educação jesuítica e protestante no brasil do século xix. luiz

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educação jesuítica e protestante no brasil do século xix. luiz
EDUCAÇÃO JESUÍTICA E PROTESTANTE NO BRASIL DO SÉCULO XIX.
LUIZ CÂNDIDO MARTINS1
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
COMUNICAÇÃO ORAL
RESUMO: O estudo objetiva apontar traços característicos e distintivos entre
os modelos educacionais dirigidos pelos jesuítas, em paralelo às propostas
educacionais trazidas pelos norte americanos protestantes que se inseriram no
Brasil, a partir da segunda metade do século XIX. Este é um estudo
exploratório que tem o eixo da história da educação como lócus de observação
e análise e, também, a partir do qual dialoga quantitativamente sobre o modelo
pedagógico da “Companhia de Jesus” até meados do século XVIII, quando
ocorre a reforma realizada pelo Marques de Pombal e, a partir da segunda
metade do século XIX, quando os protestantes aportaram no Brasil trazendo
além de sua religião uma proposta de educação.
Palavras-chave: Educação, Brasil, Jesuíta, Protestante.
INTRODUÇÃO
O
presente
estudo
tem
como
objetivo
apontar
alguns
traços
característicos dos modelos educacionais dirigidos pelos jesuítas e propostas
educacionais dos protestantes que se inseriram no Brasil, a partir da segunda
metade do século XIX.
Trata-se de um estudo exploratório que tem como lócus o eixo da
história da Educação e se utiliza de um referencial bibliográfico para dialogar
qualitativamente sobre o modelo educacional e pedagógico dirigido pela
Companhia de Jesus, até meados do século XVIII, quando ocorre a reforma
realizada pelo Marques de Pombal e a consequente “expulsão dos jesuítas”.
1
Pós Doutorando em Agronegócio pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD.
2
As aspas são importantes porque, conforme iremos verificar, a proposta
educacional jesuítica continuará exercendo influência no Brasil até a
proclamação da república, em 1889.
De outro lado, discute-se a presença protestante de viés norte americano
no Brasil, sob a perspectiva de sua proposta educacional alternativa à vertente
jesuítica. A boa receptividade, sobretudo pelas elites brasileiras compostas por
republicanos, maçons e liberais, das propostas educacionais norte americanas
se deu, entre outros aspectos, pelo entendimento de que a mesma se constituía
em uma alternativa ao modelo educacional jesuítico, de vertente Católica
Romana.
METODOLOGIA
O estudo está referenciado teoricamente no pensamento do sociólogo
francês Pierre Bourdieu (2005), especialmente nas suas linhas de compreensão,
definição das características, regras de funcionamento do campo religioso e no
papel da escola, enquanto instituição organizada, como espaço de integração
cultural.
Ademais, a evolução da compreensão e diálogo necessário dentro do
universo da história, com vista ao melhor entendimento das razões fundantes e
herança da educação brasileira legada pelos antepassados
como já
referenciado, se dão, neste estudo, com uma abordagem exploratória calcada
em um referencial bibliográfico.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. EDUCAÇÃO JESUÍTICA
Os protestantes reconfiguraram, a partir de 1517, com a fixação das 95
teses de Lutero na porta da igreja de Wittemberg, Alemanha, a relação do
indivíduo com o sagrado, possibilitando uma relação direta e pessoal que, entre
3
outros aspectos, dar-se-ia pelo contato dos cristãos com os textos bíblicos do
Antigo e Novo Testamento.
Essa relação com o sagrado, mediada pelo contato com os textos
bíblicos, exigiria um grau de alfabetização daqueles que se propusessem ler e
interpretar os registros bíblicos. Daí, a iniciativa dos reformadores em investir na
educação enquanto condição necessária para o avanço da Reforma Religiosa.
Contribuíram decisivamente para tal finalidade a iniciativa de Lutero em
traduzir os textos bíblicos para a linguagem vernácula na cultura alemã e a
invenção da imprensa por Gutenberg.
Entre os diversos educadores que viveram naquele ambiente histórico da
Reforma Protestante, destacamos João Sturm (1507-1589) e Comenius (15921670). O primeiro propôs novos currículos e métodos pedagógicos pertinentes
para o seu tempo. Sturm elaborou reformas educacionais que estabeleciam o
modelo para o ginásio clássico.
A finalidade de tal modelo, compreendendo na sua estrutura a
importância da família, o ginásio e a academia, era propiciar o desenvolvimento
das faculdades do saber, da eloquência e da piedade.
A família, nessa estrutura, teria a função de, nos passos iniciais do
desenvolvimento educacional, proporcionar condições para o “desatar da
língua”, em seguida, no ginásio, o menino adquiriria uma cultura mais ampla e,
finalmente, na academia, “onde as classes eram estreitamente articuladas e
deveriam seguir-se de um colégio ou curso universitário de cinco anos com
aulas públicas e livres”, segundo NUNES (1980, p. 182). Nesse último nível,
haveria o aprofundamento em uma das faculdades de Teologia, de Direito, de
Medicina ou dos estudos filosóficos.
A respeito do segundo educador, Comenius2, a ele é atribuída a criação
da didática moderna. A máxima da pedagogia do referido educador, "Ensinar
tudo a todos", sintetiza os princípios e os fundamentos que permitiriam ao
2
Comenius nasceu em 28 de março de 1592, na cidade de Uherský Brod (ou Nivnitz), na
Morávia, Europa central, região que pertencia ao antigo Reino da Boémia e hoje integra a
República Checa. Viveu e estudou na Alemanha e na Polônia. Era de família eslava e
protestante. A família seguia a seita dos Irmãos Morávios, inspirados nas idéias do reformista
boêmio John Huss, estreitamente ligado às Sagradas Escrituras e defensores de uma vida
humilde, simples e sem ostentações. Disse-se que tal educação rígida e piedosa influenciou o
espírito de Comenius e o despertou para os estudos teológicos
4
homem, de acordo com sua visão, colocar-se no mundo como autor e não como
mero expectador da ação de uma entidade transcendental.
A relevância de Comenius para o desenvolvimento da educação no
Ocidente tem sido amplamente estudada por aqueles que estudam de forma
direta ou não o tema da educação.
Diante dessa nova realidade, advinda a partir da Reforma Protestante, a
Igreja Romana, sob o impacto do avanço dos ideais reformistas, percebeu que a
educação
se
constituía
num
instrumento
capaz
de
proporcionar
o
restabelecimento do poder e da ordem inibindo o processo de desconstrução
iniciado com a Reforma encabeçada por Lutero e outros reformadores, no que
tangia a hegemonia da Igreja Católica.
Nesse sentido, surgem as ordens religiosas voltadas para uma missão
que se desdobrava na dimensão educacional e evangelizadora, enfim, numa
demonstração de força frente ao avanço da Reforma Protestante.
Tais ordens religiosas, vinculadas à igreja em Roma, começaram a surgir,
como a Companhia de Jesus. Outras ordens religiosas também estiveram
envolvidas com o tema da educação, no final do século XVII, como a ordem dos
franciscanos, carmelitas e beneditinos.
No Brasil, notabilizou-se o trabalho da Companhia de Jesus3. A respeito
da missão jesuítica, registramos que sua finalidade:
Era trabalhar incessantemente, num espírito de lealdade ao papa, mas
lealdade inquestionável. A organização da sociedade era baseada num
sistema de disciplina rígida e absoluta, obediência contínua e perfeita.
Cada membro era ligado por um juramento aos seus superiores
imediatos, como se ele ocupasse o lugar de Jesus Cristo, até o ponto de
fazer o que ele, o membro, considerasse mesmo errado... Assim
organizou-se uma grande máquina, inteiramente sujeita à vontade do
Geral, sempre pronta a ser usada para qualquer finalidade e em qualquer
lugar onde fosse útil à Igreja Romana, ou cumprir as ordens do papa.
(NICHOLS, 1954, p. 164)
3
Companhia de Jesus, cujos membros são conhecidos como jesuítas é uma ordem religiosa
fundada em 1540 por um grupo de estudantes da universidade de Paris, liderados pelo basco
Iñigo Lopes de Loyola (Santo Inácio de Loyola). Tal ordem tornou-se conhecida por seu
trabalho educacional e missionário. No Brasil, os jesuítas obtiveram monopólio no campo da
educação durante longo período histórico, compreendido aproximadamente entre 1534 a 1850.
5
O regime do Padroado, firmado entre o Papa e a Coroa Portuguesa, além
de ter estabelecido o monopólio comercial luso, travado o desenvolvimento do
mercado
dentro
do
Brasil,
foi
também
um
mecanismo
inibidor
do
desenvolvimento educacional, o que, em última análise, mergulhou o país num
processo de estagnação econômica.
É, portanto, dentro desse processo que o projeto educacional jesuítico
está sendo observado em nosso estudo. E, fundamentalmente, precisamos
apontar que tal projeto educacional era o único existente no Brasil. O monopólio
no campo da educação estava nas mãos da Igreja Católica pela mediação da
ordem dos jesuítas.
Por uma vertente, identifica-se que o foco do projeto educacional jesuítico
estava direcionado para a elite existente no país. “Assim sendo, a formação
cultural tornou-se privilégio de minoria pertencente às famílias da classe senhoril
ou dos dirigentes da máquina administrativa colonial (...)” (AZZI, 1987, p. 41).
De outra vertente, identifica-se, como no caso da tese da professora Ana
Palmira Bittencourt Santos Casimiro, intitulada4 “Economia Cristã dos Senhores
no Governo dos Escravos: uma Proposta Pedagógica Jesuítica no Brasil
Colonial”, que no bojo da proposta pedagógica jesuítica havia a existência de
uma classificação clara e delineada para a educação das elites coloniais (nos
colégios) e outra para os índios (nas missões).
4
Em sua tese doutoral, a professora Ana Palmira B. S. Casimiro discute a proposta pedagógica
jesuítica a partir do educador jesuíta italiano Jorge Benci, em obra datada de 1700, vide:
BENCI, Jorge. Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos (livro brasileiro de
1700) (Estudo preliminar) Pedro de Alcântara Figueira; Claudinei M.M. Mendes. São Paulo:
Grijalbo, 1977, em que nos é apresentado um curioso estudo sobre a existência de uma
proposta pedagógica jesuítica que contemplava, teoricamente, a classe social dos
escravizados. Em contraste com as críticas à proposta pedagógica jesuítica, a autora
apresenta a pedagogia de Benci como possuidora de uma preocupação com a educação dos
escravos. Nessa intenção, seus discursos encaminham senhores e escravos para a aceitação
do poder constituído. Para resolver o impasse, a teoria pedagógica de Benci, de acordo com a
consciência da sua época, mediante o trinômio: crer, orar e agir (Para a Maior Glória de Deus)
apresentou objetivos que preparavam o senhor (educador) para tratar com o escravizado
(educando), segundo princípios humanos, religiosos e morais daquele contexto e, ao mesmo
tempo, preparava o escravizado para o trabalho, a docilidade, a obediência e o cumprimento
dos deveres (Para a Dilatação da Fé e do Império). A autora, finalmente, informa que o jesuíta
italiano Jorge Benci foi um dos ideólogos justificadores e reformadores da escravidão colonial,
não chegando, porém, a um grau de consciência cristã compatível com princípios evangélicos
contrários à escravidão. Consequentemente, sua proposta pedagógica funcionou como
elemento catalisador das relações econômicas e sociais.
6
No entanto, a referida autora identifica, no percurso de seu trabalho, que
na sociedade colonial havia uma concepção de educação subordinada à
condição social de cada grupo e que os jesuítas, representados por Jorge Benci,
apresentaram uma clara e substancial proposta de educação diferenciada,
especialmente para os africanos escravizados.
A relevância dessa tese está no fato de enfocar uma realidade da
proposta pedagógica jesuítica, pouco explorada pelos pesquisadores da área de
educação, ou seja, a de que a educação jesuítica contemplou um projeto de
educação que estava voltado para os escravizados. Entretanto, o estudo
realizado por CASIMIRO (2002) indica que:
Com seus argumentos, Benci propôs uma pedagogia para cristianizar o
escravo e prepará-lo para uma vida de servidão e obediência (educação
para fazer), e propôs outra pedagogia recomendando como o patrão
deveria educar o escravo, com energia e, ao mesmo tempo, com
moderação (educação para mandar fazer); Nessa pedagogia, o senhor
deveria ser o destinatário da educação, ou objeto a quem se destinava o
discurso. Mas, ao mesmo tempo, passava a ser o sujeito que deveria
exercer o papel de agente (educador) da educação do escravo (o
educando). O escravo aparece como o objeto passivo de uma educação
que „prepara‟ para a vida de escravidão, sem possibilidade de escolha;
Podemos observar que a Pedagogia de Benci, refletindo a dicotomia da
época, mostra claramente os argumentos do Jesuíta em prol da vida
material (dos bens, dos costumes, do trabalho etc.), e os argumentos em
prol da vida espiritual (da doutrina, da salvação, dos castigos divinos etc.);
(...) Benci mostrou conhecer profundamente as aflições dos africanos
escravizados, e as suas conclusões são a chave de leitura mais
importante para a compreensão da sua mentalidade e, talvez, da sua
angústia de homem religioso que se viu dividido entre o compromisso com
a Companhia e o seu compromisso de homem político com o Padroado
Português, em detrimento do seu compromisso de cristão. Ao discorrer
sobre as pensões do cativeiro e descrever como era a vida dos escravos,
Benci trouxe a lume uma das mais importantes categorias, indispensáveis
em qualquer concepção pedagógica de todos os tempos, o conhecimento
do educando pelo educador; Assim, se dirigiu aos senhores como cristãos
que deveriam compreender que os escravos eram igualmente cristãos.
Infelizmente, o argumento mais forte, o do amor cristão, bem como a ideia
da „regra de ouro‟ cristã, apenas tangenciaram o seu discurso final,
perdendo a força exatamente por conta da temporalidade que não
permitiu a ruptura do compromisso da Igreja com o Estado. E, no
momento mais significativo de toda a sua obra, depois de circular a
questão nuclear (a escravidão com sua incompreensível carga de
desumanidade), no momento em que ele declarou que queria falar aos
senhores „como cristãos‟, acabou por tangenciar o problema, sem atingir o
seu cerne. Nos seus discursos, entretanto, o Missionário Jesuíta não
ousou pedir àqueles senhores que procedessem como cristãos e
acabassem com o cativeiro. Mesmo após ter argumentado e mostrado
como são duras as penas do cativeiro, ele não conseguiu ultrapassar os
limites impostos pela consciência do seu tempo, limitando-se a pedir aos
7
senhores que ajudassem a suavizar o fardo carregado pelos escravos;
5
Benci chegou a aludir com a possibilidade da libertação dos escravos .
Observa-se a partir do estudo de Casimiro que embora Benci houvesse
apontado tal possibilidade de libertação, no entanto, reviu a sua posição em
vista da realidade política e econômica do seu tempo, por saber quão dura seria
a sua luta, caso abraçasse a causa do fim do cativeiro.
Devido aos aspectos históricos e contextuais, Benci não conseguiu
romper com o paradoxo da escravidão colonial: cristianismo e escravidão. Se
tenha reconhecido os graves problemas da escravidão, contudo não a condenou
explicitamente. Para CASIMIRO (2002), a:
Obra de Benci foi, pois, uma concepção pedagógica dirigida, na prática,
para a formação da mão-de-obra colonial. Porém, não se tratou somente
de 'adestramento', ou formação de mão-de-obra, pois, o seu projeto
pedagógico, no que se refere à vida cristã, há princípios doutrinários que
ultrapassaram uma simples proposta de adestramento; Benci lançou
algumas ideias de libertação, mas, limitado pelo seu grau de consciência,
não tirou delas as consequências práticas que se impunham; Ou seja:
nada fez, na prática, para promover a libertação dos escravos, mas, sim,
para catalisar os conflitos das relações senhor-escravo. Houve, de fato, de
sua parte, uma proposta pedagógica específica, mas, esta proposta
pedagógica não se encaminhou para a libertação dos escravizados, pelo
contrário, a pedagogia para a vida cristã foi instrumentalizada a serviço do
trabalho escravo.
Postos os estreitos limites dessas duas vertentes do projeto educacional
desenvolvido pela Companhia de Jesus, destacamos, ainda, o rígido controle
empreendido por ela sobre a produção literária.
Nesse ponto, dada a inexistência no Brasil da imprensa, criada por
Gutenberg e, também, pelo Index LibrorumProhibitorum6, tem-se apenas um
pequeno grupo, geralmente de religiosos, entre os quais circulava certa
produção literária, mas, mesmo nesse caso, tal literatura teria inicialmente de
passar pelo crivo das autoridades católicas.
5
Disponível em http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art2_14.pdf. Acesso em 30 março, 2015
6
Index LibrorumProhibitoumexpurgatorum foi o edito promulgado pela Igreja Católica. Esses
índices expurgatórios faziam a limpeza no texto dos livros, proibindo apenas certos trechos,
que então eram ou deviam ser simplesmente riscados com tinta em todos os exemplares de
uma edição. Às vezes, eram apenas algumas palavras, outras vezes, parágrafos inteiros. Mas
também houve casos nos quais se mandou eliminar uma folha ou página inteira, que então era
retirada ou reimpressa com a correção devida (Horch, 1992, p. 473).
8
Quanto à base conceitual e filosófica sobre a qual se assentava a
pedagogia
jesuítica,
é
sabido
que
seus
fundamentos
residiam
na
RatioStudiorum7.
Esse método de ensino, elaborado pelos jesuítas no final do século XVI,
expandiu-se rapidamente por toda a Europa e regiões do Novo Mundo em fase
de ocupação. Tendo como principal objetivo levar a fé católica aos povos que
habitavam esses territórios, os jesuítas utilizaram-se desse método para
catequizar, servindo duplamente aos interesses do colonizador e da Igreja
contra reformista.
O Brasil enquadrou-se nesse contexto, sendo terreno fértil para a
implantação desse projeto. Em síntese, pode-se dizer que tal pedagogia
restringia o desenvolvimento de uma cosmovisão geral,
reduzindo a
compreensão de mundo ao eixo da fé e dogmas da Igreja Católica.
Com a reforma pombalina, em 1759, há a expulsão dos jesuítas e o
“término” da proposta educacional por eles desenvolvida, as aspas são
fundamentais no sentido de esclarecer que, dado aos limites da reforma
pombalina na educação após a expulsão dos jesuítas, o monopólio da Igreja
nessa área não foi totalmente substituída.
As novas medidas propostas tiveram dificuldades de serem implantadas,
pois,
desde
sua
origem,
não
substituíram
o
antigo
sistema,
nem
quantitativamente nem qualitativamente, ou seja, não tiveram a abrangência
suficiente e nem a qualidade desejada.
A tentativa do Marquês de Pombal8 de reconfigurar o sistema
educacional brasileiro, na prática, esbarrou em vários empecilhos, notabilizandose o distanciamento entre as intenções reformistas que objetivavam ao
desenvolvimento de uma educação pragmática do conhecimento científico,
constituindo, para tanto, academias científicas e literárias, bem como instituições
educacionais com aulas voltadas à educação prática científica com a realidade.
7
Por RatioStudiorum compreende-se o sistema filosófico-pedagógico desenvolvido pela Igreja
Católica e que foi promulgado em 1599. Em face dos interesses de nossa pesquisa, não
apresentamos o conteúdo de tal projeto pedagógico, no entanto, indicamos a obra de FRANCA
(1952), na bibliografia de nosso trabalho, na qual o leitor poderá encontrar uma síntese do
conteúdo da RatioStudioru, sobretudo entre as páginas 158-163.
8
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, foi primeiro ministro de Portugal de
1750 a 1777.
9
Entre intenções e realidade, havia um distanciamento. Isso porque a falta
de professores capacitados suficientemente, paralelo à ausência de material
didático próprio para atender às necessidades de uma educação cientificista,
somando-se ainda a falta de recursos econômicos para manter essa educação
pública, gerou dificuldades até mesmo para custear as côngruas dos
professores e proporcionou um quadro dentro da educação brasileira que, na
prática, pouco representou diante das necessidades de reformas.
Na perspectiva de Gomes (2000, p. 51):
Pombal tentou mudar os responsáveis pelo ensino, mas não se mudou o
método. Os jesuítas foram expulsos, mas a educação continuou nas mãos
da Igreja Católica Apostólica Romana. O padroado que garantia o
monopólio romano na educação continuou em vigor até a proclamação da
Republica. Os professores continuaram a utilizar em suas aulas o Breve
instrucçam para ensinar a doutrina Christãa, ler e escrever aos meninos e,
ao mesmo tempo, os princípios da Língua Portuguesa e sua Orthografia.
Esse manual que normatizava a instrução das crianças demonstra o que
acima foi explicitado.
Finalmente, sob a garantia do Padroado, a Igreja Católica estendeu seu
domínio no campo educacional brasileiro até o período da reforma pombalina e,
como verificamos dado aos limites dessa reforma, a hegemonia da Igreja ainda
se fez sentir até a instalação da República.
No século XIX, a educação havia retornado para as rédeas da Igreja
Católica, especialmente na província de São Paulo. Os católicos não
controlavam apenas as escassas escolas existentes em São Paulo, mas
imperavam nos acervos das parcas bibliotecas, haja vista que os livros
existentes na Faculdade de Direito de São Paulo, a mais importante instituição
de ensino do Império, foram doados, em sua maioria, por clérigos católicos,
segundo Gomes (2000).
Em linhas gerais, assim se configurava a educação brasileira sob a égide
do catolicismo romano. Como se pode deduzir, um ambiente de insatisfação e
busca de uma nova realidade para a educação dentro do país se fazia sentir. O
campo para o ingresso do modelo educacional protestante “estava aberto”, dada
à desestruturação existente na educação brasileira.
10
A EDUCAÇÃO PROTESTANTE
Como constatado, o sistema educacional existente, antes e durante a
instalação do protestantismo no Brasil, estava sob a direção dos jesuítas. Com a
Reforma Pombalina, em 1759, o antigo sistema educacional, entretanto, não foi
alterado nem quantitativa nem qualitativamente pelo fato de haver vários
empecilhos que iam desde a ausência de professores capacitados até a falta de
material didático e recursos econômicos suficientes para manter uma educação
pública de qualidade.
Na prática, a tentativa de uma reforma do sistema não apresentou uma
proposta suficientemente substitutiva à jesuítica.
A perspectiva da maçonaria e dos republicanos no tocante ao papel da
educação, conforme registra MESQUIDA (1994, p. 125) era:
Os intelectuais e homens políticos brasileiros da segunda metade do século
XIX, sobretudo os do Oeste da Província de São Paulo e do Sudeste de
Minas Gerais, liberais, republicanos, positivistas, anticlericais, tinham apesar
de algumas diferenças de ponto de vista políticos, um elo em comum: sua
filiação maçônica e, em consequência, sua fé comum no papel social e
político da educação. Juntos, eles analisavam o contexto nacional e
decidiam as estratégias políticas a seguir. As lojas maçônicas eram suas
fortalezas e suas frentes de combate, os centros de difusão de suas ideias.
Perante a crise do sistema educacional e a compreensão, tanto de
maçons como de republicanos, de que a educação tem um papel social e
político, a proposta de ensino norte-americana calcada na tríplice dimensão de
que a educação tem de ser pragmática, munir o indivíduo dos conhecimentos
que assegurem sua cidadania e, finalmente, uma educação que esteja a serviço
da república, constituiu-se em uma alternativa.
Nesse sentido é que a educação liberal praticada nos colégios
protestantes, de forma crescente a partir das últimas décadas do século XIX,
obteve guarida, apoio, facilidades e incentivo interessado das elites liberais
brasileiras.
11
Nas origens da educação protestante no Brasil, os presbiterianos
constituíram-se pioneiros9, seguidos pelos metodistas. A prática pedagógica dos
colégios protestantes em geral, não apenas presbiterianos, mas também
metodistas, era baseada no método indutivo, intuitivo ou lição das coisas.
Conforme destaca Vieira (2003, p. 38), “foi o método pedagógico (...), que
tinha como característica principal levar a criança ao desenvolvimento de suas
faculdades mentais através da observação, a grande atração dos colégios norteamericanos”. (...). E os fundamentos teóricos da educação protestante
“advinham de Horace Mann e Pestalozzi10”.
A influência exercida pelo sistema educacional presbiteriano pôde ser
percebida, por exemplo, em São Paulo, na “Reforma da Instrução Pública e da
Escola Normal”, por Caetano de Campos, com a singular participação das
educadoras presbiterianas, Miss Márcia P. Browne e Maria Guilhermina Loureiro
de Andrade, conforme Hack (1985) tem apontado.
Para uma ideia mais ampla das realizações dos presbiterianos no campo
da educação, face ao apoio político encontrado, atraindo até mesmo a
admiração do Imperador Dom Pedro11, é que HACK (1985, p. 182-183) registra
como contribuições educacionais do Mackenzie, no período histórico de 1879 a
1930, os seguintes pontos:
9
O primeiro centro educacional protestante criado no Brasil pelos missionários presbiterianos,
dada sua fundação de 1869, pelo Reverendo Nash Morton, trata-se do colégio internacional na
cidade de Campinas, em cujas salas de aula frequentavam os filhos da elite de Campinas.
Posteriormente transferido de Campinas para Lavras, mais tarde veio a chamar-se Instituto
Gammon, numa homenagem ao seu líder, o Rev. Samuel R. Gammon (1865-1928). A partir de
1864, com a chegada ao Brasil do missionário George W. Chamberlain, sua esposa dá início
uma sala de aula que funcionava na sua própria casa, daí, surgiria o Mackenzie College,
conhecido atualmente como Universidade Mackenzie. A primeira escola evangélica do nordeste
foi o Colégio Americano de Natal (1895), fundado por Katherine H. Porter, esposa do Rev.
William C. Porter. A origem da escola metodista data de 1881, praticamente concomitante à
presbiteriana.
10
Johann Heirich Pestalozzi (1746-1827), pedagogo suíço considerado precursor do movimento
de renovação escolar conhecido como “Escola Nova”, e Horace Mann (1796-1858), conhecida
liderança do movimento pela educação pública nos Estados Unidos da América, no século XIX.
11
“O jornal do Comércio”, de 3 de outubro de 1878 e a “Reforma”, órgão oficial do Partido Liberal,
de 5 do mesmo mês, ambos do Rio de Janeiro, noticiaram amplamente a visita do Imperador à
Escola Americana. “A Imprensa Evangélica”, órgão oficial da Igreja Presbiteriana, registraram
uma visita feita por Dom Pedro às instalações do Colégio Americano, dirigido por presbiterianos
e que viria a tornar-se a atual Universidade Mackenzie,em São Paulo.
12
a) Curso primário com pedagogia moderna, usando-se o método intuitivo, b)
introdução de atitudes liberais, com respeito à raça, religião e ideias
políticas, c) Primeira Escola do Comércio (1890), visando à preparação de
pessoal para atender à necessidade de contabilidade moderna nas
empresas do país, d) Curso Geral Preparatório (1896), separado por áreas
de interesse dos alunos. O que viria muito mais tarde a ser adotado no
Brasil, e) abertura de cursos de química industrial e de eletrotécnica, no
ensino técnico, f) a organização e adoção de esportes, em forma obrigatória
e sistemática, introduzindo novas modalidades de prática no Brasil (por
exemplo, o basquetebol), g) atividades extracurriculares, com grupo
orfeônico, grupo orquestral, teatro, cinema, h) organização moderna de
biblioteca com o uso do sistema Dewey de catalogação.
O que mais nos interessa frente aos fatos históricos que mostram a
instalação dos colégios presbiterianos com sua metodologia de ensino, com
seus educadores/as habilitados/as, com a ideal localização geográfica dos
colégios, com o apoio das elites políticas e com a contribuição exercida pelos
educadores/as nas reformas da educação e na sociedade de forma geral, é que,
por intermédio desses espaços educativos, os missionários americanos criaram
um campo de irradiação do conhecimento e, no bojo disso, dos esquemas
culturais norte-americanos.
Quando Bourdieu (2005) elabora sua teoria do campo religioso,
estabelecendo as regras do seu funcionamento, é bom lembrar que, guardadas
as especificidades de cada campo em análise, como o religioso, por exemplo,
as regras gerais de funcionamento são invariantes e aplicam-se a qualquer
outro campo, contudo o que muda é o tipo de capital que se tem no centro dos
processos de luta pela posição de dominação.
Bourdieu (2005), escrevendo a respeito dos sistemas de ensino e de
pensamento, surpreende-se com Durkheim e com a maioria dos autores que
veio depois dele abordando a sociologia do ensino, por não terem considerado a
função de “integração cultural (lógica) da instituição escolar”. A estranheza
de BOURDIEU (2005, p. 205) nascia do seguinte questionamento:
“Será que os esquemas linguísticos e de pensamento transmitidos pela
escola, (grifo nosso) como, por exemplo, aqueles que os tratados de
retórica designavam como figuras de palavras e figuras de pensamento,
cumprem ao menos para os membros das classes cultivadas a função dos
esquemas inconscientes que organizam o pensamento e as obras dos
homens das sociedades tradicionais, ou então, as condições em que são
transmitidos e adquiridos fazem com que só cheguem a operar ao nível
mais superficial da consciência?”
13
Diante da questão, o autor pondera se é verdade que a especificidade
das sociedades dotadas de uma cultura erudita (cultura acumulada e
cumulativa) reside no fato de que dispõem de instituições especialmente
organizadas a fim de transmitir, explícita ou implicitamente, formas de
pensamento explícitas ou implícitas que operam em níveis diferentes da
consciência, pode-se, dessa forma indagar se a sociologia da transmissão
institucionalizada da cultura não constitui, pelo menos através de um de seus
aspectos, um dos caminhos e dos mais significativos da sociologia do
conhecimento.
O pensamento de Bourdieu (2005) está orientado na direção de
compreender o papel da escola, enquanto instituição organizada, como espaço
de integração cultural.
Nesse sentido, pontuamos que os educadores/ religiosos presbiterianos
estavam de posse de um significativo montante de capital simbólico, no caso,
referimo-nos ao knowhow no campo da educação, gozando ainda do apoio das
elites políticas do país.
É dentro dessa configuração que encontraram espaço, através de suas
escolas, para operar o processo de inculcar um novo habitus na parcela da
sociedade envolvida com sua educação, redefinindo, portanto, sua cosmovisão
e fazendo deles reprodutores das regras estruturadas de funcionamento do
campo no qual eles tinham o senso de pertencimento, nesse caso, o campo da
produção do conhecimento/ colégios.
Por meio do canal religioso e dos colégios, os presbiterianos divulgavam
o seu pensamento e cosmovisão, mas também imprimiam um modus vivendi,
baseado em hábitos, condutas sociais e valores, geralmente tematizados na
perspectiva religiosa e no “modo americano de vida”, como por exemplo:
a) no combate ao uso do álcool e do tabaco, bem como à prática dos
jogos de azar;
b) nas regras de higiene e saúde preventiva pela prática de esportes;
c) nas regras restritivas de certos divertimentos;
d) nos modos de administrar as finanças e o patrimônio, orientado ao
trabalho intenso, à poupança regular e à acumulação de capital;
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e) nos modos de trajar, falar e comportar-se em público;
f) na exigência da leitura e no estímulo à intelecção.
Pela mediação de seus colégios, considerando o seu papel de
“integração cultural”, os presbiterianos conseguiriam exercer um nível de
influência significativo dentro de uma parcela da sociedade brasileira, primeiro
porque encontraram condições favoráveis para tal, segundo porque traziam
consigo um tipo de capital simbólico que correspondia à demanda existente no
campo da educação e atendiam aos interesses das elites e da sociedade de
forma geral.
Dessa maneira, dentro da delimitação histórica desta pesquisa, e da
suspeita desencadeadora deste estudo, ou seja: se os protestantes,
especificamente os presbiterianos, conseguiram exercer influência na sociedade
brasileira, podemos dizer que pelo menos no campo da educação, a resposta é
afirmativa.
Se essa influência deve ser compreendida numa perspectiva positiva ou
negativa e se ela trouxe desdobramentos maiores para a história da educação
brasileira, é algo que transcende os limites deste estudo e está como objeto de
investigação em outro estudo em andamento.
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