709,7 kB

Transcrição

709,7 kB
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“Júlio de Mesquita Filho”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara
ALEXANDRE MARQUES MENDES
Classe Trabalhadora e Justiça do Trabalho:
experiências, atitudes e expressões do operário do
calçado
(Franca-SP, 1968-1988)
Araraquara/SP
2005
i
ALEXANDRE MARQUES MENDES
Classe trabalhadora e Justiça do Trabalho:
experiências, atitudes e expressões do operário do
calçado
(Franca-SP, 1968-1988)
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Sociologia da Faculdade de
Ciências e Letras da UNESP – Campus de
Araraquara, como requisito parcial à obtenção
do título do Doutor em Sociologia.
Orientadora: Profa. Dra. Leila de Menezes
Stein.
Araraquara/SP
ii
2005
ALEXANDRE MARQUES MENDES
Classe trabalhadora e Justiça do Trabalho:
experiências, atitudes e expressões do operário do
calçado
(Franca-SP, 1968-1988)
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Sociologia da Faculdade de
Ciências e Letras da UNESP – Campus de
Araraquara, como requisito parcial à obtenção
do título do Doutor em Sociologia.
Orientadora: Profa. Dra. Leila de Menezes
Stein.
Araraquara, ____ de _______ de 2005
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Prof. Dr.
Instituição
__________________________________
Prof. Dr.
Instituição
__________________________________
Prof. Dr.
Instituição
__________________________________
Prof. Dr.
Instituição
__________________________________
Prof. Dr.
iii
Instituição
À
Ana Clara de Oliveira Marques Mendes
iv
AGRADECIMENTOS
A dinâmica para a realização desse trabalho contou com muitas pessoas. Trago nessas
linhas a história de amigos e familiares que, de uma forma ou de outra, convivem com o espírito
operário dessa região. Quero que saibam de minha gratidão.
Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pela bolsa
de estudos e apoio financeiro imprescindível para a pesquisa.
À Leila de Menezes Stein pela presença sincera e amiga em todas as horas, nas aulas,
colóquios, debates e cafés. Por seu apoio em todos os momentos, nos bons e também nos mais difíceis.
Ao Agnaldo de Sousa Barbosa, pela amizade e todo apoio intelectual essencial para tese.
Também estender minha gratidão ao seu irmão Sérgio de Sousa Barbosa, responsável pela criação do
programa de banco de dados.
Ao Geraldo César Coelho Fernandes, por ser o verdadeiro braço direito nos levantamentos
e sistematizações das informações obtidas dos processos trabalhistas.
A todos que trabalham e são envolvidos com o Arquivo Histórico Municipal de Franca/
SP “Capitão Hipólito Antônio Pinheiro”: José Chiachiri Filho (diretor do Arquivo à época), Graziela
Alves Correa (diretora do Arquivo atualmente), Maria Consuelo de Figueiredo, Maria Inês Paulino,
Meire Saumazo Granero e a Maria das Graças Primon. É preciso ressaltar com ênfase toda dedicação e
profissionalismo na manutenção e cuidado com o Arquivo, sendo este uma fonte de referência para
distintos pesquisadores.
A todos os funcionários da seção de Pós-graduação da FCL - UNESP Araraquara, no
nome de Cristiana Gobato Lopes Castro.
À mãe Júlia, pai Eurípedes e irmã Juliana, por quais minha vida está entregue e aos sogros
Maria Conceição e Sebastião que me presenteiam com sentimentos puros. À Rita de Cássia,
companheira de vida. Eis minha fortaleza, fonte de conhecimento que vai além dos livros.
A você, Rita de Cássia, pois um pouquinho de nós está em cada linha, com você divido
todo mérito e êxito da realização desse trabalho.
v
RESUMO
Na presente tese de doutorado, procuramos refletir acerca da formação social e configuração
de uma dinâmica de classe por parte do operariado do calçado (sapateiros) em Franca-SP no
período que vai de 1968 a 1988, momento histórico que caracteriza a consolidação do
município como pólo calçadista de significativa importância nacional e internacional. Nesse
contexto, a inserção de trabalhadores em um universo que a eles era estranho, circunscrito à
vigilância da fábrica e marcado por uma disciplina intensa, inventa o sentido de “ser
sapateiro”, que ultrapassa a barreira das classes sociais e é sempre costurado pela valorização
do trabalho. A perspectiva de abordagem adotada insere os direitos trabalhistas, via Justiça do
Trabalho, no amplo leque de vivências e experiências da classe trabalhadora, as quais podem
estar ou não alinhadas a instituições como o sindicato ou o partido político. A análise aqui
apresentada indica que a dinâmica de judicialização das relações de trabalho, que levou à
crescente demanda de processos trabalhistas nos anos 70-80, tenha certamente influenciado o
substantivo aumento dos mesmos por todo Brasil na década de 1990. A pesquisa teve como
principal substrato empírico os processos trabalhistas custodiados pelo Arquivo Histórico
Municipal de Franca/ SP, fonte interpretada por meio de tratamento estatístico e da análise
qualitativa.
Palavras-chave: classe trabalhadora; indústria do calçado; Justiça do Trabalho; processos
trabalhistas; judicialização da questão social.
vi
ABSTRACT
At the present work we have tried to reflect on the social formation and configuration of the
dinamic class by the shoemaking labor class (shoemakers) in the city of Franca-SP through
the period 1968-1988, historical moment that caracterizes the city consolidation as a
shoemaking center of significant importance both national and international. In this context,
the workers insertion in a strange universe to them, circumscribed by the factory control
caracterized by an intense discipline creates a sense of “being a shoemaker” that surpasses the
social class bound and is always connected by the value of work. The perspective approach
adopted inserts the workers rights in a broad range of life and experience of the labor class
that can be, or not, in conformation to the institutions like the labor union or the political
organization. The analysis presented here indicates that the dinamic of the work relations
regulation, that has brought to an increasingly demand of work processes during the 70s and
80s, has surely influenced their increasing number throughout the country during the 90s. A
research is based on the workers processes kept by the Arquivo Histório Municipal de FrancaSP, treated using statistics and qualitative analysis.
Keywords: Labor class, shoemaking industry, Labor courts; labor disputes, social issue.
vii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICO 1 - Assistência judiciária – Cartório 2º Ofício Cível de Justiça da Comarca
de Franca/SP ............................................................................................
38
GRÁFICO 2 - Assistência judiciária – Cartório 1º Ofício Cível de Justiça da Comarca
de Franca/SP ............................................................................................
38
GRÁFICO 3 -Processos trabalhistas assistidos pelo Sindicato dos Trabalhadores da
Indústria de Calçados de Franca – STICF .............................................
39
GRÁFICO 4 - Total geral de processos trabalhistas 1968-1988 .....................................
61
GRÁFICO 5 - Arquivo Histórico Municipal de Franca “Capitão Hipólito Pinheiro” ..... 78
GRÁFICO 6 - Resultado da Reclamação – total geral de processos trabalhistas
(1968-1988)............................................................................................... 100
GRÁFICO 7 - Resultado da Reclamação – Conciliado (1968-1988) .............................. 100
GRÁFICO 8 - Total geral dos processos trabalhistas no período de (1968-1988) –
Objeto (Motivo da Reclamação) ..............................................................
102
GRÁFICO 9 - Total geral de processos por tipo de empresa 1968-1988 ........................
103
GRÁFICO 10- Cancelamento de suspensão e conseqüências (indisciplina no trabalho)
1968-1988 ................................................................................................
115
viii
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Evolução das reclamações ajuizadas ........................................................
104
TABELA 2 - Quantidade de processos contra a empresa Open Serviços Temporários
e Efetivos Ltda .......................................................................................
112
ix
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AHMF
-
Arquivo Histórico Municipal de Franca/SP “Capitão Hipólito Antônio
Pinheiro”
CAD
-
Computer Aided Design
CAM
-
Computer Aided Manufacturing
CAPS
-
Caixa de Aposentadoria e Pensões
CEBRAP
-
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
CTPS
-
Carteira de Trabalho e Previdência Social
Cx.
-
Caixa
DNT
-
Departamento Nacional do Trabalho
FGTS
-
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
IDH
-
Índice de Desenvolvimento Humano
IPT
-
Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
ISEB
-
Instituto Superior de Estudos Brasileiros
MP
-
Ministério Público
PETI
-
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PROC.
-
Processo
PT
-
Partido dos Trabalhadores
SEADE
-
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SENAI
-
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
STICF
-
Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Calçados de Franca
USMC
-
United Shoe Machinery Corporation
x
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO........................................................................................................
11
2 CLASSE E TRABALHADORES ................................................................................
18
2.1 A análise das classes sociais no Brasil ......................................................................
32
2.2 O sapateiro e o sindicato ............................................................................................
36
3 JUSTIÇA DO TRABALHO E DIREITOS TRABALHISTAS NO BRASIL ............
44
3.1 Breve histórico da Justiça do trabalho e da CLT .......................................................
48
3.2 A judicialização da questão social ............................................................................
60
4 FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA E O PÓLO CALÇADISTA .......................
70
4.1 Do artesanato à manufatura do calçado .....................................................................
73
4.2 Considerações sobre a indústria e o operário moderno ..............................................
79
5 OS OPERÁRIOS DO CALÇADO E JUSTIÇA DO TRABALHO EM FRANCA/ SP: O
UNIVERSO DAS RELAÇÕES SOCIAIS .......................................................
92
5.1 A noção de Justiça ......................................................................................................
95
5.2 Os processos ...............................................................................................................
99
5.3 O conflito do trabalho para além das fábricas ............................................................
105
5.3.1 A tradição do trabalho a domicílio em Franca ........................................................
105
5.3.2 Vigiar o banheiro: a intensa disciplina espalhada pelo chão-de-fábrica .................
115
5.3.3 O conflito à flor da pele ..........................................................................................
132
5.3.4 Destruindo o capital: estragando matéria-prima .....................................................
137
5.3.5 Expressões operárias ...............................................................................................
145
6 TRABALHO, TRABALHADORES E A ÉTICA DO TRABALHO HOJE ................
157
6.1 A respiração do trabalho em Franca ...........................................................................
161
6.2 O sapateiro e o operário .............................................................................................
162
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................
167
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................
171
FONTES DOCUMENTAIS DO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE
FRANCA .........................................................................................................................
181
ANEXOS .........................................................................................................................
187
11
1 APRESENTAÇÃO
O presente trabalho teve como intento analisar a situação e experiência da classe
operária em Franca/ SP, em particular dos sapateiros. Franca tem seu município localizado na
região nordeste do Estado de São Paulo, que tem na indústria calçadista a principal atividade
econômica. Tecemos um debate constante com a literatura das ciências sociais que abordam o
tema e consideramos a trajetória desses trabalhadores numa perspectiva que privilegiou um
enfoque histórico-cultural.
O desenvolvimento da pesquisa foi guiado por um atento levantamento das fontes
primárias, a saber, os processos trabalhistas do Arquivo Histórico Municipal de Franca/SP
“Capitão Hipólito Antônio Pinheiro”. A importante e volumosa documentação provocou
novos direcionamentos quanto às expectativas das hipóteses, orientando-nos para um
levantamento mais reflexivo dessas. Optou-se, dessa forma por eleger essa documentação,
como fonte principal para elaboração da tese, atitude que será elucidada ao longo do trabalho.
Há um relativo consenso entre pesquisadores e intelectuais de que, no Brasil, a
história da classe operária ocorreu em um contexto de desenvolvimento tardio do capitalismo
e essa história, associada ao processo de industrialização, paralelamente ao crescimento
urbano e à diversificação de indústrias e serviços. No entanto, de fato, essa trajetória é mais
perceptível em alguns grandes centros do país, como São Paulo e Rio de Janeiro. Mesmo
assim, nos estudos mais clássicos sobre a dinâmica da classe operária brasileira, esta é
colocada lado a lado às trajetórias do Estado brasileiro, dos partidos políticos, dos sindicatos e
dos movimentos ideológicos, tais como anarquismo e comunismo. Para tais perspectivas, o
amadurecimento e, mesmo a identidade da classe, dar-se-iam não apenas no embate com o
capital; mas, sobretudo, pela adesão de seus membros à causa operária, que consistia na
adesão ao projeto político de classe no modo como ele era delineado pelos chamados
12
“partidos operários”. Para essa vertente de análise, não existiria história da classe se seus
membros não compactuassem com as cooptações ideológicas feitas pelo Estado brasileiro.
Privilegiou-se o enfoque, entre outros autores, de Thompson (1987), que sustenta
que a reconstrução fenomênica e específica das experiências da classe pode explicar as suas
trajetórias, ainda que não privilegie seus pontos de chegada. Também vale colocar nessa
introdução a referência de Przeworski (1989), que estabelece importante e minucioso estudo
da trajetória histórica que envolve esse problema conceitual e teórico. Este autor entende que
as classes não são determinadas unicamente por quaisquer posições objetivas, porque
constituem efeitos de lutas e essas não são determinadas exclusivamente pelas relações de
produção. Dessa feita, Przeworski (1989) salienta que as classes são formadas como efeito de
lutas e que o processo de formação de classes é perpétuo, sendo continuadamente
organizadas, desorganizadas e reorganizadas; assim, a formação de classes é um efeito da
totalidade das lutas nas quais diversos agentes históricos procuram organizar as mesmas
pessoas como membros de uma classe. No que tange aos objetivos mais gerais, pretendeu-se
estudar o tema da classe dos sapateiros em Franca pelo eixo das mudanças no universo
produtivo, pois esse, em seu cotidiano, possibilita a invenção de novas tradições
(HOBSBAWN; RANGER, 1997) 1. Esse panorama, acerca do conceito de classe trabalhadora
será enfocado na seção 2.
A fabricação do calçado necessita, ainda para os padrões atuais, de importante
emprego de trabalho vivo, assim essa característica também acompanha o sapateiro
“moderno”, que diante do processo de fragmentação do trabalho produtivo e face aos novos
métodos de gestão disciplinar, insere-se a esse sistema, criando e inventando novo ethos de
sociabilidade e identidade. Os sapateiros, enquanto classe, inserem-se no processo fordistataylorista de produção, momento de consolidação do pólo calçadista em Franca, tecendo
1
Nos textos apresentados pelos autores, esse conceito de invenção da tradição é criado para compreender os
aspectos culturais, sobretudo, que acompanham a classe trabalhadora no legado da Revolução Industrial.
13
comportamentos sociais peculiares nessa nova demanda da história. Essa nova realidade
social e econômica, no universo de experiências “modernas”, é assimilada pelos trabalhadores
em uma construção de classe. Essas vivências, atitudes e expressões vão desde a resistência
direta à disciplina autoritária do sistema produtivo, mas se observa também nas passagens
lúdicas, digamos assim, dentro dos ambientes fabris, como os namoros, as brigas, as
brincadeiras, enfim, as tentativas mais sublimes de buscar e inventar um espaço, mesmo que
virtual, para ser feliz, mesmo que fosse necessário para isso “estragar” matéria-prima,
escrever poesias ou desenhar em distintos locais de trabalho. Essas vivências operárias estão
além do ambiente fabril e de suas próprias casas. Perceber um pouco desse espírito operário
foi nosso intento. Nessa perspectiva, verificamos que os espaços desses trabalhadores são
variados e ultrapassam as instâncias mais oficiais e institucionalizadas (como o sindicato). Ser
“sapateiro” significa se integrar e pertencer às distintas classificações da profissão e, ao
mesmo tempo, inaugurar e alimentar um sentimento coletivo que revigora as suas
expectativas. Em outras palavras, verificamos que o processo de formação da classe operária
em Franca/ SP se insere no interior da própria ordem da indústria moderno-tecnológica,
intensificada após a ocorrência de transformações sociais oriundas da migração, do aumento
da produtividade e da inserção no mercado externo. Nesse contexto, pode-se verificar, com
expressiva e visível singularidade, algumas características culturais e sociais inerentes à classe
operária. Esses aspectos são abordados nas seções 4 e 6.
Na secção 5, apresentaremos a análise dos processos trabalhistas, numa
perspectiva qualitativa. O esforço se concentra no período de 1968 a 1988, embora tenhamos
informações pesquisadas anteriormente à essa periodização oficial, ou seja, dados coletados
deste o ano de 1945, cujos processos até 1968 eram acolhidos pelos Cartórios Cíveis
Municipais. No mesmo ano, é implantada a Junta de Conciliação e Justiça no município. No
período indicado, coincide com a consolidação do pólo industrial, verificando que as
14
exigências dos operários em relação aos seus contratos de trabalho cresceram
consideravelmente a partir de então. Aliados a busca de direitos trabalhistas, os sapateiros
também se deparam com certo grau de inserção de tecnologia e mecanização na produção do
sapato.
Outro aspecto importante foi eleger as fontes dos processos trabalhistas como
principais, descartando logo em seguida a utilização do recurso das fontes orais. Essa guinada
ocorreu quando percebemos a possibilidade de descobrir importantes detalhes da vida
operária nessas fontes, como por exemplo, um pouco da experiência profissional, a
diversidade de faixas etárias e tarefas profissionais e outros aspectos da vida e expectativas
desses trabalhadores, a vida em família, a vida em grupos de vizinhança, em associações e em
atividades culturais e de lazer.
Embora fizesse parte como objetivo de consulta e um prévio levantamento no
início da pesquisa, o contato primeiro com os processos trabalhistas foi indireto, uma vez que
fizemos consulta apenas nos catálogos informativos do Arquivo Histórico Municipal de
Franca. Naquele momento, não tínhamos de fato a dimensão da variedade de processos e
informações arquivadas. Essa primeira impressão foi sendo desmontada pouco a pouco, à
medida que o manuseio de alguns processos, na consulta provisória de algumas caixas,
ofereceu-nos singularmente um questionamento em relação ao nosso tema predominante na
pesquisa, qual seja, a classe dos operários sapateiros na cidade de Franca.
O contato com as fontes primárias propiciou um levantamento de informações dos
processos trabalhistas encontrados no Arquivo Histórico Municipal de Franca para, em
seguida, iniciar os processos de sistematização das informações colhidas. Devido ao número
de processos e pela riqueza dos dados, optamos por um levantamento mais criterioso e
objetivo, ano a ano, passando por uma tabulação sistemática.
15
É importante frisar que os registros e as informações foram levantados dos
processos trabalhistas encontrados no Arquivo Histórico Municipal de Franca. Ademais, ante
ao volumoso número de processos arquivados, fomos obrigados a estabelecer critérios para o
levantamento de dados. O número de processos arrolados mais à frente, nos gráficos, esse
período não representa a quantidade exata dos casos julgados pela Justiça do Trabalho em
Franca, uma vez que existem processos, mesmo os mais antigos, que não podem ser
arquivados em outro lugar, senão na Junta de Conciliação e Justiça Regionais. Ademais, ao
longo do tempo, temos que considerar os extravios ou mesmo perdas, como exemplo, temos a
situação de descarte, via incineração, feita pela própria Justiça do Trabalho dos processos dos
anos de 1991 e 1992, ou seja, desses anos existem apenas as estatísticas dos anuários.
Foi realizado também, por esse motivo, um levantamento estatístico junto às 1ª e
2ª Varas do Trabalho em Franca, assim como ao Tribunal Regional do Trabalho, 15ª Região,
de Campinas. Entretanto, os números estatísticos concedidos por esses órgãos institucionais
revelam um panorama geral de todas as áreas e categorias de trabalhadores. O esforço de
nossa pesquisa optou por selecionar dados e informações somente do universo do setor
calçadista em Franca, ou seja, além das indústrias, as bancas (lugares de produção
terceirizadas) e seguimentos que produzem artefatos para calçado.
À medida que aprofundávamos o levantamento de dados, ficava evidente a
complexidade temática e teórica que envolve os processos trabalhistas. Para tanto, não nos
prendemos na evolução histórica das leis, enfatizando somente o universo conflituoso em si.
Nossa análise foge em parte às expectativas de um estudo mais aprofundado sobre a CLT e
até mesmo sobre o campo do direito trabalhista no Brasil, esses aspectos serão rapidamente
abordados. Esse enfoque será desenvolvido na seção 3.
Em Franca, nosso levantamento aponta que, a partir de 1944, iniciam-se, de
maneira mais efetiva, as demandas de ações trabalhistas, certamente devido à influência direta
16
da implantação da CLT de 1943, e bastante intensificada com a instauração das Juntas de
Conciliações em todo Brasil, a partir de 1966. Os números de processos, nessa fase, anterior a
1968, são bem tímidos, uma vez que a morosidade no andamento desses se fazia presente.
Ademais, vale destacar que se percebe certa desconfiança da Justiça nesse momento. Ou seja,
o “contrato moral” entre as partes é mais legítimo e a esfera dos direitos trabalhistas não
aparece nos processos pesquisados de maneira mais abrangente. Por outro lado, os números
indicam o ascendente aumento da demanda, levando em conta que a Justiça Trabalhista cresce
em estrutura à mesma proporção desse aumento.
Quanto a esse aspecto, inserimos, na seção 3, reflexões acerca da judicialização da
questão social, via aumento do número da demanda de processos trabalhistas em todo Brasil,
a partir do final da década de 1980 e durante toda a década de 1990. Esse tema vem sendo
debatido com muito afinco por distintos setores acadêmicos, mas se refere, de maneira geral,
ao papel crescente da justiça na vida social e política nas sociedades contemporâneas. Em
nosso trabalho, esse aspecto da judicialização pode ser verificado também, em momento
anterior ao citado, na maneira como os trabalhadores inventam sua relação com a Justiça do
Trabalho.
No que diz respeito à Justiça do Trabalho, não se pode deixar de perceber que as
classes trabalhadoras, no conflito capital/trabalho, fazem leitura e uso dessa justiça de modo
diverso, às vezes, guiados ou tutelados pelas representações classistas, outras, de forma
individualizada, como o exemplo dos camponeses e trabalhadores rurais expropriados na
década de 1960 (STEIN, 1997). Esse movimento representa uma busca ou uma saída
alternativa de alguma adversidade.
Para a realização da pesquisa empírica, foi elaborado um programa de banco de
dados específico para nosso estudo, o qual contam com todas as informações arroladas nos
gráficos e tabelas. Neste banco de dados, estabelecemos um eixo de coleta de informações
17
que segue basicamente os dados elencados nos processos trabalhistas, qual seja: a data, o
nome do reclamante (em geral operários), o reclamado (empresas), assistência judiciária,
advogados de ambas as partes, motivo da reclamação, o resultado da reclamação e a data de
encerramento do processo. A essas informações, adicionamos especificamente: qual o tipo de
empresa (indústria, banca ou outro seguimento), a quantidade de reclamantes, se haviam
menores no processo e um espaço para observações gerais quando necessário. Conjuntamente
ao levantamento de dados, sempre anotávamos e separávamos alguns processos, a exemplo
dos citados acima, que vão merecer uma análise mais atenta mais adiante.
18
2 CLASSE E TRABALHADORES
Certamente a antológica frase, “A história de todas as sociedades que existiram até
nossos dias tem sido a história das lutas de classes” (MARX; ENGELS, 1980, p. 08),
inaugura de fato um novo jeito de se entender os conflitos humanos, refletindo em perspectiva
histórica o momento específico de profundas transformações sociais. Entretanto, seu essencial
mérito não se restringe e nem tem a pretensão de exigir obrigatoriamente uma conceituação
de “classe” para momentos históricos anteriores; não é a “classe” o foco analítico, mas sim o
conflito, entre opressores e oprimidos, de patrícios, cavaleiros, plebeus e escravos na
Antiguidade Clássica, assim como senhores feudais, vassalos, mestres, oficiais e servos na
Idade Média. O que nos afirmam Marx e Engels é que essa sociedade que “brota das ruínas do
feudalismo” não rompe com esse antagonismo, ao contrário, intensifica-o na divisão de duas
classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado. Esse é o contexto da criação
histórica das classes sociais, ou seja, não há classes sociais antes do advento da sociedade
burguesa capitalista. Nesse sentido, refletindo sobre a ausência de definição formal de classes
em Marx, Ridenti (2001, p. 13), fundamentando-se em diversos autores, define em um
aspecto amplo, o termo classe, como os grandes grupos humanos que se relacionam e lutam
entre si para produzir o próprio sustento, criando relações de dominação para apropriarem-se
do excedente gerado além do mínimo necessário à subsistência.
Na perspectiva marxista o proletariado é definido como classe no nível das
relações econômicas, o qual adquire espontaneamente a consciência de sua missão histórica
revolucionária, auxiliada em certo sentido pela função do partido político apoiando e
participando da luta dessa classe economicamente definida. O problema então consistia em
organizar esse proletariado em classe, separá-lo das massas, imbuí-lo da consciência de sua
posição e missão e organizá-lo em um partido. Porém, como salienta Ridenti (2001, p. 24), a
19
existência da classe operária não se resolve num agrupamento de indivíduos, a classe operária
não se confunde com a totalidade do proletariado, nem mesmo com um conjunto de agentes
aos quais se atribui uma consciência possível. Ou seja, o caminho de constituição da classe, e
da consciência de classe, não é predeterminável. Entretanto, a organização das classes sociais
ocorre, de fato cria Marx, no decorrer das lutas e apenas no decorrer das lutas é uma classe.
Porém não fica claro como Marx via a ocorrência da transformação de categorias econômicas
em classes politicamente organizadas. Przeworski (1989)2 tece importante análise sobre a
organização do proletariado em classe e o processo de formação de classes. Aponta uma
dificuldade encontrada pela teoria marxista em analisar a estrutura de classes capitalistas que
remonta à época do movimento socialista do século XIX. Segundo Przeworski (1989, p. 67),
as raízes dessa problemática são encontradas na formulação de Marx, na qual os processos de
formação de classes são vistos como uma transição necessária de uma “classe em si” para
uma “classe para si”, formulação essa em que as relações econômicas são classificadas como
condições objetivas e todas as outras relações são consideradas como pertencentes a esferas
de ações subjetivas.
Nesse sentido, na estrutura de relações capitalistas, as classes aparecem como
categorias de pessoas ocupando posições semelhantes em relação aos meios e ao processo de
produção. Quer dizer, pessoas concretas aparecem apenas como “personificações” de tais
categorias, “portadores” ou “mantenedores” dos lugares. Esse é o nível da “classe em si”, da
classe identificada em termos de características objetivas. Entretanto, alguns problemas
aparecem nessa formulação, afinal qual é o caminho da transformação de uma classe em si em
uma classe para si? Ademais, quais são as classes que movem a história: aquelas definidas
como lugares nas relações de produção ou as que aparecem como lugares de produção ou as
2
Este estudo possibilita revigorar a teoria marxista das classes, integrando formalmente as esferas cotidianas de
construção de interesses, valores e identidades ao mundo da produção, ou seja, articulando “estrutura” e
“experiência”.
20
que surgem como forças políticas? Pensar sobre essas questões consiste necessariamente
refletir sobre o processo de formação das classes.
A classe em si era uma categoria definida em nível de “base”, simultaneamente
objetiva e econômica. Porém, segundo a tendência mais ortodoxa, as condições objetivas não
conduzem espontaneamente, “por si mesmas”, à organização política das classes. Num certo
limite, levam à formação de uma consciência do proletariado de caráter reformista,
sindicalista e burguês. Assim, as classes só se formam politicamente como resultado de uma
intervenção organizada de um agente externo, ou seja, o partido. Nesse sentido, a função do
movimento socialista é conferir à luta de classe do proletariado à forma mais eficaz, apoiar a
classe trabalhadora em sua luta constante, incentivando suas instituições políticas e
econômicas. Entretanto, cabe reiterar que em boa medida a idéia de socialismo só chegava à
classe trabalhadora vinda “de cima”.
Ao contrário da formulação teórica citada acima, as classes devem ser
consideradas como efeitos de lutas estruturadas por condições objetivas que são
simultaneamente de ordem econômica, política e ideológica. Por conseguinte, a formação das
classes é efeito de lutas e o resultado desse processo é, em cada momento da história, em certa
medida, indeterminado. Assim sendo, a análise de classes não se pode limitar às pessoas que
ocupam lugares no sistema de produção.
Na perspectiva marxista, por muito tempo, acreditou-se efetivamente que a
constituição do proletariado em classe, de 1848 a 1890, era um fato consumado e assim
permaneceria dali por diante. Portanto, cabe nesse momento inserir abordagens de autores que
renovam essa perspectiva, incluindo a trajetória e os elementos sociais, culturais, econômicos
e políticos que se inserem na experiência de classe em cada lugar e época, indicando sempre
um momento privilegiado, no qual a classe trabalhadora aparece mais visível.
21
Observa Hobsbawm (1987b, p. 273) que, embora as classes nunca estejam prontas
no sentido de acabadas, ou de terem adquirido sua feição definitiva, é somente a partir de
1820 e 1930, na Inglaterra e parte da Europa, que é possível aplicar esse termo de classe
trabalhadora, em distinção aos trabalhadores tradicionais. De maneira parecida, Thompson
(1987), salienta que a classe operária não surgiu tal como o sol em uma hora determinada e
que por classe entende ser um fenômeno histórico que unifica uma série de acontecimentos
díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na
consciência. Nessa reflexão, a classe não vista como uma “estrutura”, nem mesmo como uma
“categoria”, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada)
nas relações humanas. Thompson imprime a seguinte reflexão:
Contudo, uma vez tomadas todas as precauções necessárias, o fato relevante
do período entre 1790 e 1830 é a formação da ‘classe operária’. Isso é
revelado, em primeiro lugar, no crescimento da consciência de classe: a
consciência de uma identidade de interesses entre todos esses diversos
grupos de trabalhadores, contra os interesses de outras classes. E, em
segundo lugar, no crescimento das formas correspondentes de organização
política e industrial. Por volta de 1832, havia instituições da classe operária
solidamente fundadas e autoconscientes – sindicatos, sociedades de auxílio
mútuo, movimentos religiosos e educativos, organizações políticas,
periódicos – além das tradições intelectuais, dos padrões comunitários e da
estrutura da sensibilidade da classe operária. O fazer-se da classe operária é
um fato tanto da história política e cultural quanto da econômica. Ela não
foi gerada espontaneamente pelo sistema fabril. (1987, p. 17, v. 2).
Na perspectiva de Thompson, a classe operária nesse momento é tomada como
tendo uma existência real, capaz de ser definida quase materialmente, em uma quantidade de
homens que se encontra em uma relação com os meios de produção. Uma vez isso assumido,
torna-se possível deduzir a consciência de classe que “ela” deveria ter (mas raramente tem),
se estivesse adequadamente consciente de sua própria posição e interesses reais. Há uma
superestrutura cultural, por onde esse reconhecimento desponta sob formas ineficazes. Essas
“defasagens” e distorções culturais constituem um incômodo, por isso fica mais fácil passar
22
para alguma teoria substitutiva, qual seja, o partido, a seita ou o teórico que pode “desvendar”
a consciência de classe não como ela é, mas como ela deveria ser.
É possível falar de uma nova forma de consciência dos trabalhadores em relação à
sua situação enquanto classe, pois essa experiência coletiva passava por algumas
circunstâncias que estavam presentes na sociedade inglesa do período referido, tais como a
liberdade de imprensa, o aumento da força sindical, a experiência cooperativa, a consciência
política, a educação popular (com exemplo da leitura coletiva dos periódicos, por causa dos
preços), da cultura peculiar desses trabalhadores. Também ilustra que o lugar da classe
operária era muito visível, nos cafés, livrarias ou estalagens os quais se tornavam lugares
políticos por excelência.
O proletariado, no período citado acima, oscila constantemente entre os proletários
que eram os assalariados e executavam o trabalho manual na indústria, transporte e
agricultura, e todos os que não possuíam meios de produção e precisavam vender sua força de
trabalho para sobreviver. Mesmo a maioria dos agricultores, pequenos produtores e
comerciantes, chegaram a ser considerados proletários. Segundo Przeworski (1989, p. 74), o
conceito de proletário pode ser comparado a círculos na superfície da água: o centro é
formado de trabalhadores manuais, especialmente empregados na indústria; em torno dele,
flutuam várias categorias de pessoas separadas dos meios de produção; na periferia, situam-se
aqueles que ainda detêm a propriedade dos meios de produção, mas cujas condições de vida
os diferenciam dos proletários tão somente por suas “pretensões”.
A noção de classe operária, intensificada pelo processo de proletarização, excluía
secretárias e administradores de empresa, enfermeiras e advogados de grandes companhias,
professores e policiais, operadores e diretores executivos. No entanto, são todos proletários,
pois estão separados dos meios de produção e forçados a vender sua força de trabalho em
troca de salário. Entretanto, a grande parte dos empregados de colarinho-branco não se
23
considera incluídos na classe operária, sendo predisposta à ideologia burguesa, contrariando,
de certa forma, a afirmação de Marx e Engels a qual sustenta que “a burguesia despojou de
sua auréola todas as atividades até então reputadas veneráveis e encaradas com piedoso
respeito. Do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fez seus servidores
assalariados”. (1980, p. 11).
Przeworski (1989, p.78), salienta que Sombart, em 1896, defende que para
obtermos uma verdadeira concepção da classe operária, precisamos nos libertar daquela
imagem da multidão esfarrapada que o termo nos trazia à mente antes de lermos Marx. O
termo proletariado pouco a pouco passa a ser empregado em um sentido técnico para
descrever a parcela da população que está a serviço de empresários capitalistas em troca de
salários e elementos semelhantes. O problema torna-se ainda mais complexo pelo fato de os
operários nem sempre serem as pessoas mais pobres de seu meio e alguns operários ganham
mais que professores universitários; nos EUA, a renda média dessa classe se encontra em
patamar não muito inferior ao da remuneração máxima de um extraordinário catedrático na
Prússia. Não admira que Weber (1983)3 julgasse necessário distinguir entre “situação de
classe” e “situação de status”. Sua crítica sobre o conceito de classe de Marx fornece o
alicerce teórico para a análise da diferenciação social (estratificação) na sociologia burguesa.
Segundo Weber (1983), a posição nas relações de produção (propriedade dos meios de
produção) não é suficiente para determinar a situação de classe, uma vez que as posições nas
relações de distribuição (mercado, estilo de vida e condição de dependência) e nas relações de
autoridade (poder) não refletem unicamente as relações de propriedade. Ademais, o status e
poder não são dicotômicos. O sistema de estratificação distribui as pessoas ao longo de
estratos contínuos, com a classe média avolumando-se no meio.
3
Max Weber, ao separar analiticamente as dimensões econômicas, política e social da distribuição do poder nas
sociedades foi mais longe: deu um sentido mais preciso ao termo “classe”, distinguindo-o dos fenômenos
ligados à distribuição da honra e do prestígio sociais. Tal separação analítica permitiu que se pudesse
problematizar, desvinculada da distribuição econômica de riquezas, a comunidade, nas sociedades modernas,
dos fenômenos de distribuição da honra e do prestígio sociais.
24
Em relação às orientações weberianas, é preciso considerar que as sociedades
capitalistas modernas consistem em numerosos grupos, estes, entretanto, não se formam
arbitrariamente. São gerados por relações objetivas: relações de propriedade e de autoridade,
mutuamente interdependentes. Entretanto, é bom salientar que a propriedade é apenas um
exemplo especial de autoridade, por isso a sociedade capitalista é construída sobre a
autoridade e não somente sobre a exploração.
No que diz respeito ao processo de proletarização e formação das classes sociais,
Przeworski (1989, p. 81) argumenta acerca do duplo significado desse conceito,
primeiramente, em termos da destruição de lugares na organização da produção pré-capitalista
e nos primórdios do capitalismo, significa a separação da propriedade dos meios de produção
e da capacidade de transformar a natureza com recursos próprios. Em seguida, contudo, em
termos de criação de novos lugares no interior da estrutura do capitalismo desenvolvido, o
termo proletarização não denota, necessariamente, a criação de novos lugares relativos a
trabalho produtivo manual. Artesãos, pequenos comerciantes e camponeses não se
transformam, necessariamente, em operários manuais produtivos. Passam a compor uma
variedade de grupos cujo status é teoricamente ambíguo. Esse é um problema conceitual que
perdura até hoje e pessoas denominadas de empregados de colarinho-branco, operários nãomanuais, orvriers intellectuels, empregados de serviços, técnicos como “novas classes
médias”.
Essa reflexão teórica sobre o processo de formação das classes é pertinente para
nosso trabalho, uma vez que enfatizamos a importância dos trabalhadores no processo que
constituiu e consolidou o parque industrial em Franca. Vale a pena destacar, nesse sentido,
que a identidade do sapateiro em Franca é construída fortemente com apelo ao trabalho,
alinhando as classes sociais em torno dessa configuração, ou seja, tanto para o empresário
como para o “passador de cola”, ser sapateiro parece ter um significado comum. Observar e
25
localizar o conflito de classes nesse jogo de relações não é tarefa fácil. Portanto, mais que
abordar ao papel das classes sociais, é preciso entender antes um pouco dessa dinâmica. Esse
elemento amortecedor do conflito de classe, encontrado na super-valorização do trabalho,
pode ser esclarecedor, uma vez que o aspecto operário parece perpassar essas fronteiras,
aspecto que foi trabalhado em recente reflexão4, a qual verifica que muitos empresários de
sucesso do município fazem questão de afirmar essa característica nas suas condutas,
dizendo-se sapateiros, omitindo sua condição social presente.
Quanto à fabricação do calçado, alguns aspectos merecem já serem inseridos, os
quais dão peculiaridades específicas a este setor. Historicamente, a indústria do calçado é uma
atividade de nível tecnológico baixo, até mesmo para os dias atuais, constituindo em seu
universo produtivo, em muitas funções, características manufatureiras. Esse aspecto manual,
manufatureiro, o saber fazer, exige uma habilidade especial que cria um certo paradigma
identitário para os operários, cunhada na trajetória do que significa ser sapateiro.
Admitimos a dificuldade teórica em refletir acerca do processo de formação das
classes, entretanto entendemos que fica patente a necessidade de abandonar a ficção de uma
divisão dicotômica de classes nas formações sociais capitalistas. Afinal, quem são todas essas
pessoas geradas pelo capitalismo a um ritmo cada vez mais acelerado, que são separadas dos
meios de produção, forçadas a vender sua força de trabalho em troca de salário e que,
contudo, não trabalham, vivem, pensam e agem realmente como proletários. Considerar todas
as classes, menos o proletariado e a burguesia, como ascendentes ou descendentes em relação
a esses pólos básicos no decorrer da história do capitalismo parece não se constituir a
alternativa única.
A contribuição de Poulantzas (1978), nesse contexto, foi reconhecer que as
relações ideológicas e políticas são objetivas com respeito às lutas de classes. Nessa
4
Ver BARBOSA, Agnaldo de Sousa; MENDES, Alexandre Marques. Capital, trabalho e formação da classe na
indústria de calçados. In.: ______. Políticas Públicas e Sociedade. v.1; n. 5; Jan./Jun.; 2003. p. 63-71.
26
perspectiva, a luta de classes é determinada pela totalidade das relações econômicas,
ideológicas e políticas que caracterizam uma situação histórica específica, mas é determinada
até os limites dos possíveis efeitos das lutas de classes sobre essas relações. Essa
interpretação, que atribui às relações políticas e ideológicas o status de condições objetivas de
lutas de classes, desliga-se dos elementos economicistas inerentes à formulação da “classe em
si”.
Ademais, a noção de classe traz consigo a noção de relação histórica.
Considerando o que salienta Thompson:
[...] a mais fina rede sociológica não consegue nos oferecer um exemplar
puro de classe, como tampouco um do amor ou da submissão. A relação
precisa estar sempre encarnada em pessoas e contextos reais. Além disso,
não podemos ter duas classes distintas, cada qual com um ser independente,
colocando-as a seguir em relação recíproca. Não podemos ter amor sem
amantes, nem submissão sem senhores rurais e camponeses. A classe
acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns
(herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus
interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e
geralmente se opõe) dos seus. A experiência de classe é determinada, em
grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram –
ou entraram involuntariamente. A consciência de classe é a forma como
essas experiências são travadas em termos culturais: encarnadas em
tradições, sistemas de valores, idéias e formas institucionais. Se a
experiência aparece como determinada, o mesmo não ocorre com a
consciência de classe. (1987, p. 10).
Dessa maneira, acrescenta Thompson, a classe é definida pelos homens enquanto
vivem sua própria história e, ao final, esta é sua única definição.
Nesse intento de pensar sobre a dinâmica das classes, é crucial inserir algumas
orientações defendidas por Pierre Bourdieu (2003), que faz uma crítica das construções
teóricas sobre as classes sociais, principalmente a marxista, descrevendo, por sua vez, o
campo social como um espaço multidimensional de posições tal que qualquer posição atual
pode ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores
correspondem aos valores das diferentes variáveis pertinentes. Bourdieu (2003, p. 134),
entende que se pode representar o mundo social em forma de um espaço (de várias
27
dimensões) construído na base de princípios de diferenciação ou de distribuição construídos
pelo conjunto das propriedades que atuam no universo social considerado. Os agentes e
grupos de agentes são assim definidos pelas suas posições relativas nesse espaço. Cada um
deles está acantonado em uma posição ou em uma classe, que precisa de posições vizinhas.
Na medida que as propriedades tidas em consideração para se construir este espaço são
propriedades atuantes, ele pode ser descrito também como campo de forças, quer dizer, como
um conjunto de relações de força objetivas impostas a todos os que entrem nesse campo e
irredutíveis às intenções dos agentes individuais ou mesmo às interações diretas entre os
agentes. As propriedades atuantes, tidas em consideração como princípios de construção do
espaço social são as formas de poder ou de capital que ocorrem nos diferentes campos. A
posição de um determinado agente no espaço social pode assim ser definida pela posição que
ele ocupa nos diferentes campos, quer dizer, na distribuição dos poderes que atuam em cada
um deles, seja, sobretudo, o capital econômico – nas suas diferentes espécies –, o capital
cultural, o capital social e o capital simbólico, geralmente chamado de prestígio, reputação,
fama, etc. Esse é a forma percebida e reconhecida como legítima das diferentes espécies de
capital.
Assim, nessa perspectiva, para Bourdieu (2003, p. 136), com base no
conhecimento do espaço das posições, podem-se recortar classes no sentido lógico do termo,
quer dizer, conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes e que, colocados em
condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm com toda a
probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomadas de posição
semelhantes. Observa-se que a classe no papel, como sugere Bourdieu (2003), tem a
existência teórica, enquanto produto de uma classificação explicativa. Não é realmente uma
classe, uma classe atual, no sentido de grupo e de grupo mobilizado para a luta. Em outras
palavras, poder-se-ia dizer que é uma classe provável, enquanto conjunto de agentes que
28
oporá menos obstáculos objetivos às ações de mobilização do que qualquer outro conjunto de
agentes.
Bourdieu (2003, p. 137) sustenta que as classes que podemos recortar no espaço
social (por exemplo, por exigências da análise estatística que é o único meio de revelar a
estrutura do espaço social) não existem como grupos reais, embora expliquem a probabilidade
de se constituírem em grupos práticos, famílias, clubes, associações e mesmo “movimentos”
sindicais ou políticos. O que existe é um espaço de relações que é tão real como um espaço
geográfico, no qual as mudanças de lugar se pagam em trabalho, em esforços e sobretudo em
tempo.
Não é por coincidência que, praticamente, em todos processos trabalhistas
levantados e analisados nessa pesquisa, as diferentes e variadas categorias e funções no
universo produtivo do calçado são representadas pelo termo sapateiro. Ser sapateiro e
estabelecer-se sapateiro necessita de uma história de esforços de diversas naturezas que
proporcionam, a um só tempo, a valorização simbólica da profissão e a possibilidade de
ocupar novas posições nesse abstrato e rico espaço de relações.
É pertinente considerar que o mundo social, por meio das propriedades e das suas
distribuições, segundo Bourdieu (2003), tem acesso, na própria objetividade, ao estatuto do
sistema simbólico. O espaço social e as diferenças que nele se desenham “espontaneamente”
tendem a funcionar simbolicamente como espaço dos estilos de vida, isto é, de grupos
caracterizados por estilos de vida diferentes. Nesse sentido, é importante reforçar, que uma
classe não é sinônimo de um coletivo homogêneo e fechado, mas sobretudo, a classe passeia
ou paira no âmbito do espaço das relações, não somente sociais e econômicas, mas também
culturais e simbólicas e que, por isso mesmo, buscam uma distinção inerente à sua condição.
Nessa perspectiva, ser sapateiro, entrelaçado às funções do fabrico do calçado, é ser
reconhecido por todos, atribuindo uma faceta do capital simbólico, que impõe uma instância
29
oficial, sendo o título profissional de uma espécie de regra jurídica de percepção social, um
ser-percebido que é garantido como um direito. Esse é um capital simbólico não apenas
institucionalizado, mas legítimo.
Do ponto de vista científico, segundo Bourdieu (2003, p. 150) o estudo das classes
deve ter em vista estabelecer um conhecimento adequado não só do espaço das relações
objetivas entre as diferentes posições constitutivas do campo, mas também das relações
necessárias estabelecidas pela mediação dos habitus dos seus ocupantes. Por outras palavras,
a delimitação objetiva de classes construídas, quer dizer, de regiões do espaço construído das
posições, permite compreender o princípio e a eficácia das estratégias classificatórias pelas
quais os agentes têm em vista conservar ou modificar este espaço – e em cuja primeira fila é
preciso contar a constituição de grupos organizados com o objetivo de assegurarem a defesa
dos interesses dos seus membros.
De maneira sofisticada, Boudieu (2003, p. 160) argumenta que o modo de
existência daquilo a que hoje se chama, em muitas sociedades (com variações,
evidentemente), “classe operária”, é perfeitamente paradoxal: trata-se de uma espécie de
existência em pensamento, de uma existência no pensamento de uma boa parte daqueles que
as taxinomias designam como operários, mas também no pensamento dos ocupantes das
posições, mas afastadas desses últimos no espaço social. Essa existência reconhecida quase
universalmente se assenta ela própria na existência de uma classe operária em representação,
quer dizer, de aparelhos políticos e de porta-vozes permanentes, vitalmente interessados, em
crer que ela existe e em fazê-lo crer tanto àqueles que a ela pertencem como àqueles que a
rejeitam, capazes de fazer falar a “classe operária” – e de uma só voz –, de evocar, como se
evocam os espíritos, de a invocar, como se invocam os deuses e os santos patronos, e até
mesmo de a exibir simbolicamente através da manifestação, espécie de aparato teatral da
classe em representação, com o corpo da sua existência – siglas, emblemas, insígnias – por
30
um lado e, por outro, a fração mais convicta dos crentes que, pela sua presença, permite que
os representantes detêm a representação da sua representatividade. Para Bourdieu, essa classe
operária como “vontade e representação” nada tem da classe em ato, grupo real realmente
mobilizado, que a tradição marxista evocava. Mas nem por isso ela é menos real, embora a
sua realidade seja aquela realidade mágica que define as instituições como ficções sociais.
Essa classe, verdadeiro corpo místico, criada à custa de um imenso trabalho histórico de
invenção teórica e prática, incessantemente e sem fim que são necessários para produzir e
reproduzir a crença e a instituição que garante a reprodução da crença, existe no corpo de
mandatários (por meio dele), os quais lhe dão uma palavra e uma presença visíveis; na crença
da sua existência, que este corpo de plenipotenciários consegue impor, pela sua existência e
pelas suas representações, na base das afinidades que unem objetivamente os membros da
mesma “classe no papel” como grupo provável.
Segundo Przeworski (1989, p. 85), no papel, podem-se enquadrar as pessoas nas
classificações que desejar, mas na prática política é preciso tratar com pessoas de carne e
osso, com seus interesses e consciência dos mesmos. E tais interesses, quer sejam ou não
‘reais’, não são arbitrários; tampouco é arbitrária sua consciência e a própria prática política
que os forja.
As classes são formadas no decorrer de lutas, que essas lutas são estruturadas por
condições econômicas, políticas e ideológicas sob as quais ocorrem, e que essas condições
objetivas (simultaneamente econômicas, políticas e ideológicas) moldam a prática de
movimentos que procuram organizar os operários em uma classe. Assim, as classes não são
um elemento anterior à história das lutas concretas. A realidade social não se evidencia
diretamente por intermédio dos nossos sentidos, é na esfera da ideologia que as pessoas
tomam ciência das relações sociais. Aquilo em que passam a acreditar e o que fazem é efeito
de um longo processo de persuasão e organização por forças políticas e ideológicas engajadas
31
em numerosas lutas pela realização de seus objetivos. As divisões sociais, a experiência da
diferenciação social nunca se manifestam diretamente à nossa consciência. As diferenças
sociais adquirem a condição de divisões em conseqüência de lutas ideológicas e políticas. A
luta ideológica, na definição das classes, é uma luta a respeito de classes antes de ser uma luta
entre classes.
Consideramos que “classe” é o nome de uma relação. Nessa perspectiva, não é o
operário que está sendo constantemente organizado como classe e sim uma variedade de
pessoas, algumas das quais estão separadas do sistema de produção. Os processos de
constituição dos operários em classe não ocorrem no vácuo, são intrinsecamente vinculados à
totalidade dos processos pelos quais uma coletividade surge em luta em determinados
momentos da história. A experiência imediata das relações sociais, aquela baseada na renda,
caráter do trabalho, lugar no mercado, prestígio das ocupações, etc. não se transforma por si
mesma em identificação coletiva, pois é mediada pelas práticas ideológicas e políticas dos
movimentos engajados no processo de formação de classes. Por isso mesmo acreditamos que
ser sapateiro, na inserção do movimento de classes, está permeado de uma nuance que se
revela rica de um capital cultural e simbólico que, de tempos em tempos, pode ser valorizada
ou mesmo desprezada.
32
2.1 A análise das classes sociais no Brasil
No Brasil, a inserção e o debate acerca do conceito de “classes sociais” se
desenvolvem conjuntamente com a academia. Entender o Brasil como uma “sociedade
multirracial de classes” estava no horizonte de preocupações intelectuais. Cabe ressaltar que a
análise sociológica passou a ter explicitamente as classes sociais, e seu desenvolvimento no
Brasil, como objeto fundamental. O conceito de classes sociais entra nos anos 1960 com o
claro predomínio daqueles que consideram a análise de classe central para a explicação
sociológica. A análise de classe é um estilo de explicação sociológica que se fundamenta no
princípio de que a estrutura social e sua reprodução dependem, fundamentalmente, da ação
das classes. Segundo Guimarães (1999), a própria idéia de sociologia passa a ser associada ao
conhecimento de uma estrutura – a estrutura social – regida por leis científicas e, portanto, o
principal objeto da pesquisa sociológica, mas também à condição de explicação mais
plausível para os fenômenos mais diversificados. Portanto, nos anos 1960 constata-se à
consolidação da influência do marxismo e de todas as formas de explicação estrutural na
sociologia brasileira.
Quanto à trajetória dos estudos operários, sobretudo da classe operária no Brasil,
um vasto campo teórico se avoluma. Entretanto, a historiografia desse campo guarda em seus
primórdios, principalmente referente à Primeira República, as denominadas produções e
estudos dos militantes, ou seja, sindicalistas ativistas políticos de esquerda, como também
jornalistas e advogados vinculados ao movimento operário. Boa parte das fontes, desse
período, como os históricos de associações operárias podem ser encontrados em artigos na
imprensa operária e sindical. Essas produções, segundo Batalha (2000), enquadrar-se-iam em
um contexto de pré-história da classe operária, uma vez que a fundação do Partido
33
Comunista, em 1922, seria, para muitos pensadores, um momento inaugurador e uma nova
etapa na vida da classe operária.
Outro período que forneceu forte impacto consensual entre os estudos foi a
chagada de Getúlio Vargas controle do Estado brasileiro. Nos estudos sobre a classe operária,
no geral, traçavam um diagnóstico de que os anos 1930 haviam marcado uma ruptura no
processo de desenvolvimento brasileiro com o esgotamento da economia agroexportadora,
proporcionando bases para o desenvolvimento de uma nova economia urbano-industrial.
Essas novas classes sociais teriam sido geradas pelos agentes principais da mudança social e
política: o operariado, as classes médias urbanas e a burguesia industrial. São estudos que
buscavam avaliar a ação, a força e o potencial político dos trabalhadores industriais brasileiros
e procuram situar a classe operária como agente coletivo.
Com a ditadura militar no país a partir de 1964, com todo clima de resistência,
ocorre um ressurgimento dos estudos5 de formação da classe operária, agora sobre nova ótica:
trata-se de reavaliar criticamente a estrutura sindical brasileira e as relações entre sindicalismo
e Estado, trata-se de explicar os limites estruturais da ação transformadora da classe operária
no Brasil e não sua suposta falta de consciência política. Todo esse embate teórico propicia
um balanço crítico da produção brasileira sobre o movimento de classes.
Na década de 1980, há uma ampliação da ênfase na investigação dos
condicionamentos subjetivos da ação de classe e da formação de uma cultura operária no
5
De maneira geral esses trabalhos discutem as restrições estruturais, históricas à ação da classe trabalhadora no
Brasil e as condições, objetivas e subjetivas, para o surgimento de uma nova classe operária e de um novo
sindicalismo a partir das condições materiais e políticas dadas pela grande indústria brasileira. Os
instrumentais conceitual e analítico utilizados nesse período são os de Antônio Gramsci (a teoria da
hegemonia) e de Poulantzas (a teoria das classes). Em São Paulo, o movimento expandido pelo CEBRAP, seus
maiores expoentes Francisco Weffort, José Arthur Giannotti, na análise da dialética marxista e Francisco de
Oliveira, na corrente de análise macroeconômica inspirada no Capital de Marx. E também o estudo de Luiz
Werneck Vianna, preocupado em relacionar movimento operário em relação ao Estado.
34
Brasil. Também cabe mencionar estudos de Vianna (1993)6 que, nesse período, já elabora
uma revisão bem atenta acerca dos estudos e tendências desse universo temático.
No Brasil, nutrida pela expectativa do modo como os movimentos populares e o
movimento operário seriam capazes de se expressar politicamente. Na década de 1980, notase, portanto, há uma mudança conceitual, qual seja, os estudos se utilizam, sistematicamente,
conceitos como “experiência”, “imaginário”, “cotidiano”, originários da história social e da
filosofia política. Tais conceitos expressam a preocupação em tratar os dominados como
criadores de seus próprios mundos, comprometendo a análise com a emergência da
consciência de direitos, individuais e coletivos, por parte não apenas dos operários, mas das
camadas populares.
Uma perspectiva de análise importante desse período foi desenvolvida por Sader e
Paoli (1986), a qual procuram ampliar o conceito de classe social para nele incluir o
movimento social, ou seja, o processo de formação das classes a partir das práticas dos atores
sociais, nas diversas esferas da vida cotidiana, produtiva ou não. Argumentam um contexto de
classes populares, posto que tal termo indica “que o esforço do analista desloca-se do campo
da delimitação das fronteiras entre classes, frações, categorias sociais, para o campo da
compreensão específica da prática dos atores sociais em movimento” (1986, p. 59). As classes
para Sader e Paoli, “seriam [...] um movimento coletivo presente duplamente, primeiro,
experiência única com aqueles que se identificam com e em cada uma dessas situações e,
segundo, na elaboração mais geral de todos, reconhecendo algo em comum entre experiências
distintas” (1986, p. 61). O que os autores vêem de novo, teoricamente, é a possibilidade de
redefinir o conceito de classe, com a “[...] descoberta da multiplicidade de espaços onde se faz
a classe” (1986, p. 61).
6
Vale verificar os trabalhos de VIANNA, Luiz Werneck. A classe operária e a abertura. São Paulo: Cerifa,
1983 e também a obra Travessia: da abertura à Constituinte 86. Rio de Janeiro: Taurus, 1986, do mesmo
autor, que trata de estudos sobre sindicalismo e movimento operário.
35
Esse período, citado acima, assistiu à ampliação dos enfoques sobre as classes no
Brasil. Assim, no que diz respeito à classe operária, sua história deixou de ser unicamente a
história do movimento operário organizado. Portanto, os sindicatos, partidos, correntes
ideológicas deixaram de ocupar o primeiro plano. Ganhou força uma nova vertente e um
redobrado interesse pelas análises do processo de trabalho, antes restrito à sociologia
industrial. Ritmo de trabalho, relações com o sindicato, com o departamento pessoal das
empresas, lazer, sistemas de interação horizontais e verticais, etc., são temas que ainda fazem
parte de um território a ser descoberto e explorado.
Todo esse movimento foi acompanhado da diversificação das fontes tradicionais
(fundamentalmente a imprensa e outras), com o recurso das fontes judiciais, à documentação
policial, aos arquivos de empresa, à história oral. Parte da riqueza dessa vertente, entretanto,
foi a de pôr os estudos da classe trabalhadora em contato com tradições disciplinares, não
apenas diversas, mas, no Brasil, inusitadas, tais como a administração, a antropologia urbana,
a engenharia de produção e, principalmente, os estudos feministas. Os estudos de processo de
trabalho foram também a porta de entrada dos estudos sobre a mulher na academia brasileira.
A mudança na conjuntura ocorrida em fins da década de 1980, marcada pelo
descenso do movimento operário sindical, a crise da esquerda, em uma perspectiva
internacional agravada pelo desmantelamento do socialismo real e transformações sócioeconômicas em nível global exerceram efeitos significativos nesse processo. A interpretação
dessas mudanças, a partir de 19907, sugerem que a história operária deixou de ter valor
explicativo para o presente, papel que parecia desempenhar no início dos anos 1980 quando o
movimento operário-sindical ocupava o primeiro plano.
Recentemente, observa-se uma diversificação pelo modo com que as fontes são
usadas, pelo tratamento dado ao tema e pela consolidação dos instrumentos e instituições que
7
Citar Gorz e Offe.
36
contribuíram para esses estudos. No que diz respeito às fontes de pesquisa, já está patente em
muitos trabalhos a necessidade de empreender uma reavaliação das fontes tradicionais e de
ampliar o leque das fontes empregadas. Seguramente, é possível propor novas leituras de
fontes tradicionais como jornais, texto literário e outras; mas, ao mesmo tempo, há toda uma
série de “novas” fontes, como processos na Justiça do Trabalho ou a iconografia do
movimento operário, que ainda precisam ser devidamente exploradas. Além disso, salienta
Batalha (2000, p. 156), há uma necessidade em se aprofundar esse estudos em suas dinâmicas
regionais.
2.2 O sapateiro e o sindicato
Em Franca, alguns estudos acadêmicos iniciam abordagem acerca da classe
operária em Franca associada ao novo sindicalismo. Nota-se uma tendência, o que
discordamos, de dividem a trajetória da classe operária em Franca, sobretudo os operários da
indústria calçadista, em fases distintas: uma antes do forte movimento sindical iniciado nos
anos 1980 e outro com o sindicato forte, responsável por revelar a verdadeira classe operária.
Entretanto, tentamos demonstrar, com a pesquisa, que a trajetória da classe operária em
Franca, no sentido político, têm rica movimentação em períodos anteriores. Ademais,
adiantamos que a relação que os trabalhadores constroem com a Justiça do Trabalho, na busca
por direitos também deve se inserir nesse esforço de compreender sua trajetória.
Portanto, a perspectiva que privilegiamos não coloca em seu centro a dimensão
associativa e sindical, assim como não aprofundamos reflexão acerca do novo sindicalismo,
no decurso dos anos 1970 e 1980, o qual propõe novas abordagens à classe trabalhadora no
Brasil. Tampouco, foi intenção questionar com mais afinco a dinâmica e herança do sindicato
corporativista.
37
Em Franca, segundo Malatian (1996, p. 195), os estudos que focariam o tema da
classe operária em Franca, surgiram a partir da década de 1980, principalmente com estudos
vinculados à área de Serviço Social e Urbanismo, influenciados pelas manifestações sociais e
grevistas desencadeadas naquele período sob a influência do “novo sindicalismo”. Estudos
que davam um viés da atuação dos operários, dos sapateiros, como classe sujeito, sob os
auspícios da organização sindical, como portadora de uma função revolucionária. Segundo a
autora, a preocupação com o desinteresse pela sindicalização, o caráter paternalista do
sindicalismo montado a partir de 1930 e a persistência do corporativismo constituem o eixo
da reflexão deste viés analítico que privilegiou a compreensão da classe a partir da evolução
do movimento sindical.
Para Dominicci (1988) e Canoas (1993), no final da década de 1980, a história da
classe trabalhadora na cidade estava relegada a um segundo plano pelos pesquisadores
francanos. Nessa perspectiva, para ambos, no período de 1941 (Fundação do STICF) a 1982,
o sindicato dos sapateiros foi marcado pelo modelo corporativista, caracterizando-se como
mero agente de colaboração com os poderes públicos, com uma clara intenção em “abafar a
luta de classes”. Nessa linha de análise, o sindicato, antes de 1982, tinha por excelência uma
prática sindical anestésica, ou seja, estancando o movimento contraditório por meio de uma
ação “pelega” que, segundo os autores, agarra-se ao poder com unhas e dentes. Segundo
Oliveira, “a partir de 1982 a história dos trabalhadores sofreria uma guinada, em boa medida
orientada pela montagem da oposição sindical, nas reuniões na Paróquia São Benedito, com a
participação latente da Pastoral Operária” (2002, p. 78).
Com os gráficos a seguir, expõe-se a movimentação dos processos trabalhistas,
desde 1944, assim como a assistência judiciária realizada pelo STICF.
38
Assistência Judiciária - Cartório 2º Ofício Cível de Justiça
da Comarca de Franca/ SP
60
Sindicato dos Trabalhadores da
Indústria de Artigos de Couro de
Franca - STIAC
51
50
Sindicato dos Trabalhadores da
Indústria de Calçados de Franca STICF
40
Reclamação particular
30
30
Instituto de Aposentadoria e
Pensão dos Industriários
17
20
7
10
1
Promotoria Pública
1
Em branco
0
1944 - 1963
GRÁFICO 1 - Assistência judiciária – Cartório 2º Ofício Cível de Justiça da Comarca de Franca/SP
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Franca
Assistência Judiciária - Cartório 1º Ofício Cível de
Justiça da Comarca de Franca/ SP
30
30
25
21
20
Assist ência Grat uit a (FAC. Dir eit o de
Fr anca, OAB, Lei 1060/ 50)
15
Reclamação par t icular
10
5
Sindicat o dos Trabalhador es da Indúst r ia de
Calçados de Fr anca - STICF
Promot oria Pública
1
3
0
1964 - 1967
GRÁFICO 2 - Assistência judiciária – Cartório 1º Ofício Cível de Justiça da Comarca de Franca/SP
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Franca
39
Processos Trabalhistas Assistidos pelo Sindicato dos
Trabalhadores da Indústria de Calçados de Franca - STICF
1968
1969
1970
1971
1000
944
1972
1973
900
1974
800
715
700
600
532
500
565
553
176
200
90
174
618
573
1976
1977
1979
1980
356
300
607
1978
416
400
100
1975
635
1981
272
206 248194
249
1982
1983
112
1984
32
1985
1986
0
1
1987
1988
GRÁFICO 3 - Processos trabalhistas assistidos pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Calçados de
Franca - STICF
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Franca
Observa-se nos gráficos que a presença sindical em termos puramente de
assistência judiciária é tímida, comparando-se a presença da promotoria pública e as
reclamações trabalhistas particulares, no período que vai de 1964 à 1970. Entretanto, devemos
ressaltar alguns aspectos importantes, primeiro é o papel que a justiça representa nesse
momento político-social do país para os trabalhadores; em segundo, observar que com da
instauração das Juntas de Conciliação e Justiça, em 1968, verifica-se o paulatino crescimento
da demanda dos processos trabalhistas. A partir de 1968, inicia-se uma dinâmica nova de
procedimentos em relação aos processos trabalhistas, reduzindo, entre outros fatores, o tempo
de julgamento dos casos. Os números e gráficos não expressam por si a complexidade social e
política do período, mas o aumento gradual da demanda também sugere que o peso da
40
legislação trabalhista, e da Justiça do Trabalho, no Brasil baliza as formas de reivindicação da
classe operária, assim como as possibilidades de ação sindical.
Nessa perspectiva, de acordo com nossa pesquisa com os processos trabalhistas, a
movimentação da classe operária, em sentido político, pode ser observada bem antes do
período eleito como corte divisor de 1982, sobretudo poderá ser mais vislumbrada na seção 5
com exemplos analisados no interior dos processos trabalhistas.
Em questão está a imposição desse corte, cronológico, da classe operária em antes
e depois de 19828. Para Souza (2003, p. 23) os trabalhos que seguem essa abordagem,
impondo esse corte, dão ênfase à condição da classe operária em Franca, ligada intimamente
ao movimento do começo da década de 1980. Criando uma história de personagens bem
marcados, na qual todo percurso anterior permanece renegado. Também, os demais
trabalhadores que não se filiam à chapa de oposição são caracterizados como uma massa
alheia a sua condição, em outras palavras, era “alienado” ou “pelego”, indiferente ao mundo,
conseqüentemente, carente de interesse histórico. Nesse sentido, os serviços prestados pelo
sindicato, antes desse período, teriam o simples objetivo de manter a classe amorfa.
Entretanto, como ilustramos na seção anterior e no gráfico 3, não é bem isso que verificamos,
ao contrário, vê-se um ambiente de movimentação constante em torno do sindicato e fora
dele.
A partir de 1982, com o novo sindicato, sua estratégia foi intensificar a cobrança
por justiça, dessa forma todo movimento a seguir se daria em exigir o cumprimento dos
Acordos Coletivos e da legislação trabalhista. Nesse aspecto, é preciso ressaltar que esse
movimento de judicialização das relações trabalhistas, já estava em curso, vale dizer que,
8
Nessa data nova diretoria do STICF ganha eleições. A idéia de operário que passa a vigorar está ligada a virada
sindical, segundo também Maria Isabel Guimarães (2001, p. 110), a história da categoria operária dos
sapateiros em Franca se reflete e se concretiza na história de sua representação corporativa: o sindicato.
Trabalho que apresenta outra perspectiva é o de NUNES, Renata de Cássia. Sociabilidade operária em
tempos de expansão industrial: o bar em Franca (1968-1980). 1999. (Mestrado em História) FHDSS/
UNESP-Franca.
41
antes do movimento do novo sindicalismo, apesar dos “pelegos”, já se percebia forte
orientação na busca dos direitos trabalhistas (observados no gráfico 3, na ascendência
processual nos anos de 1979 a 1981). A CLT e seus conceitos já faziam parte do cotidiano dos
trabalhadores. Nesse sentido, a legislação trabalhista desprivatizou o espaço fabril ao
introduzir “direitos genéricos, mas públicos” na relação entre trabalhadores e patrões.
Segundo Guimarães (2001, p. 112), na vertente de análise anterior, a suposta
apatia operária, antes do período anterior a 1982, estaria fundamentada pela limitada ou
ausência representativa. Segundo a autora, a categoria dos sapateiros não reagia coletivamente
a essa situação. Amorfa e desmobilizada limitava-se a produzir, buscava soluções de forma
isolada e individual. Assim, antes o trabalhador teria o sentimento de revolta, mas não teria
coragem para agir. Seria o novo sindicato o elemento simbólico essencial do poder do
trabalhador na luta por direitos. Guimarães (2001, p. 114), acrescenta que ao peso do trabalho
aliava-se a humilhação pessoal como, por exemplo, a necessidade de tirar fichas com o chefe
ou gerente para usar os sanitários da empresa (o número de fichas chegava, em algumas
fábricas, a ser limitadas a duas) ou a sujeição a gritos e desmandos no interior da fábrica.
Soma-se a tudo isso, a completa falta de segurança no trabalho que mutilava muitos
trabalhadores. Segundo a autora, diante desses abusos, embora revoltados os operários
sentiam-se impotentes para reagir. Isso ocorria de fato, mas o que procuramos demonstrar
anteriormente, na seção 5 deste trabalho, não acontecia de maneira passiva, a reação se dava
de distintas maneiras, desde uma ação direta burlando as normas internas ou estragando a
matéria-prima, assim como em posturas mais coletivas que afinavam os discursos e intenções
operárias nos depoimentos das audiências trabalhistas. Portanto, essa impotência e apatia dos
trabalhadores são um equívoco, muitas vezes os operários se rebelavam, até mesmo por via de
agressão física. Por outras palavras, os sapateiros não estavam amorfos, ou seja, para aceitar a
42
disciplina é preciso haver uma compensação, uma troca, seja pela via do “contrato moral”,
num primeiro momento, ou ainda pela via da Justiça do Trabalho.
Entender o sentido histórico da própria classe dos sapateiros em Franca, pela
perspectiva dos próprios trabalhadores é um desafio já abordado por alguns pesquisadores,
para Malatian (1996) a história operária deve abranger, além da tradicional história centrada
em sindicatos e partidos, as experiências diversas a partir das quais foi possível constituir uma
identidade coletiva. A autora perseguiu a composição dessa identidade coletiva dos
trabalhadores das indústrias de calçados centrando-se na análise de sua fala direta, referido-se
na prática da rememoração9 por meio da realização de entrevistas. Dessa maneira, o “ser
sapateiro”, incorporando a noção de experiência, privilegiou os operários não sindicalizados,
bem como a vida dentro e fora da fábrica, ampliando o objeto de estudo. Cremos, nessa
perspectiva, que a inserção da análise dos processos trabalhistas também tenha contribuído
para isso.
Souza (2003, p. 32), por sua vez, salienta que deve ser apreciada a perspectiva
de que o espaço fabril ensejaria a eclosão de lutas autônomas, que seria ponto chave para
entender a vida dos trabalhadores no local de trabalho. Ou seja, a tentativa de apresentar
formas de organização dos trabalhadores em seu local de trabalho que, necessariamente, são
resultados de relações estabelecidas com o mundo do qual os mesmos fazem parte. Essa
suposição entende que os trabalhadores não são determinantes do processo histórico, nem
tampouco, apenas objetivações de projetos políticos que se traduziam, por muito tempo, em
produção partidária. Dessa forma, é possível afirmar que a observação das práticas cotidianas
no local de trabalho pode apresentar as imbricações da vida do trabalhador com as instituições
representativas da classe ou com o Estado, mesmo que não se traduzam em grandes
9
Ronaldo Aurélio Gimenes Garcia (1997), Migrantes mineiros em Franca, estuda a inserção dos migrantes
mineiros no trabalho industrial e sua condição de vida na cidade. Utilizando-se das fontes orais, Garcia buscou
reconstruir a condição da vida rural destes migrantes e sua entrada no mercado de trabalho fabril. Aponta a
questão da interação do trabalho rural e urbano e sua importância quando observadas as formas de
sociabilidade dos migrantes voltadas a sua inserção no mercado de trabalho.
43
movimentos de massas populacionais nas ruas e ainda que não se apresentem como
mobilizações de tal visibilidade, possam apresentar um pouco das ações continuadas e
comuns à maioria das pessoas.
44
3 JUSTIÇA DO TRABALHO E DIREITOS TRABALHISTAS NO BRASIL
Considerar a importância da Justiça do Trabalho na perspectiva da formação da
classe operária no Brasil é uma tarefa incômoda para muitos estudiosos. Por isso mesmo
reivindicamos, a argumentação de Maria Célia Paoli (1987, p. 56) e Jonh French (2001, p.
10), segundo os quais a formação da classe operária brasileira não pode ser entendida sem
considerar a intervenção legal do estado nas relações de trabalho cotidianas e o modo como a
CLT serviu para moldar a demanda dos trabalhadores por justiça para constituir um horizonte
cultural comum do que deveria ser dignidade e justiça nas relações de trabalho.
Não há como negar que a partir de 1930, com o governo de Getúlio Vargas, a
Justiça do Trabalho é inserida de forma inexorável no universo social barsileiro, considerando
é claro o espírito corporativista, ratificada com a Constituição de 1934. A partir de então, a
regulamentação da Justiça do Trabalho ocorre paulatinamente, baseando o seu funcionamento
no modelo das Juntas de Conciliação e das Comissões Mistas10. A essa altura, o Estado já
assumia a prática de controle do mercado de trabalho, cooptando, de certa forma, o
movimento operário para os sindicatos ligados ao Estado.
Não reconhecendo o direito de greve, o Ministério do Trabalho estrutura um
controle financeiro das entidades sindicais e, praticamente, tem o poder de administrá-las,
instituindo-se o atestado ideológico para os candidatos aos cargos eletivos dos sindicatos.
Ademais, o imposto sindical, a regulamentação do salário mínimo e do direito às férias, assim
como a criação da Carteira Profissional são as principais ferramentas dessa política
trabalhista.
10
Em 1932, foram criado dois organismos destinados a solucionar conflitos trabalhistas, as Comissões Mistas de
Conciliação e as Juntas de Conciliação e Julgamento. As Comissões tratavam de divergências coletivas,
relativas a categorias profissionais e econômicas. Eram órgãos de conciliação, não de julgamento. Se as partes
não conciliassem, era proposta a solução do conflito por meio de arbitragem ou o caso era encaminhado ao
Ministério do Trabalho. Foram instaladas apenas 38 Comissões e sua atuação foi irrelevante por não poderem
impor suas decisões.
45
Por sua vez, a Justiça do Trabalho se consolida, tornando-se mais sistemática e
orgânica, com o Decreto nº 1237 de 1939. Segundo Kazumi Munakata (1984, p. 105) o
espírito é transformar uma questão política de correlação de forças entre o trabalhador e o
patrão numa questão jurídica e técnica, com suas regras e normas só acessíveis aos
especialistas, incluindo-se, nessa categoria, os vogais. Por isso, a Justiça do Trabalho, prevista
já na Constituição de 1934, só foi instituída durante o Estado Novo, quando os sindicatos já
estavam totalmente atrelados ao Estado e os trabalhadores sem condições de resolver por suas
próprias mãos os conflitos de trabalho.
A Justiça do Trabalho e o direito do trabalho a partir de 1930, sistematizados na
CLT de 1943, desenvolvem-se praticamente ao mesmo tempo. Segundo Carlos Eduardo
Bosísio (1992) na concepção tradicional o direito do trabalho se divide em duas grandes
partes: o direito individual do trabalho e o direito coletivo do trabalho. O direito individual do
trabalho é aquele que se propõe disciplinar conflitos entre empregado, de um lado, como
pessoa física determinada, e empregador, do outro lado. O pressuposto e a filosofia que
inspira todo o direito individual do trabalho é que, como o empregado é economicamente
fraco diante do empregador poderoso, a liberdade, a autonomia da vontade, que é o princípio
básico do direito civil, está prejudicada. Ou seja, nessa ótica, “a liberdade escraviza; a lei que
liberta”. Então, o Estado intervém contra a autonomia da vontade, por uma técnica legislativa
que é, basicamente, a da imposição de um contrato mínimo, obrigatório para as partes, isto é,
um contrato individual de trabalho em que a pessoa que vai trabalhar, independentemente do
que ela ou do que o patrão diga, tem direito a uma jornada máxima, a um salário mínimo, a
férias mínimas por ano.
Quanto ao direito coletivo do trabalho, cabe sublinhar rapidamente que é aquele
em que se encontram os conflitos do trabalho, isto é, conflitos que opõem o capital ao
trabalho. De um lado, categorias profissionais, num grau de abstração, de generalidade, que
46
não distinguem quais são os integrantes da categoria, e, de outro, os empregadores ou o
sindicato dos empregadores. Basicamente, é o direito sindical. Nesse aspecto, o que se
entende é que o Estado, em uma concepção ideal, deveria conceder liberdade de atuação aos
sindicatos, pois quanto mais livres, mais fortes serão e quanto mais livres mais poderão atuar.
Livres na sua organização e ação, livres na greve, por exemplo, eles terão mais força perante
o empregador e as partes.
Nesse sentido, a Justiça do Trabalho e o direito do trabalho se inserem dentro de
uma matriz ideológica do Estado Novo que se convencionou chamar de “ideologia da
outorga”, corporativista, marcada pela intervenção do Estado no domínio social que suprimia
o direito coletivo do trabalho, atrapalhava o espaço da livre negociação e subordinava os
sindicatos na sua organização, no seu funcionamento, ao Estado.
No plano formal da lei do direito individual do trabalho, dada inexistência das
convenções coletivas, estabelecia-se um contrato individual que não era uma mera garantia de
direitos mínimos, mas uma garantia realmente bastante extensa e uniforme de direitos, como
um pacote imposto a todos os segmentos da sociedade, sem distinção entre o trabalho técnico
e trabalho intelectual.
Alerta-nos Bosisío (1992, p. 49) que a justiça do Trabalho foi concebida para
aplicar legislação, funcionando como arbitro dos conflitos sociais. Entretanto, essa função de
arbitrar conflitos sociais não é própria da justiça. Por isso explica-se que a Justiça do Trabalho
não tenha surgido dentro do Ministério da Justiça, mas sim dentro do Ministério do Trabalho,
pois era um órgão administrativo do Ministério do Trabalho. Somente em 1946, com a nova
Constituição, pela primeira vez, a justiça do Trabalho foi colocada dentro do Poder Judiciário,
outorgando-lhe uma independência do poder Executivo, indispensável ao exercício da função
jurisdicional.
47
De 1946 a 1964, a Justiça do Trabalho cresceu e se desenvolveu como um ramo do
Poder Judiciário, porém sempre dentro desses limites. Segundo Bosísio (1992, p. 51), nem a
fase fase desenvolvimentista dos anos JK foi suficiente para inspirar uma modernização da
Justiça do Trabalho ou da legislação trabalhista. A prova disso foi na instauração do regime
autoritário no país em 1964, quando não aconteceu qualquer modificação mais profunda nas
estruturas de organização sindical e de funcionamento da Justiça do Trabalho, bem como na
legislação trabalhista. Uma nova lei, entretanto, oferece impacto significativo: a lei do Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço11. No momento incipiente da ditadura militar no País,
todos os empregados estavam obrigados a fazer da Justiça do Trabalho uma justiça mais do
desempregado do que do trabalhador. Ninguém se aproximava da Justiça do Trabalho como
empregado, pois a estabilidade tinha sido afastada. Aquela estabilidade absoluta, talvez
nociva, que anestesiava, tinha sido substituída por nenhuma estabilidade, o que tornava
inviável, na prática, a reclamação de trabalhadores contra seus empregadores. A Justiça do
Trabalho para os desempregados também não era boa, pois havia uma prescrição muito curta
dos processos, de dois anos, se o cidadão fosse reclamar horas extras de dez anos de trabalho,
perderia, de imediato oito anos, por exemplo, e, ainda assim, os dois anos a que teria direito
receberia com prejuízo, porque não havia correção monetária, que só seria adotada a partir de
1965. Foi com essa legislação que a Constituinte de 1988 se confrontou.
11
A substituição da lei da estabilidade pelo FGTS, Vera Botta Ferrante investiga essa mudança em função das
necessidades de modernização do capitalismo: “Nesse projeto global, os responsáveis pela política econômica
passam a sentir a exigência de substituir o instituto da estabilidade, que expunha as empresas a riscos
financeiros, por um sistema mais funcional, que aperfeiçoasse o desempenho das instituições existentes, sem
causar manifestações críticas das categorias sociais inerentes ao modo de produção capitalista”. (VIANNA,
1983, p. 169).
48
3.1 Breve histórico da Justiça do trabalho e da CLT
A presença da legislação trabalhista, corporificada na CLT, ao lado de uma
peculiar trajetória histórica da Justiça do Trabalho no Brasil consolida-se sob embates
profundos na sociedade a partir de 1943. Pensar o país, sem ela, hoje em dia, é praticamente
impossível, embora se verifique um esforço deliberado na tentativa de flexibilizar e adaptar as
leis às situações no mercado atual. Entretanto, como aborda Ângela de Castro Gomes (1992) a
dinâmica capitalista brasileira, no final do século XIX e princípio do século XX, longe da
configuração posterior das leis trabalhistas, “tratava a questão social como um caso de
polícia”, ou seja, viveu-se longos períodos de negação por parte do Estado, desse espaço dos
conflitos sociais e trabalhistas.
A tradição liberal burguesa, não consistia numa simples “ficção jurídica”, assinala
Luiz Werneck Vianna (1999), ao contrário, era um instrumento teórico e institucional
perfeitamente adequado à dominação burguesa: garantia o domínio absoluto do patrão dentro
da sua empresa (em cujos assuntos, privados, o Estado não podia intervir) e assegurava a
intervenção policial quando esse domínio fosse perturbado pelas agitações operárias. O que se
observa é uma permanência desse caráter autoritário, por parte dos empresários que, mesmo
sob a égide de transformações de diversas naturezas, assim como a consagração das Leis
Trabalhistas, não impedem reinvenções de estratégias, hora alinhando-se às Leis, hora
criticando e pedindo sua flexibilidade.
É preciso considerar que o movimento operário, nessa fase histórica, inseria-se à
margem de uma regulação estatal no que diz respeito ao universo das relações de trabalho no
universo produtivo. O funcionamento dos sindicatos e associais operárias ocorria fora dos
domínios do Estado. A perspectiva corporativista é iniciada com Getulio Vargas.
49
Segundo Adalberto Moreira Cardoso (2002, p. 497), é frágil o diálogo da
sociologia brasileira com a ciência do direito e que a concepção a respeito do modelo
brasileiro de relações trabalhistas demanda uma revisão, qual seja, do qualificativo
corporativismo. É freqüente conceber, continua o autor em sua argumentação, que esse
modelo de relações de trabalho se deve a seu “mau berço”, a inspiração fascista que presidiu
sua elaboração durante o primeiro período Vargas. É inegável que o pensamento
corporativista era uma das traves mestras de todo o empreendimento revolucionário de 1930,
como demonstra Vianna (1999).
Para Ângela Maria de Castro Gomes (1992, p. 09), a grande ironia da história da
legislação trabalhista brasileira é o contraste entre a década de 1920 a de 1930. Cabe ressaltar
o papel de Getulio Vargas na montagem de um sistema de resolução de conflitos inteiramente
preso à lei e ao governo. Foi a partir 1930 que se deu o surgimento de uma legislação
previdenciária e trabalhista no Brasil, foi no espaço de tempo entre 1931 e 1934 que a maioria
dos projetos de leis sociais foi articulada. O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio é
um lócus estratégico da política nacional. Dessa forma, o sistema corporativista privilegia o
Estado como centralizador na estruturação, no apoio e na regulação dos interesses dos grupos
com o objetivo de controlar seus assuntos internos e as relações entre eles.
Segundo Munakata (1984, p. 64), no Estado Novo, a indústria não poderia ser
abandonada ao jogo da livre concorrência, deveria ser defendida por um organismo exterior,
qual seja, o Estado. Esse Estado, que preconizava a melhoria da vida da população e, em
particular, da classe operária, dependia da industrialização, e esta, precisava do protecionismo
estatal. Nessa perspectiva, as leis trabalhistas e sua aplicação passou ser controlada não pelo
movimento operário e os sindicatos, mas por um Estado tecnicamente aparelhado para essa
função, inclusive absorvendo e controlando os próprios sindicatos. Nesse sentido, a criação,
em novembro de 1930, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (denominado
50
Ministério da Revolução) seria o aparelho estatal munido de instrumentos teóricos, técnicos,
racionais, neutros, objetivos capazes de operar a redefinição do lugar das leis trabalhistas.
É importante salientar que a tentativa do Estado, com o corporativismo, é
substituir a noção de classe, pela idéia de corporação, grupo capaz de realizar a moralidade e
a solidariedade social. Essa substituição “classe” para “corporação” representaria uma
proposta de reordenação da sociedade, de modo que não haja mais luta de classes,
organizando os patrões e os trabalhadores de uma mesma profissão como meras funções
daquela profissão. Na corporação, portanto, os patrões e os trabalhadores formam um só
grupo cujo interesse é apenas um: o da defesa da profissão. Portanto, todas as esferas da
sociedade e as relações sociais são mediadas pelo Estado e sua presença é justificada como
um meio de equilibrar a relação entre o patrão e o trabalhador que, nessa nova órbita, são
denominados de empregadores e empregados. O impedimento da luta de classes se faz através
da criação de canais competentes que absorvam os conflitos. Em outras palavras, procura-se
exterminar a luta de classes retirando dos trabalhadores todas as possibilidades de controle e
decisão sobre seu próprio destino. Entretanto, na relação das classes com o Estado, não
funcionava o caráter corporativo em sentido forte, tinha sim um desenho legal corporativo
utilizado para repressão e controle dos trabalhadores, como insistiu Vianna (1999).
A legislação trabalhista, na noção corporativista, era pensada como um
instrumento que o Estado julgava ser um caminho para instauração da verdadeira igualdade.
Nesse sentido, a lei não deve ser igual para todos, mas explicitamente favorável aos mais
fracos. Há de fato uma intromissão do Estado na questão social, como exemplo à participação
explicita do Governo Federal como parte co-responsável pela previdência.
Um universo que o Estado invade é o controle do mercado de trabalho, que antes
era a grande questão do movimento operário. Para tanto os sindicatos devem atuar como
agências controladoras desse mercado, porém esses também devem ser controlados. A
51
solução para o governo foi o corporativismo, que impõe essa perspectiva de uma nova
estrutura sindical, que regula a sindicalização, a partir de 1931, como uma das primeiras
medidas do Ministério do Trabalho. Ou seja, os sindicatos, subordinados ao Ministério do
Trabalho, teriam a função de “para-choque” dos conflitos sociais.
O movimento operário condena e critica os sindicatos “ministerializados” e a lei
de sindicalização, apelidando Ministério do Trabalho de “Ministério de Tapeação” ou
“Ministério do Trabalho Alheio”. Sobre esse aspecto, não é nossa intenção aprofundar esse
debate tão prolífico, mas vale ressaltar que no início do Estado Novo, este instaurou uma
verdadeira batalha para por em prática seu projeto corporativista, pois o controle dos
sindicatos não se deu do dia para noite. Ou seja, a resistência dos trabalhadores e também a
pouca eficácia das agências ministeriais em consolidar o projeto estatal, além do mais os
sindicatos não oficiais – anarquista, comunista ou trotskista – prosseguem a sua busca do
controle do mercado de trabalho, seja através das agências de colocação dos próprios
sindicatos, seja através da elaboração de novas reivindicações (por exemplo, tabelas de
salários) e a decretação de greves.
É nesse contexto, em 1932, que se torna compreensível o dispositivo da lei que
concede férias apenas aos associados pelo Ministério e também o surgimento da carteira
profissional, que teria o status tal qual uma certidão de nascimento cívico. Assim, a estratégia
estatal foi eleger a carteira profissional como um documento necessário para a apresentação
de queixas às Juntas de Conciliação, para a obtenção de empréstimos pelas Caixas de
Aposentadoria e Pensão (CAPS). Nessa perspectiva, a carteira profissional, que se constitui
num documento cívico, como uma garantia e arma do trabalhador, nasce como um
instrumento de controle e dominação. Para Munakata (1984, p. 90), além de ser documento
para efetivar a “obrigatoriedade indireta” de sindicalização, a carteira profissional – cuja
emissão é de exclusiva responsabilidade do DNT através do Serviço de Identificação
52
Profissional e das Inspetorias Regionais – visa substituir as antigas carteiras emitidas pelos
sindicatos, que serviam para controlar as férias e para identificar o seu portador como um
trabalhador idôneo e qualificado, garantido pelo sindicato.
A luta contra a carteira profissional, bandeira do movimento operário naquela
época, aos poucos foi se revertendo e esta foi se tornando um símbolo de inserção aos direitos
trabalhistas. De maneira geral, lugar por excelência de formulação das normas e regras de uso
do trabalho (legislação trabalhista), bem como das normas e regras da distribuição do fruto do
trabalho (legislação social), era o Estado.
Segundo Adalberto Moreira Cardoso (2002, p. 503), ao constituir o mercado de
trabalho como espaço de regulação pública minuciosa, o direito do trabalho, em nosso país,
minimizou essas potências instituintes de regras contratuais que são os órgãos de
representação de classe. Assim, o aparelho de Estado12 se torna um lugar privilegiado da
solução do conflito de direito não por ser esse aparelho de corte corporativista, mas por ser ele
o lócus de produção de regulação sobre o mercado de trabalho. O conflito de interesse, típico
do capitalismo, que opõe coletividades em luta pela distribuição da riqueza produzida pelo
trabalho, foi tornado universal ao transformar-se em conflito de direito, e isso
independentemente do caráter mesmo da assimilação dos órgãos de classe ao aparelho de
estado.
Utilizando de forma inédita a propaganda a seu favor como instrumento eficaz
para a legitimação do governo, através da Secretaria da Presidência da República (SPR), no
período posterior a 1930, o Estado varguista consegue impor sua hegemonia política e social,
12
Sobre Getulho Vargas, diversas tendências de estudos cristalizam a trajetória do Governo Vargas num
“consenso corporativo”, em que parte dos códigos foram copiados da legislação da Carta del Lavoro, de
Mussolini, visando o controle dos sindicatos. Entretanto, sublinha Jonh French, uma desvantagem desta
vertente do “consenso corporativo” foi ter buscado uma “essência” por detrás da legislação. Desse modo, a lei
não era vista como uma construção cultural, mas como um reflexo direto de uma ação intencional do Estado
“burguês”. Por conseguinte, posteriormente a CLT seria uma imposição capitalista sobre os trabalhadores. Em
O ABC dos operários, Jonh French diverge radicalmente da interpretação acima, segundo a qual o
intervencionismo estatal, simbolizado pela CLT, seria uma “fraude burguesa”. Portanto, admitir que os
direitos instaurados a partir de então serviam somente para iludir os trabalhadores é perigoso.
53
no que se convencionou denominar de Estado Benfeitor. Entretanto, a posição de Jorge
Ferreira, assim como Ângela de Castro Gomes (1992), redimensionam o debate acadêmico
sobre o governo de Vargas e sua figura mítica, de maneira a recusar a noção de que tenha sido
realizada uma política de um Estado Benfeitor, dentro de uma filosofia da outorga. Segundo
Ferreira (1997, p. 16), por exemplo, a repressão policial e judiciária, a propaganda e a
doutrinação políticas, por mais avassaladoras que sejam não garantem o sucesso dos
governantes. Ainda que a propaganda no primeiro governo Vargas tenha sido sistemática e
coordenada, é muito difícil admitir que uma campanha publicitária, por si mesma, pudesse
elevar seu nome à categoria de “homem providencial”. Não há propaganda que transforme um
personagem em líder político, em figura legendária, sem realizações que afetem a vida
material e simbólica dos homens e mulheres que o reverenciam. O reconhecimento político e
a valorização simbólica que os trabalhadores dedicaram a Getúlio Vargas, bem como a
permanência de seus feitos e realizações na memória popular por tanto tempo, não podem ser
apenas reduzidos a uma eficiente máquina de fabricar mitos. Por isso mesmo, é preciso
considerar que as ideologias dominantes naqueles anos eliminaram completamente as idéias,
crenças, valores e tradições anteriormente presentes na cultura popular. Segundo Ângela de
Castro Gomes (1992), o relevante é observar e analisar como os trabalhadores e as pessoas
comuns recebiam esse discurso dominante, como apropriaram-se dele, como reagiram e
mesmo resistiram a ele.
Jorge Ferreira (1997)13 e Ângela de Castro Gomes (1992) trabalham com a noção
de pacto na análise das relações entre Estado e classe trabalhadora, em que a lógica simbólica
13
Segundo Jorge Ferreira (1997, p. 49), o “mito” Vargas, portanto, não foi criado simplesmente na esteira da
vasta propaganda política, ideológica e doutrinária veiculada pelo Estado. Não há propaganda, por mais
elaborada, sofisticada e massificante, que sustente uma personalidade pública por tantas décadas sem
realizações que beneficiem, em termos materiais e simbólicos, o cotidiano da sociedade. O ‘mito’ Vargas,
assim, exprimia um conjunto de experiências que, longe de se basear em promessas irrealizáveis,
fundamentadas tão-somente em imagens e discursos vazios, alterou a vida dos trabalhadores. Portanto, nas
concepções e valores políticos de trabalhadores e populares, o movimento político-militar de 1930 foi marco
para definir a justiça e a injustiça nas relações entre Estado e classe trabalhadora.
54
foi tão importante quanto a lógica material. Afinal os trabalhadores manipulavam todo o
arcabouço doutrinário do estado varguista, selecionavam aquilo que poderia beneficiá-los – a
legislação, os discursos sobre a família, o trabalho, o progresso, o bem-estar – e deixavam de
lado todo o aparato autoritário, repressivo e excludente. Ou seja, inventavam uma estratégia
de vida utilizando a legislação estado-novista em benefício próprio. Procuravam, na verdade,
“se virar” em um quadro econômico e social de grandes dificuldades.
Há uma intervenção governamental efetiva nas relações empregador/empregado e
essa perspectiva vai muito além, por exemplo, da inspiração mussoliniana da legislação
trabalhista de Vargas. De fato, muitas análises ignoram o impacto complexo e ambíguo que
essa intervenção estatal teve sobre as relações entre operários e empregadores. Segundo
Adalberto Moreira Cardoso (2002), a resistência das ciências sociais em fazer a crítica do
direito do trabalho no país, impediu, a até muito recentemente, que incorporássemos em nosso
campo conceitual uma forma de abordagem das relações de classe que vige nas ciências
jurídicas há tempos: a de que o modelo brasileiro de relações de trabalho não é corporativo,
mas legislado, por oposição a modelos negociados ou contratualistas.
José Pastore (1987, p. 20) analisa os sistemas de relações de trabalho principais no
mundo ocidental, caracterizando em dois blocos: o sistema estatutário e o sistema negocial. O
primeiro, estaria ligado à trajetória de lutas sociais na Europa, a qual ligou as manifestações
trabalhistas sempre a um movimento social mais ampliado. Nesse sistema centralizado a
concepção classista do movimento sindical induziu uma “unidade básica” mais abrangente, ou
seja, o estilo europeu forjou uma longa tradição de busca de benefícios mínimos pela via
legislativa. Enquanto que, nos Estados Unidos, o movimento trabalhista seguiu uma trajetória
bem distinta, alinhando-se ao segundo exemplo. Ali, segundo Pastore (1987), em nenhum
momento, o sindicalismo se preocupou em reformar a sociedade capitalista e, tampouco, em
conquistar direitos políticos básicos para os trabalhadores. Nesse exemplo, no estilo
55
americano, a lei garantiu apenas o direito e, sobretudo, a responsabilidade de negociar,
ficando para as partes a prática da própria negociação. Dessa forma, pode-se distinguir aos
que davam ênfase à lei e os que enfatizavam o contrato.
Entretanto, em qualquer um dos sistemas, o resultado da interação entre capital e
trabalho é um conjunto de regras que passam a governar a utilização da mão-de-obra pelas
empresas e tais regras incluem desde os níveis de remuneração (salário mínimo, salários
ocupacionais, pagamento de horas extras, etc.) e os benefícios indiretos (férias, descanso
semanal, planos de assistência médica, planos de aposentadoria, etc.), até os limites para a
utilização do fator ou descanso semanal.
Para Pastore (1987, p. 42), o modelo brasileiro segue uma trajetória peculiar, pois
na sua composição, ele apresenta uma mistura de elementos dos dois sistemas acima
descritos. A montagem do sistema brasileiro foi realizada sob um certo medo do conflito, com
excessiva preocupação com a manutenção da ordem social. Desde o final do século XIX, o
conflito aberto entre empregados e empregadores foi imediatamente encarado como algo
“muito perigoso”. De certa forma, o país precisava se industrializar rapidamente e em paz.
Disputas e conflitos entre empregados e empregadores eram vistas como incompatíveis com
as necessidades de industrialização e crescimento, pelas classes dominantes.
Criar um sistema de relações do trabalho capaz de minorizar os efeitos do conflito
entre capital e trabalho era uma crença que poderia ser feito por lei e pela ação de governo.
No Brasil, encontrar um modo de conviver com as desigualdades e com o sistema parecia ser
o grande desafio, pois, criar uma legislação que introduzisse algumas concessões, mas que,
sobretudo, fosse capaz de garantir a paz social para a efetivação do desenvolvimento
industrial. A estratégia era a de abafar o conflito e não a de administrá-lo.
Nessa perspectiva, segundo Pastore (1987, p. 42), o intuito de abortar o conflito
pela via da legislação social é bem anterior a Getulio Vargas e à CLT. Havia, de fato, um
56
esforço protecionista no primeiro quartel do século XX, o que não evitou as inúmeras greves e
manifestações violentas no Rio de janeiro e em São Paulo. Entretanto, já estava firmemente
consolidada a crença de se eliminar o conflito entre capital e trabalho por meio da força da lei.
Acreditava-se que, pela via da lei, empregados e empregadores poderiam conviver
civilizadamente em clima de harmonia. Entretanto, eliminar o conflito é interferir na própria
relação histórica entre capital e trabalho.
Esclarece Adalberto Moreira Cardoso (2002, p. 505) que, enquanto os modelos
negociais ou contratuais têm na contratação coletiva o espaço privilegiado de produção das
normas, nos modelos legislados, o Estado é o lugar por excelência (no executivo ou no
parlamento). Essa forma de direito do trabalho decorre de uma síntese das tradições jurídicas
germânica e romana, caracterizadas, respectivamente, por direitos estatutários e contratuais.
Neste último, obrigações e direitos das partes na relação de prestação de serviços contratados.
No outro, direitos individuais, o indivíduo como objeto do direito que, como tal, se
transforma em instrumento de proteção e cidadania. É interessante observar que, no Brasil,
embora haja a existência da lei, a busca da proteção legal parece ser um contorno histórico
esclarecedor para a formação da classe operária.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) se estrutura com a clara função de
ganhar a simpatia das massas trabalhadoras anônimas, em boa medida direcionada aos
trabalhadores urbanos. Para Jonh French (2001, p. 8), a CLT pode ser considerada a “mãe dos
ricos” e o “pai dos pobres”. Nesse momento, o destino do dissídio entre as classes passa
obrigatoriamente pela Justiça do Trabalho. Sustenta o autor que os trabalhadores estariam
“afogados em leis, mas famintos por justiça”. Desde 1943, o mundo dos trabalhadores e
profissionais liberais brasileiros, bem como daqueles que os empregam, tem sido governado
por um “código de trabalho altamente estruturado e, minuciosamente, regulado” que há
tempos tem sido caracterizado como “a mais avançada legislação social do mundo”. Portanto,
57
esse “sistema CLT”, disposições legais criadas para proteger os direitos do trabalho, têm um
impacto considerável na formação política e cultural da classe trabalhadora brasileira.
Segundo Verneck Vianna (1999, p. 299), a CLT pretendeu ser a sistematização da
legislação produzida desde o início da nova ordem implantada em 1930. Essa concepção da
ordem legal para a disciplina do mercado de trabalho se assentava, pois, na integração das
classes subalternas nas instituições reelaboradas pela CLT, que não dispensava a força
coercitiva do Estado para consumar esse intento.
A CLT é um verdadeiro corpo caleidoscópico de leis, argumenta Jonh French
(2001, p. 13) que fornece orientação em quase todos os aspectos importantes do mundo do
trabalho. Tem funcionado como código de trabalho nacional e, assim, vem contribuindo para
a estabilidade legal e institucional que tem caracterizado os sistemas de relações industriais de
trabalho brasileiros desde então. A CLT estabelece, por exemplo, as regras para a criação das
organizações de classe de empregadores, empregados, profissionais liberais e autônomos.
Além disso, define as prerrogativas, as jurisdições e os procedimentos internos do Ministério
do Trabalho e da Justiça do Trabalho, que estão no centro de toda a estrutura trabalhista.
Outra função da CLT é estabelecer padrões referentes aos termos de contratação e às
condições de trabalho, assim como definir procedimentos para a resolução de disputas
individuais e coletivas. Mas sua abrangência não pára por aqui, pois também influi
estabelecimento de horas de trabalho, salários e remunerações (incluindo salário mínimo,
horas-extras e pagamentos extraordinários); disciplina, admissões, demissões, pedidos de
demissão; carteira de trabalho e pensões; trabalho feminino, de menores e de estrangeiros;
saúde e segurança no trabalho; garantia de estabilidade no trabalho e assim por diante. A CLT
também possui seções dedicadas às particularidades de 14 subcategorias especializadas de
trabalhadores, abrangendo desde ferroviários, estivadores e doqueiros até músicos
profissionais, jornalistas e químicos. Ademais, além de estabelecer os procedimentos para as
58
inspeções fabris, a CLT também estabelece dois mecanismos básicos para a resolução de
disputas. No caso de dissídios individuais, os tribunais de trabalho ouvem os apelos de
indivíduos ou pequenos grupos de trabalhadores contra as violações da lei ou, mais
freqüentemente ainda, as queixas individuais contra o que é considerado tratamento injusto de
acordo com a lei. Os dissídios coletivos, ao contrário, cobrem as negociações sobre salários
legalmente estabelecidos, que ocorrem entre empregadores e empregados anualmente, seja em
nível municipal, regional, estadual ou nacional. Esse procedimento para negociação coletiva
opera dentro de uma estrutura mais ampla, baseada, em última instância, na arbitragem
compulsória de tais disputas pelos tribunais trabalhistas.
Como sugere Adalberto Moreira Cardoso (2002), recentemente, os empresários
estariam abdicando da orientação legal, da aceitação da lei, para exigir sua flexibilização, mas
em jogo está a maximização de seus lucros, uma vez que a aceitação da norma jurídica parece
não compensar atualmente. Entretanto, essa posição, de modo diferente, também existia no
início da implantação do sistema CLT, uma vez que não foi bem acolhido entre os
empregadores. Por isso mesmo, a extensiva e avançada legislação trabalhista do Brasil foi
completamente ignorada nas fábricas por um bom período, pois a lei não resolvia problema
algum. Por muito tempo, para os trabalhadores, a Junta de Conciliação e Julgamento local
podia não ser confiável.
Queremos ressaltar que, embora as coisas existam no papel, mas não na realidade,
os trabalhadores, a reboque dos sindicatos e movimentos oficiais, lêem essa nova situação à
sua maneira. Sem dúvida, a inspiração que formula as leis trabalhistas são influências diretas
da situação social e econômica do país. Por isso mesmo, no embate da sua existência, esta
influenciaria decisivamente não apenas o modo como as pessoas percebem a lei (sua
“consciência legal”), mas também como moldam suas ações e seu discurso em resposta a ela,
na defesa da legalidade, dos direitos. Cabe ressaltar que a CLT, em sua gênese, ancorada pelo
59
corporativismo estatal, opunha-se à organização autônoma da classe, mas não era “em
essência”, ou necessariamente, antioperária. Ademais, contribuiu para a criação de um espaço
que poderia ser e foi usado para a auto-organização e a mobilização dos trabalhadores.
Aos poucos, com o fim do Estado Novo, os trabalhadores começam a usar a nova
“legalidade” nas relações de trabalho. Passa a ser uma nova estratégia operária, possível pela
existência de um aparelho estatal para fazer cumprir a lei. É uma nova arma em suas lutas.
Por isso, cabe ressaltar que o desenvolvimento da relação entre trabalhadores e a CLT é uma
relação complicada, conflituosa, mas aos poucos, a Lei passa a vigorar como um paradigma
possível de justiça: vamos nos impor! Vamos à justiça!
Dessa forma, acreditamos que para entender melhor a classe trabalhadora
brasileira em formação em meados do século XX, precisaremos investigar mais
profundamente esse aspecto bastante evasivo do fenômeno da legislação trabalhista e sua
dimensão subjetiva. Em outras palavras, qual foi o impacto da lei trabalhista na consciência,
individual e coletiva, e no comportamento tanto de trabalhadores de base como de lideranças
sindicais e embora nossa pesquisa talvez careça de mais aprofundamentos nessa perspectiva,
acreditamos sugerir uma apresentação nesse caminho.
A partir de 1985, com os movimentos sociais e com a Constituição de 1988, nas
palavras de Jonh French (2001, p. 39), a lei é como uma filha a deixar o lar, ou seja, o pai não
tem mais controle sobre o seu destino e ela pode se transformar numa “santa” ou numa
“mundana”. Entretanto, acreditamos que esse ambiente prévio à década de 1990 constituiu
sustentação para fenômenos como a explosão de demandas nos processos trabalhistas,
dimensionando um debate acerca da judicialização da questão social. Se, no início, esse
aparato institucional trabalhista era útil somente para controlar a classe trabalhadora, aos
poucos esta se abre como possibilidade de ampliar direitos efetivos por parte dos
trabalhadores. Nessa perspectiva, ao contrário de Munakata (1984, p. 105), o qual argumenta
60
que a CLT é o signo da derrota dos trabalhadores, que teria uma função de expropriar do
trabalhador a capacidade de decisão e controle sobre sua vida, cremos que se estabelece uma
relação peculiar do trabalhador com o arcabouço legal, propiciando uma relação que utilizará,
a seu modo, a legislação a seu favor.
3.2 A judicialização da questão social
A partir de 1988, o fortalecimento e sofisticação da legislação trabalhista já estava
posto e ainda que timidamente, algumas tendências modernas do direito do trabalho foram
inseridos. Por exemplo, a organização dos trabalhadores dentro da própria empresa, indicando
a concepção de que a empresa deixa de ser um quartel onde o empregado despe a sua roupa
de cidadão trabalhador na porta, com o oficial do dia e veste sua farda, dali por diante.
Segundo Bosísio (1992, p. 52), esta e outras características, como a idéia de participação nos
lucros da empresa e até na organização autônoma dos trabalhadores dentro da própria
empresa, é um conceito moderno, irrecusável, do direito do trabalho.
Outra tendência é a flexibilização do direito do trabalho, opondo-se à intervenção
ampla do Estado. Essa procura atender as conveniências individuais dos empregados e as
circunstâncias específicas das empresas e, finalmente, a Constituição dá grande importância
aos sindicatos no campo da autonomia da sua organização e, sobretudo, no campo da ação
sindical, seja assegurando o direito de greve com amplitude bastante significativa (e
realmente existe hoje uma lei de greve que, longe de ser ideal, torna viável a greve legalmente
declarada), seja legitimando os sindicatos para as chamadas ações coletivas. A Constituição
assinala que o sindicato pode representar todos os membros da categoria em ações
individuais, sem que as pessoas se exponham individualmente ao reclamar contra seus
empregadores.
61
Esse ambiente, seguramente, propiciou o que Adalberto Moreira Cardoso (2002, p.
493) classifica como judicialização da questão social, em boa medida alavancado pela
explosão de processos trabalhistas14 nas Varas do Trabalho de todo país. Para se ter uma
noção, enquanto nas décadas de 1970 e 1980 a média de acréscimo no número de processos
era pouco superior a 35 mil por ano, na última década do século 20 esse valor saltou para mais
de 110 mil processos por ano. Em 1998 as 1.109 Varas do Trabalho existentes no país
acolheram perto de dois milhões de processos trabalhistas, 98% dos quais relativos a conflitos
individuais.
No gráfico abaixo, demonstramos o crescimento paulatino dos processos
trabalhistas em Franca, chamando atenção que esses registros dizem respeito ao universo
produtivo calçadista, ou seja, indústrias de calçados, curtumes e componentes para calçados.
Total geral de processos trabalhistas 1968-1988
1000
995
900
800
775
700
645
600
500
655
606
452
655
623
452
Total geral de
processos
395 369
400
368
333
298
300
200
681
599
256
227
204
164
146
100
0
1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988
GRÁFICO 4 – Total geral de processos trabalhistas 1968-1988
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Franca
14
Pochmann (1998), demonstraram que dentre as características do sindicalismo nos anos 90 está o aumento dos
processos - individuais e coletivos - ajuizados na Justiça do Trabalho , a despeito de todo o movimento
contrário a isso nos anos 1980. Para estes autores, tal aumento se deve ao desemprego crescente bem como às
dificuldades colocadas pelos patrões à negociação.
62
A pesquisa empírica que fizemos no AHMF, com os processos trabalhistas,
demonstra uma perspectiva de aumento gradual das demandas de processos trabalhistas antes
da década de 1990, o que sugere que esse fenômeno da judicialização venha se fortalecendo
desde então. No entanto, ao longo dos anos 1990 se observa que os sindicatos perdem posição
de representação e os trabalhadores, aos poucos, passam intensificar solicitações à Justiça
como respostas às novas demandas da reestruturação produtiva no país, privilegiando mais
esse espaço de suas lutas, além dos sindicatos.
Vale sublinhar que esse fenômeno da judicialização da questão social é mundial no
âmbito do trabalho, uma vez que esse passa por profundas transformações que se
compreendem dentro do processo de reestruturação produtiva. Dessa feita, por mais que
nossas pesquisas sejam focadas em realidades bastante pontuais, inserimos as conclusões
dentro de um contexto mais estrutural. Cabe avaliar que o crescente aumento numérico de
processos trabalhistas, ou seja, conflitos entre capital e trabalho dirimido no âmbito da Justiça
do Trabalho, redimensiona a relação com o Estado e, por outro lado, isso acontece em um
mesmo momento em que as tendências estruturais são de declínio do emprego formal. Nessa
perspectiva, segundo Stein, Mendes e Campos (2003), as mudanças materiais no sistema
produtivo, impulsionam novas relações jurídicas que, por sua vez, propiciam uma nova
materialidade.
Quanto ao processo de judicialização, como um fenômeno social, esse é recente
nas sociedades modernas e introduz nova caracterização para os conflitos sociais. Esses
processos indicariam efeitos da expansão do Poder Judiciário no processo decisório das
democracias contemporâneas. Estes não expressam mais a luta pela institucionalização de
direitos. Expressam de novo uma interpretação desses direitos já institucionalizados perante
as cortes judiciais nacionais, ou mesmo internacionais. Segundo Agripa Faria Alexandre
(2000), parte dessa conceituação se deve a Habermas que denomina de juridificação da
63
política ou positivação do direito natural15, como sendo uma espécie de adensamento do
direito nas esferas da vida social (fato típico do Estado de Bem-Estar Social), tem lugar então
a judicialização da política como resultado da interpretação das cortes judiciais sobre as
políticas legislativas ou executivas do Estado. As tarefas de resposta do Estado face aos
embates jurídicos crescentes sobre direitos também ganham um aumento de reflexividade,
uma vez que os métodos judiciais padrões de resolução dos conflitos introjetados nas esferas
da vida social despertam o interesse de grupos ávidos por garantir conquistas e demanda
novos interesses políticos, tornando assim o ‘mundo da vida’ não somente juridificado ou
positivado, mas também tensamente judicializado16.
Em suma, para nos restringirmos apenas ao contexto político brasileiro,
recentemente instaura-se uma luta por direitos diferente das demandas daqueles movimentos
sociais da década de 1980 que era mais interessada em garantir a formalização jurídicoinstitucional de direitos sociais. A juridificação da vida social força a judicialização da
política. Os magistrados são obrigados a assumir a administração da tensão dos conflitos
sociais inerentes à sociedade capitalista. Essa nova face da política também tem a ver com o
andamento da Promotoria Pública.
Esse termo e conceito tem sido implementado por Werneck Vianna (1999)17 para
descrever as transformações constitucionais pós-88, que permitiram o maior protagonismo
15
Ver HABERMAS, J. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,
1997. Vol., I, p. 48.
16
Entretanto para alguns juristas, como o caso de André Luís Alves de Melo (2005), Promotor de Justiça, em seu
artigo A judicialização do Estado brasileiro: um caminho antidemocrático. Disponível no site<www.direito
moderno.cjb.net>, argumenta que esse conceito, acerca da judicialização é bastante polêmico, pois existem
aspectos positivos e outros nem tanto. Segundo Melo, a judicialização do país traz um enorme prejuízo à
sociedade e enriquecimento da classe jurídica em face de conflitos infindáveis que poderiam ser resolvidos de
outra forma, mas o monopólio do mercado de trabalho de juristas proporciona o empobrecimento da
sociedade. Para ele, “o Fórum não produz riqueza, indústria e empregos, sim. Um país não pode passar mais
tempo gerindo conflitos do que produzindo trabalho rentável”.
17
VIANNA, Luís Werneck. et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro:
Revan, 1999, p. 354-355. Esse trabalho consiste em abordar o perfil dos magistrados e o papel das instituições
do sistema judicial pós-1988. Nesse momento, Werneck Vianna e Marcelo Burgos, já indicavam uma adesão
ao universo analítico habermasiano, o qual as formas de vida do homem comum seriam, potencialmente,
criadoras de uma eticidade não contraposta ao Estado, mas seu pressuposto e extensão necessária para o não
insulamento do direito na formalização burocrática e no ritualismo processual. Nesse sentido, as
64
dos tribunais em virtude da ampliação dos instrumentos de proteção judicial, e que teriam
sido descobertas por minorias parlamentares, governos estaduais, associações civis e
profissionais. De um modo geral, tem-se notado que a expressão é utilizada em sentido
normativo, tanto em relação ao papel atual dos agentes do sistema judicial, assim como em
relação a propostas sobre a extensão adequada do seu papel na democracia brasileira. Ou seja,
os juristas usam o termo judicialização para se referirem à obrigação legal de que um
determinado tema seja apreciado judicialmente. Mas também, a expressão recebe um sentido
de processo social e político, quando é usada para se referir à expansão do âmbito qualitativo
de atuação do sistema judicial. De toda forma, constata-se que o fenômeno da judicialização
das relações sociais está, efetivamente, ocorrendo e o direito tem realmente influído na vida
social das pessoas, também a judicialização da política e a politização da Justiça são
fenômenos universais e o Brasil não escaparia disso.
Nesse sentido, não só em relação à justiça trabalhista, mas nota-se uma grande
procura ao recurso judiciário para resolver os conflitos cotidianos dos mais variados tipos. Há
uma grande procura judiciária, em distintos níveis, privilegiando um desempenho judicial que
passou a ter uma relevância social novo.
Mesmo assim, de acordo com Sorj (2000, p. 104), no caso brasileiro, a realidade
da década de 1990, em termos sociológicos, ainda aponta para uma triste carência de acesso
dos setores menos privilegiados à Justiça, o que nos faz perguntar também se a judicialização
da política não estaria apenas a favorecer os setores historicamente mais privilegiados da
sociedade brasileira (partidos políticos e movimentos sociais mais amplos). De toda forma, o
autor acima citado reitera a existência de uma crescente judicialização da vida social, ou seja,
transformações contemporâneas do direito teriam tornado aberto às aspirações e necessidades coletivas sem,
contudo, atrela-lo ao conjunto de imperativos morais substantivos de uma comunidade ética fechada. A
institucionalização do direito no mundo contemporâneo teria incorporado princípios da filosofia política da
modernidade, transformando-os em formas de ação à disposição do homem comum para participar da criação
do direito estatal tanto através da democracia representativa como pela via judicial.
65
a transferência dos macroconflitos sociais para o Judiciário. Esse é um dado que apresenta
Jorj:
[...] focalizando unilateralmente no funcionamento do Judiciário, pode-se
perder a perspectiva sociológica mais ampla sobre os mecanismos de
integração social que sustentam a vida societária e funcionam através da
absorção de normas e valores na conduta cotidiana. Nesse sentido, a
sociedade brasileira apresenta um grau relativamente alto de consenso e
interiorização de valores e normas, o que faz com que as práticas de
sociabilidade e expectativas no intercâmbio diário sejam bastante
previsíveis. O desafio fundamental está no patrimonialismo, que produz
relações perversas entre os interesses privados e a esfera que deveria ser
ocupada pelo espaço público, incentivando condutas oportunistas e o
descumprimento da lei pelos diversos atores sociais. (2000, p. 119).
Queremos ressaltar que existe uma dinâmica social nas últimas duas décadas de
recepção e defesa de um sentimento democrático, de permanente luta de organismos da
sociedade civil e de setores do governo contra a violação dos direitos fundamentais, os quais
jamais foram plenamente garantidos nas sociedades modernas. Acreditamos que o trabalho de
pesquisa que apresentamos expressa um pouco essa dinâmica social. Por isso mesmo,
queremos sugerir que os processos de judicialização no Brasil exprimem também uma tensão
positiva, com ampla repercussão, não se limitando, como entende Sorj (2000) aos setores
privilegiados da sociedade brasileira. Dessa forma, o entendimento sobre a justiça no Brasil
passa também a associar-se a uma questão de política e de interpretação de direitos daqueles
setores subalternos.
Cremos que a judicialização da vida social, propicia um processo de
reconhecimento de valores morais particulares decorrentes dessa institucionalização de
direitos. Em outras palavras, as normas jurídicas vêm reconhecendo e criando valores
culturais18.
18
Por exemplo, os direitos de povos indígenas, de etnias, de comunidades caiçaras, quilombolas, etc.,
assegurados na Constituição de 1988. Mas também as representações valorativas conferidas pelas cortes de
justiça e pelo Ministério Público na defesa de interesses sociais amplos ou de minorias (religiosas, grupos
sociais marginalizados, ecologistas, homossexuais, deficientes físicos, velhos, jovens, etc.)
66
Semelhante à tendência reflexiva de Sorj (2000), no estudo de exposto por Rogério
Bastos Arantes (1997), a idéia de judicialização da política referir-se-ia ao ativismo
voluntarista do Ministério Público, daí as suas implicações negativas seja para a integridade
das funções políticas das instituições representativas, ou ainda, para a própria manutenção da
independência funcional da instituição. Sua postura bastante crítica em relação à ampliação
dos poderes do sistema judicial proporcionada pela Constituição Federal de 1988 e critica de
forma negativa os poderes de controle dos governantes do Ministério Público ampliados pela
Constituição, assim como o uso que os promotores fazem da sua legitimidade ativa para
propor ações civis públicas, sugerindo o substitucionismo da sociedade civil por parte da
instituição, além de problemas de legitimidade da ampliação das fronteiras do sistema judicial
sobre as instituições representativas.
O livro de Arantes (1997) concentra-se na reconstrução institucional do Ministério
Público a partir da transição democrática e sustenta-se em duas vertentes de análise: uma
institucional que aborda as mudanças legislativas e constitucionais das atribuições do
Ministério Público e a outra que investiga o universo ideológico de promotores e
procuradores de justiça. Sua análise chega a enquadrar essas mudanças e a ampliação dos
poderes do Ministério Público ao “quarto poder da República”, tornando, de certa forma, a
sociedade civil incapaz de defender seus interesses. Nesse sentido, ao MP caberia o papel de
promotor da conscientização e de responsabilidade da sociedade brasileira com vistas ao
alargamento do acesso à Justiça das demandas sociais, ao mesmo tempo, reforçando, em
perspectiva histórica, a visão tutelar da sociedade brasileira, prova disso seria o elevado
número de ações iniciadas pelo MP, em comparação com as associações civis. Esse “agente
político da lei” seria a contrapartida da judicialização da política no Brasil.
Por outro lado, Luiz Werneck Vianna (2002), em uma obra coletiva, reforça uma
idéia, ao tratar os fenômenos em termos de procedimentalização do direito e da ampliação dos
67
instrumentos judiciais como mais uma arena pública, de propiciar a formação de uma opinião
e acesso do cidadão à agenda das instituições políticas. Em outras palavras, propõe dois eixos
de análise, a relação “horizontal” entre os poderes do Estado e destes com a sociedade civil.
Esse trabalho oferece perspectiva ampliada de análise das interseções entre política e justiça.
Na
perspectiva
proposta
pelo
amplo
estudo
de
Vianna
(2002),
o
constitucionalismo democrático priorizou a ampliação do âmbito de proteção dos direitos e a
redefinição das relações entre os poderes do Estado e Judiciário toma dimensão de um novo
espaço público. Nessa perspectiva, a judicialização da política seria o “processo por meio do
qual uma comunidade de intérpretes, pela via de um amplo processo hermenêutico, procura
dar densidade e corporificação aos princípios abstratamente configurados na Constituição”.
(VIANNA, 2002, p. 39).
O trabalho de reflexão organizada por Vianna coloca em questão a tese do
substitucionismo da sociedade civil operado pelo MP, defendida por Arantes. Segundo
Vianna (2002), a ação da MP faz como parte da constituição de um complexo sistema de
complementaridade e interdependência entre os poderes do Estado, a mídia, a cidadania
organizada e os indivíduos. Mais do que transferência, prevalece o compartimento de
responsabilidades entre os diferentes atores envolvidos. Dessa forma, o MP não substituiria o
Judiciário, mas funcionaria muitas vezes como uma instância que agrega esforços, visando
construir uma base institucional para o cumprimento do direito. A figura do MP atuaria mais
como um agente de mediação entre agentes sociais e poderes políticos do que um agente de
judicialização, que provoca a intervenção de um poder externo e, supostamente despolitizado,
a fim de solucionar de forma tutelar os conflitos. Afinal o MP é um mediador
institucionalizado que dispõe de legitimidade jurídica e recursos organizacionais para a
proposição de ações judiciais.
68
Na perspectiva do mundo do trabalho, Adalberto Moreira Cardoso (2002, p. 520)
argumenta que a crescente demanda de processos individuais no Brasil decorre da paulatina
deslegitimação do direito do trabalho entre os empregadores que estão se evadindo de sua
obediência. Os controles e limites impostos por trabalhadores ou estado, e os incentivos
seletivos de um e de ouro parecem ter perdido eficácia na obrigação dos capitalistas à
conformidade com a norma. Nesse sentido, esse aumento expressa tanto a deslegitimação do
direito do trabalho pelos capitalistas quanto a tentativa dos trabalhadores de fazerem valer as
regras a ordem. Segundo o autor, é a ordem legal como um todo que está em crise, e o seu
sintoma mais conspícuo é o crescimento das demandas judiciais. A judicialização é a resposta
dos trabalhadores a essa crise. Ocorre recentemente uma dinâmica de deslegitimação da
norma trabalhista, nesse sentido, os capitalistas sentem-se crescentemente, desobrigados,
flexibilizando a frio o mercado de trabalho ao cobri-lo com o manto negro da ilegalidade.
Como o modelo é legislado, o resultado esperado não é outro senão o recurso à justiça, que
leva naturalmente à judicialização das relações de trabalho.
Parece fora e dúvida que cada pico de crescimento ou queda coincide com
momentos salientes das relações de classe ou da conjuntura política mais geral. Há razões
para acreditar que o processo de judicialização das relações de trabalho está contaminado por
aspectos da conjuntura política bem além do que seria de se esperar se o fenômeno fosse
estritamente jurídico, afinal o judiciário trabalhista acompanhou pari passu o crescimento das
demandas e os saltos na abertura de novas Varas do Trabalho que coincidem com o ritmo de
processos que elas passam a acolher. Isso é muito evidente desde 1987 em diante, quando à
explosão do número de demandas se fazem acompanhar explosões intermitentes de criação de
Juntas de Conciliação e Julgamento.
69
Portanto, o recurso à Justiça nesse processo histórico que se inicia antes de 1988
representa a incorporação paulatina dos direitos trabalhistas no universo das relações sociais e
de trabalho dos trabalhadores.
70
4 FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA E O PÓLO CALÇADISTA
O texto a seguir reúne o esforço de inserir aspectos da cidade de Franca e sua
história, assim como aborda a trajetória do desenvolvimento do processo de confecção do
sapato e a industrialização na cidade. Também destacamos em vários pontos a situação da
classe operária nesse contexto. Realizamos um diálogo com alguns estudos e pesquisas, que
elegemos como as mais relevantes, acerca da cidade e do tema que estudamos. Estabelecer
uma trajetória de reflexão acerca da classe operária em Franca, considerando os processos
trabalhistas, pode ser oportunidade de perceber distinções dos quadros mais clássicos da
literatura acadêmica, indicando novas perspectivas sobre o assunto.
Entretanto não temos o interesse de aprofundar no campo de investigação sobre
a formação histórica da cidade de Franca vinculada ao setor coureiro calçadista. O objetivo é
centrar atenção na classe trabalhadora, em especial os operários do calçado. Contudo, não se
trata de uma abordagem fragmentada e localizada de estudo, no espaço e no tempo, muito
pelo contrário, queremos refletir sobre a inserção dessa dinâmica local influenciada pelo
processo de industrialização capitalista.
A cidade de Franca19, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
em 2000, está entre as regiões consideradas de alto desenvolvimento humano, pois seu índice
19
É sede da 14ª Região Administrativa do estado, localiza-se na região Nordeste do estado de São Paulo. A sede
do município se encontra a 400 Km da Capital do Estado de São Paulo 92 Km da cidade de Ribeirão Preto.
Segundo dados do IBGE, em 1991 o município possuía 233.098 habitantes, em 2000 o censo demográfico
registrou 287.737 habitantes, ou seja, houve um crescimento populacional de 23,44%, sendo que 5.534
pessoas vivem na zona rural. Seu comércio é de natureza variada com 2.461 estabelecimentos e 2.150
indústrias, classificadas entre micro, pequena, média e grande. A indústria calçadista é sua maior fonte de
renda, empregando (em números oficiais) 36.777 pessoas e mais 15.935 em outros tipos de serviços formais,
segundo dados do SEADE no início de 2003. A cidade aponta para uma renda per capta anual de
US$5.000,00. Constitui também, o maior pólo fabricante de calçados masculinos do país, com produção anual
em torno de 30 milhões de pares (6% da produção nacional), e valores de exportação que chegaram a US$
97,5 milhões em 2002. Pode-se destacar que 11% da mão-de-obra empregada hoje nesse seguimento fabril
trabalha nas fábricas de Franca. (BARBOSA, p. 9, 2004 apud, ABICALÇADOS, 2002). No período de 1950 a
1990, houve um crescimento demográfico de cerca de 334,75% decorrente da intensificação do fluxo
migratório para a cidade e a aceleração do seu ritmo de urbanização.
71
é de 0,820. De 1991 a 2000, Franca cresceu 4,73%. A educação foi o item que mais se
desenvolveu, de 0,827 para 0,906. Quanto a longevidade que agrega condições de saúde, o
índice alcançou o valor de 0,8, porém cresceu muito pouco nos últimos dez anos (1,02%). O
indicador de renda foi o que mais sofreu com as mudanças na área do trabalho nessa referida
década. De 1991 a 2000, houve um pequeno aumento de 10,7%. (PNUD, 2005). Nesse
período, Franca passava por grande instabilidade econômica devido aos incentivos fiscais às
empresas para se estabelecerem no nordeste do país. Além disso, no setor inicia-se um
movimento de reestruturação produtiva, fundamentada em boa medida na redução dos
quadros de empregados.
A história de Franca sempre foi tema relevante em muitos estudos, dentre eles,
estão autores como Alfredo Henrique Costa (1966), Alfredo Palermo (1980) e José Chiachiri
Filho (1974). Eles abordam em seus estudos, de maneira geral, a tendência do município e
região à atividade criatória e sua condição de entreposto de sal, presente desde as origens de
sua ocupação nas décadas do final do século XVIII. Essa característica teria sido decisiva para
a importância que a produção de artigos de couro, em especial a produção de calçados. Parece
não haver dúvida da abundância de gado existente na região propiciava farta matéria-prima às
fábricas de curtume e aos ofícios de seleiro e sapateiro. A partir do primeiro quartel do século
XIX, já se havia formado em Franca um artesanato numeroso, dedicado à produção
curtumeira e à fabricação de sapatões e chinelos. Assim como os autores e estudiosos acima
citados, Maria Ignez F. Vilhena (1968) também sustenta que a indústria de elaboração do
couro deveu-se graças à existência de matéria-prima local, do setor pecuário.
Ademais Mauro Ferreira (1989) e, sobretudo, Pedro Tosi (1998), argumentam que
a localização de Franca na Estrada de Goiás seria o fator determinante para o
desenvolvimento da produção de artigos de couro no município e não apenas a existência da
20
Este índice tem variação de 0 (zero) a 1(um), quanto mais o índice se aproxima de 1, maior é a qualidade de
vida de determinado país ou município.
72
pecuária. Mesmo assim, por si não explicaria o florescimento do artesanato coreurocalçadista, embora seja um dos motivos que fazem com que a atividade surja como expressão
econômica. Noutro sentido, sendo zona de criação e, por conseguinte, de fácil obtenção de
matéria-prima, tropeiros e viajantes que aqui faziam pouso, aproveitavam para consertar os
arreios, ao mesmo tempo que iniciam em princípios do século XIX, a fabricação, embora de
maneira rústica, de pequenas peças de couro cru.
Fica claro, na abordagem dos autores, que o mercado oriundo a essa atividade, no
bojo de uma ampla rede social peculiar do período, é bastante primário, em um sentido mais
estrito. A função econômica de Franca é muito recente, seu comércio do século XIX não
conseguia enriquecê-la ou torná-la um mercado de capitais. Era um comércio baseado na
troca.
Em 1887, com a chegada da ferrovia, Franca se confirma novamente como
importante pólo de convergência comercial entre o Estado de São Paulo e Goiás, Mato Grosso
e Minas Gerais. Em 1885, é criado o primeiro curtume em Franca, pelo padre Alonso Ferreira
de Carvalho. Um dado curioso, que ilustra o nível da carência de capitais que afetava a
indústria coureiro-calçadista, sendo necessário, na ausência de instituições bancárias e em
razão da falta de credibilidade (no sentido monetário do termo), que um religioso se
imiscuísse na atividade de fornecimento de crédito. Conhecido como padre-agiota, ele foi
importante protagonista dessa história da indústria francana. Embora com técnicas
rudimentares de curtição e preparo do couro, esta indústria é a principal atividade até, pelo
menos, a II Guerra mundial.
A expansão da cafeicultura aliada ao afluxo imigratório estimulado pela ampliação
da lavoura de exportação – que adensou o contingente populacional na região – e a condição
de entreposto comercial novamente adquirida por Franca, condição que se manteve até 1905,
quando é inaugurada a estação de Uberaba da Companhia de Estrada de Ferro Mogiana,
73
possibilitaram o desenvolvimento da produção de valores de troca no município, o que incluía
a existência de um curtume. Foi essa conjugação de fatores, e não apenas a localização
geográfica estratégica, que explica a não extinção e a posterior difusão da atividade coureirocalçadista em Franca. Em outras palavras, a atividade coureiro-calçadista só se expande, no
município, à medida que se retrai a produção de valores de uso, de produtos para o uso
próprio, em favor da generalização de produtos que assumem a forma de mercadoria.
4.1 Do artesanato à manufatura do calçado
Em 1910, Franca já contava com três curtumes, entretanto nesse período eram
poucas as fábricas de calçados e selaria. Predominava oficinas artesanais, frequentemente
conjugadas às moradias. O trabalho era todo manual, com o uso do ‘prego e a banqueta’.
Além das selas, arreios e outros objetos de montaria, produziam-se chinelos, calçados
grosseiros utilizados principalmente por trabalhadores rurais (chamados sapatões), botas e
outros tipos de calçados por encomenda. Segundo Vilhena (1968, p. 65-66), a incipiente
indústria coureira (que no nosso entendimento não pode ser concebida como indústria)
começava a se consolidar, produzindo mais intensamente esses produtos.
Por volta de 1909, tem início um processo de ampliação da produção de chinelos e
calçados rústicos em Franca, em boa medida, determinado pelo empreendimento de Carlos
Pacheco de Macedo e Cia. Esse possuía casa de arreios e couros, uma oficina de selaria e
ferraria, artigos para sapatarias, dispondo de pessoal habilitado para qualquer encomenda.
Segundo a referência encontrada no Almanack de Franca (FRANCO, 1912, p. 102), por volta
de 1910 essa única empresa respondia por 75% do total de artigos, produzidos por
aproximadamente 18 sapatarias existentes nesse período em Franca.
74
Um elemento importante e revelador apontado no recente trabalho de Navarro
(1998, p. 34)21 sobre a produção de calçados em Franca, é que nesse período de 1910, uma
novidade no âmbito produtivo foi implantada na empresa de Carlos Pacheco de Macedo e
Cia: o pagamento por peças ou por pares produzidos. Observa-se que, desde o princípio, o
trabalho familiar, sem remuneração individual dos membros da família, foi o mais freqüente
nas pequenas oficinas, unidades situadas nas residências dos proprietários dos negócios, com
emprego reduzido de assalariados. O que vale ressaltar, de acordo com Malatian (1996, p.
193-206) é que, nesse período, era em torno do ofício que se construía a identidade do
sapateiro, ainda não definido como operário (em termos modernos), no qual o processo
produtivo baseava-se na habilidade do artesão em trabalhar o couro utilizando instrumentos
como faca, martelo, torquês, alicate e lamparina à álcool.
As Guerras Mundiais foram fonte de estímulo para produção de calçados em
Franca, acompanhadas de uma expansão do mercado interno. Nesse contexto, além desses
aspectos, o desenvolvimento da produção de couros e insumos, assim como o acesso às
máquinas através da importação e, mesmo de arrendamento destas22, foram cruciais para esse
estímulo.
Em 1917, Carlos Pacheco de Macedo adquire e remodela o Curtume Progresso,
inaugurando uma nova etapa na produção de calçados, mecanizando seu estabelecimento,
importando o maquinário capaz de efetuar quase todas as operações necessárias à produção23.
A calçados Jaguar (mesmo proprietário), primeira fábrica mecanizada a se estabelecer em
Franca, foi fundada em 1921. É a primeira indústria a operar em grande escala na cidade,
21
Ver também FERREIRA, Mauro. O espaço edificado e a indústria de calçados em Franca. 1989.
Dissertação de Mestrado (Pós-graduação em Engenharia). Departamento de Arquitetura da escola de
Engenharia de São Carlos – USP, 1989, p. 70.
22
“A United Shoe Machinery Corporation (USMC), empresa americana destinada à indústria de calçados, foi
autorizada a estabelecer-se no país em 1918, através da prática de arrendamento de máquinas para produção de
calçados”. Wilson Suzigan considera que a USMC, desempenhou papel decisivo no desenvolvimento da
indústria brasileira de calçados, ao fornecer maquinaria moderna para a fabricação de calçados sob a forma de
arrendamento, induzindo uma mudança drástica no processo de produção. (NAVARRO, 1998, p. 37).
23
Quanto aos curtumes, Barbosa (2004, p. 37, nota 34) salienta que era uma atividade que exigia investimentos
bem maiores que a indústria do calçado.
75
permitindo uma maior apropriação da força de trabalho, prolongando a jornada e
intensificando o ritmo de trabalho. Muitos autores e pesquisadores atribuem a esse momento
de mudanças radicais no processo produtivo em Franca, salientado que, já nesse momento, o
“ritmo da produção passa a ser ditado pela máquina”. No entanto, ao contrário, devemos
assinalar que essa experiência da Calçados Jaguar não logrou muito êxito, embora haja
indícios de que, naquele momento, Franca já estivesse preparada no que diz respeito a
existência de mão-de-obra para o setor. Essa experiência da Jaguar em Franca, não extinguiu
a produção realizada em moldes artesanais, mas coexistiu com ela. Dessa forma, o sonho da
Calçados Jaguar e do Curtume Progresso durou pouco, apenas meia década.
É preciso considerar que, somente ao longo dos anos 1940, quando por volta de
1945 a produção local atinge a marca de 1 milhão de pares fabricados anualmente, as
principais empresas locais, por meio de um gradativo avanço do processo de mecanização e
modernização dos processos produtivos, haviam superado o estágio artesanal. Ou seja, é no
início dos anos 1940 que as principais fábricas locais atingem o nível de empresas de médio
porte. Na década anterior, ilustra Barbosa (2004, p. 58) que a maior fábrica de Franca, a
“Honório e Cia” (calçados peixe), possuía capital de 80 contos e 16 funcionários. A segunda
maior, a “calçados Maniglia”, contava com capital de 70 contos e 31 operários; a “Palermo” e
a “Spessoto”, importantes na fase de consolidação, contavam, respectivamente, com 40 e 17
de capital, e 6 e 15 operários cada uma. A calçados “Mello”, a terceira maior em meados dos
anos 1940, o número de operários não chegava a duas dezenas e o capital perfazia apenas 20
contos. No que diz respeito a “calçados Edite” (futura Samello), sabemos que seu capital de
25 contos, quando foi fundada em 1935; com efeito, o memorial da empresa relata que a essa
época seu proprietário, Miguel Sábio de Mello, “compra as primeiras máquinas nas quais
aprende trabalhar rapidamente e que são em maior parte operadas por ele mesmo”
(SAMELLO, 200, s/p). Como se observa, a separação entre trabalhador e os meios de
76
produção, característica fundamental da separação da fase artesanal, não era uma realidade
nos primeiros anos desta que é hoje uma das maiores e mais importantes empresas do setor
calçadista brasileiro.
A julgar pela incipiente mecanização apresentada por estas empresas, a década de
1930 marcou o momento de sua transição da fase artesanal para a fase manufatureira. A
combinação do trabalho manual intensivo e a utilização de algum maquinário para as tarefas
mais pesadas, características que parecem ser comum às empresas acima mencionadas, se
identificam com a observação de Karl Marx:
O período manufatureiro estabelece conscientemente como princípio a
diminuição do tempo de trabalho necessário para a produção de
mercadorias, e de maneira esporádica chega a utilizar máquinas, sobretudo
para certos preliminares simples que têm de ser executados em larga escala
e com grande emprego de força (1996, livro I, v I, p. 399).
Barbosa (2004, p. 61) faz importante reflexão no fato de antigos artesãos/
sapateiros estarem à frente das primeiras unidades manufatureiras de sucesso, expressa
nitidamente a evolução por fases da indústria do calçado em Franca; de igual modo, o fato de
os mesmos sujeitos seguirem participando do processo de produção em suas empresas, depois
de suplantada a etapa artesanal, confirma a concepção marxiana de que a habilidade
profissional do artesão continua sendo o fundamento dinâmica produtiva na fase da
manufatura.
Assim, ao longo dos anos 1930 ainda não dá para falar de indústria no sentido da
absorção de maquinaria, mas sim de manufaturas. Conseqüentemente, não se pode também
falar de aparecimento da grande empresa em meados dos anos 1940, momento histórico em
que a indústria do calçado se consolidou, entretanto as cinco maiores fábricas já se
encontravam no patamar dos estabelecimentos de médio porte ou em aproximação gradativa
dessa categoria. Em 1945, essas empresas locais contavam com uma média de mais de 50
operários cada uma em seus estabelecimentos.
77
Outro aspecto que esclarece Barbosa (2004, p. 64) é que a indústria do calçado
facilita a entrada de novos empreendedores e possibilita a ascensão de pequenos fabricantes à
condição de empresários. O baixo nível tecnológico, resultante da lentidão das inovações no
setor, refletiu-se em uma indústria de mão-de-obra intensiva na qual as exigências de capital,
sobretudo nas primeiras décadas do século XX, tendiam a ser muito baixas24.
O trabalho a domicílio, característico da fase pré-fabril, persiste ainda hoje como
forma produtiva predominante na indústria do calçado, mesmo em um estágio avançado do
capitalismo. Em O Capital, o trabalho domiciliar de costuradores e costuradeiras de calçado é
exemplo recorrente utilizado por Karl Marx para tratar do moderno trabalho a domicílio;
segundo Marx (1996), o trabalho familiar na fabricação de sapatos e botas absorveu boa parte
da produção de máquinas de costura, que eram, já naquela época, alugadas aos trabalhadores
domiciliares que não tinham condição de comprá-las. Marx assinala ainda que, em Londres,
após o surgimento da máquina de costura, a distribuição de trabalho a domicílio para a
fabricação de calçados foi à última a desaparecer, entre os setores nos quais esse tipo de
trabalho era comum, e a primeira a reaparecer depois de algum tempo (Tópico 8, cap. XIII –
Livro I, v. I). Em Franca, até o olhar mais despretensioso perceberá o quão comum são as
fabriquetas de fundo de quintal, responsáveis por parte considerável de toda produtividade do
calçado, além de ser por excelência lugar formador de mão-de-obra.
Mesmo em países onde a indústria calçadista apresenta maior evolução técnica, o
processo de fabricação do sapato mantém poucos traços que possibilitem identificar
procedimentos tecnológicos avançados. Um exemplo singular é o estudo sobre o operariado
da indústria de calçados portuguesa, no qual Elísio Estanque assinala que:
24
De acordo com Maurice Dobb, em seu clássico A evolução do capitalismo, mesmo na Inglaterra, a
transformação das oficinas e manufaturas de calçados em fábricas se deu muito lentamente, predominando as
pequenas oficinas especializadas na fabricação de calçados; conforme observa, por quase todo o século XIX a
produção de sapatos “estava em sua esmagadora maioria em mãos de firmas pequenas que empregavam de
dez trabalhadores cada e só na última quadra do século é que a produção de botas e sapatos, com a introdução
trazida da América da máquina de Blake de costura e outros instrumentos automáticos como a fechadura,
mudou do sistema de trabalho em casa ou manufatura para uma base fabril”. (1976, p. 324). A máquina de
Blake foi inventada em 1858 e era uma adaptação da máquina de costura têxtil para a execução do pesponto.
78
Pode dizer-se que o calçado é um daqueles sectores em que a automação é
assaz limitada. Mesmo nas tarefas mais mecanizadas, a componente manual
tem um peso significativo. Em todas as posições da linha de montagem essa
componente está presente, muito embora haja umas que são mais facilmente
efectuadas do que outras. (2000, p. 246).
Portanto, o contexto da indústria do calçado oferece a possibilidade, mais intensa
em seus primórdios, de pequenos artesãos e operários se converterem em futuros donos de
fábricas e empresários. Esse aspecto é crucial para entendermos, por exemplo, um pouco da
dinâmica da classe operária na região, porque essa dinâmica rege um “contrato moral” entre
patrão e empregado, operário e empresário do calçado, que deixa fora direitos trabalhistas
orientados pela CLT no primeiro momento. Aliás, a presença da Justiça do Trabalho, nesse
período inicial da consolidação do pólo calçadista é tímida, incipiente, como demasiada
morosidade e incertezas. Em Franca, registramos no ano de 1944 a primeira reclamação
trabalhista, acolhida nessa época, até 1968, nos Cartórios de Ofício Cíveis de Justiça.
Arquivo Histórico Municipal de Franca
"Capitão Hipólito Pinheiro"
9.903
10000
8000
6000
4000
2000
55
107
CARTORIO PRIMEIRO OFICIO CÍVIL
DE JUSTIÇA DA COMARCA DE
FRANCA (1964-1967)
CARTORIO SEGUNDO OFICIO CÍVIL
DE JUSTIÇA DA COMARCA DE
FRANCA (1944-1963)
JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JUSTIÇA
DO TRABALHO – J. C. J. FRANCA
(1968-1988)
0
Quantidade de Processos
GRÁFICO 5 – Arquivo Histórico Municipal de Franca “Capitão Hipólito Pinheiro”
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Franca
Esses registros se limitam ao Arquivo Histórico Municipal, levando em conta que,
possivelmente, esses números não expressem de forma absoluta a realidade. Há um panorama
da distinção e evolução do número de processos que podem ser observados empiricamente no
79
volume de processos indicados no gráfico acima depois de 1968. Portanto, em nosso entender,
desenvolve-se uma cultura de valorização dos direitos trabalhistas, fazendo parte da dinâmica
das classes sociais e sua formação.
4.2 Considerações sobre a indústria e o operário moderno
Pequenas oficinas, cujos proprietários não se tornaram grandes industriais também
incorporavam algumas máquinas à produção, o que não é sinônimo de eliminação do trabalho
manual. Quanto à questão que tentamos refletir acerca da formação da classe trabalhadora em
Franca, outro aspecto importante é sobre a condição peculiar que nasce o empresário
francano, uma vez que está diretamente envolvido com o processo produtivo, sendo ele
mesmo, o proprietário quem se encarregava de fazer determinadas operações à máquina, na
qual os oficiais e seus ajudantes competiam às etapas manuais do processo produtivo.
Necessitando de maior aprofundamento nesses exemplos, podemos suscitar por enquanto, que
as hierarquias dessa incipiente "classe" operária sugerem peculiaridades próprias.
Pode-se concluir para o momento que, até 1940, foi a forma artesanal de produção
que predominou, na qual a concentração de capitais era ainda incipiente e o fator trabalho
determinante. Como já foi indicado acima, a produção era feita em pequenas unidades
familiares, situadas nas residências dos proprietários dos negócios, com emprego reduzido de
assalariados. Era em torno do ofício que se construía a identidade do sapateiro25. A fase
inicial de produção de calçados, freqüentemente, é associada ao domínio do saber, da técnica,
pelo trabalhador, que resultava da associação entre trabalho e arte. No entanto, a separação
25
Ainda não definido como operário em Franca, nesse momento. O ofício de sapateiro, é historicamente
associado ao caráter de político e intelectual assumido por seus integrantes. Para mais informações consultar
HOBSBAWM, E.J; SCOTT, J.W. Sapateiros Politizados. In.: ______. Mundos do trabalho. 3. ed., Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2000. p.149-191. Também o texto de WEID, Elisabeth Von Der. Características do
mercado de trabalho industrial no Rio de Janeiro e evolução da mentalidade operária. In: SZMERCSÁNYI,
Tamás & MARANHÃO, Ricardo. História de Empresas e Desenvolvimento Econômico. 2. ed. São Paulo:
Edusp: Hucitec: Imprensa Oficial, 2002. p. 189-205.
80
entre o curtimento do couro e a confecção do calçado, somando-se a introdução de motores
que permitiram maior rapidez na produção, aos poucos, começam a fazer parte do cotidiano
do operário, ou seja, a presença de novas ferramentas.
As alterações no processo produtivo intensificaram-se a partir da década de 1950,
principalmente em decorrência de novos mercados, das facilidades de obtenção de crédito
(muito embora essa afirmação se confirme mais em outros segmentos) e, posteriormente, da
supressão de impostos sobre a importação de equipamentos. Inserida no processo amplo de
industrialização substitutiva de importações pela qual passava o país, a aceleração da
concentração de capitais se fez acompanhar pela modernização de equipamentos, ampliação
de fábricas, mecanização e incremento à produção. Teve início a produção de calçados de tipo
médio e fino, visando atender o mercado interno em expansão. No final dos anos 1960, a
produção voltou-se para o mercado externo. Essas transformações vão alterar diretamente o
cotidiano dos trabalhadores na fábrica. Nesse instante, o aprendizado da profissão, articula-se
às transformações ocorridas no processo produtivo, às relações entre trabalhador e máquina, à
disciplina fabril.
Nesse ambiente de mudanças, é preciso ressaltar com ênfase, que até então, a
família predominava como trabalhadora coletiva, como unidade produtiva e co-existira com a
implantação da grande indústria em Franca, fator que predomina até hoje, principalmente em
algumas atividades específicas. Nesse sentido, segundo Barbosa (1998, p. 143)26, a Calçados
Samello, que foi constituída em 1926 e em 1953 inaugurou novo prédio, especialmente
construído, para receber o maquinário novo, torna-se referência para o setor calçadista
brasileiro. Essa atitude instala um contato com novas técnicas produtivas de gerenciamento da
produção e de comercialização de calçados, sendo a empresa calçadista brasileira a que mais
26
O autor discute, particularmente, como os princípios fordistas penetrou na indústria de Franca a partir do
início dos anos 1950, por influência da empresa Samello, cujo proprietário, Miguel Sábio de Mello, havia
enviado os filhos para os EUA para estudar na Lynn Industrial Shoemaking School, em Boston.
81
incorporou a orientação da USMC, em boa medida pela influência direta de Miguel Sábio de
Mello e seu filho Oswaldo, ambos fizeram estágios nos EUA.
Ademais é preciso adicionar outra indústria que não é inserida com muita
freqüência nos estudos sobre o tema por ser de componentes para calçados, estamos nos
referindo a Amazonas S.A (também denominada em sua gênese de Pucci S.A) responsável
pela produção de solados de borracha e afins. Verificamos na pesquisa um número
considerável de registros de processos trabalhistas contra essa empresa. Esses nos dão à
dimensão da abrangência operária na cidade, inserindo a empresa citada como uma das
responsáveis também pelo processo de disciplinarização da classe operária no município e
região. Para se ter uma noção, conferimos o registro de 73 processos em nome da empresa
Pucci S.A., no período de 1965 a 1971, e 231 processos para Amazonas Produtos para
Calçados S.A. até 1988, com o total de 304 registros, que se concentram, em sua maioria, no
final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Para ilustrar, contrariando a ditadura disciplinar
de maneira peculiar, os trabalhadores expressam atitudes peculiares, como o prenseiro da
empresa citada acima, Manuel Ferreira Prado, que “Alegou que estava chovendo um período
do dia 18.12.68” (AHMF, Cx. 08 – Proc. 154/1968) (ANEXO AB), por isso não fora
trabalhar.
A indústria de calçados é, historicamente, caracterizada pelo emprego intensivo de
trabalho vivo, apresentando baixo índice de concentração de capital e adota um processo de
produção que, de forma geral, não se utiliza de tecnologias sofisticadas. Um ramo de indústria
que absorve uma quantidade significativa de força de trabalho barata e, em boa medida,
especializada, detentora de conhecimentos, habilidades e destreza manuais ainda
imprescindíveis à produção do calçado de couro. Dessa forma, segundo recentes estudos de
Piccinini (2001), no caso brasileiro, as empresas produtoras de calçados, mesmo pertencendo
a um setor considerado tradicional, buscam uma atualização tecnológico-organizacional,
82
ainda que de forma mais lenta e desorganizada, distantes de uma automatização pelas
condições específicas da economia do setor, que ainda conta com uma mão-de-obra barata.
No entanto, em algumas empresas, consideradas "de ponta", esforços para uma atualização
tecnológica e/ou organizacional ocorrem de fato para enfrentar a concorrência. A mesma
autora afirma que não existe, no Brasil, empresa fabricante de calçados de couro que utilize
tecnologias integradas entre o CAD e CAM27. Por isso mesmo, a fabricação do calçado exige
certo nível de qualificação da maioria dos operários que, segundo o nível de exigência da
produção industrial, só é verdadeiramente competente após um ou dois anos de experiência.
Para a confecção de um calçado, geralmente são necessárias de 120 a 130
operações, sendo que 70 a 80% dessas são mecanizadas atualmente. Como ilustração e de
maneira geral, segundo Navarro (1998), nas diversas tarefas realizadas pelos sapateiros
envolvidos na produção de calçados, algumas são consideradas ‘principais’ de determinada
seção da produção e outras consideradas ‘tarefas auxiliares’. Entre essas encontram-se a seção
de corte (cortador de vaqueta, cortador de forro e auxiliar de corte); a seção de preparação
para o pesponto (chanfradeira, dobradeira, colocadeira de peças, coladeira de espumas,
coladeira de enfeites, colocadeira de tressê ou tresseteira); a seção de pesponto (pespontador e
auxiliar de pesponto); seção de costura manual na forma (costurador manual, moldador de
contraforte, montador manual, montadores de bico, montadores de lado, montadores de base e
auxiliares de seção); seção de montagem (moldador, moldador de contraforte, montador
manual, montadores de bico, montadores de lado, montadores de base e auxiliares de
montagem); seção de acabamento (lixadores ou alisadores de planta, giradores, fresadores,
passadeiras de cola, apontadores de sola, prensistas, blaqueadores, ponteadores e auxiliares de
acabamento); seção de plancheamento (lustrador, escovador, jogador de brilho e
27
Computer Aided Design (CAD) e Computer Aided Manufacturing (CAN). O CAD é utilizado na elaboração
do ‘design’ dos modelos e na modelagem do calçado. O CAN permite o acionamento de um sistema
computadorizado de corte da matéria-prima do calçado a jato d’água a laser ou com facas mecânicas.
83
plancheador). Ademais, deve-se ressaltar o trabalho a domicílio realizado pelas costuradeiras
manuais.
Por isso, é a partir de 1960 que as indústrias calçadistas de Franca começam a
intensificar a mecanização da produção e as operações produtivas, antes realizadas em
domicílios ou em bancadas, passam a ser realizadas no interior das fábricas. É nesse momento
específico que acreditamos residir a gênese de um novo tipo de trabalhador, o qual passa
gradualmente a manter, de agora em diante, um contato íntimo, que extrapola os limites da
fábrica, com o modelo fordista-laylorista.
A busca de maior produtividade estimula a incorporação e o desenvolvimento de
novas maneiras de produzir o calçado. Essa nova dimensão da produção e da produtividade
surge com a organização científica do trabalho. Segundo boa parte dos autores, essa mudança
deriva pioneiramente, do empreendimento da Samello, cuja visão empresarial é aguçada em
virtude dos conhecimentos adquiridos nos EUA, privilegiando a racionalização do trabalho e
sua melhor organização. Dentre as inovações advindas do processo de racionalização da
organização trabalho, descobertas aparentemente sutis também fizeram parte das
transformações e uma delas foi a descoberta de um modelo de confecção de sapato que casava
com a idéia de racionalizar a produção. Esse modelo foi o mocassim28. É necessário salientar
que o mocassim representa exatamente o moderno no que diz respeito ao estilo, que propicia
uma inovação radical na concepção técnica de fazer o sapato, liberando uma produtividade
considerável a partir de então. Ademais, a produção de calçados começa a incorporar outros
tipos de materiais como saltos e solados de borracha. Passa a conjugar o couro com outros
materiais, contribuindo para o barateamento e ampliação do produto. É preciso ressaltar que
28
Esse modelo se popularizou bastante desde meados de 1960, dado o seu conforto, praticidade e ao seu custo de
produção inferior, sendo um modelo com característica mais esportiva que participa de uma inovação de
vestuário, de um estilo modista que incentivava o uso de roupas e calçados diferentes em situações distintas,
incentivando o ‘estilo’ mais adequado para cada situação.
84
não é a grande indústria que expande a produção calçadista em Franca, mas toda uma ampla
gama de pequenas e médias indústrias que se formam nesse período.
Quanto à produção do calçado, outro aspecto que deve ser mencionado, além do
modelo tipo mocassim, é a inserção de campanhas publicitárias, preconizada em seu início de
forma intensa principalmente pela Samello
Nesse momento, verifica-se um aumento substancial da divisão do trabalho, que
começou a ser organizada em seções, por exemplo: de corte, de pesponto, de montagem, de
acabamento, de plancheamento. Com o aumento do fluxo da produção, era impraticável que
os montadores permanecessem acomodando os calçados em produção ao seu redor ou mesmo
que se deslocassem até as prateleiras. Assim, introduziu-se as “prateleiras moveis” ou
“carretas”, substituindo pouco a pouco com as conhecidas “banquinhas”. A adoção dessas
carretas buscava agilizar o transporte do calçado de uma seção para outra.
Gradativamente, esse aumento de produtividade pressiona o trabalhador que teme,
a partir daí, perder seu emprego e sua profissão. Coloca-se uma questão para a memória
social, pois os sapateiros mais velhos que vão perdendo o domínio sobre o saber produtivo,
paulatinamente são associados à perda e destruição de uma identidade profissional particular.
O sapateiro começa a deixar de ser considerado um artista, cujo prazer estava em visualizar o
produto final em suas mãos. Muitos desses sapateiros ainda sobrevivem com a permanência
na produção doméstica de sapatos ou mesmo na pequena sapataria de consertos.
Na primeira fase da introdução da maquinaria, anterior à automatização, tratava-se
de indústria simples, nos anos 1920 e 1930 o proprietário se encarregava de fazer
determinadas operações na máquina, nas raras máquinas existentes. Aos oficiais e seus
ajudantes competiam as etapas manuais do processo produtivo, ou seja, a produção de
calçados manteve paralelamente atividades mecanizadas e artesanais. Disso resultou uma
forma peculiar da produção calçadista, que persiste até os dias de hoje: das fabriquetas de
85
fundo de quintal, local de produção, comércio e residência. Surge a fábrica que, ao crescer,
solicita mais espaço e afasta do local de produção e comércio a família do proprietário
(RINALDI, 1987). Entretanto deve-se salientar que o elemento manufatureiro na produção de
calçados sempre foi, e continua sendo, determinante, apesar de toda espécie de evolução
tecnológica do setor. Dessa forma, a maioria dos empresários do setor29, nessa primeira fase,
originou-se das fábricas nas quais vendiam sua força de trabalho para estabelecer-se por conta
própria com pequeno capital e emprego de pessoas da família na produção (FERREIRA,
1989).
Cremos, com isso, cremos que é, somente a partir de 196030, que novas tendências
tecnológicas e administrativas são incorporadas definitivamente ao processo de produção de
calçado. Naquele momento, o cronometrista foi incorporado à produção de calçados e a
intensificação do trabalho ficou evidente, pois o trabalho na esteira não pode ser
interrompido, pois esta não pára. Surge então uma categoria de trabalhador muito peculiar,
que será uma regra nos anos 1980–90, que é o trabalhador “coringa”, capaz de executar todas
as operações ali realizadas, pronto para ocupar o posto de qualquer trabalhador que precisasse
interromper uma tarefa. Um dado curioso é que a institucionalização desse trabalhador deveuse à observação gerencial das empresas uma vez que os trabalhadores, em um processo de
resistência às inovações, criavam mecanismo de troca de funções, das idas e vindas aos
banheiros, dentre outros artifícios, como regra de uma espécie de proteção coletiva. Com a
esteira e o sistema de racionalização do processo de trabalho, as operações desenvolvidas em
cada seção foram ainda mais divididas. Criaram algumas seções, com novas funções
auxiliares, com ampliação do número de operários nas fábricas. É justo nesse momento que
29
Segundo Barbosa (2004), essa condição é importante do ponto de vista do trabalho, pois reúne os pioneiros da
grande indústria em Franca.
30
“A partir dos anos 1960, Franca assistiu uma verdadeira febre em torno do calçado, que conjugava a euforia
em relação ao sucesso do principal produto [...] incorporado à vida local e a consolidação do seu parque fabril.
A afirmação do título de ‘capital nacional do calçado masculino’, a instituição do dia do calçado francano e a
proposta de realização da Exposição Bienal da Indústria de Calçado de São Paulo, antecipando em quase dez
anos a Francal. O slogan publicitário da Samello era: se depender de Franca o Brasil andará calçado’”
(BARBOSA, 1998, p. 50)
86
identificamos o início de uma forma de unidade de classe distinta de outras épocas. Jovens
trabalhadores, com idade entre 14 e 18 anos, são incorporados às atividades industriais. Para
os trabalhadores que se integram às fábricas e, mais ainda, para os que não conheceram a
produção artesanal, a resistência à mecanização está sempre presente na dificuldade de aceitar
a extrema divisão do trabalho, a rigidez da disciplina do espaço fabril. Adaptar-se ao novo
sistema significa dominar o corpo e enquadrá-lo nos espaços delimitados como seu, manter-se
em silêncio no trabalho e transformar-se, na intenção da fábrica, em uma engrenagem. Sobre
esses aspectos, a análise dos processos trabalhistas vai demonstrar com mais detalhes.
Segundo nossa pesquisa, esse processo contribuiu para a configuração de uma nova
identidade, na qual a passagem do artista-artesão ao trabalhador disciplinado inaugura novas
possibilidades de auto-conhecimento e ação como classe, inclusive, como vamos demonstrar
noutro capítulo, consolidando e reiventando novos aspectos positivos na perspectiva de ser
sapateiro. Estamos indicando que a formação do operário moderno em Franca foi moldada
pelo antigo sapateiro, mas com rupturas e distinções visíveis. A constituição de uma nova
identidade coletiva dos trabalhadores da indústria calçadista fez-se através das experiências
sociais no universo produtivo disciplinado fordista-taylorista, tecidas por práticas e
dificuldades cotidianas comuns, pela rememoração constante das vivências misturada à antiga
situação fora da cidade, negando ou integrando seu passado a sua nova condição de operário.
A indústria de calçados, nesse estágio, desqualificou o sapateiro antigo, mas em contrapartida
exigiu que desenvolvesse novas habilidades, algumas manuais, inexistentes quando o
sapateiro era o trabalhador que produzia calçados de couro ou era identificado como um
artesão. Ser sapateiro a partir daí, não é somente aquele que faz um sapato por inteiro e sabe
de todas as suas operações, mas sobretudo, é aquele que se identifica com um novo modo de
vida, um estilo de ver e pensar o mundo estreitamente ligado à sua ação, seja no mundo
produtivo ou fora dele.
87
É preciso notar que a introdução da "esteira mecânica", ícone simbólico do
modelo fordista, não se configurou, segundo Navarro (1998), no caso da confecção de
calçados, a principal inovação técnica, pois a tentativa de regular o ritmo da produção, com a
adoção das carretas e de sua versão mais sofisticada, a esteira, esbarrou na contradição do
processo de produção de calçados, qual seja: a mecanização da produção não é sinônimo de
mecanização de todas as operações necessárias para a realização dessa produção. Ou seja, as
novas maneiras de se construir um calçado não eliminaram, e não eliminam o caráter manual
de muitas das operações de montagem, que sempre envolveu um grande número de operações
e de trabalhadores. Devido às especificidades de cada etapa do processo de produção, a
implantação de uma esteira unindo todas as seções das fábricas foi se revelando inadequada.
A produção do calçado não permite mecanização ampla das atividades produtivas,
o caráter manual é imprescindível para muitas funções, portanto, quando percebido por
algumas empresas, o trabalho manual também opera dentro de uma espécie de marketing,
recentemente, passam a agregar o fator artesanal à qualidade do produto, aumentando assim o
seu valor.
Na década de 1970, a demanda crescente do mercado interno, estimulada pelo
processo de industrialização e urbanização vivido no país, somou-se a expansão da produção
destinada à exportação. Esse contexto criou um quadro de incremento do volume da produção
de calçados, de ampliação do número de unidades produtivas instaladas e uma grande oferta
de empregos pelo setor calçadista (GARCIA, 1997). Estímulos oficiais são implantados
visando à exportação, à isenção de impostos, à concessão de créditos e de incentivos fiscais,
subsídios às exportações e uma política de câmbio apoiada em taxas que desvalorizavam a
moeda nacional, aumentando o crédito a ser recebido pelos exportadores.
Nessa nova fase, um dado que, para nosso estudo tem importância central, é que se
instaura uma exigência maior não só pela quantidade e cumprimento de prazos, mas uma
88
exigência da qualidade do produto, sobretudo para o mercado externo. Assim, não é somente
o aumento da mesma aliada às mudanças tecnológicas e organizacionais que devem ser
considerada. Nesse instante, um rigoroso sistema de controle de qualidade vai exigir a
intensificação de um tipo específico de trabalhador. A ampliação do volume de produção
obriga a procura de trabalhadores qualificados. Segundo Garcia (1997), em meados dos anos
1970, são instaladas em Franca duas instituições destinadas a dar suporte ao setor: o Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), atuando na área de treinamento de mão-deobra e o Núcleo Tecnológico de Couros, Calçados e Afins, do IPT (Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de São Paulo).
Com a indústria calçadista, crescem também outras atividades diretamente ligadas
a ela, como a metalurgia. Por exemplo, cresce o número de empresas dedicadas ao aluguel e
venda de máquinas novas e usadas, assim como o número de oficinas para consertos, reparos
e adaptações de máquinas utilizadas na produção de calçados. Verifica-se um aumento de
empregados também nas atividades indiretas ligadas às indústrias calçadista. Um dado que
para nosso estudo tem importância central é que se instaura uma exigência maior não só pela
quantidade e cumprimento de prazos, mas sobretudo exigência da qualidade do produto. As
indústrias diziam estar em falta de mão-de-obra no período, assim destacamos que não era
qualquer mão de obra, estava em falta de mão-de-obra qualificada, afinal, a cidade teve um
período de migração significativa no período. Segundo Navarro (1998), em 1974 os cursos no
SENAI, chegaram a ser ministrados em três turnos, com uma procura muito grande. Os cursos
mais procurados eram de pesponto e corte, cujos empregos eram certos após o término, sendo
"o bom trabalhador disputado" pelas indústrias. A mão-de-obra abundante e barata é um dado
econômico importante e determinante para o crescimento da indústria calçadista que deve
fazer parte de qualquer análise.
89
Outro aspecto importante são as formas de pagamento que variavam de empresa
para empresa e mesmo no interior de cada uma. Dividia-se em pecistas, horistas e
mensalistas. O pagamento por peça estabelecia funções-chave, como o corte e acabava
imprimindo o ritmo de trabalho de toda a fábrica, encontrando respaldo na mentalidade
operária, valorizando do trabalho, pois quanto mais o trabalhador trabalha, mais ganha. Outras
estratégias também devem ser consideradas, como as políticas de premiações aos
trabalhadores por produtividade, muitas dessas implementadas não somente pelas indústrias,
mas pelos sindicatos.
Queremos ressaltar que as mudanças ocorridas no processo produtivo não ocorrem
somente nas grandes indústrias. Segundo Rinaldi (1987), nas fábricas o espaço físico fica
pequeno, assim parte da produção vai ser realizada fora dela, por exemplo, a costura manual e
o pesponto. Essa prática do trabalho em domicílio, tradicional em Franca, associada às
estratégias de constituição e reprodução das pequenas e médias empresas calçadistas,
começou a ser reestimulada, passando a ser crescentemente utilizada a partir de meados dos
anos 1970. A fabricação de uma ampla variedade de modelos de calçados, como os mocassins
e o semi-sociais, que demandam muita costura manual, tressê e outros enfeites, ampliou a
oferta de trabalho para as costuradeiras manuais. As fábricas renunciaram ao aumento dessas
seções, passando a recorrer ao trabalho em domicílio. Esse tipo de trabalho não requer o uso
de máquinas (os instrumentos de trabalho necessários são apenas a agulha, a tesoura e uma
sovela), um trabalho realizado majoritariamente por mulheres e não é difícil a transferência
para os limites do domicílio. Importante adicionar alguns elementos que irão fazer parte de
nossas reflexões finais, por exemplo, que esse tipo de trabalho é muito específico, não
necessitando de mão-de-obra altamente especializada, com certa facilidade de aprendizado.
Ademais, e esse é o ponto principal, das funções sofridas pela fragmentação da produção são
as mais estigmatizadas, de forma depreciativa digamos assim. Em outra ponta, o emprego ou
90
a função que exige uma melhor qualificação, aliando-se à máquina é valorizada, conferindolhe um certo status. Ou seja, queremos sugerir que o fascínio pela mecanização e pelo
processo de disciplinarização não se restringe ao espaço produtivo, muito pelo contrário,
atinge a classe operária com muita eficácia, influenciando para se construir uma vasta
hierarquização em importância de funções eleitas pelo próprio operário do sapato. Essa é uma
tendência que acompanha todo universo produtivo e, em Franca, assume proporções
peculiares ao "inferiorizar", na escala dessa hierarquia, o trabalho manual e, em segundo, o
trabalho doméstico, para não inserirmos um problema de gênero31 que envolve essas
atividades. Esses exemplos serão mais esclarecidos na seção 5, a seguinte, em que
apresentaremos a análise dos processos trabalhistas em si.
As costuradeiras, no princípio, mantendo relação estreita com a indústria onde
trabalhavam, conservavam alguns vínculos empregatícios. Aos poucos, o trabalho realizado
em domicílio começou a ser repassado pela costuradeira para suas amigas, vizinhas e
parentes. A relação direta entre as trabalhadoras envolvidas na execução da costura manual,
do tressê e a empresa foi se distanciando, com isso cada vez mais essa relação foi contando
com um número de intermediários, ao mesmo tempo em que as relações trabalhistas formais
entre as trabalhadoras a domicílio e as empresas foram desaparecendo. Aqui um ponto
crucial, o alcance da Justiça do Trabalho, justamente no momento de maior ampliação do pólo
calçadista em Franca, é muito limitado. Dessa forma, com a intensificação da terceirização
que ocorre também na cidade, algumas atividades desde já inserem tipos de relacionamentos
sociais e econômicos que merecem ênfase e mais aprofundamento. Essa forma de
sociabilidade desempenhada por essas costuradeiras, por exemplo, e pela própria tradição do
trabalho doméstico em Franca, incorpora indiretamente as formas de organização produtiva
ditada pela indústria numa ampla teia de novos trabalhadores, em sua maioria, pessoas ligadas
31
Mais informações na Tese de TOMAZINI, Maria Lúcia Vannuchi. A mulher na fábrica de sapatos: trabalho
e gênero na indústria calçadista de Franca/ SP. 2003. Tese de doutoramento (Pós-graduação em Sociologia) –
Universidade Estadual Paulista - Araraquara/ São Paulo: FCL, 2003.
91
por laços familiares e vizinhança. Esse aspecto fortalece a construção e a validade do acordo
moral, a revelia da Justiça do Trabalho. Entendemos que essa forma de ação da classe
operária francana merece mais atenção, pois, nesse aspecto, considerando ou não o nível de
inserção da Justiça do Trabalho em seu cotidiano, a classe está em ação e começa dentro de
casa. E esse tipo de trabalho, em casa, passa a ser remunerado por peça, assim, no domicílio, a
participação e “ajuda” da família, filhos e maridos, em suas “horas de folga” são constantes.
Em outras palavras, o horizonte da Justiça estava longe ou em outra dimensão no momento de
consolidação da indústria calçadista e na própria gênese da classe operária em Franca.
Entretanto, isso não significa que esses trabalhadores estavam alheios aos seus direitos, muito
pelo contrário, o que verificamos foi o oposto.
92
5 OS OPERÁRIOS DO CALÇADO E JUSTIÇA DO TRABALHO EM FRANCA/ SP:
O UNIVERSO DAS RELAÇÕES SOCIAIS
Pesquisar os processos trabalhistas32 representa um campo amplo de
possibilidades, por exemplo, observar a constituição das diferentes formas de relações no
ambiente de trabalho, bem como os conflitos originados no mesmo. Considerando também
essa perspectiva, nosso enfoque priorizou o movimento da classe operária em ação, em sua
dinâmica de conflito, dentro do universo produtivo e também nos embates políticos e sociais
via reclamação trabalhista. Para tanto, os procedimentos utilizados para a análise dos
processos não tiveram como ponto de partida a busca do que realmente aconteceu, mas sim a
tentativa de compreender como as distintas versões foram produzidas. Os processos
trabalhistas são ricos em detalhes. Enquanto que na sentença judicial e na argüição dos
advogados, os argumentos são formais, na fala dos depoentes (reclamantes, reclamados e
testemunhas), existe a sugestão de intrigas que possibilitam desvendar o embate que se
processa nos meandros das relações sociais.
A intenção de fazer uma interpretação do universo do trabalho e da classe operária
a partir dos processos trabalhistas não pretende focar a atenção no trâmite judicial, nem
mesmo a relação do trabalhador com a estrutura jurídica.
32
O uso de processos trabalhistas em pesquisas relacionadas ao universo do trabalho não é excepcional, mas
somente vem sendo realizado recentemente. Como exemplos temos os estudos de Ângelo Priori. O protesto
do trabalho: história das lutas sociais dos trabalhadores rurais do Paraná (1954-1964). Maringá: EDUEM,
1996. E o trabalho de Leila de Menezes Stein. A construção do sindicato de trabalhadores rurais no Brasil
(1954-1964). Doutorado. Unicamp, 1997. Utilizam os processos trabalhistas para compreender as condições
na Justiça do trabalho rural, Ângelo no Paraná e Leila em São Paulo. Outro autor que procura discutir o
percurso da Legislação Trabalhista e observar seu funcionamento nas experiências dos trabalhadores nos
processos trabalhistas é Rinaldo José Varussa. Trabalho e legislação: experiências de trabalhadores na Justiça
do Trabalho (Jundiaí/ SP, décadas de 40 e 60). 2002. Tese de Doutorado (Pós-graduação em História Social) PUC, São Paulo, 2002. Segundo o autor, a perspectiva do trabalhador com o trâmite na Justiça do Trabalho
não encerra a possibilidade de construir um quadro das condições de vida dos trabalhadores relacionado ao
processo de migração, no período de constituição da “cidade industrial”.
93
O espaço da lei trabalhista instituída proporciona um campo de atuação que,
paulatinamente, é vislumbrado como passível de utilização. Entretanto, embora pudesse ser
visto como recurso contraditório, uma vez que nem sempre as sentenças favoreciam o
empregado, a perspectiva de eqüidade, proposta no funcionamento da instância jurídica,
proporcionava ao trabalhador uma possibilidade quando a sensação de injustiça se instaurava.
Considerando a abordagem de Vianna (1983, p. 20-30) acerca da fábrica e sistema
político, essa não se comporta neutra quanto à estruturação do poder e à forma do sistema
político, ou seja, a fábrica não está localizada em um território estranho à política. Isso,
independentemente, do comportamento da classe operária como ator na arena política, da sua
expressão partidária e sindical. Esse conceito é importante para dimensionar uma reflexão
acerca da pecha histórica de conservadorismo que a cidade sustenta no seu embate
econômico, social e político.
Portanto, refletir sobre a situação do trabalho e a classe operária em Franca serve
de ponto de partida e busca contribuir na discussão de questões suscitadas pelas correntes
teóricas mais recentemente acerca do tema. Ao abordar parte do percurso dos conflitos
trabalhistas relacionados ao universo produtivo da indústria calçadista em Franca e a dinâmica
da formação da classe operária, elegemos como fonte principal os processos trabalhistas e o
mérito desse intento é de estabelecer uma tentativa de enxergar além das querelas expostas
formalmente nos processos trabalhistas, conferindo-lhes um espaço de análise rico e variado.
Segundo o exemplo que assinala Souza (2003)33, os sapateiros utilizam a Justiça
para defender seus direitos. Nesse sentido, a história social dos trabalhadores das indústrias de
calçado em Franca está ancorada em uma clivagem de processos que suporta uma relação
ampla entre fatores que cercam e dinamizam a vida social pela qual passa a força econômica e
33
Souza elege alguns processos concentrados principalmente no início da década de 1970 e aprofunda reflexão
sobre eles. No Caso de Souza, optou em uma amostragem, no início da década de 1970, que focou atenção na
utilização de todos os processos relacionados às indústria de calçados que foram objeto de recurso (enviado ao
Tribunal Regional do Trabalho, em São Paulo), opção, segundo Souza, foi mais proveitosa devido aos
processos terem mais documentos anexados. No seu trabalho, Souza analisa 149 processos de 1970 a 1980.
94
simbólica das indústrias francanas, pelos sindicatos, pela dinâmica das classes e pela relação
com o estado via Justiça do Trabalho.
A maioria dos conflitos mais rotineiros relacionados a problemas nos locais de
trabalho, como é o caso das demissões, é tratada por meio da ação individual legal via Justiça
do Trabalho. Esse fato explícito, dos processos serem “individuais”, pois são assim
classificadas pela legislação, indica uma força em si da classe social em questão uma vez que,
nesse contexto, não há como estancar esse indivíduo em si mesmo, mas deve-se inserir essas
ações individuais em uma perspectiva de uma relação social.
Portanto, é infinita a variedade da fonte em questão, afinal, em cada processo
poderíamos trilhar distintos caminhos de reflexão uma vez que nele não está somente o ato
judicial em si, mas esconde uma trajetória de vida que não se resume às intenções e aos
resultados da ação judicial. Por isso mesmo, em trabalho posterior, urge a partir desses
estudos, certamente a necessidade de aprofundar uma análise dos inúmeros relatos
apresentados em cada processo trabalhista. Seja pela via o discurso jurídico e toda sua
linguagem que exerce um poder peculiar, seja pelas descrições ricas em detalhes de muitos
conflitos.
Quanto à Justiça do Trabalho, vamos mencionar esquematicamente sua trajetória
em Franca. A Junta de Conciliação e Julgamento instaurada no local no final de 1968, em
única Vara, vai até 1986, inserida ao TRT da 2ª Região em São Paulo, que respondia pelos
processos trabalhistas de todo os Estados de São Paulo e parte do Mato Grosso do Sul. A
partir de dezembro desse ano, Franca se inclui no TRT 15ª Região34, em Campinas/ SP,
continuando com Vara única até 1992, quando é instaurada a 2ª Vara de Trabalho. Antes da
34
Na primeira Instância, a Justiça do trabalho é formada pelas Varas do Trabalho, que julgam apenas dissídios
individuais e cuja jurisdição é local (abrange geralmente um ou alguns municípios). No segundo grau de
jurisdição estão os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), que julgam recursos contra decisões das Varas do
Trabalho além de ações de competência originária, que ingressam diretamente no Tribunal, sem passar pela 1a
instância, como por exemplo os dissídios coletivos, que envolvem sindicatos patronais ou de trabalhadores. A
mais elevada Instância da Justiça Trabalhista é o Tribunal Superior do Trabalho, o TST, cuja principal função
é uniformizar a jurisprudência trabalhista de todo país.
95
implantação da Junta de Conciliação e Justiça em Franca em 1968, que intensifica de fato o
âmbito da demanda de processos trabalhistas, os quais eram acolhidos nos Cartórios Cíveis de
Justiça de Franca, o 2º Ofício, de 1964-1967 e o 1º Ofício, de 1944-1963.
A presente seção é essencial para a tese que defendemos, pois tem a pretensão de
apresentar uma análise dos processos trabalhistas mais detalhados no sentido de buscar um
elo com todo escopo teórico já alinhavado. Ao iniciar então, não é demais destacar que
vemos, nessas ações ou atitudes operárias, um exemplo de como a classe trabalhadora age em
seu cotidiano; como opera os anseios de uma vida melhor no universo produtivo do calçado,
não deixando de fora a busca de direitos que estão, a princípio, em um horizonte bem distante.
5.1 A noção de Justiça
A lei consiste em um complexo repertório de significados e de categorias,
entendidos de forma diferente pelas pessoas, dependendo de suas experiências e
conhecimentos jurídicos. Essa forma diferenciada de como as pessoas entendem e usam a lei
é conceituada por French (2001, p. 60) como consciência legal. Tal consciência é um
importante instrumento que se insere na análise da formação da classe, uma vez que consegue
impor certas restrições, ainda que pequenas, à liberdade de ação dos industriais. Afinal de
contas, proporciona aos operários o direito de apresentar reclamações e ter esperança de
merecer uma justa consideração.
A reboque da pressão disciplinar produtiva, das perseguições políticas, as listas
negras, leis sem garantias de cumprimento e apadrinhamentos não escapavam aos olhos dos
trabalhadores. Os depoimentos nos processos trabalhistas dão sinais de que os trabalhadores
não estavam alheios aos acontecimentos políticos, bem como de que tinham capacidade de
perceber a prática política como efetivo exercício da dominação social.
96
A noção de justiça na convivência com a legislação trabalhista recoloca a questão
social brasileira na ordem do dia, inserindo-se na dinâmica da formação da classe
trabalhadora. Nesse sentido, mesmo aos que defendem a eficácia da manipulação e controle
sobre a classe trabalhadora, seja pelos sindicatos corporativos pós 1945, seja pela estratégia
burguesa, o clamor por justiça não surge como o efeito espetacular da propaganda política,
desenvolvendo nos trabalhadores uma suposta “falsa consciência”, mas ao contrário, mas sim
vinculado ao emprego, ao salário, ao bem-estar dos filhos, enfim, a uma vida melhor.
Assim, a estratégia predominante entre trabalhadores e sindicatos (antes e depois
do novo sindicalismo) é reivindicar a justiça por meio do cumprimento da legislação oficial,
ou seja, o cumprimento da lei.
Em termos associativos, já destacamos uma corrente de análise acerca da classe
operária em Franca privilegiando uma abordagem que antes da “virada sindical” em 1982, o
sindicato dos sapateiros (STICF) pautava-se pela conciliação e colaboracionismo com o
patronato e contribuía para forjar um operariado dócil e cheio de receios e desconfianças em
relação aos seus representantes sindicais. Entretanto, cremos que essa docilidade da classe
operária opera-se mais na disciplina fabril e está em outra dimensão na ação política. Na
perspectiva de Przeworski (1989) esses aspectos não devem ser entendidos em termos
psicológicos ou morais, mas sim na dimensão cognitiva e comportamental. Para o autor “os
agentes sociais, individuais ou coletivos não andam por aí repletos de ‘pré-disposições’ que
simplesmente põem em prática. As relações sociais estabelecem estruturas de escolhas
segundo as quais as pessoas percebem, avaliam e agem [por exemplo, na relação com a
Justiça do Trabalho]. As pessoas consentem determinadas linhas de ação quando seguem na
prática escolhas” (1989, p. 175). Portanto, conformismo, passividade e ‘alienação’ muitas
vezes estão nos olhos de quem vê. Sendo assim, cremos que o objetivo dos trabalhadores é
dar um passo à frente, avançar, conseguir um emprego, um aumento salarial ou melhorar de
97
vida. Essas práticas, anteriores a 1982, enfim, não implicavam, necessariamente, resignação
ou conformismo.
Em conseqüência desse ponto de vista, não foi apreciada a perspectiva de que o
espaço fabril ensejaria a eclosão de lutas autônomas, importante para entender a vida dos
trabalhadores e tentativa de apresentar formas de organização dos trabalhadores em seu local
de trabalho que, necessariamente, são resultados de relações estabelecidas com o mundo do
qual os mesmos fazem parte. Segundo Souza (2003, p. 32), é possível afirmar que ao observar
as práticas cotidianas no local de trabalho vê-se as imbricações da vida do trabalhador com as
instituições representativas da classe ou com o Estado, mesmo que não se traduzam em
grandes movimentos de massas populacionais nas ruas e ainda que não se apresentem como
mobilizações de tal visibilidade, demonstrando que um pouco das ações continuadas e
comuns à maioria das pessoas.
Cabe aqui um parêntese para inserir, mesmo que rapidamente, as reflexões de
Olson (1999, p. 13) 35 acerca da ação coletiva. Segundo o autor, freqüentemente, é dado por
certo, ao menos quando há objetivos econômicos envolvidos, que grupos de indivíduos com
interesses comuns, usualmente tentam promover esses interesses comuns. Espera-se que os
grupos de indivíduos com interesses comuns ajam por esses interesses tanto quanto se espera
que os indivíduos isoladamente ajam por seus interesses pessoais. Nesse sentido, ninguém se
surpreende quando um homem de negócios persegue individualmente mais lucros, quando
trabalhadores perseguem individualmente salários mais altos, ou quando consumidores
perseguem individualmente preços mais baixos. A idéia de que os grupos tendem a agir em
favor de seus interesses grupais é concebida como uma extensão lógica dessa premissa
amplamente aceita do comportamento racional e centrado nos próprios interesses. Entretanto,
35
O autor (1999) discute a noção amplamente difundida, presente em todas as ciências sociais, “de que os
grupos tendem a promover seus interesses é, portanto, injustificável, pelos menos quando se baseia, como
geralmente ocorre, na pressuposição (às vezes implícita) de que os grupos agem em interesse próprio porque
os indivíduos também o fazem. Portanto, a costumeira visão de que grupos de indivíduos com interesses
comuns tendem a promover esses interesses parece ter pouco mérito, se é que tem algum”. (p. 15).
98
adianta Olson (1999, p.14), não é verdadeira a idéia de que os grupos agirão para atingir seus
objetivos numa seqüência lógica da premissa do comportamento racional, centrado nos
próprios interesses. Não é fato que só porque todos os indivíduos de um determinado grupo
ganhariam se atingissem seu objetivo grupal, agiriam para atingir esse objetivo. Assim, os
indivíduos racionais e centrados nos próprios interesses não agirão para promover seus
interesses comuns e grupais.
Portanto, observa-se com os dados apresentados, que as reclamações trabalhistas
são em sua ampla maioria individuais. Assim, de acordo com Olson (1999), nos grupos
pequenos pode muito bem ocorrer alguma ação voluntária em prol dos objetivos comuns dos
indivíduos do grupo, mas na maioria dos casos, essa ação cessará antes que os resultados
atinjam um bom nível para os membros do grupo como um todo. Em outras palavras, os
operários do calçado em Franca, segundo a pesquisa empírica, souberam otimizar suas
expectativas de acordo com o modelo de associação, ou sindicato, que se apresentava, não
esquecendo de todo o contexto político por que passava o país. A luta dos trabalhadores é
para garantir o cumprimento dos direitos, dessa forma para muitos, o sindicato tinha uma
referência apenas na institucionalização das reclamações trabalhistas.
Não cabe a esse trabalho, divagar acerca das inclinações revolucionárias da classe
operária e colocar a experiência desses atores sociais nessas bases teóricas. Entretanto,
considerando as orientações de Moore Jr. (1987, p. 248), a tarefa mais difícil de apreender é
como os trabalhadores enfocam suas próprias vidas e como construíram a noção de justiça ao
longo do tempo.
99
5.2 Os processos
De maneira geral, segundo Cardoso (2002, p. 510), a idéia de que, tanto na
tradição das ciências jurídicas quanto na tradição sociológica, o direito do trabalho é encarado
como introdutor de um elemento civilizatório nas relações de classe, que está relacionado a
mudanças culturais de caráter geral que atribuem novo estatuto à noção de pessoa humana, de
indivíduo em sua singularidade, identidade e liberdade. Nos modelos legislados, a adesão à
regra decorre, também, de valores últimos baseados em algum critério civilizatório. Em outras
palavras, a adesão à norma jurídica, no âmbito das leis trabalhistas, por parte dos empresários,
está estritamente ligada aos seus interesses. Entretanto, o tempo pode mudar as percepções
dos agentes, e mesmo a adesão a critérios de justiça. Segundo Cardoso (2002, p. 515), a
competição capitalista é um desses elementos mutantes que incide poderosamente sobre as
convicções dos empresários. Não há nenhuma convicção de um capitalista que resista ao
diagnóstico de seus diretores executivos de que seguir a regra legal levará à falência da
empresa. Portanto é mais provável que esse tipo de empresário tente negociar com os
trabalhadores algum outro expediente para a redução de custos, sendo a diminuição de
quadros funcionais uma das soluções possíveis.
Os gráficos abaixos demonstram que o esforço empresarial, em negociar com o
trabalhador o desfecho do processo trabalhista, utilizando a “conciliação” como estratégia de
acordo.
100
Resultado da Reclamação Trabalhista
Total geral de Processos Trabalhistas
6000
5217
Arquivado por não comparecimento
5000
Conciliado
4000
Desistência dos reclamantes
Improcedente
3000
Procedente
1907
2000
Procedente em parte
887
798
623
1000
Outros
336
135
0
GRÁFICO 6 – Resultado da Ação – total geral de processos trabalhistas (1968-1988)
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Franca
RESULTADO DA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA
Ano 1968
Ano 1969
CONCILIADO
Ano 1970
Ano 1971
600
553
Ano 1972
Ano 1973
500
Ano 1974
Ano 1975
389
400
356
306 288
294
271
300
239
217 213
193
120
100
Ano 1977
260
Ano 1979
232
Ano 1980
Ano 1981
164
200
Ano 1976
Ano 1978
196
253
383
136
Ano 1982
101
Ano 1983
53
Ano 1984
Ano 1985
Ano 1986
0
1
Ano 1987
Ano 1988
GRÁFICO 7 - Resultado da Ação – Conciliado (1968-1988)
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Franca
101
Os gráficos acima demonstram em números, conforme já mencionado
anteriormente, o quanto o recurso à conciliação é importante, inclusive como estratégia das
empresas, na dinâmica de resolução dos processos trabalhistas. Para demonstrar a proporção
em que se davam boa parte das conciliações em seguida ilustraremos alguns processos
pesquisados.
Nesse primeiro exemplo, João Batista Ribeiro, menor, move reclamação
trabalhista (AHMF, Cx. 12 – Proc. 334/1968) contra Calçados Ruy de Melo S.A no ano de
1968. A empresa foi sentenciada a pagar NCR$850,00 dos NCR$1.377,62 solicitados
inicialmente. A empresa recorreu da decisão em 22 de junho do mesmo ano e, em nova
audiência, conciliou com o operário em NCR$550,00. Em outro processo (AHMF, Cx. 18 –
Proc. 733/1968), o sapateiro Gabriel de Castro solicita NCR$843,27, mas concilia por
NCR$200,00. Neste outro processo trabalhista (AHMF, Cx. 37 – Proc. 576/1969) Paulo
Graciano Lopes (herdeiros), operário da Pucci S.A (Futura Amazonas S.A), solicitava
NCR$504,46, contudo foi conciliado por NCR$250,00. O trágico desfecho foi que não houve
tempo para o acerto final, pois com grave crise cardíaca o operário faleceu no dia 08 de
outubro de 1969. No seguinte processo (AHMF, Cx. 148 – Proc. 505/1973), João Batista de
Lima, menor, com 12 anos, solicitou Cr$271,00 e conciliou por Cr$81,00. Nesse último
exemplo o processo (AHMF, Cx. 284 – Proc. 739/1977), Maria Aparecida Damante Garcia
solicitou Cr$9.458,80 incluindo salário maternidade, pois trabalhava em domicilio como
costuradeira de sapatos e teve um filho naquele período. Os termos da conciliação foram os
seguintes: Cr$3.000,00 referente a esta reclamação trabalhista e será registrada a partir desta
data com um ano de estabilidade garantido provisoriamente.
Não cabe avaliar cada um dos exemplos citados acima e do sentido de justiça
traçado por esse resultado final. Cabe inserir outros fatores, como o período inflacionário
vivido pelo país, os picos de crise do setor que, certamente influenciava nesses acertos, assim
102
como a estratégia declarada das empresas pela conciliação. Entretanto, os resultados dos
processos legais não eram fictícios, ou seja, inteiramente desvantajosos para o trabalhador
individual, afinal o recurso financeiro imediato muitas vezes fazia a diferença, por isso à
opção por esses acordos ao invés da espera até o final do processo.
A função histórica da Justiça do Trabalho, no sentido de “amortecer” o conflito de
classe, com o seu papel conciliatório, não impede o crescimento da leitura e atuação dos
trabalhadores junto à Justiça. Muito pelo contrário, o aumento gradual e ascendente dos
números dos processos, ano a ano, indica que a judicialização da questão trabalhista e social
passa por um amadurecimento político dos trabalhadores, paralelamente a questão sindical.
Total geral dos processos trabalhistas
no período de 1968-1988
Cancelamento de Suspensão e Conseqüênte
Remuneração (Ind. Trabalho), Revogação
Penalidades (advertências)
Objeto (Motivo da reclamação)
7000
Anotação CTPS (trabalho sem registro em
carteira) Retificação na Carteira Profissional
Contribuições de Associados (STIAB, STICF)
= [contrib. Sindical/assistencial]
6041
6000
Desconto Indevido, Pagamento Afastamento
Médico, Pagamento Dias Afastamento
5000
Diferença FGTS, Liberação FGTS – FGTS,
Liberação FGTS à Dependentes
4000
Diferenças Férias em Dobro, Férias, Férias
em Dobro
3000
2000
1000
0
Diferenças Salariais (sálario, av. prévio,
férias e 13º prop., horas extras, sal.fam.,
FGTS) e Outros Itens Agregados**
1181
444
318
387
524
160
322
219
302
Indenização Adicional (Lei 6.708 de
30/10/1979 art. 9)e(Lei 7.238/84 art. 9), Multa
("quitação verbas rescisórias" Ac. Coletivo)
Reintegração, Estabilidade Provisória e Auxílio
Maternidade
Outros
GRÁFICO 8 – Total geral dos processos trabalhistas no período de 1968-1988 – Objeto (Motivo da Ação)
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Franca
** (Ver nota de rodapé n. 36).
103
Como demonstrado no gráfico acima, a maioria dos processos está ligada à
questão salarial36, às dispensas sem justa causa, as diferenças nos descontos e as anotações de
Carteira Profissional. O fato de ser, em sua maioria conciliados revela que a tradição de
acordos “amigáveis” sempre favorecia o empresário, em termos econômicos, à medida que
ficava menos oneroso este que a sentença da Justiça. Por detrás dessas estatísticas, percebe-se
primeiro, uma busca por direitos que estão amparados na legislação trabalhista e, segundo,
resposta política às transformações ocorridas no universo produtivo. Percebe-se em muitos
processos, nessa perspectiva, nas entrelinhas, uma resignação e resistência aos novos métodos
de gerenciamento da produção, que afetavam a produtividade e a disciplina produtiva desse
operário. Alguns processos, analisados adiante com mais atenção, mostram-nos detalhes de
um relacionamento bastante truncado nos limites do espaço fabril, o qual passa a ditar uma
conduta em nível cultural na cidade.
Total geral de processos por tipo de empresa
1968-1988
8187
9000
8000
7000
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
Artigos para calçados (componentes)
Bancas
Curtume
Indústria de artefatos de borracha
Indústria de calçados
Outras
Em branco
479
730
107
346
48
1
GRÁFICO 9 – Total geral de processos por tipo de empresa 1968-1988
Fonte: Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Franca
36
Optou-se, na pesquisa, em observar o que está expresso na capa dos processos trabalhistas quanto ao objeto da
reclamação trabalhista. Portanto, por diferenças salariais, deve-se inserir diversas categorias de reivindicações
legais, como: aviso prévio; férias proporcionais; décimo terceiro proporcional; salário família, horas extras,
estabilidade provisória (para gestantes); multa (no atraso de quitação); saldo salarial; férias interrompidas;
atualização de CTPS; adicional noturno; diferenças de horas; insalubridade; PIS.
104
O gráfico acima demonstra o expediente analítico que foi privilegiado acerca do
universo produtivo, ou seja, a opção em levantar elementos circunscritos às indústrias e
unidades diretamente ligadas ao fabrico do calçado. No registro da pesquisa consta mais de
1386 nomes, considerando que muitas destas unidades entraram em falência e reabriram com
outro nome. Ademais, sobre os números que indicam as bancas, foram somente apontados os
que expressavam diretamente, porém provavelmente, em diversos nomes que supostamente
seriam indústria de calçados consistiam também nessas unidades produtivas, denominadas de
bancas.
EVOLUÇÃO
VARAS
D O 1986
TRABALHO
1987
Franca ( 1ª )
Franca ( 2ª )
TOTAL GERAL
1.756
1.756
386
386
1988
1.703
1.703
1989
1.833
1.833
TABELA 1
DAS AÇÕES
1990
1991
1992
AJUIZADAS
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2.213 2.139 2.363 1.034 2.522 1.834 1.805 1.864 1.916 1.542 1.473
187 1.232
1.766 1.800 1.870 1.933 1.570 1.478
2.213 2.139 2.550 2.266 2.522 3.600 3.605 3.734 3.849 3.112 2.951
Fonte: Boletins Estatísticos das Varas do Trabalho.
Observação: Em novembro/1992 foi instalada a 2ª Vara de Franca.
A tabela acima demonstra como é expressiva a movimentação dos processos
trabalhistas circunscritos ao universo produtivo do calçado, uma vez que os números abaixo
revelam processos de todas as categorias profissionais no município e região37.
37
2000
Os municípios a seguir fazem parte das Varas de Trabalho: Patrocínio Paulista, Itirapuã, Cristais Paulista,
Pedregulho, Rifaina, Ribeirão Corrente, Restinga, São José da Bela vista e Batatais.
105
5.3 O conflito do trabalho para além das fábricas
Em seguida, iniciaremos uma abordagem do conteúdo pesquisado nos processos
trabalhistas numa perspectiva narrativa, de maneira a apresentar um movimento que se inicia
e se expande para além das fábricas. Antes, destacamos a necessidade de dissociar parte do
expediente jurídico das intenções analíticas acerca do universo da vida dos trabalhadores.
Nesse sentido, o processo trabalhista, como objeto jurídico, é antes fruto de relações sociais
que, necessariamente, devem estar calcadas em vivências e experiências cotidianas daqueles
envolvidos.
5.3.1 A tradição do trabalho a domicílio em Franca
Um aspecto que merece um rápido panorama, diz respeito ao trabalho a domicílio,
ou façonista, dentro do processo de produção do calçado em Franca. Esse aspecto é
importante ser analisado uma vez que inserir essas características nos moldes flexíveis de
produção recentemente não equivale à realidade.
quando se acirrou a crise em torno do trabalho na década de 1980, a indústria
francana de calçados registrou um desempenho positivo, atraindo para a cidade um conjunto
significativo de pessoas em busca de emprego, oriundas de cidades de municípios vizinhos,
da capital do estado assim como de outros estados, como Minas Gerais, Goiás e Paraná. Para
se ter uma idéia, em 1983 quando o total da produção foi de 15,1 milhões de pares, 7,5
milhões comercializados no país e 7,6 milhões no exterior e em 1984, esse volume dobrou,
coube ao mercado interno 15,2 milhões de pares e ao mercado internacional 16,8 milhões,
segundo dados do IPT, em Franca. Em 1986, a produção francana alcançou a marca histórica
de 35 milhões de pares. Foi justamente nesse período que ocorreu as mais intensas
106
manifestações operárias na cidade, com inserção do novo sindicato da categoria. Ademais,
naquele momento, houve também o aumento da demanda de processos trabalhistas.
No final da década de 1980 e na próxima década, por distintos fenômenos de
ordem econômica e política, que não vamos comentar nesse momento, a dinâmica do
crescimento da produção calçadista sofreu uma queda brusca38, ocasionando, como é sabido,
a falência de várias empresas, fechamento de bancas e a redução do volume de trabalho
enviado para ser feito a domicílio. Esse contexto favoreceu ao aparecimento e adoção de
novas estratégias de gerenciamento da produção, ou seja, a associação de novas tecnologias e
a adoção de estratégias de reestruturação do processo produtivo. O que queremos enfatizar é
que esses fatores, por si, não indicam uma inserção ou um mergulho em novas dinâmicas
produtivas, ditas flexíveis.
A partir de então, fica nítida a tendência de extinção de parcela dos postos formais
de trabalho nas fábricas, ou seja, aqueles com carteira assinada, com a sua substituição pelo
trabalho realizado através da prestação de serviços, nas bancas e a domicílio. Lembramos que
essa forma de produção já existia anteriormente, como uma tendência histórica. Ou seja,
ocorre uma reinvenção da terceirização em Franca, se é que podemos dizer assim, pois essas
práticas de “terceirizar” serviços são comuns no setor calçadista, haja vista os exemplos do
pesponto, do corte e da costura manual.
O que se nota, nesse momento, é uma busca para investimentos em tecnologia e
modificações na organização das empresas, de maneira simultânea ou isoladamente,
almejando uma “modernização”, vista sob o prisma do empresariado como um elemento vital
e necessário para a retomada do crescimento econômico, estagnado por toda a década de
38
A partir de 1994, com o plano real, a valorização da moeda nacional frente ao dólar, penaliza o setor
calçadista. Ademais, com a concorrência internacional intensificada, imposta por outros fabricantes, como
países asiáticos, Tailândia e Indonésia, e a China, além de concorrer com países já tradicionais no setor como
Portugal e Espanha. Esses fatores contribuíram para a retração da produção calçadista francana e à
intensificação da eliminação de postos de trabalho da indústria. Os efeitos desta retração se traduziram em
falências e concordatas, que atingiu toda a cadeia produtiva do calçado.
107
1980. Entretanto, essa crise que custou muito à classe operária do município e região, não
inaugura, de forma radical, mudanças advindas do modelo japonês, por exemplo, porque em
um universo produtivo baseado na pequena indústria, no qual muitas vezes processos
fordistas nem fazem parte ainda dessa dinâmica, falar de reestruturação toyotista pode ser
problemático. Não cabe aqui um aprofundamento desse aspecto, mas afirmar que o modelo
japonês (no Brasil) e à adoção (ou à tentativa) de uma ou mais técnicas ou sistemas tais como
‘just in time’, ‘kan-ban’, ‘manufatura celular’, ‘círculos de controle de qualidade’,
‘polivalência’, ‘controle de qualidade total’, entre outros, não estabelece alterações
substanciais na organização da produção, como se a empresa tivesse adotado tal modelo como
um todo.
No que diz respeito ao processo do trabalho a domicílio e terceirização em Franca,
com o levantamento estatístico que realizamos no decurso da pesquisa, registraram-se 730
reclamações trabalhistas, no período de 1968 a 1988, contra as unidades produtivas
denominadas de bancas39. Reiterando, cabe afirmar que somente anotamos os registros que se
expressavam nominalmente como bancas ou que ficasse claro o caráter domiciliar da
produção, pois acreditamos que os números apontados no gráfico 9 revelam pouco desse
universo do trabalho realizado nas residências, em boa medida bancas, embora muitas
também tenham se especializado em alguma atividade (como o pesponto) tornando-se
também indústria.
Quando o conflito explodia as barreiras do “contrato moral”, ou seja, uma relação
mais amistosa entre as partes, na qual o confronto direto e a Justiça do Trabalho não se faziam
presente, o que observamos é a tentativa dos trabalhadores em comprovar a existência de
relação empregatícia com as empresas para as quais prestava serviço. Entretanto, no
entendimento dos advogados das empresas, esse tipo de relação não se enquadrava nos
39
As Bancas são por excelência lugares que indicam a descentralização da produção.
108
dispostos da CLT uma vez que caracterizaria atividade de prestação de serviços autônomos,
qualificando, aquele trabalho como atividade de terceirização empresarial de serviços. Ao
contrário, como expressa a sentença do Juiz no processo contra à Calçados Granero: “Trata a
presente reclamação trabalhista do chamado trabalho a domicílio, circunstância que,
absolutamente, não desnatura a relação empregatícia”. (AHMF, Cx. 30 – Proc. 375/1969, p.
39). Continua, afirmando que
[...] os elementos integradores à estruturação da relação de trabalho,
prescinde de qualquer importância o fato de o trabalho ser exercido nas
próprias dependências do domicílio do empregado. É o que dispõe de forma
expressa o art. 6º da C.L.T. que não distingue entre o trabalho realizado no
estabelecimento e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja
caracterizada a relação de emprego. (AHMF, Cx. 30 – Proc. 375/1969,
p. 39).
Nesse período, nota-se uma confusão em torno dessa questão, desconsiderando a
tradição da condição do trabalho façonista, já abordado por Rinaldi (1987), na cidade, ou seja,
do trabalho realizado nas próprias residências. Queremos dizer que a condição que expressava
o nexo empregatício, segundo a legislação, que consistia na prestação pessoal de serviços,
continuidade, subordinação jurídica e salário, extrapolava o sentido real da relação social do
trabalho no setor calçadista.
Esse próximo processo trabalhista é essencial para entender uma dinâmica muito
comum, até nos dias de hoje. Trata-se da qualificação profissional e a carência de
profissionais gabaritados para certas funções nesse momento da produção calçadista na
cidade. Neste exemplo, o sapateiro, com 21 anos, era cortador e entra com ação trabalhista
contra a Indústria de Calçados Martiniano S.A. após ser demitido. Alega a empresa que
[...] o reclamante de uns tempos para cá, deixou de apresentar o lucro na
vaqueta, fato que antes não acontecia, pois o mesmo sempre mostrava-se
funcionário dos que apresentavam maior produtividade para a empresa. Que
o motivo alegado acima é depreendido pela razão de o reclamante trabalhar
durante o dia para a reclamada e à noite fazer ‘serão’ para outra fábrica de
calçados, conforme patenteia o documento anexo a presente contestação.
(AHMF, Cx. 157 – Proc. 692/1973, p. 11).
109
Essa expressão, lucro na vaqueta, talvez seja uma das mais peculiares do setor
calçadista que, em linhas gerais, significa um melhor aproveitamento da matéria-prima. Como
se vê, a empresa, nas entrelinhas, quer essa mão-de-obra exclusivamente para ela, pois
compartilhar o empregado com outra empresa significa menor dedicação deste ao processo
produtivo. O funcionário deve estar em sua plena condição física e mental para o trabalho.
Também deve-se levar em conta que existe competição entre as empresas e dividir o mesmo
trabalhador não é interessante para o empregador. Em contrapartida, o sapateiro, pelo
departamento jurídico do Sindicato, salienta que
[...] a procura de melhores condições de vida é uma constante na vida do
homem, daí muitos trabalhadores dedica-se a outro emprego tangente e,
como a Lei não veda à acumulação de empregos, o reclamante após cumprir
suas obrigações e fora do horário normal, jornada da reclamada, este fim de
ano, com o desejo de passar um natal melhor, é que procurando um
pequeno bico para alguns dias, se colocou nestas circunstâncias, sem ferir
qualquer cláusula contratual, uma vez que, repetindo, assim agiu depois de
cumprir suas obrigações para com a reclamada, se necessário provará.
(AHMF, Cx. 157 – Proc. 692/1973, p. 02).
Essa fala vem demonstrar que o valor salarial percebido pelo empregado não era
suficiente para a manutenção de sua qualidade de vida e de sua família. Qualidade de vida,
segundo Sen (2000), é aquilo que a pessoa valoriza para si. No entanto, ter vários empregos
ao mesmo tempo significa também o contrário, pois ao buscar o complemento de sua renda,
coloca em questão a sua própria qualidade de vida. O atestado de pobreza (ANEXO A)
expedido pela Delegacia de Polícia de Franca é um documento importante para ilustrar essa
condição de vida.
Como estratégia operária fica expressa nesse processo, no documento da dispensa
por justa causa:
[...] para que não alegue ignorância do fato, que estava fazendo ‘serão’ em
outra firma, e, como se não bastasse, no dia 05 p.p., esteve na firma pedindo
para ir ao médico que não estava passando bem de saúde, foi ao médico,
pediu atestado médico e foi trabalhar na mesma firma, que estava fazendo
‘serão’. (AHMF, Cx. 157 – Proc. 692/1973, p. 06).
110
Para encerrar esse conflito, a outra empresa, a Calçados Netto, registra em
Cartório o seguinte: “Declaramos para todos fins de direito, que o Sr. José Ferreira as Silva
Filho, exerce as funções de cortador de vaqueta nesta firma, no período noturno. Por ser
verdade firmo a presente. Franca, 05 dezembro de 1973”. (AHMF, Cx. 157 – Proc. 692/1973,
p.15).
Em um outro exemplo, processo (AHMF, Cx. 301 – Proc. 521/1978), a sapateira é
uma costuradeira autônoma e a reclamação trabalhista é contra uma banca de pesponto. A
alegação da outra parte foi a seguinte:
Que não houve dispensa por parte da reclamada, visto que os reclamantes
não tinham vínculo algum com a reclamada. Foi com tal espanto que a
reclamada recebeu a notificação dos reclamantes, postulando aviso prévio,
férias, 13º salários, e registro em Carteira de Trabalho sendo que, [...]; b) Os
reclamantes não eram empregados da reclamada; c) Não houve dispensa
alguma por parte da reclamada uma vez que os reclamantes é que se
ofereceram para auxiliá-la até que terminasse aquela remessa de costura.
(AHMF, Cx. 301 – Proc. 521/1978, p. 09).
Portanto, quando é rompido o acordo moral entre as partes, a saída é sempre a
Justiça do Trabalho. Notem que a exigência é pelo direito adquirido e ignorado pela classe
empresarial e patronal que desemboca, em boa medida, sempre em conciliações. A
dificuldade em estabelecer-se dentro da legalidade trabalhista diz respeito ao perfil do
trabalho em Franca, uma vez que muitas dessas bancas iniciam serviços clandestinos, nos
fundos das casas e, por isso mesmo, a relação de trabalho, em um viés de exploração absoluta,
fica muito circunscrita à relação informal de contrato.
Este outro processo (AHMF, Cx. 388 – Proc. 468/1981) contra a Indústria de
Calçados Kátia, ilustra, entre outros fatores, que por detrás das exigências de reparações
salariais pura e simplesmente, o que move os trabalhadores é muito mais que isso. A
111
argumentação da sapateira, pespontadeira, cujo trabalho exercia em seu próprio domicílio
(ANEXO B),
[...] foi admitida a serviço da Reclamada. Em 20 de setembro de 1979, com
as funções de pespontadeira de corte-de-calçados, em seu próprio domicílio.
Foi registrada em data de 01 de março de 1981, tendo trabalhado sem o
devido registro, durante o período de 17 (dezessete) meses, ou seja, 01
(hum) ano, 05 (cinco) meses e 11(onze) dias. [...] nada recebeu sobre as
férias referentes do período em que trabalhou sem o devido registro. [...]
está afastada dos serviços da Recda., por se encontrar no 9º (nono) mês de
gestação. (AHMF, Cx. 388 – Proc. 468/1981, p. 2).
Na argumentação da empresa,
[...] a reclamante não fora registrada e não poderia ser, pois, neste período,
ela não prestava qualquer serviço à reclamada, sendo o início de sua
prestação de serviço somente em fevereiro de 1980, sem qualquer vínculo
empregatício, isto porque em nenhuma oportunidade firmara qualquer
contrato de trabalho [...] tão pouco fora contratada como tal, exercendo sim
transitoriamente e esporadicamente trabalho de natureza especificamente
ocasional e eventual, sem qualquer exclusividade, continuidade, e
subordinação ou obediência hierárquica, trabalhando em sua própria
residência. [...] Seu trabalho não lhe outorgou o status jurídico de
empregada, pois não prestava serviços contínuos e sim respondendo a uma
necessidade ocasional da empresa, não obedecendo horário ou exigência no
cumprimento da obrigação. [...] Não prestava serviços cotidianamente, pois
dependia dos pedidos de calçados que utilizavam costura manual. (AHMF,
Cx. 388 – Proc. 468/1981, p. 13).
A defesa da empresa chega ao ponto de refutar o caráter empregatício,
apresentando nos autos cópia da inscrição municipal da sapateira, alegando que esta se
apresentou à firma como Costuradeira Manual de Calçados Autônoma. Ademais é curioso a
forma que as empresas se utilizam da CLT, provando ademais, como cada um se apropria do
instrumento jurídico.
A busca pelo reconhecimento dos vínculos empregatícios, posterior a contratação
do trabalhador, vem demonstrar que esse ato não se faz importante logo no início do
estabelecimento das relações, no entanto, nesse exemplo, a trabalhadora grávida se vê lesada,
pois com seu afastamento não terá salário como outra empregada registrada teria. Com os
vínculos são firmadas as garantias trabalhistas, como é o caso do salário maternidade, pago
112
pelo INSS através das empresas. Nesse caso o raciocínio da trabalhadora indica o seguinte: se
existe uma relação de trabalho, ou seja, de deveres, deve também existir os direitos, mesmo
que não exista concretamente o registro na carteira.
Esse processo (AHMF, Cx 450 – Proc. 485/ 1983) é importante para esclarecer o
aparecimento, já no início da década de 1980, de procedimentos empresariais que se
tornariam comuns daí por diante, os quais dizem respeito ao processo de terceirização
propriamente dito. Notamos, com a pesquisa, a delegação de toda parte contratual e de
recursos humanos da empresa Vulcabrás Vogue S.A. Indústria e Comércio de Exportação,
sediada em Franca, à empresa Open Serviços Temporários e Efetivos Ltda, de São Paulo,
Capital. No período de 1982 a 1988 os processos trabalhistas somaram 46. Nota-se que no
ano de 1983 ocorreram a maioria das incidências de processos, como ilustra a tabela abaixo.
Outro detalhe que vale atenção foi o esforço em conciliar, em chegar a um acordo com os
sapateiros, portanto todos os registros dos processos que verificamos foram, em seu resultado
final, conciliados.
TABELA 2
Quantidade de processos contra a empresa Open Serviços Temporários e Efetivos Ltda
Ano
Quantidade de
processos
1982
3
1983
26
1984
6
1985
5
1986
5
1987
0
1988
1
Total
46
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Franca
O eixo de enfoque pelas partes, nos processos, são parecidos, assim o exemplo
deste único processo ilustrará bem. O sapateiro que move ação trabalhista, assistido pelo
sindicato de classe, é encarregado de pesponto,
113
[...] foi admitido pela primeira reclamada em 04.01.78, para exercer o cargo
de pespontador de primeira [com alta qualificação profissional]. Ocorre que
na data de 01.09.81, a primeira reclamada promoveu a baixa do contrato de
trabalho na CTPS do reclamante, sem haver a prestação laboral e
promoveram às páginas 52 das anotações gerais da CTPS, um contrato de
trabalho pro prazo determinado com a segunda Reclamada. O contrato com
a segunda reclamada teve somente a finalidade de burlar as leis trabalhistas,
haja vista que o reclamante sofreu diminuição em seus vencimentos, pois
recebia em 01.09.81 C$160,55 por hora e passou a receber, a partir de
02.09.81 C$ 112,62 por hora, sem haver ocorrido à mudança do local do
trabalho e exercendo a mesma função. (AHMF, Cx 450 – Proc. 485/
1983, p. 02-03).
Embora fique patente nos processos a exigência por parte dos trabalhadores das
diferenças salariais, é também evidente o descontentamento dos mesmos com a nova situação
imposta pela empresa. Portanto, não é somente o aspecto financeiro o primordial.
Vamos expor em seguida a versão impetrada na defesa da empresa pelos seus
advogados:
Não é verdade a alegação do reclamante, ‘data vênia’, de que ambas as
empresas acionadas teriam agido com objetivo de fraudar os direitos
trabalhistas do reclamante. Na verdade o que ocorreu, foi real e efetiva
dispensa do reclamante, em data de 01.09.81, conforme se vê na rescisão
contratual. Por ocasião da rescisão do contrato de trabalho do reclamante,
foram-lhe pagas todas as verbas devidas inclusive o Aviso Prévio
indenizado, e demais consectários legais. A partir de 02.09.81, o reclamante
passou a prestar serviços à segunda reclamada, embora, como afirma, tenha
continuado a prestá-los no recinto da primeira reclamada, embora desta não
fosse funcionário. A prestação de serviços à segunda reclamada, mediante
contrato escrito, foi devidamente formalizado e o reclamante regularmente
registrado na empresa. (AHMF, Cx 450 – Proc. 485/ 1983, p. 26).
É preciso notar na citação acima que, em momento algum, faz alusão sobre o
decréscimo nos vencimentos do trabalhador. Ademais o discurso de defesa continua longo e
com muitas incursões ao universo da Lei, mas cabe mencionar pontos que escapam e deixam
aflorar uma atitude conservadora. Por exemplo, quando continua o texto:
Entende-se, outrossim, que foi o reclamente efetivamente dispensado da
primeira reclamada, antes de firmar o malfadado contrato de trabalho; caso
não tivesse sido absorvido pela segunda reclamada, fatalmente estaria
desempregado, o que faz presumir a necessidade da mantença do contrato
de trabalho, e o reconhecimento da existência da segunda empregadora,
114
principalmente para eliminação da crise do desemprego, que afeta esse país
de há muito tempo. (AHMF, Cx 450 – Proc. 485/ 1983, p. 28).
Esse discurso acima não procede, pois o período em questão é o maior surto
produtivo de calçados da toda história do município. Ademais, é o momento que muitos
pesquisadores também vão identificar a classe operária associada à “virada sindical”.
Sobre a questão da mão-de-obra e a qualificação desta para o setor de calçado
Franca parece ocorrer distintamente ao exemplo de outros lugares, como sugere Cocco
(2002), onde há uma proteção entre si dos produtores e fabricantes da região. Em Franca, nem
os empresários e muito menos os sindicatos ampararam bem o gerenciamento da mão-de-obra
do setor calçadista. Não é por acaso que empresas, como as citadas acima, tenham facilidade
de se inserir com tanta facilidade nesse universo.
Outro exemplo comum, nesse processo, entre as reclamações que envolvem o
aspecto do trabalho domiciliar é o recurso de pespontadores autônomos, muitos inclusive com
alvará municipal (ANEXO C) e também donos de bancas, de entrar na Justiça do Trabalho
para exigir da empresa que presta serviços, direitos trabalhistas referentes a um vínculo
empregatício que sempre é muito conflituoso. O argumento de defesa por parte dos
empresários tenta ilustrar essa prestação de serviços, demonstrando o contrato das atividades.
Ademais ilustra esse exemplo o seguinte, por parte da empresa:
[...] o reclamante tinha vários empregados devidamente registrados, entre
eles a sua esposa. Os reclamantes nunca foram empregados da reclamada,
pela total ausência, sempre dos elementos necessários e indispensáveis
(conditiones quibus num ed), para a configuração do vínculo laborial; (a)
trabalho continuado; (b) dependência econômica e (c) subordinação
hierárquica. (AHMF, Cx. 527 – Proc. 146/1985).
Continuando cita o artigo 651 da CLT, em que os trabalhadores mencionados
“nunca foram empregados da reclamada, por tal motivo não a de se falar em admissão 15 de
115
junho de 84, muito menos em dispensa a partir de Janeiro de 1985”. (AHMF, Cx. 527 – Proc.
146/1985, p. 21).
Como se nota mais uma vez, o recurso à Justiça se dá pelo rompimento do acordo
moral e nesse caso fica vidente a dilatação da fronteira da classe operária, que se expande e
demonstra a sua complexidade, sendo palco das vivências e conflitos, mas não alinhando,
objetivamente, os vieses da classe nitidamente.
5.3.2 Vigiar o banheiro: a intensa disciplina espalhada pelo chão-de-fábrica
Para inserir essa subseção, sobre a disciplina fabril, é preciso ressaltar que a idéia
de direitos constitui-se a partir da convivência com outros trabalhadores que, porventura,
recorreram à Justiça. Por isso, o recurso à Justiça é também uma forma dos trabalhadores se
postarem como sujeitos e não como “vítima” desse processo de disciplina. Em última
instância, valeram-se da CLT, na via judicial do trabalho, para contestar o poder que a mesma
conferia aos industriais no controle da força produtiva.
CANCELAMENTO SUSPENSÃO E
CONSEQUÊNCIAS (INDISCIPLINA NO
TRABALHO)
Ano 1968
Ano 1969
Ano 1970
Ano 1971
Ano 1974
Ano 1975
118
Ano 1976
97
100
80
20
0
Ano 1973
141
140
120
60
40
Ano 1972
153
160
92
89
86
Ano 1977
Ano 1978
Ano 1979
67
Ano 1980
52
42
Ano 1982
34
21 19
19
11 7
Ano 1981
47
27
21
Ano 1983
13
9
Ano 1984
Ano 1985
Ano 1986
1
Ano 1987
Ano 1988
GRÁFICO 10 – Cancelamento de suspensão e conseqüências (indisciplina no trabalho) 1968-1988
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Franca
116
A ilustração acima demonstra que não é somente o aspecto econômico que
predomina no embate desses conflitos trabalhistas, pois por detrás dos números temos que ver
as formas que os operários se relacionaram com essa disciplina fabril, rompendo as amarras
das “normas” internas das empresas que assumiam uma função extra de vigilância, quando
criava e arquivava uma série de documentos, a exemplo das advertências e suspensões, que
serviriam a seu favor em um embate com a Justiça do Trabalho.
Esse universo disciplinar40 do setor calçadista é muito rico e variado. Por isso
vamos destacar alguns processos que ampliam um pouco mais as bases das experiências e
atitudes dos sapateiros.
Alguns processos dão a dimensão do caráter operário da cidade. Em uma atividade
diretamente ligada ao setor calçadista, empresas de produção de vários artefatos, como da
borracha, se destacam. A empresa Pucci S.A., a mesma empresa denominada futuramente de
Amazonas, assim como a Samello, foi responsável pelos processos disciplinares condizentes
ao universo fordista-taylorista, ou seja, exerceu papel de paradigma do processo de
disciplinarização da classe operária no município e região. Para se ter uma noção, conferimos
o registro de 73 processos em nome da empresa Pucci S.A., no período de 1965 a 1971, e 231
processos para Amazonas Produtos para Calçados S.A., com o total de 304 registros, que se
concentram em sua maioria no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Certamente pode
40
Sobre esse aspecto da disciplina fabril, vale observar a alegação da empresa A. Lopes de Mello e Cia,
justificando a suspensão e advertência do funcionário pela queda de produtividade: “em 3 três dias de trabalho,
o reclamante produziu 988 pares e sua colega, no mesmo período, fez 1125 pares havendo assim uma
diferença apenas de 137 pares de talões. Ocorre que a diminuição de produção é maliciosa e intencional. A
principio foi bom operário, mas de uns tempos a esta parte, naturalmente sentindo ‘o sinal dos tempos’.
Ademais, um homem é bom até o dia em que pratica um crime. Nem por isso deve ser absolvido, só por ser
bom, do crime cometido [...]” (AHMF, Cx. 467, Cartório 2º Ofício, Proc. 1763/1953, p. 37). “A prevalecer a
‘birra’, ‘a greve individual’ do reclamante, todos os demais colegas poderiam fazer o mesmo e onde iria parar
a produção da indústria?!” (AHMF, Cx. 467, Cartório 2º Ofício, Proc. 1763/1953, p. 38). Em outro processo, a
mesma empresa A. Lopes de Mello & Cia, alega que “nessa fábrica trabalham dezenas e dezenas de operários.
Não havendo espírito de ordem, de disciplina, de hierarquia, é lógico que a indústria pode entrar em colapso.
A função da Justiça é equilibrar o capital com o trabalho, não transigindo com a indisciplina e a imoralidade
na empresa”. (AHMF, Cx. 467, Cartório 2º Ofício, Proc. 1779/1955).
117
parecer pouco em uma perspectiva histórica, mas em comparação a outras empresas
verificamos o contrário.
Na empresa citada acima, a Pucci S.A., o modelador Cândido Vitor Vieira foi
“suspenso por 5 dias ao faltar injustificadamente nos dias 16 e 17 de fevereiro de 1968”.
(AHMF, Cx. 10 – Proc. 225/1968, p. 4). Em audiência, o depoimento pessoal do reclamante
fala por si:
[...] por ter chegado atrasado no dia 16.2.68, 3 minutos, não lhe tendo sido
permitida a prestação de serviço pelo Marcolino, motivo pelo qual não
trabalhou no período, ‘ter perdido a hora’, [...] por ter ido a Batatais buscar
uma sobrinha menor, que vive com seus pais na roça e que necessitou viajar
a esta cidade de Franca, para estudar; esta menor foi enviada da roça a
cidade de Batatais pelo caminhão do leite, não tendo sido possível ao
depoente buscar a referida menor no período da tarde (período em que o
depoente não trabalha aos sábados) porque ela estuda a partir da 14 horas,
[...] o depoente nunca havia procurado trazer a sobrinha antes, pois era o
genitor do depoente quem ia buscá-la sempre antes de falecer. (AHMF,
Cx. 10 – Proc. 225/1968, p. 18).
Por sua vez a empresa, em depoimento, alega que
[...] o chefe do reclamante não informou à empresa se o reclamante havia ou
não avisado que faltaria; na reclamada há tolerância de 8 a 10 minutos para
os atrasos; o empregado marca o cartão de ponto no relógio, quando chegar
dentro da tolerância, depois não. (AHMF, Cx. 10 – Proc. 225/1968, p.
19).
A verdade histórica e social relatada não nos cabe julgar. Mas um aspecto rico dos
depoimento nas audiências requeridas em muitos processos, oferece-nos uma perspectiva de
análise importante, uma vez que nesses relatos percebe-se um rompimento da barreira
individual do processo trabalhista, ou seja, notamos a cooperação entre os trabalhadores nos
depoimentos que acompanham as versões defendidas pelos mesmos. Ou seja, constata-se um
movimento de classe nesse espaço jurídico.
A sentença do Juiz é sintomática:
118
[...] trabalhador que em mais de 3 anos de empresa faltou apenas em 2
oportunidades (2 meias jornadas) não pode ser considerado campeão de
absenteísmo, mas de assiduidade. [...] deverá ter o limite das necessidades
humanas normais. Mesmos os dirigentes empresariais e os líderes das
demais atividades, cônscios de suas responsabilidades não poderão negar
que em certas oportunidades são obrigados a deixarem seus afazeres
profissionais para atenderem uma necessidade premente de sua vida
particular em geral ou familiar em particular. (AHMF, Cx. 10 – Proc.
225/1968, p. 32-33).
O processo a seguir, entre tantos que ilustram esse expediente, demonstra o
sistema de exploração da mão-de-obra, controlando as idas e vindas ao banheiro. Nesse caso,
uma menor inicia essa reclamação trabalhista para cancelar sua suspensão decidida pelas
normas internas da Calçados Peixe S.A., segundo a qual essa operária estaria “desreipeitando
as normas internas da fábrica, indo ao vestiário sem a devida chave, com o nº da seção”.
(AHMF, Cx. 14 – Proc. 469/1968). Ou seja, a suspensão aconteceu por ter ido ao banheiro
sem senha e descumprir determinação de apenas três pessoas no banheiro. Noutro processo,
(AHMF, Cx. 284 – Proc. 762/1977) verifica-se como a vigilância do banheiro serve para
ampliar a mais-valia (ANEXO D). A empresa citada anteriormente, no ano de 1968,
repreende outra sapateira, advertindo-a em 31.05.1967 “por não acatar instruções do chefe e
conversar em demasia no horário de trabalho”. (AHMF, Cx. 17 – Proc. 675/1968, p. 11). O
exemplo vale para mostrar que, nesse ambiente, era-se advertido por escrito até mesmo por
“olhar para trás”.
Em 1968, quando é instalada em Franca a Junta de Conciliação e Justiça, boa parte
dos processos é oriunda dos anos anteriores acolhidos pelos Cartórios de Ofício Cíveis do
município. Esse processo demonstra o discurso das empresas e o nível da disciplina exigida
aos funcionários, assim como uma tática comum quando se trata da alegação de desídia por
119
parte dos operários, qual seja, enquadrar as atitudes operárias no artigo 482 da CLT41. Dessa
forma, argumenta o advogado da Amazonas S.A:
Relatório de ato de incontinência de conduta, ou mau procedimento no local
de trabalho, desídia no desempenho das respectivas funções e ato de
indisciplina e insubordinação, conforme determina o artigo 482 da
consolidação das leis do trabalho, alíneas “b” , “e” e “h”. [...] ser advertido
verbalmente pelo Edson Durvan, chefe [...] sem razão desacatou com
violência e palavrões, continuando por vários dias com ameaças. (AHMF,
Cx. 10 – Proc. 225/1968, p. 29).
Como no processo anterior, também na mesma empresa, a reclamação trabalhista
se dá pela exigência no cancelamento da suspensão. Alega a empresa que o operário foi
suspenso no dia 17.06.68, “[...] em virtude da morosidade proposital na confecção de fôrmas,
e, ainda, pela sua indisciplina e insubordinação ao deixar a seção de serviços, dirigindo-se à
outra, sem prévia autorização.” (AHMF, Cx. 14 – Proc. 463/1968, p. 4). Mais adiante, fica
expresso o motivo da suspensão: “[...] as empresas não podem tolerar as faltas cometidas e
devem punir, de imediato, aqueles que cometem faltas no serviço, porque a tolerância
resultaria no perdão, não se somando para uma futura demissão, se se repetirem as faltas de
igual natureza”. (AHMF, Cx. 14 – Proc. 463/1968, p. 14). Não esqueçamos o caráter da
produtividade, “[...] pois que cada fôrma requer o tempo de 90 horas para ser confeccionada,
e, o reclamante vinha consumindo 130 horas nessa obra, [...] prejuízo para a empresa”.
(AHMF, Cx. 14 – Proc. 463/1968, p. 14 - 15).
O pano de fundo é demonstrado no depoimento pessoal do operário, em audiência,
relata o seguinte: “[...] quando o depoente ingressou na empresa todos trabalhavam na base
horária, inclusive depoente, 4 anos depois, [...] é que alguns dos empregados passaram a
41
Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de
improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou
alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o
empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não
tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f)
embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de
insubordinação; i) abandono de emprego. (PINTO, 2005, p. 123).
120
trabalhar por produção”. (AHMF, Cx. 14 – Proc. 463/1968, p. 26). O que está em questão é a
mudança do ritmo de produção e o discurso da empresa é defender o trabalho por produção,
afinal.
[...] o trabalho por produção ser mais rápido é devido a varias razões: maior
interesse para ganhar mais, o fato de os que trabalham por produção terem
privilégio sobre os demais para serem atendidos nas máquinas e no
recebimento de material e ainda porque os que trabalham por hora são
chamados, às vezes, a executar pequenos serviços de intensidade variável.
(AHMF, Cx. 14 – Proc. 463/1968, p. 27).
Mesmo assim, a sentença do Juiz é a seguinte:
[...] a suspensão do empregado por sete dias, representando a quarta parte
do ganho mensal, é exagerada, tratando-se como se trata da primeira vez
que a morosidade na execução do trabalho se apresenta. Observa-se, ainda,
que o ambiente de trabalho na secção do autor desta ação não é satisfatório,
como se verifica pelo depoimento de todas testemunhas, inclusive a da
empresa, chefe de secção. A promessa de novas bases de pagamento das
fôrmas não está sendo cumprida pela ré, o que é desastroso em termos de
relações humanas. (AHMF, Cx. 14 – Proc. 463/1968, p. 40- 41).
Como já salientamos há o uso contínuo de uma série e complexa rede de anotações
e recibos assinados pelos trabalhadores em “concordância” com as normas da empresa. Dessa
forma, esses próprios documentos são utilizados pela empresa de acordo com seus interesses
da empresa. A padronização das normas, via Departamento Pessoal (ANEXO E), cria uma
verdadeira central de informações42 que serve também para intimidar o operário.
Entretanto, o aparato burocrático de seus departamentos não era infalível. Nesse
outro processo, por exemplo, que se inicia em novembro de 1966, pois o operário recebeu
uma carta de demissão por ter provocado desordens no ambiente trabalho, segundo a empresa
com a “[...] intenção de provocar uma greve no dia 11 do corrente, conforme nos faculta o art.
42
A empresa Calçados Terra S.A, usa a legislação trabalhista com a intenção de pressionar, e intimidar, a
trabalhadora, pois nas guias de comunicação interna que imprime escreve o seguinte: "Lembramos que a
repetição destas faltas, seremos forçados a tomar medidas mais enérgicas a respeito, conforme nos permite a
lei trabalhista." (AHMF, Cx. 266 – Proc. 253/1977, p. 7).
121
723 da Consolidação das Leis do Trabalho, rescindir teu contrato de trabalho. Cabeça de
coligação, [...] orientando os seus colegas para abandonarem o serviço”. (AHMF, Cx. 22 Proc. 911/1968, p. 21).
Pois, essa atitude operária ocorreu dentro da fábrica, na seção de prensa, com a
queixa do atraso no pagamento. A observação que queremos ressaltar é que na audiência
todos os operários que testemunharam se orientaram no seguinte discurso:
[...] resolveram fazer um movimento no sentido de pedir a firma que lhes
pagasse naquele dia; depois de picotarem os seus cartões, mandaram
chamar o chefe da secção, Sr. Edson, o qual ali chegando, por intermédio
do reclamante, ficou inteirado da reclamação dos presentes; [...] o
movimento não tinha nenhum chefe; que, então o Sr. Edson saiu e foi
chamar o Sr. Carlos, chefe do Departamento Pessoal; [...] a paralisação do
trabalho durou uns 10 minutos, mais ou menos; que as demais secção da
fábrica não pararam; que uns 30 operários participaram desse movimento.
(AHMF, Cx. 22 -Proc. 911/1968, p. 26).
O conflito trabalhista seguiu até o TRT, mas teve a mesma sentença da primeira
instância:
[...] não há prova segura e convincente de que o reclamante foi o cabeça, o
organizador e instigador do movimento de protesto. [...] pelo simples fato
de ter sido o reclamante quem se dirigiu ao chefe da secção, [...] como
assinalam as testemunhas do reclamante, o movimento não teve chefe, pois
todos estavam de acordo, e se foi o reclamante que serviu de porta-voz.
Rigorosa foi a punição aplicada ao reclamante, que não merecia a demissão
enquanto outros, também participantes do movimento, nada sofreram.
(AHMF, Cx. 22 - Proc. 911/1968, p. 40-41).
Esses movimentos diretos ocorriam frequentemente no espaço produtivo,
entretanto o conflito de classe levado à Justiça do Trabalho indica um viés político dos
trabalhadores que acompanham até a última instância o final do processo.
No processo a seguir, o sapateiro exige na Justiça a retomada da função anterior,
que exercia na Squalo Calçados. Uma das testemunhas na audiência informa a situação:
[...] o serviço de examinar o calçado antes da expedição é de mais
responsabilidade, pois este é o último que pega no sapato, [...] a pessoa que
ficou no lugar do reclamante é um menor de aproximadamente 16 anos que
já trabalhava na firma, [...] o menor que substituiu o reclamante aprendeu
122
este serviço com o próprio reclamante. (AHMF, Cx. 21 – Proc. 884/
1968, p. 34).
Ou seja, verificamos a luta, nesse caso, de continuar na função anterior que lhe
conferia maior status ou, por outra, pela qualificação profissional. Pois era revisor de calçados
e foi colocado para passar tinta. Entra na Justiça para voltar ao cargo anterior, o que é
consentido, favoravelmente, ao trabalhador.
Os artifícios que a empresa, no exemplo da Pucci S.A, utiliza-se para auxiliá-la na
tentativa de comandar a disciplina produtiva são vários, entre os quais destacamos os
memorandos, as advertências e as suspensões, em que os próprios operários teriam que
assinar esses procedimentos. Outro aspecto, utilizado pelo advogado da empresa, é a atenção
aos detalhes no discurso jurídico, no qual é exposto nos processos com muitos anexos como
fichas de produtividade dos operários, assim como os memorandos, relatórios e folhas de
advertência do operário. Vejamos um exemplo em um memorando do dia 27.08.69: “[...] é
objetivo atingir a produção de 255 prensadas. [...] este funcionário nunca atingiu a produção”.
Em 03.09.69, continua noutro memorando interno:
O referido acima, estava tirando salto do aro da fôrma com a chave que só
serve para abrir fôrmas, o mesmo tem a ferramenta apropriada, de borracha,
para evitar o estrago na fôrma. O elemento trabalha a mais de 1 (um) ano
com estas fôrmas e já teve instruções a respeito. O auxiliar Higino Bereta
encontrou-o batendo nas fômas com a ferramenta de abrir, ao passo que
deveria bater com a ferramenta de borracha. Ele foi chamado atenção, em
resposta disse que iria fazer o que bem queria, e se não servisse que
mandasse embora. N.E. disse que iria manter choques físicos com o Higino
na rua. (AHMF, Cx. 43 – Proc. 770/1969, p. 28).
Nessa tentativa de aprofundar uma análise diversificada dos processos trabalhistas,
verifica-se uma diversidade de fatos, os quais poderão, futuramente, ser melhor estudados.
Nesse processo, observamos como a indústria, nesse período, apresentava-se em relação ao
ambiente de trabalho e sua insalubridade. O exemplo é na própria Calçados Samello, como
bem sabido uma das responsáveis pela implantação de um novo modelo arquitetônico da
123
indústria francana. Vejamos o que os sapateiros dizem nos processos acerca desse ambiente.
Mais uma vez, o que move as sapateiras na reclamação trabalhista é a revogação das
penalidades impostas pela empresa, pois segundo elas, “ambas reclamantes foram advertidas”
sem que houvesse “justo motivo”. Continua o discurso jurídico do advogado do Sindicato de
classe:
[...] por um pequeno lapso de tempo, despojaram-se do avental em virtude
da quase insuportável ‘canícula’ (calor insuportável) reinante do local de
trabalho. Uma das reclamantes vive acometida de uma má função renal e,
em conseqüência do calor, o aumento da ‘sudoreze’ lhe causa um mal estar
geral. O elevado número de pessoas, cerca de 900 (novecentos), [...] não
existe ‘refrigeração artificial’, sempre que os ‘vitrais’ localizados próximo
ao lugar em que trabalham as reclamantes, são colocados em tal altura, que
não forma a necessária ventilação renovadora de ar. (AHMF, Cx. 105 –
Proc. 175/1972, p. 2-3).
A punição em advertência, como se vê, foi por causa do não uso do avental, que
figurava como uniforme da empresa. Em contrapartida, o advogado da empresa argumenta
que:
[...] as reclamantes, através da presente, escondem um propósito escuso,
qual seja, desejam forçar uma rescisão contratual, conseguindo ou tentando
conseguir algum dinheiro, pois não fizeram qualquer segredo: estão noivas.
Isso é sintomático. Algumas empregadas da secção de ‘enfeite’, resolveram
não mais usar o uniforme. O local de trabalho é amplo arejado, com
extraordinária ventilação. Está a indústria absolutamente dentro dos
princípios de segurança e higiene do trabalho. Franca, pelas suas condições
climatéricas, jamais oferece oportunidade à “canícula”, a temperatura
máxima aqui observada é perfeitamente suportável. (AHMF, Cx. 105 –
Proc. 175/1972, p. 14).
Vamos expor em anexo, neste trabalho, algumas das advertências e suspensões
selecionadas de distintas empresas. Esta contra a empresa C. R. Mello Indústria de Calçados
revela bem os termos que utilizavam as empresas, como já dissemos, enquadrando a CLT no
seu artigo n. 482. Os motivos alegados são:
Brinca e conversa muito em serviço, atrapalhando assim a sua produção e a
dos seus colegas, que ficam prejudicados visto que trabalham por peças.
[Continuam:] a) Falta de honestidade e de responsabilidade na prestação do
seu trabalho, pois estava estragando vaqueta, com o propósito de prejudicar
a firma.; b) Conversa demais em serviço.; c) Sai muito da sua mesa de
124
trabalho.; d) Atrapalha o trabalho dos seus colega, que saem prejudicados,
pois, produzem menos e por isso também ganham menos; e) Não está
dando a sua produção normal dos meses anteriores, conforme se nota
claramente pelas suas fichas de produção. (ANEXO F). (AHMF, Cx. 130
– Proc. 150/1973, p. 5-6).
Outros são: “Faz hora e não produz e também não deixa os seus colegas
produzirem normalmente, devido ao excesso de conversa e de constantes saídas da sua mesa
de trabalho”. (AHMF, Cx. 130 – Proc. 150/1973, p. 7).
O processo a seguir mostra como o sapateiro utiliza a lei a seu favor. Punido
internamente pelas normas da empresa, “[...] portando-se de maneira inconveniente no
ambiente de trabalho, desrespeitando não só uma colega (chamando-a de neguinha e puta),
mas os demais elementos de trabalho naquela empresa”. (AHMF, Cx. 142 – Proc. 371/1973,
p. 13). Apesar disso, a alegação em sua defesa foi enquadrar o motivo de “[...] estar sendo
incorporado compulsoriamente para prestar o serviço militar como é dever de todo cidadão”.
(AHMF, Cx. 142 – Proc. 371/1973, p. 2).
Saber dos motivos que levam o operário a entrar na Justiça é uma intenção sempre
incompleta. Nesse caso, por exemplo, mesmo a provável improcedência final do processo,
arriscou. Foi contra a Calçados Terra S/A, que segundo a empresa:
[...] passou a mão em parte pudenta de uma empregada da Reclamada, de
nome Maria Aparecida Ribeiro; originou-se uma discussão entre ambos,
[...] mandou esta funcionária, em voz alta, tomar no [...] Sofrera suspensão
por um dia, pelas atitudes que vinha tomando na Reclamada, [...] por mera
revolta, uma máquina. Colocou duas (2) peças na referida quando estava
cansado de saber que somente poderia trabalhar de peça em peça. Acabou
confessando o seu ato ilícito. (AHMF, Cx. 154 – Proc. 655/1973, p. 9).
A sentença foi categórica:
A prova, no sentido de que o autor desta ação teria deslizado a mão,
propositalmente, pelas nádegas de uma empregada, é convincente. Também
é convincente a prova no sentido de que o reclamante teria dirigido palavras
injuriosas à testemunha. Que a quebra da máquina se deu conscientemente;
isto porque afirmou que não poderiam ser dobradas simultaneamente duas
125
peças e que havia solicitado a revisão da máquina. (AHMF, Cx. 154 –
Proc. 655/1973, p. 21-22).
Como se observa, essa ação abusiva teve sua pena, qual seja, a improcedência do
processo. Ou seja, não é qualquer ação operária que pode costurar experiências comuns.
Na reclamação trabalhista em questão, a sapateira, costuradeira de mocassim, de
21 anos, solteira, revela o quanto as questões fabris expandem-se para além das fábricas.
Numa análise panorâmica, verifica-se que a operária foi demitida por, segundo a empresa,
“[...] ter-se incompatibilizado com o chefe de sua secção”. (AHMF, Cx. 150 – Proc.
557/1973, p. 11). Segundo a sapateira, o “[...] chefe disse que a costura daquele pé estaria
errada, ele diz ‘você vai refazer este pé ou ‘te mando embora’, a maltratando com uma
linguagem nada recomendável para [...] uma moça (chamando-a de Fubá e de biscate)”.
(AHMF, Cx. 150 – Proc. 557/1973, p. 2). Entretanto, ao verificar os depoimentos das
audiências, verificamos que, na realidade, existia uma tentativa frustrada deste chefe de seção
em dar uma carona à sapateira e mais duas amigas, até o recinto da Francal43.
Nesse outro processo, contra a Calçados Marquinho, fica evidente o desamparo do
trabalhador em relação à segurança no trabalho. O que merece aprofundamento, noutra
oportunidade e, com novas perspectivas, é o questionamento do porquê as firmas não
aceitarem, muitas vezes, atestados médicos que não do convênio de sua empresa. O relato
pessoal, em audiência, pode falar um pouco mais:
[...] tendo aparecido moléstia em sua perna direita, [...] erisipela, [...]
situação de sua perna que não lhe permitia permanecer em pé; procurou o
médico da empresa, pela manhã, e o mesmo não se encontrava nas
dependências da empresa; que o chefe disse ao depoente que esperasse até
ás 12.00 horas; que o depoente esclarece ainda que para consultar o médico
da UNIMED, empresa pertencente ao convênio da reclamada, necessário se
faz uma autorização desta; [...] depoente foi ao INPS, tendo sido atendido
pelo Dr. Odimar Almeida Luz; [...] o aludido médico submeteu o depoente
á cirurgia da perna, tendo lhe passado atestado de fls. 6; que o depoente
43
Feira de calçados realizada de 1969 até 1982 na cidade de Franca. Depois desta data, esta ocorre todos os anos
em São Paulo, capital.
126
quando de retorno exibiu atestado para a empresa e esta recusou. (AHMF,
Cx. 260 – Proc. 69/1977, p. 23).
O processo a seguir oferece exemplo de forte efeito, contra a Cia de Calçados
Palermo, pois revela o nível de revolta e consciência do trabalhador, encurralado pelas ordens
e regras, além do baixo salário, constatado em seu depoimento. Não estamos analisando o
mérito da sua dispensa e seus fundamentos legais, vale destacar a frase que fala por si: “Nem
o rei me manda, quanto mais o dono da fábrica”. (AHMF, Cx. 283 – Proc. 719/1977, p. 10).
Outro aspecto é a questão econômica da empresa, que não está fora dos conflitos,
em relação à pressão disciplinar dos operários. O borracheiro da Amazonas S.A. elucida isso
quando foi suspenso por três dias por causa de um acidente. A empresa, pelo advogado,
argumenta:
A suspensão foi justa. Decorreu do legítimo exercício do direito da
reclamada consistente na prerrogativa legal que tem para conduzir a
prestação dos serviços. A sua própria negligencia está confessada na peça
vestibular. [Reiterando sempre que o operário não é novato, continua:] [...]
o reclamante, demonstrando total falta de zelo, de dedicação, de atenção, de
interesse ou empenho, fez com que se danificasse a matriz. Compete ao
‘prenseiro’ verificar, antes de proceder o fechamento do ‘plator’, se na parte
destinada ao molde há algum objeto estranho. Esta verificação é tanto mais
imperiosa quando se trabalha com molde de altíssimo valor. Seu descuido,
contribuiu para a paralização da produção de sua máquina, com prejuízos
[...] que a empregadora sofreu em decorrência do dano verificado. (AHMF,
Cx. 334 – Proc. 886/1979, p. 10-11).
Mais um exemplo do aprofundamento em detalhes na defesa da empresa. Nesse
caso, são expostas no processo as amostras de saltos que o operário teria estragado. Mais uma
vez o enquadramento é o artigo 482 e 483 da CLT. Eis um pouco do grau de documentos
produzidos pela empresa e, nessa hora, utilizada contra o operário:
O reclamante jamais cumpriu, como devia, as obrigações decorrentes do seu
contrato de trabalho, [...] bastando para afirmação do alegado, uma rápida e
resumida digressão sobre a sua conduta e comportamento no serviço, desde
a data de sua admissão: a) foi admitido em 17.4.80 e já no dia 10.7.80, foi
advertido, verbalmente, por ter faltado injustificadamente ao serviço; tendo
127
faltado injustificadamente, [...] novamente foi advertido, verbalmente; b)
desídia no desempenho de suas funções, freqüentes idas ao banheiro, onde
permanecia por 15 ou 20 minutos. Incidiu em falta disciplinar punida com
um (1) dia de suspensão, brincado no serviço, além de ter danificado e
inutilizado um par de saltos e um pé de facheta. Ademais, faltas
injustificadas, indisciplina, brincadeiras no serviço, danificação de
materiais, recusa a ordem direta emanada de seu superior hierárquico,
recusa de assinatura em documento de penalidade disciplinar, ofensa moral
de companheiros de trabalho e ameaça à integridade física de seu chefe de
secção. (AHMF, Cx. 374 – Proc. 1042/1980, p. 11-12).
Os elementos apontados acima também se verificam noutro processo (AHMF, Cx.
355 – Proc. 421/1980) que expõe a estratégia das advertências e suspensões, na Calçados
Marquinhos. O conteúdo delas consta desde “estar fazendo serviço mal feito”, brincadeiras
durante o horário de trabalho, desrespeito ao superior hierárquico, até mesmo escrevendo em
um papelão com os dizeres, “bobo”, certamente se referindo ao chefe de seção.
O perfil intimidador acompanha a tensão que é se inserir nessa incursão à Justiça
do Trabalho, esse aspecto explica em parte a escolha em se construir uma relação pautada
pelo “contrato moral”. Uma vez rompida essa relação, o destino seria a Justiça do Trabalho,
ou seja, está no horizonte dos trabalhadores, mas em primeiro instante, procura-se um outro
tipo de relação para estabelecer as demandas de direitos.
Em um outro exemplo, a sapateira entra com reclamação trabalhista contra a
indústria de Calçados Jota Jota Ltda, pois estava grávida de 3 meses e “a empresa obrigava-a
a subir e descer degraus de nove lances quando, na realidade poderia, para ter acesso à sua
seção, passar pela porta do escritório que não tem degraus e dá acesso direto à sua máquina".
(AHMF, Cx. 366 – Proc. 776/1980, p. 2). Foi suspensa por 8 dias ao reclamar. Observa-se a
separação panóptica entre as seções e a divisão de hierarquias que impedia o acesso de
trabalhadores em certos espaços.
Continuando essa esteira de exemplos, mais advertências e suspensões, dessa vez
na Indústria de Calçados Nelson Palermo S.A. As “centrais de inteligência”, Departamento
128
Pessoal, registram todos acontecimentos com data, dizeres empregados, quantidade de faltas
com ou sem motivo, etc. Neste, no dia 17.11.1977, advertência: “[...]tem abandonado
periodicamente seu local de trabalho, vindo atrapalhar a produção diária. [...] estava fazendo
hora no banheiro, permanecendo no mesmo durante 14 (quatorze) minutos.” (AHMF, Cx. 379
– Processo 58/1981, p. 19). Noutro dia, 22.06.1978, advertência por insubordinação (ANEXO
G e AC): “[...] estava praticando atos não recomendáveis (queimara barbantinho provocando
odor insuportável)”. (AHMF, Cx. 379 – Processo 58/1981, p. 20). No dia 27.05.1980,
suspensão por indisciplina: “[...] abandonando seu local de trabalho, indo conversar com seu
colega [...] que se sua chefe não estivesse de acordo que lhe aplicasse uma suspensão de cinco
ou dez dias”. (AHMF, Cx. 379 – Processo 58/1981, p. 21). Por fim, no dia 16.01.1981,
suspensão por insubordinação: “[...] não vem trabalhando a contento, abandonando
constantemente seu local de trabalho, deixando que seu colega de trabalho faça o serviço
sozinho, sendo que o seu sistema de trabalho é por grupo”. (AHMF, Cx. 379 – Processo
58/1981, p. 22).
Este processo mostra um pouco do ambiente de transição que existia nesse
período. João Alves da Silva, casado, sapateiro e sindicalista move reclamação trabalhista
contra a Calçados Charm S.A. Alega o operário, que “[...] a partir de 29.09.1973 afastou-se de
suas funções junto à empresa para atuar como diretor efetivo daquela entidade, até
24.10.1982, quando voltou a assumir seu cargo na empresa, por não ter sido reeleito para o
exercício da atividade sindical”. (AHMF, Cx. 442 – Proc. 210/1983, p. 2). Ocorre que, nesse
espaço de tempo, a função de espianador manual (ANEXO H) mudou bastante. Dessa forma,
ele “nunca trabalhou nesta máquina, não poderia e não tem condições práticas e físicas para
bem exercer suas atividades, com riscos de acidentes na manipulação da matéria prima e
talvez na própria máquina”. (AHMF, Cx. 442 – Proc. 210/1983, p. 3).
Por sua vez, a argumentação da empresa, por seu advogado, revela o seguinte:
129
Em 1967, eleito para cargo de dirigente sindical, afastou-se de suas funções.
[...] ocasião das dificuldades que tal decisão traria, esteve afastado à mais de
nove anos e sem condições técnicas para apresentar a produção desejada.
Durante os nove anos esteve afastado de suas funções, nesse tempo a
indústria calçadista sofreu diversas modificações com o surgimento de
novas máquinas e sistema de produção. [...] com a evolução do sistema
produtivo, sofreu modificações de caráter técnico, com a introdução de
máquina para tirar rugas e máquina automática de rebater calcanheiras, [...]
tem a finalidade a qualidade do produto, aliada ao menor desgaste do
funcionário que a opera. A máquina em que está trabalhando [...] é das mais
modernas, [...] conforto ao operário, com pequeno desgaste físico, [...] é
totalmente automatizada, sem risco de acidentes. (AHMF, Cx. 442 –
Proc. 210/1983, p. 13-14).
Nesse tempo, que mostra a evolução técnica na fabricação do calçado em alguns
setores é curioso observar no argumento da empresa a constatação da distância do dirigente
sindical à produtividade do calçado, assim como de sua evolução técnica. Ou seja, a atenção
ao universo produtivo em si, como parte intrínseca do amadurecimento da classe operária, no
sentido político também, no enriquecimento qualitativo na formação de mão-de-obra, parece
não estar nos planos sindicais a essa altura.
Como em exemplos anteriores, aqui também percebemos a alegação de
perseguição. A reclamação trabalhista de Mauro Aparecido Dias, casado, pespontador, contra
a Indústria de Calçados Nelson Palermo S.A. Segundo o operário, “[...] a partir da data em
que o reclamante obteve registro de chapa, terminando com a vitória no mês de agosto de
1982, passou a sofrer pressões dentro da empresa, sob a falsa alegação de faltas
injustificadas”. (AHMF, Cx. 485 – Proc. 670/1984, p. 3). Por sua vez, a empresa alega o
[...] desinteresse do mesmo e sua constante desídia e falta de
responsabilidade. Não é justo que um elemento, escudado na estabilidade
provisória que a lei lhe dá em virtude de ocupação de cargo sindical, venha
a conturbar e atrapalhar o bom andamento dos serviços em detrimento de
centenas de outros operários e, ainda, em prejuízo dos compromissos
assumidos pela Reclamada com seus compradores, a maioria do exterior.
(AHMF, Cx. 485 – Proc. 670/1984, p. 14-15).
Fica a indagação oriunda da posição da empresa. Tampouco queremos minimizar
130
ou descaracterizar essas perseguições44 que de fato ocorreram, mas o que vale frisar é que o
aproveitamento da Lei em favor do operário parece ser levado a cabo mais que nunca nesse
contexto.
Outro processo também ilustra esse ambiente de mudança, na reclamação
trabalhista de Mauro Aparecido Dias, contra a Indústria de Calçados Nelson Palermo S.A. O
sapateiro, admitido em 27.04.79, foi candidato a dirigente sindical nas últimas eleições e
desde então se diz perseguido pela empresa. Nesse processo, além desse aspecto, há uma
direta contestação à forma que a empresa criou para idas ao banheiro: “[...] criou um sistema
de fichas para ida dos funcionários ao banheiro, [...] é uma verdadeira afronta aos direitos
trabalhistas, [...] não respeitando senhoras grávidas etc.” (AHMF, Cx. 491 – Proc. 854/1984,
p. 3). Consta no processo um documento assinado pelos trabalhadores que segue na íntegra:
Aos diretores, Franca, 05 de outubro de 1984. Nós abaixo assinado,
trabalhadores da Indústria de Calçados Palermo por não concordar-mos
com o uso de fichas para ir ao banheiro e com tempo determinado. Sendo
que isso tem causado sérios problemas para nós trabalhadores,
principalmente mulheres grávidas e pessoal das esteiras, pedimos
providências urgente a ser tomada pela empresa no sentido de que pelo
menos nós funcionários tenhamos condições de sanar nossas necessidades
sem represálias abolindo o sistema de fichas utilizado. (AHMF, Cx. 491 –
Proc. 854/1984, p. 9).
Cabe mencionar que, nessa fase de transição, a Justiça do Trabalho permeia o
universo de ação da classe trabalhadora como forma de exigir o cumprimento dos Acordos
44
Entre outros processos, nesse ambiente de profundas mudanças, este contra a Trigger Calçados Ltda, ilustra
como esta impôs pressão na relação com seus funcionários. No exemplo, evidencia uma forma arbitrária de
intimidar uma reunião dos funcionários com fiscais do Ministério do Trabalho, que estiveram no recinto da
empresa no dia 27.06.1985, com demissões coletivas. (AHMF, Cx. 543 – Proc. 645/1985). Noutro exemplo, a
Calçados Guaraldo Ltda advertiu um operário, pois este estaria distribuindo panfletos do Sindicato dos
Sapateiros no portão de entrada da empresa, segundo os quais ofendiam a honra dos empregadores. Segundo
argumento do advogado: “[...] assim, estava causando distúrbios no desempenho do trabalho de seus
companheiros, que induzidos pelos citados panfletos, se desinteressavam em desenvolver normalmente seus
serviços, causando prejuízos à reclamada”. (AHMF, Cx. 000 – Proc. 225/1985, p. 11). Entretanto, em duas
sentenças verifica-se que não há de fato ofensas ao empregador e tão pouco a distribuição dos panfletos na
porta da fábrica perturbou o local de trabalho. Nota-se o envolvimento da Justiça do Trabalho nessas
intermediações, assim como nos acordos coletivos firmados. Os processos oferecem amostras do mesmo
expediente: (AHMF, Cx. 590 – Proc. 961/1986; 984/86; 988/86).
131
Coletivos e os direitos da CLT. Porém, essa ação operária também muda pouco a pouco o
perfil de relacionamento com os empresários no afrontamento de questões internas, como é
demonstrado na regulação das idas e vindas ao banheiro.
Outro processo demonstra esse momento, desta vez contra a H. Betarello S.A
Curtidora e Calçados, de diretor do Sindicato dos Sapateiros, Valdir Luis Barbosa, que
trabalhava na empresa desde 1982, alegou que vinha sofrendo represália e perseguição.
Segundo advogado da empresa,
[...] em razão dessa circunstância de ser protegido pela CLT em termos de
estabilidade, essa condição não lhe assegura vantagens ou tipo de
comportamento diferente dos demais empregados dentro da empresa
reclamada. O reclamante promoveu uma pequena reunião no local de
trabalho, incentivando seus companheiros a “pararem” de trabalhar.
(AHMF, Cx. 575 – Proc. 395/1986, p. 14-15).
Esse processo (AHMF, Cx. 000 – Proc. 514/1986) mostra que a Calçados Samello
S.A também se utiliza do recurso da demissão em massa, por causa de movimentação grevista
do período, na tentativa de intimidar os trabalhadores. Nesse caso, a empresa também se
utiliza do artigo 482 da CLT, entretanto não se sustenta ante o conflito ampliado que insere
capital e trabalho nesse instante. Não há procedência alguma tentar conferir justa causa aos
trabalhadores que reivindicam melhores condições de trabalho.
Acerca da estratégia de estragar matéria-prima, que não é nova, historicamente,
vamos expor essa reflexão mais à frente. No exemplo a seguir, o operário da Calçados Keller
S.A, foi dispensado porque estragou mais de vinte pares de sola de calçados no ato da função,
entretanto vamos ressaltar o caráter do peso da disciplina. No próprio depoimento, em
audiência o sapateiro afirma que
[...] realmente estragou solas de calçados, quando estava fazendo o serviço
de molhá-las, mas pode assegurar que estragou no máximo três pares; [...] o
estrago ocorreu porque o depoente estava trabalhando rapidamente para não
atrasar o serviço dos embonecadores e, com isso, não percebeu que estava
molhando de forma errada; o depoente assinou o documento de fls. 16 no
132
departamento pessoal, mas não leu o seu conteúdo antes de assiná-lo.
(AHMF, Cx. 540 – Proc. 568/1985, p. 23).
Nota-se que a busca da perfeição e a pressa, vigiadas pela disciplina, nem sempre
tem seu êxito.
A vigilância deve ser uniforme. O processo (AHMF, Cx. 538 – Processo
507/1985) em questão ilustra como o estopim de muitos conflitos passa pelo guarda-pó. É
claro que isso é somente o pano de fundo, mas ao exigir o cancelamento da suspensão, está
em jogo também o caráter desses trabalhadores e conseguinte da classe operária. O sapateiro,
cortador, move reclamação trabalhista contra a Indústria de Calçados Nelson Palermo S.A por
não concordar com a penalidade disciplinar (ANEXO I). Na argumentação da empresa, a
advertência se deu porque houve uma transgressão, qual seja, a não utilização do guarda-pó.
Em um último exemplo, a sapateira Ilza Antônia Barbosa, menor, entra com
reclamação trabalhista contra a N. Martiniano e Cia, alegando que “a empresa descontava
Cr$3,50 do lanche, de cada lanche fornecido ao trabalhador que fazia ‘serão’. Trabalhou em
33 serões e mesmo que não quisesse consumir o lanche mencionado, deveria pagá-lo, a não
ser que o trouxesse de sua casa. Mesmo assim, não podia trazer o seu lanche porque não era
avisada com antecedência". (AHMF, Cx. 269 – Proc. 332/1977, p. 43-44).
5.3.3 O conflito à flor da pele
É certo que o conflito social, dentro da fábrica e de todo o universo produtivo do
calçado é guiado por uma espécie de tensão invisível que pode muitas vezes tornar-se
violenta. Esse é o aspecto que vamos abordar nessa categoria de análise, ou seja, dos atos que
desencadearam uma ação direta de violência.
133
Começamos com uma reclamação trabalhista contra a Calçados Samello S.A, a
qual o operário que trabalhava desde 1959 na empresa, argumenta na exposição de sua tese:
[...] um dos diretores da ora reclamada ‘agrediu’, com palavras de baixo
calão, com ‘pontapés’ e arremesso de segurador-metálico, arremessado um
‘cinzeiro de madeira’ no Reclamante que, por sorte, não atingiu o mesmo.
Mas que, o Reclamante, foi atingido pelo ‘segurador metálico’, no ‘rosto’;
Que o ‘cinzeiro de madeira’ arremessado no Reclamante, foi impulsionado
com tal violência, que atingiu e quebrou a vidro que separa a sala de um dos
diretores, indo cair na outra sala, contígua [...]. (AHMF, Cx. 131 – Proc.
181/1973, p. 3).
Esse nível de situação revela sintomas de tensão aguda no universo de trabalho.
Em outro exemplo, a empresa H.Betarello S.A abre inquérito para apurar falta grave e outro
do sapateiro exigindo seus direitos, expõe o nível de recurso que se utiliza a empresa para sua
defesa, nesse caso, solicitando um exame psicológico do empregado. Segundo a empresa o
funcionário vem
[...] desrespeitando às normas internas da Empregadora, ora ameaçando,
ora, ficando completamente parado de braços cruzados, conforme a inclusa
fotografia. Respondeu com veemência e ameaçou de morte o referido
Diretor da Empregadora, fato, testemunhado por outros operários da firma,
com ocorrência policial da ameaça de morte. (AHMF, Cx. 136 – Proc.
281/1973; 277/1973, p. 3).
O laudo médico do exame psicológico revelou
[...] bom estado geral, tipo normalíneo, cor preta, com base no exame destes
quesitos: 1º) É o examinando portador de alguma deficiência mental? 2º)
No caso positivo, isto é, sendo portador de alguma deficiência mental,
importa a mesma em prejuízo para o trabalho? 3º) No estado de saúde em
que se encontra o paciente, está o mesmo incapacitado temporária ou
permanentemente para o trabalho? [Às respostas:] 1º) Não; 2º) Não; 3º)
Não; [...]. (AHMF, Cx. 136 – Proc. 281/1973 e 277/1973, p. 24; 62).
A sentença determinou, ao final, a reintegração do operário à empresa.
Outro aspecto que ilustra essa tensão é o caráter das brincadeiras oriundas de
apelidos. Nesse processo, o operário com idade de prestar o Serviço Militar, move reclamação
trabalhista contra o Curtume Schirato S.A. O motivo é bem sugestivo, pois envolve
dimensões amplas, uma vez que se trata dos apelidos e estigmatizações que estes traziam. Em
134
audiência, em junho de 1973, o depoimento pessoal do operário revela: “[...] respondeu [...],
‘quem parece é você’, porque este lhe havia dito que se parecia com Mazzaropi; o outro,
dando risada, afastou-se para trás e deixou cair uma xícara no chão”. (AHMF, Cx. 138 – Proc.
315/1973, p. 19). Observa-se, contudo, que esse universo rural nunca esteve distante das
indústrias fancanas, é força propulsora de encontros e desencontros sociais. Entretanto, a
simbologia envolta com o caipira Mazaropi, não parece se alinhar, aos olhos de muita gente,
com a face modernizadora45 que a cidade tenta impor, principalmente com a consolidação do
parque industrial. Assim, a vinculação desse estereótipo é vista de forma negativa pela boa
parte dos trabalhadores, muitos desses oriundos do campo.
Embora saibamos que o cuidado às adjetivações devam fazer parte das análises
científicas, não é demais dizer que o espaço fabril é um “barril de pólvora”. O exemplo a
seguir revela isso, no processo contra a Calçados Guaraldo Ltda. A empresa argumenta o
seguinte:
[...] que Rubens Oliveira da Cunha, [...] lhe passou a mão pelas nádegas, o
autor, em vez de comunicar o fato a seus superiores hierárquicos, para punir
aquela falta de seu colega, preferiu ele próprio, à sua maneira, penalizar
Rubens, agredindo-o violentamente, a empurrões e tapas, e, em virtude da
reação [...] envolveram-se em luta corporal dentro da reclamada, em pleno
horário de trabalho. (AHMF, Cx. 393 – Proc. 691/1981, p. 11).
Noutro exemplo, após ser demitido por justa causa, pela Calçados Terra S/A,
porque: “No dia anterior, brigara com outro funcionário na saída [...] no dia da dispensa, [...]
portando uma grande faca (verdadeira “peixeira”) para acerto de contas com o elemento com
que brigara.” (AHMF, Cx. 380 – Proc. 85/1981, p. 10). Também outro episódio que terminou
na Delegacia Policial foi o do sapateiro, menor, que dispensado por justa causa, por “[...]
brincadeiras em serviço, atingindo seu colega de trabalho com a faca na sua perna direita
ferindo-o mesmo.” (ANEXO J e AD). (AHMF, Cx. 385 – Proc. 295/1981, p. 24).
45
Nesse aspecto em particular, vale a leitura do livro de FOLLIS, Fransérgio. Modernização urbana na Belle
Époque paulista. São Paulo: Editora Unesp, 2004.
135
Em outro episódio, o operário, menor, move reclamação trabalhista, contra a
calçados Passaport Com. e Indústria Ltda, alegando que foi agredido fisicamente pelo chefe
de seção, cujo fato foi pautado por um Boletim de Ocorrência Policial que resumia o seguinte:
[...] foi covardemente agredido pelo indiciado (no interior da Fábrica onde
trabalha), que, sem nenhum motivo justificado, puxou-lhe fortemente os
cabelos, dando-lhe alguns empurrões. Esclarece que esta não é a primeira
vez que o mesmo o agride, que a agressão hoje sofrida foi por estar sentado,
juntamente com outros companheiros de trabalho, pois em sua secção não
há serviço por falta de couro. (AHMF, Cx. 000 – Proc. 193/1981).
Por sua vez, a empresa alega que:
[...] em verdade, [...] sua falta grave no emprego, [...] pegou 1(uma) lata de
ativador (material químico) (para limpeza de calçados), e preparo de
fabricação, jogando o conteúdo líquido no rosto de seu colega de trabalho,
de nome Gaspar de Oliveira, menor, funcionário da empresa; [...]
representou Agressão física a colega de trabalho e falta disciplinar,
caracterizando Falta Grave. (AHMF, Cx. 000 – Proc. 193/1981, p. 11).
Na sentença desse processo, atesta que “foram lacunosas as explicações da
reclamada à justa causa”. Em mais um exemplo, entre vários, agora contra J.P. Salomão & cia
Ltda, o sapateiro foi dispensado por justa causa porque: “[...] em brincadeiras em pleno
horário de trabalho, com isso chegando à vias de fatos inclusive se agredindo mutuamente,
[...] pontapés, empurrões, [...] arma [...] uma tesoura”. (AHMF, Cx. 538 – Proc. 501/1985, p.
7).
Continuando nessa linha de apresentação dos processos, na perspectiva que vai
além da fábrica, a sapateira Ilda Mizael move reclamação trabalhista contra a Calçados
Guaraldo Ltda, expondo o seguinte:
[...] ocorre que, por desinteligências entre sua irmã Maria Luiza Vieira
Alves e o referido sub-chefe Geronimo Conceição Garcia, a reclamante, sua
e o marido desta agrediram o já mencionado subchefe, quando este se
encontrava no ponto de ônibus, aguardando a chegada do coletivo que os
levaria ao trabalho, pois a empresa dispõe de frota que conduz seus
operários. (AHMF, Cx. 545 – Proc. 691/1985, p. 18-19).
136
É importante salientar que sua irmã, citada acima, havia sido despedida grávida e
move reclamação contra empresa também. (AHMF, Cx. 545 – Proc. 692/1985).
Antes de encerrar, vale destacar mais dois processos. O primeiro contra a empresa
H. Bettarello S.A, o operário, segundo a empresa, foi
[...] dispensado por ter cometido falta grave, ensejadora da resilição
contratual com fulcro no disposto no artigo 482 letra “j” da CLT. No dia 30
de maio, estava sendo chamado à atenção o funcionário Alan Rogêrio
Martins, menor de idade, com 15 anos, pelo seu superior hierárquico. Ao
notar esse fato, o reclamante começou a fazer “gozações” com o menor,
pelo que este ofendeu aquele com palavras de baixo calão. O reclamante
desferiu um “soco” na boca do menor Alan, e este jogou uma lata de tinta
no reclamante. (ANEXO K). (AHMF, Cx. 000 – Proc. 690/1986, p.
13-14).
O segundo, a Castaldi Indústria de Calçados Ltda se defende na reclamação
trabalhista, movida pela sapateira Aparecida de Fátima Batista, argumentando que
[...] a funcionária vinha sistematicamente insuflando suas colegas à
desobediência às normas internas e determinações de serviços emanadas
dos superiores hierárquicos. Desentendeu-se com a mesma e sem qualquer
motivo passou a agredi-la fisicamente causando vários ferimentos, exigindo
cuidados médicos inclusive tendo sido vacinada antitétano conforme
atestado incluso, nas imediações, conforme BO do 1º Distrito. (AHMF,
Cx. 000 – Proc. 852/1986, p. 21).
Em audiência, no dia 09 de setembro 1986, o depoimento pessoal da sapateira nos
traz o seguinte:
[...] realmente brigou com Simone, [...] a briga ocorreu já perto da Vila
onde a depoente mora, distante bem mais de cem metros da fábrica; a
depoente faltou um dia, [...] meio período, por estar doente; no dia seguinte,
logo de manhã, foi chamada ao departamento pessoal porque segundo
disseram Simone tinha dito que a depoente aconselhara as outras a não
assinar um acordo para compensação de horas de trabalho em razão do jogo
do Brasil na Copa do Mundo; [...] no local de serviço Simone ficou rindo da
depoente; ao saírem para o almoço ambas discutiram e brigaram. (AHMF,
Cx. 000 – Proc. 852/1986, p. 34).
Cabe destacar a sentença auferida pelo TRT, uma vez que essa ação trabalhista
chegou a essa instância:
137
Não importa que problema tenha se verificado algo distante do âmbito da
fábrica. Tampouco [...] uma briga [...] agressão. E menos ainda importa a
menor idade da vítima, [...] Importa, sim, que a conduta da reclamante foi
de todo inadequada, perpetrando o ato contra a companheira de labor [...]
Sendo violenta, ‘pavio curto’, [...] configurou merecida penalidade de a
quem já não gozaria de ambiente com os demais obreiros [...] pelo seu
gênio outras anormalidades dentro de um recinto [...] onde é imperativo
maior a manutenção da paz e cordialidade. [...] mas nego provimento [...]
integra a sentença fls. 36/37. (AHMF, Cx. 000 – Proc. 852/1986, p. 54).
Note-se que a fábrica, como já salientamos, vai além do espaço fabril envolvendo
o tema do futebol e da Copa do Mundo. Assim, torna intensamente pessoal o sentimento que
rege as relações sociais e produtivas em uma fábrica que são os mais imprevisíveis, muitas
vezes pouco profissionais, no qual a “vontade” dos chefes e donos de empresas prevalece de
forma, não somente autoritárias, mas, debochadamente, com casos de perseguição explicita.
Nessa perspectiva que ilustra um pouco o ambiente do “contrato moral”, no qual o
bom empregado é aquele que é o “amigo” do chefe. Este aspecto, de ser “amigo”, é que
suscita uma reflexão mais apurada, pelo menos em outro momento, pois nos parece, que em
Franca, a classe operária tem que aprender “a ser”, ou dissimular que é, amigo do chefe e do
patrão. Quando não há espaço para isso ou esse manto falso é rasgado, a Justiça do Trabalho
aparece de forma inexorável no horizonte.
5.3.4 Destruindo o capital: estragando matéria-prima
No decurso da categoria analítica, pretendemos apresentar um pouco do conteúdo
das atitudes operárias na perspectiva que denominamos de materiais estragados que indicam
muitos aspectos da ação operária. A pressão pela qualidade do produto aliada à disciplina
fabril desemboca muitas vezes no desperdício e estrago da matéria-prima. Mas como se sabe,
isso é uma característica histórica da classe operária, como já ressaltamos, estragar material
também pode ter outro significado.
138
No exemplo a seguir, o sapateiro, espianador46, move reclamação trabalhista
contra Calçados Sândalo S.A. Vamos ver a explanação do caso, no viés do sapateiro:
[...] trabalha na empresa desde 21.07.1969. Espiana os calçados por
carrinho, terminando um, passa para outro, além de identificar com um
número, que para isso ele tem. Depois do serviço que o reclamante faz, os
seguintes são de lixar salto, lixar sola ou embonecar, passar tinta, ginga ou
lustro, digo, giga ou acertar a sola, passar tinta novamente e lustrar, tirar da
fôrma, foi aqui que o pretenso serviço mal feito foi achado, ou seja, um pé
de calçado modelo mocassim de verniz, que se lhe imputa ao reclamante,
ter queimado. (AHMF, Cx. 91 – Proc. 445/ 1971, p. 2).
Na argumentação da empresa, em sua defesa, confirma o estrago do material, mas
antes se mune de outros documentos disciplinares, como advertências e suspensões para
sustentar melhor a posição da empresa. Assim, são anexadas no processo advertências por
negligência na execução da função e desrespeito às ordens de seu superior hierárquico, por
atos de indisciplina e também por “[...] oito visitas ao banheiro com demora de 8 a 10
minutos, bate-papo constante com companheiros, namoro com colega de serviço e trabalho
mal executado”. (AHMF, Cx. 91 – Proc. 445/ 1971, p. 12). É bom frisar que as punições e
advertências teriam a função expressa de disciplinar o universo produtivo, mas a incidência
reiterada em vários expedientes sugere que esse domínio não é tão legítimo assim.
A minuciosa descrição do advogado da empresa, em um nível sofisticado do
discurso jurídico, quando tece uma explicação da ordem produtiva e as ilustra com fotos
(ANEXO L) desse espaço produtivo o descumprimento espacial do operário em relação a sua
função. Vejamos a explanação:
Existem cinco carrinhos contendo sapatos, que procedem de uma operação
anterior, entregue ao frizador de sola (vide fotografia n.1), sendo o carrinho
n. 5 sempre entregue ao Reclamante, invariavelmente. O serviço é
executado, seguindo os sapatos rumo à esquerda, passando pelos operários
cujos carrinhos são de n. 4, 3, 2 e 1, em ordem decrescente. Assim, os
calçados do carrinho n. 5 não passam pelas mãos dos demais empregados,
já que seria um repetição de trabalho, uma vez que todos eles utilizam fogo
e realizam a mesma tarefa. Quando o carrinho n. 5 chegou às mãos do
lixador de saltos (fotografia n. 2), estava perfeitamente identificado o
46
Espianador, tarefa que consiste em tirar os caroços dos sapatos, através do uso de fogo a gás; essa execução
compreende, também, a utilização de um ferro apropriado para tirar rugas do couro.
139
empregado, que outro não era senão o Reclamante. (AHMF, Cx. 91 –
Proc. 445/ 1971, p. 12).
Ao que tudo indica, o esforço de questionamento para justificar o mau uso da
matéria-prima é soberano, mesmo que na foto indica um outro problema: o trabalhador fica
exposto ao risco eminente ao desenvolver suas funções ao lado de botijões de gás.
Noutro exemplo, temos a sapateira Romilda da Luz Goulart, também contra a
Calçados Sândalo S.A, que contesta na Justiça do Trabalho a suspensão de dois dias e a
alegação da sua falta de atenção ao trabalho e desobediência ao chefe de seção. Na defesa da
empresa, fica claro que o aspecto econômico é central:
Seu procedimento no local de trabalho e no exercício de suas funções [...].
Com ágio desidiosamente na execução das tarefas, de tal modo que
danificou diversos pares de calçados de alto custo e destinados à
exportação, causando conseqüentemente, prejuízos à empresa, não se
podendo deixar de considerar que os produtos (calçados) destinados à
exportação não podem conter um mínimo de defeito, que, se verificado e
constatado pelos importados, pode provocar a devolução de toda a
mercadoria constante de um pedido e o seu – cancelamento, o que trará
graves e imprevisíveis conseqüências à empresa. As fotos anexas (doc.s
5/8) mostram perfeitamente os estragos ocasionados pelo descuido, descaso
e falta de interesse e atenção da Reclamante. (ANEXO M). (AHMF, Cx.
130 – Proc. 153/1973, p. 10).
Colocar as amostras do material estragado como provas de desatenção ao trabalho
é recurso corrente entre os empresários e se alia aos outros documentos já elucidados
anteriormente. São vários os processos em que se encontram amostras de distintos materiais
estragados. Vale notar que a pressão por qualidade é ainda maior dentro da fábrica quando se
trata dos produtos de exportação.
Outro processo contra a Calçados Sândalo S.A. reitera nossa reflexão, que verifica
a evidência do aspecto econômico nas contestações das empresas e, além das conciliações, o
objetivo aberto é diminuir os custos da empresa no acerto requerido pelos operários. Por isso
é que o espaço da Justiça, aquém de ser um espaço neutro e de consenso, torna-se espaço de
140
conflito, palco legítimo da luta de classes. Segundo a versão da empresa, que cita, mais uma
vez, o artigo 482, letras ‘e’, ‘h’, ‘j’ e ‘k’ da CLT, alegando que
[...] no dia 02 de agosto de 1978, por volta das 14h45, ao ser solicitado para
cortar outras peças que deviam substituir algumas que haviam sido
anteriormente cortadas defeituosamente pelo Reclamante, e que, em
conseqüência não podiam ser aproveitadas e passadas para a seção seguinte,
revidou e respondeu grotescamente ao seu superior hierárquico e chefe da
secção de corte de peles, dizendo que “ia enguiçar” e que não ia cortar
outras peças. [...] na presença dos seus colegas de serviço, mandou-o ‘ir
tomar no jiló’ e que fosse transmitir o que havia dito ao Sub Chefe Geral de
Racionalização, Sr. Luiz Liboni Sobrinho. (AHMF, Cx. 302 – Proc.
556/1978, p. 9).
Cabe nesse exemplo expor o veredito final, que tenta amortecer o conflito:
“Entretanto, houve apenas discussão de serviço. O reclamante foi grosseiro e mal educado.
Uma punição se impunha. Mas a que lhe foi aplicada foi drástica ante a falta cometida”.
(AHMF, Cx. 302 – Proc. 556/1978). A posição dos Juízes demonstram um profundo
conhecimento do universo produtivo, com avaliações amplas como um todo do jogo social
entre capital e trabalho.
Outro aspecto que cabe notar é a alta rotatividade de operários nas firmas, ou seja,
a baixa qualificação profissional e a falta de mão-de-obra combinam numa dispensa periódica
de funcionários. O exemplo de Carlos Antônio de Carvalho é singular. Move reclamação
trabalhista contra a Cia. de Calçados Palermo, depois de menos de 1 ano no emprego.
Queremos supor, com isso, que não existiram em Franca amplos planejamentos de carreira
dentro do universo calçadista, tanto por parte das empresas que desconheciam até por muito
tempo a existência do SENAI e do IPT no município, tanto para os sindicatos, que
desprezavam esse fenômeno.
Vejamos o que relata a empresa:
Na data acima citada, o reclamante saiu de seu local de trabalho, sem
autorização, e foi até a lixa (serviço de outra pessoa), com a finalidade de
arranhar o fundo de um calçado, para colocar sola. Ocorre que o reclamante,
não tendo prática de lixação, o resultado foi que o calçado escapou de suas
mãos e ao invés de arranhar o fundo do mesmo, quem acabou sendo
141
arranhada foi a pala, não havendo possibilidade de reparação do dano
causado. Diante do ocorrido, o reclamante foi levado ao setor do pessoal da
empresa, onde concordou em pagar a peça estragada. Voltando ao local de
trabalho, o reclamante foi ao banheiro, não tendo avisado seu chefe de
secção, como fazia habitualmente, a fim de colocar outro em seu lugar. [...]
o reclamante que já ficara parado fora do local de trabalho, respondeu em
altos brados que não iria cumprir a determinação, acrescentando mais: você
é chefe aqui dentro, quero ver se você é chefe lá fora. (AHMF, Cx. 326 –
Proc. 594/1979, p. 9-10).
Havia a exigência por parte das empresas, de pagamento do material estragado, o
que aumentava o nível de pressão. Isso revela um pouco o clima de conflito, entretanto, mirar
atenção para o que não está nos processos e na Justiça do Trabalho também pode ser ponto
para diversas reflexões em um outro momento. Afinal, todo esse ambiente de conflito escapa
às linhas de qualquer processo.
Sobre o processo de qualificação técnico-profissional, vale a pena abrir esse
parêntese, em especial da trajetória do SENAI em Franca47, cabe ilustrar rapidamente que
começa em 1978 seus estudos para implementar e implantar uma escola técnica. Nesse
intento, além de uma passagem pela estrutura industrial da cidade, buscou-se conhecer o tipo
de formação da mão-de-obra quanto a sua qualificação. Nesse sentido, foram as fábricas,
bancas e o trabalho a domicílio as principais responsáveis pela formação da mão-de-obra
qualificada do universo produtivo calçadista. Nessa perspectiva, o baixo nível de qualificação
da mão-de-obra abria possibilidade para o treinamento dos funcionários no interior da própria
fábrica. Em outras palavras, o ofício de ser sapateiro, como em seus primórdios, poderia ser
aprendido informalmente na casa de parentes. Em relação ao SENAI, seu Centro de
47
A diferenciação das categorias profissionais apresentada pelo autor (Samuel) é a seguinte: “BRAÇAIS: reúne
trabalhadores de ocupações que envolvem a execução de tarefas ou operações simples, que podem ser
aprendidas em pouco tempo, não requerendo qualquer tipo de conhecimento técnico, mas sim, em geral, força
física. SEMIQUALIFICADOS: são assim chamados os que possuem ocupações caracterizadas por utilização
de destreza manual limitada a operações sujeitas a automatismo, cuja execução exige, normalmente, atenção,
coordenação psicomotora e conhecimentos técnicos rudimentares; QUALIFICADOS: Profissionais no
exercício de ocupações que demandam habilidade manual em mais alto grau, conhecimento de processos e
técnicas operacionais, capacidade de julgamento e iniciativa e, em certos casos, responsabilidade por produtos
e materiais de alto custo; TÉCNICOS: profissionais de ocupações que, basicamente, requerem conhecimentos
relacionados como matemática e desenho em nível de 2º grau, bem como conhecimento tecnológico
aprofundado em relação às ocupações qualificadas; [...]”. (SENAI, 1978).
142
Treinamento foi criado em 1973 e oferecia um curso voltado para as atividades de corte de
pele e pesponto abrangendo turmas de apenas 12 alunos. Somente em 1984, foi criado o curso
com habilitação de Técnico em Calçados.
Para ilustrar esse aspecto, o sapateiro Sidney Valeriano da Silva, menor, move
reclamação trabalhista contra a Indústria Calçados Ruy de Melo S.A. porque foi suspenso por
"brincadeiras, desobediências ao chefe de serviço". Entrou na firma em fevereiro 1963 e
“alega que foi trabalhar como arrancador de prego e continuou até (5) meses antes de ser
despedido, mas ultimamente estava trabalhando como costurador de mocassim, alega que não
esteve sujeito a uma aprendizagem específica da função". (AHMF, Cx. 37 – Proc. 574/1969,
p. 22). O curioso foi observar a existência, anexo ao processo, de um contrato de
aprendizagem entre a empresa e reclamante com vencimento 30.06.1967, demonstrando, em
certa medida, como a produtividade do calçado atropela o processo de aprendizagem.
Quanto à rotatividade dos operários, outro exemplo é este processo contra a N.
Martiniano e Cia. O sapateiro foi admitido em outubro de 1980 e demitido em outubro de
1981. A empresa, que menciona o artigo 482 da CLT, alega o seguinte:
Sua atividade é de ‘pregação de viez’ em cortes de calçados, tipo tênis,
efetuando a operação de pesponto (tipo de costura à máquina em calçados).
Aqueles viezes têm por objetivo ‘dar vida’ ao produto de fabricação, e
deveriam ser costurados na seguinte ordem: azual-vermelho-amarelo, no
sentido ‘traz para diante’. Ocorre que, a produção diária do autor, sempre
oscilou de 500 a 600 pares diários, sendo certo que, até a data de sua
demissão houvera trabalhado de forma satisfatória, pregando regularmente
os viezes. Entretanto no dia 14.10.1981, no período da tarde, após quase
todo o expediente de trabalho, constatou-se que o Reclamante laborou de
forma irregular, pregando os viezes da produção daquele dia, de forma
completamente errada, não obstante houvesse o autor, até aquela data,
laborado de forma regular. Nesta referida data, o autor pregou
irregularmente os viezes, em 550 pares de calçados, modelo tênis,
efetuando verdadeira micelânia de cores, sem obedecer a ordem da
modelagem, sendo ainda mais grave, pois, não obedeceu o local exato de
pregação daqueles enfeites, pregando-os fora do ponto assinalado de cada
pé de calçado. (AHMF, Cx. 405 – Proc. 1032/1981, p. 11).
Fica evidente que a atitude operária foi proposital, agora vejamos nas entrelinhas o
motivo, seguindo na argumentação da empresa:
143
O motivo aparente desse ato de anarquia proposital no ato de sua função, foi
que em dias anteriores este pretendia sacar o FGTS, o que lhe foi negado.
Esse ato de desídia, segundo a empresa, ou seja, o erro do autor inutilizou
1.000 metros de viezes, provocando à empresa danos na ordem de CR$
52.000,00, posto que o metro desse material custa CR$ 52,00. (AHMF,
Cx. 405 – Proc. 1032/1981, p. 12).
Vale ressaltar, antes de tudo, a criatividade na “micelânea de cores” que fez,
chamando a atenção para o seu caso que, por outro lado, ocorreu pela quebra do “acordo
moral” e invisível que sugere as relações na empresa.
Esse outro processo, contra Mamede Calçados Ltda, expõe claramente um aspecto
que indicamos anteriormente, qual seja, sobre os produtos de tipo exportação. Em sua defesa,
a empresa alega que “foi confeccionado um guia de serviço para se colocar em todas as
máquinas de pesponto, isso para que o serviço saia perfeito, visto ser os nossos artigos tão
somente para exportação”. (AHMF, Cx. 391 – Proc. 599/1981, p. 9). Dessa forma, há uma
pressão psicológica que é muito mais intensa e que extrapola a busca pela qualidade.
Outro exemplo como esse recurso de estragar matéria-prima, em variados casos, é
proposital, consta, neste processo de Adil Bárbara da Silva, contra a Calçados Martiniano
S.A. Segundo esta, a suspensão ocorre “[...] por estar fazendo serviço errado, e ao ser
chamada a atenção que estragou o sapato propositalmente, para que lhe dessem aumento
salarial”. (ANEXO N). (AHMF, Cx. 380 – Proc. 116/1981, p. 11). Mais um processo ainda,
contra a Calçados Eber Ltda, sugere um questionamento: porque, trabalhando na empresa
desde maio de 1981, a partir de
[...] setembro de 1982, em duas oportunidades passou a desempenhar
desidiosamente suas funções, tendo sido objeto de punições disciplinares de
advertência. Em março de 1983, passou a desempenhar irregularmente suas
funções, apresentando defeituosos vários pares de sapatos esfolados, por
irregular manuseio da friza. (AHMF, Cx. 442 – Proc. 216/1983, p. 10-
11).
A carência de mão-de-obra qualificada e o aumento dos pedidos para exportação
podem explicar, pelo menos em parte, porque empresas, como Calçados Charm S.A, insistiam
144
com funcionários que, segundo julgamento das mesmas, eram desidiosos. Neste processo
(AHMF, Cx. 484 – Proc. 646/1984), o sapateiro Altamiro Victor dos Santos foi admitido em
17.01.1979 e demitido em 23.07.1984. Nesse período, a empresa atesta a “vida pregressa” do
funcionário, no âmbito profissional, com várias amostras das advertências e suspensões que
teve na empresa, que vão desde faltas injustificadas, proferir palavras de baixo-calão,
desrespeitar ordens de superior hierárquico, desatenção ao trabalho a danos à matéria-prima.
(ANEXO O).
Nesse outro exemplo, é possível observar que o motivo para não cumprir a função
devidamente pode ser outro além do exposto, pois Valdinei Garcia Facioli, em reclamação
trabalhista contra H. Bettarello S.A. Curtidora e Calçados, revela o seguinte, na própria fala
da empresa:
[...] o reclamante se revelou indisciplinado. Na data da dispensa, o
reclamante provocou o estrago numa peça destinada à confecção de “bota”
que é um tipo de calçado produzido pela reclamada, disse em alto e bom
som que estragaria mais botas, quantas fossem necessárias para ser
dispensado.(ANEXO P). (AHMF, Cx. 584 – Proc. 775/1986, p. 21-
22).
Nesse último exemplo, o sapateiro Antônio de Pádua Nascimento, menor,
cortador, move reclamação trabalhista contra Calçados Keller S.A. Podemos perceber o grau
de qualificação que se exige dessa função, pelos fragmentos dos depoimentos colhidos na
audiência. Nas palavras do próprio operário,
[...] ao receber as peças para corte, elas já possuem, na vaqueta, as marcas
de tenalhas, que procura evitar as marcas de tenalhas, ao proceder os cortes,
que o depoente achou que as marcas existentes nos cortes realizados não
afetariam a qualidade do produto, pois acreditava que ficassem na parte
coberta, que normalmente evita as marcas de defeito que existem no couro,
que ao receber as peças inteiras para cortes, as marcas de tenalhas vêm nas
pontas ou nas partes laterais. Em um dia, produz mais do que a quantidade
de peças anexadas aos autos, que de vez em quando voltam peças cortadas
pelo depoente. Anteriormente voltavam na base de 5 a 6 por dia. No último
dia de serviço, voltaram aproximadamente 40 peças. Alega que têm outros
companheiros que faziam o serviço equivalente. (AHMF, Cx. 489 – Proc.
793/1984, p. 21).
145
Por sua vez, a empresa alega o seguinte: “O reclamante era considerado como
cortador médio. Não sabia o que tinha acontecido com ele para errar aquela quantidade de
serviço. Que não tem conhecimento de qualquer atrito entre o reclamante e seu Chefe”.
(AHMF, Cx. 489 – Proc. 793/1984, p. 22). As testemunhas, a primeira do operário, reitera
que “[...] o depoente nunca foi advertido pelo setor de peças. A produção do Reclamante pode
ser considerada normal”. (AHMF, Cx. 489 – Proc. 793/1984, p. 22). A segunda, pela
empresa, revisor de Corte, sapateiro, que “o reclamante foi dispensado em razão das peças
que acompanham os autos; que as marcas de tenalhas ficam nas partes laterais do couro; que
houve volta de serviço também para os outros cortadores de serviço, mas em quantidade
menor”. (AHMF, Cx. 489 – Proc. 793/1984, p. 23).
5.3.5 Expressões operárias
Segundo Jorge Ferreira (1997, p. 23), nem sempre temos à nossa disposição o
registro das idéias, das representações sociais e da maneira pela qual as pessoas, em especial
os trabalhadores, organizaram a realidade social em suas mentes. Acreditamos, porém, que
essa possibilidade, pelo menos em parte, pode ser percebida nos processos trabalhistas. Nesse
esforço de análise que realizamos até o momento, acompanhado de todo esboço teórico, segue
o sentido de investigar as condições de vida dos operários no seu ambiente de trabalho, nesse
período, ilustrado nos processos trabalhistas. A formalidade, o discurso jurídico dos processos
trabalhistas e todo seu cunho de poder não eximem o trabalhador de deixar sua marca, sua
atitude. Assim, tentamos estabelecer uma linha de raciocínio para entender como os
trabalhadores recebiam e reagiam às demandas de sua inserção no universo produtivo
calçadista, através da Justiça do Trabalho. Em outras palavras, a vida operária exige uma
estratégia e o que vemos nos processos trabalhistas expressa bem isso.
146
Dessa forma, percebe-se uma apropriação do discurso oficial, via Justiça do
Trabalho, criando-se uma estratégia de diálogo. A opção de entrar na Justiça do Trabalho, por
si, já orienta uma estratégia operária. Inserindo-se na dinâmica da Lei, ou seja, aceitando as
formulações normativas criadas, como já salientamos, de uma perspectiva dominante, a seu
modo, o trabalhador procura tirar proveito da situação, barganhando, digamos assim, a própria
“dominação”.
Queremos com isso ilustrar, considerando a perspectiva dos autores citados, que as
imagens, relatos e idéias dominantes não são aceitos passivamente pelas pessoas, mas
interpretados e transformados. Acreditamos com isso que a relação dos trabalhadores com a
Justiça do Trabalho no Brasil tenha indicado esse embate, afinal esse universo das Leis e suas
ramificações escapam ao trabalhador em um primeiro momento, inserindo-se na dinâmica de
sua vida pouco a pouco. Assim, procuramos também seguir a interpretação de Thompson
(1979, p. 60), para quem o processo de hegemonia não impede as pessoas de defenderem seus
interesses, de buscarem saídas alternativas de procurarem brechas nas regulamentações
autoritárias e de perceberem os limites impostos.
Esse é o sentido dessa próxima categoria de análise. Nos processos a seguir vamos
mostrar uma série de fatos que, a princípio, parecem curiosos, mas cremos expressar
exemplos de atitudes operárias importantes. Acreditamos, entretanto, que cada processo, em
sua dimensão histórica, representa um universo bem mais amplo que fatalmente escapa às
lupas da ciência mais atenta.
No primeiro exemplo, João Narciso dos Santos, sapateiro, move reclamação
trabalhista contra a empresa de Américo Palermo e Irmão. O motivo é o desconto de um
bilhete de futebol, segundo o qual
[...] seu patrão descontou a quantia de vinte cruzeiros de seu ordenado do
mês de fevereiro, alegando que, como diretor que é da Sociedade Esportiva
Palmeiras, estava cobrando a entrada do jogo de futebol realizado no dia
15.02.1949, entre Palmeiras e C.R. Flamengo, da capital Federal. Em
absoluto, o reclamante entrou no jogo sem pagar entrada, e por isso não é
147
justo que seu patrão João Palermo Filho desconte de seu ordenado.
(AHMF, Cx. 342, Cartório 2º Ofício, Proc. 1337/1949, p. 03).
No termo da sentença,
[...] foi dito que concordava com o pagamento pedido na inicial, desde que
o reclamante se comprometesse a não mais tratar de assuntos de futebol no
recinto da Fábrica, estando disposto a mantê-lo, como o mantém como
empregado da firma. Pelo reclamante, assistido pelo Dr. Promotor Público,
foi dito que aceitava as condições. (AHMF, Cx. 342, Cartório 2º Ofício,
Proc. 1337/1949, p. 06).
O sapateiro Roque Torquato Paiva, move reclamação trabalhista contra a empresa
H. Rocha Filho. Em audiência, o depoimento pessoal revela que
[...] sofreu várias penas, suspensão por 8 dias, uma vez que, ganhando por
peça, era irrelevante que tivesse perdido algum tempo no comer bananas em
hora de serviço e que, além disso, outros empregados, não se limitavam a
comer bananas, mas comiam mesmo sanduíches. A sua última suspensão
foi motivada porque ele enfiara um corte de sapato debaixo da blusa, a fim
de aparentar que era tão musculoso quanto um outro empregado, que o
desafiara. (AHMF, Cx. 474, Catório 2º Ofício, Proc. 2513/1959, p.
20).
Vejamos outro exemplo, no qual a Calçados Samello S.A. instaura inquérito para
apuração de falta grave, contra o sapateiro José Aímola, casado. Trata-se de um funcionário
antigo, que ingressou na empresa em fevereiro de 1949. Entretanto, segundo a empresa,
[...] no dia 10.04.72, entre 15 e 16 horas, o requerido, aproveitando-se de
um descuido de sua colega de serviço, não titubeou e ‘passou as mãos nas
coxas’ de Maura Imaculada Carrijo, fato presenciado por alguns colegas de
serviço. Que, passados os primeiros instantes e o susto que levou, Maura
Imaculada se dirigiu ao seu chefe imediato. (AHMF, Cx. 106 – Proc.
198/1972, p. 2).
A empresa solicita a dispensa por justa causa, citando o enquadramento também
no artigo 482, letras b e j da CLT, que descreve os atos de imoralidade no ambiente
profissional constituem justa causa para dispensa do empregado, por caracterizarem mau
procedimento ou incontinência de conduta. (AHMF, Cx. 106 – Proc. 198/1972, p. 6).
148
Temos que frisar atenção no aspecto moral dado ao fato, além de configurar o
aspecto econômico na tentativa de dispensar o operário. Ademais não fica claro no processo
analisado a dimensão do episódio, parecendo-nos uma tentativa de punição prévia via de um
moralismo longe de fazer parte deste ambiente.
Outro aspecto que queremos assinalar em uma perspectiva que avaliamos ser
nobre, acerca da construção da classe operária, é a invenção deste sapateiro moderno em
Franca. Ou seja, verificamos, pelos processos, que esse termo tem uma conotação peculiar,
uma vez que não somente identifica os operários, em suas diversificadas funções, mas
também dá o tom de uma identidade própria. Dessa forma, em sua maioria, e nas vezes que
foram especificadas as funções do operário (por exemplo: pespontador, cortador, chanfrador,
etc.), é também adicionado o sinônimo genérico da categoria em seguida: sapateiro. Também
notamos em muitos processos apenas a referência direta ao trabalhador como sapateiro.
Cremos, ademais, que esse termo possui uma significação ainda mais amplo e que assume
nesse período estudado um certo ar de estatuto jurídico também.
Seguindo a análise acima, o sapateiro Wanderley dos Santos, com a função
especificada no processo também como pespontador, move reclamação trabalhista contra a
Calçados Terra S.A.
Foi contratado pela reclamada para os serviços em 03.11.59 e registrado
somente em 01.06.62, dois anos e 7 meses após a real admissão. É
pespontador especializado, mas faltando serviço trabalhador foi transferido
da seção de corte de fôrro, função que exerceu aproximadamente por 8
meses, como uma alteração unilateral. Os colegas da seção de corte
reclamaram da equiparação salarial. Enquanto o reclamante se encontrava
substituindo, emprestado à seção de corte, a empresa concedeu vários
aumentos aos pespontadores [...] Quando solicitado o aumento também foi
negado pela empresa, alegando que este tinha somente 3 meses de casa.
Assim, acharam outro motivo para a dispensa. (AHMF, Cx. 156 – Proc.
678/1973, p. 02).
Por sua vez, a empresa alega que
[...] o trabalhador foi registrado como SAPATEIRO [escrito exatamente
assim] e, portanto, para o exercício de qualquer mister relacionado com o
149
fabrico de calçados. Não obstante tal fato, nunca exerceu ‘função
especializada de pespontador’ como pretende a inicial; exercia o mister de
‘fechador de zig-zag’, na seção de pesponto, serviço que até os menores
fazem e sem qualquer segredo; passou, posteriormente, para a função de
“cortador de conserto”, a qual vinha exercendo ultimamente, não a título de
empréstimo ou substituição e sem qualquer redução de seus vencimentos.
Alega a empresa que este nunca foi pespontador. (AHMF, Cx. 156 –
Proc. 678/1973, p. 11).
Esse processo merece ser melhor analisado, pois representa um pouco da história
de vida de muitos sapateiros em Franca. Ocorre que
[...] no dia 21.11.73, foi flagrado (pelo Chefe) desenhando no horário de
serviço; Inquirido sobre o fato pelos chefes, simplesmente virou-lhe as
costas, numa demonstração inequívoca de indisciplina e insubordinação,
além da desídia já ‘quantum satis’ comprovada e demonstrada através do
documento-desenho. (ANEXO Q). (AHMF, Cx. 156 – Proc. 678/1973,
p. 11).
Na ocasião com o enfrentamento na Justiça do Trabalho, a empresa se utiliza do
arquivo pessoal que construiu do operário nesses anos na empresa, mostrando as 11
comunicações referentes à indisciplina, desde advertências e suspensões. Além desses, coloca
em anexo documento da empresa que representa o contrato de aprendizagem, ministrada na
própria empresa, na função de aprendiz-sapateiro. Em seu depoimento pessoal, em audiência
dia 16.01.1974, reitera que
[...] começou a trabalhar para reclamada em 9.11.59 e nessa época o
depoente possuía 9 anos de idade. Trabalhou dois anos no cordonê,
trabalhou no pesponto de 1967 a 1972 (zig-zag, fantasia e cordonê [...]),
depois passou ao corte de forro, onde trabalhou 12 meses aproximadamente,
passando durante os 3 últimos meses a cortar peças estragadas para
aproveitamento. O desenho (fl.14) o depoente tinha feito antes de iniciar o
horário de trabalho, rasgou o mencionado papel e quando o chefe chegou
até o depoente e solicitou o papel, foi entregue [...]. (AHMF, Cx. 156 –
Proc. 678/1973, p. 37-38).
Evidenciamos que os depoimentos que testemunharam para o operário são
evidentemente solidários ao colega, mas o curioso foi perceber a contradição na fala das
testemunhas da empresa, uma vez que no depoimento pessoal da empresa (certamente
realizada pelo advogado) defende que
150
[...] a função de pesponto não é ‘especializada’, nesta expressão o depoente
se refere somente aos que são pespontadores especializados; o pespontador
deve ter 5 ou 6 anos de especialização, sendo que o reclamante não o é;
Despedido por ser surpreendido terminando de desenhar a folha constante
neste processo e porque rasgou a folha perante Zarino e Antonio Carlos,
ambos chefes e porque, admoestado, virou as costas e os deixou falando
sozinhos [...]. (AHMF, Cx. 156 – Proc. 678/1973, p. 38-39).
Considerando, em parte, essa assertiva, a 3ª testemunha da empresa sugere que “o
cordonê é considerado pesponto, mas de 2ª categoria; quem trabalha no zig-zag está ligado ao
pesponto, mas não é considerado profissional pespontador [...]”. (AHMF, Cx. 156 – Proc.
678/1973, p. 41).
Este outro processo, de Valdez Ferreira de Melo, menor, contra a empresa H.
Rocha S.A Indústria de Calçados, indica mais uma atitude dentro da fábrica que foi
contestada pela empresa no seu aspecto moral. Sublinhando as várias punições internas
aplicadas ao funcionário, nove no total, enquadrando no artigo n. 482, letra “b”, da CLT, a
empresa se defende alegando que “um empregado que, com um ano e três meses de serviço,
sofre 10 punições, tem antecedentes negativos que não o recomendam, antes, que fazem
pressupor um verdadeiro desajustamento social”. (ANEXO R). (AHMF, Cx. 258 – Proc.
39/1977, p. 12).
Percebe-se em vários processos, como esses, a incidência do trabalho infantil nas
fábricas. Independente da idade a punição é uniforme para todos, não levando em
consideração que se trata de um menor de idade, que está em desenvolvimento. Atualmente,
mesmo com as proibições legais e incentivos como o PET (Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil) e o Pró-Criança (instituição privada, criada e mantida por empresas), que
tem a função de fiscalizar o trabalho infantil e oferecer programas educacionais às crianças e
aos adolescentes, o trabalho a domicílio de costura manual ou mesmo de pequenas bancas
escapam ao controle, visto que o trabalho infantil é um dos meios para se complementar a
renda familiar.
151
Não nos cabe julgar o aspecto se o operário era um bom ou mau funcionário. Ao
contrário, queremos ressaltar as distintas formas de atitudes que, em nosso entender, mesmo
que desconexas ilustram a trajetória da classe operária. Nesse processo, por exemplo, o real
motivo da demissão parece se misturar a aspectos preconceituosos, tentando ser colocado
moralmente pela empresa:
No dia 15 de dezembro de 1976, por volta das 14 horas, Valdes Ferreira de
Melo, em pleno recinto da fábrica da reclamada, sem respeito por moças e
menores que lá trabalhavam, começou a praticar atos obscenos com Clésio,
passando a mão em suas nádegas, como se tratasse de um pederasta. Este,
por sua vez, dirigiu-se para o menor José Donizete de Souza e praticou o
mesmo gesto, que este descreveu como ‘passou a mão na minha bunda’,
sendo obrigado a fugir para pôr termo à obscenidade. (AHMF, Cx. 258 –
Proc. 39/1977, p. 12-13).
Um mês antes, “no dia 11.11.87, retirou seus órgãos genitais para fora das calças,
mostrando-o para a funcionária [...]” (AHMF, Cx. 258 – Proc. 39/1977, p. 23). Observa-se
que esse assunto sobre a homossexualidade é tratado de forma equivocada no processo
trabalhista. Entretanto, esses eventos acontecem invariavelmente em todos os lugares, mas no
universo de trabalho e sendo exposto dentro de um processo trabalhista da forma como está é
um aspecto que merece mais atenção.
Durvalino Maia Batista, sapateiro, moveu reclamação ação trabalhista contra a
Calçados Martiniano S.A. Fica exposto, neste exemplo, a amplitude do espaço fabril.
Segundo a empresa,
[...] é casado, com filhos, no dia 25.03.77, por volta de 16,00 horas, o chefe
de seção entregou ao chefe do Departamento Pessoal um bilhete, no qual o
reclamante estava a fazer declarações de amor à funcionária Ivete Galvão de
Oliveira, uma menor. Aplicada a pena de suspensão, outros bilhetes no
mesmo estilo foram apreendidos, conforme comprovantes em anexo. No
mesmo dia 25 (suspensão) o reclamante. Ficou nas imediações da fabrica, a
fim de tirar satisfações com a srta. Lenir Alves dos Santos, a qual nada tinha
a ver com o incidente do bilhete, sendo também menor de idadde; agrediua, então barbaramente, com socos e pontapés, simplesmente porque pensou
que teria sido esta menor a entregar o bilhete ao aludido chefe. [...] A menor
voltou correndo para o interior da fabrica, relatando o fato ao chefe de
Pessoal, tendo este acalmado-a mandando que fosse para sua casa; mas,
para surpresa e indignação de todos, [...] foi novamente agredida a menor
pelo recte. Em vista de tais graves fatos o chefe de pessoal intereviu de
152
imediato, dizendo que a atitude do reclamante era a de um covarde, porque
deveria fazer aquilo com um homem e nunca com uma mulher, mormente
sendo menor. Diante de tal argumentação também foi agredido o chefe,
com socos e pontapés, cumprindo acrescentar que ainda passou para o
campo das ameaças, logo após as vias de fato, dizendo que ainda iria
‘acertar’ o chefe, dando-lhe um tiro. (ANEXO S, T, U). (AHMF, Cx.
268 – Proc. 315/1977, p. 8-9).
Nesse processo, a dispensa por justa causa, segundo a empresa Makerli, foi devido
à falsa informação e desmotivação de um recém contratado. Revelando a questão de fundo
que é a da produtividade e desempenho profissional. Também podemos perceber como se
configurava, na declaração abaixo, como que as conversas operárias, ou por outra, a
consciência do trabalho e de suas adversidades, assim como de como burlar as disciplinas,
eram passadas e repassadas de distintas formas. Vejamos a íntegra do documento expedido
pela empresa:
Ao Sr. Luiz Antonio Gomes:
Participando-lhe a dispensa de seus serviços, por Justa Causa, motivado
pelo fato ocorrido hoje, quando um funcionário recentemente admitido foi
abordado por V.As, em horário de serviço e que com intuito de evitar que o
mesmo continuasse na Empresa, deu más informações a ele dizendo
inclusive que se fosse casado iria passar fome com salário que a firma paga
para a função, tentando desanimar o funcionário.
Esclarecemos ainda que o novato funcionário que efetuou as tarefas na
firma pela 1ª vez deu uma produção aproximadamente de 200 pares com
enfeite, sendo que V.As com experiência e tempo de serviço tem
capacidade comprovada para tirar a mesma produção ou mais, enquanto
insiste em tirar menos de 150 pares fazendo pressão para que a firma
aumente o salário, e se não bastasse ainda, procurou interferir na admissão
de um funcionário conforme fato acima exposto. 03.10.1978. (AHMF, Cx.
306 – Proc. 681/1978).
A utilização da dispensa por justa causa pela quebra da disciplina no ambiente de
trabalho (ANEXO V), neste processo contra a Calçados Samello S.A, levanta mais uma vez o
aspecto moralista das empresas. A alegação foi porque, “no dia 12 de janeiro de 1978, o
Reclamante foi suspenso do trabalho por mau comportamento e, principalmente, por estar
153
lendo, no horário de trabalho, revista pornográfica (ANEXO W)48. Assim, foi o reclamante
orientado que tal procedimento, se repetido, “obrigar-nos-ia” a tomada de enérgicas
providências para a manutenção da disciplina em nosso parque fabril”. (AHMF, Cx. 295 –
Proc. 313/1978, p. 09).
Neste outro processo, estabelece o mesmo exemplo acima citado. A Calçados
Marquinhos contesta reclamação trabalhista movida por Carlos Eurípedes de Souza, menor.
Encontra-se anexado no processo um exemplar da revista Playboy, motivo imperioso da justa
causa. Além desse fato, a empresa demonstra as várias advertências e suspensões, promovidas
por brincadeiras na jornada de trabalho, adverte a empresa. Levando-se em conta a contramão
de intenções que fazem parte do universo produtivo e das crianças trabalhadoras da fábrica,
muitos dos menores pesquisados nos processos trabalhistas fazem do ambiente da indústria
um palco para suas brincadeiras. Nesse exemplo, além da “exibição da revista pornográfica”,
no dia 24.10.78, “foi encontrado com brincadeiras, com um pedaço de pano velho amarrado
em uns do pares e sapato” e no dia 27.09.78, foi advertido por “estar brincando com uma bola
feita de cola de sapato”. (ANEXO X). (AHMF, Cx. 511 – Proc. 584/1979).
Uma revista pornográfica em outra situação não indicaria nenhuma brecha para
maiores questionamentos, entretanto, anexada a um processo trabalhista, em vários casos
registrados, esse evento assume uma importância ímpar na conjugação de fatores que
confluem numa dimensão de classe.
Nesse processo, o menor Valmir Antônio da Silva move reclamação trabalhista
contra a Calçados Martiniano S.A. Aqui também são expostos vários documentos que
48
Noutro processo, a empresa Sparks Calçados Ltda alega falta grave durante o trabalho e dispensa o sapateiro
por justa causa em data de 26/10/79, Pois “em plena lida do trabalho, o reclamante provocou ligeiro tumulto
dentro de seu ambiente de trabalho na reclamada, quando, de posse de uma fotografia de mulher nua passou a
mostrar para suas colegas de serviço, homens, mulheres, menores de ambos o sexo. Este ato de improbidade e
indisciplina atentou contra pudor de várias funcionárias. Ofendidas, levaram ao conhecimento da
empregadora". (AHMF, Cx. 339 – Proc. 1084/1979, p. 8).
154
demonstram, segundo a empresa, sua indisciplina e insubordinação. Entretanto, o que chama
atenção, é o fato da empresa alegar como face dessa indisciplina, o desenho que o sapateiro
fez do emblema do time de futebol do Corinthians em um pedaço de couro (ANEXO Y). O
argumento da empresa, em sua defesa, é sempre para não pagar as verbas rescisórias
requeridas pelos operários. (AHMF, Cx. 384 – Proc. 279/1981).
A nuance moralista também se verifica no processo em que Antonio Eustáquio
Cunha, sapateiro, propõe reclamação trabalhista contra a Calçados Samello S.A. Essa por sua
vez, alega que
No dia 20 de janeiro de 1982, o reclamante juntamente com a Srta. Luciane
da Silva Candido (menor), dentro do recinto e horário de trabalho, iniciaram
a troca de carícias amorosas, que culminaram com um abraço intimo e
caloroso debaixo da esteira de montagem de calçados, local em que ambos
exerciam a atividade para a qual foram contratados. A Reclamada exige em
seu recinto de trabalho o máximo de respeito e cooperativismo, não
admitindo, em hipótese alguma a tomada de posições mais íntimas, muito
ao ponto em que chegou o reclamante, em total desrespeito ao local de
trabalho e aos princípios básicos que norteiam o bom comportamento.
(AHMF, Cx. 000 – Proc. 61/1982, p. 13).
Vejamos os depoimentos de testemunhas acerca do ocorrido. Segundo testemunha
do operário, Ione Mendes Rosa, sapateira, “Anteriormente a este fato, o casal costumava
brincar e falar ‘besteiras’, como contar piadas maliciosas; que a esteira apresenta-se em forma
oval dentro de um salão e os funcionários ficam trabalhando de ambos os lados da mesma”.
(AHMF, Cx. 000 – Proc. 61/1982, p. 22). Outra testemunha do operário, Margarida Maria
Pereira, sapateira, revela que
A depoente trabalhava na mesma seção do reclamante à época; Que o fato
entre o reclamante e Luciane ocorreu numa época de pouco serviço, estando
o depoente próximo do casal, que conversava a respeito de sapato novo e
batizá-lo, pisando sobre o mesmo; que o Rte. estava com um calçado novo,
ocasião em que a menor Luciane de 15 anos pisou no pé do mesmo e ato
contínuo fugiu; que o reclamante perseguiu a menor, correndo para trás da
maquinaria, ocasião em que tropeçou numa das mangueiras de ar da
máquina, caindo ao solo; que Luciane ao cair permaneceu sentada ao chão
com as pernas cruzadas e os braços entre as pernas, ocasião em que o
reclamante tentando pisar no pé da mesma passou sobre o seu corpo; que
não houve tumulto na seção e nem paralisação de serviço; que no momento
155
a menor Luciane estava parada sem serviço. (AHMF, Cx. 000 – Proc.
61/1982, p. 23).
O processo em que Sara Ribeiro, menor, move contra a Indústria de Calçados
Washington Ltda demonstra o universo vivido pelas trabalhadoras que ficavam grávidas,
muitas delas vítimas de perseguição. Foi dispensada “[...] sob alegação de justa causa, mas
encontra-se em estado de gravidez (cerca de cinco meses)”. (AHMF, Cx. 000 – Proc.
704/1982, p. 2). Assim, pleiteia estabilidade e verbas rescisórias conforme acordo coletivo. O
motivo é singular, pois
[...] em 2.11.82 recebeu carta de dispensa, por justa causa, por motivo de
desenhar cama, armário, em prancheta que é usada para passar tintas, e
ornamentando o nome escrito na mesma com pregos de montagem, em
pleno horário de trabalho, atrasando o seu serviço além do desperdício de
material e atraindo a atenção dos demais colegas. (AHMF, Cx. 000 –
Proc. 704/1982, p. 6).
Por sua vez, a empresa alega que
[...] nunca se portou como uma exemplar funcionária, advertida
verbalmente e por escrito várias vezes e suspensa por indisciplina. A
reclamante dentro da fábrica em seu local de trabalho, passou a fazer
desenhos em prancheta de papelão, enfeitando-os com preguinhos
(anexados ao processo), deixando com isso a esteira passar, sem executar
seu trabalho, além do desperdiço de material que empregou no desenho e no
enfeito. Encaminhada por seu chefe ao departamento do pessoal, [...] a
mesma confirmou ter sido ela quem fez, ao ser dispensada, a reclamante
ficou nervosa e passou a ofender o gerente e o chefe de pessoal, chamandoos de ‘sem vergonha’, batendo a porta de saída com muita força, [...] num
ato abusivo e provocador. (AHMF, Cx. 000 – Proc. 704/1982, p. 20-
21).
A empresa alega que desconhecia o estado de gravidez da funcionária e ganha
ação em primeira instância. Entretanto, o TRT atesta a seguinte sentença:
Não ficou devidamente provado ter sido a reclamante a autora do cartão de
(fl. 35). Além do que, não há qualquer prova de que tivesse havido algum
prejuízo ou que a reclamante tivesse interrompido o trabalho para brincar. A
falta grave, para permitir a dispensa do obreiro, sem ônus para a empresa,
deve ser sobejamente comprovada nos autos. [...] Houve excesso de rigor
no poder de comando da empresa. Dou provimento ao apelo da reclamante.
(AHMF, Cx. 000 – Proc. 704/1982).
156
No processo a seguir, a empresa Agabê – H. Bettarello S.A Curtidora e Calçados
contesta reclamação trabalhista de Mauricio Mendes Baia, alegando que no dia 14.03.85,
“este funcionário fez este ‘rabo’ de fita adesiva e colocou nas costas de um outro funcionário
na fábrica, foi punido e nossa punição, sendo dispensado por justa causa”. (AHMF, Cx. 532 –
Proc. 312/1985, p. 15). No processo consta um envelope com o ‘rabo’ anexado (ANEXO Z e
AA) e a advertência rasgada pelo operário.
Outro problema que ocorre com certa freqüência no universo produtivo, claro que
não sendo exclusivo dele, é o assédio sexual. Rosilma Maria da Silva, menor, sapateira,
representada por sua mãe Euripa Brasilina da Silva, movem reclamação trabalhista contra a
Calçados Sarina. Segundo a sapateira, admitida em outubro de 1984,
[...] seu patrão de nome de Mauro vem a tempos lhe dirigindo gracejos, bem
como lhe fazendo convites indecorosos tendo às vezes usado palavras de
baixo calão que fizeram a reclamante ruborizar-se haja vista que vinda de
uma pessoa que serve para ser seu pai, pois tem apenas 15 anos. Não se
conformando com as escusas seu patrão passou a segui-la durante o trajeto
de sua casa e por fim passou a lhe impingir serviços dentro da fábrica
obrigando-a a parar de trabalhar, o que ocorreu em 11 de outubro último.
(AHMF, Cx. 557 – Proc. 1051/1985, p. 02).
O espaço fabril não oferece oportunidade para sonhos, essa perspectiva alia-se ao
conflito de classe.
157
6 TRABALHO, TRABALHADORES E A ÉTICA DO TRABALHO HOJE
Em relação à ética do trabalho e o peso deste em nossas vidas atualmente, vamos
comentar sua perspectiva histórica rapidamente. Esse universo temático há muito vem sendo
debatido atualmente, portanto o peso do trabalho hoje segue nuances distintas da que Weber
(1983) analisou, ou seja, a disposição de poupar mais que gastar inventou um ato de
autodisciplina, um novo tipo de homem, decidido a provar seu valor moral para o trabalho.
Entretanto, esse homem motivado, segue uma busca de reconhecimento dos outros e de autoestima, significando aceitar a si mesmo. A ética protestante, como análise econômica, omite
de certa maneira o consumo como força motivadora no capitalismo. Esse aspecto pode ser
compreendido com Werner Sombart (1953, p. 248), que sustenta que o capitalismo nada deve
à ética puritana ou qualquer outra, pois as virtudes burguesas já existiam há aproximadamente
duzentos anos antes de nascer o puritanismo.
A ética do trabalho atualmente, não é motivo de felicidade humana, mas sim de
disciplina, é um ato de auto-punição49. Ou seja, o homem motivado é oprimido. Nessa
perspectiva, poder-se-ia pensar que o enfraquecimento da ética do trabalho seria um ganho
para a civilização, mas ao contrário, nota-se que esse aspecto valorativo do trabalho ganha
nova força atualmente. As reflexões de Paul Lafargue (1999) são emblemáticas nesse sentido,
pois ao contrário do que defendia, o trabalho é reivindicado historicamente como um direito,
em uma extrema valorização do mesmo.
Sabe-se que o lugar do trabalho está em mutação, pois a idéia de que o trabalho
não cria mais riqueza e que os empregos não dão mais lucros acumula uma crise social que
não é muito legível. Certamente a clássica ética do trabalho de adiar a satisfação e provar-se
para o trabalho árduo, dificilmente pode exigir a afeição das pessoas atualmente, mas
49
Abordagem sofisticada sobre a dinâmica dessa disciplina em nossa sociedade pode ser encontranda em
Foulcault. FOUCAULT, Michel. Vigir e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1977.
158
tampouco o trabalho desligado de um sentido mais entrelaçado com o social pode indicar a
saída. Considerando as reflexões de Sennett (2001) para o contexto atual do trabalho no
capitalismo, indica que o novo capitalismo é um sistema de poder muitas vezes ilegível. Nele,
o caráter (valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas relações com os
outros) é corroído a cada instante. Afinal, o caráter de alguém depende de suas ligações com o
mundo, alinhando sua experiência emocional, expressada por uma espécie de lealdade, um
compromisso mútuo, uma busca de metas á longo prazo, numa prática de adiar a satisfação
em troca de um bem futuro a longo prazo.
A rotina industrial ameaça degradar o caráter humano em suas próprias
profundezas, pois a divisão do trabalho embrutece a explosão espontânea, a criatividade das
pessoas. Adam Smith (1983)50 acreditava que a livre circulação de moedas, bens e trabalho,
exigiria que as pessoas fizessem tarefas cada vez mais especializadas. Ademais, ilustra em seu
exemplo clássico da produção de alfinetes o processo dessa divisão do trabalho. Para o autor,
a separação de casa e trabalho foi a mais importante de todas as modernas divisões de
trabalho. Dessa forma, a rotina embrutece o espírito humano e os relógios mecânicos ditam os
tempos da produtividade na fábrica, que é um lugar sinistro. Não é por acaso que o tempo da
rotina do século XX pode ser o sinônimo de fordismo (GRAMSCI, 1978)51. Em uma
perspectiva taylorista de administrar o tempo de produção, a ética do trabalho tem seu período
mais intenso. Assim sendo, os trabalhadores no mundo lutam com a disciplina. Sabiam que
poderiam temperar as dores do tédio, mas não as abolir naquela jaula de ferro do tempo. As
dores da rotina de mais de um século culminaram em gerações que aprenderam a perder a
vida para ganhá-la.
50
Sobre esse tema, cabe sublinhar os trabalhos de MORAES NETO, Benedito Rodrigues de. A organização do
trabalho sob o capitalismo e a “redoma de vidro”. Revista de Administração de Empresas. Rio de Janeiro,
27 (4), out./dez. 1987, p. 19-30. E também, do mesmo autor: A divisão do trabalho em Marx e a “angústia
smithiana”. Departamento de Economia – Unesp/ Araraquara), s/d.
51
Segundo Gramsci, tem-se a necessidade de aperfeiçoar um novo tipo de trabalhador e através de uma
racionalização que determinou a elaboração de um novo tipo de humano, conforme ao novo tipo de trabalho e
de produção. É ainda a fase da adaptação psicofísica à nova estrutura industrial.
159
A grande questão é como reconhecer ou encontrar liberdade nesse tipo de trabalho,
guiado pela extrema rotina. Para as gerações acostumadas com o “tempo fordista” a métrica
do tempo é diferente, não mais um ato de repressão e dominação praticado pela administração
em nome do crescimento da gigantesca organização industrial. Os sindicatos eram fortes, pois
o tempo rotinizado se tornara uma arena onde os trabalhadores podiam afirmar suas próprias
exigências, arena que dava poder. Muitos, com a obsessão aos horários rotineiros, criavam
uma narrativa positiva para suas vidas. Verifica-se que a rotina, a dura disciplina fabril pode
degradar, mas também pode proteger. Pode decompor o trabalho, mas compor a vida noutra
perspectiva, pois valorizar o hábito das práticas sociais é importante e se revela também no
processo de relação com a Justiça do Trabalho. Dessa forma, imaginar uma vida de impulsos
momentâneos, numa ação a curto prazo, despida das rotinas sustentáveis, uma vida sem
hábitos, é imaginar, na verdade, uma existência irracional. Para a nova linguagem da
flexibilidade sugere-se que a rotina está morrendo nos setores dinâmicos da economia,
contudo, a maior parte da mão-de-obra permanece inscrita no círculo do fordismo.
Esse aspecto acima é importante ponto de partida para uma questão, a de que o
processo de trabalho inserido atualmente na cidade de Franca precisa ser mais aprofundado,
respeitando as ressonâncias históricas e não querendo impor de forma substitutiva aleatória,
em uma dinâmica teórica, na troca de um sistema produtivo por outro. Ou seja, o aspecto
determinante do trabalho em Franca continua sendo a aplicação de mão-de-obra direta, sendo
assim, salvo aspectos como a informação e marketing, é improvável que as mudanças
alardeadas pela flexibilização tenham assumido de fato grande influência em Franca.
O caráter dos trabalhadores expressa-se no trabalho, no agir com honra,
trabalhando, cooperativa e honestamente, com outros. Nesse sentido, fatores como segurança
do emprego e compromisso com a empresa, mantinha as pessoas em seus lugares. Os
trabalhadores hoje tendem a não ficarem presos ao lugar. Ocorre uma apreensão cotidiana
160
com emprego, essa apreensão aumenta quando as experiências passadas parecem não servir
de guia para o presente.
A reboque das transformações recentes, a qual o uso da expressão “perda de
centralidade do trabalho”52 tenta sintetizar parte das mudanças estruturais sofridas pelas
formações capitalistas contemporâneas, particularmente em relação ao papel do capital e
trabalho enquanto forças motrizes da nova configuração societária, é preciso ressaltar que, em
perspectiva histórica, a aquisição de direitos pelo trabalhador individual, no sistema de
emprego capitalista, mesmo que o cumprimento das leis tenha distintas variações, é uma
característica intrínseca da formação da classe trabalhadora e influi na invenção cotidiana da
categoria do trabalho contemporâneo. Pois, mesmo sendo os processos trabalhistas, em sua
maioria de ordem individual, como já demonstramos, quando um conflito colocava o
indivíduo contra a empresa, abria-se uma oportunidade para a ação de classe, para uma
alteração de consciência que possibilitava mobilizar os trabalhadores. Dessa maneira, a tarefa
fundamental dos trabalhadores em suas reclamações trabalhistas foi elevar sua consciência
por meio da sua participação, cujo impacto tem efeito mobilizador e favorece a criação de
laços sociais, independentemente dos resultados obtidos.
Na pesquisa que apresentamos, verifica-se na trajetória da experiência da classe
trabalhadora em Franca uma continuada necessidade do setor calçadista com o emprego da
mão-de-obra direta, sendo um exemplo prático da continuidade do paradigma do trabalho, o
qual se observa valorização intensa do mesmo passando por uma teia de sociabilidade que
explode as dicotomias das classes sociais.
52
Sobre esse universo temático, que indica nova abordagem de leitura da sociedade, ressaltamos a necessidade
de considerar as reflexões de André Gorz (GORZ, André. Adeus ao proletariado: para além do socialismo.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982); Claus Offe (OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado. São
Paulo: Brasiliense, 1985. p. 178) no qual discorre sobre o que denomina “trabalho reflexivo”, apontando a
perda da validade da categoria trabalho como chave para a pesquisa sociológica. Também a leitura sobre o
“trabalho imaterial” de LAZARRATO, Maurizio; NEGRI, Antôio. Trabalho imaterial: formas de vida e
produção de subjetividade. Rio de Janeiro, DP&A, 2001. p. 25-41. Assim como a abordagem de Zygmunt
Bauman (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade liquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001) e GILDDENS, Anthony,
BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização reflexiva. São Paulo: Editora Unesp, 1997.
161
As transformações atuais no âmbito da categoria trabalho sublinhadas acima,
como ser ontológico da sociedade capitalista, deixa-nos perplexos. Entretanto, o trabalho vivo
ainda é o motor de toda história, ou seja, é a força determinante do sistema, a resposta ao
truncamento da sociedade capitalista na fase atual. Cabe destacar a observação de David
Harvey, o qual salienta que:
[...] a crise de superacumulação iniciada no final dos anos 1960, e que
chegou ao auge em 1973, gerou exatamente esse. A experiência do tempo e
do espaço se transformou, a confiança na associação entre juízos científicos
e morais ruiu, a estética triunfou sobre a ética como foco primário de
preocupação intelectual e social, as imagens dominaram as narrativas, a
efemeridade e a fragmentação assumiram precedência sobre verdades
eternas e sobre a política unificada e as explicações deixaram o âmbito dos
fundamentos materiais e político-econômicos e passaram para a
consideração de práticas políticas e culturais autônomas. O esboço histórico
que propus aqui sugere, no entanto, que mudanças dessa espécie de modo
algum são novas, e que a sua versão mais recente por certo está no alcance
da pesquisa materialista-histórica, podendo até ser teorizada com bases na
metanarrativa do desenvolvimento capitalista que Marx formulou. (2002,
p. 295).
Portanto, continuamos sob o primado do sistema de expropriação da mais-valia, a
qual se acirra de maneira intensa. A precarização da condição operária não é negociada, mas
sim imposta à classe trabalhadora, que busca espaços de enfrentamentos os mais distintos,
dentre os quais estão as reclamações trabalhistas.
6.1 A respiração do trabalho em Franca
O operário do calçado, no período de consolidação da indústria calçadista,
participa do mercado de trabalho, inserindo-se em um universo produtivo muitas vezes
estranho a ele e isso implica muito mais que uma estratégia de vida. A fim de escapar das
amarguras do desemprego na encruzilhada modernizadora, “concordava” em se colocar nessa
162
ordem disciplinar que, como salientamos, está além dos muros das fábricas. Entretanto,
também reelaborava em proveito próprio, de alguma forma, a ditadura dessa disciplina, pois
nesse sentido, atrás do emprego o que se pretende é uma vida melhor. Não é o trabalho
representado pela função, mas uma melhor qualidade de vida (na contra-mão do índice oficial
do IDH) que querem esses operários.
As formas de experiências, atitudes e expressões que ilustramos, expostas nos
processos trabalhistas, mostram reações muito além de um conformismo, passividade ou
resignação, reivindicando uma apropriação, que lhes permitem fazer leituras criativas e
singulares. Nesse sentido, o aparente conformismo pode fazer parte de uma estratégia de vida
para alcançarem seus objetivos mais imediatos. Vivendo em difíceis situações existenciais, ao
recorrerem à Justiça, produtor de toda uma legislação que os “beneficiava” materialmente, em
termos econômicos os trabalhadores procuravam uma alternativa a mais em suas vidas.
Afinal, a base para o conflito de classes é a vida cotidiana.
6.2 O sapateiro e o operário
A identidade do sapateiro em Franca é construída fortemente com apelo ao
trabalho, alinhando as classes sociais em torno dessa configuração. Ou seja, tanto para o
empresário como o passador de cola, ser sapateiro parece ter um significado comum.
Observar e localizar o conflito de classes nesse jogo de relações parece ser o maior desafio.
Assim, mais que abordar o papel das classes sociais é preciso entender antes um pouco dessa
dinâmica.
O trabalhador que controlava o saber de ofício, na fase inicial da produção do
calçado, estava inserido em um universo produtivo que privilegiava o seu domínio intelectual
sobre as técnicas de produção do calçado. Assim, a unidade produtiva formava novos
163
profissionais ao garantir o banquinho do aprendiz ao lado do oficial. No entanto, o
aprendizado deveria ser custeado pelo iniciante seja na forma de trabalho não remunerado,
seja mediante pagamento direto, ou ainda, como parte das relações informais de
solidariedade, associadas ao parentesco. O domínio da técnica era considerado um bem
precioso, dotado de valor econômico, a ser repassado pelos mais experientes, detentores dos
segredos de ofício. Essa formação dos aprendizes, embora implicasse em trabalho não
remunerado e camuflasse a exploração de mão-de-obra barata, em uma relação de poder
sustentado exatamente por esse saber fazer, nas oficiais artesanais, adquire uma certa
valorização positiva (MALATIAN, 1996).
Com a consolidação da unidade calçadista, ou do parque industrial, verifica-se que
ocorre uma ruptura radical dessa herança social, com uma configuração que se sustenta no
moderno (SEVCENKO, 1992)53, do novo e do jovem. Os sapateiros mais velhos, na
transferência do domínio sobre o saber produtivo, paulatinamente se associam à perda e
mesmo destituição de uma identidade profissional particular. Dessa forma, além de deixar de
ser considerado um artista, cujo prazer estava em visualizar o produto final realizado por suas
próprias mãos, não há praticamente vínculos entre uma fase à outra, nessa trajetória do ofício
ao operário moderno. Assim, a permanência dos sapateiros antigos, por vezes, sobrevive
ainda na permanência da produção doméstica ou na pequena sapataria de consertos. Já para os
que se integraram às fábricas e à disciplina fabril e, mais ainda, para os que não conheceram a
produção artesanal, a resistência ao novo está sempre presente na dificuldade em aceitar a
extrema divisão do trabalho, a rigidez da disciplina e até o espaço fabril: adaptar-se à esteira,
dominar o corpo, enquadrá-lo nos horários rígidos, no espaço delimitado como seu, manter-se
em silêncio durante o horário de trabalho. A nova tecnologia não apenas expropriou o saber
operário, mas impôs a ele condições de trabalho que alteraram sua identidade.
53
A diversão, os lazeres da classe operária estão ligadas a um novo estilo de vida, na qual a ação é ritualizada e
coletiva. A rua e o universo produtivo são palcos do espetáculo moderno, que envolvem as massas num culto à
maquina, ao esporte e ao carnaval.
164
No novo espaço produtivo, a máquina e a disciplina facilitam o trabalho e
expandem a produtividade, redimencionando a inserção do aprendizado e ampliando o leque
de operários. O universo produtivo do calçado emprega muitos jovens, pois exige habilidade,
atenção e agilidade. Neste processo produtivo, o ponto fundamental do aprendizado passou a
ser a relação com a máquina e ferramentas. Conhecer seus segredos, dominá-la sem deixar-se
triturar por ela, passou a ser o grande salto que qualifica o sapateiro na profissão. Os
aprendizes já não contam com o ensino dos mestres, pois são treinados pelas fábricas, por
escolas profissionais (como exemplo do SESI) ou ainda mediante pagamento a outro
trabalhador.
Esse novo contexto representa a possibilidade de romper o monopólio do saber dos
artesãos tradicionais, com a possibilidade de “ganhar mais”. Porém, no setor calçadista o fator
principal sempre foi o trabalho, facilmente suprido com o exército de reserva da migração
rural-urbana decorrente dos avanços do capitalismo no campo (MENDES, 1999), pois há de
se considerar a relativa facilidade de qualificação profissional no setor calçadista moderno.
Dessas transformações resultou a configuração de uma nova identidade, na qual a
passagem do artista-artesão ao trabalhador taylorizado, inaugura novas possibilidades de
autoconhecimento e ação como classe operária em sua forma clássica. Nesse sentido,
destacamos que o novo momento periodizado pela disciplina industrial, a qual será
responsável por moldar o novo trabalhador, assiste o surgimento de um sentimento comum
dos sapateiros-operários francanos.
Nessa perspectiva, não é a aparente apatia ou o silêncio54 (aspectos que
demonstramos não proceder em todo período estudado) desses trabalhadores, anteriormente à
década de 1980, em uma instância política e mesmo sindical, que determinam o grau de
54
“Contra as estratégias de enquadramento do proletariado ao modelo disciplinar imaginado pelos dominantes, a
criatividade operária opõe inúmeras formas de resistência, surdas, difusas, organizadas ou não. O
questionamento prático da lógica da organização capitalista do trabalho assume expressões diferenciadas,
como o roubo de peças, a destruição de equipamentos, a sabotagem, o boicote, além das greves [...]” (RAGO,
1985, p. 27).
165
mobilização e formação da classe operária. Deve-se mirar atenção também sobre as
experiências dos não-sindicalizados e dos trabalhadores informais, em suas ações dentro e
fora da fábrica, ou seja, além do universo fabril, a partir de um momento singular de
industrialização e modernização na década de 1960. Assim, provavelmente a construção de
uma identidade coletiva dos trabalhadores das indústrias calçadistas, dos sapateiros em
particular, fez-se através de experiências sociais dentro de um novo universo produtivo e
social, assim como as experiências dos conflitos na Justiça do Trabalho, tecidas por práticas e
dificuldades cotidianas comuns e pela rememoração constante dessas vivências, misturadas a
antiga situação fora da cidade, negando ou integrando o seu passado à sua nova condição, os
operários “crescem” com a indústria francana.
Enfocamos na seção 5, nos exemplos analisados, um aspecto que é forte no
universo produtivo do calçado, qual seja, o “contrato moral” que se estabelecia entre o
operário e o contratante. Nesse aspecto, os empresários tentavam manter, principalmente os
serviços de terceiros, na “base da confiança”, em que o trabalhador não moveria reclamação
trabalhista contra o empregador. Entretanto o “fantasma” da reclamação judicial estaria
sempre rondando. Portanto, essas reclamações trabalhistas representam um movimento de
classes, o qual tece uma experiência singular e fortalece o sentimento de pertencimento pela
construção de um capital social e simbólico forte, qual seja, o de ser sapateiro. Essa categoria
histórica que poderia ser percebida em suas distinções de tempos em tempos, engloba um
sentimento comum que expande as barreiras das classes sociais.
Estudar o movimento operário fora da perspectiva associativa e sindical, como se
sabe, ocorre com boa freqüência há muito tempo, mas ainda parece ser um problema, pois em
geral se tende associar imediatamente a história da classe operária ao movimento sindical,
nem sempre claro e engajado.
166
Na relação com a Justiça do Trabalho, os trabalhadores criaram estratégias e se
utilizaram das brechas da legislação para defesa dos seus interesses. Cumpre pensar como a
“consciência legal”55 dos trabalhadores pode ser entendida como elemento da composição de
uma cultura de classe em sua formação. Nesse sentido, é possível afirmar que a legislação
trabalhista favoreceu a organização do movimento operário. Ademais, a experiência dos
trabalhadores na Justiça do Trabalho confere a eles um estatuto político.
Portanto, essas reclamações trabalhistas representam uma parte do movimento
da classe operária, suas experiências e fortalecem o sentimento de pertencimento fortalecido
pela construção de um capital social e simbólico forte, qual seja, o de ser sapateiro.
55
Hipótese formada por Paoli (1987), segundo a qual a formação da classe operária brasileira não pode ser
entendida sem considerar a intervenção legal do estado nas relações de trabalho cotidianas e o modo como a
CLT serviu para moldar a demanda dos trabalhadores por justiça para constituir um horizonte cultural comum
do que deveriam ser dignidade e justiça nas relações de trabalho.
167
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Certamente, no campo temático sobre a classe trabalhadora e o universo do
trabalho, a observação de distintas instâncias da vida operária tem sido cada vez mais
freqüentes, como o exemplo da abordagem que apresentam uma reflexão do trabalhador em
seu cotidiano, em sua experiência vivida, ou seja, histórias a partir do próprio trabalhador,
suas maneiras de interpretar e interferir na realidade. Nossa singela contribuição foi, nesse
sentido, demonstrar parte desses aspectos na análise dos processos trabalhistas. No entanto,
não tivemos a pretensão de esgotar o assunto, mas, ao revés, abordar reflexões, considerando
a perspectiva sublinhada por Vianna (1983, p. 30), na qual a história da classe operária é mais
que a sua história e o sentido do seu movimento político-social é dado pelas suas relações
com as outras classes, com o Estado e pela história dessas relações.
Portanto, a classe é um fenômeno histórico unificador das experiências dos
trabalhadores no processo produtivo, de suas tradições intelectuais, de seus padrões de
relacionamento social, de seus valores culturais e de suas vivências políticas. Nessa
perspectiva, as lutas de classes são estruturadas pela totalidade das relações econômicas,
políticas e ideológicas e produzem um efeito autônomo sobre o processo de formação de
classes. De outra maneira, segundo Bourdieu, classe pode ser representada por um espaço
multidimensional de posições, ou seja, não existem como grupos reais (embora expliquem a
probabilidade de se constituírem em grupos práticos: famílias, clubes, associações e mesmo
“movimentos” sindicais ou políticos), o que existe, é um espaço de relações o qual é tão real
como um espaço geográfico.
Elegemos os processos trabalhistas, como fonte, para observar a classe
trabalhadora, em especial o operário do calçado, nesse espaço de relações. No embate
exposto, os trabalhadores tecem expressões e atitudes através de uma produção de idéias,
168
valores e códigos próprios. Foi possível decifrar muitos desses aspectos e demonstrar que a
sua trajetória, o processo de formação, está muito além dos territórios institucionalizados.
No universo produtivo do calçado, a necessidade da mão de obra direta é
imprescindível. Ou seja, mesmo com os avanços tecnológicos e a inserção de máquinas, o
personagem central de todo processo é o sapateiro que consegue imprimir uma configuração
que perpassa a barreira das classes. Por isso mesmo, ser sapateiro e estabelecer-se sapateiro há
de ter uma história de esforços de diversas naturezas que proporcionam, a um só tempo, a
valorização simbólica da profissão e a possibilidade de ocupar novas posições nesse abstrato e
rico espaço de relações. Ser sapateiro, ser reconhecido por todos, eis a faceta desse capital
simbólico.
Quanto à construção do sentimento de Justiça, não há uma reprodução, e
mesmo aceitação, mecânica e passiva do discurso dominante. Porém se percebe, com a
análise, a apropriação do discurso oficial, via legislação trabalhista, em proveito próprio. Criase uma estratégia de diálogo. Nesse sentido, a aquisição de direitos pelo trabalhador
individual, que entra no sistema de emprego “protegido” pela legislação, mesmo que seu
cumprimento fosse incerto, é uma das principais especificidades do processo de formação da
classe trabalhadora no Brasil. Portanto, a “consciência”, derivada da existência dos direitos
trabalhistas, participa da trajetória da formação da classe trabalhadora.
Não se deve refutar que há o medo, por parte do trabalhador, de ser perseguido
pelos patrões e do desemprego. Existe ainda a desconfiança de que a lei (trabalhista) seja, de
certo modo, fraudada em benefício dos empregadores, em uma tentativa de enfraquecer o
grau de reivindicação dos trabalhadores e desencorajar seu recurso à Justiça do trabalho.
Entretanto, um dos méritos da legislação trabalhista, via Justiça do Trabalho, é colocar a
reclamação do trabalhador em um terreno político e público, não mais circunscrito
autoritariamente pelo espaço fabril. Assim, o ponto central é a possibilidade de estabelecer
169
uma relação, na qual o trabalhador individual pode ajudar a transformar sua “consciência
legal”, passo a passo, por meio de seu envolvimento com a Justiça do Trabalho. Essa
consciência não é estática, desenvolve-se por meio da experiência individual. Os
trabalhadores têm a possibilidade de serem criativos, de resistir e mesmo de mudar sua
consciência, enquanto a testam em suas experiências cotidianas.
A Justiça do Trabalho foi criada para intervir no terreno das relações sociais
diretamente ligadas ao universo produtivo e mercantil, como instrumento de participação e de
expressão legítima do Estado. Contudo, pode até desempenhar um papel central na promoção
da cidadania social, mas este será tanto maior quando ela não se tornar um instrumento, no
âmbito do direito, para substituir os interlocutores sociais responsáveis por isso. Ao findar o
trabalho, sentimos a ausência de um estudo mais aprofundado do lugar do direito do trabalho
na sociedade, algo que requer um tipo de abordagem que não pode prescindir de incursões
pela teoria jurídica, para entender, assim, a virtude última do conceito de modelo legislado de
relações de trabalho e que possa revelar a chave de interpretação para os processos recentes
de mudança no país.
A pesquisa revela a ascensão paulatina da demanda de processos trabalhistas no
período indicado, movimento que contribui, em nosso ver, para a explosão dos conflitos
trabalhistas na década de 1990, momento pelo qual se percebe que a qualidade do trabalho
compreendida dentro dum sistema produtivo se universaliza, enquanto qualquer regulação
possível permanece no âmbito da jurisdição nacional. Neste sentido, o que existe de
uniformidade legal apenas é sustentado pelo poder do Estado por meio da Justiça do
Trabalho. Os sindicatos, ou mesmo outros movimentos sociais atuantes na sociedade civil,
não dão conta de coletivizar a dispersão que se abre em pontos individuais e singularizados.
Em outras palavras, intensifica-se o processo de judicialização, que sugere indicativos de
170
mudanças na maneira de se fazer política no país, contribuindo, nesse sentido, para uma
cultura de incorporação de direitos, no Brasil.
Nessa perspectiva, é preciso compreender que o recurso à Justiça do Trabalho
torna-se a saída possível, uma vez que regula solenemente as relações de trabalho e permite o
diálogo (embate) entre as partes envolvidas. É também saída por que representa alternativa de
representação real, ainda que insatisfatória. Se de fato a cidadania em suas múltiplas
dimensões vai além do recorte de representação classista restrita ao ambiente de trabalho, o
aumento da demanda judicial para dirimir conflitos trabalhistas tem muito a nos dizer. Os
ecos não são de resultados, mas de complexidade. Esse contexto indica, certamente, um
redimensionamento do papel do Estado em sua relação com a sociedade civil.
Após o envolvimento com parte da literatura específica ao tema, nessa pesquisa,
no desenvolvimento da análise e nessas linhas, a sensação que fica é de não se encerra todo
esse processo em caráter definitivo, pois as fontes e a força das informações atropelam o
desejo de uma conclusão absoluta. Em outras palavras, sentimos que a pesquisa empírica em
si ultrapassa essa expressão objetiva de sistematizá-la. Ao pensar sobre o porque que esse
espírito operário, do ser sapateiro, perpassa a dinâmica das classes, descobre-se que não dá
para medir o esforço histórico desses trabalhadores, seus sonhos e ansiedades, de
compreender todo mecanismo que constrói gerações de sapateiros, alguns de sucesso
financeiro e tantos outros nem perto disso. Enfim, porque há uma dificuldade em reconhecerse no esforço do trabalho. Sobretudo, percebemos que as repetições de experiências e
vivências tecem efetivamente essa colcha de retalhos, nesse espaço de relação social rico e
ilimitado.
171
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, AGRIPA FARIA. Questão de política como questão de direito: a
judicialização da política, a cultura instituinte das CPIs e o papel dos juízes e promotores no
Brasil. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC), Santa
Catarina, n.13, dez. 2000.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho. São Paulo: Cortez, 1995.
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do
trabalho. 5. ed. São Paulo: Boitempo, 2001.
ARANTES, Rogério Bastos. Judiciário e política no Brasil. São Paulo, Sumaré: FAPESP/
EDUC, 1997.
BARBOSA, Agnaldo de Souza. Política e modernização em Franca (1945 – 1964). Franca:
UNESP/FHDSS, 1998.
________. Empresário fabril e desenvolvimento econômico: empreendedores, ideologia e
capital na indústria do calçado (Franca, 1920-1990). 2004. Tese de Doutorado (Pósgraduação em Sociologia) - Universidade Estadual Paulista - Araraquara/São Paulo: FCL –
UNESP, 2004.
BARBOSA, Agnaldo de Souza; MENDES, Alexandre Marques. Capital, trabalho e formação
da classe na indústria de calçados. Políticas Públicas e Sociedade. v.1; n. 5; Jan./Jun.; 2003.
BATALHA, Cláudio H. M. A historiografia da classe operária no Brasil: trajetória e
tendências. In.: FREITAS, Marcos Cezar (org.). Historiografia brasileira em perspectiva.
São Paulo: Contexto, 2000.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zabar, 2001.
BIHR, Alain. Da grande noite à alternativa: o movimento operário europeu em crise. Trad.:
Wanda Caldeira Brant. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 1998. (Coleção Mundo do Trabalho).
BOSI, Ecléa. Simone Weil: A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979.
BOSÍSIO, Carlos Eduardo. Justiça do Trabalho e política do trabalho. In. Gomes, Ângela de
Castro. (org.) Trabalho e Previdência: sessenta anos em debate. Rio de Janeiro: FGV/
CPDOC, 1992.
172
BOURDIEU, Pierre. A profissão de sociólogo: preliminares epistemológicas. 2. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
______. Espaço social e gênese das classes. O poder simbólico. Trad.: Fernando Tomaz. 6.
ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
CAMPOS, Renata Aparecida. O lazer das mulheres no contexto profissional e familiar:
uma investigação com mães operárias da indústria calçadista de Franca. 1996.
CANOAS, José Walter. Nas pegadas dos sapateiros: os sindicatos em Franca-SP. Franca:
UNESP-FHDSS: Prefeitura Municipal de Franca, 1993. (Projeto – Franca, 10).
______ (org.). Atitudes operárias no processo de reestruturação produtiva do capital.
Franca: UNESP/FHDSS, 2003.
CARDOSO, Adalberto Moreira. Direito do trabalho e relações de classe no Brasil
contemporâneo. In.: VIANNA, Luiz Werneck (org.). A democracia e os três poderes no
Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ/ FAPERJ, 2002.
______. Sindicatos, Trabalhadores e a Coqueluche Neoliberal: a era Vargas Acabou ? Rio
de Janeiro: FGV. 1999.
CARDOSO, Fernando Henrique. Situação e composição social do proletariado brasileiro.
Sociologie du travail. França, n. 4, 1961.
CARDOSO, Ruth. Formas de participação popular no Brasil contemporâneo. Revista do
SAEDE, São Paulo, v. 1, n. 3, set./dez. 1985.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede - a era da informação: economia, sociedade e
cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
CATANI, Antônio David. Trabalho e autonomia. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
CHIACHIRI FILHO, José. Do sertão do Rio Pardo à Vila Franca do Imperador. 1974.
Tese de doutorado (Pós-graduação em História) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras,
Franca, 1974.
COCCO, Giuseppe. Trabalho e cidadania: produção e direitos na era da globalização. 2. ed.
São Paulo: Cortez, 2001.
______ et al. Empresários e empregos nos novos territórios produtivos: o caso da Terceira
Itália. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
COSTA, Alfredo Henrique. Contribuição ao estudo da história da indústria do calção de
Franca: suas bases artesanais e o impacto tecnológico. In: SIMPÓSIO DOS PROFESSORES
UNIVERSITÁRIOS DE HISTÓRIA, 3., 1966, Anais ...Franca: FFCL/ Anpuh, 1966.
COUTINHO, Carlos Nelson. Cidadania e modernidade. Perspectivas: revista de ciências
sociais, Araraquara-SP; v. 22, 1999.
173
DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Trad. Affonso Blacheyre. 5. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1976.
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A vida fora das fábricas: cotidiano operário em São
Paulo 1920-1934. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
DE DECCA, E. O nascimento das fábricas. São Paulo: Brasiliense,1982.
DEJOURS, Christopher. A loucura do trabalho. São Paulo: Cortez,1989.
DIEESE. A situação do trabalho no Brasil. São Paulo: DIEESE, 2001.
DOMINICI, Gilmar. Sapateiros em luta. 1988. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação
em Serviço Social) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP Franca, 1988.
ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro:
Jahar, 2000.
ENGELS, Friedrish. A situação da classe trabalhadora em Inglaterra. Porto:
Afrontamento, 1975.
ESTANQUE, Elísio. Entre a fábrica e a comunidade: subjetividades e práticas de classe no
operariado do calçado. Porto: Afrontamento, 2000.
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. São Paulo: DIFEL: EDUSP, 1977.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1987.
FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1997.
FERREIRA, Mauro. O espaço edificado e a indústria de calçados em Franca. 1989.
Dissertação de Mestrado (Pós graduação em engenharia)-Escola de Engenharia Universidade
de São Paulo, São Carlos, 1989.
FOLLIS, Fransérgio. Modernização urbana na belle époque paulista. São Paulo: UNESP,
2004.
FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Paulo: Unesp, 1997.
FOUCALT, Michael. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes, 1977.
______. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes, 1991.
FRANCO, M. (org.). Almanack de Franca para 1912. Franca: Typhographia Duprat & Cia,
1912.
FRENCH, Jonh. Afogados em leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros.
São Paulo: Perseu Abramo, 2001. (Coleção História do Povo Brasileiro).
174
GARCIA, Ronaldo Aurélio Gimenes. Migrantes mineiros em Franca: memória e trabalho
na cidade industrial (1960 – 1980). Franca: UNESP/FHDSS, 1997.
GIANNOTTI, J. A. Origens da dialética do trabalho. São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1966.
______. A sociabilidade truncada. Estudos Cebrap. São Paulo, n. 28, p. 53, out. 1990.
GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASCH, Scott. Modernização reflexiva. São Paulo:
UNESP, 1997.
GOMES, Angela Maria de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Vértice/
Luperj, 1988.
______. Burguesia e Trabalho: política e legislação social (1917-1937). Rio de Janeiro:
Campus, 1979.
______ (org.). Trabalho e Previdência: setenta anos em debate. Rio de Janeiro: Editora FGV
– CPDOC, 1992.
GORZ, André Adeus ao proletariado: para além do socialismo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1982.
GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1978.
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Classes Sociais. In. MICELI, Sérgio (org.). O que
ler na ciência social brasileira (1970-1995). São Paulo: Editora Sumaré/ ANPOS; Brasília,
DF: CAPES, 1999.
GUIMARÃES, Maria Isabel Bel do Nascimento. Sindicalismo e atitudes operárias (Franca
1982-2000). 2001. Dissertação de Mestrado (Pós-graduação em Serviço Social) –
Universidade Estadual Paulista – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Franca,
2001.
HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro,
Tempo brasileiro, 1997. 2v.
HALL, Michael M.; PINHEIRO, Paulo Sérgio. Alargando a história da classe operária:
organização, luta e controle. Remate de Males, n. 5, Campinas, 1985.
HARVEY, David. Condição Pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança
cultural. 11. ed. São Paulo: Loyola, 2002.
HOBSBAWM, Eric J. Sapateiros politizados. In.: ______. Mundos do Trabalho. 2. ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1987a.
______. O fazer-se da classe operária. In.: ______. Mundos do trabalho. 2. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987b.
175
______. Mundos do trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987c.
______. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Cia das Letras,
1995.
HOBSBAWM, Eric J.; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1997.
HOBSBAWM, Eric J.; SCOTT, J. W. Sapateiros Politizados. In.:______. Mundos do
trabalho. 3. ed., Rio de Janeiro:Paz e Terra, 2000.
IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1971. (Revolução das expectativas).
LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: Hucitec – UNESP, 1999.
LAZZARATO, Maurizio; NEGRI, Antônio. Trabalho imaterial: formas de vida e produção
de subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
LEITE, Márcia de Paula. Trabalho e sociedade em transformação: mudanças produtivas e
atores sociais. São Paulo: Perseu Abramo, 2003.
LOPES, José Sérgio Leite (org.). Cultura e identidade operária: aspectos da cultura da
classe trabalhadora. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984.
LOPES, Juarez Brandão. Sociedade industrial no Brasil. São Paulo: Difel, 1964.
MALATIAN, Teresa Maria. Memória e identidade entre sapateiros e curtumeiros. Revista
Brasileira de História – ANPUH, v.16, n. 31, 32, p. 193-206, dez. 1996.
MARX, Karl. A maquinaria e a indústria moderna. In.: ______. O capital. 5. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. v. 1.
______. Introdução à crítica da economia política. In.: ______. Manuscritos econômicos e
filosóficos e outros textos escolhidos. Tradução José Carlos Bruni et al. São Paulo: Nova
Cultural, 1987. (Coleção Os Pensadores).
______. O Capital: Crítica da Economia Política. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, livro
1, v. 1. 1996.
______. A Ideologia Alemã. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MARX, Karl; Engels, F. Manifesto Comunista. Trad.: Maria arsênio da Silva. São Paulo:
CHED, 1980.
MATTOSO, Jorge; POCHMANN, Márcio. Respostas Sindicais à globalização: o caso
brasileiro. Sao Paulo: OIT, 1999. (mimeo).
176
MELO, André Luís Alves de. A Judicialização do Estado brasileiro: um caminho
antidemocrático. 2005. Disponível em <www.direitomoderno.cjb.net>. Acesso em 22 mar.
2005.
MENDES, Alexandre Marques. O conflito social de Guariba (1984-1985). Franca:
UNESP/FHDSS, 1999.
MENDES, Rita de Cássia Lopes de Oliveira. Organização comunitária em busca da
qualidade de vida: dinâmicas e lutas (Franca/SP 1991 –2002). 2003. Dissertação de
mestrado (Pós-graduação em Serviço Social) – Universidade Estadual Paulista - Faculdade
de História, Direito e Serviço Social, 2003.
MOORE Jr., Barrington. Injustiça: as bases sociais da obediência e da revolta. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
MORAES NETO, Benedito Rodrigues de. A organização do trabalho sob o capitalismo e a
“redoma de vidro”. Revista de Administração de Empresas. Rio de Janeiro, n. 24, out./dez.
1987.
______. A divisão do trabalho em Marx e a “ängústia smithiana”. Araraquara: Departamento
de Economia/UNESP, s/d.
MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense,
1984. (Coleção Tudo é História).
NAVARRO, Vera Lúcia. A produção de calçados de couro em Franca/ SP: a
reestruturação produtiva e seus impactos sobre o trabalho. 1998. Tese (Doutoramento em
Sociologia)-Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara/SP,
1998.
NUNES, Renata de Cássia. Sociabilidade operária em tempos de expansão industrial: o
bar em Franca (1968-1980).
OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado: transformações contemporâneas do trabalho e da
política. São Paulo: Brasiliense, 1989.
______. Trabalho e sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da
sociedade do trabalho. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. v. 1.
OLSON, Mancur. A lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos
sociais. Tradução Fábio Fernandez. São Paulo: EDUSP, 1999. (Clássicos; 16)
OLVEIRA, Tito Flávio Bellini Nogueira. Inovação sindical e burocratismo: limites e
avanços do sindicalismo cutista no STICF. 2002. Dissertação de Mestrado (Pós-graduação em
História) – Universidade Estadual Paulista – Faculdade de História, Direito e Serviço Social,
2002.
PALERMO, Alfredo. A Franca: apontamentos sobre sua história, suas instituições e sua
gente. Franca, SP, 1980. ISSN 981.522Fr/ P185f.
177
PALMA, Vital. Almanach de Franca. São Paulo: Escolas Salesianas, 1911.
PAOLI, Maria Célia. Os trabalhadores na fala dos outros. Tempo, espaço e classe na história
operária brasileira. In.: LOPES, José Sérgio Leite. (org.). Cultura e identidade operária:
aspectos da cultura da classe trabalhadora. Rio de Janeiro: UFRJ/ Museu Nacional/ Marco
Zero/ Proed, 1987.
PASTORE, José; ZYLBERSTAJN, Hélio. A administração do conflito trabalhista no
Brasil. São Paulo: IPE, 1987.
PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiro. Rio Janeiro:
Paz e Terra, 1988.
PINTO, Antônio Luiz de Toledo et al. CLT acadêmica - adendo especial: nova Lei de
Falências - dispositivos. 3. ed. São Paulo: Saraiva 2005.
PREFEITURA MUNICIPAL DE FRANCA. Plano Municipal de Assistência Social 2002 –
2005. Franca/ SP: Prefeitura Municipal de Franca, 2001.
PICCININI, Valmíria Carolina. Mudanças na indústria calçadista brasileira: novas
tecnologias e globalização do mercado. Read - Revista Eletrônica de Administração.
PPGA - Escola de Administração da UFRGS, Rio Grande do Sul, n.25 , 2001.
______. Mudanças na indústria calçadista brasileira: novas tecnologias e globalização do
mercado. Read – Revista Eletrônica de Administração, PPGA, Escola de Administração da
UFRGS, 2001, n. 25. Disponível em: <http://read.adm.ufrgs.br/read01>. Acesso em 20 fev.
2003
PNUD - PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Atlas
do Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasília: Nacional: IPEA/ Fundação João Pinheiro/
IBGE/ PNUD, 1998. (Coleção Desenvolvimento Humano), 1 CD-Rom.
______. Perfil Municipal – Franca (SP). In.: ______. Novo Atlas do Desenvolvimento
Humano no Brasil. 2003. Disponível em: <http://www.undp.org.br> . Acesso em: 29 set.
2004.
POCHMANN, Márcio, 1998. Adeus à CLT? O 'eterno' sistema corporativo de relações de
trabalho no Brasil. Novos Estudos CEBRAP, n. 50, mar. 1998, São Paulo.
POULANTZAS, Nicos. As classes sociais no capitalismo de hoje. 2. ed. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1978.
PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo (Colônia). São Paulo: Brasiliense:
Publifolha, 2000.
PRIORI, Ângelo. O protesto do trabalho: história das lutas sociais dos trabalhadores rurais
do Paraná (1954-1964). Maringá, EDUEM, 1996.
PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e Social-Democracia. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
178
PRZEWORSKI, Adam; WALLERSTEIN, Michael. O capitalismo democrático na
encruzilhada. Novos Estudos CEBRAP. n. 22, out. 1988.
RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985.
RIDENTI, Marcelo. Classes sociais e representação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001
(Coleção Questões de Nossa Época; v. 31).
RINALDI, Dalva Marlene Chioca. O façonismo em Franca. Franca: FHDSS –
UNESP/Franca, 1987. (História e Ensino).
RINALDI, José Varussa. Trabalho e legislação: experiência de trabalhadores na Justiça do
Trabalho (Jundiaí/SP, décadas de 40 e 60). 2002. Tese de Doutorado (Pós-graduação em
História Social) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2002.
SADER, Eder. Quando novos personagens entraram e cena: experiências e lutas dos
trabalhadores da grande São Paulo (1970-1980). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
SADER, Eder; PAOLI, Maria Célia. Sobre “classes populares” no pensamento sociológico
brasileiro: notas de leitura sobre acontecimentos recentes. In.: Cardoso, Ruth. A aventura
antropológica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
SAMELLO S.A. Memorial Samello (Franca: 1898-1960). Franca, São Paulo:Samello,
2000.
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Transformações do corpo: controle de si e uso dos
prazeres. In.: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz B. Lacerda; VEIGA-NETO, Alfredo
(orgs). Imagens de Foucalt e Deleuze: ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
SANTOS, Boaventura de Souza Santos. Pela mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
Ricardo Sapia
______. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 3. ed. São Paulo:
Cortez, 1997.
______. Globalização e as ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
SANTOS, Raimundo. Caio Prado Jr. Na cultura política brasileira. Rio de Janeiro: Ed.
Mauad, 2001.
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad.: Laura Teixeira Motta. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SENAI. Mão-de-obra industrial em Franca. Coordenadoria do Ensino e Treinamento,
Divisão de Pesquisas, Estudos e Avaliações. Franca: SENAI, 1978.
179
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho vivo no
novo capitalismo. Trad.: Marcos Santarrita. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos
frementes anos 1920. São Paulo: Companhia da Letras, 1992.
SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado: suas relações na formação do proletariado de são Paulo.
São Paulo: Dominus Editora.
SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo: Brasiliense, 1983. v. 1.
SOMBART, Werner. El burgués: contribuición a la história moral e intelectual del hombre
económico moderno. Trad.: de Víctor Bernardo. Buenos Aires: Ediciones Oresme, 1953.
SORJ, Bernardo. A nova sociedade brasileira, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
SOUZA, Samuel Fernando de. Na esteira do conflito: trabalhadores e trabalho na produção
de calçados em Franca (1970-1980). 2003. Dissertação de mestrado (Pós-graduação em
História) – Universidade Estadual Paulista - Faculdade de História, Direito e Serviço Social,
2003.
STEIN, Leila de Menezes. A construção do sindicato de trabalhadores rurais no Brasil
(1954-1964). 1997. Tese de Doutorado (Pós graduação) – Unicamp,1997.
STEIN, Leila de Menezes; MENDES, Alexandre Marques; CAMPOS, Ricardo Sapia de.
Processos trabalhistas na década de 90: uma leitura comparativa de seus significados social e
político. In: ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE (CISO),
11., 2003, São Cristóvão/ SE. Anais... São Cristóvão/SE, 05- 08 agos. 2003.
SUZIGAN, Wilson. A indústria brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986.
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
______. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
______. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
TOMAZINI, Maria Lúcia Vannuchi. A mulher na fábrica de sapatos: trabalho e gênero na
indústria calçadista de Franca/ SP. 2003. Tese de doutoramento (Pós-graduação em
Sociologia) – Universidade Estadual Paulista - Araraquara/ São Paulo: FCL, 2003.
TOSI, Pedro Geraldo. Capitais no interior: Franca e a história da indústria coureirocalçadista (1860-1945). Tese (Doutoramento em Economia)- UNICAMP - Campinas, SP,
1998.
VELHO, Otávio Guilherme; BERTELLI, Antônio Roberto; PALMEIRA, Moacir G. Soares
(orgs.). Estrutura de classes e estratificação social. 2. ed, Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
180
VIANNA, Luiz Wernek. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1978.
______. Liberalismo e sindicato no Brasil. 4. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
______. A classe operária e a abertura. São Paulo: Cerifa, 1983.
______. Fábrica e sistema político. In.: ______. A classe operária e a abertura. São Paulo:
Cerifa, 1983.
______. Travessia: da abertura ã Constituinte 86. Rio de Janeiro: Taurus, 1986.
______ (org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ/
FAPERJ, 2002.
______ et al. A judicializção da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro:
Revan, 1999.
VILHENA, M. I. de F. “A indústria de calçados em Franca”. In.: Revista da FFF/ Franca, v.
1, n. 2, p. 61-86, dez. 1968.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1983.
WEID, Elisabeth Von Der. Características do Mercado de Trabalho Industrial no Rio de
Janeiro e Evolução da Mentalidade Operária. In.: SZMERCSÁNYI, Tamás; MARANHÃO,
Ricardo. História de Empresas e Desenvolvimento Econômico. 2. ed. São Paulo: Edusp:
Hucitec: Imprensa Oficial, 2002.
WEINSTEIN, Bárbara. (Re) formação da classe trabalhadora no Brasil (1920-1964). São
Paulo: Cortez, 2000.
181
FONTES DOCUMENTAIS
DO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE FRANCA/SP
AHMF. Cx. 000 – Proc. 61/1982 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: Ind.
Calçados; Motivo Ação: Diferenças Salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 000 – Proc. 193/1981 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: Ind.
Calçados; Motivo: saldo salário; Resultado: procedente em parte; TRT: procedente ao
trabalhador).
______. Cx. 000 – Proc. 225/1985 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento de suspensão; Resultado: procedente em parte; TRT: Idem.).
______. Cx. 000 – Proc. 514/1986 (Ação Coletiva com 22; Assistência Judiciária: STICF;
Tipo empresa: indústria de calçados; Motivo Ação: diferenças salariais; Resultado:
procedente em parte; TRT: Idem.).
______.Cx. 000 – Proc. 690/1986 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo Ação: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 000 – Proc, 704/1982 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo Ação: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 000 – Proc. 852/1986 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo Ação: indenização adicional; Resultado: improcedente).
______. Cx. 08 – Processo 154/68 (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa: artefatos
de borracha; Motivo Ação: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 09 – Proc. 185/1968 (Assistência Judiciária: promotoria; Tipo empresa: artefatos
de borracha; Motivo Ação: cancelamento suspensão; Resultado: procedente em parte p/
diferenças salariais e improcedente p/ Cancelamento de suspensão).
______. Cx. 10 – Proc. 225/1968 (Assistência Judiciária: STIAB; Tipo empresa: Artefatos
Borracha; Motivo Ação: Cancelamento de suspensão; Resultado: procedente).
______. Cx. 12 – Proc. 334/1968 (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferença salariais; Resultado: procedente em parte).
______. Cx. 18 – Proc. 733/1968 (Assistência judiciária: particular; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferença salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 17 Proc. 675/1968 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 14 – Proc. 469/ 1968 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento suspensão; Resultado: procedente em parte).
182
______. Cx. 14 – Proc. 463/68 (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa: artefatos
borracha; Motivo: cancelamento suspensão; Resultado: procedente).
______. Cx. 22 – Proc. 911/1968 (Assistência Judiciária: promotoria; Tipo empresa: artefatos
borracha; Motivo: diferenças salariais; Resultado: procedente em parte; TRT: Idem.).
______. Cx. 21 – Proc. 884/ 1968 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: procedente em parte).
______. Cx. 30 – Proc. 375/1969 (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: procedente em parte; No TRT:
procedente).
______. Cx. 37 – Proc. 574/1969 (Assistência judiciária: particular; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferença salariais; Resultado: procedente em parte).
______. Cx. 37 – Proc. 576/1969 (Assistência judiciária: particular; Tipo empresa: artefatos
de borracha; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 43 – Proc. 770/1969 (Assistência Judiciária: assistência gratuita; Tipo empresa:
artefatos de borracha; Motivo: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 91 – Proc. 445/ 1971 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
Calçados; Motivo: cancelamento suspensão; Resultado: Conciliado).
______. Cx. 105 – Proc. 175/1972 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: revogação penalidades; Resultado: conciliado).
______. Cx. 106 – Proc. 198/1972 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
Calçados; Motivo: inquérito; Resultado: desistência reclamante).
______. Cx. 130 – Proc. 150/73 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
Calçados; Motivo: Cancelamento suspensão; Resultado: conciliado).
______. Cx. 130 – Proc. 153/1973 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento suspensão; Resultado: procedente em parte).
______. Cx. 131 – Proc. 181/1973 (Assistência Judiciária: Particular; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 136 – Proc. 281/1973 e 277/1973 (Assistência Judiciária: Particular; Tipo
empresa: Outras; Motivo: inquérito; Resultado: improcedente).
______. Cx. 138 – Proc. 315/1973 (Assistência Judiciária: assistência gratuita; Tipo empresa:
curtume; Motivo: reintegração; Resultado: procedente).
______. Cx. 142 – Proc. 371/1973 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
Calçados; Motivo: reintegração; Resultado: procedente; TRT: Idem).
183
______. Cx. 148 – Proc. 505/1973 (Assistência judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 150 – Proc. 557/1973 (Assistência Judiciária: Assistência gratuita; Tipo
empresa: indústria de calçados; Motivo Ação: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 154 – Proc. 655/1973 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo Ação: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 156 – Proc. 678/1973 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 157 – Proc. 692/1973 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 258 – Proc. 39/1977 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 260 – Proc. 69/1977 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: salários; Resultado: procedente).
______. Cx. 266 – Proc. 253/1977 (Assistência judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento de suspensão e conseqüente; Resultado: conciliado).
______. Cx. 268 – Proc. 315/1977 (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa: Indústria
de Calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 269 – Proc. 332/1977 (Assistência judiciária: particular; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: procedente em parte).
______. Cx. 283 – Proc. 719/1977 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 284 – Proc. 762/1977 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento suspensão; Resultado: conciliado).
______. Cx. 284 – Proc. 739/1977 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 295 – Proc. 313/1978 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 301 – Proc. 521/1978. (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa: banca;
Motivo: anotação CTPS; Resultado: conciliado).
______. Cx. 302 – Proc. 556/1978 (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: procedente em parte).
______. Cx. 306 – Proc. 681/1978 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
184
______. Cx. 326 – Proc. 594/1979 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: Ind.
Calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 328 – Proc. 664/1979 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 334 – Proc. 886/1979 (Assistência Judiciária: STIAB; Tipo empresa: artefatos
de borracha; Motivo: cancelamento suspensão; Resultado: procedente em parte).
______. Cx. 339 – Proc. 1084/1979 (Assistência judiciária: particular; Tipo empresa: banca;
Motivo: anotação de CTPS; Resultado: arquivado por não comparecimento).
______. Cx. 355 – Proc. 421/1980 (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 336 – Proc. 776/1980 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: estabilidade provisória; Resultado: conciliado).
______. Cx. 374 – Proc. 1042/1980 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 379 – Proc. 58/1981 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento de suspensão; Resultado: improcedente).
______. Cx. 380 – Proc. 116/1981 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento suspensão; Resultado: procedente).
______. Cx. 380 – Proc. 85/1981 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 384 – Proc. 279/1981 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 385 – Proc. 295/1981 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento suspensão; Resultado: homologado).
______. Cx. 388 – Proc. 468/1981 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 391 – Proc. 599/1981 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento suspensão; Resultado: improcedente).
______. Cx. 393 – Proc. 691/1981 (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 405 – Proc. 1032/1981 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
185
______. Cx. 442 – Proc. 210/1983 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: estabilidade provisória; Resultado: conciliado).
______. Cx. 442 – Proc. 216/1983 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento suspensão; Resultado: procedente).
______. Cx 450 – Proc. 485/ 1983 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 484 – Proc. 646/1984 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento suspensão; Resultado: conciliado).
______. Cx. 485 – Proc. 670/1984 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento de suspensão; Resultado: improcedente).
______. Cx. 489 – Proc. 793/1984 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: procedente).
______. Cx. 491 – Proc. 854/1984 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento de suspensão; Resultado: improcedente).
______. Cx. 511 – Proc. 584/1979 (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: procedente em parte).
______. Cx. 527 – Proc. 146/1985 (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: Sine die).
______. Cx. 532 – Proc. 312/1985 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: procedente em parte).
______. Cx. 538 – Proc. 507/1985 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento de suspensão; Resultado: procedente em parte).
______. Cx. 538 – Proc. 501/1985 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: Diferenças salariais; Resultado: arquivado).
______. Cx. 540 – Proc. 568/1985 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 543 – Proc. 645/1985 (Três operários; Assistência Judiciária: STICF; Tipo
empresa: indústria de calçados; Motivo: indenização adicional; Resultado: conciliado).
______. Cx. 545 – Proc. 691/1985 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: procedente em parte).
______. Cx. 557 – Proc. 1051/1985 (Assistência Judiciária: particular; Tipo empresa:
indústria de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
186
______. Cx. 575 – Proc. 395/1986 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: cancelamento de suspensão; Resultado: conciliado).
______. Cx. 584 – Proc. 775/1986 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria de
calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: conciliado).
______. Cx. 590 – Proc. 961/1986 – anexos os processos 984/86 e 988/86 (Assistência
Judiciária: particular; Tipo empresa: indústria de calçados; Motivo: inquérito; Resultado:
improcedente).
______. Cx. 657 – Proc. 1634/1987 (Assistência Judiciária: STICF; Tipo empresa: indústria
de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: improcedente).
______. Cx. 467 – Proc. 1779/1955, Cartório 2º Ofício, (Assistência judiciária: STICF; Tipo
empresa: indústria de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: procedente).
______. Cx. 474 – Proc. 2513/1959, Catório 2º Ofício, (Assistência judiciária: STICF; Tipo
empresa: indústria de calçados; Motivo: diferenças salariais; Resultado: improcedente).