O INÍCIO DA LUTA ARMADA EM ANGOLA No dia 15 de

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O INÍCIO DA LUTA ARMADA EM ANGOLA No dia 15 de
O INÍCIO DA LUTA ARMADA EM ANGOLA
No dia 15 de Março de 1961, Angola acordou sobressaltada com notícias preocupantes
sobre algo de muito grave que ocorria nos distritos de Uíge, Zaire e Cuanza Norte. Os
portugueses tomaram, então, conhecimento da existência da UPA (União dos Povos de
Angola), movimento independentista que, acoitado no Congo ex-belga e com o apoio de
algumas organizações internacionais, cometia naquela região um generalizado
massacre. Hordas enlouquecidas, armadas com catanas, assassinavam selvaticamente
pessoas de todas as raças, credos e idades, destruíam as estruturas económicas e viárias
e incendiavam as fazendas e as povoações daquela tão vasta e rica região, fazendo do
Norte de Angola um verdadeiro inferno. Desolação, casas fumegantes, estradas cortadas
e cadáveres por todo o lado, era só o que a observação aérea podia detectar. As
populações aterrorizadas refugiaram-se nas matas, fugiram para os países vizinhos ou
acolheram-se a alguns núcleos de resistência, como Carmona, Negage, Mucaba ou
Quimbele, aguardando a chegada de socorros. Por seu lado, as autoridades militares
reagiram às atrocidades com as poucas forças armadas disponíveis, que unidades
metropolitanas reforçaram, e sustiveram o ímpeto da UPA.
A data iria marcar o início de uma longa guerra subversiva que Portugal viveu em
Angola, entre 1961 e 1974, que se foi agudizando com a transformação da UPA em
FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), o aparecimento, do MPLA
(Movimento Popular de Libertação de Angola) e, mais tarde, da UNITA (União
Nacional Para a Independência Total de Angola). As catanas, que eram instrumentos de
trabalho, foram substituídas por armas automáticas, minas e morteiros e as hordas
deram lugar a grupos de guerrilha instruídos que enfrentavam, agora, não populações
indefesas mas as FAP (Forças Armadas Portuguesas).
As ideias independentistas que norteavam estes movimentos colhiam crescente apoio
internacional e Portugal, como não aceitou discutir a independência deste seu território
de Além-Mar, que considerava ser uma sua província ultramarina, foi ficando isolado,
nomeadamente em relação a países que tradicionalmente eram seus amigos e aliados. O
conflito armado assumiu características peculiares por serem três os movimentos em
luta e, sobretudo, por nunca se terem aliado. Por este facto, as forças portuguesas
combateram em Angola sempre contra três inimigos diferentes, que aliás se guerreavam
entre si, e que tinham interesses e estratégias diferentes. Sucedeu mesmo que, no Leste,
a partir de 1966, defrontaram simultaneamente os três, colocando-os em dificuldades, e
nem mesmo este facto alterou as relações entre eles. Esta falta de unidade explica-se,
em grande parte, pela circunstância de se viver, então, a chamada Guerra Fria, que
dividiu o mundo em dois grandes blocos ideológicos, liderados pela URSS e os EUA,
que se afrontavam e disputavam a primazia em África. As organizações e os seus
dirigentes participavam indirectamente neste afrontamento ao qual não podiam furtar-se
sem colocarem em causa os apoios que obtinham de um ou do outro lado. Também os
países vizinhos estavam alinhados e só concediam apoios aos movimentos com quem
tinham afinidades ideológicas.
A UPA iniciara a guerrilha no Norte, mas fê-lo precipitadamente e sem reunir as
condições ideais. Devido à crise que então se vivia na República Democrática do Congo
(RDC), depois República do Zaire, que obtivera a independência havia pouco tempo,
esta precipitação foi um risco que poderia ter sido pago caro. Mas ganhou a corrida ao
MPLA e, sendo-lhe favorável a evolução política congolesa, foi-se organizando neste
país e aí se manteve até 1974, sempre com o apoio do governo pró-ocidental do general
Mobutu.
Por sua vez, o MPLA, professando uma ideologia comunista, só pôde instalar-se na
República Popular de Congo (RPC) de onde apenas podia levar a guerrilha a Cabinda.
Confrontado com a falta de adesão dos povos cabindas, transferiu-se, em 1966, para a
Zâmbia e fixou-se na fronteira do Moxico para entrar em Angola, pelo Leste. No
Moxico, o MPLA encontrou a UNITA que se adiantara e desenvolvia ali um profundo
trabalho de subversão das populações e actuava já com grupos de guerrilha. Ao
contrário do que sucedia no Norte, o MPLA movimentava-se, agora, à vontade e
reforçava as suas estruturas, enquanto a FNLA, nesta área, como tinha os seus apoios no
Zaire, ficou muito limitada. Parecia claro que, sem se unirem, propósito que o MPLA
tentou e a FNLA sempre recusou, se tornava difícil a qualquer dos movimentos, por si
só, executar uma estratégia global.
Em 1966, os movimentos haviam já consolidado as duas áreas de guerrilha, que
denominavam de "frentes", às quais as forças militares opunham Zonas de Intervenção.
Logo em 1961, havia sido criada a Zona de Intervenção Norte (ZIN), nos distritos de
Cabinda, Zaire, Uige, Luanda, Cuanza Norte e Malange e, prevendo-se o que veio a
suceder, a Zona de Intervenção Leste (ZIL), abrangendo os da Lunda e do Moxico.
Apesar das forças portuguesas terem que se repartir, foi-Ihes possível concentrar no
Leste meios importantes que, todavia, não foram suficientes para evitar a expansão da
subversão.
A opinião pública portuguesa, na segunda metade da década de 60, foi-se mentalizando
para as dificuldades crescentes na Guiné e até para um eventual desaire militar neste
território mas, em relação a Angola, enraizou a ideia de que a situação militar era muito
favorável - e era-o, de facto, até 1966. A generalidade dos portugueses e mesmo uma
grande maioria dos militares só tarde se foi apercebendo do perigo que representava o
MPLA instalado na Zâmbia com a exclusividade das ajudas deste país. E apenas
despertou para a realidade quando começaram a chegar notícias, cada vez mais
preocupantes, das baixas em combate no Leste e do aparecimento dos grupos
guerrilheiros, cada vez mais no interior de Angola.
Fortemente instalada na Zâmbia, tendo o apoio directo de uma população que transferiu,
com o apoio da OUA, da região de Brazzaville (Cf. Iko Carreira, em "O Pensamento
Estratégico de Agostinho Neto") e com bases perto da fronteira, onde o armamento
chegava em grande quantidade, a ameaça era real. Se o MPLA continuasse no mesmo
ritmo, a situação militar em Angola tornar-se-ia muito problemática com enorme
impacto em Portugal Continental e com reflexos incalculáveis nas lutas que as FAP
travavam na Guiné e em Moçambique.
Em 1970, os comandos militares responderam ao MPLA com igual conversão
estratégica e, nos primeiros anos da década de 70, acrescentaram uma nova fase à luta
que se travava no Leste, que ficou assim definida:
- De 1966 a 1970, o MPLA expandiu-se profundamente no território do Leste e a
UNITA afirmou-se como um movimento muito aguerrido com capacidade para o
acompanhar, em profundidade, ainda que limitadamente. Criou-se, então, uma situação
militar muito difícil porquanto o MPLA chegou a atravessar o rio Cuanza para oeste,
ameaçando o distrito do Bié. No entanto, as FAP, sem grandes alterações estratégicas e
apenas com o balanceamento de meios conseguiram suster o avanço da guerrilha.
- Em 1970, o Comandante-Chefe das Forças Armadas de Angola tomou grandes
decisões estratégicas e transferiu o esforço principal do Norte para o Leste.
- De 1971 a 1974, as FAP iniciaram uma verdadeira contra-ofensiva, em termos de
guerra subversiva, e foram capazes, numa posição claramente vencedora, de remeter os
três movimentos para além fronteiras, completamente desorganizados, obrigando-os a
ter que reformular a sua estratégia. (...)
A MANOBRA DE CONTRA-SUBVERSÃO
O comandante da ZML presidia ainda e orientava um CECS (Conselho Especial de
Contra Subversão), na directa dependência do Conselho Provincial de ContraSubversão. Nele se apreciava e deliberava sobre os procedimentos gerais e prioridades a
adoptar no conjunto dos quatro distritos e em cada um deles, por forma a assegurar-se a
indispensável coordenação no âmbito da Informação, Contra-Subversão e Segurança.
De harmonia com a doutrina, o general decidiu que a manobra de contra-subversão
implicaria uma sistematização e um esforço muito grande e simultâneo nas acções de
obtenção de informações e de contra-informação, nas manobras de acção psicológica,
sobre a população, sobre o terreno e, obviamente, na manobra
militar. Cada uma destas actividades e manobras-chave foram objecto de uma atenção
especial com programas de acção bem definidos, faseados e controlados o que tornou
sustentada e integrada cada uma dessas manobras tomadas isoladamente. (...)
A CONQUISTA DA ADESÃO DAS POPULAÇÕES
Na directiva de Contra-subversão do comandante da ZML referia-se que a manobra
sobre a população, incluída nas suas competências, assentaria em dois pontos: o seu
ajustamento à manobra militar e a satisfação das necessidades primárias da população,
recorrendo a processos elementares que tivessem impacto directo e imediato.
Definiram-se prioridades do ponto de vista geográfico, para cumprimento do primeiro
ponto e, para as necessidades, o critério recaiu nas várias áreas:
alimentação, abastecimento de água, saúde, educação (45% da população da ZML tinha
menos de 15 anos e o número de crianças escolarizadas não chegava a 10% das crianças
em idade escolar), segurança e ocupação administrativa.
Estas últimas prioridades tinham em vista: numa primeira fase, a resolução dos
problemas primários e imediatos das populações; numa segunda fase, provocar um
desenvolvimento sócio-económico que permitisse às populações obterem bens para
comercializar, participando progressivamente numa economia de mercado e, numa
terceira fase, a integração das áreas seleccionadas em planos de desenvolvimento. Para
cada um dos sectores indicados fixaram-se metas a atingir na primeira fase. A manobra
sobre a população foi integrada no Plano de Desenvolvimento do Leste, elaborado com
os Serviços do Governo Geral e os Governos dos Distritos e nascido numa reunião
efectuada em Luanda, em 11 de Julho de 1971, sob a presidência do Ministro do
Ultramar, na qual se fixou a orientação do esforço da Administração no Leste.
Em 31 de Dezembro de 1972, era já possível fazer uma avaliação da obra realizada
nalguns sectores. O Plano de Desenvolvimento do Leste incluía, na fase inicial, 466
empreendimentos, dos quais 150 estavam completados e 316 em curso.
No sector da saúde tinham-se concluído 19 Dispensários de Assistência Rural, faltando
terminar 26; na educação, haviam-se concluído 51 postos escolares e 82 aguardavam
finalização e, no sector do abastecimento de água estavam prontos 52 postos e 79 em
curso.
OS ALDEAMENTOS
A manobra sobre a população incluiu ainda o seu agrupamento em aldeamentos como
forma de melhor concretizar dois dos imperativos da missão atribuída: contribuir para o
desenvolvimento social das populações e dissociar a população da guerrilha e da sua
influência, evitando que os povos dispersos fossem fonte de recrutamento fácil e
coercivo de combatentes.
O reordenamento das populações em Angola assumiu diversas formas que mereceram a
atenção de jornalistas e escritores militares nacionais e estrangeiros que comparavam o
que as autoridades portuguesas faziam com aquilo que conheciam das guerras da
Argélia e do Vietnam. E ficavam admirados como, sem grandes recursos, se conseguiu
juntar em Angola o conceito de aldeamento estratégico ao de aldeamento sócioeconómico para construir o que poderemos denominar de aldeamento misto. Este era o
aldeamento característico do Leste, na Zona de Grau 1 construído de raiz por motivos
militares mas onde se exercia uma acção de promoção social intensa.
Numa área tão extensa era inevitável que se cometessem alguns erros, nomeadamente
de carácter cultural. Nalguns casos, juntaram-se populações com hábitos completamente
diferentes em aldeamentos de dimensões exageradas, construídas em linhas ou locais
estratégicos ou junto a povoações onde a defesa era fácil. Se houve algumas queixas das
populações a verdade é que muitos povos, sentindo os benefícios que usufruíam nestes
aldeamentos, já não queriam voltar a viver no regime de dispersão antigo. Nas Zonas de
Grau 3 e 4 (Bié e Huambo), o aldeamento teve características diferentes: foi concebido
exclusivamente com a finalidade de promoção social e, sobretudo, sócio-económica, das
populações aldeadas. Eram aldeamentos muito acompanhados pelos serviços civis de
reordenamento rural, que os apoiavam dentro da política geral definida para o apoio às
populações.
Para regular esta actividade foram aprovadas no Conselho Provincial de ContraSubversão as Normas de Reordenamento Rural das Populações e, para regulamentar a
sua auto-defesa, as Normas sobre Milícias e Regedorias a Auto-Defesa das Populações,
ambos os documentos de 1972. A extensão dos aldeamentos em áreas pobres e a grande
concentração de populações à volta de centros urbanos, nomeadamente do Luso, eram
questões pertinentes que foram várias vezes levantadas pelos governadores de distrito
nas sessões do Conselho Especial de Contra-Subversão. A desactivação de alguns
aldeamentos foi mesmo a grande preocupação do Comando da ZML, quando as
ameaças desapareceram. (...)
DESENVOLVIMENTO DA REDE VIÁRIA E DE PISTAS DE AVIAÇÃO
A acção sobre o terreno incidiu em especial sobre as vias de comunicação e sobre as
pistas de aviação. Foi elaborado um documento sobre esta matéria, que exigia a
colaboração entre a JAEA, os Governos de Distrito e a Engenharia Militar, que foi
apresentado e aprovado no Conselho Provincial de Contra Subversão, para vinculação
dos Serviços do Estado. Dele constava a construção da Grande Via do Leste envolvente
da ZML, ligando Malange, Andulo, Silva Porto, Chitembo, Serpa Pinto, Cuito
Canavale, Mavinga, Neriquinha, Gago Coutinho, Luso, Dala, Henrique Carvalho,
Veríssimo Sarmento, e Portugália, numa extensão total de mais de 1.800 km. A par
deste itinerário, delinearam-se algumas penetrantes:
- A penetrante da Lunda, por Henrique de Carvalho, Muriege, Nova Chaves, Cassai,
Teixeira de Sousa, com cerca de 300 km. Esta penetrante juntava-se em Teixeira de
Sousa a outras duas grandes vias - o CFB e o rio Cassai; A penetrante do Moxico, por
Silva Porto, Cangamba, Gago Coutinho, com cerca de 700 km, que seria completada
por dois itinerários que entravam no Saliente do Cazombo; As penetrantes do CuandoCubango; A via do Cubango, por Serpa Pinto, Baiundo, Cuangar, Dirico, Mucusso, com
cerca de 700 km; A via do Cuito, por Longa, Baixo Longa, e Dirico, com cerca de 420
km;
- A via do Guando, por Gago Coutinho, Neriquinha, Rivungo, Luiana, com 260 km.
Além destas vias principais que rasgariam toda a ZML com estradas alcatroadas, o
Comando da ZML propôs a construção de mais duas estradas com interesse táctico:
- Alto Chicaga-Cangumbe, com 120 km;
- Umpulo-Mumbué, 140 km.
Com esta rede de estradas alcatroadas, num total de cerca de 4.000 km, diminuiria
radicalmente o perigo das minas, o desenvolvimento seria muito facilitado e toda a orla
anterior da zona de guerrilha seria acompanhada por estradas, com vantagens óbvias
para a manobra militar.
Poderá avaliar-se melhor o gigantismo desta obra rodoviária se dissermos que os
trabalhos iriam ser realizados no canto SW de Angola, no caso de Luiana a l.200 km da
costa e l .500 km de Luanda, em áreas de pobres recursos materiais e de fraca ocupação
humana.
Em 1973, estavam a trabalhar no Leste cinco firmas empreiteiras com a capacidade de
construção anual de 700 km de estrada asfaltada e, ao mesmo tempo, a companhia de
engenharia militar procedia à abertura e reparação de picadas tácticas com interesse
operacional.
Esta rede de itinerários, de grande interesse militar e económico, que se previa ser
alargada, começou a ser construída mal foram removidos os problemas burocráticos.
Nos anos de 1972 e 1973 comentava-se já por toda a Angola a grande transformação
por que estava a passar o Leste.
Em 19 de Julho de 1972, escrevia-se no diário "Província de Angola": ...Uma
pormenorizada visita ao Leste, deu-me a noção do esforço realizado nos últimos tempos
(estivera lá há cerca de dois anos) das profundas e bem construídas preocupações das
Forças Armadas na grande batalha do desenvolvimento que estão travando (...) Perdoese-me esta divagação rodoviária mas, quando se pensa que se dispendem cerda de 40
contos por cada 10 toneladas de carga transportada de Serpa Pinto para Rivungo
passando por Neriquinha (600 km), exigindo um tempo de percurso de ida e volta de 25
a 45 dias, não se pode deixar de ser sensível à oportunidade da construção de estradas..."
O emprego das companhias militares de engenharia era objecto de um plano anual e o
mesmo sucedia com as obras de nelhoramento e de construção de pistas novas para
aviação, ira ainda intenção do Comando da Zona Militar Leste dispor de uma rede de
pistas para todo o tipo de aviões usualmente utilizados em Angola, desde o DO 27, de
observação ao Boeing 707 de grande capacidade de carga. Entendia que todas as sedes
de batalhão deveriam poder ser servidas por aviões Nord-Atlas e PV 2 e todas as
localidades que fossem sede de unidades militares dispor de uma pista para iões tipo
DO 27 ou bimotor ligeiro. (...)
OS FIEIS E OS LEAIS
Os fiéis eram os antigos GENDARMES do Zaire oriundos da província do Catanga que
se haviam revoltado e conduzido uma guerra civil, pouco tempo depois da
independência da antiga colónia belga. Tendo sido derrotados acolheram-se a Angola
com as suas famílias entrando por Teixeira de Sousa. O seu órgão político-militar, com
alguns combatentes e famílias, estava instalado na Chimbila, na Lunda, junto à estrada
de Buçaco a Dala e as restantes forças e famílias dividiam-se por outros dois campos: o
de Camissombo, junto a Veríssimo Sarmento e o da Gafaria, no Cazombo. Estavam
armados com espingardas automáticas e morteiros ligeiros e faziam algumas operações
independentes para manter pressão sobre a guerrilha mas actuavam, sobretudo, em
escoltas e trabalhos em itinerários. Foram organizados em companhias e pelotões e
tinham um regulamento de disciplina próprio. Viviam com as suas famílias de forma
quase primária, recusando a integração, sempre na esperança de um regresso às suas
terras de origem.
Os Leais, com o efectivo aproximado de uma companhia, eram refugiados da Zâmbia
em conflito com as autoridades do seu país. Estavam estacionados em Calunda onde
oficialmente constituíam o Grupo Especial 600, actuando em reforço de batalhão
estacionado no Ca2ombo e na zona de acção deste. (...)
OS FLECHAS
Os flechas constituíam um corpo de tropas auxiliares, fundado pela PIDE, composto por
bosquimanes, destinado a actuar no Cuando-Cubango no âmbito da informação e como
pisteiros mas depressa as suas características fizeram deles temíveis combatentes. Mais
tarde, integraram elementos de outras etnias e espalharam-se um pouco por todo o Leste
e mesmo pelo Norte, actuando sempre com grande eficiência. Começaram a ser
treinados num campo de trabalhos em Missombo, no Guando Cubango, e,
posteriormente, na região de Gago Coutinho. Eram tropas de intervenção temíveis,
muito conhecedores do terreno e óptimos pisteiros.
Combateram em pequenos grupos ao lado dos comandos que tinham por eles um grande
apreço e que, com frequência, os solicitavam. Comandados operacionalmente com
arrojo e sentido do dever pelo inspector da DGS, Óscar Cardoso, figura impressiva da
luta no Leste, fizeram grandes capturas de material. (...)
OS MOVIMENTOS INDEPENDENTISTAS EM 1972 - 1973
O ano de 1972 foi devastador para a FNLA e o MPLA. Além das derrotas militares,
ambos os movimentos viveram gravíssimas dissensões internas. A FNLA viu-se a
braços com uma grave amotinação dos elementos do ELNA na base de Kinkuso, que
obrigou as tropas do Zaire a intervir, e o MPLA foi confrontado com a Revolta do Leste
encabeçada por Daniel Chipenda, em oposição a Agostinho Neto. Estes factos, que
tiveram grande ressonância regional e um forte impacto na OUA, traziam em si o
gérmen da dissolução e da derrota dos dois movimentos e foram em grande parte uma
consequência da poderosa ofensiva portuguesa.
Perante a desorganização geral dos dois movimentos, a OUA, com a interferência de
Mobutu, ainda os juntou e fez assinar a Acordo de Kinshasa de 13 de Dezembro de
1972. Mas como coligar dois movimentos que não o quiseram fazer durante onze anos,
numa altura em que os dois partidos, derrotados no terreno, se desfaziam?
Contudo, a coligação preocupava os comandos militares portugueses uma vez que os
dois partidos, com as forças remanescentes, seriam capazes de eleger um objectivo
comum e investir nele com uma força poderosa. O acordo, porém, não teve
consequências práticas, devido às fortes contradições. Criara-se o CSLA (Conselho
Superior de Libertação de Angola) com o CMU (Comando Militar Unificado) e o CPA
(Conselho Político Angolano), o que parecia uma solução acertada. Mas, quando se
atribuiu o órgão militar ao MPLA, e o órgão político à FNLA sabendo-se que o MPLA
tinha maior projecção internacional e a OUA tinha retirado o apoio ao GRAE e o
concedera ao MPLA, toda a estrutura ficava sob a hegemonia deste movimento. Mobutu
ainda tentou compensar esta discrepância não permitindo ao MPLA circular no
território do Zaire mas o acordo nunca teve qualquer consequência militar em Angola.
A fraqueza dos movimentos independentistas no Leste está patente no cada vez mais
reduzido número de acções que efectuaram no decorrer do ano de 1972 sobre as tropas
portuguesas e as populações. O número de baixas que provocavam foi-se também
reduzindo, tornando-se insignificante a partir do mês de Setembro.
A FNLA entrou em crise total e retirou o seu batalhão infiltrado, enquanto o MPLA,
após o colapso dos seus esquadrões, ia recolhendo às suas bases na Zâmbia.
A situação para os movimentos não melhorou no ano de 1973. As notícias referiam que
o MPLA se encontrava em fase de reestruturação. Politicamente tinha criado o CNMR
(Conselho Nacional do Movimento de Reajustamento) e a CPMR (Comissão Provisória
do Movimento de Reajustamento), órgãos destinados à Frente Leste, por motivo da
dissidência atribuída a Chipenda. No campo militar, pensava reorganizar os efectivos
dos seus esquadrões desbaratados em cinco colunas, cada uma delas constituída por um
comando e 5 esquadrões, apoiadas em CO (Centros Operacionais) com sede nas bases
principais da Zâmbia.
De acordo com este conceito de manobra, completamente desarticulada do falido
Acordo de Kinshasa, estas colunas teriam por missão atacar e destruir objectivos na
faixa fronteiriça e criar condições para a progressão para o interior. Enviados a Angola
alguns responsáveis dessas colunas para reuniram os efectivos e dar as directivas
necessárias, acabaram por voltar à Zâmbia para locais inacessíveis ou passaram a viver
em regime de nomadização.
Com a mudança do Comando da ZML, em meados de 1973, a actividade operacional
não abrandou e continuou a dificultar a vida aos grupos que, por vezes, penetravam em
Angola para acções curtas e muito violentas próximo da fronteira. Em Novembro de
1973 ainda montaram uma emboscada no itinerário Luvuei-Lutembo, causando 5
mortos e 32 feridos militares, dos quais 15 graves, mas eram já, não obstante o seu
elevado potencial de fogo, acções ocasionais de fronteira, mas muito traiçoeiras, porque
surpreendiam as tropas portuguesas confiantes e descontraídas. A UNITA, procurando
tirar partido da quase ausência do MPLA e da.FNLA e prevendo que a sua situação teria
de ser esclarecida, tentou sem êxito, em Outubro de 1973, ser reconhecida oficialmente
pela ONU, no decurso da 22a sessão do Comité de Libertação, em Mogadíscio.
DEPOIMENTOS
Várias personalidades conhecedoras da situação militar na Zona Leste, nos anos 1973 e
1974 pronunciaram-se de uma forma bem elucidativa sobre a vitória militar.
"...Quando em princípio de 1971 chegámos ao Luso, o MPLA teve o desplante de fazer
passar um grupo guerrilheiro pelos arredores da cidade, como que a avisar que, a partir
das últimas casas, só nos podíamos mover com forte escolta. Por seu lado, na mesma
altura a UNITA executava uma sabotagem sobre o CFB, também marcando território.
Menos de dois anos depois, em Outubro de 1972, até os civis iam do Luso a Gago
Coutinho (mais de 300 km) sem recorrer às escoltas militares, faziam-se "piqueniques"
nas margens do Luena e o caminho de ferro funcionava regularmente e com segurança.
Elementos da própria administração de CFB vieram de comboio ao Luso e regressaram
nele quando da inauguração da nova estação..."Nuno Ramires de Oliveira, general;
Notas Sobre a Zona Militar Leste).
"...A norte, após a acção do Siroco-1972, apenas ficaram dois guerrilheiros, na área do
rio Luena. Chamávamos-lhes "os japoneses" por analogia com os combatentes que
ficaram nas ilhas do Pacífico depois do fim da guerra" (Marques, Oliveira, coronel
comando; Destroçar o MPLA, A Guerra de África (1961-74), Coord José Freire
Antunes).
"...No 1° semestre de 1973 e na ZML, não parecia de prever que o In (FNLA e MPLA)
estivesse em condições de fazer mais do que: reforçar e reocupar rotas e áreas
necessárias para voltar a montar um dispositivo que lhe criasse condições para expansão
e implantar engenhos explosivos e atacar aquartelamentos nas proximidades da
fronteira" (Rodrigues, José Manuel Bettencourt, general; conferência no IAEM, em
Julho de 1973).
"...Quando chegámos ao ano de 1973, princípio de 1974, a UNITA estava
absolutamente sozinha no terreno face ao exército Português. Não havia quase ninguém
do MPLA no interior..." (Savimbi, Jonas Malheiro, depoimento em "Guerra de África
(1961-74) José Freire Antunes).
"...Agora que a FNLA e o MPLA estão repelidos desde a região do Luso e Cuvelai até à
fronteira, em especial nas regiões fronteiriças a Teixeira de Sousa e Mussuma, ficaram
como problemas maiores de toda a ZML o problema da UNITA e o da concentração da
população na região do Luso." (Hipólito, Abel Barroso, general; Actas da Sessão de 30
de Abril de 1974, do Conselho CECS).
"...No princípio de 1974, uma boa parte da nossa actividade militar era constituída por
nomadizações pois as acções da iniciativa da guerrilha tinham praticamente sido
suspensas. (...) No mês de Abril de 1974, em todo o Sector Sudeste (Cuando-Cubango)
não houve qualquer contacto entre as nossas forças e os grupos de guerrilheiros quer da
UNITA quer do MPLA, isto apesar da manutenção do nosso esforço operacional em
elevado ritmo" (Felgas, Hélio, brigadeiro, Jornal do Exército, N°406, Out. 1993).
Temos reflectido sobre a razão de uma vitória militar tão contundente e auscultado a
opinião de militares conhecedores do trabalho militar desenvolvido na ZML. Para uns
foi a valia do chefe e da equipa de Estado Maior de que se soube rodear; para outros,
foram os meios atribuídos e há ainda quem afirme que o terreno era propício a uma
vitória a prazo. Mas ao longo de 13 anos de guerra houve generais com equipas
brilhantes que dispuseram de meios poderosos por tempo prolongado e não alcançaram
vitórias tão claras e definitivas.
Todos os factores que apontámos como sendo os alicerces da vitória e a actividade
operacional contribuíram para o desfecho final mas julgamos que a verdadeira causa
assentará na visão perfeita que o general-comandante tinha da natureza da guerra
subversiva na sua ZML. E na forma sistemática e integrada como aplicou a doutrina da
contra-subversão, em ordem a potenciar todos os meios que lhe foram atribuídos sobre
o inimigo concreto que se lhe opunha. Curiosamente, foi um chefe inimigo que teve a
percepção mais exacta da forma como o MPLA foi posto em dificuldades (Ver Epílogo
com excerto do discurso de Daniel Chipenda). Quanto a nós, a causa última da vitória
reside na simples expressão "unidade de comando", tão enaltecida como princípio da
guerra mas raramente aplicada da forma profunda como a fizeram o general Costa
Gomes e, sobretudo, o general Bettencourt Rodrigues, no Leste.
RESULTADOS
Os números referentes às armas apreendidas no Leste e no Norte permitem fazer uma
análise comparativa, sendo elucidativos do esforço operacional e do êxito conseguido
no Leste.
De 1968 a 1973, as tropas portuguesas capturaram no Leste, respectivamente 101, 176,
417, 520, 1031 e 769 armas de todos os tipos, enquanto no Norte os valores
correspondentes foram 49, 87, 113, 153, 219 e 280. O armamento capturado foi dos
seguintes tipos: pistolas Tokarev, Ceska e Walter; carabinas e espingardas de repetição
Mosin Nagant, pistolas metralhadoras M-25, M-23 e PPSH, de 9mm; espingardas semiautomáticas Simonov e M-52; espingarda automática Kalashnikov (AK) 7,62;
metralhadoras ligeiras 7,62, M52 e M52/57, Deghtyarev e ZB 37; metralhadoras
pesadas 12,7 Deghtyarev e 7,92, ZB-37 e Guryanov (SG), 7,62; morteiro 82; lança
granadas foguete P27 (Pancerova); minas anti-carro TM/46; granadas de mão R6-42,
tipo F-l e granadas de mão ofensivas RG4.
O esforço operacional português conduziu os movimentos independentistas a uma
fraqueza total bem patente no escassíssimo número de acções com expressão militar que
levaram a efeito em Angola em Fevereiro de 1974: Se considerarmos estes valores
constatamos que, em Angola, numa área total de 1.246.700 Km2 e uma população de
cerca de 5.600.000 combatendo três movimentos armados que chegaram a dispor de
vários milhares de armas, no interior, com uma fronteira terrestre com países apoiantes
da guerrilha de 3.500 Km, uma fronteira marítima de l.706 Km, actuando em duas
frentes distintas, em Fevereiro de 1974, eles não atingiam sequer a média de uma acção
por dia. E, quanto ao Leste, os números são mais reveladores porquanto para uma área
de 700.000 Km2 a média é ainda inferior. O número de baixas, no Leste, foi diminuindo
de 1970 a 1973 não se dispondo de números credíveis para 1974, ano em que as
condições da guerra se alteraram em virtude da Revolução de 25 Abril.
A CARTA DA CONTAMINAÇÃO PSICOLÓGICA DAS POPULAÇÕES
A carta da contaminação psicológica, referente ao ano de 1973, dá conta que as
populações do Leste, de algum modo influenciadas pelos movimentos independentistas,
eram já em número muito reduzido. Mostra ainda, com grande evidência, a rarefacção
populacional do Leste, fruto da fraca densidade demográfica já referida, da política dos
aldeamentos e, ainda, da fuga de muitas pessoas para a Zâmbia e para o Zaire para se
furtarem aos imprevistos da guerra. As manchas populacionais com apreciáveis indícios
de contaminação colectiva ou fortemente contaminadas situavam-se na área de
influência da UNITA, em pequenos núcleos dispersos na imensidão da região e ainda
nos eixos em que a presença ou a passagem dos grupos do MPLA ou da FNLA durante
vários anos as influenciara fortemente. Tendo em atenção a expulsão dos grupos de
guerrilha dos dois movimentos para o exterior e a forte aceitação da política social que
estava em curso no Leste, as autoridades estavam a anular rápida e facilmente essa
influência. A Carta é ainda testemunho de que também as autoridades portuguesas
estavam a ganhar a adesão das populações, condição para tornar estável a situação
militar vitoriosa alcançada pelas armas.