Apostila De Arte Cênica
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Apostila De Arte Cênica
ARTE CÊNICA - 3[Digite texto] Página 1 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ Índice 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. MODERNAS COMPANHIAS TEATRAIS O TEATRO BRASILEIRO DE COMÉDIA O TEATRO DE DISCUSSÃO SOCIAL TEATRO DE ARENA TEATRO DE OFICINA TEATRO DE OPINIÃO A DRAMATURGIA BRASILEIRA MODERNA O TEATRO DE REVISTA BREVE HISTÓRICO DO TEATRO BRASILEIRO A VIDA DE NELSON RODRIGUES – VESTIDO DE NOIVA O TEATRO DA CRUELDADE O TEATRO POBRE TEATRO SIMBOLISTA EXPRESSIONISMO NO TEATRO O TEATRO FUTURISTA DADAÍSMO NO TEATRO ARTE CÊNICA - 3º ANO 03 03 04 04 04 05 07 11 13 13 19 23 36 38 40 42 Página 2 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ MODERNAS COMPANHIAS TEATRAIS Introdução Nas décadas de 30 e 40, o Brasil foi tomado pelo gênero humorístico. As companhias teatrais se concentravam em torno de um ator carismático que tinha domínio de palco, uma comunicação direta com o público e conhecimento da arte do improviso. Nestas companhias destacam-se Procópio Ferreira, Jaime Costa, Dulcina de Morais, dentre outros. Nos anos 40, uma vontade geral de transformar esse modo de fazer teatro se propaga por grupos amadores, formados por universitários, intelectuais e profissionais liberais. Décio de Almeida Prado funda o Grupo Universitário de Teatro. Alfredo Mesquita dirige o Grupo de Teatro Experimental e funda a primeira escola de atores do Brasil, a EAD - Escola de Arte Dramática, em São Paulo. Os amadores começam a reconhecer que a arte teatral carecia de técnica e textos encenados e impulsionam o projeto das escolas especializadas em teatro. A partir deste período grandes companhias como o Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, o Arena, o Oficina, o Opinião e o Asdrúbal Trouxe o Trombone vão surgir e se destacar no cenário dramatúrgico brasileiro. O Teatro Brasileiro de Comédia A década de 40 marcou-se pela criação em São Paulo, do Teatro Brasileiro de Comédia- o TBC -, idealizado pelo industrial italiano Franco Zampari. Sua estreia se deu em 1948. É o chamado surto do teatro paulista, que passa a dominar o panorama nacional. A cidade na altura de 1950, já ultrapassara a casa dos 2 milhões de habitantes, galgando os degraus do cosmopolismo. ARTE CÊNICA - 3º ANO Zampari desejava que a cosmopolita São Paulo tivesse espetáculos da mesma dimensão que outras metrópoles estrangeiras, como Paris, Londres ou Nova York. A instalação do TBC foi, nesse sentido, um acontecimento. Formado inicialmente por amadores, o grupo logo se profissionalizou, sendo dirigido por encenadores estrangeiros especialmente contratados como: Adolfo Celi, Ruggero Jacobi, Luciano Salce, entre outros. A “fórmula” de sucesso do TBC foi extremamente simples: reunir o maior número possível de talentos, manter um elenco estável e uma atividade cênica constante. Apesar do nome, este grupo não representava apenas comédias; seu repertório era bastante variado. Enquanto isso, o Brasil vivia sob a vertigem inflacionária do segundo governo Vargas (1951-1954), período instável e de grandes pressões da classe dominante descontente com a política nacionalista e populista de Getúlio. O seu suicídio, em 1954, provocou grandes manifestações, que contrabalançaram a tentativa de golpe militar. Neste mesmo ano de 1954, também o TBC viveria uma crise financeira – de resto como toda a sociedade brasileira -, em face dos altos salários pagos a um elenco fixo de trinta atores, além de gastos com direção e encenação estrangeiras. Nesta fase, tenta adaptar-se aos novos tempos encenando vários autores brasileiros, como, por exemplo, o principiante Dias Gomes. Sem conseguir, entretanto, administrar a crise financeira, Franco Zampari decide fechar o TBC. A classe teatral, bastante prejudicada com a decisão recorre ao Estado, que encampa a companhia em caráter de intervenção. Dos quadros do TBC formaram-se outros, como as companhias Tônia-CeliPágina 3 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ Autran (Tônia Carrero, Adolfo Celi e Paulo Autran), Nydia Lícia-Sergio Cardoso, o Teatro Cacilda Becker o Teatro dos Sete. Teatro de discussão social Ao pensarmos no Brasil na virada da década de 50/60, nossa memória recolhe lembranças de um tempo de euforia. Trata-se de um clima de entusiasmo, de um “presidente bossanova” – Juscelino Kubistschek – muito risonho, prometendo realizar “50 anos em 5”. Um governo agitado e fértil, em que apareceram as vanguardas artísticas, tais como o concretismo na literatura, a bossa nova na música e o cinema novo nas artes audiovisuais. O plano de metas do governo JK, através do qual o país dobrou a produção industrial, construiu mais de 20 mil quilômetros de estradas de rodagem e construiu Brasília, mas também multiplicou os problemas do país. E, 1960, boa parte das exportações brasileiras destinava-se a pagar as nossas dividas externas, faltando, assim, condições de financiamento para as importações – matérias primas, petróleo e bens de capital -, necessárias para dar continuidade ao crescimento industrial iniciado com entusiasmo e confiança por Juscelino. o objetivo de encontrar um novo jeito brasileiro de representar, nacionalizar o teatro, fazer montagens com produções de baixo custo e utilizar uma temática política. Manteve o chamado “laboratório de interpretação” cujos Seminários de dramaturgia propiciaram o aparecimento de autores como Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Roberto Freire e dentre outros. Seu repertório dava ênfase especial aos temas sociais, depois da fase dedicada à nacionalização dos clássicos. Após a encenação de “Eles não usam Black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, em 1958, que permaneceu 12 meses em cartaz, numa sala de 150 lugares, o Teatro de Arena passou a oferecer uma variedade de peças com assuntos brasileiros em encenações que previam uma ‘leitura livre’. Assim, por exemplo, “Arena conta Zumbi”, “Arena conta Tiradentes”, “Castro Alves pede passagem”, que traziam à tona temas do passado com interpretações modernas. Foi criação do Arena o chamado “Sistema Curinga” de interpretação, que facultava a qualquer ator a representação de qualquer personagem, isto é, um sistema de rodízio em que se fazia prevalecer a objetividade da personagem e não o subjetividade do ator. A linha nacionalista Teatro de Arena criou escola, levando o teatro paulista a redescobrir autores consagrados, mas pouco encenados e a lançar novos nomes. O Teatro de Arena Teatro Oficina Ao lado das vanguardas surgidas na literatura, na música e no cinema, o teatro também enveredou pela trilha da renovação da arte de representar. O surgimento de novos grupos como o Arena e o Oficina atestam uma “virada” no teatro brasileiro, refletindo, de certa forma, os novos tempos de euforia desenvolvimentista do governo JK. O Teatro de Arena formou-se em 1953 como um grupo experimental, com ARTE CÊNICA - 3º ANO Vários grupos teatrais prosseguiram nas trilhas abertas pelo Teatro de Arena. A partir da década de 50 e 60, grupos estudantis formavam com grande facilidade núcleos teatrais, que com a mesma facilidade se dispersavam. Entretanto, no final da década de 50, várias propostas estudantis se uniram para formar um dos mais importantes grupos de teatro do Página 4 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ país: o Teatro Oficina. Formado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Seu grande representante é José Celso Martinez Corrêa. Tinha a intenção de fazer um novo teatro, distante tanto do aburguesamento do Teatro Brasileiro de Comédia - TBC quanto do nacionalismo do Teatro de Arena. Inspirado pelas ideias existencialistas de Sartre e Camus, monta, a partir de 1959, diversas peças em regime amador. Integrantes do Oficina defendiam a tese de que qualquer texto estrangeiro poderia ser encenado, desde que suas temáticas coincidissem com a ideologia do grupo. Este grupo foi bastante ativo na década de 60, mas teve que interromper suas atividades na década de 70 por causa da ditadura militar. O grupo Teatro Oficina retomou suas atividades em na década de 80 e continua produzindo. Teatro Opinião Liberdade, liberdade, Abre as asas sobre nós, Das lutas, na tempestade, Dá que ouçamos tua voz... “Sou apenas um homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Quem é capaz de dedicar toda a vida à humanidade e à paixão existentes nestes metros de tablado, esse é um homem de teatro. Nós achamos que é preciso cantar.” As portas começaram a se fechar para o teatro brasileiro em 1964, anomarco de um longo período dominado pela censura, pela repressão e pelas perseguições políticas de toda ordem. Fecha-se o Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE), que buscava um teatro popular (sobre e para o povo). Dissolveram-se os partidos políticos com o Ato Inconstitucional n° 2 (AI-2). Fechase em 1968, o Congresso Nacional, com ARTE CÊNICA - 3º ANO o Ato Inconstitucional n° 5 (AI-5). Cerramse as portas e as cortinas. Instala-se um grande silêncio no meio artístico. Grande parte das peças não é liberada pela censura ou então, ficam sem sentido, tamanhos os cortes que sofrem. O Ato Inconstitucional n° 5 transformou o panorama cultural brasileiro, levando o teatro, a música, a literatura à linguagem metafórica e à alegoria. A televisão, por outro lado, veicula uma cultura “oficial”, refletindo a imagem do Brasil Grande feliz e patriótico, muito conveniente à ditadura. A resistência a esse estado de coisas não intimidou, porém, alguns autores teatrais, que persistiram em seu trabalho de denúncia de situações sociais injustas. Esse foi o caso do Grupo Opinião, nascido em dezembro de 1964, no Rio de Janeiro, cuja primeira realização foi co-produzida com o Teatro de Arena de São Paulo. Esse grupo centraliza, na década de 60, o teatro de protesto e de resistência, núcleo de estudos e difusão da dramaturgia nacional e popular. Seus sócios fundadores foram Ferreira Gullar, Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e João das Neves, Tereza Aragão e Armando Costa. Os espetáculos do Grupo Opinião funcionavam mais como shows musicais e, por isso, eram muito atraentes. Uma das mais marcantes realizações do Opinião foi a encenação de “Liberdade, liberdade” de Millôr Fernandes e Flavio Rangel, que estreou numa data significativa: 21 de abril de 1965. O elenco era formado por Paulo Autran, Tereza Rachel, Oduvaldo Vianna Filho e Nara Leão. Desde sua fundação, o Opinião privilegiou a arte popular e abriu espaço para shows com compositores das escolas de samba cariocas, influindo não apenas na mudança de gosto do público como, facilitando a disseminação da cultura periférica nos grandes centros de divulgação cultural. Assembléias, Página 5 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ reuniões e demais manifestações de protesto da categoria teatral faziam do Opinião seu epicentro, nos primeiros anos após o golpe militar. O ano de 1968 – ano de contestações sociais, políticas e culturais em várias partes o mundo – assistiu no Brasil à eclosão de um amplo movimento social de protesto e de oposição à ditadura militar, com destaque para o movimento estudantil e para a retomada do movimento operário, com greves que pipocaram em todo o país. Com o AI-5, seguido do Decreto 477 de repressão aos estudantes, a ditadura militar completava o fechamento político, em meio a um rastro de violências e prisões, torturas e mortes. O teatro foi uma trincheira de resistência ao regime militar. Vamos ressaltar com Olga Reverbel que: Os homens dos teatros de Arena, Oficina e Opinião, atentos a luta política travada dentro e fora do palco, mantiveram-se voltados para a pesquisa e experiência estética teatral. O golpe militar surpreendeu o Arena encenando “Tartufo” de Molière, que sem sofrer alteração, era muito bem recebido, por uma platéia capaz de perceber a crítica à situação em que se vivia. Boal dirigia “Opinião” no Rio, enquanto o grupo paulista , tendo à frente Guarnieri, cria “Arena conta Zumbi” um espetáculo estruturado sobre uma base dramática mais densa, transformando em personagens os negros dos quilombos. Com a repressão acentuada e a censura profundamente castradora, no início dos anos 70, desapareceram o Oficina, o Arena e o Opinião. O Teatro Oficina retomou as atividades na década de 1980 e continua encenando espetáculos sob o comando de José Celso Martinez Corrêa. ARTE CÊNICA - 3º ANO Imagens dos grupos: O Teatro Brasileiro de Comédia O Teatro de Arena Grupo Oficina Página 6 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ A DRAMATURGIA BRASILEIRA MODERNA Sábato Magaldi Show Opinião Fonte Bibliográfica: CAMPEDELLI, Samira Y., Teatro Brasileiro no século XX. MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p.62. Sites consultados: Enciclopédia Itaú Cultural - Teatro. O Teatro Brasileiro de Comédia. Disponível em <http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/ enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=cias_biografia&cd_v erbete=656> acesso em 12/04/10, às 16h31 minutos. Wikipédia, a Enciclopédia Livre. Teatro de Arena. Disponível em <http://pt.wikipedia. org/wiki/Teatro_de_Arena> acesso em 12/04/10, às 16h55 minutos. Enciclopédia Itaú Cultural - Teatro. O Teatro Oficina. Disponível em <http://www. itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ teatro/index.cfm?fuseaction=cias_biografia&cd_verbete=658> acesso em 12/04/10, às 17h15 minuto. Enciclopédia Itaú Cultural - Teatro. Grupo Opinião. Disponível em <http://www. itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_teatro/index.cfm ?fuseaction=cias_biografia&cd_verbete=638> acesso em 12/04/10, às 17h33 minutos. Enciclopédia Itaú Cultural - Teatro. Asdrúbal Trouxe o Trombone. Disponível em <http: //www.itaucultural.org.br/aplicexternas/ enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=cias_biografia&cd_v erbete=486> acesso em 12/04/10, às 17h48 minutos. Sabemos que na literatura, nas artes plásticas, na música, na arquitetura, a Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, em 1922, foi o marco divisório com o passado. O teatro, entretanto, esteve ausente desta Semana, e sua entrada na modernidade só veio a ocorrer muito mais tarde. A propósito, quando da morte de Nelson Rodrigues, em dezembro de 1980, Tristão de Athayde publicou um necrológio, no Jornal do Brasil de 06 de fevereiro de 1981, de compreensão fundamental a respeito do dramaturgo e do problema. Escreveu o grande crítico: A estreia de Vestido de Noiva (28 de dezembro de 1943) foi para mim a complementação teatral retardada, mas genial, da revolução modernista. Curiosa essa entrada tardia da cena no elenco modernista de poemas, romances e críticas. Chegou em último lugar, quando já o tumulto modernista passara por duas fases e estava em vésperas da terceira. Mas chegou para ficar. E ficar de modo ainda mais criativo e permanente que a seara poética ou romanesca de 1922. Pois, com Nelson Rodrigues, o teatro se transformou, junto à música popular, no gênero mais representativo das letras do nosso século XX. Esse pernambucano de origem, carioca de adoção, entrava de peito na ribalta, para transformá-la radicalmente pelo sopro de uma personalidade absolutamente singular, que refugou todo o elitismo verbal e psicológico modernista, para entrar em cheio na massa das paixões mais populares. Daí a sua popularidade única e natural, que fez descer o modernismo às ruas e à lama das ruas. Com um atraso de 21 anos, assim, a obra de Nelson, segundo Tristão de Athayde, se tornou a verdadeira culminação do movimento modernista. Entendido como espetáculo, o teatro teve ARTE CÊNICA - 3º ANO Página 7 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ como marco moderno, sem a menor dúvida, a estreia de “Vestido de Noiva”. Mas não cabe esquecer que, na década de 1930, Oswald de Andrade, uma das figuras exponenciais do modernismo, já havia publicado em livro suas três peças escritas em português (Mon coeur balance e Leur ame, concebidas em francês, de parceria com Guilherme de Almeida, foram editadas em 1916): “O Rei da Vela”, começada em 1933, chegou às livrarias em 1937, junto com “A Morta”; e “O Homem e o Cavalo”, em 1934, em tiragem particular. Por que a dramaturgia de Oswald permaneceu na estante, sem conhecer de imediato o palco? Provavelmente pelo fato da peça “O homem e o Cavalo” ser de montagem muito difícil, ainda hoje. Exige numeroso elenco, e faz um julgamento da civilização ocidental e cristã à luz do socialismo. Os reacionários se apressam a afirmar: com a queda do muro de Berlim e a implosão da União Soviética, a realidade desmentiu Oswald. Se pensarmos, porém, em outros termos, considerando que Oswald tinha uma visão utópica do socialismo, que importa no desejo de igualdade social e de uma justiça mais ampla, o texto guarda evidente atualidade. Quando o Oficina lançou “O Rei da Vela” em 1967, Procópio Ferreira escreveu que embora a peça lhe tivesse sido oferecida, em 1934 ou 1935, como poderia tê-la apresentado, se a censura proibia, na ocasião, que se pronunciasse no palco a palavra “amante”? “O Rei da Vela” vincula-se a “Ubu Rei”, obra de vanguarda de Alfred Jarry, lançada com escândalo em Paris, em 1896 - uma paródia de “Macbeth” e “Lady Macbeth”. Os protagonistas de Oswald são, Abelardo e Heloisa, não o casal romântico tradicional, mas a paródia dele – seu casamento é um negócio. Entre outras características. “O Rei da Vela” promove a completa dessacralização do matrimônio cristão. De outro ponto de ARTE CÊNICA - 3º ANO vista, a peça mostra a aliança de um burguês em ascensão, um capitalista em preparo (no fundo, um arrivista, cujos ganhos provinham da agiotagem), com uma aristocrata decadente. Um querendo ostentar os brasões da tradicional família paulista, e a outra, o dinheiro que havia perdido com a crise de 1929, agravada pela derrota da Revolução Constitucionalista de 1932. Oswald fazia questão de proclamar: “A burguesia só produziu um teatro de classe. A apresentação da classe. Hoje evoluímos, chegamos à espinafração.” No dia 10 de novembro de 1937, no mesmo ano da publicação de “O Rei da Vela”, Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo, ditadura que se estendeu até 1945. Com uma censura rigidíssima, como se poderia encenar “O Rei da Vela”? O destino de Oswald seria chegar ao palco somente três décadas depois de publicado. Nelson, além do gênio teatral, teve a sorte histórica de produzir seu teatro no momento em que ele pôde ser encenado, não obstante sete peças de sua autoria fossem interditadas. As dificuldades não impediram que ele se tornasse, com razão, o marco inicial da dramaturgia brasileira moderna. Depois de explorar a psicologia do subconsciente, enveredou para os mitos, os arquétipos, realizando uma síntese destas tendências na última e mais numerosa fase de sua obra, a das tragédias cariocas. O desnudamento do mundo interior e a flexibilidade cênica da linguagem foram as conquistas de Nelson que ajudaram a abrir caminho para os dramaturgos posteriores. A partir da estreia de “Vestido de Noiva”, a evolução da dramaturgia brasileira timbrou sempre em incorporar um novo elemento, antes inexplorado. Ainda no final da década de 1940, no Rio de Janeiro, começou a surgir Silveira Sampaio, com uma comédia típica da zona Sul carioca. Sua trilogia do herói grotesco foi muito bem Página 8 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ recebida e muitos acreditaram que ele desbancara Nelson Rodrigues. O esquecimento mantém fora de cartaz Jorge Andrade (o maior dramaturgo paulista), desde seu falecimento, em 1984. Jorge lançou “A Moratória” em 1955, no Teatro Maria Della Costa, tendo Fernanda Montenegro como protagonista. A peça começava a traçar um painel da civilização do café, da mesma forma que José Lins do Rego compôs o ciclo da cana-de-açúcar e Jorge Amado, o do cacau. Trata-se de texto autobiográfico, na medida em que o protagonista é uma recriação do avô do dramaturgo, às voltas com a crise do café, em 1929. Jorge aproveitou a flexibilidade dos planos da realidade, da memória e da alucinação, já desenvolvidos por Nelson Rodrigues em Vestido de Noiva, jogando de forma habilíssima com os planos do presente (1932) e passado (1929), afastado tanto da cronologia linear como do simples flashback. a ponto de uma cena do passado parecer, muitas vezes, um acréscimo na dinâmica do presente. O presente estaria a preparar algo que ocorreu no passado. Outro autor que inovou o teatro brasileiro foi Ariano Suassuna. Com o “Auto da Compadecida”, trazido do Recife ao Rio, em 1956, por um elenco pernambucano de amadores, retomou-se a tradição do milagre medieval, representada em Portugal por Gil Vicente e, no Brasil, por Anchieta, associando-a ao populário nordestino, que se aproxima do improviso da Commedia dell’Arte. A peça tornou-se o maior êxito do nosso repertório, naqueles anos, sendo representada na Alemanha e na Espanha, e publicada na França. Na mesma linha, Suassuna realizou outra obra-prima dramatúrgica, A Pena e a Lei, de inspiração profundamente cristã e com aproveitamento do mamulengo. Entre outros textos, Suassuna escreveu ainda O Santo e a Porca, abrindo as atividades do Teatro Cacilda Becker, no ARTE CÊNICA - 3º ANO Rio. Na década de 1950. Sob a perspectiva da avareza como pecado, a peça atualiza a “Comédia da Panela”, de Plauto, e “O Avarento”, de Molière. Nova contribuição importante ao teatro, sob o prisma temático e não da pesquisa formal, aconteceu em 1958, no Teatro de Arena de São Paulo, com a estreia de “Eles não usam Black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri. Essa peça dramatiza o problema da luta de classes, da greve nos grandes centros urbanos, dando ênfase à questão social. Abílio Pereira de Almeida foi autor de muito sucesso no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), na década de 1950. Seu apreço era tanto que o empresário Franco Zampari lhe pagava um alto salário mensal para que ele abastecesse regularmente o cartaz. Abílio significou um fenômeno isolado no TBC. Dificilmente outros autores brasileiros eram ali admitidos. Segundo Cacílda Becker o TBC havia alcançado elevado padrão de montagem e desempenho, não acompanhado pela nossa dramaturgia. O TBC aos poucos, se tornou cada vez mais comercial. A guinada se deu quando Flávio Rangel assumiu a direção da casa de espetáculos e encenou, em 1960, O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, assimilando a linha implantada pelo Arena. O Pagador de Promessas acrescenta à nossa temática o sincretismo religioso que se manifesta de forma especial na Bahia. Zé-do-Burro faz promessa a Iansã de carregar uma cruz no percurso de sete léguas, para depositá-la no interior da Igreja de Santa Bárbara, em Salvador. Impedido pelo formalismo religioso do padre, Zé-doBurro insiste no propósito, até que uma bala o liquida e, ironicamente, ele é carregado morto para dentro da igreja, em cima da cruz. Dias Gomes, que já havia escrito um texto sobre greve, na década de 1940, tem sua importância histórica fundamental, por ser o autor da primeira peça a fazer um balanço da Página 9 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ política brasileira, de 1964 a 1979, com inteira liberdade, não recorrendo a metáforas e a alusões para iludir a censura. O mérito indiscutível do Teatro de Arena e de seu Seminário de Dramaturgia foi o de lutar para que o Brasil inteiro se revelasse no palco. A partir do êxito de Eles não usam Black-tie, achava-se que nossos autores deveriam se voltar para a realidade nacional, em seus múltiplos aspectos. Por isso sucederam-se em cartaz obras que foram desnudando parcelas especificas da realidade. “Revolução na América do Sul”, de Augusto Boal, lançada em 1960, tornouse outro marco de nossa dramaturgia. Anárquica e anarquista, a peça foge do realismo de Black-tie, para ingressar numa espécie de hipérbole aristofanesca, em que o operário José da Silva não sabe o que é sobremesa e tem um novo filho, com a mesma mulher, a cada três meses. Afirmava-se a pujança da dramaturgia brasileira, até que o golpe militar de 1º de abril de 1964 implantou uma censura rígida. A solução dos autores foi o recurso à metáfora, acarretando o que Gianfrancesco Guarnieri chamou mais tarde de “teatro de ocasião”. Ele e Boal, em 1965, apresentaram “Arena Conta Zumbi”, enaltecendo a figura do herói negro que reivindica a liberdade para a sua raça. Alusões a realidade brasileira daqueles dias podem ser pinçadas nos diálogos. A mesma dupla escreveu, depois, “Arena Conta Tiradentes”. Insurgindo-se contra a repressão, praticamente toda a nossa dramaturgia privilegiou o político, o social. Ao lado do humorismo e da música popular, o teatro encarnou, naqueles anos, a luta mais consciente contra a ditadura. Não se fez ainda um inventário completo dos textos proibidos pela censura durante o regime militar, e que uns estimam de quatrocentos a quinhentos, e outros elevam até mil. No governo Médici, peças anteriormente ARTE CÊNICA - 3º ANO liberadas retomaram à censura, sofrendo interdição. Guarnieri continuou fiel a seus princípios, produzindo “Botequim” e “Um grito parado no ar”, prejudicados porque o autor se sentia mais à vontade na esfera do realismo. Mas “Ponto de Partida”, de 1976, recorrendo à metáfora, dramatizou com êxito, numa vaga Idade Média, o assassínio do jornalista Wladimir Herzog. Se a ditadura provocou muitos malefícios, não impediu que “Papa Highirte” e “Rasga Coração”, premiadas e depois proibidas, alcançassem grande repercussão, com a abertura política. Pena que o autor, Oduvaldo Viana filho, falecido em 1974, não tivesse assistido a este triunfo. A repressão da ditadura provocou, em contrapartida, o surgimento de uma dramaturgia explosiva, feita de violência. Seu arauto foi Plínio Marcos, ao estrear, numa sala improvisada de São Paulo, “Dois Perdidos numa Noite Suja”, em 1966. Pensou-se, a princípio, que o texto se aparentava a “História do Zoológico”, de Albee. Mas era evidente que o autor, como havia declarado, dramatizara o conto “O terror de Roma”, de Alberto Moravia. Plínio levou ao paroxismo a agressividade de dois marginais, enriquecendo a galeria das nossas personagens com representantes do lumpesinato. “Navalha na Carne”, estreia seguinte, reunia em cena uma prostituta, o cafetão que a explorava e o empregado homossexual do bordel, num diálogo de intensa dramaticidade. “Abajur Lilás” valeu-se de esquema semelhante para simbolizar a reação do país em face da ditadura militar. Se o início da década de 1970 se pautou pela rígida censura do governo Médici, o monólogo “Apareceu a Margarida”, de Roberto Athayde (1973), soube se valer da metáfora para encarnar numa professora autoritária a dureza do regime. Recurso técnico engenhoso fez da platéia a classe de Página 10 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ alunos, às voltas com o arbítrio da mestra. Transpondo para o morro carioca a tragédia “Medeia”, de Eurípides, Chico Buarque e Paulo Pontes preservaram em “Gota d’água” (1976) a humanidade do original, dentro de um quadro social muito palpável: o do sistema financeiro de habitação que, adotando a correção monetária superior aos reajustes salariais, tornou a compra da casa própria um pesadelo. A abertura política sobrevinda, em 1978, ao término ela vigência de dez anos do Ato lnstitucional nº 5, não foi propícia ao teatro, como se esperava. Poucos textos de inspiração política interessaram ao público e a censura econômica substituiu a anterior, não favorecendo o surgimento de uma grande dramaturgia. Maria Adelaide Amaral, revelada com “Bodas de Papel” (1978) e “A Resistência” (1979), realizou em “De Braços Abertos” (1984) seu melhor texto. Um casal de amantes dialoga, numa mesa de bar, anos depois de rompido o relacionamento, e a sutileza da análise psicológica tem como pano de fundo toda a amargura do longo tempo do arbítrio político. Inúmeros dramaturgos, além dos citados acima, ajudaram a construir a história do nosso teatro. Marcaram o seu nome na dramaturgia brasileira. E ajudaram a colocar a nossa dramaturgia no centro dos palcos internacionais. Fonte Bibliográfica: NUÑEZ, Carlinda Fragale Pate. O Teatro Através da História: O Teatro Brasileiro. Introdução: Tânia Brandão. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, Entourage Produções Artísticas, 1994. 2 v. ARTE CÊNICA - 3º ANO O TEATRO DE REVISTA O Teatro de Revista tem suas raízes nos vaudevilles parisienses, "o termo passou a ser sinônimo de representação cênica autônoma quando, no século XVIII, atores profissionais o empregaram para romper com o monopólio mantido pelo teatro do Estado, a oficializada Comédie Française. Proibidos de encenar o drama sério, eles se viram forçados a representar suas peças no circuito popular." O teatro de revista tornou-se um gênero popular no Brasil a partir do final do século XIX. Entre os principais escritores de revista estava Arthur Azevedo. Em uma de suas revistas, intitulada A Fantasia (1896), ele apresenta a seguinte definição para o gênero: “Pimenta sim, muita pimenta E quatro, ou cinco, ou seis lundus, Chalaças velhas, bolorentas, Pernas à mostra e seios nus....” O caráter bufo e satírico do teatro de revista remonta à Grécia Clássica, onde o humor era parte integrante dos espetáculos dionisíacos, da poesia e da filosofia. A partir do século XV e, sobretudo, com o Iluminismo, as transformações institucionais e intelectuais controladas pela Igreja Católica instauraram uma “nova ordem” nos diversos âmbitos da sociedade, o teatro bufo e as manifestações culturais das classes populares passaram a ser desconsideradas e censuradas. Sem perder seu espaço junto ao público, a encenação burlesca permaneceu em diversas manifestações sociais: no carnaval, nas festas rurais, pastoris, jogos e rituais religiosos. A sátira e a crítica humorada sempre representaram um espaço marginal, no qual as classes populares questionam o domínio político e cultural das elites dominantes. Página 11 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ Pode-se caracterizar o teatro de revista como um veículo de difusão de modos e costumes, como um retrato sociológico, ou como um estimulador de riso e alegria através de falas irônicas e de duplo sentido, canções “apimentadas” e hinos picarescos. A questão visual era uma grande preocupação em peças deste gênero, pois fazia-se necessário manter o “clima” alegre, descontraído, ao mesmo tempo em que se revelava, em última instância, a hipocrisia da sociedade. Para isso, os cenários criados eram fantasiados e multicoloridos, a fim de apresentar uma realidade superdimensionada. O corpo, neste contexto, era muito valorizado, fosse pelo uso de roupas exóticas, pelo desnudamento opulento ou pelas danças. Josephine Baker Josephine Baker ARTE CÊNICA - 3º ANO O acompanhamento musical também era uma de suas características marcantes. Seus autores acreditavam que comentar a realidade cotidiana com a ajuda da música tornava mais agradável e eficiente a transmissão das mensagens. Além disso, destacavam-se como elementos composicionais de uma revista o texto em verso, a presença da opereta, da comédia musicada, das representações folclóricas - o pastoril e fandango -, e da dança. No conteúdo, a crítica de costumes. Essa mistura da sátira e crítica resultou, no Brasil, no que se convencionou chamar de burleta, gênero do qual Arthur Azevedo mais se apropriou para criar os enredos de suas revistas. Página 12 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ BREVE HISTÓRICO DO TEATRO BRASILEIRO BREVE HISTÓRICO DO TEATRO BRASILEIRO Considerada uma das maiores estrelas do teatro de revista em todos os tempos, a paulista Margarida Max, formou, com Augusto Aníbal e João Lins, o trio principal de atrações da revista “Onde está o Gato”. De autoria de Geysa Bôscoli e Luiz Iglesias foi montada em 1929, no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro. O teatro no Brasil teve início com os jesuítas, cerca de 50 anos após o descobrimento do país, no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas que desembarcou na Bahia era composto de quatro sacerdotes, dentre eles o padre Manoel da Nóbrega, e alguns jovens que ainda não haviam sido ordenados. Poucos anos depois, com outro grupo, chega o padre José de Anchieta, que tinha então apenas 19 anos. A utilização do teatro tinha como objetivo catequizar os índios para o catolicismo e coibir os hábitos condenáveis dos colonizadores portugueses. O padre José de Anchieta (1534-1597), em quase uma dezena de autos inspirados na dramaturgia religiosa medieval e, sobretudo em Gil Vicente, notabilizou-se nessa tarefa, de preocupação mais religiosa do que artística. A Companhia Tro-lo-ló, nos anos 20 Bibliografia: PAIVA, S. C. Viva o Rebolado! Vida e Morte do Teatro de Revista Brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. ARTE CÊNICA - 3º ANO Página 13 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ Os jesuítas recebiam, em sua ordem, ensinamentos de técnicas teatrais, que consideravam mais eficazes e fascinantes para a educação religiosa do que os sermões, por exemplo. Começaram, então, a misturar os costumes, máscaras, pinturas e elementos do cotidiano indígena aos seus apólogos educativos, o que resultava em espetáculos quase sempre litúrgicos, de cunho eminentemente apostolar, nos quais se juntavam anjos e flores nativas, santos e bichos, demônios e guerreiros, além de figuras alegóricas, como o Temor a Deus e o Amor de Deus. Essa junção do religioso com o dramático já havia sido feita na China, Índia, México e outras terras. Porém, nesses locais, ao contrário daqui, já havia uma produção teatral. A Companhia de Jesus impunha aos seus missionários o aprendizado da língua da terra onde estivessem em missão. Assim, em pouco tempo, os jesuítas aprendiam as línguas indígenas e ensinavam aos índios o português e o espanhol. A partir de 1557, começa a haver uma incessante atividade teatral, praticada não só pelos jesuítas e indígenas como também pelos próprios colonos, seduzidos pelas mensagens moralistas e pela beleza dos eventos, que eram realizados em datas festivas e ocasiões especiais. Inicialmente, encenavam-se autos e peças religiosas trazidas de Portugal, porém logo deu-se início a uma produção dramatúrgica local. Movidos mais pelo espírito missionário do que pelo desejo de reconhecimento artístico, boa parte dessas obras não era assinada, e pouco cuidado se dedicava à sua conservação. Por isso, o que nos chegou desse período foram uns poucos manuscritos, atribuídos ao padre José de Anchieta, e duas cartas do padre Fernão Cardim, datadas de 1590. Nessas cartas há descrições detalhadas de inúmeras ARTE CÊNICA - 3º ANO apresentações teatrais na Bahia, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro e outros locais, tendo como plateias não só os indígenas e os colonos como também as famílias que aqui iam se constituindo e as autoridades políticas e religiosas. Esses relatos surpreendem por descreverem encenações extremamente sofisticadas para a época e condições em que aconteciam, envolvendo grande número de participantes, cenários, instrumentos musicais, fogos de artifício, etc. Em um relatório de atividades enviado aos superiores da Companhia de Jesus, um outro padre narra a grande comoção que essas encenações causavam no público. Como não existiam locais destinados às representações teatrais, estas aconteciam nas praças, nas ruas e dentro dos colégios e igrejas. Algumas encenações foram feitas nas praias, utilizando a própria natureza como cenário. Produção sem continuidade, ela não foi substituída por outra que deixasse memória, nos séculos XVII e XVIII, salvo alguns documentos esparsos. Sabe-se, de qualquer forma, que se ergueram "casas da ópera" nesse último século, no Rio, em Vila Rica, Diamantina, Recife, São Paulo, Porto Alegre e Salvador, atestando a existência de uma atividade cênica regular. A sala de espetáculos de Vila Rica (atual Ouro Preto) é considerada a mais antiga da América do Sul. Menciona-se o Padre Ventura como o primeiro brasileiro a dedicar-se ao palco, no Rio, e seu elenco era de mulatos. A transferência da corte portuguesa para o Rio, em 1808, trouxe inegável progresso para o teatro, consolidado pela Independência, em 1822, a que se ligou logo depois o Romantismo, de cunho nacionalista. O ator João Caetano (1808-1863) formou, em 1833, uma companhia brasileira, com o propósito de "acabar assim com a dependência de atores estrangeiros para Página 14 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ o nosso teatro". Seu nome vinculou-se a dois acontecimentos fundamentais da história dramatúrgica nacional: a estréia, a 13 de março de 1838, de Antônio José ou O Poeta e a Inquisição, "a primeira tragédia escrita por um brasileiro, e única de assunto nacional", de autoria de Gonçalves de Magalhães (1811-1882); e, a 4 de outubro daquele ano, de O Juiz de Paz da Roça, em que Martins Pena (1815-1848) abriu o rico filão da comédia de costumes, o gênero mais característico da nossa tradição cênica. A comédia de costumes caracteriza-se pela criação de tipos e situações de época, com uma sutil sátira social. Proporciona uma análise dos comportamentos humanos e dos costumes num determinado contexto social, tratando frequentemente de amores ilícitos, da violação de certas normas de conduta, ou de qualquer outro assunto, sempre subordinados a uma atmosfera cômica. A trama desenvolve-se a partir dos códigos sociais existentes, ou da sua ausência, na sociedade retratada. As principais preocupações dos personagens são a vida amorosa, o dinheiro e o desejo de ascensão social. O tom é predominantemente satírico, espirituoso e cômico, oscilando entre o diálogo vivo e cheio de ironia e uma linguagem às vezes conivente com a amoralidade dos costumes Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias (1823-1864), distinguese como o melhor drama romântico brasileiro. A trama, que poderia evocar Otelo, se constitui, na verdade, um antecipador manifesto feminista. E a comédia de costumes marcou as escolas sucessivas, do Romantismo e até do Simbolismo, passando pelo Realismo e pelo Naturalismo. Filiaram-se a ela as peças mais expressivas de Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882), José de Alencar (1829-1877), Machado de Assis (1939-1908), França Júnior (1838-1890) e Artur Azevedo (1855-1908), notabilizado pelas burletas A Capital ARTE CÊNICA - 3º ANO Federal e O Mambembe. Fugiu aos esquemas anteriores Qorpo-Santo (18291889), julgado precursor do Teatro do Absurdo ou do Surrealismo. A Semana de Arte Moderna de 1922, emblema da modernidade artística, não teve a presença do teatro. Só na década seguinte Oswald de Andrade (1890-1954), um de seus líderes, publicou três peças, entre as quais O Rei da Vela, que se tornou em 1967 o manifesto do Tropicalismo. Naqueles anos, registrava-se a hegemonia do astro, representado por Leopoldo Fróes e depois por Procópio Ferreira. Só em 1943, com a estreia de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues (1912-1980), sob a direção de Ziembinski, modernizou-se o palco brasileiro. Mas a excelência do texto não iniciou ainda a hegemonia do autor, que se transferiu para as mãos do encenador. Começava na montagem do grupo amador carioca Os Comediantes, a preocupação com a unidade estilística do espetáculo, continuada a partir de 1948 pelo paulista Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, que contratou diversos diretores estrangeiros, e pelos elencos dele saídos - Cia. Nydia Lícia-Sérgio Cardoso, Cia. Tônia-Celi-Autran, Teatro Cacilda Becker e Teatro dos Sete. Maria Della Costa passou por ele enquanto esperava a construção de sua casa de espetáculos e adotou no Teatro Popular de Arte os seus mesmos princípios. O ecletismo de repertório desses conjuntos provocou, a partir do êxito de Eles Não Usam Black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, em 1958, uma guinada na política do Teatro de Arena de São Paulo, inaugurando a fase da hegemonia do autor brasileiro, ainda que tivessem estreado antes A Moratória, de Jorge Andrade (1922-1984), em 1955, e o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna (n.1927), em 1956, além de outras obras. Veio, em 1964, o golpe militar, e cabe dizer que ocorreu uma hegemonia da censura. Afirmou-se um teatro de Página 15 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ resistência à ditadura, desde os grupos mais engajados, como o Arena e o Oficina de São Paulo e o Opinião, do Rio, aos dramaturgos como João Bethencourt, Millôr Fernandes, Lauro César Muniz e Mário Prata, seguiram a Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, Dias Gomes, Oduvaldo Vianna Filho e Plínio Marcos. Autores afeitos ao veículo da comédia, a exemplo de mesma trilha. Número enorme de peças, até hoje não computado, conheceu a interdição. Quando, a partir da abertura, os textos proibidos puderam chegar ao palco, o público não se interessava em remoer as dores antigas. Talvez por esse motivo, enquanto se aguardavam novas vivências, o palco foi preenchido pelo "besteirol", ainda que Mauro Rasi, um dos seus principais autores, se encaminhasse depois para um mergulho autobiográfico. A partir dos anos 70, Maria Adelaide Amaral se tem mostrado a autora de produção mais constante e de melhores resultados artísticos. Com a estréia de Macunaíma, transposição da "rapsódia" de Mário de Andrade, em 1978, Antunes Filho assumiu a criação radical do espetáculo, inaugurando a hegemonia dos encenadores-criadores. A tendência teve acertos, sublinhando a autonomia artística do espetáculo, e descaminhos, como a redução da palavra a um jogo de imagens. Aparados os excessos, essa linha, da qual participam nomes como Gerald Thomas, Ulysses Cruz, Aderbal Freire-Filho, Eduardo Tolentino de Araújo, Cacá Rosset, Gabriel Villela, Márcio Vianna, Moacyr Góes, Antônio Araújo e vários outros, está atingindo, nas temporadas recentes, um equilíbrio que ressalta todos os componentes do teatro. Bibliografia: Sites Consultados: Desvendando Teatro. O Teatro no Brasil. Disponível em <http://desvendandoteatro. blogspot.com/2008/11/o-teatro-no-brasil.html> Acesso em 29/01/10, as 00h25 minutos. ARTE CÊNICA - 3º ANO História da Arte e Cia. O Teatro no Brasil. Disponívem em http://prosalunos.blogspot. com/2007/09/teatro-no-brasil.html> Acesso em 29/01/10, as 00h40 minutos. Liter & Art Brasil - Movimento Cultural de Literatura e Arte do Brasil. Teatro – Sábato Magaldi. Disponível em < http:// litereartbrasil.org/paginas/edicoes/004/teatro.php> Acesso em 29/01/10, as 00h15 minutos. Os Jesuítas abrem as cortinas. Disponível em <http://www.brazilsite.com. br/teatro/ teat01.htm> Acesso em 29/01/10, as 00h02 minutos. A VIDA DE NELSON RODRIGUES ( 1912 – 1980) VESTIDO DE NOIVA O universo dramático de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, é a classe média carioca nas imediações dos anos quarenta. Numa sociedade que predomina a hipocrisia, os preconceitos e os símbolos eleitos pela cultura judaicocristã como eternos em relação à família e ao casamento. A obra é a história de um triângulo amoroso. Alaíde, a protagonista, rouba o namorado da irmã, Lúcia, e casa-se com ele. Lúcia, por sua vez, fica com o marido da irmã, e os dois formam um complô, que leva Alaíde à loucura e à morte. A mulher sai enlouquecida pela rua, é atropelada, e vai parar num hospital, agonizando numa mesa de operações. A imprensa divulga notícias sobre o acidente e o estado da vítima. Alaíde não aguenta e morre. E a peça reconstitui em cena aquilo que se passa nessa mente em desagregação da protagonista. A peça inicia com buzina de automóvel, barulho de derrapagem violenta, vidraças partidas, sirene de ambulância. Os sons ouvidos referem-se ao atropelamento de Alaíde, moça rica da sociedade carioca. O microfone utilizado pelos personagens dá uma dimensão de generalidade e transcendência, à medida em que ele contrasta com as vozes diretas, limitadas ao aqui e ao agora da ação teatral. Página 16 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ Despojada da leveza da cena e compondo diálogos fortes e desnudados, a peça apresenta uma inovação, a subdivisão do palco que aparece iluminado de três maneiras, representando três planos: o plano da realidade, o plano da alucinação e o plano da memória. Através da intersecção desses três planos tem-se o conteúdo da peça. A realidade serve para dar as bases cronológicas da história, mostrando a luta de Alaíde contra a morte, em estado de coma, na mesa de operação, bem como os acontecimentos que sucedem o atropelamento: a movimentação dos repórteres, a reclamação de uma leitora de um jornal sobre o abuso de velocidade dos automóveis, a conversa do marido, Pedro com os médicos, a morte da protagonista, o velório, o luto dos parentes, e finalmente o casamento de Pedro com Lúcia, irmã de Alaíde. Os planos da memória e da alucinação apresentam no início da peça uma certa definição, para irem se interpretando à medida que a ação evolui. Esses dois planos são projeções exteriores do subconsciente de Alaíde. O plano da memória mostra os antecedentes do desastre automobilístico que matou Alaíde. Pedro, namorado de Lúcia, acaba se casando com Alaíde, irmã dela. É depois de uma violenta discussão com a irmã, motivada por problemas conjugais, que Alaíde sai para a rua desgovernada e acaba sendo atropelada. O conflito central da peça, apesar de escondido pela complexidade do texto, é justamente este triângulo amoroso entre Alaíde, sua irmã Lúcia e Pedro. O plano da alucinação é o mais complexo de todos. Sem a interdição da censura moral, todos os desejos de Alaíde se libertam. É nele que ela projeta suas fantasias, principalmente ao contar a história de Madame Clessi, mundana assassinada pelo amante de dezessete ARTE CÊNICA - 3º ANO anos. Neste plano, Alaíde se identifica com a vida movimentada e desregrada da “madame” - mulher que, na realidade, a protagonista conheceu através de um diário deixado pela cocotte antes de morrer. Ao situar a ação da obra no território livre do subconsciente (em que se situam o plano da memória e mesmo o da alucinação) o autor favorece as possibilidades de criação. Fora do alcance da censura – que a psicanálise chamaria de super ego –, a heroína pode liberar sua libido, seus desejos reprimidos. É assim que surge, em Alaíde, como projeção de suas fantasias na figura da prostituta, Madame Clessi. Infeliz no casamento, insatisfeita com a realidade mesquinha da vida ordinária, a protagonista encontra na identificação com a prostituta uma compensação. A matéria fundamental da peça está no plano do delírio e, ao mesmo tempo, no plano da memória de Alaíde. Alaíde é uma mulher inconformada com a condição feminina na classe média alta carioca, o que provoca nela um desejo irresistível de transgredir: como se tentasse realizar-se adotando as regras de um jogo adverso, ela seduz todos os namorados da irmã, e acaba casando-se com o último deles, Pedro. A irmã promete vingança, e, depois de algum tempo, quando o casamento entra na fase de tédio, trama com Pedro a maneira mais extremada de descartar Alaíde: seu assassinato. Alaíde, nos dias que antecedem o acidente, parece desconfiar que estava jurada de morte, e, enquanto definha na sala de cirurgia, tenta reconstruir em sua mente os acontecimentos passados, misturando-os ao seu delírio, à satisfação dos desejos reprimidos. O principal símbolo da libertação feminina para ela, é Madame Clessi, uma prostituta do início do século, desejosa de viver um mundo de sensações picantes. Ela havia residido na casa de Alaíde décadas atrás. Diante do Página 17 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ propósito dos pais, de incinerarem os pertences da cafetina que haviam ficado no sótão da casa, Alaíde consegue resgatar o diário de Clessi, e fica conhecendo detalhes de sua trajetória, complementados com recortes de jornais da época encontrados na Biblioteca Nacional. Clessi representa (para Alaíde) o ideal de mulher liberada, que agride a sociedade hipócrita que Alaíde nega, mas na qual ela transita. Em sua alucinação, misturada com a memória, Alaíde encontra na figura de Clessi apoio para a reconstrução dos fatos passados e da revelação subconsciente de seus desejos, entre os quais o assassinato de Pedro, como retaliação à trama macabra que ele perpetrara de acordo com sua própria irmã. Neste universo social, a permissão da vivência sexual para a mulher só ocorre de uma entre duas maneiras: ou ela se casa de acordo com os preceitos religiosos e sociais, ou ela transgride tudo, tornando-se prostituta. No caso de Alaíde, ela acaba conseguindo ter acesso ao sexo na vida real e uma tentativa no subconsciente, em sua amizade com Clessi. Inconformada com as convenções sociais repressoras da mulher, Alaíde não consegue em vida opor-se a elas, mas consegue manipular as pessoas com seu poder de sedução. Perto da morte, seu desejo de transgressão toma corpo e salta aos olhos nas cenas em que se torna amiga da prostituta e consegue inclusive matar, com a maior frieza, o marido traidor. Na peça, a personagem de Alaíde é neurótica e oportunista, Pedro e Lúcia são presumidos assassinos e hipocritamente se casam, com o consentimento dos pais de Lúcia e da inexpressiva mãe de Pedro. Alaíde é a protagonista de Vestido de Noiva. É uma mulher insatisfeita e inconformada com a condição feminina. Seduz os namorados da irmã como uma ARTE CÊNICA - 3º ANO tentativa de auto-afirmação, que a faz parecer melhor aos próprios olhos. É como ela diz a Lúcia, em tom de provocação: “Eu sou muito mais mulher do que você - sempre fui!” Após conquistar Pedro, que se torna seu marido, demonstra um certo desinteresse e frustração pela vida de casada, ao mesmo tempo em que se sente ameaçada de morte por Pedro e Lúcia. O atropelamento é um desfecho trágico da tensão dos últimos dias da protagonista, e tanto pode ser suicídio como acaso ou assassinato. Em seu delírio e lembranças, reconstrói no subconsciente as injustiças de que se julga vítima e revela seu fascínio pela vida marginal de Madame Clessi. Lúcia, irmã de Alaíde, aparece em quase toda a peça como Mulher de Véu. É uma pessoa também insatisfeita, incompleta, que vive atormentada pelo sentimento de ter sido passada para trás pela irmã. Parece ter conseguido uma grande vitória com a morte de Alaíde e seu casamento com Pedro, mas as cenas finais sugerem que ela não estará melhor em seu casamento do que Alaíde em seu túmulo. Pedro é o elemento dominador, é quem manipula as mulheres para conseguir o que quer. Namora Lúcia inicialmente, deixa-se seduzir por Alaíde, com quem se casa pela primeira vez, e depois concebe um plano macabro de eliminar a esposa para retornar aos braços da irmã. É o industrial bem sucedido, que representa o bom partido para as moças casadoiras que conseguirem fisgá-lo, mesmo sabendo que viveram à mercê do macho opressor. Os demais personagens desempenham papéis secundários, como o namoradinho adolescente de Clessi, o qual a assassina com uma navalhada, os pais de Alaíde e Lúcia e a mãe de Pedro, representantes da classe média conformada e deslumbrada com as convenções sociais, que devem ser preservadas. Página 18 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ Partindo do princípio de que as relações sociais são perversas, todas as atitudes das pessoas revelam a hipocrisia, a competição desleal, os desejos proibidos, o conformismo imbecilizado ou o inconformismo agressivo, enfim, é um universo de obsessivo pessimismo. Todas as imagens e símbolos que emergem da peça convergem para essa amarga concepção da existência, sem nenhuma surpresa, com pouca sutileza, de maneira bem clara, em que pese a manifesta intenção de ironizar símbolos sagrados à cultura judaico-cristã. Assim, Vestido de Noiva que deveria simbolizar a virgindade, a ingenuidade de sentimentos, a paixão pelo noivo com o qual ocorrerá a união sob a benção de Deus e dos homens, mostra um cenário completamente a este apenas descrito e acaba dessacralizando a pureza e a castidade para se tornar a representação das discórdias, da competição, e, a considerar o inequívoco desfecho da peça, em que a marcha fúnebre se sobrepõe à marcha nupcial e termina por adquirir a conotação de mortalha. As outras imagens também convergem para o mesmo universo simbólico, como o bouquet, espécie de troféu às avessas e metáfora de um casamento destinado ao fracasso, e a aliança – “grossa ou fina, tanto faz” nas palavras de uma prostituta -, ao invés de celebrar a união do casal, funciona como índice de disputa, rivalidade, ameaça de morte. A mulher de véu também se constitui numa imagem de pessimismo. É a mulher que não se revela, mas está sempre pronta a dar o bote, em seu desejo de vingança. É a retaliação sempre presente, que Alaíde só consegue identificar claramente ao final do segundo ato. Provavelmente será a próxima vítima do marido. Vestido de Noiva é considerada uma obra aberta, já que permite várias interpretações e possui diversas portas ARTE CÊNICA - 3º ANO de entrada e saída. As interpretações são relativamente livres e, se a peça ainda é complexa hoje, na época era considerada extremamente complicada. Mesmo com essas dificuldades, Nelson Rodrigues consegue se comunicar com o público, principalmente através da poesia de suas palavras. A linguagem é dramática, levemente rimada e repleta das frases que mais tarde consagrariam o autor. “Engraçado, eu acho bonito duas irmãs amando o mesmo homem! Não sei - mas acho!”, diz, poeticamente, madame Clessi. A peça é essencialmente freudiana, já que os planos da alucinação e da memória se passam no subconsciente de Alaíde. Sua relação com madame Clessi mostra, por exemplo, uma Alaíde que se entediou com o casamento porque desejava uma vida cheia de homens e aventuras, de fantasias e grandezas. Exatamente como a de Madame Clessi, mundana que ela conheceu através de um diário deixado pela “madame” no porão da casa onde morava e que depois foi de Alaíde. Alguns desejos reprimidos de Alaíde vêm à tona no plano da alucinação. É nesta dimensão que ela mata o marido Pedro, por exemplo. Os planos mostram, portanto, atitudes diferentes e muitas vezes contraditórias. Uma ação ocorrida num plano em breve produzirá uma outra versão num plano diferente, impedindo que o espectador faça uma leitura definitiva a respeito das personagens, dos fatos e até mesmo da sequência tempo-espacial do texto. Apesar de funcionar como uma representação da mente decomposta de Alaíde, dividida entre o delírio e o esforço ordenador da memória, a peça continua mesmo após a morte da protagonista. Rápidas sequências se sucedem, como o remorso e a recuperação de Lúcia e seu casamento com Pedro. Nelson Rodrigues contrariou o próprio diretor ao exigir este final. Página 19 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ Garantiu que as cenas após a morte de Alaíde tinham verossimilhança porque representavam uma projeção tardia da mente da protagonista. Apesar de Nelson Rodrigues considerar Vestido de Noiva uma “tragédia em três atos”, como escreveu no programa de estréia da peça, a peça foge do conceito clássico de tragédia. Para caracterizar o gênero, Aristóteles definiu uma característica básica: a moral da história é que nenhuma pessoa escapa do seu destino. Os estudiosos de Nelson Rodrigues negam que Vestido de Noiva pertença a este gênero e a classificam no rol das peças psicológicas do dramaturgo. A segunda peça de Nelson Rodrigues possui três atos, com passagem de tempo indefinida entre eles, até mesmo porque o conceito de tempo está totalmente diluído durante a hora e meia que dura o espetáculo. Não há linearidade cronológica, o que situa a peça num momento contemporâneo de questionamento dos princípios realistas. Porém, a lógica de Vestido de Noiva, semelhante a de Valsa nº 6, é o uso absoluto do flashback, recurso que até aquele momento só era utilizado no cinema.. No caso da primeira grande peça do dramaturgo, essas viagens ao passado misturam-se às alucinações, o que proporciona ao texto uma complexidade muito maior. As inovações estruturais de Vestido de Noiva são infinitas. Foi graças a ela que o Brasil perdeu seu complexo de inferioridade dramatúrgica e que o teatro conseguiu ingressar no domínio da literatura. Sua estréia foi em 1943, sob a direção do polonês Ziembinski, marcando a renovação do teatro brasileiro ao se voltar para a realidade de cunho psicológico. A peça causou polêmica na época e ainda hoje é considerada forte em sua linguagem e no tratamento do tema, transplantando para o palco a profunda angústia do autor, que contamina os atores e os espectadores. A direção de Ziembinski, considerado um ARTE CÊNICA - 3º ANO gênio após a montagem, contou com 140 mudanças de cena, 20 refletores, 25 pessoas no palco e 32 personagens. O cenário idealizado por Santa Rosa dividia o palco em três andares, simbolizando a memória, a realidade e a alucinação. Mesas e cadeiras subiam e desciam do tablado, manobradas por cordões invisíveis. Algo impensável para os padrões da época. Ziembinski, acostumado com os padrões europeus de teatro, achou pequeno o número de refletores do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e pegou emprestado os enormes refletores do jardim do Palácio da Guanabara. Pode parecer absurdo, mas enquanto Ziembinski embasbacava a plateia com sua técnica peculiar de iluminar um palco, a residência oficial da presidência ficou às escuras. O grupo relativamente amador “Os Comediantes” ensaiou incessantemente durante oito meses antes da estreia do espetáculo e revolucionou a classe de atores ao trocar uma grande estrela no palco por vários desconhecidos talentosos. Para os papéis de Lúcia e Alaíde foram escolhidas mulheres sem a menor experiência como atriz. Ziembinski aboliu o “ponto”, recurso ainda muito usado na época, e exigiu que cada ator soubesse de cor todas as suas frases. A intérprete de Alaíde, Evangelina Guinle, ficou somente na primeira temporada da peça e, estafada com as imposições do diretor, desistiu de ser atriz para sempre. (Adaptação da Apostila 33 de Literatura Brasileira Contemporânea) Página 20 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ Imagens: A Vida de Nelson Rodrigues (19121980) Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues – Teatro Escola Macunaíma Vestido de Noiva - Os Satyros Vestido de Noiva - Os Satyros ARTE CÊNICA - 3º ANO Nelson Rodrigues Falcão nasceu no Recife, sendo filho de Mário Rodrigues um célebre jornalista da época. Ainda menino, Nelson seguiu com a família para o Rio de Janeiro, onde o pai foi buscar melhores chances profissionais. Já adolescente, o futuro dramaturgo viveu um acontecimento que lhe deixou marcas indeléveis: uma mulher, sentindo-se ultrajada por uma escandalosa matéria publicada por Mário Rodrigues, invadiu a redação do pequeno jornal que ele dirigia e, não o encontrando, assassinou um de seus filhos, o desenhista Roberto Rodrigues, irmão de Nelson. O pai, atormentado pela culpa, sofreu um infarto semanas depois e, em seguida, faleceu. A partir de então, a família enfrentou toda sorte de dificuldades, na luta pela sobrevivência. Nelson Rodrigues dedicou-se de corpo e alma ao jornalismo. Para piorar a situação, ele e um de seus irmãos ficaram tuberculosos e tiveram várias passagens por sanatórios. Por isso, o teatro representou para o escritor, em um primeiro momento, apenas a chance de aumentar os seus parcos rendimentos de jornalista. Após o relativo fracasso de A mulher sem Pecado, veio o sucesso de Página 21 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ Vestido de Noiva, obra de dimensão inovadora, profundamente marcada pelas revoluções estilísticas do Modernismo no teatro – com Eugene O’Neill, Luigi Pirandello ou Henrik Ibsen –, autores que Nelson, aliás, dizia não conhecer, embora isso fosse pouco provável. A fatalidade, no entanto, continuou perseguindo o dramaturgo. Perdeu um irmão tuberculoso, outro em um desabamento, teve uma filha cega e seu filho entrou na guerrilha para lutar contra o regime militar. Já no campo teatral, seu nome pouco a pouco converteu-se numa unanimidade. Nelson Rodrigues morreu no Rio de Janeiro, sua cidade de adoção, aos sessenta e oito anos. Fonte bibliográfica: Passeiweb. Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. Disponível em http://www. passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/v/v estido_de_noiva acesso em 20/08/10, às 17h30 minutos. O teatro contemporâneo - parte I Disponível em http://educaterra.terra.com. br/literatura/temadomes/2004/09/02/002.htm acesso em 20/08/10, às 17h51 minutos. Orfeu Spam Apostilas. Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. Disponível em http:// www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Contemporane a/Nelson%20Rodrigues_Vestido_de_noiva.htm acesso em 20/08/10, às 18h18 minutos. Vestido de Noiva. Disponível em http://www.objetivoitajuba.com.br/caro/ downloads/resumosgilmar/Vestido%20de%20Noiva.doc> acesso em 20/08/10, às 18h34 minutos. Vestido de Noiva. Disponível em http://www.coladaweb.com/ Resumos/vestidodenoiva.htm acesso em 20/08/10, às 18h57 minutos. O TEATRO DA CRUELDADE Introdução Bibliográfica Antoine Marie Joseph Artaud, conhecido como Antonin Artaud (nasceu em Marselha, 4 de setembro de 1896 e morreu em Ivry-sur-Seine, Paris em 4 de março de ARTE CÊNICA - 3º ANO 1948) foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro francês de aspirações anarquistas. Ligado ao surrealismo, foi expulso do movimento por ser contrário à filiação ao partido comunista. Sua obra “O Teatro e seu Duplo” é um dos principais escritos sobre a arte do teatro no século XX, referência de grandes diretores como Peter Brook, Jerzy Grotowsky e Eugenio Barba. Sua vida nos manicômios e sua morte Em 1937, é tido como louco e internado em vários manicômios franceses, cujos tratamentos são hoje duvidosos. Ele é transferido após seis anos para o hospital psiquiátrico de Rodez, onde permanece ainda três anos. Em Rodez, estabelece com o Dr. Ferdière, médico-responsável do manicômio, uma intensa correspondência. Uma relação ambígua se estabelece entre os dois: o médico reconhece o valor do poeta e o incentiva a retomar a atividade literária, mas, julgando a poesia e o comportamento de seu paciente muito delirante, ele o submete a tratamentos de eletrochoque que prejudicam sua memória, seu corpo e seu pensamento. Existe aqui um afrontamento entre dois mundos, o da medicina e razão social e o do poeta cuja razão ultrapassa a lógica normal do “homem saudável”. As cartas escritas de Rodez são para Artaud, um recurso para não perder sua lucidez. Elas revelam um homem em terrível estado de sofrimento, falando de sua dor através de uma escritura mais íntima e mais espontânea. São os diálogos de um desesperado com seu médico e através dele com toda a sociedade. “Não quero que ninguém ignore meus gritos de dor e quero que eles sejam ouvidos”. Em Rodez, além de suas cartas, ele elabora uma prática vocal, apurada dia-a-dia, associada a manifestações Página 22 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ mágicas. A voz bate, cava, espeta, treme, a palavra toma uma dimensão material, ela é gesto e ato. Artaud volta a Paris em 1946, onde dois anos depois é encontrado morto em seu quarto no hospício do bairro de Ivry-sur-Seine. Neste período, além de uma importante produção literária, ele desenha, prepara conferências e realiza a emissão radiofônica “Para acabar com o juízo de Deus”, onde sua vontade expressiva se alia a um formalismo cuidadoso. O teatro em sua vida Para Artaud, o teatro é o lugar privilegiado de uma germinação de formas que refazem o ato criador, formas capazes de dirigir ou derivar forças. Em 1935, conclui o “Teatro e seu Duplo”, um dos livros mais influentes do teatro do século XX. Na sua obra ele expõe o grito, a respiração e o corpo do homem como lugar primordial do ato teatral, denuncia o teatro digestivo e rejeita a supremacia da palavra. Sua crítica nasce a partir da observação do teatro feito na França e se expande ao teatro praticado no mundo. Propõe a criação de um novo modelo teatral, por considerar o teatro praticado no ocidente um teatro morto, incapaz de provocar o interesse do espectador. Para ele, a arte não se separa da vida. Se esta não é capaz de despertar no homem impulsos tão vitais como a fome, pode tranquilamente deixar de existir. Para a criação desse novo teatro viajou pelo mundo e pesquisou culturas em que o fazer artístico não se dissociava das práticas religiosas. Recorreu a rituais primitivos e místicos; visitou Bali, México e Irlanda. Possuía grandes pretensões a respeito de sua arte. Foi um dos primeiros diretores surrealistas, com a ARTE CÊNICA - 3º ANO proposta de contestar o teatro naturalista, principalmente o francês, que se mostrava muito retórico e paradigmático. Pregava o uso de elementos mágicos que hipnotizassem o espectador, sem que fosse necessária a utilização de diálogos entre os personagens, e sim muita música, danças, gritos, sombras, iluminação forte e expressão corporal que comunicariam ao público a mensagem, reproduzindo no palco os sonhos e os mistérios da alma humana. Era incisivo ao abordar suas concepções teatrais: “O teatro é igual à peste porque, como ela, é a manifestação, a exteriorização de um fundo de crueldade latente pelo qual se localizam num indivíduo ou numa população todas as maldosas possibilidades da alma”. Assim, surgiu o nome de sua teoria, o Teatro da Crueldade, que sofreu grande influência do teatro oriental, principalmente o balinês. Em seu livro “O Teatro e seu Duplo”, o teatrólogo reafirma seu descontentamento com o teatro europeu, denunciando a perda do caráter primitivo do teatro como cerimônia, avaliando o teatro oriental como original, ressaltando que esse manteve seu aspecto cultural milenar, sem interferência, constituído pelos temas religiosos e místicos. Buscou revolucionar todos os aspectos que compõem a cena. Em seu “Teatro da Crueldade” propõe o uso irrestrito de todos os meios teatrais, entregando o palco a um vitalismo eruptivo que transforma a ação cênica num foco de inquietação contagioso e ao mesmo tempo curativo. O que o incomodava fortemente era a exposição da arte relativa à comercialização, onde os atores e os diretores seguiam fielmente um texto a fim de conseguir uma perfeita equação, que segundo ele, era “antipoético” e “um teatro de invertidos comerciantes”. O teatrólogo criticava abertamente a expressão corporal subordinada ao texto. Pois achava ser inútil os músculos se Página 23 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ movimentarem em detrimento da emoção superficial, de maneira sistemática, como máscaras gregas, procurando fazer o mais fácil, ou seja, imitar, reproduzir sem maiores resoluções o tema abordado e sua subjetividade sem buscar um aprofundamento maior. Tudo em prol do superficial, do rápido, do fácil e do lucrativo. Se na década de 30 o teatro para Artaud é “o lugar onde se refaz a vida”, depois de Rodez ele é essencialmente o lugar onde se refaz o corpo. O “corpo sem órgãos” é o nome deste corpo refeito e reorganizado que uma vez libertado de seus automatismos se abre para “dançar ao inverso”. Seu desejo é que o teatro reencontre sua verdadeira linguagem, linguagem espacial, linguagem de gestos, de atitudes, de expressões e de mímica, linguagem de gritos e onomatopeias, linguagem sonora, onde todos os elementos objetivos se transformam em sinais, sejam visuais, sejam sonoros, mas que terão tanta importância intelectual e de significados sensíveis quanto à linguagem de palavras. Em vida, Artaud não conseguiu pôr em prática grande parte de suas teorias, pretensiosas demais para a época e muito paradoxal. No entanto, como ensaio serviu para dar um outro panorama à arte dramática, permitindo assim que se abrisse um paralelo, uma porta que serve como alternativa, como ritual de confrontação para as técnicas clássicas, que mantinham normas milenares sem nenhuma contestação. O seu trabalho inclui ensaios e roteiros de cinema, pintura e literatura, diversas peças de teatro, inclusive uma ópera, notas e manifestos polêmicos sobre teatro, ensaios sobre o ritual do cacto mexicano peyote entre os índios Tarahumara, aparições como ator em dois grandes filmes e outros menores. Para Artaud não há separação da arte e da vida, pois estas estão ARTE CÊNICA - 3º ANO envolvidas pela mesma força metafísica. A arte não se encontra como algo a se apreciar, mas como algo a ser vivido. O “político” em seu teatro É possível falar em um teatro político de Artaud? Teatro metafísico, teatro alquímico, teatro da crueldade, são definições que o próprio autor propõe, na tentativa de definir e fazer entender suas propostas. Artaud quer uma revolução e anseia por mudanças sociais radicais. O teatro para ele, é um meio para se realizar essas mudanças. Erroneamente, suas propostas são muitas vezes entendidas desconectadas de sua visão social e política. Ele, todavia, não tem em vista fins sociológicos imediatistas, nem propostas político-partidárias. Aliás, este foi um dos principais motivos de seu rompimento com os surrealistas quando estes aderiram ao comunismo (ARANTES, 1988, p. 75). A revolução artaudiana quer explodir os fundamentos do mundo moderno, subverter pela raiz os hábitos de pensamento atuais e, segundo ele, “descentrar o fundamento atual das coisas” (ARTAUD in ARANTES, 1988, p. 76 e 77). Constatando a decadência da sociedade ocidental, em suas ideias, costumes e valores, propõe uma “revolução inútil”, que não atinge o imediato, mas que trabalha no âmbito virtual, questionando e minando os valores reinantes. Vera Lúcia Felício destaca isto ao afirmar que: “Se o teatro é o meio escolhido por Artaud, é porque ele crê ser o único meio que age diretamente sobre a consciência das pessoas, portanto, um instrumento ativo e enérgico, capaz de revolucionar a ordem social existente. (...) O Teatro da Crueldade só pode Página 24 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ crer numa revolução que atinja destrutivamente a ordem e a hierarquia dos valores tradicionalmente aceitos como absolutos” (FELÍCIO, 1996, p. 113). Ele afirma que “no ponto de desgaste a que chegou nossa sensibilidade, certamente precisamos antes de mais nada, de um teatro que nos desperte: nervos e coração.” (ARTAUD, 1993, p. 81). Através do teatro, Artaud pretende abalar sensorial e espiritualmente o espectador, desenvolver sua sensibilidade, colocá-lo em um estado de percepção mais apurado para transformar a consciência. Os nervos e o coração não estão dissociados, mas são veículo um para o outro. “Não se separa o corpo do espírito, nem os sentidos da inteligência” (ARTAUD, 1993, p. 83). O dramaturgo aponta várias formas objetivas para que o teatro atinja os nervos do público, mas sublinha veementemente que, caso haja estabelecimento de uma linguagem teatral fixa, esta arruinará o teatro, pois a cristalização de uma forma consiste no impedimento do movimento da cultura, do espírito. É o rompimento da linguagem que toca a vida e impede a idolatria. Para ele, a escrita e a palavra não pertencem, especificamente, à cena, mas sim ao livro. O ator deveria ser um atleta do coração, com uma musculatura afetiva que correspondesse às localizações físicas dos sentimentos. Apesar de não ter especificado os meios de se produzir este ator, Artaud se impressionou demais com a força da mímica do Teatro de Bali. O espaço é uma exigência do teatro, não apenas porque reúne todas as linguagens, mas por ser um fator que age sobre a sensibilidade nervosa. Artaud não o compreende apenas fisicamente em suas dimensões, mas pretende utilizar seus “subterrâneos”. O espaço é que permite o encontro e o ARTE CÊNICA - 3º ANO acordo entre os homens. Abandonando a literatura, se propõe a mergulhar na “cultura corpórea-gestual-musical” (FELÍCIO, 1996, p. 121), ou seja, na cena que é realmente a atividade e acontecimento teatral – manifestação da cultura. O seu teatro quer fazer o espaço e fazê-lo falar, criando poesia no espaço através de imagens materiais, simbólicas. Embora pareçam utópicas suas pretensões de transformar a sociedade, seus escritos tiveram grande influência no trabalho e experimentações de inúmeros grupos e encenadores, muitos com desejos semelhantes de revolução social, outros mais preocupados com experimentações estéticas e formais. Não há como pensar o teatro de Artaud, sem levar em conta a cultura e a organização da sociedade e de seus valores. Negligenciar isto, é negligenciar as motivações de imersão no universo mítico pretendida pelo teórico, de compreender a função social do teatro. Contrário a muitos encenadores e reformadores do teatro no início do século XX, que tiverem interesses mais estéticos ou ambicionavam interferências políticas mais diretas, Artaud pretendia realizar sua revolução considerando sua época e o contexto no qual está imerso, propondo uma nova ordem, ou talvez seja melhor dizer, retomando uma antiga ordem mítica, ontológica. Fonte Bibliográfica: ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1993. ARANTES, Urias Corrêa. Artaud: teatro e cultura. Campinas: Editora da UNICAMP, 1988. BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2000. BOAL, Augusto. Teatro Para Atores e Não Atores. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. BRECHT, Bertolt. Estudos Sobre Teatro. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978. CIVITA, Victor. Teatro Vivo, Introdução e História. – São Paulo: Abril Cultural, 1976. FELÍCIO, Vera Lúcia. A procura da lucidez em Artaud. São Paulo: Perspectiva, 1996. Página 25 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ MIRALLES, Alberto. Novos Rumos de Teatro. – Rio de Janeiro: Salvat Editora, 1979. Sites consultados: Antonin Artaud. Disponível em <http://xgarrafax.blogspot.com/2008/12/antonin-artaud.html> acesso em 07/08/10, às 18h10 minutos. Antonin Artaud. Disponível em <Mensalhttp://www.espacoacademico.com.br/031/31cscheffler .htm> Acesso em 24/07/09, às 18h31 minutos. Cia. Luis Louis de Teatro. Mímica e Teatro Físico. Disponível em <http://www. cialuislouis.com.br/tf-artaud.htm> acesso em 24/07/09, às 18h50 minutos. Passeiweb. Teatro da Crueldade. Disponível em <http://www.passeiweb.com/saiba_mais/ arte_cultura/teatro/crueldade> acesso em 25/07/09, às 19h11 minutos. O TEATRO POBRE Introdução Jerzy Grotowski (1933-1999) é um encenador polonês e um dos principais nomes do teatro do século XX, estando entre os quatro maiores diretores do século, segundo Richard Schechner, juntamente com Stanislavski, Meyerhold e Brecht. Nasceu em Rzeszów Polônia e viveu até a idade de seis anos em Przemysl. Durante a Segunda Guerra Mundial a família se separa. Sua mãe muda-se com ele para Nienadówka. Seu pai serviu como oficial no exército polonês indo para a Inglaterra. Grotowski, sua mãe e seu irmão conseguiram fugir dos nazistas e se refugiaram numa fazenda de seu tio. Este era arcebispo em Cracóvia e foi nesta época que Grotowski despertou para a vida espiritual que orientaria toda sua vida artística. O trabalho de Grotowski no teatro se torna uma espécie de busca espiritual, uma confrontação entre o homem e a mitologia. É central em seus escritos e em sua prática a figura do ator “santo”. ARTE CÊNICA - 3º ANO Em 1955 se formou em interpretação na escola técnica de teatro de Kracóvia. Logo depois ele vai para Moscou para estudar direção no (GITIS) Instituto Lunacharsky de Artes Teatrais. Ele fica em Moscou até 1956, aprendendo os caminhos trilhados pelos grandes artistas russos como Stanislawski, Vakhtangov, Meyerhold e Tairov. Depois ele retorna a Polônia e se especializa em direção, se formando em 1960. No início da década de 60, tornouse mundialmente conhecido. E a partir do final da mesma década, decidiu não dirigir nenhum espetáculo teatral, dedicando-se a pesquisas e experimentações que fogem à cena, embora estabeleça algumas relações com o teatro, tornando-se uma figura emblemática. Em 1982, durante a lei marcial, sai da Polônia. Passa uma curta estadia na Itália e Haiti e depois foi para os Estados Unidos onde permanece como refugiado. Foi “professor de drama” na Colúmbia Universidade de Nova York. Entre 1983 e 1984 foi mestre da Universidade da Califórnia em Irvine, onde empreendeu o programa “Drama Objetivo”. E desde 1985, veio realizando um trabalho que constituiu a conclusão do seu caminho criativo de mais de 30 anos. Este trabalho marca o quarto período de sua atividade criativa - artes rituais - que se refere aos trabalhos que realizou na Itália. Seu trabalho mais conhecido em português é “Em Busca de um Teatro Pobre”, onde postula um teatro praticamente sem vestimentas, baseado no trabalho psico-físico do ator. A melhor tradução de “teatro pobre” seria teatro santo ou teatro ritual. Nele Grotowski leva as últimas conseqüências as ações físicas elaboradas por Constantin Stanislawski, buscando um teatro mais ritualístico, para poucas pessoas. Um dos seus assistentes e responsável pela Página 26 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ divulgação e publicação de seus trabalhos é o hoje famoso teatrólogo Eugênio Barba. Jerzy Grotowski Montagens (1957-1969) Em 1958 ele dirigiu sua primeira peça “Deuses da Chuva” adaptada de um romance de Jerzy Krzyszton. Anunciando a notoriedade que ele teria, esta foi uma montagem que causou muita controversia pela forma que ele adaptou o texto. Grotowski anunciava, “Em respeito ao minha atitude com o texto dramático, eu penso que o diretor deve tratá-lo apenas como um tema em cima do qual ele constrói um novo trabalho artístico que é o espetáculo teatral.” Ainda no mesmo ano mudou-se para Opole onde assumiu a direção do Teatro das 13 Fileiras. Local onde ele organizou um conjunto de atores e colaboradores artísticos que iriam ajudálo no desenvolvimento de sua visão artística. Entre as muitas produções as mais famosas foram "Orfeu" de Jean Cocteau, "Shakuntala" inspirado no texto de Kalidasa, "Dziady" de Adam Mickiewicz e "Akropolis" de Stanislaw Wyspianski. Esta última foi a primeira realização completa de sua formulação de “teatro pobre”. Nela a companhia de atores, representando prisioneiros de um campo de concentração, construíam a estrutura de um crematório em volta da platéia, ARTE CÊNICA - 3º ANO enquanto representavam histórias da bíblia. Esta concepção teve particular ressonância para o público de Opole, já que o campo de concentração de Auschwitz se localiza apenas a cerca de cem quilômetros de distância. "Akropolis" foi uma peça que chamou muito a atenção e praticamente o lançou internacionalmente. Em 1964 ele deu seqüência a seu sucesso com a estréia de "A Trágica História de Doutor Faustus" adaptada de um importante autor do Teatro Elizabetano Christopher Marlowe. Além do uso de poucos objetos na cena, Grotowski orientou os atores a representarem diferentes objetos. Numa cena, onde o papa está presente num jantar, um ator representava a sua cadeira e outro a comida. Estes dois atores também assumiam o papel de Mephistopheles em outra parte da peça, demonstrando o caminho que Grotowski desenvolveu colocando diferentes camadas de significados em suas produções. Em 1965 ele muda sua companhia para Wroclaw com o novo nome de "Teatr Laboratorium" (Teatro Laboratório), em parte para evitar a pesada censura a que os teatros profissionais tinham que se submeter na Polônia daquele tempo. “O Príncipe Constante” foi sua primeira grande encenação, em 1967, considerada uma das mais importantes encenações do século XX. A interpretação de Ryzsard Cieslak's, no papel título, é considerada o melhor exemplo da técnica de interpretação buscada por Grotowski. Em fase posterior Grotowski assume um estilo parateatral, explorando o significado do ritual e da performance fora do contexto da obra de arte. Em 1969 foi realizada sua última produção profissional como diretor. “Apocalypsis Cum Figuris” é também mundialmente reconhecida como uma das melhores produções teatrais do Página 27 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ século XX. Novamente utilizando textos da Bíblia, esta produção é reconhecida pelos membros da companhia como uma exemplo típico da interpretação total por ele almejada. Durante o processo de ensaio, que durou três anos, Grotowski abandonou as convenções do teatro tradicional e se enveredou pelos caminhos de investigação do ritual. Grotowski revolucionou o teatro e, junto com seu primeiro aprendiz, Eugenio Barba, líder e fundador do “Odin Teatret” e mentor do “Tearo Antropológico”, é considerado um dos mentores do teatro contemporâneo e de vanguarda. Barba foi fundamental na divulgação do trabalho de Grotowski no mundo no ocidente, rompendo a barreira da burocracia comunista. Barba é editor de “Em busca de um Teatro Pobre” (1968), no qual Grotowski afirma que o teatro não deveria, porque não poderia, competir contra o espetáculo cinematográfico e deveria se concentrar em sua principal qualidade, os atores que se apresentam a frente dos espectadores. O “Teatro Pobre” Grotowski não centrou sua pesquisa na encenação, nem na cenografia, nem na representação, mas sim no encontro. Sua pesquisa está focada no encontro do ator consigo mesmo e com o outro, no aprofundamento de sua relação com seu corpo e mente, com o objetivo último de eliminar esta dicotomia, que resulta em resistências, bloqueios e atrofias. Segundo Grotowski: “Podemos então definir o teatro como o que ocorre entre o espectador e o ator. Todas as outras coisas são suplementares” (GROTOWSKI, 1971: 18). Ou, dito de forma mais sintética: “A essência do teatro é um encontro” (GROTOWSKI, 1971: 41). Concentrando-se no trabalho do ator e na relação com o espectador, delineia o Teatro Pobre optando por uma ARTE CÊNICA - 3º ANO encenação de extrema economia de recursos cênicos (cenográficos, indumentários, etc.), eliminando tudo o que não seja extremamente essencial à cena. Ainda para Grotowski: “Como o material do ator é o próprio corpo, esse deve ser treinado para obedecer, para ser flexível, para responder passivamente aos impulsos psíquicos, como se não existisse no momento da criação - não oferecendo resistência alguma. A espontaneidade e a disciplina são os aspectos básicos do trabalho do ator, e exigem uma chave metódica.” Segundo ele, o fundamental no teatro é o trabalho com a platéia, não os cenários e os figurinos, iluminação, etc. Estas são apenas armadilhas, se elas podem ajudar a experiência teatral são desnecessárias ao significado central que o teatro pode gerar. O pobre em seu teatro significa eliminar tudo que é desnecessário, deixando um ator ou atriz vunerável e sem qualquer artifício. Na Polônia, seus espetáculos eram representados num espaço pequeno, com as paredes pintadas de preto, com atores apenas com vestimentas simples, muitas das vezes toda em preto. Seu processo de ensaio desenvolvia exercícios que levavam ao pleno controle de seus corpos para desenvolver um espetáculo que não deveria ter nada de supérfluo, também sem luzes e efeitos de som, contrariando o cenário tradicional, sem uma área delimitada para a representação. A relação com os espectadores pretendia-se direta, no terreno da pura percepção e da comunhão. Se desafia assim a noção de que o teatro seria uma síntese de todas as artes, a literatura, a escultura, pintura, iluminação, etc... Página 28 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ O Corpo no seu Teatro O teatro para Grotowski é uma arte carnal. Por isso o corpo precisa quebrar suas resistências. O corpo é material psíquico. Ele diz que "a ação física deve apoiar-se sobre associações pessoais, sobre suas baterias psíquicas, sobre seus acumuladores internos." O essencial é que tudo deve vir do corpo e através dele: “antes de reagir com a voz, deve - se reagir com o corpo. Se se pensa, deve-se pensar com o corpo inteiro, através de ações.” Os gestos do ator não devem “ilustrar”, mas realizar um “ato de alma” através de seu próprio organismo. Como Artaud, Grotowski busca encontrar os vários centros de concentração do corpo: “para as diferentes formas de representar, procurar as áreas do corpo que o ator sente, algumas vezes, como suas fontes de energia.” Dar ao corpo uma possibilidade. Uma possibilidade de vida, em que mente/corpo/palavra/gesto/espírito/matéri a/interno/externo se integrem e se expressem em sua totalidade: “á que darse conta que nosso corpo é nossa vida. Em nosso corpo estão inscritas todas as nossas experiências. Estão inscritas na pele e embaixo da pele, desde a infância até a idade madura e ainda talvez desde antes da infância e desde o nascimento de nossa geração. O corpo em vida é algo palpável (...) o retorno ao corpo vida exige desarmamento, desnudamento, sinceridade.” O ARTE CÊNICA - 3º ANO desvendamento do ator se fará não para o espectador, mas diante dele. Esse desvendamento, baseado num esforço de total sinceridade, exige do ator a aceitação de uma renúncia a todas as suas máscaras, mesmo as mais íntimas. É essa sinceridade que vai provocar o encontro entre ator e espectador, produzindo um efeito de abalo, que pode ser muito profundo, adquirindo a força de um acontecimento do qual o espectador sairá transformado. Para ele, o ator é um homem que trabalha em público com o seu corpo, oferecendo-o publicamente; por isso, se esse corpo se limita a mostrar o que é, ou seja, se limita a demonstrar algo que qualquer pessoa pode fazer, não constitui um instrumento obediente capaz de criar um ato espiritual. Daí a importância que ele dá ao desenvolvimento de uma anatomia especial para o ator. Para desenvolver esta anatomia, é necessário ordem, harmonia e disciplina, pois esse trabalho exige que os atores se lancem em algo extremo, num tipo de transformação que pede uma resposta total de cada um. Esse algo vai além do significado de "teatro" e é muito mais "um ato de viver" e "um caminho de existência". A Trajetória do seu Teatro Segundo Marco de Marinis, podese distinguir ao menos quatro períodos nas atividades de Grotowski: Página 29 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ primeira direção aconteceu em 1957, com a peça "Las Sillas", de Ionesco, no Teatro Stary. Segue "Tio Vânia", de Checov, em 1958. Em 1960 dirige "Fausto", de Goethe. Dirige também as primeiras obras produzidas em Opole, com o seu novo Grupo de Teatro: "Orfeu", segundo Cocteau (1959); "Caim", segundo Byron (1960); "Mistério Bufo", segundo Maiakowski (1960); "Sakuntala", segundo Kalidasa ((1960); "Os antepassados", segundo Mickievicz (1961) Neste primeiro período, Grotowski ainda monta seus espetáculos dentro do ecletismo dramático e estético - as diferentes e ricas experiências teatrais e culturais acumuladas até este momento: Stanislawski e Meyerhold são dois pólos que estarão constantemente em seu trabalho; o conhecimento de distintas formas do teatro oriental - Katakali, Nô e Ópera de Pequim; os seminários em Aviñón, com Jean Vilar, em Praga, com Emil Burian; participação como espectador de algumas adaptações do Berliner Ensemble; a companhia de Brecht; a filosofia de Sartre; a chamada dramaturgia do absurdo; a história das religiões; a filosofia oriental. Nesta fase, o seu teatro ainda não conseguia público. Em 1960, quando montou “Fausto” em Opole, o espetáculo era frequentemente suspendido por falta de público. Halina Gallowa y Jerzy Nowak "Sakuntala" (1960) em "Las sillas" de Ionesco (1957) 1- Período entre 1957 a 1961 Este primeiro período pode ser denominado como "Teatro de Representação", quando foi fundado o "Teatro das 13 Filas". Nesta fase Grotowski ainda era aluno da Escola Superior de Arte de Cracóvia. Esta fase de aprendizagem (como aluno) inclui trabalhos de direção. Sua ARTE CÊNICA - 3º ANO 2 - Período entre 1962 a 1969 Coincide com o momento de grande aceitação internacional, graças a alguns espetáculos memoráveis, nos quais a poética do Teatro Pobre e a experimentação das técnicas do ator chegam ao seu apogeu: "Kordian", segundo Slowacki (1962); "Akropolis", segundo Wyspianski (1962); "A trágica história do Dr. Fausto", segundo Marlowe (1963); "Estudo sobre Hamlet", segundo Shakesperare e Wyspianski (1964); "O Príncipe Constante", segundo Caldérom Página 30 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ e Slowaski (1965); "Apocalypis com Figuris", montagem de vários autores(1968-1969). 4 - Período após a década de 70 Aos fins dos anos 70 o Teatro Laboratório entra em crise e com seus atores dispersos pelo mundo, se encerra em 1984. O começo dessa fase foi denominado por Grotowski como “O Teatro das Fontes”. Ele busca recuperar dentro de uma nova ótica, os interesses antropológicos e histórico-religiosos que havia cultivado desde muito jovem e por meio de suas viagens ao Oriente. O Teatro das Fontes se concentra mais na área de investigação do que na ação. O Ator para Grotowski: 3 - Período entre 1970 a 1979 No outono de 1970, depois de uma longa estadia na Índia, Grotowski anuncia a intenção de não voltar a preparar novos espetáculos, de interromper a atividade teatral propriamente dita. Passa a investigar a intercomunicação e o "encontro" entre indivíduos. Estas atividades receberam o nome de "parateatrais" e se desenvolveu durante toda a década de 70, especialmente entre 1975 e 1979, mediante uma série de "projetos especiais", articulados por uma quantidade de etapas intermediárias: Projeto Montanha, La Vigília, A árvore da gente, Meditação em voz alta. ARTE CÊNICA - 3º ANO Quando Grotowski entrou em contato com o mundo do teatro, compreendeu que o ator que buscava realizar seu projeto, teria que romper, em primeiro lugar, com este círculo perverso ensaios-espetáculos. Este círculo, segundo ele, encerra o ator desde o começo de sua carreira em uma rotina sufocante que chamam de “profissão” e apaga suas aspirações criativas. Portanto, seu primeiro objetivo ao criar o “Teatro das 13 Filas” foi diminuir o ritmo dos preparativos para o espetáculo; reservar cada vez mais tempo para os Página 31 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ ensaios; deixar mais tempo livre para o treinamento. Buscou desde o início do seu trabalho um espaço pedagógico, uma escola, um laboratório, um lugar em que o ator pudesse adquirir, conservar e aperfeiçoar os elementos ético-técnicos indispensáveis para sua atividade criativa. Dentro dessa perspectiva, os exercícios desempenharam um papel fundamental no Teatro Laboratório. Por meio deles, diz: “o ator se capacita para a artificialidade e a elaboração formal, aprendendo, antes de mais nada, a superar os limites do cotidiano e o naturalismo psicológico, para conseguir, depois, a expressividade física total - a única que pode estar em condições de restituir o ator total.” Nos exercícios e no treinamento, colocou toda a atenção no corpo e secundariamente, na palavra. Palavra esta que nasce do corpo e que, portanto, não poderá ser usada corretamente sem uma preparação física adequada. “Será um clichê estéril, naturalista, declamatório.” Os exercícios são relacionados com as mais diferentes técnicas do corpo, como: Hatha-yoga, pantomina, acrobacia, dança, diferentes esportes como esgrima e métodos de origem estritamente teatrais. • Exercícios Físicos - sobretudo ginásticoacrobáticos. • Exercícios Plásticos - divididos em exercícios mentais (tomados de Jacques Dalcroze) e exercícios de composição, provenientes do teatro oriental (elaboração de novos ideogramas gestuais). • Exercícios de máscara facial (intuídos em primeiro lugar, por Delsarte). • Exercícios vocais relacionados com a respiração. ARTE CÊNICA - 3º ANO A partir de 1963, esses exercícios sofrem uma mudança de percepção e passam a ser um pretexto para a elaboração de uma forma pessoal de treinamento do ator: “um meio para localizar e remover as resistências e obstáculos que o bloqueiam em sua missão criativa e o impedem de manifestar seus impulsos vivos.” Os exercícios passam de uma concepção positiva da técnica do ator para uma concepção negativa: “este é o caminho que entendo por expressão caminho negativo - um processo de eliminação.” Segundo Grotowski, a utilização positiva da técnica no teatro, Página 32 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ traz o risco do perfeccionismo exterior e do virtuosismo puro - uma expressão corporal entendida só em seu aspecto exterior e muscular e do próprio narcisismo. Se os atores tradicionais, em sua maioria, eram uma cabeça (ou uma voz) sem corpo, os atores do Teatro Laboratório corriam o perigo de converterem-se num corpo sem cabeça, perpetuando essa separação secular sobre a qual se edificou a civilização ocidental. A partir dessas reflexões, ele busca uma técnica que recomponha o ator - o homem na sua totalidade: mente, corpo, gesto, palavra, espírito, matéria, interno, externo. Sobre este trabalho, escreve o crítico Joseph Kerala: “na interpretação do ator os elementos fundamentais da teoria de Grotowski se manifestam de modo tão preciso e tangível que oferece, não só uma demonstração de seu método, mas também os frutos estupendos que este método dá.” O Príncipe Constante: mesmo depois da morte, o êxtase e o deslumbramento permanecem em seu rosto. Foto: Teatro-Laboratório. ARTE CÊNICA - 3º ANO O “Ator Santo” Grotowski advoga o “ator santo” aquele indivíduo que se engaja na investigação de si mesmo para se tornar um criador. Esse engajamento exige dele a destruição de todos os estereótipos, até aflorar sua verdade pura. Para Grotowski, o teatro tem certas leis objetivas, e a sua realização só é possível quando respeitadas essas leis. O grande trunfo do teatro é ser um ato gerado pelo contato entre pessoas, o que o configura como um evento também biológico. A realidade do teatro é instantânea, no aqui-e-agora, e executada no próprio organismo do ator frente ao espectador, condições essas que fazem tal arte impossível de ser reduzida a meras fórmulas. A relação do ator com o espectador no teatro de Grotowski tornase uma relação física, ou melhor, fisiológica, no qual o choque dos olhares, a respiração, o suor [...] terão participação ativa. Do ator é exigido o desenvolvimento de uma anatomia especial, resultante da eliminação de toda resistência do corpo e qualquer impulso psíquico. O ato da criação teatral para o mestre polonês nada tem a ver com o conforto externo ou com a civilidade humana convencional, mas com o instinto despertando e escolhendo espontaneamente os instrumentos de sua transformação, numa luta do ator contra os seus bloqueios, atrofiamentos e condicionamentos. O que terá importância nesse processo é a operação de um trabalho interior intenso, pois o teatro só tem significado se o homem puder experimentar o que é real e, “tendo já desistido de todas as fugas e fingimentos do cotidiano, num estado de completo e desvelado abandono”, descobrir-se. Seu desejo é liberar as fontes criativas do homem, reconstituindo-lhe “a totalidade da personalidade carnal psíquica”. Nessa caminhada, o papel Página 33 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ será um instrumento para o ator fazer uma incisão em si mesmo, investigando tudo o que está oculto em sua personalidade. A moralidade nessa etapa significa expressar a verdade inteira, não esconder o que for básico, não importando se o material é moral ou imoral, pois a primeira obrigação do artista é expressar-se através de seus próprios motivos pessoais e correr riscos, pois não se podem repetir sempre os mesmos caminhos. A chave mestra desse processo é o reconhecimento do material vivo, constituído pelas associações e recordações do ator, que deverá reconhecê-las não pelo pensamento, que impõe soluções já conhecidas, mas através dos seus impulsos corporais, tornando-se consciente deles, para dominá-los e organiza-los; com o tempo, ele sentirá que o seu corpo começa a reagir totalmente, que não oferece mais resistências, que seus impulsos estão livres... mas nessa experiência é necessário galgar “degrau por degrau, sem falsidade, sem fazer imitações sempre com toda personalidade, com todo o corpo”. O Método da Subtração - A via negativa “O processo criativo consiste [...] em não apenas nos revelarmos, mas na estruturação do que é revelado”. O que Grotowski chama de “método” é exatamente o oposto de “prescrições” – o ator aprender por ele mesmo suas limitações e bloqueios e a maneira de superá-los; algo o estimula e ele reage, mas as reações não devem ser procuradas, só valerão se forem espontâneas. Para ele, todo método que não se abre no sentido do desconhecido é um mau método, e que todos os exercícios que constituem uma resposta à pergunta, Como se pode fazer isso? Devem ser abolidos. O processo que ele ARTE CÊNICA - 3º ANO propõe é o da “via negativa”: O que é que eu não devo fazer? Com uma adaptação pessoal dos exercícios devem-se encontrar soluções para eliminação dos obstáculos, que variam de um indivíduo a outro; sempre são sugeridos ao ator exercícios que induzam a uma mobilização psicofísica, objetivando eliminar tudo que seja fonte de distúrbios à suas reações. É imprescindível que ele tenha condições de trabalhar em segurança, que sinta que pode fazer tudo, que será compreendido e respeitado por seus companheiros. “Não se lhes inculca um saber fazer. Eles precisam encontrar um saber ser”. Nenhum exercício deve ser feito superficialmente; eles são elaborados pelos atores e adotados de outros sistemas, estabelecendo-se nomes para cada um a partir de idéias e associações pessoais, devendo o ator justificar cada detalhe do treinamento com uma imagem precisa – real ou imaginária. É necessário o ator fazer um exame geral diário de tudo o que se relaciona com seu corpo e sua voz, e tudo o que for realizado deve ser sem pressa, mas com grande coragem [...] com toda a consciência, dinamicamente, como resultado de impulsos definitivos. Para que tudo atinja um resultado, a espontaneidade e disciplina são aspectos básicos. O Teatro Laboratório O treinamento é criado no Teatro Laboratório, portanto, para eliminar tais bloqueios sociais/coletivos e individuais. Grotowski interessa-se pelo ser humano. O treinamento no Teatro Laboratório é, portanto, individual e personalizado, já que cada indivíduo traz obstáculos específicos e impedimentos para sua auto-revelação. Segundo Grotowski, o ator é matéria-prima para a construção de sentido das ações cênicas que ele Página 34 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ realiza, um processo profundo de enfrentamento e autoconhecimento. Trabalhar sobre a vivência pessoal/corporal do ator para construção do personagem e da ação, significa trabalhar sobre “si mesmo”, tanto para o ator quanto para o diretor: para o ator, confrontar-se com sua própria vivência, assumir seus limites e bloqueios, tanto físicos quanto emocionais; para o diretor, fugir dos lugares cômodos, abandonar fórmulas e métodos convencionais, se assim for preciso para se deparar com o novo, sabendo receber e manter vivo o diálogo com o ator. Uma redefinição da função e da arte do ator: esta foi a trajetória que Grotowski percorreu. O corpo é o seu veículo privilegiado. O ator necessita conhecer e dominar os seus recursos e isto exige uma formação permanente. Não é um aprendizado de alguns anos, mas para toda a vida. O ator dever questionar-se sempre sobre sua arte, deve colocar a sua técnica em discussão. Caso contrário, o ator será aprisionado na sua função histriônica de imitador, vivendo a ilusão de que ele sabe como simular o ciúme, como representar um ancião, como fazer uma tragédia, etc. Uma formação tradicional que, segundo Grotowski, “nada propõe, além de uma aprendizagem de clichês (...) de uma vã e tola imitação da realidade.” Segundo Grotowski: “No início era um teatro. Logo um laboratório. E agora é um lugar onde espero poder ser fiel a mim mesmo. É um lugar onde espero que cada um dos meus companheiros possa ser fiel a si mesmo. É um lugar onde o ato, o testemunho dado por um ser humano será concreto e carnal. Onde não se faz ginástica artística, trucos. Onde se tem ganas de ser descoberto, revelado, desnudado; verdadeiro de corpo e de sangue, com toda naturalidade humana, com tudo isso que vocês podem chamar como queiram: ARTE CÊNICA - 3º ANO espírito, alma, psique, memória, etc. Porém sempre de forma palpável, também digo: carnalmente, pois de forma palpável. É o encontro, o sair ao encontro do outro, o baixar as armas, a abolição do medo de uns frente aos outros, em toda ocasião.” (Colômbia, 1970). Disse o diretor inglês Peter Brook a respeito de Grotowski por ocasião de tê-lo levado a Londres para trabalhar com os atores de sua companhia: Grotowski é único. Por que? Porque ninguém mais no mundo, que eu saiba, ninguém desde Stanislavski, investigou a essência da interpretação, suas características, seu significado, a natureza e a ciência de seus processos mentais-físicosemocionais de modo tão profundo e completo como Grotowski. Ele diz que seu teatro é um laboratório. De fato: é um centro de pesquisa. Talvez o único teatro de vanguarda cuja pobreza não é desvantagem, cuja falta de fundos não é a desculpa para soluções inadequadas que automaticamente arruinariam as experiências. No teatro de Grotowski, como em todos os laboratórios de verdade, as experiências são observadas. Em seu teatro a concentração de uma pequena equipe é absoluta, em tempo integral (BROOK, 1995, p.61). Fonte Bibliográfica: BARBA, Eugênio. A canoa de papel: tratado de antropologia teatral. São Paulo: Hucitec, 1994. BROOK, Peter. O ponto de mudança: quarenta anos de experiências teatrais. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971; Prefácio de Peter Brook. _________________. “Dia santo” e outros textos. Trad. José Ronaldo Faleiro a partir da edição francesa [“Jour Saint” et autres textes. Traduit du plonais par Georges Lisowski et l’auteur. Paris: Gallimard, 1974. Página 35 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ Sites consultados: A proposta de Jerzy Grotowski <http://cntpteatro.blogspot.com/2006/07/proposta-de-jerzygrotowski.html> acesso em 04/04/09, as 21h20minutos. Wikipedia, a Enciclopédia Livre. Jerzy Grotowski. Disponível em <http://pt. wikipedia.org/wiki/Jerzy_Grotowski> acesso em 11/05/10, às 19h10minutos. TOLENTINO, Cristina. Caleidoscopio.Art. Teatro Contemporâneo - Jerzy Grotowski e o ator performer – A Trajetória do Teatro de Grotowski. Disponível em <http://www.caleidoscopio.art.br/cultural/ artescenicas/teacontemp/jerzygrotowski03.html> acesso em 11/05/10, às 19h55minutos.. TOLENTINO, Cristina. Caleidoscopio.Art. Teatro Contemporâneo – Jerzy Grotowski e o ator performer – O Ator para Grotowski. Disponível em <http: //www.caleidoscopio.art.br/cultural/artescenicas/teacontemp/je rzygrotowski04.html> acesso em 11/05/10, às20h12minutos. TEATRO SIMBOLISTA A exemplo do realismo, tem seu auge durante a segunda metade do século XIX. Além de rejeitarem os excessos românticos, os simbolistas negam também a reprodução fotográfica dos realistas. Preferem retratar o mundo de modo subjetivo, sugerindo mais do que descrevendo. Para eles, motivações, conflitos, caracterização psicológica e coerência na progressão dramática têm importância relativa. Autores simbolistas Os personagens do Pelleas e Melisande, do belga Maurice Maeterlinck, por exemplo, são mais a materialização de idéias abstratas do que seres humanos reais. Escritores como Ibsen, Strindberg, Hauptmann e Yeats, que começam como realistas, evoluem, no fim da carreira, para o simbolismo. Além deles, destacam-se o italiano Gabriele d'Annunzio (A filha de Iorio), o austríaco ARTE CÊNICA - 3º ANO Hugo von Hofmannsthal (A torre) e o russo Leonid Andreiev (A vida humana). Auguste Strindberg (1849-1912) nasce em Estocolmo, Suécia, e é educado de maneira puritana. Sua vida pessoal é atormentada. Divorcia-se três vezes e convive com freqüentes crises de esquizofrenia. Strindberg mostra em suas peças - como O pai ou A defesa de um louco - um grande antagonismo em relação às mulheres. Em Para Damasco cria uma obra expressionista que vai influenciar diversos dramaturgos alemães. Espaço cênico simbolista Os alemães Erwin Piscator e Max Reinhardt e o francês Aurélien LugnéPoe recorrem ao palco giratório ou desmembrado em vários níveis, à projeção de slides e títulos explicativos, à utilização de rampas laterais para ampliar a cena ou de plataformas colocadas no meio da platéia. O britânico Edward Gordon Craig revoluciona a iluminação usando, pela primeira vez, a luz elétrica; e o suíço Adolphe Appia reforma o espaço cênico criando cenários monumentais e estilizados. Fonte: www.teatrosdecultura.com Nas histórias do movimento simbolista não se deu muita atenção ao teatro que se originou dele. Embora existam vários estudos, todos eles abordam o tema do ponto de vista do desenvolvimento teatral em vez do poético, e dentro de limites nacionais em lugar da vantajosa perspectiva nãonacionalista. Foi a estrutura dramática um dos sucessos mais verdadeiros e duradouros que o movimento simbolista criou para a poesia, estrutura que ia além do verso esotérico e íntimo. Página 36 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ As mutações que o simbolismo realizou na escritura do verso nada são, com efeito, quando comparadas aos assaltos feitos à forma dramática. Todavia, o irônico é que não foi a vais das platéias nem a zombaria dos jornalistas, mas os comentários eruditos e lógicos dos especialistas de teatro, que tentaram censurar e por fim demolir o teatro simbolista. Strindberg, Ibsen, Tolstói e Shakespeare contrastavam flagrantemente com a cena teatral local do teatro naturalista. Lugné-Poe reconheceu a necessidade de um novo conceito de teatro e preparou o terreno para o teatro simbolista ao acostumar suas audiências a um teatro santuário, mais um lugar para meditação do que para predicação. Três são os maiores defeitos do teatro simbolista: - Nenhuma caracterização e nenhuma oportunidade de interpretaçãoFalta de crise ou conflito (A morta resolve tudo independentemente de nós) L’ Intrusa é uma preciosidade do teatro simbolista, completamente clara e perfeita quando julgada segundo os padrões simbolistas. O tema é abstrato: a própria morte. Toda encenação é verdadeiramente simbolista, sem qualquer localização especifica ou materialização da idéia. O que se simboliza é a ausência e a passagem dela através de um décor e entre as pessoas que estão nele, e todas reagem à passagem não como entidades separadas mas como uma unidade sinfônica, modulando-se entre si, repetindo-se em sua fala e movimento a uma simples harmonia, em vez de a qualquer conflito pessoal ou particular. - Este tipo de teatro não continha ideologia (Coisa muito comum agora mas naquele momento histórico isso representava uma falha enorme. Do ponto de vista poético, o teatro simbolista é freqüentemente mais bem sucedido onde o verso não consegue realizar os objetivos simbolistas. A ambigüidade do discurso pode ser representada mediante uma relação equívoca entre as personagens e os objetos que as cercam, no teatro simbolista nenhum objeto é decorativo; ele está ali para exteriorizar uma visão, sublinhar um efeito, desempenhar um papel na subcorrente de acontecimentos imprevisíveis. Contudo, um teatro do simbolismo se desenvolveu, não diretamente de Mallarmé, mas do seu entourage simbolista, que corpificou seu sonho da projeção verbal e visual e exteriorização dos ingredientes que constituem o poder da música; comunicação não racional, excitação da imaginação e condução à visão subjetiva. ARTE CÊNICA - 3º ANO A maior contribuição de Maetelinck ao teatro simbolista foi Pelléas et Mélisande. Também neste caso, o tema, o enredo e as personagens são estereotipadas e sem originalidade. A peça trata do eterno triângulo: dois irmãos amam a mesma mulher que está casada com um deles. A peça começa com um encontro casual do herói com a heroína e termina com a natural, embora prematura, morte desta. As personagem não tem nenhum controle sobre qualquer acontecimento, tampouco a tragédia resulta do fracasso das paixões humanas ou da vingança dos deuses. No simbolismo - como na filosofia de Schopenhauer, com a qual tem grande afinidade -, são mais uma vez as Página 37 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ forças exteriores que escapam ao controle da vontade do homem e o colocam entre a vida e a morte, dois pólos da origem misteriosa, inexplicáveis para ele e controlados pelo acaso. Também o tempo é um elemento que está além do controle humano. O caráter determinista e não providenciais das forças exteriores retira do homem a noção de propósito, objetivo e vontade, o significado de qualquer "coup de dés" que se queria tentar. Tanto o simbolismo quanto o naturalismo são, neste sentido, materialistas. Os incessantes esforços feitos por diretores e cenógrafos inventivos, capazes de criar efeitos técnicos de iluminação e decoração afinados ao estado de espírito das peças, têm feito com que estas sejam representadas de vez em quando como manifestações de um "Teatro de arte". A este respeito, o teatro simbolista tem recebido uma importante ajuda por parte dos avançados processos fotográficos, que podem expressar no cinema as ilusões difíceis de se conseguir no palco. Por Anna Balakian O Simbolismo. São Paulo, Pespectiva, 1985 Fonte http://liriah.teatro.vilabol.uol.com.br/historia/teatro_simbolista.h tm Fonte: http://www.grupoescolar.com/pesquisa/o-teatrosimbolista.html ARTE CÊNICA - 3º ANO EXPRESSIONISMO NO TEATRO Texto: Cristina Tolentino No teatro é importante assinalar os nomes de Reinhard J. Sorge, Carl Sternheim, Ernst Toller (O Homem-massa – 1921), Georg Kaiser, Frank Wedekind (O despertar da Primavera, A Caixa de Pandora). No Cinema, os filmes expressionistas vão trazer à tona esse mundo que se tornou tão permeável, que a todo momento parecem brotar, ao mesmo tempo, o espírito, a visão e os fantasmas; sem cessar, fatos exteriores se transformam em elementos interiores e incidentes psíquicos são exteriorizados: "resta-nos falar da fonte inesgotável de efeitos poéticos na Alemanha: o terror, as almas de outro mundo e os feiticeiros agradam tanto ao povo quanto aos homens esclarecidos". (Madame de Stael) Alguns diretores do cinema expressionista: Fritz Lang ( Metrópolis, A Morte Cansada, O Vampiro de Dusseldorf, O Testamento do Dr. Mabuse, Os Espiões, Os Nibelungos I e II); Robert Wiene (O Gabinete do Dr. Galigari, Genuine, A Tragédia do Gólgota); F. W. Murnau (Nosfertu, Fausto, Terra em ChamasFantasma, O Último Homem, Tartufo); Paul Wegener e Henrik Galeen ( O Golem); Stellan Rye (O Estudante de Praga); Pabst (A Caixa de Pandora); Luper Pick ( A Noite de São Silvestre); Hans Kobe ( Torgus). O universo expressionista no teatro e no cinema - assegurar expressividade máxima, atingir diretamente o público, fazer de cada elemento cênico, do ator, do cenário, da luz e da música, um "elemento de choque", um elemento "que age", portador do "grito da alma", eis o que povoa o universo expressionista no teatro e no cinema. Uma reação violenta contra o realismo e o naturalismo, contra Página 38 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ as aparências da realidade material, buscando "desnaturalizar a cena", desembaraçar a cena de todo caráter descritivo, de toda imitação realista para exprimir aí "a essência do drama", pelo jogo antinaturalista do ator, o simbolismo do objeto, da linha, da cor e da iluminação cênica. Permitir ao espectador, não captar o lugar de uma ação, seu quadro, mas o "acontecimento", a realidade profunda do drama. Algumas características da linguagem expressionista: A nostalgia do claro-escuro (a cena será mantida ora na penumbra, ora riscada por feixes luminosos, ora animada por violentos contrastes, modificando-se as cores) e das sombras (projetar sombras sobrenaturais e aumentar a tensão patética), reflexos em espelhos deformantes, distorções, a luz e a escuridão desempenham o papel do ritmo e a cadência da música, a cor é uma tonalidade afetiva, pesada ou leve, triste e doce, mística e clara. Escadas, corredores escuros e desertos, redução do espaço cênico ao essencial, jogar fora tudo que é decorativo, cenas que trabalhem com o "vazio", espaço dinâmico, espaço rítmico, o cenário deve jogar "com", o corpo do ator constrói o cenário. Linguagem entrecortada, estilo telegráfico; frases curtas; exclamações breves; ampliação do sentido metafísico da palavra; expressões vagas; linguagem carregada de símbolos e metáforas; ligeira hesitação antes de pronunciar uma palavra; ênfase à "musicalidade da palavra", independente de seu valor lógico e gramatical. O ator expressionista representa fisicamente. O corpo humano, forma e volume, adapta-se ao estado de alma, tornando-se sua tradução plástica. Não se trata mais de encarnar este ou aquele personagem, de revelar situações, mas de traduzir estados de alma, de sublinhar as características fundamentais dos ARTE CÊNICA - 3º ANO personagens e dos momentos essenciais da ação. Uma arte não de encarnação, mas de revelação. Movimentos abruptos e ásperos; interrupção do movimento em pleno curso; distância dos modos naturalistas - "que o ator ouse estender o braço de maneira grandiosa e coloque todo seu enlevo declamatório numa frase, com decerto jamais faria na vida cotidiana; que não seja de forma nenhuma imitador". O ritmo de um grande gesto tem um caráter muito mais carregado de sentido e emoção que o comportamento natural. Movimentos entrecortados; deformação dos gestos e dos rostos; imagens impregnadas de atmosfera; gestos que não se concluem, bastando um esboço para indicar-lhe o sentido; seqüência de élans e de rupturas. O GRITO, de Munch Página 39 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ No quadro "O Grito" de Munch, que encontramos um grande marco do expressionismo. A deformação da figura chegou a um limite desconhecido para a época. O homem em primeiro plano, com a boca em grito e as mãos pressionadas sobre os ouvidos para não escutar o próprio grito incontido, que é também grito da natureza, reduz-se a uma mísera aparência ondulante numa paisagem de delírio. Tudo está voltado para a expressão: desenho, cor, composição. Munch diz: "ouço o grito da natureza". O expressionismo, da forma como ele se articulou dentro da história da arte moderna, aparece como o movimento mais rico e complexo. Em grande parte, podemos dizer, a arte moderna está mergulhada numa "condição expressionista", pois a maior parte dos artistas contemporâneos sentiram e sentem os temas do expressionismo como seus. Assim, podemos dizer, que o movimento expressionista, em seu conjunto não foi um movimento "formalista", mas de "conteúdos". Um movimento que integrou em si todas as expressões artísticas, nas suas mais diversas manifestações e que até hoje nos traz o eco do seu grito: o grito da alma humana. O TEATRO FUTURISTA Por Dirce Waltrick do Amarante* Em 11 de janeiro de 1911, Filippo Tommaso Marinetti assinou, em Milão, o “Manifesto dos Dramaturgos Futuristas”, o qual defendia que a “arte dramática não deve fazer fotografia psicológica, mas, ao contrário, tender a uma síntese da vida nas suas linhas mais típicas e mais significativas”. Era a defesa de um teatro rápido, ágil, pois não deveria “existir arte dramática sem poesia, isto é, sem ARTE CÊNICA - 3º ANO entusiasmo e sem síntese”. Como lembra Haroldo de Campos, “ao invés de um teatro de atos”, os futuristas buscavam um “veloz e agressivo teatro de átimos”, mais especificamente, um teatro de concentração de energia e de uma nova beleza, a beleza da velocidade. As peças futuristas começaram a ter repercussão quando foi aberto, em 1911, um concurso de “peças rápidas” para a coluna de um jornal italiano. As peças não poderiam ultrapassar 50 linhas. O resultado do concurso mostrou que os concorrentes reduziram suas peças à cena essencial, ao desenlace dramático. A perda da espessura dramática, na dramaturgia futurista, segundo Giovanni Lista, “se traduz em arquétipo, máscara ou no inexplicável, no absurdo”; e também em ação de personagens-objeto, como, por exemplo, em Acabado, um “drama de objetos”, onde o enredo gira em torno da solidão dos “objetos, sobre os divãs”. Os “dramas de objeto” ressaltam a direção antihumanista do teatro futurista, numa tentativa de encontrar temas que pudessem “substituir o adultério do teatro burguês”. O fato é que Marinetti dizia condenar todo o teatro de sua época, “pois que todo ele é prolixo, analítico, pretensiosamente psicológico, explicativo, diluído, meticuloso, estático, cheio de proibições como um código, dividido em celas de um mosteiro, coberto de bolor como uma velha casa desabitada.” O que Marinetti almejava era um teatro dinâmico, simultâneo, irreal e ilógico, que certamente bebeu nas águas do teatro de Alfred Jarry, considerado, por sua peça “Ubu Rei (1896), o “pai do teatro moderno”. Fruto das primeiras tentativas de “economia essencial” no teatro italiano foram as reescrituras de alguns clássicos, como Hamlet, de Rognoni (na minha tradução). Página 40 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ HAMLET (Desvalorização Sintética) (1916) Angelo Rognoni Um lugar que permanece oculto aos olhares que se voltam em direção à fachada do castelo de Esbeneur. Hamlet caminha, pensativo. À esquerda, aparece o espectro. Hamlet (ao perceber sua presença): Boa noite, papai. O Espectro (majestoso): Cale-se, criança. Não sou eu; sou o espectro de mim mesmo. Hamlet (indiferente): Ah, essa é muito boa! Cortina Hamlet, de Rognoni, ilustra um dos mais caros dogmas desse moderno teatro italiano: “é estúpido querer explicar através de uma lógica minuciosa tudo aquilo que se representa (…), pois a realidade vibra à nossa volta, investindonos com rajadas de fragmentos.” Entre os anos 1913-1914, a dramaturgia futurista ganhou finalmente o palco, numa turnê de Eletricidade, versão sintética de Bonecas elétricas, de Marinetti, e a apresentação de um ato apenas de O garoto, de Emilio Settimelli. A partir desse movimento inicial foi divulgado, em 1915, o “Manifesto do Teatro Futurista Sintético”, dessa vez, assinado por Emilio Settimelli e Bruno Corra, além de Marinetti. Se no primeiro manifesto Marinetti já afirmava que no teatro deveria existir uma síntese dos fatos, nesse outro, os artistas afirmavam estarem “convencidos de que devido à brevidade, mecanicamente se possa atingir um teatro totalmente novo, em perfeita harmonia com a nossa sensibilidade futurista, velocíssima e lacônica.” Em tempos de twitter e ARTE CÊNICA - 3º ANO torpedo, a máxima dos futuristas não podia ser mais atual. No entanto, se, hoje, o palco já não é mais o “veículo extraordinário de divulgação de ideias”, na expressão de Sábato Magaldi, na época dos futuristas, noventa por cento dos italianos iam ao teatro, segundo Marinetti, Settimelli e Corra. A brevidade de suas peças permitem, porém, que elas possam ser publicadas na íntegra em jornais, revistas e que sejam lidas de uma assentada, tendo, assim, sua rapidez atualizada em outros meios. Contudo, quando os futuristas postulavam que “os nossos atos poderão ser também átimos, isto é, durar poucos segundos”, não falavam meramente da abreviação do “velho teatro para a maior facilidade digestiva do espectador apressado (…). Trata-se de uma síntese de contusão, de choque, cujo propósito não era embalar o espectador mas arrancá-lo com uma risada ou um safanão, de seu engodo”, salvando o público do contágio de um “pegajoso pathos” e rompendo violentamente a ilusão teatral, como opina Haroldo de Campos. Lê-se no “Manifesto do Teatro Futurista Sintético” que não vale a pena “escrever cem páginas onde bastaria apenas uma, só porque o público, por um instinto infantil, quer ver o caráter de um personagem resultar de uma série de fatos …” Os futuristas tinham também outra máxima: “tudo é teatro quando tem valor”. Para os futuristas, mesmo as situações da nossa vida cotidiana encerram inúmeras possibilidades cênicas. Nesse sentido, cabe lembrar que, ao falar sobre o teatro que frequentava na sua infância, Walter Benjamin recorda que tão importante quanto o espetáculo que ele ia assistir era “sentar-se no meio dos outros que também estavam lá”. Essa situação, essa Página 41 COLÉGIO JESUS MARIA JOSÉ “apresentação do comportamento”, era tão significativa para Benjamin quanto a peça e confirmava que a distância entre os atores e os homens não era tão grande quanto se pensava. DADAÍSMO NO TEATRO Por Thais Pacievitch Foi num café em Zurique, em 1916, onde cantores se apresentavam e era permitido recitar poemas, que o movimento dadá surgiu. Depois do início da I Guerra Mundial, esta cidade havia se convertido em refúgio para gente de toda a Europa. Ali se reuniram pessoas de várias escolas como o cubismo francês, o expressionismo alemão e o futurismo italiano. Isto confere ao dadaísmo a particularidade de não ser um movimento de rebeldia contra uma escola anterior, mas de questionar o conceito de arte antes da I grande guerra. Não se sabe ao certo a origem do termo dadaísmo, mas a versão mais aceita diz que ao abrir aleatoriamente um dicionário apareceu a palavra dada, que significa cavalinho de brinquedo e foi adotada pelo grupo de artistas. O movimento artístico conhecido como Dadaísmo surge com a clara intenção de destruir todos os sistemas e códigos estabelecidos no mundo da arte. Trata-se, portanto, de um movimento antipoético, antiartístico, antiliterário, visto que questiona até a existência da arte, da poesia e da literatura. O dadaísmo é uma ideologia total, usada na forma de viver e como a absoluta rejeição de todo e qualquer tipo de tradição ou esquema anterior. É contra a beleza eterna, contra as leis da lógica, contra a eternidade dos princípios, contra a imobilidade do pensamento e contra o universal. Os adeptos deste movimento promovem uma mudança, a espontaneidade, a ARTE CÊNICA - 3º ANO liberdade da pessoa, o imediato, o aleatório, a contradição, defendem o caos perante a ordem e a imperfeição frente à perfeição. Os dadaístas proclamam a antiarte de protesto, do escândalo, do choque, da provocação, com o auxílio dos meios de expressão oníricos e satíricos. Baseiamse no absurdo, nas coisas carentes de valor e introduzem o caos e a desordem em suas cenas, rompendo com as antigas formas tradicionais de arte. Um diretor de teatro, chamado Hugo Ball, e sua esposa criaram um café literário, cujo objetivo era acolher artistas exilados (Cabaret Voltaire), que foi inaugurado no dia 1º de fevereiro de 1916. Ali se juntaram Tristan Tzara (poeta, líder e fundador do dadaísmo) Jean Arp, Marcel Janko, Hans Richter e Richard Huelsenbeck, entre outros. O dadaísmo foi difundido graças à revista Dada e, através dela, as ideias deste movimento chegaram a New York, Berlin, Colônia e Paris. 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