonardo; MELOGRANI, Carlo; GIURA LONGO, Tommaso. La
proyectación de la ciudad moderna. Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2000.
CAROLLO, Bráulio. Alfred Agache em Curitiba e sua visão de Urbanismo. 2002.
191f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de
Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
CESTARO, Lucas. Lebret e o Urbanismo da SAGMACS: o Brasil no foco do
Mouvement Économie et Humanisme. In: XI Seminário de história da cidade e do
urbanismo. Vitória: 5 a 8 out. 2010. Disponível em: <http://web3.ufes.br/xishcu/cdanais/trabalhos/183.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2012.
COLIN, Silvio. Racionalismo e arquitetura. Coisas da Arquitetura. 09 jun. 2010.
Disponível em:
151
<http://coisasdaarquitetura.wordpress.com/2010/06/09/racionalismo-e-arquitetura/>.
Acesso em: 27 jul. 2011.
COLQUHOUN, Alan. Modernidade e tradição clássica: ensaios sobre arquitetura
1980 – 1987. Tradução Christiane Brito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
COMAS, Carlos Eduardo. Cidade funcional versus figurativa. Arquitetura e
Urbanismo, São Paulo, n. 9, p. 64-66, 1986.
CORBUSIER, Le. Principios de urbanismo: la carta de Atenas. 2. ed. Barcelona:
Ariel, 1971.
______. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes. 1992.
CHOAY, Françoise. O Urbanismo: utopias e realidades, uma antologia. Tradução
Dafne Nascimento Rodrigues. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010a.
______. A regra e o modelo: sobre a teoria da arquitetura e urbanismo. Tradução
Geraldo Gerson de Souza. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010b.
CURTIS, Willian. Arquitetura Moderna desde 1900. Porto Alegre: Bookman, 2008.
DEL RIO, Vicente; GALLO, Haroldo. O legado do urbanismo moderno no Brasil.
Paradigma realizado ou projeto inacabado? Arquitextos Vitruvius, nov. 2000.
Disponível
em:
<http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.006/958>.
Acesso em: 07 out. 2011.
DIEZ,
Fernando
E.
Buenos
Aires
y
algumas
constantes
em
lãs
transformaciones urbanas. Buenos Aires: Editorial de Belgrano, 1996.
ESPAÇO. Revista de Arquitetura Urbanismo Arte. Informe do IAB-RS. Ano 2. Dez
1949. nº4. Organizado por um grupo de alunos do IAB. Porto Alegre: Editora Porto
Alegre LTDA.
ESKINAZI, M. O. Arquitetura e cidade em exposição: as exposições de arquitetura e
as bases do projeto moderno na Alemanha. In: 8º Seminário DOCOMOMO Brasil.
Rio
de
Janeiro,
2009.
Disponível
em:
<http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/038.pdf>. Acesso em 18 jun.
2012.
FELDMANN, Sarah. As teorias que deram suporte às ações urbanísticas no Brasil:
os
anos
1970
e
1980.
Prefeitura
de
Campinas.
Disponível
em:
152
<http://2009.campinas.sp.gov.br/seplan/eventos/camp230/camp2302semipal2.htm>.
Acesso em: 14 out. 2011.
GEO.DE. Berliner Mietskasernen. Verlag Dr. Hans Epstein/Wien & Leipzig. 1929.
Disponível em:
<http://www.geo.de/GEO/fotografie/fotogalerien/54943.html?t=img&p=3>. Acesso em
14 ago. 2011.
GONSALES, Célia Helena Castro. Cidade moderna sobre cidade tradicional:
movimento e expansão. Arquitextos Vitruvius, set. 2002. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.028/753>. Acesso em: 4
mai. 2011.
______. Cidade moderna sobre cidade tradicional: movimento e expansão – parte 2.
Arquitextos
Vitruvius,
abr.
2005.
Disponível
em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.059/473>. Acesso em: 15
mai. 2012.
______. Racionalidade e contingência na arquitetura de Rino Levi. Estudo da
obra de Rino Levi com ênfase na verificação do diálogo normativo-especial no
processo de projeto. 1999. 331f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) Escola Técnica Superior de Arquitetura de Barcelona, Universidade Politécnica da
Catalunha, Barcelona.
HOWARD, Ebenezer. Cidades-Jardins de Amanhã. 2ed. São Paulo: Hucitec, 2002.
JUCÁ, Jane Monte. Princípios da Cidade-Parque: categoria urbana concebida
no Plano Piloto de Brasília. Arquitextos Vitruvius, dez. 2009. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.113/1824. Acesso em: 11
set. 2012.
LAMAS, J. M. R. G. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian & Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológca. Ed.
4, 1992.
LEME, Maria Cristina da Silva (Org.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo:
Studio Nobel; FAUUSP; FUPAM, 1999.
LICHT, Flavia Boni; CAFRUNI, Salma. Arquitetura UFRGS: 50 anos de história.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.
153
MARTÍ ARÍS, C. Las formas de la residencia en la ciudad moderna – Vivienda y
ciudad en la Europa de entreguerras. Barcelona: Edicions de La Universitat
Politécnica de Catalunya, 1991.
MIRANDA, Adriana Eckert. O bairro e o plano de conjunto na concepção do
urbanista Luiz Ubatuba de Faria. In: XXVI SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA.
ANPUH:
50
anos.
São
Paulo,
2011.
Disponível
em:
<http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300886157_ARQUIVO_ArtigoA
npuh.pdf>. Acesso em 10 set. 2012.
MOHR, Udo Silvio. Demetrio Ribeiro, 1916-2003. Arquitextos Vitruvius, out. 2003.
Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.041/643>. Acesso em: 12
jul. 2012.
MOURA, Rosa Maria Garcia Rolim. Modernidade pelotense, a cidade e a
arquitetura possível: 1940-1960. 1998. 185f. Dissertação (Mestrado em História) –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre.
MUNFORD, Eric. El discurso del CIAM sobre el urbanismo: 1928-1960. Revista
Bitácora Urbano Territorial, Universidad Nacional de Colombia, vol 1, n. 11, 2007.
p. 96-115. Disponível em:
http://www.revistas.unal.edu.co/index.php/bitacora/article/viewFile/18632/19528.
Acesso em: 13 jul. 2011.
NYGAARD, P. D. Planos diretores de cidades: discutindo sua base doutrinária.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005.
PANERAI, Philippe R.; CASTEX, Jean.; DEPAULE, Jean-Charles. Formas urbanas:
de
la
manzana
al
bloque.
Barcelona:
Gustavo
Gili,
Coleccion
Arquitectura/Perspectivas, 1986.
REZENDE, Vera. Planejamento urbano e ideologia: quatro planos para a cidade
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
RIBEIRO, Cecilia; PONTUAL, Virgínia. A reforma urbana nos primeiros anos da
década de 1960. Arquitextos Vitruvius, jun 2009. Disponível em:
154
<http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.109/50>. Acesso em: 07 out.
2001.
ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
SABATÉ, Joaquín. El proyecto de La calle sin nombre. Los regulamentos urbanos
de La edificación París – Barcelona. Colección Arquíthesis, num. 4. Barcelona:
Fundación Caja de Arquitectos, 1999.
SANTOS, Paulo. Formação de cidades no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2001.
SALT CREEK GREENWAY ASSOCIATION. Historic Riverside. Disponível em: <
http://www.saltcreekgreenwayassociation.org/files/riverside.html> Acesso em: 20
nov. 2012.
SAULE JUNIOR, Nelson; UZZO, Karina. A trajetória da reforma urbana no Brasil.
2009. In: DPH – diálogos, propostas, histórias para uma cidadania mundial.
Disponível em: <http://base.d-p-h.info/pt/fiches/dph/fiche-dph-8583.html>. Acesso
em: 14 set. 2012.
SOARES, Paulo Roberto Rodrigues. Del proyecto urbano a la producción del
espacio: morfologiia urbana de la ciudad de Pelotas, Brasil (1812-2000). 2002. 507f.
Tese (Doutorado em Geografia Humana). Faculdade de Geografia e História.
Universidade de Barcelona, Barcelona.
______. Modernidade urbana e dominação da natureza: o saneamento de Pelotas
nas primeiras décadas do século XX. História em Revista, Pelotas, vol.07, dez
2001.
ICH/UFpel.
Disponível
em:
<http://ufpel.edu.br/ich/ndh/downloads/historia_em_revista_07_Paulo_Roberto_Rodri
gues_Soares.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2012.
SIMÕES
JR.,
José
Geraldo. A
urbanística
germânica
(1870-1914).
Internacionalização de uma prática e referência para o urbanismo brasileiro (1).
Arquitextos Vitruvius, jun 2008. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.097/134>. Acesso em: 18
jun. 2012.
SITTE, Camillo. A construção das cidades segundo seus princípios artísticos.
Tradução Ricardo Ferreira Henrique. São Paulo: Editora Ática, 1992.
155
SOLÀ-MORALES I RUBIÓ, Manuel de. Las Formas de crecimiento urbano.
Barcelona: Edicions UPC, 1997.
SOUZA, Célia Ferraz de; ALMEIDA, Maria Soares. Dois Urbanistas no Planejamento
de Porto Alegre – 1930/1950. In: Simpósio Temático. Percursos profissionais:
Arquitetos e Urbanistas, a contribuição para a teoria e a prática no Brasil, 19201960.
Dez.
2010.
Disponível
em:
<www.anparq.org.br/congressos/index.php/ENANPARQ/.../34/243>. Acesso em 18
jul. 2012.
SUDBROOK PARK. 1889 Plan. Disponível em: < http://sudbrookpark.com/plan.php>
Acesso em: 20 nov. 2012.
VIZIOLI, Simone Helena Tanoue. Planejamento Urbano do Brasil: a experiência do
SERFHAU enquanto órgão federal de planejamento integrado ao desenvolvimento
municipal. 1998. 209f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.
VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no
Brasil. In: DEAK, Csaba e SCHIFFER, Sueli Ramos (org.). O processo de
urbanização no Brasil. São Paulo: Editora da USP, 1999. p. 169-243.
YURBANISM. A Brief History of Urbanism in North America: 1800s. Disponível
em: <http://yuriartibise.com/blog/history-urbanism-north-america-1800s/> Acesso em:
20 nov. 2012.
8. FONTES DE PESQUISA
COSTA, Armando Rodrigues. Armando Rodrigues Costa: depoimento [dez. 2011].
Entrevistador: R. T. Santa Catharina. Pelotas, 2011.
GEIPOT - EMPRESA BRASILEIRA DE PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES.
Estudo de transportes urbanos de Pelotas; recomendações para implantação
imediata – 1978. Brasília: Ministério dos Transportes, 1978.
______. Estudo de transportes urbanos de Pelotas; recomendações de médio
prazo – 1979. Brasília: Ministério dos Transportes, 1979.
GUTIERREZ FILHO, Rogério. Rogério Gutierrez Filho: depoimento [dez. 2012].
Entrevistador: R. T. Santa Catharina. Pelotas, 2012.
Livro de Atas nº2 do CTA f. 65v. 28.03.1947. Arquivo Histórico do Instituto de Artes
– AHIA/UFRGS.
MANZOLLI, Cristiane; VIGNOLO, Giancarlo. Simulações e tabelas realizadas na
disciplina de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo VI. FAUrb/UPel. 2011.
MIRANDA, L. G.; NEVES, G. R., SALANGUE, L. P. Luiz G. Miranda, Gervásio R.
Neves e Lais de P. Salangue: depoimento [dez. 2011]. Entrevistador: R. T. Santa
Catharina. Porto Alegre, 2011.
MOURA, Rosa Maria Garcia Rolim de. Rosa Maria Garcia Rolim de Moura:
depoimento [dez. 2011]. Entrevistador: R. T. Santa Catharina. Pelotas, 2011.
PAIVA, Edvaldo Pereira. Expediente Urbano de Porto Alegre. Porto Alegre:
Prefeitura Municipal, 1943.
PELOTAS (CIDADE). Acto nº 754 de 19 janeiro de 1915. Código de Construções e
Reconstruções, Pelotas: Prefeitura Municipal, 1915.
157
______. Plano Geral de Pelotas. Sua aprovação pelo Dr. Intendente Municipal –
Memorial do projeto de ampliação da cidade – Estudos de urbanismo – Suas regras
gerais. Diário Popular. Pelotas: 20 Abr. 1924.
______. Saneamento de Pelotas. Elaborado por Saturnino de Brito. Pelotas:
Prefeitura Municipal, 1927.
______. Código de Construções. Pelotas: Prefeitura Municipal, 1930.
______. Saneamento de Pelotas – Novos estudos. Elaborado pelo Escritório
Saturnino de Brito. Pelotas: Prefeitura Municipal, 1947.
______. Plano Diretor de Pelotas. Porto Alegre: Orplan – Organização e
Planejamento, 1968.
______. Reavaliação do Plano Diretor de Pelotas: estratégia. Pelotas: Prefeitura
Municipal, 1978a.
______. Reavaliação do Plano Diretor de Pelotas: metodologia. Pelotas:
Prefeitura Municipal, 1978b.
______. Reavaliação do Plano Diretor de Pelotas: diagnóstico físico. Pelotas:
Prefeitura Municipal, 1978c.
______. Mapa de evolução urbana. Arquivo S.M.U.M.A D.C URE. Pelotas:
Prefeitura Municipal, 1978d.
______. Mapas Plano Diretor de Pelotas. Levantamento - Maio de 1978. Pelotas:
Prefeitura Municipal, 1978e.
______. Plano Diretor de Pelotas. Integrado ao Plano de Desenvolvimento Urbano
do Município de Pelotas. Pelotas: Prefeitura Municipal, 1980.
RIO DE JANEIRO (CIDADE). Cidade do Rio de Janeiro extensão, remodelação e
embelezamento. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal, 1930. Disponível em: <
http://planourbano.rio.rj.gov.br/> Acesso em: 16 set. 2012.
APÊNDICES
APÊNDICE A – Zonas Piloto
Zonas piloto nos bairros Areal, Barragem, Centro, Fragata, Laranjal, São
Gonçalo e Três Vendas (Figura 61), para verificação dos potenciais resultados
construídos do Plano Diretor de Pelotas (1968) e || Plano Diretor de Pelotas (1980).
Este estudo foi desenvolvido durante a disciplina de graduação Teoria e História da
Arquitetura e Urbanismo VI (THAU VI), com colaboração dos alunos de graduação
Cristiane Portantiolo Manzolli e Giancarlo Kleinick Vignolo.
Figura 61: Localização das zonas piloto. (Fonte: autora, 2011)
a) Bairro Areal
Imagem aérea da quadra Areal
Média área dos lotes: 681,05m²
Média frente dos lotes: 13,38m
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o PD.
Definida como ZR3, permitia
edificações com mais de 24m
de altura, limitadas apenas
pelos IA e TO de cada terreno
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o II PD
Definida como ZR3, não
permitia edificações com mais
de dois pavimentos ou 6m de
altura
160
b) Centro
Imagem aérea da quadra –
Centro (Av. Bento Gonçalves)
Média área dos lotes: 725,28m²
Média frente dos lotes: 16,98m
Imagem aérea da quadra –
Centro (Catedral)
Média área dos lotes: 287,70m²
Média frente dos lotes: 10,22m
Imagem aérea da quadra –
Centro (Porto)
Média área dos lotes: 166,33m²
Média frente dos lotes: 6,78m
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o PD
Definida como ZR2 permite
edificações acima de 12m de
altura, limitadas apenas pelo IA
e TO de cada terreno
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o II PD
Definida como ZR2 permite
edificações de até 4 pavimentos
ou 12 metros de altura
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o PD
Definida pelo plano como ZR2
permite edificações acima de
12m de altura, exigindo recuos
laterais e de ajardinamento
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o II PD
Definida como ZCC permite
edificações de altura livre,
dispensando recuos laterais e
de ajardinamento
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o PD
Definida como ZR1 permite
edificações acima de 24m de
altura, exigindo recuos laterais
e de ajardinamento
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o II PD
Definida ZRM3 permite
edificações de altura livre,
dispensando recuos laterais
161
c) Bairro Fragata
Imagem aérea da quadra –
Fragata
Média área dos lotes: 355,77m²
Média frente dos lotes: 9,53m
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o PD
Definida como ZR2 permitia
edificações acima de 12m de
altura, limitadas, apenas, pelo
IA e TO de cada terreno.
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o II PD
Definida como ZRM1 não
permitia edificações com mais
de dois pavimentos ou 6m de
altura.
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o PD
Definida como ZR4, obedece as
mesmas regras de recuo da
ZR3, permitindo edificações de
até 2 pavimentos ou 6 metros
de altura.
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o II PD
d) São Gonçalo
Imagem aérea da quadra –
São Gonçalo
Média área dos lotes: 270,02m²
Média frente dos lotes: 10,17m
Definida como Corredor de
Comércio Varejista, permite
edificações de até 4 pavimentos
ou 12m de altura.
e) Três Vendas
Imagem aérea da quadra –
Três Vendas
Média área dos lotes: 260,43m²
Média frente dos lotes: 10,11m
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o PD
Definida como Corredor de
Comércio Varejista, permite
edificações de até 4 pavimentos
ou 12m de altura.
Simulação das edificações nos
lotes, de acordo com o II PD
Definida como ZRM1 permite
edificações de até 2 pavimentos
ou 6m de altura.
APÊNDICE B – Roteiro das entrevistas.
Foram entrevistados os profissionais que fizeram parte das equipes técnicas
dos planos. Do Plano de 1968 foram entrevistados a Arq. Lais de P. Salengue, o
Arq. Luiz G. Miranda, e o Geógrafo Gervásio R. Neves. Já no Plano de 1980, o Arq.
Rogério Gutierrez Filho, o Arq. Armando Rodrigues Costa e a Arq. Rosa Maria
Garcia Rolim de Moura.
Roteiro das entrevistas:
1) Formação profissional do entrevistado, ano de formado e escola.
2) Experiências profissionais. Experiência em algum plano diretor antes
e/ou depois do Plano Diretor de Pelotas
3) Como o profissional foi “escolhido” para participar da equipe do plano
diretor?
4) Qual a relação do profissional com Pelotas, que conhecimento se
tinha da cidade?
5) O plano foi realizado na cidade ou através de visitas a Pelotas?
6) O plano proposto tem inspirações em outros planos?
7) Que ideia de cidade se buscava alcançar?
ANEXOS
ANEXO A - Carta de motivos, de 22 de julho de 1930, para o Código de
Construções, assinada pelo Intendente Municipal de Pelotas João Py
Crespo.
Cumprindo o disposto no art. 29º e seus parágrafos da Lei Orgânica,
submeto a apreciação pública o projeto do Código de Construções.
A deficiência do atual em face do desenvolvimento sempre crescente da
cidade, a omissão em pontos essenciais de maneira a suscitar razoáveis
controvérsias, observadas em tão longo período de sua vigência, as reclamações
contra ele formuladas por proprietários e construtores, forçaram à medida que era se
põe em prática.
Manifestou-se também ultimamente em outras cidades adiantadas do país,
por semelhantes motivos, a necessidade dessa medida, onde os Códigos, como
condição inadiável, foram modificados ou substituídos, aceitando os novos
processos recomendados pelos especialistas em estudos de urbanismo. E o caso
local, não podendo fugir a essa exigência comum, reveste-se, entretanto, da maior
importância, se atendermos a oportunidade do atual trabalho que vem satisfazer,
desta forma, uma justa aspiração da nossa gente.
É bem de ver que, no estudo do projeto, ora submetido à censura pública,
embora não fosse dispensado o subsídio de outros códigos, houve a preocupação
dominante de resolver as questões locais, admitindo-se os princípios consagrados
pelo uso, recomendados por autores de renome e os decorrentes da própria
experiência.
Porque preciso é dizer que a cidade moderna criou novas exigências,
oriundas do avanço das ciências, muito especialmente na parte referente à higiene,
estabilidade e estética das habitações. Daí a necessidade de transformá-las e com
elas as construções, que constituem as suas células. A casa é o espelho no qual se
reflete o cultivo de uma coletividade, porque é a manifestação palpável do seu gosto
e do seu gênio. Por ela se avalia o bem estar de seus habitantes, as suas
qualidades artísticas, a elegância de seu espírito; ela por si só demonstra o
adiantamento e desvenda as qualidades excelsas de um povo.
E foi inspirada nestes princípios que, afastando-se do ponto de vista radical,
em atenção às condições locais, a comissão por mim nomeada elaborou o Código,
harmonizando o interesse coletivo com o individual, si bem que o futuro não muito
165
distante prevalecerá o primeiro, de acordo com a opinião de Raymond, assim
expressada: “Para que uma cidade seja habitável e tenda para a perfeição é preciso
antes de tudo que sejam respeitados os direitos da coletividade a conta dos
interesses particulares”.
Obedecendo aquele intuito, a ilustrada comissão adicionou ao projeto
disposições cerceadoras das, até certo ponto, por demais extensas faculdades dos
proprietários e que por certo produzirão os melhores resultados a nossa cidade.
Assim, o projeto regulariza a licença para as obras e sua fiscalização; cria
um deposito em dinheiro ou apólices para os construtores, com o fim de garantir o
cumprimento das obrigações nele contidos (esta disposição desapareceu por ter
sido aceita ema emenda em contrário); estabelece condições gerais para a
construção, visando melhorar a estética e a higiene; torna obrigatórios os alicerces
que resistam a humanidade e os embelezamentos em prédios de moradia; estatue
sobre a altura dos prédios; diminui o pé direito e as espessuras de paredes, uma vez
que não excedam os limites fixados; determina o limite das dimensões das áreas e
dos compartimentos; das superfícies destinadas a edificação e espaços livres, de
maneira a se aproximarem, tanto quanto possível, do rigorismo científico, que seria
lícito exigir, e que, para simplificar, se admite; especifica as condições dos
estabelecimentos industriais e comerciais; refere-se a exigência da construção de
uma única habitação em cada lote, excetuadas as coletivas e as vilas, que merecem
estudo especial, com o objetivo de estimular a constituição do lar em separado, de
combater a promiscuidade e evitar, com a proibição do entulhamento do lote, a
formação de agrupamentos denominados “cortiços”; amplia o capítulo relativo as
casas de diversões e o referente a estábulos e cocheiras; resolve os diversos casos
de fechamentos de terrenos; consagra particular atenção ao retalhamento em lotes,
quer em terrenos situados em novos logradouros, quer nos existentes, com testada
superior a 40m, estabelecendo o limite mínimo das larguras dos lotes, de maneira a
evitar que, na extensa área por edificar, não se reproduza o que hoje
lamentavelmente se verifica na parte densa da cidade, onde é compacta a
edificação, o que a torna triste e ante higiênica; e, finalmente, constitui capítulos
especiais o estudo dos materiais para construção, sobrecargas e coeficientes de
segurança, o das obras de concreto armado e o das edificações na zona suburbana,
até agora entregues ao arbítrio de cada um, e nas quais foram dispensadas as
166
exigências impostas na urbana, tornando contudo obrigatórias certas prescrições,
incluídas as referentes a espaços livres entre prédios, o que indiscutivelmente há de
melhorá-la.
Assunto da maior importância e para o qual voltei desde logo a minha
atenção, folgo em registrar aqui mais este passo na rota sanitária de Pelotas,
cercada de focos de infecção, que se iam alastrando pela cidade, além de outros
modos, pelo contato obrigatório dos habitantes das duas zonas.
Estabelecidas às diretivas principais do projeto, realçadas as modificações e
alterações do Código atual, fácil será julgar da propriedade dos dispositivos nele
expostos, ligando numa reciprocidade de deveres o poder público e os indivíduos,
de maneira a que Pelotas evolua normalmente.
Com satisfação agradável, dentro do prazo legal, as sugestões que me
forem apresentadas sobre tão importante assunto, para aceitar as que me parecem
aproveitáveis, esperando que este projeto desperte a atenção pública e o estudo dos
componentes, de modo a evitar que, depois de promulgado, surjam a crítica
retardatária e os protestos inócuos. (CÓDIGO DE CONSTRUÇÕES, 1930, p. 88 90).
ANEXO B – Sínteses do Programa do Curso de Urbanística e Arquitetura
Paisagística da Faculdade de Arquitetura de Montevidéu.
(Fonte: Arquivo Histórico do Instituto de Artes UFRGS).
168
(Fonte: Arquivo Histórico do Instituto de Artes UFRGS).
169
ANEXO C - Disciplinas do Curso de Urbanismo IBA.
Regimento Interno para o Curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Belas
Artes do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, 30 outubro 1950. p. 4-5.
Teoria e Prática dos Planos de Cidades:
1ª parte: traçados urbanos característicos. Aglomeração urbana e rural.
Grandes e pequenas cidades. Metrópoles. Traçado em xadrez, radial e perimetral.
Cidades lineares. Cidades-jardins. Cidades satélites. Bairros autônomos e núcleos
rurais. Projetos.
2ª parte: a cidade moderna. Sistemas de transportes, vias públicas, parques,
edificação e zoneamento. Arte cívica. Planos locais, regionais e nacionais.
Regulamento de construções. Composição de cidades-jardins, cidades satélites e de
núcleos urbanos. Tráfego subterrâneo. Extensão, remodelação e embelezamento
das cidades. Plano Diretor. Projeto completo de núcleos urbanos. Descentralização
urbana. Proteção e remodelação das cidades contra as agressões aéreas.
Planejamento. Legislação.
Evolução urbana:
1ª parte: as cidades do Egito e da Mesopotâmia. A cidade clássica. Grécia e
sua expansão colonizadora. Roma e suas conquistas. Invasão dos bárbaros. A
cidade medieval: seus fundamentos religiosos, sociais, políticos e a arte urbana. O
Renascimento e as descobertas marítimas. A cidade principesca. A cidade do século
XIX. A questão social e a era industrial. O advento do urbanismo.
2ª parte: a cidade de colonização americana. As cidades da Nova Inglaterra.
As cidades do centro e do oeste americano. As cidades canadenses. As cidades de
origem espanhola e portuguesa. Evolução urbana no Brasil sob o aspecto político e
administrativo.
Urbanologia – Estatística – Documentação urbanística:
Fatores geográficos, topográficos, geológicos, fitológicos, meteorológicos,
climatérios e demográficos na formação das cidades. Estudo dos valores
imobiliários.
Estatística
urbana.
Plantas
e
documentação
fotográfica
para
170
reconstituição dos diferentes períodos da história de uma cidade. Fenômenos
sociais, políticos, econômicos e religiosos das cidades.
Técnica Sanitária Urbana + Serviços de Utilidade Pública:
Influência da situação geográfica. Fatores meteorológicos, geográficos e
topográficos. Escoamento das águas pluviais e de esgoto. Abastecimento d’água e
de utilidades econômicas. Resíduos urbanos. Poluição da atmosfera. Serviços de
água e esgoto. Luz, força, gás e telefone. Transportes urbanos.
Organização Social das Cidades:
Núcleos industriais e comerciais. Bairros residenciais. Habitações coletivas e
individuais: história, interpretação e crítica. Soluções europeias e americanas.
Habitações primitivas do Brasil. Habitações populares: financiamento e execução.
Distribuição demográfica rural e urbana. Migração urbana e rural. Higiene doméstica,
creches e lactários. Jardins de infância e escolas. Policlínicas, maternidades e
hospitais. Atividades culturais, religiosas, recreativas, filantrópicas e de assistência
social.
Arquitetura Paisagista:
Estudo da florística brasileira e das plantas exóticas aclimatadas no Brasil.
Jardins: escola francesa e inglesa. O jardim mediterrâneo. Chácaras e jardins
coloniais do Brasil. O jardim e o parque tropical. Parques urbanos nacionais. Jardim
decorativo e de amenização. Hortos municipais e jardins botânicos. Parques
desportivos. Jardins particulares e públicos. Planos Diretores. Perspectivas, cortes e
programas de execução. Proteção das florestas, árvores sítios e monumentos
naturais. Parques nacionais. Legislação.
Administração Municipal:
Organização
político
administrativa
nas
municipalidades.
Distritos
municipais. Prefeituras e Câmaras Municipais. História do Município no Brasil.
Discriminação
e
distribuição
tributária.
Centralização
e
descentralização
administrativa. Lei orgânica dos municípios. Organização econômica e financeira.
Legislação municipal. Código de obras. Execução e fiscalização de obras públicas e
particulares. Departamento das municipalidades: o município nos diversos países
americanos.

Documentos relacionados