helen keller (1880-1968)

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helen keller (1880-1968)
HELEN KELLER (1880-1968)
O DOM DA AMIZADE
aprender “mãe”, “pai”, “irmã”, “professora”. Palavras que fariam o mundo
desabrochar para mim, “como a vara de Aarão”. Seria difícil encontrar
naquele dia uma criança mais feliz do que eu, quando à noite me deitei na
cama e relembrei as alegrias que aquele dia me trouxera. Pela primeira vez
na minha vida, ansiava pelo dia seguinte. “
Não há amizade mais sagrada do que aquela que une alunos e
As palavras seguintes foram escritas por Anne Sullivan a propósito de
Helen Keller:
professores. Um dos maiores exemplos deste tipo de amizade foi a relação
entre Helen Keller (1880-1968) e Anne Mansfield Sullivan (1866-1936).
A doença arruinou a visão e a audição de Helen quando esta não tinha
ainda dois anos, cortando os seus laços com o mundo. Como a própria
20 de Março de 1887
descreveu mais tarde, durante quase cinco anos, “cresceu selvagem e
desregrada, rindo baixinho ou alto para exprimir prazer, dando pontapés,
Esta manhã, o meu coração exulta de alegria. Deu-se um
arranhando e emitindo gritos roucos para exprimir o oposto.”
milagre! A luz do entendimento brilhou na cabeça da minha
A chegada de Anne Sullivan a casa dos Keller no Alabama, vinda do
pequena aluna e tudo mudou! A criaturinha selvagem de há
Instituto para Cegos, em Boston, mudou a vida de Helen. A própria
duas semanas transformou-se numa criança gentil. Está sentada
professora era semi-cega devido a uma infecção ocular da qual nunca
à minha beira enquanto escrevo esta carta. A sua face está
recuperara.
serena e feliz e tricota uma longa cadeia vermelha de lã
Quando chegou a casa de Helen Anne Sullivan ia cheia de experiência,
escocesa. Aprendeu a coser esta semana e está muito feliz.
dedicação e amor. Conseguiu estabelecer contacto com a mente da aluna
Quando conseguiu fazer uma faixa da largura da sala, acariciou
através do toque e, em três anos, ensinou-a a ler e a escrever em braille.
o próprio braço e encostou o trabalho à cara com doçura. Já me
Quando tinha 16 anos, Helen já falava suficientemente bem para poder ir
deixa beijá-la e, quando está particularmente tranquila, senta-se
para a escola.
no meu colo por uns minutos.
Formou-se com distinção pela Universidade de Radcliffe em 1904 e
devotou a sua vida aos cegos e aos surdos, como a sua professora fizera. A
amizade entre as duas mulheres durou até à morte de Anne. Helen
escreveu sobre a chegada de Anne Mansfield na sua autobiografia A
História da Minha Vida:
ensinar-me que eram distintas, mas eu continuava a confundi-las.
Desesperada, deixara cair o assunto, para logo que surgiu uma
oportunidade o retomar. Impacientei-me com a insistência dela e atirei a
“O dia mais importante de toda a minha vida foi aquele em que a
boneca nova ao chão. Fiquei extremamente feliz quando a ouvi partir-se.
minha professora, Anne Mansfield Sullivan, chegou a nossa casa. Foi a 3 de
Não senti pena nem remorso. Não gostava dela. No mundo hirto e escuro
Março de 1887, três meses antes de eu completar sete anos de idade. Na
em que eu vivia, não havia lugar para sentimentos fortes ou para ternura.
tarde desse dia eu encontrava-me na varanda, imóvel e expectante. Pelos
Senti que a minha professora varria os fragmentos para um canto do
sinais da minha mãe e pela azáfama dentro de casa, deduzia vagamente
fogão de sala e senti satisfação pela causa do meu desconforto ter sido
que algo de inesperado estava para acontecer.
posta de parte. Miss Sullivan trouxe-me o chapéu e soube que íamos sair.
Senti passos a aproximarem-se. Estendi a mão para o que supus ser a
minha mãe. Alguém a agarrou e pegou-me ao colo. Era a pessoa que tinha
Este pensamento, se se pode chamar pensamento a uma sensação sem
palavras, fez-me correr e saltar de prazer.
vindo revelar-me a vida e, mais do que isso, amar-me. Na manhã seguinte
Um dia, fomos carreiro abaixo em direcção à casa das bombas,
à sua chegada, a minha professora levou-me até ao quarto dela e deu-me
atraídas pela fragrância das madressilvas que a cobriam. Alguém estava a
uma boneca. Os meninos cegos da Perkins Institution tinham-na mandado
tirar água e a minha professora pôs a minha mão debaixo do jacto.
e Laura Bridgman tinha-a vestido. Mas só o soube mais tarde.
Quando a água fresca jorrou sobre uma das minhas mãos, Miss Sullivan
Depois de ter brincado algum tempo com ela, Miss Sullivan soletrou a
palavra na palma da minha mão: “b-o-n-e-c-a”. Fiquei logo interessada
soletrou-me a palavra “água” na outra mão. Fê-lo primeiro devagar, depois
rapidamente. Fiquei quieta, atenta aos movimentos dos dedos dela.
nesta brincadeira feita com os dedos e tentei imitá-la. Quando consegui
Assaltou-me subitamente uma recordação vaga de algo que
reproduzir toda a sequência correctamente, enchi-me de um prazer e de
esquecera ─ a emoção de um pensamento que agora regressava. O
um orgulho infantis. Corri escada abaixo e fui ter com a minha mãe.
mistério da linguagem revelava-se-me finalmente. Soube que “á-g-u-a” era
Quando a encontrei, levantei a palma da mão e fiz as letras
aquela coisa fresca e maravilhosa que corria pela minha mão. Aquela
correspondentes a “boneca”.
palavra viva despertou a minha alma, deu-lhe luz, esperança, alegria,
Um dia, enquanto brincava com a minha boneca nova, Miss Sullivan
colocou a boneca de trapos no meu colo, soletrou a palavra “b-o-n-e-c-a” e
libertou-a! Embora ainda houvesse barreiras a transpor, eram barreiras
que o tempo podia derrubar.
ensinou-me que a palavra se aplicava a ambas. Dias antes, tínhamos tido
Saí da casa das bombas ansiosa por aprender mais. Aprendi muitas
uma briga sobre as palavras “caneca” e “água”. Miss Sullivan tinha tentado
palavras novas naquele dia. Não me recordo de todas. Mas recordo-me de

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