A Grande Cessação e Contemplação Mo-ho chih

Transcrição

A Grande Cessação e Contemplação Mo-ho chih
A Grande Cessação e Contemplação
Mo-ho chih-kuan (ch.)
Makashikan (jp.)
摩訶止観
Traduzido pelo discípulo Renji (蓮耳)
1
Ensinado pelo grande mestre T'ien-t'ai Chih-che [Chih-i] dos Sui.
2
Registrado por Kuan-ting, um discípulo.
INTRODUÇÃO (1a7-3b10)
1.
3
A Linhagem do Ensino [1a7-c1]
4
A luminosa quietude da cessação e contemplação era desconhecida em eras anteriores. O sábio [Chih-i] a esclareceu
durante o [retiro de] verão do vigésimo sexto dia do quarto mês de K'ai-huang 14 (594 EC) da dinastia do Grande Sui
1
Lit. “o grande mestre e sábio do [Monte] T’ien-t’ai”. Esse título honorífico concedido a Chih-i pelo Príncipe Sui Yang
Kuang, um poderoso patrono de Chih-i. Hurvitz explica: “O Príncipe, mantendo a injunção das escrituras de que um
piedoso leigo não pode falhar em respeitar seus serviços ao claro, preparou uma residência monástica para Chih-i, para
a qual ele foi cordialmente convidado. Chih-i veio de Lu-shan até a residência do Príncipe, onde no 23º dia do 11º mês
de 591, administrou os sila do bodhisattva a ele, concedendo-o o nome religioso de Tsung-ch’ih. O Príncipe em retorno,
deu a Chih-i o título honorífico de Chih-che, que ele carregou pela história desde esse dia” (Leon Hurvitz, Chih-i (538597): An Introduction to the Life and Ideas of a Chinese Buddhist Monk, Mélanges Chinois et Bouddhiques XII.
Bruxelles: Institut Belge des Hautes Études Chinoises, 1980, p. 145 [daqui em diante denominado “Hurvitz, Chih-i”]).
2
Kuan-ting (561-632) foi um discípulo próximo de Chih-i que “merece mais crédito do que qualquer outro indivíduo
por registrar os fatos da vida de Chih-i, por preservar suas memórias e uma porção de sua correspondência e por passar
por escrito e em forma literária o conteúdo de muitos sermões de seu mestre sobre as escrituras budistas e doutrinas e
práticas religiosas” (Hurvitz, Chih-i, p. 178), incluindo o Mo-ho chih-kuan, Fa-hua hsüan-i, e Fa-hua wen-chü. De fato,
na maior parte das vezes, é impossível distinguir quais seções do Mo-ho chih-kuan podem ser atribuídas com certeza a
Chih-i e quais são interpretações ou edições de Kuan-ting.
Kuan-ting é considerado o segundo patriarca da tradição T’ien-t’ai depois do próprio Chih-i e foi responsável por
organizar e estabelecer a tradição depois da morte de Chih-i. Para detalhes, veja Hurvitz,Chih-i, pp. 177-82.
3
Tradicionalmente se acredita que Kuan-ting escreveu uma introdução que segue até 3b10 e que os comentários
introdutórios em 3b10-4a17 deveriam ser atribuídos a Chih-i. Contudo, o próprio texto não possui uma indicação clara
de onde os comentários de Kuan-ting “terminam” e onde os de Chih-i “começam”.
4
A famosa frase de abertura do Mo-ho chih-kuan pode ser entendida de inúmeras maneiras. Stevenson traduz como
“Calma e contemplação como luminosidade e tranquilidade: [este ensino] ainda não havia sido ouvido em gerações
anteriores quando...” (Daniel B. Stevenson e Neal Donner, Calming and Contemplation: A Study and Annotated
Translation of the First Chapter of Chih-i’s Mo-ho chih-kuan, Honolulu: University of Hawaii Pressm 1993, p.99 [daqui
em diante “Stevenson, Mo-ho chih-kuan”]). Veja ainda Neal Arvid Donner, “The Great Calming and Contemplation of
Chih-i. Chapter One: The Synopsis” (Ph.D. dissertation, The University of British Columbia, 1976 [daqui em diante
“Donner, Mo-ho chih-kuan”]).
A tradição Tendai japonesa oferece oito possíveis pontuações ou leituras da frase. Adiante, na segunda parte da frase, é
mais comumente traduzida como “nunca ouvida em eras anteriores”, indicando sentimento de maravilha por seu
surgimento. É justo dizer que o ensino da cessação-e-contemplação não foi literalmente “nunca ouvido” antes; Eu penso
que a intenção de Kuan-ting em dizer era “desconhecido” no sentido de que Chih-i foi o primeiro a clarificar e
completamente expor seu significado e que um texto como o Mo-ho chi-kuan ainda “não havia sido ouvido”. Assim, eu
traduzi a frase como “desconhecido em eras anteriores”.
Há ainda mais nuances que estão inclusas na compacta sentença em chinês, por exemplo, deveriam as frases “cessaçãoe-contemplação” e “luminosa quietude” ser entendidas como compostas ou deveriam os elementos ser considerados
separadamente? Em chinês, ambos são possíveis. Em um nível e como Kuan-ting explica mais tarde em sua introdução,
“quietude” modifica “cessação” e “luminosidade” modifica “contemplação” e ainda é aceitável que “luminosa
quietude” modifique “cessação-e-contemplação” como um todo.
Outro ponto crítico é a tradução do termo chih-kuan. Embora seja a tradução chinesa de samata-vipasyana, eu escolhi
seguir as nuances dos caracteres chineses e Chih-i os usa para traduzir: “cessação-e-contemplação.”
Veja o capítulo II do Mo-ho chih-kuan (21b12-23c12) para a exposição do próprio Chih-i sobre o significado de chihkuan.
5
6
7
ao Yü-ch'üan ssu 玉泉寺 em Ching-chou, aspergindo sua compaixão duas vezes ao dia. Embora sua eloquência fosse
8
sem impedimentos, ele completou apenas [até a seção sobre a contemplação] dos objetos de visões [errôneas].
Então a Roda do Dharma cessou de girar e ele não expôs as últimas seções.
9
10
Isso é como nos traços da água de um riacho alguém procura a fonte e sentindo uma fragrância, alguém encontra sua
11
origem. O Ta chih tu lun diz, “Eu [o Buda] pratiquei sem professor.”
profecia [de atingir a Budeidade sem um mestre] de Dipamkara.
13
12
Um outro sutra diz, “Eu [Shakyamuni] recebi a
Os Analectos dizem, “Aquele que é nascido com
5
O “Monastério da Fonte de Jade,” fundado por Chih-i em 592 ou 593 como o I-yin ssu (templo do único som), em
Chiang-ling, próximo do seu local de nascimento.
6
Lit. “chovendo.” A ironia é que o retiro de verão – os três meses durante os quais Chih-i expôs o Mo-ho chih-kuan –
foi estabelecido por Sakyamuni com o objetivo de evitar os efeitos da estação chuvosa.
7
De manhã e no entardecer ou anoitecer.
8
O 4º dos 4 tipos de capacidades de pregar o Dharma, ou as “quatro eloquências desobstruídas” (catus-pratisamvid)
[veja o Glossary]. Quando um bodhisattva ouve um Dharma superior, ele se deleita e pratica em favor dos outros.
Também, para um bodhisattva deleitar-se pregando o Dharma. Ikeda Rosan (Shokai Makashikan Gendaigoyaku-hen
[Estudos detalhados do Mo-ho chih-kuan; Tradução para japonês contemporâneo], Tokyo: Daizo Shuppan, 1996, p.13
[daqui em diante, “Ikeda, Gendaigoyaku-hen”) traduz como “embora tivesse muito mais para dizer”, e Stevenson (Moho chih-kuan, p. 99) como “embora seu desejo de pregar desconhecesse limitações.”]
9
Mais precisamente, na 4ª parte da 7ª seção do 7º capítulo, há a explicação de “contemplando os objetos das visões
[errôneas], que é o 7º dos 10 modos de contemplação.
10
Veja o guia do conteúdo do Mo-ho chih-kuan. Para um conteúdo detalhado veja Ikeda Rosan, Makashikan kenkyu
josetsu (Prolegomenon ao estudo do Mo-ho chih-kuan), Tokyo: Daito Shuppansha, 1986, pp. 200-216 [daqui em diante
“Ikeda, Kenkyu josetsu”]. O índice de Ikeda inclui os números de página do cânone Taisho para o Mo-ho chih-kuan e
passagens correspondentes no importante comentário de Chan-jan (o sexto patriarca T’ien-t’ai), o Chih-kuan fu-hsing
ch’uan-jun chüeh [T #1912, 46.141-446]; mais referências ao “Chan-jan” se referem a este comentário, no decorrer com
o volume e número de pagina da edição do Bukkyo taikei [de agora em diante “BT”] do Makashikan, 5 vols., Tokyo:
Nakayama Shobo (reimpressão) 1978. Veja também a completa tradução de Ikeda Rosan do Mo-ho chih-kuan para
japonês moderno (1996), sua edição em texto crítico (1996) e um volume de notas (1997).
Então o Mo-ho chih-kuan não inclui uma exposição dos últimos três dos dez modos de contemplação (ou seja,
cotemplando os objetos da arrogância, os dois veículos e os bodhisattva) e os últimos três capítulos (“Resultados e
Recompensa,” “Sobre Gotejar os Ensinos” e “O Significado Final”). O conteúdo desses “não proferidos” capítulos,
contudo, pode ser inferido de outras partes do Mo-ho chih-kuan.
11
Uma frase em chinês clássico que Ikeda (Kenkyuchushaku-hen, p.224) traça uma ligação com um poema de Shihching (O Livro das Odes). Kuan-ting delineia a linhagem da tradição T’ien-t’ai enfatizando primeiro a experiência
direta de Chih-i e então delineando uma suposta linhagem na qual T’ien-t’ai pode basear sua autoridade.
12
Ou, “Minha prática (conduta) não [necessita] do reconhecimento de um mestre.” Em outras palavras, o próprio Buda
é a “fonte”. A autoridade do Buda não está no que ele aprendeu de um mestre, mas é suficiente em si mesma, e Kuanting evoca a mesma autoridade básica para Chih-i. A frase é do Ta chih tu lun, T 25.65a1. O Ta chih tu lun é um extenso
comentário sobre o Pancavimsati-sahasrika-prajña-paramita-sutra [o “Sutra da perfeição da sabedoria em 25 mil
linhas; T #223; daqui em diante chamado de Pañcavimsati Sutra] atribuído a Nagarjuna, traduzido para o chinês por
Kumarajiva no século V e citado frequentemente por Chih-i. Uma larga porção desse texto foi traduzida para francês
por Étienne Lamotte, Le Traité de la Grande Vertu de Sagesse (Mahaprajñaparamitasastra), Lovain: Bibliothèque du
Muséon, 1944-1980 [daqui em diante “Lamotte, Le Traité”] em cinco volumes.
Essa frase é parte de um verso explicando as circunstâncias da frase “uma vez” na abertura do sutra. Lamotte, Le Traité,
p. 73 traduz:
Ma conduite (carya) n’a pas de maître (acarya),
Ma résolution (chanda) est une et sans égale.
Observant une pratique unique, je suis devenu Buddha,
De moi-même (svatah) j’ai pénétré le noble chemin (arya-marga).
13
Uma paráfrase da seção de abertura do Sutra sobre o Auspicioso Surgimento e Origens do Príncipe [Siddhartha], T
#185, 3.472c-73a, uma coletânea de histórias e lendas sobre a vida (e vidas prévias) de Sakyamuni.
Dipamkara (ou Dipankara) (luz imutável) é um dos tradicionais 24 Budas que se é dito que apareceram neste mundo
antes de Sakyamuni. Dipamkara, crê-se que encontrou Sakyamuni em uma vida prévia e profetizou seu iminente atingir
do Estado de Buda. Dipamkara também aparece no capítulo “A Duração da Vida do Tathagata” no Sutra do Lótus, T
9.42b29, onde Sakyamuni fala de Dipamkara (aqui escrito) e sobre seu alcance do nirvana deste eternas eras passadas.
Veja Leon Hurvitz, trad., Escritura da Flor de Lótus do Fino Dharma, traduzido para o chinês por Kumarajiva. Nova
York: Columbia University Press, 1976. [daqui em diante “Hurvitz, Sutra do Lótus”], p. 238.
Em suma, Kuan-ting está dizendo que a autoridade de Chih-i é também baseada nos ensinos (especialmente do Buda) e
em mestres que o precederam, assim como em sua própria experiência direta.
conhecimento é superior; aquele que o adquire através do estudo é o segundo melhor.”
14
Os ensinamentos budistas
são vastos e sublimes; eles brilham espontaneamente com a verdade dos Céus, [e a compreensão de Chih-i sobre esse
assunto é] como o azul de uma planta índigo.
15
Se um praticante ouve [a transmissão] de um tesouro do Dharma, tal pessoa conhece a essência de sua origem.
16
[Sakyamuni], o Honrado do Mundo, que experienciou o grande despertar, completou suas práticas religiosas através
de incontáveis kalpas [em vidas prévias, recebeu a profecia de sua futura Budeidade e nasceu como ser humano].
Então em seis anos [de disciplina ascética em sua vida como Sakyamuni] ele ultrapassou as visões (drsti) [errôneas] e
17
derrotou Mara erguendo um único dedo [enquanto meditava sob a árvore Bodhi, atingindo seu grande despertar].
19
18
20
[Ele pregou o Buda Dharma] primeiro no Parque dos Cervos, e depois no Pico do Abutre, e finalmente no Bosque
14
Da seção 9, Livro XVI dos Analectos. Arthur Waley traduz: “Mestre K’ung disse, Mais altos são aqueles que
nasceram sábios. Em seguida vêm aqueles que se tornam sábios pelo aprendizado. Depois deles vêm aqueles trabalham
duro para adquirir o conhecimento. Finalmente, na classe mais baixa estão aquelas pessoas comuns que pertencentes
àquele grupo dos que trabalham duro, contudo sem nunca conseguir aprender” (The Analects of Confucius, Vintage
Books, p. 206). James Legge traduz: “Confúcio diz, “Aqueles que nascem com a posse do conhecimento são da mais
alta classe de homens. Aqueles que aprendem e assim, prontamente tomam posse do conhecimento são os seguintes.
Aqueles que são todos e estúpidos e ainda assim conseguem aprender são a próxima classe deles. Assim como aqueles
que são todos e estúpidos e ainda assim não aprendem; - eles são a mais baixa classe de pessoas’” (The Four Books,
Paragon Books, 1996, pp. 247-48).
15
Ou, “brilham adiante solitariamente.” A frase “azul como a planta índigo” é de Hsün-tzu, usada para ilustrar a ideia de
que um discípulo ultrapassa seu mestre, pois algo que é tingido de azul com o extrado da planta índigo é mais azul do
que o material da própria planta. Burton Watson (Hsün Tzu: Basic Writings, Columbia University Press, p. 15 [daqui em
diante “Watson, Hsün Tzu”]) traduz a abertura do Hsün Tzu:
O cavalheiro diz: Aprender nunca deve cessar. O azul vem da planta índigo, mas é mais azul do que a própria
planta. O gelo é feito de água, mas é mais frio do que a água jamais será... Se o cavalheiro estuda largamente e a
cada dia se examina, sua sabedoria se tornará límpida e sua conduta será sem faltas. Se você não escalar a alta
montanha, você não compreenderá a altura dos céus; se você não ouvir as palavras deixadas pelos antigos reis,
você não entenderá a grandiosidade de aprender.
Kuan-ting está louvando Chih-i por seu conhecimento superior que ultrapassa seus predecessores e que está baseado no
próprio Dharma do Buda. Kuan-ting segue dando a linhagem do Dharma de Chih-i, mas primeiro estabelece a
autoridade de Chih-i diretamente nas bases do próprio Dharma do Buda e sua experiência direta dele.
Chan-jan (BT-I, p. 31), por outro lado, afirma que essa frase meramente indica que Chih-i está “encharcado” ou
“tingido” de grande aprendizado e que o uso dessa frase não tem intenção de indicar que o aprendizado de Chih-i era
maior do que de seus mestres.
16
Ou, “se ele ouve a linhagem registrada no A Transmissão do Tesouro do Dharma, ele pode conhecer a origem de sua
escola.” A frase “transmissão do tesouro do Dharma” pode se referir à própria ideia de transmissão, mas também aos
três caracteres chineses no nome do texto que é usado nessa seção para prover a informação biográfica e lendária sobre
as pessoas da linhagem T’ien-t’ai, ou seja, A História da Transmissão do Tesouro do Dharma (T #2058, 50.297-322
[daqui em diante A Transmissão]). A lista dos 23 (ou 24) mestres indianos ou da Ásia Central desse texto se tornaram a
“linhagem patriarcal da Boca Dourada” oficial para a tradição T’ien-t’ai e também foram incorporadas mais tarde
dentro das linhagens básicas Ch’an. Para uma comparação da lista de nomes em A Transmissão com suas sensíveis
diferenças no Mo-ho chih-kuan, assim como as linhagens tardias Ch’an, veja o encarte nos fundos do trabalho de
Yanagida Seizan, Shoki zenshu shisho no kenkyu (Estudos dos textos históricos da tradição Ch’an primitiva), Kyoto:
Hozokan, 1967. Veja também a lista em Philip Yampolsky, The Platform Sutra of the Sixth Patriarch, Nova York:
Columbia University Press, 1967, pp. 8-9.
17
Ou, “forças demoníacas”. Mara é a personificação das paixões malignas e na lenda da vida do Buda aparece tentando
Siddhartha sob a árvore Bodhi na tentativa de impedi-lo de atingir a iluminação. Coincidentemente, parece que a sílaba
ma aparece em sânscrito, chinês e japonês como cognata do persa mogh, do grego mageia, do latim magicus e do inglês
“magic”.
18
Veja, por exemplo, o relato no Sutra do Auspicioso Surgimento e Origens do Príncipe Siddharta, T 3.477a21-b5,
exceto por ao invés de “erguer um único dedo” a história segue dizendo que ele “estendeu sua mão e tocou a terra” ou
“apontou para a terra” para evocar sua testemunha de derrotar Mara, uma postura depois reproduzida na iconografia
budista. Para um relato tradicional dessa cena, veja E. J. Thomas, The Life of Buddha as Legend and History, London:
Routledge & Kegan Paul, (reimpressão) 1975, p.74.
19
Em Benares (Varanasi), o local do primeiro sermão que Sakyamuni pregou depois de atingir seu grande despertar,
onde ele pregou o sermão das Quatro Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo. Veja, por exemplo, Étienne Lamotte e seu
History of Indian Buddhism, Louvain: Peeters Press, 1988, p. 17 [daqui em diante “Lamotte, History”].
21
do Grou [próximo de Sravasti, onde ele faleceu]. Ele transmitiu o Dharma a Mahakashyapa.
1.
Mahakashyapa
23
dividiu e distribuiu os restos mortais
26
Tripitaka e transmitiu o Dharma para Ananda.
2.
28
24
25
compilou o
29
Ananda entrou no Samadhi do Vento enquanto estava no meio do Rio [Ganges] e dividiu seu corpo
30
31
32
Sanavasa fez a ambrosia [do Dharma] chover de suas mãos e manifestou os quinhentos ensinamentos
33
do Dharma e transmitiu o Dharma para Upagupta.
4.
[do Buda] em oito porções,
27
em quatro partes, e transmitiu o Dharma para Sanavasa.
3.
22
34
35
Upagupta atingiu o terceiro fruto [da não-retrogressão] quando ainda era um leigo e atingiu o quarto
36
fruto [do arhat] quando recebeu os preceitos, e transmitiu o Dharma para Dhrtaka.
37
20
Próximo de Rajagrha, onde a tradição afirma que Sakyamuni pregou, dentre outras coisas, o Sutra do Lótus.
O Bosque Sala, onde Sakyamuni deu seus ensinamentos finais. Para Chih-i isso significa o Mahaparinirvana Sutra, T
#375, 12.605-852, uma versão Mahayana do último sermão de Sakyamuni.
22
Para a romanização dos nomes próprios eu segui a lista contida em Yampolsky, The Platform Sutra of the Sixth
Patriarch, Columbia University Press, 1967, p. 8.
23
Um dos mais importantes discípulos diretos de Sakyamuni, um dos “dez maiores discípulos,” conhecido por ser
“avançado em poderes sobrenaturais” ou “avançado em mendicância.” Para detalhes, veja Lamotte, History, pp. 18-23.
24
, a transliteração chinesa de sarira, as relíquias do Buda, as cinzas e ossos que restaram após sua cremação.
25
Veja o Agama Longo, T 1.30a4, que diz que as sarira do Buda foram dividias em oito partes iguais.
26
Durante o primeiro conselho em Rajagrha. Para detalhes, veja Lamotte, History, pp. 124-26. The Transmission
(300a9-b10) diz como Mahakasyapa primeiro pediu a ananda para recitar os dizeres do Buda (os Sutras), então pediu a
Upali para explicar os preceitos (o Vinaya) e então compila-los ele mesmo em tratados (o Abhidharma) (300b5-6).
27
Veja The Transmission, 301a20; a seção sobre Ananda continua em 301a2-304c.
28
Um dos dez maiores discípulos de Sakyamuni, conhecido como “avançado em ouvir.” Ele serviu Sakyamuni por mais
de 20 anos com sua constante e amável companhia e era conhecido por usa memória infalível (razão pela qual ele foi
requisitado para recitar os ditos do Buda na ocasião do primeiro concílio em Rajagrha). Para detalhes, veja Lamotte,
History, p. 19.
29
Abreviação de “Samadhi da Velocidade do Vento”, um estado de concentração no qual alguém pode fazer surgir um
grande vento e partir seu próprio corpo em pedaços.
30
Veja A Transmissão, 303b6-9: “[Ananda] entrou no Samadhi Velocidade-do-Vento e dividiu seu corpo em quatro
partes: um aparte para Sakra Devendra, uma parte para o rei-dragão Sagara, uma parte para os Licchavis de Vaisali, uma
parte para o Rei Ajatasaru. Uma stupa enfeitada com joias foi erguida em cada um desses lugares.” Para um relato mais
detalhado veja Lamotte, History, pp.207-208.
31
Veja A Transmissão, 304c18.
32
Um discípulo de Ananda e fundador do monastério Natabhata no Monte Urumunda; histórias a cerca de Sanavasa
estão contidas no A Transmissão, 303b-305c. Para detalhes sobre as histórias de Buda, Mahakasyapa, Ananda, Sanavasa
e Upagupta como primeiros patriarcas e “cinco mestres da Lei,” veja Lamotte, History, pp. 207-12.
33
Ou, “estendeu suas mãos [no ar] e causou a chuva da ambrosia.” Veja A Transmissão, 304b9-10 e 22-28:
21
Upagupta teve quinhentos discípulos que ainda não haviam atingido a liberação e cujas mentes eram ainda
arrogantes e soberbos... Sanavasa sabia que tais discípulos eram arrogantes. Ele ergueu suas mãos ao céu e então
fluiu leite aromático, como o jato de uma fonte do pico de uma alta montanha. Ele perguntou a Upagupta, “Que
sinal de concentração é este?” Upagupa entrou em samadhi, mas ele não foi capaz de responder, nem mesmo de
seu estado de profunda contemplação. Então ele perguntou a seu mestre, “Que samadhi é esse?” Sanavasa
respondeu, “Esse é o chamado Samadi Velocidade-do-Dragão” e [manifestou] quinhentos samadhis dessa
maneira [presumivelmente pelos seus quinhentos discípulos arrogantes]. Ele [Upagupta] perguntou, “Quais são os
nomes desses samadhis, pois os desconheço.” Sanavasa então os explicou um por um.
Veja também A Transmissão, 313c9-10, onde a linhagem de Mahakasyapa é brevemente reiterada e é dito de Sanavasa
que teve “continuamente girado a roda do Dharma, aspergindo adiante o sabor da ambrosia para curar a sede das
aflições das paixões.”
34
Veja A Transmissão, 313b6.
35
O discípulo de Sanavasa, profetizado pelo Buda de que seria aquele que “trabalharia como um Buda” e de quem é
dito que foi o mestre do Rei Asoka. Histórias sobre Upagupa são encontradas numa seção extensa de A Transmissão,
304b-313b.
36
O caminho de se tornar um arhat consiste em atingir os “quatro frutos” (catvari-phalani): a entrada na corrente
(aquele que acaba de adentrar ao caminho), o ultimo retorno (aquele que só terá mais um renascimento), o não-retorno
(aquele que não terá mais renascimentos) e o arhat. Lamotte, History (p.209) explica: “Upagupta ... começa como um
vendedor de perfumes. Sanavasa o ensina como purificar seus pensamentos através de perceber os maus pensamentos
como seixos negros e os bons como brancos. Seu ascetismo mental habilita Upagupta a resistir às investidas da amável
5.
38
Dhrtaka [já] tinha atingido o primeiro fruto [da entrada na corrente] quando ascendeu à plataforma de
ordenação e se tornou um arhat por completar a cerimônia de ordenação.
39
Ele transmitiu o Dharma
para Miccaka.
40
6.
Miccaka transmitiu o Dharma para Buddhanandi.
7.
Buddhanandi transmitiu o Dharma para Buddhamitra.
8.
Buddhamitra conferiu o tríplice refúgio [no Buda, Dharma e Sangha] a um rei depois de derrotar um
41
42
numerólogo [num debate] e transmitiu o Dharma ao bhiksu Parsva.
9.
43
44
O bhiksu [Parsva] emergiu do útero com seus cabelos já brancos. Luz fluiu de sua palma e ele tomou um
45
sutra. Ele transmitiu o Dharma para Punyayasas.
46
10. Puyayasas debateu e venceu Asvaghosa [através da exibição de poderes espirituais como luz que emergia
47
de sua mão] e raspou sua cabeça tornando-se um discípulo.
11. Asvaghosa
48
compôs uma peça chamada Rastrapala cuja musicalidade expressa [as verdades de]
transitoriedade, sofrimento e vazio, assim aqueles que a ouviam eram despertados para o caminho
cortesã Vasavadatta e a convertê-la quando o infortúnio cai sobre ela. Upagupta finalmente obtém permissão de seu pai
para adentrar à vida religiosa. Ele é ordenado por Sanavasa no monastério Natabhata, se torna um arhat e como consta,
empreende o trabalho de um Buda.” Veja também em A Transmissão, 305c-306a.
37
Veja A Transmissão, 313c15-23, onde uma breve reiteração da linhagem desconsidera Upagupta e tem Sanavasa
transmitindo o Dharma diretamente para Dhrtaka. Lamotte, History, pp. 209-210, relata que a relação dos “cinco
mestres da Lei” (que termina com Upagupta) diz que “Sanavasa então transmitiu a Lei [Dharma] para Upagupta,
advertindo-o para confiá-lo por sua vez ao jovem Mathuran, Dhitika.”
38
O Mo-ho chih-kuan tem os últimos dois caracteres trocados.
39
Lit. o “karma triplo”. Uma interpretação tripla de um artigo explicando o propósito de alguém, mesmo numa
cerimônia de ordenação ou numa cerimônia de confissão. Veja o Vinaya em Quatro Partes, T 22.99a18-19. A
Transmissão, 313c2 contém a frase “controladas e removidas as aflições das paixões deste mundo tríplice enquanto
executando o ‘karma triplo,’ estabelecidas as nobres práticas e tornado um arhat,” mas não está bem claro se esse texto
está se referindo a Dhrtaka.
40
Veja A Transmissão, 313c25-27: “No passado, quando Dhrtaka estava prestes a adentrar à extinção, ele transmitiu o
Dharma para seu maior discípulo Miccaka, que tinha ouvido muito, tinha alcançado amplos atingimentos e tinha o
talento de grande eloquência.”
41
Veja o A Transmissão, 314a2-4. O único comentário sobre esse personagem é que ele “guiou o sabor superior da
ambrosia [do Dharma] de forma a ser largamente propagado. Ele mais tarde disseminou, discriminou e girou a roda do
grande Dharma, subjugando as forças iradas de Mara. A Transmissão usa o caractere ? ao invés de ? para os nomes
deste e do próximo personagem.
42
Veja a história em A Transmissão, 314a5-b2, que conclui, “Então o rei soube que havia sido testado, então ele se
converteu de seus pensamentos errôneos, respeitou e acreditou no Dharma correto, aceitou o triplo refúgio e tornou-se
um discípulo do Buddha” (314a29-b1).
43
Veja A Transmissão, 314b28-29.
44
Veja A Transmissão, 314c1-2, onde diz que “Parsva, devido a carmas passados, permaneceu no útero de sua mãe por
mais de sessenta anos e quando ele finalmente nasceu, seus cabelos e barbas já eram brancos.” Chan-jan (BT-I, p. 46)
adiciona que “ele fez um voto de nunca repousar.”
45
Essa frase está inclusa no A Transmissão sobre a vida do patriarca seguinte, Punyayasas; veja 315a5-7: “No momento
em que o nobre [Punyayasas], usando poderes sobrenaturais esticou sua mão direita para alcançar o interior da sala. Luz
emanou de seus cinco dedos e através dessa iluminação tudo na sala foi manifestado. Naquele momento as ilusões da
mente cheia de dúvidas de Asvaghosa foram erradicadas.” De acordo com o conteúdo de A Transmissão, além disso, a
frase (e conversão de Asvaghosa) deveriam ser atribuídas a Punyayasas. Por outro lado, a tradição budista considera que
Asvaghosa era pupilo de Parsva, um mestre Vaibhasika (veja Lamotte, History, p. 522).
46
Veja A Transmissão, 314c9.
47
Veja nota 45 acima.
48
Um famoso poeta budista que viveu no século II EC e autor de Buddhacarita, uma biografia do Buda (veja E.H.
Johnston, The Buddhacarita: or, Acts of the Buddha, 2 vols., Delhi: Motilal Banarsidass, 1936). O Despertar da Fé (T
#1666 e 1667, T 32.575-590) é popularmente, embora pareça que erroneamente, atribuído a ele (veja Hakeda Yoshito,
The Awakening of Faith: Attributed to Asvaghosha, Nova York: Columbia University Press, 1967). Detalhes sobre
Asvaghosa são dados em A Transmissão, 314c-317a.
49
[budista]. Ele transmitiu o Dharma para Kapimala.
50
12. Kapimala escreveu um tratado sobre a ausência de Eu (anatman) e onde esse tratado era disseminado,
51
visões falsas eram extintas. O Dharma foi transmitido para Nagarjuna.
53
13. [Assim para Nagarjuna,]
52
“arjuna” se refere à árvore sob a qual seu corpo físico nasceu e “Naga” se
refere [à criatura que, de acordo com a lenda, guiou Nagarjuna ao palácio das profundezas do mar e o
54
presenteou com as escrituras budistas que guiaram ao] atingimento do corpo do Dharma. O Dharma foi
transmitido para Deva.
55
56
14. [Kana]deva arrancou o olho divino [de uma estátua de Maheshvara] e então [no lugar] ofereceu [seu
próprio olho de carne a uma encarnação de Maheshvara e outro nascia no lugar até ele oferecer] dez mil
57
olhos de carne. O Dharma foi transmitido para Rahula[ta].
49
58
Veja A Transmissão, 315a19-b2:
Desejando salvar os seres sencientes na cidade, [Asvaghosa] compôs uma sublime peça de música chamada
Rastrapala, cujo som era puro e elegante, com um tom gracioso e que falava dos ensinamentos do sofrimento,
vazio e ausência de eu, assim todas as coisas condicionadas são como uma ilusão e um truque mágico; o mundo
tríplice é como estar amarrado numa prisão sem um único prazer sequer. [Ela ensinava assim,] que embora o
nível de um rei seja alto, com o poder de agir como desejar, ele é transitório e quem pode mantê-lo? Ele é como
as nuvens no céu, que certamente se dissiparão e desaparecerão. Este corpo [físico] é vazio e oco como o caule da
bananeira; isso deveria ser temido como bandidos e ninguém deveria se tornar íntimo dele. É como ter uma
serpente venenosa na sua bolsa; quem poderia achar isso atrativo e prazeroso? Assim os Budas sempre
repreendem o [corpo] físico e largamente ensinam o significado do vazio e da ausência de eu.
Então, chegou o momento em que essa peça deveria ser tocada. Naquele momento, os músicos não estavam aptos
para compreender [o significado da peça], assim a afinação dos instrumentos e os sons da música foram confusos.
Então Asvaghosa, usando vestes brancas, entrou no meio dos músicos, bateu o tambor ele mesmo e afinou as
cordas das harpas, assim a música tornou-se elegante e seu timbre perfeito. A apresentação comunicou as
verdades do sofrimento, vazio e ausência de eu. Então os quinhentos príncipes na cidade simultaneamente
atingiram o despertar, tornaram-se avessos ao mal dos desejos dos cinco [sentidos] e deixaram o lar adentrando
ao caminho [do Budismo].
50
Veja A Transmissão, 317a29.
Veja A Transmissão, 317a29-b6. É dito que Kapimala era “eloquente na fala e profundo em sua sabedoria. Não havia
erros nas teorias não-budistas que não pudesse derrotar. Ele era ativo no sul da Índia e escreveu um tratado sobre a
ausência de Eu em cem versos. Não havia nada que não tivesse sido abordado entre os tópicos cobertos pelo tratado,
assim como o relâmpago-vajra destrói tudo em seu caminho.”
52
Veja A Transmissão, 317b6-7.
53
O famoso e influente fundador da escola Madhyamika, provavelmente do século II EC. Autor de Tratado do Meio, a
fonte (verso 24:18) de inspiração da formulação da verdade tríplice de Chih-i. Para um estudo detalhado da relação
entre o pensamento de Nagarjuna e o de Chih-i, veja Ng Yu-Kwan, T’ien-t’ai Buddhism and Early Madhyamika,
Honolulu: University of Hawaii Press, 1993.
54
A Transmissão (317b111-12) diz, “[Nagarjuna] nasceu sob uma árvore, e atingiu o caminho através de um dragãonaga; assim ele tem o nome de ‘Nagarjuna’.” Detalhes adicionais sobre Nagarjuna são dados em A Transmissão, 317b6318c15; para detalhes sobre a vida e obra de Nagarjuna veja Max Walleser, “The Life of Nagarjuna from Tibetan and
Chinese Sources,” Asia Major, Hirth Anniversary volume, 1922, pp. 421-55; Lamotte, La Traité, pp. vii-xviii; e Richard
Robinson, Early Madhyamika in India and China, Delhi: Motilal Banarsidas (reimpresso 1976), pp. 21-27 [daqui em
diante “Robinson, Madhyamika].
55
Melhor conhecido como “Aryadeva.” Veja A Transmissão, 318c18, onde consta o nome completo de “Kanadeva”.
Aryadeva é também conhecido como “Kanadeva” (Deva “de um olho”), pois acredita-se que era cedo de um olho. Veja
as notas que seguem.
56
Aryadeva (170-270), o mais famoso dos discípulos de Nagarjuna. Ele agressivamente defendia o sistema
Madhyamika através de debate e numerosos escritos, incluindo o polêmico Tratado em uma Centena de Versos (T
#1569, 30.168-181), um dos três textos básicos da escola San-lun.
57
A versão extremamente abreviada no Mo-ho chih-kuan consta apenas que “arrancou o olho divino e ofereceu cem mil
olhos de carne.” Minha expansão é baseada nos comentários e interpretação de Chan-jan (BT-I, pp. 49-50). Há uma
longa exposição sobre Aryadeva no A Transmissão, 318c18-319c14, que parece de alguma forma diferente:
51
O nome “Kanadeva” [se baseia na ocasião quando] ... o grande deus Mahesvara disse “... Você fez oferendas de
comidas que são deliciosas. Agora você deve ofertar seu olho esquerdo. Se você estiver apto a ver, então essa será
a maior e suprema das oferendas.” Deva replicou, “Bom. Eu aceito sua instrução.” Então ele tirou fora e ofereceu
seu olho esquerdo, mas possuindo poderes espirituais divinos, outro [olho] apareceu no lugar. Isso continuou até
que muitas dezenas de milhares de olhos apareceram. Mahesvara o louvou dizendo: “Essa oferenda está
completa. Essa é verdadeiramente uma oferenda suprema.” (319c18-29)
15. Rahula[ta]
59
compreendeu [o conteúdo do] Livro dos Nomes dos Demônios e então derrotou os
60
[Brâmanes] não-budistas, transmitindo o Dharma para Sanghanandhi.
61
62
16. Sanghanandhi ensinou um verso para testar um arhat e transmitiu o Dharma para Sangayasata.
63
64
17. Sangayasata estava em suas voltas diárias pelo mar quando viu um palácio e lá ele ensinou um verso; o
Dharma foi transmitido para Kumarata.
65
18. Kumarata [tinha uma memória tão maravilhosa que quando ele] viu dez mil cavaleiros ele poderia
lembrar a cor de [cada] cavalo, o nome de [cada] cavaleiro e [poderia até] diferenciar suas vestes.
Dharma foi [então] transmitido para Jayata.
66
O
67
19. Jayata fez um poço de fogo para [um monge] que havia cometido sérias transgressões e o fez entrar [no
poço] como penitência; o poço tornou-se uma fonte e suas faltas foram extintas.
68
58
Ou, “Rahulabhadra”; veja A Transmissão, 319c14.
Um mestre na doutrina do vazio na escola Madhyamika. Veja A Transmissão, 319c14-29.
60
Veja A Transmissão, 319c20-29:
59
Houve um tempo em que havia um brâmane que era inteligente, sábio, desperto e hábil em debates. Ele escreveu
O Livro dos Nomes dos Demônios, que era excessivamente difícil de entender. Seus capítulos eram vastos, com
muitas dezenas de centenas de versos. (...) Nagarjuna o entendeu completamente ouvindo apenas uma vez e
estava apto a memoriza-lo como se o tivesse recitado extensivamente. O bodhisattva [Arya]deva não o havia
compreendido, mas depois de muitas explicações e de ouvi-lo repetidamente ele chegou ao claro entendimento.
[Arya]deva ensinou sobre tais capítulos com vasto discernimento para Rahula[ta], que ouviu e entendeu
imediatamente. Naquele momento, os brâmanes ficaram grandemente surpresos com a erudição desses monges e
disseram, “Mesmo que lêssemos esse texto, levaria um longo tempo até estarmos aptos a compreendê-lo. Vocês
estavam aptos a compreendê-lo como se já tivessem repetidamente o analisado.” Então os brâmanes desistiram de
sua fé e foram convertidos de suas convicções errôneas.
61
Veja A Transmissão, 319c29-320a1, onde o nome é dado como.
Veja A Transmissão, 320a1-25: Naquele tempo, havia um arhat que rejeitou os fardos da vida secular e foi dotado de
muitas qualidades virtuosas. Sanghanandhi quis testá-lo e então perguntou para ele na forma de versos:
62
O que é nascido da semente de um girador da roda (rei, cakravartin),
mas não é nem um Buda, nem um arhat,
não nasce em uma outra vida
e não é um pratyekabuddha?
O arhat de grande virtude era conhecido por sua grande intuição e entrou em samadhi, mas ainda assim não foi apto a
conseguir uma resposta. Ele então usou poderes paranormais para ir até o Paraíso Tusita e perguntar a Maitreya sobre a
resposta. A resposta era “um pote de barro,” pois o pote de barro é formado através do oleiro “girar a roda”,
eventualmente se quebra e não renasce e não é um Buda, arhat ou pratyekabuddha. O arhat retornou a Sanghanandhi e
deu a resposta, assim Sanghanandhi reconheceu que a resposta vinha de Maitreya. Depois da morte de Sanghanandhi,
esse arhat tornou-se Sangayasata.
63
Veja A Transmissão, 320a23-34.
64
Veja A Transmissão, 320a25-b4: Sangayasata estava andando [na sua ronda de mendicância diária] ao longo da costa
do grande mar quando ele passou por um opulente palácio adornado com sete joias e tanto mais. Quando teve essa
visão, Sangayasata fez sua mendicância enquanto dizia o seguinte verso – “Fome é a doença primária; volições [das
paixões] são a [fonte] primária do sofrimento. Aqueles que conhecem esse Dharma podem atingir o caminho do
nirvana.” Ouvindo isso, o mestre do palácio se converteu ao Dharma budista.
65
Veja A Transmissão, 320c1.
66
Veja A Transmissão, 320c20-22: “Kumarata, com um olhar [sobre os dez mil cavalos e cavaleiros], completamente
distinguiu todas as pessoas e seus nomes, cor de cada cavalo, suas roupas e expressões faciais e assim o fez sem
cometer sequer um único engano.”
67
Veja A Transmissão, 320c24-28.
68
Veja A Transmissão, 320c24-321b23:
Jayata possuía grandes qualidades meritórias. Ele era diligente e corajoso, esforçava-se rigorosamente em cultivar
as práticas ascéticas. Ele manteve bem os preceitos de proibição, sem violar sequer um. Ele foi o ultimo mestre
no Vinaya profetizado pelo [próprio] Honrado do Mundo.
Agora, em meio a assembleia [budista] havia um certo monge cuja esposa do irmão veio ao templo trazendo
comida. O fogo do desejo queimou dentro dele e eles se envolveram numa relação [sexual]. Depois de cometer
essa grave ofensa, o monge se arrependeu de seu feito e estava extremamente envergonhado dizendo, “Eu sou um
grande tolo e criei esse mau carma. Eu não posso mais praticar o samadhi e ser um discípulo de Sakyamuni.” Ele
então retirou suas vestes monásticas e abandonou sua tigela de mendicância (...) e perambulou de lugar em lugar
anunciando em alta voz, “Eu sou um ofensor, que não pode se recuperar e que denegriu as vestes do Dharma do
Buda. Eu cometi um erro tão grave que me fará certamente cair no inferno. Onde poderei obter ajuda e
69
20. O Dharma foi transmitido para [Vasu]bandhu e então o Dharma foi transmitido para Manorhita.
70
21. Manorhita divitiu [a terra] em duas partes, [norte e sul] no Rio Ganges e ele mesmo ensinou que eram
ambas uma única parte.
71
72
22. O Dharma foi então transmitido para Haklenayasas e então para Simha.
23. Simha foi posto à espada por [ordem do terrível] rei de Damila
cabeça] jorrou leite [ao invés de sangue].
74
73
e quando a espada cortou [fora sua
75
Então o tesouro do Dharma foi transmitido, primeiro para Mahakasyapa e finalmente a Simha, num total de 23
pessoas. *Madhyantika
76
e Sanavasa [receberam a transmissão] simultaneamente, então, na verdade seriam 24
pessoas.
Tais mestres foram [herdeiros] das profecias da Boca Dourada [do Buda];
77
eles eram pessoas nobres, capazes de
beneficiar a muitos.
No passado havia um rei que decidiu não construir um estábulo próximo a um templo, mas preferiu construir perto de
78
um matadouro [assim os animais que habitariam lá seriam influenciados de acordo com o ambiente]. Quanto mais
proteção?” Então Jayata disse a esse monge, “Se você estiver apto a seguir minhas instruções, então você poderá
gerar causas para que [os efeitos cármicos de] seus erros sejam extintos.” O monge se alegrou e disse que
aceitaria seus ensinos. Então Jayata, por meio de seus poderes sobrenaturais, criou um poço de fogo cujas chamas
queimavam com grande intensidade e orientou o monge para que se atirasse dentro, ao meio [das chamas].
Como o monge atirou seu corpo dentro do poço de grandes chamas de forma que suas faltas fossem extintas, as
chamas intensas se tornaram em um límpido correr de água pura e o monge não se feriu. Então Jayataka disse ao
monge, “Você se arrependeu de suas faltas com boas intenções, então [o efeito cármico de] seus erros está agora
extinto,” e como resultado de ouvir o Dharma [o monge] tornou-se um arhat. (320c24-321a13)
69
Em A Transmissão consta. Vasubandhu (320-400) é um dos mais importantes filósofos da tradição budista indiana. A
ele é atribuída a autoria do Abhiddharma-kosa-sastra (T #1558, 29.1-159) depois que ele foi convertido ao Mahayana
por seu irmão Asanga e autor ao menos de dois dos tratados básicos da escola Yogacara, o Vimsatikavijnaptimatratasiddhi (Vinte versos) e Trimsikavijnaptimatrata-siddhi (Trinta versos), assim como um comentário sobre o Sutra do
Lótus (Tratado sobre o Sutra do Lótus, T #1519). É curioso o fato de que para um personagem tão importante na
tradição budista, apenas as poucas linhas seguintes sejam oferecidas no A Transmissão (321b22-29):
Quanto o honorável Jayata estava prestes a adentrar à extinção, ele disse a um monge chamado Vasubandhu,
“Ouça cuidadosamente agora. No passado havia um mestre de deuses que diligentemente cultivou as práticas
ascéticas por imensuráveis eons, pelo bem do supremo e sublime Dharma. Agora ele está satisfeito e pode
beneficiar e trazer paz aos seres sencientes. Eu aceitei sua tradição e sinceramente a mantive. Agora eu desejo
passa-la para você, você deve refletir profundamente sobre isso.” Vasubandhu disse, “Eu aceito seu ensino.”
Naquele momento ele propagou o tesouro dos sutras [budistas] com tamanha capacidade de aprendizado,
sabedoria e eloquência. Ele foi adornado com a qualidade meritória de estar apto a compreender bem todos os
significados dos sutras. Ele os ensinou sem distinção e salvando largamente os seres sencientes.
70
Ou Manura; veja A Transmissão, 321b29.
Que é, na parte sul do Ganges. Veja A Transmissão, 321b29-c11, especialmente 321c6-11:
Naquele tempo, esse Manorhita estava no norte da Índia e o nome *Yasas disse para ele, “Ao sul do Rio Ganges há uma
segunda terra da Índia. Há muitas pessoas com visões errôneas, mas que são eloquentes e inteligentes. Você, ó sábio,
tem bom entendimento e é bom ao debater. Você deveria ir até aquela terra e ensinar [o Dharma do Buda]. Então
Manorhita seguiu tais instruções e foi até a segunda terra da Índia [ao sul do Ganges] e largamente propagou o ensino
da ausência de eu. Ele superou todas os ensinos heterodoxos e visões errôneas até o fim de sua vida.
72
Veja A Transmissão, 321c11-14; nenhum detalhe é dado sobre esse personagem.
73
Veja A Transmissão, 321c14.
74
Ou “Mihirakula.” Setevenson, Mo-ho chih-kuan (p. 103) traz: “Sct. Dravida. De acordo com Hsüan-tsang era no sul
da Índia, 1,500-1,600 li ao sul de Cola.” Veja também Neal A. Donner e sua dissertação “The Great Calming and
Contemplation of Chih-i: Chapter One: The Synopsis,” Pd.D. dissertation, The University of British Columbia, 1976, p.
62 (daqui em diante “Donner, Mo-ho chih-kuan”).
75
Veja A Transmissão, 321c18-19: “quando a espada afiada decapitou Simha, não sangue, mas leite fluiu de sua
cabeça.”
76
Esse personagem não é mencionado acima, mas aparentemente era contemporâneo de Sanavasa.
77
Então essa linhagem é tradicionalmente conhecida como linhagem “Boca Dourada.”
78
Veja A Transmissão, 322a6-19: Havia um rei que usava um elefante branco para realizar suas execuções – através de
fazer o elefante pisotear os criminosos até a morte – pois o elefante havia sempre um comportamento furioso. Houve
um dia, contudo, quando o elefante se tornou dócil e não cumpriu sua tarefa como esperado. O rei descobriu que o
elefante tinha estado próximo a um monastério onde se recitava as escrituras budistas; a boa influência de ouvir a
71
serão influenciados os seres humanos para o bem através do encontro com nobres [influências] e como podemos não
nos beneficiar [desse encontro]!
Novamente, havia um Brâmane que vendia caveiras, em algumas delas, uma vara poderia ser passada
[completamente] pelos buracos, em outras apenas até a metade e em outras nem ao menos um pouco. [Alguém]
construiu uma stupa e realizou serviços memoriais em favor daqueles que cuja vara atravessava e como resultado [o
79
construtor] atingiu o renascimento no paraíso. A essência de se ouvir o Dharma pode ser comparada a essa virtude;
80
o Buda tem transmitido o tesouro do Dharma pelo bem de tal benefício.
[1b13] Neste [tratado da] cessação e contemplação, T’ien-t’ai Chih-che [Chih-i] explica as abordagens do Dharma que
ele praticou em seu próprio coração e mente.
81
82
Quando Chih-i nasceu, luz preencheu a sala e pupilas duplas apareceram em seus olhos. Ele praticou as recitações e
83
articulou os dhāraṇīs do Sutra do Lótus [e compreendeu o vazio no Monte Ta-su sob a tutela de Hui-ssu]. Então no
84
lugar de seu mestre do Dharma [Hui-ssu] ele discursou sobre as letras douradas do Prajnaparamita Sutra. As duas
dinastias dos Ch’en (557-589) e os Sui (589-618) o honraram como “mestre imperial”. Ele adentrou à quietude numa
posição meditativa, tendo atingido o [quinto e mais alto] estágio dos “cinco níveis [preliminares]”.
85
recitação dos sutras curou o comportamento mau do elefante e o tornou compassivo. Então o rei transferiu o elefante
para um local próximo a um matadouro e as influências malignas e o cheiro de sangue logo reavivaram o desejo
sanguinário do elefante. Assim, o texto segue, esse é o poder das boas e más influências do nosso meio.
79
A história completa está em A Transmissão, 322b7-22: Havia um brâmane que possuía muitas caveiras e estava
tentando vendê-las, mas sem sucesso. Ele começou a amaldiçoar as pessoas, ameaçando-as com muitos infortúnios se
eles não comprassem as caveiras. Um leigo da cidade teve medo e comprou as caveiras. Ele testou as caveiras com um
cajado de bronze, dizendo que as caveiras que o cajado atravessasse completamente seriam as mais valiosas, sem valor
adicional para aquelas que o cajado não atravessasse. Quando o brâmane perguntou qual a razão de tal avaliação, o
leigo disse que a “penetração” da caveira dependia do quanto aquela pessoa foi hábil em ouvir e entender o maravilhoso
Dharma do Buda; aqueles com conhecimento “penetrante” tinham mentes que “vazias” daquela forma. O leigo
comprou então as caveiras que eram "penetrantes” e construiu uma stupa para elas.
80
Que é, aqueles que ouviram o Dharma do Buda e tornaram-se “vazios” em suas mentes e dignos de adoração.
81
Daqui em diante o Mo-ho chih-kuan é baseado na vasta experiência pessoal de Chih-i e sua prática do caminho
budista e não é meramente um exercício acadêmico. Para detalhes sobre a vida e prática de Chih-i, veja Hurvitz, Chih-i,
esp. pp. 100-73; e Kyoko Jiko, Tendai Daishi no shogai [A vida de Chih-i], Regulus Library 38, Tokyo: Daisan
Bunmeisha, 1975, [daqui em diante “Kyodo, Tendai Daishi”].
82
De acordo com o Livro de História, o antigo rei-sábio Shun tinha pupilas duplas; então a aparição de pupilas duplas é
um sinal auspicioso sinalizando o nascimento de um potencial rei-sábio.
83
Essa é a prática descrita como “confissão do Lótus” e consta no Mo-ho chih-kuan como parte do samadhi ambosandando-e-sentado; veja Mo-ho chih-kuan 14a5-b11. Para um estudo comparativo de Hui-ssu e Chih-i e a prática do
Samadhi Lótus veja Ocho Enichi e seus artigos “Nangaku Eshi no hokke-zanmai” e “Tendai Chigi no hokke-zanmai”
em Hokke shiso no Kenkyu (Estudos sobre o pensamento Lótus), Kyoto: Heiraku-ji Shoten, 1975, pp. 265-303.
84
Hurvitz, Chih-i, pp. 108-109, explica tal estágio da vida de Chih-i como segue:
Enquanto no Monte Ta-su, Hui-ssu ensinou a Chih-i o ssu na lo hsing, ou seja, o método que ele mesmo havia
elaborado para compreensão através de métodos contemplativos, o espírito do Lótus. Chih-i dedicou-se com a
maior diligência, submetendo-se completamente a uma rigorosa maneira ascética de viver. Quando ele atingiu tal
seção do Bhaisajyarajapurvayogaparivarta que descreve a auto-imolação do bodhisattva Sarvattvapriydarcana,
seu “corpo e mente estavam vazios e ele adentrou, em quietude, à contemplação. (...) Sua compreensão do Lótus
foi como uma forte luz brilhando num vale escuro; seu atingir à natureza dos dharmas lembrou um sopro extenso
de vento atravessando um grande espaço vazio” [veja A Biografia de T’ien-t’ai Chih-che, T 50.191c27-28]. Tendo
seu lampejo de percepção, ele correu para informar seu mestre disso e mais tarde, considerando-o
verdadeiramente merecedor de ser guiado até as mais altas verdades, deu a ele o completo benefício de sua
instrução. Chih-i havia então, atingido ele mesmo a perfeição em ambos aspectos intelectual e intuitivo do
Budismo. Hui-ssu disse a ele que nenhum filósofo calvo do mundo poderia superá-lo num debate agora. Quando
ele reproduziu o Prajñaparamita e o Lótus em letras de ouro, Hui-ssu ensinou sobre eles novamente, então
permitindo a Chih-i que ensinasse depois disso, reservando apenas a ele a exposição de certos detalhes. Hui-ssu,
que deveria assistir a suas explicações, está registrado que disse, “Bem, digamos que quando o Dharma foi dado
em cargo do ministro do Dharma, o rei do Dharma não tem nada a acrescentar.”
Para detalhes sobre Hui-ssu veja abaixo; veja também Paul Magnin e La vie et l’oeuve de Huisi (515-577): Les origines
de la secte bouddique chinoise du Tiantai. Paris: École Française d’Extrême-Orient, 1979.
85
Os “cinco níveis preliminares de um discípulo” são estágios relativamente baixos de compreensão na estrutura de
86
Adiante, o Sutra do Lótus diz, “A oferta dos sete tesouros dada por cada pessoa nas quatro centenas de miríades de
milhões (koti) de bilhões (nayuta) de países e magicamente transformando-os de forma que atinjam os seis poderes
paranormais
87
não é igual à centésima milésima milionésima parte da apropriada alegria experimentada por uma
88
pessoa [que atua pelo bem dos outros] pela primeira vez.” Quão mais deve ser o atingir do quinto nível [dos cinco
níveis preliminares atingidos por Chih-i]! O Sutra do Lótus também diz, “Essa [pessoa que prega o [Sutra do Lótus] é
um mensageiro do Tathagata, um servo do Tathagata que executa os desígnios do Tathagata.”
89
O Mahaparinirvana
90
Sutra fala de “um bodhisattva no quinto estágio.” [Então o nível atingido por Chih-i não era insignificante].
91
[1b22] O mestre de Chih-i foi Nan-yüe [Hui-ssu]. Os atos meritórios das práticas de Nan-yüe são inconcebíveis. Ele
T’ien-t’ai no caminho ao Estado de Buda, precedendo aos tradicionais quarenta e quatro ou cinquenta e dois estágios
embora haja poucos que atinjam até mesmo este nível. Eles se baseiam em uma passagem do Sutra do Lótus (T 9.44c46b) e consistem em (1) a alegria de ouvir o Dharma e perceber sua verdade, (2) ler e recitar os sutras, (3) pregar o
Dharma, (4) a prática preliminar das seis perfeições (paramita) e (5) a manutenção correta das seis perfeições. É dito
que no leito de morte, Chih-i declarou ter atingido apenas o quinto desses cinco estágios preliminares e não havia
avançado até os estágios do bodhisattva, pois ele tinha devotado muito tempo treinando seus discípulos ao invés de se
concentrar em seu próprio desenvolvimento (veja Hurviz, Chih-i, p. 172). Contudo, Kuan-ting segue em sua introdução
para mostrar que esse não era um nível de atingimento insignificante. Chan-jan (BT-I, p. 67), em resposta a uma
pergunta que questionava se esse não era um atingir “menor”, afirma que de fato seu atingir foi de “meritória
profundidade”.
86
: ou “sete joias.” A lista varia de texto para texto, mas uma lista comum é: ouro, prata, lápis lazuli, madrepérola, ágata,
coral e âmbar. O Sutra do Lótus (T 9.21b20-21; Hurvitz, p. 125) lista “ouro, prata, vaidurya, concha gigante, ágata,
pérola e coralina.”
87
eis poderes paranormais ou sobrenaturais possuídos por uma pessoa iluminada: a habilidade de aparecer em qualquer
lugar que quiser; a habilidade de ver a vida futura própria e dos outros; a habilidade de ouvir sons que os outros não
podem; a habilidade de ler as mentes de outras pessoas; a habilidade de perceber as vidas passadas próprias e dos
outros; a habilidade de remover as aflições das paixões de alguém. Para uma discussão detalhada veja Lamotte, Le
Traité IV, pp. 1809-27.
88
Paráfrase da passagem do capítulo 18, “Os Méritos da Alegria Apropriada,” T 9.46c24-28; veja Hurvitz, Lotus Sutra,
p. 259:
O mérito recebido por esse homem por oferecer toda sorte de coisas agradáveis aos seres vivos dos seis destinos
nas quatro centenas de miríades de milhões de asamkhyeyas de esferas de mundos e também por permitir a eles
que obtenham o fruto do arhant, não se iguala em um centésimo, nem um milésimo, sequer um centésimo de
milésimo de miríade da milionésima parte do mérito da décima quinta pessoa que se regozija apropriadamente ao
ouvir um único gatha da Escritura da Flor do Dharma, pois isso é algo que não pode ser conhecido através de
números ou parábolas.
Isso ilustra a “alegria de ouvir o Dharma”, o terceiro dos cinco níveis preliminares.
89
Do décimo capítulo sobre os “Pregadores do Dharma,” T 9.30c28. Hurvitz, Lotus Sutra, p. 175, traduz:
Se esse bom homem ou boa mulher, depois da minha extinção, puder secretamente para uma única pessoa pregar
ao menos uma única frase da Escritura da Flor do Dharma, seja sabido que tal pessoa é um emissário do
Tathagata, enviado pelo Tathagata, fazendo o trabalho do Tathagata. Quanto mais pode ser dito daquele que em
meio a grande multitude largamente o prega para homens em geral!
Isso ilustra o “pregar o Dharma,” o terceiro dos cinco níveis preliminares.
90
Lit., “o primeiro [nível] de bodhisattva [nos quais as pessoas] confiam.” Essa frase propriamente não está no
Mahaparinirvana Sutra, mas refere-se à seção de abertura do capítulo sobre os “Quatro Refúgios” (T 12.637a20-22),
que descreve os quatro tipos de seres nos quais as pessoas podem confiar e tomar refúgio: 1) aquele que ainda não
extinguiu as suas paixões mas já está apto a beneficiar os outros, 2) aqueles que adentraram à corrente e os que só
retornarão mais uma vez, 3) aos que não mais retornarão, e 4) os arhats. No Fa-hua hsüan-i (veja T 33.732b-741b) de
Chih-i, tais níveis são identificados respectivamente com 1) os cinco níveis preliminares de um discípulo e os estágios
de pureza dos seis sentidos, 2) os estágios das dez habitações, 3) os estágios dos dez níveis de prática e dez níveis de
transferência de méritos e 4) os dez estágios do bodhisattva (bhumi) e o estágio de equivalência com o estado de Buda.
Chih-i disse que atingiu o primeiro nível, que é, os cinco níveis preliminares de um discípulo.
91
Hui-ssu (515-577), é considerado o segundo patriarca chinês da escola T’ien-t’ai, era um mestre do Samadhi do Lótus
e na filosofia do vazio prajñaparamita, ambos aspectos de ensinamentos e prática budistas que foram incorporados por
Chih-i como características principais do sistema T’ien-t’ai. A Hui-ssu é atribuído uma das primeiras aplicações do
conceito de mo-fa (mappo; “período do fim do Dharma”). Trabalhos atribuídos a ele incluem o Estabelecimento dos
Votos (T #1933, 46.786-787), que contêm referêcias ao conceito de mo-fa e exposições de várias práticas como A
Prática de Atingimento da Paz baseada no Sutra do Lótus (T #1926, 46.697-701) e O Samadhi de Seguir os
Pensamentos Alheios (Dai-Nihon [Manji] zokuzokyo [daqui em diante “Zoku”] 98.687-707). Veja também notas acima.
Aqui começa a explicação de uma “segunda” linhagem que começa com Hui-ssu, mas é traçada de volta até Nagarjuna.
92
não fez nada além de recitar [sutras] por dez anos, praticou [a penitência] do Vaipulya por sete anos e o [samadhi]
constantemente sentado por três meses
94
93
e em um momento atingiu a perfeita realização. Ele era completamente
conhecedor e tinha um entendimento profundo de ambos ensinos Hinayana e Mahayana.
95
96
Nan-yüe estudou com o mestre em meditação Hui-wen, que não tinha iguais na área do Rio Amarelo e do Rio Huai
durante o reinado de Kao-tsu [550-559] na dinastia Ch’i do norte. Seus ensinos não eram entendidos pelas pessoas de
seus dias, assim como [as pessoas que] pisam na terra e observam o céu, mas não sabem a profundidade [da terra]
97
nem a altura [do céu]. Hui-wen confiou exclusivamente no Ta chih tu lun para sua disciplina mental. Esse tratado foi
ensinado por Nagarjuna, o 13º na linha de transmissão do tesouro do Dharma [como explicado acima]. Em seu Tratado
98
sobre a Contemplação dos Pensamentos Chih-i diz, “Eu confiei a mim mesmo ao mestre Nagarjuna.” Então sabemos
que Nagarjuna era o mais alto patriarca [e fundador da linhagem T’ien-t’ai].
Um cético pode dizer “[O método do] Tesouro do Meio é para desobstruir, enquanto a cessação-e-contemplação é
99
construtiva. Como eles podem ser considerados iguais?” Contudo, deveria ser conhecido o fato de que há cerca de
17 comentadores indianos [do Mulamadhyamika-karika de Nagarjuna]; nós não podemos afirmar que apenas Ch’ingun
100
[que enfatiza o lado negativo dos ensinos de Nagarjuna] e rejeitar os outros comentários. O [próprio] Tratado do
Meio diz,
Todas as coisas vêm a surgir através de causas e condições,
Eu explico como vazio,
92
Uma espécie de prática de samadhi que envolve penitência e recitação de dhāraṇīs, baseado no Sutra do Grande
Dhāraṇī Vaipulya (*Mahavaipulya-dhāraṇī-sutra; T #1339, 21.641-661); que foi incorporado por Chih-i dentro de seus
Quatro Samadhis como parte de “samadhi ambos-andando-e-sentado.” Para detalhes e a exposição de Chih-i no Mo-ho
chih-kuan, veja a tradução e notas ao 13a24-14a5. Veja Daniel B. Stevenson e seu artigo “The Four Kinds of Samadhi
in Early T’ien-t’ai Buddhism” (1986), esp. pp. 61-67. Veja também meu artigo “Dandala, Dhāraṇī e Denarii: A T’ient’ai Perspective on the Great Vaipulya Dhāraṇī Sutra” (1997).
93
Veja a explicação do próprio Chih-i sobre esse samadhi no Mo-ho chih-kuan, 11a28-12a19.
94
Lit., “nove períodos”: ou seja, por um retiro de verão de três meses. Um mês consiste de três “períodos” de dez dias:
início, meio e fim.
95
Muito pouco é sabido de Hui-wen e a passagem aqui no Mo-ho chih-kuan é uma das primeiras e mais confiáveis no
escopo biográfico. Mais detalhes estão disponíveis apenas em Registros dos Patriarcas Budistas (Fo-tsu-t’ung-chi,
T2035, 49.129-475), um trabalho biográfico sectário sobre T’ien-t’ai do século XIII, onde a biografia de Hui-wen está
incluída num sexto fascículo, T 49.178b11-179a4.
96
Lit., “caminhou sozinho”, que implica no fato de que ele seguiu sozinho e não praticou sob ou na companhia de
outros monges. Contudo, a biografia de Hui-ssu em Biografias de Monges Eminentes, Parte 2 (T #2060, 50.562c6564a17) afirma que “Hui-wen reuniu muitas centenas de seguidores” (562c28). Eu prefiro compreender tal frase como
significando que Hui-wen era “inalcançável” ou “insuperável” em seu tempo.
97
Isso pode ser uma referência adicional à citação de Hsün-tzu acima, veja nota 15: “Se o cavalheiro estuda largamente
e a cada dia se examina, sua sabedoria se tornará límpida e sua conduta sem falhas. Se você não escalar a alta montanha,
você não compreenderá a altura dos céus; se você não olhar abaixo no vale profundo, você desconhecerá a profundeza
da terra.” Stevenson, Mo-ho chih-kuan (nota 53, p. 107), atribui a ideia a “vinda de Tso-chuan, décimo quinto ano do
Duque Hsi; veja também Shuo yüan, 18:24.” Parece ser um tipo de ideia bem comum nos clássicos.
98
Veja o Tratado sobre a Contemplação dos Pensamentos, T #1920, 46.584, um breve documento sobre os
ensinamentos finais de Chih-i antes que viesse a falecer. A referência a Nagarjuna está em 585c20. O texto original, na
verdade diz “prestar obediência a” Nagarjuna, mas a intenção é a mesma.
99
Ou seja, o método dialético do Tratado do Meio é destrutivo e negativo – seu intento é destruir as visões falsas e
negar a validade de qualquer construção verbal e conceitual; o intento da cessação-e-contemplação é construtivo e
positivo – estabelecer a calma cessação e contemplação perceptiva.
100
O Tratado do Meio traduzido por Kumarajiva e usado mais extensivamente na China (T #1564) inclui um
comentário em versos por um certo “Olhos Azuis” (*Pingala ou *Vimalaksa). Veja a discussão em Robinson, Early
Mahayana, pp. 28-30; veja também Richar Gard, “On the authenticity of the Chung-lun,” Indogaku bukkyogaku kenkyu
3/1 (1954): 370-376, e Brian Bocking, Nagarjuna in China: A Translation of the Middle Treatise (Lewiston: The Edwin
Mellen Press, 1995) [daqui em diante “Bocking, Middle Treatise”] para detalhes sobre a controvérsia ao redor desse
texto e seu autor. Bocking (pp. 402-405) afirma convencido que “Ch’ing-mu” se refere a Vimalaksa, o mestre de
Kumarajiva e que tal parte do comentário no Tratado do Meio deveria ser atribuído a Kumarajiva.
Novamente, isso é uma designação convencional.
Novamente, esse é o sentido do Caminho do Meio.
2.
101
Os três tipos de Cessação-e-Contemplação [1c1-3b10]
T’ien-t’ai [Chih-i] transmitiu os três tipos de cessação-e-contemplação de [seu mestre] Nuan-yüe [Hui-ssu]:
e-sucessivo [ou progressivo], variável [ou indeterminado], e perfeito-e-repentino [ou imediato].
Mahayana, todos eles tomam os verdadeiros aspectos [da realidade]
104
103
102
gradual-
Todos eles são do
como meta e são assim chamados de
“cessação-e-contemplação.”
O [método] gradual-e-sucessivo envolve começar com o superficial e mais tarde [avançar para] o profundo, como subir
uma escada.
105
O [método] variável envolve alternar entre [os estágios, dependendo da necessidade,] iniciais e
avançados, como um diamante disposto sob a luz do sol [reflete diferentes cores dependendo da posição].
106
O
[método] perfeito-e-repentino envolve a não-dualidade do [estágio] inicial e avançado, tal como um mago flutua pelo
espaço.
107
Assim como há três tipos de faculdades [entre os seres humanos],
108
três métodos são usados para ensinar usando três
101
Tratado do Meio capítulo 24, verso 18; T 30.31b11-12. Tal verso é a maior inspiração direta para o conceito de Chihi da verdade tríplice (e contemplação tríplice), que provê uma estrutura dinâmica para a filosofia e prática T’ien-t’ai.
Veja Swanson, Foundations, especialmente pp. 1-17, sobre a significância desse verso. Chih-i evoca esse verso para
mostrar que o ensino de Nagarjuna não era totalmente ou necessariamente negativista. “Vazio” pode soar negativo, mas
uma correta compreensão do pratitya-samutpada, com seus aspectos de existência convencional e o Caminho do Meio,
tem um enfoque positivo que é consoante com o processo construtivo, positivo e “ampliador” da cessação-econtemplação.
102
Assim como Sekiguchi destaca, não há texto onde Hui-ssu use o termo chih-kuan (veja Tendai shikan no kenkyu, pp.
66-67). Mesmo que Chih-i tenha preferido o termo ch’an para se referir à prática budista como um todo em seus
trabalho iniciais e só tenha usado o termo chih-kuan em seus últimos anos, talvez porque chih-kuan seja mais indicativo
do equilíbrio entre ensino e prática do que apenas ch’an. De qualquer modo, parece que o esquema T’ien-t’ai de chihkuan, e especialmente esses três métodos, originaram-se de Chih-i. Chih-i certamente os construiu a partir dos
ensinamentos que recebeu de Hui-ssu, mas ao menos a maior parte da sua formulação pode se creditada à genialidade
de Chih-i.
103
Como Kuan-ting explica abaixo em mais detalhes, existem três formas de se praticar a cessação-e-contemplação:
1. O método gradual, que envolve avançar lentamente do superficial ao profundo atingimento;
2. O método variável ou indeterminado, o tipo de prática a ser determinada de acordo com o tempo e lugar e o
tipo de pessoa que pratica; e
3. O método perfeito-e-repentino, que envolve um insight direto e imediato para dentro da realidade.
104
(ch. shih-hsiang, jap. jisso): os verdadeiros aspectos, reais características ou marcas reais da realidade.
105
Essa imagem pertence ao Mahaparinirvana Sutra, T 12.651a3-5:
Isso é como o corpo humano, onde a cabeça fica no topo e não os outros membros, mãos, pernas e assim em
diante. O Buda também é assim. Ele é o mais respeitado – não o Dharma e a Sangha. Desejando salvar todos
os seres humanos do mundo, ele se manifesta de várias formas e com aparências distintas, como alguém que
sobre uma escada.
106
Essa imagem é novamente do Mahaparinirvana Sutra, T 12.754a21-24:
Por que razão isso é chamado de Samadhi do Vajra (de diamante)? Bons filhos, isso é análogo à cor que se
torna variável quando o diamante é posicionado sob a luz do sol. O Samadhi do Vajra é também assim. A
aparência (“cor”) [daqueles em samadhi] é variável entre as pessoas [ou seja, eles se aparentam
diferentemente para diferentes pessoas, dependendo da capacidade de percepção de cada um e dos propósitos
da pessoa em samadhi de se expressar com o objetivo de ajudar os outros]. Por essa razão é chamado de
“Samadhi do Vajra.”
107
Os comentários não oferecem uma fonte escritural para essa imagem, mas Chan-jan (BT-1, pp. 78-79) explica que
para um mago que flutua no ar, o espaço próximo da terra ou os altos céus são o mesmo; tudo o mesmo espaço “vazio.”
Aquele que pratica o método perfeito-e-repentino é como o mago que percebe que não há diferenciação entre os assim
chamados níveis superiores e inferiores de atingimento. Um insight direto dentro da realidade-como-ela-é transcende
tais distinções. Note que o caractere chinês para “espaço” 空 (kung) é o mesmo usado para “vazio.”
108
Que é, inferior, intermediário e superior; veja o comentário na parte 18 do Tratado do Meio (T 30.25a23-27):
Existem três tipos de seres sencientes; superiores, intermediários e inferiores 上中下. Os superiores
contemplam as coisas [lit. “marcas dos dharmas”] nem como reais e nem como não-reais. Os intermediários
analogias. Aqui termina a explicação breve; agora eu explicarei mais detalhadamente.
1.
Cessação-e-Contemplação Gradual-e-Sucessiva [1c6]
[Primeiro,] o [método de cessação-e-contemplação] gradual. Mesmo no início, há uma [certa necessidade de]
compreensão dos verdadeiros aspectos [da realidade], mas como os verdadeiros aspectos [da realidade] são difíceis de
entender,
109
a prática é facilitada pela gradual progressão.
1.
Primeiro, a pessoa cultiva [o fortalecimento moral por] tomar refúgio nos preceitos,
110
dando as
costas aos vícios e encarando o que é correto, cessando [as atividades dos] seres infernais, animais e
espíritos famintos,
2.
111
e atingindo os três bons caminhos [dos asuras, humanos e deuses],
112
Em seguida, a pessoa cultiva a concentração meditativa (dhyana), parando os desejos e distrações
[que impedem a mente] como uma rede e atingindo os estados concentrados [dos reinos] da forma
e não-forma
3.
113
[onde todas as aflições das paixões são suprimidas].
Depois, a pessoa cultiva [os estados meditativos onde está] o fim do fluxo [das paixões, anasrava],
114
cessando seu aprisionamento no mundo tríplice [do desejo, forma e não-forma] e atingindo o
caminho para o nirvana.
4.
115
Em seguida, a pessoa cultiva bondade e compaixão (maitri-karuna), impedindo [conscientemente de
contemplam as coisas como completamente reais e completamente não reais. Os inferiores são aqueles de
sabedoria superficial, então eles contemplam as coisas como um pouco reais e um pouco não-reais.
Contemplam o nirvana como real, pois é incondicionado e indestrutível. Contemplam o samsara como irreal
porque é condicionado, vazio e falso.
Veja também o verso 19:4 e comentário em T 30.26a12-20.
109
Veja Sutra do Lótus T. 9.5c11. Hurvitz (Lotus Sutra, pp. 22-23) traduz:
Sobre os dharmas principais, raros, difíceis de se compreender, que o Buda aperfeiçoou, apenas um Buda e
um Buda pode esgotar sua realidade, a essência dos dharmas, a essência das marcas, a essência de sua
natureza, [e assim em diante].
110
Isso provavelmente incluiria o compromisso mais amplo o refúgio tríplice – tomar refúgio no Buda, Dharma e
Sangha – assim como manter pelo menos os cinco preceitos: abster-se de tirar a vida, de tomar o que não foi dado, de
conduta sexual ilícita, fala enganosa e de intoxicantes que possam entorpecer a mente. Num sentido mais estrito de
manter os preceitos budistas, os preceitos que Chih-i normalmente se refere são aqueles que estão no Vinaya em Quatro
Partes (Ssu fen lü, T 22, No. 1428), na tradução chinesa da tradição Dharmaguptaka. Essa tradição requer que se
mantenha os 250 preceitos para os monges e 348 para as monjas. Para detalhes sobre os preceitos veja Charles S.
Prebish, Buddhist Monastic Discipline, The Pennsylvania State University Press, 1975; veja também Mohan
Wijayaratna, Buddhist Monastic Life, Cambridge University Press, 1990.
111
Lit. o “fogo, sangue e a espada,” que se referem aos três destinos, inferno, bestas e espíritos famintos (preta). “Fogo”
se refere aos desejos ardentes do inferno, “sangue” se refere aos modos sanguinolentos dos animais e a “espada” a uma
imagem da sede insaciável e fome dos fantasmas famintos, cujo apetite nunca é satisfeito. Essas três formas de
existência se posicionam em contraste com as três positivas e boas formas que seguem.
112
A prática de bons feitos resultará no nascimento, ou experiência nos destinos mais positivos como o reino humano ou
os divinos. Além disso, diferente dos três modos maléficos ou destinos do inferno, animais e fantasmas famintos, as
atividades dos modos positivos podem produzir bom karma e guiar ao renascimento como um ser humano e talvez ao
atingir dos mais altos níveis de iluminação como de um bodhisattva ou até mesmo de um Buda. Assim, o primeiro passo
a ser tomado para que uma pessoa se aproxime do caminho budista é aperfeiçoar a própria conduta moral básica.
113
Tais termos se referem à classificação budista do mundo, ou nosso estado mental de delusão, dentro de três reinos de
desejo (kamadhatu), forma (rupadhatu) e ausência de forma (arupadhatu). O reino do desejo é nossa experiência
comum na qual somos constantemente sujeitos aos desejos de todo o tipo. Incluído nesse reino estão os seis destinos do
inferno até os deuses. O reino da forma é um mais puro estado mental além do desejo e inclui os assim chamados quatro
céus de dhyana. O reino da não-forma é um ainda mais puro estado mental além de toda forma e desejo, experienciado
apenas no mais alto estado de concentração. Veja “mundo tríplice” no Glossário.
114
Esse caminho de meditação consiste em oito tipos de dhyana e é descrito detalhadamente por Chih-i em seu Tz’u-ti
ch’an-men, T #1916.
115
Em termos de T’ien-t’ai, este estágio representa a “entrada ou compreender o vazio a partir do insubstancial” que é,
avançar de habitar na comum, existência convencional rumo a compreender o vazio de todas as coisas. Tal prática
corresponde à dos sravakas e pratyekabuddhas, ao Tripitaka e Ensinos Compartilhados.
buscar] sua própria iluminação e assim atingindo o caminho do bodhisattva.
5.
116
Finalmente a pessoa cultiva [a compreensão dos] verdadeiros aspectos [da realidade], pondo um fim
a ambos extremos e [atitudes] dualistas,
perfeito estado de Buda].
117
e atingindo o caminho de estabilidade duradoura [no
118
Tal método de começar com o superficial no início e mais tarde avançar para o profundo, que é característico do
[método de prática] gradual-e-sucessivo da cessação-e-contemplação.
2.
Cessação-e-Contemplação Variável [1c11]
O método variável [ou indeterminado, de praticar a cessação-e-contemplação] não envolve particulares estágios
[predeterminados]. Em termos do método gradual [descrito] acima e ao método repentino [a ser descrito] abaixo, [o
método variável] pode envolver o método gradual inicialmente e mais tarde o método repentino [ou outra maneira].
Ou ele pode alternar entre superficial e profundo. Ou pode envolver [às vezes] o fenomênico ou prático e [em outros
momentos] o princípio [da realidade].
119
Ou [em termos dos quatro métodos de instrução (siddhanta)],
120
alguém
pode indicar o mundano como a suprema [verdade], ou pode apontar a suprema [verdade] como [ela é apresentada
para] cada indivíduo ou em sua [função] terapêutica. Ou pode envolver a cessação conquistada através da quietude da
contemplação ou pode envolver contemplação intuitiva atingida através da iluminação [baseada na] cessação. Assim
[esse método] é chamado variável [ou indeterminado] da cessação-e-contemplação.
[1c16] Pergunta: Um cético pode dizer: “[Tais três métodos de cessação-e-contemplação] são os mesmos em seus
ensinos, em seus objetivos [de sua prática] e no nome, então por que eles são diferentes quando são praticados?”
Resposta: Eles são o mesmo, mas não são o mesmo; embora não sejam o mesmo, eles são o mesmo.
116
121
O [método de
Em termos de T’ien-t’ai, este estágio corresponde a “entrada ou compreender o convencional a partir do vazio”, que
é, “retornar” a uma compreensão da existência convencional baseada no entendimento do vazio; a reafirmação do
mundo convencional; isso representa o movimento de “beneficiar os outros” em contraste com apenas buscar em
benefício próprio, “voltar” ao mundano para ajudar os outros. Essa é a atividade altruística do bodhisattva e corresponde
à dos ensinos distintos.
117
Essas visões bilaterais extremas podem se referir aos dois extremos que são o hedonismo e o ascetismo, às visões de
que o existe um eu eterno ou de que um eu não exista, ao eternalismo e ao niilismo, assim por diante.
118
Em termos de T’ien-t’ai, este é o Caminho do Meio, a simultânea compreensão do vazio e da insubstancialidade
como um todo e não como opostos extremos; a perfeição de ambos beneficiar a si próprio e aos outros. Este estágio é o
do Buda e do Ensino Perfeito.
119
Ou entre “aparências” e “o princípio da realidade” ou “realidade-como-ela-é.” Ou, para oferecer uma leitura mais
interpretativa de T’ien-t’ai: “isso pode envolver [às vezes] a participação em rituais concretos ou práticas definidas e
[em outros momentos] uma experiência direta ou insight dentro da “realidade-como-ela-é.” Essa é uma polaridade
comum do pensamento chinês pré-budista que era frequentemente usada por pensadores budistas e envolve nuances
muito complexas.
120
Os quatro siddhantas, como explicado no Ta chih tu lun [T 25.59b-61b] refere-se aos quatro pontos de vista dos
quais se percebe a realidade ou aos quatro métodos de ensino usados pelo Buda para apresentar o Dharma a sua
audiência. Os quatro são:
1. O ponto de vista mundano (laukika-siddhanta), explicando o mundo em termos de sua realidade mundana;
2. O ponto de vista individual (pratipaurusika-siddhanta), explicando o mundo de acordo com os estados mentais
ou capacidade individual de cada um;
3. O ponto de vista terapêutico (pratipaksika-siddhanta) explicando o mundo servindo como remédio para as
doenças que afligem a humanidade; e
4. O ponto de vista supremo (paramarthika-siddhanta), explicando o mundo diretamente como ele é, sem
discriminação ou artifícios.
Chih-i despende um grande esforço para explica-los no Fa-hua hsüan-i, T 33.686a-691a. Sobre a relação entre as
duas verdades e os quatro siddhantas veja Swanson, Foundations, pp. 23-30.
121
Isso é uma maneira paradoxal de dizer que embora os três métodos de cessação-e-contemplação tenham coisas em
comum, ou seja, são todos baseados nos ensinos Mahayana, todos possuem os verdadeiros aspectos da realidade como
objeto de meditação e são todos chamados de “cessação-e-contemplação,” eles também são diferentes como método
cessação-e-contemplação] gradual-e-sucessivo envolve seis [destinos], três dos quais são bons [asura, humano e
divino] e outros três maus [inferno, animais e fantasmas famintos]. [O terceiro nível, do samadhi do] não-fluir [das
paixões] envolve [transcender os] três [estados mentais de desejo, forma e não-forma]. Todos juntos [incluindo os três
estágios individuais da segunda, quarta e quinta partes listadas acima] são vinte [níveis de desenvolvimento na
progressão gradual] que não são o mesmo.
122
Existem muitas maneiras expressadas [para se praticar a cessação-e-contemplação numa forma indeterminada], então
ela é chamada de variável [ou cessação-e-contemplação indeterminada].
Pergunta: Esse capítulo [descreve três métodos de cessação-e-contemplação que são] o mesmo [ensino] Mahayana, os
mesmos tendo os aspectos da verdade [da realidade como seus objetivos] e os mesmos são chamados “cessação-econtemplação.” Por que então esse [capítulo] é chamado de “Sobre as Dinstinções”?
123
Resposta: Eles são os mesmos, mas não são os mesmos; embora eles não sejam os mesmos, eles são os mesmos. O
[método de cessação-e-contemplação] gradual-e-sucessivo envolve nove [estágios]
124
que não são os mesmos. O
[método de cessação-e-contemplação] variável envolve quatro [opções] que não são as mesmas.
125
Juntos eles são
treze [aspectos] que não são os mesmos. Há muitas maneiras expressadas [de praticar a cessação-e-contemplação],
por isso é dito que elas não são as mesmas. [Da mesma forma,] todos os Nobres estão interessados nos dharmas [da
realidade indiferenciável do todo, que é] não-condicionado (asamskrta), de tal forma eles fazem distinções e [as
distinções feitas aqui] possuem o mesmo sentido.
3.
A Perfeita-e-Repentina Cessação-e-Contemplação [1c22]
O [método da prática da cessação-e-contemplação] perfeita-e-repentina, envolve tomar os aspectos da verdade [da
realidade] como o objetivo desde o mais breve começo. O que quer que seja tomado como objeto [de contemplação],
é o Meio; não há nada que não seja verdadeiramente real.
126
[Quando alguém atinge o estado de contemplação onde]
a própria realidade (dharmadhatu) se fixa como objeto [de contemplação]
127
e os pensamentos são integrados com a
pelo qual a meta é atingida e os detalhes de como a prática da cessação-e-contemplação é verdadeiramente exercida.
122
Essa explicação se refere a diferentes níveis relacionados com o método gradual de cessação-e-contemplação. Os
comentadores tradicionais verteram um bocado de tinta tentando explicar tais distinções e como chegar até elas ao
número de doze. Para detalhes veja BT-I, pp. 85-88. Eu segui a explicação dada por Donner, Mo-ho chih-kuan, p. 44 e
Stevenson, Mo-ho chih-kuan, p. 111.
123
Essa questão e resposta são praticamente idênticas a anterior. Talvez a ambiguidade e a numeração na primeira
resposta guiem para a duplicação numa edição posterior do texto. Ou, como a questão se refere ao título do capítulo
(“Sobre as Distinções”) que não está nessa edição, talvez seja uma forma da questão numa versão mais antiga do Mo-ho
Chih-kuan.
124
O Kogi (BT-I, p. 90) explica que o número nove vem da adição dos seis destinos e os três níveis de meditação
dhyana (#2), do não-fluir (#3) e compaixão (#4).
125
O Kogi (BT-I, p. 90) explica que isso se refere aos quatro siddhantas.
126
Termos como o Meio, Caminho do Meio, dharmadhatu, o princípio de realidade, similitude, Dharma sutil, a
completa e integrada verdade tríplice, e assim por diante, são usados por Chih-i para expressar a maneira com que as
coisas realmente são, embora Chih-i é cuidadoso em indicar que palavras e conceitos nunca serão completamente
válidos ou hábeis a completamente expressar a realidade-como-ela-é. Essa questão é tratada com mais detalhes no Fahá hsüan-i; Veja Swanson, Foundations, pp. 14-16.
Assim como Chih-i esclarece melhor depois, não há fenômenos ou objeto que não participe da realidade e não possa um
objeto de contemplação útil.
127
Essa frase é encontrada em O Ensino de Manjusri, T 8.731a27. A seção é também citada por Chih-i numa explicação
do samadhi constantemente-sentado; veja notas do Mo-ho chih-kuan 11a25-12a19. O contexto é o seguinte:
Manjusri diz, “Honrado do Mundo. O que é essa [prática] chamada de ‘samadhi da prática única’?”
O Buda disse, “O dharmadhatu é uma [única] marca – tomar esse dharmadhatu como objeto [de cognição] é
chamado de ‘samadhi da prática única’. Se um bom homem ou boa mulher deseja entrar no samadhi da
própria realidade, [então a pessoa compreende que] não há uma única cor ou aroma que não seja o Caminho do
Meio.
128
É o mesmo para o reino do indivíduo, o reino dos Budas e para o mundo inteiro.
129
Todos [os fenômenos
experienciados através] dos agregados (skandha) e sentidos (ayatana) são condicionados; assim, não há sofrimento
[substancial] que precise ser removido.
130
Desde a ignorância (avidya) e a menor partícula [das aflições das paixões; ou
seja, (klesa)] são indivisíveis da sabedoria-bodhi, não há origem [do sofrimento; ou seja, o desejo] para ser
suprimida.
131
Mesmo os extremos [dualistas] e as [visões] falsas
certamente, não há caminho para ser cultivado.133
não há extinção [do desejo] para ser realizada.
135
133
132
são [indivisíveis com] o Caminho do Meio e
Assim [o mundo cíclico do] samsara é [indivisível do] nirvana,
134
Desde o sofrimento e suas causas não existem [substancialmente],
não há mundo [para se transcender]; assim o caminho e a extinção [do desejo] não existem [substancialmente], não
há mundo transcendente [para ser atingido]. Há puramente um único aspecto verdadeiro [de realidade-como-ela-é];
não há coisas separadas fora desse verdadeiro aspecto.
136
Pois as coisas em si próprias (dharmata) por serem quietude
se diz “cessação”; por serem quietude enquanto luminosas se diz “contemplação.”
137
Embora se fale de [estágios]
iniciais e tardios, ele nem são dois nem são separados. Isso é chamado de cessação-e-contemplação perfeita-erepentina.
138
prática única, eles devem primeiro ouvir ao prajñaparamita tal como é ensinado; depois de cultivá-lo e
estuda-lo, eles estarão aptos a entrar no samadhi da prática única. Como o dharmadhatu, é não-retrogressivo,
indestrutível, além da compreensão conceitual, desobstruído e sem marcas.” (T 8.731a26-b1)
Essa frase também pode ser lida de uma forma mais simples, “O reino do Dharma é fixado como um objeto e [cada]
singular pensamento é integrado; não há uma única cor nem aroma que não seja o Caminho do Meio.”
128
O Kogi (BT-I, p.102) afirma que justamente essa famosa frase é “retirada do Pañcavimsati Sutra” (que pode indicar
que seja, na verdade, do Ta chih tu lun), mas eu não consegui localizar essa passagem. Para uma discussão estendida
dessa frase nos comentários tradicionais e particularmente nas implicações da ideia de natureza búdica em todas as
coisas (incluindo em objetos inanimados), veja BT-I, pp. 96-111.
129
Uma das formas em que toda a experiência humana é categorizada no sistema T’ien-t’ai é na tríplice classificação da
mente (= comum e ainda-imperfeito eu individual), o Buda (= o perfeito eu; a meta ideal) e os seres sencientes (= o
mundo objetivo). Essa classificação é baseada na famosa passagem idealística no Avatamsaka Sutra comparando a
mente a um pintor; veja T 9.465c16-466a6. Para uma tradução dessa passagem e do uso que Chih-i faz dela, veja notas
do Mo-ho chih-kuan 8b23 e 52a13-14.
130
Isso é uma negação da interpretação substancialista da primeira das Quatro Nobres Verdades do Budismo, de que
tudo é sofrimento.
131
Isso é a negação da interpretação substancialista da segunda das Quatro Nobres Verdades do Budismo, de que todo
sofrimento tem origem em nossos desejos das paixões.
132
Assim como os dois extremos do aniquilacionismo [negação niilista de todas as coisas] e do eternalismo [a afirmação
de uma existência eterna ou substantiva] ou os dois extremos do hedonismo e ascetismo extremos.
133
Isso é uma negação da interpretação substancialista da quarta das Quatro Nobres Verdades do Budismo, que é a do
Caminho para extinguir o desejo que causa o sofrimento.
134
Essa frase é também entendida literalmente como “samsara é nirvana,” e que há uma equivalência total e matemática
entre os dois. Contudo, no contexto do pensamento de Chih-i, isso é mais acurado entender essa frase como assinalando
sua indivisibilidade; eles não existem e não podem ser compreendidos separadamente, mas isso não quer dizer que eles
sejam exatamente os mesmos de todas as formas ou que estejam completamente sobrepostos. Como Chih-i diria, eles
não são um nem dois; nem exatamente os mesmos, nem separados. Veja a discussão de Swanson sobre esse ponto no
artigo “Understanding Chih-i: Through a Glass, Darkly?,” Journal of the International Association of Buddhist Studies
17.2, pp. 346-47, 355.
135
Isso é a negação da interpretação substancialista da terceira das Quatro Nobres Verdades do Budismo, de que o
desejo das paixões deve ser extinto.
136
Para detalhes sobre a interpretação de Chih-i sobre as Quatro Nobres Verdades, do quais representam as seguintes e
maiores interpretações veja Swanson, Foundations, pp. 9-10, 141-44, 226-34 e o Chart 1 nas páginas 358-359; veja
também o Fa-hua hsüan-i, T 33.7000c15-702a12. Os termos para essa classificação vem do Mahaparinirvana Sutra, T
12.733c9-14 e do Srimaladevi Sutra, T 12.221a20-b7. Uma discussão mais detalhada dessa classificação aparece mais
tarde no Mo-ho chih-kuan, 5b-6a.
137
Compare essa linha com a frase de abertura do Mo-ho chih-kuan.
138
Esse parágrafo é tradicionalmente considerado como contendo a “essência refinada” do Mo-ho chih-kuan e, é claro,
do ensinamento de T’ien-t’ai como um todo. Está incluso na liturgia diária recitada por T’ien-t’ai e monges Tendai.
4.
Suporte nas Escrituras para a Perfeita-e-Repentina Cessação-e-Contemplação [2a2]
Os [métodos de cessação-e-contemplação] gradual e variável serão deixados de lado e não serão discutidos [mais
nesse texto]; agora eu esclarecerei a perfeita-e-imediata [cessação-e-contemplação] através das escrituras[,
especialmente o Avatamsaka Sutra].
Assim [o bodhisattva] *Bhadramukha (“Líder em Bondade”),
139
que tinha completamente atingido
inalcançáveis e sutis virtudes, disse:
Quando um bodhisattva habitando no samsara
Primeiro faz surgir uma aspiração [pela iluminação (bodhicitta)],
Ele com a mente una busca a sabedoria-bodhi
Firmemente e sem vacilar.
O mérito desse pensamento uno
é profundo, vasto e ilimitado.
O Tathagata pode pormenorizar e [tentar] explicar
mas ele não poderia esgotar [seu significado] mesmo que o fizesse por um completo kalpa.
140
Esse bodhisattva ouve o perfeito Dharma, faz surgir perfeita confiança, estabelece perfeitas práticas, habita nos
perfeitos níveis [de atingimento], adorna a si próprio com perfeita virtude e com perfeitas funções poderosas
para estabelecer os seres sencientes [na verdade].
141
[2a8] O que significa ouvir o perfeito Dharma? [Significa] ouvir que [este mundo do] samsara é indivisível com o
corpo do Dharma [de perfeito Estado de Buda], que as aflições das paixões são indivisíveis com a sabedoriaprajña, que as amarras do carma são indivisíveis com a liberação (moksa).
142
Embora haja três nomes
[diferentes], não há três essências [ou realidades]; embora haja apenas uma essência [realidade], três nomes
são estabelecidos. Esses três pertencem a uma única marca; na realidade não há [definitiva] diferença [entre
139
Um bodhisattva que aparece como centro das atenções na oitava seção do Avatamsaka Sutra traduzido por
Buddhabhadra, T 9.432c18-441c119, a passagem que Chih-i cita extensivamente nessa seção.
140
Quase literalmente dos versos do Avatamsaka Sutra, T 9.432c29-433a3. Thomas Cleary (The Flower Ornament
Scripture: The Avatamsaka Sutra, Shambala, 1985, p. 330 [daqui em diante “Cleary, Flower Ornament”]), traduz tais
versos baseado numa versão chinesa diferente (do que a Shiksananda do século VI):
Quando um ser iluminado primeiro se determina no Caminho,
Fazendo votos de buscar e compreender a iluminação dos Budas,
As virtudes ali presentes são ilimitadas,
Imensuráveis, sem comparação.
Quanto mais então, através de incontáveis, ilimitados eons,
Para completar a prática das virtudes dos estágios e modos transcendentes;
Mesmo todos os Budas das dez direções
Juntos não poderiam completamente explica-los totalmente.
Note que a versão de Buddhabhadra se encaixa mais perfeitamente no que Chih-i quer dizer nessa seção definindo a
prática repentina-e-perfeita.
141
Então Kuan-ting resume a passagem no Avatamsaka Sutra (T 9.433a-441b) que segue os versos recém citados. Note
que a palavra chave “perfeito” contudo, foi adicionada por Kuan-ting. Os parágrafos seguintes desdobram-se sobre cada
uma das “perfeitas” características de um bodhisattva.
142
Esses são tradicionalmente os três obstáculos para a iluminação (aflições das paixões, karma e sofrimento) e as três
qualidades de um iluminado (sabedoria, liberação e corpo do Dharma), supostamente opostas como qualquer qualidade
oposta pode ser. Contudo, esses três “opostos” são usados por Chih-i para ilustrar a subentendida unidade e
indivisibilidade da realidade; de que cada uma dessas qualidades não são separadas nem independentes de seu suposto
“oposto,” preferencialmente não podem e não devem ser consideradas separadas. Veja tabela 9 em Swanson,
Foundations, p. 365.
eles]. O corpo do Dharma é definitivo,
143
como sabedoria-prajña e a liberação são definitivas. Sabedoria-prajña
é pura; os outros [o corpo do Dharma e a liberação] são também puros. A Liberação envolve total
entendimento; os outros também envolvem total entendimento. É o mesmo quando alguém ouve qualquer
outro dharma; todos incluem o Dharma do Buda sem diminuírem ou decrescerem de qualquer forma.
144
Isso se
chama “ouvir o perfeito Dharma.”
[2a14] O que é a perfeita confiança? É crer [ou estar convencido de] que todos os dharmas são
simultaneamente vazios, convencionais e o Caminho do Meio.
145
Há, [definitivamente,] não um ou dois, ou três,
assim há [provisoriamente ou convencionalmente] um ou dois ou três. [Dizer que] não há um, ou dois, ou três é
obstruir [a necessidade convencional de] que sejam um, dois ou três; dizer que há um, ou dois, ou três ilumina
[os aspectos convencionais de] um, ou dois, ou três. [Definitivamente] não há obstrução e nem iluminação;
todos são definitivos, puros e completos em compreensão.
147
146
Sem temer quando ouvir de sua profundidade e
nem duvidar quando ouvir de sua vastidão, tendo coragem quando ouvir que está além da profundidade e da
vastidão: isso é chamado de perfeita confiança.
148
[2a18] O que é a perfeita prática? É unicamente e de todo o coração buscar a suprema sabedoria-bodhi
(anuttara-samyak-sambodhi), [falando concretamente, compreender que] os extremos são [indivisíveis do]
Caminho do Meio, é perfeitamente cultivar a verdade tríplice sem tornar-se distraído;
149
não ser nem
tranquilizado pelo que é infinito, nem agitado pelo que é finito; e então nem agitado nem tranquilizado,
compreender diretamente o Caminho do Meio. Isso é chamado de perfeita prática.
[2a21] O que é compreender os perfeitos níveis [de atingimento]? É [compreender que], quando você entra no
primeiro [estágio] de habitação,
150
um estágio é todos os estágios, que todos são definitivos, todos são puros e
todos envolvem total compreensão. Isso é chamado [compreender] os perfeitos níveis [de atingimento].
143
Ou seja, o ultimo e perfeito atingimento de um Buda.
Em termos de T’ien-t’ai, cada e toda coisa é inter-relacionada e de certa forma “contém” ou está envolvida em todas
as outras coisas existentes, assim cada e todos os dharmas contém ou estão envolvidos em todos os outros dharmas e
então contém o todo em si mesmo. Ouvir qualquer Dharma é ouvir a todos e ouvir o perfeito e completo ensinamento
do Buda.
145
Essa é a “perfeita e integrada verdade tríplice,” o ápice da filosofia de Chih-i e expressão de seu insight para dentro
do Dharma do Buda.
146
Ou, “nada [substancial] que é obstruído e nada [substancial] que é iluminado”
147
As três respectivas qualidades do corpo do Dharma, sabedoria-prajña e liberação.
148
Donner, Mo-ho chih-kuan, p. 70, nota 88, adiciona:
Chan-jan [BT-I, pp. 117-18] adiciona que a confiança surge em dependência da Verdade Ultima e é, por sua vez, a
fundação da prática. Ele cita a narrativa do Fa-chü p’i-yü ching, o Dhammapada-com-parábolas (T 4.579c-580a),... que
conta como o Buda, para convencer uma audiência relutante do valor da confiança, chamou um homem que andou
sobre as águas atravessando um rio profundo. Ao ser questionado como aquilo era possível, o Buda respondeu que o
homem que andou sobre as águas tinha ouvido na outra margem que o rio era raso. O poder da confiança na
profundidade rasa do rio o habilitou a atravessá-lo e a ouvir o ensinamento do Buda, molhando apenas seus tornozelos.
Assim, o Buda provou aos céticos o poder da confiança e consequentemente todos se converteram e tornaram-se
budistas.
149
Em outras palavras, entender a verdade tríplice como perfeitamente integrada: não estar apegado nem a ideia errada
de que o vazio como nada ou realidade insubstancial como tendo existência substancial. Esse é o Meio, a compreensão
da verdade tríplice como simultânea identidade de vazio, insubstancialidade e Meio.
150
O primeiro dos dez estágios dos bodhisttvas dos “dez reinos”, o segundo grupo de dez estágios nos cinquenta e dois
estágios que guiam ao estado de Buda. Esse é o nível da “aspiração.” Para aqueles do Ensino Perfeito, entrar no
primeiro estágio dos reinos significa que tal pessoa atingiu o nível da “compreensão parcial” (em termos de Seis
Identidades), suprimiu as aflições das paixões e sobrepujou a ignorância e está pronta (ou “aspira”) a cortar as mais
perniciosas e arraigadas tendências da ignorância fundamental.
A questão dos estágios de atingimento é algo muito complicado no Budismo chinês. Para uma tabela mostrando os
vários estágios e sua relação com o Ensino Quádruplo e seus níveis das Seis Identidades, veja tabela 1 no Appendix D e
Chappel, T’ien-t’ai Buddhism, pp. 32-34.
144
[2a23] O que é estar adornado com a perfeita compreensão?
características da compreensão total em detalhes:
152
151
Este [Avatamsaka] Sutra explica as
alguém pode adentrar à concentração correta [e entender
o vazio] através suas faculdades dos sentidos (indriya) [assim como com os olhos e ouvidos], ou alguém pode
fazer surgir de [sua concentração correta] com as faculdade dos sentidos e ir em frente e pregar [o Dharma e
assim compreender o convencional]. Alguém pode ambos entrar e sair [da concentração correta] através das
faculdades dos sentidos ou nem entrar nem sair de suas faculdades dos sentidos [o Meio]. O mesmo pode ser
feito em cada uma das faculdades dos sentidos. Alguém pode entrar na concentração correta através de objeto
dos sentidos (artha, visaya) ou alguém pode fazer surgir [de sua concentração correta] por um objeto dos
sentidos e seguir adiante e pregar [o Dharma]. Alguém pode ambos, entrar e sair [da concentração correta] por
um objeto dos sentidos ou pode nem entrar nem sair por um objeto dos sentidos. O mesmo pode ser feito
através de cada objeto dos sentidos. Alguém pode entrar na concentração correta numa certa direção, ou pode
fazer surgir [da concentração correta] numa certa direção e seguir adiante e pregar [o Dharma]. Alguém pode
entrar e sair [da concentração correta] num certa direção ou nem entrar nem sair [da concentração correta]
numa certa direção. Alguém pode adentrar à concentração correta através de uma coisa, ou pode fazer surgir
[de sua concentração correta] através de uma coisa e seguir adiante e pregar [o Dharma]. Alguém pode ambos
entrar e sair [da concentração correta] através de uma coisa ou nem entrar nem sair através de uma coisa.
153
Em outras palavras, onde quer que alguém adentre, saia, ambos adentre e saia ou nem adentre ou saia [da
concentração correta] seja através de um único sentido, faculdade ou objeto dos sentidos, tal pessoa atingiu a
total compreensão sobre todas e cada retribuição kármica direta [provocada pelas próprias ações e sentidos],
assim como [todas e cada] retribuição kármica indireta [provocadas pelo meio].
154
Isso é chamado de
adornamento da perfeita compreensão.
[Como é dito no Agama Longo] “Isso é análogo à luz do sol: assim como ela circunda os quatro grandes
continentes [do mundo]
156
outro.”
155
é tarde em um lugar, manhã em outro, anoitecer em outro e meia noite em
[A situação] não é igual por causa da rotação [do sol]: há apenas um sol, mas ele é percebido
diferentemente em cada um dos quatro lugares. A total compreensão do bodhisattva é da mesma forma.
[2b8] O que é o perfeito estabelecimento dos seres sencientes [na verdade]? Através da emissão de um único
raio de luz
151
157
[um Buda ou Bodhisattva] pode guiar os seres sencientes a atingir o benefício de [compreender] a
Aqui “adornando a si próprio com perfeita virtude” foi abreviado para “o adornamento de perfeita maestria”. No
Avatamsaka Sutra a questão do adornamento de um iluminado é tratado primeiro (434a-438b), seguido de uma
exposição sobre a maestria e poder (9438b-441b). Kuan-ting divide isso em “adornamento de perfeita maestria” e
“perfeito poder para estabelecer os seres sencientes [na verdade].”
152
O que segue é a paráfrase da passagem do Avatamsaka sutra, T 9.438b-439a. Veja também a tradução de Cleary,
Flower Ornament, pp. 356-59.
153
Em suma, perfeita maestria significa a habilidade de fazer todas essas coisas livremente. De acordo com Chan-jan
(BT-I, p. 122), o aspecto de “adentrar” à concentração correta (samadhi) corresponde a compreensão do vazio, o aspecto
de “sair” da concentração correta corresponde a retornar ao mundo condicionado e agir em benefício de outros e o
aspecto de “ambos e nem entrar nem sair” corresponde ao Meio – a compreensão do vazio e a volta ao mundo
condicionado não são opostos, nem aspectos separados, mas são integrados e mutualmente apoiados. Perfeita maestria é
compreender essa natureza integrativa do Meio.
154
Ou, “alguém que atingiu a perfeição da maestria sobre cada e toda coisa no corpo e mente de alguém, assim como
sobre o mundo fenomênico.”
155
De acordo com a cosmologia budista, nosso mundo presente consiste de quatro grandes continentes ao redor do
Monte Sumeru. Nós vivemos no continente ao sul, Jambudvipa (que comumente também é usado para se referir a
Índia); os outros continentes são Purvavideha no leste, Uttarakuru ao norte e Aparagodaniya ao oeste.
156
Um resumo do Agama Longo, T 1.147c6-15.
157
Assim como no capítulo de abertura do Sutra do Lótus, por exemplo, quando o Buda termina de pregar o Sutra dos
perfeita integração do vazio, o convencional e o Meio, atingir os benefícios de [compreender totalmente o]
entrar, sair, ambos entrar e sair, nem entrar e nem sair [da concentração correta]. Isso é aplicável a todas as
ações, quer esteja andando, parado, sentado ou deitado, quer esteja falando ou em silêncio.
158
Aquele que tem
afinidade [com tal verdade] pode percebê-la, como o olho vê a luz. Aqueles que não têm afinidade não
compreenderão, assim como é sempre escuro para o cego.
Prosseguindo, vamos tomar a analogia do Rei Dragão.
desejo],
160
159
Em altura [seu poder] alcança os seis céus [do reino do
e em largura [seu poder] alcança os quatro continentes. Ele faz surgir todo tipo de nuvens, manipula
todo tipo de trovões, reluz todo tipo de relâmpagos e causa o cair de todo tipo de chuva. O Dragão [Rei faz tudo
isso] enquanto está em seu próprio palácio, imóvel e seguro e ainda assim suas ações parecem diferentes para
todos.
161
O Bodhisattva também é assim. Internamente ele tem a si próprio completamente realizado [a
verdade da] identidade do vazio, insubstancialidade e do Caminho do Meio e [baseado na] natureza imovível da
realidade (dharmata), ele pode guiar [os seres sencientes] a adquirir todo tipo de benefícios e atingir todo tipo
de funções [que guiam ao estado de Buda]. Isso é chamado “perfeito poder que funciona de modo a
estabelecer os seres sencientes [na verdade].”
[2b17] Se no [nível da] primeira aspiração
162
uma pessoa já se encontra assim, quão mais [avançados] serão
pensamentos nos [estágios] intermediário e avançado! [Como diz o Sutra do Lótus,] “O Tathagata
diligentemente aprova esse Dharma”
163
e “aqueles que ouvem se regozijam.”
164
[Como ilustração dessa aspiração por iluminação, o Pañcavimsati Sutra conta sobre o Bodhisattva]
Imensuráveis Significados e está preparando-se para pregar o Sutra do Lótus. Hurvitz (Lotus Sutra, p. 4) traduz:
Naquele momento o Buda emitiu um raio de luz do tufo de pelos brancos entre suas sobrancelhas que
iluminou os dezoito mil mundos na direção leste, sem deixar nenhum deles de fora, alcançando tão
profundamente quanto o inferno Avici e tão alto quando onde estão os deuses Akanistha.
158
As “seis atividades” de um ser humano. Às vezes “falar e manter silêncio” é considerado uma atividade e a sexta
“atividade” é “movimento em geral.”
159
Lit. naga-raja, que não é tecnicamente um dragão, mas uma criatura mítica indiana próxima de uma serpente. Eu
segui os caracteres chineses que traduziram a isso como “dragão.”
A analogia que segue é paráfrase de uma longa passagem no Avatamsaka Sutra, T 9.440b16-441a5.
160
O sexto reino celestial do desejo, parte da categorização cosmológica dos vinte e cinco reinos da existência.
161
Donner (Mo-ho chih-kuan, p. 71, nota 98) adiciona:
Chan-jan cita textos nativos chineses, o Shuo-wen e o Kuan-tzu, sobre os poderes de dragões, mas segue dizendo que
sendo não-budistas, tais livros não descreveram exaustivamente tais poderes; então ele cita o Avatamsaka Sutra sobre o
mesmo assunto – um texto que fala de nagas indianos, não dragões chineses, mas por ser usado o mesmo ideograma
chinês em ambos, Chih-i pode não ter percebido a diferença. De acordo com Chan-jan, as nuvens na metáfora
correspondem à forma manifesta do bodhisattva, trovões são sua pregação e relâmpagos são a luz que ele emite e a
chuva sua compaixão.
162
Que é no primeiro estágio dos reinos dos bodhisattva, o nível da primeira aspiração por aqueles do Ensino Perfeito;
veja nota acima.
163
Uma paráfrase do segundo capítulo do Sutra do Lótus, T 9.6b11-12. Hurvitz (Lotus Sutra, p. 26), traduz:
Naquele momento, Sariputra, sabendo das dúvidas nas mentes dos quatro tipos de ouvintes e ele mesmo ainda não
tendo completamente entendido, dirigiu-se ao Buda dizendo, “Honrado pelo Mundo, por que causas e através de que
condições você anteriormente louvou os meios hábeis dos Budas, seu extremamente profundo e sutil Dharma que é
difícil de entender? Todo esse tempo eu nunca ouvi falar de um Buda que pregasse algo assim. Agora, os quatro tipos de
ouvintes todos possuem dúvidas. Eu imploro que o Honrado pelo Mundo explique essa questão. Honrado pelo Mundo,
por que você anteriormente louvou este tão profundo e sutil Dharma, tão difícil de entender?”
164
De um verso no nono capítulo do Sutra do Lótus, T 9.49c9. Hurvitz (Lotus Sutra, p. 274), traduz:
Com tal profunda, pura e agradável voz,
Numa grande multidão ele deve pregar o Dharma.
E com o recurso de causas, condições e parábolas
Deve guiar a si próprio rumo aos corações dos seres.
Seus ouvintes, todos regozijantes,
Devem preparar oferendas superiores.
Sadaprarudita buscando [sabedoria] no oriente,
Dharma] no sul,
166
165
[o Avatamsaka Sutra conta de] Sudhana procurando [o
[o Sutra do Lótus fala do bodhisattva] Bhaisajyaraja [Rei da Medicina] queimando seu braço
[como oferenda ao Buda],
167
e [o Jen wang ching conta sobre] P’u-ming [Sutasoma] [arriscando] ter sua cabeça
cortada [por causa do Dharma].
168
[O valor de buscar o Dharma é incalculável. O Sutra do Diamante diz:] “Mesmo que alguém abandonasse o
próprio corpo três vezes por dia [por tantos dias quanto há] grãos de areia no Rio Ganges, isso não teria tanto
poder de recompensa quanto o poder de um único verso [das escrituras].
169
Mesmo que alguém carregasse [o
Buda] nos ombros por cem, mil, milhões de kalpas, como alguém poderia esperar retornar as bênçãos do
Dharma do Buda?
170
Um ensino de um sutra é assim;
171
os outros sutras são da mesma forma.
165
Veja o Pañcavimsati Sutra, T 8.416a-423c e o comentário dessa passagem no Ta chih tu lun, T 25.731a-744c
(especialmente 734a).
Sadaprarudita, “aquele que constantemente chora,” era conhecido por sua diligência em estudar o prajña-paramita. Um
dia, ele ouviu a voz do Buda o instruindo [que em algumas palavras faz lembrar as instruções quando Jesus enviou
setenta discípulos (Lucas 10:1-24)] que fosse para o leste, evitasse práticas ascéticas, que não olhasse nem para a direita
nem para esquerda em sua busca pela mente única, evitasse más companhias e procurasse as boas e assim por diante.
Ele seguiu rumo ao leste, mas percebeu que não tinha recebido instruções de exatamente onde ele deveria ir e o que
deveria procurar. Ele então chorou por sete dias e sete noites, como um homem faz o luto de seu único filho (de onde
vem o seu nome “sempre-chorando”). A voz então falou novamente dando a ele instruções mais concretas como
distância, nomes de lugares e assim por diante.
166
Veja o Avatamsaka Sutra, T 9.676a-788b, o último capítulo do Avatamsaka Sutra e o conteúdo do independente
Gandavyuha Sutra. Tal texto contém a famosa história de como Sudhana visitou vinte e três mestres na busca pelo
verdadeiro Dharma, finalmente atingindo a iluminação após encontrar e ouvir o sermão de Manjusri sobre a bodhicitta.
Para um bom resumo da história, leia D. T. Suzuki Essays in Zen Buddhism, 3rd Series, London: Rider, 1953, pp. 167221.
167
Veja o Sutra do Lótus, T. 9.53c-54a. Na verdade, Bhaisajyaraja queima seu corpo inteiro dando seu corpo como
oferta, mas foi imediatamente renascido na terra pura do Buda. Esse foi aclamado como a “dádiva principal.” Dentre
vários presentes, o mais honrado, o supremo. Pois isso constitui uma oferenda de Dharma para o Tathagata” (Hurvitz,
Lotus Sutra, p. 295). O Kogi (BT-I, p. 131) indica que a história também aparece no Karuna-pundarika Sutra, T 3.167233. Veja Zürcher, The Buddhist Conquest of China, Leiden: E. J. Brill, 1972, p. 282, sobre o culto religioso suicida na
China, baseado nessa história.
168
Veja o Jen wang ching, T 8.830a21-c11. Sobre o Jen wang ching, um influente texto apócrifo chinês, veja Swanson,
Foundations, pp. 45-50.
Essa história aparece frequentemente em textos budistas, normalmente sob o nome de Sutasoma. O rei Sutasoma é
louvado por sua diligência e fidelidade. Um dia, quando o rei estava expondo o Dharma, um príncipe chamado
Kalmasapada apareceu, agarrou Sutasoma e estava prestes a decapitá-lo. Sutasoma o pediu que esperasse, assim ele
poderia manter sua promessa de dar esmolas a certo brâmane. Ele então permitiu que ele mantivesse sua promessa e
depois de voltar para seu algoz, Kalmasapada decidiu poupar sua vida.
Lamotte, em suas notas para essa história no Ta chih tu lun (Vol. 1, p. 261-64; T 25.89a), oferece inúmeras fontes em
pali, sânscrito e chinês para esse conto. Veja também o Conto Jakata nº 537 como traduzido pela Pali Text Society, The
Jakata, or Stories of the Buddha’s Former Births, vol. 5, London: Pali Text Society, 1957 (reprint), pp. 256-79.
169
Uma paráfrase do Vajracchedika-prajñaparamita Sutra; veja T. 8.750c7-10. Edward Conze, Buddhism Wisdom
Books (New York: Harper Torchbooks, 1972), p. 55, consta:
E se, Subhuti, uma mulher ou homem pudesse renunciar numa manhã todos os seus pertences por tantas vezes quanto
há grãos de areia no rio Ganges e se eles pudessem fazer da mesma forma por muitas centenas de milhares de milhões
de miríades de kalpas; e alguém mais, ao ouvir essa pregação do Dharma, apenas não a rejeitasse; este último
acumularia, pela força dessa causa, uma quantidade de mérito imensurável e incalculável.
170
A frase do Sutra do Lótus; veja T 9.18c27. Hurvitz (Lotus Sutra, p. 98-99), diz:
O Honrado Pelo Mundo em sua grande bondade
Faz uso de tal coisa rara,
Ensinando e convertendo-nos com compaixão.
De modo a nos proporcionar tal benefício.
Mesmo em incalculáveis milhões de kalpas
Como poderíamos retribuir?
Mesmo que sacrificasse suas mãos e pés,
Fizesse uma reverência inclinando sua cabeça,
E fizesse todo tipo de oferendas,
Ninguém poderia retribuir.
5.
Suporte nas Escrituras para os Três Tipos de Cessação-e-Contemplação [2b22]
Um cético pode dizer, “Eu gostaria de ouvir a prova nas escrituras para os outros [dois métodos de] samadhi[,
ou seja, o método gradual e variável da cessação-e-contemplação].” Os sutras e tratados são vastos e extensos.
Eles não podem ser citados em detalhes, mas eu brevemente tomarei alguns como exemplo.
O Sutra de Vimalakirti diz, “Quando o Buda sentou pela primeira vez sob a árvore [Bodhi] e seu poder subjugou
Mara, [ele] atingiu a extinção das aflições das paixões semelhante-a-ambrosia e atingiu o despertar iluminado.
Ele girou a roda do Dharma três vezes [no Parque das Gazelas]
172
nas muitas regiões do universo.
173
Essa roda
[do Dharma] era originalmente e será para sempre pura. [De fato que] seres divinos e humanos têm atingido o
caminho do entendimento [dessa verdade]. Os três tesouros [Buda, Dharma e Sangha] então foram manifestos
neste mundo.”
174
Essa é a prova do ensino gradual.
[O Sutra de Vimalakirti] também diz: “O Buda expressa o Dharma com um único som e cada ser senciente
atinge a compreensão de acordo com sua própria categoria [de seres]:... Alguns têm medo e alguns se
regozijam; alguns desenvolvem aversão e outros eliminam suas dúvidas. Esses são os poderes sobrenaturais [do
Buda] e qualidades singulares (avenika-dharma).”
175
Essa é a prova do ensino variável.
[O Sutra de Vimalakirti] também diz, “[O Buda] prega que os dharmas não são nem Ser nem vazios;
176
todos os
dharmas surgem de acordo com a confluência de causas e condições. Não há eu [substancial], nada é
[substancialmente] produzido, nem recipiente [substancial de retribuição kármica], mas [contudo] a retribuição
kármica e a recompensa dos feitos bons e maus não perece [e não tem efeito].”
177
Essa é a prova do ensino
Mesmo que alguém o sustentasse no topo de sua cabeça,
Carregando-o nos ombros
Por kalpas numerosos como as areias do Ganges,...
Ainda assim não poderia retribuir;
171
Ou seja, um valor incalculável. Chan-jan (BT-I, p. 131-32) acredita que se refere à seção inteira e aos sutras
individuais citados nela, enquanto o Shiki [BT-I, p. 132]) acredita que se refira especificamente à passagem do Sutra
AvatamsakaI usado como fonte principal da discussão acima.
172
Isso se refere às três formas que o Buda expos o seu primeiro sermão no Parque dos Cervos (através de indicar,
exortar e provar as Quatro Nobres Verdades) e assim estabelecer os três tesouros do Buda, Dharma e Sangha. Isso não
se refere aos famosos “três giros da roda” (Hinayana, Madhyamika e Yogakara) ensinados por Bu-ston.
173
Todos os sistemas de mundos, o “grande trichiliocosmo” (trisahasra-mahasahasra loka-dhatu), um termo
cosmológico para o universo.
174
Da seção de abertura do Vimalakirti Sutra, T 14.537c17-20. Veja também a tradução de Boin para o texto em francês
de Lamotte (Sarah Boin, trad., The Teaching of Vimalakirti. Londres: The Pali Text Society, 1976 [daqui em diante
“Boin, Vimalakirti”]), pp. 10-11, com suas notas extensivas:
Maravilhoso Rei da Lei, na presença de deuses e homens, você gira essa roda da Lei que possui o
tríplice movimento e doze aspectos; é calma e naturalmente pura. Desse momento em diante, as três
joias foram reveladas ao mundo.
175
Essa passagem segue a citava anteriormente; veja Boin (Vimalakirti, pp. 11-12) onde se traduz: “O Abençoado
expressa a si mesmo num único som e os seres, cada um de acordo com sua categoria, toma posse do sentido; esse é um
atributo exclusivo do Vitorioso.” A lista das “qualidades únicas” do Buda normalmente consiste de dezoito
características (veja “dezoito características únicas” no Glossary).
176
Eu deixei o termo “Ser” em maiúsculo para fazer uma referência ao fato de que o Budismo T’ien-t’ai rejeita como
existência “substancial”. Para a compreensão aceitável da existência no seu senso provisório ou convencional, eu
escrevi “ser” em minúsculas. Novamente, “vazio” se refere à interpretação errônea e unilateralmente negativa da
vacuidade e “não-Ser” se refere à rejeição apropriada da substancialidade dos Seres enquanto vazios. Veja a discussão
de Swanson sobre esse assunto em Foundations, esp. pp. 3-7 e Tabela 2 na p. 360.
177
Essa passagem vem imediatamente antes da primeira passagem em versos citada acima. Veja T 14.537c15-17. Boin
(Vimalakirti, pp. 9-10) traduz: “Nem sendo nem não-sendo, todos os dharmas são nascidos dependentes de causas; não
há neles essência, nem objeto dos sentidos, nem ativador; mas bons ou maus, não realizam qualquer ação.”
[perfeito-e-]repentino.
178
O Pañcavimsati Sutra diz, “[Através da] prática progressiva, estudo progressivo e o caminho progressivo [leva a
atingir anuttarasamyaksambodhi].”
180
joia mani
179
Essa é a prova do [método] gradual. Ele também diz que “Quando uma
é embrulhada em objetos de várias cores e colocada na água, a cor [da água] muda de acordo com
[a cor] do objeto [colocado].”
181
Essa é a prova do [método] variável. Também diz, “Da primeira aspiração por
iluminação ele já senta no local de iluminação (bodhimanda), gira a roda do Dharma e salva os seres
sencientes.”
182
Essa é a prova do [método perfeito-e-]repentino.
O Sutra do Lótus diz, “Dessa forma, as pessoas devem, de acordo com esse Dharma, gradualmente adentrar à
sabedoria do Buda.”
183
Essa é a prova do [método] gradual. Ele também diz, “Se eles não acreditarem neste
Dharma, então outros Dharmas profundos serão mostrados, ensinados, beneficiando-os e deleitando-os.”
184
Essa é a prova do [método] variável. Ele também diz, “Eu diretamente abandono os meios (upaya) e prego
apenas o caminho supremo.”
185
Essa é a prova do [método perfeito-e-]repentino.
O Mahaparinirvana Sutra diz, “Da vaca vem o leite, [do leite vem o creme, do creme vem a coalhada, da
coalhada vem a manteiga,] até que se torne ghee.”
186
Essa é a prova do [método] gradual. Também diz, “Se
178
Note que Kuan-ting usa aqui o termo ensino gradual, variável e repentino, embora esteja supostamente dando
suporte escritural para os três métodos de prática da cessação e contemplação.
179
Veja o Pancavimsati Sutra, T 8.384b14-16 e a seção correspondente no Ta chih tu lun, T 25.666b8-9 e o seguinte
comentário, 6668b1-670b23, que discute “prática, estudo e o caminho” nos termos das seis perfeições.
180
Uma joia mágica “realizadora de desejos”.
181
Parafraseado do Pancavimsati Sutra, T 8.291c20-26. Veja também o Ta chih tu lun, T 25.477b1-6: “Se uma joia mani
é colocada na água, a água assume sua cor. Se é embrulhada num objeto verde e colocada na água, a água se torna
verde. Se embrulhada num amarelo, vermelho, branco, carmesim ou azul e colocada na água, a água se torna amarela,
vermelha, branca, carmesim ou azul. Dessa forma, a água assume várias cores dependendo do objeto que é colocado
nela.”
182
Do Pancavimsati Sutra, T 8.226a9-10. Veja também Ta chih tu lun, T 25.342b22-23. Contudo, o texto original diz
“já atinge o anuttarasamyaksambodhi” ao invés de “se assenta no local de iluminação.”
183
Uma frase no capítulo da “parábola da cidade invocada” que explica como algumas pessoas se aproximam da
verdade gradualmente, em passos; veja T 9.25c11-12. O original é sensivelmente diferente. Hurvitz (Lotus Sutra, p.
147) consta:
Tais pessoas devem, pela virtude deste Dharma, gradualmente entrar no Caminho do Buda. Qual a
razão disso? Porque a sabedoria do Tathagata é difícil de crer e difícil de compreender.
184
Ou, “usa outros profundos Dharmas para ensiná-los a se beneficiar e se alegrar.” Do vigésimo segundo capítulo do
Sutra do Lótus; T 9.52c19-20. Hurvitz (p. 291), consta:
Se há seres sencientes que nem acreditam ou aceitam, então você deve mostrar-se e ensiná-los,
garantir a eles vantagem e alegria através dos meios dos outros Dharmas profundos do Tathagata.
185
Uma famosa frase do segundo capítulo do Sutra do Lótus sobre os “Meios Hábeis”; T 9.10a10. Hurvitz (p. 45),
consta:
Agora eu, alegremente e sem medo,
No meio dos bodhisattvas
Francamente deixando de lado meus meios expedientes,
Meramente pregando o Caminho Insuperável.
186
Essa passagem se serve de base para a classificação de Chih-i dos ensinos budistas de acordo com os “Cinco
Sabores”, que são, os cinco estágios de refinamento do leite: leite, leite coagulado (creme), coalhada, manteiga e ghee (a
essência da manteiga que vem ao topo quando a manteiga é derretida). Veja T 12.449a6-12, 690c28-69a8:
Dessa maneira da vaca vem o leite, do leite vem o creme, do creme vem a coalhada, da coalhada vem
a manteira e da manteiga vem o ghee. Ghee é o superior. Se alguém o come, ele remove todas as
enfermidades. Todos os remédios estão incluídos nele. Bons filhos, o Buda também é assim. Do Buda
vêm as escrituras em doze partes. Das escrituras em doze partes vêm os sutras. Dos sutras vem os
sutras Vaipulya (Mahayana). Dos sutras Vaipulya vêm os sutras Prajñaparamita. Dos sutras
Prajñaparamita vem o Mahaparinirvana Sutra. Este é como o ghee. Ghee é análogo à natureza
búdica. A natureza búdica é o Tathagata.
Note que essa analogia fala do refinamento progressivo dos ensinos da geral “escritura em doze partes” até o
Mahaparinirvana Sutra. A classificação de T’ien-t’ai, por outro lado, interpreta as escrituras num sentido
mais cronológico, do Avatamsaka Sutra ensinado logo depois da iluminação do Buda até o Sutra do Lótus e o
Mahaparinirvana Sutra ensinado no fim de sua vida.
veneno é posto no leite, ele matará as pessoas. [O mesmo é verdade para cada passo no refinamento do leite]
até que, se veneno for posto no ghee, o ghee matará as pessoas.”
187
Essa é a prova para o [método] variável. Ele
também diz, “Nas montanhas do Himalaia há um tipo de grama chamada ksanti [paciência]. Se uma vaca o
come, a pessoa pode obter ghee.”
188
Essa é a prova do [método] repentino.
O Sutra de Imensuráveis Significados diz, “Quando o Buda girou a roda do Dharma, finas gotas de chuva caíram
para lavar todo o pó dos desejos, abrindo a porta para o nirvana, soprando o vento da liberação, removendo as
ferventes paixões do mundo, para atingir a pureza e o frescor do Dharma. Em seguida, caiu a chuva [do ensino
do] surgimento condicionado, que varreu a terra da ignorância[, velhice, doença e morte], removendo os
intensos raios das visões errôneas. Então precipitou-se o supremo Mahayana, guiando todos ao surgimento da
aspiração pela iluminação.”
189
Essa é a prova do [método] gradual.
O Avatamsaka Sutra diz, “O dragões marinhos (sagara-naga) fazem chuva cair no oceano [com a ferocidade do
revolver] dos eixos de uma carruagem; [o mar pode absorvê-la, mas] outros lugares não suportariam.
190
Os
sutras perfeitamente completos foram ensinados para aqueles de entendimento superior; aqueles dos dois
veículos [sravakas e pratyekabuddhas] eram como surdos e estúpidos.”
191
187
A intenção dessa passagem é mais claro dado o inteiro contexto no Mahaparinirvana Sutra. T 12.539b18-23 e
784c9-14 que consta:
O Buda disse, “Bons filhos. [A natureza búdica] é como uma pessoa que põe veneno no leite. O
veneno permanece lá [através dos progressivos passos de refinamento] até que se torne ghee. O leite
não é chamado de creme e o creme não é chamado de leite e assim segue até o ghee. O nome muda,
mas a natureza venenosa não se perde. [O veneno está] lá atravessando os cinco sabores. Se o ghee
for ingerido, ele pode matar uma pessoa, mesmo que o veneno não tenha sido colocado [diretamente]
no ghee. A natureza búdica também é assim. Mesmo que ela habite os cinco destinos e tome esteja em
diferentes corpos, da mesma forma a natureza búdica é sempre uma e imutável.
O ponto dessa passagem é que o veneno permanece mesmo que o leite se transforme, assim como a natureza búdica é
constante nos seres sencientes – não que o veneno seja adicionado a cada passo. A citação no Mo-ho chih-kuan tem um
caractere extra para o verbo “adicionar” antes da palavra “ghee.”
Veja também T 12.411c7-9: “Se veneno é posto no leite, então o creme [desse leite] pode matar as pessoas. Assim, Eu
não ensino que a natureza do creme não [já] se encontra no leite.”
188
Novamente a discussão é sobre a natureza búdica. Veja T 12.525c25-256a1 e 770b:
Bons filhos. Nas montanhas dos Himalaias há uma grama chamada ksanti [paciência]. Se uma vaca
se alimenta dela, pode obter ghee. Há também um tipo diferente de grama. Se a vaca se alimentar
dela, ela não obterá o ghee. Mesmo que o ghee não seja obtido, ninguém pode dizer que não há grama
ksanti nos Himalaias. A natureza búdica é assim. Os Himalaias são como o Tathagata. A grama ksanti
é como o Mahaparinirvana Sutra. Os tipos diferentes de grama são as escrituras em doze partes
[Hinayana]. Se seres sencientes estão aptos a ouvir e aceitar o Mahaparinirvana Sutra, então eles
podem perceber a natureza búdica. Não se ouve sobre a natureza búdica nas escrituras em doze partes,
mas ninguém pode dizer que por isso não há natureza búdica.
189
Da seção de abertura do Sutra de Imensuráveis Significados; veja T 9.384b21-29; para o contexto completo veja
também a tradução em inglês The Sutra of Innumerable Meanings no The Threefold Lotus Sutra (Tokyo: Kosei, 1975),
pp. 4-5.
190
A citação do Avatamsaka Sutra (T 9.573a12-13) termina aqui, mas parece que Kuan-ting teve a intenção de continuar
com as frases seguintes.
191
Donner (Mo-ho chih-kuan, p. 77, nota 132) comenta sobre essa seção:
O texto original do sutra assim como dado no Taisho pode ser considerado, “Por exemplo, isso faz lembrar a grande
chuva que os reis dragões marinhos fazem cair, apenas o grande oceano e nenhum outro lugar pode recebê-la.
Bodhisattvas mahasattvas são como esse (oceano), mas nenhum dos seres animados (ordinários), nem sravakas, nem
pratyekabuddhas ou bodhisattva, mesmo o que atingiram o nono estágio (dos dez estágios do estado de bodhisattva)
podem (completamente) receber a ... grande chuva do Dharma do Tathagata. Apenas aqueles bodhisattva habitando no
reino da nuvem do Dharma (o décimo estágio), todos eles a recebem e a mantém....” No rolo quatro de seu Fa-hua wenchü, Chih-i descreve Sariputra e os outros discípulos como “surdos e estúpidos” pois eles falharam em compreender o
significado do ensino “repentino” do Avatamsaka. A “citação” de Kuan-ting do Avatamsaka aqui é típica de muitas
citações que encontramos ao longo do Mo-ho chih-kuan: embora o senso da paráfrase seja acurado, há uma completa
transformação do texto (se afastando do sentido de “surdo e estúpido” considerado no final), fechando o foco do
detalhado e extravagante texto indiano e tornando-o uma autenticamente concisa obra literária chinesa. O sabor indiano
ainda permanece, contudo, o uso das palavras sânscritas transcritas para “mar” (sagara) e “sutra,” cada uma dessas
O Sutra de Vimalakirti diz, “Ao entrar num bosque de campaka, a pessoa não sente nenhum outro aroma[,
apenas a presente fragrância das flores campaka]. [Da mesma forma] aqueles que entram nessa sala percebem
apenas a fragrância das virtudes de todos os Budas.”
192
O Sutra Surangama-samadhi diz, “Se alguém misturar uma miríade de tipos de incenso formando uma esfera e
acendê-lo, uma única partícula [do incenso] há de conter todos os aromas.”
193
O Sutra Pañcavimsati diz, “Para conhecer todos os dharmas que formam a sabedoria universal
194
(sarvajnajnata),
a pessoa precisa estudar a perfeição da sabedoria (prajña-paramita).”
195
O Sutra do Lótus diz, “Eles uniram as palmas das mãos em reverência, desejaram ouvir o caminho completo.”
196
O Mahaparinirvana Sutra diz, “[O Samadhi Vajra é] como uma pessoa se banhando no grande oceano; deve ser
entendido que tal pessoa está usando as águas de todos os rios.”
197
[Isso ilustra o método perfeito-e-repentino.]
O Sutra Avatamsaka diz, “é como o sol que, quando surge, primeiro ilumina as altas montanhas, então ilumina
os vales escuros e depois ilumina as planícies.”
198
As planícies correspondem ao [método] variável; os vales
escuros ao [método] gradual e as altas montanhas correspondem ao [método da prática da cessação-econtemplação] repentino.
Tudo citado acima é prova da Boca Dourada [do Buda].
199
Esse Dharma é reverenciado e louvado pelos
palavras requer três caracteres usados apenas para seu valor fonético, ao invés do chinês comum que usa palavras de um
único caractere, muito mais inteligíveis para o letrado chinês mediano.
192
Veja o Vimalakirti Sutra, T 14.548a25-26. Boin (Vimalakirti, p. 165), traduz:
Honrado Sariputra, no mesmo instante ele, que entra numa floresta de Campaka, não sente o cheiro
(desagradável) de uma Eranda (planta de óleo de castor), mas apenas sente a fragrância (gandha) da
(magnólia) Campaka, assim, aqueles que vivem nessa casa perfumada com as virtudes do Dharma do
Buda (buddhadharmagunagandhopeta) não sente o cheiro exalado pelos Ouvidores ou aquele do
Pratyekabuddha.
193
A citação completa do sutra, T 15.633b23-29, diz,
“Sthiramati, [o bodhisattva] é como um rei que, com todos os seus grandes ministros, toma centenas e
centenas de tipos de incenso e os tritura até virarem pó. Se uma pessoa procurar um tipo [de incenso],
não desejando os outros [tipos de] incenso cujas fragrâncias estão misturadas, então Sthiramati,
poderia esse único tipo [de incenso], não mistura e separado dos outros, ser obtido daquele pó
contendo centenas de milhares de incensos?” [Sthiramati responde,] “Não, não é possível, Honrado
pelo Mundo.” “Sthiramati, assim a mente e corpo do bodhisattva estão perfumadas com todas as
perfeições (paramita), e as seis perfeições emergem constantemente em todo e cada pensamento.”
194
A mais alta das três sabedorias ensinada no T’ien-t’ai, baseado no Ta chih tu lun, T 25.257c-260c. Contudo, veja a
nota que segue.
195
Veja o Pancavimsati Sutra, T 8.218c18-19. O texto diz, “O Buda disse a Sariputra, ‘um bodhisattva-mahasattva que
deseja conhecer todos os dharmas em todos os seus aspectos deveria constantemente cultivar a perfeição da sabedoria
(prajña-paramita).” O texto Taisho inclui o caractere de “sabedoria” para formar a frase (“sabedoria universal”) como
uma variação da leitura, mas nota-se que outras versões desse texto não incluem tal caractere. De fato, o contexto faz
muito mais sentido sem ele, já que o texto está destacando um tipo de sabedoria aos bodhisattva que mais tarde é
reservada apenas para os Budas. Note que a seção do Ta chih tu lun que inclui essa passagem do sutra (T 25.137c26-27)
não contém o caractere extra. Kuan-ting pode ter notado no texto um conceito importante (que é uma das três
sabedorias) relacionado com a ideia de T’ien-t’ai da verdade tríplice, que não estava lá no texto original. Veja também a
frase “totalmente penetrou todos os dharmas” no Pancavimsati Sutra, T 8.397c19, que é citada mais tarde no Mo-ho
chih-kuan em 75c23 se referindo a isso como “sabedoria universal.”
196
Veja o Sutra do Lótus, T 9.6c6. Hurvitz (Lotus Sutra, p. 27), traduz:
Com as palmas das mãos unidas e com os pensamentos reverentes,
Desejando ouvir o Caminho Perfeito.
197
Essa é uma das analogias usadas para explicar o Samadhi Vajra; veja o Maraparinirvana Sutra, T 12.753b22-25. O
texto continua,
... [as águas de todos os rios] e fontes e nascentes. O bodhisattva-mahasattva é também assim.
Quando ele cultiva o Samadhi Vajra, deveria ser sabido que ele também está praticando todos os
outros samadhis igualmente.
198
Essa é uma paráfrase de uma passagem bem maior do Avatamsaka Sutra; veja T 9.616b14-25.
Alguém pode acrescentar que, da perspectiva de estudo moderna, não se pode afirmar que os sutras citados aqui
contenham palavras diretas do Buda histórico, sem mencionar a infrequente prática de Kuan-ting de modificar as
199
Tathagatas do passado, presente e futuro. O passado volta perpetuamente ao passado, distante e sem início. O
presente é um presente infinito e ilimitado. O futuro se desenrola incessantemente ao futuro. São todos
inconcebíveis (acintya).
200
Deve-se entender que a cessação-e-contemplação é o mestre de todos os Budas;
assim como o Dharma é eterno, todos os Budas são eternos. O mesmo é verdade no que diz respeito à alegria,
identidade e pureza.
6.
201
Como pode alguém não crer em tal prova contida nas escrituras?
Os Três Textos de Chih-i sobre a Cessação-e-Contemplação [3a4]
Quando alguém acredita nesse Dharma [ensinando os três tipos de cessação-e-contemplação e a verdade
tríplice], tal pessoa deve se familiarizar com os três textos [que o ensinam].
[Primeiro, o método gradual, é] o Tzu-ti ch’an-men [A aproximação gradual à meditação dhyana], no total de
trinta fascículos.
chuang-yen ssu.
202
Os dez fascículos da edição atual
203
foram pessoalmente registrados por Fa-shen de Ta-
204
[O segundo é] o texto sobre o método variável, o Liu-miao [fa-]men [Os seis sutis portões do Dharma].
205
De
acordo com o significado de “variável” [ou seja, o método de cessação-e-contemplação que esse texto ensina],
ele enumera [tópicos como] as doze meditações dhyana;
cadáveres];
207
as oito liberações (astavimoksa);
208
206
as nove considerações [sobre a degradação dos
[as quatro categorias da meditação dhyana, que são,]
citações ou “parafrasear” as fontes. Sobre o assunto do uso de citações escriturais veja o trabalho de Swanson “What’s
Going Here? Chih-i’s Use (and Abuse) of Scripture,” Journal of the International Association of Buddhist Studies 20/1
(1997): 1-30. Todavia, precisamos também admitir que Kuan-ting segue a venerada e querida tradição Mahayana, ao
citar o Ta chih tu lun, dizendo que “O Dharma do Buda não está limitado às palavras ditas pelo Buda; todas as palavras
verdadeiras e boas, todos as sublimes e belas palavras, pertencem ao Dharma do Buda.” (T 25.66b2-4)
200
Um termo usado frequentemente por Chih-i para expressar o inexprimível.
201
Ou seja, o Dharma e o Buda são bem-aventurados, dotados de individualidade e puros. O Mahaparinirvana Sutra
(em inúmeros trechos) ensina isso em contraste a transigência, dor, não-individualidade e natureza decadente do
samsara, o estado de Buda e nirvana são eternos, bem-aventurados, dotados de individualidade e puros.
202
O título completo é Shih ch’na po-lo-mi tz’u ti fa men [Sobre o método gradual para a perfeição da meditação
dhyana], T #1916, 46.475-548. Esse texto ensina que o método gradual para a prática da cessação e contemplação,
embora nesse ponto da carreira de Chih-i ele ainda esteja usando o termo ch’an (jp. Zen) ao invés de chih-kuan. Este é
um dos primeiros trabalhos de Chih-i e é a melhor e mais detalhada apresentação da meditação dhyana de seu tempo. A
estrutura é muito semelhante à usada no Mo-ho chih-kuan e depende do Ta chih tu lun para estender seu conteúdo. Para
detalhes, veja Sato Tetsuei, Tendai Daishi no kenkyu, Kyoto: Hyakka’em, 1961, pp. 103-26 [daqui em diante “Sato,
Tendai Daishi”]. Para um bom resumo veja Ikeda, Kenkyuchushaku-ken, pp. 240-42.
203
A versão no cânone Taisho está em doze fascículos, sendo que o primeiro e terceiro fascículos da edição de dez rolos
estão cada um divididos em dois fascículos.
204
Tais notas foram postas em 571 EC e mais tarde editadas e compiladas por Kuan-ting. Veja Hurvitz, Chih-i, pp. 17475. As datas e outros detalhes para Fa-shen são desconhecidas ainda que seu nome apareça também na Biografia de
T’ien-t’ai Chih-i, T 50.197b.
205
O “ensino sobre as seis sutilezas”; um texto curto de apenas sete páginas: T #1917, 46.549-555. Este é outro trabalho
inicial de Chih-i e proximamente relacionado com o Tz’u-ti ch’na-men. As “seis sutilezas” são uma série de estados
meditativos baseados nos sutras Agama: contando as respirações, espontaneamente seguindo a respiração, cessação ou
calma, contemplação, reflexão ou restauração e purificação. Para detalhes veja Sato, Tendai Daishi, pp. 151-72; Ikeda,
Kenkyuchushaku-hen, pp. 242-43.
206
As doze meditações dhyana consistem nos quatro estágios de dhyana; as quatro concentrações sobre o vazio (o vazio
das marcas dos dharmas, da não-existência, do próprio-ser e do outro-ser); e as quatro desimpedidas condutas
(brahmavihara; de afabilidade, compaixão, alegria e equanimidade). Veja o Liu-maio fa-men, 459b5.
Chih-i provavelmente tomou emprestada a categoria de quatro concentrações sobre o vazio do Ta-sh’eng yi-chang,
Enciclopédia de Hui-yuan sobre Budhismo, T #1851, 44.465-875. Para mais detalhes sobre a influência de Hui-yuan e
seu trabalho em Chih-i, veja o capítulo 5 de Swanson, Foundations, pp. 70-81.
207
Contemplar um cadáver enquanto passa pelos nove estágios de degradação: 1) contemplar o cadáver enquanto
começa a inchar, 2) o cadáver muda de cor assumindo uma tonalidade azulada conforme é soprado pelo vento e
ressecado pelo sol, 3) o cadáver começa a apodrecer, cheirar mal e se desfazer, 4) sangue e carne podre se
contemplação, treinamento [disciplinado], [os perfumados aspectos da] disciplina e cultivação;
compreensão das doze relações das] causas e condições;
210
e [a prática das] seis perfeições (paramita).
209
211
[a
[Esse
texto lida com tais tópicos] livremente e de vários ângulos (verticalmente e horizontalmente), desimpedido e
sem restrições [de uma progressão fixa]. Mao Hsi,
pediu a Chih-i que produzisse esse texto.
212
o presidente do departamento de assuntos do estado,
213
O [terceiro] texto, sobre a perfeita e repentina [cessação-e-contemplação, é este Mo-ho chih-kuan]. Ele foi
registrado em dez fascículos por Kuan-ting em Yü-ch’üan ssu, na província de Ching.
Embora haja três textos [sobre a cessação-e-contemplação], não se deve prender a nenhum texto específico e
então tornar-se insensível ou até machucar-se. O Ta chih tu lun diz, “Quer alguém experimente ou não a
sabedoria-prajña (prajña-paramita), todos estão presos e todos estão liberados.”
textos devem ser considerados também é assim.
7.
214
A maneira com que os
215
Sobre Por Que o Dharma Deve Ser Ensinado [3a11]
desprendem do corpo partido, 5) o corpo apodrece ainda mais e perde sua forma original, 6) pássaros e bestas
chegam, bicam e mordem o cadáver, 7) o cadáver torna-se despedaçado e sem forma definida, 8) a carne se vai
e sobram apenas os ossos e 9) os ossos são branqueados pelo sol e tornam-se pó. Tal forma de contemplação
serve para auxiliar aqueles que são por demais apegados aos desejos sensuais. Para mais explicações, veja
Edward Conze, Buddhist Meditation (New York: Harper Torchback, 1956) pp. 103-107.
208
Os “oito abandonos” também traduzido. Oito estágios da “liberação” guiando até a completa cessação (nirodhasamapatti): 1) remover desejos pela concentração em certo objeto externo, 2) cultivar total concentração através de
focar a mente internamente, 3) manter a calma enquanto livrando a mente dos objetos externos, 4) atingir um estado de
pureza mental e física, 5) focar-se num ilimitado espaço e dissolver as distinções do mundo externo, 6) atingir ambos
física e mentalmente um reino sem limites, 7) atingir a fundação que transcende o reino do espaço e da mente e 8)
atingir um estado em que sua fundação é constantemente manifesta. Algumas explicações acrescentam uma nona
“liberação”: a completa vacuidade (nirodha-samapatti) (veja NAKAMURA, p. 1102). Tais oito liberações são
mencionadas junto com as “nove concepções,” na seção de abertura do Liu-miao fa-men, T 46.549c3-8.
209
Referências a isso estão espalhadas pelo texto do Liu-maio fa-men, 549-553b.
210
A ideia de causas e condições em doze partes é discutida especificamente no Liu-miao fa-men em 553b2-11.
211
As seis perfeições são discutidas especificamente no Liu-maio fa-men em 553b11-c19.
212
Mao Hsi (516-587) foi uma figura poderosa na corte da capital de Chin-ling e um conhecido próximo do pai de
Chih-i. É dito que ele praticou a meditação dhyana no Wa-kuan, um templo que tinha relações com Chih-i. Para
detalhes veja Hurvitz, Chih-i, pp. 110-12; e Ikeda Rosan, Kokusei-hyakuroku no kenkyu [Estudos sobre o Kuo-ch’in pailu], Tokyo: Daizo Shuppan, 1982, p. 100 [daqui em diante “Ikeda, Kokusei”].
213
Sato (Tendai Daishi, p. 171) aponta a evidência interna de que o texto sugere que foi compilado mais tarde, durante o
início da estadia de Chih-i em Chin-ling no Wa-kuan ssu; talvez não tenha sido compilado até sua primeira estadia
temporária no Monte T’ien-t’ai depois de deixar Chin-ling em 575. Contudo, Sato admite que não há evidência
contrária que afirme que Chih-i tenha compilado o texto em resposta ao pedido de Mao Hsi.
214
Ou, “Há aqueles em amarras que têm percebido e não percebido a sabedoria-prajña; há aqueles liberados que têm
percebido e os que não têm percebido a sabedoria-prajña”? Veja o Ta chih tu lun, T 25.190c14-17. Na forma paradoxal
com que os sutras da Prajñaparamita são bem conhecidos, o texto completo diz:
Se alguém não percebe a sabedoria-prajña
Tal pessoa está em amarras.
Se uma pessoa percebe a sabedoria-prajña
Então novamente isso é chamado de amarras.
Se uma pessoa percebe a sabedoria-prajña
Então ele atinge a liberação.
Se uma pessoa não percebe a sabedoria-prajña
Novamente ele atinge a liberação.
Tais versos são das linhas de abertura de muitos sutras da Prajñaparamita. Veja Lamotte, Le Traité, pp. 1063-64.
215
Ou seja, eles deveriam ser usados de forma a facilitar a iluminação e não deveria estar necessariamente ligado a
nenhum texto, interpretação ou prática específica.
Um cético pode dizer que como “todos os dharmas são caracterizados como silenciosos e extintos,
impossível explicá-los através de palavras,”
217
216
é
[então, por qual razão tentar uma explicação verbal? O
Mahaparinirvana Sutra diz, “O surgimento [daquilo] que surge é inexplicável (...) e o não-surgimento [daquilo]
que não surge é também inexplicável.”
218
Mesmo [explicando] em termos gerais ou precisamente e em
detalhes, a forma de [compreensão através da] verbalização não é possível; uma pessoa não pode explicar
[através de palavras] nem há algo [substancial] para ser explicado. Sariputra
verbalização na liberação, portanto Eu não sei o que dizer sobre isso.”
220
219
disse, “Eu ouvi dizer que não há
O Sutra de Vimalakirti [também] diz:
“Esse [Dharma do Buda] que tem sido exposto não pode ser [adequadamente ou verdadeiramente] exposto ou
significado; aqueles que ouvem o Dharma não podem [verdadeiramente] ouvi-lo ou compreendê-lo.”
216
217
221
As
Ou seja, a natureza última da realidade que é o nirvana.
Do Sutra do Lótus, T 9.10ª4-5. Hurvitz (Lotus Sutra, p. 44) traduz:
Como as silenciosas e extintas marcas dos dharmas
Não são pronunciáveis em palavras,
Através do uso de meios expedientes
Eu preguei aos cinco bhiksus.
O ponto do Sutra do Lótus, contudo é de que o Buda se utiliza de palavras, o oposto do ponto feito pelo cético. Isso é
mostrado por Kuan-ting abaixo por citar o contexto completo dos versos. Para uma discussão detalhada dessa seção e
do uso das citações escriturais por Chih-i, veja o artigo de Swanson “What’s Going On Here? Chih-i’s Use (and Abuse)
of Scripture,” Journal of the International Association of Buddhist Studies 20/1 (1997): 1-30.
218
Um resumo de uma passagem mais longa na qual a ideia é discutida de que todas as posições estão definitivamente
além da explicação, verbalização ou compreensão conceitual: veja Mahaparinirvana Sutra, T 12.733c9-13. O texto
completo diz:
Bons filhos! O não-surgimento [daquilo que] surge é inexplicável. O surgimento [daquilo que] surge é
inexplicável. O não-surgimento [daquilo que] não surge é também inexplicável. O surgimento é inexplicável.
Não-surgimento é inexplicável. Alguém pode explica-los, pois eles estão sujeitos a causas e condições.
O ponto é que seja qual for a forma que se tente entender o surgimento ou o não-surgimento de qualquer coisa, está
além da verbalização ou conceitualização.
Chih-i toma quatro de tais “seis inexplicáveis” que foram discutidas previamente no sutra (733b15ff.) e as classifica de
forma a corresponderem ao Ensino Quádruplo e outras categorias quádruplas. Veja Swanson, Foundations, pp. 233-34
e tabelas nas pp. 358-59; veja também o Fa-hua hsüan-i, T 33.701c12-702a12. Tais quatro opções, “não-surgimento do
surgido, não-surgimento do não-surgido, surgimento do não-surgido e surgimento do surgido” são discutidos mais à
frente no Mo-ho chih-kuan, 60a10-62a14.
219
Sariputra era um dos principais discípulos do Buda, conhecido como “Maior em Sabedoria.” Nos textos Mahayana
ele é frequentemente retratado como bem-intencionado, mas desafortunado representante das ideias hinayanistas, que
são corrigidas pelo Buda e outros representantes do Mahayana (como Vimalakirti).
220
Do Vimalakirti Sutra, T 14.548a10-11. Boin (Vimalakirti, p. 162) traduz o contexto como segue:
Devi: Teve Sariputra, o sábio, permanecido num estado de libertação por muito tempo?
Dessa forma, Sariputra, o sábio manteve silêncio e não respondeu.
O devi continuou: Sábio, você é um grande Ouvidor, dotado de grande sabedoria e grande eloquência. E sobre tal
pequena questão você manteve silêncio e não respondeu nada!
Sariputra: A libertação é algo inexprimível, eu não sei o que dizer para conceituá-la.
O devi quis censurar Sariputra por seu silêncio, considerando falta de entendimento. Isso apresenta um impressionante
contraste com o primeiro e famoso silêncio de Vimalakirti, que era como o “rugido de um leão” e foi louvado por
Manjusri como a melhor ‘expressão” da não-dualidade. É irônico que Kuan-ting ponha essas palavras na boca de um
cético, como para que se estabelecesse um contra-ataque.
221
Precisamente o mesmo ponto sobre a inutilidade (ou falta dela) em tentar comunicar o que está além da verbalização
e conceitualização está sendo feita neste contexto do Vimalakirti Sutra, T 14.480a17-19. Boin (Vimalakirti, pp. 48-49)
traduz:
Maudgalyayana, as características da Lei sendo assim, como podem ser expostas? Quando alguém fala de um
instrutor da Lei (dharmadesaka), que está nem na afirmação e nem na negação, nem há ninguém que exponha,
nenhum que ouça, nenhum que possa compreender.
É como se um ser ilusório estivesse expondo a Lei para outros seres ilusórios.
O Vimalakirti Sutra, contudo, embora apoie o argumento de Kuan-ting e Chih-i de que o Dharma precisa e deveria ser
exposto, responde esse dilema como segue:
Esta é a atitude com a qual a Lei deveria ser exposta. Você deveria avaliar os níveis das faculdades espirituais de
todos os seres, então, através da visão correta com o olho da sabedoria que não conhece obstáculos, por abrir-se à
grande compaixão, por enaltecer o Grande Veículo, por reconhecer a beneficência do Buda, por purificar suas
intenções e por penetrar a linguagem da Lei, você deve expor a Lei de forma que a linhagem da joia tríplice
pessoas não estão aptas a expô-lo e o Dharma [em si próprio] não pode ser exposto; ainda assim você fala de
transmiti-lo. [Como isso pode ser possível?]
[Tal objeção parece sensata,] mas ela apresenta apenas um extremo [ponto de vista negativo, o da “nãoverbalização”],
222
e não distingue o segundo [extremo de verbalização simples, nem o meio-termo que funde os
dois extremos. As seguintes passagens das escrituras apresentam uma visão mais equilibrada e refinada].
O Mahaparinirvana Sutra diz: “Desde que haja causas e condições, é também possível de explicá-las.”
223
224
O Sutra do Lótus diz: “Inumeráveis meios hábeis, sob várias condições são usados para pregar aos seres
sencientes.”
225
[O Sutra do Lótus] também diz: “Ele (Sakyamuni) expôs (o Dharma) aos cinco bhiksus através do poder de seus
meios hábeis.”
226
[Tais passagens das escrituras mostram que] é possível expor [o Dharma], mesmo de modo
geral ou especificamente em detalhes.
O Mahaparinirvana Sutra diz: “Alguém que tem olhos [saudáveis] pode explicar sobre [a cor do] leite para um
cego.”
227
Isso significa que a verdadeira realidade (paramartha-satya) pode ser explicada.
O Prajñaparamita Sutra de Devarajapravara diz, “Mesmo [a essência de] um dhāraṇī sendo ausente de
palavras, ainda assim palavras manifestam o dhāraṇī.”
228
Isso significa que a verdade mundana pode ser
explicada. Também, [o Tratado do Meio afirma que] “o Tathagata constantemente se baseia nas duas verdades
nunca seja interrompida. (T 14.540a19-22; Boin, Vimalakirti, p.49)
222
Ou seja, a negativa extrema de não-Ser, uma compreensão errada do vazio.
223
Kuan-ting tenta oferecer citações escriturais para mostrar a necessidade da verbalização em despeito a
“inconceituabilidade” e inexpressabilidade do Dharma. Seu uso da escritura nessa passagem é discutido em detalhes no
artigo de Swanson “What’s Going On Here?” (1997).
224
Significantemente, tal afirmação segue imediatamente a passagem citada acima sobre os “seis inexplicáveis.” Veja
Mahaparinirvana Sutra, T 12.733c19-20.
225
Uma paráfrase de uma passagem crucial da abertura do segundo capítulo do Sutra do Lótus, T 9.5c7-9. Hurvitz
(Lotus Sutra, p. 22) traduz:
Sariputra, por fazer uma variedade de distinções, o Tathagata pode habilmente pregar os dharmas. Suas palavras
são gentis, alegrando muitos corações.
226
Do Sutra do Lótus, T 9.10a5, imediatamente seguindo a frase citada acima pelo cético. Hurvitz (p. 44) traduz:
Quando tive esses pensamentos.
Fui imediatamente para Varanasi.
Como as silenciosas e extintas marcas dos dharmas
Não devem ser proclamadas em palavras,
Através do poder dos meios hábeis
Eu preguei aos cinco bhiksus.
227
Uma paráfrase da passagem do Mahaparinirvana Sutra, T 12.688c15-23, que conta de uma pessoa com visão
tentando explicar a cor “branca” para uma pessoa cega, comparando a ignorância dos não-budistas a pessoas cegas
tentando aprender sobre a cor do leite. Na verdade, essa passagem demonstra que realmente ninguém pode totalmente
explicar a cor “branca” para uma pessoa cega; ela deve ser vista diretamente para que possa ser entendida e
compreendida. A passagem diz:
Eles são como uma pessoa cega de nascença que não conhece a cor do leite. Ele pergunta a outro homem, “Como se
parece a cor do leite?” A outra pessoa diz, “A cor do leite é como a cor da concha.” O homem cego pergunta
novamente, “Então a cor do leite é como o som da concha?” O homem responde, “Não.” Novamente ele pergunta,
“Como se parece a cor da concha?” Ele responde, “É como o pó de arroz.” O homem cego pergunta novamente, “A
cor do leite é suave como o pó de arroz? Como se parece a cor do pó de arroz?” Ele responde, “É como a neve.” O
homem cego pergunta novamente, “O pó de arroz é frio como a neve? Como se parece a cor da neve?” Ele responde,
“Parece com a garça branca.” O homem cego ne nascença, embora tenha ouvido quatro analogias [para a cor branca],
ao fim não está apto a conhecer a cor do leite. Todos os não-budistas são assim; ao fim eles não estão aptos a entender
[que o nirvana é] eterno, bem-aventurado, substancial e puro.
228
Do Prajñaparamita Sutra de Devarajapravara, um sutra da Prajñaparamita cujo conteúdo se relaciona ao
Avatamsaka Sutra. Essa estrofe é de um verso encontrado em T 8.720c4-5:
Um dhāraṇī não tem palavras e letras,
Ainda assim, palavras e letras manifestam o dhāraṇī.
O grande poder da sabedoria da sabedoria prajña,
Está separado das palavras e da verbalização.
Novamente, esse verso parece apoiar a inexpressabilidade da verdade ultima ao invés de seu oposto.
para expor o Dharma.”
229
O Vimalakirti Sutra diz, “Abandonar a natureza das palavras e letras é a liberação”;
230
expor é não expor.
O Mahaparinirvana Sutra, “Se alguém sabe que o Tathagata constantemente não expõe o Dharma, isso quer
dizer que tal [pessoa] é aquele que mais ouviu [exposições do Dharma].”
231
Isso significa que não expor é expor.
O Visesacintabrahma-pariprccha diz, “O Buda e seus discípulos constantemente praticam duas coisas: ou expor
ou permanecer em silêncio.”
232
O Sutra do Lótus diz, “Mesmo vindo ou indo, sentando ou permanecendo em pé,... [o Buda] constantemente
expressa o Dharma sutil como o cair da chuva.
233
É dito também que se você buscar o caminho do Buda, você deve constantemente seguir aqueles que ouviram
229
Veja os famosos versos 8 e 9 do capítulo 24 (Sobre as Quatro Nobres Verdades) no Tratado do Meio de Nagarjuna, T
30.32c16-18:
8) Todos os Budas depositam sua confiança nas duas verdades
Para expor o Dharma aos seres sencientes.
A primeira delas é a verdade mundana.
A segunda é a verdade do significado supremo.
9) Se alguém não estiver apto a conhecer
A distinção entre as duas verdades
Tal pessoa não poderá conhecer o verdadeiro significado
Do profundo Dharma do Buda.
Para outras traduções desses versos veja Frederick Streng, Emptiness: A Study in Religious Meaning. New York:
Abindon Press, 1967 [daqui em diante “Streng, Emptiness”], p. 213; David J. Kalupahana, Nagarjuna: The Philosophy
of the Middle Way. Albany: State University of New York Press, 1986 [daqui em diante “Kalupahana, Nagarjuna”], pp.
331-33; e Mervyn Sprung, Lucid Exposition of the Middle Way: The Essential Chapters from the Prasannapada of
Candrakirti, Boulder: Prajña Press, 1979 [daqui em diante “Sprung, Lucid Explanation”], pp. 230-33.
230
O Makashikan in’yo tenkyo soran [Lista de fontes citadas no Mo-ho chih-kuan], Chugoku Bukkyo Kenkyukai, eds.
Tokyo: Nakayama Shobo, 1987, p. 7 [daqui em diante “Inyo”] identifica essa citação com uma passagem do terceiro
capítulo do Vimalakirti Sutra, T 14.540c19. Contudo, pode ser mais apropriado atribui-la a uma passagem mais adiante,
T 14.548a14.
231
“Ouvindo muito” (bahusruta) é um termo indicativo de erudição; na lógica paradoxal do Budismo Mahayana,
apenas alguém que tenha ouvido o Dharma exposto inumeráveis vezes tem a sabedoria de conhecer que definitivamente
lá está o “não expor” do Dharma. A frase é encontrada na seção explicando as características de um bodhisattva digno
de ser chamado de “aquele que é dotado de ‘grande audição’”; veja T 12.764b23-c6.
232
O Visesacintabrahma-paripraccha-sutra (T #586, 15.33-62) é um texto Mahayana traduzido por Kumarajiva em 402
EC. Ele enfatiza a não-dualidade entre samsara e nirvana, a unicidade de todos os dharmas e os aspectos positivos da
realidade. Essa frase é encontrada em T 15.50c-16; perceba que o Mo-ho chih-kuan usa o caractere (“constantemente”)
ao invés de (“deveria”). Ikeda (Kenkyuchushaku-hen, p. 244) e Inyo atribuem essa citação a uma seção posterior em
15.51c onde também se encontra a frase, “você deveria praticar duas práticas: ou pregar o Dharma ou manter um nobre
silêncio.”
233
Do quinto capítulo do Sutra do Lótus sobre as “Ervas Medicinais,” T 9.20a16-18. Hurvitz (p. 106) traduz:
Constantemente, e pelo bem de todos
Igualmente, eu prego o Dharma,
Seja para uma pessoa,
Ou para tantos,
Constantemente eu tenho proclamado o Dharma,
Nunca tendo outras preocupações,
Seja indo ou vindo, sentado ou de pé,
Nunca encontro fadiga ou indisposição,
Eu tenho preenchido o mundo,
Assim como a chuva molha tudo,
Nobre e vil, superior e inferior,
Aqueles que mantém a disciplina e aqueles que a violam,
Aqueles cuja conduta é perfeita
E imperfeita,
Aqueles de visões corretas e aqueles de visões errôneas,
Aqueles de faculdades sutis e aqueles de faculdades tolas,
Fazendo cair a chuva do Dharma igualmente
Sem nunca se esgotar.
mais,
234
Buda.”
pois “um bom amigo tem um papel importante,
235
pois ele converte e guia e te habilita a ver o
236
O Mahaparinirvana Sutra diz, “Nuvens e trovões no céu produzem flores e marfim.”
237
Como pode ser feita a
afirmação unilateral de que [o Dharma] não pode ser explicado?
Se expor [o Dharma] e permanecer em silêncio fossem vistos como conflitantes, então ninguém poderia
entender o intento dos ensinos e se ficaria cada vez mais longe da verdade. [Contudo,] não há verdade
separada da exposição e não há exposição separada da verdade. Expor é indivisível com não expor e não expor
é indivisível com expor. Eles são não-duais e não distintos; fenômenos particulares e a verdadeira [realidade]
são indivisíveis.
Através da grande compaixão [o Buda] tem piedade de todos aqueles que não ouviram [o Dharma e então
expõe o Dharma com indicadores provisórios como as palavras]. Isso é como se através de erguer um leque
[redondo] alguém reproduzisse a [imagem da] lua que está oculta atrás de uma cadeia de montanhas, ou
[artificialmente] balançando uma árvore, alguém ensinasse sobre [a natureza] do ar quando o vento estivesse
parado.
238
As pessoas desses dias possuem mentes estúpidas e é difícil [para elas] atingir o discernimento
profundo. Os olhos dependem das formas [visíveis] para ver e o recurso das palavras facilita [o entendimento].
Contudo, se alguém tem impedimentos [para obter compreensão] sendo enganado pelas palavras, então essa
pessoa deveria saber [ambos caminhos de] palavras e negação das palavras e assim penetrando no
entendimento contido no [significado das] palavras, na negação das palavras e na negação da nãoverbalização.
239
Então tal pessoa estará apta a atingir a completa compreensão através de um único texto.
240
Isso é a razão da produção de três textos [explicando os três métodos de cessação e contemplação], através dos
quais alguém pode alcançar o único objetivo [do estado de Buda].
Aqui termina a discussão breve da origem [do Mo-ho chih-kuan].241
234
Ou, como explicado acima, os de grande erudição. Parece que de relance, essa frase é parte de uma citação do Sutra
do Lótus, mas não é, nem está conectada com a frase que segue ou qualquer outra. Parece ser meramente uma frase
adicionada por Kuan-ting para guiar o texto até a próxima citação.
235
Literalmente é uma “grande causa e condição”.
236
Do próximo ao ultimo capítulo do Sutra do Lótus em “Anteriores Questões do Rei Finos Adornos,” T 9.60c10-11.
Hurvitz (Lotus Sutra, pp. 329-30) traduz:
Oh grande rei! Que se faça saber que um bom amigo é a grande causa e condição. Isso significa que ele converte
e guia, fazendo possível a visão de um buda e a abertura dos pensamentos rumo a anuttarasamyaksambodhi.
237
Do Mahaparinirvana Sutra, T 12.652b13-14. A metáfora é obscura, mas é melhor compreendida como o brilho
refulgente da luz refletida nas presas dos elefantes, como o brilho refulgente da exposição do Dharma do Buda.
238
Os comentadores tradicionais não dão nenhuma indicação da fonte dessas analogias. Ikeda (Gendaigoyaku-hen, p.
25) traduz livremente: “Isso é como quando a lua da verdade se esconde atrás das montanhas das aflições das paixões,
então alguém ergue o leque para significar a lua; ou quando o vento do ensino [do Dharma] retorna à quietude do vazio,
então alguém agita a árvore para ensinar sobre o vento.”
239
Ou, “a importância de verbalizar, negando a validade da verbalização e a negação da falta de verbalização.
240
Ou, “através de uma única palavra.” Stevenson (p. 127) traduz:
E tendo penetrado a compreensão de que todas as palavras escritas são no fim, nem escritos de validade absoluta,
nem escritos não válidos, então tal pessoa pode atingir a completa compreensão através de um único texto.

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