QUESTÃO DE FÉ - Catedral Santa Teresa
Transcrição
QUESTÃO DE FÉ - Catedral Santa Teresa
REZAR PELOS MORTOS Diariamente as nossas igrejas celebram missas em memória de pessoas que morreram. São os sétimos e trigésimos dias, motivo de grande afluência de fiéis na celebração eucarística das comunidades. O ser humano sente essa necessidade: rezar ou manter elos com aqueles que já passaram para a outra vida. Apesar desta evidência, não raras vezes, há quem se pergunte: qual o sentido de rezar pelos falecidos? Há um benefício, relação ou comunicação dos vivos para com os mortos, através dessas orações? As respostas geralmente são fruto mais de opiniões particulares ou crenças que não correspondem ao que ensina o cristianismo, especificamente a Igreja Católica. Toda pessoa que morre é parte deste mundo visível. A história, as experiências, as alegrias e os sofrimentos marcam definitivamente cada um de nós. O que mais determina nosso ser, entretanto, são as relações. Durante a vida conhecemos uma família, crescemos entre amigos, temos colegas de trabalho, escolhemos pessoas mais íntimas, formamos nova família e experimentamos a amizade, o amor e a comunhão. Dificilmente alguém é feliz na solidão e no isolamento. Somos seres, essencialmente, relacionáveis. Tudo isso carregamos conosco para a outra vida, num mundo invisível para nós aqui na terra. Permanecemos, portanto, unidos em profunda comunhão entre vivos e mortos. Isto, porém, não significa que podemos nos comunicar, como evocar espíritos para falar com os falecidos. A Igreja nunca ensinou que há fantasmas, comunicação com almas do outro mundo, nem encostos ou possessão de espírito de mortos em pessoas vivas. Tudo isso é resultado de uma religião que se misturou com elementos não bíblicos, muita fantasia e descaracterizou totalmente o ensino de Jesus e dos apóstolos sobre a vida e a morte. Ora, se há uma comunhão entre céu e terra, rezar pelos mortos significa o gesto de maior amor por quem já não está mais conosco. Exteriormente podemos queimar velas, colocar flores nas tumbas, mas realmente somente a oração dirigida a Deus é que estabelece total comunhão. Deus é o mesmo, tanto dos vivos, quanto dos mortos. Rezar é manter-se unido ao Pai que reúne em seu coração, ao mesmo tempo, os mortos e os vivos. Em Deus, somente Nele, a humanidade de todos os tempos sente-se irmanada. Para os católicos essa experiência de comunhão é percebida na oração dirigida aos santos. Nós, na terra, suplicamos para pessoas queridas que já partiram: Santo Antônio, São Francisco, Teresa de Calcutá. Eles viveram como todos nós, mas já estão junto de Deus e por isso podem interceder por nós. Quem intercede não tem um poder pessoal e autônomo, trata-se de suplicar a quem pode mais: o Deus de Jesus Cristo. E quantas vezes sentimos que fomos acolhidos em nossa prece através da ajuda de um santo! Ora, se o céu pode ajudar a terra, por que a terra não pode ajudar o céu? Se há comunhão, tudo é possível. Rezar pelos mortos, portanto, é trocar dons em benefícios de todos. Em Deus o tempo é diferente do nosso, por isso, quando rezamos por um falecido da família, um amigo ou um conhecido, nos solidarizamos com essa pessoa. Pode ser um louvor pela vida desse ser que fez história conosco, ou pode ser uma oração de ajuda e súplica para que ela seja acolhida nos braços de Deus. É possível que irmãos nossos, ao morrer, não estejam em total condições de amar como Deus nos ensinou em Jesus. A oração da terra pode ser um ato de amor em vistas do perdão e da purificação. Alguém dirá: Mas Deus conhece mais a pessoa do que nós. Por que, então, achar que Deus precisa de nossas orações para mudar a situação da pessoa falecida? Não é esta a linha de raciocínio que inspira a tradição católica. Na realidade, Deus, através da morte e ressurreição de Jesus, já realizou tudo para a nossa salvação, mas não esqueçamos que cada pessoa é totalmente livre, tem vontade e consciência próprias. Ora, se alguém, na sua autonomia não consegue entender a realidade que Deus nos oferece, nossa oração pode ajudá-la a compreender o que sozinha não é capaz. Biblicamente é possível sustentar o valor da oração pelos mortos através do texto de 2 Mc 12,38-45. No livro de Macabeus, alguns judeus morrem numa batalha. Quando recolhem seus corpos, descobrem-se objetos de idolatria e devoção desses mortos, contrária a fé judaica. Então, seus companheiros rezam para que Deus perdoe o pecado dos mortos. Mais, fazem uma coleta em moedas e enviam ao templo de Jerusalém para que seja feito um sacrifício em sufrágio das almas dos falecidos a fim de que obtenham o perdão de suas faltas. Os vivos, porque acreditam na recompensa da ressurreição, mandam celebrar louvores e súplicas a Deus em benefício de seus companheiros, para que recebam a recompensa de quem é fiel, apesar das faltas. Os vivos acreditavam no valor dos combatentes mortos, mas sabiam que a idolatria é reprovada aos olhos de Deus, por isso recomendam a alma dos mortos, suplicando o perdão. Rezar pelos mortos, além de ser uma obra de caridade, é um gesto de profunda solidariedade. É o que nos mostra Santa Terezinha do Menino Jesus, doutora da Igreja. Ela tinha a tarefa de rezar pelo Pe. Bellière que era missionário. Um dia ela lhe escreveu assim: “V. Rev.ma. prometeu rezar por mim durante toda a sua vida. Sem dúvida, ela será mais longa que a minha, e não lhe será permitido cantar como eu: “Tenho esperança, meu exílio será curto...”. Mas não lhe é permitido esquecer sua promessa de rezar por mim. Se o Senhor Jesus me levar cedo consigo, peço-lhe que continue, cada dia, a mesma oração, pois desejarei no céu a mesma coisa que na terra: Amar Jesus e torná-lo amado”. A Santa também expressa, com suas palavras e pela sua experiência, a comunhão dos santos entre céu e terra: “Sinto que vou entrar no repouso...Mas sinto, sobretudo, que minha missão vai começar, minha missão de fazer amar o bom Deus como o amo, de mostrar meu pequeno caminho às almas. Se o bom Deus ouvir meus desejos, meu céu se passará na terra até o fim do mundo. Sim, quero passar meu céu a fazer o bem sobre a terra. Isto não é impossível, visto que, no próprio seio da visão beatífica, os anjos zelam por nós”1. Conclui-se, portanto, que a Bíblia registra a oração pelos falecidos desde o Antigo Testamento. A Tradição da Igreja sempre aconselhou e os santos confirmaram com suas experiências místicas o que nosso povo, intuitivamente ou conscientemente, reconhece como grande valor. Recordemos, entretanto, que não há maior e nem melhor comunhão entre céu e terra do que a Missa. Quando Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, estava para morrer, discutiam sobre o local onde ela seria sepultada. Diante de impasses, ela, agonizando, disse que não importava onde estaria o seu corpo, o mais importante é que fosse lembrada no altar do Senhor, por ocasião da eucaristia. Distância, tempo, espaço e sentimentos humanos, todos se encontram sobre o altar do Cristo, presente na comunidade reunida para a fração do pão. Que tal celebrarmos mais e melhor esse encontro entre céu e terra? 1 Caderno Amarelo, 17,7.