Jovens, Estudo de Língua Estrangeira e Musicalidade
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Jovens, Estudo de Língua Estrangeira e Musicalidade
Culturas Jovens. Afro-Brasil América: Encontros e Desencontros 10 a 13 de abril de 2012 Trabalho Completo Jovens, Estudo de Língua Estrangeira e Musicalidade Denise Gisele de Britto Damasco Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal Faculdade de Educação da Universidade de Brasília Jovens, Estudo de Língua Estrangeira e Musicalidade Denise Gisele de Britto Damasco1 Resumo Esse trabalho busca compreender como a identidade cultural e a musicalidade do/a jovem podem ser motivadores para o estudo de língua estrangeira. Apresenta-se a categoria analítica juventude e o sentido da formação do/a jovem em língua estrangeira a partir da leitura de Flitner (1968), Mannheim (1961), Margulis (2001), Dayrell (2007) e Spósito (2008). Dessa forma, a principal questão desse artigo é: o interesse do/a jovem em música pode ser uma das motivações para que o/a mesmo/a estude língua estrangeira? Apresentamos a fala de uma professora em uma entrevista narrativa analisada pelo método documentário a partir de Bohnsack (2010) e Weller (2002; 2005; 2007; 2011). Essa professora, nos anos 1950, quando jovem, já partia para os Estados Unidos em busca do ensino de música e canto orfeônico, tornando-se posteriormente professora de inglês e fundadora de um centro público de línguas para estudantes da rede pública. Palavras-Chave: juventude – língua estrangeira – musicalidade – entrevista narrativa – método documentário Abstracts This work intends to understand how the cultural identity and the musicality of the youth may drive the learning of a foreign language. It presents the analytical category of youth and the education of the youth in a foreign language based on the reading of Flitner (1968), Mannheim (1961), Margulis (2001), Dayrell (2007) and Spósito (2008). Thus, the main question of this article is: can the interest of the youth in music be a motivation for studying a foreign language? The speech of a teacher in a narrative interview assayed by the documentary method from Bohnsack (2010) and Weller (2002, 2005, 2007, and 2011) is presented. This teacher, in the 1950s, when still young, departed to the United States in search of music education and choral music; she later became English teacher and the founder of a center for foreign language education for public schools’ students. Keywords: youth - foreign language - musicality - narrative interview - documentary method 1 Professora de francês da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal e doutoranda do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade de Brasília. Endereço para correspondência: SHIS QI 03 conjunto 02, casa 14. Lago Sul, Brasília-DF. Endereço eletrônico: [email protected] . Introdução Esse artigo trata três temas: juventude, língua estrangeira e musicalidade. A categoria analítica juventude é apresentada a partir de alguns estudos clássicos e de leituras contemporâneas, que definem juventude como uma condição historicamente construída e determinada (MARGULIS, 2001). O campo da língua estrangeira trata de língua, linguagem e aprendizagem. Cuq (2003) define língua estrangeira como “toda língua não materna” (p.150)2. Para esse autor, uma língua se torna estrangeira quando a mesma se constitui em um objeto linguístico de ensino e de aprendizagem que se opõem à língua materna, esta última sendo a primeira língua de socialização e primeira na ordem de apropriações linguísticas. Por meio de Feitosa (2000) entende-se que a musicalidade envolve dois aspectos: um abstrato, algo não palpável, outro concreto, visto que a música pode ser ouvida, sentida e reproduzida. A principal questão desse artigo é: O interesse do/a jovem por música pode ser uma das motivações para que o/a mesmo/a estude língua estrangeira? Essa questão foi suscitada na etapa exploratória de uma pesquisa de doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília3. Nessa primeira etapa da pesquisa de doutorado, realizou-se uma entrevista narrativa, com uma professora de inglês e fundadora de um Centro Interescolar de Línguas, escola pública específica de idiomas para estudantes da rede pública de ensino do Distrito Federal. Esse artigo está organizado em quatro partes: a) a primeira se refere à contribuição de estudos clássicos e aportes de leituras contemporâneas para conceituar juventude; b) a segunda parte contextualiza o estudo de língua estrangeira no Distrito Federal c) a terceira etapa trata da educação por meio da musicalidade e finalmente, d) a quarta parte apresenta alguns relatos provenientes da entrevista narrativa de uma professora de línguas que no início da segunda metade do século XX, quando jovem, partiu para os Estados Unidos em busca do ensino de música e coral, sendo posteriormente professora, coordenadora de inglês nos anos 1970 da Secretaria de Estado de Educação do DF, fundando uma escola pública de línguas, referência para o ensino de línguas. 2 Tradução nossa. Inserido na linha de pesquisa Políticas Públicas e Gestão da Educação e vinculado ao GERAJU, grupo de pesquisa: Gênero, Raça/Etnia e Juventude. Abordam-se dois eixos nesse projeto: juventude e língua estrangeira. Essa pesquisa de doutorado acontece de 2010 a 2013. Em abril de 2012, está previsto o exame de qualificação de projeto de tese, cujo título até a presente data é “Juventude e Línguas Estrangeiras: visões de mundo de jovens do Distrito Federal”. 3 De alguns estudos clássicos às leituras contemporâneas sobre juventude A fim de se conceituar e caracterizar juventude pretende-se, primeiramente, revisitar alguns estudos clássicos sobre esse tema. Islas (2009) chama a atenção para o fato de que os textos clássicos têm sido lidos por acadêmicos para o entendimento do que é o juvenil, pois “o importante, nesse caso, não é o produto, mas o processo de diálogo que se pode estabelecer com eles” (ISLAS, 2009, p. 40). Assim, quatro artigos se destacaram: Flitner (1968), Lapassade (1968), Matza (1968) e Mannheim (1961). O primeiro artigo foi apresentado no primeiro volume da coleção Sociologia da Juventude e retrata a Europa de Marx à América Latina dos anos 1960. Os artigos de Lapassade (1968) e Matza (1968) se encontram no volume III dessa mesma coleção, cujo tema é a vida coletiva juvenil e foram artigos dedicados aos grupos marginalizados, aos rebeldes e às tradições ocultas da sociedade, respectivamente. O artigo de Mannheim (1961) está presente também nessa coleção, volume I e no livro Diagnóstico de Nosso Tempo. Flitner (1968) destaca-se o termo “ductilidade” ao se referir à juventude, pois a mesma não pode ser somente considerada como um reflexo da situação histórico-social, mas tem uma flexibilidade, a propriedade daquilo que é contemporizador e plástico. Entende-se que esse estudo sobre juventude seja atual na medida em que a compreensão a respeito da ductilidade seja uma necessidade ainda presente na juventude contemporânea. Lapassade (1968) analisa em seu texto “Os rebeldes sem causa”4 o problema da marginalidade juvenil a partir de uma nova análise do conceito de crise. Distingue a crise da puberdade – fisiológica – da crise psicológica e individual da adolescência. Chega ao conceito sociológico de crise da juventude de que vê um exemplo na rebelião sem causa dos jovens na Suécia. 4 No ano de 2011, jovens estudantes da Universidade de São Paulo manifestaram-se contrário ao policiamento militar nessa universidade e foram amplamente criticados pela mídia brasileira como rebeldes sem causa. Ver em:http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/os-tumultos-causados-pelos-rebeldes-sem-causa-da-usp; http://blogs.estadao.com.br/tutty/rebeldes-sem-causa-e-vice-versa;http://twitter.com/andradejpaulo; http://observatoriopolitico.org.br/2011/11rebeldes-sem-causa , entre outros blogs e sites, acesso em 16 /01/2012. Essa expressão foi utilizada pela mídia para criticar os/jovens manifestantes como se os/as mesmas reclamassem sem razão. Para Lapassade (1968), “os jovens em cólera não são apenas adolescentes atormentados. Sua crise não é passageira e não testemunha somente uma busca ansiosa de si” (p. 117). Esse autor define os rebeldes sem causa não como os revolucionários, pois não visam a mudança de uma ordem social. Também não são delinquentes, pois não pretendem aproveitar-se da sociedade, visto que destroem seus símbolos muitas vezes. Matza (1968) apresenta alguns/mas jovens da sociedade americana que escolhem viver em grupos marginalizados, na medida em que se deixam influenciar por tradições denominadas ocultas. Esse autor reflete a delinquência como sendo transmitida por meio de uma tradição oral. Ao descrever o aspecto característico do espírito da delinquência destaca também o radicalismo estudantil, a boêmia, suas essências e substâncias. Tal como Lapassade (1968), Matza (1968) se limita a apontar como a rebeldia dos jovens se constituiu em movimentos (radicalismo, boemia, delinquência) como uma tradição oculta. A rebeldia é cultivada de modo oculto e marginal. No século XX, podem-se identificar alguns trabalhos antes da Segunda Guerra, como o Problema das Gerações, publicado por Karl Mannheim em 1928. Em 1929 escreve o livro Ideologia e Utopia no qual afirma que todo ato de conhecer não é resultado apenas da consciência puramente teórica, mas de inúmeros elementos de natureza a-teórica, que são provenientes da vida social e das influências e vontades a que o indivíduo está sujeito. Em escritos posteriores, produzidos no período da Segunda Guerra, Mannheim define juventude como uma força social. Essa postura rompe de certa forma, com as visões até então sustentadas de que as revoltas juvenis seriam anormalidades: “a mocidade pertence aos recursos latentes de que toda a sociedade dispõe e de cuja mobilização depende de sua vitalidade” (MANNHEIM, 1961, p.38). Essa abordagem sociológica de Mannheim (1961) é inovadora na medida em que está interessada em compreender a natureza e o contexto da sociedade em que a juventude se encontra e como ela pode oferecer contribuições à mesma. Não busca diagnósticos habituais, ao contrário, compreende o processo de reciprocidade na relação sociedade e juventude. Desse ponto de vista, pensar a integração da juventude à sociedade em uma perspectiva de articulação significa especificar o processo formativo desde a adolescência, pois os/as jovens mobilizados/as e integrados/as poderiam ajudar a sociedade a buscar uma nova saída. De acordo com Mannheim (1961) as potencialidades da juventude se desenvolvem em uma sociedade na medida em que as oportunidades surjam, sejam aquelas para a transformação ou para a opressão. Mannheim (1961) compreende que as comunidades que se transformam lentamente não conhecem o que são as unidades de geração, essas alimentadas por enteléquias novas, pois as novas gerações crescem em meio a transformações contínuas de progressão invisível. A partir da obra de Mannheim, compreende-se que não se pode falar em juventude sem relacionar essa categoria analítica com a categoria gerações. Na teoria de gerações desenvolvida por Mannheim (1993) o tempo é compreendido como tempo interior, tempo esse que não pode ser definido fora da experiência dos sujeitos, pois o mesmo já foi vivido. Não se pode mensurá-lo. Essa teoria se afasta da ideia de tempo linear, inserindo o sujeito em seu contexto sócio-histórico. Relacionar a juventude com a escolarização foi também um tema presente desde escritos de Mannheim (1961) quando o mesmo trata a respeito do papel das escolas públicas. Esse papel “deve ser o de atuarem tanto como conservadoras dos elementos valiosos da herança cultural quanto como receptoras do estímulo entusiástico e da vitalidade que sempre parecem caracterizar as classes em ascensão” (MANNHEIM, 1961, p.53). A escola pode estabelecer essa relação ativa de concessões mútuas entre os/as jovens das diferentes camadas sociais quando abre “oportunidades para grupos que há séculos viviam sob imensa pressão” (idem). Mannheim introduz (1961, apud Weller, 2011) os espaços sociais de experiências conjuntivas ao compreender que as gerações são relações com o meio social, os sexos, a faixa etária dentre outros fatores. Assim, Flitner (1968), Lapassade (1968), Matza (1968) e Mannheim (1961) em seus clássicos estudos sobre juventude e gerações se destacam: a) no entendimento que não se pode tratar o período de juventude “como fase isolada” (FLITNER, 1968, p.39), não há como pensar em juventude sem pensar em gerações (MANNHEIM, 1993); b) na constatação de que há muito tempo existe “uma falta de precisão com o que são aplicados os conceitos de ‘juventude’, ‘rapazes e moças’, ‘os jovens’, que são utilizados como contrastes para ‘criança’.” (FLITNER, 1968, p. 40); c) no fato de a juventude não ser considerada apenas o reflexo da situação histórico-social, mas também, segundo Flitner (1968), caracterizada por sua ductilidade, com a capacidade de dobrar-se sem se quebrar, adaptando-se em diversas situações; d) na compreensão de que desde o século XVIII há uma discussão sobre os problemas sociológicos relativos ao abandono e à criminalidade que se atrelam à juventude, fazendo com que se alargue o entendimento da origem dos crimes, chegando até mesmo à conclusão de que a injustiça social pode ser a razão dos mesmos e que não se pode atribuir à delinquência juvenil à pobreza; e) e finalmente, na constatação de que não basta se realizarem levantamentos e questionários exitosos em determinadas dimensões da vida juvenil com jovens de um determinado país a fim de que as conclusões dos mesmos possam ser transferidas aos/às jovens em outras situações e países e ainda que, nem mesmo as crises e conflitos “entre jovens e a sociedade não têm em todo lugar o mesmo significado” (LAPASSADE, 1968, p.117), há de se valorizar a singularidade nos estudos. Optou-se nesse artigo por leituras contemporâneas sobre juventude, cujos autores retomam a questão geracional, pois não há como se falar de juventude sem se compreender e conceituar gerações, a saber: Margulis (2001), Leccardi (2005), Feixa e Leccardi (2010), Dayrell (2007) e Spósito (2008). Outra opção feita para essa pesquisa foi a utilização do termo juventude, no singular, mesmo sabendo que as juventudes são múltiplas (MARGULIS, 2001) e que alguns autores preferem utilizar esse termo no plural. Margulis (2001) explicita que a juventude é uma categoria histórica e não somente biológica. Para esse autor, o termo juventude refere-se a uma identidade social dos sujeitos envolvidos. Essa identidade é relacional, pois há diversos marcos institucionais em que o/a jovem está inserido: família, escola, trabalho, partido político, associações, entre outros. A juventude não pode ser determinada apenas pela noção de idade, pois seria reduzir esse conceito. Esse autor entende que “todos querem ser jovens: os que o são e não parecem sê-lo, e ainda os que não o são” (MARGULIS, 2001, p.51)5. Dayrell (2003) afirma que há muitas formas de “ser jovem” (p.41), que sobrepõem o quesito etário. Spósito (2008) compreende a juventude como uma fase da vida em que inicia a busca de certa autonomia, a construção de elementos de identidade (pessoal e coletiva) e uma fase de experimentação. Destaca que há diversos caminhos e os contornos para a entrada na vida adulta e que a cada dia tais caminhos são mais complexos e menos lineares, pois a escolarização não garante o emprego almejado e necessitado por muitos/as jovens. O artigo de Feixa (2006a) sobre o quarto dos adolescentes traz os primeiros resultados de uma pesquisa sobre o tema, na qual o quarto do/a jovem foi observado como um laboratório de microcultura juvenil. Para Feixa (2006a) “as formas pelas quais cada sociedade conceitua as fronteiras e os passos entre as distintas idades, assim como as relações entre as gerações” (p.82) podem gerar reflexões sobre as transformações de estilos de vida e de valores dessa sociedade. O quarto do/a jovem, que nos anos 1960 passou a ser símbolo de um sujeito social que emergia a época, a juventude, no final dessa década, nos anos 1970 expande-se para apartamentos e comunidades habitadas por estudantes de ambos os sexos. Se nos anos 1980 há 5 Tradução nossa. uma “eclosão do mercado do ócio” (p.99), nesses últimos anos do século XXI surge, como resultado da cultura digital, o espaço privado gerado pela comunicação interpessoal, no qual os/as jovens têm em seus quartos um lócus que os conecta ao mundo todo. Leituras contemporâneas sobre juventude a partir de Leccardi (2005), Feixa e Leccardi (2010) retomam o caminho de Mannheim sobre gerações. A dimensão geracional de Mannheim rompe com a tendência anterior que acreditava que a juventude era desviante. Gerações são processos dinâmicos e interativos. O conceito de gerações engloba as diferenças de classe, desigualdades de gênero, étnico-raciais e culturais. Diversos estudos clássicos e contemporâneos sobre juventude tendem a compreender os sujeitos jovens e suas condições sociais. O próprio conceito de juventude nasce de uma “disputa de saberes” (ISLAS, 2009, p.11), partindo primeiramente, de uma perspectiva adulta. O estudo de línguas estrangeiras no Distrito Federal Martinez (2008) compreende que a aprendizagem de uma língua estrangeira (salvo no caso de uma aprendizagem precoce) pode propiciar uma recomposição do mundo, uma reconstrução, inclusive, de uma imagem que se faz de sua própria língua, pois “tem-se facilmente o sentimento que o ensino e a aprendizagem de um novo sistema exercem um efeito de lupa sobre problemas fonéticos, lexicais, semânticos que não se percebia antes” (MARTINEZ, 2008, p.23)6. Esse autor insiste que a aprendizagem de uma língua reflete toda “uma visão de mundo, do funcionamento dos homens, das ideias e das coisas que se acreditavam serem familiares” (p.23)7. Segundo Rottava (2006) “apesar de a língua portuguesa ser próxima da língua espanhola e muitas vezes seus aprendizes estarem em imersão, as necessidades de hispanofalantes não se resume às interações orais ou leitura” (p.81). Entende-se que o estudo de uma língua estrangeira não significa apenas adquirir um idioma, sua a aprendizagem gramatical ou a comunicação oral. O tema língua estrangeira diz respeito ao estudo da linguagem e ao sentido de língua para os/as jovens. 6 7 Tradução nossa. Tradução nossa. Coracini, Avolio e Marinelli (1986) destacam que mesmo se o/a jovem não tenha consciência da utilidade de uma língua estrangeira em sua vida, esse estudo pode lhe proporcionar prazer, “colaborando com as demais disciplinas, para o bom desenvolvimento das operações cognitivas necessárias ao desempenho social e intelectual” (p. 124). Essas autoras relembram que os/as jovens, enquanto pessoas que pensam, raciocinam, comparam e analisam têm dificuldades em realizar operações que parecem simples, como criar conceitos, estabelecer relações, extrapolar do plano linguístico, antecipar, inferir devido a um “sistema escolar amplamente passivo e massificante” (p. 124). Compartilha-se com a ideia dessas autoras de que o estudo de uma língua estrangeira “facilita a conscientização da própria língua, permite o confronto cultural, ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento intelectual do aluno, criando nele o hábito de pensar, comparar, analisar, inferir [...]” (CORACINI, AVOLIO, MARINELLI, 1986, p.131- 132). Os/as jovens têm tido uma mobilidade ampliada, não somente física, mas também uma mobilidade em um ciberespaço. O estudo de uma língua estrangeira pode ser um facilitador para essa mobilidade. Weller (2005) afirma que “a condição juvenil como espaço-tempo, na qual estilos de vida são descobertos e experimentados, experiências geracionais, identidades são construídas e/ou reconstruídas, tem sido pouco explorada [...] (p.110). Diversos autores, segundo Weller (2005), pretendem interpretar as culturas juvenis somente como respostas ou soluções para os problemas enfrentados no cotidiano, como as desigualdades de classe e/ou étnicas. Conforme Dalgalien, Lieutaud e Weiss (1981) toda aprendizagem supõe uma reestruturação do universo mental do/a estudantes e ao se levar isso ao aprendizado de línguas, há uma readequação do ponto de vista auditivo, articulatório, morfossintático, semântico e cultural. Para esses autores, essa reestruturação que pode ser quase total da realidade, e até de si próprio pode gerar uma “aceitação de uma destruição parcial da visão de mundo transmitida pela língua materna” (DALGALIEN, LIEUTAUD E WEISS, 1981, p.11). Isso acontece “somente se há uma forte motivação para a aprendizagem das línguas em geral e por uma determinada língua em particular” (idem, idem)8. Um rearranjo e uma aceitação de limitações fazem parte da aprendizagem de uma língua estrangeira, pois “aprender uma língua é adquirir o domínio de um número elevado de restrições de todos os tipos (fonéticas, morfossintáticas, semânticas, 8 Tradução nossa. situacional-sociais) e as quais a liberdade de expressão oral e escrita solicitam” (DALGALIEN, LIEUTAUD E WEISS, 1981, p.14). Romanelli (1978) afirma que a abertura à internacionalização no Brasil ocorreu a partir do Governo de Juscelino Kubitschek, com a abertura nos anos 1960 da economia ao capital estrangeiro. Assinou os Acordos Mec-Usaid, com a Agency for International Development (AID) para assistência técnica e cooperação financeira dessa Agência à organização do sistema educacional brasileiro9. Observa-se que há uma maior valorização das áreas tecnológicas com predominância do treinamento específico sobre a formação geral. Consequentemente, as áreas de humanidades e de ciências social, de uma forma geral, perdem status devido reformas do ensino que foram desencadeadas por esse tipo de ajuda internacional para a educação. O intercâmbio internacional reflete diretamente na busca pelo ensino de línguas, quer antes da partida ao país da bolsa de estudos, quer no retorno de intercâmbio, para aprofundamento dos estudos de novo idioma. Nos anos 1970, por exemplo, é criada a empresa EMBRAPA (Empresa Brasileira de Produtos Agrícolas) que envia aproximadamente ao longo dos anos subsequentes cerca de dois mil funcionários/as para o exterior. Assim, por meio de bolsas de estudo, quer para o processo educacional lato sensu ou strito sensu, esse treinamento ou formação fora do país, “favorece êxodo e cérebros, ou, pelo menos, pode esse treinamento ser considerado uma de suas causas” (ROMANELLI, 1978, p.203). Nos anos de 1980 e 1990 surgiram inúmeras faculdades, centros universitários e universidades particulares em todo território nacional com oferta de licenciaturas em línguas. Torna-se cada vez mais evidente que “a aprendizagem de pelo menos uma língua é de fato uma oportunidade única para nos livrarmos das limitações que o monolinguismo impõe à formação de cidadãos cultos e preparados para a vida contemporânea” (ALMEIDA FILHO, 2004, p.31). Dessa maneira, o ensino de francês no Distrito Federal a partir da inauguração da capital oferecido pela Aliança Francesa funcionou com o empréstimo de salas de aula de escolas públicas da rede pública do Distrito Federal. Em 1963, a Aliança Francesa começa a funcionar em sua própria sede. Em 1966, firmou-se um convênio, ou seja, uma cooperação técnica entre a Secretaria de Estado de Educação e a Aliança Francesa. Duzentas bolsas de estudos foram ofertadas à época ao setor público e quatro professores, concursados pela SEDF, foram 9 Para uma análise crítica aos acordos, ver Romanelli (1978), sobretudo da compreensão por essas agências de que os países subdesenvolvidos estavam imersos em atrasos e a necessidade de se migrar de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna. requisitados para esse convênio. Em 1975, o convênio estabelecido entre a SEDF e a Aliança Francesa se ampliou atendendo algumas escolas públicas de Taguatinga. Doze anos mais tarde, a uma escola do Guará. A cooperação técnica entre a Aliança Francesa e a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal tem sido renovada a cada três anos. Ao longo de sua histórica na capital do país, constatou-se uma gradativa ampliação do número de bolsas de estudos em língua francesa ofertadas, atingindo nessa última edição do convênio o total de mil e cinquenta bolsas de estudos na Aliança Francesa, a saber: mil bolsas de estudos para estudantes da rede pública de ensino e cinquenta bolsas de estudos para servidores/as da rede pública bem como a cessão de seis professoras até dezembro de 2010. Com o novo acordo assinado entre a SEDF e Aliança Francesa, para os anos 2011-2013 reduziu o número de bolsas aos estudantes em 30%, totalizando setecentas bolsas e mantendo o número de cinquenta bolsas para professores/as da SEDF. Parcerias têm sido estabelecidas com as associações de cultura e os centros Interescolares de línguas, tal como a parceria entre o CIL de Brasília e o Instituto GoetheZentrum. Em 2010 abriram-se quatro turmas para o ensino de alemão nessa escola. A parceria entre o CIL de Sobradinho, a Secretaria dos Direitos Humanos e Cidadania, Embaixada do Japão e da UnB propiciou o início da oferta de japonês nessa escola, que poderá ser estendida para outros centros interescolares de línguas do DF. Damasco (2010) em artigo publicado sobre as políticas públicas de ensino do francês como língua estrangeira no DF analisa o conceito de políticas públicas a partir da obra de Muller e Surel (1998) e a legislação intitulada Estratégia de Matricula, da Secretaria de Estado de Educação do DF. Destaca que o sentido de uma política pública é implícito e explícito, pois os/as elaboradores/as de uma política pública não são capazes de prever todas as consequências dessa ação pública. Acrescenta que toda política pública tem uma dimensão simbólica, cujo impacto passa também pela construção de imagens. Explicita que toda política pública tem um caráter contraditório. Isso foi observado na oferta de francês como língua estrangeira - FLE nos CILs e na Aliança Francesa, por meio da cooperação técnica entre a SEDF e essa instituição. Na medida em que os/as estudantes da rede pública têm mais oportunidades de estudo de FLE, essa cooperação pode frear a oferta do ensino de FLE pelos CILs e pelo ensino privado, pode redirecionar o fluxo de professores/as de CILs para que ministrem aulas na Aliança francesa de Brasília, cujo calendário escolar e ofertas de formação contínua em Brasília e mesmo no exterior são distintas daquelas oferecidas pela própria rede pública de ensino. No Distrito Federal, com a população residente total em torno de 2.570.160 habitantes, dos quais 2.482.210 habitantes em zona urbana e 87.950 habitantes em zona rural tem-se o total de 734.970 jovens de 15 a 29 anos10. Os/as jovens alfabetizadas de 15 a 29 anos somam 728.035 segundo o Censo 2010. Segundo os dados da Secretaria de Estado de Educação houve um total de 78.188 matrículas no ensino médio em 2009 e 57.172 matrículas na modalidade EJA11. Tais estudantes tiveram como opção em 2009: a) escolas de ensino fundamental e médio (37 escolas), b) escolas apenas de ensino médio (33 escolas); c) uma escola técnica de ensino médio integrado a educação profissional; d) e um total de 1.458 turmas de educação EJA espalhadas em diversos estabelecimentos de ensino, no turno noturno e na escola específica de EJA, intitulada CESAS – Centro de Ensino Supletivo Asa Sul12. O ensino de língua estrangeira envolve anualmente mais de 30 mil jovens do Distrito Federal, que estudam em escolas públicas de línguas, ou seja, em oito centros interescolares de línguas. Por meio da cooperação técnica entre essa Secretaria e a Aliança Francesa 700 estudantes e 50 professores/as estudam francês nas dependências da Aliança Francesa de Brasília. Apesar de se reconhecer que na capital federal há estratégias, políticas e programas em direção ao ensino de língua estrangeira – LE na rede pública de ensino vivencia-se os limites de tais esforços e atribui-se provavelmente tais limites ao custo do estudante em escolas específicas de LE13. São custos relacionados ao deslocamento e transporte escolar dos discentes, aquisição de material escolar específico, equipamentos de áudio para as instituições em que se ministram as aulas de língua estrangeira e número maior professor/a alocados/as para esse ensino, tendo em vista que o número de estudantes por turma é menor se comparado ao número de estudantes por turma no ensino regular. Há custos também referentes ao tempo dispensado ao estudo de língua estrangeira e que para o/a jovem do ensino médio, o estudo de LE em turno contrário significa, muitas vezes, a não realização de estágios remunerados. Conclui-se que há pouca oferta de ensino de línguas gratuito, pois nem a metade de estudantes do Ensino Médio 10 Segundo o Censo do IBGE/Estados em 2010 em http://ibge.gov.br/estadossat, acesso em 09/10/2011. De acordo com dados da SDF/DICEN/Censo Complementar e Educacenso, Relatório de Matrículas, disponível no www.se.df.gov.br, média até novembro /2009. Diversos acessos em setembro de 2011. 12 De acordo com dados da SDF/DICEN/Censo Complementar e Educacenso, Relatório da Rede – Instituições Educacionais, disponível no www.se.df.gov.br, média até novembro de 2009. Acesso em setembro de 2011. 13 Conforme DAMASCO (2010) . 11 tem com uma vaga em centro interescolar de línguas, visto que os demais têm a disciplina língua estrangeira ofertada em sua própria escola. A educação por meio da musicalidade No Brasil a educação musical e a escola nem sempre estiveram juntas ao longo de sua história. Fernandes (2000) reflete sobre a aceitação ou rejeição da educação musical na escola pública e cita o caso do Rio de Janeiro. Esse autor afirma que “valoriza-se a música em determinados momentos e em outros ela é descartada” (FERNANDES, 2000, p.83), havendo uma rejeição do ensino da música enquanto uma área de ensino. Acredita que a não integração da música escolar com a música da comunidade é um fator de limitação” (FERNANDES, 2000, p.84) e que os/as estudantes valorizam a música na escola. Oliveira (2011) detalha o modelo nacional de educação musical pública durante 30 anos no Brasil e “seus efeitos (que) ainda estão presentes na identidade cultural do povo brasileiro” (Prefácio). Esse modelo consolida um ideário nacionalista de Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde do governo de Getúlio Vargas. Trata-se do canto orfeônico: modalidade de canto coletivo surgido na França, implantado como um alfabetizador musical das massas populares no Brasil na década de 30 sob a orientação de Heitor Villa-Lobos. Segundo essa autora, a música nesse contexto desempenhou um duplo papel ligado à questão de tradição: seja reafirmando a disciplina que a escola burguesa herdou, seja através da música como um comendo que vai garantir a estratificação de um poder constituído ou em processo de construção. A música é utilizada, então como elemento disciplinador. Segue-se a associação dos elementos musicais a categorias de elementos verbais para a criação de uma unidade discursiva verbal/musical a partir da análise de algumas canções e hinos escolhidos dentre os materiais didáticos elaborados por Villa-Lobos e sua equipe” (OLIVEIRA, 2011, p.24). Assim, primeiramente no Rio de Janeiro, que era capital federal e centro das atividades educacionais de Villa-Lobos, a implantação da disciplina Canto Orfeônico ocorreu com o apoio à formação de professores. Essa disciplina foi expandida para outros estados, tendo abrangência nacional em 1942, com a criação do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, instituição especializada na formação de professores para a atuação nas escolas públicas. Alguns autores têm chamado a atenção sobre a importância da música e sua relação com outras disciplinas, tais como a matemática ou literatura. Feitosa (2000) alerta que “através da música vem a dança, a noção de ritmo, ao mesmo tempo, antes, depois, junto, separado, espaçado, repetido etc.” (p.77). Tais conceitos, ao fazerem parte de um referencial práticoteórico, facilitam “o desenvolvimento de uma relação estética entre o autor, a obra e o meio” (idem). Para esse autor, a música quando presente na organização do trabalho pedagógico propicia “relações de sociabilidade, as noções espaciais, o equilíbrio a agilidade corporal e de raciocínio” (FEITOSA, 2000, p. 78). Soares (2005) em seu artigo sobre a intertextualidade nas canções de música popular brasileira afirma que desde a Idade Média a poesia e a música já se fundiam nas chamadas cantigas trovadorescas. A poesia era cantada, acompanhada por coro e instrumentos musicais. Souza (2002) em seu artigo sobre a música na formação dos professores/as dos anos iniciais do ensino fundamental esclarece que os primeiros cursos de pós-graduação em música do Brasil foram criados no final da década de 1980, início dos anos 1990. Relembra que o ensino musical havia passado por uma situação “lastimável” desde o término da Segunda Guerra Mundial, em que houve a ruptura com das artes com a tradição e da música se recusando a servir somente aos interesses da classe dominante (FUKS, 1995, apud SOARES [2005]). A canção de Caetano Veloso e gravada por Gal Costa em 1969 intitulada Baby exprime a necessidade de se falar inglês com o verso “Você precisa aprender inglês”. Sabe-se que em contextos de aprendizagem de idiomas, as músicas é um facilitador na aprendizagem. Entretanto, pesquisas sobre a musicalidade e o ensino de línguas não têm sido presentes após levantamento bibliográfico sobre esse tema. Cardoso (2002) em seu artigo sobre a interpretação de expressões metafóricas em letras de música por estudantes de inglês como língua estrangeira se perguntou como os estudantes co-constroem os significados dos enunciados metafóricos da leitura dessas letras. Para responder a essa questão a autora se utilizou de letras de música cujo tema era o amor. Conclui que há necessidade de mais pesquisas sobre a relação língua estrangeira e a co-construção de significados metafóricos s em letras de musica. Acredita-se que há uma lacuna na pesquisa que faz a interseção entre juventude e língua estrangeira. Pretende-se abarcar esse tema em futuros grupos de discussões com jovens do Distrito Federal, a fim de melhor se compreender o caminho que mobiliza o/a jovem nos estudos de línguas. Procedimentos metodológicos: Entrevista Narrativa Analisar juventude significa também entender a velhice, pois é necessário que se apresente uma geração em relação à outra. Schütze (2011) afirma que o interesse pelo ciclo de vida de grupos etários de uma dada sociedade com determinadas características sociais tem muito interesse para as Ciências Sociais. Para esse autor, “a história de vida é uma sedimentação de estruturas processuais maiores ou menores, que estão ordenadas sequencialmente, e, que por sua vez, estão ordenadas sequencialmente entre si” (SCHÜTZE, 2011, p.211). A entrevista narrativa para Appel (2005) é uma reconstrução biográfica, uma possibilidade de troca cultural e social. Sugere que se entreviste pessoas que tiveram papel importante nos processos de trocas culturais, que foram mediadores culturais (p.2)14. Por meio da análise de uma entrevista narrativa, Appel (2005) compreende que o estudo dos processos biográficos e sociais reflete uma vinculação entre os indivíduos, o coletivo local e a sociedade como um todo. Bosi (2007) afirma que a memória pessoal busca mostrar “uma memória social, familiar e grupal” (p.37). Rivera (2001) destaca também que a importância da memória individual está no fato de a mesma revelar a pertença desse indivíduo em vários grupos sociais, fazendo surgir memórias coletivas. Para esse autor, a memória individual “é um ponto de vista sobre a memória coletiva” (p.32). Dessa forma, a veracidade dos fatos contados por parte daquele/daquela que narra sua história pode conter lapsos ou mesmo erros, entretanto, esses são “menos graves em suas consequências que as omissões da história oficial” (BOSI, 1994, p, 37). O interessa maior está naquilo que foi escolhido e lembrado na história de vida de uma pessoa. A primeira entrevista narrativa com a professora coordenadora de língua inglesa dos anos 1970 foi também filmada, pois a pesquisadora considerou que o vídeo poderia ser uma contribuição para a história do LE no DF. A entrevista narrativa foi introduzida com apenas uma 14 Tradução nossa. questão principal: “Eu gostaria de conhecer a sua história. O/a sr./a poderia me contar a sua história? Não é preciso ter pressa e pode falar sobre tudo que for importante para o/a sr/a”. Durante essa entrevista a pesquisadora procurou escutar e retomar o tema apenas quando a mesma observou que havia necessidade de um gancho ou um retorno ao assunto para que o/a participante concluísse seu pensamento. Isso aconteceu algumas vezes quando a participante fazia um silêncio, aguardando algum sinal da pesquisadora para continuar a sequência de sua explanação. Pretende-se analisar essa entrevista por meio de aportes do Método Documentário, de Ralf Bohnsack ao longo da pesquisa doutoral. Durante a primeira fase de análise desse método, tem-se a interpretação formulada. Essa fase apresenta o sentido imanente do que foi narrado, revelado após a transcrição das falas. Durante essa primeira etapa, a entrevistada relatou que fez curso de regência e de canto coral e que esse foi um curso muito bom que havia lhe dado um embasamento. Afirmou que tinha um coral misto com pessoas de igreja e que faziam muitos concertos. Repetidas vezes enfatiza que tudo isso era muito bom para ela. A entrevistada conta que deu aulas em uma escola particular em São Paulo, que implantou o coral nessa escola, que ensinava canto nessa escola. A música e o inglês a levaram para os Estados Unidos, pois a mesma ganhou uma bolsa para estudar em Princeton, aos 18 anos. De acordo com suas palavras, como a Universidade de Princeton só aceitava homens, ela foi para o College dessa Universidade. Antes de partir, no Brasil, ela já lecionava cursos de inglês, mas a possibilidade de partir para o exterior por meio da música foi para a mesma “muito bom”, tendo aproveitado muito essa oportunidade. Suas colegas nesse período nos Estados Unidos eram todas da turma de música. Nessa ocasião teve a oportunidade de conhecer Albert Einstein que era professor em Princeton. Lembra que no inverno quando patinava no gelo com sua colega, cruzaram com ele, que saia desse lago. Conta ainda que toda quarta-feira havia um sarau para os professores e estudantes. Todos/as iam nesse sarau e que o viu nessas ocasiões. Nesse sarau improvisavam faziam uma cantata, cada um ouvia a sua voz, cantavam em conjunto, mas tudo de improviso, sendo que o organista era da Universidade, uma pessoa extraordinária. Isso a deixava encantada. Foram muitas oportunidades relacionadas à música. Teve bons professores/as e ao retornar ao Brasil, se esqueceu de tudo, nunca mais tocou órgão, pois os órgãos dos Estados Unidos eram de tubos, “coisas de primeira geração” que não se tinha no Brasil. Trabalhou no Brasil com música em igreja, cantou com seu coral em casamentos pelo país, sobretudo em casamento de amigos/as. Entretanto, não fez carreira profissional atrelada à música, mas sim como professora de inglês. Ao se mudar para Brasília nos anos 1970, entrou com um projeto junto ao Ministério da Educação para criação de uma escola pública de línguas. Essa escola foi oficializada em 1975 e atualmente há oito centros interescolares de línguas no DF. Considerações finais A linguagem marca as regras da vida na sociedade e preenche essa vida de objetos que têm significações. Vernant (1997) afirma que “o mundo real não pode mais ser nem apresentado nem representado, ele é construído” (p. 17). Assim, tratar de língua estrangeira significa em nosso entender, tratar de linguagem e língua. A linguagem é capaz de ultrapassar a realidade da vida cotidiana e abraçar também esferas da realidade distintas. O/a jovem se comunica por meio de diversas linguagens. Dessa forma, entende-se que o ensino de língua estrangeira pode ampliar os campos semânticos e as zonas de significação linguisticamente definidos até então pelo aprendizado de língua materna. A música envolve o/a estudante e o motiva a estudar diversas disciplinas. É uma disciplina facilitadora, uma mediadora para o sucesso desse/a jovem. Estar exposto a uma ou mais línguas faz com que abstrações ocorram, permitindo uma ampliação de espaço de cultura e identidades dos/as estudantes envolvidos nesse processo, pois outras línguas também os/as constroem. Concorda-se com Souza (2002) que se deve ampliar as oportunidades para o ensino de música, de educação musical nos cursos de formação de professores do ensino fundamental, tendo em vista que a maioria dos currículos não oferece a formação adequada para a educação musical por problemas com o espaço físico, com materiais, com profissionais e equipamentos. Acredita-se que o estudo de disciplinas relacionadas a música promove um contexto sociocultural amplo e necessário nos dias de hoje. A musicalidade mobiliza o/a estudante jovem para o estudo de línguas e de outras disciplinas. Isso significa um alargamento do entendimento do direito à educação. Esse direito como um direito social presume cidadania, sendo essa compreendida como toda manifestação presente nas relações sociais, no exercício de produção coletiva e poder em favor dos direitos e deveres dos indivíduos nos grupos sociais. Entende-se assim, que os ensinos de língua estrangeira e de música ao/a jovem são uma concreta expansão das oportunidades escolares, mesmo em um quadro de crise social e escolar, uma possibilidade para se efetivar plenamente o direito à educação desse/a jovem, em busca também de seu pleno direito à cultura. Referências APPEL, Michael. La entrevista autobiográfica narrativa: Fundamentos teóricos y la praxis del análisis mostrada a partir del estudio de caso sobre el cambio cultural de los Otomíes en México. Forum Qualitative ozialforschung / Forum Qualitative Social. Research [On-line Journal], Vol 6, n. 2, 2005. Disponível em: <http://www.qualitativeresearch.net/fqs-texte/2-05/05-2-16s.htm>. Acesso em 02 maio 2012. BOSI, Éclea. 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