ENTRE PALAVRAS E RIFLES: O HOLOCAUSTO, A DIASPORA E O

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ENTRE PALAVRAS E RIFLES: O HOLOCAUSTO, A DIASPORA E O
ENTRE PALAVRAS E RIFLES: O HOLOCAUSTO, A DIASPORA E O
SIONISMO EM POESIAS DE IRVING LAYTON
Prof. Dr. Alexandre Feldman
Em algumas poesias do poeta judeu canadense Irving Layton, a literatura da Shoá
emerge e a força da palavra alinhava e envolve aspectos da ideologia sionista em oposição à
identidades judaicas da diáspora, incluindo o modo pelo qual são encarados os mortos e
sobreviventes do genocídio perpetrado pelos nazistas e colaboradores.
Em seus poemas, muitas vezes secos e diretos, a musicalidade e a rima surgem dos
significados implícitos das expressões e versos carregados de questões de identidade e
memória que, inevitavelmente, abordam a dor e sofrimento das vítimas. Dor assumida pelo
poeta e ampliada por palavras que revelam o incansável e impiedoso desejo revisionista de
negação da memória e da história.
As poesias Cabalist, After Auschwitz, To the Victims of the Holocaust e To My Sons,
Max and David são bons exemplos dessa conexão entre o trabalho criativo de Layton e as
questões históricas e ideológicas que envolvem a pesada temática da Shoá. Nelas ecoa mais do
que gritos clamando lembrança, estão presentes idéias que questionam a validade das palavras
– matéria-prima do poeta – e do conhecimento que elas produzem para lutar contra a
bestialidade humana, o que, retoma o dito de Adorno e amplia o escopo de análises acerca de
seus trabalhos.
O título proposto para esta comunicação já revela de imediato que é possível encontrar
nos poemas de Irving Layton questões intimamente ligadas à vida judaica do século XX: o
horror do genocídio perpetrado pelos nazistas e colaboradores, a procura pela fixação em um
território baseada no ideário sionista e a questão identitária diaspórica, que, se por um lado,
multiplica as culturas, línguas e comunidades judaicas, por outro, nunca deixa de revelar um
trauma com mais de dois mil anos de história e seus ferimentos. A influência sionista presente
nos poemas, ou seja, a defesa de um lar nacional para os judeus, não se aprofunda para
discussões que entre os próprios sionistas e as diferentes correntes deste movimento eram
importantes. Nos trabalhos de Layton, estamos no primeiro estágio da necessidade do Estado
de Israel: a sobrevivência de uma nação e um povo dilacerado no seio do mundo ocidental,
sobreviventes de Auschwitz, tendo ou não estado lá precisam entender que o único lugar que
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lhes resta é o Estado Judeu. Nas poesias de Layton o Estado de Israel já existe e precisa
sobreviver, mas mais do que isso, as diversas poesias que tratam do tema resvalam no antisemitismo ocidental e mostram o Estado Judeu como o contraponto, o equilíbrio, a
necessidade para a própria existência judaica. O trabalho criativo de Layton revela também
elementos ainda mais profundos que brotam da própria identidade judaica do poeta, de seu
sentimento de vítima-sobrevivente e de suas dúvidas e angústias pessoais, sem esconder a
marca da religião e da religiosidade que havia em seu lar, da sua busca pelo conhecimento,
sua vida em Montreal e a forte presença feminina..
Por ser quase que completamente desconhecido do público brasileiro, faz-se
necessária uma rápida introdução a respeito da biografia do poeta por esta apontar
características peculiares que indubitavelmente transbordam para seus versos e auxiliam na
análise de seus poemas, inclusive os aqui propostos.
Não se deixem enganar, Irving Layton, indicado para o prêmio Nobel de literatura no
início dos anos 1980, nasceu no dia 12 de março de 1912 e recebeu o nome de Israel Pincu
Lazarovitch, na cidade de Tirgul Neamt, na Romênia. Houve um ar mágico em sua cidade
natal por conta de seu nascimento porque Layton, o filho caçula de uma família religiosa,
nasceu circuncidado naturalmente, o que é visto por alguns judeus ortodoxos como uma
marca do messias. Este fato, como revelaria mais tarde o poeta, exerceu sobre ele, durante a
infância, um sentido de destino e imortalidade.
Sua família imigrou para Montreal em 1913 e tiveram de morar numa parte pobre da
Rua St. Urbain, que mais tarde ficaria famosa nos romances de Mordecai Richler. O Canadá
de 1913, apesar de receber imigrantes como ainda faz nos dias de hoje, revelava outro
momento histórico e outra mentalidade. Os franco-canadenses de Montreal sentiam-se
desconfortáveis com o número cada vez crescente de imigrantes judeus e não eram raros os
ataques anti-semitas. Estes ataques contra a minoria judaica também marcaram Layton, pois
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“Issi”, apelido concedido ao poeta pelos irmãos, passou a ser chamado de “Nappy”, em
referência a Napoleão Bonaparte pela coragem com que enfrentava os ataques. Layton
cresceu pelas ruas de Montreal e sua mãe foi o centro de seu mundo. Ela o chamava de
Flamplatz, que em iídiche significa chama ardente, e tratava seu filho caçula como o favorito.
Em seu próprio lar, o jovem Layton vivenciou a dualidade humana ao observar a força
em sua mãe Keine (Clara) em oposição à docilidade e timidez em seu pai Moishe (Moisés). O
pai de Layton teve pouco contato com os filhos e, segundo relata o próprio autor, era um
homem que acreditava viver para ir à sinagoga ou estudar o Talmud em seu pequeno e escuro
aposento. Apesar de distante, foi desta imagem paterna que o poeta revelava extrair seu
contato com o divino.
Layton perdera o pai aos 13 anos e após concluir a primeira etapa de seus estudos
começou a trabalhar como vendedor porta a porta para satisfação de sua mãe e irmãs que
consideravam esta uma profissão promissora. Mas, abandonou a curta carreira e iniciou seus
estudos secundários sob protesto dos familiares. Esta escolha foi decisiva na trajetória do
poeta, pois foi durante os estudos secundários que sua paixão pela língua e literatura inglesa
foi despertada e ele mergulhou na literatura e na filosofia. Layton se tornou membro da Liga
Socialista Jovem e também passou a se identificar com o, à época, Partido Democrático do
Canadá. Layton travou debates acalorados com políticos conservadores como David Lewis e
poetas como A. M. Klein. Sua sede de verdade o conduziu para fora da escola e sem poder
graduar e com pouquíssimo dinheiro, a única alternativa que lhe restou foi estudar agricultura
na MacDonald College, onde ingressou em 1934. Sem se resignar, publicou uma coluna no
jornal de estudantes da faculdade revelando seu pensamento de esquerda. Alguns desses seus
artigos chamaram tanta atenção que ele foi proibido de entrar nos Estados Unidos por
aproximadamente 15 anos. Escrevia poesias, mas era apenas conhecido por suas polêmicas.
Fundou o Clube da Pesquisa Social que servia de fórum para debates políticos. Em 1936,
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conhece Faye Lynch com quem se casaria em 1938. Em 1939, se forma em agricultura e
muda-se com a esposa para Halifax onde trabalha em funções baixas para sobreviver. O
casamento é curto e Layton retorna para Montreal e passa a lecionar inglês para imigrantes.
Indeciso acerca de seu próprio futuro e enraivecido pelo derramamento de sangue causado por
Hitler, Layton se alista no exército canadense em 1942. O poeta serviu como comandante de
brigada em Petawawa onde conheceu a pintora e poeta Betty Sutherland, irmã do poeta e
editor John Sutherland. Layton e Betty se casam e deste relacionamento nasceram seus dois
primeiros filhos Maxwell (1946) e Naomi (1950). Em 1943 é dispensado do exército com
honras e retorna a Montreal. Layton e John se tornaram amigos e juntamente com outros
novos poetas criticavam as posições de autores mais velhos, como, por exemplo, Northrop
Frye, em relação à natureza e o significado da poesia. O grupo de Layton defendia que a
poesia deveria expressar a realidade se quisesse ser relevante e ter significado imediato, além
de argumentar que os poetas canadenses deveriam criar sua própria identidade e parar de se
voltar para o modelo inglês. Um exemplo desta postura pode ser observado no poema
“Whatever else poetry is freedom” que trata do desejo de libertar o poema da retórica e da
mentira, atirando-o para a realidade. Neste poema, o autor, recorre à imagem bíblica de Jonas
a quem a força do poema é comparada. Algo preso que precisa ser exteriorizado para não
apodrecer.
Em 1944, Layton escreve seu primeiro grande poema intitulado “The Swimmer” e, a
partir de então, começa a inscrever seu nome entre os grandes autores canadenses. Tornou-se
mestre em Ciências Políticas em 1946 e começou a considerar o magistério como uma
possibilidade de carreira iniciando como professor de inglês, história e ciências políticas na
Herzliah Jewish Parochial High School. Enérgico e admirado, foi professor de pessoas
famosas como o poeta e letrista Leonard Cohen e o magnata das comunicações Moses
Znaimer. Lecionou ainda na Concordia University e na York University.
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Na década de 1950, considerada a sua fase mais promissora, sua popularidade foi
aumentando gradativamente e ficou evidente que ele e seus contemporâneos faziam parte de
um movimento que ganhava força ao se distanciar da poesia das gerações anteriores. O poeta
praticamente publicava um livro por ano e ainda realizava palestras e apresentações nas quais
sua voz criativa, ativa e engajada criava polêmica e controvérsia por suas atitudes antiburguesas, que incluíam uma luta feroz contra o conservadorismo e o puritanismo presentes
na cultura canadense. As polêmicas de Layton lhe renderam o título de “Mr. Fighting Words”
num programa de debates da CBC. Esta fama ganhou outras dimensões e ecoou na Itália,
Espanha, Grécia, Alemanha e Coréia do Sul onde seus livros foram traduzidos e estudados.
Com o sucesso, vieram convites, premiações e, no final dos anos 1950, uma bolsa de estudos
que possibilitou viagens ao exterior que incluíram no roteiro Israel, Grécia e Índia. Nesta
mesma época Layton conheceu Aviva Cantor com que se casaria após divórcio amigável com
sua segunda esposa, Betty. Deste seu terceiro casamento nasce seu filho David em 1964.
No final da década de 1960 houve um distanciamento do poeta em relação a seus
primeiros escritos e sua personalidade passa a aflorar de modo ainda mais intenso. Agora mais
do que observações acerca da vida e da palavra, Layton passa a se expor revelando sua
personalidade e traços que desvendam suas identidades, seu humor crítico e irônico,
mostrando o amante amoroso e sensual e, por fim, mas não menos importante, o profeta
envelhecido que solta palavras que denunciam a dualidade da vida diáspora e a percepção
humana do horror pós-Auschwitz.
Seu terceiro casamento também chega ao fim nesta fase, mas Layton casa-se nos anos
1970 com Harriet Bernstein com quem tem sua segunda filha, Samantha Clara Layton. Harriet
foi uma de suas alunas e era proveniente de uma família rica e poderosa de Toronto. De todas
as separações a deste quarto casamento seria a mais dolorosa e resultaria na tristeza que pode
ser captada no livro “The Gucci Bag”. Nesta obra o poeta se desnuda e deixa os poemas
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abertamente revelarem a tristeza e frustração por ter perdido seu amor e a dor da distância da
filha por conta da separação.
Nos anos 1980, Layton foi indicado ao prêmio Nobel, mas este foi concedido a Gabriel
Garcia Márquez. Entretanto, esta década reservava ainda mais uma surpresa para o poeta: um
quinto casamento que durou de 1983 até meados da década de 1990. O interessante a respeito
de Anna (Annette) Pottier, quinta e última esposa, foi o fato de ela ter nascido no mesmo ano
de falecimento de sua mãe, isto é, em 1959, o que Layton tomou como um sinal de
compromisso.
Agora que um pouco acerca da vida e obra do poeta foram apresentados, passemos à
análise dos poemas sugeridos para esta comunicação:
Em seu poema Cabalist percebem-se as marcas de sua infância detectadas na figura que
ele descreve como doce e gentil no estudo das leis, o que remete ao modo que o poeta
enxergava o próprio pai. Mas Layton, nesses poucos versos, vai além da imagem paternal. O
poema é claro em relação ao estudo dos escritos judaicos. Primeiramente pelo título que
remete ao misticismo judaico, o contato com o divino que advém pelo estudo. No próprio
poema o autor se vale do termo “tocar” ao se referir a presença de Deus revelando a máxima
proximidade com a divindade. Layton confronta o mundo físico e o mundo do pensamento e
atribui ao cabalista a capacidade de tocar a figura divina. Em outros termos poder-se dizer que
o cabalista por meio de seus estudos da mística judaica traz a idéia de Deus para o mundo dos
homens. Layton mantém Deus na mente do cabalista. O poeta não abre espaço para um Deus
que ultrapasse o campo do pensamento, mas reconhece e respeita a religiosidade na qual ele
está envolto. Afinal, já no primeiro verso deixa evidente que são dos olhos daquele que trava
contato com Deus que a luz emana. Não se esquecendo que além da noção de claridade,
clareza e iluminismo, a palavra “luz” remete indubitavelmente ao primeiro ato da criação em
Gênesis. A separação entre as trevas e a luz é retomada no poema de Layton nos olhos do
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cabalista. Assim, os quatro primeiros versos desta concisa poesia falam da vida, da idéia de
Deus, do amor, da esperança e do pensamento. Todos carregados por uma voz gentil. Voz
silenciada abruptamente nos dois últimos versos. O retorno às trevas é marcado pelo
genocídio perpetrado pelos nazistas e colaboradores. Sem mencionar a guerra, sem mencionar
o genocídio, sem citar um único campo de extermínio, sem mencionar o nome dos assassinos,
pois a eles o poeta apenas se refere como “humanos tolos”, Layton termina seu poema de
maneira rápida como num golpe contra o leitor. Seu discurso direto rasga e elimina qualquer
pretensão de ir além do que já está ali dito. O sábio cabalista com seu amor, sua cultura foi
por tudo o que era ou podia oferecer, transformado em uma barra de sabão. Mais do que
referência aos nazistas que após exterminarem milhões de pessoas entre elas mulheres,
crianças, idosos e doentes, depois de terem roubado o direito à vida, à sociedade, ao nome,
tiravam ainda das vítimas o direito a um enterro digno. Mais do que atirados em valas
comuns, seres humanos transformavam-se em matéria-prima. Ossos viravam pentes, peles
abajures, os cabelos enchiam travesseiros, dentes de ouro eram arrancados e derretidos. O
corpo humano aproveitado e industrializado ao limite. Ironicamente, o poeta escolhe a barra
de sabão para representar toda a crueldade nazista. Talvez por ser a imagem mais banal do
aproveitamento dos restos mortais das vítimas nas diversas fábricas de morte que foram
espalhadas na Europa pelos nazistas, talvez para lembrar da limpeza ariana, talvez para
significar que “limpezas” são feitas a custa de muita sujeira, de sangue, de morte. Talvez por
uma barra de sabão ser a coisa mais tola diante de tamanha bestialidade em oposição ao
contato com a divindade. Direto, sintético e perturbador. Eis um poema de Layton.
After Auschwitz trata da Shoá de uma maneira diferente da apresentada no trabalho
anterior. Aqui o poeta entra no campo de batalha da literatura. Dirigida a um filho, de um
modo genérico de tal forma que todo leitor possa ser considerado um filho do próprio poeta,
Layton retoma sua luta por uma poesia livre de métricas e direta em seu conteúdo a ponto de
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pedir que seu filho não acredite nele próprio, ou seja, num poeta envelhecido no século XX.
Layton coloca a palavra do poeta em oposição a um tiro de uma arma, pedindo que todas as
palavras sejam diretas e honestas como o próprio tiro. O adjetivo empregado para qualificar o
poeta, ao denominá-lo de “evasivo”, é retrato da defesa que Layton sempre fez de uma poesia
de contato com a realidade histórica e social. A poesia, e de certo modo, a literatura e a arte
acabam sendo apresentados como algo mentiroso pelo autor. Aqui o dito de Adorno de que
após Auschwitz seria impossível escrever poesia ganha força, mas é automaticamente
reavaliado, caso contrário, não teríamos nada para ler e aqui comentar.
Na segunda estrofe do poema o autor que se autodenomina velho, descarrega contra as
religiões, lembrando a este filho que nenhuma delas modificou ou freou a bestialidade
humana, mencionando o Velho e o Novo Testamentos, o Alcorão, os Três Cestos de
Sabedoria e até mesmo o Dhammapada. A terceira estrofe se apresenta como continuidade e
desfecho da primeira, mas como no poema anteriormente analisado, retoma a idéia de
aproveitamento dos restos mortais ao mencionar que abajures foram feitos com peles daqueles
que pregaram amor. Os fornos de Auschwitz e Belsen são personificados em testemunhas da
tolice das palavras.
Já na quarta estrofe inicia-se o desfecho do poema que terminará na quinta de um modo
abrupto semelhante ao estalido de um tiro proposto no quinto verso da primeira estrofe. Neste
trecho o poeta diz que os memoriais e o arrependimento duram pouco, o que se apresenta
como uma resposta direta a um mundo no qual as idéias revisionistas ganhariam cada vez
mais espaço sempre colocando em dúvida a atrocidade cometida contra as vítimas de modo a
transformá-las em culpadas de suas próprias mortes e arrancar-lhes até mesmo o direito à
memória. Direito que, segundo expressa o poeta, pode ser perpetuado apenas com um rifle
automático, isto é, uma referência à existência do Estado de Israel. Além disso, declara
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diretamente que os memoriais não substituem as vidas ceifadas, a dor das vítimas e dos que
restaram.
To the Victims of the Holocaust é outra crítica direta ao revisionismo e ao esquecimento
ao qual as vítimas com seus braços tatuados são relegadas. Layton é incisivo e lembra que o
martírio das vítimas do nazismo é mais corrosivo do que o orgulho humano ferido por
Copérnico e Darwin numa clara alusão entre o discurso científico e o religioso. Mais uma vez
o poeta lembra que pessoas viraram sabão e fumaça numa direta referência aos campos de
extermínio. O poeta refere-se aos não-judeus de uma maneira desdenhosa ao usar o termo
“goy”, isto é, gentio, dizendo que um deles irá um dia dizer que o Holocausto nunca ocorreu e
que tudo não passou de desculpas para iniciarem-se guerras e revoluções. Ora, foi exatamente
o que ocorreu e ainda ocorre décadas após o poema ter sido escrito. Constantemente o ônus da
prova recai sobre as vítimas como se estas tivessem que desenterrar as valas comuns,
preservar as relíquias da guerra, juntar ossos, pele derretida, aspirar fumaças e junta-las para
apresentar à corte da consciência humana sua versão dolorosa. Daí a estrofe na qual o poeta
diz que vive entre os cegos, os surdos e os mudos, entre os que têm amnésia, revelando o
desespero da inexistência de interlocutores. Assim, o desfecho da poesia expõe o profundo
desejo do poeta de ser o estandarte das vozes que não mais podem ecoar sua dor, exprimindo
em alto e bom tom as maldições e o sofrimento causados por balas e pelo gás que silenciaram
tantas almas. E, ao final, propõe na última estrofe preencher seus ouvidos de todas as
maldições que as vítimas puderem lançar e espalha-las com sua voz até o sol tornar-se preto
no céu, isto é, até que o mundo acorde da letargia e da negação. Numa inversão incômoda,
Layton propõe um sol sem luz a um brilho falso, isto é, uma vida sem consciência.
A última poesia proposta para análise é dirigia a seus filhos Max e David e aponta
diretamente como a única solução o estabelecimento e vida no Estado de Israel. Mais do que
mencionar o judeu que sofreu no Holocausto ou na Inquisição entre as mais diferentes
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desculpas para as manifestações anti-semitas, o poeta aconselha seus filhos a apagar o traço
do judeu subjugado, pedindo diretamente a seus filhos que se tornem atiradores na força aérea
de Israel. Assim, em mais um momento, o poeta substitui as palavras e vê nas armas a única
possibilidade de sobrevivência do judeu. Mas, o leitor não deve se deixar enganar pelas
diretas e polêmicas palavras contidas nestes versos secos, pois o próprio poeta provou que
após Auschwitz pode haver poesia, mas uma poesia franca, capaz de atingir o pensamento
humano mais íntimo e levá-lo à reflexão crítica. Mais do que elegias para o amor e as flores
precisa-se remexer nos ossos e remover dos escombros da história humana, na história da
barbárie, da dor e do sofrimento, aquilo que nos resta, ou seja, a memória do que somos.
Negar a história, negar o uso da palavra, negar o genocídio horrendo realizado pelos nazistas e
comparsas é negar nossa última chance de vencermos a iniqüidade.
Para concluir, desde novembro de 2000, Irving Layton viveu em Montreal até seu
falecimento em 2006 cercado por alguns amigos e fãs. Ao longo dos anos inspirou e ajudou
vários poetas iniciantes a ganharem voz. Layton, apesar de nos poemas apresentados parecer
negar o poder das palavras, sempre fez uso de seu amor por elas. Talvez questionar a própria
validade do poema, dos versos e palavras empregadas fosse o seu melhor exercício de
autocrítica. Mais do que escrevê-las, Layton gostava de seu som. Daí o dito de Leonard
Cohen a respeito do poeta: “Eu o ensinei a se vestir, Layton me ensinou a viver para sempre”.
Referências Bibliográficas:
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STERNHELL, Z. The Founding Myths of Israel. New Jersey: Princeton University Press, 1997.
T Jacobs.

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