Reprodução Humana: a polêmica dos embriões excedentes em

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Reprodução Humana: a polêmica dos embriões excedentes em
EDNA OLIVEIRA GONÇALVES
REPRODUÇÃO HUMANA: A POLÊMICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTES EM
FACE DA FERTILIZAÇÃO IN VITRO
Monografia apresentada como requisito
parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Direito, Escola de Direito e
Relações
Internacionais,
Faculdades
Integradas do Brasil - Unibrasil.
Orientadora: Profa. Karla Fischer
CURITIBA
2010
TERMO DE APROVAÇÃO
EDNA OLIVEIRA GONÇALVES
REPRODUÇÃO HUMANA: A POLÊMICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTES EM
FACE DA FERTILIZAÇÃO IN VITRO
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel no
Curso de Graduação em Direito, Escola de Direito e Relações Internacionais,
Faculdades Integradas do Brasil – Unibrasil, pela seguinte banca examinadora:
______________________________________________
Orientador:
Profa. Karla Fischer
Direito, Escola de Direito e Relações Internacionais, Faculdades
Integradas do Brasil - Unibrasil
Membros:
______________________________________________
______________________________________________
Curitiba, ___de ________de 2010.
ii
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus, pela vida, por tudo que Ele fez, faz e
fará infinitamente mais do que eu possa pedir ou pensar.
Aos meus pais, Antonio Gonçalves e in memorian Nair de Oliveira
Gonçalves, que me impulsionaram a conquistar o meu espaço.
Minhas filhas: Jessica, Andrea e Renata, a razão do meu viver que me
fazem feliz todos os dias; aos meus netinhos: Pablo, Vinícius Gabriel e Derick.
Todos os meus parentes e amigos que sempre demonstraram entusiasmo
pelo meu objetivo.
Aos professores e mestres pela paciência e dedicação; ao meu professor de
monografia Alexandrre Dotta, pelo profissionalismo de qualidade que conduziu o
presente trabalho e a minha professora orientadora, Karla Fischer, pela
disponibilidade para o meu aprimoramento e desenvolvimento do trabalho.
Meus amigos de turma em especial: a Laís Zanella, Marizete Pereira e Rosi
Stremel.
E a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a
concretização desse sonho.
iii
“Um homem é verdadeiramente ético
apenas
quando
obedece
sua
compulsão para ajudar toda a vida
que ele é capaz de assistir, e evita
ferir toda a coisa que vive.”
Albert Schweitzer
iv
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1
1 TÉCNICA DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA............................................ 3
1.1 FERTILIZAÇÃO IN VITRO..................................................................................... 4
1.2 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HOMÓLOGA ............................................................. 12
1.3 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HETERÓLOGA ......................................................... 14
1.4 BIOÉTICA. ........................................................................................................... 17
2 O EMBRIÃO PRODUTO DA FERTILIZAÇÃO IN VITRO ...................................... 23
2.1 O DESTINO DOS EMBRIÕES EXCEDENTES CRIOPRESERVADOS ............... 24
2.2 A PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS ............................... 28
2.3 VULNERABILIDADE DO EMBRIÃO ................................................................... 29
3 O EMBRIÃO PERANTE A ORDEM JURÍDICA ..................................................... 34
3.1 NATUREZA JURÍDICA DO EMBRIÃO................................................................. 38
3.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................................................ 41
3.3 O DIREITO À VIDA, UMA VISÃO CONSTITUCIONAL ........................................ 47
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 53
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 55
v
RESUMO
Tendo em vista que muitos casais não conseguem ter seus filhos pelo meio natural,
para combater a esterilidade e a infertilidade tanto masculina quanto feminina, a
biotecnologia trouxe várias soluções nesta área. Entre essas soluções encontramos
a técnica de reprodução humana assistida a fertilização in vitro, mais comumente
conhecida como bebê de proveta. No presente trabalho, procura-se trazer um breve
histórico da técnica, bem como, os problemas gerados em face da FIV destacandose o destino dos embriões excedentes criopreservados em laboratório e a suposta
ausência de legislação para sua proteção jurídica. A polêmica que envolve o tema
está concentrada ao início da vida, de quando esta se inicia, se desde sua
concepção ou conforme as fases de seu desenvolvimento. Existem correntes
doutrinárias que discorrem sobre o assunto dentre elas encontra-se a conceptiva e a
desenvolvimentista. Pretende-se trazer os conceitos e argumentos de autores que
apresentam opinião favorável e daqueles que se manifestam contra a utilização de
embriões humanos. Por fim, buscar-se-á na Constituição de 1988, com base no
fundamento do Estado Democrático de Direito elencado no art. 1º, III, a dignidade da
pessoa humana; no princípio de prevalência dos direitos humanos que rege as
relações internacionais da República Federativa do Brasil, art. 4º, II e no direito à
vida, direito e garantia fundamental, art. 5º, caput, da carta magna o subsídio pronto
e suficiente para proteção do embrião humano.
vi
1
INTRODUÇÃO
O mundo está em freqüente transformação. A ciência busca cada vez mais
respostas a tantos problemas relacionados a área de saúde. Com o surgimento de
impedimentos patológicos relativos à procriação como a esterilidade e a infertilidade,
tanto masculina quanto feminina, como também, o desejo de ter filhos, a
biotecnologia trouxe várias soluções e, entre estas, encontra-se a fertilização in vitro,
uma técnica de reprodução humana assistida utilizada para atenuar o problema que
envolve os casais que não conseguem ter seus filhos pelo modo natural e aqueles
que optam por esse procedimento. Desta forma no presente trabalho pretende-se
destacar a problemática que envolve o destino dos embriões excedentes originários
desta técnica, ou seja, da fertilização in vitro e os posicionamentos sobre o início da
vida.
Jussara Maria Leal MEIRELLES, em sua obra A Vida Humana Embrionária e
sua Proteção Jurídica, desperta sobre o tema destacando o nascimento de suas
filhas, Cassiana e Bárbara, expõe sua preocupação quanto ao destino dos embriões
que não foram utilizados:
Pensei e senti para além disso: poderiam, elas mesmas, terem sido aqueles pequeninos
embriões de laboratório, pelos quais aguardei tão aflita e que, infelizmente, não evoluíram
no meu útero. Ao mesmo tempo em que refletia sobre tudo isso, tinha notícias a respeito do
uso de embriões para fins diversos da finalidade terapêutica que inicialmente se propunha e
1
a respeito da sua pura e simples eliminação.
No ordenamento jurídico pátrio, encontra-se a Lei 11.105 de 24 de março de
2005, também chamada de Lei de Biossegurança que em seu artigo 5º permite, para
fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de
embriões humanos.
Em contrapartida a esta prática foi proposta pelo ex procurador da República
Cláudio Fonteles, a ADIN 3510, que considera inconstitucional o artigo 5º da Lei
11105/05, a qual foi julgada improcedente pelo STF.
Num primeiro momento, burcar-se-á alguns comentários sobre as técnicas
de reprodução humana assistida como a inseminação artificial e a fertilização in
1
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida Humana Embrionária e sua Proteção
Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 3.
2
vitro, nas suas modalidades homóloga e heteróloga, sendo dada maior ênfase as
estas técnicas as quais dão origem aos embriões excedentários, objeto de estudo
do presente trabalho.
Por segundo, destacar a problemática quanto ao destino a ser dado a estes
embriões excedentes, bem como, sua vulnerabilidade diante das diversas hipóteses
encontradas aos quais eles estão sujeitos, como a clonagem, pesquisas com
células-tronco embrionárias, a redução embrionária, quando estes já se encontram
no útero materno, a seleção de embriões para fins de seleção genética, levando
assim a eugenia, entre outras.
Por
fim,
dentro
de
um
contexto
jurídico
constitucional,
buscar
posicionamentos quanto a natureza jurídica do embrião, partindo do princípio
constitucional e fundamento do Estado Democrático de Direito, a Dignidade da
Pessoa Humana e de posicionamentos doutrinários de quando se inicia a vida
biológica.
3
1 TÉCNICA DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
A técnica de reprodução humana assistida surgiu diante da impossibilidade
de procriar pelo modo natural por muitos casais em decorrência destes sentirem o
desejo de gerarem sua prole e terem condições materiais para isso.
Dentre as técnicas de reprodução assistida destaca-se a inseminação
artificial que é a técnica científica mais antiga e a fertilização in vitro.2
Inseminação artificial consiste, na introdução do esperma na cavidade
uterina,
por meio de um tubo, no momento que o óvulo já está maduro para
fecundação.3
Esta técnica é utilizada para fertilizar a mulher com o esperma do marido ou
do companheiro, previamente coletado por meio de masturbação.4
A inseminação artificial pode ser homóloga quando se utiliza do material
genético do marido ou do companheiro da paciente; e a heteróloga que é realizada
com esperma de um terceiro de um doador fértil.5
Quanto a fertilização in vitro , desde o século XIX, mais especificamente no
ano de 1879, têm-se uma prévia demonstração das técnicas de FIV, uma prévia e
digamos, frustrada demonstração, pois, na tentativa de fertilizar cobaias, o cientista
Schenk, incubou elementos estranhos juntamente com espermatozóides, não
obtendo, assim sucesso em sua pesquisa.6
No ano de 1890, outros cientistas, em localidades diferentes, tentaram
novamente obter sucesso com a técnica da FIV. Até meados de 1944, porém, as
várias tentativas foram frustradas. Neste mesmo ano de 1944 começou-se a utilizar
a FIV em seres humanos. Dois cientistas, Rock e Menkin, a partir de mais de uma
centena de óvulos humanos, colocados na presença de espermatozóides, obtiveram
quatro embriões normais.7
2
3
4
47.
5
6
41.
7
Ibidem, p. 18.
Idem.
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. A Criminalidade Genética. São Paulo: RT, 2001. p.
Idem.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito. São Paulo: RT, 1995. p.
Idem.
4
Depois de mais de vinte anos, em 1969, Edwards e Steptoe obtiveram
embriões fertilizados in vitro. Em 1971, com as pesquisas realizadas pelos ingleses,
que consistia em utilizar de tratamento hormonal para estimular o crescimento dos
folículos ovarianos de forma a obter diversos óvulos, representando, dessa forma,
um progresso na FIV, possibilitando um maior número de óvulos fecundados, por
conseguinte um maior número de gravidezes.8
1.1 FERTILIZAÇÃO IN VITRO.
A procura pela FIV é produto de vários fatores, conforme pondera Jussara
Maria Leal MEIRELLES, que são: de ordem biológica, médica ou psíquica e podem
causar esterilidade ou a incapacidade para procriar ou por opção do casal ou até
mesmo da pessoa que quer ter filhos constituindo uma família monoparental. Outros
fatores também são apontados pela autora Maria Cláudia Crespo BRAUNER, como
a idade da mulher que deseja engravidar, como também os fatores psicológicos
resultantes do stress da vida moderna.9
As mulheres, hoje em dia, aguardam mais tempo para engravidar, tendo
esse fato ligação direta com a vida profissional e com a realização afetiva.10
Dessa maneira, a primeira gravidez ocorre após os trinta anos de idade,
momento em que a mulher se sente preparada para gerar filhos, não recebendo a
pronta resposta de suas funções reprodutivas.11
Diante disso, uma das soluções encontradas para a satisfação do desejo da
maternidade é a fertilização in vitro (FIV) ou fecundação in vitro; uma técnica capaz
de reproduzir fora do útero materno um ambiente artificial como a trompa de falópio,
na qual ocorrendo a fecundação naturalmente, a clivagem, prossegue até o estágio
em que o embrião pode ser transferido para o útero. Inicialmente essa técnica foi
indicada para mulheres que apresentavam obstrução irreversível ou ausência
8
Ibidem, p. 42.
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida... p. 17.
10
Idem.
11
BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Direito, Sexualidade e Reprodução Humana. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003. p. 58.
9
5
tubária bilateral, sendo, portanto, à época os únicos casos de indicação absoluta da
FIV.12
Para uma melhor compreensão do que consiste a fecundação in vitro o autor
Eduardo de Oliveira LEITE apresenta, de maneira sucinta, as etapas da técnica,
quais sejam: indução da ovulação, punção folicular e cultura de óvulos, coleta e
preparação do esperma e, finalmente, inseminação e cultura dos embriões. A
indução da ovulação é um recurso utilizado com bastante freqüência, tendo por
finalidade a superestimulação ovariana, portanto, a obtenção de mais de um folículo
por ciclo, aumentando o número de folículos, aumenta-se o número de óvulos a ser
coletado e por conseqüência, aumentando também o número de óvulos
fertilizados.13
Com respeito a produção de óvulos por meio de estímulos hormonais,
muitos são os questionamentos, em primeiro que estas novas técnicas de
superestimulação estão sendo aplicadas sem que se dê o tempo necessário para
sua utilização, sendo aplicada sem escrúpulo, sem os devidos deveres de cuidado,
buscando-se apenas interesses médicos e das clínicas de RA, podendo provocar
sérias conseqüências a vida da mulher e do feto.14
Esta indução ou superestimulação da ovulação não está livre de riscos, é
uma operação que apresenta conseqüências gravosas, potencialmente mortal, fora
ou durante a FIV.15
Punção folicular é um procedimento que serve para a coleta de óvulos.
Anteriormente este procedimento era realizado por meio de laparotomia ou por
laparoscopia.16
Na tentativa de encontrar um meio menos agressivo, hoje em dia a punção
folicular é feita quase em sua totalidade por meio de controle ecográfico, ou seja, a
agulha de aspiração atravessa o abdômen e a bexiga, o fundo da vagina e a uretra,
onde o conteúdo dos folículos é aspirado pela seringa e imediatamente levado ao
12
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 41.
Ibidem, p. 44.
14
SAUWEN, Regina Fiuza, HRYNIEWICZ, Severo. O Direito In Vitro: Da Bioética ao
Biodireito. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1997. p. 91.
15
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 44.
16
Idem.
13
6
laboratório. É um meio menos lesivo à mulher que permitiu um resultado positivo na
obtenção dos óvulos colhidos por punção.17
Da mesma forma que o óvulo precisa de um procedimento específico, faz
parte de uma das etapas da FIV a preparação do esperma, que após a coleta é
colocado a liquefazer-se por 20 minutos em temperatura ambiente, fazendo uma
análise para a determinação do número, da mobilidade e da morfologia dos
espermatozóides que devem ser extraídos do líquido seminal do qual se
encontram.18
Dessa maneira, são escolhidos os mais móveis, mais aptos a fecundação,
realizando uma migração ascendente destes em um meio de cultura no qual os mais
móveis atingem desde logo a zona superior.19
Com um melhor aperfeiçoamento da técnica FIV, deu-se origem a várias
outras, como a ZIFT (transferência intratubária de zigotos - corresponde a célula
reprodutora resultante da fusão de dois gametas de sexo oposto, ovo) e a Prost –
Pro núcleo stage transfer (transferência em estágio de pró-núcleo, em geral para as
trompas).20
Por fim, cada óvulo é colocado em um tubo de inseminação contendo os
espermatozóides, o qual é mantido em uma temperatura de 37º até o outro dia,
quando se saberá se ocorreu a fecundação e se ela é normal. Dois dias após a
inseminação, os embriões, dividem-se e apresentam 2, 4 ou mais células, só
restando portanto, transferi-los ao útero.21
Apesar deste procedimento não oferecer complicações genéticas há o alerta
de gestações gemelares ou de múltiplos. Diante da experiência que a vida pode ser
gerada fora do útero, criou-se grande expectativa que acompanha todas as etapas
da FIV, onde os membros da equipe envolvidos com a técnica de FIV, ficam
ansiosos para olhar no microscópio se o óvulo foi fecundado ou não, considerada a
fase mais excitante do programa.22
17
Ibidem, p. 45.
Idem.
19
Idem.
20
SAUWEN, Regina Fiuza, HRYNIEWICZ, Severo. Op. cit., p. 91.
21
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 47.
22
Idem.
18
7
Entretanto, esta técnica gera o grave problema dos embriões excedentes
igualmente não resolvido, nem pela ética, nem por razoáveis propostas jurídicas.23
Os mesmos argumentos levantados contra a FIV que são quase os mesmos
levantados contra a inseminação artificial heteróloga, descaracteriza a relação
praticada naturalmente e que os aspectos da união e da procriação do ato sexual
não deveriam ser separados, suscitando aqueles que defendem esta posição, e
acreditam que estão defronte princípios morais, éticos, jurídicos e sociais,
desaconselhando dessa forma seu emprego.24
Na prática desses procedimentos oberva-se que os envolvimentos éticos e
os riscos apresentados; tendo em vista que não há uma legislação que imponha
limitações, bem como, organize e estabeleça critérios de responsabilidades pelos
desvios que podem ocorrer, no que diz respeito à vida dos sujeitos envolvidos, do
homem, da mulher e da criança nascida por estas técnicas.25
Vê-se também que não é atribuído aos candidatos a este tipo de
procedimento as prevenções contra os inconvenientes psicológicos que poderão
surgir.26
A fertilização in vitro, necessita de um número maior de embriões, para
garantir um mínimo de gravidezes. Posições contrárias a esta técnica, afirmam ser
inadmissível a produção deliberada de embriões que tem um potencial de vida
humana, sabendo-se que este potencial não será realizado. Porque se o número de
embriões gerados é superior aos que serão transplantados, é moralmente
inaceitável deixar morrer os embriões não utilizados.27
Eduardo de Oliveira LEITE pontua algumas situações, tais como: a
destruição por defeito de implantação, poderia ser assimilada a um aborto? Não
pareceria correto raciocinar em termos de analogia: o embrião in vitro não pode ser
totalmente assimilado ao embrião in útero? A questão: que fazer de embriões in
vitro?28
23
Ibidem, p. 162.
Idem.
25
MEIRELLES, Jussara Maria Leal. Biodireito em Discussão. et. al. (Coords.). Curitiba:
Juruá, 2007. p. 23.
26
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 41.
27
Ibidem, p. 163.
28
Idem.
24
8
Da mesma forma a autora Maria Cláudia Crespo BRAUNER, coloca em
questionamento várias hipóteses:
A questão é de saber se todo e qualquer modo de gerar, através das técnicas de
reprodução assistida, devem ser permitidos? Algum limite deve ser imposto à mulher que
deseja escolher a denominada “produção independente” ou recorrer à maternidade por
substituição? Poderá a mulher querer gerar este filho ou pedir para outra o fazê-lo em
qualquer condição, como, por exemplo, após os sessenta anos? Pode um filho ser gerado
para salvar a vida de um irmão que sofra de doença genética incurável? Como conciliar
29
esses interesses sem que ocorra uma reificação da vida humana?
Considera ainda a autora BRAUNER que estas práticas de reprodução
humana assistida, em destaque a FIV somente devem ser permitidas para evitar a
transmissão de doenças hereditárias, previnindo-se, portanto, dessa maneira,
buscar o aperfeiçoamento, ou inclusão de um critério de qualidade eugênica, ou
escolha de sexo do embrião, sem indicações específicas.30
A prática do pré-diagnóstico em embriões humanos, é estimulante para
novos campos de pesquisa, abrindo-se oportunidades para a terapia gênica e para a
manipulação pré-implantatória de embriões.31
Temos a terapia genética que tem por finalidade reparar anomalias dos
genes por meio de procedimentos bioquímicos substitutivos. Entretanto, no que se
refere à seleção e intervenção em pré-embriões, há autores que consideram a
testagem embrionária, fetal e pós-natal caso a caso, como um direito individual, da
mulher, do homem, do casal.32
Em seu artigo Em Defesa da Vida Digna o doutrinador Luís Roberto
BARROSO, posiciona-se favoravelmente a intervenção em embriões, como a
utilização das células-tronco embrionárias, aduz que nesse tema pode-se chegar a
distintos níveis de abstração e complexidade. Por outro lado, considera que não se
pode ignorar os sofrimentos das pessoas que sofrem de doenças como por
exemplo, as atrofias progressivas, as distrofias musculares, entre outras, que
29
BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Op. cit., p. 76.
Ibidem, p. 90.
31
Ibidem, p. 91.
32
Idem.
30
9
notoriamente precisam da ajuda e empenho por parte do Estado, da sociedade e da
comunidade científica.33
Ninguém poderá obrigar outra pessoa a suprir gastos emocionais e
financeiros da responsabilidade de criar uma criança incapacitada para a vida
autônoma e de boa qualidade, sendo justo e ético que as pessoas tenham o direito
de decidir se querem ou não ter uma criança com esses problemas, tendo em vista
que quase sempre os cuidados com essa criança constituem uma tarefa só da mãe,
considerando que as mulheres geralmente são desamparadas pelo pai da criança e
pela sociedade.34
Tem-se que as intervenções genéticas terapêuticas em embriões devem ser
permitidas exigindo-se, portanto, que ocorra um aprofundamento crítico do conceito
de doenças e danos genéticos que podem ocorrer se forem considerados como
simples desvios da normalidade genética, atentando para o risco de passar da
terapia ao eugenismo, desviando-se o objetivo de aumentar o número de pessoas
normais em um processo de criar pessoas perfeitas, e o médico em um selecionador
genético.35
Maria Cláudia Crespo BRAUNER, alerta de que não há necessidade de
fabricarem embriões para congelar evitando-se, assim, o descarte de embriões que
não são utilizados.36
Outro problema encontrado é o da gravidez múltipla e para evitá-las,
entende-se que não deverá ser permitida a colocação de mais de dois embriões no
útero da mulher, pois, apresenta um risco grave a saúde da mulher.37
A gravidez múltipla é considerada, uma má prática da FIV, pelos profissionais mais
conscientes da área, tendo em vista que já é possível evitar-se o implante múltiplo de
embriões e, portanto, viabilizar gravidezes que resultam em bebês. Os cientistas, em tese,
são quem precisam de embriões e embriões. Há falta de regulamentação ética e jurídica
que imponha responsabilidades a estes profissionais, inclusive da área científica. Por
exemplo, uma legislação que proíba a fabricação de embriões com a finalidade de acobertar
38
insuficiências e/ou deficiências da técnica.
33
BARROSO, Luís Roberto. Em Defesa da Vida Digna: Constitucionalidade e Legitimidade
das Pesquisas com Células-Tronco Embrionárias. In: SARMENTO, Daniel, PIOVESAN, Flávia.
(Coods.). Nos Limites da Vida: Aborto, Clonagem Humana e Eutanásia sob a Perspectiva dos
Direitos Humanos, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 246.
34
BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Op. cit., p. 91.
35
Idem.
36
Ibidem, p. 92.
37
Idem.
38
Ibidem, p. 93.
10
A prática comum da FIV tem sido a transferência de mais de um óvulo
fecundado, através da estimulação hormonal, que provoca na paciente uma
hiperovulação, obtendo-se, vários óvulos do mesmo ciclo menstrual.39
Esta prática de superovulação provocada por estimulação hormonal e a
implantação de vários embriões no útero materno, leva a gravidez múltipla e vem
sendo utilizada a redução embrionária nestes casos para se evitar este tipo de
gestação.40
Por ser um mistério para os médicos, para que haja o sucesso da
implantação do óvulo fecundado é comum o transplante de mais de um embrião de
cada vez. Para a realização dessa prática, é necessário que se retire mais de um
óvulo e, portanto, que se estimule a ovulação.41
Como conseqüência, deve-se tomar cuidado com a ocorrência de
gravidezes múltiplas, que podem gerar abortos, partos precoces ou nascimentos de
bebês prematuros, que são extremamente prejudiciais à saúde da gestante e
também à da criança por nascer.42
Sendo assim, se vários forem os embriões obtidos por meio da fertilização,
um grande impasse se apresenta: se os diversos embriões são transplantados, há a
possibilidade de todos se desenvolverem, podendo ocorrer gravidez múltipla com
risco de aborto, parto precoce e outras complicações no desenvolvimento e; se
somente alguns dos embriões disponíveis são transplantados, seja porque os outros
não se desenvolveram suficientemente ou seja porque não tenham sido
transplantados apenas para evitar gravidez múltipla, e esses demais, denominados
excedentes, que ficam criopreservados, é preciso que se dê algum destino.43
Pelos argumentos e problemática apresentada percebe-se que é possível, evitar a formação
de embriões em números superior à demanda da pessoa ou pessoas envolvidas. Faz-se
necessário que a utilização deste método seja racional a fim de evitar as gravidezes
múltiplas, que representam grande risco de saúde à futura mãe e filhos, e essas cautelas
serviriam a superar o problema referente aos embriões excedentários ou supranumerários e
toda polêmica com relação ao destino a ser dado aos referidos embriões: se doação ou
39
Ibidem, p. 94.
LEITE, Eduardo de Oliveira. et. al. (Coords.). Grandes Temas da Atualidade. Bioética e
Biodireito. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 11.
41
BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Op. cit., p. 94
42
Idem..
43
Idem.
40
11
adoção, descarte, destruição ou, ainda, material biológico disponível para experiências
44
científicas.
A FIV é uma técnica de reprodução humana assistida relativamente simples
sob a ótica da autora Silvia da Cunha FERNANDES: na qual o óvulo em estado
maduro é retirado do ovário um pouco antes do momento em que ele seria
naturalmente expelido. Depois, é colocado em tubo de ensaio e misturado ao
esperma para que ocorra a fecundação. Fecundado, o óvulo é transplantado para o
útero da mulher a fim de que possa se desenvolver.45
Entretanto, ainda que seja uma técnica simples, pode ocorrer o agravante da
redução embrionária, quando se tem um número maior de embriões, que tem sido
utilizada para evitar gestações múltiplas; todavia, vale explicitar que essa prática
está proibida pela Resolução CFM n° 1.358/92, item I, n° 7, porque é considerada
criminosa, pois se trata de uma forma de interrupção da gravidez, com a destruição
de um ou mais embriões dentro do útero materno.46
Ao mesmo tempo em que se pretende coibir a redução embrionária seletiva
e indiscriminada, deve-se cientificar os pacientes por meio de informações e
esclarecimentos sobre os riscos de uma gestação múltipla, a maioria dos médicos,
especialistas em reprodução humana, tentam evitar esse tipo de gravidez múltipla,
havendo, inclusive, limitação legal quanto ao número de embriões que podem ser
transferidos para o útero materno. Na atualidade tem-se adotada a prática de não se
transferirem mais do que quatro embriões por ciclo, conforme Resolução nº 1358/92
do CFM.47
O autor Luís Roberto BARROSO, diz que é recomendável que a
transferência de embriões para o útero materno seja de dois e que possa chegar a
três, evitando assim as gravidezes múltiplas, sendo que os embriões excedentes
deverão ser congelados.48
É dentro deste contexto, deste fato, que surge o problema dos embriões
excedentes e o destino que se deve dar a eles, uma vez que parece ser moralmente
44
Idem.
FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a
Necessidade de sua Regulamentação Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 90.
46
Ibidem, p. 91.
47
Idem.
48
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 244.
45
12
inaceitável deixá-los morrer, e com a falta de legislação precisa e específica
referente ao assunto torna-se mais problemática a questão dos embriões que não
são utilizados a fresco e são criopreservados em temperaturas baixíssimas, a menos
196º C.49
Neste caso, são apontadas pelo menos três alternativas: os embriões
excedentes poderão ser doados para outro casal, doados para pesquisa científica
ou destruídos, sendo certo que as duas últimas alternativas são extremamente
polêmicas e objeto de várias discussões.50
Outra possibilidade decorrente da utilização da fertilização in vitro, fazendose um breve comentário, é o aparecimento da figura da mãe gestacional, ou seja,
aquela que cede seu útero para levar a cabo uma gestação no lugar da mãe
biológica ou institucional. A mãe de substituição, antigamente chamada de barriga
de aluguel pode ser apenas quem cede seu útero para a gestação ou pode inclusive
doar seus óvulos, neste caso será mãe gestacional e biológica da criança por
nascer.51
Apenas a título de informação, na fecundação in vitro podem aparecer três
tipos de doadores: a doadora de óvulos, a doadora temporária de útero e doador de
sêmen; isso porque essa técnica de fertilização in vitro pode ser homóloga,
utilizando-se o material fertilizante do próprio casal solicitante, ou heteróloga, se feita
com material genético de terceiros doadores, seja sêmen ou óvulos, o embrião
gerado nesta técnica poderá ser implantado no útero da solicitante ou de terceira
pessoa.52
1.2 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HOMÓLOGA
Fertilização in vitro homóloga, é uma prática de reprodução humana
assistida que se utiliza dos gametas do próprio casal. Sendo assim, os problemas
quase inexistem, quanto a responsabilidade médica, do casal e quanto a própria
criança nascida deste procedimento, porém, resta também para esta técnica o
49
FERNANDES, Silvia da Cunha. Op. cit., p. 91.
Ibidem, p. 92.
51
Idem.
52
Idem.
50
13
problema dos embriões excedentes. Sabe-se que para um resultado positivo nesse
procedimento é necessário a implantação de no máximo quatro embriões no útero,
conforme a Resolução nº 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, portanto, nem
todos
os
embriões
são
transferidos
para
o
útero,
os
excedentes
são
criopreservados.53
Na obra da autora Silvia da Cunha FERNANDES, a FIV homóloga, opera-se
in vivo, ou seja, a mulher recebe inoculação de material germinativo fecundante, de
seu marido ou companheiro, diretamente dentro de seu próprio corpo, sendo que a
coleta desse material depende de anuência do doador, devendo este se encontrar
vivo, para manifestar sua vontade, após esclarecimento.54
Geralmente, como já referido, esse tipo de fecundação não viola qualquer
princípio jurídico, não restando dúvidas quanto ao vinculo de filiação, mesmo que a
concepção tenha sido realizada à distância. Mas neste caso, o que se coloca em
questão é a possibilidade de ocorrer a fecundação post mortem, devido ao advento
da possibilidade de criopreservação de esperma, tornando possível gerar filhos
mesmo após a morte do doador.55
Este fato tem gerado várias discussões no mundo jurídico quanto a
legitimidade da filiação, bem como o caso de presunção de paternidade, disposto no
artigo 1597, III do Código Civil de 2002.56
Cabe salientar, que o legislador no Código Civil ao admitir a inseminação
artificial post mortem, gerou sérios problemas de ordem jurídica sem oferecer
subsídios necessários a sua resolução. Deve-se ainda esclarecer que a clínica de
reprodução assistida é mera depositária do material genético, portanto, o
falecimento do depositante provoca a extinção do contrato de depósito, devendo
este material ser eliminado, por ser um direito personalíssimo, não podendo ser
objeto de herança, neste caso não deixando dúvida que a viúva tenha qualquer
direito sobre o material depositado.57
Outro questão gerada por essa prática de FIV homóloga, está ligada a
criança gerada no caso de ocorrer um erro no laboratório como troca de material
53
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 383.
FERNANDES, Silvia da Cunha. Op. cit., p.72.
55
Ibidem, p. 73.
56
Ibidem, p. 75.
57
Ibidem, p. 77.
54
14
genético e haja impugnação de paternidade, como fica a situação da criança? O
direito ainda não encontrou uma resposta satisfatória para esse e outros tantos
questionamentos envolvendo a reprodução humana, mas ainda há os problemas,
diga-se ainda maiores, na técnica de FIV heteróloga que veremos a seguir.58
1.3 FERTILIZAÇÃO IN VITRO HETERÓLOGA
Nesta técnica de FIV heteróloga, a criança é nascida após fecundação in
vitro: pelo esperma do marido, de um óvulo doado e implantado no útero da mulher
ou; após fecundação in vitro de um óvulo estranho ao casal e de um espermatozóide
igualmente estranho.59
É exatamente esta técnica de reprodução humana assistida que surge a
preocupação com os embriões humanos que são criados e conservados mediante
atividade médico laboratorial, cuja finalidade é possibilitar a procriação por meio
artificial.60
No que corresponde a esta técnica, há questões que se tornam bastante
complexas, tanto quanto a responsabilidade médica, quanto do casal, do doador e
em relação à própria criança oriunda deste procedimento. A mesma problemática
que envolve a FIV homóloga, também está
presente na heteróloga, ligada ao
61
destino dos embriões excedentes.
Na FIV heteróloga, desde que haja concordância do marido ou companheiro,
o vínculo de filiação deve-se basear na relação sócio-afetiva.62
Neste caso é de grande importância o consentimento do marido ou
companheiro, devendo ser expresso e inequívoco, não podendo ser substituído por
nenhuma autorização judicial.63
Desta forma, não poderá o marido ou companheiro contestar a paternidade
de seu filho uma vez que se lhe retira o direito de impugnar a legitimidade do filho
havido, salvo se provar infidelidade da mulher e que a criança não é fruto de
58
Idem.
Idem.
60
MEIRELLES, Jussara Maria Leal. A vida..., p. 18.
61
FERNANDES, Silvia da Cunha. Op. cit., p.77.
62
Ibidem, p. 79.
63
Idem.
59
15
inseminação artificial, ou se não houve a autorização expressa, há possibilidade de
entrar com ação negatória de paternidade.64
Muitas pessoas não concordam com a FIV heteróloga, sob os argumentos
de que entendem que não poderia haver a introdução de um terceiro na relação do
casal, outros até acreditam que esta introdução caracteriza adultério. Não se pode
afirmar, nesta esfera, que houve adultério, pois, na inseminação artificial não existe
nenhuma relação carnal entre a esposa e o doador, haja vista que a decisão de
recorrer a esta técnica foi consensual pelo casal, não existindo portanto, ameaça
para o casamento.65
Os doadores, por sua vez, ficam no anonimato, que é uma forma de
proteção para a criança e também para os próprios envolvidos.66
No entendimento de Maria Helena DINIZ, inseminação heteróloga pode
acarretar diversos problemas, conforme segue:
a) pode acarretar um desequilíbrio na estrutura básica do casamento, tendo em vista que a
concepção se deu sem o ato sexual entre homem e mulher;
(...) omissis
c) pode haver registro falso, devido o fato de que há presunção de paternidade para aquele
filho concebido na constância do casamento;
d) se a esposa não anuir com a doação de material genético, poderá o marido faze-lo,
dando ensejo a separação judicial por injúria grave;
e) se houver falta de consentimento por parte do marido, também poderá ser motivo de
separação judicial com base em injúria grave;
f) se houver arrependimento por uma das partes, isso poderá acarretar problemas de ordem
física de psicológica na criança,que poderá ser rejeitada, abandonada ou maltratada, após o
nascimento;
g) argumentar que a criança não é fruto de inseminação artificial e sim de outra pessoa
alegando adultério, gerando separação judicial;
h) a ocorrência de paternidade incerta, negando-se ao filho seu direito à identidade, pois se
houver impugnação daquela, a necessidade do anonimato do doador do material genético
torna impossível sua identificação;
i) a rejeição de ambas as partes, pais e filhos se este vier a saber que foi gerado por
inseminação artificial heteróloga;
j) a possibilidade de incesto, resultante do encobrimento da verdadeira descendência;
k) pessoas não vinculadas pelo matrimônio ou união estável, poderão, utilizando-se de
material genético de terceiro doador, fazer uso dessa técnica, comprometendo toda
estrutura familiar da criança;
l) o doador do material fertilizante poderá reclamar judicialmente a paternidade, pretendendo
67
beneficiar-se, economicamente, ao reconhecer como seu o filho, ou vice-versa.
64
Idem.
Idem.
66
Idem.
67
DINIZ. Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 46665
467.
16
Apesar dos muitos apontamentos Silvia da Cunha FERNANDES, defende
que é direito de todo ser humano ter filhos, não podendo ser negado este direito e
que a sociedade deve ser altruísta ajudando os casais que não podem ter filhos pelo
modo natural e são estéreis, a terem respeitados seus direitos à procriação, bem
como, a criança gerada através dessas técnicas seu direito de ter um pai e uma
mãe.68
Prossegue dizendo que a inseminação heteróloga não é como a adoção,
que se encontra regulamentada, mas destaca que é um remédio eficaz, que atenua
o problema referente a esterilidade do casal e suas naturais conseqüências
psicológicas, sociais e porque também não dizer econômicas .69
No ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente na Constituição de
1988, está tutelado o direito ao planejamento familiar, em seu artigo 226, § 7º, que a
família é a base da sociedade e o Estado tem que dar especial proteção, entre elas,
as que estão fundadas no princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício
desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas.70
Se este direito é assegurado pela carta magna da República Federativa do
Brasil, é justo que as pessoas possam se utilizar de técnicas de reprodução humana
assistida para poder gerar seus próprios filhos.
Os filhos originários deste tipo de reprodução humana assistida, ou seja, a
fertilização in vitro homóloga encontram amparo no Código Civil de 2002 em seu
artigo 1597, IV e V que assegura a filiação aos concebidos, a qualquer tempo, por
meio de reprodução humana assistida homóloga, e aqueles filhos concebidos
havidos por inseminação heteróloga, desde que com consentimento do marido ou
companheiro.71
68
FERNANDES, Silvia da Cunha. Op. cit., p. 84.
Ibidem, p. 85.
70
BRASIL. Consitituição da República Federativa do Brasi de 1988. Promulgada em 05
de outubro de 1988.
71
BRASIL. Lei nº 10406 de 10 de janeiro de 2002: Institui o Código Civil.
69
17
1.4 BIOÉTICA.
Considerando o tema apresentado, faz-se necessário alguns estudos dentro
da filosofia no tocante a ética e bioética.72
Bioética, deve ser interpretada como a ética que diz respeito a vida, as
influências sobre a vida, a saúde humana e sobre físico e psíquico de indivíduos ou
coletividades de presentes e futuras gerações.73
Os estudos voltados para a área da saúde e da cura de doenças faz que a
medicina tenha tarefas primordiais em busca de uma melhor qualidade de vida ou
uma melhor performance.74
Essa busca trouxe sérios abalos no que tange ao equilíbrio entre a ética da
liberdade individual e a ética das necessidades coletivas.75
Partindo-se do pressuposto de que a experiência da moralidade é de
abrangência universal, todos os homens em todos os contextos sociais têm a
capacidade de distinguir o bem do mal, embora a noção de bem e de mal, possa
variar de um contexto para o outro. Claude Lévi-Strauss, considerado por muitos
como o maior etnólogo de nosso século, chega a afirmar que só se pode falar
propriamente em ser humano quando este desenvolve algum tipo de consciência
moral.76
Também segundo suas conclusões, as sociedades humanas só se
constituíram quando foram postas interdições sociais e a mais universal de todas é a
proibição do incesto.77
Mas, se a experiência da moralidade é comum a todos os homens, em todas
as sociedades, nem todos são capazes de desenvolver a crítica do conteúdo da
moral. Esta tarefa cabe à Ética.78
Embora muitos empreguem indistintamente os termos Moral e Ética, no
âmbito da linguagem filosófica costuma-se distinguir esses dois campos. Enquanto a
moral está associada ao agir concreto, a Ética vincula-se também à teorização sobre
72
SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. Op. cit., p. 3.
MEIRELLES, Jussara Maria Leal. Biodireito..., p. 35.
74
Ibidem, p. 32.
75
Ibidem, p. 33.
76
SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. Op. cit., p.3.
77
Idem.
78
Idem.
73
18
os valores e sobre a vida moral. Em outras palavras: enquanto a moral envolve
exclusivamente a prática, a Ética privilegia especialmente dois temas.79
O primeiro, refere-se a análise crítica dos costumes de uma determinada
sociedade ou pessoa a partir de um critério para identificar o bem e o mal, o certo e
o errado.80
O segundo traz a indicação dos pressupostos necessários (condições
transcendentais) para que um determinado ato humano possa ser inserido no âmbito
da moralidade.81
Ao abordar o primeiro aspecto, a Ética considera de que modo, nas mais
diversas sociedades, os homens vivem concretamente os valores morais, apontando
suas fraquezas ou enaltecendo as suas realizações. Alguns exemplos clássicos do
exercício da crítica no âmbito da Ética foram Sócrates, em Atenas, Pascal, nos
primórdios da modernidade, e Jaspers, no mundo contemporâneo.82
Em relação ao segundo aspecto, a Ética desenvolve uma análise sobre
condições necessárias para que um ato humano qualquer possa ser introduzido no
âmbito da moral ou da ética e com isso avaliado como bom ou mau, justo ou injusto,
moral ou imoral.83
A bioética nasce, assim, como uma resposta a desafios encontrados no corpo de uma
cultura, de um paradigma do conhecimento humano e de uma civilização. Antes de tudo, é a
expressão teórica da consciência moral de um novo tipo de homem no seio de uma nova
cultura e civilização. Distingue-se, portanto, de uma ética estritamente profissional, pois trata
da análise teórica das condições de possibilidade dos valores, normas e princípios, que
procuram ordenar o avanço científico e tecnológico. O progresso científico, por outro lado,
em virtude de suas aplicações tecnológicas, não se processa de forma neutra, mas, no
campo da engenharia genética, envolve uma rede imensa de interesses econômicos que
84
acabam por questionar os próprios fundamentos da tradição ética ocidental.
O estatuto ético do embrião humano deve ser considerado como um
princípio de legalidade jurídica. Sendo que da parte da lei, deixa evidente o vinculo
79
Idem.
Idem.
81
Ibidem, p. 4.
82
Idem.
83
Idem.
84
MELLO, Celso Albuquerque. Bioética, Biodireito e Direitos Humanos. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001. p. 394.
80
19
da legalidade jurídica com indicações de valores expressos pela ética da vida. Da
parte ética, precisa de padrões jurídicos com relação ao bem da vida embrionária.85
Atualmente o conflito assumiu intensidade característica no âmbito da
biologia, em especial nas suas mais avançadas realizações, encontradas no campo
da engenharia genética.86
O avanço científico e suas aplicações tecnológicas provocaram o
aparecimento de um conjunto complexo de relações sociais jurídicas, que envolve
valores diferenciados na religião, cultura e política e, também, a construção de
interesses econômicos com reflexos na formulação de políticas públicas.87
As questões éticas levantadas pela ciência biológica tratam atualmente, dos
questionamentos
feitos
pela
consciência
do
indivíduo
diante
dos
novos
conhecimentos, e, também, como esses conhecimentos materializados em
tecnologias estão repercutindo na sociedade.88
Vemos, então, como a complexidade das relações estabelecidas em virtude da nova ciência
e tecnologias no campo da engenharia genética, fazem com que a bioética e o biodireito,
não possa ficar prisioneiro da teorização abstrata ou do voluntarismo legislativo, pois ambos
são chamados a responder à indagações práticas e imediatas, que nascem de relações
89
sociais, econômicas, políticas e culturais características da civilização atual.
Outras questões advindas dos avanços tecnológicos, portanto, não são
apenas objeto de preocupação no campo bioético, sendo fundamental a existência
de determinadas regras de comportamento que devam ser dotadas dos atributos da
obrigatoriedade, da generalidade, da coercibilidade e da imperatividade, gerando,
assim, normas jurídicas, na construção do biodireito, algumas cautelas se impõem.90
Não há como estabelecer regras rígidas sobre questões éticas da
biotecnologia que não sejam objeto de moralidade universal, sendo que quanto
àquelas que forem objeto de consenso ou de escolha, após debate plural,
85
CORREA, Juan de Dios Vial; SGRECCIA, Elio. Identidade e Estatuto do Embrião
Humano. Atas da Terceira Assembléia da Pontifícia Academia para a Vida. [S. l.]: Edusc, 1998. p.
341.
86
Ibidem, p. 342..
87
Idem.
88
Idem.
89
Ibidem, p. 395.
90
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova Filiação: O Biodireito e as Relações
Parentais: O Estabelecimento da Parentalidade-Filiação e os Efeitos Jurídicos da Reprodução
Assistida Heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 105.
20
democrático e multidisciplinar, deverão ser destacadas e regulamentadas em
conformidade com as opções realizadas em consonância com os valores sociais e
culturais, mas sempre passíveis de alteração diante do próprio desenvolvimento e
rápido avanço das tecnologias e práticas da biologia e da medicina, daí a
conveniência de nem sempre a cominação e aplicação de preceitos e sanções
serem tão severas, havendo maior flexibilidade.91
Cuidando da possibilidade da existência de uma ordem jurídica fundada em
valores universais no campo das ciências da vida, propicia-se uma leitura sob uma
perspectiva propriamente moral dos direitos humanos, manifestando-se os valores
éticos no sistema jurídico.92
Os direitos humanos representam, assim, uma forma de moralidade, com
base em uma fundamentação racional de uma determinada concepção ética da
pessoa humana, da sociedade e do Estado.93
A bioética, busca uma análise mais ampla que a pura resolução de conflitos
éticos no campo das ciências da saúde e da vida. Essa denominação, bioética, foi
adotada em 1970, a partir de elementos da doutrina, formada diante de problemas
apresentados pela biomedicina deste século.94
Da bioética originou-se várias controvérsias, se a biologia deveria ter em
conta e considerar a ética como pura e simplesmente a ética da vida e, portanto,
pode definir-se como área de reflexão filosófica que analisa, desde as categorias de
valor, dever, bondade e etc. dos atos humanos nas questões relacionadas com a
vida.95
Maria Helena DINIZ em sua obra O Estado Atual do Biodireito, dispõe que a
Constituição de 1988, em seu artigo 5º, IX proclama a atividade científica como um
dos direitos fundamentais, não significando que ela seja absoluta e não contenha
qualquer limitação, pois há outros valores e bens jurídicos reconhecidos
constitucionalmente, como a vida, a integridade física e psíquica, a privacidade,
91
Idem.
Idem.
93
Ibidem, p. 106.
94
Idem.
95
GARCIA, Maria. Os Limites da Ciência: A Dignidade da Pessoa Humana: A Ética da
Respnsabilidade. São Paulo: RT, 2004. p. 156.
92
21
entre outros, que poderiam ser gravemente afetados pelo mau uso da liberdade de
pesquisa científica.96
Havendo conflito entre expressão da atividade científica e outro direito
fundamental da pessoa humana, a solução ou o ponto de equilíbrio deverá ser o
respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de
Direito, previsto no artigo 1º, III, CR/88. Nenhuma liberdade de investigação
científica poderá ser aceita se colocar em perigo a pessoa humana e a sua
dignidade.97
Isto porque esses supostos avanços exercem uma influência direta na
sociedade, trazendo consigo várias conseqüências jurídicas, muita polêmica e
conflitos de difícil solução, requerendo a elaboração de normas que atendam as
necessidades e acima de tudo que defendam a pessoa humana de possíveis
ameaças a sua dignidade.98
Vale lembrar que o princípio da vida para a máxima proteção constitucional
tem sua aplicação do princípio da máxima efetividade possível. Assim o artigo 5º da
CR/88, primou em seu caput por alguns direitos fundamentais, entre eles o da
inviolabilidade e o direito à vida, considerado o maior dos direitos, já que é
pressuposto para o exercício dos demais.99
Em consonância com o princípio fundamental da dignidade humana, é
possível afirmar que os demais direitos fundamentais são aqueles necessários para
uma vida digna.O direito e a ética não estão sendo eficientes em acompanhar os
constantes avanços na área biotecnológica que levantam velhas
discussões,
paradigmas e valores tradicionais, como por exemplo, a vida e a morte.
Há uma preocupação especial envolvendo ao assunto porque podem alterar
substancialmente o curso da vida humana tanto presente quanto futura, merecendo
atenção especial quanto a imposição de novos e mais diligentes
limites éticos,
morais e jurídicos, hábeis para garantir a eficácia dos direitos humanos e dos
direitos fundamentais.100
96
DINIZ, Maria Helena. O Estado..., p.7.
Idem.
98
Ibidem, p. 39.
99
Idem.
100
MEIRELLES, Jussara Maria Leal. Biodireito..., p. 33.
97
22
Há a necessidade de serem criados novos instrumentos que permitam
acompanhar ou tentar acompanhar essas inovações nos campos da ciência e da
tecnologia que estão a exigir uma nova conduta, um repensar sobre a ciência
jurídica.101
101
DINIZ, Maria Helena. O Estado..., p. 39.
23
2 O EMBRIÃO PRODUTO DA FERTILIZAÇÃO IN VITRO
O termo embrião, tem um problema em sua utilização e é usado de
diferentes formas. Na biologia, o óvulo fecundado chama-se zigoto, em vez de
embrião. O embrião propriamente dito é o ente que se desenvolve a partir da
implantação no útero até oito semanas depois da fecundação, sendo que no início
da nona semana é que se começa a formar o feto conservando esta terminologia até
seu nascimento.102
Embrião é também um termo utilizado tanto para pré-embrião (embrião préimplantatório ou substância embrionária humana), como para embrião (ou embrião
pós-implantatório) e feto (ou nascituro).103
Por sua vez, embrião pré-implantatório ou substância embrionária humana é
o produto da concepção, desde a efetiva fecundação do óvulo pelo espermatozóide,
que se realiza dentro ou fora do útero materno, até o 14º dia da gestação quando se
forma a estrutura básica do sistema nervoso central.104
Já por embrião, ou embrião pós-implantatório compreende-se como a fase
do desenvolvimento embrionário que, continuando a fase anterior, completa-se,
assinalando a origem e incremento da organogênese ou formação dos órgãos
humanos, cuja duração é de aproximadamente dois meses e meio, a partir da
nidação. Recebe a denominação de pós implantatório porque é a etapa onde o óvulo
fecundado transcorreu os 14 dias desde a fecundação.105
O feto é a fase mais avançada do desenvolvimento embriológico, onde se
pode visualizar a aparência humana, e seus órgãos, já formados, que crescem
paulatinamente, preparando-se para funcionar autonomamente, após o parto. É,
portanto, um embrião mais desenvolvido.106
Segundo Patrícia PRANKE, há cientistas, que consideram pré-embrião as
células até o estágio de blastocisto que corresponde aos cinco primeiros dias de
102
CASABONA, Calor María Romeo. Biotecnologia, Direito e Bioética: Perspectivas em
Direito Comparado. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 177.
103
CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade. CONRADO, Marcelo. O Embrião e seus
Direitos. In: ____. et. al. (Orgs). Biodireito e Dignidade da Pessoa Humana: Diálogo entre a Ciência
e o Direito. Curitiba: Juruá, 2008. p.85.
104
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Op. cit., p.59.
105
Idem.
106
Idem.
24
desenvolvimento embrionário, isto é, desde a fecundação até a implantação no
útero.107
Tem-se por justificativa que a utilização do termo pré-embrião é porque
inúmeros óvulos fecundados são naturalmente eliminados antes de sua implantação
no útero.108
O termo embrião também seria aplicado apenas àqueles que já estivessem
nidados no endométrio materno. O relatório Warnock, utiliza a denominação de préembrião até o 14º dia após a fecundação, quando começa o desenvolvimento do
sistema nervoso central. Considerando esta premissa, muitos comitês éticos
permitem sua pesquisa, adotando a denominação de pré-embriões para diferenciálos dos embriões, com os quais certos procedimentos não podem ser realizados.109
Por fim, há os que se posicionam de uma maneira intermediária, defendem
que o pré-embrião, embora seja um organismo vivo com status especial, não possui
o status de um ser humano, logo, não justifica que ele tenha direitos como uma
pessoa.110
2.1 O DESTINO DOS EMBRIÕES EXCEDENTES CRIOPRESERVADOS
As técnicas existentes hoje que são utilizadas para fecundação artificial
levantam problemas éticos com relação à existência em vida e ao destino dos
embriões fora do útero materno. Considerando ser uma condição anormal,
produzida artificialmente, tendo legitimidade para benefício terapêutico do embrião,
sendo que necessária e impossível de se conseguir de outra maneira, claro que
dentro dos parâmetros estabelecidos pelo respeito pela verdade moral da procriação
humana.111
Embriões originários da fertilização in vitro existem por razões que lhe são
alheias, como por exemplo: satisfazer a desejos da maternidade, utilizá-los para
107
PRANKE, Patrícia. A Importância de Discutir o Uso de Células-Tronco Embrionárias
para fins Terapêuticos. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S00097252004000300017&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em: 28 jul. 2010.
108
Idem.
109
Idem.
110
Idem.
111
CORREA, Juan de Dios Vial; SGRECCIA, Elio. Op. cit., p. 336.
25
pesquisa e experimentação, empregá-los como material biológico para cirurgia de
transplante e produção farmacêutica.112
Dentro deste contexto, Carlos María Romeo CASABONA, aduz que nos dias
atuais estamos diante de uma multiplicação das formas de agressão ao concebido,
não somente ao aborto, mas aquelas estendidas ao embrião não abortivo,
vulneráveis a experimentação e manipulações genéticas com a produção de
embriões acima do necessário para a fertilização assistida ou para finalidades
estranhas a procriação, para cosméticos industriais ou para retirada de tecidos para
transplantes.113
Essas razões, salvo aquela para satisfazer a desejos da maternidade, que
tem garantia constitucional, elencada no artigo 226, § 7º da CR/88, são inaceitáveis
e levam ao desvio e o esvaziamento de valor da vida do embrião humano.114
A situação das vidas humanas embrionárias suscitam problemas éticos
particulares com relação a criopreservação, à seleção, ao comércio e à destinação
dos embriões excedentes.115
Os embriões não utilizados a fresco são criopreservados. Criopreservação é
uma suspensão no desenvolvimento do embrião, mediante congelamento em
nitrogênio líquido. São indivíduos humanos gerados e conservados em imobilidade
biológica a temperatura muito baixas, a menos de 196º C.116
É uma interferência no ciclo natural da vida, que uma vez concebida, deve
seguir seu curso natural.117
Entende-se que a continuidade de um indivíduo, temporal ou histórica, é um
bem e um direito intrínseco em razão dos quais também um ser percebe a si
mesmo. A idade de uma pessoa é uma coordenada da vida pessoal que a determina
nas condições do tempo e do espaço. Interferir, provoca um vácuo temporal na
existência de uma pessoa, que subverte a percepção e a consciência.118
112
Idem.
CASABONA. Calos María Romeo. Op. cit., p. 185.
114
CORREA, Juan de Dios Vial; SGRECCIA, Elio. Op. cit., p. 336.
115
Ibidem, p. 337.
116
Idem.
117
Idem.
118
Idem.
113
26
Deter o ciclo vital de um embrião humano é uma expressão da vontade de poder, pela qual
uma pessoa decide o destino de outra, que vem a ser um ente fraco e indefeso. Sua vida é
“suspensa”: ela está “lá”, congelada e depositada, como um produto de consumo, junto a
muitos outros, disponível em caso de necessidade. Sua dignidade se vê reduzida ao calor
de uma coisa a ser usada, sujeita também a expiração, de vez que não se pode garantir a
integridade física e mesmo a vitalidade de um embrião congelado em proporção direta ao
tempo e à modalidade de congelamento. Assim, além de um excesso de poder, há também
119
a violência pela qual essas vidas “expiradas” e “imprestáveis” são descartadas.
Surgem quanto ao destino dos embriões excedentes, questões éticas
conflitantes, por causa do bem que está em questão, a vida humana, e pelo motivo
de incalculáveis embriões excedentes em muitas clínicas de fertilização in vitro.120
O destino a ser dado aos embriões excedentes está ligado diretamente a
extensão atribuída ao conceito de nascituro, em uma perspectiva puramente
jurídica.121
É de fundamental importância que se defina se o embrião é ou não um
nascituro para que a legislação alcance o embrião para proteção deste. No Código
Civil em seu artigo 2º, está disposto que: “A personalidade civil do homem começa
do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do
nascituro”.122
Duas teorias se defrontam, na determinação do que seja “concepto”, a teoria
genético desenvolvimentista e a teoria concepcionista.123
Pela teoria genético desenvolvimentista o ser humano passa por uma série
de fases: que para os pesquisadores ingleses estende-se do 1º ao 14º dia (duas
semanas) de gestação. O Relatório Warnock, admite o uso de embriões humanos
para pesquisas, desde que com o consentimento dos pais,e com a garantia de que
tais embriões serão destruídos.124
Os que aderem a esta teoria visualizam no embrião um “antes” e um
“depois” na aquisição da dignidade humana, o que é inadmissível a nível jurídico.
Após a fecundação, não há que se falar em antes e depois, ou seja, antes células
119
Idem.
Idem.
121
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações..., p. 384.
122
Idem.
123
Ibidem, p. 385.
124
Idem.
120
27
destinadas a morrer e depois células destinadas a viver e a dar lugar por si mesmas,
a um ser humano se deixadas em um lugar adequado.125
Alerta que é perigosíssimo submeter o ser humano a atributos como
tamanho, forma e função, dessa maneira, os adultos teriam mais direitos que as
crianças e os mais inteligentes que os menos inteligentes e assim por diante.126
A teoria concepcionista, por sua vez, entende que o embrião desde a
fecundação, possui algo distinto da mãe com autonomia genético-biológica que não
permite vincular nenhuma mudança essencial em sua natureza até a idade adulta,
colocando a salvo os óbvios atributos de tamanho e função.127
Quanto a questão da eliminação dos embriões excedentes, Jussara Maria
Leal MEIRELLES,
pondera que existe quem entenda que o embrião que se
encontra em laboratório é nascituro e portanto merece a mesma proteção jurídica
que este. Afirma que a fusão genética das células germinativas masculina e feminina
constitui a primeira célula do novo ser que se forma, a proteção jurídica deve
alcançar a fecundação extra-uterina, considerando dessa maneira que a fusão das
células houvesse ocorrido no ventre materno.128
Outro assunto a ser abordado é a seleção dos embriões a serem
implantados no útero materno e que são dispostos deles de maneira arbitrária. Não
se avalia o embrião pelo seu valor intrínseco, mas pelo resultado a ser obtido dele.
Seu valor está condicionado ao efeito que o técnico pretende alcançar: garantindo
uma gravidez e uma avaliação qualitativa de vida pelo cliente, checando-se suas
qualificações e condição de vida antes da implantação, gerando uma relação de
consumo129
Saliente-se que esta prática também é utilizada, quando os embriões
sobreviventes que foram implantados são numerosos ou não possuem as
qualidades almejadas, procedendo-se a eliminação dos que não são viáveis.130
Dentro deste questionamento é que encontra-se a polêmica que envolve
uma revisão sobre os conceitos de quando se inicia a vida.
125
Idem.
Idem.
127
Idem.
128
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida..., p. 62.
129
Ibidem, p. 337.
130
Ibidem 338.
126
28
2.2 A PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS
Para se falar de pesquisas utilizando-se das células-tronco embrionárias, é
necessário falar da lei que autorizou sua utilização, a Lei nº 11105/05, que teve
iniciativa do Presidente da República Federativa do Brasil por meio da Mensagem nº
579, de 03 de outubro de 2003, levada a Câmara dos Deputados.131
Todavia, as pesquisas com células-tronco embrionárias não figuravam como
parte do texto originário da Mensagem supracitada, o texto foi refeito após ampla
discussão, sendo submetido a diversas audiências públicas.132
A Lei de Biossegurança nº 11105/05, exige em seu artigo 5º,
que os
embriões tenham resultado de tratamentos de fertilização in vitro (art. 5º, caput); que
eles sejam inviáveis (art. 5º, I) ou que não tenham sido implantados no respectivo
procedimento de fertilização, estando cripreservados a mais de três anos (art. 5º, II);
que seus genitores dêem seu consentimento (art. 5º, § 1º) e que a pesquisa seja
aprovada pelo comitê de ética da instituição (art. 5º, § 2º).133
Esta lei, proíbe a comercialização de embriões, células ou tecidos (art. 5º §
3º); a clonagem humana (art. 6ºº, IV); e a engenharia genética em célula germinal
humana, zigoto humanao e embrião humano (art. 6º, III).134
A célula-tronco encontra sua definição como a célula que pode gerar
diferentes tipos celulares e reconstituir diversos tecidos. Apresenta a capacidade de
auto-renovação, capaz de gerar uma cópia idêntica a si mesma e podem ser
chamadas de "adulta" e "embrionária".135
As células-tronco adultas comumente utilizadas nas clínicas de fertilização
são chamadas de células-tronco hematopoéticas e suas principais fontes são a
medula óssea e o sangue do cordão umbilical.136
Por sua vez, as células-tronco embrionárias, são definidas na sua origem, e
são derivadas do estágio do blastocisto do embrião e é normalmente utilizada, em
alguns países, a partir dos blastocistos gerados em clínicas de fertilização, sendo
131
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 241.
Idem.
133
Ibidem, p. 242.
134
Ibidem, p. 243.
135
PRANKE, Patrícia. Op. cit.
136
Idem.
132
29
que o próprio casal doa, para a pesquisa com fins terapêuticos, os blastocistos não
utilizados para a fertilização in vitro.137
Blastocisto corresponde às células entre o quarto e quinto dias após a
fecundação, antes da implantação no útero, que ocorre a partir do sexto dia. Esse
estágio precede a fase embrionária, denominada gástrula, é considerada uma célula
indiferenciada da fase de mórula ou blástula de um embrião.138
As células-tronco embrionárias apresentam grande plasticidade. Esta
propriedade de plasticidade refere-se à sua capacidade da célula em se transformar
em diferentes tipos de tecidos, e isto se deve ao fato do blastocisto ser capaz de
originar todos os órgãos do corpo humano.139
2.3 VULNERABILIDADE DO EMBRIÃO
A criopreservação dos embriões tem por finalidade resguardar futuras
tentativas de implantação, ou possibilitar pesquisas sobre o seu desenvolvimento a
respeito de anomalias cromossômicas ou genéticas.140
Congelar embriões, embora seja um complemento útil à fertilização in vitro,
reúne dois problemas.141
O primeiro se refere ao risco a que o próprio embrião está sujeito, não pela
criopreservação em si, mas pela baixa temperatura a que é submetido.142
No segundo, oberva-se uma questão de fundo ético-legal, por manter o
embrião vivo indefinidamente, mesmo fora do ambiente adequado, o organismo
materno. Se por um lado, essa manutenção, traz a autonomia vital do novo ser, por
um outro, deixa evidente a sua vulnerabilidade, condenado a uma vida indefinida ou
a sua imediata destruição.143
Com relação à pesquisa, é preciso frisar que assim como os embriões são
usados como objeto de estudos com finalidades a aprimorar as condições do seu
desenvolvimento, ou identificar anomalias cromossômicas ou genéticas, tem-se
137
Idem.
Idem.
139
Idem.
140
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida..., p. 22.
141
Ibidem, p. 23.
142
Idem.
143
Idem.
138
30
sabido de sua utilização como fonte de matéria-prima para a indústria cosmética e
outros fins de caráter ético duvidoso. Por exemplo: a solicitação feita por dois
médicos ingleses para implantar embriões humanos em animais; como também a
proposta de um australiano, de se implantar embriões em mulheres que apresentam
morte cerebral, em substituição a mães de aluguel.144
A utilização indiscriminada das técnicas de engenharia genética, associadas
a de FIV, assume contornos alarmantes, à medida que viabiliza mudanças
biológicas antes inimagináveis, tais como: hibridação (produção de seres resultantes
do cruzamento de diferentes espécies); a clonagem (produção seriada de embriões
geneticamente idênticos); a escolha caprichosa de características genéticas dos
seres humanos, a partenogênese.145
Nesse sentido, Paulo Vinícius Spolerder de SOUZA, declara que as novas
descobertas sobre o genoma humano e a melhora das técnicas ligadas a
engenharia genética e reprodução assistida estão de alguma maneira reforçando a
volta do pensamento eugênico.146
Entretanto, SOUZA, diz que estas descobertas além de contribuírem para o
futuro, geram também efeitos negativos levando em consideração os motivos
eugênicos, que despertam preocupação, pois podem interferir, no patrimônio
genético da humanidade.147
Discute-se a possibilidade de haver reservas de tecidos e órgãos de
embriões, pára auxiliar o tratamento de doenças como o mal de Parkinson, bem
como, estudos sobre seu valor relacionado à terapia de diabetes e imunodeficiência,
porque as células fetais em relação as adultas tem seu efeito terapêutico mais
rápido.148
A seleção de embriões é realizada por meio da análise do material genético
do embrião; é chamado diagnóstico pré-gestacional (PGD). Tem por objetivo
diagnosticar precipuamente doenças genéticas. Seleção de sexo também pode ser
144
Ibidem, p. 25.
Idem.
146
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Op. cit., p. 56.
147
Ibidem, p. 57.
148
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida... p. 26.
145
31
realizada por este diagnóstico pré-gestacional, a fim de evitar doenças ligadas ao
sexo (exemplo: hemofilia) ou escolher o sexo do bebê.149
Em que pese a avaliação genética ofereça vantagens ao casal com risco de
doença genética, várias objeções éticas vêm surgindo contra o uso dessa técnica.
Essas objeções éticas recaem sobre suas categorias principais, quais sejam: uma
está diretamente relacionada ao ato, uma vez que a manipulação dos embriões
pode acarretar lesões e morte embrionária; a outra recai sobre o problema ético
maior da seleção genética, a eugenia.150
A eugenia pode ser positiva e negativa, positiva no sentido de melhorar a
espécie humana, eliminando os caracteres genéticos não desejáveis, alterando-os,
selecionando-os ou apenas reproduzindo-os.151
É distinta da eugenia negativa que se limita apenas a evitar ou prevenir a
continuidade de fatores genéticos prejudiciais, seja por meio de uma substituição de
um gene defeituoso, ou mediante o descarte físico de seus portadores, para evitar
que se agrupem criando riscos na procriação.152
O que fazer com o embrião que apresenta em seu diagnóstico uma doença
genética? O que fazer com os embriões que não satisfazem o sexo desejado?
Eliminá-los? Usa-lo para fins de pesquisas científicas?153
O descarte embrionário é eticamente inaceitável, e o uso em pesquisa viola
o código de Nuremberg.154
No ordenamento jurídico pátrio, até pouco tempo não existia uma lei que
tratasse em especial de pesquisas que envolvam embriões e células-tronco, sendo
que o impedimento as pesquisas com células-tronco embrionárias veio com a Lei de
Biossegurança nº 8974/95, revogada pela Lei nº 11105/05, que permite a
utilização.155
149
LEITE, Eduardo de Oliveira. (Coord.). Grandes..., p. 10.
Idem.
151
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Op. cit., p. 57.
152
Idem.
153
LEITE, Eduardo de Oliveira. (Coord.). Grandes..., p. 10.
154
Idem.
155
SANTIAGO, Robson Luiz. O Estatuto do Embrião frente à Racionalidade Humana. In:
MEIRELLES, Jussara Maria Leal. Biodireito em Discussão. et. al. (Coord.). Curitiba: Juruá, 2007. p.
120.
150
32
Não bastasse, existe a redução embrionária que é uma técnica onde são
retirados alguns dos embriões, já transferidos, implantados no útero, com a
finalidade de evitar uma gestação múltipla.156
Pode ser encarada como um mal menor, uma vez que é utilizada para garantir a sobrevida
de determinados embriões e diminuir o risco materno? Ou é indefensável por desrespeitar a
vida humana:? Em uma mesma situação temos uma atitude pró-vida e outra contra vida. Do
ponto de vista legal tal técnica não é permitida no Brasil. O Conselho Federal de Medicina
proíbe a utilização de procedimentos que visem à redução embrionária, em casos de
157
gravidez múltipla decorrentes do uso de técnicas de RA.
Existe a hipótese de doação de embriões para os casais inférteis, que não
podem ter seus próprios embriões ou são portadores de alguma doença genética,
sendo aceitável, desde que autorizados pelos pais biológicos. Cabe salientar,
entretanto, que não cabe as clínicas de reprodução assistida decidirem o destino do
material genético de terceiros, sem que haja consentimento.158
A seleção de sexo, desperta debates éticos em toda área da reprodução
assistida, que pode ser feita por meio da separação de espermatozóides masculinos
ou femininos ou pela identificação genética dos embriões através da biopsia de
células embrionárias. Na primeira situação há o argumento quanto a escolha do
sexo e a segunda está associada a problemática dos embriões indesejados, este
tipo de seleção é justificada quando utilizada para evitar transtornos genéticos
ligados ao sexo. Do ponto de vista bioético não há justificativa para se aceitar outra
circunstância que não para evitar doenças genéticas hereditárias, senão estaria
frente a um meio de discriminação sexual contra qualquer um dos sexos.159
Encontra-se a maternidade de substituição que consiste na transferência de
embriões ao útero de uma mulher que o alugue ou empreste, ou por meio de uma
inseminação artificial ou fertilização in vitro em que a mulher ponha seu óvulo, além
do útero.160
Inseminação post mortem, está ligada ao congelamento de sêmen que são
largamente utilizadas na prevenção da fertilidade de homens que irão se submeter a
tratamento de neoplasias. Nestes casos a terapêutica pode levar à esterilidade, que
156
LEITE, Eduardo de Oliveira. (Coord.). Grandes..., p. 10.
Ibidem, p. 11.
158
Ibidem, p. 5.
159
Idem.
160
Ibidem, p. 7
157
33
seja pelos efeitos indiretos da quimioterapia, da radioterapia ou da orquiectomia.
Essa prática de inseminação post mortem ocorre quando a viúva manifesta a
vontade de gerar filhos do esposo falecido.161
A clonagem é um processo que combina DNA de um organismo com o ovo
de outro, criando um indivíduo geneticamente igual ao que doou o DNA. Pode ser
obtido de uma célula embrionária, de uma célula especializada ou de uma célula
transgenicamente modificada. Em relação ao ser humano, isso nos coloca diante de
duas possibilidades: o uso da técnica para reprodução e o uso da técnica com
finalidade terapêutica. 162
Como se pode observar, são múltiplas as possibilidades produzidas pela FIV
e que suscitam opiniões diferentes, que precisam de amadurecimento por meio de
diálogos abertos. As controvérsias ocorrem não só em meio aos filósofos, juristas e
médicos, mas também em relação a líderes religiosos.163
161
Idem.
Ibidem, p. 11.
163
SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. Op. cit., p. 95.
162
34
3 O EMBRIÃO PERANTE A ORDEM JURÍDICA
Na visão de Maria Helena DINIZ, poderia até mesmo dizer que, na vida intrauterina, encontra-se o nascituro, e na vida extra-uterina, tem o embrião,
personalidade jurídica formal, no que tange aos direitos personalíssimos, melhor
dizendo, aos da personalidade, tendo em vista que a pessoa tem carga genética
diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro, passando a ter
personalidade
jurídica
material,
alcançando
os
direitos
patrimoniais,
que
permaneciam em estado potencial, somente após o nascimento com vida.164
Luiz Edson FACHIN, expressa de maneira sucinta, as supostas conquistas
da legislação levando em consideração as transformações da sociedade, na obra As
Intermitências da Vida, a qual merece destaque quando inserida no contexto do
presente trabalho no que tange as escolhas e a realização dos desejos dos pais.
A vida, afinal, é uma viagem na qual embarcamos e muda para sempre ou a vida é uma
viagem na qual embarcamos sempre querendo voltar atrás? Eis aí a atrativa e perigosa
fimbria das coisas. Não temeu nem sucumbiu. Prosseguiu e viu a travessia, que o fez
sujeito histórico. Conheceu textos e leis, a travessia do Código Civil de 1916 ao estatuto da
Constituição de 1988: da filiação excluída, dos incestuosos, dos adulterinos, dos ilegítimos,
a igualdade da filiação, e depois a filiação por eleição, os filhos prêt-à-porter na escolha
contemporânea, e ao fim e ao cabo, ao estado jurídico dos descendentes que não são
165
filhos.
“Os filhos prêt-à-porter na escolha contemporânea”166. A expressão prêt-àporter significa: pronto para levar, foi uma expressão muito utilizada no meio da alta
costura pelos estilistas, no século XX. No mundo da moda a expressão se adapta
como pronto para vestir, no presente trabalho como a escolha dos filhos prontos
para levar, no sentido literal da expressão, o que leva “ao fim e ao cabo, ao estado
jurídico dos descendentes que não são filhos”167.
Para se dicutir a situação do embrião perante a ordem jurídica está o maior
dos direitos fundamentais, já que pressuposto para o exercício dos demais direitos
elencados no art. 5º da CR/88 é o da inviolabilidade do direito a vida que em
164
DINIZ, Maria Helena. Novo Código Civil Comentado. Coordenação Ricardo Fiúza. São
Paulo: Saraiva, 2002. p. 5.
165
FACHIN, Luiz Edson. As Intermitências da Vida. (o nascimento dos não-filhos à luz do
Código Civil Brasileiro). Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 21.
166
Idem.
167
Idem.
35
consonância com o princípio fundamental da dignidade humana, pode-se afirmar
que os demais direitos fundamentais são aqueles necessários para uma vida
digna.168
Não há disposição expressa na CR/88 em qual momento incide a
inviolabilidade do direito à vida, que o constituinte de 1988 optou por não dispor.
Todavia, ainda que não esteja disposto, não inviabiliza a definição do sentido e do
alcance da norma, sendo necessário o auxílio de outras ciências, o que claramente
se impõe aqui, já que cabe ao direito proteger a vida e não dizer quando se inicia a
vida.169
É entendimento pacífico entre as ciências pertinente ao assunto de existir
vida desde a concepção, trazendo a segurança necessária ao direito.170
O novo Código Civil de 2002, apresenta em seus primeiros artigos a
consagração que contempla todos os homens como pessoas. Essas pessoas que
em nossa vivência, de forma simples, é usada como vocábulo de ser humano; mas
que no direito tem um significado próprio e particular, de modo que, ser pessoa
consiste na possibilidade de ser sujeito de direito, ou seja, titular de um direito,
interligado assim com um dos pólos de uma relação jurídica.171
Em se tratando de embrião, a eliminação destes torna-se um assunto
angustiante não só no campo religioso, onde as dimensões são além, macro
cósmicas, mas também no campo da moral e da deontologia, e no espaço do
Direito, onde assusta a todos. O que temos sobre o tema, de uma forma superficial,
é que não há como se utilizar da técnica de reprodução humana assistida, a
fertilização in vitro, sem evitar a destruição de embriões.172
Nesta prática da fertilização in vitro, é impossível ignorar que alguns
embriões são descartados depois de decorrido algum tempo sem que nada se possa
fazer.173
168
DINIZ, Maria Helena. Novo..., p. 5.
Idem.
170
GARCIA, Maria; GAMBA, Juliane Caravieri; MONTAL, Zélia Cardoso. Biodireito
Constitucional. Questões atuais. São Paulo: Elsevier, 2009. p. 18.
171
RODRIGUES, Rafael Garcia. A Pessoa e o Ser humano no Novo Código Civil. In: Parte
Geral do Novo Código Civil. TEPEDINO, Gustavo. (Coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 1.
172
SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os Direitos do Nascituro. Aspectos Cíveis, Criminais e do
Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 178.
173
Idem.
169
36
Há a necessidade de os juristas tentarem interligar a lógica e o pensamento
jurídico com os resultados das experiências científicas, mais precisamente da
biogenética, para, após, proporem a melhor legislação a respeito.174
O próprio Conselho Regional de Medicina, por meio de Resolução,
determina que o prazo máximo de desenvolvimento que o pré-embrião pode
permanecer in vitro, é de 14 dias, por considerar que nesta fase não existe nenhum
esboço da estrutura nervosa daquele ser, por isso, convencionou-se chama-lo de
pré-embrião.175
No que tange a este aspecto, há severas críticas quanto a fixação desses 14
dias, entretanto, é mister que se fixe um termo além do qual o embrião possa ser
tratado senão como pessoa, pelo menos como vida humana em formação.176
Para tanto, o jurista deverá repensar toda a questão do nascituro e aprendelo enquanto embrião congelado, como um status jurídico novo, devendo, inclusive,
resolver a questão do prazo em que poderá ser destruído.177
Sérgio Abdalla SEMIÃO, assevera que não há como afirmar que o embrião,
vivendo extra-uterinamente, criopreservado em nitrogênio líquido, seja juridicamente
pessoa. Se não existe pessoa, não existe sujeito de direito e assim, pelo menos, em
nosso ordenamento jurídico atual, não se pode dizer que
o embrião congelado
tenha um direito à vida. O nascituro não tem nacionalidade enquanto estiver na
condição de nascituro, enquanto não nascer com vida.178
Em contrapartida, de acordo com a teoria concepcionista, a personalidade
tem início pela concepção, desde o momento em que é concebido, o nascituro é
dotado de personalidade jurídica.179
Mesmo que, seja a teoria natalista que tradicionalmente prevaleça no direito
brasileiro, este se deve pautar pela teoria concepcionista, que é uma tendência
dominante do direito contemporâneo, reconhecendo-se a personalidade jurídica do
nascituro.180
174
Idem.
Idem.
176
Ibidem, p. 179.
177
Idem.
178
Idem.
179
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida..., p. 57.
180
Ibidem, p. 59.
175
37
No que se refere a fecundação in vitro, faz se necessário a implantação no
útero do embrião, para que ao novo ser seja concedida a condição de pessoa
natural, sendo que nascituro é um termo utilizado somente quando há gravidez. O
embrião congelado não é considerado nascituro, mas, deve ser protegido jurídica e
eticamente como pessoa em potencial, devendo portanto, haver legislação que o
proteja expressamente.181
Ressalte-se que mesmo com essa anomia, há que se buscar proteção a
esses embriões mantidos criopreservados em laboratório, por serem dotados de
vida. “Daí por que o seu estatuto jurídico não se deva resumir à lei strictu sensu,
posto que a vida não se limita ao direito legislado sobre a vida”.182
O reconhecimento da dignidade do embrião humano é difícil, levando em
consideração as propostas científicas e econômicas ligadas ao assunto. Os avanços
no campo da infertilidade, foram alcançados, chegando ao embrião humano.183
No futuro, tem-se que as células-tronco, encontradas nos embriões,
ofereçam a regeneração de diversos órgãos adultos doentes. Igualmente é oferecido
pelo embrião, acesso à genética e, por este caminho, à cura de doenças
hereditárias, e mesmo a confecção de medicamentos novos.184
São perspectivas ainda que aleatórias, trazem pressões visando o embrião
humano, na proporção que é destinado à pesquisa, simplesmente material
biológico.185
Indo de encontro a esta pressão encontramos a voz daqueles que vêem
neste embrião, uma vida humana que se inicia, merecedora de maior proteção por
ser mais frágil. Asseveram que este erro pode levar nossas sociedades a voltar
atrás, principalmente no tocante ao respeito que nutrem com referência a toda vida
humana e sua defesa. “O respeito a tudo que é humano é um valor-base da vida
social e protege todos nós”.186
181
Ibidem, p. 61.
Idem.
183
CASSIERS, Léon. Dignidade do Embrião Humano. In: SARLET, Ingo Wolfgang, LEITE,
Geroge Salomão. (Orgs.). Direitos Fundamentais e Biotecnologia. São Paulo: Método, 2008. p.
192-193.
184
Idem.
185
Idem.
186
Ibidem, p. 192.
182
38
O embrião fertilizado in vitro, deve ser respeitado desde sua concepção,
como criança, bem como, adulto que poderá vir a ser. No momento em que não faz
mais parte de um projeto parental, dando destaque aos embriões excedentários
criopreservados em laboratório, os próprios pais são coniventes com a idéia de que
eles sejam descongelados e após destruídos. São muito esperados ao tempo em
que fazem parte do projeto de paternidade, depois que se realiza, não detém mais o
estatuto humano.187
3.1 NATUREZA JURÍDICA DO EMBRIÃO
Na ordem jurídica são três as soluções a respeito do problema da natureza
do concebido. A primeira, diz respeito a diferenciação total entre o concebido e
homem-pessoa, sendo que nesta tese, não se reconhece qualquer proteção jurídica
para o concebido como sujeito de direito, logo o concebido pode ser usado
licitamente para qualquer finalidade.188
Saliente-se que esta tese não é sustentada por quase ninguém, diante do
reconhecimento de alguma humanidade e proteção do concebido.189
A segunda solução refere-se a similitude entre concebido e homem-pessoa,
partindo do pressuposto que o concebido tem a mesma natureza que o homempessoa.190
Por sua vez, uma terceira solução considera uma difenrenciação parcial
segundo a qual o concebido é ser humano mas não homem pessoa, e como tal é
merecedor de tutela jurídica, esta tese é aceita pela maioria dos países.191
Na visão de Jussara Maria Leal de MEIRELLES, duas premissas devem ser,
portanto, consideradas, com a finalidade de se buscar o devido amparo aos
embriões humanos criados e mantidos em laboratório.192
187
Ibidem, p. 197.
CASABONA, Carlos María Romeo. Op. cit., p. 186.
189
Idem.
190
Idem.
191
Idem.
192
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida..., p. 88.
188
39
A primeira premissa é que se deve reconhecer que esses seres pertencem
à ordem das pessoas humanas e que dessa forma representam fato novo, que
ultrapassa os limites das categorias originárias do sistema clássico.193
Já a segunda premissa relaciona-se ao reconhecimento de que os embriões
fecundados in vitro merecem proteção jurídica por serem extremamente próximos as
pessoas humanas já nascidas.194
Essa semelhança refere-se ao fato de que todos os seres humanos nascidos
foram em etapas iniciais do desenvolvimento, embriões, e sob perspectiva diversa,
os embriões que atualmente são mantidos em laboratório representam seres
humanos que podem a vir compor a futura geração.195
Essa proximidade é verificada em maior ou menor grau, conforme o
posicionamento doutrinário assumido relativamente aos embriões in vitro. Em tal
sentido, e igualmente com a finalidade de demonstrar maior ou menor valoração dos
seres embrionários comparativamente às pessoas nascidas, três grandes grupos
teóricos se formaram: o que vê na concepção a origem de todo ser humano e o
termo inicial do necessário amparo; o que pretende analisar diferentemente a
proteção, conforme as fases de desenvolvimento do novo ser que se forma e; o que
vê no embrião uma pessoa humana potencial, que se apresenta com autonomia tal
a lhe impor um estatuto próprio.196
Aqui, também, a repercussão apresenta complexidade na área do Direito
muito grande porquanto “a possibilidade de manipular os genes pode modificar tudo:
como nascemos, o que comemos, o que vestimos, como vivemos, como morremos
e, inclusivamente, como nos vemos a nós próprios na relação com o nosso
destino”.197
O Parlamento Europeu aprovou, em 1989, diversas resoluções sobre a
manipulação genética e a fecundação artificial, sendo “proibidas todas as formas de
investigação genética do embrião fora do corpo materno” e, de modo geral,
193
Idem.
Idem.
195
Ibidem, p. 89.
196
Idem.
197
GARCIA, Maria. Limites..., p. 163.
194
40
sucedem-se as proibições salvo para finalidades terapêuticas, isto é, em vantagem
do próprio embrião.198
Pode-se constatatar que daí em diante multiplicam-se os problemas
levantados pelo desenvolvimento das pesquisas: inseminação artificial post-mortem,
mães portadoras, maternidade sub-rogada ou de aluguel, anonimato do doador,
escolha do sexo e, ainda, a clonagem.199
A razão desta grande polêmica é que tais pesquisas fazem uso de embriões humanos, o
quê, segundo aqueles que opinam contrariamente a esta possibilidade terapêutica, seria a
utilização da vida humana, ou a potencialidade desta, como mero material de pesquisa.
Para estes a vida inicia-se no momento da fecundação e destruir um embrião é pôr fim a
200
uma vida humana.
A questão é abrangente e envolve debates não apenas na área jurídica, mas
também na ciência, na política, na religião, na filosofia e em outras áreas do
conhecimento humano. O problema concentra-se, na interrogação de se saber se é
lícito utilizar embriões humanos em pesquisas genéticas.201
Tais circunstâncias leva o direito, agora, a pronunciar-se a respeito de um
dos assuntos sobre o qual mais se tem refletido durante toda a história da
civilização: quando começa a vida biologica? Se anteriormente esta problemática
pretendia apenas satisfazer a necessidade do ser humano de encontrar respostas a
todas as questões que lhe são apresentadas, agora a resposta que se busca requer
conseqüências práticas que irão refletir na própria vida do ser humano, podendo
mudar até mesmo o destino de sua existência.202
O ex-Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles, objetivando a
declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º e parágrafos da Lei de
Biossegurança 11105/07, que em síntese permite a pesquisa com células-tronco
embrionárias para fins terapêuticos, ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade
n. 3.510.203
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 29 de maio de 2008 que as
pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, tampouco a
198
Ibidem, p. 164.
Ibidem, p. 168-169.
200
CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade. CONRADO, Marcelo. Op. cit., p. 81.
201
Idem.
202
Idem.
203
Idem.
199
41
dignidade da pessoa humana. Esses argumentos foram útil, de violação ao direito da
vida e da dignidade da pessoa humana foram utilizados pelo ex-procurador-geral da
República Claudio Fonteles em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 3510)
ajuizada com o intuito de impedir essa linha de estudo científico.204
Dos onze ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal, seis deles,
que significa a maioria da Corte, entenderam que o artigo 5º da Lei de
Biossegurança não merece reparo, são eles: dos ministros Carlos Ayres Britto,
relator da matéria, Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa,
Marco Aurélio e Celso de Mello.205
Para os ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes consideraram que a lei é
constitucional, porém, houve pretensão que o Tribunal declarasse, em sua decisão,
a necessidade de que as pesquisas fossem fiscalizadas por um controle rigoroso do
ponto de vista ético por um órgão central, no caso, a Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa (Conep). Onde essa questão provocou um caloroso debate ao final do
julgamento não sendo acolhida pela Corte.206
Os outros três ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Ricardo
Lewandowski e Eros Grau posicionaram no sentido de que as pesquisas poderiam
ser realizadas, entretanto,
somente se os embriões ainda viáveis não fossem
destruídos para a retirada das células-tronco. Esses ministros fizeram, em seus
votos, várias outras ressalvas para a liberação das pesquisas com células-tronco
embrionárias no país.207
3.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O vocábulo dignidade, tem origem no substantivo dignitas.
204
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF Libera Pesquisas com Células Tronco
Embrionárias.
Disponível
em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=89917>. Acesso em: 25 ago.
2010.
205
Idem.
206
Idem.
207
Idem.
42
É entendido como mérito, prestígio, consideração, excelência, sendo
aplicado para determinar e qualificar o que é digno e que merece reverência ou
respeito.208
No curso da história o ser humano em face das sucessivas agressões
perpetradas à sua pessoa, seja contra sua integridade física ou psíquica, já se
encontra aviltado. Os tempos atuais são constituídos por dias conturbados. A
violência à pessoa acontecem num continuar desgastantes. A sociedade almeja que
o ser humano seja respeitado em seus direitos e valores. 209
O art. 1º, inc. III da Constituição Federal de 1988, dispõe que a República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamento a dignidade da pessoa humana.210
A Revolução Francesa de 1789 por meio de ideais centrados nos princípios
de liberdade, igualdade e fraternidade consagrou uma das mais valiosas conquistas
no campos dos direitos que é à tutela do homem, ao engrandecer os valores
fundamentais do ser humano.211
Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela
ONU em 1948, resgatou e enalteceu a dignidade das pessoas, corrompida em dois
conflitos bélicos mundiais.212
Entretanto, as mais significativas são aquelas representadas pela inserção
nas Constituições de vários Estados dos princípios alusivos à dignidade da pessoa
humana e, a contemplação dos direitos da personalidade nos ordenamentos civis.213
O Conceito de dignidade extrapola o próprio significado porque se encontra impregnado no
ser humano. As pessoas já nascem com esse conceito, que se encontra imanente do
espírito. Somos revestidos de dignidade por ocasião do nosso nascimento e, até mesmo
antes dele. No primeiro momento da vida ele é inerente ao nosso direito à vida e respeito ao
corpo. No segundo momento, na fase de consciência, ele se localiza no respeito aos direitos
presentes nos elementos estruturais presentes na personalidade. O famoso axioma romano
neminem laedere já representava, em sua época um notório reconhecimento dos direitos da
personalidade. Ao retratar um dever de não ofender e nem lesionar a pessoa na sua
208
SCALQUETTE, Ana Cláudia S. Estatuto da Reprodução Assistida. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 303.
209
Idem..
210
Idem.
211
Ibidem, p. 23
212
Idem.
213
Idem..
43
expressão corporal e psíquica, o mandamento reconhecia a existência de uma aura de
dignidade que sempre envolveu o ser humano. O vultus da figura humana nasceu com esse
valor, porque desde os primórdios dos tempos, o homem foi criado à imagem e semelhança
214
do criador.
Considerando este contexto, não nos é lícito fixar limites aos nossos
semelhantes por consequência de sua condição atual ou devir. A integridade do ser
se manifesta no momento da vida, seja ela em que estágio estiver – de consciência,
de semi-inconsciência ou de absoluta falta de consciência. Se pensarmos de outra
forma, o ordenamento jurídico não garantiria direitos aos incapazes, pelo contrário,
protege de forma integral os direitos dos tutelados e curatelados.215
A maior dignidade do ser humano, fundamento constitucional da dignidade
da pessoa, está ligada no direito à vida que se trata de um bem maior, posto que,
sem vida não há dignidade.216
Como norma fundamental do Estado Democrático Brasileiro, a dignidade da
pessoa humana é um dos valores mais importantes que integram a personalidade
dos indivíduosna. Este fundamento, não engloba apenas um estado de espírito da
pessoa, senão uma consideração de vida na sociedade em suas mais diversas
atividades. “O homem não pode viver sem dignidade no meio social, na família e, no
trabalho”.217
O imenso valor da dignidade é que ela não pode ser valorada em preço ou
equivalente, “No mundo axiológico não se qualificam valores, eles constituem pontos
referenciais para os seres humanos se conduzirem no plano da existência – seja no
mundo físico ou no interior”. É um princípio que deve ser observado por todo
ordenamento jurídico por tratar-se do centro gravitacional de um sistema de valores
e das necessidades presentes na vida em sociedade.218
Por esse motivo é inaceitável um ordenamento jurídico que não tome como
norma fundamental o princípio da dignidade da pessoa humana. Considerando que
toda ordem normativa é direcionada à organizar a vida social, com o intuito de
214
Idem.
Ibidem, p. 24.
216
Idem.
217
Ibidem, p. 25.
218
Ibidem, p. 26.
215
44
assegurar aos seus cidadãos uma vida regulada por respeito aos valores de seus
pares.219
O Código Civil Brasileiro de 2002, a exemplo dos Código Civil italiano,
português, alemão e outros, dispõe em sua parte geral, no capítulo II, nos arts. 11 a
21, dos direitos da personalidade, uma garantia ampla e irrestrita aos direitos da
pessoa.220
Nosso legislador determinou as regras que estabeleceram parâmetros, que
conferem valor à dignidade das pessoas, na medida em que definiu os fatos que
possam importar diminuição da integridade física ou psíquica das pessoas.221
Está disposto no artigo 11 do CC, que os direitos da personalidade não
podem sofrer limitação voluntária, sendo que o estatuto civil brasileiro assinalou uma
idéia vasta desses direitos. Não dá para imaginar que esse direito-valor e
fundamental da pessoa humana, pudesse sofrer limitação em seu exercício; “ele é
pleno e infinito em sua dimensão, se considerarmos que os princípios que conferem
valor e sentido à vida humana não podem ser erigidos à condição de cláusulas
fechadas”. É um valor fonte que foi fundado com o fim de conferir causa à existência
humana em todas as suas dimensões – “especialmente em sua condição primeira
ou de nascituro”.222
O maior dos direitos fundamentais elencado no art. 5º da CR/88 é o da
inviolabilidade do direito a vida que em consonância com o princípio fundamental da
dignidade humana, pode-se afirmar que os demais direitos fundamentais são
aqueles necessários para uma vida digna.223
Não há disposição expressa na CR/88 em qual momento incide a
inviolabilidade do direito à vida, que o constituinte de 1988 optou por não dispor.
Todavia, ainda que não esteja disposto, não inviabiliza a definição do sentido e do
alcance da norma, sendo necessário o auxílio de outras ciências, o que claramente
se impõe aqui, já que cabe ao direito proteger a vida e não dizer quando se inicia a
vida.224
219
Idem.
Idem.
221
Ibidem, p. 29.
222
Ibidem, p. 30.
223
GARCIA, Maria. Biodireito..., p. 18.
224
Idem.
220
45
É entendimento pacífico entre as ciências pertinentes ao assunto de existir
vida desde a concepção, trazendo a segurança necessária ao direito.225
Centrada na defesa da dignidade da vida como bem supremo a merecer o
respeito e consideração dos seres humanos a nova ordem jurídica confere irrestrita
proteção aos direitos do concebido.226
Para o dicionário Houaiss, vida “é o conjunto de atividades e funções
orgânicas que constituem a qualidade que distingue o corpo vivo do morto”. Mas, o
que diferencia a vida física da vida jurídica, quanto ao nascituro, é que o nascituro,
na condição de ser em estado de pulsação, mesmo antes de nascer, encontra-se
inserido no mundo dos demais seres vivos e, portanto, merecedor de tutela da
ordem normativa.227
“O novo conceito de direito à vida é amplo e irrestrito, posto que se refere
aos seres vivos de um modo geral, que possuem especial proteção no ordenamento
jurídico”.228
Há que haver uma mudança dos paradigmas e revisão de todas as
categorias e conceitos jurídicos, bem como, a necessidade de elaborar um novo
direito civil, tendo o indivíduo, o ser humano como o centro referencial do
ordenamento.229 Personalidade civil é entendida, de um determinado indivíduo poder
atuar no cenário jurídico, ou seja, para ser pessoa não é necessário ter direitos, mas
sim poder a vir te-los.230
A expressão, poder a vir te-los, implica a preservação de um direito potencial, ou seja, de
um direito existente por ocasião da concepção, em face da exata e precisa interpretação
prescrita na parte final do art. 2º do Código Civil de 2002. Essa personalidade fictícia, na
expressão de alguns doutrinadores encarna a idéia de um conteúdo de direitos presentes
231
no nascituro logo após a concepção.
A dignidade da pessoa humana é um princípio, portanto, não é mais um
Direito Constitucional, mas um princípio constitucional fundamental do Estado
225
Idem.
REIS, Clayton. Os Novos Princípios que Tutelam a Dignidade do Nascituro. In:
CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade. et. al. (Orgs.). Biodireito e ignidade da Pessoa Humana.
Diálogo entre a Ciência e o Direito. Curitiba: Juruá, 2008. p. 34.
227
Idem..
228
Ibidem, p. 35.
229
Idem.
230
RODRIGUES, Rafael Garcia. Op. cit., p. 2.
231
REIS, Clayton. Op. cit., p. 35.
226
46
Democrático de Direito e do qual se extrai outros direitos. É um referencial
constitucional unificador dos direitos fundamentais adstritos à espécie humana, ou
seja, daqueles direitos que devem garantir a subsistência das pessoas, protegendoas de violações evitáveis na esfera social”.232
Vale mencionar que, num estágio mais avançado, Ingo Wolfgang SARLET
discorre sobre “Algumas notas sobre a dimensão ecológica da dignidade da pessoa
humana e sobre a dignidade da vida geral”.233
A relevância do princípio da dignidade humana pode ser apontada como o fato de ser
possível afirmar tratar-se do maior dos direitos e não do direito à vida. O entendimento
majoritário ainda é no sentido da superioridade do direito à vida, sob o fundamento de que
não há dignidade sem vida. Mas, quando se constata ser perfeitamente defensável a
dignidade do morto, pode-se falar em dignidade mesmo quando não há mais vida. Mas,
frente a tal argumento pode-se afirmar que houve vida e são seus efeitos que perduram
além dela. Não é objetivo adentrar em tal celeuma neste estudo. Importa ressalta que onde
há vida deve ter aplicabilidade o princípio da dignidade humana, já que inerente a todo ser
humano. Ou não? Conforme Uadi Lammêgo BULOS: “Sem a proteção incondicional do
direito à vida, os fundamentos da República Federativa do Brasil não se realizam. Daí a
Constituição proteger todas as formas de vida, inclusive a uterina (precedente: TJSP,
234
CDCCP, 4:299-302)”.
Certamente o concepto ainda não goza de condições para o exercício de
muitos direitos, mas isso não retira dele a titularidade dos direitos necessários para
seu desenvolvimento e nascimento com dignidade.235
Considerar outro momento inicial para a tutela constitucional do direito à vida
– e vida com dignidade -, que não a concepção, não é uma interpretação adequada
porque além de desconsiderar a realidade advinda de comprovação médica, não
concedeu a máxima efetividade possível ao comando constitucional.236
Ressalte-se de início, que a idéia do valor que está intrínseco da pessoa
humana relaciona-se já com fundamento no pensamento clássico e no ideário
cristão.237
No antigo e no novo testamento pode-se encontrar citações de que o ser
humano é feito imagem e semelhança de Deus.238
232
GARCIA, Maria. Biodireito..., p. 20.
Ibidem, p. 21.
234
Idem.
235
Idem.
236
Idem.
237
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. 2
ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 29.
233
47
O ser humano e não só os cristãos são dotados de valores próprios que lhe
são inerentes, não podendo serem transformados em instrumentos ou objetos. Na
antiguidade clássica, o pensamento filosófico e político, colocava a dignidade
vinculada ao cargo social que a pessoa ocupava.239
No pensamento estóico, a dignidade era valorada como a qualidade que, por
ser intrínseca ao ser humano, o diferenciava das demais criaturas, no sentido de que
todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade.240
Argumente-se que tal proteção da vida humana em geral, em última análise,
constitui exigência da vida humana e vida humana com dignidade. “De qualquer
modo, incensurável, isto sim, é a permanência da concepção Kantiana no sentido de
que a dignidade da pessoa humana, esta (pessoa) considerada como fim e não
como meio, repudia toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do
ser humano”.241
Dessa maneira, a dignidade visivelmente não existe apenas onde é
reconhecida pelo direito e na medida em que este a reconhece, ela já existe
anteriormente, e o direito exerce função crucial na sua proteção e promoção, uma
vez que cuida do próprio valor e da natureza do ser humano como tal.242
3.3 O DIREITO À VIDA, UMA VISÃO CONSTITUCIONAL
“Consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria
vida, de permanecer vivo.”243
Somente pela morte espontânea e inevitável o direito a vida poderá ser
interrompido em seu processo vital. Estar vivo e existir é o movimento espontâneo
contrário ao estado de morte. Tendo em vista o direito à vida é que a legislação
penal pune as formas de interrupção violenta do processo vital. 244
238
Idem.
Ibidem, p. 30.
240
Ibidem, p. 31.
241
Ibidem, p. 35.
242
Ibidem, p. 42.
243
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32 ed. rev. e atual.
São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 198.
244
Idem.
239
48
A concepção não é um amontoado de células indiferenciadas, como se
tratando de coisas ou de células outras que não aquelas que se desenvolverão até
alcançar condições para gozar a vida extra uterina, é vida humana em seu momento
inicial e assim deve ser considerada. O embrião não deve de ser visto como uma
coisa, e sim para todos os efeitos ser tido como uma pessoa em potencial, portanto,
já tem a tutela dos direitos fundamentais, a começar pelo nascimento. Trata-se de
vida intra-uterina que, com o nascimento, passará a ser vida extra uterina, como
todos nós fomos e somos.245
A vida se inicia com a concepção, o que pode ocorrer naturalmente ou até
mesmo de forma assistida mediante fecundação fora do útero (in vitro). Durante o
período da vida intra-uterina o ser humano aguarda condições próprias para viver
fora do útero, o que, com os avanços tecnológicos, pode ocorrer cada vez mais
cedo.246
Há notícia, neste sentido, de nascimento de bebês com menos de 500
gramas. O termo final para a vida iniciada com a concepção é a morte. No período
entre a concepção e a morte, o ser humano está em constante desenvolvimento em
vários aspectos.247
Quando o entendimento no sentido de que a vida humana tem início quando
se iniciam as atividades eletro encefálicas, não se harmoniza com a proteção
constitucional à vida, já que exclui a fase entre a concepção e o início de tais
atividades, durante a qual já há um ser individualizado, já há vida. Tal entendimento,
portanto, restringe o direito fundamental.248
A inviolabilidade do direito à vida alcança todas as fases da vida, se quais
podem ser representadas, ainda que sumariamente, por duas grandes fases, cada
qual com suas subfases. São elas: (1) intra-uterina, com toas as etapas pelas quais
passa o concepto (zigoto, embrião e feto); (2) com todas as etapas após o
nascimento (recém-nascido, criança, adolescente, adulto e, enfim, o idoso). O tempo
a vencer cada uma dessas fases, embora estimativas, como sabemos, é totalmente
imprevisível. Não há nem ao menos garantia de que todas serão vencidas, mas os
245
GARCIA, Maria. Biodireito..., p. 21.
Ibidem, p. 22.
247
Idem.
248
Idem.
246
49
esforços para tanto devem ser, na mesma intensidade, para todas essas fases,
desde a concepção.249
Levando a matéria e discussão para o Direito Constitucional, José Afonso da
SILVA, adverte podendo dessa maneira ingressar no campo da metafísica;
reconhecendo, todavia, que “alguma palavra há de ser dita sobre esse ser que é
objeto de direito fundamental”; prossegue o autor:
Vida, no texto constitucional (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido
biológico de incessante autoatividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua
acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão
porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria
identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (...)
transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando,
então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e
incessante contraria a vida (...) A vida humana, que é o objeto do direito assegurado no art.
5º, caput, integra-se de elementos matérias (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais) (...)
Por isso que ela constitui a fonte primária de todos os outros direitos fundamentais, como a
igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num
desses direito. No conteúdo de seu conceito envolvem o direito à dignidade da pessoa
humana (...) o direito à privacidade (...) o direito à integridade físico-corporal, o direito à
250
integridade moral e, especialmente, o direito à existência.
Dentro deste contexto, com as lições supracitadas pode-se entender que a
proteção constitucional do direito à vida incide desde a concepção, momento a partir
do qual já há vida e, portanto, a Constituição a protege. Vale salientar que com a
aplicação do princípio da máxima efetividade ao comando constitucional, tal
entendimento traz mais garantias. Sobre isso leciona CANOTILHO:
Esse princípio, também designado por princípio da eficiência ou principio da interpretação
efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional dever ser
atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e
quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja legada à tese da
actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos
direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça
251
maior eficácia aos direitos fundamentais).
Sendo assim, se a Constituição implicitamente declara a inviolabilidade do
direito à vida, mas não dispôs isso expressamente, ou seja, qual o momento inicial
da proteção, aplicando-se o princípio da máxima efetividade a tal comando, resta
249
Idem.
SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 200–201.
251
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.
Coimbra: Almedina, 2001. p. 1197.
250
50
demonstrado que o momento inicial é a concepção, pois a partir de então já se tem a
individualidade inerente ao ser humano.252
Não fosse assim, mais do que negar a máxima efetividade possível ao
comando constitucional estar-se-ia na pretensão de se colocar no lugar do Poder
Constituinte Originário, já que nem ao Poder Constituinte Reformador cabe restringir
o direito à vida. Tal impedimento impõe-se ao interprete, sobretudo para evitar uma
interpretação restritiva do maior dos direitos fundamentais, o que seria uma afronta
ao princípio da proibição do retrocesso e à própria historicidade dos direitos
fundamentais.253
A aplicação do princípio da máxima efetividade não se confunde com a
interpretação extensiva. Não se trata de estender ao concepto o direito à vida que já
está no comando constitucional. Logo, onde há vida humana há tutela constitucional.
Veja que, a utilização do princípio da máxima efetividade não se faz livremente,
porque pautada na objetividade, no mais, coaduna-se com uma das peculiaridades
da norma constitucional que é o caráter aberto e sua atualização.254
“Com isso, é preciso salientar que o princípio da dignidade humana e aplica
ao concepto e, portanto, não basta lhe assegurar, nessa fase peculiar de seu
desenvolvimento, a inviolabilidade de sua vida no sentido de mera existência
enquanto aguarda o seu nascimento, mas sim que lhe seja assegurada uma vida
intra-uterina digna.”255
Em linhas gerais sobre a dignidade, Ana Paula de BARCELLOS nos ensina
que:
O sistema constitucional introduzido pela Carta de 1988 sobre a dignidade é bastante
complexo, tanto porque especialmente disperso ao longo de todo o texto, como também
porque a Constituição, partindo do princípio mais fundamental exposto no art. 1º, lll, (“A
República Federativa do Brasil (...) tem como fundamentos: (...) lll – a dignidade da pessoa
humana;”), vai utilizar na construção desse quadro temático várias modalidades de normas
256
jurídicas, a saber: princípios, subprincípios de variados níveis de determinação e regras.
252
GARCIA, Maria. Biodireito..., p. 20.
Idem.
254
Idem.
255
Idem.
255
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 148.
256
Idem.
253
51
Alexandre de MORAES, invoca a Constituição da República, que garante
que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, (...) a
inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à igualdade, à segurança e a
propriedade. Entretanto, vale salientar que o direito à vida é o mais fundamental de
todos os direitos, considerando que é o primeiro para a existência de todos os
demais.257
Cabe ao Estado assegurar o direito à vida, proclamado na Constituição da
República, em dois sentidos, um relacionado ao direito de continuar vivo e o
segundo de ter vida digna quanto a subsistência.258
Entretanto, o início da mais preciosa garantia individual deverá ser dada pelo
profissional em biologia, o biólogo, cabendo ao jurista, dar o enquadramento legal.
Do ponto de vista científico a vida começa com a fecundação do óvulo pelo
espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto. Com a nidação, ou seja implantação
do óvulo no útero, inicia-se a vida viável.259
O embrião ou feto, constitui um ser individualizado, com uma carga genética
própria, diferente de seus pais, e não há exatidão em afirmar que a vida do embrião
ou do feto está vinculada a vida da mãe.260
Ressalte-se que a Constituição da República tutela a vida de forma geral,
inclusive, a uterina.261
A vida sempre será objeto de estudo, de investigação. O sistema
internacional de direitos humanos, surgiu após 2ª Guerra Mundial, quando houve a
necessidade de reconstrução dos direitros humanos e tem como marco a
Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Foi a partir dessa declaração que
surgiou muitos tratados internacionais.262
No âmbito internacional, a proteção do direito à vida é desde a concepção,
assegurada pela Convenção Americana dos Direitos Humanos na cidade de São
José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969 que em seu artigo 4º dispõe sobre
o direito à vida e no item 1 assegura que este direito deve ser protegido pela lei, em
257
30.
258
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20 ed. atual. São Paulo: Atlas, 2006. p.
Ibidem, p. 31.
Idem.
260
Idem.
261
Idem.
262
GARCIA, Maria. Biodireito..., p. 32.
259
52
geral desde a sua concepção, não podendo ninguém ser privado da vida
arbritrariamente.263
O Brasil em setembro de 1992, ratificou o tratado internacional da
Concenção Americana de Direitos Humanos e por meio do Decreto nº 678 de 06 de
novembro de 1992, decreta que a Convenção Americana dos Direitos Humanos
deverá ser cumprida integralmente como nela de contém.264
Logo, tendo em vista estas considerações encontra-se na Constituição de
1988, no fundamento do Estado Democrático de Direito elencado no art. 1º, III, a
dignidade da pessoa humana; no princípio de prevalência dos direitos humanos que
rege as relações internacionais da República Federativa do Brasil, art. 4º, II e no
direito à vida, direito e garantia fundamental, art. 5º, caput, da carta magna o
subsídio pronto e suficiente para proteção do embrião humano.
263
Idem.
São José da Costa Rica. Convenção Americana de Direitos Humanos: Conferência
Especializada
Interamericana
sobre
Direitos
Humanos.
Disponível
em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em:
15 set. 2010.
264
53
CONCLUSÃO
Conclui-se após a realização do presente trabalho frente a exposições dos
autores no tocante a fertilização in vitro e os embriões excedentários que, o que se
critica não é a sua prática, visando o fim para a qual foi criada, mas como está
sendo praticada. A questão dos embriões excedentes está diretamente ligada a
expectativa dos casais de obterem seus próprios filhos e a economia, pois, para
atenderem a esta expectativa as clínicas de reprodução assistida utilizam-se de
métodos, neste caso, da superovulação, para garantir o sucesso da implantação e
assim o desejo satisfeito de seu “cliente paciente”, gerando assim os embriões
excedentes não utilizados no procedimento.
Não se trata de tolher o direito dos casais de terem seus próprios filhos,
mesmo porque a CR/88 garante o avanço da ciência e o planejamento familiar; mas
sim de se adotar procedimentos adequados que não violem a existência humana.
Houve apontamentos relevantes quanto a existência de tratamentos sem a
utilização
de
embriões
humanos.
Quanto
a
pesquisa
com
células-tronco
embrionárias, para fins de curar pessoas portadoras de doenças degenerativas,
também foram apontados meios pelos quais os embriões não são utilizados, como
por exemplo a utilização de células-tronco adultas encontradas na medula óssea e
no sangue do cordão umbilical.
Mas a realidade é que a prática utilizada da superovulação pelas clínicas de
Reprodução Humana Assistida, acaba gerando os embriões excedentes que serão
criopreservados, congelados em nitrogênio líquido a baixíssimas temperaturas, a
menos de 196º C.
Vale salientar que antes da Lei de Biossegurança, o Conselho Regional de
Medicina proibia expressamente a utilização de embriões humanos para pesquisa.
Ressalte-se que os próprios profissionais da área que deveriam serem os primeiros
a
concordarem
com
tal
situação,
por
terem
capacidade
técnica,
foram
terminantemente contra esta prática, pressupondo que há vida humana desde a
concepção.
No tocante a suposta falta de legislação, da necessidade de leis que
protejam diretamente o embrião, uma leirura da CR/88 e o Pacto de São José da
54
Costa Rica, não há que se falar em falta de legislação. A vida é um bem jurídico
protegido mundialmente, não é necessário o conhecimento de se saber quando ela
se inicia, até porque tudo tem sua origem, trazendo vários assuntos polêmicos, mas
que se dê a vida a devida proteção.
55
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