PROJETO PAIR/MG Programa de Ações Integradas e Referenciais
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PROJETO PAIR/MG Programa de Ações Integradas e Referenciais
Proex Secretaria Especial de Direitos Humanos e Universidade Federal de Minas Gerais Pró-Reitoria de Extensão Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública Programa Pólos de Cidadania PROJETO PAIR/MG Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil em Minas Gerais DIAGNÓSTICO Teófilo Otoni Relatório Técnico Final FICHA TÉCNICA Pró-Reitoria de Extensão - UFMG Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben – Pró-Reitora de Extensão Paula Cambraia de Mendonça Vianna – Pró-Reitora Adjunta de Extensão Coordenação Geral da Expansão do PAIR-MG Edite da Penha Cunha, MSc – Pró-Reitoria de Extensão Eduardo Moreira da Silva, MSc – Pró-Reitoria de Extensão Lucas Schetinni – Pró-Reitoria de Extensão Coordenação do Diagnóstico Joana Domingues Vargas, DR – Professora Adjunta do Departamento de Sociologia e Antropologia da FAFICH/UFMG e Pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG) Pesquisadores Klarissa Almeida Silva, Mestre – CRISP/UFMG Marisa Lacerda, Doutoranda – Programa Pólos de Cidadania/UFMG Frederico Couto Marinho, Mestre – CRISP/UFMG Bráulio Alves Figueiredo Silva, Mestre – CRISP/UFMG Cristiane Kazuko Torisu, Mestranda – CRISP/UFMG Keli Rodrigues de Andrade, Mestranda – CRISP/UFMG Estagiários Analice Mateus – CRISP/UFMG Lívia Henriques de Oliveira – CRISP/UFMG Mateus Reno – CRISP/UFMG Hanna Fux – Programa Pólos de Cidadania/UFMG Ana Luiza de Oliveira Cunha – Universidade Federal dos Vales Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM/Campus Teófilo Otoni Heverton Oliveira Leite – Faculdades Doctum/Campus Teófilo Otoni Data de Atualização: 17 de agosto de 2007 1 SUMÁRIO PARTE I – A Expansão do PAIR-MG e o Diagnóstico...................... 3 PARTE II – Caracterizando o Município de Teófilo Otoni .............. 16 PARTE III – Caracterizando o Fenômeno................................... 40 PARTE IV – Caracterizando a Rede .......................................... 59 PARTE V – Comentários Finais e recomendações ao trabalho em rede em Teófilo Otoni ................................................................... 85 Referências Bibliográficas ....................................................... 88 2 PARTE I – A Expansão do PAIR-MG e o Diagnóstico 1. Introdução No segundo semestre de 2006, foi estabelecido um convênio entre Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Universidade Federal de Minas Gerais - através da Pró-Reitoria de Extensão, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública e do Programa Pólos de Cidadania - e Universidade Federal do Triângulo Mineiro para a expansão do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil (PAIR) em Minas Gerais. Foi definida no convênio a realização de um Diagnóstico das redes de enfrentamento da violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes nos municípios de Itaobim, Teófilo Otoni e Uberaba. A indicação dos municípios foi realizada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Com o diagnóstico propõe-se a identificação das agências governamentais e não governamentais dos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim que atuam no âmbito do fenômeno e análise dos dispositivos facilitadores e daqueles que entravam os fluxos de defesa de direitos, de atendimento e de responsabilização das situações de violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Esta análise pretende subsidiar a implementação de um circuito articulado de ações entre as agências governamentais e não governamentais envolvidas com a problemática em questão nos municípios selecionados. O modelo sugerido pelo CRISP, em parceria com a Universidade Federal do Triangulo Mineiro e o Programa Pólos de Cidadania, é decorrente da perspectiva segundo a qual os eventos que caracterizam o fenômeno da violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes são gerados por um conjunto de fatores que os antecedem, ou seja, problemas nas comunidades como desorganização social ou física, vulnerabilidade sócio-econômica, escassez na oferta de serviços públicos, baixos níveis de mobilização, baixa efetividade das redes de defesa, responsabilização e atendimento, dentre outros. Neste sentido, a intervenção deve-se dar sobre os problemas que antecedem os eventos e não sobre esses últimos, de modo isolado. Para realização deste diagnóstico, contamos com a contribuição de diversos promotores de justiça do Ministério Público de Minas Gerais; juizes e técnicos das Varas Criminais e dos Juizados da Infância e Juventude; conselheiros 3 tutelares e de políticas públicas; polícias; equipes técnicas de diversos programas; gerentes, coordenadores e secretários da Assistência Social, da Educação, da Saúde, da Cultura e Esportes; representantes da sociedade civil; dirigentes e funcionários de organizações não-governamentais, creches, abrigos e instituições de atendimento às crianças e adolescentes. Todos nos forneceram dados e informações importantes sobre a violência sexual infanto-juvenil, bem como sobre a estrutura e funcionamento da rede de garantia e defesa de direitos da criança e do adolescente. A todos os nossos colaboradores, entrevistados, estagiários locais, nossos sinceros agradecimentos. 2. Discussão Teórica O problema social da violência sexual (abuso e exploração comercial) contra crianças e adolescentes tornou-se questão pública assumindo relevância política no início da década de 90 com as instalações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes realizada pelo Congresso Nacional em 1993 e da Prostituição Infantil do Norte de Minas Gerais realizada pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais em 1995. Estas CPIs provocaram a conscientização e mobilização de importantes setores da sociedade civil, do executivo, legislativo e judiciário, além da mídia e de inúmeros organismos internacionais, quanto à gravidade do fenômeno no país. A CPI do Congresso Nacional trouxe inúmeros avanços para a concepção desta temática. Com base nela, a prostituição infantil passou a ser compreendida como Exploração Sexual Infanto-Juvenil, em consonância com as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei Federal nº 8.089/96). Como resposta à emergência pública do fenômeno da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes advindos com a CPI, o Governo Federal formulou o primeiro projeto de âmbito nacional, o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, definindo diretrizes, ações prioritárias e estratégias. O plano foi deliberado pelo CONANDA em Julho de 2000, constituindo-se em diretriz nacional no âmbito das políticas de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. O plano define cinco princípios estratégicos para prevenção e redução da violência sexual contra crianças e adolescentes, a saber: (a) realização de investigação científica, visando compreender, analisar, subsidiar e monitorar o planejamento e a execução das ações de enfrentamento do fenômeno; (b) garantia do atendimento especializado às crianças e adolescentes em situação de violência 4 sexual consumada; (c) a promoção de ações de prevenção, articulação e mobilização, visando o fim da violência; (d) fortalecimento dos sistemas de defesa de direitos e de responsabilização; (e) desenvolvimento do protagonismo juvenil como meio. A concepção geral do diagnóstico construído pela equipe do CRISPUFMG e seus parceiros, para a expansão do PAIR em Minas Gerais, partiu dos princípios do Plano Nacional de Enfrentamento à ESCCA (Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes). A tradução e operacionalização dos princípios do Plano Nacional de Enfrentamento à ESCCA em uma metodologia científica e em instrumentos de coleta partiu do reconhecimento e compreensão de várias iniciativas pioneiras no país (apesar da escassa produção científica sobre violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil) que fundaram um marco teórico e metodológico sobre o tema da violência sexual e revelaram um panorama da sua incidência e prevalência nas distintas regiões do país. Destacamos algumas destas iniciativas como fundamentais na construção dos diagnósticos executados nos municípios de Uberaba, Teófilo Otoni e Itaobim: O material sobre a disseminação do PAIR produzido e disponibilizado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos e Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em especial o Diagnóstico Rápido Participativo. As pesquisas e estudos realizados pelo CECRIA, com destaque para os relatórios, “Circuitos e Curtos-Circuitos no Atendimento, Defesa e Responsabilização do Abuso Sexual contra crianças e adolescentes no Distrito Federal” (2002); “A Exploração Sexual Comercial de Meninos, Meninas e Adolescentes na América Latina e Caribe”(1999) e “Repensando os conceitos de Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes” (2000). Os trabalhos do professor Vicente de Paula Faleiros sobre o tema (Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção entre outros) merecem menção especial (1998). Outras referências essenciais foram: o relatório “Exploração Sexual comercial de crianças e adolescentes e tráfico para os mesmos fins” da Organização Internacional do Trabalho (2005); a “Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de exploração sexual comercial – Prestaf” (2002) e a Matriz Intersetorial de Enfrentamento da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, publicado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, em parceira com o UNICEF e a UnB (1999). Foram muitos os avanços produzidos por estas iniciativas, como a clarificação e definição dos conceitos de abuso e de exploração sexual contra crianças e adolescentes, possibilitando sua devida separação e distinção do termo prostituição infantil. Uma terminologia mais precisa para o abuso sexual e exploração 5 sexual possibilitou a identificação das suas diversas formas de manifestação, o reconhecimento das conseqüências psicossociais e econômicas para a vítima e sua família. Também foram detectados problemas, como a desinformação do poder público, a não integração na rede das instituições de saúde e educação que atendem crianças e adolescentes, a dificuldade de aplicação do ECA. Importante avanço foi obtido com a criação de um sistema de notificação nacional integrado (SIPIA). Outra questão fundamental foi a compreensão do abuso e da exploração sexuais de crianças e adolescentes enquanto violência implicada numa rede familiar ou de exploração à qual se deve contrapor uma rede de parcerias e políticas públicas integradas. Enfim, as práticas de violência sexual interpessoal e comercial contra crianças e adolescentes passaram a ser categorizadas segundo o marco legal do ECA como uma violação de seus direitos humanos e sexuais, e dos direitos particulares de pessoa em desenvolvimento. A partir destas contribuições foi possível a elaboração de uma base conceitual/operacional articulada e minimamente consensual para o avanço do conhecimento sobre o tema e para embasar as intervenções por parte do Estado e da sociedade. As variáveis coletadas e utilizadas neste diagnóstico foram selecionadas com base na revisão destes e de outros estudos teóricos e de pesquisas sobre o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil que detalharemos a seguir. Apesar da heterogeneidade destes estudos e pesquisas (metodologia, unidade de análise etc), há um consenso quanto à complexidade das causas do fenômeno, composta por várias dimensões que se articulam, mas têm dinâmicas próprias. Para a discussão sobre o ECA, nos valemos de trabalho realizado anteriormente (Vargas e Marinho, 2006). Mais especificamente, nos detivemos no desafio que representa a ação coordenada entre antigos e novos atores oriundos de universos sociais diferentes e portadores de cultura e visões programáticas específicas, bem como a sua articulação com diferentes parceiros para atender as demandas e necessidades das crianças e adolescentes, especialmente daquelas vivendo em situação de risco. Trabalhos, também realizados anteriormente, sobre a apreensão e o tratamento dado aos crimes sexuais pelo sistema de justiça e, em particular ao crime de estupro (Vargas, 2000 e 2004) auxiliaram-nos na investigação e no entendimento da atuação da rede de responsabilização. 6 A pesquisa “Avaliação do Programa Sentinela” (2005), executada pelo Departamento de Ciência Política e Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM) da UFMG e financiada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome sob coordenação da professora Marlise Matos, resultou na elaboração de um Índice de Elegibilidade Municipal para classificar os municípios brasileiros quanto a sua exposição à ESCCA. Este trabalho orientou nossa compreensão dos fatores de risco associados a ESCCA. Os estudos desenvolvidos pelo professor Walter Ude Marques (2001 e 2002) nos alertaram para a complexidade das redes sociais e das intervenções promovidas pelas políticas públicas (alcance e limites). Análises voltadas para fenômenos como o do trabalho infantil foram parâmetros na definição do conceito de rede, em geral, como também das redes de defesa, responsabilização e atendimento à ESCCA. Destacamos dois estudos mais recentes referentes a pesquisas realizadas em São Paulo e São José dos Campos (Nappo et.al., 2004) e em Recife (Pagano, 2006). A principal contribuição do primeiro refere-se à relação entre exploração e drogas, analisada com base na correlação entre prostituição e uso do crack, que conflui para uma maior exposição destas mulheres à contaminação por DSTs/HIV em São Paulo. O segundo estudo, por sua vez, contribuiu para a discussão da visibilidade da exploração sexual. Foram identificados como os lugares de maior visibilidade da exploração sexual infanto-juvenil, os hotéis, as praias e o aeroporto, embora a existência do fenômeno não seja reconhecida pela sociedade em geral. Importante achado neste estudo refere-se ao número reduzido de registros nas agências de proteção aos direitos da criança e do adolescente, sendo que as denúncias geralmente ocorrem quando uma das partes “descumpre o acordo previamente feito”. Especificamente para Itaobim, merece destaque o estudo do Programa Pólos de Cidadania, um de nossos parceiros neste trabalho, sob a coordenação da professora Miracy Barbosa de Souza Gustin. O “Projeto 18 de Maio” teve por objetivo construir alternativas de geração de renda para criar condições de prevenção à exploração sexual contra crianças e adolescentes. O projeto contemplou, além de Itaobim, as cidades de Araçuaí, Comercinho, Medina, Padre Paraíso, Ponto dos Volantes e Virgem da Lapa. Os resultados obtidos, com base nesta abordagem, nos levou a destacar como uma de nossas hipóteses referentes ao fenômeno a sua regionalização. Em Itaobim, o Projeto entrevistou 12 entidades componentes da rede de enfrentamento à exploração sexual infanto-juvenil. Discutiu, dentre outras coisas, aspectos que embasaram o nosso estudo como: causas para entrada e permanência de crianças e adolescentes na situação de exploração sexual; visibilidade do 7 problema; procedência e faixa etária das vítimas; localização dos pontos de exploração; perfil dos exploradores; moeda de troca; sugestões para enfrentar o problema. Também identificou e promoveu ações de protagonismo juvenil voltadas às crianças e aos adolescentes nestes municípios. Ações de mobilização local, bem como dificuldades encontradas na abordagem das crianças e adolescentes em situação de risco, em particular, nortearam metodologicamente a realização do presente diagnóstico. Todas essas discussões contribuíram para um maior entendimento do fenômeno da violência sexual e comercial de crianças e adolescentes. Explicações multidimensionais foram utilizadas para fazer face à multiplicidade de causas do fenômeno. Foram apontados aspectos de natureza estrutural como: pobreza, desigualdade social, exclusão do mercado de trabalho, falta de acesso a serviços básicos, violência, uso e tráfico de drogas, bem como aqueles de natureza cultural: valores, imaginário social, concepção de sexualidade, relações de gênero, desigualdade de poder entre os gêneros, estigma do sexo. Também foram discutidos aspectos para o enfrentamento do fenômeno, tais como mobilização da rede, participação da sociedade civil, responsabilização legal, cidadania (direitos civis, políticos e sociais) e elaboração das políticas públicas. 2.1. Documentos Referenciais do Diagnóstico a) Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) b) Comissão Parlamentar de Inquérito (1993) c) Conanda d) Sentinela e) Plano de Enfrentamento do Governo Federal (fortalecendo conselho tutelares, delegacias de proteção à infância e juventude, defensorias públicas) f) Prestraf – Pesquisa Nacional sobre o tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para exploração sexual g) PAIR – trabalho em rede – referência metodológica (artigo 86) h) Plano de Enfrentamento ao fenômeno da violência contra criança e adolescente i) Disseminação PAIR: Coleta de Dados para o Diagnóstico Estrutural dos Conselhos Tutelares - Diagnóstico rápido participativo j) Sipia – Sistema de Informação para Infância e Adolescência k) www.caminhos.ufms.br 8 2.2. O ECA e a emergência dos novos atores no enfrentamento da violência e exploração sexual infanto-juvenil Na década de 1990 os temas e problemas associados à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes ganharam projeção no espaço público brasileiro. As ações e programas desenvolvidos pelo Estado a partir de então, para prevenir e controlar de forma mais eficaz este tipo de violação dos direitos infantojuvenis partem do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece uma série de medidas protetivas para o atendimento de crianças e adolescentes. Com a elaboração do ECA, múltiplos projetos e programas foram criados, dirigidos principalmente aos adolescentes e focando questões como desemprego, profissionalização, doenças sexualmente transmissíveis, drogas, violência e crime. Grande parte dos serviços e programas executados tem caráter misto, ou seja, executam as medidas protetivas definidas no Estatuto da Criança e Adolescente a partir de parcerias entre setores da sociedade civil e do Estado. Diversos atores passam debater e atuar de forma conjunta sobre os temas que envolvem a Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes (ESCA) – Estados, prefeituras, Ongs, empresas e fundações privadas, conselhos gestores e outros. 2.3. Conceito de Rede As redes não são invenções abstratas, mas partem da articulação de atores/organizações-forças existentes no território para uma ação conjunta multidimensional com responsabilidade compartilhada (parcerias) e negociada. Esta definição de redes pressupõe uma visão relacional dos atores/forças numa correlação de poder onde a perspectiva da totalidade predomina sobre a da fragmentação. Supõe também que as redes são processos dinâmicos e não organismos burocráticos formais, mas onde se cruzam (como numa rede) organizações do Estado e da sociedade. A rede é, pois, uma aliança de atores/forças, num bloco de ação, ao mesmo tempo, político e operacional. As redes como mecanismos de gestão democrática compartilham o poder de decisão entre os atores, pela interação comunicativa, transparência das propostas, coordenação legitimada, ação compartilhada e avaliação coletiva. 9 O foco do trabalho em redes não é um problema imediato, isolado, mas a articulação de sujeitos/atores/forças para propiciar poder, recursos, dispositivos para a ação, a auto-organização e a auto-reflexão do coletivo dos atores/instituições participantes. Quando se trata de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes, falamos em três níveis ou três tipos de redes, cada um caracterizado pela função singular a ser exercida. São eles: responsabilização, defesa dos direitos e atendimento. A rede de Responsabilização é composta pelas Delegacias de Polícia, Delegacias Especializadas (de Proteção à Criança e ao Adolescente, e da Mulher), Instituto Médico Legal, Varas Criminais, Vara da Criança e do Adolescente ou da Infância e Juventude, Delegacia da Criança e do Adolescente e Ministério Público. Suas funções são: responsabilizar judicialmente os autores de violações de direitos, proteger a sociedade, fazer valer a lei. Pode determinar como pena o atendimento ao réu. A rede de Defesa de Direitos é composta pelos Conselhos Tutelares, Varas da Infância e da Juventude, Ministério Público, Defensoria Pública e Centros de Defesa. Suas funções são: defender e garantir os direitos de todos os implicados na situação de violência sexual notificada, protegendo-os de violações a seus direitos. Para tal, tem o poder de, com força da lei, determinar ações de atendimento e de responsabilização. A rede de Atendimento é composta pelas instituições executoras de políticas sociais (de saúde, educação, assistência, trabalho, cultura, lazer, profissionalização) e de serviços e programas de proteção especial, bem como por ONGs que atuam nestas áreas. Suas funções são: dar acesso a direitos a políticas sociais e de proteção, prestar serviços, cuidar e proteger. Deve dar cumprimento a determinações oriundas do Fluxo de Defesa de Direitos e do Fluxo de Responsabilização, bem como prestar-lhes informações. 3. Objetivo do Diagnóstico O diagnóstico visa à adequada descrição do problema e da rede de proteção nos municípios selecionados para informar e embasar as discussões do Seminário de sensibilização e adesão e das oficinas de planejamento, próximas etapas do PAIR-MG. 10 3.1. Objetivos Específicos a) Caracterizar o município de Teófilo Otoni - identificar e caracterizar as comunidades mais atingidas pelo fenômeno da exploração - quanto à sua história e desenvolvimento, quanto aos aspectos sócio-demográficos, serviços de infra-estrutura urbana, padrões de renda, escolaridade, saúde, mercado de trabalho e índice de desenvolvimento humano, bem como quanto à incidência de violência. b) Caracterizar a rede de proteção às crianças e aos jovens quanto a: • Percepções em relação à exploração sexual infanto-juvenil - história, causas, origem das crianças e adolescentes em situação de exploração, freqüência das ocorrências, visibilidade do problema, sugestões de enfrentamento, programas adotados e avaliação da efetividade destes. • Organizações de jovens em cada município. • Situação estrutural e institucional da rede de atendimento defesa e responsabilização voltadas para a criança e o adolescente – pessoal e qualificação, planejamento, atividades, etc. • Fluxo de atendimento da rede de proteção social (caminhos da notificação, atores chaves, etc). • Uso e gestão da informação • Interação e articulação da rede para o enfrentamento do fenômeno. Entraves/dificuldades na articulação da rede. Sugestões de aprimoramento. c) Constituir base de dados georreferenciados quanto à: • Identificação da distribuição espacial do fenômeno da exploração sexual infantil. • Identificação da distribuição de demais crimes violentos. • Identificação da distribuição das redes de atendimento. • Sobreposição destas informações e das características econômicas e sociais do município. 11 4. Hipótese O artigo 861 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que define o trabalho em rede, é a referência metodológica do PAIR. O maior desafio do Plano Nacional de Enfrentamento à violência e exploração sexual infanto-juvenil é a ação coordenada entre antigos e novos atores oriundos de universos sociais diferentes e portadores de cultura institucional e visões programáticas específicas. 4.1. Hipóteses específicas 1) O fenômeno se distribuiu regionalmente 2) O fenômeno da violência sexual e da exploração apresenta características diferenciadas quanto ao local de ocorrência, tipo de agressor envolvido, tipo de percepção da agressão, visibilidade. 3) O fluxo legal definido no Estatuto da Criança e do Adolescente não corresponde ao fluxo real de atendimento e de proteção (baixa articulação deste) 4) A gestão da informação não é centralizada, os documentos de registros não contemplam informações fundamentais, há duplicação de registros, a informação não é utilizada na ação. 5) Os Conselhos Tutelares – principal novo ator da rede, constitui um dos pontos do gargalo do fluxo. 6) Falta de comunicação e dificuldade de integração da rede voltada para o atendimento, defesa e responsabilização. 7) Dificuldade de integração da rede geral de proteção – órgãos governamentais e não governamentais. 8) Não há ainda a integração de fato na rede das instituições que atuam na ponta da rede: escolas e postos de saúde, polícia rodoviária. 9) Não há, nos municípios estudados, a conscientização de atores chaves na exploração: (agentes de transporte, de turismo, donos de postos, etc.) 10) Identificação de diferenças significativas entre os três municípios estudados, quanto à: visibilidade do fenômeno, natureza do fenômeno, estruturação da rede, estruturação da rede de proteção. Identificação de semelhanças quanto à disparidade entre o fluxo ideal e real, dificuldade de articulação da rede voltada para o jovem e adolescente bem como da rede de proteção em geral. 1 “Art. 86 - A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. 12 5. Discussão Metodológica do Diagnóstico A metodologia da pesquisa é considerada como um processo que busca o conhecimento implicado no enfrentamento de uma realidade complexa e que não se desvela à primeira vista, exigindo-se, pois, a combinação de referências teóricas e de técnicas que dêem conta da questão colocada como objeto de investigação. Para capturar o objeto – a rede de enfrentamento à violência contra a criança e o adolescente - e dar conta da questão dos fluxos da notificação foram escolhidos: a consulta a fontes documentais (sobre fenômeno e a rede), a elaboração de questionários institucionais e entrevistas com representantes das redes de defesa, atendimento e responsabilização, além do geoprocessamento dos dados e roteiro de observação. Para tentar obter uma compreensão mais aprofundada sobre a dinâmica da violência sexual e comercial contra crianças e adolescentes no município de Teófilo Otoni, a metodologia aqui utilizada buscou compreender três principais temas, a saber: 1. Caracterização do município: procurou-se, a partir de fontes secundárias, caracterizar o município sob o ponto de vista sócio-econômico e demográfico, analisando a distribuição da população segundo faixa etária, gênero, educação, renda, habitação e vulnerabilidade social, uma vez que essas variáveis estão associadas à incidência do fenômeno da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes no município. Idade e gênero são variáveis fundamentais para a compreensão do fenômeno, uma vez que crianças e adolescentes do sexo feminino apresentam índices mais altos de incidência do fenômeno. Procurou-se, também, traçar um panorama mais amplo da criminalidade local, fazendo uso dos registros oficiais das polícias Civil e Militar. Nesse sentido, foram analisados registros de ocorrências (estatísticas de crimes contra a pessoa, costumes e patrimônio) com o objetivo de caracterizar o município quanto à incidência da criminalidade e da vitimização de sua população. Uma das informações novas mostradas refere-se ao chamado Índice Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS), em especial sua dimensão segurança pública, produzido pela Fundação João Pinheiro para avaliar a situação de Teófilo Otoni. A dimensão de segurança pública do IMRS é composta por cinco temas: criminalidade, capacidade de aplicação da lei, medidas de prevenção, de produtividade do sistema de justiça criminal além da gestão municipal do problema. Através de seus componentes, procura-se caracterizar o município sob o ponto de vista da segurança pública, uma vez que essas variáveis são consideradas importantes para a compreensão do fenômeno. Para a caracterização do município e para análise georeferenciada foi 13 utilizado um índice de vulnerabilidade social. Partimos do pressuposto de que a construção de um indicador de vulnerabilidade social permite ao gestor público e à sociedade uma visão mais detalhada das condições de vida do seu município, com a identificação e a localização espacial das áreas que abrigam os segmentos populacionais mais vulneráveis à pobreza. Este indicador, que será detalhado mais a frente, também constituiu novidade neste tipo de análise e foi baseado na metodologia utilizada pela Fundação SEADE do Estado de São Paulo para a construção do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. 2. Caracterização do Fenômeno: a partir das entrevistas realizadas com nossa população alvo – atores da rede de defesa, atendimento e responsabilização da violência sexual contra a criança e o adolescente constituída no município em 2006 - buscamos caracterizar o abuso e a exploração sexuais contra criança e adolescente através dos instrumentos de pesquisa elaborados especificamente para este fim pela equipe do diagnóstico, quais sejam: 1. Entrevistas semi-estruturadas com os atores da rede. Entrevistamos 8 instituições componentes da rede de defesa/responsabilização e atendimento. 2. Questionários auto-respondidos pelas instituições componentes da rede. Entregamos 11 questionários e recolhemos 8 questionários. 3. Coleta de dados para os casos de violência sexual e drogaditos contra crianças e adolescentes registrados pelo Conselho Tutelar no ano de 2006. Foram coletadas informações sobre perfil das vítimas e dos agressores, local de residência das vítimas e local de ocorrência da violação, relacionamento entre vítimas e agressores, tipo de encaminhamento realizado por essas instituições, dentre outras. 4. Georreferenciamento dos pontos de prostituição e de venda de drogas visando à: identificação da distribuição espacial do fenômeno da exploração sexual infantil nos municípios, a identificação da distribuição de demais crimes violentos, a identificação da distribuição das redes de atendimento e a sobreposição destas informações e das características econômicas e sociais de cada município. 14 3. Caracterização da Rede: descrever e compreender a rede de proteção às crianças e aos jovens quanto a: percepções em relação à exploração sexual infanto-juvenil - história, causas, origem das crianças e adolescentes em situação de exploração, freqüência das ocorrências, visibilidade do problema, sugestões de enfrentamento, programas adotados e avaliação da efetividade destes. Situação estrutural e institucional da rede de atendimento, defesa e responsabilização voltadas para a criança e o adolescente – recursos humanos, financeiros, uso e gestão da informação no planejamento das atividades. A interação e articulação da rede para o enfrentamento do fenômeno e seus entraves - dificuldades também são contempladas nesta seção. Para analisarmos os dados coletados utilizamos softwares adequados a cada metodologia. Para a análise de conteúdo das entrevistas estruturadas e dos grupos focais, usamos o NUDIST, versão 6.0. Para a tabulação das respostas dos questionários, usamos o SPSS, versão 14.0. por último, para georreferenciar os pontos de prostituição, de drogaditos, as sedes das instituições componentes da rede e demais informações mapeadas, usamos o MAPINFO, versão 6.5. Desta forma, garantimos a confiabilidade das análises aqui empreendidas e, consequentemente, dos resultados aqui encontrados. 15 PARTE II – Caracterizando o Município de Teófilo Otoni 1. Caracterização do território Teófilo Otoni é um dos 853 municípios que compõem o Estado de Minas Gerais. Localizado a 485 km da capital, geograficamente é sede da microrregião de Teófilo Otoni e faz parte da mesorregião do Vale do Mucuri. Como sede da mesorregião Vale do Mucuri, para ela convergem os interesses de dois outros vales: São Mateus e Jequitinhonha. Figura 1 – Localização de Teófilo Otoni no território de Minas Gerais Fonte: www.ibge.gov.br O município de Teófilo Otoni, junto com Malacacheta e Nanuque, destacam-se como os principais pólos econômicos da região do Vale do Mucuri, além de estar entre os 20 municípios mineiros com população superior a 100.000 habitantes. Teófilo Otoni situa-se na BR-116 Rio-Bahia, e também na confluência com outras rodovias estaduais e federais, como mostra a figura anterior. Esta localização é fator de risco permanente. Entendemos que a localização do município próximo a essas vias de tráfego intenso, em grande parte de caminhões, atua fortemente para promover o problema da exploração sexual infanto-juvenil, foco desse estudo. 16 Conforme veremos, muitos dos agressores são caminoneiros que se envolvem sexualmente com crianças e adolescentes durante o trajeto que leva de um ponto a outro em suas viagens. Um outro fator de risco permanente são as feiras de negócio de pedras e os garimpos de pedras nas proximidades do município que concentram homens e dinheiros. Riscos temporários também podem ocorrer. Trata-se, principalmente, de instalação de programas ou obras que trazem para o município um contingente de trabalhadores masculinos instalados temporariamente, incentivando o incremento de casas de prostituição nesses novos locais e, ao mesmo tempo, o incremento da exploração sexual infantil. Figura 2- Malha Rodoviária de Teófilo Otoni e região Fonte: www.dner.mg.gov.br 2. Demografia De acordo com dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, da Fundação João Pinheiro, a população de Teófilo Otoni passou de 130.017 em 1991 17 para 129.424 em 2000, o que representa uma estabilidade demográfica, em um período de nove anos. Já de acordo com dados do IBGE, no período de 2000 a 2006, houve uma diminuição média de -0,2% ao ano. A densidade demográfica correspondia, em 2000, a 39,7 hab/ km², e 38,26 hab/km² em 2005. O gráfico a seguir demonstra a evolução do desenvolvimento demográfico de Teófilo Otoni, no período de 1997 a 2006. Gráfico 1 – Comportamento demográfico de Teófilo Otoni – 1997 a 2006 130.000 129.000 População 128.000 127.000 126.000 125.000 124.000 123.000 122.000 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Anos Fonte: IBGE, Censos e Estimativas / Data SUS Nota-se um comportamento demográfico decrescente entre os anos de 1997 a 1999, seguido de um grande crescimento no ano 2000. Já em 2000, a população foi calculada através do censo. Após o ano 2000, observa-se estabilidade do número de habitantes. A tabela a seguir mostra a diminuição da população de Teófilo Otoni, assim como sua distribuição entre o meio urbano e o rural, nos anos 1991 e 2000, e suas respectivas taxas de urbanização nestes períodos. A taxa de urbanização cresceu 2,15%, passando de 77,77% em 1991 para 79,44% em 2000. Tabela 1 – Crescimento populacional e taxa de urbanização. População por Situação de Domicílio 1991 2000 População Total 130.017 129.424 Urbana 101.111 102.812 Rural 28.906 26.612 Taxa de Urbanização 77,77% 79,44% Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano, Fundação João Pinheiro. 18 O gráfico a seguir mostra a distribuição da população de Teófilo Otoni no ano de 2006, por faixa etária. Observa-se que na cidade há predominância da população jovem, já que 36.743 pessoas (28,36%) tem entre 0 e 14 anos, 14.294 pessoas (11,2%) têm entre 15 e 19 anos e 21.772 (17,1%) entre 20 a 29, contra apenas 14.103 pessoas com 60 anos ou mais (11,05%). Gráfico 2 – Composição da população por faixa etária em 2006 25.000 População 20.000 15.000 10.000 5.000 0 Menor 1 1a4 5a9 10 a 14 15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 80 e + Idade Fonte: IBGE, Censos e Estimativas/ DataSUS. 3. Renda e Infra-Estrutura Econômica Em 2000, 39,8% da população residente em Teófilo Otoni era considerada pobre, sendo que a média de renda per capita (por pessoa) correspondia a R$210,30. O índice de Gini para o município apresentava valor igual a 0,61, mensurando que a desigualdade social no município é a mesma da média estadual (0,61). Porém, a população considerada pobre está 10 pontos percentuais acima da média estadual (29,8%), e também há uma grande diferença quando comparada a renda média per capita de Teófilo Otoni com a do Estado, que é de R$ 276,60. O mapa seguinte mostra a variação por quartis, ou seja, o tom mais claro indica renda per capita mais baixa, enquanto o tom mais escuro indica renda per capita mais alta. Teófilo Otoni se situa na terceira faixa, indicando que regionalmente é um dos municípios cuja população possui renda per capita mais alta. 19 Mapa 1- Distribuição da renda per capita de Teófilo Otoni – Minas Gerais, 2000 Noroeste Noroeste Jequitinhonha Jequitinhonha Teófilo Otoni Otoni Teófilo Rio Doce Alto São São Francisco Francisco Triângulo/Alto Paranaíba Metalúrgica/ das Vertente Campo Campo das Zona da Mata Zona Mata Sul de Minas ∗ 0 125 250 Renda per capita em 2000 Minas Gerais acima de 258 reais de 187 até 258 reais de 129 até 187 reais até 129 reais (115) (243) (246) (249) Quilômetros Fonte: IBGE, 2000/ CRISP-UFMG Observando o gráfico seguinte, com a distribuição salarial da População Economicamente ativa (PEA), notamos que, em 2001, a grande maioria da população de Teófilo Otoni recebia até 3 salários mínimos (cerca de 78%), enquanto menos de 5% recebem mais de 10 salários mínimos. Os homens ganhavam R$ 529,79 em média, por mês, enquanto as mulheres recebiam R$ 342,05 em média, por mês. Ou seja, a média salarial de Teófilo Otoni era de aproximadamente R$ 446,22 e os homens ganhavam, em média, R$187,74 a mais que as mulheres. 20 Gráfico 3 – Distribuição salarial da PEA em Teófilo Otoni – 2001 1% 4% 8% até 1 salário mínimo 9% mais de 1 a 2 salários mínimos 48% 8% mais de 2 a 3 salários mínimos mais de 3 a 5 salários mínimos mais de 5 a 10 salários mínimos mais de 10 a 20 salários mínimos mais de 20 salários mínimos 22% Fonte: IBGE, Censos e Estimativas A desigualdade social em Teófilo Otoni, assim como nos demais municípios brasileiros, torna-se ainda mais nítida quando observamos dados referentes à porcentagem de renda apropriada por estratos da população. De acordo com os indicadores mostrados na tabela a seguir, os 20% mais ricos do município detinham 65,4% da renda local, enquanto os 20% mais pobres detinham apenas 2,2% do dinheiro circulante na cidade, em 2000. Se compararmos com 10 anos anteriores, notaremos que a desigualdade teve uma leve redução neste município, enquanto se manteve praticamente estável em Minas Gerais. Tabela 2 – distribuição salarial entre os estratos populacionais Teófilo Otoni Minas Gerais 1991 2000 1991 2000 2,8 2,2 2,5 2,2 20% mais pobres 8,2 8 8 8 40% mais pobres 17 17,5 17,4 17,7 60% mais pobres 32,7 34,6 34,1 34,3 80% mais pobres 67,3 65,4 65,8 65,7 20% mais ricos Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil/ Fundação João Pinheiro, PNUD, IBGE Faixas populacionais 4. Educação Em 2006, de acordo com o IBGE, a rede pré-escolar de ensino contava com 46 escolas, sendo 30 escolas públicas municipais, com 1.864 matrículas e 16 da rede privada, com 561 matrículas, num total de 2.445 matrículas. As escolas da rede pública apresentavam um total de 103 professores e da rede privada, 56. Teófilo Otoni não possui escolas da rede pública estadual ou federal de ensino pré-escolar. Nesse mesmo ano, havia 26.867 matrículas no Ensino Fundamental em Teófilo Otoni, sendo que 17.181 crianças estavam matriculadas em escolas públicas estaduais, que são 46 no total e contam com 965 professores; 7.974 divididas em 36 21 escolas públicas municipais e com 419 professores; e 1.712 matrículas em escolas privadas, que são 15 no total e têm um quadro de 163 professores. Teófilo Otoni não tem escolas públicas federais de ensino fundamental. Já no Ensino Médio, em 2006, havia 7.112 matrículas, sendo que 6.387 jovens estavam matriculados em escolas públicas estaduais e somente 725 em escolas privadas. A cidade não tem escola pública federal ou municipal de ensino médio. São 14 escolas da rede pública estadual, que conta com 307 professores, e 6 escolas privadas, com 82 professores no total. Em 2006, Teófilo Otoni tinha apenas escolas privadas de Ensino Superior, sendo 6 no total. Foram registradas 3.675 matrículas nestas instituições, que contam com um corpo docente de 187 professores. De acordo com informações do site da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em 2002, Teófilo Otoni contava com cursos profissionalizantes tais como magistério de 1º grau, técnico em enfermagem, técnico em informática, técnico em patologia clínica, técnico em radiologia médica e rádio-diagnóstico. Já o ensino superior contava com as habilitações em administração de empresas, ciências biológicas, ciências sociais, direito, letras e pedagogia. A tabela a seguir ilustra o nível educacional da população jovem de Teófilo Otoni, de acordo com faixa etária e tempo de estudo. É notável a diferença entre os anos de 1991 a 2000, principalmente a redução da taxa de analfabetismo e o grande aumento da porcentagem de jovens com freqüência escolar, principalmente entre 15 e 17 anos. Tabela 3 - Nível educacional da população jovem Nível Educacional da População Jovem, 1991 e 2000 Faixa etária Taxa de analfabetismo % com menos de 4 anos de estudo % com menos de 8 anos de estudo % freqüentando a escola 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 7 a 14 anos 26,3 9,2 - - - - 78,3 95,4 10 a 14 anos 14,2 4 67,2 43 - - 79,8 95,1 15 a 17 anos 9,6 2,6 35,1 11,3 89,4 59,3 56,5 80,7 18 a 24 anos 9,8 5 24,2 16,2 16,2 72,3 - - Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil/ Fundação João Pinheiro, PNUD, IBGE A próxima tabela evidencia dados referentes à população adulta e seu nível educacional. A taxa de analfabetismo que em 1991 era de 31,8%, passou para 22,8% em 2000, uma redução de 9%. A média de anos de estudo também obteve 22 melhora, passando de 4,2 para 5,3 anos, um aumento de 1,1 ano no tempo total de estudo. Tabela 4 - Nível educacional da população adulta Nível Educacional da População Adulta (25 anos ou mais), 1991 e 2000 % com menos de 4 anos de estudo 1991 31,8 50,7 2000 22,8 40,2 % com menos de 8 anos de estudo 77,7 69,3 4,2 5,3 Taxa de analfabetismo Média de anos de estudo Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil/ Fundação João Pinheiro, PNUD, IBGE O gráfico a seguir ilustra o tempo de estudo da população de Teófilo Otoni, de acordo com a faixa etária. Mais de 36% das pessoa possuem entre 4 a 7 anos de estudo, o que corresponde ao ensino básico e fundamental, isto é, cursaram até a oitava série. Gráfico 4 – Tempo de estudo e faixa etária 40.000 36.174 35.000 População 30.000 25.000 sem instrução e menos de 1 ano de estudo 1 a 3 anos de estudo 4 a 7 anos de estudo 8 a 10 anos de estudo 11 a 14 anos 15 anos ou mais de estudo 20.425 20.000 15.303 14.520 15.000 15.195 10.000 5.000 3.486 0 1 Tempo de Estudo Fonte: Fundação Instituto de Geografia e Estatística – IBGE Entendemos que a permanência de uma criança na escola é um fator protetivo a situações de risco de vitimização como um todo e, principalmente, no nosso caso, da violência sexual. Numa escala de 1 a 4, onde 1 estão os municípios com baixo percentual de crianças entre 10 e 14 anos com mais de 1 ano de atraso escolar e 4, onde estão os municípios com alto percentual de crianças com mais de 1 ano de atraso escolar, Teófilo Otoni encontra-se no nível 3 - ou seja, pouco mais de 1/3 das crianças entre 10 e 14 anos estão com 1 ano ou mais de atraso escolar. 23 Comparando com os municípios mais próximos, Teófilo Otoni encontra-se no mesmo nível, nem abaixo, nem acima dos vizinhos. Mapa 2 - Percentual de Crianças entre 10 e 14 anos com mais de um ano de atraso escolar – Minas Gerais, 2000 Noroeste Noroeste Jequitinhonha Jequitinhonha Teófilo Teófilo Otoni Otoni Rio Doce Doce Rio Alto São São Francisco Francisco Alto Triângulo/Alto Paranaíba Metalúrgica/ Metalúrgica/ Campo Campo das das Vertente Vertente Zona da da Mata Mata Zona % de crianças de 10 a 14 com mais de 1 ano de atraso escolar de Minas Minas Sul de ∗ 0 125 250 mais de 41.5% de 31.4% até 41.5% de 23.6% até 31.4% até 23.6% (131) (218) (272) (232) Quilômetros Fonte: IBGE, 2000/ CRISP-UFMG Na comparação das taxas de abandono escolar de Teófilo Otoni com as taxas de Minas Gerais, da região Sudeste e do Brasil em 2004 observa-se que essas são mais elevadas do que as taxas nacionais, regionais e estaduais, tanto para o ensino médio como para o fundamental. Como já afirmado, a permanência de crianças e adolescentes no sistema de ensino formal é compreendida como fator protetivo contra o problema de violência sexual e de vitimização de modo geral. Se fora da escola estes encontram-se expostos ao trabalho infantil ou à exploração sexual infanto-juvenil. Destacamos, portanto, esta informação para o enfrentamento da violência e exploração sexual infanto-juvenil no município. 24 Gráfico 5 – Taxa de Abandono Escolar nos Ensinos Fundamental e Médio (2004) Brasil, Sudeste, Minas Gerais e Teófilo Otoni Ensino Fundamental 20,0% 16,0% 16,0% Taxa de Abandono Escolar (%) 18,1% Ensino Médio 18,0% 15,9% 14,0% 11,8% 12,0% 11,0% 10,0% 8,3% 8,0% 6,4% 6,0% 4,0% 4,0% 2,0% 0,0% Brasil Sudeste Minas Gerais Teófilo Otoni Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/ MEC 5. Saúde Valendo-se do baixo índice de desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha e do Vale do Mucuri, a cidade acabou se tornando uma referência no comércio regional, atraindo moradores das cidades vizinhas. O mesmo se aplica para o caso da saúde pública, em que os demais municípios transferem boa parte de seus moradores doentes para Teófilo Otoni. Para a caracterização do município em relação à saúde, alguns dados são interessantes a serem destacados. As tabelas abaixo mostram o abastecimento de água da cidade, o tipo de instalação sanitária e as formas de coleta de lixo, em uma comparação entre os anos 1991 e 2000. Teófilo Otoni contava, em 2005, com 65 estabelecimentos de saúde no total, sendo que 29 deles são públicos. Destes, 26 são públicos municipais e 3 públicos estaduais. Os outros 36 estabelecimentos de saúde são do tipo privado, sendo que 33 estabelecimentos têm fins lucrativos e 3 deles são do tipo sem fins lucrativos. Com atendimento pelo SUS, são 46 no total, sendo que 5 deles possuem internação. São 26 estabelecimentos com internação, sendo que um é do tipo público e 25 privados. Estabelecimentos sem internação são 26 públicos e 10 privados. Em 2005, Teófilo Otoni possuía 417 leitos em estabelecimentos de saúde no total, sendo que 66 deles estavam em estabelecimentos de saúde pública e 351 na rede privada, mas com atendimento pelo SUS. Em relação a emergências, a cidade possuía 2 unidades de atendimento, uma com atendimento emergencial em pediatria e uma com 25 obstetrícia. Também atendem emergências clínicas, traumatológicas e ortopédicas, cirúrgicas e neurocirúrgicas. Possui ainda 1 estabelecimento que presta atendimento ao SUS para CTI e 3 para diálises. No ano 2000, o Programa Saúde da Família (PSF) atendia a 11.114 pessoas em Teófilo Otoni, o que correspondia a 8,6% da população. Neste mesmo ano, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) atendia a 629 pessoas, 0,5% da população. Em 2005, o número de pessoas atendidas pelo PSF passou para 47.560, o que correspondia a 37,2% da população e o PACS passou a atender 8.988 pessoas, isto é, 7% da população de Teófilo Otoni. Foram registrados 23 óbitos hospitalares de crianças até 1 ano de idade em 2005, sendo 15 do sexo masculino e 8 do sexo feminino. As principais causas de mortalidade infantil registradas foram algumas doenças originadas no período perinatal (77,8%), doenças do aparelho respiratório (4,8%) e doenças infecciosas e parasitárias (4,8%). Entre crianças de 1 a 14 anos de idade, foram registradas 14 mortes hospitalares, sendo 5 do sexo feminino e 9 do sexo masculino. Neste grupo, as principais causas de mortalidade foram causas externas de morbidade e mortalidade, doenças do aparelho respiratório, doenças infecciosas e parasitárias. A despesa total com saúde por habitante era de R$ 138,21 em 2001, subindo para R$ 214,70 em 2004. A despesa com recursos próprios, que em 2001 era de R$ 42,04 em média por habitante, subiu para R$ 60,22. Já a transferência do SUS passou de R$ 96,17 em 2001 para R$ 147,94 em 2004, por habitante. A tabela abaixo mostra os indicadores para causas de internações registradas em Teófilo Otoni, em 2005, por faixa etária. Chamamos a atenção para o percentual de 73,1% das causas de internações entre adolescentes de 15 a 19 anos referir-se à “gravidez, parto e puerpério”, indicando o alto índice de adolescentes grávidas no município. Entendemos que esta informação está diretamente ligada à temática da violência sexual juvenil e, por isso, deve ser destacada: 26 Tabela 5 – Distribuição Percentual das Internações por Grupo de Causas e Faixa Etária CID-10/ local de residência da vítima/ 2005 Capítulo CID I. Algumas doenças infecciosas e parasitárias II. Neoplasias (tumores) III. Doenças sangue órgãos hemat e transt imunitár IV. Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas V. Transtornos mentais e comportamentais VI. Doenças do sistema nervoso VII. Doenças do olho e anexos VIII.Doenças do ouvido e da apófise mastóide IX. Doenças do aparelho circulatório X. Doenças do aparelho respiratório XI. Doenças do aparelho digestivo XII. Doenças da pele e do tecido subcutâneo XIII.Doenças sist osteomuscular e tec conjuntivo XIV. Doenças do aparelho geniturinário XV. Gravidez parto e puerpério XVI. Algumas afec originadas no período perinatal XVII.Malf cong deformid e anomalias cromossômicas XVIII.Sint sinais e achad anorm ex clín e laborat XIX. Lesões enven e alg out conseq causas externas XX. Causas externas de morbidade e mortalidade XXI. Contatos com serviços de saúde CID 10ª Revisão não disponível ou não preenchido Total Fonte: SIH/SUS Menor 1 17,0 0,2 0,2 1,1 1,6 0,7 22,0 3,0 0,5 1,4 43,8 3,7 3,2 1,4 0,2 100,0 1a4 25,9 2,2 1,2 5,0 3,4 0,2 0,2 0,7 33,8 7,9 1,7 1,2 3,1 0,5 2,6 3,4 6,5 0,2 0,2 100,0 5a9 14,2 3,1 1,2 5,1 2,8 0,4 2,4 15,7 19,7 2,8 4,3 5,5 2,0 2,0 18,9 100,0 10 a 14 5,9 4,0 3,0 7,9 5,0 5,4 7,4 16,8 2,0 1,5 5,9 7,9 0,5 4,0 0,5 22,3 100,0 15 a 19 1,2 1,7 0,5 0,9 0,1 1,3 1,5 2,2 3,4 0,8 1,6 2,9 73,1 0,4 0,8 7,4 100,0 20 a 49 2,7 3,9 0,7 3,3 0,8 2,5 0,1 0,0 15,0 5,3 12,9 1,1 1,6 7,1 34,3 0,2 1,4 6,9 0,2 100,0 50 a 64 4,0 6,0 0,8 8,8 0,1 1,4 0,2 32,0 11,6 16,0 2,8 2,1 7,8 0,1 0,1 1,4 4,6 0,1 100,0 65 e mais 5,3 3,8 1,5 9,8 0,1 1,2 32,2 18,6 10,9 2,3 2,1 6,7 1,4 3,9 0,2 100,0 6. Assistência Social As principais instituições que atendem crianças e adolescentes em Teófilo Otoni, de acordo com questionários aplicados na reunião do PAIR-MG são o Ministério Público, Conselho Tutelar, órgãos da Prefeitura Municipal, Secretaria Municipal de Educação, Programa Sentinela, Conselho Regional de Assistência Social (CRAS), Secretaria Desenvolvimento Sócio Econômico (SEDESE), HSUP, Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Mucuri (AMUC), Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e Casa Ninho. De acordo com dados do IBGE, em 2005, não havia uma definição legal de percentual do orçamento do município para assistência social. Porém, o valor total previsto para o município para assistência social foi de R$ 80.000.000,00, sendo que R$ 2.168.00,00 era o valor previsto de recursos próprios do município destinados à Função de Assistência Social. O valor previsto dos recursos próprios do município destinado ao Fundo Municipal de Assistência Social era de R$ 10.000,00, sendo que este recurso em alguns municípios pode ser obtido em conjunto com outra política. Em 2004, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a estimativa de famílias pobres, isto é, com renda per capita familiar de até R$ 120,00 era de 9.898 famílias, que se encaixam no Perfil Bolsa Família. As que se enquadravam no perfil Cadastro Único, isto é, aquelas famílias com renda per capita familiar de até R$ 175,00 eram 15.441 famílias. Porém, o total 27 60 e mais 5,0 4,2 1,4 9,7 0,0 1,2 32,6 17,5 11,7 2,4 2,0 6,9 1,3 3,9 0,1 100,0 Total 5,1 3,8 0,9 5,2 0,4 2,1 0,1 0,0 17,8 10,5 11,9 1,6 1,7 6,4 22,0 1,9 0,5 1,5 6,4 0,0 0,2 100,0 de famílias cadastradas foi 18.773 no perfil Cadastro Único, e 17.706 no Perfil Bolsa Família. Os benefícios liberados para o Perfil Bolsa Família correspondem a um total de 11.710. O número de benefícios liberados para famílias beneficiárias da Bolsa Escola foi de 227 e 1.750 famílias foram beneficiadas com o Auxílio Gás. 7. Desenvolvimento Humano O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal é calculado a partir de outros três índices – o IDH-Educação, o IDH-Renda e o IDH-Longevidade. Em 2000, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Teófilo Otoni era de 0,742 enquanto o IDH de Minas Gerais era de 0,773. Segundo a classificação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o município está entre as regiões consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8). Os IDHs-Educação, Renda e Longevidade apresentavam respectivamente os valores de 0,814, 0,666 e 0,746. Para Minas Gerais, o valor do IDH-Educação era de 0,850, o IDH-Renda correspondia a 0,711 e o IDH-Longevidade possuía valor igual a 0,759. Esses indicadores partem do princípio de quanto mais próximo do valor 1 melhor é a qualidade de vida da população de um determinado território. Assim sendo, podemos inferir que a qualidade de vida de Teófilo Otoni é um pouco inferior à qualidade de vida dos mineiros como um todo, principalmente em relação ao IDH-Renda. Tabela 6 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal e seus componentes 1991 2000 IDH – Teófilo Otoni 0,651 0,742 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal 0,702 0,814 Educação 0,64 0,746 Longevidade 0,612 0,666 Renda Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil/ Fundação João Pinheiro, PNUD, IBGE No período 1991-2000, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Teófilo Otoni cresceu 13,98%, passando de 0,651 em 1991 para 0,742 em 2000. A dimensão que mais contribuiu para este crescimento foi a Educação, com 41,2%, seguida pela Longevidade, com 39,0% e pela Renda, com 19,9%. Neste período, o hiato de desenvolvimento humano (a distância entre o IDH do município e o 28 limite máximo do IDH, ou seja, 1 - IDH) foi reduzido em 26,1%. Em relação aos outros municípios do Estado, Teófilo Otoni apresenta uma situação intermediária: ocupa a 343ª posição, sendo que 342 municípios (40,1%) estão em situação melhor e 510 municípios (59,9%) estão em situação pior ou igual. Através do gráfico a seguir, é possível observar a situação do IDHMunicipal, IDH-Educação, IDH-Longevidade e IDH-Renda em 2000. Comparando com os municípios vizinhos, Teófilo Otoni se destaca, com IDH superior aos demais. O que é importante chamar atenção aqui é o entorno de Teófilo Otoni especialmente a noroeste do município que tem IDH muito baixo e, portanto alta vulnerabilidade. Esta informação é de importância fundamental para permitir reflexão a respeito da regionalização do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil, que será abordado mais adiante. Por outro lado, Teófilo Otoni se destaca como centro de serviços e atendimentos para a região. Mapa 3 – Distribuição do Índice de Desenvolvimento Humano – Municípios de Minas Gerais (2000) Noroeste Noroeste Jequitinhonha Jequitinhonha Teófilo Teófilo Otoni Otoni Rio Rio Doce Doce Alto Alto São São Francisco Triângulo/Alto Triângulo/Alto Paranaíba Paranaíba Metalúrgica/ Metalúrgica/ das Vertente Campo das Zona da da Mata Mata Zona Sul Sul de de Minas Minas ∗ 0 125 250 Índice de Desenvolvimento Humano - IDH-M Minas Gerais - 2000 acima de 0.765 de 0.719 até 0.765 de 0.664 até 0.719 até 0.664 (191) (276) (230) (156) Quilômetros Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2000. 29 8. Índice de Vulnerabilidade Social Foi dito que a construção de um indicador de vulnerabilidade social permite ao gestor público e à sociedade uma visão mais detalhada das condições de vida do seu município, com a identificação e a localização espacial das áreas que abrigam os segmentos populacionais mais vulneráveis à pobreza. Este indicador se baseou na metodologia utilizada pela Fundação SEADE do Estado de São Paulo para a construção do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. De acordo com a metodologia original, este indicador se baseou em dois pressupostos. “O primeiro foi a compreensão de que as múltiplas dimensões da pobreza precisam ser consideradas em um estudo sobre vulnerabilidade social. Nesse sentido, buscou-se a criação de uma tipologia de situações de exposição à vulnerabilidade que expressasse tais dimensões, agregando aos indicadores de renda outros referentes à escolaridade e ao ciclo de vida familiar. O segundo pressuposto foi a consideração de que a segregação espacial é um fenômeno presente nos centros urbanos e que contribui decisivamente para a permanência dos padrões de desigualdade social que os caracteriza. Isso levou à utilização de um método de identificação de áreas segundo os graus de vulnerabilidade de sua população residente, gerando um instrumento de definição de áreas prioritárias para o direcionamento de políticas públicas, em especial as de combate à pobreza. Para tanto, entendeu-se que os resultados precisavam ser fortemente detalhados do ponto de vista espacial, de forma a permitir o desenho de ações locais focalizadas, especialmente por parte do poder público municipal” (http://www.al.sp.gov.br/web/ipvs/index_ipvs.htm, em 07 de Maio de 2007). As informações utilizadas para a construção do Índice de Vulnerabilidade Social no município mineiro de Teófilo Otoni são provenientes do Censo Demográfico 2000, detalhadas por setor censitário, sendo essa a única fonte de dados existente em escala intra-urbana para todos os municípios brasileiros com população superior a 25 mil habitantes naquele ano de realização do Censo. Adotou-se um Sistema de Informação Geográfica (SIG), para que os setores censitários urbanos fossem tratados e representados em cartografias temáticas. Como se pode observar, o bairro Novo Horizonte, em Teófilo Otoni, é a região com maior vulnerabilidade social de acordo com a metodologia proposta para a construção do indicador. O mapa da área urbana desta cidade é representado pelos distintos graus de vulnerabilidade social. Isso nos permite identificar que ao longo das rodovias MG-217 e BR-418 (que cortam a cidade de Teófilo Otoni) se situa a região 30 mais carente sob o ponte de vista deste indicador. Mapa 4 – Índice de Vulnerabilidade Social – Teófilo Otoni Joaquim Joaquim Pedrosa Pedrosa Centro Centro Jardim Jardim Serra Serra Verde Verde Novo Novo Horizonte Horizonte Ipiranga Ipiranga Filadélfia Filadélfia Índice de Vulnerabilidade Social Teófilo Otoni - 2000 0 1.5 3 Taquara Taquara Quilômetros Nenhuma vulnerabilidade Vulnerabilidade muito baixa Baixa Vulnerabilidade Vulnerabilidade média Vulnerabilidade alta Vulnerabilidade muito alta (24) (21) (25) (2) (21) (3) Fonte: IBGE, 2000/ CRISP-UFMG Fonte: IBGE, 2000/ CRISP-UFMG 9. Diagnóstico da Segurança Pública e Criminalidade No tocante à segurança pública serão analisados os dados de ocorrência de crimes no município, a estrutura organizacional das polícias e seus respectivos efetivos, além dos programas desenvolvidos para promover melhorias nos serviços prestados à população, bem como focalizar o combate aos principais problemas relacionados à segurança pública local. As informações foram obtidas junto às Polícias Militar e Civil de Teófilo Otoni através do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da UFMG. A análise das ocorrências dos crimes se justifica na medida em que supomos que muitos deles relacionam entre si como é o caso, por exemplo, do tráfico e daqueles de natureza violenta, especialmente o homicídio. Ou o tráfico e o lenocínio e a exploração sexual etc. 31 9.1. Criminalidade violenta em Teófilo Otoni São classificados como crimes violentos aqueles contra a pessoa (soma de homicídios, tentativas de homicídio e estupros) e contra o patrimônio (que inclui roubos e roubos a mão armada). Nos gráficos a seguir podemos visualizar as taxas de crimes violentos, homicídios, roubo, roubo a mão armada, crimes contra o patrimônio e crimes contra a pessoa. O cálculo de taxas é realizado a partir da razão do número de ocorrências em cada ano, para cada 100.000 habitantes, no município. Gráfico 6 – Taxa de Crimes Violentos em Teófilo Otoni por 100 mil habitantes -1986 a 2005 700,00 Taxa bruta por 100 mil habitantes 600,00 500,00 400,00 300,00 200,00 100,00 0,00 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Anos Fonte: Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública/ Polícia Militar de Minas Gerais Através do gráfico acima, que mostra a evolução das taxas de crime violento em Teófilo Otoni no período de 1986 a 2005, é possível perceber a gradativa evolução desse tipo de crime, que começa a subir a partir dos anos 1990, com um grande crescimento no período entre 1997 e 1999, queda em 2000 e volta a crescer nos anos subseqüentes. Essa taxa que em 1986 correspondia a 139,69 passou para 599,96 em 2005. 32 Gráfico 7 – Taxa de Homicídios em Teófilo Otoni por 100 mil habitantes - 1986 a 2005 Txa bruta por 100 mil habitantes 60,00 50,00 40,00 30,00 20,00 10,00 0,00 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Anos Fonte: Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública/ Polícia Militar de Minas Gerais O gráfico acima ilustra a evolução das taxas de homicídios para cada 100 mil habitantes em Teófilo Otoni no período de 1986 a 2005. É possível perceber uma irregularidade nas taxas de homicídios registrados na cidade até 2000, com picos e quedas das taxas. A partir de 2001, a taxa de homicídios cresce gradativamente, com uma queda no ano de 2004 e volta a crescer em 2005. Em 1986, essa taxa correspondia a 13,7 e passou para 51,92 em nove anos. Gráfico 8 – Taxa de Roubos em Teófilo Otoni por 100 mil habitantes - 1986 a 2005 taxa bruta por 100 mil habitantes 300,00 250,00 200,00 150,00 100,00 50,00 0,00 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Anos Fonte: Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública/ Polícia Militar de Minas Gerais 33 Em 1986, Teófilo Otoni registrava uma taxa de roubo de 52,4 para cada 100 mil habitantes, passando para 212,73 em 2005. Através do gráfico é possível visualizar o crescimento destas taxas, que do ano 2000 a 2004 apresenta um grande crescimento, seguido de um declínio no ano 2005. Gráfico 9 – Taxa de Roubos a Mão Armada em Teófilo Otoni por 100 mil habitantes 1987 a 2005 Taxa bruta por 100 mil habitantes 250,00 200,00 150,00 100,00 50,00 0,00 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Anos Fonte: Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública/ Polícia Militar de Minas Gerais O roubo a mão armada em Teófilo Otoni apresenta um grande crescimento, a partir de 1997, com queda no ano 2000, voltando a crescer nos anos seguintes. A taxa para cada 100 mil habitantes que em 1986 correspondia a 30,34 passou para 237,97 em 2005. Gráfico 10 – Taxa de Crimes Contra o Patrimônio em Teófilo Otoni por 100 mil habitantes - 1986 a 2005 500,00 Taxa bruta por 100 mil habitantes 450,00 400,00 350,00 300,00 250,00 200,00 150,00 100,00 50,00 0,00 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Anos Fonte: Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública/ Polícia Militar de Minas Gerais 34 A taxa de crimes contra o patrimônio correspondia a 52,04 para cada 100 mil habitantes em 1986, passando para 450,69 em 2005. Grande aumento a partir do ano de 1997, declínio em 2000 e crescimento gradativo de 2000 em diante. Gráfico 11 – Taxa de Crimes Contra a Pessoa em Teófilo Otoni por 100 mil habitantes - 1986 a 2005 180,00 Taxa bruta por 100 mil habitantes 160,00 140,00 120,00 100,00 80,00 60,00 40,00 20,00 0,00 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Anos Fonte: Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública/ Polícia Militar de Minas Gerais Os crimes contra a pessoa apresentam um comportamento bastante irregular das taxas, passando de 87,65 em 1986 para 149,27 em 2005, com crescimento do ano de 1987até 1985, quando tem uma queda, novo pico em 1998, queda no ano 2000 e crescimento gradativo deste ano em seguida. A partir de 2005, é possível visualizar uma ligeira queda. Através da tabela a seguir, é possível verificar os tipos de crime contra o patrimônio ocorridos nos anos 2002 e 2005, assim como o valor absoluto de cada um deles. Tabela 7 - Crimes Contra o Patrimônio em Teófilo Otoni – 2002 e 2005 Crime contra o Patrimônio Tipo de delito 2002 2005 Apropriação Indébita 13 20 Dano 336 396 Estelionato 89 93 Extorsão Mediante Seqüestro 0 0 Furto 1886 1885 Furto a Transeunte 134 116 Furto de Carga 1 0 Furto de Veículo 503 69 Outro Crime Contra o Patrimônio 253 84 Receptação 4 2 Roubo 134 57 Roubo a Transeunte 389 54 Roubo a Veículo Táxi/Coletivo 2 0 Roubo Circunstanciado (Seqüestro Relâmpago) 0 0 Roubo de Carga 0 0 Roubo de Veículo 15 13 Roubo Seguido de Morte (Latrocínio) 1 1 TOTAL 3.547 2.790 FONTE: DIRETORIA DE ESTATÍSTICA/COSEG/PCMG/ARMAZÉM SEAB/ Polícia Civil Teófilo Otoni 35 A maior incidência deste tipo de crime é do tipo furto, com 1.886 ocorrências em 2002, caindo apenas uma ocorrência em 2005. O tipo de crime contra o patrimônio “roubo a transeunte” obteve uma grande queda, passando de 389 ocorrências em 2002 para 54 em 2005, de acordo com dados da polícia civil de Teófilo Otoni. Através da tabela a seguir, podemos saber quais crimes entram na categoria Crimes contra a Pessoa, e suas determinadas ocorrências nos anos 2002 e 2005. Tabela 8 – Crimes contra a Pessoa em Teófilo Otoni – 2002 e 2005 Crimes contra a Pessoa Tipo de delito 2002 2005 Ameaça 1560 1.121 Calúnia, Difamação, Injúria. 180 87 Homicídio 36 66 Lesão Corporal 1274 862 Outro Crime Contra a Pessoa 170 144 Tentativa de Homicídio 88 54 Violação de Domicílio 3 8 Total 3200 2.342 FONTE: DIRETORIA DE ESTATÍSTICA/COSEG/PCMG/ARMAZÉM SEAB/ Polícia Civil Teófilo Otoni Os tipos de crime contra a pessoa que mais registraram ocorrências foram as categorias “ameaça” e “lesão corporal”, ambas apresentando queda de 2002 para 2005, de 1560 ocorrências para 1.121 e 1.274 para 862, respectivamente. Porém, o número de homicídios neste período subiu, passando de 36 ocorrências em 2002 para 66 em 2005. Ainda na categoria de crimes contra a pessoa, entram os crimes contra os costumes, visualizados na tabela a seguir. Tabela 9 – Crimes contra os Costumes em Teófilo Otoni – 2002 e 2005 Crimes contra os Costumes Tipo de delito 2002 2005 Assédio sexual 0 0 Atentado violento ao Pudor 3 4 Corrupção de Menores 1 0 Estupro 6 0 Outro Crime Contra os Costumes 37 27 Sedução 0 0 Total 47 34 FONTE: DIRETORIA DE ESTATÍSTICA/COSEG/PCMG/ARMAZÉM SEAB/ Polícia Civil Teófilo Otoni Em 2002, foram registrados 6 estupros de acordo com dados da Polícia Civil, e nenhum em 2005. O tipo “outro crime contra os costumes” passou de 37 36 ocorrências em 2002 para 27 em 2005. Em 2005, não foi registrada nenhuma ocorrência de sedução de menores. Através da tabela abaixo é possível visualizar os delitos relacionados a Tóxicos e Entorpecentes em Teófilo Otoni, nos anos de 2002 e 2005. Tabela 10 – Tóxicos e Entorpecentes em Teófilo Otoni – 2002 e 2005. Tóxicos e Entorpecentes Tipo de Delito 2002 2005 Tráfico de Cocaína 0 2 Tráfico de Crack 2 6 Tráfico de Haxixe 3 0 Tráfico de Lança Perfume 0 0 Tráfico de Maconha 13 18 Tráfico de outras drogas/entorpecentes 3 3 Uso indevido de cocaína 3 15 Uso indevido de Crack 13 22 Uso indevido de lança perfume 0 0 Uso indevido de maconha 134 128 Uso indevido de outras drogas/entorpecentes 32 3 Total 206 197 FONTE: DIRETORIA DE ESTATÍSTICA/COSEG/PCMG/ARMAZÉM SEAB/ Polícia Civil Teófilo Otoni Tanto em relação ao tráfico como ao uso indevido de droga, a maior ocorrência é em relação à maconha. A ocorrência de tráfico passou de 13 em 2002 para 18 em 2005, mas seu uso indevido diminui, passando de 134 ocorrências em 2002 para 128 em 2005. O tráfico e consumo de crack na cidade aumentaram. Em 2002, foram registradas 2 ocorrências de tráfico de crack, passando para 6 em 2005, e seu uso indevido saltou de 13 em 2002 para 22 em 2005. Deve-se levar em conta, que estes dados não representam apenas a incidência do fenômeno, mas também o trabalho policial de repressão. 9.2. Índice Mineiro de Responsabilidade Social – Segurança Pública O IMRS, índice desenvolvido pela Fundação João Pinheiro para todos os municípios do Estado de Minas Gerais, deve avaliar a situação dos municípios, contemplando as dimensões renda, saúde, educação, segurança pública, gestão, habitação e meio ambiente, cultura, desporto e lazer. Os esforços para alterar a situação são captados por meio da variação dos indicadores ao longo do tempo. Para cada dimensão, foram selecionados temas relevantes que pudessem retratar: a situação existente, a atuação da gestão pública e as iniciativas vinculadas à participação nas decisões. As ações avaliadas foram definidas como aquelas que são 37 (ou deveriam ser) prioridade de programas e de políticas públicas das esferas de governo municipal, estadual e/ou federal. Sendo assim, os diferentes níveis de governo são co-responsáveis por avanços nessas áreas, e o índice retrataria seu sucesso ou sua responsabilidade social conjunta. O índice varia entre 0 e 1 e quanto mais próximo de 1 é o índice, melhor o desempenho municipal. O IMRS municipal é construído a partir da média ponderada dos índices de cada dimensão. Neste estudo será abordada especificamente a dimensão relativa à Segurança Pública de Teófilo Otoni. Os temas selecionados para essa dimensão foram: segurança pública, criminalidade, capacidade de aplicação da lei, além de apresentar o IMRS municipal. O IMRS Municipal (aquele que inclui todas as variáveis citadas acima) de Teófilo Otoni sofreu uma sutil piora no período de 2000 a 2004 quando passou de 0,650 a 0,636. A dimensão de segurança pública do IMRS é composta por basicamente cinco temas: a criminalidade, a capacidade de aplicação da lei, as medidas de prevenção e de fluxo e produtividade do sistema de justiça criminal além da gestão municipal do problema. O IMRS segurança pública caiu de 0,612 em 2000 para 0,526 em 2004, e a sua componente Segurança Pública – Criminalidade caiu de 0,586 em 2000 para 0,447 em 2004. Já a componente IMRS segurança Pública – capacidade de aplicação da lei obteve um leve aumento, passando de 0,664 em 2000 para 0,685 em 2004. A tabela a seguir mostra os valores do Índice Mineiro de Responsabilidade Social, assim como as componentes Segurança Pública – Criminalidade e Segurança Pública – Capacidade de aplicação da Lei, dos anos 2000, 2002 e 2004. Tabela 11- índice Mineiro de Responsabilidade Social – 2000 a 2004. Anos 2000 2002 2004 IMRS - Segurança Pública: capacidade de aplicação da Lei 0,65 0,612 0,586 0,664 0,607 0,547 0,483 0,677 0,636 0,526 0,447 0,685 Fonte: Fundação João Pinheiro/ Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública IMRS IMRS – Segurança Pública IMRS - Segurança Pública: criminalidade A tabela a seguir mostra algumas componentes do Índice Mineiro de Responsabilidade Social, nos anos de 2000 a 2004. 38 Tabela 12 – Componentes do IMRS – 2000 a 2004. Ano 2000 2001 2002 2003 2004 Gasto Municipal per capta com segurança pública 245,7 10,84 186,68 59,65 257 1.505 40.378 0,42 415,93 18,55 313,88 102 261 1.399 28.433 0,79 513,61 28,62 380,57 133 264 1.386 33.263 0,52 513,9 41,02 364,53 149,4 274 1.398 24.813 0,36 563 34,07 412,76 150,2 278 1.378 28.035 0,26 Fonte: Fundação João Pinheiro/ Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública Taxa crime violento Número Taxa Taxa Número Número pessoas por Taxa crime crime pessoas pessoas Juiz na contra contra homicídio por PM por PC Comarca patrimônio pessoa As taxas de crime violento, homicídio, crime contra o patrimônio e crime contra a pessoa aumentaram de 2000 a 2004, fazendo cair o IMRS. O número de pessoas por Policial Militar também aumentou, o que significa menos policiais, proporcionalmente. Em 2000, eram 257 pessoas por PM em Teófilo Otoni, passando para 278 em 2004. Mas em 2000, eram 1505 pessoas por Policial Civil, caindo para 1378. O número de pessoas por Juiz na Comarca obteve uma melhora, já que caiu de 40.378 em 2000 para 28.035 em 2005. 39 Esforço orçamentário com segurança pública 0,07 0,15 0,07 0,07 0,04 PARTE III – Caracterizando o Fenômeno 1. Violência Sexual Infanto-Juvenil no Brasil e em Minas Gerais A partir de 1997 criou-se um canal nacional de denúncias através do telefone 0800-99-0500. Por meio deste número, a população faz a denúncia de forma anônima. O quadro abaixo mostra o número de denúncias feitas pelos cidadãos entre janeiro de 1997 e janeiro de 2003, por Unidades da Federação. Notamos que, ao final do intervalo considerado, foram denunciadas 4.076 casos de abuso e exploração sexual no Brasil, dos quais cerca de 26% são oriundos do Rio de Janeiro, seguido de São Paulo (14%), Ceará (8%) e Minas Gerais (6,45%). Mas o que chama a atenção nesta tabela é o aumento do número de denúncias a partir de 2000 para todas as unidades da federação, sendo que o ano de 2002 concentra cerca de 40% de todas as denúncias no período considerado. No entanto, acreditamos que este aumento se deve mais à divulgação desta política do que propriamente ao aumento desta violência. Neste sentido, vislumbramos uma tendência de um maior reconhecimento e uma maior visibilidade do fenômeno perante a população brasileira em geral. Quadro 1 - Número de denúncias registradas pelo 0800-99-0500 Unidades da Federação - jan/1997 a jan/2003 Fonte: Sistema Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil 0800-990500/ABRAPIA (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção á Infância e Adolescência) 40 A tabela abaixo, também retirada do Sistema Nacional de Combate à Exploração Sexual Infanto-Juvenil, mostra que entre janeiro de 2001 e dezembro de 2002 houve um aumento de cerca de 50% no número de denúncias telefônicas de exploração sexual em Minas Gerais e um aumento de 500% para as denúncias de abuso sexual. Em geral, houve um aumento da ordem de 220% entre um ano e outro para todas as denúncias relacionadas ao tema e recebidas pelo sistema. Tais informações reforçam a análise da tabela anterior, mostrando que o fenômeno vem se tornando mais visível com o passar do tempo, em virtude de campanhas publicitárias de conscientização e de trabalhos de divulgação do problema, realizado por algumas instituições componentes da rede de enfrentamento ao fenômeno. Tabela 13 – Número de denúncias de exploração e abuso sexual em Minas Gerais via telefone- janeiro de 2001 a dezembro de 2002 Fonte: Sistema Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil 0800-990500/ABRAPIA (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção á Infância e Adolescência) 2. Percepção da rede de Teófilo Otoni sobre o fenômeno No município de Teófilo Otoni foram realizadas 8 entrevistas, sendo que seis das instituições podem ser classificadas como componentes da rede de defesa e responsabilização às vítimas de violência sexual infanto-juvenil, sobretudo, abuso e exploração sexuais. São elas: Conselho Tutelar Norte, Conselho Tutelar Sul, Policia Civil, Polícia Rodoviária Federal, Ministério Público e Juizado. As outras duas instituições foram classificadas como de atendimento: Casa Ninho e Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Em relação ao fenômeno, foram analisadas as seguintes categorias, sendo que cada uma delas se subdividiu em “abuso sexual” e “exploração sexual” e as respostas foram comparadas entre as redes de atendimento e defesa/responsabilização: 1. Definição do fenômeno 2. Causas ou fatores que propiciam a ocorrência do fenômeno 3. Perfil das crianças e adolescentes vítimas de abuso e exploração sexuais 4. Localização dos principais pontos de ocorrência do fenômeno 5. Visibilidade do fenômeno no município 41 6. Perfil dos agressores, sobretudo, relação social existente entre estes e as vítimas 7. Empecilhos ou dificuldades no oferecimento de denúncias/queixas por parte da sociedade 8. Empecilhos ou dificuldades em relação ao levantamento de provas e, principalmente, com o testemunho infantil 2.1. Definição do fenômeno pela rede em Teófilo Otoni De acordo com os entrevistados da rede de defesa e responsabilização em Teófilo Otoni, o que diferencia “abuso sexual” e “exploração sexual” é o fato de o primeiro acontecer no ambiente doméstico, velado e não se restringir apenas ao ato sexual, mas envolver “todos os tipos de abuso”. São vítimas “mais indefesas” fisicamente, por se concentrarem, em geral numa faixa etária mais baixa que as vítimas de exploração. Em relação à exploração, esta é caracterizada pelos entrevistados como mais presente no espaço público e cujo processo envolve a troca material, seja em forma de dinheiro seja por outro tipo de mercadoria. Também para os entrevistados da rede de atendimento do município, o que diferencia “abuso sexual” e “exploração sexual” é o fato de o primeiro acontecer no ambiente doméstico, envolvendo pessoas próximas. Existe a idéia de que no abuso, a vítima é agredida por um número menor de pessoas, geralmente parentes, em grande parte dos casos os próprios pais. Por outro lado, a exploração sexual é caracterizada pelos entrevistados dessa rede como “algo mais exposto”, o “uso” da adolescente por um número maior de pessoas e à prostituição, uma vez que envolve relação de troca entre vítima e agressor. 2.2. Causas ou fatores que propiciam a ocorrência do fenômeno A vulnerabilidade econômica e social das famílias das vitimas de abuso e exploração sexual aliada à desestruturação dessas famílias é apontada como uma das causas primárias do problema de abuso e exploração sexual infanto-juvenil no município para os entrevistados da rede de defesa/responsabilização. Muitos relatos mostram que tanto para abuso sexual quanto na exploração, fatores de cunho econômico atuam como facilitadores para que os mesmos ocorram. Na questão do abuso sexual, a permanência de muitas pessoas dentro de uma casa pequena onde não há muitos cômodos pode levar a situações de abuso sexual da criança por 42 parentes que dividem o mesmo ambiente. Isso pode ocorrer, sobretudo, quando fatores como alcoolismo ou uso de outras drogas também estão presentes: “E, é um ambiente que eles vivem, tanta promiscuidade; não promiscuidade é... um ambiente que você não tem divisão de cômodos entendeu? Então, no final das contas é pai que troca roupa na frente de filha, aí a filha vai virando adolescente, entendeu? E é aquele pai que bebe. Então... acho que no final das contas eu atribuo isso mais à questão financeira”. (Entrevista, rede de Defesa a Responsabilização) A questão cultural também foi mencionada como uma das causas de abuso sexual na zona rural. Em uma entrevista, foi-nos relatado uma experiência em que uma mulher afirma considerar normal a iniciação sexual da filha pelo pai no meio rural: “...ela virou pra mim e falou: doutora eu acho que isso é uma questão extremamente cultural”... porque as pessoas vivem no meio da roça, né? Não tem luz, aquela situação né, e, eles acham normal que o pai é... faça a iniciação sexual da filha.”(Entrevista, rede de Defesa e Responsabilização) Em relação à exploração sexual, o aspecto econômico interfere diretamente no problema, pois envolve troca material. Muitas crianças e adolescentes permanecem em situação de exploração em troca de dinheiro para ajudar a família, comprar coisas para si próprias incentivadas pelo apelo consumista ou até mesmo em troca de produtos de primeira necessidade como sabonetes: “...em Pedra Azul nós tivemos apurando um fato lá que a menina se prostituía em troca de sabonete, sabonete, em troca de pequenas coisas, isso aí a gente sabe, chegamos a apurar o caso assim.”(entrevista, rede de defesa e responsabilização) No caso da exploração, outro fator apontado para sua ocorrência foi a “herança” familiar de avós e mães que transferem o oficio para as filhas: “...vem uma série já, a bisavó era, a avó era, a mãe era (prostituta).” (entrevista, rede de defesa e responsabilização) Portanto, há uma tendência a se atribuir o abuso e exploração sexual das crianças e adolescentes na cidade à situação de pobreza extrema e desestrutura familiar. De acordo com a percepção dos entrevistados, existe essa raiz comum para os dois problemas: 43 “...alguns casos a gente vê que é uma convivência familiar superlotada, uma família de 10 pessoas que convive em um cômodo de uma casa, e também tem o outro lado, a mãe que é prostituta e que ensinou a filha a se prostituir. O fator mais assim que a gente pode falar é a pobreza, é a extrema pobreza. Tanto pra um quanto pra outro” (Entrevista, rede de Defesa a Responsabilização), “...ta havendo, a pobreza ta, porque as meninas são muito pobres então eles estão tendo relação sexual na beira da rodovia por causa de dinheiro... é um, é um enfoque né, mas às vezes o enfoque tem que ser em outro lado, que a falta de informação né, a falta de gerenciamento familiar gera esse negócio aí” (Entrevista, Rede de Defesa e Responsabilização). Em Teófilo Otoni, as causas e fatores que levam ao abuso e à exploração sexual não foram abordadas pelos entrevistados da rede de atendimento, exceto uma menção feita às “famílias desestruturadas” como causadoras desse fenômeno: “Isso é característica de famílias desestruturadas.” (Entrevista, Rede de Atendimento) Fazendo uma comparação entre as duas redes de enfrentamento, percebe-se que, em relação aos fatores que levam à exploração e ao abuso sexuais, a rede de defesa e responsabilização demonstrou uma clareza maior quanto a esse aspecto, atribuindo como fator primário para esse problema a vulnerabilidade social e econômica em que as famílias das vítimas se encontram. De acordo com sua percepção, as condições muitas vezes precárias de moradia em que as famílias vivem, com poucos cômodos que acomodam muitas pessoas, pode propiciar um ambiente fértil ao abuso sexual e pode ser agravado devido ao uso de álcool ou drogas por parte do agressor. Quanto à exploração, a necessidade de subsistência leva crianças e adolescentes para esse caminho, sendo que muitas vezes essas meninas já vêm de uma história familiar em que mães e avós se prostituíam. Há também o problema de desestruturação familiar onde as vítimas estão expostas e que foi apontado tanto pela rede de atendimento como pela de defesa e responsabilização. 44 2.3. Perfil das crianças e adolescentes vítimas de abuso e exploração sexuais Podemos perceber através das entrevistas da rede de atendimento que grande parte das vítimas de abuso e exploração sexual é de meninas provenientes de famílias pouco estruturadas e de condições sócio-econômicas mais desfavoráveis em cujas casas comumente convivem mais de duas gerações, primos, avós, tios, padrastos: “Um suposto avô morava com a avó dela. E, ele abusou dela, entendeu?... E, aí, ela já tava dormindo com um primo dela, e, tava tendo relações com esse primo também.” (Entrevista, Rede de Atendimento). O perfil das vítimas de abuso e exploração sexual delineado nas entrevistas da rede de defesa e responsabilização nos revela que a maior parte é de meninas que pertencem a famílias desestruturadas, de alta vulnerabilidade social e econômica. Nos casos de abuso, as regiões rurais também foram apontadas como focos de ocorrência desse tipo de crime e a idade das vitimas geralmente varia entre 6 e 12 anos. As adolescentes que passam dessa faixa etária possuem mais condições de defesa que as menores, segundo as entrevistas. No caso da exploração, a faixa etária é mais flexível, sendo que muitos relatos confirmam a existência de crianças entre 6 e 7 anos até adolescentes de 16 a 17 anos. Muitas meninas dizem ir à escola quando na verdade se dirigem aos pontos de exploração sexual. Algumas garotas são aliciadas pelos próprios pais: “ele apreendeu uma menor aí, com o pai, que aliciava a menina, aí que o pai virou pra ele e falou assim "que isso, essa menina tem uma mina de ouro no meio das pernas!"” (Entrevista, rede de defesa e responsabilização) Muitas meninas, por serem usuárias de drogas, colocam-se em situação de exploração para sustentar o vício e muitas acabam se envolvendo com o tráfico, atuando como “aviõezinhos” e terminam como “mulheres de todos”, ou seja, mantendo relações com os componentes do grupo de tráfico em troca da droga. Como salientado na parte metodológica deste relatório, além das entrevistas com os atores das redes de atendimento, defesa e responsabilização, coletamos informações contidas nos registros de casos de violação dos direitos da criança e do adolescente, sobretudo nos casos de violência sexual e drogaditos, registrados pelo Conselho Tutelar (foram registrados 3 casos de exploração e 9 casos 45 de abuso sexual em 2006, no município). As variáveis coletadas diziam respeito a informações sobre o perfil das vítimas e dos agressores, sobretudo no que se refere à relação social existente entre eles, além de informações sobre encaminhamentos realizados pelas instituições, sobre forma de denúncia, dentre outras. O gráfico a seguir mostra o perfil das vítimas de abuso sexual, quanto à idade, cujos casos chegaram ao conhecimento do Conselho Tutelar. Vê-se que a maioria é do sexo feminino, 67% possuíam até 11 anos de idade e o restante entre 12 e 18 anos. Gráfico 12 - Perfil das Vítimas de Abuso Sexual - Idade 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 0 a 11 anos 12 anos ou mais Fonte: Conselhos Tutelares de Teófilo Otoni - CRISP-UFMG A partir das informações dos Conselhos Tutelares de Teófilo Otoni, constatamos que quatro das vítimas de abuso sexual registradas tiveram encaminhamento para a rede de responsabilização. A maior parte não fez uso de drogas (5 casos), tinha entre 0 e 12 anos de idade (6 casos) e era do sexo feminino (7 casos). Em cinco das ocorrências registradas, o primeiro depoente era pessoa da família e em um terço delas, a pessoa que fez a denúncia também é da família. Em uma das ocorrências de abuso sexual registrada houve mais de uma vítima. Em relação à exploração sexual, foram registrados três casos nos Conselhos Tutelares em 2006 cujas vítimas tinham treze, quinze anos e uma de idade não informada, todas do sexo feminino. Sobre informação relacionada ao primeiro denunciante e efetuação de denúncia, em dois dos casos as queixas foram realizadas por familiares. Não se registraram informações em relação ao uso de drogas por parte das vítimas ou internação das mesmas, de forma que não é possível através desses dados confirmar ou não os depoimentos dos entrevistados sobre a relação entre drogas e exploração sexual. Em uma das ocorrências houve mais de uma vítima. 46 Para os casos de drogaditos registraram-se sete ocorrências no município, em 2006, nos Conselhos Tutelares. Todos tinham por vítimas crianças e adolescentes do sexo masculino. Quatro deles estavam entre 13 e 17 anos. Em seis dos casos, o denunciante das ocorrências era pessoa da família e essa mesma relação se deu nos casos de primeiro depoimento. Em relação à referência ao bairro de moradia das vítimas, esta não tem por objetivo estigmatizar o mesmo, mas chamar a atenção das autoridades e da rede para prevenção ou ações no local. Nos dois mapas abaixo, temos a representação dos locais de origem das vítimas de abuso e exploração sexual. Como constatamos nos depoimentos colhidos entre representantes das duas redes de enfrentamento de violência sexual infanto-juvenil, uma das grandes causas a que foram atribuídas as ocorrências do fenômeno foi a alta vulnerabilidade sócio-econômica das vítimas e suas famílias. Mapa 5 - Local de residência das vítimas de abuso sexual – 2006 Mapa 6 - Local de residência das vítimas de exploração sexual – 2006 9 São São Cristóvão Cristóvão 9 BR11 6 BR11 6 São São Jacinto Jacinto 9 Centro Centro Manoel Pimenta Pimenta Manoel 99 Teófilo Teófilo Rocha Rocha Abuso sexual - Cons. Tutelar Exploração Sexual - Cons. Tutelar Bairro de Origem 0 1.5 3 Quilômetros 9 9 Bairro de Origem 2 denúncias 1 denúncia 0 1.5 3 9 Casos denunciados Quilômetros Fonte: Conselhos Tutelares de Teófilo Otoni/CRISP-UFMG 2.4. Locais de Ocorrência do Fenômeno De maneira geral, os entrevistados citaram a região do Vale do Mucuri como um foco de exploração sexual. A rede de Defesa e Responsabilização se referiu várias vezes à exploração ocorrida nas rodovias, em particular na BR 116, postos de gasolina e restaurantes ao longo destas. Foram mencionadas localidades como Cruzeiro, Campanário, Águas Formosas, Novo Oriente, Mucuri e Mucurizinho. Entretanto, a exploração não acontece ao longo de toda BR, mas nos perímetros urbanos onde há iluminação e o tráfego circula em menor velocidade. Fora desses 47 trechos, os veículos passam rápido, dificultando a visibilidade do motorista em relação a quem está na pista: “Você não vai ver uma prostituta aqui de madrugada, mesmo porque o motorista nem vai vê-la... e ele não vai nem tentar parar a carreta. Se ele for tentar parar, vai ser bem longe, a menina não vai nem ver” (Entrevista, rede de defesa e responsabilização). Por outro lado, a rede de atendimento e uma das instituições da rede de defesa fizeram menção aos bairros e regiões de Teófilo Otoni onde, de acordo com elas, ocorre exploração sexual. Foram citadas as regiões das favelas (Pindorama, Boiadeiros), bairro São Jacinto, Palmeiras e Eucaliptos. Neste último, de acordo com os entrevistados, ocorre por causa do tráfico de drogas. As regiões onde se concentra a população mais carente da cidade foram citadas também como local de concentração de casos de exploração sexual. Os bairros Pindorama e Boiadeiros foram mencionados como bairros de procedência de meninas exploradas sexualmente. Em relação ao abuso sexual, houve poucas identificações dos locais de ocorrência. Alguns afirmaram que esse fenômeno ocorre em todos os bairros da cidade e, por ser um fenômeno concentrado no “contexto doméstico”, muitas vezes não é denunciado por medo de novas agressões. Entretanto, outros citaram a zona rural e bairros carentes da cidade como regiões de maior número de ocorrências do abuso sexual. O trabalho de campo na cidade de Teófilo Otoni permitiu que se mapeassem os locais onde havia, de acordo com informantes locais (da rede), a incidência de exploração infantil na cidade. Com a utilização do aparelho GPS, foi possível captar as coordenadas espaciais destes pontos o que permitiu, em seguida, georeferenciá-los. Como se pode observar a partir do mapa a seguir, em Teófilo Otoni existem, basicamente, duas regiões onde a exploração sexual se concentra, uma na região Central da cidade e outra nas proximidades do cruzamento da BR-116 com a MG-217. 48 Mapa 7 - Locais dos pontos de Exploração Sexual Joaquim Joaquim Pedrosa Pedrosa Centro Centro Jardim Serra Jardim Serra Verde Verde Novo Novo Horizonte Horizonte Ipiranga Ipiranga Filadélfia Filadélfia Índice de Vulnerabilidade Social Teófilo Otoni - 2000 0 1.5 3 Quilômetros Taquara Taquara Nenhuma vulnerabilidade Vulnerabilidade muito baixa Baixa Vulnerabilidade Vulnerabilidade média Vulnerabilidade alta Vulnerabilidade muito alta (24) (21) (25) (2) (21) (3) Fonte: IBGE / Crisp – Tabulação própria A região Central da cidade foi apontada como local de concentração de exploração sexual. Identificou-se particularmente, de acordo com informações, uma grande concentração de exploração sexual ao longo da rua Francisco Sá, avenida Alfredo Sá, Praça da CEMIG (região conhecida historicamente como ponto boêmio e de prostituição da cidade), Praça Tiradentes (e imediações), em alguns bares, lanchonetes (algumas com casas ao fundo cujos quartos são alugados para fins de prostituição). Além desses locais, também foram apontados becos próximos ou que tangenciam a rua Francisco Sá. Outro local onde se identificou a concentração da ocorrência de exploração sexual foi no cruzamento das rodovias BR-116 e MG-217. Este também é um local relativamente de baixa vulnerabilidade social, mas que tem como fator de risco para a ocorrência do fenômeno o entroncamento das rodovias estadual e federal. Além desses, foram apontadas feiras ao longo da BR-418. Nos arredores da mesma, há muitos pontos comerciais, em especial supermercados e postos de gasolina, nenhum de pernoite de caminhoneiros. A praça próxima ao Batalhão da PMMG e da BR-418 também foi indicada como local onde as “meninas fazem ponto”. Nos arredores, alguns poucos comércios 49 e, sobretudo residências. A ponte Nanuque, situada nesta BR, é também um local em evidência. Os mapas a seguir mostram, em detalhes, os pontos geocodificados de exploração sexual na região central de Teófilo Otoni e ao longo da BR-418. Importante destacarmos que, durante o campo, pudemos observar quatro meninas “subindo na boléia de um caminhão” nesta rodovia. Neste dia, também, um pouco mais tarde, por volta da 1 hora da madrugada, uma adolescente de 15 anos, grávida, foi apreendida pela Polícia Militar em um bar da região central portando crack e “fazendo ponto”. Notamos, ao sobrepor os pontos ao índice de vulnerabilidade social, que os mesmos se concentram nas regiões de baixa vulnerabilidade. Entretanto, como informado pelos entrevistados, os adolescentes vitimados são oriundos das áreas de alta vulnerabilidade social. BR 116 AL ALF ALF ALFRE RE REDO FRE DO SA SA Mapa 8 - Exploração sexual na região central de Teófilo Otoni SA CO CO O O SA NCIS NCIS CISC CISC FRA FRA FRAN FRAN A AIUVA BOCAIUV TINO BOC QUIN QUINTINO Índice de Vulnerabilidade Social Teófilo Otoni - 2000 Nenhuma vulnerabilidade Vulnerabilidade muito baixa Baixa Vulnerabilidade Vulnerabilidade média Vulnerabilidade alta Vulnerabilidade muito alta (24) (21) (25) (2) (21) (3) Fonte: IBGE / Crisp – Tabulação própria 50 Mapa 9 - Exploração sexual ao longo da BR 418 NII ON OTTO IO O NIO ON IDO SSID 18 BR BR 4418 3342 MGT M Índic e de Vulnerabilidade Social Teófilo O toni - 2000 Nenhum a vulnerabilidade V ulnerabilidade m uito baix a B aix a V ulnerabilidade V ulnerabilidade m édia V ulnerabilidade alta V ulnerabilidade m uito alta (24) (21) (25) (2) (21) (3) Fonte: IBGE / Crisp – Tabulação própria Uma das atividades de campo consistiu em uma viagem ao longo da BR116 junto com a Polícia Rodoviária Federal, saindo do posto em Teófilo Otoni e chegando a Itaobim. Os inspetores nos indicaram muitos postos de gasolina, hotéis e restaurantes que funcionam como “ponto de encontro” entre as prostitutas e os viajantes, em sua maioria, caminhoneiros. Segundo os inspetores, várias blitz foram realizadas no intuito de apreender adolescentes em situação de exploração sexual. Entretanto, são raras as oportunidades em que conseguem efetuar a apreensão, ou porque “elas fogem” ou porque “apresentam identidade falsa”. Outro empecilho referese ao fato de as cabines dos caminhões serem consideradas domicílios implicando a exigência de mandado de busca e apreensão para se averiguar a suspeita. Segundo os agentes, ainda, a exploração é maior durante as quartas e quintas-feiras quando os caminhoneiros passam por aí, após fazer o carregamento, principalmente em Belo Horizonte e Salvador, nas segundas e terças-feiras. 51 Mapa 10 – Regionalização da exploração sexual no trecho da BR-166 entre Teófilo Otoni e Itaobim M M GG TT 3344 22 C C a ra raí C aatu tu ji ji G 21 MG M 2 1 11 6 BR 111 T T eeó filo filo O O to ton n ii Fonte: IBGE / Crisp – Tabulação própria 2.5. Visibilidade do fenômeno no município Quanto à visibilidade do problema, de acordo com os entrevistados da rede de atendimento, podemos observar que o fenômeno é “conhecido”, mas não é “visto”. Muitos afirmaram saber da alta incidência de violência sexual de crianças e adolescentes na região. Entretanto, percebem que os casos não são denunciados: “...eu tenho acompanhado o trabalho do Sentinela, e o Sentinela ele ainda tem que se investir muito nesse programa para que ele realmente cumpra com essa função, engraçado eles não tem recebido muitas denúncias, isso é uma coisa que, que causa uma dúvida, um impacto muito grande, como assim que Teófilo Otoni é um dos maiores índices (de violência sexual) do estado e os casos não tão chegando!”(entrevista, rede de atendimento). Foi chamada a atenção para a necessidade de se divulgar, dar visibilidade à questão para que mais recursos possam ser empregados no enfrentamento da violência sexual de crianças e adolescentes. De acordo com os relatos, a menor verba do município é destinada a essa causa. Entre aqueles da rede de defesa/ responsabilização, observa-se que nos conselhos tutelares, o fenômeno é menos visível que nas outras instituições 52 ligadas a essa rede, apesar dos entrevistados saberem que existe. Acredita-se que o número de denúncias para o conselho é sub-registrado, talvez pelo fato das denúncias chegarem diretamente no Ministério Público e nas delegacias. Nesses órgãos, o fenômeno da violência sexual é muito mais percebido, de acordo com os relatos. Muitos entrevistados atribuem às campanhas de sensibilização da população realizadas recentemente o aumento dos números de denúncias de abuso e exploração sexual. Foi ressaltada a importância de se chamar atenção da comunidade para o problema bem como o dever de denunciá-lo caso seja detectado. Houve consenso quanto ao aumento da visibilidade do problema dentro da comunidade e isso pode ser atribuído também às reportagens realizadas na região abordando a questão da violência sexual contra menores e veiculadas por televisão e rádio. 2.6. Perfil dos agressores: relação social existente entre estes e as vítimas Os agressores de abuso sexual foram mais mencionados pela rede de atendimento que aqueles de exploração. Foi unânime a referência a abusadores entre os familiares tais como os pais, padrastos, tios, avós, primos e pessoas próximas como vizinhos. Alguns relatos mostraram que existem meninas que são abusadas por mais de um membro da família. Dentro de tal estrutura pouco convencional, a criança acaba considerando o abuso como algo normal, de acordo com entrevistas: “Um suposto avô morava com a avó dela. E, ele abusou dela, entendeu? No entanto, no futuro, ela achou que aquilo era normal. E, aí, ela já tava dormindo com um primo dela, e, tava tendo relações com esse primo também. Porque na cabecinha dela, ela hoje tá com 11anos, a cabeça dela, era certo aquilo ali”. (Entrevista, rede de atendimento). Em relação aos casos de exploração, os agressores foram identificados como pessoas de fora da cidade. Entre a rede de defesa/ responsabilização, os entrevistados destacaram enfaticamente que os agressores de abuso sexual são pessoas, em geral, próximas à vitima, familiares como pais, padrastos, irmãos, tios, primos e vizinhos e, em geral, são pessoas acima de 25 anos de idade. O perfil do explorador é menos definido. Alguns apontaram pessoas ligadas ao tráfico de drogas como os principais exploradores, mas essa opinião não foi consenso nos relatos. 53 Nos casos de abuso sexual, registrados em 2006 nos Conselhos Tutelares (nove casos), dos agressores identificados (seis), todos são do sexo masculino, quatro deles eram parentes da vítima (três padrastos e um tio) e dois eram vizinhos. Ou seja, todos os que foram identificados tinham parentesco ou eram conhecidos da vítima. Em uma das ocorrências o agressor foi preso e em duas delas foi constatada a utilização de substância entorpecente. Em oito dos casos houve apenas um agressor. Em todos os casos de exploração sexual registrados em Teófilo Otoni (3 registros), no mesmo ano, o agressor era adulto e do sexo masculino. Nos três casos havia mais de um agressor. Não há informações sobre idade e profissão dos mesmos. Também não há registros sobre se esses fizeram uso de substância entorpecente e em dois dos casos não se sabe se o agressor foi preso ou não. 2.7. Empecilhos ou dificuldades do oferecimento denúncias/queixas por parte da sociedade de Sobre as denúncias de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, um dos grandes empecilhos apontados pelos entrevistados da rede de atendimento foi o fator econômico, principalmente nos casos de abuso. Muitos entrevistados consideram que familiares, principalmente as mães, não denunciam o agressor por não ter condições financeiras de manter sozinhas a família permanecendo assim, coniventes com a situação. Outros fatores também foram apontados como empecilhos para as denúncias como medo de perder o amásio ou de represálias e ameaças de morte. A exposição da criança diante da sociedade relacionando-a a um problema tão grave também foi apontada como um fator que reprime as denúncias de abuso e exploração sexual Para os entrevistados da rede de defesa/responsabilização, as dificuldades nas denúncias de abuso sexual estão relacionadas a fatores como medo de represálias por parte do agressor, vergonha da opinião da comunidade por vincular a imagem da família ao problema da exploração e abuso sexual e também à questão financeira. De acordo com os relatos da rede de defesa e responsabilização, muitas pessoas da família da vitima permanecem omissas, muito comumente as mães, pelo fato de o agressor ser, em grade parte dos casos, o próprio pai ou padrasto e responsável pela manutenção da casa. O fato de ser um problema circunscrito ao âmbito doméstico também dificulta a visibilidade e, conseqüentemente, as denúncias dos casos de abuso sexual. Segundo os entrevistados, em muitos casos as denúncias ocorrem por parte de vizinhos que detectam o problema e resolvem 54 denunciar. Muitos, entretanto, são reprimidos pelo medo de sofrer algum tipo da ameaça por parte do agressor: “A princípio chega a informação, mas aí você vai lá apurar, pede por exemplo.... vamos pedir uma instauração de uma sindicância, um comissário vai visitar aquele lugar, vai conversar com as pessoas ali em volta, vai tentar apurar o que ta acontecendo, mas as pessoas são muito boas pra denúncias anônimas né? Na hora que tem falar mesmo né, na frente de alguém que tem que assinar, não assina entendeu? Tem medo sabe? Então, acaba que é difícil...” (entrevista, rede de defesa e responsabilização). Instituições como escolas foram identificadas como muito importantes no processo de denúncia, pois muitas vítimas recorrem às professoras e diretoras da escola em que estudam e estas as encaminham para o Conselho Tutelar. Sendo assim, essa mediação realizada entre a escola foi apontada como fundamental para a efetivação da denúncia. Na exploração sexual, o motivo que foi mais apontado como empecilho para as denúncias foi o fator econômico. A maior parte dos entrevistados afirmou que as próprias vítimas mostram-se relutantes em delatar os exploradores devido aos ganhos financeiros da atividade em que estão envolvidas. O medo de represálias por parte dos agressores foi apontado pelas duas redes como um dos maiores empecilhos às denuncias de abuso e exploração sexuais. Em relação ao abuso, foi falado também que, por se tratar de um fenômeno na maior parte das vezes, restrito ao ambiente familiar, a pouca visibilidade da violência impede que haja denúncia. Esta acontece, na maioria das vezes, quando algum vizinho ou outra pessoa de fora percebe e faz a denúncia. Nas duas redes, houve consenso quanto à conivência de familiares com o abuso por ser o agressor, muitas vezes, quem sustenta a casa. Nos casos de exploração, a rede de defesa e responsabilização afirmou que muitas vezes a vítima se torna um empecilho para as denúncias, pois teme perder os ganhos de sua atividade. A rede de atendimento mencionou a vergonha como um dos fatores que também prejudicam denúncias em casos de abuso sexual. Dentre os denunciantes registrados nos Conselhos Tutelares estão os familiares, Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal, Delegacias, Emater, escolas, Sentinela. 55 2.8. Empecilhos ou dificuldades em relação ao levantamento de provas e, principalmente, com o testemunho infantil A maior dificuldade apontada pela rede de atendimento em relação ao testemunho infantil é o medo que algumas vítimas sofrem devido a ameaças por parte dos agressores: “...tem umas (crianças) que por ser ameaçadas elas não contam...tá?” (Entrevista, rede de atendimento) Em outros casos, as vítimas não têm condições de falar devido ao trauma e à relação estabelecida com o agressor. O fenômeno do abuso sexual envolve questões muito complexas e alguns relatos mostraram que possíveis laços afetivos estabelecidos entre vítima e agressor podem impedir que a mesma testemunhe: “Porque o que mais me chamou a atenção, a menina de Campanário, ela veio pra cá com 14 anos. 14... 13 anos. Ela tinha 13. Veio grávida. Aí, a gente perguntava pra ela né, quem era o pai da criança. Ela falava que era o namorado. No fim, quando a gente... quando eu fui descobrir, que eu olhei, né, porque até então não tinha olhado o relatório, era do pai dela. A mãe foi embora pro Rio. O pai tomava conta dela. Só que ela amava esse pai. Só que ela não amava ele como pai, ela gostava dele como homem. E, aí, ela foi, ela chorava por causa dele. E, aí, essa criança nasceu. No dia que essa criança nasceu, ela colocou o mesmo nome do pai, porém em letras diferentes. Mas, era o mesmo nome. Aí, ela falava: “o meu pai tem que conhecer o neto”. Mas ela não pensava... na mente dela não era... não pensava em neto, ela pensava no filho. E, ela amava esse pai de paixão. Pai não, homem, né”. (Entrevista, rede de atendimento) Segundo a rede de defesa e responsabilização, o testemunho infantil nos casos de abuso e exploração sexuais deve ser tomado criteriosamente e possui características diferentes. No caso do abuso, os entrevistados ressaltaram o estabelecimento da confiança entre a justiça e a criança pra que a mesma relate o fato ocorrido. O testemunho da criança, entretanto, não é tomado isoladamente. Outros fatores são avaliados na tentativa de contextualizar a situação de abuso tais como o depoimento do agressor, seu estilo de vida e o depoimento de outras testemunhas também. A avaliação psicológica da criança nesses casos fornece subsídio ao juiz para que o mesmo possa se posicionar diante do testemunho infantil: 56 “Não existe uma técnica né, não existe uma técnica, não existe aquela maquininha da verdade né, se ela falou verdade ou falou mentira, não existe. Mas é... vai depender muito do contexto, o juiz não analisa só também a palavra da vítima (ênfase na palavra “da"), ela tem valor probatório? Tem, mas ela tem que ser contextualizada, tem que ser avaliada em conjunto com os demais elementos, né, com o comportamento do próprio acusado, a forma de vida que levava. E não, às vezes também é possível encaminhar essa criança ao serviço de auxílio de psicologia pra que receba um tratamento adequado, pra que se entreviste, e o psicólogo é um profissional né, especializado, e ele tem condição de fornecer subsídios ao juiz no julgamento.” (Entrevista, Rede de Defesa e Responsabilização). A constatação material do crime é fundamental para que possa ser comprovada a violência. Esse processo pode ser prejudicado por causa da demora na denúncia e no encaminhamento da vítima à rede de atendimento na qual serão realizados os exames cabíveis: “A dificuldade é exatamente essa, quando a denúncia não chega pra gente a tempo, demora, a demora da denúncia né, as vezes os vestígios já desapareceram né, a vítima que estaria machucada no dia não ta mais, é, as vezes quando o crime acontece dentro de casa como eu disse aí, há uma, há um temor de denunciar.” (Entrevista, Rede de Defesa e Responsabilização). “As dificuldades maiores é quando, é quando a denuncia não vem, o tempo demora muito né, aí denuncia aí chega uma denúncia aqui pra gente de que a quinze dias atrás foi visto uma menor de idade dentro de um caminhão, a gente não tem como comprovar isso mais, o caminhoneiro já foi embora, não tem como, então a demora na denúncia eu acho que é uma das dificuldades.” (Entrevista, Rede de Defesa e Responsabilização). Nos casos de exploração, o depoimento das vítimas é ainda mais difícil, pois muitas vezes existe uma conivência destas com o explorador. Alguns entrevistados apontam contradições criadas pelo ECA, e relatam casos de adolescentes que se apresentam e, cientes dos direitos a eles assegurados pelo Estatuto, utilizam para prejudicar outrem ou livrarem-se de alguma situação em que apresentem culpa. Afirmam que esse processo deve ser realizado com extremo cuidado para que não se propiciem situações opostas nas quais crianças possam manipular seus direitos para prejudicar outras pessoas. 57 Em suma, os entrevistados foram questionados sobre a questão das dificuldades com o testemunho infantil sendo que a rede de atendimento atribui essas dificuldades ao medo da vítima em relação a possíveis ameaças feitas pelo agressor, trauma e em alguns casos, laços afetivos que podem ser estabelecidos entre essas partes. A rede de defesa e responsabilização afirma que esse processo deve ser feito com muito critério e uma das dificuldades apontadas é ter dimensão da veracidade do que está sendo dito pela criança durante o testemunho. Para permitir uma avaliação mais acurada são levadas em consideração outras dimensões como o modo de vida do agressor, outros depoimentos além da avaliação psicológica da criança feita por profissional capacitado. 58 PARTE IV – Caracterizando a Rede “A exploração sexual comercial e os abusos sexuais respondem a múltiplos fatores e se inscrevem num estilo de relações que, de alguma maneira, todos participam. Nesse aspecto, a proposta de intervenção em rede implica muito mais que a coordenação ou a articulação de diferentes recursos familiares, comunitários e institucionais. Por um lado, implica a aceitação de diferentes modalidades de atenção, distintas formas operativas de abordagem e reconhecimento da diversidade de visões. Por outro lado, requer a construção coletiva de modelos para entender a problemática, altamente determinada por fatores ideológicos e culturais. Implica também abrir espaços para a divisão de papéis, a negociação, partilha de recursos e responsabilidades. As redes sociais de proteção e atenção à infância e à adolescência e de combate à exploração sexual comercial, com a participação de organizações públicas e privadas, de associações comunitárias, de empresas, de sindicatos e outros movimentos sociais, é a via mais eficaz para lograr uma resposta efetiva ao problema.” (Fonte: Glossário OIT/IPEC -Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes na Tríplice Fronteira Argentina/Brasil/Paraguai). Atualmente, percebemos a importância dos “trabalhos em rede”, cujas noções giram em torno da articulação de atores e organizações para ação conjunta com responsabilidade compartilhada, de contatos dinâmicos e não burocráticos entre organizações do Estado e da Sociedade. (Faleiros,1998). O conceito de redes transformou-se nas últimas duas décadas em alternativa prática de organização, possibilitando atuação e articulação social. 1. Rede em Teófilo Otoni O contexto observado neste município nos permite dizer que a visibilidade da violência sexual e também a forma como ela ocorre parecem ser distintas. Uma das poucas instituições de atendimento que lida com crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados é a Casa Ninho, que é o abrigo para onde elas são encaminhadas quando retiradas dos lares. Embora não haja unanimidade acerca do fato de existir ou não uma rede constituída no município, as entrevistas, visitas e conversas informais realizadas ao 59 longo do processo de pesquisa sugerem que de fato não existe, no município, uma rede de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil nos moldes da definição adotada. Pelo contrário, o que existe é um conjunto de instituições que recebem, de alguma forma, e em diferentes momentos, crianças e adolescentes vítimas e que dão, de forma geralmente isolada, os encaminhamentos que lhe cabem, sem que haja articulação e troca de informações, sobretudo seguindo um fluxo ou rotina estabelecidos. 1.1. Percepção da rede sobre o conceito de rede Em linhas gerais, é possível elencar alguns termos que sintetizam os conceitos de rede apontados pelos entrevistados: integração, cooperação, atuação conjunta voltada para um objetivo em comum; identificação conjunta de problemas e de soluções; envolvimento de todos; escuta; diálogo; fluxo efetivo da comunicação e de informação entre todos envolvidos. A idéia de um conjunto de instituições conectadas pelos objetivos e trabalhando em prol de algo comum perpassou todas as entrevistas. Também a idéia de que cada instituição tenha seu papel, e que a rede é composta por atores de diferentes naturezas – governamental e não governamental - fez parte das definições apresentadas. A comunicação entre as instituições é um outro ponto de destaque nas definições apresentadas. O trabalho em rede envolve o atendimento, o encaminhamento e também o retorno com relação aos casos encaminhados – ou seja, comunicação efetiva. Este trabalho requer que as informações sobre os casos atendidos circulem entre as diferentes instituições envolvidas, para que os registros possuam todo o histórico dos casos. A comunicação prevaleceu como aspecto essencial da rede. A discussão sobre responsabilidade compartilhada e sobre a ação ser horizontalizada foi apenas mencionada, mas não aprofundada pelo atores. A delimitação de qual o grupo no qual intervir surgiu em algumas definições, embora a delimitação do grupo da intervenção não tenha sido o foco das falas dos entrevistados. Alguns trechos de entrevistas, mencionados abaixo, ilustram bem as definições apresentadas. “Como se fosse um teatro, uma peça teatral, e cada qual tem sua função. Para que funcione, para que a peça seja bem feita e tenha 60 sucesso, é necessário que haja envolvimento de todos naquilo” (Entrevista, rede de defesa/responsabilização). “O trabalho em rede, ele implica numa comunicação, né, uma comunicação efetiva entre todos os serviços oferecidos na cidade. Isso implica um trabalho de referência contra. Implica que essas entidades tenham como se comunicar” (Entrevista, rede de atendimento). “Rede, se for o que eu estou entendendo, seria uma forma de integração entre os órgãos envolvidos para que possam agir exatamente em regime de integração, evita exatamente aquela separação rígida, aquela coisa compartimentada, comunica pra um que comunica pro outro que comunica pro outro, aí se deveria ser a ação simultânea de todos os órgãos envolvidos” (Entrevista, rede de defesa/responsabilização). 1.2. Fluxo de Funcionamento da Rede Um dos objetivos desta pesquisa é identificar o fluxo de funcionamento da rede de enfrentamento dos crimes de abuso e exploração sexual infanto-juvenil. Este fluxo pode ser assim representado: Figura 3 – Fluxo de Encaminhamento Família/População Instituições/ ON Gs Denúncia N otificação Encaminhamen to Criminal Delegacias M inistério Público Vara Criminal Conselho Tutelar MP SOS–Criança Encaminhamen Vara da to Infância e Civil Juventude − Abrigos provisórios − Programas e Projetos Sócio-Cultural − Profissionalização/Esporte e Lazer/Saúde e Educação O utras alternatives Fonte: CECRIA, “A Exploração Sexual Comercial de Meninos, Meninas e Adolescentes na América Latina e Caribe- 2ª Edição Elaboração do Relatório: Maria Lúcia Pinto Leal, Brasília, Julho/1999 61 A denúncia destes casos é feita pela família, ou pela população (ex.vizinho, denúncia anônima) ou por instituições públicas tais como escola, creche, hospital ou postos de saúde, pela Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal, pelo Centro de Referência de Assistência Social (Cras), ou não governamentais como a Casa Ninho e a APJ – Aprendendo a Produzir Juntos – sendo a primeira totalmente voltada para crianças e adolescentes. A notificação pode ser feita pelo Conselho Tutelar, pelo Ministério Público ou ainda pelo Juizado da Infância e Juventude. Há duas possibilidades de encaminhamento. Em casos de abuso e exploração sexual, são feitos os dois tipos de encaminhamento: civil e criminal. O encaminhamento civil (atendimento e proteção da criança e do adolescente) pode ser feito pelos Conselhos Tutelares requisitando serviços públicos na área de assistência social (Cras – diagnóstico da família do abusado) e na área de saúde, educação, esporte. Ou pelo Ministério Público que atua na área civil, por exemplo, para pedir a guarda de uma criança que precisa ser retirada da família ou ainda pelo Juizado com a atuação do comissariado fiscalizando locais suspeitos de aliciar adolescentes, encaminhando as crianças para lares substitutos e abrindo processo de adoção para estas. Em Teófilo Otoni, existe a Vara da Infância e da Juventude. Isto é, com Juiz e Promotor especializados, técnicos tais como psicológos, assistente social, dentre outros. Foi enfatizado nas entrevistas que o encaminhamento é feito por estas instituições, no caso de abuso e exploração sexual, ao Sentinela. A instituição, embora recente no município, é reconhecidamente apontada por tratar destes casos. Sua atividade principal é o monitoramento destes casos. Estes também são encaminhados a entidades tais como a Casa Ninho ou outras que desenvolvem oficinas ocupacionais e programas de profissionalização, tal como a APJ. O outro encaminhamento é o criminal (identificação e incriminação do autor) que pode seguir no fluxo com a realização de investigação na Polícia Civil, solicitada pelo Conselho Tutelar depois de realizado o exame de conjunção carnal. Mas não é incomum que a investigação se inicie sem ter passado pelo Conselho Tutelar e que o caso, da Delegacia seja encaminhado para o Sentinela. Também não é incomum que o Ministério Público Criminal inicie a ação e a denúncia dos envolvidos no aliciamento ou no abuso a ser apreciada e julgada pelo Juiz da Vara Criminal. Na Vara Criminal os processo de abuso e exploração (que são poucos) não são distintos dos outros quanto ao tramitamento. Foi reconhecida a lentidão no fluxo de responsabilização. Uma novidade que pretende ser instaurada na Vara é marcar com tarjas estes processos para diferenciá-los de outro e, desta maneira, proporcionar um tratamento mais ágil para estes casos. Ainda neste sentido, foi 62 sugerida uma melhor articulação entre as Promotorias Civil e Criminal com a Vara Criminal objetivando um andamento mais rápido dos processos que envolvem crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, principalmente. Em relação ao atendimento em casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, os casos são ouvidos e mantidos em sigilo absoluto. O procedimento de encaminhamento passa pela Delegacia, IML para ser realizado o exame de conjuncão carnal e logo em seguida o caso é direcionado ao programa Sentinela onde se realiza o acompanhamento. Dentre as dificuldades no fluxo de funcionamento, no caso do Delegacia Regional, foi apontada a dificuldade de abordar os caminhões nas operações uma vez que a cabine é considerada domicílio e, portanto, é necessária a presença de um juiz para dispensar a burocracia de expedição dos mandatos que entravam as operações. Além disso, a demora e falta de denúncia são empecilhos para apuração dos casos que se tornam assim invisíveis, fato também apontado pela Promotoria. Outro problema: a ação penal depende necessariamente da autorização da vítima ou seu representante legal (exceto quando o agressor é tutor ou responsável legal por esta, ou que o fato tenha resultado em morte ou lesão grave). Outra dificuldade apontada: como a denúncia não chega com rapidez aos órgãos competentes, todo o processo de identificação – que inclui o exame de conjunção carnal que deve ser imediato – apuração, encaminhamento e desfecho ficam comprometidos. Deve-se levar em conta, com respeito ao fluxo, que a realidade é muito mais complexa do que a representação que conseguimos fazer dela. Tal representação teria que ser multidimensional demonstrando, por exemplo, conforme apareceu nas entrevistas, que não poucas vezes são efetuadas ações conjuntas entre dois ou mais atores ou instituições, por exemplo: Conselho Tutelar e Delegacia; Conselho Tutelar e Promotoria (acompanhando juntos procedimentos, por exemplo). Contudo, estas ações conjuntas não se tornaram procedimento de rotina para todos os atores da rede e aplicáveis a todos os casos. Se parte disto se deve ao fato de que as decisões no fluxo de funcionamento são tomadas de acordo com cada caso, ainda assim nos parece, que não prevalecem estratégias mais dinâmicas e sim um prosseguimento mais burocrático e formal. O não acompanhamento do caso depois de finalizada a ação da instituição pareceu ser a regra. Também prevaleceu a comunicação via papel (a que mais nos chama atenção é a do Conselho Tutelar com o Programa Sentinela). O 63 contato do Conselho Tutelar com o Juizado e, especialmente, com a Vara Criminal pareceu ser extremamente insuficiente, uma indicação disto é que estes sequer foram representados no diagrama apresentados adiante. Nestes casos, conforme apareceu nas entrevistas, o contato com o Juiz Criminal é feito via Promotoria. A ausência desta relação também foi apontada pelo Juiz. 2. As instituições da rede Em linhas gerais, vamos analisar a rede de enfrentamento ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil em Teófilo Otoni segundo os aspectos da organização, da atuação e do trabalho realizado, do planejamento e metas e do registro das informações de cada instituição. Algumas serão analisadas de forma pormenorizada a fim de exemplificarmos o funcionamento do fluxo de encaminhamento e troca de informações entre as mesmas. A. O Conselho Tutelar A constituição de 1988 entendeu que a sociedade devia participar lado a lado com o Estado para o atendimento e negociação de seu interesse. Esta participação também foi enfatizada na Legislação referente à infância - o Estatuto da Criança e do Adolescente - Eca, promulgado em 1990 que criou o Conselho Tutelar, órgão encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (art 131). Os Conselhos Tutelares constituem, portanto, uma inovação. Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos Conselhos Tutelares, em geral, é a deficiente estrutura oferecida pelos poderes locais. Em Teófilo Otoni, existem dois Conselhos Tutelares e são divididos em Norte e Sul. CONSELHO TUTELAR NORTE A equipe técnica do Conselho Tutelar Norte conta com um assistente social, um motorista, cinco estagiários além de uma pessoa responsável pelos serviços gerais. Entretanto, segundo os conselheiros, há a necessidade de profissionais de outras áreas para compor o quadro técnico da instituição tais como psicólogos, advogados, pedagogos e apoio administrativo. O planejamento das atividades é realizado anualmente e no decorrer desse período são executadas de acordo com a demanda e discutidas entre os 64 conselheiros. Esse Conselho possui um automóvel de uso alternado com o Conselho Sul em bom estado de conservação para realizar suas diligências. O programa SIPIA foi instalado nessa agência, mas não vem sendo utilizado regularmente. De acordo com entrevista, apenas alguns casos são registrados nesse sistema. O motivo se deve ao fato do programa exigir informações que muitas vezes os conselheiros não dispõem, impedindo-os de avançar no registro dos dados, além de pouca capacitação para operá-lo. Os casos são registrados em um caderno, com informações objetivas e sucintas, incluindo descrição da demanda atendida e encaminhamentos realizados. Essas informações norteiam as ações do conselho e servem para elaborar estatísticas, de acordo com entrevista. São muitas as atribuições do Conselho Tutelar, e as que são realizadas com maior eficiência de acordo com uma auto-avaliação são as de encaminhamento das informações em casos que envolvam crianças e adolescentes ao Ministério Público ou outras agências competentes. As áreas que mais apóiam o Conselho Tutelar Norte, em casos de solicitação, são as áreas de assistência social, psicológica e jurídica e às vezes obtém apoio médico e administrativo. O Conselho Tutelar mantém contato com a maior parte das agências que compõe a rede trocando informações via papel e realiza ações conjuntas com outras entidades da rede de defesa e responsabilização, exceto a Polícia Rodoviária Estadual. Existem algumas dificuldades no trabalho dessa instituição, apontada pelos entrevistados. Falta infra-estrutura adequada aos atendimentos e o excesso de demanda faz com que o Conselho restrinja seu trabalho ao atendimento das vítimas, não tendo disponibilidade para se dedicar a outras tarefas. Em relação aos fatores que podem servir para o aprimoramento do Conselho Tutelar Norte foi apontado como muito necessário um programa de capacitação dos conselheiros para lidar com o problema de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes de acordo com o Eca, além de estreitamento de relações entre o Conselho, o CMDCA e órgãos do executivo em áreas como educação, saúde, habitação, etc. 65 Figura 4- Fluxograma Do Conselho Tutelar Norte APE B/RT M inistério Público Instituição A PJ M/RQ M A/RD Secretaria de Ação Social Programa Sentinela A/RD M /RQ C onselho Tutelar N orte Instituição Doctum. Abrigo O Ninho M A/RD M/RD C.I.A. Programa Peti B/SP A/SP Polícia Civil Polícia M ilitar A/RM A/RM Legenda Rotina Operacional RD RS RQ RM RT RST SP Rotina Diária Rotina Semanal Rotina Quinzenal Rotina mensal Rotina Trimestral Rotina Semestral Sem Periodicidade Nível de Interação MB B M A MA Muito Baixa Baixa Média Alta Muito Alta CONSELHO TUTELAR SUL A equipe técnica do Conselho Tutelar Sul é bastante insuficiente contando apenas com um assistente social e um motorista. De acordo com o próprio Conselho, seria necessário um quadro técnico muito superior a esse, contando com profissionais como advogados, psicólogos, pedagogos, secretárias e pelo menos dois estagiários para suprir a demanda da instituição. As atividades realizadas são planejadas semanalmente e discutidas entre os conselheiros e com o promotor de justiça. Este Conselho avalia como alta ou medianamente eficientes atividades como atendimento a crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados bem como o atendimento a suas famílias. São também eficientes os encaminhamentos de casos de infração dos direitos infanto-juvenis ao Ministério Público, às autoridades judiciárias em casos de sua competência, promoção e execução de decisões requisitando serviços públicos em áreas de educação, saúde, serviço social, previdência, trabalho e segurança. O Conselho fiscaliza ainda as entidades de atendimento governamental e não-governamental aplicando medidas de advertência quando cabíveis. 66 O Conselho Sul também conta com o programa SIPIA, mas este não é utilizado, pois falta cadastramento de algumas entidades e internet para realização de pesquisas e envio de dados. Assim, as informações são registradas manualmente, tal como o procedimento adotado no Conselho Norte. Ao Conselho Sul sempre são encaminhadas denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes e algumas vezes casos de abuso e exploração sexual bem como solicitações de atendimento. O Ministério Público foi apontado como a entidade que mais atende as solicitações feitas pelo Conselho Sul e algumas vezes são atendidos pelo serviço de saúde, psicológico e de assistência social. A entidade mantém troca de informações via papel com a maior parte das outras agências ligadas à rede de enfrentamento de violência sexual infanto-juvenil. Os casos são encaminhados para serviços da rede de atendimento e outros órgãos da rede de defesa e responsabilização e a elaboração de ações se faz em conjunto com as outras instituições dessa rede, escolas e outras entidades da sociedade civil. Este Conselho fiscaliza entidades e programas voltados para o enfretamento da violência sexual infanto-juvenil e compartilha suas informações com o Ministério Público e Poder Judiciário. Tal como o Conselho Tutelar Norte, o Sul acredita que existem programas direcionados à questão da violência sexual de crianças e adolescentes em quantidade e qualidade adequados no município. As maiores dificuldades enfrentadas estão relacionadas à falta de entidades que possam acolher crianças vitimas de violência sexual, bem como atender suas famílias. O excesso de demanda diante de uma equipe técnica tão pequena também tem dificultado as ações do Conselho Tutelar Sul. Outra dificuldade apontada é o difícil relacionamento entre a instituição e Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). Figura 5 – Fluxograma do Conselho Tutelar Sul 67 Programa Sentinela Conselho Municipal Creche M/SP A/SP SP/M Secretaria de Ação Social Promotoria MA/RD MA/SP Conselho Tutelar Sul APJ Escola SP/M MA/SP Polícia Militar Cras M/SP MB/SP Polícia Civil M/SP Legenda Rotina Operacional RD RS RQ RM RT RST SP Rotina Diária Rotina Semanal Rotina Quinzenal Rotina mensal Rotina Trimestral Rotina Semestral Sem Periodicidade Nível de Interação MB B M A MA Muito Baixa Baixa Média Alta Muito Alta De acordo com entrevistas, o Conselho não realiza um trabalho específico voltado para crianças vítimas de violência sexual, apesar de realizarem atividades como teatros e palestras em escolas para esclarecer para a população seu papel. Grande parte das denúncias desse tipo de crime chega por telefone ou mesmo por parte dos responsáveis. Nesses casos, a denúncia chega e a criança é encaminhada para o programa Sentinela. O registro dos casos é feito numa ficha/prontuário, com a queixa principal padronizada que contém denúncia, queixa principal, denunciante e histórico (onde há o relato do fato ocorrido). Alguns casos são encaminhados à Delegacia onde as vítimas são encaminhadas para exame de conjunção carnal. As instituições que encaminham casos para o Conselho Tutelar, em Teófilo Otoni, são a APJ, escolas estaduais e municipais, creches e a Polícia Militar. A medida tomada pelo Conselho Tutelar ao agressor de violência sexual pode ser uma advertência verbal ou oficial seguida de um termo de responsabilidade. Em casos mais sérios, existe um termo de declaração, como nos casos de violência sexual. 68 O acompanhamento dos casos vai depender de sua gravidade e evolução. Quando as vítimas são muito novas, estas costumam ser acompanhadas até a adolescência. Os conselheiros atendem regiões onde não moram por medida de segurança e privacidade. Ao receberem as denúncias, realizam visitas domiciliares durante as quais são ouvidas as crianças e as famílias. Em alguns casos, existe a necessidade de encaminhamento das mesmas a instituições como a “Casa Ninho”, “Agente Jovem” ou mesmo para acompanhamento psicológico ou assistencial. Outros casos são encaminhados para a Promotoria. Dentre as funções do Conselho Tutelar está ajudar os pais nas atribuições de seu papel como, por exemplo, a importância da atenção na criação dos filhos. Após o atendimento e encaminhamento, a criança e a família são acompanhadas através de monitoramento do progresso do caso e se o problema que deu origem à queixa não está acontecendo de novo. Alguns casos são encaminhados para o CRAS/ Casa das Famílias. O tempo e freqüência de acompanhamento variam de caso a caso. Os casos que são encaminhados para a Promotoria não são acompanhados. As ações do Conselho são norteadas pela demanda e urgência dos casos que aparecem. Quando não há medidas de urgência para serem tomadas, os conselheiros realizam, então, visitas em dias alternados, uma vez que existe um carro que é dividido para os Conselhos Norte e Sul. O ECA é visto como “uma certa estrutura para a criança, a vítima” que tem seus direitos violados ou é agredida de alguma maneira. Entretanto, a estrutura para encaminhamento dessas crianças não é suficiente para atender os casos e que somente existirem leis não é o suficiente. O trabalho do Conselho Tutelar ficou parado durante um tempo devido à falta de recursos (falta de gasolina, telefone). Tempos depois, esses recursos foram supridos pela prefeitura. B. Centro de Referência de Assistência Social (CRAS)/ CASA DAS FAMÍLIAS O CRAS/ Casa das famílias é uma entidade cujo atendimento envolve toda a família, trabalhando com o público de forma sistêmica. Os casos de violência sexual em geral chegam ao CRAS encaminhados por escolas, creches, postos de saúde, Conselho Tutelar, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), 69 Aprendendo a Produzir Juntos (APJ) ou através de buscas ativas nas quais o pessoal do CRAS realiza visitas às famílias. Uma vez identificados os casos, fazem visitas domiciliares, elaboram um relatório psicossocial da família (relatório padronizado que aborda questões sobre habitação, escolaridade, etc) que também fornece subsídio aos técnicos no desenvolvimento para ações intervenientes. Tanto os familiares quanto a vítima são chamados para entrevista com os técnicos do CRAS, a partir da qual é desenvolvido um “Programa de Desenvolvimento Familiar” (PDF) quando são elaboradas pelos psicólogos e assistentes sociais estratégias de intervenção junto à família (econômicas, sociais e psicológicas). Os técnicos encaminham o caso para o “Sentinela”, juntamente com um relatório. Os casos são avaliados um a um para definir estratégias de ação tanto do CRAS quanto do “Sentinela”. Essa primeira agência trabalha mais no âmbito familiar. O desligamento da instituição é realizado somente após melhoria das condições de convivência da família. No CRAS, são desenvolvidos projetos direcionados a pessoas de todas as faixas etárias. Para o público infantil, especificamente, foram criados dois projetos com abordagem lúdica, brincadeiras, resgatando a questão do afeto familiar e uma brinquedoteca. Muitos dos projetos do CRAS são desenvolvidos de acordo com a demanda regional. No caso da região de Teófilo Otoni, uma das maiores demandas é acerca do problema das drogas. Neste sentido, a instituição buscou desenvolver projeto de resgate da identidade dos jovens mostrando outros objetivos diferentes do uso de drogas. No território sul, a grande demanda é em relação à gravidez na adolescência e para o enfrentamento do problema foram desenvolvidos projetos em parceria com os Postos de Saúde Familiar (PSF). Por esse motivo, foram apresentadas anteriormente informações sobre registros de gravidez na adolescência e drogaditos no município. Assim como a exploração sexual infanto-juvenil, esses são problemas que demandam soluções em Teófilo Otoni e, de acordo com as entrevistas, estão contando com maior visibilidade. Tomando como exemplo o CRAS, que desenvolve suas ações de acordo com as demandas de cada região, podemos pensar que a pouca visibilidade da exploração e abuso sexual infanto-juvenil em Teófilo Otoni prejudica diretamente suas vítimas, que já são carentes de instituições de acolhimento e políticas voltadas a seu atendimento, dificultando o desenvolvimento de iniciativas para seu enfrentamento. De acordo com as entrevistas do CRAS, a instituição chave para o enfrentamento do problema da violência sexual infanto-juvenil é o Conselho Tutelar e esta é a instituição que mais encaminha casos para a Casa das Famílias. Esse 70 encaminhamento se faz ora por telefone, ora pessoalmente. Outra estratégia utilizada pelo CRAS é a realização de visitas nas escolas para falar sobre o ECA. O CRAS também recebe denúncias de casos de violência sexual infantojuvenil e encaminha para os órgãos de direito podendo acompanhá-lo paralelamente, caso seja necessário. Em casos de menores infratores, os casos são encaminhados para a Promotoria. O planejamento de suas ações é realizado em conjunto por toda a equipe técnica. C. CASA NINHO A Casa Ninho integra a rede de atendimento de crianças vítimas de violência sexual e outras negligências, sendo a mais importante instituição de atendimento ao problema no município. Em Teófilo Otoni, conta com um quadro de 42 funcionários e três voluntários e recebem crianças do município e região. Os candidatos a voluntários passam por uma avaliação dos coordenadores do programa no intuito de identificar se aqueles satisfazem ao perfil para trabalhar na instituição. A “Casa Ninho” possui convênio com a educação e ação social. Recebe alimentos, além de doações de pessoas físicas e jurídicas. De acordo com os entrevistados, a ajuda não supre todas as necessidades, mas ajuda a manter a instituição. Essa “casa” é dividida em “casa dos meninos” (que atende 30 crianças) e “casa das meninas” (com um total de 47 crianças). Os casos que chegam à instituição são registrados (separados por ano e nome da vítima) em um livro específico, o “livro de registros”, e a freqüência das crianças na casa é controlada. Depois é elaborado um relatório que é encaminhado para o Fórum onde será aberto processo. As informações são armazenadas em arquivo e computador. O maior público da “Casa Ninho” é de crianças em situação de risco. Aquelas vítimas de violência sexual não são muito numerosas. A instituição acolhe as crianças, que continuam sendo acompanhadas ao sair da mesma, mas não existe acompanhamento familiar. Da mesma forma, não realizam trabalho com o agressor. A “Casa” trabalha de acordo com o ECA, um desafio, portanto. Um dos maiores desafios para a “Casa Ninho” atualmente tem sido a insuficiente dotação orçamentária da instituição. Os recursos que existem são aplicados na manutenção da entidade (pagamento de funcionários, encargos, etc), mas ainda não contempla todas as despesas. Além disso, a instituição não tem divulgação do seu trabalho. 71 Figura 6 – Fluxograma da Casa Ninho Conselho Tutelar M Prefeitura Faculdades M Casa Ninho Promotoria da Infância e Juventude APJ M MA Vara Criminal Legenda Rotina Operacional RD RS RQ RM RT RST SP Rotina Diária Rotina Semanal Rotina Quinzenal Rotina mensal Rotina Trimestral Rotina Semestral Sem Periodicidade Nível de Interação MB B M A MA Muito Baixa Baixa Média Alta Muito Alta D. POLÍCIA CIVIL A delegacia de Teófilo Otoni atende em regime de plantão onde fica um policial, estrutura de plantão, um delegado, um escrivão, perito e uma equipe de agentes 24 horas na delegacia. No total, a delegacia conta com o efetivo de 9 delegados, 8 escrivães, 5 peritos criminais, 1 auxiliar de necropsia, 1 médico legista e 30 agentes. Especificamente na área da infância e da juventude são 3 agentes, 1 delegado e 1 escrivão. O atendimento se processa da seguinte maneira: ao receber o boletim de ocorrência é dada seqüência na apuração de casos em territórios comuns e apuram ocorrências praticadas por menores ou contra menores, que são apurados pelo delegado de menores. Em caso de violência sexual cuja vítima é do sexo feminino, os mesmos são encaminhados para a delegacia da mulher por determinação do secretário de segurança. De acordo com essa determinação, todos os crimes cometidos contra mulheres, contra os costumes são encaminhados a essa delegacia. Em casos de violência nos quais a vítima é do sexo masculino, esses são apurados 72 pelo delegado da comarca. Para todos os casos de violência sexual infanto-juvenil é solicitado ao Conselho Tutelar encaminhamento das vítimas para instituições de atendimento. Quando existem denúncias vagas de crimes, é designada uma equipe de agentes para comparecer ao local e apurar/recolher informações, nome das pessoas envolvidas para dar início à investigação. Havendo abordagem de uma vítima, ela é ouvida, encaminhada a exame para dar base à instauração de inquérito quando for o caso e, a partir de então o inquérito é concluído. Os casos chegam através de boletim de ocorrência ou telefone. O boletim passa a compor parte do inquérito e encaminhado para a justiça e cadastrado no sistema. A delegacia envia os dados para a superintendência geral na capital, que alimenta o INFOSEG (trata-se de um sistema de informação de segurança atualizado pelo Ministério da Justiça), através de relatórios mensais. As ações não são planejadas com base nesses relatórios. E. VARA CRIMINAL Em Teófilo Otoni são 3 varas no total e uma delas é direcionada à execução de penas. De acordo com entrevistado, a vara possui uma estrutura de atendimento razoável no que diz respeito a equipamentos. Entretanto, uma das reclamações foi a falta de espaço para a realização de entrevistas com os acusados quando do interrogatório com acompanhamento do advogado. Sobretudo em casos de réu preso. A Vara funciona em regime de plantão da comarca onde é estabelecida uma micro-região por resolução do tribunal de justiça e a cada fim de semana ou feriado, um juiz permanece de plantão de medidas urgentes e hábeas corpus, além também de um promotor, um escrivão e um oficial de justiça. De acordo com entrevistado, esse procedimento é amplamente divulgado. No caso do cartório criminal, este funciona com um escrivão e quatro servidores, todos efetivos. No entanto esse número não é suficiente sendo necessários, no mínimo, mais três servidores para atender a demanda de 3500 processos. O espaço do cartório também é insuficiente para o funcionamento da instituição. Fica a cargo da vara criminal a guarda de armas de fogo e objetos apreendidos e não existe uma estrutura adequada para isso. 73 De acordo com o juiz criminal de Teófilo Otoni as condenações chegam à cerca de 90% dos casos, esse percentual também para os casos de violência sexual infanto-juvenil. O registro das informações na vara é informatizado. Essas são inseridas de acordo com a fase em que o processo se encontra. O sistema de armazenamento de informações é interligado e disponível em internet. A pesquisa pode ser feita pelo nome da parte do processo ou número. Além disso, as pautas referentes à audiência são publicadas no átrio do fórum. São produzidos relatórios mensais que servem para o acompanhamento do juiz e da secretaria e norteiam as ações futuras da vara criminal. Os relatórios não são encaminhados à corregedoria porque esta já possui acesso ao sistema de informação da vara. Nos cerca de 22 dias úteis do mês, a Vara deve realizar 52 sentenças, que é a meta estabelecida, além de despachos e audiências. F. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL A polícia rodoviária federal é dividida por funções comissionadas dentro do cargo de policial rodoviário federal. As funções podem se dividir em agentes, agentes especiais e inspetor. Existe a direção geral, seguida pela superintendência de cada estado e então, cada estado é dividido em delegacias, que abrangem várias cidades. O superintendente é escolhido pelo diretor da policia rodoviária e o diretor pelo ministro. O superintendente escolhe quem vai chefiar cada delegacia e o núcleo de policiamento. Em geral, a polícia Rodoviária Federal não colhe depoimentos em casos de violência sexual. Essa tarefa fica a cargo da polícia civil. O procedimento dos policiais rodoviários, em geral é colher algumas informações tais como local de moradia, motivo pelo qual a pessoa se encontra naquele local, se conhece o agressor ou não (em casos de exploração sexual) etc. Em seguida, vítima e agressor são encaminhados para a delegacia de polícia civil e lá prestam depoimento. A confirmação de prática de manutenção de casa de prostituição é difícil de ser confirmada, de acordo com o policial rodoviário. Em casos de abordagem de menores em carros e caminhões em situação de exploração, os policiais podem convidar a menor a descer do veículo, mas não podem obrigá-la a fazê-lo. Mesmo assim, a praxe é de que a ocorrência seja encaminhada para a polícia e aberto um inquérito que é encaminhado para o promotor de justiça. 74 G. MINISTÉRIO PÚBLICO O Tribunal de Justiça de Teófilo Otoni cede algumas salas para o Ministério Público. Entretanto a construção de sede própria está em andamento onde haverá uma promotoria especializada em casos da infância. Essa nova sede contemplará todo o Vale do Mucuri e Vale do Jequitinhonha. As promotorias são divididas em 5. A da infância e juventude conta com uma pequena sala que acomoda a promotora, dois estagiários, um técnico e mais um oficial. Esse espaço é insuficiente para acomodar a promotoria e atender ao seu público. O trabalho em dias de plantão pode ser realizado via fax e atende a demandas urgentes. Em casos de violência sexual infanto-juvenil o Conselho Tutelar recebe a denúncia, verifica em loco a situação e envia relatório ao Ministério Público onde será iniciado o pedido de providência. As investigações em loco podem ser realizadas também pela polícia militar e comissariado de menores. A promotoria compartilha informações com diversas outras agências como o Conselho Tutelar, Conselho Municipal e com o poder judiciário. O Ministério Público não alimenta o Sistema Integrado de Comarcas Informatizadas (SISCOM), pois essa tarefa é realizada pela vara da infância e da adolescência. Então, essa agência não possui informações registradas para nortear suas ações futuras. A atuação do MP começa, em geral, com uma fiscalização inicial depois é solicitado um estudo social, através de visita de uma assistente social que, além de observar, procura identificar fatores que podem ser melhorados na estrutura familiar. Os menores são encaminhados para a psicóloga, feita avaliação e identificada a necessidade de encaminhamento. Em casos graves de violência sexual, as crianças são encaminhadas a abrigos até que um parente tenha condições de abrigá-la ou até que o agressor seja preso. A entrevistada reconhece que os casos que passam pela promotoria não são acompanhados como deveriam (por exemplo, não sabem se houve realmente instauração de inquérito) e afirma que fazer esse acompanhamento é uma das metas que buscará atingir em seu trabalho. 2.1. Percepção Sobre o Trabalho Realizado das Instituições Componentes da Rede em Teófilo Otoni A maioria das entrevistas apresentou uma visão muito positiva do trabalho realizado pela rede em Teófilo Otoni, uma vez que os entrevistados acreditam que a existência de suas instituições surte um efeito benéfico para a sociedade como um todo, cada uma com seu papel. Assim, enquanto uma ajuda os pais a melhor educar seus filhos aprendendo especialmente a impor limites, outra abriga crianças em situações de 75 vulnerabilidade familiar dando a elas melhores oportunidades do que se elas continuassem em casa, pois a instituição dispõe mais recursos. Assim também, há algumas que acreditam estar contribuindo para melhoria do planejamento familiar, enquanto outra afirma que a capacidade de percepção do fenômeno da violência sexual aumentou muito de cinco anos pra cá, sendo que hoje o trabalho da instituição é coibir a inserção de menores na prostituição. Isso nos permite falar em complementação das ações desenvolvidas em um sistema interdependente, apesar de ainda não muito articulado quando se considera o conceito de “trabalho em rede”. “Porque se não existisse essa casa aqui, onde estariam as crianças hoje? Como que estariam com as famílias?” (Entrevista, rede de atendimento). “A própria instituição começou a disseminar essa cultura de procurar essas menores e encaminhá-las” (Entrevista, rede de defesa/ responsabilização) Boa parte daqueles que opinaram com relação à qualidade e quantidade de políticas de combate ao abuso e exploração sexual infanto-juvenil afirmam que elas são insuficientes. Alguns representantes da rede de defesa/ responsabilização reclamaram da falta de contingente: um deles afirma que apesar da frota de carros ter mais do que dobrado e a malha rodoviária não parar de crescer, o número de agentes é hoje menor do que era em 1996, impedindo ações mais ambiciosas e amplas. Já em outra entrevista, deparamo-nos com um número insuficiente de funcionários. Outro representante da rede de defesa/ responsabilização afirma que enquanto a quantidade de programas é adequada, a qualidade já deixa a desejar, pois não resolve o problema. O exemplo dado foi do programa Sentinela que tem espaço para atender, mas não consegue atuar de forma efetiva por não ser conhecido. Outra afirmação importante da rede de defesa/ responsabilização é a de que quando as operações são realizadas na presença de juízes e promotores que estão realmente dando apoio, querendo participar, elas tendem a ser bem mais eficientes. “Você estar com ele in loco, sabe, com o juiz, o promotor, e ele ver a situação, se sensibiliza com aquilo, manda fechar na hora” (Entrevista, rede de defesa/responsabilização). Das instituições de defesa e responsabilização, apenas uma apresentou uma visão realmente positiva de seu contexto. De acordo com seu representante, a 76 situação da instituição é privilegiada se comparada a outras, pois ela dispõe de profissionais qualificados (incluindo um técnico concentrado só na infância) e tem um espaço relativamente tranqüilo para trabalhar. “... nem todas as instituições dispõem de um técnico, eu disponho de um técnico... que fica só é, concentrado na infância. Né, tem também um oficial. Que são dois auxiliares né: o técnico que é formado em direito... então, um deles é especializado né, e tem o outro que é o oficial, é é ele tem um, um segundo grau, mas que realiza essas tarefas burocráticas, assim funções burocráticas... mas, então é o que eu falo assim, aqui... é é é, aqui eu to privilegiada, diante de muitas instituições por aí sabe” (Entrevista, rede de defesa/ responsabilização) 2.2. Percepção funcionamento da rede sobre dificuldades no Um primeiro ponto que merece destaque entre as dificuldades no funcionamento da rede, diz respeito à falta de definição de qual seria o papel dentro de cada instituição ou ator dentro da rede de enfrentamento à violência sexual infantojuvenil, fator esse que está muito relacionado com incipiência da proposta de trabalho integrado entre as instituições, incipiência mais visível ainda no caso de nosso foco de diagnóstico. Diagnosticamos uma certa falta de clareza para a população em geral e para as instituições componentes da rede de enfrentamento, de qual seja o real papel de cada uma delas. Se por um lado isto faz com que muitas vezes a população não chegue até elas para demandar serviços e, o que nos interessa, para fazer denúncias, por outro sugere a falta de comunicação entre as instituições e falhas na divulgação das atividades realizadas. Ademais, o fato de cada instituição possuir objetivos, públicos-alvo e metodologias distintas, acaba dificultando a identificação de algo que as una e motive a troca de informações bem como o trabalho articulado, num contexto onde “a” rede, nos moldes definidos dentro desta análise, encontra-se em estágio primário. “Porque o que gente nota, é que essas entidades elas querem, é, cada uma fazer né, por si. Eu quero colher informações que sejam pertinentes ao meu trabalho. Ao passo que se tivesse um pensamento integrado, a minha escuta, a minha coleta de informações, ela poderia servir pro seu serviço, pro seu atendimento. O que se percebe muito, 77 é que essas entidades elas querem auto-investir no próprio atendimento e não estão nem ligando pra, pros outros serviços que existem né, querem acumular tudo dentro delas, e não compartilhar” (Entrevista, rede de atendimento) As instituições que potencialmente comporiam a rede de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil não conseguem abranger todo o município. As áreas mais afastadas, como é o caso da zona rural e dos distritos, acabam ficando à margem de todo o processo, inclusive Mucurizinho, distrito bastante citado como de procedência das vítimas de abuso e exploração sexuais. Os encaminhamentos só são feitos de fato nos casos em que haja denúncia, além do que nem todos os casos identificados são denunciados, em face da distância – inclusive física – entre estas localidades e a “rede” de defesa e responsabilização. “Esse trabalho em rede, eu acho que é quase utópico. Porque existem serviços, serviços efetivos que ocorrem, mas não existe essa comunicação. Não, de forma alguma!” (Entrevista, rede de atendimento). Embora uma das entrevistas tenha aparecido que necessariamente todas as denúncias chegam à instituição, o que se observou, com base em todas as entrevistas e visitas realizadas, é que o fluxo da informação, assim como dos encaminhamentos, depende do caso – “cada caso é um caso” - e de sua “porta de entrada”. Ou seja, não é possível traçar o fluxo ‘padrão’ dos casos, nem dos encaminhamentos, uma vez que não se reconhece a existência de um fluxo como sugerido na teoria – ou seja, de denúncia, de informação, ou de encaminhamento – que deva ser tomado como obrigatório. Tal fato impossibilita a existência de uma instituição que congregue informações sobre todos os casos, que seja capaz de fornecer informação sobre todos os encaminhamentos que foram dados. De fato, durante as visitas e entrevistas, não foi possível identificar uma instituição que possuísse registro de todos os casos denunciados no município, ou seja, qualquer que seja a fonte de informação, existe uma sub-enumeração das ocorrências. Além disso, faz com que nem sempre a instituição que fez o encaminhamento tenha retorno dos procedimentos feitos após sua atuação – ou seja, nem todos os casos têm um acompanhamento ao longo do tempo, como forma de avaliar se a situação de violência cessou, se os culpados foram punidos e se a criança/adolescente vitimizado, bem como sua família, receberam os atendimentos necessários. 78 Outra dificuldade apontada por alguns entrevistados refere-se à falta de entidades – na rede de atendimento, em especial - para onde se possam fazer determinados encaminhamentos ou, em outras situações, a falta de estrutura das entidades para atender à demanda do município. Nas falas dos entrevistados, embora a denúncia seja feita e os encaminhamentos necessários sejam realizados, muitas vezes estes não têm efetividade. Isto acaba por impossibilitar a retirada da criança ou adolescente vítima do contexto de violação em que ele se encontra, ou seja, a falta de estrutura acaba por revitimizar as crianças e adolescentes que, por falta de estrutura e de recursos, se vê forçada a permanecer no contexto dentro do qual ocorreram as violações. “No caso de Teófilo Otoni, às vezes acontece de ter o abuso e você pega a vítima, encaminha a vítima e você deixa a vítima no mesmo lugar que ela ta, porque você não tem a estrutura necessária para colocar essa vítima” (Entrevista, rede de defesa/ responsabilização). A este respeito, uma das entrevistadas chamou atenção para o fato de que não basta existirem as leis, o ECA, e as pessoas envolvidas na rede terem conhecimento do que está estabelecido, se não há uma estrutura capaz de dar conta das demandas que surgem em virtude da aplicação/observação destas leis. Embora esta tenha sido uma fala isolada, ela reflete um sentimento latente em várias entrevistas, e que vai ao encontro das observações feitas durante as viagens a este município, que é o da falta de uma estrutura capaz de fazer frente à violência sexual infanto-juvenil, tanto no que concerne à prevenção quanto ao atendimento às vítimas. Há de se considerar, no entanto, que esta insuficiência passa, em certa medida, pela falta de planejamento das ações, dentro das instituições, pela falta ou dificuldade de comunicação e troca de informações entre as instituições existentes, e pelo fato de que o município caracteriza-se por ser um pólo regional de atendimento em diversos âmbitos, fazendo com que a demanda por serviços em algumas áreas seja bastante elevada. A este respeito, é importante refletir sobre quais as contribuições que a constituição de uma rede de instituições voltadas para o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil poderia trazer, no sentido de minimizar os efeitos perversos da falta de estrutura municipal para fazer frente à demanda, fato que passa, em certa medida, tanto pela invisibilidade do fenômeno no município, quanto pela falta de recursos para investimento na ampliação de serviços oferecidos. Outro ponto deve ser colocado como dificultador do trabalho em rede no município, é o fato de que uma vez recebida a denúncia e feitos os encaminhamentos, muitas vezes não há um acompanhamento dos processos ocorridos com a vítima, 79 com o agressor e com sua família. Tal fato guarda estreita relação tanto com a falta de estrutura das entidades existentes, comentada anteriormente, quanto com o fato, apontado – ou sugerido – por todos os entrevistados, de que cada caso possui suas particularidades, que determinam em grande medida o fluxo de encaminhamentos a serem dados. O próximo gráfico representa a opinião das instituições que responderam ao questionário acerca do número de programas relacionados à temática existentes na cidade. Todas elas responderam que programas de apoio e orientação sóciofamiliar existem em quantidade inadequada na cidade. Em geral, o que devemos ressaltar nesses dados é que cerca de 80% destas mesmas instituições reconhecem a existência desses programas na cidade, apesar de estes serem em quantidade insuficiente para atender a demanda. O único programa que foge a esta regra é o relacionado “ao combate ao abuso e exploração sexual”. E este último ponto pode ser considerado como um ponto positivo. O gráfico abaixo quantifica esta percepção. Gráfico 13 – Percepção da rede sobre os programas existentes no município: quantidade não adequada 100% 100 83% 90 83% 80% 75% 80 70 60 50 33% 40 30 20 10 0 Apoio e orientação sócio-familiar Apoio a dependetes de álcool/drogas Programa profissionalizante Programa de colocação familiar Protagonismo Juvenil Combate ao abuso e exploração sexual Fonte: Questionário Institucional - Diagnóstico/CRISP-UFMG Certamente um ponto importante a ser investigado refere-se ao relacionamento das instituições componentes da rede com o Poder Executivo local. Chama a atenção o fato de todas as entidades de defesa terem reconhecido haver alguma dificuldade com o Poder Executivo. Da mesma forma, a maioria das instituições da rede de atendimento (67%) também apontaram alguma dificuldade 80 neste relacionamento. Fogem a este padrão, as instituições de responsabilização, uma vez que a minoria, ou seja, 1/3 (ou 34%) reconheceram esta dificuldade. As respostas ao questionário enviado também mostraram que todas as instituições da rede de responsabilização e 67% daquelas componentes da rede de defesa consideram que a participação da comunidade no enfrentamento do problema da violência sexual infanto-juvenil é baixa. 2.3. Percepção da rede sobre falta de entidades de atendimento a crianças e adolescentes e às famílias A maior parte das instituições representantes das redes considera que faltam entidades de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual em Teófilo Otoni, como nos mostra o gráfico seguinte. Gráfico 14 – Percepção da rede em relação à falta de entidades, em alto grau, de atendimento de crianças e adolescentes 100% 100% 100 90 67% 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Rede Defesa Rede Atendim ento Rede Responsabilização Fonte: Questionário Institucional - Diagnóstico/CRISP-UFMG Alta também é a percepção de que existem poucas entidades de atendimento aos familiares das vítimas de violência sexual, em Teófilo Otoni. (100% da rede de responsabilização, 67% da rede de atendimento e 50% da rede de defesa). 81 Gráfico 15 – Percepção da rede em relação à falta de entidades, em alto grau, para atendimento a famílias 100% 100 90 67% 80 70 50% 60 50 40 30 20 10 0 Rede Responsabilização Rede Atendimento Rede Defesa Fonte: Questionário Institucional - Diagnóstico/CRISP-UFMG 2.4. Aspectos positivos da rede Papel preponderante foi atribuído pelos atores da rede ao Ministério Público, mais precisamente à 5ª. Promotoria da Infância e Juventude, que tem se esforçado na articulação da rede e no contato rotineiro com toda ela, estabelecendo contato pessoal com os integrantes do Sentinela e da Casa Ninho. Isso demonstra que a rede em Teófilo Otoni não é totalmente fragmentada, isto é, formada apenas de atores que agem sós. Apesar disso, ainda na percepção dos atores da rede entrevistados, essas ações conjuntas ainda estão longe de serem realizadas articuladamente por todos aqueles que nela estão inseridos. A instalação do Sentinela é recente no município, entretanto, conforme entrevistas, os encaminhamentos de exploração e abuso estão sendo enviados ao mesmo e ele vem sendo integrado à rede. Mas, é importante estar atento para que este encaminhamento não se torne apenas transferência de responsabilidade. 2.5. Aspectos problemáticos do funcionamento da rede Escolas e Postos de saúde são instituições fundamentais de denúncias. Estas instituições apontaram dificuldades para realizar denúncias especialmente as escolas situadas fora do perímetro urbano. Ações pró-ativas só foram citadas pelo CRAS, que faz busca ativa em domicílios. Dentre as ações pró-ativas atualmente estão sendo enfatizadas aquelas 82 que envolvem o protagonismo juvenil, principalmente relacionado aos jovens que sofreram violência sexual. Ações conjuntas não se tornaram procedimento de rotina para todos os atores da rede e aplicáveis a todos os casos. Se parte disto se deve ao fato de que as decisões no fluxo de funcionamento são tomadas de acordo com cada caso, ainda assim prevalece um prosseguimento mais burocrático e formal. O registro de informações é precário, sobretudo nos Conselhos Tutelares, uma vez que o mesmo é feito de forma manual, não havendo a utilização do SIPIA. Recomenda-se, portanto, o fortalecimento dos Conselhos Tutelares, a conscientização da rede quanto ao seu papel, dentre outros, de centralizador destas informações de maneira a embasar a elaboração de políticas públicas municipais, estaduais e nacionais, já que uma das funções desta instituição é dar visibilidade nacional e governamental ao fenômeno quando do envio dos dados à Secretaria Especial de Direitos Humanos, através do SIPIA. 2.6. Percepção da rede sobre os desafios para seu sucesso A idéia de que o trabalho é realizado de forma fragmentada, isolada, faz com que as potencialidades de cada instituição sejam menos aproveitadas, e que o trabalho conjunto contribuiria para tornar as instituições mais fortes e para ampliar seu raio de alcance. Foi ressaltado que a definição clara acerca de qual seja o real papel de cada instituição dentro da rede de enfrentamento é um desafio a ser enfrentado. Este ponto já havia sido levantado quando da identificação das dificuldades enfrentadas no funcionamento da rede, demonstrando ser esse um objetivo essencial a ser buscado pelas instituições. O fato de que cada instituição tem sua especificidade, sua metodologia de atuação, seus objetivos e seu público-alvo, que são, na maioria dos casos, bastante distintos, aliado ao fato de que instituições governamentais e não governamentais operam segundo lógicas muito distintas, fazem com que o desafio do trabalho integrado fique ainda maior. Alguns entrevistados apontaram que o sucesso do trabalho em rede, que envolve a articulação entre instituições governamentais e não governamentais, dependerá de muita persistência e empenho, para que se mantenha o grupo mobilizado e para que este não fique estático diante dos desafios e dificuldades que 83 apareçam no caminho. Ou seja, manter a rede operante exigirá um esforço permanente da parte de todos. 2.7. Visão da rede sobre o Pair Em linhas gerais, foi unânime a opinião de que a vinda do PAIR é positiva e irá trazer contribuições importantes para a constituição da rede no município e para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Existe o reconhecimento de que o trabalho isolado tende a ser pouco eficiente e mais dispendioso, em geral e no que tange à violência sexual infanto-juvenil. Não obstante, tanto para o sucesso das intervenções componentes do PAIR quanto para a efetividade da articulação entre instituições governamentais e não governamentais, foi mencionado que será necessária muita persistência para que o grupo não se desmobilize nem fique estático diante dos desafios e dificuldades que apareçam no caminho. O fato de que cada instituição tem sua especificidade, aliado ao fato de que, segundo os próprios entrevistados, a idéia de rede no município seja ainda incipiente, faz com que o desafio do trabalho integrado e de se efetivar a proposta do PAIR, fique ainda maior. 84 PARTE V – Comentários Finais e recomendações ao trabalho em rede em Teófilo Otoni Em Teófilo Otoni, não foi observada a proeminência de nenhuma instituição no tocante ao enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil, apesar de alguns entrevistados terem apontado a Casa Ninho como instituição chave no combate a esse problema. A Casa Ninho é a única instituição no município que lida diretamente com crianças e adolescentes cujos direitos foram violados e atua também como abrigo para esse público. Os depoimentos colhidos no decorrer dessa pesquisa nos mostraram que, de acordo com os entrevistados das redes de defesa/ responsabilização e atendimento de Teófilo Otoni, o problema primordial na questão do enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil se refere à falta de apoio do poder público a essa problemática. Essa carência acaba sendo revertida em falta de apoio infra-estrutural como instituições especializadas no atendimento às vítimas de violência sexual, recursos humanos até a falta de legitimidade da questão junto à comunidade, com pouca visibilidade e dando, por vezes, impressão de que não se trata de um problema tão preocupante. Além disso, identificamos uma postura apenas reativa diante dos casos de violência sexual infanto-juvenil, pois se sabe que o problema existe, mas se os casos não são denunciados, não existem ações pró-ativas para seu enfrentamento. Esse parece ser o procedimento padrão nas instituições de enfrentamento do problema no município, com exceção do CRAS. Essa instituição atua não somente com crianças e adolescentes em situação de risco, mas com toda a família de maneira sistêmica. De acordo com depoimentos, são realizadas visitas de averiguação da situação de famílias suspeitas de estarem violando direitos de crianças e adolescentes. Os depoimentos demonstraram que não existe um trabalho em rede estruturado dentro do município. O que se observa na maior parte dos casos são agências que recebem os casos e procedem de maneira isolada e durante algum momento do processo, dando os encaminhamentos sem realizar as trocas de informação e articulação. Muitos relatos mostram que a atuação das instituições se dá em relação a cada caso, não estabelecendo uma padronização de procedimentos. Contudo, observa-se o esforço de algumas instituições em procurar estabelecer parcerias, tais como Conselhos Tutelares e Promotoria ou Conselhos Tutelares e CRAS, mas essa atuação não é estabelecida como uma prática rotineira para todas 85 as ocorrências, dependendo muito das características de cada um e da “porta de entrada” da denúncia. Outra queixa dos atores da rede de enfrentamento em Teófilo Otoni é a falta de definição do papel de cada um dentro da proposta de trabalho integrado refletindo insipiência de tal proposta entre as instituições. Essa falta de clareza se faz refletir também na comunidade que não possui idéia clara sobre o papel de cada instituição. O contato com essas instituições permitiu perceber que em nenhuma delas existe o registro de todos os casos denunciados no município levando a uma sub-notificação dos mesmos. Além disso, não é comum que os processos sejam acompanhados após os encaminhamentos. Houve muitas queixas acerca da pouca oferta de estrutura e instituições de acolhimento às vítimas infanto-juvenis de violência sexual. Alguns entrevistados ressaltaram que não basta atender os casos, nem existir um estatuto que as proteja se não houver uma estrutura compatível com tais direitos. Ademais, as instituições existentes não são suficientes para atender todo o público do município, muitas vezes ficando a zona rural desamparada. Apesar dos problemas apontados, observa-se a iniciativa de algumas instituições como o Ministério Público, através da Promotoria da Infância e Juventude, que procuram estabelecer um diálogo com outras no município como os Conselhos Tutelares, a Casa Ninho e o Sentinela, mesmo que ainda não muito estruturado. Isso demonstra que a rede no município não está totalmente desarticulada, mas muito trabalho precisa ser realizado para que exista de fato um trabalho integrado. Sendo assim, a partir das entrevistas, merece destaque a demanda das instituições por maior contato umas com as outras e o estabelecimento de maior número de parcerias para enfrentar o problema da violência sexual infanto-juvenil. Foram apontadas como necessárias principalmente parcerias com escolas, instituições que lidam diretamente com o público-alvo da questão. Desta forma, o PAIR é percebido como um programa que vem a somar aos esforços de enfretamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, posto que o trabalho articulado entre as instituições componentes da rede é algo valioso, mais eficiente e menos oneroso se comparado a esforços isolados das instituições. Entretanto, para que haja um trabalho articulado, é necessário que se desenvolva, dentro das instituições, conscientização para a prática desse trabalho e cooperação mútua entre as agências componentes da rede, o poder público e a comunidade. 86 Através da análise dos depoimentos colhidos junto às redes de defesa/responsabilização e atendimento em casos de violência sexual infanto-juvenil e todo o material coletado durante o processo dessa pesquisa, algumas recomendações da rede podem ser elencadas: • Relacionamento mais estreito com as escolas, especialmente aquelas situadas próximo à BR-116; • A maioria dos entrevistados alertou para a falta de atenção das autoridades quanto ao problema da violência sexual infanto-juvenil. Essa “desatenção” manifesta-se de várias formas como: a ausência de recursos tanto humanos número reduzido de profissionais e capacitação voltada ao problema - quanto financeiros, de estrutura física para o atendimento e encaminhamento dos casos, sobretudo, no que diz respeito aos locais apropriados para acolher as vítimas (casas-abrigo). • A maioria dos entrevistados sugeriu maior troca de informações entre as instituições através de reuniões periódicas com representantes, além da ampla divulgação entre elas. 87 Referências Bibliográficas Alianças Estratégicas. Pesquisa Conhecendo a Realidade: Situação dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselhos Tutelares. CECRIA. (1999) A Exploração Sexual Comercial de Meninos, Meninas e Adolescentes na América Latina e Caribe - 2ª Edição Elaboração do Relatório: Maria Lúcia Pinto Leal, Brasília, Julho. CECRIA, Repensando os conceitos de Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes Organizadores, Eva T. 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