A GALERIA ILLUSTRADA (1888-1889): TESTEMUNHO DAS

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A GALERIA ILLUSTRADA (1888-1889): TESTEMUNHO DAS
IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação
Múltiplos Olhares
05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
A GALERIA ILLUSTRADA (1888-1889): TESTEMUNHO DAS PRIMEIRAS
PRODUÇÕES LITERÁRIAS NO PARANÁ: A FÁBULA
Maraisa Daiana da Silva FREIRE (G-UEM)
Talita Dias TOMÉ (G-UEM)
Introdução
No século XIX um periódico impregnado de teor artístico e educativo, com
intenções de promover uma relação entre educação, imprensa e cultura, refletia o processo
de modernização que ecoava em todo Brasil. As discussões em torno da pouca valorização
das artes visuais e das práticas artísticas eram refletidas nas revistas ilustradas que
contribuem para uma análise mais detalhada das relações entre arte, educação e cultura no
contexto histórico paranaense:
Curitiba, com seu pequeno público de leitores vivenciava, assim como todo
o Brasil, uma parte do processo de modernização que já se encontrava em
estágio avançado na Europa: a expansão dos periódicos impressos e a
diversificação crescente de suas funções sociais. Ainda seguindo a autora,
diferentemente do que já ocorria no além mar, em Curitiba havia na época
um frágil debate sobre os aspectos visuais dos impressos devido a pouca
valorização das práticas artísticas e das artes visuais. É compreensível
então, que as revistas ilustradas tomassem e pretendessem seguir os
padrões europeus, visto também, que os profissionais que assumiram este
desafio eram, na maioria, nascidos na Europa. (VEZZANI, 2011,p.1)
O contato com essa literatura propicia reflexões sobre a identidade de alguns
espaços sociais, permitindo observações de elementos do texto literário e estabelecendo
“conexões entre o que produz significado e o que se torna capaz de trazer sentido para as
outras ações comunicativas” (VASCONCELOS e FRACASSE, 2007, p.2).
A Galeria Illustrada surgiu em um período no qual aconteciam manifestações
políticas e culturais, marcado pelo momento em que a literatura passava a ser discutida
como coisa pública (CANDIDO, 2000). Segundo Vezzani (2009), é nesse contexto que os
periódicos ganham força e se estabelecem em um Brasil sem imprensa livre, sem muitos
livros, mas que era repleto de pessoas que acreditavam na chance de finalmente fazer parte
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de uma civilização. A Curitiba da década de 1880 necessitava de transformações. Em um
momento no qual era preciso abandonar os hábitos prejudiciais ao intelecto, Narciso
Figueras surge com a proposta de um periódico com a intenção de educar, instruir e ilustrar
a província paranaense.
Ainda que seja possível encontrar alguns trabalhos realizados sobre a Galeria
Illustrada, a maioria está voltada às áreas de Artes e História, mas é importante mencionar
a contribuição desses no processo de pesquisa. O presente trabalho é parte de um projeto
que visa à reflexão sobre os momentos iniciais da escrita da história da literatura
paranaense, na etapa denominada “Origens e primeiras manifestações literárias na
província (1850 -1900)”, conforme proposta da pesquisa Portal da Literatura Paranaense:
formação e consolidação de um campo literário, financiada pela Fundação Araucária e
orientado pelas professoras Alice Áurea Penteado Martha e Luzia Aparecida Berloffa
Tofalini.
1. Um periódico do tipo europeu
A Galeria Ilustrada, uma revista do “tipo europeu”, de propriedade da Litografia do
Comércio, cujo diretor-proprietário era Narciso Figueras, surgiu no momento em que as
ideias iluministas e positivistas lideravam as discussões sobre a necessidade de progresso
paranaense. O primeiro número foi publicado em 20 de Novembro de 1888, e não buscava
se classificar como uma publicação que seria apreciada por todos os cidadãos da província
paranaense:
A Galeria Illustrada” apresenta ao público benévolo o seu primeiro
número, cônscia de que, encontrando a protecção deste, poderá marchar
desassombradamente na arena do jornalismo moderno, e desempenhar
fielmente o grande papel que os seus contemporaneos representam na liça
das grandes e momentosas questões que ora revolucionam o animo
nacional: - falamos das grandes transicções porque estão passando a
litteratura e os nossos costumes populares. (A Galeria Illustrada, n.1, Nov.
1888, p.2)
Utilizando-se de uma linguagem culta, o periódico tinha como intuito “despertar
entre os jovens o amor às letras e artes, e de proporcionar um agradável passatempo
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literário a todas as pessoas que nos honrarem com suas assinaturas” (A Galeria Illustrada,
1888-1889, p. 16).
O modelo que serviu como base para a sua feitura foi a revista francesa Tour du
Monde. A opção por uma linha cosmopolita seguia a tendência do momento, mas ofuscoulhe os traços regionais. Logo no início, a redação comenta sobre as dificuldades impostas
por um tipo de revista que, por ter um alto padrão gráfico, exigiria um público com um
considerável poder aquisitivo. E em um dos artigos encontra-se o seguinte comentário:
“Quanto a mim, direi com franqueza - que creio menos no apoio efficaz que a ‘Galeria
Illustrada’ possa ter dos paranaenses, do que na inquebrantavel perseverança no esforço
pessoal do emprezario.” (A Galeria Illustrada, 1888, p.6, revista1). A redação também
informa o distanciamento da A Galeria Illustrada em assuntos políticos, pois o periódico
advogaria o bem estar geral, não abrindo mão do direito de analisar os atos governamentais
e expressar a opinião de uma forma culta e respeitável. Esse distanciamento das escolas
políticas não impediu a vinculação com ideias republicanas, fato esse que possibilita excluir
A Galeria Illustrada da chamada “imprensa do bom gosto”.
A revista era dividida em seções e é possível notar a preocupação de Narciso
Figueras em demonstrar na seção Nossas gravuras, além do cuidado ornamental com os
padrões europeus, um compromisso com as ideias republicanas, um lugar de destaque nas
matérias literárias e páginas ilustradas com paisagens e retratos de Raphael Sanzio, uma
cópia da Vênus de Urbino Ticiano, entre outras obras célebres.
Dentre as seções presentes no periódico, daremos destaque a duas delas voltadas
exclusivamente às letras e artes. A Gaveta do Diabo, que logo na primeira publicação
apresenta o diabo como uma caracterização da crítica, começou com meras ilustrações
críticas sobre a administração da província, e, com o tempo, adquiriu um tom ácido e
irônico, passando a ser apresentada em forma de charge. Mesmo sendo uma seção mais
artística, é possível notar a preocupação da redação em articular texto e imagem.
A outra seção denominava-se Letras e Artes e nela circulavam os textos literários,
como os artigos de Chichôrro Júnior “A literatura paranaense e a arte moderna”, “A
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filosofia da mentira”, de Silva Jardim, vários sonetos, contos, textos críticos e algumas
letras de musicas de Emiliano Pernetta. É importante ressaltar também que A Galeria
Illustrada iniciou, no Paraná, um debate em torno das ideias naturalistas e idealistas, como
a publicação de um estudo literário intitulado O Romance como Psychologia – A Philosofia
do Naturalismo, de Lívio de Castro e uma resenha crítica do romance A Carne, de Júlio
Ribeiro, escrita por Rocha Pombo.
Além de publicações inéditas paranaenses, a Galeria Illustrada recebeu uma
colaboração importante para que se constituísse em um documento de fundamental
interesse para a literatura brasileira: trata-se das Canções sem metro, de Raul Pompéia, e
que eram ilustradas pelo próprio autor. Assim, o estudioso que desconhecer a Galeria
Ilustrada não terá acesso às versões primitivas de Canções sem metro, e desconhecerá a
intenção de Raul Pompéia em publicar essas ‘canções’ como um volume ilustrado. Araújo
(2006) em seu estudo sobre a obra de Raul Pompéia afirma:
O livro “Canções sem metro” nunca foi publicado com as gravuras feitas
pelo próprio autor e das quais ele tanto se orgulhava. Isto só aconteceu na
mencionada revista: A Galeria Ilustrada, em que constam diz textos
ilustrados e fornecidos pelo próprio escritor. (ARAÚJO, 2006, p.105)
As Canções sem metro que foram publicadas na Galeria Ilustrada provavelmente
chegaram às mãos de Narciso Figueiras antes do início das publicações. No primeiro
número há uma nota dizendo que a revista possuía uma coleção de textos de Pompeia,
ilustrados pelo autor:
Possuímos uma lindíssima dezena de contos de Raul Pompéia,
acompanhados dos respectivos desenhos. Estes escriptos do Talentoso
escriptor do brasileiro têm o título de “Canções sem metro” e são de uma
originalidade e de um primor invejáveis. Hoje publicamos o primeiro
conto: ‘O Ramo da Esperança’. (A Galeria Illustrada,1888, p.2, revista1).
Convém esclarecer que a edição de 1900 não inclui os textos publicados na Galeria,
e quando Elói Pontes publica sua edição, a fonte não é mencionada.
Em 1889 a revista começa revelar indícios de sua decadência. Além de apresentar
justificativas sobre mudança de endereço, melhorias, entre outras, o periódico chega a
anunciar uma suspensão temporária ‘para melhoramentos’ sem deixar de mencionar os
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obstáculos enfrentados e a ‘falta de patriotismo dos paranaenses’. No número 17, é possível
notar o empobrecimento da revista, que apresenta uma formatação pobre e já não é mais
dividida em seções. Por fim, na publicação do seu 24o fascículo, A Galeria Illustrada
apresenta o seu derradeiro número, com a publicação do auto de nascimento:
Entre alguns papeis velhos encontramos o seguinte assentamento, que
damos ao publico, para provar-lhe que não nascemos de las yerbas.
AUTO
DE
NASCIMENTO
Declaro que aos vinte dias de mez de
Novembro de mil oito centos e oitenta e oito, nesta parochia de N.S. da
Ignorância, nasceo a criança Galeria Illustrada, filha legitima de Narciso
Antonio Figueras Girbal e sua esposa D. Lithographia do Commercio,
ambos naturaes da pátria do progresso e freguezes desta parochia de N. S.
da Ignorância. Sérvio de padrinho, perante a Santa igreja da opinião
publica, Nestor Pereira de Castro, natural da pátria da esperança. Para
constar lavrei este termo que firmo. O escrivão. Indifferença.(A Galeria
Illustrada, 1889, no 24).
Com o fim da Galeria Illustrada, Narciso Figueras continua participando de outras
publicações, ao lado de Leôncio Correia, no 15 de Novembro, deixando fluir seu engajamento com
a causa republicana.
2. Uma fábula com traços nacionais
Dentre as diversas publicações literárias presentes em A Galeria Illustrada,
destacamos a fábula “Um corvo e um papagaio”, de Teixeira de Queiroz. Trata-se da única
publicação voltada para as crianças, na qual o autor faz uma dedicatória aos filhos.
A fábula resume-se na seguinte estória: Em um dia chuvoso, um velho corvo, já sem
forças, pousou na beira de um telhado perto do comedouro de um papagaio real. O corvo
pediu para o papagaio não se assustar, pois ele não queria lhe fazer mal, apenas desejava
um pouco de alimento. E o papagaio, desconfiado e medroso, pediu para o corvo ficar
longe que ele pediria ao cozinheiro que trouxesse um pedaço de carne. Como estava
ventando muito, o corvo voou para mais perto do poleiro da ave real. Desesperado, o
papagaio gritou para o cozinheiro pegar um pedaço de pau. O cozinheiro ouvindo os gritos
do papagaio correu e atirou o corvo moribundo na sarjeta e este faleceu.
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Moral: “Assim se cumpre muitas vezes a justiça na terra. Meus filhos, não se deve
acreditar facilmente nas culpas d’aquelles que são infelizes, principalmente quando
precisam de que se-lhes faça bem.”(A Galeria Illustrada, 1888, p.114-115). No decorrer da
história da humanidade o corvo oscilou na posição entre venerado e insultado. Mas, com o
tempo, passou a ser a ave favorita das fábulas, servindo como exemplo de comportamento e
astúcia, o que o tornou uma ave universal. Juntamente com o corvo, o papagaio também é
um símbolo de inteligência, mas não é um animal facilmente encontrado nas fábulas. Dessa
forma, pode-se afirmar que Teixeira de Queiroz mescla traços tipicamente brasileiros com
traços universais, e seu texto reflete o momento histórico no qual se encontrava o espírito
artístico do Paraná; uma mistura de ideias importadas e nacionais.
Em relação à estrutura, Um corvo e um papagaio segue o modelo antitético das
fábulas, na qual fica evidente a oposição de duas personalidades distintas, apresentando um
contraste que pode ser caracterizado imediatamente. Por mais que as duas aves sejam
consideradas representantes da inteligência, nesse caso o papagaio é uma personificação
específica de conteúdos que são repetidos sem questionamentos e sem que se pare para
fazer uma avaliação.
De acordo com Portella (1983, p.137), “o mesmo animal pode apresentar qualidades
humanas diferentes nas várias fábulas” e essas características não estão baseadas em
fundamentos científicos, mas na observação popular.
A fábula deve apresentar o máximo de verossimilhança com a realidade do homem.
Assim, para James Thurber (apud Portella, 1983, p.136), a preferência por animais deve-se
ao fato de não existir melhor forma de despojar o homem de seu complexo de grandeza do
que “lembrar-lhe da sua animalidade”. É certo que “A verdade nua e crua machuca”, então
através da fábula o homem não se nega a ouvir a verdade da boca dos animais. E essa
verdade, a princípio, parece não o atingir diretamente, mas, aos poucos age no seu
subconsciente deixando-o frente a frente com ela.
Na visão de Fedro a narrativa fabular deveria ser o mais breve possível. No entanto,
Teixeira de Queiroz segue a mesma linha de pensamento de La Fontaine, e apresenta uma
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narrativa mais longa, na qual pode dar rédeas a sua imaginação e desenvolver mais
elementos discursivos. Com base na necessidade de brevidade é montado um esquema
narrativo, que se resume em situação – ação – reação - resultado. Geralmente é
apresentado um diálogo breve no qual uma personagem afirma algo e a outra retruca. Já em
“Um corvo e um papagaio” esse esquema se prolonga um pouco mais no jogo de
‘ação/reação’ e, ao contrário do que alguns teóricos afirmam, tal prolongamento não desvia
o leitor da finalidade da fábula. “As descrições um pouco mais prolongadas permitem que o
leitor tenha mais ‘peças” para formar o caráter das duas aves, e assim ter uma compreensão
mais ampla da verdade geral (moral). Ainda que essa discussão tenha sido prolongada,
permanece uma única unidade de ação, isso significa que na fábula Um corvo e um
papagaio há apenas um conflito.
Considerações finais
Consideramos que A Galeria Illustrada foi um veículo que utilizou da força das
imagens e das letras para despertar o amor dos jovens para o mundo artístico, no entanto
apenas o esforço de poucos homens não foi suficiente para que a revista permanecesse de
pé. Mas, com certeza, o que ficou, dos seus dias de glória, tem sido grande objeto de
pesquisa.
Referências
A GALERIA ILUSTRADA, 1888/ 1889. Curitiba: Imprensa Oficial, 1979. fac-similar.
ARAÚJO, R. L. Raul Pompeia: Jornalismo e prosa poética. Tese (Doutorado). Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, São Paulo, 2006.
PORTELLA, O. O. A fábula. Revista de Letras, no 32, p. 240, UFPR, Letras-Curitiba,
1983.
VEZZANI, I. N. (UFPR) – Galeria Illustrada– Um Periódico De Typo europeu na Curitiba
provinciana: 1888-9.)Disponível em:
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http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe6/conteudo/file/737.pdf
VASCONCELOS, C. L.; FRACASSE, L. Contribuição do método recepcional, Estética da
recepção, teoria dos gêneros e análise do discurso da linha Francesa no conhecimento da
literatura
Paranaense,
2007.
Disponível
em:
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/690-4.pdf
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 9. ed. Belo
Horizonte: Itatiaia, 2000. v.1 e v.2.

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