DE VOLTA AO CARAMANCHÃO LITERÁRIO

Transcrição

DE VOLTA AO CARAMANCHÃO LITERÁRIO
De volta ao
Caramanchão Literário
Organização
Rômulo C. Mota
D e volta ao Caramanchão Literário
Organização: Rômulo C. Mota
Revisor Geral: Adônis da Cunha Ramos
Projeto Editorial: Luciana Gondim
Sumário
A presentação..............................................................................................07
E cos do Fundo dos Tempos...................................................................11
O
Secretário das Academias.....................................................................17
A s Academias Literárias do Caraça.........................................................25
A nálise
Crítica...........................................................................................43
L ivro de Ouro da Academia São Luís....................................................55
L ivro de Ouro da Academia São Vicente..............................................59
D iscursos e Poesias..................................................................................127
P érolas.......................................................................................................141
D iscursos em língua estrangeira............................................................177
P seudônimos............................................................................................191
C omo era a educação no Caraça..............................................................205
U topia........................................................................................................213
R
“
epetidas vezes afirmei: não chorei ao deixar o meu lar e
vir para esta Casa, como não chorei ao aqui chegar. Chorei,
sim, ao sair do Caraça”.
Prof. Antônio Lara Rezende. “Memórias”, Tomo I, pg. 480 - 1970
Apresentação
As Academias do Caraça
Um incêndio em 1968 transformou em cinzas a rica biblioteca do
Caraça. Durante muitos anos, os ex-alunos imaginaram a perda total dos preciosos
livros. Os ex-acadêmicos das Academias São Luis e São Vicente de Paulo sofreram
muito mais porque supuseram perdidos os livros de Atas, Crônicas e o Livro de
Ouro, onde estavam transcritos os muitos discursos dos alunos.
Os padres que dirigem atualmente o Caraça com dedicação, zelo, muito
esforço e trabalho, estão recuperando o que restou da biblioteca e que se
encontrava entre as cinzas.
Pois bem, em visita que fizemos ao Caraça, entre outros, João Batista e eu
tivemos a felicidade de descobrir, na nova biblioteca, pelas mãos dedicadas das
funcionárias, os livros das Academias, sãos e salvos, com as Atas, Crônicas e o
Livro de Ouro, com os discursos.
Lendo uma das Atas, relembramos e revivemos, na memória, o que
acontecia nas Academias. Foi uma descoberta ímpar porque, decorridos mais de
cinquenta anos, já não nos lembrávamos dos pormenores do que acontecia entre
os acadêmicos.
Surgiu, então, a ideia de resgatarmos aquelas peças preciosas. Importantes
para os que viveram aqueles tempos de Caraça e, não menos, para os familiares dos
que já nos deixaram e que serão lembrados na leitura de suas peças literárias.
A importância da obra está em cada página do que foi escolhido. Resgatase a memória das Academias, com Atas, Crônicas e Discursos.
Não é só. Para completar o que não consta dos livros, temos a memória
viva daqueles que vivenciaram aqueles tempos e que escreveram episódios já
esquecidos de muitos.
Adônis Ramos, com sua prodigiosa memória, foi buscar, no fundo do baú
de suas recordações, o cenário, o “décor” e a magia dos feitos literários e poéticos
da rapaziada.
João Batista Ferreira relata como era a vida no Caraça e mostra a luta dos
adolescentes entre a carne e o espírito e demonstra como sempre prevaleceu a
opção, a prática da renúncia e nunca da repressão.
Ivan Oliveira separou o melhor das Atas e Crôncias, para nos mostrar
como foi a vida na Montanha Viva, onde nada impediu o aluno de ser feliz.
Por todos esses motivos, o livro é leve, agradável. Ele nos transporta aos
lindos momentos vividos no Caraça. Não é piegas nem saudosista. Ao contrário,
ele nos explica a importância da literatura, da oratória, da poesia, das artes e que,
com certeza, tiveram influência, de alguma forma, na vida profissional dos exalunos do Caraça, irradiando cultura pelas terras de Minas e do Brasil.
TOLLE, LEGE!1
Rômulo Cavalcante Mota
1 PEGA, LÊ!
9
Ecos do fundo dos tempos
L á se vão os anos, e as vozes do Caraça continuam ecoando no vale das
serras de pedra, bem no coração de Minas Gerais.
Há feitos que acontecem de um grito, há vidas que nascem de um beijo, há
obras que surgem de um riso. Foi de uma gargalhada nordestina, escandindo tons,
que fez Rômulo Cavalcante Mota jurar trazer a lume os musgos oratórios da
primaveril idade, grudados em livros de atas, salvos do fatídico incêndio de 1968
que fechou as portas da notável Casa de Formação. Mas o Colégio não sucumbiu às
cinzas.
Naquela tarde, na biblioteca do centenário Educandário, o ex-aluno
cearense cortava o silêncio com sua voz aguda, lendo trechos de discursos seus,
meio século já passado. Lia e ria. Quase chorava.
O entusiasmo que nunca deixou de existir no Rômulo dos velhos e novéis
tempos, contagiou alguns dos seus colegas que se dispuseram a ler as peças de
oratória dos meninos do Caraça.
Antes de prosseguir, uma palavra sobre o cearense “arretado” que arribou
à Serra do Irmão Lourenço, em 1952.
Sua mão esquerda nunca soube o que faz a direita. Por isso não ocupa
lugar nas manchetes e nos anais. Mas, em nome da justiça, é bom que se registre, foi
o brilhante advogado um dos responsáveis pelo capeamento da “trilha” da Serra
do Gigante. Amigo pessoal do Dr. Augusto Franco, irmão do Governador e
Presidente Itamar Franco, manobrou encontros, costurou discursos, envolveu o
Ministro Ricupero, almoçou com “gregos e troianos”, e eis a estrada vestida de
veludo negro dos pés à cabeça, com o asfalto que hoje escala a Montanha Viva.
Comprei a idéia do rapaz pela generosidade e ternura que carreava. Unime, então, a Adônis da Cunha Ramos, amigo de todos os tempos, “banco de
dados” ímpar e espantoso, cuja cultura contagia e encanta. Busquei Ivan Oliveira,
um dos “seis primeiros” de gratas recordações, emérito pesquisador “que não foge
à luta”. Fechei os olhos e colhi algumas impressões que resolvi registrar por escrito,
obedecendo à livre associação.
A primeira imagem que me veio foi a de Baden-Powell, formando os “Boy
Scouts”, os escoteiros, meninos tementes a Deus, espartanos, patriotas, defensores
dos oprimidos. A meninada de Baden adestrava-se em artes marciais para defender
a vulnerável ilha, a Inglaterra. Os “escoteiros” do Caraça usavam as armas da
palavra para evangelizar os pobres, educar os jovens, afiando as espadas no rigor da
gramática, na precisão dos termos e na elegância literária da composição.
Creio que a imagem primeira foi encontrando legitimidade ao longo da
leitura, pelo método usado nas academias São Luís e São Vicente, onde todo
discurso era ouvido e criticado na forma, conteúdo e apresentação.
Os temas se revezavam entre o religioso e patriótico, “sacro e profano”.
As festas nacionais e litúrgicas eram marcadas por sessões ordinárias e, quase
sempre, por solenes, muitas das quais em conjunto das duas Academias.
13
O “espartanismo” salta aos olhos do leitor, no regime e na condução dos
trabalhos. Uma rigorosa hierarquia, eleita por voto livre, regia a assembléia,
praticando os bons modos, com um trato fino e respeitoso pelo artista, orador ou
poeta.
O tratamento varia, ao longo da história, ora os acadêmicos chamados por
“senhor”, ora por pseudônimo, tomado de empréstimo de brasileiros notáveis na
prosa e no verso. Um padre diretor, quase sempre presente, aumentava o nível do
respeito e seriedade como também densidade e grau de importância das
Academias. Os nomes que mais comparecem com suas assinaturas são os de Jair
Barros, Sílvio Batista e Maurílio Camello.
A figura do crítico, nomeado na abertura da sessão, longe de decorativo,
marca uma presença corajosa e destemida, pontuando falhas e imperfeições no
conteúdo e na leitura, na correção gramatical e primor literário. O clima nem
sempre era pacífico, como se lê nas atas, ensejando réplicas e tréplicas acaloradas,
exigindo a intervenção do presidente, com direito à cassação da palavra. Não
estavam ausentes os chistes, a piada, a pilhéria, e, no final, tudo virava uma grande
festa. No bom sentido!
As Academias não escaparam a momentos de crise, arrefecimento e
desânimo, gerando protestos de membros e diretoria, o que só reforça, no olhar do
leitor, a seriedade, o caráter original dos “grêmios”, fruto do entusiasmo
verdolengo da rapaziada.
Refugiando-me na analogia dos escoteiros, o modelo muito se assemelha
ao que se vê ali. As academias tinham inclusive bandeira e hino:
“A palavra é de Cristo uma espada,
Preservando a seara do joio;
É defesa constante, é apoio,
No combate da causa sagrada”
O culto ao vernáculo, escrito e falado, está no coração do acadêmico. É
nele que se exercita todo o tempo. Para tanto, lê, escreve, discursa e declama. Sobe à
tribuna com o espírito de Cícero e a inspiração de Ovídio. E vai além. Como estuda
latim, grego, francês e inglês, em celebrações especiais, vence a timidez e
comparece com a língua estrangeira, arrancando aplausos dos colegas. Mas há
outras surpresas, como as de o orador brindar a platéia com um discurso em
espanhol, italiano ou alemão, idiomas que não se estudavam oficialmente. Na
mesma linha do inusitado, há os músicos que levam instrumentos, usam o piano da
sala, para números clássicos e populares, acompanhados ou não de um coral
afinado, trio, quarteto ou quinteto.
A variedade não para, continua na habilidade dos peritos nas artes cênicas,
apresentando esquetes, a maioria com um toque crítico e irreverente, todos muito
14
jocosos e engraçados. Escondendo a juvenil vaidade por certo ranço monacal, o
compositor, o poeta apresentam o número, atribuindo-o a “autor desconhecido”,
o que lhe rendia um volume maior de aplausos.
Um espanto! Não sabia ou não me lembrava, mas os livros das Academias
se dividem em três grupos: o de Atas, o de Crônicas e o de Ouro. Fala-se até em
livro de Prata, mas nada se achou nos arquivos sob este título.
Começando pelo de Ouro, por respeito ao nobre metal, guarda para si e
para nós o melhor das Academias, no juízo dos membros da época. É que, as
melhores obras, prosa e verso, eram votadas para transcrição, na íntegra, no livro
especial, para ser memória e ficar na história.
O de Atas registra toda a sessão, ordinária ou solene, com data e
assinatura, acusando a presença ou ausência de acadêmicos. Narra cada passo, da
abertura à conclusão, dando-se o cronista a liberdade para comentários de próprio
cunho, do que sentiu e viu, do maior ou menor fervor da peça, avaliando ainda o
entusiasmo do protagonista em particular e do grupo em geral, nada deixando
escapar das performances ali havidas.
O livro de Crônicas fala dos rituais, eleições, projetos, hino e bandeira,
além de anunciar quem chega ou sai, seja para tratamento, seja para férias, ou até
desligamento do colégio, com a delicada e respeitosa observação de que retornou à
casa paterna. De modo geral, os comentários são econômicos e untados em
reverência. Leem-se notícias de censura a relapsos e faltosos, como também
expulsão de algum transgressor contumaz do regulamento. As irregularidades não
escapam à anotação do amanuense.
As redações são gramatical e ortograficamente corretas, muitas delas com
temperos literários de bom gosto, tornando sua leitura saborosa. Sem dúvida
alguma, os livros são uma rica radiografia do apreço ao estudo e ao saber que o
Seminário soube inculcar em seus alunos.
As sempre bem vindas sugestões do prestimoso Pe. Lauro Palú foram de
grande valia para incentivar a iniciativa, norteando-a nos primeiros passos.
Luciano Castelo também compareceu na primeira hora com suas ideias,
arregaçando as mangas para sovar a massa.
O literato e poeta Humberto Venuto, sem ter acesso ao material das
Academias, surpreendeu o grupo com um apanhado historicocrítico que por si só
legitimaria o livro.
Luciana Gondim caiu do céu, em tempo recorde e com inigualável
competência, em quatro meses digitou, diagramou, organizou com delicadeza e
arte o sonho que ora é realidade.
Obrigado a todos, sobretudo, obrigado Rômulo Cavalcante Mota, pela
iniciativa de resgatar essa memória no generoso presente do livro que nos mandou
fazer.
Caracenses e amigos do Caraça leiam e ouçam, atentos ao “espírito de
época”, o eco adorável das vozes dos poetas e oradores juvenis que vem do fundo
dos tempos.
João Batista Ferreira
15
O Secretário das
Academias
T ão importante quanto o orador ou o poeta, o Secretário das
Academias era escolhido através do voto, onde algumas virtudes como caligrafia,
ortografia, gramática e estilo formavam um pré-requisito fundamental. A Ata das
Sessões possuía um quê de sagrado, de escritura pública, incontestável, uma vez
assinada. E eram muitas as assinaturas.
Modelo acabado de amanuence foi José Nazareno Ataíde que, além das
exigências básicas do ofício, trouxe graça e elegância para as páginas que lavrou.
Escriba da Nova Aliança, marcou sua passagem com feitos literários como o que
aqui vai exposto.
Ata da célebre sessão do dia 7 de outubro de 1953
Era uma linda manhã e tudo convidava a sorrir. Os ânimos porém,
estavam muito exaltados. Não te assustes, caro leitor, pois é verdade tudo o que
nesta ata se relata.
Não podendo a sessão realizar-se como de costume no salão de teatro,
realizou-se na sala do segundo ano. Não sei se é porque o recinto era muito
apertado, mas o certo é que o negócio estava “preto”. Contava com a presença de
vários visitantes e ilustres membros da “Academia São Luís”.
Leu-se a ata pelo Sr. Machado de Assis (Mário Lopes Ferreira), exprimeiro secretário e orador oficial do nosso grêmio. Em sua ata, houve um senão
a que objetou Sr. Anibel Filho (José Silvanovo Barbosa).
O Sr. Machado de Assis leu, em último lugar de uma lista, o nome do Sr.
Anibel Filho e depois disse que era ignorada a razão do último, pela qual não
compareceu à sessão, quando o Sr. Anibel Filho dera satisfação ao presidente. Foi
apenas um equívoco e os dois se puseram em acordo. Tomou logo a palavra o
primeiro herói do dia: o Sr. D. Aquino Correia (Rômulo Cavalcante Mota).
“Amigo leitor, não estás ainda a par do assunto. Lê primeiro a última ata,
anterior a esta, e verás tudo. Trata-se da expulsão do Sr. Castro Alves”. (Walter
Barros).
Alguns (a maior parte, aliás, achou que a expulsão do Sr. Castro Alves foi
justa e legal). Alguns, ou melhor, um, o Sr. D. Aquino Correia, resolveu mostrar aos
acadêmicos, a realidade, no ver de uns, e a incompreensão sua, no ver de outros.
Tomou então a palavra o Sr. D. Aquino Correia que começou já nervoso.
Foi, todavia, inesperadamente, interrompido pelo Sr. Presidente, que o convidou a
descer do púlpito, e a deixar para o momento da palavra livre a lista enorme de suas
objeções, sendo que não iam contra a ata que relatava, como devia, o que passou na
última sessão. E a discussão começou.
19
O Sr. Coelho Neto (Ary Monte Negro Castelo), rival do Sr. D. Aquino
Correia, não estava lá pronto a se deixar vencer. E começaram os dois a gritar ao
mesmo tempo, causando grande indisciplina que, aliás, começara logo no início da
sessão. Um pouco impaciente, deu o Sr. Presidente um forte e imperativo murro na
mesa, pedindo que deixassem a questão para o fim, e dizendo com voz inalterável
que não fazia nova votação como desejava o incrível D. Aquino Correia, mesmo
que fosse preciso sair da presidência.
Anunciou, em seguida, o Sr. Presidente, a perda de dois grandes
elementos da nossa academia.
Um era o Sr. Tristão de Ataíde (Laerte dos Santos), ex-presidente, e o
outro o Sr. Machado de Assis, que saíram por espontânea vontade, sendo
conhecidos os motivos do segundo.
Visto ocupar o Sr. Machado de Assis dois importantíssimos cargos,
procedeu-se, por ordem do Sr. Presidente, a uma votação que devia, segundo as
regras, ser feita secretamente; que devia, segundo a regra, ser feita em silêncio. Não
foi feita assim, infelizmente.
Para a votação para ver quem seria o primeiro Secretário, tivemos o
resultado seguinte:
Sr. Pe. Cruz – 3 votos
Sr. José de Alencar – 7 votos
Sr. Plínio Salgado – 1 voto
Sr. Rui Barbosa – 1 voto
Sr. Anibel Filho – 2 votos
Sr. Coelho Neto –1 voto
Sr. Melo Viana – 1 voto
Sr. D. Viçoso – 2 votos
E o Sr. D. Aquino Correia –1 voto
De acordo com o resultado da votação, teve o maior número de votos o
Sr. José de Alencar, a quem saudou, com neo- primeiro Secretário, uma salva de
palmas.
Para orador oficial, foram votados os seguintes:
Sr. D. Viçoso – 5 votos
Sr. Rui Barbosa – 2 votos
Sr. Anibel Filho – 2 votos
Sr. José de Alencar – 1 voto
Sr. Euclides da Cunha – 6 votos
Sr. Coelho Neto – 1 voto
Sr. Afonso Pena – 1 voto
E o Sr. Pe Cruz – 1 voto.
20
Foi aclamado o Sr. Euclides da Cunha (José Nazareno de Athaíde) com a
maioria de 7 votos.
Foi assinada a ata, depois desta votação, durante a qual se ouviam apartes,
em geral.
Cumpre notar, isto é importante, que o Sr. D. Aquino Correia, digno vicepresidente da nossa academia, no momento em que lhe foi apresentada a ata para
ser assinada, arranjou um segundo pseudônimo, como se pode ver logo depois da
ata do dia 23 de setembro de 1953.
Fica, pois, gravado neste livro o ato inesperado de não ter o Sr. D. Aquino
Correia assinado a ata em que se relatava a expulsão do Sr. Castro Alves. Em lugar
do nome, pôs, simplesmente, “não assinarei”!
Mudando um pouco de assunto, para seguir melhor a ordem cronológica
da sessão, quero dizer, que , logo no começo da sessão, se retirou o Sr. Anibel Filho,
por motivo julgado razoável pelo presidente.
Dando-se início aos oradores do dia, falou em primeiro lugar o Sr. D. Silva
(Antonio Duque de Oliveira), com discurso sobre a caridade. Apesar de ser um
assunto bem batido, estava bom. Recitou, em seguida, o Sr. Paulo Setúbal (Absalão
Martinho Coelho) a bela poesia de Anibel Filho, intitulada: “Ele e Ela”. Falou, em
último lugar, o Sr. Euclides da Cunha, discursando, brevemente, sobre a situação
do mundo atual.
Marcou o Sr. Presidente os oradores da próxima sessão ordinária: os Srs.
Bernardo Guimarães (Celso Coelho) e D. Viçoso (Vicente de Paulo Correa) para
discurso e, para poesia, o Sr. Artur Bernardes (Mauricio Gomes Lomba).
Começou, enfim, o grosso da sessão. Franqueada a palavra, usou dela o Sr.
D. Aquino Correia, como era de se esperar, porque já era para ter falado no
princípio, se não fosse a oposição do Sr. Presidente. “Caros acadêmicos... e falou
prolongadamente, desaprovando a expulsão do Sr. Castro Alves”.
Falou, falou e falou. Logo que acabou, levantou-se o Sr. Presidente, para
explicar o caso.
Já que estamos a notar defeitos, vamos dizer, segundo a lei da justiça, que o
senhor presidente se condenou pela própria boca, dizendo no fim, o contrário do
que disse no começo.
Dissera, no começo, que não tinha recebido satisfação do Sr. Castro Alves,
sobre o motivo pelo qual não pode apresentar o seu trabalho. Levantou-se, todavia,
no fim, para apresentar as excusas apresentadas pelo Sr. Castro Alves, excusas estas
julgadas razoáveis por pouquíssimos e desaprovadas pela quase totalidade.
Amigo ouvinte e amigo leitor, eu te pergunto: “Quem está com a
verdade?” “Quem está com erro?” Vou, eu mesmo, dar-te a resposta. Muitos
pensam como eu.
Em primeiro lugar, com relação ao Sr. Presidente; digo que ele errou,
21
porque agiu mui precipitadamente, não examinando todos os detalhes, propondo
logo a expulsão do Sr. Castro Alves.
É ele, contudo, digno de louvor, porque reconheceu o seu erro. Depois,
com relação ao Sr. D. Aquino Correia, defensor do réu. Ele também errou, porque,
embora tenha pensado bastante no assunto, caiu no erro de querer resolver a
questão, às pressas, quando devia expor aos acadêmicos, calmamente, aquilo que
ele pensava sobre o expulsão do Sr. Castro Alves. Enfim, o último dos mais
implicados do difícil problema, o Sr. Coelho Neto, estava também muito errado.
Caiu no erro de se meter mui violentamente na questão e de dizer ao Sr. Castro
Alves, no recreio, que tratasse de fazer e apresentar o trabalho, porque, do
contrário, ia propor a sua expulsão. Não digo isto de mim mesmo. Tiro isto da boca
do Sr. D. Aquino Correia, que assim falou, na dura e prolongada discussão. Digo
isto, pois, referindo-me ao parecer do Sr. D. Aquino, que o Sr. Coelho Neto resolva
com ele e não com o secretário que assinala apenas os episódios mais notáveis.
Caiu também o Sr. Coelho Neto em uma falta maior ainda, metendo-se na
discussão, na vida particular do seu adversário, terreno em que não podia entrar de
modo algum.
Ultrapassou, por conseguinte, os limites sagrados, até onde podia chegar,
pois na discussão, não se tratava de amizade, mas sim de ver se estava certo ou
errado o parecer de D. Aquino Correia. Depôs, portanto, contra si etc....
Em último lugar, amigo leitor, quero dizer que, também o réu, o Sr. Castro
Alves, errou e errou muito. O Sr. D. Aquino expôs alguns motivos a seu favor, mas,
mesmo assim, ele errou, porque, já que tinha motivos particulares para não
declamar o trabalho, como disse o Sr. D. Aquino Correia, devia ter pelo menos a
viril coragem de comparecer à sessão. Não compareceu, segundo ainda o parecer
de D. Aquino, por causa do Sr. Coelho Neto. Não pudemos compreender isto,
infelizmente. Devia, também, Sr. Castro Alves ter falado em sessões anteriores,
mas o Sr. Presidente, por condescendência, curvou-se diante de suas excusas
meramente infantis, indignas de um rapaz que aspira ao sacerdócio, indignas de um
homem.
Foi, portanto, o Sr. Presidente, muito bondoso neste ponto.
Durante a discussão, várias foram as opiniões, como, por exemplo, as do
Sr. Afonso Pena (Joaquim Hipólito C. Pena), Sr. Pe. Antônio da Cruz (João Batista
de Souza Jacinto), Sr. D. Silva, Sr. José de Alencar (João Batista da Fonseca), Sr.
Machado de Assis (Mário Lopes Ferreira) e Sr. Rui Barbosa (Adônis da Cunha
Ramos) que disse que uma ira não se podia extinguir com outra ira. O homem é
mui elevado. Só gosta de metáforas.
Já me ia esquecendo, caro leitor, de que o Sr. D. Aquino Correia exige que
se relate nesta pequena ata que, no seu parecer, o Sr. Castro Alves, deu satisfações
justas ao Sr. Presidente e que, por conseguinte, ele foi expulso ilegalmente. A todas
estas objeções, rebatia o Sr. Presidente só de um modo: “Não farei nova votação”.
22
Propôs, também, o Sr. D. Aquino Correia, uma votação para a expulsão
do Sr. Coelho Neto, segundo herói do dia, mas todos desaprovaram, perguntando
o motivo desta expulsão. Na realidade, não havia motivo para tanto. O Sr. Coelho
Neto, embora tenha dado alguns pareceres fora de lugar, não foi, absolutamente,
de encontro a regra alguma da nossa academia. O grosso estava, portanto, entre o
Sr. Presidente, o Sr. D. Aquino Correia e o Sr. Coelho Neto.
E, agora, caro leitor, perguntar-me-às ainda: “mas, afinal quem venceu”?
Espera, amigo, o negócio ainda não acabou. Ficará a decisão para a próxima vez.
Fique, também, gravado, nestas páginas, o pedido de Sr. D. Aquino Correia, que
exigiu que se relatasse o seu discurso sobre a mocidade atual e as amizades de hoje,
discurso que ele fez em lugar do Sr. Castro Alves. Era o discurso, dizia ele, que o Sr.
Castro Alves devia ter feito.
Notemos, em consciência, que o Sr. D. Aquino Correia, embora tenha
tido alguns erros, é digno de louvor e de admiração, porque nele se notava uma
sinceridade rara; dizia, como todos viam, o que sentia dentro de si.
Deu o Sr. José de Alencar a sua opinião, que foi, aliás, muito acertada: “o
governo do povo pelo povo”, “uma democracia”. Falou, então, o Sr. D. Silva, que
fora sorteado para o improviso, o que devia ser relatado no começo, mas é tanta
coisa para falar, que as de pequena importância vão desaparecendo.
Falou ele sobre o procedimento atual da academia. É claro que há um
outro ponto para se corrigir, mas desaprovamos a maior parte do que ele disse.
Falou que era lastimável o estado da academia, mas eu digo que não.
É, pelo contrário, muito louvável e muito admirável.
Vemos, com isto, que a nossa academia está, agora, viva.
Está a alçar o vôo do desânimo em que se achava.
Isto é, sem dúvida, útil para podermos mais tarde, sair de uma dificuldade
e não ser colocados em cheque-mate por qualquer pessoa talvez inferior a nós.
Dissera, no princípio, o Sr. D. Aquino Correia, que o Sr. Machado de Assis
se retirou da academia por causa do espírito de crítica de alguns acadêmicos.
Isto sim, isto é que o Sr. D. Silva devia ter censurado. Levantou-se,
finalmente, o Sr. Euclides da Cunha, pedindo, em seu nome e em nome dos
acadêmicos, “perdão ao Sr. Machado de Assis”.
Terminou, então, a sessão, com o “Salve, Maria”
José Nazareno Ataíde
23
As Academias Literárias
no Caraça
As associações literárias, sob a denominação de Academia, já existiam
há muitos anos na Escola Apostólica do Caraça, ou, pelo menos, ao que se tem
notícia, desde a década de 30, conforme registros encontrados em arquivos. Eram
as conhecidas: Academia São Vicente de Paulo e Academia São Luís Gonzaga. A
primeira tinha como participantes os alunos dos três últimos anos e a segunda, os
das três primeiras séries. Mas foi no ano de 1949 que elas assumiram a estrutura
orgânica, com que funcionaram até 1968, quando um incêndio pôs fim ao famoso
educandário das Minas Gerais.
A finalidade principal dessas academias era proporcionar aos estudantes
um ambiente propício para o cultivo do idioma nacional. Mas, além disso, nelas se
exercitavam também as habilidades na arte da oratória e da declamação, o
aprimoramento da composição e do estilo e o desenvolvimento do aprendizado da
literatura nacional e estrangeira.
Seu modelo de gestão era peculiar, pois, embora estivessem sob uma
organização administrativa presidida por um aluno, disciplinarmente se
reportavam a um Diretor, ad hoc¹ designado pela direção do Colégio.
As atividades acadêmicas se realizavam em sessões ordinárias e em
sessões solenes, onde os participantes interagiam com grande desenvoltura e
espírito de iniciativa.
As sessões solenes, quase sempre em conjunto com as duas agremiações,
abriram ao convívio acadêmico um verdadeiro espaço cultural, onde, entre
discursos e recitações, também havia lugar para as artes cênicas, apresentação de
corais e, até, para um virtuosismo, geralmente expresso através de um solo vocal
ou instrumental.
Tudo isto ficou registrado em atas e crônicas e, ainda, no Livro de Ouro,
no qual estão transcritos, se não todos, pelo menos muitos dos discursos dos
ardorosos vicentinos e luisenses.
Dois períodos distintos marcaram a trajetória dessas academias: antes de
1949 e depois de 1949. No final dessa década, foi levada a efeito uma pesquisa para
obtenção de dados sobre o primeiro período, os quais deveriam fundamentar um
“trabalho histórico” a ser transmitido à posteridade.
Foram coletadas informações datadas de 1931 a 1933, e de 1935 a 1937.
Essas informações, contudo, foram consideradas incompletas e imprecisas. E,
portanto, insuficientes para a instrução do trabalho, que, por isso, não se
realizou. Mas, também, conforme a mesma pesquisa, foram encontrados
elementos significativos, pois advieram daquela época as “Regras”,
uma espécie de regimento interno das academias. Essas Regras, depois de
reformuladas, foram copiadas em um caderno, cuja página inicial revelava,
com transcrição em francês, as Diretrizes da Congregação da
1 Expressão latina que significa “para esse caso”.
27
Missão, que as inspiraram. Essas Diretrizes, escritas talvez no século XVII, ainda
hoje podem ser consideradas, sob o ponto de vista pedagógico, um importante
documento.
É bem verdade que, já a partir de 1945, havia muita inquietação entre os
acadêmicos, pelo fato de os grêmios literários estarem adormecidos. Urgia
despertá-los e providências para isso foram tomadas. Atestam-no as atividades
para tanto desenvolvidas, de imediato e pelos anos seguintes, as quais tinham sido
preludiadas pelo expressivo discurso, pronunciado naquele ano pelo então
presidente da Academia São Vicente de Paulo, Francisco Braga, conclamando a
todos para o trabalho, com palavras de entusiasmo, de estímulo e de esperança. As
agremiações, entretanto, ainda não haviam sido de todo despertadas. Isto só
ocorreu em 1949, quando os alunos se reuniram e promoveram um verdadeiro
ressurgimento das academias.
Teve lugar, naquele ano, a reforma das antigas “Regras”, a reabertura do
“Livro de Ouro”, a criação da Biblioteca, a revitalização das Crônicas e o início da
redação sistemática das Atas. Iniciou-se até a construção de uma sede para as
reuniões literárias. O sonho transformou-se num belo caramanchão,
elegantemente postado sobre uma bem localizada rocha, defronte ao campo da
Varginha, nos arredores do Seminário.
Assim, ressurgiram as Academias, conservando suas antigas
denominações, “São Vicente de Paulo” e “São Luís Gonzaga”, sob as quais tinham
sido instituídas, provavelmente no alvorecer dos anos 30.
Muitas e memoráveis sessões aconteceram no Caramanchão da Varginha.
Lá se faziam discursos, recitavam-se poesias e, também, se promoviam
aprendizados, nos momentos de informalidade. Vivências essas que nunca se
apagaram de nossas lembranças. Depois de transcorridos tantos anos, ainda ecoa
em nossos ouvidos a voz do Padre italiano Francesco Corrao, ensinando-nos a
recitar o soneto de Giosuè Carducci, intitulado Il Bove. Com sotaque mavioso de
tenor, repetia e fazia-nos repetir quase à exaustão:
T'amo, o pio bove; e mite un sentimento
Di vigore e di pace al cor m'infondi,
O che solenne come um monumento
Tu guardi i campi liberi e fecondi,
O che al giogo inchinandoti contento
L'agil opra de l'uom grave secondi:
Ei t'esorta e ti punge, e tu co'l lento
Giro de' pazienti occhi rispondi.
28
Da la larga narice umida e nera
Fuma il tuo spirto, e come un inno lieto
Il mugghio nel sereno aer si perde;
E del grave occhio glauco entro l'austera
Dolcezza si rispecchia ampio e quieto
Il divino del pian silenzio verde.
Ao final, o Padre Francesco, de pé no caramanchão, espraiava sobre a
planície da Varginha seu olhar marejado de azul e, com voz ungida de emoção,
como se estivera diante de um anfiteatro grego, acentuava os dois últimos versos
da primeira estrofe do soneto de Carducci:
“O che solenne come un monumento,Tu guardi i campi liberi e fecondi”.
“O que solene, como um monumento, tu olhas os campos livres e fecundos!”
A maioria das sessões, entretanto, se realizava, ou por comodidade ou por
facilidade de reunião, nas próprias dependências do educandário.
As academias prosseguiam, agora, em seu novo período, em plena
atividade. E, de acordo com as regras, o método da emulação, para competição
sadia entre os acadêmicos, estava sendo bem aplicado, obedecendo aos objetivos e
pressupostos exarados nas “Diretrizes” legadas aos Padres Lazaristas, para
condução dos Seminários Menores.
Referimo-nos aqui às Regras, tal qual as conhecemos, depois de
reformadas e aprovadas na reunião de 1949. É natural que tenham seguido, no
conteúdo e na forma, o modelo das normas da Congregação da Missão. De sua
leitura, infere-se que são, ao mesmo tempo, Estatuto e Regimento Interno. Pois
não tratam simplesmente de um organograma, com sua mesa administrativa e
relação entre todas as unidades constitutivas. Expõem também dispositivos que
são próprios de estatuto. Dentre esses dispositivos, podemos destacar:
a) A finalidade das academias;
b) O número de participantes limitado a 25;
c) As competências administrativas;
d) As competências funcionais;
e) Hipótese de dissolução.
Observe-se que não foi incluída, entre os dispositivos acima, a função de
tesoureiro, embora uma das atas a ela se refira. Se em alguma época houve um
estatuto de fundação da Academia São Vicente de Paulo, certamente teria sido
escrito assim:
29
Art. 1º - A Academia São Vicente de Paulo, com sede no Caraça,
tem por fim o cultivo do idioma e literatura nacionais, e
funcionará de acordo com o que for estabelecido em seu Regimento
Interno.
Art. 2º- A Academia será composta por 25 alunos que estejam
cursando os três últimos anos da Escola Apostólica do Caraça.
§ 1º - A admissão do aluno na Academia será por
escrutínio secreto, obedecidos os requisitos regimentais, mas ficam,
desde já, admitidos os que assinarem este Estatuto.
Art. 3º - A administração da Academia compete a um
Presidente, a um Vice Presidente e a dois Secretários.
Art. 4º - Fica, ainda, criado o ofício de bibliotecário, de críticos,
de cronistas e de orador oficial.
Art. 5º - Todos os cargos serão preenchidos, mediante eleição, com
escrutínio secreto, a ser realizada a cada seis meses, admitida a
reeleição.
Art. 6º - Caso se dissolva a Academia, sua biblioteca será doada
à Escola Apostólica do Caraça.
As outras normas constantes das Regras são bem detalhadas e se
caracterizam como de Regimento Interno, com uma particularidade: definem
como “Ofício” as atribuições de cada cargo.
Desse modo, as academias foram concebidas como um meio de se
facilitar aos alunos, que o quisessem, o aprofundamento e a ampliação, por conta
própria, de seu aprendizado estudantil.
E foi com esse propósito que eles se associaram, formulando uma
organização que permitia em seu ambiente o desenvolvimento intelectual, que se
concretizava de diversos modos: através de leituras, que se faziam não só para o
conhecimento dos mais expressivos autores de cada escola literária, mas,
sobretudo, para trazer a exame e discussão novos autores, que estivessem em voga
na época; pela elaboração de discursos, trabalho que exigia intensa pesquisa; e pela
seleção de poesias compostas por grandes poetas, tanto nacionais quanto
estrangeiros, que eram retidas na memória.
Tudo isto se desenvolvia num clima verdadeiramente acadêmico, onde os
participantes interagiam, mostrando seus progressos intelectuais e
30
praticando a sociabilidade, a elegância no trato e nas relações interpessoais.
É bom lembrar que todas essas coisas eram já ensinadas na Escola
Apostólica, onde a maioria dos alunos progredia, satisfatoriamente, sob o
apanágio do lema: “Matéria pouca, mas bem aprendida”, ou seja: “Non multa, sed
pauca”, como se dizia na época.
Mas havia os que desejavam algo mais. Esses souberam tirar proveito das
associações literárias, já há muito recomendadas nas Diretrizes, cujo trecho a seguir
reproduzimos:
“Il pourra être établi dans les Petits-Seminaires une association littéraire, sous
la dénomination d´Académie. Son but est d´exciter plus vivement
l´émulation, et de déveloper le bon goût dans les études littéraires.”
Recomendava-se, pois, a criação nos Seminários Menores, de uma
associação literária, sob a denominação de academia, na qual se pudesse, através da
emulação, se desenvolver o bom gosto nos estudos literários. Pois foi essa Diretriz,
percebida de maneira ampla e arrojada, que deu impulso, no Caraça, às academias
literárias.
Assim, ao lado da sólida formação curricular, a que se submetiam os
alunos, houve também espaço para que pudessem ampliar seus conhecimentos,
também em matérias escolhidas por livre iniciativa. E faziam-no principalmente
através do Discurso, da Poesia, do Conto e de Leituras selecionadas. Os discursos
eram sempre muito bem preparados, embora alguns fossem redigidos de forma
rebuscada. Quando em idioma estrangeiro, os acadêmicos se mostravam
cautelosamente sóbrios, abstendo-se do emprego complicado de orações
subordinadas. As frases eram, geralmente, curtas e os trechos, não longos. Isto
prevenia possíveis erros gramaticais de concordância e de regência.
Os oradores, escolhidos com antecedência, trabalhavam com esmero
sobre o tema, que poderia ser livre ou designado pela Presidência da Mesa. O
objetivo, ao se proferir um discurso, era revelar virtudes de oratória e capacidade de
composição de uma peça, que fosse rica no conteúdo e no estilo, e que lograsse
indicação ao Livro de Ouro. Por isso, a redação se fazia, quase sempre, no seguinte
plano:
a) exposição do tema
b) 1º argumento
c) 2º argumento
d) conclusão
e) peroração
A exposição do tema deveria ser clara e sucinta. Um exemplo era o
31
exórdio do senador romano Cícero, em suas catilinárias: “Até quando abusarás,
Catilina, de nossa paciência? Até quando nos haverá de enganar este teu furor?
Não percebes que já são evidentes as tuas tramas?”
Cremos que muitos dos antigos acadêmicos ainda gostariam de reler essas
frases em latim: “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Quamdiu
furor iste tuus nos illudet? Patere tua consilia non sentis?”
Após a exposição do tema, vinha o primeiro argumento com as opiniões a
ele favoráveis e depois o segundo com alguns pontos de vista divergentes. A
conclusão reafirmava sempre a opção do orador. E, por fim, vinha a peroração, em
que se fazia um resumo, acentuando as opiniões do primeiro argumento, para
reforçar as conclusões e justificar o tema.
Vários autores, como fonte de pesquisa, poderiam ser compulsados, entre
eles e principalmente, os pensadores católicos: Jackson de Figueiredo, Alceu
Amoroso Lima e Jacques Maritain. Devemos mencionar, ainda, por serem muito
citados, alguns Sermões do Padre Antônio Vieira. Outros autores de influência,
mais no estilo de redação que nas idéias, foram: Coelho Neto, Olavo Bilac, Plínio
Salgado, com sua “Vida de Jesus”.
Outros, ainda, mais pelas informações: René de Chateaubriand, com seu
“Génie du Christianisme”, Euclides da Cunha, com “Os Sertões” e Alfredo
d'Escragnolle Taunay, com sua “Retirada da Laguna”.
Os alunos, em seus trabalhos na academia, é bom que se lembre, não
eram orientados por professores. Agiam “de moto próprio”². Procuravam
assimilar os bons autores e mesmo imitá-los. Pois “a imitação é um meio de
assimilar as belezas alheias”, no dizer do professor e crítico literário francês Albert
Albalat, muito citado pelo Padre Antônio da Cruz, em sua “Arte da Composição e
do Estilo”.
Fica aqui consignado que o espírito de iniciativa e independência, que
caracterizava o entusiasmo juvenil em suas redações e composições, sempre
convivia pacificamente com os cânones da formação moral, intelectual, cívica e
religiosa, recebida na Escola Apostólica.
As poesias eram recitadas de cor. Poderiam ser de composição própria, ou
de autoria de algum poeta nacional ou estrangeiro. Nelas, o acadêmico procurava
demonstrar sua arte no declamar e seu bom gosto na escolha dos autores.
Apareciam, com grande freqüência, poesias de Castro Alves, Gonçalves Dias,
Olavo Bilac, Raimundo Correia, Alphonsus de Guimarães e, em grande número,
as de Anibel Filho, bispo e poeta, ex-caracense. Entre os autores europeus eram
apreciadas as poesias de Guerra Junqueiro e trechos de “Os Lusíadas” de Camões;
de Casimir Delavigne, Paul Verlaine e Lamartine; de Giosuè Carducci, Giovanni
Pascoli e Gabriele D'Annunzio.
1 Em latim “motu próprio” i.e: “de própria iniciativa”. A expressão “de moto próprio”
está consagrada no Aurélio.
32
Os poetas mais apreciados, na década de 50, eram:
Nacionais
a) Castro Alves: O Navio Negreiro, Vozes d'África, Os Jesuítas e O Livro
e América;
b) Gonçalves Dias: Canção do Tamoio e Y- Juca Pirama;
c) Olavo Bilac: O Pássaro Cativo e A Avó;
d) Raimundo Correia: As Pombas, (essa inclusive com uma versão em
latim), A Leoa e A Cavalgada;
e) Alphonsus de Guimarães: Ismália, Junto à Cruz, Primeira Dor e A
Nossa Senhora;
f)Anibel Filho: Sonhos de Mãe, Duas Lágrimas, Santuário do Irmão
Lourenço, Armas do Brasil e O Mártir da Hungria.
Portugueses
g) Guerra Junqueiro: Caridade e Justiça, O Melro e As Ermidinhas;
h) Luís Vaz de Camões: três episódios de “Os Lusíadas”- Adamastor,
Batalha de Aljubarrota e Inês de Castro e três Sonetos - Alma minha gentil, Sete
anos de pastor e Amor é fogo.
Franceses
i) Casimir Delavigne: La Mort de Jeanne D'Arc e Trois Jours de
Christophe Colomb;
j) Paul Verlaine: Chanson d'Automne;
k) Alphonse de Lamartine: La Prière.
Italianos
l) Giosuè Carducci: Il Bove;
m) Giovanni Pascoli: La Cavallina storna; e
n) Gabriele D'Annunzio: La Pioggia nel Pineto.
Havia outras poesias também mencionadas nas atas. Mas foram
lembradas aqui apenas algumas, cujos autores foram expoentes das escolas
literárias, que eram da preferência do declamador.
Os contos e leituras, embora previstos nas regras, não foram atividades
comumente desenvolvidas entre os acadêmicos, embora se tenham realizado em
algumas sessões.
A Academia São Vicente de Paulo era composta de 25 membros, aos
quais eram reservadas 25 cadeiras. Cada uma delas tinha por patrono um
33
vulto ilustre, de preferência um ex-caracense. Até a primeira metade dos anos 50, o
acadêmico ocupante de uma cadeira adotava, como pseudônimo, o nome de seu
patrono, para apresentação de seus trabalhos, nas reuniões. Também, durante elas,
os colegas se dirigiam, uns aos outros, tratando-se mutuamente pelo pseudônimo.
Essas formalidades de tratamento também eram adotadas na redação das atas.
Posteriormente, foi abolido o uso do pseudônimo.
Interessante seria relacionar aqui os 25 patronos, na ordem em que
aparecem na lista imutável do Regimento de 1949: Padre Cruz, Gonçalves Dias,
Euclides da Cunha, Dom Aquino Correia, Anibel Filho, Fagundes Varela, Paulo
Setúbal, Plínio Salgado, Bernardo Guimarães, José de Sá Nunes, Tristão de Ataíde,
Casimiro de Abreu, Castro Alves, Machado de Assis, Leonel Franca, Rui Barbosa,
Dom Viçoso, Costa Sena, Dom Silva, Afonso Pena Júnior, Artur Bernardes, Melo
Viana, Jakson de Figueiredo, Coelho Neto e José de Alencar.
Na Academia São Luís Gonzaga não havia patronos para as cadeiras, nem
limite para o número de acadêmicos. Nela, poderiam ser admitidos os alunos das
três primeiras séries. Bastava que demonstrassem pendor para a declamação ou
para a oratória. Mas era exigido que o aspirante soubesse, ao menos, declamar de
cor uma poesia e a tivesse ensaiado com um dos acadêmicos mais antigos.
Para o ingresso na Academia São Vicente de Paulo as exigências eram
maiores. O aspirante deveria preencher os seguintes requisitos exigidos pelo
Regimento:
a) ser aluno do 6º, 5º ou 4º anos;
b) ter um procedimento aceitável;
c) apresentar um trabalho;
d) submeter-se a um escrutínio secreto e consciencioso.
O requisito a que se refere a alínea “c” não era obrigatório para os exluisenses.
Aquele que não se ajustasse às normas das academias poderia perder a
qualidade de acadêmico, ao lhe ser aplicada a penalidade de expulsão. E as
situações previstas eram as seguintes:
a) três faltas às sessões, durante o semestre, sem razão plausível;
b) desobediência grave ao presidente, em questões da academia;
c) não cumprimento do dever de acadêmico, em ponto grave.
Na primeira delas, a expulsão era sumária. Nas outras duas, havia uma
votação secreta e conscienciosa, precedida de um processo oral, daí
resultando três situações: expulsão, não expulsão, deposição. A deposição era
34
uma pena mais branda e se aplicava a quem exercesse cargo, na hipótese de
transgressão prevista na alínea “c”, supra mencionada. Em nenhum dos casos,
entretanto, o aluno seria privado do convívio acadêmico, pois poderia comparecer
a todos os eventos.
As sessões nas academias classificavam-se em ordinárias, extraordinárias
e solenes. Essas últimas se denominavam, também, “literomusicais”. As sessões
ordinárias eram mensais; e, no período de férias, semanais. Abriam-se, conforme
previsto no regimento, com a saudação: “Laudetur Jesus Christus”, ou seja: Louvado
seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
De imediato, era escolhido por sorteio um acadêmico, para, no final,
discursar de improviso. Iniciavam-se, então, as formalidades de leitura e objeção
da ata e, em seguida, após eleição do crítico para apreciar os trabalhos do dia, os
oradores, declamadores e leitores se sucediam na tribuna, pela ordem anunciada
pelo presidente.
Franqueada a palavra, dela poderia fazer uso qualquer aluno ou mesmo
quem estivesse assistindo à sessão, na qualidade de visitante. Após as críticas aos
trabalhos apresentados pelos acadêmicos, dava-se o “momento livre”. Nesse
momento, ocorria o discurso de improviso e se tratava de outros assuntos. A
sessão se encerrava com a mesma saudação inicial ou outra equivalente.
As sessões extraordinárias eram específicas para tomada de posse de uma
nova diretoria e, por isso, mais cerimoniosas. À mesa assentavam-se os antigos e
novos diretores, com a presença de muitos convidados, em verdadeiro clima de
festa. O discurso de saudação aos recém-eleitos era pronunciado pelo ex-orador
oficial.
O ex-presidente, ainda no ofício, iniciava a solenidade de transmissão de
cargos, ou seja: de entrega das “dignidades”, conforme definido no Regimento. E,
pelo protocolo, cada qual passaria ao seu sucessor um símbolo de “dignidade”: o
presidente, o caderno de regras; o secretário, o livro de atas; o cronista, o livro de
crônicas; e o bibliotecário, a lista dos livros e os cadernos de nomes.
Posteriormente, já na década de 60, essas solenidades foram enriquecidas com a
cerimônia de transmissão da faixa presidencial ao novo presidente. Terminados os
discursos de agradecimento, encerrava-se a sessão, entoando-se o hino da
academia.
As sessões solenes, quase sempre em conjunto com as duas academias,
eram presididas alternadamente por seus presidentes. Nelas, não havia leitura de
atas e nem crítica aos trabalhos. Despojadas dessas formalidades, podiam dar
ênfase ao aspecto literomusical. Elas se realizavam, sobretudo, por ocasião de
eventos cívicos ou religiosos ou ainda por algum motivo especial, como, por
exemplo, a despedida de um professor que partisse para outras missões, ou mesmo
para homenagem a personalidades ilustres que, eventualmente, visitassem o
Caraça.
Essas sessões eram sempre muito concorridas. Compareciam os
35
padres, as irmãs de caridade, os irmãos coadjutores, os visitantes e os apostólicos.
Todos em suas melhores vestes. Nessas ocasiões, o salão de teatro, sempre bem
iluminado, era caprichosa e festivamente ornamentado, com bandeiras, flores e
toalhas sobre as mesas que eram destinadas às duas diretorias acadêmicas. Até a
tribuna era enfeitada.
Era o momento ideal para apresentação dos trabalhos especiais que
consistiam, geralmente, na demonstração de um virtuosismo, quando se cantava
uma ária de ópera, ou se entoava uma canção popular, ou mesmo se solava algum
instrumento, não sendo raras as apresentações de corais e recitais de piano.
Ocorriam, até, encenações de pequenas peças teatrais, que lá se
popularizaram com o nome de esquetes. Nesse contexto, os trabalhos acadêmicos
ganhavam relevo, pois com grande alegria cívica podia-se discursar perante a
bandeira nacional, no dia 7 de setembro. E significativas homenagens eram
tributadas a São Vicente de Paulo e a Santa Catarina Labouré, nas respectivas
datas, com comoventes discursos e poesias.
Era fascinante ver, ao lado da bandeira nacional, a bandeira das
academias. Uma delas, a de São Vicente de Paulo, trazia sobre suas cores o lema
“Erigenda est Academia”, bordado em amarelo ouro. Os discursos e poesias se
ouviam em português, francês, inglês, latim e grego, línguas ensinadas no Caraça.
E, para surpresa dos professores, apareciam também em italiano, espanhol e
alemão, que eram matérias extracurriculares, de aprendizado próprio do aluno.
Nos eventos cívicos, aconteciam os recitais musicais, os solos
instrumentais e apresentações de corais. Nos religiosos, entoavam-se os hinos
apropriados e se encenavam peças teatrais. Os tenores interpretavam, em geral,
canções do bel canto italiano. Os instrumentistas preferiam executar trechos de
música clássica, ou do repertório francês ou do alemão. E os corais tinham
predileção pelos temas, religiosos ou populares, compostos para várias vozes.
A banda de música “Padre Boavida” se fazia ouvir, muitas vezes, antes do
início das sessões acadêmicas, executando seus dobrados, sempre bem ensaiados,
destacando-se dentre eles, “O Guarani” de Carlos Gomes.
O coral caracense “Os Canarinhos da Serra” também constantemente se
apresentava e recebia muitos aplausos, principalmente quando cantava o
“Magnificat”. Memorável mesmo foi quando, perante Sua Eminência Dom
Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, no momento em que se acrescentava à
galeria de personagens ilustres e importantes para o Caraça um retrato do Cardeal,
em tela a óleo, o coral cantou, a quatro vozes, o hino “Perstet Imago”,
especialmente composto para aquela solenidade, pelo Padre Jorge Xavier, com
letra em latim, pelo Padre Pedro Sarnell.
As sessões literomusicais foram, assim, marcantes na vida dos
acadêmicos, dos demais alunos e (por que não?) de toda a população do Caraça. E
não só naquela época, mas em todos os tempos. Pois, até hoje, em
36
encontros de ex-alunos, é costume revolver do olvido lembranças daqueles
momentos de triunfo, de alegria, de descontração e de enriquecimento de convívio
entre as diversas pessoas que interagiram naquele belo e vetusto educandário.
As sessões das academias eram, em sua maioria, supervisionadas pelo
professor de literatura, que era chamado, carinhosamente, de “Diretor”. Se a
academia era dos alunos e para os alunos, com seu organograma próprio, por que a
supervisão de um membro do corpo docente? Entende-se que as associações
literárias eram um meio que os padres lazaristas punham à disposição dos alunos,
para que aqueles que o desejassem pudessem desenvolver seus estudos, além do
que era exigido no currículo. Assim, a Direção do Colégio permitia as reuniões,
cedia as instalações, harmonizava os horários, e facilitava as pesquisas. Nada mais
natural, portanto, do que designar-se um professor para acompanhamento dos
trabalhos dos “alunos acadêmicos”. É claro que, estando ele nas sessões, poderia
fazer reparos quanto aos desempenhos, como criticar, elogiar e estimular. Mas não
havia interferência no trabalho criativo.
Os padres “diretores da academia” eram muito queridos, pois, com sua
experiência, apontavam caminhos e aduziam informações, principalmente as
trazidas de fora do internato. Suas apreciações eram consideradas isentas e sempre
bem-vindas, eis que imunes às rivalidades estudantis. Ao todo, foram cinco os
Diretores: Padre Alfeu Ferreira, Padre Álvaro Barros, Padre Jair Barros, Padre
Sílvio Martins e Padre Maurílio Camello. Cada um deles com suas características
próprias.
Muitos padres, na qualidade de professores, exerceram grande influência
sobre os alunos, com reflexos nas academias. Podemos destacar:
1) O professor de língua portuguesa, Padre José Tobias Zico, que sempre
nos estimulava para a leitura, não só de Os Lusíadas, como também de outras
epopéias, como a Ilíada de Homero, a Eneida de Virgílio, a Divina Comédia de
Dante e o Paraíso Perdido de Milton. Durante as aulas, lia contos de escritores,
como Rebelo da Silva: “Última corrida de touros em Salvaterra”; também
passagens de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, principalmente daquele trecho,
onde aparece a frase: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não possui o
raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral”; e ainda vários sonetos
de Camões, com mais freqüência, o 19, isto é: “Alma minha gentil que te partiste”; e
poesias, como “Rezas”, entre outras, de Castro Alves. Suas leituras prediletas,
entretanto, eram “Só, Os Lusíadas e Os Simples”, respectivamente da autoria de
Antônio Nobre, Luís de Camões e Abílio Guerra Junqueiro. O Padre Tobias era
muito prático e dinâmico e, conforme está consignado em ata, nos ajudou muito,
na construção de nossa sede, na Varginha;
2) O Padre Jorge Xavier, professor de Matemática e de Música, organista,
compositor e maestro, compôs os hinos, letra e música,
das duas
37
academias e os ensaiou com os acadêmicos. Era um modelo de sabedoria e de
santidade. Aficionado da música clássica alemã, ele incentivava o estudo de alemão,
emprestando-nos os manuais adequados. Tinha alma alemã, segundo o padre
holandês Pedro Sarnell, que, como administrador da Biblioteca, lá o via
constantemente, folheando os autores alemães, cujos livros pedia que fossem
separados com muito cuidado, principalmente Schiller e Goethe, do qual
cogitasse, talvez, ouvir em público o poema: “ Wer reitet so spät durch Nacht und
Wind?”, que significa: “Quem cavalga tão tarde através da noite e do vento?”.
Infelizmente, não ficou registrado em ata que o tenham declamado;
3) O Padre Alfeu Ferreira, primeiro Diretor das academias e também
professor de língua francesa e literatura, era um espírito moderno e inovador, a
liderança que gostaríamos de seguir. Responsável pela projeção de filmes, exibiu
no colégio os mais notáveis da época. Uma verdadeira revolução no internato;
4) Contamos, também, com grande contribuição do Padre Álvaro Barros
que nos trazia excertos de jornais com artigos de Jackson de Figueiredo e Tristão
de Ataíde e muitas notícias sobre o escritor francês Jacques Maritain. Amiúde se
referia ao movimento dos padres operários da França. Era professor de religião e
latim e, mais tarde, de literatura. Ministrava suas aulas, sempre com muita alegria
interior. Conseguiu um mimeógrafo, para impressão da revista “A Voz do Caraça”.
Foi ainda professor de língua inglesa, e, no período em que esteve como Diretor
das academias, foi reativado, entre os acadêmicos, o cultivo desse idioma.
Trouxemos aqui à lembrança dos leitores apenas alguns exemplos da
década de 50. Mas, mesmo naquele período e nos posteriores, todo o corpo
docente do Caraça sempre estimulava as atividades das academias, pois todos os
professores sempre trabalhavam em sintonia com as Diretrizes da Congregação da
Missão e sabiam muito bem administrar as tendências de cada aluno.
Por oportuno, é bom assinalar que o idioma estrangeiro mais utilizado nos
trabalhos acadêmicos era o francês. Primeiro por ser a língua materna de São
Vicente de Paulo, fundador da Congregação da Missão; segundo devido a nos ser,
entre os estrangeiros, o mais familiar, pois no Caraça as cerimônias sacras eram
estudadas num manual impresso em francês; muitos dos nossos jogos para a
recreação eram aprendidos no livro “Deux cents Jeux Français”, (Duzentos Jogos
Franceses); circulava, entre os alunos, um manual de álgebra em francês e, também,
em francês eram os livros didáticos, onde se aprendia grego, tanto a gramática,
quanto o dicionário.
Além disso, durante o café da manhã, ficávamos em silêncio ouvindo
alguém ler um trecho do livro “Le Christ et la Jeunesse” (O Cristo e a Juventude); e era
costume a formação de grupos, à noite e pela hora do recreio, para se praticar o
francês. É natural que assim tenha surgido, nas sessões acadêmicas, grande número
de discursos e de poesias em francês.
38
De tudo isto se conservou um precioso relato que são as atas e crônicas.
As crônicas narravam objetivamente o que ocorria, quanto aos fatos e pessoas,
dentro e fora do ambiente acadêmico. As atas registravam o que se passava nas
sessões e, em muitos casos, refletiam o clima dos ânimos e a opinião pessoal do
redator.
Essas atas tinham sua tipicidade, pois, muitas vezes, fugiam ao modelo
clássico de “ata de reuniões” e se constituíam em importante texto, cujas
entrelinhas deixavam vislumbrar a firmeza, o arrojo e a elegância dos personagens
em ação. Exemplo disso é a ata lavrada pelo José Nazareno de Ataíde, que se
intitulou: “Ata da célebre sessão do dia 7 de outubro de 1953”.
As atas da Academia São Vicente de Paulo deixaram, ainda, consignadas
algumas alterações nos dispositivos do Regimento de 1949, as quais, ao que parece,
foram aceitas tacitamente. Alguns costumes também se modificaram e o antigo
hino composto pelo Padre Jorge Xavier foi substituído por um novo, então
composto por um acadêmico.
O Livro de Ouro foi instituído para nele serem transcritos trabalhos
próprios bem elaborados (discurso ou poesia) e que tivessem sido apresentados
em qualquer das academias. Sendo, ao mesmo tempo, bem composto, bem
pronunciado e, principalmente, sensibilizando os colegas, o trabalho recebia
indicação para o Livro de Ouro.
Ao se proferir um discurso, as qualidades apreciadas eram:
a) desenvolvimento do assunto e redação adequada;
b) imagens de oratória, com impacto pela ousadia, mas no contexto
cultural;
c) eloquência, com elegância;
d) gestos moderados, mas expressivos.
Quem o indicasse para o Livro de Ouro, deveria ressaltar as qualidades da
peça oratória ou poética. Quem se opusesse, deveria replicar. Em seguida,
procedia-se a uma votação a descoberto, podendo o voto ser justificado ou não. Os
trabalhos selecionados na Academia São Luís só seriam transcritos no Livro de
Ouro após passar pelo crivo de um acadêmico vicentino.
Naturalmente, nem todos os belos discursos, em língua nacional ou
estrangeira, foram acolhidos no Livro de Ouro. Muito menos as poesias. Essas,
para serem indicadas, teriam que ser da própria autoria. E o acadêmico as recitava,
conforme o costume, sob o anonimato de um pseudônimo, diferente do de seu
patrono, não sendo, assim, reconhecido. Por exemplo, quem teria sido o Ítalo
d'Ascânio, de cuja autoria, na solenidade de recepção às Irmãs de Caridade que em
1952 chegaram ao Caraça, recitou a seguinte poesia?:
39
“Céu de azul, terras de flores
A Virgem olha a cismar...
Quer o céu todo de amores,
Quer as flores a sonhar...
Paira no azul de safira,
Sua alma cândida e doce,
Mas o coração - que caíra –
Dentro de um lírio ocultou-se.
E pelo campo florido,
Passa um velhinho de França...
Vendo a flor, diz comovido:
- Eis o berço da esperança!...Nele, aos pobres sofredores
Levarei ajuda e paz,
Pois da Virgem Mãe das Dores
É o coração que aqui jaz.
Levarei consolo terno,
Para quem chagas tiver...
Mas é um coração materno...
Só fica bem à mulher...
E, p'ro coração empíreo,
Da Irmã fez hábito e véu.
Branco, como é o lírio,
Azul, como é o céu!”
Mas não foram as poesias, foram os discursos que ficaram mesmo na
lembrança dos acadêmicos, sendo na época, e por muitos anos, bastante
comentados. Relembremo-nos, pelo menos, de três:
a) “Por que Pobres, Por que Ricos”, do Vicente de Paulo Correa;
b) “Oração pelas Vocações”, do Jair Cansado Coutinho;
c) “A Mocidade atual e as Amizades de hoje”, do Rômulo Cavalcante
Mota.
“Por que Pobres, Por que Ricos” foi um discurso inquietante, com
conotação política, em que o jovem orador argumentou que as ações sociais de
caridade, por si só, seriam insuficientes para a erradicação da pobreza.
40
Impunha-se, em paralelo, uma ação educacional. Ensine-se a pescar, não se dê
apenas o anzol, e concluindo: “Portanto, doar e ensinar”. E finalizou suas palavras
com os versos de Castro Alves: “Distribuam livros a mancheias, mandem o povo
pensar”.
“Oração pelas Vocações” pode ser entendida como uma prece, que
termina de maneira bela, mas impressionante. Nós a conservamos assim na
memória:
“Olhai, Senhor! São cinco mil padres para cinquenta e dois milhões de habitantes.
Neste Brasil, Senhor! A Terra de Santa Cruz! Nascida e crescida, à sombra de vosso madeiro
sacro! Terra, que teve por colonizadores povos cristãos. Brasil, em cujo firmamento desenhastes o
símbolo azul brilhante de Vossa redenção. Não Vos comove, meu Deus, a oração de Vossa Igreja,
de Vossos ministros sacros!?”.
“A Mocidade atual e as Amizades de hoje” foi um discurso ouvido com
muita atenção e expectativa e que se tornou inesquecível pelo conteúdo de sua
mensagem. Trouxe-a um jovem cearense, como arauto de um grupo de seis alunos
vindos de um Seminário em Fortaleza-CE, para dar continuidade à busca de seu
ideal, agora no Seminário do Caraça. Seu discurso tinha traços fortes que nunca
nos fugiram da lembrança. O que o orador preconizava, na verdade, é que as
virtudes de coragem e esperança, antes assumidas individualmente, deveriam
agora ser cultivadas em convívio por todos, para que mutuamente se estimulassem
na longa jornada a seguir e a vencer. E, concluiu: assim unidos, “este trabalho não
nos haverá de cansar”, citando, em latim, o verso de Virgílio “nec me labor iste
gravabit”, e fazendo alusão à saga do príncipe Enéias, que partira de Tróia
incendiada, para a conquista de um novo projeto a se realizar em outras terras. Foi
uma bela e poética peça oratória e talvez a mais empolgante.
Assim, à luz das atas, das crônicas, do Livro de Ouro e de nossa vivência
pessoal, tecemos aqui essas considerações sobre as academias literárias no Caraça.
Estiveram sob foco aspectos de período de 1945 a 1968. Poderiam ter sido
abordados sob o prisma de outra percepção, dependendo, é claro, da bagagem
cultural e emocional do observador.
De qualquer modo, não é fácil trazer a exame vivências de jovens em uma
academia literária, na profundidade e nos moldes em que elas se concretizaram
num internato religioso como o do Caraça, tal a complexidade dos fatores a que
ficaram submetidas. Afinal, eram jovens simples, entre os 12 e 17 anos, originários,
ou de Minas Gerais ou de outros Estados como Ceará, Paraná e Rio de Janeiro,
trazendo todos suas influências de berço e que deveriam, na época, superar-se em
suas desigualdades, para assimilar com êxito uma formação intelectual advinda de
modelo europeu, mais especificamente do francês.
Seria como transplantar rosas da França para as montanhas de Minas e
pretender que suas pétalas lá se aveludassem nas mesmas cores, com que
41
vicejavam na Europa, apesar das asperezas do nosso terreno e das influências do
nosso clima.
Mas os rapazes assimilaram o aprendizado, enriqueceram-no e o
renovaram com seu esforço e talento. E as academias literárias, tanto a “São
Vicente de Paulo”, quanto a “São Luís Gonzaga”, foram um exemplo ímpar no
processo de aperfeiçoamento intelectual e moral desses rapazes, não só para a vida
religiosa mas, também, para a civil, pois foi naquelas academias que começaram a
praticar e a desenvolver aquelas qualidades e virtudes aprendidas na Escola
Apostólica e que, mais tarde, os tornariam vitoriosos, nas mais diversas atribuições:
no campo social, no político, no magistério, na direção de colégios, em quase todas
as profissões liberais, e no serviço público, em geral. Sob esse aspecto, as academias
literárias do Caraça deixaram, com sua contribuição, um extraordinário legado
para Minas Gerais e para o Brasil.
O Caraça sempre foi um centro educacional de excelência. Desde sua
fundação, tinha por meta preparar alunos para qualquer das instituições de ensino
superior do País. Essa meta estava já consubstanciada no Regulamento do Colégio,
desde 1895. João Batista Ferreira, ex-presidente da Academia São Vicente de
Paulo, assim a garimpou dos arquivos da Congregação da Missão:
“Este Collegio, fundado na Serra do Caraça, Estado de Minas Geraes, tem
por fim preparar alumnos para qualquer das Academias do Brazil”.
Isso, de alguma maneira, ficou plasmado em nosso inconsciente,
perpassando por gerações e vindo afinal aflorar no Hino do Caraça, composto
pelos padres Fracesco Corrao e Anibel Filho, e que assim termina, em lírica
expressão:
“Caraça, és de Minas um farol para a glória do Brasil”.
Adônis da Cunha Ramos
42
Análise Crítica
Entusiastas
desta publicação, João Batista Ferreira e Rômulo
Cavalcante Mota me pediram uma palavra introdutória. Tentei convencê-los de
que outros o fariam melhor, sinceramente, mas... Não aceitaram! Aqui, pois, estou
agradecido pela subida honra!
Quae cum ita sint... Dicam quod sentio (Cícero).
Não me lembrava mais (ando fugindo do alemão – ou austríaco?) de
como funcionavam as Academias São Vicente e São Luís: estrutura, normas, dias
da semana, quem iniciou, quando começaram. Id consilii cepi quod non facile explicare
possum (Cícero). “Quando eu era mais jovem, podia lembrar-me de qualquer coisa,
tivesse acontecido ou não; mas agora minhas faculdades estão decaindo, e, em
breve, só serei capaz de me lembrar das coisas que nunca aconteceram” (Mark
Twain, Autobiografia). Depois... Não gosto muito de escrever. Gosto de ter
escrito! Quando terminaram, sei: com o incêndio naquele ano de outros incêndios,
políticos... Até pensava que o fogo havia devorado aquelas estantes, aqueles livros e
objetos, companheiros nossos diários naqueles salões de estudo e salas de aula,
naqueles tempos imperecíveis na cartografia da memória! Haec olim meminisse juvabit
(Virgílio, En. liv. I, v. 203). Passado distante! Muito vivo, presente, no entanto, em
sua realidade em close-up: CARAÇA.
Figura plana contida
no plano vertical.
Representar em épura
um hexágono regular
abcdef
contido num plano vertical.
De posse dos dados e observações
proceder às operações.
sem anestésicos.
Lucidamente.
Caraça da adolescência, com seus arroubos, fervores e mistérios... Rosário
de devoções e atribulações, surpresas e aprendizados... O tempo, por sobre tudo,
passou, leniente, curando as feridas, deixando, com o óleo e o vinho do bom
samaritano, a CICATRIZ.
esta dor tão sentida
este gosto de fruta
proibida
45
este amor tão calado
esta voz de memória
e pecado
este sonho desfeito
esta herança fechada
no peito
*****
este tempo passado
esta dor redimida
este gosto apurado
este amor sem ferida
esta voz confiante
este sonho acordado
esta herança constante
este peito lavrado
*****
Marcas indeléveis restaram. Algumas, negativas. Mas as positivas, muito mais
numerosas. Assim é a vida: pessoas, fatos e coisas, ícones de uma época, consciente
e felizmente absolvida. Hoje, o tempo se reflete, nítido, na oportunidade desta
REVISÃO.
não tenho contas de engano
que o espelho diário não mente:
o rosto traz
à flor dos olhos e arredores
a verdade do tempo
estampada em confidências
Non scholae, sed vitae discimus. A frase lapidar de Sêneca, gravando, na
gramática latina Ragon, o dativo de interesse, relacionando-se com o autor da ação
– que aprende para a vida, não simplesmente para a escola – Mihi colenda est virtus...
Firmi et stabiles et constantes amici tibi sunt eligendi (Cícero). A regrinha se gravava na
memória do estudante e ia – água mole em pedra dura – lapidando a vida, que
amadurecia no silêncio surdo da repetição.
Como puxar um único fio da meada – as Academias? É todo um
consolidado, monobloco e inconsútil, as várias vozes da composição harmônica e
contrapontística daquela vida, que só entende quem por lá viveu!
46
Vivorum memini Nec possum oblivisci mortuorum... Pe. Antônio de Almeida
Mourão (superior), Pe. Joaquim Sales Coelho (que me levou de Diamantina para o
Caraça, ecônomo), Pe. Francisco Xavier Amaral Guerra (diretor espiritual), Pe.
José Tobias Zico (disciplinário), Pe. Alfeu Custódio Ferreira (professor de francês,
operador cinematográfico, introdutor do futebol), Pe. Luís Jorge Bassil (professor
de matemática, geografia e história do Brasil, calígrafo), Pe. Domingos Oliver de
Faria (professor de história sagrada, latim e francês, disciplinário, que me nomeou
regente no segundo ano), todos já falecidos. E, ainda vivos: Pe. Jorge Xavier de
Oliveira (professor de matemática e caligrafia, regente do coral, dentista), Pe.
Álvaro Barros (meu confessor; me proporcionou bom conhecimento da música
clássica com a discoteca que montou para os alunos) e o Irmão Raimundo
Squárcio (com quem aprendi muito o português, destrinçando o Prontuário de
Análise do Pe. Antônio da Cruz; com ele tirei dois prêmios de português). Cada um
com sua influência benéfica, seu estímulo e dedicação.
“A criança é o pai do homem”. Verso do poeta inglês William
Wordsworth, citado por Machado de Assis (meu nome na Academia S. Vicente):
“Cresci; e nisso é que a família não interveio; cresci naturalmente, como crescem as
magnólias e os gatos... Um poeta dizia que o menino é pai do homem. Se isso é
1
verdade, vejamos alguns lineamentos do menino...” . O primeiro mês. De choro
debaixo das cobertas, quando a luz do dia se ausentava e as trevas da saudade
vinham habitar-me o pensamento... As primeiras aulas e exercícios, tempos longos
em que frequentemente refazia o percurso de volta para casa, o trem rompendo os
trilhos e varando os túneis, reproduzidos no livro de português (naturalmente,
FTD). O primeiro ensaio de cantoria, descoberta de verdadeiro oásis, com poço e
roldana para o serviço da alma. A primeira leitura de notas. Afinal, o mês passara e
foi gratificante colher aqueles frutos da árdua lavoura. O primeiro caqui. Delicada
satisfação de uma curiosidade há tanto tempo acalentada. A primeira missa solene.
De Galupi, na Semana Santa. Ogivas e vitrais, arco-íris caindo pelo santuário, o
incenso rezando na memória. Os primeiros exames, escritos e orais. Alicerce
inicial de interminável construção. As primeiras férias... Engenho! Éramos todos
“engenheiros” naquela inventiva quadra adolescente. Quem de nós não se lembra?
Primeiro, desciam os não-cantores, que aprontavam a casa, o campo e tudo,
desfrutando as delícias do pomar que os aguardava. Os cantores ficavam no
Caraça, a preparar a festa de Corpus Christi, colorida de desenhos pelo chão e sons
característicos que ainda perduram nos sinos da memória. Arquitetávamos
surpresas nas arapucas espalhadas ao redor da casa e da imaginação,
s e m i m a g i n a r q u e o u t r a a r a p u c a s e a r m ava . . . O E n g e n h o,
ve r d a d e i r o é d e n , s e t o r n a r i a , u m d i a , u m p a r a í s o p e r d i d o.
Primeiro ofício: roupeiro. Inesquecível aquele dia em que o disciplinário,
1 “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, cap. XI
47
avisado pelo regente, acendeu, inesperadamente, as luzes do dormitório dos
grandes e convocou os roupeiros, que dormiam em camas altas, diferentes das dos
demais, no canto do dormitório, que não mais existe. E foi aquela descompostura.
Fomos ficar de joelhos, à porta do quarto do disciplinário, Pe. Tobias. A lua
cúmplice caía inocente sobre as camas e as grossas paredes de pedra. O primeiro
Natal! Um mês de preparação, a salmodia bem ensaiada. Matinas e Laudes
precediam a missa solene. Perosi, Galupi, Frei Pedro Sinzig, Palestrina e tantos
outros. Luzes e músicas moldando o espírito e fabricando lembranças. Primeiro
ano do menino.
De muita importância foram algumas atividades: os concursos, aos
sábados, que classificavam os alunos, nas várias matérias, para a premiação no final
do ano. Os exercícios das diversas disciplinas, à noite, em cadernos que os
professores recolhiam, corrigiam, dando nota, e comentavam em sala de aula. A
leitura durante as refeições, oportunidade rica de treinamento e aquisição de
cultura. Quem não se lembra? “Os Muckers”, “Nicolau II, o prisioneiro da
púrpura”, “José Fouché”, “A Canção de Bernadette”, “O último olhar de Jesus”,
“Um repórter dos tempos de Cristo”, “Vítima do dever”, “Guia sentimental do
Caraça” (ainda em folhas), “Dos Apeninos aos Andes”, “Sermões do Pe. Antônio
Vieira”, “O cão dos Baskerviles”, “Coração” e tantos outros. E os livros didáticos?
“Arte da composição e do estilo”, “Othoniel Motta”, “Gramática expositiva”
(explosiva!), “Textos para corrigir” (de Waldomiro Potsch, ex-aluno do Caraça),
“Prontuário de análise gramatical e lógica”, “Epítome”, “De viris illustribus”,
“Cícero”, “César”, “Virgílio”, “Horácio”, “Ovídio”, “Ragon”, “Halbout”,
“Jônatas Serrano”, “André Chénier”. Os Cadernos de Sinônimos do Pe. Vale e de
Regras de Português, que passavam de mão em mão. E o Júlio Verne, nas férias, o
Tesouro da Juventude? Havia textos antológicos, que admirávamos, decorávamos,
recitávamos e imitávamos: “Última corrida de touros em Salvaterra” (Rebelo da
Silva), poemas de Guerra Junqueiro, Castro Alves, Olavo Bilac, Raimundo Correia,
Gonçalves Dias e outros. Era muito comum o professor ler um conto de bom
autor (clássico) em sala de aula e pedir que o reproduzíssemos, como exercício.
Loquendi elegantia augetur legendis oratoribus (Cícero). Cantoria, Banda, Teatro,
Discoteca. Tudo isso iluminando a imaginação adolescente, fermentando o mosto
de preciosas uvas que se tornariam vinhos brancos, tintos, secos, suaves, frisantes,
espumantes, aveludados, todos generosos, envelhecendo densamente e
enriquecendo as adegas da cultura mundo afora.
Todo esse universo da construção emocional, moral, intelectual se refletia
nas Academias: a arte de viver reproduzida na arte da escrita, da linguagem, da
retórica. ESCRITURA.
O que mal resolvido
fica
48
para trás
vai-me deixando
calado
pela vida
escrever é terapia
e faz parte do processo
de recomposição de meus pedaços
Vivência, imagens que retornam no fluir da vida. POÉTICA.
invento de novo a vida
vivendo na tarda tarde
a imagem repercutida
na fuga da realidade
Objetos, recordações, paisagens, lembradas, recriadas. POÉTICA.
Retratos, papéis antigos...
O que ficou de saudade:
Garimpos adormecidos...
Entre o sonho e a realidade
Recrio mundos perdidos:
Invento de novo a vida
Ouvindo as pedras do rio...
Com as lições de casa, no aprendizado da vida, a contemplação da
natureza era oportunidade de exercício para a apresentação na Academia. TARDE
E SAUDADE.
A tarde morre envolta de tristeza!
Pranteia o ocaso em lágrimas de prata
de ouro de rosas sobre a verde mata
o dia findo cheio de incertezas!
Canto dorido invade a tarde calma.
Que coisa triste! Resistir quem há-de
ao cantochão pungente da saudade
a murmurar silente em nossa alma?
49
Descamba o sol atrás da grande serra
plácida sombra vem cobrindo a terra.
Choram cascatas, mas quem pode vê-las?
Tristonha e lenta a noite vem descendo
e o céu azul se vai escurecendo
soluça a lua um pranto de estrelas!
Nas comemorações de datas significativas, as sessões lítero-musicais. DIÁLOGO.
Ó mãe amada, já que não existes
porque te foste embora e me deixaste
ouve ao menos meus suspiros tristes
que desabrocham como a flor da haste.
Quero saudar-te hoje, ó mãe querida,
dizer-te algo do que o peito encerra.
Se eras sorriso doce nesta vida
lágrima és que brilha sobre a terra.
Deixa que o pranto fale a sós contigo
deixa a saudade murmurar comigo.
Ouve, ó mãe, meu peito agora arfante.
Role o soluço pela triste face
cante a saudade de mansinho e passe.
Sorri, ó mãe, ao filho soluçante.
Pe. José Tobias Zico, em seu livro “Caraça: Peregrinação. Cultura e
Turismo” (4ª edição, 1982, pg. 87), falando das atividades extra classe, registra a
existência das academias literárias: “Academia Nossa Senhora Mãe dos Homens”,
no tempo do Pe. Francisco Silva (1906); e, na Escola Apostólica: “Academia
Caracense”, sob a direção do Pe. Antônio da Cruz; “Academia dos Desabusados”,
mais tarde batizada de “Academia São Vicente de Paulo”, fundada pelos alunos
dos anos superiores que não tinham conseguido entrar na “Academia Caracense”,
e a “Academia São Luís” – à qual pertenciam os alunos dos anos inferiores – cuja
criação teria sido incentivada pelo Pe. José Luís Saraiva, aniversariante no 25 de
agosto, dia de São Luís.
As sessões das academias realizavam-se na Varginha, nos dias feriados.
Tinham sede própria, a “Casa”, de construção rústica: peças de candeia e bancos
de bambu, à sombra das ár vores, “sub tegmine fagi”.
50
Oradores imitando Demóstenes ou Pe. Vieira; declamação de poesias, próprias ou
de outros autores, em português, latim, francês, grego. Mais tarde, as sessões
solenes aconteciam no Colégio. No meu tempo existiam apenas as academias “São
Vicente” e “São Luís”.
A atividade que se desenvolvia nas academias – objetivo, sentido, razão de
ser de sua criação e cultivo – era a retórica: eloquência, oratória, exercício do uso
persuasivo da linguagem no treinamento de oradores, cujo instrumento de
trabalho é a linguagem, e linguagem literária, convincente.
Essa atividade acadêmico-literária surge, floresce, com muita
naturalidade, num sistema de estudo/educação como era o do Caraça,
colégio/seminário: Curso de Humanidades, estudo das letras clássicas, no espírito
dos humanistas da Renascença, que ressuscitaram o culto das línguas e literaturas
greco-latinas.
Alceu Amoroso Lima, em seu livro “Voz de Minas” (Agir, 1946), em que
procura interpretar o povo mineiro, em sua psicologia, sociabilidade, cultura e
espiritualidade ressalta o papel do Colégio do Caraça, considerando-o, a partir de
seu Estatuto, como “paradigma da mais autêntica educação mineira (...) um
modelo de verdadeiro humanismo pedagógico (...) visava formar homens de bem
e não apenas máquinas de saber ou canudos com um diploma (...) sob cujo espírito
se formaram as elites mineiras por todo o século passado” (pags. 124, 130, 172). E
continua: “Os mineiros se encaminham muito para as profissões liberais (...) mais
procuradas que as econômicas (...) Há duas vocações, cuja dignidade excedida
junto ao povo mineiro a de qualquer outra – a sacerdotal e a política. Sacerdote e
político foram, por muito tempo, as duas posições mais altas a que aspiram os
mineiros das classes médias, que são sempre as mais representativas do homem
normal” (pags. 134-135). E, justamente, sacerdotes e políticos são profissionais
em cujo instrumento de trabalho o uso persuasivo e convincente da linguagem é de
grande importância. E o Pe. José Tobias Zico, em seu livro “Caraça: Ex-Alunos e
Visitantes” (1979, pags. 103, 104 e 105), registra: “... 28 altos postos do Governo –
Presidência e Vice-Presidência da República e dos Estados – foram ocupados, no
espaço de um século, por ex-alunos do Caraça. E até pouco, no cenário político
brasileiro, se sentia a influência do brilho destas “estrelas”, algumas delas, notáveis
estadistas... nos colégios e seminários dirigidos pelos padres vicentinos da
Província Brasileira da Congregação da Missão, mais conhecidos por lazaristas,
estudaram cinco Presidentes da República, três Vice-presidentes da República,
vinte e cinco Presidentes ou Governadores de Estados, sete Vice-presidentes ou
Vice-governadores do Estado de Minas Gerais e mais de 200 Senadores ou
Deputados, uma vez que só o Caraça apresenta 111. A estes números acrescentemse, como fruto próprio dos seminários, uns dois mil sacerdotes e 128 bispos para as
dioceses do Brasil”. E ainda poderia lembrar ex-alunos mais recentes dos colégios
São Vicente do Rio e de Irati (PR).
51
Não podemos, portanto, falar das Academias, de sua importância e
eficácia – e, ao longo de minha exposição, procurei frisar bem isso – sem lembrar
todo o conjunto da educação humanista, em última análise, jardim e regador desses
canteiros onde floresceu/floresce a palavra, instrumento de trabalho do padre, do
político como também de tantos profissionais da comunicação, profissionais
liberais e profissionais da arte em geral.
Terminando, resta-me dizer, agradecendo, mais uma vez, a honra: Res fuit
mihi magni laboris, mas Ex reminiscendo capitur voluptas. Tentei mostrar, de maneira
ampla e muito pessoal, o que era para nós, até mesmo inconscientemente, a
instituição Academia na aurora de nossa vida: pedra angular.
Tempora labuntur, tacitisque senescimus annis
Et fugiunt, freno non remorante, dies (Ovídio)
*****
Recorrendo à história, encontramos quanto à retórica:
Lísias (440-380 a.C.) – estudou retórica com Tísias na Magna Grécia. Por
seu estilo e ofício é um verdadeiro e autêntico escritor ático. Incluído no cânon
pelos Alexandrinos.
Isócrates (436-338 a.C.) – Fundou uma escola de eloquência/retórica,
cuja técnica explica teórica e praticamente, podendo ser considerado o primeiro
professor de humanidades.
Ésquines (390-314 a.C.) – Um dos maiores oradores da Grécia, rival de
Demóstenes.
Demóstenes (384-322 a.C.) – Considerado o príncipe dos oradores da
antiguidade. Para vencer a deficiência de articulação das palavras, dizem que
exercitava-se declamando longos discursos com pedras na boca, à beira-mar,
esforçando-se por dominar, com sua voz, o fragor das vagas. Seu discurso mais
conhecido é a “Oração da coroa”, que levou à absolvição de Ctesifonte. Tido por
Cícero como o ideal da eloquência.
Sofistas – Especulativos, práticos, relativistas, habilidosos em sua arte,
vaidosos, com muita aceitação entre os jovens. Uma de suas máximas, definidora
de sua arte: “saber apresentar como verdadeiro um argumento falso e tornar fortes
argumentos fracos”. Tudo com singular virtuosismo no uso da palavra, com muita
eloquência.
No século II, ensinando na Itália, grande era o número de retóricos
gregos, aos quais se juntaram os latinos, espalhando-se assim, rapidamente, a
52
retórica.
Cícero (106-43 a.C.) – Foi o único grande orador que expôs a teoria de sua
arte, pormenorizadamente. Suas mais notáveis orações: “Pro Milone”,
literariamente seu discurso mais famoso, “Filípicas”, “Catilinárias”, em número de
quatro, “Verrinas”. Com elas levou ao apogeu a retórica latina, que teve como
modelo seu estilo.
Retórica: Estudo do uso persuasivo da linguagem, em especial, para o
treinamento de oradores. Cinco são suas partes:
Inventio: descoberta de argumentos;
Dispositio: arranjo das ideias;
Elocutio: descoberta da expressão apropriada para cada ideia, inclui o
estudo das figuras ou tropos.
Memoria: memorização do discurso.
Pronuntiatio: apresentação oral do discurso para uma audiência.
Geraldo Humberto Venuto da Silva
NOTA DOS ORGANIZADORES:
Platão fundou a primeira Academia de que se tem notícia.
Aristóteles mudou a estrutura, criando o Liceu, onde se dava grande
ênfase à oratória.
Em 1635, em Paris, abriu-se a primeira Academia, segundo o modelo
grego, para o cultivo das letras e o exercício da oratória.
O francês Olivier Patrus, advogado, em 1641, ao ser empossado, pediu a
palavra dizendo: “acostumado a falar, não posso me calar agora”. E fez um belo
discurso.
A partir daí, criou-se o costume de o eleito para uma Academia tomar
posse proferindo um discurso.
53
Livro de Ouro da
Academia São Luis
Discurso feito em uma sessão simples, pelo distinto presidente da
Academia S. Luiz Rei de França.
Q ue o campo da Lampadosa narre aos brasileiros o triste drama de tão
memorável dia.
Vinte e um de abril de 1792 vive ainda, em cada coração brasileiro, qual
violeta a expargir odor, não obstante quase dois séculos dele nos separe. Joaquim
José da Silva Xavier, cognominado Tiradentes, já não mais podia ver o gigante das
Américas viver sonhando com uma liberdade que, talvez, o destino lhe podia dar.
Atirou-se, então, na luta, de corpo e alma. Compreendia que os filhos da Terra de
Santa Cruz queriam ardentemente a liberdade. Sonhavam viver, quais pombas
inocentes, a singrar os verdes ares de uma terra radiante de luz, de alegria e de
liberdade! Em breve, encontra adeptos. Homens que, animados por nobres
sentimentos patrióticos, viam através das cortinas lusitanas um futuro próspero e
ditoso! Mas, entre rosas, dizem, há espinhos! Também entre bons, vivem maus.
O plano já estava traçado. Portugal dormia calmo e solitário às margens
do velho continente, embalado pelo Oceano Atlântico. Viviam, contudo, aqui na
colônia, portugueses que nos oprimiam. Era, pois, necessário que uma voz forte,
capaz de manter impoluta a dignidade do Brasil, se fizesse ouvir. Mas o sono de
Portugal não podia ser eterno. Despertou, qual rainha soberba, a oprimir sua
escrava. Os filhos da escrava, porém, movidos de amor por sua mãe exclamaram:
"Basta, afinal, de tanta deslealdade. Vamos. Lutemos e ficaremos libertos". Bem
curto é o ditado que diz: "Quando se ama não se poupa sacrifício". O amor era o
único sentimento que tinha lugar nos corações brasileiros. Eis que aparece um
traidor e lança por terra todo o edifício já delineado. Agitações por toda parte. As
esperanças bruxuleiam. Em breve, a notícia corre: "Tiradentes acaba de ser preso,
juntamente com os principais partidários". Aí está ainda incompleto o belo drama:
"O mártir da Independência, que teve como cenário as matas virgens de Minas
Gerais". Minas, a filha predileta da Terra de Santa Cruz, deste Brasil gigante, quer
dar à história o primeiro e mais belo exemplo de patriotismo. A Rainha D. Isabel
perdoa aos outros conspiradores, mas, a Tiradentes não. Parecia que ela desejava,
ao negar o perdão a Tiradentes, plantar na cruz erguida por Frei Coimbra, no dia da
primeira missa, o mártir da Independência. Tiradentes, D. Isabel, não precisava de
vosso perdão. Ele deixou-se apaixonar pelo Brasil. Ele queria ver nascer de seu
sangue um ramo de esperança para o futuro.
57
O cadafalso armado estava no Campo da Lampadosa. Era o trágico dia 21
de abril de 1792! Ao longe, ouviu-se o som de clarim. Aos poucos, aproxima-se
mais. Emfim, chega. Estamos ante o altar da liberdade. A vítima vai ser imolada
como castigo dado pelos portugueses, mas, como glória para abrir as primeiras e
mais encantadoras páginas da história do Brasil. Tiradentes não tem o semblante
triste. Pelo contrário, traz nos lábios um doce sorriso. É dado o sinal. Ele lança, pela
última vez, para aquela terra que ele tanto amou e ainda balbucia: "Liberdade!"...
Até a natureza parecia querer protestar! Cada coração brasileiro vomitava, nesse
dia, uma explosão de ódio contra a monarquia. Morreu Tiradentes. E seu sangue
regou a muda da liberdade que, hoje, árvore frondosa, acolhe sob sua sombra todo
este hercúleo Brasil! - Tenho dito.
Francisco Salles Nunes
58
Livro de Ouro da
Academia São Vicente
Academia São Vicente
Acadêmicos de 1945
Francisco Braga: Presidente
Lélis Ferreira: Vice-presidente
Sinfrônio Jota: Primeiro Secretário
José E. Chaves: Orador oficial
José R. Pires: Segundo Secretário
Valci Resende: Bibliotecário
Hélcio Ragazzi: Zelador
Demais acadêmicos: Batista, Lara, Lins, Moreira
No dia 20 de Maio, festa de Pentecostes, às 10 horas, realizou-se, na aula
do 2º ano, uma sessão muito importante na vida da Academia. É que se tratava da
eleição dos seus novos membros.
Aberta a sessão com a Leitura da Ata, começaram os discursos. Falou, em
primeiro lugar, o Sr. Sinfrônio que nos deu uma noção exata sobre o Padre, “Alter
Christus”.
Em seguida, discursou o Sr. Francisco, patenteando-nos, em suas frases, o
seu sincero amor à Academia. Logo após, o Sr. Lélis nos bordou algumas
considerações muito interessantes sobre o mártir da “Independência do Brasil”,
Tiradentes. Depois o Sr. Moreira galgou os degraus do púlpito e inflamou-nos os
corações, com o seu discurso sobre a “bandeira missionária”.
Livre a palavra, subiu ao púlpito o Sr. Lins. Tivemos, então, o prazer de
ouvir suas palavras mui singelas sobre a orfandade da Academia. O ex-presidente
atual Sr. Chaves quis fazer, então, as eleições, conforme prescrevem as regras da
Academia. Mas a voz do sino chamou os pontuais “Filhos de Maria” para o ofício,
sendo eleitos para presidente o Sr. Francisco e para vice-presidente, o Sr. Lélis,
aquele com 4 e este com 5 votos. Ficou, pois, para a próxima sessão, a eleição dos
outros cargos.
*****
Foi no dia seguinte, 21, segunda-feira, que o Sr. Presidente reuniu os
acadêmicos para a eleição dos outros cargos. Tais foram os resultados:
Primeiro Secretário: Sinfrônio, com 3 votos;
Orador oficial: Chaves, com 8 votos;
Segundo Secretário: Pires, com 6 votos;
Bibliotecário: Valci, com 3 votos.
*****
61
Vendo o Sr. Presidente a necessidade que se tinha de um acadêmico que
zelasse pela boa ordem na Academia, resolveu eleger, livremente, sem votação, um
Zelador. Este cargo, então, foi confiado ao Sr. Hélcio Ragazzi.
*****
E, assim, estavam eleitos os membros que deveriam trabalhar, com todo o
ardor, pelo progresso desse nosso pequeno grêmio!!!
Discurso do Sr. Presidente
Eis que, já de pé, bem firme se acha o edifício da nossa mui querida
Academia S. Vicente. Eis que, depois do proceloso inverno de um longo sono,
volta, de novo, essa branca pomba, ao ninho das esperanças.
Quantas vezes a nauzinha da Academia, batida pelos ventos de ferozes
tempestades, não naufragou no mar revolto do desânimo!... Mas singra, serena,
agora nas mansas ondas das boas disposições... E os seus filhos todos se
encontram aparelhados, destemidos e corajosos para desferir a luta contra os
obstáculos que se depararem à frente dos nossos ideais.
Também estão preparados para trabalhar, ardorosamente, pelo bom nome do
nosso caro grêmio. Em nossos corações juvenis corre um novo e fervente sangue,
em nossa mente campeiam sublimes pensamentos e, em nossos corpos, eclode,
repentinamente, nova e robusta vida. Tal é a vida da Academia.
Faz pouco tempo, estava ela mergulhada ainda no desalentado e triste
sono do desânimo e lançada, sem razão, no mais completo esquecimento que a
embuçava em seu negro albornós. Faz pouco tempo que soluçava em pranto que,
em vão, se perdia por sobre o atro peito da indiferença.
Acenava suplicante a seus filhos, por ela tão amados, e eles a desprezaram,
injustamente. Chamava, gritava por eles... tudo em vão...
A insensibilidade lhes campeava, solitária, por sobre o coração... E eis que,
sem vida, cai por terra a Academia... morta!... Soterram-na os dias... Passam-se os
meses... Tudo se acabou!...
*****
Nós, porém, os atuais acadêmicos, tomados de amor e compaixão
pela nossa falecida associação, resolvemos despertá-la desse tão longo
e cruel sono. E o fizemos. E eis que, até hoje, nos viemos esforçando,
heroicamente, para não a deixarmos ser novamente lançada na voragem do
desalento nem ser coberta pelas trevas do desalento. Com o auxílio de S. Vicente,
seu protetor, nossos esforços serão coroados. E é de desejar, é de esperar que o
62
vendaval tempestuoso do desânimo não varra jamais as nossas boas disposições.
Trabalhemos com ardor, caros acadêmicos, suportemos, aequo animo as
dificuldades e os dias de amargura e podemos ficar certos de que a Academia há de
prosperar e será glorioso o seu porvir!... Mostremos a nossa boa vontade e o nosso
zelo por ela e tudo correrá bem.
Se formos, agora, bons acadêmicos, cumpridores do nosso dever,
seremos, mais tarde, bons padres, bons filhos de S. Vicente. Colheremos,
futuramente, os frutos de então. E se não plantarmos, desde já, os frutos de
amanhã!... Heu! Heu! Fugaces labuntur anni!
Trabalhemos, trabalhemos perseverantemente e venceremos os
obstáculos: Labor omnia vincit improbus. Só assim é que a nossa querida Academia
poderá prosperar e, prosperando, chegaremos ao apogeu dos nossos mais ardentes
ideais!...
*****
Sim, querida Academia S. Vicente, os teus filhos estão dispostos a tudo
fazer por ti. Em nosso peito, teu nome doce e suave, como a prece ardente, há de
agasalhar-se e nas duras lutas da vida jamais te esqueceremos! Descansar,
placidamente, sob o coro das boas disposições dos teus amados filhos! Fita o céu
das esperanças, confia neles e eternamente viverás!!!
Fim
Francisco Braga
Presidente
Discurso do Sr. Vice-presidente
Encarregado, na última sessão, de fazer um discurso, quero, hoje, falar-vos
sobre o ideal.
O ideal, vou tentar defini-lo, é a meta que alguém se propõe atingir e para a
qual convergem todos o seus esforços. É a bússola de nossa vida.
O homem sem ideal é um homem sem convicção, nulo na sociedade,
desnorteado na vida, inconstante, que pende para onde sopra o vento dos
interesses e das paixões.
Pelo contrário, o que traz o ideal fixo na mente tem sempre um norte na
vida, vê sempre cintilar, diante de si, a estrela favorita que o guia pela senda lúgubre
de seu desterro sobre a terra, enfrenta, de fronte erguida, o furacão demolidor dos
reveses, como o sopro favorecedor da fortuna.
63
Ao atravessarmos o oceano da vida, todos nós temos um ideal a atingir: é
o céu. E quantas pessoas, caros acadêmicos, não naufragam, antes de atingirem o
porto da salvação!
Basta que sombrias nuvens toldem os horizontes de suas esperanças, que
sopre um vento mais forte, para que a barquinha de sua vida vagueie, a esmo,
batida pelas vagas impetuosas das paixões e do desânimo.
E oscila ela errante por sobre as águas até que a engula a garganta hiante de algum
sorvedouro. Assim é a vida de quem não crê em Deus, no destino transcendente
da alma.
Isso, porém, não pode acontecer a católicos e muito menos a nós,
seminaristas que pretendemos, sinceramente, consagrar-nos a Deus.
Nossa existência encerra algum sentido, é norteada para Deus.
Lá está, na outra margem do oceano, o farol luminoso da fé a nos orientar no mar
revolto da vida. Ulule o vento, embraveçam-se as ondas, surjam as procelas, pouco
nos importa: diante de nós, temos sempre o brilho daquele gigantesco farol que,
sobre a superfície das águas, projeta o brilhante caminho – o caminho ao
sacerdócio – que devemos trilhar para chegarmos à pátria bem aventurada – o
céu!!!
Lélis Ferreira
Vice-presidente
Discurso do Primeiro Secretário
Vinte e cinco de Dezembro! Ó dia grande! Ó dia Santo! Ó dia belo! Ó
querido dia de 25 de Dezembro!...
Milhares de séculos decorreram desde a queda dos nossos primeiros pais,
ocultos pelo véu da Justiça de Deus e da escravidão. O céu estava desligado do
mundo e o mundo do céu.
Ó ventura perdida!... Ó felicidade esbanjada!... Ó fatal imprudência dos
nossos pais!... Ó nuvens, dispersai-vos! Ó negra barragem, parti-vos! Deixai-nos
ver o céu!... Ó céus, mandai-nos o Salvador!
Assim gritava o mundo perdido, assim clamavam os pecadores.
Vinte e cinco de Dezembro... Já é noite. O céu pintadinho de estrelas, o
vento acalmado. O silêncio reinava, tudo em prece. Dois pastores amigos o
rebanho querido alegres guardavam. Cães fiéis passeavam, guardando os
rebanhos, guardando os rebanhos dos seus caros amos.
E a noite chegava, cada vez, cada vez mais bela. Os pastores, recostados
na úmida relva, contemplavam a abóbada celeste. Lá embaixo, na esplanada, calmo
e branco dormia o rebanho.
64
Súbito, estranha luz envolve-os, deixando-os atônitos e medrosos. Tratam
de fugir, mas uma voz argentina os detém: “Calma, amigos! Não temais! É do céu
que vos trago esta boa nova: Eis que chegou a hora da Redenção. O filho de Deus
se fez homem para salvar os homens. E pequeno, mimoso e belo, está reclinado em
uma mangedoura na próxima estrebaria!”
Dito isso, desapareceu, enquanto vozes entoavam o cântico de triunfo:
“Gloria in excelsis Deo!”
Os pastores entreolharam-se, calados e aflitos. Em seguida, foram ver o
rebanho. Tudo em ordem... Tudo em completa harmonia. Com os corações a
transbordarem de alegria, partiram.
Lá estava o Menino Jesus, contente, redondo e mimoso, envolto apenas
por uma faixa branca em um presépio forrado de palha.
Ao seu lado, Maria e José oravam, recolhidos, silenciosos, àquele
pequenino Deus de bondade.
Vinte e cinco de Dezembro! Jesus nasceu para nos salvar. O próprio Deus
ofendido, sofrendo por nós, pecadores e miseráveis. Ó grande amor! Ó amor
infinito! Vamos compreender está bondade, esta misericórdia de Deus?!...
Que Jesus nasça também em nossos corações! Que ressoe também, em nossos
peitos juvenis, o cântico de glória: “Gloria in excelsis Deo”!!! E, juntamente, digamos,
reconhecidos, no âmago ao nosso coração: Ó Jesus menino.
Deus onipotente,
Que amo eternamente,
Soberano Rei
Em vossas mãozinhas
Entregar-me quero;
De vós, tudo espero,
Tudo alcançarei!!!
Sinfrônio Jota
Discurso do Sr. Lins
Primeiro Secretário
Diem perdidi (perdi o meu dia).
Eis, nessas duas palavras de Tito, o germe dos humildes pensamentos que
nos hão de entreter alguns momentos.
Entre muitos malvados imperadores que ocuparam o sólio de Roma,
surge no entanto a bela figura de um nobre e digno imperador: Tito. Diz-nos a
história que foi ele um dos soberanos que mais sinceramente procuraram aliviar os
sofrimentos do povo; e, sobre ser compassivo, era sobretudo inimigo da
ociosidade.
65
Era isso que o levava a bradar: “Diem perdidi”. O dia em que não fizesse
algum bem era, para ele, um dia perdido. Sim, era amigo do trabalho mais elevado:
fazer o bem, praticar boas ações. Mas, afinal, que aproveitaremos das palavras de
Tito?
Tudo, no mundo, tem mais ou menos sua razão de ser e não foi, pois, em
vão que elas aqui entraram. A memória dessas palavras nos servirá de espantalho à
preguiça. Está claro que aqui não se trata da preguiça em si, pois então era o caso de
dizer: o domingo é um dia perdido. No domingo não se trabalha para o mundo.
Honra-se a Deus e praticam-se, infalivelmente, tantas boas obras que o
pensamento de Tito não convém ao domingo. Nos demais dias da semana, sim;
pois, além do dever que temos de cumprir, podemos, contudo, fazer algum bem a
que não estamos obrigados. Aqui, então, é que entram os bons atos livres, pois,
fora disso, qual o homem, normal em todo o ponto de vista, que teria a coragem de
passar o dia todo de braços cruzados?
Tenhamos, portanto, o cuidado não somente de evitar a preguiça, mas
ainda de praticar sempre, ao menos, uma boa ação por dia. O dia em que não
fizermos algum bem não será um dia perdido, mas, o dia em que fizermos, será
duas vezes ganho!
Viva o dever!
Vivam as boas ações!!!
Poesia recitada pelo Sr. Presidente
O Caraça
Num berço doirado, o Caraça nitente
Descansa, silente, no topo da serra,
Com o nome ilibado, de eterna memória,
Cantando, na história, as grandezas da terra
A casa branquinha, qual pomba gigante,
Abrindo, distante, suas asas enormes,
Parece p’ro vôo estar sempre disposta,
No rumo da encosta das serras informes.
Soberbos, garbosos, no pátio os coqueiros,
Quais fortes guerreiros, alinham-se em fila...
E os rijos coqueiros inclinam-se lassos.
Se acaso, em seus braços, o vento sibila...
66
Se o sino repica, na torre altaneira.
Seu eco, em carreira, percorre as quebradas
E a torre branquinha, qual cândida vela,
Enfrenta a procela, não teme as lufadas...
*****
Caraça sinfônico, em ti, tudo é ledo
E brinca um segredo, na voz das ribeiras...
Nos montes, as palmas, nos campos, as flores
De todas as cores, se ostentam fragueiras...
São mais cristalinas as águas dos rios
Que ao som dos seus trios, serpeiam nos prados
E as matas virentes, galgando as montanhas
Nas negras entranhas se embrenham sem brados.
E quando, na serra, da crespa cascata
As harpas de prata seus hinos entoam,
Envolvem-se os ares de vagos rumores
E grandes fulgores no espaço se escoam...
Se a tarde, serena, já vem desmaiando
E o sol se toldando nas sós cordilheiras,
Das aves se calam os doces gorjeios
E os calmos meneios das verdes palmeiras...
E neste silêncio dos ermos calados,
Nos ermos, nos prados, a noite campeia...
E a lua de prata eclodindo, mimosa,
Qual flor donairosa, o Caraça prateia...
E tudo repousa, num calmo descanso,
Enquanto, de manso, sibilam aragens...
E as serras cintilam, e os montes azulam
E as sombras pululam por estas paragens...
*****
Num berço doirado, Caraça nitente,
Descansas, silente, no topo da serra,
Com o nome ilibado, de eterna memória,
Cantando, na história, as grandezas da terra...
67
A terra de Minas te deve, ó Caraça,
Da límpida raça, a melhor geração,
Que teve, no peito, esta terra guardada
E em ti, a morada, do seu coração...
Que a fama te eleve mais alto que os astros,
Deixando, quais rastros, de ti glórias mil
E sempre te cantem as glórias, os brilhos,
Os pósteros filhos do nosso Brasil!!!
Fim
Francisco Braga
Discurso do Sr. Presidente
Comprazo-me hoje em entreter-vos alguns instantes, bosquejando-vos
alguns traços históricos da nossa mui querida Academia.
É um assunto que pouco ou nada tem sido explanado pelos atuais
acadêmicos, mas que é assaz interessante para ocupar-vos uns poucos momentos.
A isso me abalancei, levado somente pelo profundo amor que voto a esse
simpático grêmio.
*****
Rezam lá as crônicas daqueles tempos que nada, no velho Caraça, teve
origem mais poética do que a Academia S. Vicente de Paulo. Há 10 anos, seis
jovens destemidos ergueram este belo edifício que, hoje, como um possante farol,
projeta a sua luz irradiante sobre as páginas do grande livro de nossa vida de
Apostólicos.
Não há dúvida, eles enalteceram este regaço e poetizaram este recanto.
Foram seis figuras que, em seus rastros, nos deixaram ecos de entusiasmo e de
amor a este grêmio.
E, desde então, velejava levemente no mar do entusiasmo, o batelzinho da
Academia. No púlpito, dos corações juvenis dos acadêmicos, corações ardendo de
vibração, peitos lampejando de amor, só se ouviam palavras de alegria, rasgos de
entusiasmos, eloquências palpitantes.
E tudo sorria, na flor da alegria, no seio seleto, remanso dileto do nosso
regaço.
68
E, até 1942, veio a Academia desfrutando esses dias maravilhosos em que
tudo parecia indicar um porvir, bordado de esperança, semeados de febris
entusiasmos.
E eis que a sessão de despedida dos sextanistas, Monteiro e Belchior, seu
ilustre presidente, que partiam rumo a Petrópolis, foi como que o derradeiro grito,
prorrompido do peito, antes tão cheio de vida dessa nossa dileta associação.
Estava, assim, morta a Academia. E os acadêmicos que aqui ficaram
acabaram por cobri-la com a letal mortalha do desânimo.
*****
Houve ainda algumas pulsações de entusiasmo – como que gritos de
contrição – no peito dos sócios que a deixaram morrer, quando, quatro anos atrás,
alguns deles tentaram soerguê-la do desalentado sono em que fora sepultada. Foi,
porém, uma esperança que breve se desfez.
Passados esses rasgos de entusiasmo, de novo, ruiu por terra esse
esplendoroso edifício que até pouco tempo as névoas do passado não tinham
logrado empanar.
E nesse contínuo titubear entre a vida e a morte nesse longo vaguear
pelos páramos do desalento, surgiram, enfim, em 1944, três membros corajosos
que ressuscitaram a Academia do profundo sono que dormia e nela despejaram
vivificante seiva que nos vem reanimando ao seu contato.
E o que hoje é o nosso grêmio, devemos, falando patentemente, somente
ao infatigável zelo do Sr. Chaves, de saudosa recordação, em cuja administração a
Academia gozou dias em tudo semelhantes aos seus primeiros dias de existência.
*****
Aqui está, em síntese, a história da Academia S. Vicente desde a sua
fundação, até os dias que atualmente atravessa.
E, findando, quero expressar-vos o meu sincero desejo de indigno
presidente dessa associação a todos vós, mas sobretudo àqueles que aqui vão ficar
após a nossa partida para Petrópolis. É de que não deixeis a Academia ser
mergulhada nas trevas do esquecimento e do desânimo. “Macte animo, generosi
dodales sic itur ad astra ”!!
Francisco Braga
Presidente
69
Discurso do Sr. Vice-presidente
Neste momento em que as numerosas facções políticas ainda se disputam
a primazia da nação, ocultando muitas vezes os mais mesquinhos interesses sob o
véu do patriotismo, nós seminaristas, jovens sonhadores, não podemos ficar
indiferentes à luta que se trava na arena política da pátria.
Palpitantes de generosidade e entusiasmo, queríamos alçar também o
nosso estandarte, bradar ao Brasil inteiro que também nós o amamos, que também
lutamos por um ideal, que também temos patriotismo. Então, entre os matizes das
bandeiras desfraldadas, haveria de tremular o nosso pavilhão em que a divisa Deus,
Pátria e Família seria os três elos que formariam a corrente indissolúvel, a única
capaz de unir os corações de todos os brasileiros e refrear, assim, as forças de
desagregação nacional.
Sim, caros colegas, é belo, muito belo alentar no peito semelhantes rasgos
de patriotismo. Mas patriotismo não é só isso. Vários são os aspectos sob que
podemos encará-lo.
Patriotismo não consiste em erguer o estandarte da revolta, em abater os
adversários que a cegueira do ódio político denuncia como perigosos ao progresso
e inimigos das sagradas tradições da nação.
Patriotismo não consiste tão somente em envergar a farda, marchar para
as fronteiras inimigas e, entre as rajadas das metralhadoras e os estampidos das
granadas, lavar, com o sangue derramado, a honra da pátria ultrajada.
Pulcherrimum pro pátria mori.
É belíssimo, morrer, pugnar pela pátria.
Entretanto, não é somente no recinto da farda que o patriotismo se
encerra. Patriotas também podem ser um grande sábio, um médico caridoso, um
advogado e até mesmo um simples operário, quando fazem convergir os seus
esforços para o maior progresso da nação.
Mas é no sacerdote, caros colegas, que vamos encontrar o verdadeiro, o
maior dos patriotas. É dentro do peito envolto na roupeta, que bruxuleia o fogo do
verdadeiro amor da pátria. Ninguém como o sacerdote se dedica tão
abnegadamente aos interesses da nação. Ninguém como ele sabe inocular, nos
corações dos jovens, o sentimento do dever, o amor à pátria. Ninguém como ele é
capaz de libertar os jovens dos grilhões escravizadores das paixões e de lhes elevar
o espírito aos mais sublimes e puros ideais.
Quando surge a guerra nos campos de batalha, entre as colunas de fumaça
e os mugidos dos canhões, lá está também o sacerdote, não
70
empunhando o fuzil, mas animando com sua presença o soldado que rompe as
linhas inimigas. O soldado avança, a passo firme, sem trepidar, pois sabe que a seu
lado está aquele que lhe há de colher o último suspiro e abrir para a sua alma,
purificada pela unção santa e bela absolvição, as portas da pátria celeste onde
receberá os loiros da glória que tiver merecido na pátria terrestre.
Caros colegas, marchemos, pois, intrépidos, pelo caminho que nos chama
à nossa vocação e teremos a dupla felicidade de havermos servido bem a Deus e à
Pátria.
Lélis Ferreira
Vice-presidente
Discurso do Segundo Secretário
Escolhido para falar-vos hoje durante alguns minutos, tomei como
assunto aquilo que constitui o assunto por excelência, o único assunto até, em
redor do qual devem girar todos os nossos outros, isto é, o Céu, a nossa futura
Pátria.
Diz-nos S. Paulo que o olho jamais viu, o ouvido não ouviu e não subiu ao
coração do homem o que Deus preparou para os que O amam. Oh! Como deve
então ser maravilhosa essa Pátria de mártires somente! Como deve ser cheio de
alegria o nosso Paraíso, onde a gente não mais se odeia um ao outro, onde não há
mais lutas, nem quedas, nem preocupações!
Nós todos vivemos cá em baixo em busca de felicidade. Procuramo-la em
tudo e em todos e cá, quem até hoje a encontrou?
Pois bem, no céu habita a felicidade perfeita e perene. Lá, absortos que
estaremos na contemplação d’Aquele por quem lutamos até à morte, não mais nos
recordaremos da terra e dos sofrimentos nela suportados. Lá, veremos a Deus
face a face, brilharemos como o sol, segundo S. Mateus, e nunca mais haveremos
de sofrer.
Entretanto, bastante estreito, infelizmente é o caminho que a essa cidade
santa nos conduz. Mas esta consideração penosa para nossa delicada natureza
nunca poderá lançar no desânimo, a nós que queremos amar a Nosso Senhor, que
queremos não mais pecar e que, enfim, queremos ingressar nas fileiras dos
ministros de Deus, onde encontraremos o meio de chegarmos mais facilmente à
mansão dos justos. Vamos, pois, continuar a lutar, sempre mais, com todas as
nossas forças, com todo o nosso entusiasmo, quais destemidos soldados para nos
apoderarmos e, depois, entrarmos triunfantes na eterna bem-aventurança.
Que o bom Deus nos conceda a graça de um dia ouvirmos dos seus
sagrados lábios estas consoladoras palavras: “Vinde, benditos do meu Pai, tomai
posse daquilo que vos está preparado desde o começo do mundo.”
José R. Pires
Segundo Secretário
71
Sessão Solene entre as Academias São Vicente e São Luís
Páscoa, 21 de abril de 1946
Pela primeira vez, teve lugar, no Salão de Teatro, uma sessão solene entre
as Academias S. Vicente e S. Luís. A ela compareceram quase todos os apostólicos.
Abriu-se a sessão com o costumeiro “Laudetur” e com uma peça de Mendelson,
executada pelo harmônio, flauta e violino, subindo ao púlpito para falar o Sr.
Francisco, cujo tema versou sobre o fim da sessão. Em seguida, o Sr. Hugo
discursou sobre: “Viver é Lutar”. Falaram depois, sucessivamente: o Sr. Sinfrônio,
sobre a “Ressureição”, o Sr. Onofre sobre: “Mãe”; o Sr. Zuccheratto, sobre “Os
Bandeirantes”, o Sr. Silvio, sobre o “Missionário”. Livre a palavra não quis
ninguém usar dela. A seguir, fez-se a votação sobre o melhor discurso da Academia
S. Vicente e sobre o melhor da Academia S. Luís, afim de serem gravados no “Livro
de Ouro”. Foram escolhidos o discurso do acadêmico Paulo Vicentino Francisco,
presidente da respectiva Academia; e o do acadêmico Luizense Hugo, também
presidente do seu grêmio. Foi marcada para a festa de Pentecostes a próxima sessão
solene e, com o Laudetur deu-se por fim a essa reunião.
Discurso do Sr. Presidente da Academia São Vicente
Meus senhores,
Eis-nos presenciando um facto, jamais transcorrido em nossa vida de
acadêmicos: uma reunião solene entre as duas academias. Eis-nos num
matrimônio de fraternidade, num amplexo de lépida união. E para que essa
comunhão de emoção e de sentimentos?... Para entrelaçar os elos de aliança e de
amizade existentes, sim, entre nós, mas até ao dia de hoje assaz fracos e rúpteis.
E os nossos corações, estrugindo de entusiasmo, lampejando de amor,
fervilhando de vibração, hoje vos convida a abrilhantar esta nossa sessão com a
nossa decorosa presença.
Aqui tendes, meus senhores, nestes jovens entusiastas e sonhadores,
alguns dos quais cingidos já com a láurea coroa da eloquência, o exemplo
72
frisante da audácia e dos valorosos certames, em prol daquilo que mais tarde,
constituirá uma das partes essenciais no grande drama da vida sacerdotal: o uso da
palavra!
Quantos suores, quantas agruras até não tem causado esse
instrumentozinho tão diminuto e que é, no entanto, em seus predicados, mais
oneroso que o arado a rasgar nas mãos calosas do camponês, o peito agreste do
virente solo: a pena!
Mas, caros acadêmicos Vicentinos e Luisenses, ficai certos de que isso que
atualmente plantamos, havemos de colher no porvir. E dizei-me: que semeamos
agora?... E certo me respondereis: - os germes da oratória-... e que colheremos,
futuramente? E eu vos retorquirei: - a eloquência.
Sim, meus senhores, é aqui neste poético regaço onde cálidos fervilham
sonhos, onde, fremente, palpitam ideais que se delineiam os lazaristas de amanhã
aqueles que empunharão o lábaro de S. Vicente. E todos vós, bem sabeis, qual é o
dilema que cinge o peito dessa flâmula: “Evangelizare pauperibus misit me Dominus.”:
O Senhor me enviou para espargir, sobre a seara das almas, a semente de sua
palavra, a nova do Evangelho.
Vede como é bela meus senhores, como é atraente a vida do filho de S.
Vicente! Ser missionário!... Esta palavra é a síntese daquilo que há de mais sublime
na existência de um lazarista. Converter almas, levar aos pobres pecadores a boa
nova, o bálsamo para as dores, para as aflições que lhes torturam o peito, para as
dúvidas que lhes dilaceram o espírito:
De manhã cedinho, quando o sol desponta,
Sai o Missionário a percorrer aldeias;
Vai pregando a todos a palavra ardente
Que dá força ao fraco e move o impenitente,
E que acalma as almas de temores cheias
Vai levar Jesus às almas transviadas,
Expandindo, assim, o ideal que ele ama...
Pulsa-lhe, no peito, no coração ardente,
Corre-lhe, nas veias, sangue assaz fremente,
E sua alma inteira em grande amor se inflama.
Corre pelos campos, vilas e colinas,
Sem temer as chuvas e o calor queimante...
Enfrentando as feras, sempre corajoso,
Ainda o missionário, aquele santo idoso,
Procurando as almas, sempre para avante,
73
Vede como é meigo todo o seu semblante...
Que a doçura e a paz a todos apregoa!...
Como tão sublimes são seus lábios puros,
Esses pés que trilham os caminhos duros
E essa santa mão que a todos abençoa!...
*****
E qual, meus acadêmicos, qual o motor principal desse fecundo
apostolado? É sempre a palavra do missionário. Sim, ela só é que sabe arrancar, dos
beiços do abismo do mal, aqueles cuja inteligência está empanada pelas trevas do
erro, cujo coração está emaranhado por outro amor que não o amor de Cristo.
E é aqui neste berço de entusiasmo e vibração que se hão de formar os
futuros missionários deste nosso querido Brasil, que teve por primeiro berço, a
cruz de Jesus, que contemplou, na pessoa dos missionários portugueses, da frota,
os seus verdadeiros colonizadores, aqueles que o batizaram na fé no amor de Deus.
Pois bem, meus caros acadêmicos Vicentinos e Luisenses, trabalhemos,
trabalhemos sempre com ardor, para que, mais tarde, sejamos bons missionários
que saibamos produzir, pela palavra de Deus, frutos de salvação e regeneração!
Francisco Braga
Num gesto de confraternidade, os acadêmicos Vicentinos concedem aos
membros da academias S. Luís o direito de transcreverem neste livro os discursos
dignos de memória que naquele grêmio se fizerem. Como condição única, exige-se
que cada discurso passe pela censura de um quarto ou quintoanista da academia S.
Vicente.
1 de Novembro de 1947
O presidente: José Nogueira Starling
Discurso de um acadêmico Vicentino
Revmo. Sr. Pe. Guerra
Revmo. Srs Padres
Caros Colegas
Chegou finalmente a data tão almejada por todos nós: 3 de Dezembro. De
facto, 3 de Dezembro é para nós, apostólicos, um dia de
74
regozijo. Sim, Sr. Pe. Guerra, nós nos sentimos alegres em vos felicitar.
Completais hoje mais um ano de vida. Colocais mais uma pedra preciosa na
riquíssima coroa com que Deus vos cingirá a fronte lá no céu. Se se dão os
parabéns a qualquer pessoa, por ocasião do seu natalício, a fortiori se deverão dar os
parabéns a um padre e não só dar os parabéns mas render graças a Deus por ter
concedido a um sacerdote mais um ano de vida, porque, como vós bem o sabeis, é
imenso o bem praticado por um sacerdote durante um ano de árduo ministério
como o vosso. É o que acontece conosco. Vós passastes aqui todo este ano a vos
dedicar inteiramente de alma e corpo à nossa formação moral e espiritual e durante
este ano quantos sofrimentos, quantos trabalhos não vencestes, quantos
ensinamentos não ministrastes, quantos conselhos não destes, quantos culpados
não fizestes tornar ao bom caminho. Justo é, pois, que vos felicitemos em tão belo
dia. Aceitai, caro Pe. Guerra, os nossos sinceros parabéns e um fervoroso ad multos
annos dos apostólicos de 1947.
*****
Ofertamos-vos os nossos presentes costumeiros, mas que apesar disso
são os mais valiosos: a nossa comunhão e as nossas humildes preces. Podeis estar
certo de que todos os apostólicos hoje na Santa Missa se lembraram de vós de um
modo especial. Pediram à Virgem Mãe dos Homens que vos abençoasse,
receberam todos a Sagrada Eucaristia em vossa intenção, imploraram a Deus que
vos concedesse longos anos de vida todos consagrados ao serviço de Deus e à
formação de sacerdotes para Cristo.
Não quisemos, entretanto, que este tão grandioso dia fosse comemorado
apenas com nossas orações e organizamos uma sessãozinha mal preparada, é
verdade, mas que denota todo o nosso amor e gratidão para convosco, amor e
gratidão que estou certo não podem jamais ser comparados ao vosso carinho e
dedicação para conosco. É esta sessãozinha uma recordação para vós do 3 de
dezembro de 1947 e um pequeno presente que vos ofertam os apostólicos e
particularmente as duas Academias São Vicente e S. Luís. Aceitai, Revmo. Pe.
Guerra, esta sessãozinha como presente que parte do fundo do coração de vossos
queridos apostólicos no feliz dia 3 de dezembro de 1947.
Gonzaga
Caraça, 16 de dezembro de 1947
(Discurso do secretário das Academias solenes)
Amigo, sei que este discurso não pode ser jamais comparado a nenhum dos outros
discursos existentes neste livro, mas fui forçado pelos meus colegas acadêmicos a
colocá-lo aqui, por isso peço não o equipareis a nenhum dos outros que aqui se
acham.
Luis Gonzaga de Oliveira.
75
Discurso do orador oficial da academia São Vicente
Ouvimos dizer, muitas vezes: Maria Santíssima é o porto dos náufragos, o
refúgio dos pecadores, a consolação dos aflitos, a rainha dos anjos, a mãe de
Deus!... Aqui a razão reclama contrariada: “Uma criatura mãe do Criador?”. O
raciocínio deixa de existir, perante uma realidade prodigiosa. E que criatura é esta?
Quae est ista? Uma virgem humilde, pobre e desconhecida. Filha de dois jornaleiros
que arrancam o pão do suor de cada dia. Desde a mais tenra idade, escrava da
pobreza, desprezada e desconhecida, era, ao mesmo tempo, - e ninguém o
creditaria- a rainha da criação, a causa de toda a alegria, a exaltação suprema da
obra de Deus.
Maria ainda não era nascida e já andava na presença do Altíssimo. Não
poderia ceder, nem por um instante, a palma do amor excelso. É a rainha dos anjos
e eles não cessam nunca a adoração perpétua e eterna contemplação. Também ela
não podia descansar e, enquanto dormia, vigiava seu coração. “ Ego dormio et cor
meum vigilat”
*****
Em terras da Judéia, era costume dividirem as virgens seu coração:
consagrando metade a Deus, metade a um esposo terreno. Maria, porém, se tivesse
dois corações daria ambos a Deus. Seduzia-a o ideal da virgindade, opróbio para as
filhas de Israel. E, elegendo este estado de vida, Maria consumou a Deus o
sacrifício da natureza, da glória, das riquezas, da honra da própria reputação.
Afastou de si a nobre aspiração de ser mãe do Messias. Imolou a Deus toda a
dignidade, pretensão e estima. Humilhou-se ao extremo e Deus a exaltou
infinitamente. Ofereceu em sacrifício a maldição e foi bendita entre todas as
mulheres e é bendito o fruto de suas entranhas.
Quem se humilha, será exaltado.
*****
Quem é hoje Maria Santíssima, caros acadêmicos?
É a soberana rainha do céu e da terra. É o refugio dos pecadores. É lua, é
aurora e é sol. É lua para os que erram nas trevas do pecado, aurora para os que
começam a nascer para a luz do bem e sol para os que vivem a santidade e a virtude.
É clemente para os que padecem necessidade, boa para os que a invocam e doce
para os que amam.
É clemente, intercedendo carinhosamente por nós e vindo em nosso
auxílio, boa, cumulando-nos com toda a riqueza de suas graças, e doce, dando-se
toda a nós.
76
O clemens, o pia, o dulcis virgo Maria
Consolação dos aflitos!
Muitos, sentindo sobre si o peso da iniqüidade, sofrendo a injustiça dos
homens, padecendo os desregramentos das próprias paixões, oprimidos por
grandes calamidades, procuram alívio e não o encontram, pedem remédio e ele não
existe, choram e não há quem os console!... Não existe remédio? Não há quem os
console? Digo mal. Nada disto falta. Mas tudo isto só existe no coração de Maria. E
muitos, muitíssimos não a conhecem. Todos sonham a felicidade, poucos,
entretanto, vão beber à fonte donde ela brota. E, por isso, não sabem o que é ser
feliz. Enquanto não for Maria de todos conhecida, será a Terra um exílio de
tristezas e amarguras, de aflições e desesperos.
“Ora pro nobis, ó consolatrix afflictorum”
Porto seguro dos náufragos. São inúmeros os naufrágios na fé,
muitíssimas as vítimas das paixões tempestuosas e não raros os que sucumbem ao
vendaval do erro.
No auge do desespero, procura o náufrago uma barca ou uma simples
tábua que o auxilie na luta terrível contra o furor das ondas. Também nos pélagos
do espírito, clama o náufrago por alguém que venha socorrê-lo e o leve às praias da
verdade. Nossa Senhora é, há um tempo, a lancha de salvação e o porto seguro dos
náufragos. Se queremos arrancar os homens das garras do crime e da iniquidade, o
meio único é apresentar-lhes a bússola que norteia para Deus e para o bem. Esta
bússola invariável é Nossa Senhora. Ela, somente ela, poderá dirigir com segurança
a embarcação da humanidade que titubeia, desnorteada, num oceano revolto de
erros e doutrinas extravagantes. Os homens perderam o rumo de Deus e,
desvairados, navegam para as trevas, tornaram-se ávidos da própria perdição.
Orientai-nos, ó porto seguro dos náufragos.
Enfim, Maria Santíssima é mãe de Deus e dos homens. Caros colegas,
prefiro calar-me neste ponto. Um coração de mãe não se pode descrever e seria
ousado tentar delineá-lo. Digo tão somente: “é mãe de Deus e dos homens”, e isto
basta.
Dei hominumque Mater
E agora? Como terminarei? Com uma palavra de louvor a Deus que nos
deu Maria Santíssima e a Maria Santíssima que é nossa mãe e nos trouxe o
Redentor. Laus Deo virginique Mariae...
José Nogueira Starling
Sessão de 14 de dezembro de 1947
77
Poesia do Vice-presidente da Academia São Luís
Manhã Caracense
Tudo é belo, muito belo
Neste Caraça risonho!
Numa manhã cristalina
Nada há aqui de tristonho
***
Uma manhã caracense
Como é belo o contemplar,
Vestida em santa alegria,
Como é doce aqui o cismar...
***
O céu todo sorridente,
Banhado num meigo anil,
Abóbada luminosa
Céu próprio do meu Brasil.
***
Num hino de poesia,
Em ouro tudo banhado,
Desperta, como num sonho,
De poesia inundado.
***
E os habitantes aéreos,
Num grande som mavioso,
Vibram, em canção estridente
E num saudar carinhoso.
***
A vetusta carapuça,
Toda, toda endomingada,
Co’ os argentinos arroios,
Fica mais embelezada.
78
De cada vale odorante
Se ergue uma mata risonha,
Em doce odor embebida,
Sob a sombra da montanha.
***
E a capelinha, uma ave,
De penas brancas vestida,
Parece ter mais beleza,
Entre gigantes perdida.
***
No eterno silêncio, o rio
Ali segreda baixinho,
Vendo, silente, o Caraça,
Deslizando, ligeirinho....
***
A fresca e suave brisa,
Todas as faces beijando,
Em um rasgo de ternura
Aqui esfuzia, passando...
***
Montanhas – dedos terrenos,
Ao céu sempre convidando
A contemplar a beleza,
Sempre pro céu apontando.
***
Nas faldas destes outeiros,
Grandes massas de algodão
Se acomodam, purpurinas,
Enfeitando a solidão.
***
Ainda aqui, orvalhadas,
Vívidas e purpurinas,
Se ostentam belas, fagueiras,
As caracenses campinas.
***
79
Cascatas e cascatinhas,
Num eterno saltitar,
Cantam a eterna beleza
Desta manhã singular.
***
Bichanando, os regatinhos
Passam, correm mui velozes,
A saudar toda a manhã,
Em pias e doces vozes.
***
E todo ser que aqui para,
Seja homem ou animal,
Se encanta, todo aturdido,
Vendo a beleza eternal.
***
Emfim, a casa branquinha
Desta manhã o andor
Com a torre para o céu
Mostra Deus, nosso Senhor!!!
***
Num berço cerúleo e santo
Está deitado o Caraça.
Repousas cheio de encanto
Ó Templo de infinda graça!!!
Carlos Maciel da Cunha
Discurso do orador oficial da Academia São Vicente
Os pontentados da terra, os soberanos dispõem de soldados, possuem
valorosos exércitos, impõem sua vontade pela ameaça dos castigos, são
obedecidos, por que manejam uma espada, vencem, porque são fortes. Dominam,
mas dependem de seus súditos. Se os abandonam os amigos, perdem com eles
todo o valor e poder, toda a soberania e arrogância. Revoltando-se um general,
desaparece, nas ondas da insubordinação, a autoridade e prestígio do monarca.
80
São caducos e transitórios os impérios deste mundo, na incerteza e
dependência, colocam a sua conservação e nelas encontram também o germe de
sua desgraça. Nosso senhor, entretanto, reina desde toda a eternidade, e jamais verá
fanar-se a coroa de sua glória. Da humildade e não do orgulho, não da arrogância e
sim da bondade, do amor e não do interesse brotou o reinado de Jesus que, por isso
mesmo, está fadado a destinos eternos. Seus soldados não são mercenários do
soldo, mas voluntários do amor. Não são recrutas forçados, mas voluntários da
caridade. É de santos o seu exército inexpugnável. Seu amável e generoso
coração forma o campo único de concentração, onde recolhe os prisioneiros e
inimigos. Os legados de Cristo são missionários que saem a semear o amor e a paz,
nas almas torturadas pela aflição e desespero. Responde com carinho e delicadeza
aos insultos. Combatem, pacificamente, empunhando armas inofensivas. E quais
são estas armas? O crucifixo, a palavra e o coração. O crucifixo é a bandeira da
legião de Cristo. É o espelho que nos reflete o amor, que arrastou à infâmia dos
tribunais o soberano Senhor, rei do céu e da terra. E é o talismã maravilhoso pelo
qual tantos e tantos heróis abandonam a família, esquecem-se das comodidades e
prazeres, deixam a própria pátria e partem... Partem loucos de amor, para terras
longínquas, para países inimigos e bárbaros. Não temem a arma de um assassino ou
o apetite de um antropófago. Não se poupam a dores e sacrifícios, nem temem o
martírio, porque querem aumentar a glória e dilatar os domínios d´Aquele que por
nós tingiu com o próprio sangue os braços ignominiosos de uma cruz. O crucifixo
é o símbolo do amor donde se originou o sacerdote. Tendo sido a semente donde
germinou o coração do missionário, a Cruz é também sua seiva principal e
indispensável “In hoc signo vincis”... É natural que a mais poderosa arma do
combatente constitua o maior terror do inimigo. Também nos campos do espírito
esta asserção é real e verdadeira. Os maus odeiam o crucifixo. Veem nele uma
increpação decidida, uma destemida censura à iniqüidade e vileza de seu caráter, a
mesquinhez de seu coração.
Os inimigos da fé odeiam o crucifixo, como os adversários da França
odeiam a espada de Napoleão. Os perversos precisam esquecer os sofrimentos de
Cristo, convêm-lhes muito ignorar o amor intenso contido no drama do calvário,
procuram esquecer em si a luz da razão para, cegos e insensíveis, se embrenharem
pelas trevas do pecado. E a Cruz é um farol que os ilumina, martirizando-lhes a
vontade, trilhando-lhes a consciência. É uma lição de generosidade, um brado
irresistível, uma exigência de amor e gratidão.
Quem se torna escravo da carne, faz-se, necessariamente, carrasco de
Jesus e assassino da própria felicidade. Mas a cruz é também a flâmula que nos
inspira coragem, incita ao heroísmo e leva ao martírio. Se encontra hostilidade, se é
condenado à morte, é alegria para tingir com o próprio sangue o diadema de sua
glória. No crucifixo está o segredo da força e da coragem dos legionários da fé.
81
Caros colegas, se eu vos perguntar: quereis ser missionários? “Quero”,
responderão alguns; “Vou ser”, dirão outros mais decididos.
Ficai certos de que alimentais uma nobre aspiração, um ideal sublime.
Querer já é muito, mas exige-se ainda mais! É preciso alcançar com esforço as
armas do missionário. Não há desanimar, porém. Ser legionário de Cristo é
missão gloriosa, é belo lutar nos campos do espírito, e batalhar pelo bem e pela
verdade supõe nobreza de sentimentos. Justo é, pois, tenhamos um preparo à
altura de nossa vocação.Trabalhemos com ardor na conquista do nosso diploma
de bons missionários. Três apenas serão os requisitos: “Profundo amor ao
crucifixo; cultivo da firmeza, generosidade e misericórdia; e perfeição de coração”.
“Nosso coração deve formar um só com o de Jesus Cristo, nosso chefe supremo”
e é esta a condição principal e necessária.
José Nogueira Starling
Caraça, 25 de dezembro de 1947
Discurso do D. Presidente da Academia São Luís
Distinta mesa,
Caros acadêmicos,
A princípio hesitei um pouco na escolha do assunto sobre que falaria hoje.
Mas não me custou proferir um que se relacione com os acontecimentos, visto ser
de proveito duplo. Preferi falar sobre as férias, sua utilidade e como torná-las úteis
e proveitosas. As férias são da lei natural. Depois de 4 meses laboriosos, 4 meses
em que o arco de nosso intelecto esteve forçado, sentimos a necessidade de um
descanso, de soltarmos a corda deste arco para que não perca a força. Talvez nós
não compreendamos sua necessidade, mas a experiência de muitos doutos e
pessoas veneráveis no-lo prova.
Temos, porém, aqui de fazer uma observação ignorada por muitos. Estas
férias não querem dizer que devamos passar esse tempo em passatempo. Não. É
apenas uma mudança de ocupações. Um outro modo que Deus nos aponta para
neste período glorificá-lo e merecermos o céu. Estes deveres, por sua diversidade,
descansam-nos, ao mesmo tempo, dos labores intelectuais. Nos jogos, tanto
podemos glorificar e servir a Deus, como rezando extasiados o terço, contanto que
também neles não desprezemos o verdadeiro espírito cristão. Uma coisa
importante de que também não podemos esquecer nos momentos livres das férias
são as leituras. Mas leituras que nos possam ser úteis.
Nós estamos aqui para sermos padres, para guiarmos, um dia, pelo
caminho da salvação as almas. Ora, para isto são muito úteis para nós as leituras
82
dos livros espirituais que, unidas aos outros seus complementos, são como uma
tocha acesa que serve para alumiar e esclarecer aos outros e a nós os passos pelo
caminho, nas horas tenebrosas da vida. Nestas leituras também podemos adquirir
as ciências dos santos, que nos mostram como devemos agir para chegarmos
vitoriosos ao nosso fim e um dia, no leito da morte, termos a grandíssima
satisfação de podermos exclamar tranqüila e alegremente: vivi como devia, vivi a
vida de Cristo, a vida dos Santos.
Também é nessas leituras que o Espírito Santo, muitas vezes,
principalmente quando feitas em recolhimento e com reta intenção, incita as almas
para uma vida mais santa.
Vemos na História como, graças a essas leituras, não só almas fervorosas e
tíbias, mas também grandes pecadores se tornaram grandes santos.
Reservemos, pois, nestas férias, se possível todos os dias, alguns minutos
para estas leituras e se as fizermos com o espírito com que devam ser feitas, a
resolução de uma vida santa e mesmo uma vida mais santa não tardará.
Não pretendo, porém, dizer com isto que devemos deixar os outros livros
de lado, pois também eles contribuem para a nossa formação intelectual e do estilo.
Que as férias sejam, pois, para nós o que devem ser. Consideremos o seu
regulamento como traçado pela mão de Deus, isto é, a vontade de Deus expressa e
observemo-lo do melhor modo possível. Só assim poderemos tirar delas algum
proveito e transformar este tempo em ouro acrisolado, que nos é necessário para
comprarmos o céu.
Edvino José Kalsing
Poesia de um acadêmico Vicentino
Divinos gonzos
Em torno destes gonzos,
gonzos divinos,
gira uma porta,
porta do sacrário,
que, em si, comporta
mais que um relicário
o Mistério, o Infinito!
***
Abrem-se as portas automáticas:
Oh! Que podridão!
Dentro destas há tanta fealdade!
São homens pecadores, miseráveis.
83
Portas colossais de cimento armado
Escancaram-se e se fecham:
prendem homens livres,
soltam só escravos.
Portas do mundo inteiro se abrem,
Rangem gonzos possantes:
Oprimem homens, mulheres.
A miséria canta, em desesperada sinfonia,
Este acorde infindo, confuso, infernal.
Abrem-se as portas dos cofres,
o material se divisa,
O ouro, a prata, o cobre, o chumbo, o papel
são convertidos em deus, efêmero, temporário.
Portas rangem gemido de entes oprimidos,
gritos de dor, agonias, soluços entrecortados.
***
Quando se abre a portazinha,
que felicidade!
Lá no canto, humilde, branca, solitária
está pequena, frágil a matéria
que se torna Deus adorado.
Nos batentes pequenos, simples burilados,
giram muitos mistérios.
Uma encarnação, ó quanta bondade!
Uma redenção, mistério de amor!
Um Deus, alimento eterno!
Um Homem, um Deus, um sacramento!
Este ranger divino das portas do sacrário,
eco agonizante de Cristo Jesus,
se faz ouvir a cada toque seu.
É alegria, amor, júbilo, caridade.
Que ranger divino! Vê quanto diz,
ó alma incrédula,
Ama, vê quanta doçura
nas portas do sacrário.
Vicente de Paulo Corrêa
84
Caraça, outubro de 1953.
Pronunciado oficial numa academia simples
Nos Estados Unidos, rica faixa de seda desfralda ao vento e bem alto,
cantam as cores: vermelho, branco e azul. Mais abaixo vemos cantar mais
suavemente as fitas: amarelas, azuis e vermelhas da bandeira nacional colombiana.
Continuemos o nosso voo aprofundador. Agora bem reverentes, tiremos
os chapéus e olhemos a majestosa, solene e significativa bandeira brasileira a deixar
escapar de seu seio o heróico e patriótico hino nacional vibrado pelos delicados
dedos da brisa.
Para nós, brasileiros, e também para os estrangeiros terá acontecido um
espetáculo belo, simbólico e encantador, que a todos prende a admiração,
encantamento e arrebatamento pelas cores em jogo variado da bandeira brasileira.
A todos surpreende a inteligente coincidência das cores: verde, amarelo, azul e
branco.
Olham para o verde e logo concluem: na bandeira, ocupa a maior parte
porque simboliza estas matas numerosas que resguardam a cabeça, o peito, os
braços e os pés do Brasil. Subi e lá no Amazonas encontrareis a obra em que a
providência tanto se esmerou em caprichos. Percorrei lá as matas e topareis com
preciosidades que jamais, talvez, ouvísseis dizer que lá se encontravam, lá no verde
escuro do Brasil. Pois é, amigo, foi por uma destas matas inacabáveis que o mundo
começou a girar, dizem. É também nas matas brasileiras que se encontram tantos
produtos proporcionadores de tantos prazeres. Isto dizendo estão: o cacau, o
coco, o guaraná, o café e enfim outros tantos.
Vamos agora para o peito do Brasil e lá encontraremos atapetados de
matas Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e todos os estados circunvizinhos.
Nestes lugares, veem-se montanhas colossais que com a força de seus declives,
lançam abaixo ramagens arvoredadas que constituem o verde da bandeira.
Ide ao Sul, brasileiro encantado. E vossas vistas se perderão nos pampas
do Rio Grande. Já deveis estar com os olhos pesados de tão grandes maravilhas.
Contemplai agora o brilho ofuscante do ouro que se acha incrustado nas matas,
nas montanhas, nos rios, bem como ainda no verde escuro, primeira faixa da
bandeira brasileira. Se o procurais, brasileiro encantado, ide às Minas Gerais nome outorgado a este estado pela variada riqueza nele encontrada. O raro
amarelo do ouro se oculta nos pedregulhos das montanhas, nas águas pardacentas
dos rios, nas mãos dos índios de onde o queriam arrancar os colonos antigos
movidos pela cobiça e favorecidos pela ignorância selvática das populações
autóctones do Brasil. Já percorremos o Brasil em dois pontos e nele encontramos
as matas e o ouro.
85
Olhemos agora para cima... Aí vemos a terceira cor da bandeira nacional.
É talvez a mais bela. Vamos, colegas, percorramos todas as terras, todas as pátrias e
não encontraremos jamais em céu de azul tão belo. Ele, pela manhã, é levemente
rubro, durante o dia azul escuro e claro, alcatifado geralmente pelos tapetes
nublares.
À noite, o vemos mais belo que nunca e então somos obrigados a admitir
que é Nossa Senhora, a padroeira principal do Brasil, que o envolve com o manto
de sua proteção carinhosa.
Bem, já espiamos para o nosso lado e encontramos as matas, as
montanhas, os rios e para as mãos dos selvagens e achamos o ouro, para cima e
descobrimos o manto de Maria. Continuemos a caminhar.
Mas... Exclamamos: no Brasil, não há guerras! No Brasil os cidadãos se
amam? Ah! Sim, é a paz que nele reina e o branco sudário que termina a bandeira
brasileira também exerce sua influência. Mas a não ser o verde, amarelo, azul e
branco, menos ainda uma faixa aureolar o círculo branco. É que na paz existe a
ordem e o progresso. A ordem foi sempre procurada, está sendo e sempre será,
bem como foi, está sendo e sempre, com a graça de Deus, será encontrada nos
corações pátrios. E o progresso, onde está? Nos espíritos, nos costumes, nas
indústrias e em todos os seus adeptos.
No espírito pela religião e inteligência, nos costumes, pelo bom senso,
caráter e amor à honra feliz de cada família em particular; à indústria, basta um
fator: o trabalho.
O Brasil pelas cores de sua bandeira mostra o que ele é. Rico, Belo e
Pacífico. É rico pelas montanhas, matas e correntes d'água e por seus mistérios.
Belo, pelo garboso céu que esplendorosamente o abobada, pois mais belo nem nos
Estados Unidos, nem na França, nem tão pouco na Rússia sendo que o céu
brasileiro é o manto de Maria.
Digam-me se podem, colegas, onde há um país tão belo e pacífico como
nossa querida e sempre amabilíssima Pátria? Um “não” será resposta exata para
definir a supremacia pacífica reinante no Brasil pintado nas cores simbólicas da
bandeira brasileira.
Helvécio Bomtempo (5º ano)
Faço as mesmas observações que os outros aos quais me assemelho,
expondo-me a zombarias. O autor.
*****
86
Revmo Sr. Pe. Álvaro
Caros acadêmicos,
O país que não tem bandeira é um filho que não tem mãe. Nós, brasileiros,
não somos órfãos, porque possuímos a mais linda mãe, que é a mais bela bandeira
do mundo.
Ó pendão auriverde. És, vivo e palpitante, o emblema sagrado da pátria
brasileira! Estás retratado na face de cada patriota e és o retrato de todos os
patriotas. Em ti estão todas as belezas do Brasil. O vivo azul, que ostentas no meio,
é o céu, é o infinito é a imensidade de nosso solo. Também imenso e infinito é o
culto que te rendemos, ó pátria adorada e magnífica. No teu bojo cintilam vinte e
uma estrelas, que são os vinte e um estados, formando uma corrente de elos de aço.
Em ti cada estado tem uma estrela orientadora, que o leve para o progresso.
O verde é a eterna primavera, que alcatifa nossos campos, e o verdor
permanente de nossas matas e florestas. O amarelo é o ouro pomposo de nosso
subsolo, é o rosicler de nossas auroras, é a coloração dos frutos opimos de nossa
colheita. O verde é um dos tons dos teus planejamentos, porque é essa a cor da
esperança, - a certeza da grandeza de teus destinos, do esplendor de teu futuro, ó
pátria grandiosa e fulgurante!
O amarelo é o teu segundo matiz, porque de ouro são as estrelas, de ouro é
o sol, de ouro se entretecem as nuvens, - e o amarelo é a cor das apoteoses, a cor das
grandes decorações, a cor dos cenários mais sublimes da natureza, simbolizando
assim o apogeu de tuas futuras glórias, ó pátria estremecida e bem amada!
Verde é o rebento tenro que brota do galho, ávido de luz e de calor. Verde é
o botão que se ensaia para constituir a flor e amarelo é o fruto já evoluído e maduro.
Verde é a infância, amarelo é o ocaso.
Dize-me, agora, ó pátria minha, que cores te casariam melhor que estas
duas, que são a expressão de teu presente e de teu futuro? Somente um coração
patriota poderia pintar-te com tão significativas cores. Pois, só um filho amável
conhece as ocultas qualidades da mãe. Sim, ó pendão sagrado, és a imagem de
minha pátria e não só desta pátria terrestre, mas também a imagem de Jesus
crucificado, pois em ti também está gravada, com toda gala a cruz de Cristo. A
primeira coisa que viu a terra brasileira foi a cruz de malta da esquadra de Cabral.
Viu, continua a ver até hoje e verá por todo sempre, até o fim, porque prouve a
Deus dar ao Brasil o seu diadema sagrado de cinco estrelas que é o Cruzeiro do Sul.
Farol de cinco lâmpadas a guiar-nos a ele, eterna felicidade!
Contemplando o teu vulto sagrado, vemos, sem nunca se separarem,
Pátria e Deus. Com este duplo objetivo, nosso coração se engrandece e ameaça
87
estourar do peito e saltar para fora. E assim, inflamados por dois amores, a Deus e à
pátria, devemos estar prontos para os maiores heroísmos por eles. Exemplos não nos
faltam. Na batalha naval do Riachuelo o nosso navio Parnaíba, armado, navegava o
rio quando, a um tempo, se viu cercado por três inimigos: o Paraguari, o Taguasi e o
Salto. Estabeleceu-se então luta encarniçada e desigual 3 x 1. Mas os nossos não
desanimaram, ao contrário, encorajaram-se, ao verem no mastro à imagem da pátria e
lhe diziam: “Lutaremos, mãe, lutaremos com forças triplicadas e se os vencermos a
tua glória será três vezes maior”. O nosso navio conseguiu repelir, à metralha, o
Paraguari, que ficou fora de combate. Restavam ainda dois. Estes se uniram e
abordaram o Parnaíba. Trava-se, então, a luta, braço a braço, corpo a corpo. Os
inimigos ganham, palmo a palmo, o terreno, mas a nossa maruja e oficiais não se
rendem. Dentro de pouco tempo vem outro inimigo, o Marquês de Olinda e
aumenta a abordagem. O tablado do Parnaíba era uma verdadeira arena, onde
gladiadores se debatiam. Inferiores três vezes, em número, os brasileiros preferiram
ser dizimados, como foram, a render-se. – Munido apenas de um sabre, um dos
nossos marinheiros enfrentou quatro paraguaios, dois dos quais rolaram a seus pés
feridos por sua espada. Por fim, foi acometido pelos restantes que o crivaram de
golpes até prostrá-lo sem vida. Um oficial, que teve a mão direita decepada,
continuou a lutar com a esquerda até sucumbir. – e o único objetivo das frotas hostis
era, com toda esta carnificina, chegar ao mastro e arriar a bandeira, que tremulava na
popa. Pressentindo isto, a nossa guarnição aglomerou-se junto ao nosso estandarte,
guardando-o com o próprio corpo, contra as investidas do inimigo.
Defender a bandeira até derramar a última gota de sangue, tal foi, nessa hora,
o desejo de todos. O nossos caíam por terra e de todos restou apenas um, de 18 anos,
que intimado por um oficial contrário a arriar a flâmula auriverde, sentiu
enrubescerem-se-lhe as faces e, como resposta, arrancou da cintura o revolver e o
descarregou naquele que caiu sem vida. Vieram, então, os compatriotas do oficial
sobre o valoroso guarda marinha e o trucidaram, decepando-lhe a cabeça, que rolou
separada do corpo. Do chão as pupilas vidradas, imobilizadas pela morte, fitaram-se
no pendão sagrado, enviando-lhe, como último afago, um olhar cheio de saudade e
de amor. O sangue ainda fresco do tronco, estuava quente, fumegante, e, em forma
de vapor, subia, em espiral, até à bandeira da pátria, como uma nuvem de incenso
diante da imagem sagrada.
Eis aí, pátria sagrada, o amor de teus heróis, nesta luta sangrenta. Os teus
soldados pelas forças perderam, mas ganharam pela coragem, pela gratidão, pela
veneração, pelo amor.
Só tu, ó querida bandeira, podes conseguir tal de teus filhos. Tendo à frente a
tua imagem, estaremos prontos para tudo. Por isso, meus caros colegas, devemos têla sempre diante de nossa mente, na hora da dificuldade, para que nos encorajemos e
vençamos a luta, não deixando que o inimigo nos desbarate, arriando a flâmula da
nossa convicção no cumprimento do nosso dever.
88
Salve, lindo pendão da esperança,
Salve, símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.
Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!
Em teu seio formoso retratas
Este céu de puríssimo azul,
A verdura sem par destas matas,
E o esplendor do Cruzeiro do Sul.
Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!
Contemplando o teu vulto sagrado,
Compreendemos o nosso dever;
E o Brasil, por seus filhos amado,
Poderoso e feliz há de ser.
Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!
Sobre a imensa Nação Brasileira,
Nos momentos de festa ou de dor,
Paira sempre, sagrada bandeira,
Pavilhão da Justiça e do Amor!
Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!
Rafael Correa da Silva
Caraça, 3 de janeiro de 1955
89
Discurso proferido, em uma academia simples.
Sr. Padre Álvaro
Queridos Colegas,
Ei-las entrando selvas adentro, enfrentando e destruindo toda sorte de
perigos e embaraços, à procura de almas, a transformar, catequizar indígenas,
criaturas as mais miseráveis, as mais brutas, as mais felinas, cujas consciências são
tão ásperas, tão rudes, como é o mato em que vivem!...
Vós as vereis, levadas pelos valorosos missionários, que deixam a Pátria
querida, abandonam o lar saudoso, a família estremecida, transpondo as águas do
mar, para lá distante, bem longe, buscar as ovelhas extraviadas, perdidas,
desgarradas do rebanho!...
Quer nas mais pobres e solitárias aldeias, junto aos infelizes, aos
desprezados, derramando-lhes nos corações o bálsamo da fé, do amor, dando
esperança e paz aos desesperados, aos desgraçados!
Quer nas grandes cidades, a pensar as feridas da sociedade, a guiá-la sob
sua luz benfazeja, elevando-a para as alturas sublimes do sobrenatural, para a única,
eterna e verdadeira felicidade, Deus, Nosso Senhor, vós as vereis! São as missões,
caros colegas! Sim. As missões!...
Que pensamento belo, agradável, doce, feliz para nós, o das missões! O
pensamento de que, um dia, nós seremos também missionários!...
Devemos, queridos colegas, pensar realmente nas santas missões, sonhar
com elas!... E assim sentiremos brotar, reavivar, em nosso peito de jovens
seminaristas, o entusiasmo, o ardor! O ânimo, a coragem, nos desânimos, nas lutas
cruéis e frequentes. O forte alento no sofrer, nas dificuldades, nas diversas
tribulações. Um impulso generoso que nos reanimará, nos encherá de forças,
quando já exaustos, fatigados, estivemos quase a cair, em nossa marcha, quase a
sucumbir ante à tentação e às más paixões... E teremos socorro certo, quando nos
assaltarem e invadirem as ondas tormentosas das dores mais cruciantes!...
Meditemos, sonhemos, até que um dia tudo se transforme em realidade e,
desvendando-se a cortina do porvir, possamos contemplá-las, face a face, sorrirlhes e tomar, em nossos ombros, seu deleitoso peso!..
Quanto devemos desejar as missões! Nós, futuros filhos de S. Vicente de
Paulo! Se sabemos que o fim principal do padre lazarista é pregar missões, como
haveremos de ficar insensíveis a elas? Como havemos de ficar parados, inertes?
Quantas almas nos esperam, estão a clamar-nos, a gritar-nos! Elevemonos, em espírito, acima destas gigantescas montanhas que nos cercam, e, daí então
veremos pessoas, homens, jovens a tatearem nas trevas da
90
incredulidade, do erro, do mal! Imersos no horrível lamaçal do pecado, do crime,
da imoralidade! Veremos a infância e a mocidade corrompidas deste nosso Brasil,
sem ideal, cujo único fim é o prazer! E nem sequer se lembram de Deus... Oh! E
que lástima, elas são a base da sociedade, os homens de amanhã!... Procuremos
ouvir e ouviremos os gemidos tristes, os brados lancinantes, entrecortados da mais
profunda dor, a da alma, daqueles que, como loucos, procuram aliviar-se de seus
mais angustiantes sofrimentos, sair do terrível lodaçal, em que se encontram!
Procuram, buscam quem os salve, mas tudo em vão, não acham...
Oh! Ficaremos nós, colegas, impassíveis com este turbilhão de misérias,
com estes clamores, estas vozes, que, continuamente, se levantam para nos chamar,
nos implorar? Não! Jamais!...
Desejemos, veemente e ardentemente, as missões! Suspiremos por elas!
Sejam as nossa incessante preocupação...
Amemo-las! Sejamos, desde já, missionários, pela oração. Soframos, com
paciência, os sacrifícios, as mortificações! Nunca recuemos diante dos obstáculos!
Mas enfrentemo-los!... Amemos! “Que são as tribulações, dificuldades, quando
são dois a enfrentá-las? Cada um de nós e o amor! Que é o sofrimento, quando se
ama com um amor que vai além da morte? O amor, quando é amor, é mais forte do
que qualquer coisa!...”
Amemos e tudo haveremos de conseguir! Saibamos caminhar, altivos!
Saibamos lutar! Saibamos, sobretudo, vencer! Para que, no final, possamos cantar a
vitória e gozar de seus frutos...Eia! Vamos! Olhos fitos no além, em nosso ideal! E
assim, veremos estender-se, ante nossos olhos, ávidos de ver, a seara imensa,
radiante e loura, do Senhor!...
Ó missões encantadoras
Meigo alento no penar
Daqui lanço o olhar distante
Fitando-vos a cantar
Missões, meu sonho dourado,
Todo cheio de esplendor!
Sois do meu peito de jovem
O brado cheio de ardor!
Salve missões gloriosas!
Desejo-vos sem cessar,
Aqui na Pátria adorada,
Ou lá longe, além do mar!...
Wilson Marques da Costa
Caraça, 14 de janeiro de 1955
91
Discurso de um acadêmico vicentino, pronunciado em uma sessão
solene
Todo guerreiro precisa de um escudo. De uma defesa, nas batalhas, contra
os dardos inimigos. De um escudo que o proteja, para que não venha a sucumbir,
ante os repetidos ataques do inimigo. Também nós somos guerreiros e guerreiros
que lutam por um ideal sublime e belo: o sacerdócio. Também nós devemos ter um
escudo. Um escudo grande, forte e poderoso. Um escudo que nos proteja, quer em
grandes batalhas, quer em pequenos combates. Sim, também nós precisamos de
um escudo e este deve ser Maria Santíssima, uma medalha de Nossa Senhora, uma
medalha milagrosa!
Todo bom filho gosta de trazer consigo o retrato de sua mãe, para
contemplá-lo, nos momentos de tristeza e de dor. Também nós gostamos de trazer
o retrato de nossa mãe do céu. Também nós devemos trazer, contemplar e venerar
o retrato sagrado daquela que é a nossa mais verdadeira e carinhosa mãe: Maria
Santíssima. E o seu retrato conosco deve ser uma medalha, uma medalha
milagrosa. Sim, a medalha milagrosa é o nosso escudo, é o retrato de nossa mãe
querida!
Corria o ano de 1832. Em Paris, era cunhada, por ordem da Santíssima
Virgem, uma medalha bonita, uma medalha simbólica. Divulgada, em todo o
mundo católico, tornou-se instrumento de inumeráveis graças e mereceu o
magnífico e adequado título de medalha milagrosa. Era mesmo uma medalha que
tudo dizia a respeito de Nossa Senhora. Um conjunto de sublimidades
celestialmente simbolizadas. Esmagando a cerviz orgulhosa da serpente infernal,
mostra Maria na medalha, o seu poder, junto do altíssimo. De suas mãos jorram,
em profusão, réstias de uma luz brilhante e celestial. É isto o símbolo das muitas e
grandes graças que nos alcança. A invocação, contornando a medalha, mostra-nos
o desejo que tem de sempre nos ver invocando seu nome, já alegres, para lhe
agradecer, já tristes, mas confiantes, para que nos socorra. Viremos a santa
medalha e então encontraremos outro quadro tão belo quanto figurativo. Vemos
um “M” encimado por uma cruz. Este “M” representa Maria! Mas ... e a cruz? Por
que esta cruz? É porque Maria foi a nossa co-redentora. Também ela ajudou se
divino filho a carregar a grande cruz da nossa redenção!
Dois corações se vêem transbordantes de tristeza. O primeiro é o coração
de Jesus, amante, compassivo e tão pouco amado. O segundo é o de Maria, todo
tristezas e dores. Um cercado de espinhos, outro, traspassado por uma espada.
Ambos, ardentes em vivas chamas de amor. Unidos pela dor e pelo amor, uma só
coisa pedem: que amemos a quem tanto nos amou. E, por
92
fim, encontramos doze estrelas a significarem os doze principais privilégios de
Nossa Senhora. Eis quanta prova de amor contida na meiga simplicidade de tão
pequeno objeto. Quanta sublimidade encerrada no silêncio santo desta santa
medalha!
Já conhecemos todos os pormenores das aparições de Virgem Maria
àquela piedosa Filha da Caridade: A Irmã Catarina Labouré. Tinha ela um ardente
desejo de ver a Santíssima Virgem. Deus, então, se serviu desta humilde serva, para
dar aos homens mais uma prova de amor, mais um instrumento de salvação por
meio de Nossa Senhora. Que honra para nós ter-se Deus servido de uma Filha de
São Vicente para tornar sua mãe mais conhecida e glorificada.
Eis por que os Lazaristas, por devoção especial, tomaram Nossa Senhora
da Medalha Milagrosa. Escolhida por Deus para a divulgação desta medalha, a
família de São Vicente tomou por estandarte esta mesma medalha que é um sinal
certo de triunfo.
E, hoje, aquela sob cujos auspícios florescem as vocações lazaristas,
comanda a denodada escolta que, singrando os horríssonos mares bravios da
incredulidade, do paganismo, procura conduzir as almas para o verdadeiro aprisco,
o céu, do verdadeiro pastor, Jesus Cristo. Tenho dito.
Geraldo Humberto Venuto (4º ano)
Caraça, outubro de 1954
Quanta ousadia não teve o autor deste discurso!?!!?
Paciência, caro amigo leitor, assim o quiseram!....
Discurso pronunciado no dia 10 de outubro de 1954 pelo
Presidente da Academia São Vicente de Paulo
“Sessão Solene”
Calem-se-nos os sentimentos e se nos preparem os corações para suas
emoções mais puras, a fim de que possamos, ao menos um instante, contemplar as
grandezas de Maria: Mãe de Deus e nossa mãe. Hoje, em comovedora
simplicidade, nós nos voltamos todos para Maria e ela se volta para nós, como a
mãe do Criador.
Esta Virgem humilde, pobre e desconhecida, filha de dois pobrezinhos,
que arrancam o pão do suor de cada dia, desde pequenina, escrava da pobreza e
desprezada, era, ao mesmo tempo e – ninguém o acreditaria – a rainha da criação, a
causa de toda alegria, a exaltação suprema das obras de Deus.
****
93
Foi, provavelmente, ao anoitecer. É a hora que, cheia de mistérios, encerra
um profundo mistério, portanto a hora de Maria! Era a calada das tardinhas que ela
aproveitava para soluçar uma prece. É na paz das solidões que as almas puras
repousam em Deus. É nesta hora cheia de poesia, que o coração de Maria se volta
para o Senhor, como um lírio se abre para receber o orvalho luminoso das estrelas.
Tudo, à tarde, tem a mais comovedora poesia... tudo, nesta hora, se alegra com o
sorriso virginal das coisas mansas.
Maria está ajoelhada perto da janela de seu casebre humilde, através da
qual vislumbra o céu estrelado. Ela está imóvel e indiferente a tudo. É preciso ser
pobre! É preciso ser humilde! É preciso sofrer, perdoar, ser bom, ter um coração
amplo, desprendido de todo apego aos bens terrenos. É preciso ter na alma a
alvura dos cordeiros sem mancha, para que nos aproximemos, ao menos uma
instante, dos pensamentos de Maria, àquela hora. Os lírios dos prados não são mais
cândidos que ela! A estrela da tarde não é mais bela, nem as sombras da noite, mais
misteriosas. Maria fita a estrela, seu pensamento vai para o infinito, seu coração se
dirige para o Criador e seus lábios murmuram: “Senhor!”. E um anjo aparece. No
quarto, há presenças invisíveis de harmonias sem sons e emanações misteriosas de
luz. Parece que a terra se calou inteira, para ouvir: “Faça-se em mim, segundo a sua
vontade”. E Maria vai ser mãe de Deus. Suas doces palavras fizeram com que uma
criatura se tornasse a mãe do Criador!
Maria é a esperança dos fracos! A consolação dos aflitos! O asilo dos
miseráveis!
Todos lhe buscam no sorriso o bálsamo de suas dores. Se não houvesse
Maria, seria a terra o vale das lágrimas, a morada da tristeza, da aflição e da
amargura.
Ó terna mãe de doçura!
Hoje, estrugem-nos os corações, em fervorosas preces, as quais vão,
certamente, ecoar em vosso coração, como se quiseram abrigar-se, em a morada da
esperança, da bondade e do amor.
Salve Maria, mãe de Deus e nossa mãe! Eis a nossa saudação. Ela é tudo o
que é de piedoso e bom em nossos corações. Simples, ingênua, singela. Mas
encerra todo o louvor, toda a poesia que vos podemos consagrar.
****
Propulsa a marcha das horas... Maria, que tinha alma ainda pulverizada
pela luz das estrelas, acorda radiante como a aurora. Ela se dirige para Judá, ainda
ao frescor da manhã. A mulher inocente, a mulher virgem, a mulher infinita, pois
leva no ventre o Infinito, caminha para Judá. E caminha sutil... Ora o silêncio
medita sobre os montes, ora foge sobre a planície dos desertos a faixa azul do
horizonte. Mas há algo de estranho naquelas encostas, naqueles vales sem lírios,
naquelas planícies sem flores. Há um mistério naquelas paragens: um pequeno
94
monte, o Calvário. Algo parece contristar o coração de Maria... calaram-se os
pássaros e não mais murmuram as fontes. Somente a planície causticada pelo sol...
Maria atravessa a solidão e se aproxima da casa de Isabel.
Isabel beija-lhe os seios, dizendo: “Quem sou eu para receber a Mãe de
Deus?” Dos lábios de Maria, docemente inspirados pelo mistério da hora, escapa a
profecia, confirmando a saudação da prima: “Todas as gerações chamar-me-ão
Bem-aventurada”.
Ela seria a Mãe de Deus e esse Deus no-la daria por Mãe. Sim! Ela o confirmou. Eis
a maior prova de sua maternidade divina. E Jesus no-la deu por Mãe.
Mas a humanidade esperou por longos anos! Trinta e três longos anos!
Nossa Senhora, movida pelo milagre de uma ânsia vigorosa, se dirige, aflita, para
os cerros do Calvário. O seu manto é azul. Azul saudoso, como os sonhos muitos
que não voltam mais. Ela vai, lépida, pelos ásperos caminhos. Dir-se-ia um
pedacinho do céu, flutuando sobre a terra. E já perfura a multidão. Enfrenta a
turba multa, como uma débil e tenra ovelha a arrostar os lobos. E abraça os pés de
seu filho, pregado numa cruz! Não tem forças para articular palavras. Mas o seu
olhar fala. Só as mães podem reconhecer este olhar, quando o filho vai morrer.
A palavra humana não consegue reproduzir a tonalidade deste olhar.
Olhar que beija, que se despede, que relembra um mundo de pormenores
que existem entre um coração de mãe e um coração de filho.
Jesus ganha forças no olhar de sua mãe e murmura:
-“Minha... Mãe!”
Nossa Senhora desfalece... mas há quem a ampare. É João, o discípulo
amado.
Ela já embalou Jesus nos braços e cantou para ele mil canções de amor.
Agora, é ela que ouve - coisa admirável! – a proclamação suprema:
-“Minha... Mãe!”
E Nossa Senhora confirma aquela proclamação:
-“Meu Filho!”
O filho, com o corpo cheio de dor, olha para mãe que tem a alma cheia de
dor. O filho contempla a mãe: o manto azul da Virgem, respingado de lágrimas,
parece o azul do céu, pontilhado de estrelas.
Jesus se comove...
Ele vê a humanidade de Maria e se compadece da Humanidade!...
Não! Maria não pode ficar sem filho... E, amando Maria por amor da
Humanidade e, amando a Humanidade, por amor de Maria, também proclama o
milagre da herança:
-“Mulher, eis o teu filho” e aponta para João.
-“Filho, eis aí a tua Mãe”.
Ó Virgem, como viestes tão tarde! Foram dolorosos os sete espinhos de
95
vosso caminho? Como foi penoso tornar-se mãe da Humanidade!
Declarada por Jesus mãe de João, símbolo da Humanidade, Maria tornouse mãe de todos os homens.
E hoje estamos diante de Nossa Senhora, Mãe dos Homens!
De muitas partes sobem preces a Nossa Senhora. Ela é a rainha das estrelas... de
todos os recantos iluminados pelas estrelas... portanto, a rainha do Caraça.
No Caraça, há crianças simples, inocentes. Crianças, que trazem no olhar
as cores da esperança; que entoam hinos, em tonalidades tão suaves como o cantar
dos rouxinóis. Crianças, dai-me vosso olhar, para eu ir ver a Virgem! Dai-me vosso
canto, para eu ir louvar a Virgem!
No Caraça, há também jovens. Jovens tangidos pelo sonho do ideal e com
a alma ungida pela grandeza das coisas belas. É essa mocidade que canta e reza aos
pés da Virgem. Jovens, dai-me vossos sonhos e a grandeza de vossas almas, que eu
também vou rezar à Virgem.
Agora, cantemos todos a Maria.
Cantai, ó padres do Caraça. Cantemos também os apostólicos.
Cantai, ilustres visitantes, que vieram de São Paulo para peregrinar no
Caraça.
Vamos cantar e rezar, em coro, todos os caracenses.
Nada mais jucundo, nada mais doce que trazer no olhar a luz dos astros, nos lábios
as canções dos ninhos, para que todos os homens possam rezar, possam cantar à
Nossa Senhora Mãe dos Homens.
Adônis da Cunha Ramos
N.B. Transcrito no Livro de Ouro, em 26.11.1956, por Geraldo Humberto Venuto,
quando o autor, desde 20.03.55, já não mais era aluno do Caraça.
Discurso de um acadêmico vicentino pronunciado em uma sessão
simples
Assentado em sua mesa de trabalho, um jovem ambicioso e sonhador
pensava, meditava um futuro glorioso.
Que serei mais tarde? Que serei quando for homem?
Serei um grande sábio: serei um Pasteur, um Arquimedes, um Ampère dos
modernos tempos de minha época.
Descobrirei remédios, serei exímio matemático. Oh! Sim! Serei um sábio,
serei um dos grandes benfeitores da humanidade.
96
Os cálamos dos escritores me louvarão, as liras dos poetas me bendirão.
Extasiado, contemplava os séculos vindouros. Mais adiante, vê a glória de
César, as vitórias de Napoleão.
Serei guerreiro, serei soldado, serei um general, aumentarei com o gume
de minha espada os domínios de um país.
Sonha-se um sábio, um grande cidadão, um general corajoso dotado de
grande presença de espírito.
Morrerei célebre em um campo de batalha, as gerações vitoriosas elevarão
meu busto sagrado como um mártir na defesa da pátria.
Cobrirão de lágrimas o meu mausoléu as gerações vindouras que me
bendirão.
“Ó vós que nos destes a liberdade, ó vós que a custas de vosso sangue
levastes a pátria ao apogeu da glória, sim, a vós, agora, queremos honrar.”
Sim! Desta forma serei grande, serei glorioso. Mas sou ambicioso, não me
contento com o glorioso, quero o gloriosíssimo.
E, folheando os livros de sua biblioteca, encontraram um que se
intitulava: “A maior ação do maior homem.”
Ali, seu espírito ansioso de novidades, revelava-lhe o autor as belezas da
Santa Missa.
Devorou com ansiedade aqueles capítulos.
Era aquele livro sua leitura favorita, não pensava mais em revistas e
jornais.
Aquela alma entusiasta tomou outro rumo. De dia para dia tornava-se
mais arrastada pelo ideal de ser padre.
Acabaram-se as leviandades, de uma só vez cortou as más companhias,
frequentou o catecismo, foi à missa aos domingos e eis um jovem exemplar, uma
alma apta para o serviço de Deus.
Não tardou muito e já procurava os sábios conselhos de um sacerdote que
o guiasse no meio das trevas. Queria mudar de vida, queria consagrar sua
empolgante mocidade, seu entusiasmo juvenil ao serviço de Deus.
Eis, caros colegas, uma imaginação, uma realidade. Uma imaginação,
porque só existe em nossa imaginação a figura deste.
Mas não é só imaginação, temos também a realidade. A realidade sois vós
caros colegas, somos nós que nos preparamos para servir a Deus.
Como é belo ver a um padre a celebrar a Santa Missa. É na Santa Missa que
o padre se mostra um taumaturgo . É o maior de todos os taumaturgos. Sarai
doentes. Curai cegos e mudos. Fazei com que os coxos andeis é um poder.
Mas o poder de transubstanciar, isto é, o poder de transformar e mudar o
pão e o vinho no corpo e no sangue de Cristo, só é dado ao padre.
Como é sublime o padre no altar. É maior que todos os generais, que
todos os sábios.
97
O padre ainda é grande no confessionário: tudo o que ligares na terra será
ligado no céu, tudo o que desligares na terra será desligado no céu. A quem
perdoares os pecados serão perdoados. E os pecados daqueles a quem retiverdes
serão retidos.
Sublimes palavras pelas quais Cristo transformou o padre em médico para
sanar as nossas mazelas espirituais.
O “perdoar pecados”, eis o poder de que investiu o sacerdote e a ele só.
Outrora apresentaram um cego ao Nosso Senhor para que Ele o curasse. E, para
grande admiração de todos, Jesus, em vez de curar-lhe o corpo, curou-lhe a alma.
Ficaram, então, escandalizados com esta obra: “É Jesus”, murmuravam entre si.
Por aí vemos, caros colegas, como é belo o poder de exercer o ministério
da confissão.
Dentro de um confessionário não é o padre que age, mas sim o próprio
Cristo.Vejam, pois, como o padre é grande no confessionário perdoando os
pecados, curando as almas atacadas pelo pecado.
Caros colegas, vejamos quantas ovelhas perdidas, quantas abandonadas
sem pastor, quantas não se lembram de Deus.
Ó Maria, eis que sois a mãe dos missionários. Guiai-nos a nós, jovens, no
caminho do sacerdócio.
Ó, como é belo ser padre, padre missionário, outro filho vosso. Ó mãe
celeste, atendei a esta insistente prece e vós, colegas, olhai para o vosso futuro.
Olhai e pensai nas almas que vos esperam. Quantas almas há cuja salvação depende
somente de nós. Voltai vossos olhos para o mundo e vede quantas almas atoladas
no tormento do pecado, quantas crianças desoladas e ninguém para socorrê-las. Só
o coração de um bruto não sentiria o que lá se passa.
Vamos amigos, a tarefa é árdua. Haveremos um dia de escalar essa
montanha por nós tão almejada. E de mãos abertas diremos: “Senhor, eis-nos,
chamaste-nos e seguiremos as pegadas e o Senhor, sorridente, nos dirá: 'Filhos, ide
por esses caminhos mais afastados. Tirais dos espinhais as minhas ovelhas'.”
Ah, quantas almas se perderam. E por quê? Não será por falta de padres?
Ó, nós, jovens de hoje e homens de amanhã. Ó, nós que seremos os baluartes deste
Brasil que agora sorri.
Somos frágeis, somos avezinhas de Cristo, que deveremos voar por estas
matas deste grande Brasil.
Ó missionário! Ó beleza! Ó santidade! Ó sublimidade! Eu vos reverencio,
eu vos ambiciono para mim e para os meus colegas.
Ó imortal obra-prima de Deus!!!
Raymundo Sotero Vieira (6º ano)
Caraça, 5 de fevereiro de 1956
98
Discurso pronunciado na Academia São Vicente de Paulo, dia
25 de abril de 1956
Caíra a noite, lançando sobre a terra seu véu imponderável de mistérios,
de perfumes e de saudades.
Pássaros aos bandos cruzaram o céu profundo, céu de ametista... Os
bandos ruidosos das moças e dos lavradores já passaram de há muito, cantando.
Vésper despontou no céu, fresca como as rosas de Jericó, doce como um
beijo de mãe...
Numa sala penumbrosa, uma Virgem...
Na alma iluminada dessa Virgem, uma prece...
Na prece sublime dessa Virgem, a prece universal...
- Mandai, ó céus, o orvalho do justo. Chovei, ó nuvens, o Salvador.
Maria reza...
Súbito, uma luz ofusca. Desce um anjo do céu.
- Ave Maria, cheia de graça, o Senhor está contigo, bendita és tu entre
todas as mulheres.
Maria se perturba. Ferem-lhe a humildade semelhantes palavras. O anjo a
sossega:
- Não temas, Maria, porque achaste graça diante do Senhor. E conceberás
e darás à luz um filho e o chamarás Jesus. E Ele será chamado Filho de Deus. E o
senhor lhe dará o trono de Davi, seu pai, e Ele reinará na casa de Jacó para sempre.
E não terá fim o seu reino.
Maria não hesita. Ela é toda confiança.
Maria não duvida. Sabe que para Deus nada é impossível. Sabe-o, mas
quer apenas saber como se fará isso se prometeu virgindade perpétua a Deus.
- O Espírito Santo virá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a
sua sombra.
E Maria, então, se humilha dizendo:
- Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim, segundo a tua palavra!
E afastou-se o anjo...
Maria se recolhe... Não dorme... Palpita em seu seio e Deus onipotente!...
Ela que queria ser a escrava da mãe de Deus, a Mãe de Deus!
A criatura contém ao Criador!... O finito ao Infinito!...
O temporal ao eterno!...
E Maria antevê suas glórias. Antevê também suas dores. Vê sua exaltação
futura. Vê seu martírio tremendo.
99
Vê aquele germe fecundo em seu coração. E se extasia.
É a ânfora a conter o nardo. A ânfora se perfuma...
Maria reza...
*****
Ele nasceu em gruta e noite fria...
Ao cristal puro atravessou a luz...
Na roseira divina que é Maria...
Despontou de Jessé a flor: Jesus!
Quando a mãe o beijava ele sorria:
Tremiam-lhe de frio os braços nus:
Jesus sol que nos aquece e alumia:
Com seu frio para nós produz calor.
Maria sofre ao ver Jesus sofrendo.
Ela que sabe que um martírio horrendo
Esse filhinho um dia vai matar!...
Como a ocultá-lo das lutas futuras
Beija, chorando, aquelas mãos tão puras,
Que enorme cravo iria atravessar!...
Maria chora... E abraça-o como só as mães sabem abraçar. Depõe-lhe na
fronte divina seus mais quentes ósculos. Como é duro, porém, ser mãe de Deus!
*****
Em sua vigília, ignorando as maravilhas que se realizaram, conversam os
simples pastores. Conversam. Falam sobre o Messias, talvez. Porque se fossem
conversas profanas que os ocupassem, não receberiam aquele aviso do anjo. Foi
assim:
Uma luz brilhante os circundou, deslumbrando-os. Assustando-se. E um
anjo aparece e lhes diz:
- Não temais. Eu vos anuncio grande alegria.
Nasceu-vos hoje o Salvador. Assim o reconhecereis. Encontrareis um
menino envolto em paninhos e posto num presépio. – No mesmo momento,
grande multidão de anjos aparece junto do mensageiro celeste, cantando: Glória a
Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade!
100
E eles rápidos, pressurosos, dirigem-se para a gruta indicada pelo anjo. Era ali
perto. Chegam. Entram. Prostram-se. Adoram a Jesus. Entremos com eles, meus
amados irmãos. Entremos como eles. Humildes. Mortificados. Deslumbrados.
Gratos. Com eles e como eles ofereçamos ao ridente Jesus nossos presentes
simples. Nossas mansas ovelhinhas. Nosso leite fresco. Nosso mel dourado.
Nosso queijo rescendente. Nossa camisa de lã. Nossos agasalhos. Nosso amor.
Nosso coração!!!
*****
Nos céus do oriente longínquo desabrochou uma fulgurante estrela.
Faiscante como um olhar puro de criança. Ardente como uma dolorida lágrima de
saudade!... Uma estrela milagrosa.
Três magos a vêem. São reis. São sábios.
Vêem-na e imediatamente deixam seus reinos.
Suas casas. Parentes, amigos. Conforto. Prazeres.
Seguem a estrela. Ela os guia. A nós também nos guia. Sigamos a ruidosa
caravana. O passo tardo dos camelos nos permite acompanhá-la.
Cheguemo-nos com eles. Silêncio... Baltazar, Belchior e Gaspar se
avizinham da manjedoura risonha. Adoram, genuflexos, o Menino, o Deus
Menino. Adoremo-lo.
Oferece-lhe um incenso. Ele é Deus! Ofereçamos-lhe o perfume suave de
nossas orações.
Entrega-lhe outro um cofre cheio de ouro. Ele é Rei! Entreguemos-lhe
também o ouro do nosso amor, do nosso coração. Não num cofre difícil de abrir,
mas desenvolto. Limpo. Palpitante. Quente. Amoroso.
O terceiro mago depõe-lhe, hesitante, aos pés mimosos uma urna negra.
Negra como uma noite sem estrelas. E soluça:
- Ao homem que há de morrer...
E levanta-se. E sai. Os três saem. Somem-se na noite estrelada. E fenece,
no céu, a refulgente estrela.
Jesus Deus! Jesus Rei! Jesus Homem!
Ajoelhemo-nos junto desse presépio. Meditemos...
*****
101
Nossa Senhora vai... Céu de esperança
Corando-lhe o perfil judaico e fino...
É um raio de ouro que lhe tinge a trança
É como um grande resplendor divino.
O seu olhar, tão cheio de ondas, lança
Clarões longínquos d'astro vespertino...
Sob a túnica azul, uma alva criança
Chora: é o vagido de Jesus. Menino.
Entram no templo... Um Hino do céu tomba...
Sobre eles paira o Espírito Celeste,
Na forma etérea de invisível pomba.
Diz-lhe o velho Simeão: “Por uma espada,
Já que ele te foi dado e que o quiseste,
A alma terás, Senhora, trespassada...”
Alphonsus de Guimaraens
*****
Herodes não suportava a ideia do Rei dos judeus, anunciado pelos magos,
nascido em Belém.
E embalde esperou pelos reis orientais. Já estavam longe.
E fuzilou-lhe no cérebro doentio a mais inumana ideia. Mandou matar
todos os meninos de menos de dois anos, de Belém. Matar sem exceção!
Correu o sangue na cidadezinha. Subiu ao céu o clamor das mães!
Jesus, porém, como a pomba que avisada deixa o ninho que ameaça uma
cobra, fora levado para o Egito. Maria se despede de Israel. Até quando? Não o
sabe.
E na fuga tudo os inquieta. O sussurro das tamareiras parece indicar o
vozerio ainda longínquo dos cruéis legionários. As sombras aterrorizam Maria.
Jesus, ridente e meigo, não parece ver as lágrimas quentes a rolar, cristalinas, no
rosto de sua mãe como estrelas na face pura do céu. Uma expressão de terror
empana seus olhos misteriosos como dois ocasos.
102
Somente ao ver o amor de seu jovem amante esposo, somente ao entreterse com seu divino filhinho, ao beijá-lo afetuosamente, pondo nesses beijos toda sua
alma, somente então Maria se alegra. Mas a alegria de sua infância baniu-se para
sempre daquele peito. E aquela alma tinha seu céu quase sempre anuviado.
Mas voltaria, em Nazaré, a paz, a bonança, o céu inteiramente azul, as
noites todas estreladas.
Quanto custava, porém, ser Mãe de Deus!
*****
A vida de Jesus começou no seio casto de Nossa Senhora. Vivia Jesus nas
palpitações daquele coração virginal. Nasceu numa bela noite, noite de inverno,
porém. Tremiam-lhe de frio os bracinhos rosados. Veem os pastores. Os magos.
Vem a dolorosa circuncisão. A cruel profecia na apresentação. Vem agora a fuga
para o Egito.
Desde o presépio a vida de Jesus foi uma dor contínua, lancinante. O
botão parecia cor de rosa ou branco. Desabrochou, porém, sangrento.
Rebrilhantemente sangrento. Gotejando sangue.
E nós, meus irmãos? Nós, botões da mesma roseira, havemos de florir
brancas. Não, por certo!
Peçamos a Nossa Senhora, a ela que colheu a primeira rosa dessa roseira
divina. – A Igreja, que nos colha.
Diminuamos nossos espinhos para não ferirmos a celeste jardineira.
Sejamos o mais perfumado possível. E ela nos levará para o altar de seu Filho, onde
ficaremos para sempre, por todos os séculos dos séculos!
O acadêmico Castro Alves – Lauro Palú
103
Recitado por um acadêmico vicentino
Meu amigo, não encontrarás aqui uma joia literária, mas a bondade dos
colegas.
Uma cortina desce.
Cerra-se ante nossos olhares.
Além, muito além, no infinito, um quadro estampa-nos.
O Brasil, “pátria amada, idolatrada”, é alvejado.
Uma bolha vermelha sanguinária flutua impressionante. Encontrá-laemos além-mar, nas profundezas submarinas.
Encontrá-la-emos onde a existência feliz não sorri.
Uma bolha purpúrea sobe em borbotões impetuosos, desfaz-se tingindo a
tona.
Esta bolha rubra é o vermelho acontecimento, o infeliz sofrimento.
O sofrer de um povo, de uma nação, é a maior desgraça.
Infortúnio este a amortalhar a pátria brasileira. Infelicidade esta a cobrir
com um triste sudário a sombra do Cruzeiro do Sul.
“Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança à terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.” (Duque Estrada)
Ó Brasil, um sonho intenso, tu, um raio de luz, amor, esperança, a viver
eternamente em nosso coração, tu, a nossa vida, tu, a nação querida, ó Brasil, tu, a
predileta da religião cristã, sendo privilegiada com o estrelar Cruzeiro, imagem da
redenção, deixaste envenenar-te por uma flecha de morte.
Tu nasceste da alma Franciscana, tu, a glória da Igreja, tu escreveste uma
página dantesca em seu livro histórico.
Tu, Brasil, a poesia das poesias, mostraste uma nódoa negra.
*****
- “E o que é que eu fiz, Senhor?!
Que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!” (Castro Alves)
*****
104
Foi naquela tarde. Tarde aquela de perdição. Tarde titubeante de um
futuro incerto. Naquela tarde, povo maldito, ergueste a Deus a taça de amargor: a
paixão do século. Deixaste levar-te, boiar-te nas águas daninhas da sensualidade.
Mas, será um sonho? Talvez.
Como direi eu? Onde estaria?
“Deus, ó Deus, onde estás que não respondes?
Em que mundo, em que estrela tu te escondes.
Embuçado nos céus?
Onde estás, Senhor Deus? (C. Alves)
Não era sonho. Julguei-me atônito.
Era um quadro horrendo.
Era uma verdade.
Naquela tarde trocaram-se os corações.
A pureza virou satânica.
*****
Através dos jornais, do rádio, vimos, ouvimos...
Que será? Qual infortúnio subiu à tona? Que atrocidade maior que a
infelicidade nos aguarda?
Na tão dita desventurada tarde, muito acima de Minas, nas terras
infrutuosas, houve um fato trágico. Em uma cidade, um indivíduo sobe uns
degraus de um palácio. Passos apressados de um precipitado, de um atrapalhado.
Mascara-o a fisionomia um burel negro. Na aparência, alguém que impõe respeito;
no olhar, o mistério, a inquietação; no rir, a falta de caráter; nas palavras, uma
catarata de explosões; no ideal, o destino de um assassino; no coração, o segredo do
ódio, da vingança; no agir, a agitação.
Para ante a porta, aperta a campainha. O instinto animal estremece-lhe, a
consciência acorda-o.
O som da campainha ordena entrada: Entre, respondem-lhe.
Vacila. Teme a ação. Sofre a alma: Filho, que fazes?
O ardor do ódio queima-lhe o coração.
Vence.
Avante! Entre! Sussurra-lhe o inferno.
*****
Era um salão belo, pintado à religião cristã. Exalava ali um perfume de
inocência.
De repente?!
105
“Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se é mentira... se é verdade
Tanto horror perante os céus?
Fatalidade atroz que a mente esmaga.” (Castro Alves)
Ouvem-se três tiros, três detonações.
Três gemidos, três perdões
Tomba uma vítima. Tomba um herói. Tomba um mártir.
Foge, ao mesmo tempo, um covarde. Foge um criminoso. Foge um orgulhoso.
Estirado, gemendo, perdoando está um Bispo.
Temeroso, rugindo o coração, desesperado, foge um Padre.
Ó ouvintes, calamidade, pura calamidade se nos deparou naquela tarde.
Ó Senhor, que monstruosidade! A quem escolhestes, não destes o vosso olhar
paterno.
Fostes vós mesmo que o escolhestes.
Os vossos desígnios são incompreensíveis.
Por que esta planta nasceu no pedregulho?
Eis o vosso servo, o vaso de eleição, a matar o Pai. Ei-lo!
“Astros, noites, tempestades,
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!” (Castro Alves)
*****
O calafrio passou.
Tudo apagou.
Mas este mesmo criminoso nasceu.
Ele mesmo viveu, e, por fim, ele mesmo morreu.
Nasceu dos homens. Viveu entre os homens.
Teve um ideal. Cultivou a semente semeada. Foi para o Seminário.
Mascarou-se hipocritamente. Era a bananeira. Ora o vento soprava daqui, ora dali.
Rivalidade, orgulho, altivez ambicionavam-no. Desobediências, vaidades,
rigidez minavam naquela alma. Descontente, indelicado, crítico, espírito colegial
eram-lhe adjetivos costumeiros.
Crescia... subia as ordens...
No entanto, escondia tudo isto no coração.
Gênio violento: Nolite tangere, não o toques, chega de leve.
Chegou, enfim, o dia grande. Grande para os grandes.
Recebeu ele a sotaina do amor, da bondade, da misericórdia.
É o novo Cristo mascarado, mestiçado: o egoísta, o crítico.
Coitado?! A raiz apareceu lá embaixo.
Engrossou. E veio o castigo.
106
Escondeu tudo para arranjar a desgraça.
E a morte deu-lhe em face.
O abismo da morte: o pecado, superior a todos os males.
E, agora, julgai-o vós. Condenai-o se for réu.
*****
“Bastai, Senhor! De vosso potente braço,
Role através dos astros e do espaço.
Perdão pra os crimes meus!
E sentai o brado meu lá no infinito.
Meu Deus! Senhor meu Deus” (C. Alves)
Perdão, perdão!
*****
Ao lado, porém, deste homem.
Que prodígio! Sim, Brasil, és grande, “és belo, és forte, impávido, colosso.
Gigante pela própria natureza.
E o teu futuro espelha esta grandeza.”
És grande, ó Brasil. Os teus filhos o são.
“Mas, se ergues da justiça a clava forte.
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte”
Viva Brasil! Teus filhos nasceram em ti. Teus filhos vivem em ti, portanto
não temem a luta, dizem o que está errado.
“Nem teme, quem te adora, a própria morte”.
E ao lado do “sol da liberdade, em raios fúlgidos, que brilha nesse instante no céu
da pátria”, brilha o heroísmo, brilha o dever. Brilha o amor, brilha a esperança.
Brilha no céu da pátria a liberdade.
Palavra mágica! Palavra domadora de um povo escravizado!
Sim, o sol da liberdade cintila ao nosso lado.
O sol da liberdade dos direitos, não o direito da imprensa, mas o da religião.
Liberdade! Liberdade!
Liberdade de religião, de patriotismo. Liberdade do dizer sim e do não.
“Em teu seio, ó liberdade,
Desafia o nosso peito a própria morte”
Por causa dela, o teu filho caiu cambaleante ao chão.
Liberdade! Palavra estupenda.
Tiradentes, o mártir da Independência subiu ao cadafalso, singrando com
os olhos a multidão estonteante e lutando com a morte para conquistar esta
palavra:
107
Liberdade! Liberdade.
Expedito Lopes, o mártir, recebeu três tiros para se apoderar, para pregar,
para derramar no solo brasileiro o sangue puro do dever.
Liberdade! Liberdade!
Uma liberdade para dizer que a Igreja vive. Para mostrar que o Brasil é Católico.
Expedito Lopes semeou o seu sangue para nascer novas mudas, novas
plantas viçosas.
*****
Ó Igreja de Cristo, gloriai-vos, exalta-vos, regozijai-vos, porque estais,
nascestes para o Brasil.
Alegrai-vos com mais um bem-aventurado: mártir do dever.
Ó Jesus, sumo e eterno sacerdote, perdoai-nos, abençoai-nos
Fazei deste mártir a glória da nossa nação. Apagai-nos esta nódoa.
*****
Ó Brasil,
“De amor eterno seja símbolo,
O lábaro que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro desta flâmula,
Paz no futuro e glória no passado”
“Glória no passado”, coloquemos uma pedra por cima do passado, às vezes,
lúgubre e vivamos nós, ó Brasileiros, de acordo com a Igreja, o presente.
“Paz no futuro”, palpite no nosso peito este ideal.
*****
Ouçamos sempre, à sombra do Cruzeiro do Sul, sinal da nossa
predestinação, símbolo da religião, o exemplo deste filho brasileiro: Mártir do
Dever, ouçamos um grito de um herói, um avante decidido para levarmos a nossa
Cruz querida, à medida de nossa vida.
Tornemo-nos cada vez mais constantes no dever e saibamos dizer um sim
e um não viris, de caráter, desde a Cadeira Presidencial, ao mais pobre, desde o
Cardinalato ao Seminarista.
E na bandeira nacional,
“Auri-verde pendão da minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
As promessas divinas da esperança”. (C. Alves)
108
Vejamos neste troféu glorioso do passado, um Cruzeiro de cores mais
brilhantes, engastado nele o exemplo de D. Expedito Lopes. Olhemos o herói do
Brasil, do dever, do caráter.
Tenho dito.
José Pedro de Araujosilva
C.: 9-7-57.
Discurso pronunciado em uma sessão simples
Caros acadêmicos, eis o que nos diz uma revista que, aliás, não é brasileira:
“O Brasil que é o maior país católico do mundo, 53 milhões de católicos,
não tem senão 8.244 padres, isto é, o mesmo número que a Holanda para seus 4
milhões de católicos. Assinalemos, passando à honra dos holandeses que
conhecem bem essa desproporção. Com efeito, entre os 8.244 padres do Brasil,
mais de mil são holandeses.”
Estas palavras não foram lábios brasileiros que as pronunciaram, nem
tipografias brasileiras que as imprimiram; vieram de longe, vieram das praias
longínquas de além mar, vieram dos lábios dos franceses, dos lápis dos franceses,
das tipografias francesas.
Caros colegas, podemos ainda sustentar que o Brasil é o maior país
católico do mundo?
Creio que não. Resposta dura, resposta que nos faz doer o coração. E por
quê? Por que é que somos obrigados a dar tal resposta?
E a culpa é nossa: somos seminaristas covardes. Cristo nos olha com o
olhar mais meigo que pode ter e, em troca, nós lhe viramos as costas.
Ele nos chama lá do sacrário, ele chora, ele se lamenta: “Filho querido do
meu coração, eu me fiz prisioneiro por teu amor, e não vens me visitar? Queres que
eu fique irado contra ti? Que queres mais? Não posso te dar coisa melhor do que
esta; meu amor já não encontra coisa mais agradável para ti: queres ver sangue? Se é
isto, eu morrerei de novo por ti”.
Mas, uma infame revista de quadrinhos nos tapa os ouvidos; uma briga,
uma falta de caridade é a resposta de tão lamentosas queixas.
Nós, caros colegas, deveríamos ter um espírito mais missionário, um
espírito mais de seminarista. Se continuarmos assim, que será de nosso caro Brasil?
Continuará sendo o país em que até os padres matam seus pastores.
Jesus reclama, caros colegas, ele chora. Ele pede especialmente, a nós,
seminaristas, o nosso amor, amor pela sua messe, amor pelas missões, numa só
palavra. Missões que deveriam ser único ideal.
Vamos trabalhar pelas missões, vamos rezar pelas missões, vamos ser
109
missionários. Nós vicentinos, e vós luisences e todos nós caracenses. Que nossos
corações sintam o badalar dos sinos das igrejinhas da África e mesmo de nosso
querido Brasil.
Vamos negar o convite de Cristo? Vamos desprezar Jesus? Não, caros
colegas.
Que se abram as cataratas do céu, que os vulcões engulam a terra, que que
raios caiam, que desapareçam todas os mortais da face da terra antes que isso
aconteça.
O nosso desejo é só Jesus e missões:
Missões doce canto em meu lindo ideal.
Que, à minha frente, põe a doce cruz,
Fazendo que eu contemple no horizonte
Um meigo e doce beijo de Jesus.
*****
Missões, ao pensar em vós, sinto em meu peito,
A glória de um altar já levantado,
Estranho monumento alçais já na alma,
Contendo em si um Deus aprisionado.
*****
A ufanar-se cheio de alegria,
O nosso peito vos ergue ao esplendor,
Não por donaires, nem por gentilezas,
Santas missões, somente por amor.
*****
Levantai-vos, mostrai o rosto ufano,
Ò vós que até hoje estais na escuridão.
Vinde rainha amada, minha columba (sic)
Suspira por vós em frenesi o coração
João Evangelista Teixeira Leite
110
Discurso pronunciado numa sessão solene
Dia 11 de novembro de 1958. Seu autor é o professor de literatura do Caraça e Diretor das
academias São Vicente e São Luís, Pe Jair Barros.
17 de Maio de 1784. 174 anos rodados já. O irmão Lourenço, de pé, um
terço caído das mãos calejadas, olhos grandes e misteriosamente umedecidos,
segura uma grande caldeirinha de água benta. E o Padre Manuel Coelho dos Reis,
da freguesia de Castas Altas, vai benzendo, solene e piedoso, a imagem recémvinda de Portugal, a Senhora Mãe dos homens, a padroeira do Caraça.
Nos seus bons tempos, o irmão Lourenço celebrava, pomposamente, a
festa da Padroeira do Caraça. Todos os anos, no dia 29 de agosto, havia na Capela
“Missa cantada pelo reverendo Capelão, a canto-chão, toque de órgãos, e davam-se
ao pregador 12 mil reis (12 cruzeiros) pelo sermão. Naquele dia o povo não se
cansava de repetir: Senhora Mãe dos Homens, rogai por nós.
11 de outubro de 1958 o mundo gira num crepe de pesar, de saudades,
olhos perdidos nas curvas do passado, num esforço falaz de discernir entre os
vivos aquele que jaz entre os mortos, Pio Doze, o Papa de Maria.
11 de outubro de 1958. Festa na terra. Nas terras do Caraça, a Senhora
Mãe dos Homens reclama homenagens. E canta-se uma missa solene. E
consagram-se a ela novos filhos. E há mais sabor nos pratos. O sol se escondeu,
murchou, despontou nos corações, luziu.
Uma sessão a Maria, Senhora dos Homens, Nossa Senhora e mãe nossa,
de todos nós. É de praxe a formalidade de uma fala, a construção de sons e de
musas.
Que direi? À eloqüência do dia que acrescentará?
Sou padre! Meus caros apostólicos, sereis padres! À Senhora Mãe dos
Homes devemos, pois, uma devoção sacerdotal (mineira) missionária.
*****
Não estará Maria na origem do nosso sacerdócio? O padre é outro Cristo.
Ora, em que catedral se deu a primeira ordenação sacerdotal, pergunta piedoso
autor? Foi no seio virginal de Maria, no preciso momento do fiat, quando pela
aceitação voluntária Ela permitiu ao verbo de Deus tomar a natureza humana.
Qual o altar da primeira missa? O corpo virginal de Maria; Mãe de Cristo Sacerdote,
Maria é, portanto, Mãe de todos os continuadores do Sacerdócio de seu Divino
Filho, dos padres e daqueles que, como vós, se preparam para o Sacerdócio.
111
Mais ainda: quem protege o nosso sacerdócio, vossa vocação ao sacerdócio? A
senhora Mãe dos Homes. Estrela luzente, guia nas trevas a nau que vacila. Alteiam
as vagas. Ronca a procela. Tremeluz o ideal na lufada da dúvida. Quem, singrando a
via dos escolhidos, não terá sido assaltado?
A luta é condição da vitória. As tentações nos fazem vigilantes e humildes.
Como vencer? Recorrendo àquela cujos pés esmagaram a cabeça da serpente, de
quem nos circunda e enlaça.
Ouvintes, na vacuidade desta miscelânea de trechos roubados, encerro
minha homenagem à Senhora Mãe dos Homens, a cuja sombra formei-me. Cujo
sorriso acalmou-me. Cujo olhar confortou-me vezes sem conta.
E termino. Termino, deixando cair em vossos pacientes corações a prece que
melhor achei para o que disse: é um morto que fala. Ouçamos Pio XII:
“Ó Virgem Imaculada, Mãe de Deus e dos Homens, sabemos que o vosso
olhar que maternalmente acariciava a humilde e sofredora humanidade de Jesus na
terra, sacia-se no céu na contemplação da gloriosa humanidade da sabedoria
incriada, e que o gozo da vossa alma ao contemplar face a face a Trindade Adorável
vos faz palpitar o coração de beatifica ternura. E nós pobres pecadores a quem o
corpo dificultava o voo da alma, vos suplicamos que purifiqueis os nossos sentidos
a fim de que aprendamos já nesta terra a deleitar-nos em Deus, somente em Deus,
no encontro das criaturas. Cremos que na glória onde reinais revestida do sol e
coroada de estrelas sois, depois de Jesus, a alegria e o júbilo de todos os anjos e
todos os santos. E nós desta terra onde somos peregrinos, confortados pela fé
numa futura ressurreição, volvemos nosso olhar para vós, nossa vida, nossa
doçura, esperança. Atraí-nos com a suavidade de vossa paz, para mostrar-nos um
dia, depois do nosso exílio, Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó
piedosa, ó doce sempre Virgem Maria”.
Copiado por José, presidente da A.S.L
dia 12 de dezembro de 1958
112
Discurso pronunciado numa sessão simples a 1 de março de 1964
“Paz na terra, anseio profundo dos seres humanos de todos os tempos.
Senhor, tu o fizeste pouco inferior aos anjos e o coroaste de glória e honra;
deste-lhe o domínio sobre as obras das tuas mãos, colocaste todas as coisas sobre
os teus pés.
É direito da pessoa escolher o estado de vida, de acordo com suas
preferências e, portanto, de constituir a família na base da paridade dos direitos e
deveres entre o homem e a mulher; ou então, de seguir a vocação ao sacerdócio ou
à vida religiosa.” Palavras do Santo Padre o Papa João XXIII em sua encíclica,
Pacem in Terris.
Queiramos ou não, achamo-nos envolvidos em uma disputa entre duas
vidas. De um lado o ocidente com sua liberdade, crenças, tradições; do outro, com
toda sua falsidade o comunismo, que vive, crê e espera na matéria, representado
pela Rússia e seus satélites.
Não podemos, é verdade, cometer o capricho de julgar perfeito o sistema
de vida do mundo ocidental. Toda obra humana tem seus defeitos. Mas o simples
fato de podermos constatar tais defeitos, pugnando pela sua correção é uma
grande vitória. Por outra parte, não podemos acreditar na perfectibilidade do
sistema de vida comunista. Dizem os comunistas que já conseguiram solucionar
todos os problemas com que se debate o mundo ocidental. Podemos crer que
realmente tenham solucionado alguns de nossos problemas e se tal ocorre é mister
estudar as conclusões por eles encontradas e aplicá-las, sendo válidas, ao nossos
problemas. Neste caso com simplicidade copiaremos dos nossos inimigos o que lá
encontrarmos de bom e útil, mas não tudo, porque o comunismo é ateu e,
portanto, inimigo da nossa religião e democracia.
O cristianismo e o comunismo, embora termine tudo em “nismo”, são
dois diferentes sistemas de vida. Os comunistas atribuem a seu partido coisas que
atribuímos somente a Deus.
O cristão diz: Deus é eterno.
O comunismo diz: A matéria é eterna.
O papa é infalível, diz o cristão.
A matéria e infalível, diz o comunista.
Os vermelhos, caríssimos ouvintes, usam como principal arma para
conquistar o mundo, a subversão. Por toda parte do mundo encontramos
propagandas comunistas. Conta-se que gastam no Brasil mais de 7 bilhões de
cruzeiros.
113
Contra o comunismo só existe uma grande força capaz de o derrotar: cristianismo.
A filosofia cristã é o universalismo. O universalismo católico é seguro e tem seu
fundamento em Deus, ao passo que o universalismo comunista é (incerto)
inseguro e tem seu fundamento em Karl Marx e no sonho dos revolucionários
comunistas. Sonho de conquistar o mundo.
O comunismo nega todo o sobrenatural, prometendo felicidade plena na
terra.
Paraíso Vermelho!...
Como já disse, a Rússia pode ter muitas coisas que nos sirvam, não há
dúvida; como a lei agrária. É invenção dos russos. É boa para nós, mas só quando o
comunismo deixar de agir, de perturbar e atrapalhar, é que se poderá fazer esta
reforma. E muitas outras coisas, se precisarmos, realmente, adaptá-las ao nosso
mundo livre, devemos fazê-lo não só com simplicidade, mas também com
prudência, a fim de que não criemos simpatia para com o regime vermelho.
O caminho indicado por Deus é o que devemos seguir: realizar a justiça,
exercer a caridade. Realizar a justiça. O que se deve dar por justiça, não se pode
dizer benefício. O salário deve ser dado por e com justiça e não por benefício. O
operário é digno de sua paga, diz Nosso Senhor. Exercer a caridade. Todos nós
temos necessidade não só da justiça, como também da benevolência, gentileza,
compreensão e amor. No comunismo, faltam estes dois princípios fundamentais.
A justiça nos dá a beleza da ordem com o programa: “A cada um o seu.” A caridade
nos dá o perfume e alegria da vida.
Maurício Roberto
Discurso pronunciado numa sessão simples a 15 de março de 1964
Não é somente na guerra, diante do inimigo, que o Brasil espera de seus
filhos o cumprimento do dever, mas também em período de paz, que tem
igualmente os seus combates, as suas vicissitudes e as suas vitórias. Se desde que
alcançamos a nossa independência, os brasileiros tivessem cumprido o seu dever, o
Brasil seria, hoje, uma grande potência. Mas, infelizmente, o que se tem visto
durante 142 anos é o dever constantemente massacrado e sacrificado a interesses
partidários e mesmo pessoais.
No nosso país, as autoridades legitimamente constituídas não cumprem o
seu dever. O brasileiro traz, dentro de si, uma tendência para desrespeitar as leis e
abandonar o seu dever. Aqueles que deveriam legar aos seus dirigidos o exemplo,
não cumprem o seu dever. Pelo contrário, desrespeitam as leis do povo, as leis da
democracia, desrespeitando as leis da Constituição.
Infelizmente, é isso que temos visto na nossa pátria, principalmente,
114
nos últimos tempos. Os nossos governadores não são dignos da nossa confiança,
porque não cumprem o seu dever. Nem mesmo merecem a nossa estima, pois não
passam de triviais demagogos. A atual autoridade máxima, no nosso país, é um
homem sem caráter, um homem que não traz, em si, a convicção do seu dever. Ele
é um dos que procuram entregar o país nas mãos dos estrangeiros. Ele é um dos
cânceres que se apoderaram de nossa pátria. Foi ele quem mandou fechar o
Instituto Brasileiro de Ação Democrática. Foi ele quem convidou o Marechal Tito,
algoz dos cristãos na Iugoslávia, a visitar a nossa pátria. Foi ele quem mais
trabalhou para conseguir a assinatura do diabólico decreto da SUPRA. Foi ele
quem fez muitas outras coisas, visando, sempre, entregar o país ao estrangeiro. É
um homem cheio de qualidades pessoais, mas, incapaz de dirigir uma nação como
o Brasil e desempenhar o seu dever como presidente. Deixa-se governar por
esquerdistas, dos quais, aliás, ele está cercado.
O nosso ilustre presidente não governa.
O nosso ilustre presidente é governado.
O nosso presidente foi eleito. Outros porém é que exercem o seu cargo.
Ele é apenas um instrumento do qual os comunistas se servem para infiltrar na
miserável população do campo, e mesmo das cidades, a podridão das suas idéias,
repelindo Deus, a sua igreja e tudo que seja espiritual. Isso prova que o nosso
presidente não compreende o que seja a sua obrigação e seu dever. Ele é um
homem incapaz de obstar, por si, aos progressos de uma materialização próxima.
É isso um dever dele, mas ele não faz. Pelo contrário, ele a favorece. E há fatos que
o provam.
Vou citar-lhes um fato, caros acadêmicos, que demonstra, claramente, a
irresponsabilidade do nosso governo atual: um navio americano, há pouco tempo,
aportou em Recife, carregado de mantimentos doados ao Brasil pelo governo
Kennedy de saudosa memória. Esses mantimentos vinham embalados em latas
com propaganda dos Estados Unidos, como é natural. Comunistas em
Pernambuco, porém, não faltam, pois, como sabemos, esse estado é o foco das
esquerdas brasileiras, e se o comunismo penetrar no Brasil, Recife será,
provavelmente, a primeira metrópole a sofrer os golpes da esquerda. E sabem o
que eles fizeram? Embalaram todo o mantimento em saquinhos plásticos, com
propagandas comunistas, e os distribuíram as pobres. Que fez o presidente
brasileiro, diante de tal absurdo? Nada! Absolutamente nada! Não fora um grande
político brasileiro e esse fato se repetiria outras vezes. Mas, sempre, entre as trevas
da ignorância e da incompetência, refulge uma luz. Entre todos esses políticos ou
politiqueiros do Brasil, há alguns convictos do seu dever, que não se
contaminaram da gripe do materialismo. Foi assim que o atual governador da
Guanabara, quando foi aos Estados Unidos da América, informou ao presidente
Kennedy do sucedido.
115
Vemos, caros ouvintes, que o que falta é o cumprimento do dever. Uma vez que o
nosso presidente é uma autoridade legitimamente constituída, ele estava na
obrigação de reagir contra essa inflação. Estava, numa palavra, na obrigação de
cumprir o seu dever.
E não é preciso procurarmos um vocábulo mais extenso: patriotismo.
Patriotismo, dizia Arthur Azevedo, é um palavrão que muitas vezes enche o boca
deixando o coração vazio. Isso é uma grande verdade. Por isso, acho melhor nos
apegarmos ao humilde vocábulo “dever” e o colocarmos em prática.“Se o Brasil é
uma nação subdesenvolvida, é porque seus filhos não cumprem o seu dever.”
E nós, caros colegas, que aspiramos por um ideal mais elevado, não
podemos, em hipótese alguma, abandonar o nosso dever. A nossa vida é cheia de
trabalhos, sacrifícios e dificuldades. Mas Deus nos chama, e com as orações de
milhões de pessoas que nos esperam para lhes levarmos a palavra de Deus, nós
alcançaremos o fim. O mundo, no dia de hoje, mais do que nunca, necessita de
padres. Chineses e muitos outros povos, subjugados pelas forças do comunismo,
clamam por padres, chamam por missionários que lhes levem um consolo material
e, principalmente, espiritual.
E de onde sairão esses missionários? Dos seminários.
A esperança da nossa Congregação no Brasil está em nós. Nós é que
seremos futuros lazaristas brasileiros. Portanto, avante! Não nos desanimemos.
Mas, alcançar o fim sem cumprir o nosso dever? Ser-nos-ia impossível. Sigamos,
pois, o exemplo do nosso pai São Vicente. Não desprezemos nunca as nossas
obrigações. Cumpramos sempre o nosso dever. Façamos com que o nosso
próximo também cumpra o seu dever. E não nos esqueçamos de que:
“Se o Brasil é uma nação subdesenvolvida, é porque os seus filhos não
cumprem o seu dever.”
Américo Amorim Saraivaz
Discurso pronunciado numa sessão simples a 26 de abril de1964
Uma onda de modernismo confunde atualmente as massas estudantis. Só
lêem escritores modernos e desprezam os verdadeiros ídolos de nossa língua.
Como se ignorassem que aqueles que hoje lhes causam admiração por seus escritos
são, longe de qualquer exceção, aqueles mesmos que souberam amar os nossos
clássicos. Alguns já ousam vaticinar o completo domínio da poesia moderna. Que
isto aconteça, em parte ao menos, é possível graças ao espírito de inovação dos
jovens; mas “completamente”, como dizem, julgo muito difícil. Sobrepujar Tomás
Antônio Gonzaga! O poeta que tem sido mais vezes reimpresso! Superar o meigo
Casimiro de Abreu!
116
O poeta que o nosso povo mais quer. Ama-o, canta-o, recita-o, fazendo-o em
certos meios quase anônimo. Casimiro de Abreu não é um gênio desenvolvido
nem um grande literato; é uma grande alma e um grande infeliz. Não verseja,
poeta; não canta, suspira, lamenta-se, chora. Diz-nos singelamente o que sente, dános em cada verso um sorriso ou uma lágrima, em cada estrofe, um pedaço de sua
alma. Poetas, como este, pululam aos nossos olhos. Para não me estender, quero
destacar, entre todos, um que sobressai por seu estilo épico e lírico: é o emotivo
defensor dos escravos, o grande Castro Alves. É sobre esta flor colhida ao
desabrochar que pretendo dizer algumas palavras.
Na fase colonial, a literatura brasileira teve pequena expressão. Só no
período de 1830 a 1870 que se registrou o aparecimento das primeiras grandes
figuras de nossas letras. Surgiram, então, poetas como Domingos José Gonçalves
de Magalhães, que se inspirava na pátria e na religião; Antônio Gonçalves Dias, que
buscava na natureza e no índio o tema de suas belas obras; Manuel Álvares de
Azevedo, o poeta da mocidade triste; Casimiro José Marques de Abreu, o rapsodo
da juventude e da saudade; Luis Nicolau Fagundes Varela, Bernardo Guimarães,
Junqueira Freire e para encerrar o período romântico, glorioso por seus
representantes, apareceu o cantor das multidões, o grandíloquo Antônio de Castro
Alves.
Nasceu este a 14 de março de 1847 na Fazenda Cabaceiras, na Comarca de
Cachoeira, no estado da Bahia. Filho de Dr. Antônio Jose Alves, cirurgião,
professor da Faculdade de Medicina da Bahia e D. Clélia Brasília da Silva Castro.
Encontrou o poeta, desde cedo, ambiente propício à sua vocação literária, isto não
só na casa paterna como também na situação (literária) intelectual de Salvador,
onde passou a estudar. Assim nos descreve as paragens em que transcorreu grande
parte de sua infância Pedreira Franco, as quais se prendem indelevelmente à
imaginação de quem uma vez as contempla: “aqui é a saudosa tirana que entoa o
tropeiro nas longas estradas à claridade da lua, ali o pescador que lança a tarrafa, ou,
à luz da candeia, cutila o peixe em repouso.” Começou, praticamente, sua trajetória
acadêmica em 1862, quando foi mandado para Recife. Envolveu-se nas
campanhas sociais que abalavam os estudantes, principalmente a causa dos
escravos, que era o tema culminante na época, impressionando a todos com relatos
sobre as guerras de secessão norte-americana. Aí, embebido dos sentimentos
atuais, compôs a maior parte de seus poemas abolicionistas, recitando-os em
comícios cívicos. “Castro Alves, diz Xavier Marques, aparecia num camarote
corretamente vestido e uma flor à lapela. Recebido com palmas, represava a sua
força nervosa, enxugava a testa pálida, de uma tonalidade de marfim antigo, fitava
no vago olhar brilhante e magnético, e declamava alto e cheio, modulando sem
fadiga, natural e fácil nas transições, acompanhando o sentido dos versos de
gesticulação animada, mas sem desordem.”
Datam desse tempo os seus amores com a atriz portuguesa Eugênia
Câmara, cuja influência na vida do poeta seria absorvente. “Era um belo rapaz
117
diz Afrânio Peixoto – de porte esbelto, tez pálida, grandes olhos vivos, voz
possante e harmoniosa, irrepreensivelmente vestido de preto, dons e maneiras que
impressionavam as multidões, impondo-se à admiração dos homens e das
mulheres inspirando os mais ternos sentimentos.” Mas, ao lado de tudo isto, estava
a sua viva imaginação, sem rival na cadência do verso. Os seus poemas, recitados
por Eugênia, ao calor das exibições teatrais, adquiriam grande popularidade. Já o
havia proclamado primeiro poeta da academia a mocidade acadêmica. Em 1867,
partiu de Recife, para nunca mais voltar, rumo à Bahia. Logrando fazer representar
o seu drama “Gonzaga”, alcançou vigoroso triunfo.
Em viagem para São Paulo, onde pretendia concluir os estudos, visitou no
Rio, José de Alencar e Machado de Assis, que o instigaram a prosseguir em suas
lides poéticas e dramáticas. Chegou a São Paulo, com Eugênia, precedido de larga
fama. Encontraria na Faculdade de Direito a mais brilhante das gerações que
passou pelas Arcadas desde a época de Álvares de Azevedo. Rui Barbosa, Joaquim
Nabuco, Castro Alves! Poucas vezes nomes tão brilhantes resplandeceram juntos!
Castro Alves era sem rival em poesia! Rui Barbosa era o maior de todos em
oratória! Joaquim Nabuco, orador dos mais bem dotados, político de renome e
abolicionista inconcurso. A mocidade estudantil clamava unânime : “Não haja
mais escravos no Brasil! Ou, pelo menos, os filhos aqui nascidos, de pais escravos,
não recebam a triste herança da escravidão.”A fascinante voz de Castro Alves fazia
estremecer o auditório com a declamação de “O Navio Negreiro” e “Vozes
d´África”. O idealismo dos jovens acreditava que a força daqueles poemas, tão
verdadeiros, tão humanos, acabaria comovendo os políticos mais interesseiros.
A 11 de novembro de 1868, em uma caçada no Brás, feriu o pé esquerdo à
altura do calcanhar, com um tiro de espingarda. Depois de algum tempo de atrozes
sofrimentos, foi conduzido para o Rio, onde os Drs. Andrade Pertence e Mateus de
Andrade foram constrangidos a amputar-lhe o pé. Desgraçadamente, já o minava a
tuberculose, moléstia da família... A mãe, o pai e um irmão haviam sido vitimados
pelo mal. Separou-se de Eugênia e partiu para a Bahia, procurando suavizar os
sofrimentos no aconchego de sua gente. Queria deixar uma coletânea publicada,
na qual pudesse revelar em sua plenitude o estro poético. Com a ajuda de seu
grande amigo e futuro cunhado, Augusto Guimarães, entregou-se à faina de reunir
poesias dispersas em jornais e álbuns. Foi um dia de glória para Castro Alves aquele
em que viu impresso o primeiro exemplar de sua coletânea, “Espumas
Flutuantes”, onde quis que figurasse a credencial de que mais se ufanava:
“Estudante do quarto ano da Faculdade de Direito de São Paulo”.
Em fins de junho de 1871, não teve o poeta mais força para se levantar.
Desejou, então, que o instalassem no salão onde costumava passar os dias e,
carregado pelos irmãos e amigos, foi, no seu leito de morte, colocado perto de uma
janela, porque aspirava morrer olhando para o infinito azul.
Na madrugada de 6 de julho, os sofrimentos de Castro Alves eram
118
atrozes. Foi chamado às pressas o seu médico, Dr. Salustiano Souto. Pelas 10 horas
foi-lhe ministrada a extrema-unção por mão do Padre Turíbio Tertuliano Fiúza,
seu antigo lente. Teve a agonia plácida, o olhar absorto no céu que divisava “até
difundir-se nas sombras da eternidade”. Eram três horas e meia da tarde. Perdera o
Brasil o seu maior cantor épico. Como Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu,
Junqueira Freire e tantos outros poetas, morrera em plena mocidade aquele que
cantava a natureza e o amor, os escravos e a liberdade, o heroísmo e a justiça. Curta
foi a vida para tão grande coração! Dessa morte, porém, resultou apenas o
desaparecimento do corpo, o que foi uma perda irreparável, porque seus versos
não desapareceram com ele e a alma tem agora no céu a recompensa dos justos,
creio eu. Pois não só morreu como justo, mas, em vida, insurgiu-se contra a
injustiça feita àquela prole desgraçada. Ninguém competia em sofrimento com
aquele órfão do destino, aquele enjeitado da humanidade, que antes de nascer
estremecia sob o chicote vibrado nas costas da mãe. Morrera o poeta, mas os seus
versos passaram a alentar a campanha abolicionista. “Basta de perseguição, basta
de sofrimento!” Era a voz que subia do alto das tribunas, do alto das batalhas
nacionalistas, do alto das revoluções liberais. “De que massa humana sois feitos,
brasileiros, se tão grande injustiça não vos revolta e tão grande crime não vos
comove?” “Não será com os vossos votos, ó pernambucanos, que se manterá por
mais tempo uma instituição desumana e cruel, violação perpétua de todas as
verdades fundamentais da ciência como da religião, da jurisprudência como da
moral, causa de atrofia que pesa durante séculos sobre o desenvolvimento das
nações, instituição que destrói e avilta tudo o que as instituições sociais tem por
fim edificar e engrandecer.” Quantos brados de protesto se uniram ao de Castro
Alves! Os interesseiros já não mais podiam resistir.
Finalmente, soa retumbante o clarim do cantor dos escravos sua alvorada
de ouro e são declarados livres todos os escravos do Brasil. Infelizmente Castro
Alves, o herói da libertação dos escravos, já não vivia. Não permitiu Deus que ele
assistisse à sua vitória, chamando-o para Si aos 24 anos. Quantos anciões havia,
que pediam a morte, como descanso! A divina Sabedoria, porém, concedeu-a a
quem não a desejava, a quem sorria o mais glorioso futuro!
Por que poupais, Senhor Deus,
O cedro já tão vetusto?
E vais ferir com a morte,
No embrião, o arbusto,
Cujo perfume é suave?
Dizei-me vós que sois justo!
Triste é a flor que desabrocha
Ver tombada pelo vento;
119
Partido um vaso de essência
E perdido o seu unguento;
Na flor dos anos ver morto
Um poeta de talento.
Foi em vida escravocrata,
Na morte foi bom cristão,
Em vida clamou piedade,
Na morte teve o perdão
Antônio de Castro Alves,
O poeta da nação!
João Martins de Souza
Discurso pronunciado numa sessão simples, nas vésperas da
ordenação do Pe. Maurílio
Vós todos aqui presentes fostes, de uma forma ou de outra, chamados
para o altar. Portanto acudi pressurosos a este apelo.
Sim, caros colegas, o mestre vos chama e este mestre é Jesus. Precisamos
de padres, muitos padres mais do que qualquer coisa. Não podemos deixar que se
perca vocação alguma. Todas as almas generosas de jovens devem pensar nesta
penúria imensa, antes de escolher o futuro de sua vida. Por certo, Nosso Senhor
está semeando em profusão a semente bendita da vocação sacerdotal. Cabe a
todos nós brasileiros acolhê-la prazerosamente, como terra boa, e não como
terreno estéril, pedregoso. Vinde, caros colegas, dai vossas vidas ao serviço do
Senhor na seara maravilhosa das almas. Um chamado amoroso e especial da
Suprema Bondade, da ciência íntegra, da Beleza perfeita, do Todo Poderoso e
Eterno...
Quem terá coragem de recusá-lo? Atendê-lo é prover a própria felicidade,
é viver na alegria, é sentir que tudo está certo na nossa existência, é assegurar
inaudita ventura no tempo e na eternidade. Portanto, lancemo-nos de braços
abertos ao encontro da vontade misericordiosa do Pai. E assim iremos, mais tarde,
ocupar os tronos vagos que ele reserva no céu para nós. Se, pois, no íntimo dos
vossos corações ou pela voz de um confessor ou de outro modo qualquer vos
sentis chamados para ministros de Deus, Rejubilai! É que o seu amor para vós não
tem limites e Ele vos quer mais juntos a Si, mais unidos a Si como para
serdes outro Ele, na união produzida por um amor de escolher e predileção,
desde que seja cor respondido do mesmo modo. Que glória
indizível, que consolação inefável para vós todos a quem Deus decicou
120
um amor de dileção e que por isto vos escolheu para viverdes juntos a Ele, ao lado
d´Ele, unidos a Ele, como se fôsseis Ele próprio a rezar ou agir em seu nome e para
Ele no meio do povo. Agradecei sem cessar esta doçura do coração Divino para
convosco. – Validos do Rei dos séculos, que quereis mais?
Todo católico é patriota. E ele pode chorar sobre as tristezas de sua terra
como Jesus, nosso mestre divino chorou sobre Jerusalém, pátria de sua vida
terrena. Pois bem, o Brasil é nossa terra sobre a qual é justo chorar se se ama sua
verdadeira grandeza e felicidade. Não vos causam dor os órfãos, aqueles que não
possuem pais? Quem lhes dará assistência, quem os sustentará, quem os
defenderá, quem os protegerá contra o mal e lhes ensinará o bem? Quando
doentes, quem lhes procurará restituir a saúde? E a nossa pátria é quase órfã de
padres, de pais de almas, de sacerdotes que levem o sustento da verdade aos
indivíduos, que os defendam contra o mal, que lhes ministrem os sacramentos
salvadores, que representem em sua vida de espírito, o que os pais representam na
vida dos filhos. Enquanto outros países possuem um sacerdote para mil habitantes
e acham isto o mínimo aceitável, nossa proporção é de apenas um para dez mil... E
em algumas regiões esta porcentagem é ainda mais baixa. No norte e no interior do
centro, por exemplo, há lugares onde o padre só passa uma vez por ano. Passa, e
não fica. E isto em país de dimensões enormes, havendo paróquias iguais em
tamanho a países da Europa. Portanto é de fazer estalar de dor qualquer coração
cristão, e de estarrecer qualquer espírito bem formado e que sabe o valor dos
conhecimentos bem como da prática da religião.
E lembrai-vos que Deus é amor e vivei no amor com Ele, por Ele, para
Ele. Assim vossas vocações não encontrarão obstáculos, serão umas como pedras
que rolam, corações que deslizam na direção do Coração Divino e que por isso,
cada dia estarão mais entregues ao chamamento do amor.
Sois assaz jovens ou sois mais idosos, um pouco demais, talvez? Que
importa! A hora boa do alistamento é aquela em que chega o chamado. O dono da
messe é que sabe quando deve chamar os trabalhadores. Pobreza ou riqueza, físico
este ou aquele, inteligência a mais ou a menos, saúde rija ou um tanto fraca, estudos
desta ou daquela forma: tudo isto são pormenores que só tem valor para indicar o
batalhão da milícia sagrada em que deveis alistar-vos. Mas o chamado de Deus vale
sempre. Aos pescadores João e Pedro e ao cobrador de impostos ou bancário
Mateus, como até à pecadora pública Madalena ou ao ferrenho perseguidor de
Cristãos – Saulo, depois Paulo...
Sois pobres? Ótimo! É entre os pobres que Cristo prefere escolher os seus
maiores amigos. Procurai alistar-vos assim mesmo. Deus vos ajudará. E há muitas
almas boas que compreendem e conhecem o valor do sacerdócio ou do estado
religioso, para oferecer-vos seu auxílio. Se sois ricos, entrai para a casa de Deus e ...
ajudai a transpor-lhe os umbrais os vossos companheiros de ideal mais
necessitados.
121
E que nenhuma bolsa ouse jamais fechar-se a tão necessários e magníficos fins.
Será que se opõem vossos pais ou parentes aos desejos que tendes de ser de Deus?
Isso não é raro, embora seja bem triste e por vezes lamentável. Há, é claro,
situações extremas de parentes mais idosos, desamparados, com doenças
particularmente penosas, exigindo esperas, contemporizações nas entradas no
claustro ou em seminários. Mas, não poucas vezes, trata-se de sentimentalismo
humano explicável, mas que deve ser vencido.
O remédio é saltar a pés juntos sobre os obstáculos, se não se conseguir –
como acontece na maioria das vezes – o beneplácito resignado dos parentes. Há
que obedecer antes a Deus que aos homens. E deixar sentimentos, afeições para
trás, está previsto nos Evangelhos para ser digno da complacência Divina. Mais
tarde, os parentes abençoarão vossos gestos. Amanhã – a vida é tão curta – sereis
padres. E vossos corações, embebidos no amor, serão chamados a incendiar todos
os corações que de vós se aproximarem. Só o amor cria, converte, vivifica, salva.
Porque só o amor nos transforma em outros Cristos e com Cristo em Deus. Vossas
vocações são divinas. Vivei-as amplamente como as vive a vida da vida, a Trindade
Santíssima, que é amor. Amai perdidamente, a bondade, a beleza, a perfeição que é
Deus e, nas vossas vocações, sereis serafins a exalar fulgores salvadores de amor e
felicidade junto às almas e junto ao trono de Deus.
Raimundo Nonato de Magalhães Pessoa
20 de setembro de 1964
Discurso pronunciado pelo acadêmico Jaó Martins, por ocasião de
sua tomada de posse na direção da Academia São Vicente
Podeis imaginar quanto me honra e me confunde esta investidura de
Presidente da academia São Vicente de Paulo. Fui Primeiro Secretário e, em
seguida, presidente da academia São Luis. Mas já a frequentava, havia dois anos. As
condições, no momento, são bem outras. Há apenas um semestre, ingressei-me
neste grêmio literário e, num gesto de excelsa consideração, já me concedeis o
cargo supremo. Tenho a dizer-vos que, na minha vida de estudante e entusiasta
acadêmico, jamais sonhei tal momento. Nunca cheguei a antevê-lo, nem mesmo
nas horas de escapadas e devaneios. Não me sinto exagerado ao comunicar-vos
que é este, até agora, o meu mais solene momento de toda a minha vida e, como tal,
por muito há de permanecer.
Deixai, agora, que vos diga – mestre e discípulos, acadêmicos vicentinos e
luisenses – o respeito reverencial que esta Academia me inspira. É ela centro de
minha formação em retórica. Claro está que jamais vingarei o
122
fastigio da eloquência, mas o quase nada que dela recebi vale-me um inestimável
tesouro. Diga-se com justeza que o aparecimento da Academia, na vida do
estudante caracense, foi o mais inestimável empreendimento. O mais oportuno. O
mais inteligente e útil. Prestou, está prestando e há de prestar relevantes serviços à
cultura da nossa juventude. Calorosos aplausos a quem a inseriu neste ermo salutar
que é o Caraça.
É mais que dever de gratidão, para mim, agradecer os sufrágios que tão
generosamente me conferistes. Vistes em mim, entre tantos jovens idôneos e
destros, o vosso presidente. E isto me honra. Honra-me e me confunde, pois
jamais imaginei que me tivesseis em tão elevado conceito.
Caros acadêmicos, muito obrigado! Em mim votastes, eu o sei, por
persuasão íntima. Nem eu nem ninguém vos pediu ou convosco permutou votos.
E é este, mais que qualquer outro motivo, o que me enche de júbilo e me enleva ao
acolher nos ombros a honorífica distinção de Presidente. Como galardão a todos
vós, ó meus amigos, darei, enquanto estiver à frente deste grêmio, o que há de mais
ardente em meu coração e que foi feito para dar. Mínima é esta recompensa, mas, a
maior e a mais digna de vós que possuo.
Bem me conheceis e eu bem vos conheço. Ao dedicar-me o vosso nobre e
honroso voto, outra coisa não tínheis em mente que o bem da Academia. Não
ouso, não posso, não devo supor outra coisa. Seria indigno de vós.
Só me resta agora confiar-vos a Academia. Nem bem acabo de tomar
posse e já vos entrego esse grêmio. A Academia é vossa. Em vossas cuidadosas e
dedicadas mãos a deposito. Sois, portanto, responsáveis pela agremiação. Apesar
de título honroso de Presidente, sou e quero ser um acadêmico como vós. Cabe a
mim a representação de vossas vontades. A liderança é toda vossa. Apossai-vos
dela. E digo mais: na Academia está a vossa honra. A honra de acadêmico. Zelai
por ela.
Pelo esforço conjunto, a vontade unida de todos vós, deste admirável e
dedicado professor, Sr Pe Sílvio, Diretor emérito da academia, haveremos de
torná-la o berço dos oradores e literatos do Caraça. Bem podeis imaginar as
dificuldades que vamos encontrar. Os insucessos e malogros que nos esperam, a
exigirem de nós coragem e tenacidade. Todavia, se quiserdes, triunfaremos. Posso
garantir-vos que ao esforço, que de vós espero, ajuntarei o meu.
Honrarei os que me honraram com seus sufrágios e serei fiel ao destino
que me propus, consciente da alta responsabilidade que, se tanto me honra, me
põe aos olhos a minha pequenez.
Obrigado e para frente!
João Martins
123
Discurso pronunciado pelo Segundo Secretário, numa sessão
simples, a 8 de setembro de 1964
Caros apostólicos: Tudo cai, tudo se desmorona e se despedaça na
voragem dos tempos. A história nos aponta e demonstra a queda de governos,
tronos e reinados, a destruição de países e de povos de todos os continentes, a cujo
mal, infelizmente, não escapamos. A história é, toda ela, uma sucessão de
desabamentos e descalabros, assinalando na noite dos séculos a grande dor da
humanidade. Mas esta mesma história demonstra que só não cai, só não se
desmorona e se despedaça, a Igreja de S. Pedro, pedra angular da civilização. Só não
cai, acaba, sucumbe, a Religião Católica, cujo centro é Nosso Senhor Jesus Cristo,
pilar eterno em que descansam e repousam as garantias e esperanças do universo.
Em meio a este amontoar de minas e misérias, só se salvou a Igreja Romana, que,
há 20 séculos, resiste heroicamente ao vendaval chicoteante dos tempos e, por
vezes, às injustiças dos homens.
E o que vem a ser esta Igreja Católica, caros colegas? “Charitatis coetus”,
assim definiu Pio XII a Santa Igreja. O homem possui inato o sentimento religioso
e só encontrará a verdadeira religião na Igreja Católica. A Igreja é a voz de Deus na
terra. É o retrato de Jesus, no dizer de um sábio. Colocado no vértice da montanha
dos séculos, para ele converge todo o movimento do passado e dele emana todo o
influxo salutar para o futuro. Verbo de Deus, palavra do Eterno. Pai, princípio e
fim de todos as coisas, senhor dos corações dos homens, a sua voz é o eco da
humanidade, ante a qual se curva a mesquinhez do ser contingente. É nesta voz
que os seres criados encontram sua origem e finalidade. A Religião é a
exteriorização de Deus no mundo, nela veiculando os seus ensinamentos, através
da voz de seus ministros.
Só a Religião fala a língua primitiva da alma. A alma jamais poderia
renunciar a entendê-la. É preciso um caminho que conduz à plenitude da vida, e
este caminho é a Religião de Cristo. Em que pesem as teorias materialistas que
negam a Deus, espalhadas pelo mundo, sopradas pelo poder de Satanás. Em que se
apoie o movimento de destruição que se lançou contra os ministros de Deus, em
que se firme a campanha derrotista, com que se procura apagar a beleza do ideal
cristão, inclusive abalar os alicerces da família cristã, em que se firmem a guerra e o
ódio, que lançam às vezes aos padres os inimigos da Igreja!... a nossa religião una e
(santa) indelével a desafiar a incredulidade dos ateus e a maldade feroz dos
inimigos de Deus. Debalde, contra ela, se levantaram as vozes de satã, debalde
sopraram os furacões da injustiça humana que se quebra de encontro ao rochedo
vivo de sua resistência, sua santidade, sua grandeza e seu poderio.
124
Enfim passam-se os anos, rodam os séculos, rasgam-se tratados
internacionais, revolucionam-se os povos e não passa a voz de Cristo Rei.
Não desaparece o esplendor de sua santa religião, não passa a autoridade
de seus ministros. E não passa porque ela pertence a Deus, Deus é amor e o amor
divino e eterno e sublime como perene e excelso é a Mansão Celeste.
A Igreja sempre se conservará assim indestrutível e inabalável, resistindo
a qualquer dificuldade, devido à divina promessa de N. Sr. Jesus Cristo: “ Eis que
estarei convosco até a consumação dos séculos”
Paulo Marcos Pinheiro de Paiva
Por se ter ausentado, definitivamente, do Caraça, o autor deste discurso,
que deixou iniciada esta reprodução, ao abandonar, provisoriamente, o original de
que me servi, expressou veemente desejo de ser concluída a translação e restituídas
as páginas que confiara como modelo à realização de seu plano.
Creio ter cumprido, satisfatoriamente, o seu último desejo.
João Martins de Souza
125
Discursos e Poesias
A luno exemplar, orador por vocação e poeta de nascimento, José
Pedro de Araújo Silva, se não nasceu em terras da Serra Santa, bebeu, seguramente,
as águas do rio Caraça. Então tem no sangue tudo da Porta do Céu. Cedo se
dedicou às Academias. Produziu grande número de peças de oratória e compôs
poemas e versos dos mais variados gêneros. Mereceu habitar o Livro de Ouro,
várias vezes, mas coube ao destino, para nossa sorte, fazê-lo escrever o precioso
Livro “Memórias Caracenses”, onde nos legou várias de suas composições
literárias, discursos e poesias. Vai aqui modesta amostragem do talentoso rapaz.
Defesa apresentada, por ocasião da Queima do Judas,
no Sábado de Aleluia, em 1957, no pátio de baixo
As palavras ouvidas pelo Acusador de Judas nos levam ao infinito,
onde o começo é o fim e o fim, o começo. Levam-nos ao nada.
Acusaram-no, mas há quem o defenda, vez que é um princípio de
humanidade.
Este homem, que vem a júri, não é digno dos impropérios que sobre ele
pesam através dos tempos. Judas não é um homem. É um homaço. Um homem
cujas qualidades se tenta, inutilmente, esconder. Judas é um homem benévolo. Um
homem, potente. Um homem cumpridor de seus deveres. Um homem
conhecedor da Lei. Um homem eleito apóstolo pelo Filho de Deus, tais eram as
suas virtudes. Virtudes incontestes, pois viveu com os demais apóstolos, que lhe
reconheciam os méritos. Viveu com o Mestre dos mestres, sem que sobre ele
pairasse qualquer mácula.
Ei-lo agora ignominiosamente arrastado a um tribunal.
Mas ei-lo pronto a responder as afrontas, as calúnias. Ei-lo de fronte
erguida. Ei-lo soberbo, orgulhoso de seu papel que há de perpetuar pela
eternidade. Ei-lo tranquilo para demonstrar a sua inocência.
Xingaram-no. Maldisseram-no. Empregaram todo o vocabulário chulo,
indigno de um público tão elevado. Tão socialmente respeitado.
Mas não apontaram as causas. Não recorreram a elas para incriminar um
homem inocente. Permaneceram na argumentação dos seus efeitos. Portanto, “as
causas subordinadas são por si insuficientes para dar a si a razão de sua própria
existência.” Valeram-se os seus acusadores de uma série infinita de causas
segundas. Recuaram a dificuldade, mas não mostraram as causas.
129
Ele estava predestinado a trair. Sem ele, a redenção do gênero humano
não se realizaria. Sem ele, não haveria perdão para o pecado. Sem ele, a humanidade
estaria fadada à miséria. Sem ele, a humanidade continuaria nas trevas. Sem ele, o
Filho de Deus não alcançaria o seu objetivo. Não haveria redenção. Sem ele,
Satanás reinaria sobre as almas.
E Judas, Senhores, este ídolo da humanidade, entregou amável e
docilmente o Mestre para livrar os homens do jugo do Diabo. Por isso, o acusam.
Este é o seu crime: o de salvar o gênero humano.
Judas é, por excelência, um homem bondoso. Um salvador do mundo,
pois propiciou, com a morte de Jesus, a salvação, a redenção do universo. Felix
hora!. O res mirabilis!. Traído, o Senhor, com sua morte, tornou-se o defensor das
almas. O seu redentor.
Não se pode admitir a malícia de seus acusadores. Judas trair por causa de
dinheiro? Nunca! Estava reservado a ele ser co-partícipe do mistério da Redenção.
Judas, pela própria vontade divina, foi marcado desde toda a eternidade como o
instrumento da realização da Redenção. Dinheiro?! entrou na história como uma
simples forma para compor o entendimento romanesco do Evangelista. Ora,
Senhores, Judas, o apóstolo, deixar-se levar por dinheiro? Judas estava preocupado
em cumprir a sua missão divina. A missão de co-participação. Foi a malícia humana
que inventou tal situação. A malícia dos homens é a gangrena que se apodera dos
corações. Que os corrompe. Dinheiro? Não é nada. Nunca foi nada para o
apóstolo Judas. Só como instrumento de realização da vida.
Esta sua repulsa, sua abnegação pelo dinheiro, ele nos mostra quando
Madalena usou cânforas de perfumes para o Mestre: “Rabi, não será melhor
vendê-los e dar o dinheiro para os pobres?”
Eis, Senhores, a dimensão da alma de Judas. Eis a caridade: o exemplo da
doutrina de Cristo. Melhor exemplo não existe. A razão de ser do cristianismo não
é a salvação dos pobres? Judas tinha por preocupação permanente os pobres.
“Senhor, não é melhor darmos aos pobres? Não é melhor utilizarmos o dinheiro
para os pobres? O Senhor não precisa de nada! Quando e se quiser, basta um
milagrezinho!”
Judas, Senhores, se traiu. Traiu não por crime. Traiu por amor aos
homens. Para abrir-lhes as portas do céu. A pretensa traição não ocorreu por causa
de dinheiro. Não fez com esta intenção. Ele não faz questão disso. De coisas
materiais.
Como demonstração de sua inocência, para que não seja mal interpretado,
o nosso magnânimo Judas deixa os denários para as “Missões”.
Em sã consciência, não queria Judas a morte do Senhor. Quando tomou
conhecimento da condenação de Cristo, ele se arrependeu e, instintivamente,
procurou o Sumo Sacerdote para lhe restituir o dinheiro.
Que bela ação!
A alma de Judas estava pronta para se penitenciar, mas havia algo fora
130
dele, mais forte que ele, que o impelia na sua missão. Foi forçado a assim agir.
Desde todo o sempre, o Deus todo poderoso ditou o caminho que ele,
Judas, tinha de percorrer. Estava escrito que seria predestinado, que seria um
colaborador obrigatório da própria morte de Jesus Cristo.
Ainda assim ele se arrepende. Quer devolver o dinheiro para salvar a vida
de seu Mestre. Que fantástico arrependimento registrado pelo Evangelista! Não é
do ensinamento cristão que quem se arrepende merece perdão?
Senhores, se não vos move a razão, tendes um coração sensível, capaz de
perdoar. Se não vos move a razão, não tendes olhos de gorila e, como seres
racionais, sois capazes de verter lágrimas em favor de um inocente que querem
condenar. Se não vos move ainda a razão, sois capazes de se enternecer diante da
mãe de uma vítima da própria história. Acordai! Sacolejai a consciência!
Sim, Senhores, aqui está banhada em lágrimas a mãe deste homem que
quereis matar. Quem melhor que a mãe conhece os defeitos de seus filhos? Quem
melhor que a mãe perdoa as faltas de seus filhos?
“Dizei-nos, Senhora, que crime digno de morte cometeu vosso filho?”
Calai-vos, o entrecortar de vossos soluços tudo revela. Vosso filho é
inocente!
Senhores, ainda que não vos comova o pranto de uma mãe, se ainda não
vos comoveis, ainda assim há tempo para perdoar. Ainda assim há a possibilidade
de conceder uma exceção para Judas, este a quem chamais de Iscariotes, este a
quem quereis condenar, mas que reconheceis ser o instrumento da vossa própria
redenção, pois entregou à morte Jesus Cristo, que, dessa maneira, vos trouxe a vida.
Perdoai, Senhores, este pobre infeliz que, há dois mil anos, vem sendo
incompreendido. Há dois mil anos que lhe não ouvem o grito de arrependimento.
Há dois mil anos que lhe desprezam as lágrimas. Fazei-lhe uma exceção. Uma
exceção para este desgraçado que, um dia, foi apostólico como vós. Uma exceção
para este infausto agourento, cuja vida tendes em mãos e que, agora, implora
afonicamente, pectoríloquo e de joelhos vosso misericordioso perdão. Vossa
clemência, ó Cristãos.
Vede a natureza fechada em sinal de protesto. Vede o capim chorando no
orvalho da noite. Vede a noite submergida no negror do luto. Vede, Senhores, vós
que tendes o coração magnânimo. Vós que o tendes tão bondoso, tão caridoso.
Sim, manifestai a vossa caridade.
Senhores, tendes a coragem de condenar um homem de tão bons
augúrios? Qual o vosso parecer? Perdão ou morte ao inocente?
Vejo em vossos olhos a antecipação do perdão. Vejo em vossos olhos a
ressurreição da vida. Vejo em vossos olhos a sentença pela liberdade.
Judas, terás o perdão! Serás livre! Em breve, poderás partir. Cumprir a sina
de que o seu gesto representou a morte de Cristo, representou a salvação da
humanidade.
Tenho dito.
131
Discurso proferido em 1958
na Academia de São Vicente de Paulo
(Saudação à Mãe dos Homens e do Caraça)
O Caraça nasceu de uma aventura. A aventura ideal dos Távoras. Os
Távoras, desbravadores dos oceanos.
O seu lema já indica a sua nobreza: quascumque vincit. Vencer quaisquer
águas. Vencer quaisquer obstáculos.
O Távora português
“da casa fidalga
fugiu com dor.
Matá-lo queria
Pombal, o terror.”
Singra os matagais mineiros.
“Perfurando as selvas, segue o forasteiro,
esfalfado e roto, trôpego, exangue...
Batem-lhe os ramos. Fere-o o espinheiro.
Arma-lhe ciladas o cipó traiçoeiro.
Picam-no as vespas, ávidas de sangue.”
E lá se vai o Távora com a fronte altiva, com os olhos fitos na imensidão
de Deus, com o coração aflito da desventura, em busca da solidão.
Galga as montanhas de Minas. Começa a sonhar. Sonhar o sonho: o seu
ideal – tudo dar à Virgem Mãe de Deus.
Extasia-se no alto da colina. Interroga o mundo no horizonte. Ao longe,
vê a esplanada. Os ramos se agitam a chamá-lo.
“Descobre o Caraça
Lourenço que diz:
- Que vista bonita,
que serra feliz,
que lindo seria
nas fraldas ali
um templo, Maria,
em honra de ti.”
E o Caraça nasce de uma aventura. Ergue-se um altar na pedra. Maria dele
se apossa. O sino retumba com beleza. Viva a Virgem da Realeza! Maria se torna a
rainha do Caraça! Ela mesma há de estar sempre presente. Ela mesma há de dirigir
a eclosão da glória em que o Caraça mergulhará.
E marcham os anos na avalanche dos tempos...
133
O Colégio do Irmão Lourenço de Nossa Senhora é o farol de ciência
brasileira. Recebe o nome: “Colégio Imperial do Caraça”.
Propulsa o tempo em correria.
O Colégio se desfaz. Um novo rumo. Uma nova direção seguirá. Tornase, então, o “Seminário dos eleitos de Deus”, o “Cenáculo de Missionários
apostólicos”.
E a Rainha do Caraça reina agora de um modo peculiar.
Maria é a Mãe de Jesus. Mãe de Jesus e Mãe dos homens. Mãe dos homens
e Mãe dos Caracenses.
O Caraça, que é reinado por tão graciosa rainha, rende-lhe graças infindas.
A natureza desperta com efusão. Começa a salpicar as matas, florear as florestas,
aumentar a poesia, enfeitar os montes. As cascatas estendem o seu véu pelas
dobras das montanhas em louvação a sua Soberana. Em cada ponto em que se está,
há algo a nos relembrar a presença de Maria. Tudo canta no Caraça em
homenagem à Santa Mãe de Deus e dos Homens. A torre do campanário, com as
mãos postas para o alto, entoa um cântico de louvor por conservar em seu seio a
Mãe de Deus e Mãe dos Homens.
Ouvintes, a preciosidade do Caraça é a Virgem de Lourenço. A Virgem de
olhar sublime. A Virgem de sorriso encantador. De coração infinito. A Virgem da
bondade, cheia de perdão. A Virgem das bênçãos. É a mesma Virgem, Mãe de
Jesus, sumo e eterno sacerdote.
O Caraça inflama-se. Ainda há outra maravilha. A causa de sua existência:
os seminaristas. São crianças. São jovens. As crianças pululam, simples de candura.
Receosas com o vindouro. Os jovens, fechados, animados, sonhadores, lutam em
busca de seu ideal.
“Duas grandes maravilhas fez Deus: Maria Santíssima e o Padre.”
Estas duas maravilhas nós as temos: Maria Santíssima, a rainha do Caraça,
nossa Mãe. Sendo Mãe, devemos-lhe uma contrapartida: dedicar-lhe o nosso amor
filial. E esta devoção há de ser firme, sólida, plantada em nossos corações simples.
Simples, mas cheios de ternura e carinho.
Não se pode admitir, pois, que um Caracense não nutra de amor pela Mãe
de todos nós. Isso seria demais! Em cada coração Caracense lá está presente a
Virgem Maria.
Ora, como aceitar que a Virgem paire em todas as regiões solitárias e
tristes, exceto no coração de um seminarista? Não, não há explicação!
Somos seminaristas, futuros padres. E o padre não vive sem Maria, e
Maria, sem Jesus. É ela a escada de Jacó, a intermediária.
Não se concebe o Padre sem Maria. Ela, o caminho mais seguro para se
alcançar o céu. Ela, o porto seguro a ancorar as almas para o Pai. Ela, a
apaziguadora das almas a nos mostrar Jesus.
O seminarista é o padre moço. O seminarista é o futuro “vaso de eleição”,
de onde transbordam as virtudes. Virtudes estas que as encontramos
134
na Virgem das Virgens. Neste “vaso de eleição” sempre haverá lugar para o Amor
cada vez mais crescente, sempre maior à Nossa Senhora, a Jesus e à salvação dos
outros.
Cultivemos este Amor. Amor que eleva. Amor que santifica. Amor que
nos faz aspirar ao Belo; à Perfeição.
Amemos a Maria. Sejamos, de fato, filhos de Maria. Não admitamos que
algo possa impedir que participemos deste Amor filial. Como caracenses, somos
filhos de Maria. Ela, a Senhora Mãe dos Homens. De todos.
Sem este Amor, a sementeira das vocações não frutificará. Sejamos aquela
criança simples, pura, inocente. Sua mãe estava aflita por falta de notícias do filho,
distante do mundo, escondida no Caraça. Respondeu-lhe o menino: “Mãe, não se
preocupe. Aqui, no Caraça, durmo à sombra de Nossa Senhora.”
Ó meigas crianças, dai-nos vossa simplicidade. Dai-nos vossos olhos para
ver Maria. Vossa boca para louvá-la. Vossos braços para abraçá-la. Vosso coração
para amá-la.
Que a contemplação, que o Irmão Lourenço viu do alto da colina, quando
aqui chegou, e o fez erguer o Santuário à Virgem, seja também a nossa
contemplação. E como o Távora, façamos de sua aventura a nossa aventura,
entronizando para sempre em nosso coração o Amor à Senhora Mãe dos Homens,
repetindo com o poeta:
“Descobre o Caraça
Lourenço que diz:
- Que vista bonita,
que serra feliz,
que lindo seria
nas fraldas ali
um templo, Maria,
em honra de ti.”
135
Coração
(1957)
O coração é uma caixinha,
pequenina, nela tudo cabe:
mundo, amores, ciências,
punhadinho de carne,
duro de carregar,
só quem o leva,
sabe o seu peso.
O coração é uma caixinha...
caixinha de estojo...
guarda tudo com carinho...
tudo tem o seu lugar...
O coração é uma caixinha...
bate para lá e para cá...
difícil de se apanhar...
difícil de se abrir...
Por fora não tem greta,
janela não tem.
Tudo fica escondidinho,
bem lá dentro
e a chave também.
José Pedro de Araujosilva
137
Obrigado, Senhor
(1957)
Quantas vezes, Senhor,
bato-te à porta,
e te finges de surdo...
Insisto,
forço a entrada
e resmungo.
E esperas,
esperas que entre no clima
de teus ensinamentos.
Mas preciso de luz
para enxergá-los,
preciso de amor
para compreendê-los.
Como conheces a mania dos homens,
te fazes de surdo,
e aguardas que se lembrem de tua bondade
expressa no mistério da redenção,
e estendes a mão,
com o coração aberto,
cheio de luz e amor,
pleno de perdão.
José Pedro de Araujosilva
139
Pérolas
“Reflexo bom tem juízo
não inventa nem complica,
não melhora nem enfeita,
repete a coisa, fiel”.
Pe. Lauro Palú - Os Reflexos
Respigando os livros de Crônicas e de Atas das Academias do Caraça, a
sensação que se tem é de um baú imenso de onde se tiram coisas novas e velhas. E
como tudo ali sabe à história, há uma surpresa em cada descoberta, muitas delas
preciosas pérolas. O critério, como na pescaria, foi o de lançar o anzol e atirar no
cesto o que viesse na linha, sem preocupação lógica ou cronológica.
O Livro de Ouro - Erudição. Eloquência. Humildade.
“Num gesto de confraternidade, os acadêmicos Vicentinos concedem
aos membros da academia S. Luis o direito de transcreverem neste livro os
discursos dignos de memória que naquele grêmio se fizerem. Como condição
única, exige-se que cada discurso passe pela censura de um quarto ou quintanista
da academia S. Vicente”. Presidente: José Nogueira Starling, 1º de novembro de
1947.
E, assim, no dia 21 de abril de 1946, em sessão solene das duas academias,
os discursos do “paulo-vicentino Francisco”, presidente da São Vicente, e do
“luisense Hugo”, presidente da São Luis, foram inscritos nos anais de ouro.
Enfrentar tão distinta platéia constituía ato de coragem. Que o diga o “O
Sr. Eugênio, aluno do CP”! Ao subir à tribuna, nos idos de 1950, despertou o
entusiasmo do então 2º. Secretário, Sr. João Geraldo Machado: “gostei de ver a
coragem do menino, ainda no primeiro ano de sua vida caracense, enfrentando
uma assembléia tão distinta. Ótimo sinal. Já se vê nele um futuro orador.”
Havia também (só temos a referência) o “Livro de Prata”. Coisa mais
modesta. De um luisense: “é um caderno, presente ofertado pelo acadêmico
Delfim, no qual serão inscritos os bons discursos, declamados pelos luisenses.”
Era setembro de 1949. Mais tarde, em 1952,“o discurso do Sr. Ramos foi aceito
para o livro de Prata.”
O improviso foi criado nessa época, 19 de abril de 1949: “Introduziu-se
hoje o costume de improvisar nas sessões e para iniciar falou o Sr. Fagundes Varela,
sobre a “Ressurreição de Nosso Senhor.”
143
E os discursos se sucederam. Sacros. Profanos. Históricos uns, de cunho
político outros. Inflamados. Poliglotas. Eruditos.
As “orquídeas aristocráticas, pendendo, sensuais, dos galhos muscosos e
palpitantes de seiva” que enfeitavam o “Discurso sobre os Missionários”,
proferido pelo Sr. Lauro, em 15 de maio de 1955, levaram o Sr. Secretário Geraldo
Humberto da Silva Venuto a relatar que, “no dizer de alguns, falou ele
empoladamente.”
Anteriormente, o Secretário J. Ribeiro da Cunha se encantava: “Ramos
nos disse algumas palavrinhas metafóricas.”
Igualmente metafórico foi o Sr. Gilberto Guglielmelli, ao comentar a
sugestão do Diretor, Pe. Jair Barros, sobre a criação de Cadeiras, como na
Academia Brasileira de Letras. Eloquente, ele disse: “... não poderia ser isto antes
das férias, visto que os exames viessem cavalgando ligeiramente o corcel de nossa
inteligência, abrindo o caminho de nosso porvir, risonho e quase sempre
traiçoeiro.”
Acadêmico dos mais atuantes, o Sr. Ramos, convidado a ocupar lugar à
mesa, mereceu dos luisenses rasgados elogios: “Fizemos notar também, aos
acadêmicos, que devemos muito ao Sr. Ramos, é este atualmente o acadêmico
vicentino que mais se interessa pela Academia São Luis, Rei de França, e o que
mais nos dá o seu exemplo, de verdadeiro acadêmico.”
Além de belos discursos, muitas eram as poesias de autoria de acadêmicos,
como Lauro Palú, que, “em Latim, recitou-nos a poesia intitulada Ad Caracensem
hirundinem, sendo ele próprio seu autor”, conforme consta na ata de 11 de outubro
de 1956. Ou a do Adônis Ramos, autor sob o pseudônimo Ítalo D'Ascânio, que, no
compasso de Alphonsus de Guimarães, encantou a platéia com bela poesia, cujo
título não está nos registros, mas que começa com o verso:
“Céu de azul, terras de flores...”
“... o Sr. Pe. Cruz (João Batista Jacinto) recitou a poesia em latim Vesper in
agro, de sua própria autoria.” – dezembro de 1951.
“Franqueada a palavra, usaram dela (...) e o Sr. João Batista, antigo vicepresidente, recitando uma poesia de sua própria lavra, contando nesta a história de
sua turma de 1950” – relata o cronista, em outubro de 1955. E continua: “O
acadêmico Lauro propôs para o livro de ouro (...) a poesia do Sr. João Batista.”
Em “magna sessão”, realizada sob “a coberta do recreio”, em abril de
1949, o “Sr. Pe. Xavier se levantou e deu a palavra ao 'Napoleão da Palavra', Ir.
Squárcio, que, em breve improviso, nos mimou e agradeceu, declamando uma
poesia, 'Saudades', de sua autoria.”
E prossegue o cronista : “Passou então a palavra ao 'Tigre da Palavra', Pe.
Xavier, que discorreu sobre os templos bíblicos; como sempre voou para as
etéreas paragens.”
O mesmo Sr. Starling, que concedera aos membros da São Luis o
144
“direito” de inscrever discursos no Livro de Ouro da São Vicente, humilde – como
convinha a um discípulo de São Vicente - roga à “assembleia tão distinta” que o
absolva: “amigo leitor, não leve a mal os erros e imperfeições, lembrando-se de que
tendo eu estudado o inglês, apenas em dois meses e, sem mestre, fiz este discurso,
sem ter nem mesmo a quem consultar. Much obliged to you. J.N. Starling.”
Era dezembro de 1947. O espírito de humildade do Sr. Starling contagiou
outros apostólicos. No idioma de Voltaire, o Sr. (Carlos Maciel) Cunha brindou a
todos, entusiasticamente (“Le Prêtre, toujours le prêtre!!!”), com seu discurso
sobre o Padre. E advertiu, num cantinho de página: “Cuidado, amigo, se você não
tomar cuidado ao passar os olhos aqui, você estragará seu francês, perdendo seu
estilo. Perdoe os erros, por favor. O autor.”
Quando, em sessão solene, um aluno discursou em grego, entre assustado
e surpreso, o Presidente da Academia São Luis, Ricardo, adverte: “Meu caro leitor,
o autor foi mais do que ousado em discorrer em grego para o próprio professor
deste idioma. Pululam aí os erros de sintaxe, mas você, se os encontrar, há de
desculpar aquele que tão ingenuamente se expõe ao ridículo.”
Após desejar ao Sr. Pe. Guerra um “ad multos annos”, o orador sobe o
tom e completa: “colocais mais uma pedra preciosa na riquíssima coroa com que
Deus vos cingirá a fronte lá no céu.” Sendo o discurso proposto para o Livro de
Ouro, a modéstia toma a palavra e alerta que seu discurso “jamais poderia ser
comparado a nenhum dos outros discursos existentes neste livro. (...) Fui forçado
por meus colegas acadêmicos a colocá-lo aqui...”
Tão competentes, como todos os que mereceram a honra de ver seus
discursos inseridos no Livro de Ouro, o Helvécio Bomtempo, quintanista,
comenta: “Faço as mesmas observações que os outros aos quais me assemelho,
expondo-me a zombarias” e o quartanista, Geraldo Humberto Venuto acrescenta:
“Quanta ousadia não teve o autor deste discurso!?!? Paciência, caro amigo leitor,
assim o quiseram (os votantes)! Ambos rezavam também pela mesma cartilha da
humildade.
Atas e Crônicas
“Amigo leitor, não é este volume um livro de atas, nem um livro de ouro
dos trabalhos acadêmicos, mas sim um meio de manter sempre em vida as
tradições da Academia São Vicente e também preservar para os vindouros um
memorial de doce lembrança. (...) Por tudo isto, resolvemos introduzir na
Academia a 'Crônica', para, além de relembrar os fatos e progressos dos
antepassados, facilitar para o futuro...”
Plínio Salgado – ou Joaquim Nunes - Caraça, Páscoa de 1949.
145
O mesmo cuidado se observava mais tarde, em 1952: “O Sr. Presidente
pediu, mais uma vez, que os secretários, ao lavrarem as atas, o fizessem com um
pouco mais de cuidado. Este livro, disse ele, ficará guardado para o futuro. E não
será nada agradável que, um dia, como sacerdotes, vindo reler estas atas, as
encontremos mal redigidas, com incorreções.”
Atas e Crônicas desnudam a alma dos acadêmicos. Seu caráter, a seriedade
e dedicação às atividades acadêmicas. A irreverência, o bom humor, tudo se
revela ao leitor cuidadoso. Pequenas transgressões também - por que não? acontecem dentro e fora das sessões. A bandeira da Academia São Vicente foi
roubada, e nunca se soube por quem nem por quê.
“Quandoque bonus...”
A preocupação com a linguagem era constante. Erros de sintaxe,
pronúncia incorreta, entonação e gesticulação inadequadas não escapavam aos
atentos críticos.
Terminada a leitura da ata de uma “brilhantíssima sessão”, em junho de
1949, foi ela “aprovada, mas com uma objeção do Sr. Castro Alves (Tarcísio
Ferreira), que, do seu cantinho escutava atento. Era um erro de português, e ele,
que foi aluno do Sr. Pe. Cruz C.M., não havia de tolerar isto.”
Próclise e ênclise podiam provocar confusão. Como, em 15 outubro de
1950, quando, “lida a ata, houve uma pequena discussão, pois o Sr. Tristão de
Ataíde pediu a palavra e censurou o orador nestes termos: “Que realizou-se” deve
ser substituído por “que se realizou.”
O Hidalgo Leite de Oliveira notou um lapsus linguae no discurso do Mário,
em março de 1958. Não se sabe qual, mas ficou registrado o fato para nada escapar
à pena do escriba.
Na sessão de 10 de setembro de 1961, depois de lida, “teve a ata uma
pequena observação do acadêmico Marcos de Oliveira Braga, que censurou um
pequeno erro de português, sendo que o sujeito era um coletivo e o verbo estava no
plural.”
O leitor da ata foi amavelmente defendido pelo Sr. Padre Diretor: “o que
aconteceu foi apenas o seguinte: O leitor em vez de pronunciar o verbo no singular,
talvez por precipitação, pronunciou no plural.”
Ouvido apurado, o “Aquino pediu satisfações a respeito de uma
incompreensão fonética por parte de quem leu a ata. Esclareceu-se o seu pedido.”
Ao discursar, na mesma sessão de julho de 1957, o Lopes forneceu mais
munição ao Aquino que “lançou uma frase do orador em discussão. Para salvar a
situação, o Sr. Pe. Diretor apelou aos quartanistas Luis e Frias, embebidos da
Gramática Expositiva, para resolver a questão. De boa mente o fizeram e saíramse dessa admiravelmente.”
146
Poucas e Boas
“Tanto riso, oh quanta alegria...”
Zé Kéti fazia sucesso, na década de 1960, com Máscara Negra.
“Mais de mil palhaços no salão...”
Os “palhaços”, nas sessões das academias, estavam... no palco, onde
faziam a alegria dos apostólicos, com seus esquetes. Quase sempre improvisados,
além da graça, em muitos havia fino humor e um quê de picardia. Às vezes, para
desfazer equívocos, vinha uma explicação:
“O Claret fez, com grande entusiasmo, um discurso sobre a Eucaristia.
Mas o seu entusiasmo e a vida que dava ao discurso não estavam próprios para um
discurso, provocando risos. Isto não quer dizer que ele estava a dar palhaçadas, não.
Absolutamente não. Claret toma parte em todos os dramas e comédias. Em seus
discursos nota-se logo o tom teatral. Tirando-se este mínimo, o seu discurso estava
ótimo.”
O mesmo Claret, que provocou risos com seu discurso, era um dos que entre tantos - alegravam as sessões das academias, com seus esquetes, criações
artísticas, originais no texto e na montagem.
“Para encerrar a sessão, a PR Kapeta apresentou seu tradicional
noticiário...” – anunciava o Secretário, em junho de 1966.
“O melhor da festa foi o noticiário da famosa PR Kapeta.” - alegrava-se o
Secretário Tarcísio Lucas da Cruz, em 1966.
Havia ainda as “afiliadas” PR Kareca e PR Kacete. Todas, bem ao estilo
“besteirol”, desopilavam os corações e mentes.
Confira os “programas” levados ao ar por essas duas “Rádios”.
Amigos visitantes, até amanhã, isto é boa noite. Volta ao ar a Rádio P R Kareca, a sua
preferida, com os seus tristíssimos locutores, operando daqui mesmo do teatro, na altura de 9
metros para os vivos e de dó sustenido para os defuntos.
Um conselho de amigo: sempre que tomar água, não deixe de palitar e escovar seus
dentes com os palitos de ferro Marcão e sabão de coco e dar assim nova vida a seus dentes.
Não deixe de comprar os apreciáveis pitos marca Miguel Lopes e Ricardo.
Atenção: um divertimento incomparável para seus dias de férias é acompanhar com um
binóculo as procissões dos piolhos nos caminhos de rato que o Figueiredo faz na cabeça dos outros,
quando corta seus cabelos. Não deixe de apreciar esse espetáculo de fé!
E agora, por uma gentileza do Armazém, meu companheiro e eu vamos
147
cantar um trecho de ópera do Heitor Villa Lobos.
Lá vai. Dá o tom aí no piano: eu fui no tororó beber água e não achei. Encontrei foi um
leitão que no tororó deixei. Eu fui a uma cidade, comprar coisa no armazém. Ele disse, que já teve
mas agora já não tem! E assim, por gentileza do armazém, revimos um trecho da ópera.
Boteco do Lopão anuncia as últimas novidades: dentaduras novas ou de segunda boca,
meio usadas, dessas que ficam em pé. Livros sem letra para cegos. Óculos especiais para surdos,
giletes sem fio para barbear os lápis. Capim fresquinho, vindo ontem de Piracicaba. Boteco do
Lopão.
E agora, vamos realizar um concurso de literatura, patrocinado pela padaria São
Joaquim. Vamos escolher um grande e um pequeno. Dos grandes venha o Afonso Maná.
Perguntas fáceis. Não precisa ter medo. Vamos ver o Afonso Maná: quantas casas lá em
Piracicaba? Não tem 5: a sua, a igreja, o bar budo, a cadeia, o hospício e o cemitério. Muito bem!
Ganhou um lindo almanaque do Bico Bico!
Vamos ver, Alvarenga: existe biblioteca em Santa Bárbara? Já teve. Muito bem.
Toma aqui um livro de história. Pode ir.
E atenção para a pergunta de hoje? Dois meses de cama na enfermaria para quem
acertar. Vai informar a galinha de São Gonçalo. Que só bote um ovo com licença do galo. Por
especial gentileza dos criadores de frangos Baroni e Rangel, vamos ouvir as notícias mais frescas do
mundo: fabricadas agora há pouco. Cocorecó! Cocorecó! Petrópolis: informa-se desta cidade
pernambucana que este ano não houve nem fogueiras nem balões. Suspeita-se que houve um bando
de espíritos de porco que apagavam qualquer foguinho!
Belo Horizonte: informa-se dessa progressista cidade do interior mineiro que iremos a
Mariana buscar a orquestra para o baile. Não sabemos onde é essa, nem quem vai dar o baile.
Esperem que eu fale, para vocês verem.
Varginha: 31 de julho: o time do primeiro ano do orfanato derrotou o do segundo por
apenas 2 a 4. (Calma que melhora!). Caraça: o jardim zoológico ficou mais populoso, com nossa
remessa de perigosos animais: barata, mutuca, gambá, esquilo, gatão, leitão, pica-pau, jaboti,
tubarão, marreco, tamanduá bandeira, bezerra, cuíca, bode, e macaco. Segundo estatísticas
recentes, esse jardim zoológico é um dos maiores do mundo! Santa Bárbara: o Geraldo Miguel da
Silva acaba de montar uma loja. Suspeita-se que tenha sido juiz do orfanato. Quando a galinha
bota um ovo, informamos ao povo! Cocorecó! Cocorecó!
E agora, sob o patrocínio da Orquestra Sinfônica Pe. Boavida, vamos apresentar-vos
um solo de flauta e bombo. Eu toco flauta. Bom, companheiro, vamos parar que senão o povo todo
dorme.
Atenção para os filmes de hoje: No Cine Gol do primeiro ano, está passando Bola e
mais bola. No Refeitório, estão passando Broas e mais broas para a 4ª mesa.
No Cine Paciência, está passando a Ladainha de todos os Santos, se não me engano.
Não deixe de assistir a estes e outros filmes de hoje.
148
Um conselho de amigo. Faça como eu: não pague as contas velhas e, as novas, deixe-as
ficar velhas.
Quer arranjar um dicionário de português? O Sr Rafael o auxiliará gratuitamente.
Possui métodos infalíveis. Procure-o e associe-se a ele.Possui métodos infalíveis. Procure-o e
associe-se a ele.
E aqui ficamos, ouvinte amigo, até uma outra vez . Ó minha gente, se Deus quiser, e a
Virgem Maria ajudar. Boa noite e Feliz Ano Novo!
*****
Onça, vampiro, piolho, mico, chimpanzé, tatu, rato, frango, urubuzinho, surubim,
galinha, sapo seco. Elefante, formiga, perereca
Amigos ouvintes, muito bom ano. Entra no ar novamente, a Rádio P R Kacete a sua
preferida que opera na mesma frequência de ontem e com mais alguns quilociclos de lambuja, para
os amigos e alguns de menos para os inimigos.
Atenção, ontem um defunto esqueceu aqui uma dentadura. Faça o favor de procurá-la,
à meia noite, com o Afonso Maria, à porta do cemitério. Se ele não aparecer, procure-o no
dormitório com jeito para não acordar os outros.
Para você não ter que repetir seu nome a cada instante para os que ainda não o sabem,
acaba de ser inventado um aparelho muito fácil de usar: o toca discos repetidor. Quando
perguntarem seu nome você pega os fios, procure uma tomada, ligue, e espere que o aparelho
responda por você. Assim é mais fácil e dá menos trabalho.
Livros usados? Compre-os comigo. Dez cruzeiros cada um. Para quem comprar 2
deixo por 20 cruzeiros. Aproveite a oportunidade!
Quer comprar botinas? Dirija-se ao Futrica, que tem vários metros de sapatos
sobrando.
A seguir, a filosofia da vida, por especial gentileza dos sapatos sem sola Lopão: os
sapatos sem sola Lopão são muito indicados para aqueles que gostam de andar sem sapato. Uma
grande vantagem dos sapatos Lopão, sem sola, é que não o impedem de sujar seus pés. Ouçamos
então a Filosofia da vida: Burro sem sorte, até na pedra atola!
E aqui fica, por hoje, a filosofia da vida, por especial gentileza dos sapatos sem sola
Lopão.
Tinta invisível para sua caneta: grandemente útil nos exames, porque assim o professor
não vê seus erros. (Ô burrão, mas assim ele também não vê se a gente acertou. De fato, não tinha
pensando nisso!)
E atenção! Atenção, muita atenção, para a pergunta do dia: hoje temos para prêmio os
40 metros de linguiça que ninguém ganhou ontem. Atenção para a pergunta: qual é a diferença
entre uma chaleira e um vaso de flor? Pensem até o fim do programa e habilitem-se a ganhar os 40
metros de suculenta linguiça.
E agora, um absoluta primeira mão, meu companheiro ao lado vai apresentar-vos as 3
primeiras piadas do pinto: piu, piu, piu! Acabamos de ouvir em absoluta primeira mão, as três
primeiras piadas do pinto.
149
Vai informar a galinha de São Gonçalo que só bota um ovo com licença do galo: (Hoje é você quem
canta. Eu não sei. Dá um jeito. Então, lá vai. Cocorecó! Cocorecó! Sob o patrocínio do criador de
frangos João da Silva Barros, temos o grato prazer de apresentar-vos as melhores notícias do
mundo: Cocorecó!
Varginha, hoje de tarde, antes das 3 horas: - informa-se que houve nesse estádio uma
emocionante partida em que o time do orfanato conseguiu furar 4 gols mixurucas no time inimigo.
Não acreditamos, porém, até que haja confirmação, pois a contagem precedente não permite
margem para esse resultado. (Aqui quem manda somos nós, não é?). Lisboa, 11 do mês que vem:
foi encontrado morto um cadáver de defunto. Acredita-se que o extinto já tenha morrido. Se não
morrerá em breve. Paz para sua alma. E agora atenção, atenção para esta notícia já em edição
extraordinária. Rio: acaba de fugir do jardim zoológico um perigoso animal, chamado piolho.
Não andem sozinhos na rua. E se o encontrarem, chamem o Corpo de Bombeiros! E
por falar em jardim zoológico, assim sendo muito assunto, quando a galinha bota um ovo,
informamos ao povo. Cocorecó!
E agora os filmes da semana: no Cine Caraça, a emocionante comédia Moeda Falsa.
No Cine Bonfim - Frangos e mais frangos. No Cine Alfândega do Rio, está passando tudo:
cigarras americanas, cadilacs, uísques franceses e italianos. No Cine Hora Certa, está passando
da hora. Por isso, vamos parar por aqui.
Antes de encerrarmos o programa, vamos ver quem acertou a pergunta de hoje. 40
metros de linguiça para quem acertar. Atenção: qual a diferença entre uma chaleira e um vaso de
flor? Quem acerta? Ora, é tão simples: o vaso de flor fica em cima da mesa e a chaleira fica em
baixo da cama! (Essa não: onde já se viu pôr chaleira debaixo da cama? Ó, ela é minha e eu ponho
onde quero, viu!)
De maneira que fiquem para amanhã 50 metros de linguiça para quem acertar a
pergunta do dia.
Até lá meus amigos, muito boa noite e bom apetite!
Broa-moeda na compra de votos
A mesma broa que anunciava a hora da sessão acadêmica (“depois da broa
do café”) também foi motivo de pilhéria por parte do Pe. Diretor que “censurou
(brincando) os novos mesários por terem comprado os votantes (eleitores). O José
Ev. disse que muitas broas foram distribuídas: dinheiro do voto.”
150
Voto do povo
Era fevereiro de 1958. Eleição na Academia São Vicente. Disputa
acirrada.
E o José de Aquino, em sua deliciosa crônica, prossegue:
“... o Francisco e o Braga fizeram boa política. Empataram: 6 x 6. Não é
boato e sim fato verídico... O certo: o povo votou e votou mesmo com fato ou
boato.” “... quanto à Vice-presidência, que deu muita sensação... dois acadêmicos
disputaram a liderança. Outros estavam 'na bica', citamos o Joaquim e o Gorila –
perdão, o Frias. E quem ganhou? O Chico abaixou os olhos e o coração do Braga
desenfreou. Resultado final: 13 x 12 votos para o Chicão. Viva o Chicão!”
Pot-pourri
Nas Academias não havia restrições a números e apresentações.
“Homero, Dante, Camões, Victor Hugo falaram pela boca dos
acadêmicos. Os novatos riram. Gostaram das pronúncias esquisitas.”
“O trio Pedro-Milagres-Medina recitou uma mistura de poesias.
Demos o nome de 'Poema do Pregão'. Estava muito gozado!...
Delicie-se com a crônica do José de Aquino.
1958
Erigenda est academia
(José de Aquino)
Sessão ordinária, à primeira vista sim, não nego: ordinária. Por sua simplicidade,
leveza, cheia de novidades e organizada com tão boa vontade diríamos solene. Reunimo-nos na
classe do 3º ano. O recinto estava repleto: Vicentinos, Luisenses, Quartanistas, Visitantes.
O Sr. Pe. Jair, alegre, admirado com os inúmeros assistentes, abriu a sessão.
Lida e, em seguida, objetada a ata, convidado o Presidente Luisense a fazer parte da
mesa, o Sr. Pe. Diretor mandou os mesários ocupar seus lugares.
Frias tomou a palavra. Em seguida, Carvalho recitou a poesia. “Minha Mãe”, de
Casemiro de Abreu. Uma novidade nos surpreendeu: O Ventura, tomando a sua clarineta,
tocou a valsa Ivoni. O João Evangelista incentivou os Acadêmicos ao Amor e à Animação.
Braga declamou e o Hidalgo discursou O “Aldeão Alegre” de Schumann foi apresentada pelo
Frias, no harmônio que, pela primeira vez, apareceu em público.
151
Encerraram-se os trabalhos do dia.
A palavra é doada ao público. Para nos admirar – quem sabe? Para nos dar o exemplo
o exemplo – o novato Márcio recitou uma poesia, sendo digno do aplauso. Marcondes disse
algumas palavras e idéias. Umas delas não tiveram boa repercussão entre os Vicentinos. O nosso
Presidente, encarando o novo cargo, lançou o seu lema: “Erigenda est Academia”.
Lamentou as palavras do Presidente Luisense.
- Para maiores detalhes confira a Ata – O Sr. Pe. Jair não deixou de exprimir votos, repreensões.
Assim findou a sessão.
Esperamos que o emblema Erigenda est Academia, seja um vôo para glória. Seja um
esforço para a marcha do Progresso. O contrário, uma frase somente a emoldurar o presente. Isto
será enfeite. “Erigenda est Academia” será um grito de vitória, um eco de ressurreição, uma asa
para o sublime.
Março
14 – O Sr. Pe. Diretor deixa o Caraça, a fim de pregar um Retiro para os
seminaristas Marianenses. Participamos do Retiro, enviando de longe as orações Caracenses.
16 – Domingo. Neste dia, o Carvalho, Fiúsa e o Francisco discursaram. Recitaram: o
Chaves, Frias. A nota predominante que destas reuniões fazemos é que as críticas estão sendo
feitas muito mal. Exemplo de crítica Vicentina: Alguém vai falar pela primeira vez. É evidente
que suas qualidades, em geral, são eclipsadas pelos defeitos. Todos, sem exceção, os têm. O orador
tímido, nervoso, trêmulo e novato fala e é aplaudido. O presidente tira a sorte. “Fulano, tenha a
bondade de fazer a crítica”. O “sicrano” vicentino pensa consigo: “A sorte caiu para mim o jeito é
dizer algo”.
Levanta-se, ri gostosamente, em seguida diz: “Falou sobre tal, não fez gestos é o que
tenho a dizer”. Tipo número um de crítica. Quando precisamos, nada sai, mas é bom arranjar
uma boa casaca...
20 – Volta o Sr. Pe. Jair, como sempre alegre e feliz.
30- Sessão ordinária. O que houve de interessante foi simplesmente sem tirar nem pôr:
O Miranda estava marcado para discursar. Na hora de ouvir o acadêmico, cadê ele? Neca.
Fugiu. Ninguém deu notícias. Viemos saber depois que não compareceu por não haver acabado o
seu belo discurso. Passou mal o coitado. A ata ficou nervosa. As coisas são assim mesmo. Sempre
acontecem... Falaram: Élvio e Mário. Poesias: Francisco, Fiúsa e João. Não houve nenhum
acidente e tampouco só aconteceu isso: o Élvio falou. O Cardoso fez a crítica. Foi ótima. Bem feita.
Apontou os defeitos do orador, ou melhor, só um. Isto foi acidente. E incidente? O Zé Evangelista
ficou bravo. Isto é com ele. Se é...é sim! Reclamou os seus direitos. Censurou uns doutores que
atrapalhavam a ordem. Isto sempre acontece... São coisas...O presidente idealizou fazer uma
bandeira. O fogo pegou e todos aceitaram. Esperamos o Sr. Pe. Diretor que se ausentara. Que
futuro será o da academia? Esperamos brilhante e feliz.
152
Abril
1 – Chegou primeiro de abril. Dia das mentiras. A Academia nada sofreu. Os dias
voaram. Os Acadêmicos só se reuniram dia 20.
20 – Sessão simples. O primeiro a discursar foi o Miranda. O quarto ano entrou em
ação. Falou um, embora pouco. Descontou todo o palavrório que a ata e crônica lhe fizeram. Falou
sobre o Missionário. Depois, Joaquim subiu à tribuna.
Maio
Mês de Maria. Graças a Deus, entramos alegres, entusiasmados pelo Sr. Pe. Diretor.
Planejou algo novo. À noite faríamos sermões, poesias à Rainha do céu.
4 –Sessão acadêmica. Pedro discursou com certo êxito sobre as Missões. Ivan, sobre o
dever. Recitaram poesias: João Evangelista. Milagres e Garibaldi. A todos Pe. Diretor dirigiu
uma palavra de animação. Falaram-nos os Luisenses Eustáquio e Darcy. O presidente deu ao
Chaves parabéns por seu aniversário já transcorrido. Vários assuntos foram tratados.
12 – Dia das Mães. Não ficamos insensíveis. Os dois grêmios reuniram-se. O
programa foi o seguinte: abriu a sessão João Bosco. Jota recitou uma poesia. Ventura tocou algo.
Não podemos dar a apreciação dos primeiros números, pois procurávamos o Sr. Pe. Jair para a
sessão. Infelizmente não o encontramos. Discursou o Marcondes sobre a Mãe das Mães. Bem feito,
mas cuidado! Temos que ir com calma. Em seguida, o Ventura apresentou-nos no piano: Gato de
botas. Avante! O Luisense Eustáquio cantou-nos “Saudades de Mãe”. Fazemos ressaltar que a
música foi por ele composta. Nossas felicitações pela primeira vitória. Recitou uma poesia de
Castro Alves. Brilhou. De fato, já é fogoso. Mostrou que sabe recitar. O Manna falou também.
Tropeçou bastante, mas não caiu. Depois foi o Hidalgo. Recitou bem, mas o Sr. Pe. Diretor
apontou um defeito: a falta de boa dicção. Disse para nos esforçarmos bastante, porque não só nos
embaraça, mas também atrapalha os ouvintes. Fala o Ventura. Sobre as Mães. Parabéns! Um
pouco mais de esforço e o progresso aumentará. O Élvio recitou. Seus defeitos foram muitos, “mas
pouquíssimos”. A poesia estava pequena para notá-los. Palavra livre. Faremos aqui um
parêntesis. Para sintetizar a palavra livre daremos um fato. Uma vez, numa sessão, ninguém
queria falar. Ninguém mesmo. O que sempre acontece por nossa parte. Então o Sr. Pe. Jair
perguntou: “O que é, o que é? Quando está livre, está presa?” Tivemos que responder, com
vergonha: palavra livre! O nosso Presidente revelou ao Sr. Pe. Diretor o seu desejo: Fazer uma
bandeira. Vários foram os palpites. Pe. Jair disse que devia ser original. Devemos eleger uma
Comissão e o necessitava de uma para o mês de maio. Foi o que fizemos. A comissão para planejar
a bandeira é a seguinte: Francisco, Ventura e Pedro. O vicentino Hidalgo falou sobre a Mãe.
Escorregou um pouquinho, mas o que nos faz progredir é a boa vontade. “Noites do Paraguai”número de gaita executado pelo Eustáquio. “Morte da águia”- poesia recitada pelo Fiúsa.
Parabéns! Gostamos do seu êxito. O trio Jogral (Milagres, Joaquim e Marcondes) declamaram
153
“O Milagre de Aparecida”. “Avante! Amor!” Caracterizou-se a palavra livre pela simplicidade
luisense. Houve cantos, poesias, discursos. Terminamos alegres. E só alegres conquistaremos
triunfo. E o triunfo com boa-vontade. Interesse. Que existam academias deste gênero simples.
Leves. Animadas visando sempre o nosso progresso e o progresso acadêmico. Durante este mês
vimos os frutos acadêmicos produzirem a noite. Os Vicentinos mostraram nos Sermões à noite as
vantagens oratórias aprendidas na Academia. Os exames se aproximam. Todos mais que o ano
já passado amam os livros, especialmente o de matemáticas.
Julho
1 - Estamos felizes. Férias! Primeira academia! Discursa o Pessoa. Vai ao púlpito e
risonho, distribuindo-o a todos. Assunto incerto. Uns opinam tratar de Nossa Senhora, outros de
São Tomás e Dante. Filosofia contemporânea! Interprete quem quiser. O José Evangelista
declamou. Fez progresso. Quase nos comoveu. Manna também estava afiado. O Pedro nem se
fala! Recitou, mas só que tem que danou a bater compasso que não foi vida. O Braga não gostou de
duas academias por semana. Propôs sua idéia, mas foi convencido. Coitado! Neste dia, o
presidente marcou uma turma de gente para falar. Então, o Fiúsa perguntou em que dia falariam.
Foi uma pergunta difícil. Ninguém sabe o futuro. Mas o Frias arranjou uma fina...“É só
multiplicar!” pode ser que você acerte. Ah! O Chico achou uma na hora. A gente está em férias e
férias trazem muitas alegrias.
10 - O Milagres falou sobre as férias. Estava todo alegre. Pudera! São as últimas no
Caraça. O Ventura recitou. Raspou muito a garganta, mas agradou-nos. Joaquim discorreu
sobre seu ídolo. Colocou-o lá nos alto. O Dr. Plínio Salgado é o maior. É um homem amigo da
mocidade e também é seu patrono. O Ivan recitou também, mas ficou muito nervoso. Calma!
Senão os esforços não compensam. O Marcondes declamou. Estava bom. Mas é necessário
preparar o auditório. Não é bom gritar muito. Depois vai ficar rouco... Interrogaram pela
bandeira. O presidente exigiu os planos que os Acadêmicos iam dar. Mas ninguém os apresentou.
O Miranda contentou-se e respondeu: “Eu o fiz, mas já perdi”. Como os Vicentinos, em um
domingo, se reuniram para aprender o hino do nosso grêmio, o Frias perguntou quando ia sair
“Depois...”. Soubemos que na sessão nada aprenderam.
17- Sessão comum. Comum como as demais: discursos, poesias. Todos se alegraram ao
ouvir o Braga. Cativou-nos logo no começo. “Um homem nasceu, viveu e morreu”. Frias também
falou. Falou adornando-se com uma boa eloqüência, não soube, todavia, terminar como devia.
Relampejou, mas não trovejou e a chuva não caiu. Relatou-nos sobre Felipe dos Santos. José
Evangelista. Estava bom. Faltou calma, talvez devido ao seu temperamento e dificuldade. É
necessário usar nos discursos de voz forte. Houve poesias, mas falta muito para se elogiar. Fizemos
planos para uma sessão no dia 31. Houve comício, depois êxito. Se Deus quiser, iremos para
frente. Leitor, façamos agora um ponto final. Aí está. “Mas por quê?”. A parada é para lhe
explicar algo: “Crônica é uma narração histórica, por ordem cronológica”.
154
A nossa não é histórica. Bem, não queremos chegar a isto. Queremos somente dar a você uma
pequena satisfação. Ao lado da crônica, ou seja, em vez de acontecimentos, do desenvolver
acadêmico, estamos a criticar os nossos! Isto é devido a eles mesmos que não a fazem direito.
Direito, não! Como devia ser. Está sendo simples protocolo. É melhor para nós falar dos defeitos.
Entram mais facilmente. É só. Não brigue com seu crítico. “A dificuldade é passageira, conserve o
seu sorriso”. Ponto final!
27- Foi esta a nosso ver a mais importante Academia do Ano. Vimos defeitos e
sonhamos em melhorar, pelo menos sonhamos. Dois foram os oradores. Ambos discorreram sobre
dois grandes homens: Antônio Vieira e Carlos Gomes. Fizeram-nos um tratado biográfico “de
suas vidas”. Foram bem coligidos. Mas deixaram-nos suspensos. Um representante luisense
recitou-nos. Como de costume, a todos agradou. Um luisense fala, discursa, mas sua nota é a
simplicidade: Planta difícil de se encontrar.
O Sr. Pe. Jair falou. Disse-nos sobre várias coisas. E o Miranda, amante assíduo do
ideal, pergunta sem hesitação pela Comissão Organizadora da Bandeira. “Mas dormem
pesadamente no sono”. E a bandeira, o projeto idealizado, mas não progredido, foi ao ridículo. E
o entusiasmo apagou. Somente para os Acadêmicos. E o nosso querido Diretor anima. Idealizem.
Sonhem. É o trabalho de equipe a nossa vitória. Trabalhem juntos e juntos vencerão. Ninguém
apareça. Apareça a obra. Quando alguém quer aparecer, vai tudo por águas abaixo. Na
Academia, nada de vaidade pessoal. Perguntou-se pelos patronos: “É uma espécie de Bandeira. É
o caso. Sonhamos. Realizar! Não. É necessário o sacrifício”. Eu também estou me sacrificando,
continuou o Sr Pe. Jair. Como é bom fazer o bem! Os que se ajudam, trabalham e cooperam. O
que há de errado, aos poucos se corrige. Avante! Trabalho de equipe para vencermos na vida.
Puxem todos os carros fraternal e conjuntamente. Chega de falar. “Fale, Chicão”. “Que falará?”.
“Nada”. Conversando no recreio, por que a Academia não florescia: vieram piadas e outras
brincadeiras. Alguém aduziu ao amor tão pouco. Não há interesse em aprender, em brilhar, sem
orgulho é claro. Os Acadêmicos, os Caracenses não sabem dar valor às próprias coisas e às coisas
de seus companheiros. Tem razão! Nós nos esquecemos de que somos jovens. Não aventuramos.
Não se sonha. Mas todos têm suas qualidades. O seu sangue jovem. Todos tem a alma capaz de
construir e fazer viver a sua, a minha e a nossa Academia!!! E grito da nossa mesa vem se
desdobrando na sucessão dos meses. “Erigenda est Academia”, será o grito dos sextanistas de
1958.
28- Hoje, alegraram-se os Vicentinos. Novas eleições se efetuaram. O Pe. Diretor
censurou (brincando) os novos mesários por terem comprado os votantes (eleitores). O José Ev.
disse que muitas broas foram distribuídas: dinheiro do voto. Pela terceira vez, foi-nos dada a
crônica. A esta votação alegaram que nos compraram por que demos por uma só vez as crônicas na
Academia, satisfazendo as nossas regras. Mas não somos ditadores! Pois nos elegeram...Não é
necessário dizer que houve grande concorrência aos cargos. Graças ao amor sempre crescente – mas
isto é aos poucos – a nossa Academia. Não é necessário dizer, por exemplo, quanto à vicepresidência, que deu muita sensação.
155
Dois Acadêmicos disputaram a liderança. Outros estavam “na bica” - citamos o Joaquim e o
“gorila” (perdão, o Frias). Mas o Francisco e Braga fizeram boa política. Empataram por 6 x 6.
Não é boato. É fato verídico. Mas é fato que ambos são muito humildes. Mas é mais fato ainda
que ambos não queriam a vice-presidência. O certo: o povo votou e votou mesmo com fato ou boato.
E quem ganhou? O Chico abaixou os olhos e o coração do Braga desenfreou. Resultado final: 13
x 12 votos para o Chicão. Viva o Chicão! E esperanças para o Braga na liderança! Sem mexer
com o Ventura, a criança! Aliás no 5º ano há duas, é outra esperança. O Cearense permaneceu
duro. E não deu a chave da Biblioteca a ninguém. Nem mesmo ao Braga e ao Hidalgo. Esse
Fiúza é mesmo danado! E o Livro de Atas? O Ventura e o Joaquim começaram a lutar. O
Milagres entrou no meio e disse: “nada de lutas!” Um para um lado e o outro para a direção
oposta. E daí? Quem venceu? O esperto do Milagres. O Ventura ficou resmungando e não quis
ceder. E teve que ganhar o cargo do II secretário. Espertalhão, hein? Terminamos assim o pleito
Eleitoral.
Presidente: José Pedro A. da Silva
Cronista e Orador Oficial: idem
Vice-presidente.: Francisco Nunes Leite
Iº secretário: José Guimarães Milagres
IIº secretário: Judas Tadeu Ventura
Bibliotecário: José Fiúsa.
Glória aos novos mesários! Gratidão aos antigos! Perseverança aos eleitos!
Colaboração dos que nos dirigiram! Cooperação de ambas as partes. Amor, união, novos
horizontes da parte de todos, quer Mesários, quer Acadêmicos. E ao Sr. Pe. Jair o nosso apoio, as
nossas esperanças.
Nova Diretoria (31-7-1958)
Para alcançarmos algo é preciso ter calma e esperança.
Marcamos hoje uma Academia Luiz – Vicentina. Pronto, tudo OK.
Às quatro horas, todos no teatro.
Era nosso plano enfeitar o teatro.
Impossível.
Apareceu então um “Filho de Deus” e nos diz que devíamos homenagear os Srs. Coadjutores. Só
um discursinho.
Procuramos um Luisense – há mais vontade, é claro –
O pobre do José Luís “capinou sentado” para fazê-lo.
“Os Irmãos não podem à tarde. É melhor à noite”, diz o Sr. Pe. Superior.
Depois de prós e contras, decidimos mudar. Os oradores, principalmente o Ivan, nada gostaram.
Iam falar em público pela primeira vez. A gente sempre tem um medo...
Uma coisa que esquenta lá por dentro.
156
O Pe. Superior e o Sr. Pe. Joãozinho estiveram presentes.
O Chicão numa linguagem altamente filosófica e acima da capacidade do neo-presidente discursou
elogiosamente.
Homero, Dante, Camões e Victor Hugo falaram pelas bocas dos Acadêmicos.
Os novatos riram. Gostaram das pronúncias esquisitas.
E depois disseram: “Ouvi dizer que os oradores nos chamavam de bobos. E só estavam fazendo
hora com a nossa cara!!!”
Antes isso. Sinal de que se esforçavam para compreender-nos.
O Manna tocou. Tocou uma valsa.
Nossa Senhora do Amparo.
Teve coragem! Uma ou outra nota falhou, mas dominou o público com seu saxofone.
O trio Pedro – Milagres – Medina recitou uma mistura de poesias.
Demos o nome de “Poema do Pregão”.
Estava muito gozado! Foi uma repetição de chuva...
Choveu. Começou a chover daí para diante.
Outro número interessante foi o do “Destino Desfolhou”. Executado por um conjunto artístico.
Dirigido pelo nosso Ventura. É mesmo um pedaço de música!
Por fim, dramatizamos a poesia “Duas Lágrimas”.
O Sr Pe. Superior falou e falou bonito. E tudo acabou e acabou mesmo. Ficamos contentes por ter
homenageado o nosso futuro co-irmão e futuro Santo: Justino de Jacobis.
Agosto
Agosto apareceu. Houve quatro sessões. Foi o mês dos sonhos.
Planejamos uma sessão Vicente-Luisense. E houve para homenagear os Pais.
Quem bateu o recorde?
Na simplicidade, os jovens não foram.
A criança luisense é evidente.
Os Vicentinos tiveram sua parte também brilhante.
Agosto foi o mês dos sonhos.
O Presidente incentivou os Acadêmicos a aprenderem o Hino Vicentino.
O que não avançou. Sonho!
O Chicão quer fazer a bandeira.
E estamos trabalhando...
Não ficou só nisso...
O Chicão, na Academia seguinte, discursou defendendo a sua causa própria. Coitado! Gosta
mesmo do Castro Alves.
Ressuscitou-se a idéia dos Patronos.
Será uma espécie de Bandeira?
Veremos.
Uma vitória.
157
O Milagres não quis deixar de compensar os esforços dos oradores do dia 31. Pediu para arquivar
os discursos linguísticos no Livro de Ouro e mais o do João Evangelista.
Tudo aceito. É um autêntico político.
Inspiramos um concurso literário.
O vencedor teria como prêmio: o envio de seu trabalho para “o seminário”.
Todos aceitaram. Ótima idéia.
Mas, isto é fogo na palha...
E vento no fogo...
E muito fogo cresceu...
Depois foi atenuando... atenuando...
Fumaça ao céu,
Cinza no chão.
E tudo esmoreceu...
É o mês dos sonhos!
Setembro
O segundo semestre se caracterizou pela presença de poucas academias.
Preparação para recepção da Nossa Bandeira Missionária.
Preparação de nossa ida a Mariana, a Barão, a José Brandão.
Não pudemos fazer um progresso entusiasta. Ficou o nosso trabalho “choco”.
Ficado. Citamos o problema dos patronos.
Muitos escolheram o mesmo: por exemplo, Castro Alves.
A disputa seria efetuada nas Academias.
O que melhor cativasse o público seria o vencedor.
Todos estavam entusiasmados.
Haveria discussões. Poesias.
Tudo isto para dar mais vida.
Alguns chegaram a escolher o do outro só para ter o gostinho...
Eis a lista:
Patronos Acadêmicos:
(provisórios)
6º ano
Carvalho: Gonçalves Dias
Chaves: Pe. José de Anchieta
Francisco: Castro Alves
Joaquim: Plínio Salgado
Milagres: Tristão de Ataíde
Pedro: Jackson de Figueiredo
158
5º ano
Braga: Rui Barbosa
Fiúsa: Castro Alves
Frias: Fagundes Varela
Hidalgo: Joaquim Nabuco
João Ev.: Castro Alves
José Ev. Euclides da Cunha
Mário: Rui Barbosa
Ventura: Rui Barbosa
4º ano
Cardoso: Castro Alves
Élvio: Jose de Alencar
Garibaldi: Olavo Bilac
Ivan: Pe. Antônio Vieira
Manna: Machado de Assis
Marcondes: Paulo Setúbal
Miranda: Pe. Antônio Vieira
Pessoa: Humberto de Campos
Outro ponto que nos esforçamos para levantar foi o da crítica.
Onde tempo? Nada de arranjá-lo.
Fizemos um esquema de crítica: Qual o assunto do Orador?
Quanto à Composição:
·Desenvolvimento
·Correção
·Estilo
Sobre o Orador:
·Voz
·Dicção
·Leitura
·Gestos
·Eloquência
·Sentimento
·Como se apresentou?
Tivemos neste mês de setembro uma só sessão. Os três oradores deram primor aos seus trabalhos.
O Mário com seus gestos característicos e com seus passeios disse-nos sobre as Missões. E Braga,
com sua filosofia, disse que o discurso do Presidente pertencia a Escola Ultra Romântica. O que o
Presidente discordou.
159
Mas calado.”Tenha paciência, Braga. Não está tão meloso assim”. Os Acadêmicos pediram
para o discurso do Sr Pe. Jair ir para o nosso “Livro de Ouro”. Ótima coisa! Uma homenagem ao
Sr Pe. Jair. O Francisco não quis. Não porque se tratasse da pessoa do Sr Pe. Jair. Mas porque
supôs que o Livro fosse só para os Acadêmicos. Alegamos que podíamos abrir uma exceção.
Pediram que o discurso do Presidente fosse para o Livro Áureo. Ele recusou: “Neste caso quem
manda sou eu”.E votaram. Mas não podemos passá-lo, pois aí estão os exames. Esta foi a última
sessão, oficialmente marcada.
Dezembro
Morta a Bandeira?
Sumiu. Apagou.
Os Acadêmicos impacientaram. Desistiram.
Graças a Deus, menos um peso.
Os fracos gritaram a derrota.
Os desanimados riram.
Mas, o Miranda, o Acadêmico vigilante, não entregou os pontos.
Sacudiu o Francisco. Sacudiu a Comissão.
Morta a Bandeira?!?
Não, amigo!
Vamos. Avante!
Para que desanimar?
Francisco aí está. Ele sacode todos.
Eis a Bandeira.
Já está pronta.
Tudo azul!
Um livro aberto.
Uma águia. Uma pena.
Vitória! Ouvinte.
Agradecimentos.
Irmã Zoé Maia. Tem as cores em seus dedos.
Agradecimentos ao seu benfeitor, Sr. Ernani Lopes.
Rejubilem-se, ó Acadêmicos.
Entusiasmo!
Alegria, Sr Pe. Jair!
Entregamos aos Vicentinos a bandeira.
O querido Sr Pe. Jair a benzeu.
O Sr Pe. Jair cantou.
Felicitou. Animou. Vivam todos!
Quando se quer algo, tudo se obtém, porque em tudo o que se quer a palavra amor presente está.
160
Leitor Acadêmico,
Você não é obrigado a continuar.A crônica já esgotou. Não foi crônica. Foi uma relação
dos acontecimentos Acadêmicos. Queremos aproveitar um pedacinho da nossa autoridade
permita-me para agradecer, desejar. Não pudemos fazer muito. Nosso coração deveria ser muito
grande para colocar todos no nosso e o nosso no de todos. Perdão! Sonhamos muito e realizamos
pouquíssimo. Muito obrigado por tudo. Pelas suas confianças. Pelas suas cooperações. Obrigado,
mesários saudosos. Obrigado, ó Ventura, ó Fiúsa e Acadêmicos. Avante! Amor. Se amamos,
amai...Se sonhamos, realizai. Se realizamos, progredi. Se progredimos, lutai. Se lutamos, vencei.
Se vencemos, gozai. E se desistimos, perdoai-nos. E se... se enterramos a nossa Academia,
ressuscitai-a! Adeus! Rezem por todos nós que almejamos o Sacerdócio, para que Nosso Senhor
faça de nós trapos humanos o instrumento humilde de salvação para todos os que nos esperam.
E ao nosso querido Sr Pe. Jair Barros, C.M. Diretor das Academias a nossa gratidão,
homenagem agradecida, o nosso reconhecimento.
Em resumo, dizemos, deixamos três palavrinhas que formam um todo: Deus lhe pague!
Adeus!
Bombeados
Sessões “na hora do recreio ou do estudo?”
O Raimundo Nonato Torres Lage disse que devia ser na (hora) do estudo,
porque os bombeados tinham muito pouco recreio.
Vitória dos “bombeados”.
Fraude?
Postulava sua admissão ao grêmio o João Bosco Scoralich. Foi eleito por
unanimidade, nenhum voto contra, nenhum voto em branco.
Mas algo de estranho pairava no ar. Havia alguma coisa escrita em um dos
votos. “Essa votação foi 'conspurcada' por um voto duvidoso. O Sr. Presidente
(nem nenhum de nós) foi capaz de 'decifrar' o que escrevera tal votante. Por isso, o
voto foi anulado.” Aproveito o ensejo para pedir mais seriedade ... mais consciência
nas votações.”- ponderou o Carlos Maciel Cunha.
O fenômeno haveria de se repetir mais tarde com um matiz diferente. Em
memorável eleição, diz a crônica que “o Sr. Pe. Maurílio fez notar que a votação não
fora revogada em virtude de um só voto a mais, mas porque o número de votos
excedeu de oito ao número de votantes, portanto foi bastante a irregularidade.”
161
A tropa e o conde
“Logo após, a convite do presidente, o Melo recitou a poesia: A
Tempestade, de Gonçalves Dias (...) . De repente, ouviu-se um barulho...” empolga-se o Sr. Francisco Nunes Leite – “O barulho não era da tempestade...” E
o secretário prossegue, eloqüente: “Eram soldados que se aproximavam de nós.
Serão inimigos, talvez sim, talvez não. Não tinham chefe. Procuravam um. À frente
deles, estava o Odélio seguido do Antônio, Fabiano, Fiúsa, Tarcísio Chaves e
Américo”. E conclui, solene: “O primeiro pediu para si e para os outros a
permissão para fazer parte do exército de São Luis Rei de França. Para melhor
cumprir seu dever, o Odélio fez um juramento em seu nome e no dos demais
colegas, jurando fidelidade até o fim. Foram aceitos pelo presidente, que elogiou o
grande heroísmo que fizeram.”
“Soldado luisense” que se preze merece um conde. E tiveram. Alguns.
Um deles, o Sr. Jurandir, teve sua “nobreza” reverenciada na sessão de 20 de
fevereirode 1952. Reza a ata que “o Sr. Conde de S. Luis, Jurandir, foi condecorado
e uma salva de palmas o saudou”. Sua Graça, o Conde, ainda fazia por merecer.
Proferiu o Sr. Ramos um discurso, “saudando o Sr. Jurandir, digno Conde.”
Novos alistamentos engrossavam a tropa luisense: “Recebemos mais um
grupinho de soldados na nossa Academia, estes são: Nonato, Silva, Rezende,
Adolfo e Souza” – comemorava o Secretário Eustáquio Godoy Quintão, em
março de 1958.
As faixas
O dia 23 de outubro não foi um dia qualquer. Os acordes de Nossa
Senhora do Amparo, do Gilberto Borges Barroso, mesclados aos sons do silêncio,
da requinta do Geraldo Norberto dos Santos, davam o tom do que seria aquele 23
de outubro - “última sessão acadêmica do ano de 1960.”.
“O salão tinha um quê de solene e da mesa, ornada com o ferro doado
pelo digníssimo Pe. Sílvio, Diretor, espargiram aromas líricos, que se consumiam
no ar.”
Entre “os numerosos visitantes, que enchiam o salão”, encontravam-se
“os digníssimos mesários vicentinos, convidados especiais da Academia São Luis”.
Celebrava-se “o Dia Universal das Santas Missões”. – razão primeira
daquela sessão.
162
“A explicação da segunda finalidade coube ao presidente, que, com
surpresa geral, tirando de uma caixa seis faixas, com as inscrições dos cargos de
cada mesário, deu-as ao Sr. Pe. Sílvio, que as colocou sobre os ombros de cada um
dos mesários. Acercando-se da mesa, o presidente vicentino, Éber Matilde de
Almeida, foi agraciado pelo presidente luisense com uma faixa, em que à palavra
Presidente seguiam as iniciais A.S.V. (Academia São Vicente). O mesmo ocorreu
com os demais mesários vicentinos, sendo cada mesário vicentino presenteado
com uma faixa pelo mesário luisense de cargo respectivo.”
Coube ao Segundo Secretário agradecer à “Irmã Celina, residente no Rio
de Janeiro, que, por ocasião de sua visita ao Caraça, doara à Academia S. Luis (...)
Cr$ 500,00 com que se comprou o pano para as faixas”.
Respeito
“... não se devia dizer e escrever no livro Pe. Saraivão, mas Pe. José Luiz
Saraiva” – recomendava o cronista, em setembro de 1957.
Fora de moda?
“... o Sr. D. Silva, falou sobre a caridade. Apesar de ser um assunto bem
batido, estava bom.”
Gol pró
Em 1953, já revelando seu espírito democrático, avesso às ditaduras, João
Batista Ferreira, sem subir à tribuna, reivindicou a entrada para a Academia de seis
novos membros, por mérito e interesse dos mesmos, quebrando o protocolo.
Discursando da platéia, teve seu pedido imediatamente aceito.
Gol contra
“O Sr. Gilberto, querendo fazer propaganda de seu menosprezo a si
próprio, subiu ao palco como um verdadeiro palhaço e declamou a poesia Ave
Maria”– reclamou o Waldir Gomes Novaes, em novembro de 1954.
163
Pequenos prazeres
Quão doces são os “ecos do fundo dos tempos”! Que “ecoam no coração
de Minas Gerais”, como evoca o João Batista Ferreira. E invadem nossos
corações...
Tão doces quanto o “pacote de deliciosas balas” com que “o Sr. Fagundes
Varela, vicentino, adoçou a boca dos “Srs. Luisenses”, após um “forte e unânime
Viva! ao Cardeal Mindszenty”, primaz da Hungria, preso pelos comunistas.
Por trás do respeitoso tratamento de “Sr.” escondia-se o lado juvenil,
quase criança dos acadêmicos. O grande prazer nas pequenas coisas, como atesta o
cronista de plantão, Sr. Plínio Salgado, em 1º de julho de 1949: “Na sessão do dia 29
de junho passado não nos foi possível fazer tudo o que precisávamos. Por isto o Sr.
Presidente nos reuniu hoje (...) Dispersamos em seguida. Mas o Sr. Presidente
ainda nos chamou duas vezes e... aí que foi bom! Com a presença dos Srs. Padres
Tobias e Xavier, tomamos guaraná e nos alegramos bastante... Iniciou bem o seu
reinado o Sr. Presidente!”
Era 26 de dezembro de 1949. Um presente de Natal, talvez: “... reunimonos no salão de teatro, onde, logo após o Laudetur, repartiu-nos o Sr. presidente
algumas balinhas que nos havia deixado o Sr. Dálmen; prova viva de sua amizade e
amor fraternais para com os acadêmicos de S. Luis, Rei de França. Já foi agradecido
(...) mas não é mal que lhe repita o nosso 'Muito Obrigado' de coração.”
A mesma satisfação se estampava naqueles rostos, quando o “vicentino
Ventura” alegrava a todos com “os maviosos sons da sua clarineta, tocando a valsa
“Saudades do Matão”; executando-a, deixou todos admirados pela sua perícia.”
Ou no momento em que, na sessão do dia 27 de abril de 1958, “o Sr. Pe.
Jair pegou no Bandolin para dele tirar alguns sons para acabar com o chinfrim, com
a desordem que reinava atrás. Tocou a valsa 'La Paloma', deixando todos
embasbacados.”
Talentoso, o Tadeu Ventura, com sua inseparável clarineta ainda
“conseguiu aplausos com o Minueto em Sol Maior de Beethoven.” Enquanto “o
Alberto Manna tocou no saxofone a peça N. Senhora do Amparo.”
A “Cantoria dirigida pelos Srs. Pes. José Fernandes e Sílvio Martins”, a
Banda Pe. Boavida e os Canarinhos da Serra abrilhantavam as solenidades.
Na mesma ocasião “para descansar-nos um pouco, as teclas do piano
puseram-se em movimento, dirigidas pelas mãos hábeis do vicentino Élvio Lira.”
164
A broa do café ou o “bimbalhar” do sino
Disciplina. Obediência. Pontualidade. As sessões eram marcadas com
antecedência. Muitas aconteciam após “tendo sido bimbalhado o sino.” Ou “após
a broa do café.”
Poderiam realizar-se no salão de teatro, numa sala de aula, ou até mesmo
na Varginha. “A sede já se achava com os palanques prontos. Poderia estar mais
adiantada, não fosse a negligência da maioria dos acadêmicos, que se acha
envolvida com o futebol” – relata o cronista Plínio Salgado, ou Sr. Joaquim Nunes.
Ou... em locais inusitados, como em 16 de junho de 1949, uma quintafeira: “É um pouco humilhante, mas é necessário, para efeito de lembrança,
registrar aqui o que se deu no fim da sessão: por esquecimento, não pedimos ao Sr.
Pe. Disciplinário para efetuar esta sessão, que se realizou no porão, debaixo da
encadernação, atual lugar dos calções. Não ficou nem um regente no recreio e o Sr.
Disciplinário precisou de nós e, só depois de percorrer toda a casa, nos encontrou
naquele compartimento. Todos estávamos alegres e começamos a dizer algumas
pilhérias como esta: 'Ah! Sr. Padre, aqui é sessão oculta da maçonaria'. Ninguém se
lembrou de licença e o Sr. Pe. Tobias, já um tanto nervoso, perguntou: “Vocês têm
licença para dar sessão neste lugar?” Respondeu o Sr. Presidente: 'não senhor', e
um calafrio percorreu todos os costados, reinou, em lugar da jovialidade, um
profundo silêncio. O Sr. Pe. Disciplinário desbaratou toda a comunidade
acadêmica (...) Uns diziam: “não piso mais ali”. O certo é que, um por um, todos
saíram cabisbaixos, uns para o recreio, outros para o estudo e outros para as
privadas, que são os lugares mais diletos para tais ocasiões.
E tudo voltou à santa paz, com o pedido de desculpas do Sr. Plínio
Salgado (Joaquim Nunes) que “arrancou dos lábios” do bondoso Disciplinário
esta frase: “Não os castigo, porque para quem tem vergonha um pito ou um gesto é
bastante.” E arrematou o “escrivão”, Sr. Joaquim Nunes: “tudo isto é a pura
realidade porque dou testemunho verdadeiro do que digo.”
Obrigatoriedade
Em 18 de agosto de 1954, constou em ata que “o 4º Ano, deste dia em
diante, ficou obrigado, em peso, a pertencer à academia São Vicente. A eles novos
e a nós antigos, mais uma vez, foi avisado que as sessões acadêmicas seriam como
aulas quaisquer.”
165
Consta em ata de 2 de março de 1966 que “... para aqueles que já tivessem
dois anos de Caraça a entrada é obrigatória.” – decisão tomada pelo Pe. Maurílio
Camello.
Demissão sumária
Academia era coisa para se levar a sério. Implacáveis eram as regras. Faltar
a três sessões, em um semestre, “sem razão plausível”, era caso de expulsão. “Vaise a primeira pomba despertada...Vai-se outra mais... mais outra...”
Ainda ecoavam, pela boca do Sr. Castro Alves , os versos de Raimundo
Correia, quando “um sussurro correu pelos acadêmicos: estava ausente o Sr.
Euclides da Cunha – Wilson Belloni”. Ninguém sabia por quê. Alguém afirmou
que o citado acadêmico sabia haver sessão. Por que então não compareceu?
Ignoramo-lo. Mais duas faltas sem motivo justo e, conforme as regras, o Sr.
Euclides da Cunha considere-se expulso”.
“No azul da adolescência as asas soltam”.
E lá se foi o Sr. Euclides da Cunha...
Tendo o Sr. Pe. Alfeu censurado a ausência do Sr. José Lopes, em julho de
1951, “coube ao presidente resolver-lhe a questão: expulsá-lo ou não. De
conformidade com as regras da Academia e com o apoio da mesa, declarou-se que
o Sr. José Lopes estava expulso da Academia.”
“Não assinarei”
Na sessão do dia 23 de setembro, da Academia São Vicente, teve início o
processo que culminaria com a expulsão do Sr. Castro Alves - Walter Barros - que
faltara “por motivo ignorado, ou por desobediência ao Sr. Presidente.”
“Lidas algumas regras sobre os casos de expulsão, o caso do Sr. Castro
Alves foi submetido à votação dos ilustríssimos acadêmicos que, apesar de
algumas admoestações de alguns acadêmicos, não puderam ficar calados no tempo
do silêncio, prescrito pelas regras. A votação secreta deu como resultado: 13 votos
para expulsão e 4 contra. Deste modo, considere-se expulso da A.S.V.P o Sr. Walter
Barros, ex-ocupante da Cadeira Castro Alves.”
Este episódio foi, sem dúvida, um dos mais marcantes. E não ficou nisso.
Fiel escudeiro do Sr. Walter Barros, recusou-se o Sr. Rômulo Cavalcante Mota a
assinar a ata da reunião. “Não assinarei” – deixou ele consignado na ata.
166
Seriedade
A assiduidade e o bom comportamento durante as sessões era objeto de
constante preocupação. É interessante notar a diferença de tom das críticas, no
decorrer do tempo. Elas refletem as mudanças pelas quais passou a sociedade,
observação do João Batista Ferreira. À medida que nos aproximamos dos anos 60,
o tom formal, quase cerimonioso, “clássico” - empregado em anos anteriores cede lugar à irreverência, à informalidade da linguagem. Em todas, porém, o
mesmo ideal de seriedade, de apreço pelas Academias. Ao ler os registros, não se
pode perder de vista a idade infanto-juvenil de seus autores.
Em 1949, o Sr. Dálmen Menezes, na ata de 21 de agosto, foi inclemente:
“... a ata não deve ser apenas um registro material das sessões. Deve mostrar o
progresso da Academia ou apontar as causas da sua decadência.”
E prossegue, após constatar a ausência de alguns acadêmicos: “O
encarregado de chamar os acadêmicos às sessões todos nós sabemos quem é. Mas
– coitado! – talvez esteja com os pés inchados! Foi depois de começada a sessão
que chegou o Sr. Gonçalves Dias. Muito bem! Agora é assim! Só se vai às sessões
quando se quer; chega-se a hora em que se quer. Que alguém chegue um pouco
atrasado, vá que seja... Mas chegar fora de hora e não dar a mínima desculpa, é coisa
que não se tolera. Suponhamos que alguém comece a chegar em momentos
diversos. Nesse caso, a A.S.V. não passaria de simples “botequim” – ou melhor, de
um mercado que, a cada hora, recebe visitantes ou compradores. Não sou
encarregado, nem tão pouco tenho competência para dar conselhos aos
acadêmicos. Mas de pedir ninguém me pode impedir. Sejamos pontuais.
Prontifiquemo-nos logo. Não fiquemos aí a marcar passos como condenados a
caminho da forca!”
A sessão já começara “com muita conversa, apesar dos pedidos e
exortações do Sr. Presidente.” A primeira após as férias. Janeiro de 1950. Academia
São Luis.
Terminada a sessão, os vicentinos foram convidados a retirar-se.
Estando a sós os luisenses, tomou a palavra o Sr. Dario (...) descontente
com o procedimento dos acadêmicos. Aliás, tinha razão, pois sem o bom espírito
não pode haver verdadeiro progresso. Anatematizou o mau procedimento de
alguns e principalmente a hipocrisia.
Contundente, indignou-se o Adônis Ramos, após a leitura da ata, “entre
alguns murmúrios...
167
Talvez para não demonstrar a inconstância de alguns não se fez chamada. É de
notar, porém, considerável número que, teimoso e desobediente, se recusou a um
pouco de sacrifício. Estes tiveram a coragem de oferecer-se para a honra de serem
acadêmicos; mas aqui vieram não para o progresso deste grêmio senão para lançar
sobre ele a terra do desprezo e do escárnio.”
José Maria Mayrink e João Batista Ferreira chegaram atrasados, sem
explicações, reclama o cronista. A opinião é do 1º Secretário Luiz Humberto
Leonel Manna. Não difere, porém, dos demais críticos, quando se trata de realçar a
importância das academias. Cáustico, ele critica:
“E de notar que a Academia foi interrompida por um mês e quinze dias
consecutivos. Não é de se acreditar que não foi realizada por falta de meios, de
momentos livres e sim por falta, não digo só do nosso mui digno Presidente, por
não ter empenho de fazê-la realizar, mas, em grande parte porque este não
encontra apoio por parte a maioria dos acadêmicos, e ao reuni-los para a sessão, só
ouve palavras de desprezo pela academia e, enfim, digamos a verdade, por uma
grande má vontade que reina na maioria dos acadêmicos. (...) basta dizer-vos que
dentre os trinta e nove acadêmicos só compareceram dezenove (...) e nenhum
aspirante se dignou comparecer à sessão. (...) A academia, para se manter de pé,
não precisa do apoio destes que não se importam com ela, mas para se fazer
sobressair (...) precisa somente dos que a amam.”
Não raro as sessões já começavam agitadas.
“Depois de um mexer de bancos por todos os lados e de alguns minutos
de muita desordem, o Sr. Presidente abriu a sessão com o 'Laudetur'... (janeiro de
1950).
Rigor e estilo
Discursando “sem papel”, em 31 de julho de 1949, o Sr. Anibel Filho
(Carlos Maciel da Cunha) falou “algo sobre o bom acadêmico. Entusiasmo não
falta; é preciso, agora, haver sinceridade.” “Seguiu-se a crítica que hoje foi um
pouco terrível”- relata o 1º Secretário, que prossegue: “O Sr. 2º crítico (Plínio
Salgado – Joaquim Nunes) fez sua crítica, entrelaçada de frases próprias, trechos
da Arte da Composição e do Estilo, do Sr. Pe. Cruz e alguns versinhos de Horácio.
Atacou os cochilos e aqueles que deixam sobrar um pedaço de calça, abaixo da
batina, durante as funções acadêmicas; e muitas outras coisas...”
Éber Almeida reclamava, em abril de 1959: “Notaram-se também
durante a chamada algumas respostas meio avacalhadas da parte de alguns
acadêmicos. Pergunto a tais engraçadinhos se eles já agiram de tal maneira com a
presença do Revmo. Pe. Sílvio, nosso diretor.”
168
Mas o Pe. Sílvio mostrava-se também “generoso”. É o que registra o cronista, em
dezembro de 1962: “O acadêmico vicentino Devanir Vieira Dias pediu uma salva
de palmas para o nosso caro Diretor Sr. Pe. Sílvio, pelos benefícios que
bondosamente nos vem proporcionando. Recebeu em troca a promessa de um
aumento de ½ ponto (chistosamente) em sua nota do fim do mês.”
Esfarrapadas
Para evitar a expulsão, devia o acadêmico justificar sua falta. Algumas
justificativas eram bem interessantes, “sui generis”, como a do Heli Cardoso,
segundo relato do Joaquim Augusto Medina: “Novamente os acadêmicos tiveram
grande decepção causada pela ausência do Heli Cardoso. Este falhara a três
academias seguidas, naturalmente sem avisar, ou melhor, avisou uma vez que ia
levar uma chaleira à cozinha.” Já numa outra sessão, 1957, notou-se a “ausência do
Chaves que estava nos Carvoeiros.” Já o “ Sr. Raimundo (Castro Alves) faltou por
ser roupeiro...”
Desprezo
Havia quem não se preocupava em justificar faltas. Um deles foi o
Sr.Francisco que “tendo sido avisado, faltou a várias reuniões. Chegou até a dizer
que não precisava de academia. Que este mau exemplo não seja imitado.”
Crime e castigo
Durante a eleição de novos membros da Academia São Luiz havia muita
conversa, e o Sr. Pe. Sílvio: “desaprovando o procedimento de alguns (...) se
soubesse o nome dos indisciplinados, abaixar-lhes-ia a nota de procedimento e
seus nomes constariam na ata.”
Na sessão de 26 de outubro de 1955, deveria discursar o Sr. Londe.
Deveria. Desculpou-se alegando que “seu discurso ficara no quarto de um padre,
para ser corrigido. Mas a obrigação dele era buscá-lo, pois o padre poderia
esquecer-se, visto que tinha outras obrigações maiores.”
169
O Sr. Humberto deveria discursar na sessão de 10 de janeiro de 1956. Não
o fez “por haver perdido o discurso (...) por esta razão deverá falar na próxima
Academia e seu procedimento desrespeitoso será comunicado ao Sr. Pe. Diretor.”
O Pe. Sílvio Martins, inconformado com tantas “falhas” às sessões, na
reunião de 18 de março de 1962, “ordenou que desde aquele dia, ficaria obrigatório
que todos os segundanistas e terceiranistas fossem acadêmicos e que cumprissem
todos os deveres da Academia para seu próprio bem.”
Ironia
A falta do José Nascimento Miranda a uma sessão em que deveria
discursar provocou a crítica do secretário José Pedro: “dada a palavra a José
Nascimento Miranda, não tivemos conhecimento nem a presença do dito
acadêmico. Foi um discurso eloquente, pois fora mudo. Censuramos desta
maneira, porque ficamos admirados. Somos vicentinos há um ano e ainda não
vimos tal fato.”
Justificativa
Dezembro de 1959. Despedida dos sextanistas. Próxima etapa:
Petrópolis. Menos para o José Evangelista Teixeira, que regressava “ao lar paterno,
abandonando, constrangido, a vocação sacerdotal. Era ótimo apostólico, porém,
não tinha forças mentais suficientes para progredir na ciência e na virtude até ao
grau exigido pelo sacerdócio” – opinava o então cronista José Margarida Sobrinho.
Natal fora de época?
Em pleno mês de janeiro, “galgou a tribuna o Sr. Chaves, que nos fez um
discurso sobre o Natal. O assunto foi de fato um pouco fora de hora, mas tinha o
seu porquê e justo.” E mais não disse o Sr. José Margarida.
170
Fila de espera
Demanda maior que oferta, “O Vice-Presidente calculando, ou melhor,
achando bastante numeroso o grêmio, propôs o Aspirantado para os Acadêmicos
do 1º Ano. A sua proposta foi acolhida com o máximo de boa vontade.”
Sueto
Dia de futebol, de passear, de não fazer nada, dia sem aulas. E também dia
de se comemorar alguma data especial. O sueto fazia a alegria de todos.
Era aniversário do Sr. Pe. Jair Barros, um dos mais queridos diretores das
Academias São Luís e São Vicente. Vinte e oito de fevereiro de 1957. E o cronista
narrava:
“Aniversário do mui digníssimo Diretor das academias S. Vicente e S.
Luis! Todos desejavam ter, neste dia, um sueto pra festejar, de um modo solene, o
nosso caro Diretor.”
O Revmo. Sr. Pe. Superior deu-nos as razões de não haver sueto neste dia.
Salientando suas justas razões, disse-nos que “não poderia dar sueto, nem fazer
uma festinha, não porque o nosso diretor, Pe. Jair, não o merecesse, mas porque é
contra o espírito da C.M. festejar um padre, que não o superior, no dia de seu
aniversário.” Mas a generosidade, e a gratidão dos acadêmicos vicentinos não
deixaram passar este dia em brancas nuvens. Os acadêmicos vicentinos não
queriam que a noite descesse sobre eles, sem antes externarem a sua gratidão a tão
grande mestre.
Era uma quinta-feira. Estávamos em aula de literatura. Com licença do
nosso querido professor, Pe. Jair, fizemos-lhe uma festinha, na aula. Novaes, então
Primeiro secretário da academia S. Vicente, fez um discurso em português,
saudando-o nosso digníssimo professor, salientando a humildade e a modéstia,
virtudes principais do Pe. Jair. Usou depois da palavra o entusiasmado Freitas (Pe.
José de Anchieta). Discursou modernamente em inglês. Como o Sr. Pe. Jair não
soubesse a tão linda língua inglesa, o Freitas explicou, em poucas palavras, o que
continha o seu discurso ( ... ) Em seguida, modesta e humildemente, Pe. Jair tomou
a palavra, protestando contra os elogios que recebera. Explicou, “com um inciso
breve e jeitoso discurso”, o que é ser santo.
171
Disse (...) que o dia 28 de fevereiro não era dia de alegria para ele, mas sim, de
tristeza. Sem nos deixar convencidos, explicou que “era dia de tristeza por ter
desperdiçado tantas graças recebidas, durante tão longo tempo, 28 anos...”
Em abril do mesmo ano, realizou-se “uma festa em honra do digníssimo
benfeitor do Caraça, Sr. Vicente Carsalade. Houve uma missa solene e todos os
apostólicos foram convidados a rezar por este insigne benfeitor. (...) À noite, as
Academias (...) fizeram uma modesta e humilde sessão (...) O motivo desta festa e
desta sessão foi ter o Sr. Carsalade conseguido do Governador do Estado, Clóvis
Salgado, Cr$ 300.000,00 para a Biblioteca do Caraça.”
E o cronista prossegue: “No dia seguinte, 8 de abril, o Sr. Pe. Superior deu
um sueto, a pedido do Sr. Vicente Carsalade.
O “pai da bandeira”
Teve o Caraça outros benfeitores, entres os quais o Sr. Ernani Lopes
Cançado, que forneceu o pano da bandeira; e a Irmã Zoé, que contribuiu com o
seu talento, na pintura da bandeira, segundo afirma “o pai da bandeira”, Francisco
Nunes Leite, na sessão de entrega da bandeira vicentina.
Registros
Sede, 13 de abril de 1949.
“Segundo anuência dos acadêmicos, resolvemos fazer uma sede na
Varginha, cujos trabalhos iniciamos hoje. Assentamos fazê-la quase na mesma
localidade antiga, a saber: entre o rego de água e a grande rocha que limita o pátio
dos apostólicos nos passeios à Varginha.”
172
Hino, Sessão solene – 17 de outubro de 1949
“Neste momento, tinha chegado a hora de os vicentinos cantarem, pela
primeira vez, o seu hino. Cantamo-lo, com ardor, dirigidos pelo próprio
compositor.” – Pe. Xavier.
Leituras Católicas
“Enviou-se (...) no dia 26 do corrente (outubro de 1949), às 'Leituras
Católicas' de D. Bosco uma quantia necessária para se pagarem dois anos de
assinatura: esse ano e o próximo. Teremos, além disso, direito a um almanaque.
Não se esqueça que uma assinatura foi paga pelo Sr. presidente. A quantia enviada
foi de Cr$45,00.”
O tapete - Outubro de 1954
O Sr. Rafael discursa em agradecimento ao Sr. Renato Coelho da Fonseca,
“doador do magnífico tapete que alfombra, agora, o Santuário de Nossa Senhora
Mãe dos Homens” – relata-nos o cronista Helvécio Bomtempo.
Mimeógrafo
“Silenciada a sessão, levantou-se o Sr. Presidente, pedindo uma calorosa
salva de palmas ao nosso dedicado Diretor (...) que nos arranjou um belo e ótimo
mimeógrafo que ele, gentilmente, agradeceu.” Expôs depois a sua longa história
para conseguir o suspirado aparelho, declarando por fim seu doador: o Sr.
Deputado Bolívar de Freitas, para quem pediu reconhecimento e gratidão.
Debate
Objetou-se contra a ata de 22 de setembro de 1954 por não ter sido
registrada a “proposta dos debates intelectuais idealizados pelo nosso mui digno
presidente o Sr. Ramos”, apresentada na sessão anterior.
O Prefeito
A ata da sessão de 6 de novembro de 1949 registra: “Estávamos em
vésperas da tomada de posse, mas o neo-presidente, cheio de entusiasmo e
querendo solenizar mais e mais, resolveu, com o apoio dos acadêmicos, antecipá-la
de um dia para aproveitar a presença de seu ilustre pai e do Sr. José Gonçalves
Gomes, digníssimo prefeito de Barão de Cocais”.
173
Correspondência - Domingo, 18 de dezembro de 1949
“Os acadêmicos estão trabalhando pra manter a correspondência. Leu-se
uma carta escrita ao Sr. José Gomes, prefeito de Barão de Cocais, e o Pe. Leonel
Franca (Edvino) está incumbido de remeter ao Sr. Pe. Dásio Moura, “um dos
jovens ardentes, hoje, missionário em Diamantina.”
Terça-feira, 8 de maio de 1956 – “Falou-se do dicionário que nos enviou
o Coronel Duval, a quem já se havia enviado uma carta de agradecimento.”
Nessa mesma data, “falou-se também de uma carta enviada a Vicente
Guimarães, por ocasião de seu aniversário e também para convidá-lo a ser membro
do nosso grêmio.”
Domingo, 17 de julho de 1960 – “Nosso bom Presidente José
Nascimento Miranda (...) perguntou aos acadêmicos se alguém poderia ou
desejaria ou poderia responder uma carta à Argentina, agradecendo aos que
enviaram um jornal literário para nosso Centro Acadêmico. O Alberto Manna se
prontificou (...) O Presidente falou também para respondermos (...) ao Seminário
do Maranhão que nos tem enviado um pequeno jornal Voz do Seminário.”
Tesoureiro
As Regras da Academia não fazem menção ao cargo de Tesoureiro. Talvez
a única referência ao cargo seja a encontrada na ata da Academia São Luis, de 10 de
maio de 1956: “Enfim, foi eleito tesoureiro o Libório, com 7 votos.”
Pe. Boavida
Maio de 1957. Sessão em homenagem à AEALAC. “Os Canarinhos da
Serra cantaram dois cânticos de autoria musical do Sr. Pe. L. G. Boavida, cujos
ossos foram, neste dia, trasladados de Barbacena para as Catacumbas do Caraça.
Para abrilhantar a sessão, o Sr. padre Ésio apresentou vários números de
acordeom” – Era 7 de maio de 1957.
O Bispo
Continua o cronista: “Dada a palavra livre, esta foi usada (...) pelo Bispo
Auxiliar de Mariana, D. Daniel (...) que, em breve e jeitosas palavras, fez um apelo
aos seminaristas a que amassem de fato a vocação. Fez também um belo elogio aos
padres lazaristas que tanto bem têm prestado ao Brasil.
Irmãs de Caridade
Não há caracense que não se lembre, com carinho, das incansáveis e
174
dedicadas Irmãs que atuavam na cozinha, na rouparia, ou em qualquer setor em
que sua ajuda se fazia necessária. Sua superiora era a Irmã Oviedo, homenageada,
em 12 de maio de 1957, por suas bodas de ouro de vida religiosa, completadas no
dia 28 de abril, data em que recebeu homenagens em sua terra natal, Serro.
Além da Irmã Oviedo, passaram pelo Caraça as irmãs Zoé, Helena, Cotta,
Vicência, Cruz...
Susto
Pobre do Novaes, 1º Secretário da Academia S. Vicente! Toca o telefone,
no dia 28 de julho. Era urgente. Soube que “seu pai estava às portas da morte. Saiu
muito triste, e com razão. Soubemos depois que não era o pai do Novaes. Era o avô
que estava passando mal”.
Epidemia
Dezembro de 1957. “O ano letivo se encerrou. Os exames marchavam
decididos ao nosso encontro. Preparamo-nos para eles. Nesse ínterim,
avassaladora veio a Gripe Asiática. Quinze dias perdemos de aulas.”
Pindaíba - 2 de outubro de 1966
“Mais uma vez o nosso mui digno Diretor usou da palavra (...) Pediu que
se escolhesse o nome do nosso jornal; como já sabemos, foi designado: Pindaíba.”
In Memoriam
Em 21 de fevereiro de 1964, o Bibliotecário João Aurélio de Souza deixou
consignado em ata: “Ao ensejo do Centenário do nascimento do grande Escritor
Brasileiro – Henrique Coelho Neto – que, hoje, se comemora - 21 de fevereiro de
1964 – deixaremos arquivado, neste Livro de Ouro, o texto original de uma carta
do emérito Escritor Maranhense, como preito de louvor da Academia São
Vicente.”
Este original foi doado à Academia pelo Sr. Pe. Fernando Tachard C.M.
quando professor, aqui no CARAÇA – 1963.
Ao Sr. Pe. Tachard, a A.S.V. agradecida.”
Ivan Oliveira
NOTA DOS ORGANIZADORES:
Por mais que se procurasse nos arquivos e na biblioteca, não se achou a citada carta.
Talvez tenha desaparecido no incêndio de 1968.
175
Discursos em
língua estrangeira
Discurso do Sr. Presidente da Academia São Luis
Le prêtre
Mes amis,
Qu'est-ce que c'est le prêtre?
Il est un homme qui tient la place de Dieu, un homme revêtu de tous les
pouvoirs de Dieu.
“Allez, lui dit notre Seigneur, prechez a toutes les nations. Comme mon père
m'a envoyé , je vous envoie.”
Et ces furent les paroles divines qui engendrèrent ces hommes heroïques:
les prêtres.
Et voilà les paroles qui font que le prêtre entre dans la masure du pauvre et
dans le palais de riche pour leur donner la consolation chrétienne.
Voilà les paroles qui font que le prêtre arrache les ames des griffes sataniques et les conduise à la vie eternelle.
En effet, c'est une sacrée place, mais une place pleine de difficultés.
Combien de déplaisirs sont déjà venus chagriner les derniers jours de sa vie!
Les âmes en erreur, les brebis en erreur!
Mais il a les yeux élevés pour le Prêtre Suprême, qui lui donnera la récompense de
ses travaux.
*****
Le prêtre est encore un homme revêtu de tous les pouvoirs de Dieu.
Nous le voyons dans le sacrement de la pénitence. Il ne dit pas: “Dieu vous
perdonne”, mais il dit, avec la sûreté du pouvoir que lui a donné Jesus Christ: “je
vous perdonne”.
En fin, le prêtre a le même pouvoir de Dieu.
*****
De grands bonheurs nous sont venus par le prêtre.
Si nous n'avions pas le sacrement de l'ordre, nous n'aurion aussi le corps
de notre Seigneur, nous n'aurions pas la force, la vie même, nous n'aurions pas la
très sainte Eucharistie”.
179
Ce fut le prêtre qui nous a reçu, à notre entrée dans l'église de Christ.
C'est le prêtre qui nous nourrit, qui nous prépare à comparaître devant le tribunal
du juste Dieu.
La paix et la consolation nous sont données encore par le prêtre.
Le prêtre, toujours le prêtre!.
Allez-vous vous confesser à la très sainte Vierge, aux saints et encore a un
ange? Non! Seulement au prêtre.
Écoutons le grand saint: “laissez une paroisse vingt ans sans prêtre; on y
adorera les bêtes”.
Après Dieu, le prêtre est tout.
Il est le combatant fort de l'église.
*****
Mes amis, il est triste de penser que dans ce Brésil très grand, il y a encore
des hommes sauvages, qui ne connaissent pas le nom du vrai Dieu!
En effet, c'est triste...
Et pourquoi? Oh! Il n'y a pas beaucoup de prêtres. La moisson est
grande, mais il y a peu d'ouvriers.
Prions, donc, le bon Dieu, d'en envoyer à la moisson fleurissante.
Carlos Maciel da Cunha
Discurso do orador oficial da Academia São Vicente
Most Reverend Father,
Five years ago, having as shield the God's love, as sward a holy zeal, you
left off the hot fervour of the seminary and you rushed in the life's arena. Then,
the obedience's voice called you to the Caraça, where you cultivate, kindly, the
Lord's corn, sowing in the sagt, tender hearts of the apostolics the fruitful germ
of the solid piety which, very well, you knew how to acquire and, very well, you
know how to replant.
And your seeds thrive because you manure it with a contagious example
of edifying virtue, because you water it with the eloquence of noble, firm will, with
a rigidity of character that contend the hardness of this mountains which
surround us.
You are very strong and the victory belongs to you. You are very brave and
all glory is due to you. You learned to wrestle and you will never be vanquished.
180
But somebody who fights the enemy looks for the mother country's
defense, either for the conquest of an ideal.
What land do you defend? What ideal do you look for? Your home is the
sanctuary of our Lady men's mother. The apostolics are clarions which incite you
for wrestling. Our happiness is the fair ideal that seduces you!...
So generous a kindness confuses us!...
What price do we shall pay you in?
What rewards do we owe you? What gratitude do we shall answer as many
favors with?
My dear father our present is a precious nosegay of communions and
prayers.
Our gratitude is inexpressible. But the love is only payed with love. You
gave us your heart and we offer you our ones.
Starling
Amigo leitor, não leve a mal os erros e imperfeições, lembrando-se de que tendo
estudado o inglês, apenas em dois meses, e sem mestre, fiz este discurso, sem ter
nem mesmo quem consultar. Much obliged to you: Starling.
Discurso do Presidente da Academia São Vicente de Paulo
Ù áãáèÝ ÐÜôåñ
Éäïý ïß áðïóôïëé÷ïß åíôáõèá Ýíå÷á ôïýóå óõã÷áßñåéí.
Åßèå åäõíÞèçìåí ìé÷ñüí ôé Üìåéíïí óõã÷áßñåéí ôÞí ãåíÝõëéïí óïõ.
Ãåãíþó÷åéò çìÝôåñçí áíåðéôçäåéüôçí. ÅäõíÞèçìåí ôÞí ðñïóáãüñåõóéí ìüíçí óïß
ðïéåßí.
ÁëëÜ ÷áß âïõëüìåèá ðñïó-öåñåßí óïß ôÜò åõ÷Üò ðñüò ôïí Èåüõ áò áíáôåßíïìåí
ôÞìåñïí.
Ðéóôåýù üôé ïý÷ åóôßí äþñïí ôéìéþôåñïí ôÞò ðñïóåõ÷Þò. Ôù Èåù åõîÜìåèá óïß áß
Üöèïíáé ÷Üñéôåò ÷áß ôÜ ðïëëÜ Ýôç ôïõ âßïõ.
Éäïý ôü çìÝôåñïí äþñïí.
×Üñéí Üðï-äßäïìåí åíôáýèá ôþ ãñáììáôïäéäÜò ÷áëù ðáôñß áãáôþ.
ÄÝ÷ïõ ïõí ôÜò åõ÷Üò ÷áß ôïí áòðáóìüí ôþí áðïóôïëé÷þí.
José Ricardo Chaves
Caraça 3.12.1947
Meu caro leitor, o autor deste discurso foi mais do que ousado em discorrer em
grego para o próprio professor deste idioma. Pululam aí, sem dúvida, os erros de
sintaxe, mas Você, se os encontrar, há de desculpar aquele que tão ingenuamente se
expõe ao ridícu-lo.
181
*****
Very reverend fathers. My dear companions.
We are a great deal joyful in this festive day. Fourfold is reason of our
mirth. Whole Brazil celebrates today the great date of his Republic's
Proclamation. It was yet a step in order to progress. We became free from Portugal
with Independence. By means of Republic we have broke the last snares what
unite us to Mother-country. When we were young and feeble, we stood in need of
a good kind mother, which might protect us and nourish. Like we are increased,
we have got out from her arms, already very covetous. Nowadays we live a own
self life. It is just, therefore, that we may display our immense joy, remembering a
date so much grateful to heart of all the Brazilians.
As a Vincentin academic, another reason appears to feast this present big
day. Because we remember also today foundation of our grateful Academy. In this
date when Brazil publishes his complete freedom, is born Academy Saint Vincent
of Paul. How many goods she had made! For us, presently apostolics, but future
missionaries, Academy is very useful. Look, my dear friends! Our future office will
be preaching. Hence forward that we may exercise ourselves in work's art. It was a
Providence's work the foundation of this Academy Saint Vincent of Paul.
Also in this day, some new members get into Academy. Go on, my
colleagues! Everything for the good and progress of our Academy. Be good
vincentines and you will be good apostolics.
In this solemn date, the pupils of fifth class, profit this opportunity, for to
take leave from you, very reverend fathers, and you, dear companions. In a short
time we shall go away. No like the soldier deserting the battle's field, but as intrepid
warlike wich, being the enemies vanquished, advances to another wars, seeking
victory.
My dear fathers and teachers, to you firstly our thank you, by so many
favors and goods what you have gave us. When we were small, you have kept us
paternally. You have formed us vigilantly. Now, when we are read to some new
wars, you leave us to depart. But, make merry, misters, because we depart for glory.
To you, also, dear companions, we are thankful by friendships what you
have had ever for us. Accept, however, our acknowledgments and votes of heavy
permanency here. Profit well the time. Pray, study and be dutiful to your superiors.
We shall go to Petropolis, but there we wait the companions from Caraça. Be
worthy of your vocation. Work for God's glory, progress of Mission's
Congregation and Caraça's good. Good-bye, farewell.
Marcos de Lena Gonçalves
Caraça, 15 de novembro de 1949
182
)
Discurso feito ao Sr. Padre Faria, no dia de seu aniversário,
3 de outubro de 1953
Pater Faria, condiscupuli mei,
Culpa esset dignissime pater, nos tibi aliqua non dicere Ciceronis
pulcherrima lingua. Hic academicus coetus claudicaret, si ei deficeret oratio, in
lingua, qua hodie sacrum litasti pro te et pro nobis, filiis tuis tibi maxime dilectis.
Paucissima tibi fari volo, ne forte meae orationis te taedeat, hac laeta die
Sanctae Rosarum, hac verna die, cum carpis vitae tuae horto in cultissimo
pergratissimam Deo rosam eamque offers misticae Rosae Virgini Rosarii.
Res mirabilis! Tu, sacerdotalis rosa, legis vitae tuae rosam eamque donas
misticae Rosae.
Peto et petimus omnes ut Deus det tibi carpere non modo undetriginta
rosas sed plusquam quinquaginta, ita ut perficere tibi liceat annorum rosarium ,
cujus odore liniatur haec domus ejusque incolae.
Grates etiam tibi damus pro sacrificiis propter me et sodales meos factis.
Pro me et pro eis tibi nunc dico: “Reddat tibi Deus, aeternumque reddat”.
Rômulo Cavalcante Mota
Caraça, outubro de 1953
*****
Most Reverend Father Faria,
We must speak to you something in the Milton's and Shakespeare's
language. And it is I who has the happiness of telling you on your birthday.
Twenty nine years ago, in the fullness of the spring, a flower appeared in
the garden of a God's Family.
Twenty nine years ago, in the Saint-Rita's Farm, from the baptismal
waters, this flower unclasped for God and our Lady Men' mother. This flower, you
know, it's you, father Faria.
Than years ago, in the fullness of you natural and spiritual spring, you
have unclasped newly for God. In your soul appeared the flower, which doesn't
fade, although may fade the bowl, where our Lord planted it. It's the priesthood
eternal flower.
We are in the spring, the time of the lilies, we are in the Rosary month, the
month of the nicest roses. And we will celebrate the twenty nine roses of your life,
and the third lily of your priesthood.
183
The apostolics have celebrated this second God's mercy, on the twentyfourth day, but it has been in the church silence, in the dumb affection of our
hearts, in the poverty of the fifth year class. It seems we have forgotten father
Faria.
But our gratefulness didn't afford such a thing. By a golden love and
prayers snare have united the twenty fourth to the third day. We have acted so,
firstly because you merit very much. Secondly because we wished to thank God the
favor he has did to yours parents, giving you to them in order you may be the
consolation son, and the grace he has did to the apostolics, giving you to us in order
you may be the teacher and careful father, the governour of these flowers, future
ornaments of the Congregation.
We improve the chance to thank you the good offices, the sacrifices, and
the time which you have lost with us, who haven't answered to you good will. We
thank also the rebukes and punishments, because we know that these measures
come from your heart sweetened by the love and the desire of doing good.
We will to continue to pray God for you and we hope that you will pray
also for us, especially for the boys of the fifth year, who briefly will give you the
farewell embrace, in their flight, to Petrópolis. I've told.
João Batista da Fonseca
*****
Também, na língua de Dante, recebeu nosso digno disciplinário, um
discurso em homenagem, por ocasião de seu aniversário natalício.
Riverendissimo Padre Faria,
Questo giorno, per noi pieno di emozioni, tocca le fibre più sensibili del
nostro entusiasmo, svegliando nel cuore sentimenti sinceri di amore e gratitudine
che traduce per lei tutto il nostro affetto filiale.
La sublimità di questa festa è cosi significativa che non sappiamo
esprimerla in parole adequate.
Ed è per ciò, per darle un'idea minima di quello sviscerato affetto che
nutriamo per lei, che oggi tutti gli apostolici del Caraça si stringono in uno sol
cuore per dirle che l'amamo e che la nostra brama è saperla felice percorrendo una
lunga serie di anni.
Non ci lasciamo sfuggire nessuna opportunità per testimoniarle la nostra
gratitudine.
Profitiamo di quela che ci offre la festa del suo compleanno, per
manifestarle la nostra riconescenza; riconescenza di figli che non sanno
184
comprendere la grandezza del suo cuore paterno. Sarebbe mancar a tutti i doveri
de figlio non profitare di un'occasione come questa.
Non sappiamo come ringraziarla dell'affeto che ci dimostra: sia in classe,
sia nella ricreazione, o nella disciplina, o dirigendoci parole edificanti, in tutto e per
tutti sempre mostrando la maggiore affezione.
Adesso comprendiamo l'obbligo di che siamo a lei debitori per lo zelo che
svolge nella nostra educazione e per l'interesse che sempre dimostra per darci una
formazione convinta.
Se la sua felicita dipendesse dai nostri desideri, nessuno sarebbe più
fortunato di lei.
Da ciò, lei può giudicare dell'ardore di nostri voti per la sua prosperità. Ma
se le nostre espressioni non possono darle un'idea fedele dei nostri sentimenti, ci
resta al meno il piacere di che la nostra gratitudine vivrá tanto come la nostra vita.
Degnisi dunque accettare com benevolenza la protesta del nostro amore
filiale, manifestato in questa semplice e povera festiciola, come semplice e povero è
tutto ciò che è di San Vincenzo di Paoli, ma con un significato tutto speciale che
soltanto un cuore paterno può comprendere.
Adônis da Cunha Ramos
Caraça, outubro de 1953
Discurso pronunciado pelo acadêmico “Anibal Filho”, aos 3 de
outubro de 1953
Reverendísimo Señor Padre Faria,
Hoy, día del aniversario de vuestro nacimiento, el deber del
agradecimiento no nos podía dejar quedar mudos.
Como no debéis estar alegre! Sin el nacimiento no podríais ser ahora
sacerdote. Sin embargo, es este el mayor día para vos. Como yo llamaba, el deber de
la agradecimiento obliga a nosotros a vos llamar alguna cosa.
Primero, a vos dar nuestros sinceros parabiens y las promesas de muchos
años de vida feliz.
Después, queremos vos ofrecer algún presente. Mas somos tan pobres
que nada vos podemos ofrecer de material. El mayor presente no seria el presente
espiritual? Siendo de este modo, nosotros vos ofrecemos las oraciones, la
comunión de hoy.
185
Lo que vos agradará más, será lo que vos prometeremos:
corresponderemos más bien a vuestras advertencias. Comportaremos nosotros
bien, para vos dar un poco más de alegría y satisfacción.
Señor Padre, solamente por que vos amamos, yo resolví componer estas
líneas, aunque no conozca esta lengua sino por la lectura. Mas pido que no repare
los yerros.
Ahora pido también que aceptéis un fuerte abrazo y, en nombre de los
apostólicos, nuestros sinceros parabiens. Tengo Dito.
Carmo Lio (5º ano - 1953)
Discurso pronunciado por um acadêmico em sessão ordinária
Chers Monsieurs, Chers Academiques,
Quelques bateaux sortirent en cherchant le havre de la félicité. La mer est
tranquille. Le temps amêne. Des poissons sautent dans la surface des eaux. Une
suave brise les bèrce. Quelques voyageurs regardent la mer. Personne ne pensait à
une catastrophe imminante. Les bateaux cinglent. Subitement on aperçoit quelque
chose à l'horizon. Qu'est-ce que ce sera? Est-ce que ce sera un avion? Un oiseau?
Non pas. Ce sont des nuages. Mais, des nuages noires. D'épouvantables nuages.
Quelque tempête? Peut-être. Cependant, les nuages grandissent. L'orage menace
de se déchainer. Le vent hurle. Les flots grossissent. Les habitants marins
disparaissent. Les bateaux voguent au gré dès flots. La tempête croît. Elle croît
toujours. Des sombre tapages grandissent. Des tonerres ressonent. Le vent hurle.
Il hurle! Il hurle! La mer de plus en plus irritée. La tempête aussi . Toujours!
Toujours! Des nuages ferment la porte du château solaire. Le vent croît. La nature
est irritée. Les bateaux cherchent, inutilement, à se defendre des flots irritées. Ils
sont poussés de l'un et de l'autre côté. Les vagues se jettent ironiquement contre
eux. La mer exige son tribut. Ils doivent le lui payer. Enfin, ils sont sur le point de
submerger. Frappés par tant d'ennemis, ils iront au fond. Les voyageurs dans
l'angoisse de salut crient désespérés: “Sauvez-nous que nous périssons”. Des
signes lumineux sont jetés à tous les coins. S.O.S.! S.O.S.!
Mais, quel est le nom de cette mer? Son nom est vie. Le havre est le ciel.
Les bateaux la terre. Les voyageurs sont les hommes. Ils crient: “Domine, salva,
nos perimus!” Seigneur, sauvez-nous que nous périssons!. Qui les sauvera dans
l'ocean de misères? Que les sauvera dans le gouffre des vices? Qui les sauvera au
milieu des orages? C'est le missionaire. Il est le seul homme qui les peut sauver.
Mais, que est cet être? S'il est si puissant, pourquoi ne nous porte-t-il pas tous au
186
ciel? Quand Jésus dit: “ Euntes in mundum universum, praedicate Evangelium
omni creaturae”, ils sortirent. Ils sortent comme des papillons. Ils logent çà et là. Ils
ont un seul désir. Ils voient une seule chose. Ils écoutent aussi une seule voix. Un
seul désir: Porter le monde au Christ. Ils ne voient qu'une seule chose: il faut
travailler beucoup. La moisson est grande et peux sont les moissoneurs. Ils
écoutent une sule voix; “Sitio!” J'ai soif d'âmes. Venez à moi, ô hommes! Je vous
désires! Et cependant, vous ne venez pas! Ils ne se contiennet pas. Ils veulent les
gagner. Ils partent. “Qu'est-ce que c'est partir? Partir est mourir un peu. Ils laissent
tous ce qu'ils aiment . Ils abandonnent les lieux et les êtres chéris. Le semeur sortit
pour semer...
“Vastes horizons, ouvrez-vous! Des âmes audacieuses vont vous
affronter!” “Laissez-vous abattre par les héros de l'avant-garde! Ils vous veulent, ô
horizons! Ils vous désirent voir tout entiers du Christ!”.
Ils crient sans cesse: “Je vous désire! Ne fuyez pas ! Voyez, je sortis de ma
patrie. Je laissais mes parents et tout pour vous! Je vous aimes! Je vous aime d'un
amour paternel! Vous êtes la seule raison de ma vie! Où vous irez, j'irai! Et ils
souffrent. Ils gémissent.Personne ne rassasie leur douleur. Ils désirent ardemment
les âmes.Et elles fuient. Elles disparaissent. Les missionaires souffrent. “Sine
sanguinis effusione non fit remissio”.
Prions, chers collègues! Prions pour eux! Seulement nos prières,
seulement nos sacrifices leur donneront du courage.
Ainsi, distingué auditoire, nous préparons notre ideal. Et cet ideal est
d'être missionaires. De vrais missionaires, pleins d'amour aux âmes. Prions pour
eux, pour que d'autres prient pour nous. Pour que nous ayons de courage pour
affronter la grande bataille contre le démon.
“Après toi, nous iront, Christ, à travers les mondes, en notre juvénile
ardeur, jetant dans les sillons les semailles fécondes sur tes pas, ô divin Semeur!”
José Luís Marcondes
Caraça, 21.09.1958
Discurso pronunciado por ocasião da festa do “Bem-aventurado
Gustino de Gacobis”, em 31-7-58.
Most reverend fathers, most kind brothers.
This great missionary, whose festival we celebrate today is Gustino de
Gacobis. Humble, charitable, laborious, bountiful, and saint, he had in his heart a
desire to serve God always and the poor. So that, he passed his life in the world
working to God´s glory, he preached the gospel, he ministred the sacraments and
he distributed the succors to the poor and needy.
187
His life was an inundation of sacrifices, it will be an example to be
followed.
He was son of Italy. As a true Italian, he was passionate, as them, he has
given away to the beauty’s charm. He was passionate for missions in foreign
countries.
The conquering of souls was his obsession. He wished them lively. He
went to Abissynia. There, the suffering have not cooled his love. He wished to see
loved his masters and thus, with ardent wish, he was a great apostle in Abissynia
and in all world. He was a very much persecuted and perished in July thirty first,
eighteen hundred and sixty. He ascended to heaven leaving in the world the sweet
aroma of his virtue and his sanctity.
Let us be missionaries, my dear apostolicals. Missionaries by world,
Missionaries by practice. Let us ask to good God the grace to become
Missionaries. Before being, good apostolicals, we went ask prity, humility, purity.
Let us ask Gustino, this great Missionary by practice, as well as God. Give us, God,
by Gustino´s intercession the love to the souls. That this love may carry us to suffer
quietly by the Missions.
Garibaldo Rosa de Freitas
Discurso pronunciado pelo Presidente da Academia São Vicente
de Paulo
Ù ößëá á÷áäçìáé÷ïß ,
Ù áãáèïß åðé-ó÷åðôüìåíïé,
Åí óÞíåñïí çìÞñá åïñôçí Éåñüõ ëÞñõëïò ôåëïýìåí.
Çí áíÞñ Üãéïò ÷áß çóõ÷ßá ÷áß ñÞôùñ äåéíüò ÷áß åõóôÜèåéá ìåãÜëç.
Éåñüò ÷Þñõî ï ëüãïõò åðïßçóáò ðÜóé ôïßò áíèñþ ðïéò ÷áß Ýâëáóôïí.
Éåñüò ÷Þñõî äéÜðõñïò ëüãïéò áõôüí Ýðåéóáò ìÜëéóôá äÝ ðéóôåùò á÷ßíçôïõ.
Áöåóôáèåßò ôïí ôïõ Éçóïý ×ñéóôïý óôáõñüí åã-÷áñÜóóåé ôáßò øõ÷áßò ÷áôïëßãïí äéÜ
÷ñçóôüôçôá ÷áß ðáðåéíï. Öñïóýíçí ÷áß ôÞí ðñüò Èåüí áãÜðçí .
Ï Éïõóôßíïò ôÞ ÷áñäßá ôïýò Áéèßïðáò ôáßò èõóßáéò ÷áß ôáßò åõ÷áßò ãáñ ç áõôïý
îùÞ çí ôü Ýèïò ôçò ïñèïäïîßáò ôïõ ×ñéóôïõ.
Ç å÷-÷ëçóßá ïõ÷ åðé-ëáíèÜíåôáé ôïí õéüí.
Äßäùóé ôïýôù ôçí åðéó÷ïðÞí. Ðáñ-áéôÜôáé ôçí áõôÞí äéÜ ôü ÷áìáßîçëïí.
Åößëçóå ôïýò áäåëöïýò áõôïý. Èåüò ÷áëåß ôïí ÷áß áðï-èõÞ÷å åí ôÞ Ýñçìù.
¸ó÷å ôÞí ëßèïí ðñïó÷åößëáéïí. ¸ó÷å ôÞí åõñõ÷ùñßáí ÷ëßíçí .
Åó÷å ôüí ïõñáíüí öÜôíïìá. ¸ó÷å ôüí ×ñéóôüí ÷ïýñéóìá .
Ù ìá÷Üñéå Éïõóôßíå, äßäïõ Êáñá÷Ýíóé ôÞí ôáðåéíïöñï óýíçí, ôÞí óðïíäÞí
áðïóôïëé÷Þí ÷áß ôïßò áäåëöïßò ÷Üñéí ÷áß ôÞò ðñïóåõ÷Þò ðíåõìá.
Ôþ ÈÝù åý÷ïí çìßí ôÞí ÷Üñéí ôÞò éåñáôé÷Þ ÷ëÞóåùò.
188
José Pedro de Araújo Silva
Discurso de despedida do Pe. Francesco
Vater Francesco,
Auf der Sprache von Goethe, wollen wir Ihnen noch Lebewohl sagen!
In diesem Moment, haben wir nicht viele Wörter, sondern viele Tränen.
Einige fliessen aus den Augen und andere bleiben in dem Herzen. Die Herzen
haben ihre Geheimnisse: sie können Tränen behalten, wie Perlen auf dem Grund
einer See.
Eines Tages, blühen die Erinerungen, und diese Tränen kommen wieder,
wie Perlen aus dem Herzen.
Dann... ein Schweigen... ein Gebet... Ja! ein Gebet wird man hören, - hier
in diesem Land von Heiligem Kreuz! - für den Italienichen Vater Francesco
Corrao.
Lebewohl! Lebewohl, villeicht für nie mehr!
*****
Padre Francesco,
Na língua de Goethe, vamos ainda lhe dizer adeus!
Nesse momento, não temos muitas palavras, mas sim muitas lágrimas.
Algumas fluem dos olhos e outras ficam no coração. Os corações tem seus
mistérios: eles podem guardar lágrimas, como pérolas no fundo de um mar.
Um dia, afloram as lembranças e as lágrimas voltam de novo, como
pérolas do coração.
Então... um silêncio... uma prece... Sim! Uma prece vai se ouvir, - aqui
nessa Terra de Santa Cruz! - para o Padre italiano Francesco Corrao.
Adeus! Adeus, talvez para nunca mais!
Adônis da Cunha Ramos
189
Pseudônimos
Patronos da Academia SVP
25 estatutários
Afonso Pena Junior
.1950 e 1951 - Sebastião Moreira Júnior
.1953 e 1954 - Joaquim Hipólito C. Pena
Anibel Filho
. 1949 - Carlos Maciel da Cunha
. 1950 e 1951 - José Caetano de Freitas
. 1952 e 1953 - José Silvanovo Barbosa
. 1953 - Carmo Ferreira Lio
Artur Bernardes
. 1949, 1950 e 1951 - Jesus Ferreira de Barros
. 1952 - Joaquim Gomes Filho
. 1954 - Maurício Gomes Lomba
Bernardo Guimarães
. 1950 e 1951 - Adelino Garcia dos Santos
. 1951, 1952 e 1954 - Celso Coelho
Casimiro de Abreu
. 1949 - Migdon Gonçalves Pinto Coelho
. 1950 e 1951 - Jesus Monteiro
. 1956 - Ademar Teixeira de Carvalho
Castro Alves
. 1949 - Tarcísio Ferreira
. 1950 e 1951 - Joaquim Carvalho da Silva
. 1953 - Walter Barros
. 1953 e 1954 - Raimundo Sotero Vieira
. 1955 e 1956 - Lauro Pallù
. 1958 - Francisco Nunes Leite
. 1958 - José Henrique Cardoso
. 1958 - João Evangelista
. 1958 - José Alves Fiusa
. 1960 - Marcos Amorim Saraiva
193
Coelho Neto
. 1950 e 1951 - Tarcísio Werneck Brandão
. 1952 e 1953 - Ary Montenegro Castelo
. 1954 e 1955 - João Batista Ferreira
. 1956 - Antônio Alves Garcia
Costa Sena
. 1949, 1950 e 1951 - Joaquim Duque Filho
. 1952, 1953 e 1954 - João Gonçalves
Dom Aquino Correia
. 1949 - Antônio Gomes
. 1950 e 1951 - Geraldino Alves Ferreira Neto
. 1952 e 1953 - Rômulo Cavalcante Mota
. 1956 - José de Aquino Perpétuo
Dom Silva
. 1949, 1950 e 1951 - João Bosco Scoralick
. 1952, 1953 e 1954 - Antônio Duque de Oliveira
Dom Viçoso
. 1949, 1950 e 1951 - Delfim Monteiro
. 1952 e 1953 - Vicente de Paulo Correa
. 1954 e 1955 - Diamantino das Neves Fernandes
. 1960 - Álvaro Lopes Figueiredo
Euclides da Cunha
. 1949 - Wilson Beloni
. 1950 e 1951 - Abelar Terezinha de Almeida
. 1952 e 1953 - José Nazareno de Athayde
. 1954 - Rafael Correia de Almeida
. 1956 e 1958 - Antônio Claret dos Reis
. 1958 - José Evangelista
. 1960 - Alberto Leonel Manna
194
Fagundes Varela
. 1949 e 1950 - Adelino Tschá
. 1952 e 1953 - Raimundo Morais Graça
. 1954 - Rodolfo Batista Abreu
. 1955 e 1956 - Rui Onofre Lara
. 1958 - José Lino de Araújo
. 1959 - José Rafael Frias
Gonçalves Dias
. 1949, 1950 e 1951 - Antônio Felício da Costa
. 1952 e 1953 - José Pessoa Figueiredo
. 1954 e 1955 - Igomer Brandi
. 1956, 1957 e 1958 - Waldir Gomes Novaes
. 1958 - Sebastião Carvalho Chaves
Jackson Figueiredo
. 1950 - Célio Dell'Amore
. 1951 - Expedito Campos
. 1952 - Guy Furtado de Andrade
. 1956 - João Gonçalo de Oliveira
. 1958 - José Pedro Afonso de Araújo Silva
José de Alencar
. 1949, 1950 e 1951 - Wilson Chagas
. 1951 - João de Barros
. 1953 e 1954 - João Batista da Fonseca
. 1954 - José Vieira Guimarães
. 1956 - José Maria Lima
. 1958 - Élvio de Meneses Lira
. 1958 - Ademar Teixeira de Carvalho
. 1960 - José Eymar Magalhães Rabello
José de Sá Nunes
. 1949, 1950 e 1951 - Guido Zanatta Horn
. 1952 ,1953 e 1954 - Vantuil Garcia dos Santos
. 1958 - Adamar Nunes Coelho
195
Machado de Assis
. 1949 - João Geraldo Silvestre Machado
. 1950 e 1951 - Sadi de Castro Cota
. 1952 e 1953 - Mário Lopes Ferreira
. 1954 e 1955 - Pedro Helvécio Bomtempo
. 1956 - Geraldo Humberto Venuto
. 1958 - Alberto Leonel Manna
. 1960 - Vicente de Paulo Oliveira
Melo Viana
. 1950, 1951 e 1952 - Henrique Soares de Oliveira
. 1953 e 1954 - Lázaro Onofre Macedo
Padre Antônio da Cruz
. 1949 - Paulo Ribeiro Faria
. 1950 e 1951 - João Batista de Souza Jacinto
. 1954 - Jaime Henrique Abreu
. 1965 - José Martins de Souza
Padre Leonel Franca
. 1949 - Marcos de Sena Gonçalves
. 1949 - Edvino José Kalsing
. 1950 e 1951 - José dos Prodígios Lopes
. 1952 - Luciano Montenegro Castelo
Paulo Setúbal
. 1949 - Dálmen Meneses
. 1950 e 1951 - Jair Cançado Coutinho
. 1952 e 1953 - Absalão Martinho Coelho
. 1954 e 1955 - José Maria Gomes Mayrink
. 1956 - Luís Humberto Leonel Manna
. 1958 - José Luís Marcondes
. 1960 - José Margarida Sobrinho
196
Plínio Salgado
. 1949 - Joaquim Nunes
. 1950 - José Benfica
. 1950 e 1951 - Otílio Macedo
. 1953 e 1954 - Afonso Geraldo Fernandes
. 1956 - Wilson Marques da Costa
. 1958 - Joaquim Augusto Medina
. 1960 - José Lino de Araújo
Rui Barbosa
. 1949, 1950 e 1951 - Sinésio Teixeira de Brito
. 1951 e 1952 - José Debórtoli
. 1953, 1954 e 1955 - Adônis da Cunha Ramos
. 1958 - Rafael Paulo Lopes
. 1958 - Edson Agmar Braga de Moura
. 1958 - Mário Lúcio da Silva
. 1960 - José Luís do Nascimento Miranda
Tristão de Ataíde
. 1949, 1950 e 1951 - David Pinto Coelho
. 1951 - Laerte dos Santos
. 1954 - José Carlos Santana
. 1956 - Adamar Nunes Coelho
. 1958 - José Guimarães Milagres
197
Novos Patronos
A partir de 1956
Alexandre Herculano
. 1960 - Waldir Alvarenga
Bossuet
. 1960 - João Bosco Miranda
Capistrano de Abreu
. 1956 - Ismael Góis de Alkimin
Carlos de Laet
. 1960 - José Luís da Silva
Claudio Manuel da Costa
. 1958 - Heli Cardoso da Silva
Érico Veríssimo
.1956 - Aloísio Alberto da Cruz Quintão
Felinto Elísio
. 1960 - Hélio Marinho de Almeida
Frei Tomé de Jesus
. 1960 - Geraldo Miguel da Silva
Gustavo Corsão
. 1960 - Francisco de Sales Nunes
Humberto de Campos
. 1960 - Marcos Rafael Campos de Medeiros
199
João Mohana
. 1956 - Lácio Leonel
Joaquim Nabuco
. 1958 - Hidalgo Leite de Oliveira
Jorge de Lima
. 1956 - José Lino Filho
Murilo Mendes
. 1956 - Narcélio Mendes Ferreira
Olavo Bilac
. 1956 - Garibaldi Rosa de Freitas
. 1960 - Maurício Raposo
Olegário Mariano
. 1960 - Mariano Pereira Lopes
Oscar Mendes
. 1956 - Oscar Neme Pedrosa
Padre Antônio Vieira
. 1956 - Rafael Caetano de Freitas
. 1960 - Ivan de Oliveira
Padre José de Anchieta
. 1956 - Luís Fonseca Chaves
. 1960 - Nelson Martins Carneiro Júnior
200
Padre Manuel Bernardes
. 1960 - Áureo Borges Miranda
Padre Pedro Sarnell
. 1960 - Éber Matilde de Almeida
Raimundo Correia
. 1956 - Raimundo Sotero Vieira
Tobias Barreto
. 1956 - Hamilton Julião de Almeida
Tomás Antônio Gonzaga
. 1958 - Sebastião Carvalho Chaves
Visconde de Taunay
. 1956 - Fábio Antônio Lima
201
Patronos de 1965
Bem-aventurado Gabriel Perboyre
. 1965 - Geraldo Tadeu de Araújo
Bem-aventurado Gruyer
. 1965 - Luís Fernando de Melo
Bem-aventurado Luís Francisco
. 1965 - João Dayrell Pedroso
Padre Francisco Pimenta
. 1965 - Luís Lauro da Silva
Padre Gerônimo de Castro
. 1965 - José Geraldo Ferreira
Padre Gerônimo Macedo
. 1965 - Hélvio Guimarães de Souza
Padre Henrique Lacoste
. 1965 - Anselmo Leal Ferreira
Padre João Vaessen
. 1965 - José Maria Amorim Campos
Padre Júlio Clavellin
. 1965 - Geraldo Adalberto Caldeira
Padre Pedro Maria Bos
. 1965 - Carlos Figueiredo de Araújo
203
São Justino de Jacobis
. 1965 - Charles Magno de Medeiros
Ivan Oliveira e Adônis da Cunha Ramos
204
Como era a educação
no Caraça
O
Livro estava pronto. A primeira revisão feita. Pe. Lauro Palú
aproveitou o Carnaval para organizar os blocos de sua mesa. Na sua mão, por
mágica, uma revista, CARTA MENSAL da Confederação Nacional do Comércio.
Abre a revista uma esmerada conferência do advogado Ari Cordeiro
Filho, o Couto de 1953, ardoroso acadêmico dos áureos tempos do Caraça.
Com a maestria e delicadeza de um ebanista, o menino da Montanha Viva
falou para notáveis do nosso Brasil sobre o Legado Religioso e Cultural do Colégio
do Caraça.
É longa a magistral conferência e, para nosso deleite, fica aqui um
fragmento da bela oração de 10 de dezembro de 1998.
Como era a educação no Caraça
Preguiça ou atraso excessivo realmente ali não prosperavam, mas era
admitida a repetência, quando havia “esperança”, Havia, também, possibilidade
do fenômeno inverso, que alvejava eventuais fraquezas do magistério: os
professores do ano superior podiam (e o faziam) rebaixar alunos que
demonstrassem preparo insuficiente para acompanhar a matéria curricular do ano
em curso. Muitas vezes, a inadaptação provinha do conjunto de vicissitudes que o
“modus vivendi” do internato acarretava: imperatividade de muita dedicação aos
estudos (a aferição do aproveitamento era diuturna), renúncia a uma vida mais
livre, distância dos parentes, incompatibilidades diversas, frugalidade,
simplicidade, hábitos que, para alguns, repercutiam como espartanos. Como
exemplo, acordar, nos dias úteis, às 5 horas da manhã, por vezes a baixas
temperaturas (até perto de zero grau), e tomar, assim mesmo, banho frio
obrigatório em certos dias da semana. Havia, também, outras razões de ordem
pessoal ou familiar para descontinuar. Inúmeros ex-alunos que se distinguiram
posteriormente em setores variados da vida civil, cedo deixaram o educandário:
sentiram-se suficientemente municiados para vocações distintas, com pouco
tempo de Caraça, e sempre se referiram carinhosamente à Casa.
O Caraça possuía educadores de escol, para uma mocidade que,
sobretudo ao tempo do Império, tinha uma deficiência de alternativas de tal
quilate, disponíveis em outros países e acessíveis somente aos mais afortunados.
Uma alternativa de excelência é o que podiam oferecer à mocidade brasileira sem
maiores recursos, e os distinguiu. As deficiências do ensino regular do País,
sobretudo do ensino primário, só com investimentos de grande monta e estatais
iriam ser remediadas.
207
Repassar o “modus educandi” dos Padres do Caraça é informativo, para
se mergulhar um pouco em conclusões sobre o mister pedagógico.
Na Revista do Arquivo Público Mineiro, ano VII, pg.897, encontra-se o
Regulamento do Colégio, de autoria do Pe. Leandro Rebello, apresentado ao
Presidente de Minas, em 18.01.1835. Por ele se conhece a diretiva que norteava a
atividade educacional de campo dos lazaristas. As adaptações que se fizeram ao
texto original, em século e meio, não lhe alteraram a estrutura básica: os padres
sempre se comportaram dentro de seus objetivos, observaram seus parâmetros,
acataram-lhe os balizamentos de amor esclarecido à juventude. Alceu Amoroso
lima descreveu-o como “admirável código de educação, um modelo de verdadeiro
humanismo pedagógico, em que a autoridade harmoniosamente se combina com
a personalidade e a suavidade”.
No Capítulo 5°, ao tratar do modo de agir dos professores no tocante ao
aproveitamento escolar, estabelece o Regulamento do Pe. Leandro: “4. Se algum
estudante se não aproveitar, dará parte ao Superior para este desenganar o Pae do
dito estudante”. Antes, contudo, o Capítulo era introduzido com a advertência:
“Os professores se se não cansarem no ensino dos estudantes, serão a causa destes
ficarem paralysados nos conhecimentos, de tornarem-se inúteis a si, e a sociedade,
e serão responsáveis pelas despezas que os Paes fazem com seus filhos. “2.
Explicarão as lições p.r aquelles q'em consulta se julgarem melhores, qdo. não
houver lei que determine.// 3. Serão claros em suas explicações de sorte que sejão
entendidos dos estudantes de menos engenho //...// 5. Serão prudentes na
correção // 6. ..., e chamarão à ordem aquelles que com argumentos vagos e
dilatados impedirem o progresso das aulas”.
Os professores não tinham pressa em iniciar os alunos em determinado
aprendizado. Para mim, são inesquecíveis os esforços do Pe. Felício Fulik em
“navegar” tanto pela origem dos algarismos arábicos, pelos fundamentos das
expressões fracionárias, para não iniciados, como pela teoria do erro, mais adiante.
Importante era só pensar adiante com o domínio completo dos temas sob
enfoque. A quantidade de matérias no currículo caracense era moderada: non
multa sed multum. A latere ou por sobre o enorme cabedal informativo, o qual
resultava recepcionado e apropriado, com o tempo existia um atributo extra, o do
exercício do aprendizado, o saber como dedicar-se a aprender com sucesso. O
desenvolvimento posterior de seus ex-alunos, conquanto bastante pródigo no
aproveitamento de disciplina de humanidades, resultou num amplo leque de
habilidades profissionais: médicos, odontólogos, engenheiros, cientistas e
professores universitários em áreas diversas, além de religiosos e políticos, ali
lustraram suas cadeiras. No “período áureo” do Caraça Francês, o total de
disciplinas ministradas era de 25, entre o Colégio e o Seminário maior de Mariana,
incluindo o estudo do hebraico e de filosofia, além de matérias religiosas, como
208
Teologia. No atual século, em período também frutífero no ensino da Escola
Apostólica, basicamente se estudavam, no curso dos anos, com algumas variações,
Matemática, História Natural, Ciências (abrangendo temas de Física e Química),
Cosmografia, História do Brasil e Universal, Música, em adição às enfatizadas
matérias de Religião, Português, Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa e
Universal, Latim, Grego, Francês e Inglês Básicos, desbastadores: Aritmética,
Geografia Desenho e... Caligrafia. A oratória e a correta expressão em público
praticavam-se em duas Academias Literárias, que tiveram seus períodos de grande
destaque. A leitura correta era exercitada no refeitório, no púlpito esculpido por
Aleijadinho, perante um auditório de padres e alunos, silentes e atentos a qualquer
escorregadela do aluno leitor, no idioma selecionado (café da manhã, almoço e
jantar). Além de jogos para exercício físico, da natação no rio quase gelado, a par
dos ansiados ou abominados passeios dominicais pelas montanhas escarpadas ou
das incursões às grutas, alguns eleitos e vocacionados empregavam ou amargavam
parte de seu recreio ou dos feriados (suetos) nos ensaios do coral, da banda de
música e de esporádicas peças teatrais. Não se perdia tempo, realmente, naquele
Estabelecimento de ensino, como quisera Pe. Leandro.
O objetivo dos estudos era o conhecimento detalhado, quanto possível
profundo, do tema versado. O método era de explicar, antecipadamente, a matéria
da aula seguinte, antes da qual havia nova oportunidade de revê-la, num “estudo”
de uma hora de duração. Neste “estudo”, era obrigatória a preparação para a aula a
ele assinalada. Duas aulas pela manhã, duas pela tarde, ambas precedidas de seu
“estudo” próprio, além do “estudo” maior, à noite, para o exercício semanal de
matérias selecionadas. Sabatinas diárias, nas aulas; exercícios semanais, no estudo
noturno, para revisão e avaliação, com atribuição de nota. Concursos gerais e
leitura de notas mensais. Muita repetição para os menos dotados. Decorar textos,
por vezes, era a solução provisória para acomodá-los no grupo, para afastá-los do
repúdio ao “mais ou menos” ou ao “adivinho”. Com a ultrapassagem dos
fundamentos de cada matéria, havia um natural crescendo, uma aceleração do
aprendizado, de modo que, para “salvar” etapas transatas, decorar tornava-se uma
necessidade para alguns, consolidando os conhecimentos com o tempo
(jocosamente tido como aprendizado por “osmose” mental).
Colar era “crime” não suscetível de repetição: a primeira vez equivalia a
zero, e a segunda, a transferência forçado do Colégio, por se desejar imprimir
espírito de lealdade aos alunos. Uma das características era a inflexibilidade no
cumprimento das normas disciplinares: não havia qualquer contemporização com
o que viesse abalar a rotina tranquila do Colégio. Um mau hábito, um “mau
espírito” desagregador tinham remotíssimas chances de se instalar na Serra. Havia
uma resultante de receptividade às normas, no conjunto dos próprios alunos. A
mim me parece que eram razoáveis e podiam até ser tidas como autodefesa daquele
209
grupamento. A confirmação desta orientação de inflexibilidade em pontos
fundamentais poderia ocorrer a um desavisado descrente, quando já estivesse
descendo a tortuosa estrada, por inadaptabilidade ao ambiente. Desculpem-me os
críticos da disciplina rigorosa, mas a interatividade, a quantidade de tarefas
demandantes e interessantes, a curiosidade sempre aguçada para o descobrimento
de novos horizontes do conhecimento e da cultura acabavam fazendo da
disciplina, para a grande maioria, um complemento desejável. Desordeiros,
brigões, preguiçosos não eram bem vistos pelo próprio corpo discente.
Representavam uma ameaça ao aumento do patrimônio intelectual. Afinal,
desordem, violência, atraso não eram fatores escassos “lá fora. No mundo”. A
opção pelo Caraça era por um fator escasso.
As matérias, sobretudo Português, Literatura, Latim, eram vasculhadas à
exaustão, até ao exagero, para que os alunos resultassem seus seguros
conhecedores. Entusiasmavam-se pais, parentes ou protetores, ao constatarem as
mudanças por que passavam seus “meninos”. Quando do ingresso no Colégio,
eram tidos e havidos pelos veteranos como autênticos “capiaus”, desajeitados,
linguagem grosseira, engasgando-se com vocabulário mais apropriado e
estranhando uma simples declinação latina de “hora-horae”. Embora fossem
comuns as chacotas, inexistia o trote para os novatos, que recebiam um “anjo”,
veterano responsável por sua aclimatação ao novo ambiente de vida. Nos anos
subsequentes, os remanescentes lá estavam, burilados. Ali pela 5ª ou 6ª série, não só
já dominavam o Latim prosaico, aprendido em gramática francesa (Émile Ragon)
como desfiavam Horácio, Virgílio e Ovídio, ao pé-da-letra ou com tradução
apropriada ao vernáculo corrente. Produziam poesias em latim, com métrica
irrepreensível nos versos hexâmetros ou sáficos, em acrósticos cruzados.
Discursavam em grego clássico, que tinham aprendido na gramática em francês.
Liam o martirológio romano em latim, na hora do almoço. Por vezes, um professor
com mais queda para ciências, por física ou matemática, resolvia “apertar” os
alunos e ocorria o fenômeno de interesses despertados para as assim apodadas de
“ciências exatas”.
A leitura de notas era um acontecimento solene e à parte: cada aluno, a sua
hora, ouvindo, de pé, a leitura mensal ou semestral da aferição de seu
aproveitamento e disciplina, no amplo “estudo” e na presença de todos os
professores. Nos dois extremos, havia a leitura pausada para os que só obtivessem
notas excelentes (9 e 10) em todas as matérias – raríssimos – que eram saudados
com palmas (suprema honra!), da mesma forma que se prolongava a audiência das
notas medíocres ou baixas, para constrangimento dos desventurados alunos dela
titulares. A entonação da leitura trazia em si o elogio ou a reprovação, a qual poderia
ser complementada por comentários personalizados específicos, no caso das “más
notas” (eram as palmas, ao reverso).
210
Além deste fator emulativo, outros podiam existir, causando,
frequentemente, um “fanatismo”, uma “embriaguez” de curiosidade em alunos ou
grupos de alunos, com leitura febris de literatura, de obras de ficção, de latim,
história ou português, às vezes secundadas por torneios ou disputas temáticas.
Como se não bastassem as sequências sistemáticas e inexoráveis de aulas e
“estudos”...
Muita fantasia se construiu sobre o excesso de rigor no Caraça. O que
sempre houve foi autenticidade, relação de verdade entre o Regulamento e a
prática. E esta prática não era assustadora. Pelo contrário, era profundamente
humana e caridosa. A dedicação generosa dos padres a seus alunos, seus esforços
incansáveis para instruí-los, para socialificá-los nos bons costumes, para preservar
a higidez de seus hábitos matérias e morais, dentro de um quadro de penúria
financeira para os gastos correntes, são uma demonstração comovente de amor à
juventude. É possível, em sua história, apontar casos isolados e excepcionais de
excessos de zelo, eles, mesmo, dentro dos limites de aceitação de procedimentos
sancionados pela cultura da época, v.g. a palmatória no século passado e em parte
da primeira metade deste século. Nunca de desinteresse. A disciplina era forte,
porém não tirânica. A prova cabal dessas assertivas reside no fato de que o período
alardeado como o mais rigoroso (Caraça Francês) foi justamente aquele em que as
matrículas aumentaram gradativamente para 300, até 400 alunos. Dentre os
alunos que por lá passaram, a grande maioria guardou e guarda as mais gratas
recordações, como o “melhor período de sua vida”, sendo pródigos em
comentários desinteressados e carinhosos. Sabiam, e sabem todos eles, muito
bem, o quanto é preciosa a atuação de educadores competentes e dedicados, na
fase da adolescência. Prof. Antônio Lara Rezende, em suas “Memórias” (1970 –
Tomo I – pg 408) assim se expressa: “Repetidas vezes afirmei: não chorei ao deixar
o meu lar e vir para esta Casa, como não chorei ao aqui chegar. Chorei, sim, ao sair
do Caraça”.
Resultados no campo cultural
Sabidamente, o peso maior do afã docente, no educandário, era o das
(assim ditas) humanidades, o que portava, em si, uma forte ênfase em temas
enriquecedores da cultura e das letras: conhecimentos gerais, literatura brasileira,
literatura portuguesa, literatura universal, história universal, história do Brasil,
música, expressão verbal, retórica. A tradução e a leitura dos principais autores do
Latim, do Grego, do Francês forneciam precioso patrimônio implícito aos alunos
que desejassem prosseguir gravitando no “pan-ântropos”, neste complexo de
211
relações humanas de profundidade histórica imemorial. Os hábitos da leitura
estavam estimulados pelas exercitações, no refeitório, por estudos livres, por
recreios dedicados ao mister, pela disponibilidade de livros e por emulações nas
Academias literárias ou por outras, esporádicas, durante o ano letivo, a par das
obrigações curriculares.
Ari Cordeiro Filho
212
Utopia
“ O ar solitário dessas pedras
que tantas sombras recolheram;
esse patrimônio heráldico;
esse clima de velho estilo;
esse relógio do passado
que marca as horas do presente;
essas palmeiras já sem fruto
que apontam rotas futuras”1.
Esse é o LUGAR NENHUM...
Sempre a mesma pergunta: “como foi possível pubescer e adolescer no
2
meio do nada, em regime fechado e austero , visitando a família a cada três anos?”
Toda mudança de patamar marca seu momento com “som e fúria”. A da
infância para a adolescência o faz com um “radicalismo irrepetível”. Há perda e
ganho. Perda da relação privilegiada com o mundo dos pais, quando não existe
ainda o compromisso e a responsabilidade. O que há é dependência. Ganho da
identidade, em que se vai moldando a subjetividade. Criam-se os primeiros deveres
e se dão os passos inaugurais para a autonomia. O que há é anseio e sonho.
No corpo.
Quebra-se a imagem construída na infância, e o corpo, da noite para o dia,
conhece uma nova estrutura que assusta. Antes adormecidos, agora os hormônios
começam um movimento indomável, mostrando toda sua força e expressão. O
olhar no espelho, antes indiferente, se depara com pelos e marcas no rosto,
embrutecendo a efígie, desenhando uma silhueta estranha. Os músculos se
alongam, os movimentos perdem a harmonia. A voz falseia e engrossa. O humor
oscila. Quem sou eu?
1 Montanha Viva – Henriqueta Lisboa.
2 “A correspondência, quer activa, quer passiva, ser-lhe-ha (Diretor) confiada, devendo elle
examinar tudo o que entrar ou sahir do collegio, não permittindo as necessárias
communicações senão no tempo do recreio”. Regulamento Interno.
215
Na cabeça.
O acesso ao abstrato e ao simbólico mexe com a cabeça. Aceitar a própria
imagem ou não, eis a questão. Morte e sexo afloram das sombras como duas
realidades das quais não se pode escapar. Amedrontam. A luta fica feroz. As coisas
deixam de ser concretas. Prontas. Absolutas. O relativo se impõe. O pensamento
se torna mutável. A dúvida se instala. A mente se rebela. Recalcitrar é preciso.
Obedecer soa como retrocesso, até porque a desobediência deve aqui ser
concebida positivamente, como ensaio e erro, e, em muitos casos, como
interpelação do modelo educacional e pedagógico proposto. Assim sendo,
adolescência é a idade das experiências, no sentido forte de tentar reconstruir o
mundo, cuja lógica é posta em juízo.
Se por um lado, a maturidade corporal pode ser considerada como
cumprimento de um caminho linear, ao contrário, a organização mental é confusa
e segue um caminho descontínuo. Talvez, para se entender esse momento singular,
o exemplo do que acontece com a voz pode ser de grande valia. Ela é corpo e ela é
mente. Enquanto corpo, segue a estrada fisiológica do desenvolvimento.
Enquanto mente, esbarra no imperativo de “tomar a palavra”, ter voz própria,
resposta ao crescimento da personalidade. Mas, dizer o quê? Então, surge outra
questão, “falar o que penso” ou “repetir o que dizem”. Ser eu mesmo ou alienarme no outro?
“A juventude é uma idade bendita, um risco a correr, mas o próprio risco é
abençoado”3. Suas lembranças nunca mais se apartam de nós.
A idade mínima possível, na Serra Santa, era dez anos, quando se
terminava, na nomenclatura da época, o curso primário. O mais comum era o
aluno ingressar com onze, doze ou treze anos. Salvo algumas exceções, este era o
limite máximo, também. A maioria dos meninos, oriundos do interior, de famílias
católicas, desejosas de ver um filho padre ou honrado cidadão, era a matéria prima
que subia a Montanha Viva para estudar no internato de tempo integral. O alunopadrão, como se pode imaginar, era um “bom sujeito”, iniciado na prática religiosa,
amado pelos pais e cercado de cuidados e sonhos. A analogia com “reformatório”
não existia mais, no final da primeira metade do século XX. Era lisonjeiro, e não
ameaça ninguém a ir estudar no Caraça.
Levando um enxoval para muitos anos, o aluno mudava de casa, separavase dos seus, trocava a vida doméstica pela comunitária, com observância de uma
disciplina rígida até para falar, onde tudo era regido por sinos e apitos, no ritmo do
relógio do campanário. Se é exata a descrição do perfil físico e psicológico do
teenager, como foi controlar um grupo de uns trezentos jovens no dia-a-dia do
Colégio dos Lazaristas, a 2 mil metros acima do nível do mar?
3 Diário de um Pároco de Aldeia - Georges Bernanos.
216
São muitos os focos para uma análise de um tempo, como muitos são os vetores de
uma produção cultural. Sem transformar estas linhas em um estudo, fazendo delas
impressões pessoais dos anos que vão de 1950 a 1956, ficam aqui algumas das
muitas respostas possíveis à pergunta que até hoje se faz sobre o regime vigente
naquele Educandário.
Embora a história aponte o período de 1860 a 18954 como “fase de ouro”,
a década de 50 foi privilegiada.
A reviravolta preconizada por Wilhelm Dilthey mudou os rumos da
pedagogia do século XIX. Antes “substitutivo-dominadora”, a nova ordem
educacional adotou a postura “antecipativo-liberadora”, que deixou o mundo de
pernas para o ar.
O absoluto foi cedendo espaço para o relativo.
Com time de professores do melhor quilate, a Arcádia de Minas Gerais
recebeu a maior leva de alunos da história. Modernizou-se com luz elétrica,
corrente alternada, 24 horas por dia. Criou a educação física, abriu-se ao futebol e
5
ao vôlei, aposentando o longevo “mascarado” .
Integrando a AEALAC, em 1950, Olinto Belloni, avô do atual Reitor do
Caraça, foi visitar os netos e levou de presente para “os meninos” um alto falante,
que ele mesmo instalou no recreio, ligando-o com cem metros de fio ao rádio dos
professores. Os alunos, então, passaram a ouvir o Repórter ESSO, de quando em
vez. Através dele, muitos choraram a morte de Getúlio Vargas. E em 1950 e 1954,
pôde acompanhar-se a Copa do Mundo de Futebol.
O cinema pulou dos nove para os dezesseis milímetros. Uma tela de três
metros por dois, exibiu “Sempre no meu Coração” e deixou o Gigante
“chumbado”6 por um mês. Vieram “Canção do Sul”, “Por quem os Sinos
Dobram”, “O Mágico de Oz”, “Beau Geste”, “Ben Hur”, “O Manto Sagrado”,
“Gungadin”, “Rumo a Tóquio”, “Fugitivos do Inferno”, “Um Punhado de
Bravos”, “Perdidos na Tormenta”, “Ladrão de Bicicleta” e muitos outros.
O teatro ganhou cortina móvel e cenários giratórios. Sucesso absoluto de
“bilheteria”, o salão do segundo andar não comportava sentado todo o público da
Serra: estudantes, professores, irmãs, visitantes, empregados e sampaias. A banda
de música modernizou todos os instrumentos, niquelados no lugar dos latões
amarelecidos, abrilhantando as alvoradas e animando com dobrados os dias de
festa. As grandes solenidades eram abertas com o Guarani. A Schola Cantorum
soltou aos quatro cantos a voz polifônica com os Canarinhos do Caraça. O primor
4 “Este collegio, fundado na serra do Caraça, Estado de Minas Geraes, tem por fim
preparar alumnos para qualquer das Academias do Brazil”. Regulamento do Collegio do Caraça.
1895.
5 Jogo com bola, usando somente as mãos.
6 Sorumbático, macambúzio, “apaixonado”, no dialeto local.
217
dos corais sacros e profanos, populares e clássicos, sob a batuta de exímios
maestros, marcou época. Até hoje, enseja emocionantes improvisos da turba
multa, quando se encontra.
Grande novidade foi a discoteca, montada com radiola, o que
incrementou ainda mais os ruidosos recreios, tocando Dominó, Jezebel, Granada,
Coimbra, Índia, Zíngara, Aquarela do Brasil, Tico-tico no Fubá, Casinha
Pequenina, Ave Maria no Morro, Pequeno Jornaleiro, Despertar da Montanha.
Mais, quem não se lembra de Asa Branca? E ainda, Dança das Horas, O Sole Mio,
Cuore Ingrato, Uma Casa Portuguesa, Carnaval de Veneza, Bolero de Ravel... As
árias napolitanas derretiam corações. Nos long-plays de 33 rpm, o diamante
bailava com Tchaikovsky, Beethoven, Chopin. Fugava com Bach. Valsava com
Strauss e "concertava" com Mozart. Para os mais refinados e eruditos se ofereciam
as óperas7. Por miopia ou não, aos professores escapou que a radiola era antes de
tudo um rádio, portanto, nas “horas mortas”, poderia muito bem saciar a
curiosidade da “turma dos espertos”, sintonizando, com improvisada antena de
arame, o que acontecia “além dos muros”. Antecipando os novos tempos,
profeticamente unia o sagrado do Santuário com o profano do mundo, ambos
admiráveis obras do Criador.
Ao pensamento acorrem três pilares da viabilização e êxito do colégio da
Serra do Gigante: a espiritualidade praticada, a natureza exuberante do sítio, os
educadores de peso daquela casa.
Espiritualidade.
A espiritualidade legitimava a aspiração do moço a um ideal nobre e
sublime: canalizar as forças e as paixões para “evangelizar os pobres”. Cristo e
Vicente de Paulo, dois modelos concretos de uma utopia possível.
Pelo caminho da mística consegue-se pela fé uma ressignificação para as
coisas, fazendo-as ganhar um novo sentido, com dupla premiação, agora pela
prática das boas obras, depois pela recompensa dada aos mensageiros do bem. Por
outro lado, uma sublimação, decorrente de deslocamento, é capaz de costurar
energias físicas e psíquicas, hormônios e fantasias, para alvos elevados,
equilibrando o movimento do desejo em relação a seus objetos.
A oração, a meditação diária, o exame de consciência e os sacramentos,
estes ex opere operato, alicerçavam a crença da escolha certa.
As virtudes da retidão, da caridade, da comunhão com Deus e pureza de
corpo e de espírito oxigenavam o coração e a alma do apostólico, encorajando-o ao
ideal espartano, à práxis estóica e ao sonho de atravessar “rubicões”.
7 Barbeiro de Sevilha - Rossini; Carmen - Bizet; Cavalleria Rusticana - Mascagni; Madame
Butterfly - Puccini; La Traviata e O Trovador - Verdi.
218
A Igreja, sob o pontificado do majestoso Pio XII8, ainda estava sob o
regime de cristandade. Isto quer dizer que suas diretrizes eram basicamente as do
Concílio de Trento e ela, a única verdadeira e santa, “fora da qual não há salvação”.
Estava longe a Teologia da Libertação. Mais longe ainda, o reconhecimento de que
a verdadeira religião é aquela que aproxima o crente de Deus e o faz melhor. A
apologética se estribava nos milagres e nas aparições. As dúvidas de fé eram
sanadas pelos dogmas, verdades inarredáveis e inconcussas. As ambiguidades se
desfaziam pelo magistério da Igreja, à frente o Papa, infalível em questões de fé e
moral. O destino do pecador impenitente estava traçado, o Inferno. O justo e o
arrependido tinham a garantia certa da felicidade certa, por toda a eternidade, o
Céu.
Não havia embuste nem fraude na catequese dos mestres, muito bem
intencionados, tudo respaldado na palavra sagrada, na patrística e na tradição
apostólica. Acreditavam no que diziam. E eram inteligentes, cultos e lidos.
Sobretudo, bons. Convincentes, praticando o que ensinavam.
Embora tendo que lutar contra as forças da carne amotinada e do espírito
contestador, o jovem naquela Sementeira estava muito bem embasado para fazer
sua opção, praticar a renúncia, ato que muito se distancia da repressão. Na verdade,
a repressão é algema, violência contra a vontade. A renúncia é uma escolha livre
que, entre duas opções, elege aquela que lhe parece possível e capaz de trazer mais
benefícios.
A logística estava muito bem traçada.
A poetisa de Montanha Viva, do alto do monte, assim versejou sobre o
viandante da Serra:
“Caminha a largos passos lentos.
Traz no horizonte os olhos fixos.
Talvez nas nuvens veja signos
e logre coordenar palavras
do alto e secreto códice
que ao voo convida almas e aves”.
8 Adônis da Cunha Ramos lembra que o douto e sábio Pontífice exortou os seminários a
incentivarem os alunos ao estudo, à LIVRE INICIATIVA, adaptando-se às necessidades
dos novos tempos. E desembolsa da memória o trecho da Encíclica Menti Nostrae:
81. “Deve-se cuidar de modo especial da formação do caráter de cada rapaz, nele
desenvolvendo o senso de responsabilidade, a capacidade de raciocínio, o espírito de
iniciativa. Por isso aqueles que dirigem os seminários devem recorrer com moderação aos
meios coercitivos, aliviando, ao passo que os jovens crescem em idade, o sistema da
rigorosa vigilância e das restrições, preparando os jovens a guiar-se por si mesmos e a
sentir a responsabilidade de seus atos. Concedam certa liberdade de ação em determinadas
iniciativas, habituem os alunos à reflexão, a fim de que se lhes torne mais fácil a assimilação
das verdades teóricas e práticas; não temam tê-los a par dos acontecimentos do dia, que
antes, além de lhes fornecerem elementos necessários para que possam formar e exprimir
um reto juízo, ainda lhes dão ensejo de discuti-los, ajudando-os e habituando-os a julgar e
avaliar com equilíbrio.”
219
E, descendo, foi cantando:
“Medi os passos
- nem largos nem curtos à medida exata. Caminhai em fila
sempre para frente.
Perfilai eretos
e imóveis no posto”.
Natureza.
Porta do Céu, não poderia ficar por menos, esbanja uma natureza de uma
prodigalidade comovedora. A bacia, formada pelas montanhas, aninha a “pomba”,
como se ternamente a abraçasse. Sua pedra escura, que tantas sombras recolhe,
desenhando o rosto de um gigante, nada possui de agressivo ou aterrador.
Seriedade, vigilância, talvez quietude e paz. De fato, sem dolo ou favor, esse lugar é
a catedral do silêncio, onde as rosas falam, o rio sussurra, a brisa assobia e a floresta
canta.
As matas se encarregam de guardar segredos e alimentar fantasias. Seu
jogo é com o tempo e o espaço, com a luz e a sombra.
O mato é pródigo. Exala o perfume das flores e atapeta as trilhas com
folhas caídas que protegem os pés descalços. É luxuriante, colorido, com musgos,
ramagens e cipós. Ao alcance das mãos, a gabiroba, o murici, o araçá, a simpática e
doce maria-preta. Por todo lado o beija-mão. Ali os pássaros reinam soberanos,
porfiando trinados, cujo resultado final é de uma harmoniosa orquestra, saudando
a paisagem com sinfonias. Enquanto há luz, há canto. Nada perturba os micos,
macacos, antas e lobos. Nem o tatu. Não surpreende, no meio das árvores, um pé
de jabuticaba ou goiaba, como não assusta uma rara orquídea enlaçada em um
paciente tronco. No céu, os alados de todas as cores, brincando com o vento,
mesmo nos dias frios, em que pálidas luzes bailam tímidas entre flocos de rala
neblina.
Diante de tão viçoso cenário, a “visionária” do Caraça conclama:
“Os braços abri
em toda a extensão
para os horizontes.
Sorvei com os pulmões
a aura das campinas”.
Não faltam cascatas com seus “chuás” permanentes, nem o marulho dos
rios de água cristalina com sabor de ferro, onde a sede se sacia e o corpo se refresca
e se banha. Os lagos, férteis para as pescarias, nos feriados. O dorso da montanha,
220
em perfeita circunferência, convida ao passeio, onde, além da sensação de se estar
na porta do céu, sente-se a beleza do mundo, esparramada nos muitos belos
horizontes que a vista alcança.
Para o jovem estudante, vindo do interior ou da capital, nenhuma
experiência anterior se aproximava da sedução hipnótica daquelas terras. Nada
parecido. Olhando o firmamento, colhendo das nuvens o gosto das cores,
aprendendo com os pássaros o claro solfejo, os alunos se viam diante de um
universo generoso e instigador: “olhe e pegue”. Curiosamente, a variedade de
escolha atendia ao aventureiro e ao pacato; ao místico e ao desbravador; ao tímido
e ao atirado, ao estudioso e ao “vadio”.
Os esportes, num mundo à disposição da rapaziada, onde o silêncio só era
ferido pela sonora alegria dos folguedos em horas aprazadas, faziam também parte
da domesticação dos púberes impulsos da meninada. Mente sã em corpo são,
dueto difícil, mas saudável para a juvenil idade.
Quando de minhas primeiras férias, em Belo Horizonte, após duas
semanas, já queria voltar para o “mato”, em nada me seduzindo os encantos do
asfalto da florescente capital mineira, onde nasci e “infantei”, com todo o encanto
dos cinemas, praças, avenidas e dos divertidos bondes. Quão diferente o gorjeio
tíbio dos pardais das Alterosas, comparados ao mavioso dos sabiás da Serra!
Trocaria, sem nenhum prejuízo e arrependimento, as férias na capital pelas
paradisíacas no Engenho: do pomar, do canavial e do delicioso “arranca lama”9.
10
Mesmo com o “estudo vermelho” ...
Os educadores.
Falta um estudo pormenorizado e justo sobre os mestres do Caraça. Seria
um belo tributo aos abnegados formadores, pessoas do mais alto coturno, um
registro de cada um com seus dotes humanos e intelectuais, artísticos, criativos e
místicos.
Cada década teve seu grupo de homens doutos e dedicados, cada um com
sua personalidade e singular atuação na formação dos moços do Educandário.
Eles, sim, na minha modesta análise sobre o Lendário Colégio, respondem à
pergunta de como foi possível a formação intelectual e moral da juventude “no
meio do nada”, longe de qualquer lugar habitado, cujo penoso acesso se lograva,
ziguezagueando a encaracolada serra. Eles foram tudo ou quase tudo. Com ternura
e afeto, formavam e informavam. Inteira dedicação. Souberam fiar uma
tessitura feliz entre razão e emoção, corpo e espírito, estudo e recreio, seriedade e
9 Nas férias, os alunos represavam o córrego da fazenda, criando uma piscina natural,
cujo fundo era atapetado por macia e volumosa lama. O banho ali, usando um jargão
clerical, era um “breve” contra a limpeza.
10 À tarde, enquanto os demais se divertiam, ao aluno reprovado impunha-se um tempo
de estudo como reforço. Travo amargo, falo de “cadeira”. Cativa...
221
riso. Inventaram passeios, incrementaram jogos, abriram as portas para a liberdade
com responsabilidade. Eram, salvo poucas exceções, professores da melhor cepa.
Sabiam incutir o amor ao estudo, tinham o dom de provar ao aluno que o saber
possuía um apetitoso sabor. Creio que inconscientemente conjugaram
adequadamente o verbo conhecer, sem lhe tirar a cota libidinal que lhe convém, o
gozo, na posse da ciência. Foram mecenas da “pulsão cognitiva”.
Poliglotas, literatos, poetas, músicos, cientistas, matemáticos, a maioria,
grandes oradores, eis o time do Seminário. Prevalecia a competência na
transmissão do ensino, e eram donos das virtudes fundamentais para as bases da
personalidade e do caráter da juventude caracense. Nunca ouvi alguém dizer não
ter aprendido muito ou muito aproveitado dos estudos que ali se fizeram, mesmo
apondo algumas restrições. O que aprendi para a vida, nunca deixei de afirmá-lo,
trago-o comigo dos seis inesquecíveis anos passados na Escola Apostólica.
Se os alunos só raramente visitavam as famílias, eles não o faziam muito
mais. Não existiam só na sala de aula. Punham-se nas Academias, lugar da criação
literária e poética, laboratório da oratória e da arte musical e cênica. Visitavam os
recreios, os salões de festa, acompanhando o que se desenrolava entre as paredes,
“impregnadas de belas máculas verdes” largas e sólidas, do Estabelecimento de
Ensino. Ademais, como confessores, diretores espirituais ou conselheiros
poderiam ser alcançados durante o dia ou durante a noite, sabendo ouvir queixas e
lamentos, entendendo medos e dúvidas, aliviando tristezas e saudades, dissipando
gritos e sustos de pesadelos e sonhos, sobretudo exorcizando culpas. Sempre com
uma palavra sábia e amiga conseguiam sufocar o uivo das soltas alimárias do
tentador.
Sei que minha análise não goza de unanimidade. Há os que têm críticas, há
os que carregam mágoas. Há os que não veem todo esse colorido. Creio, contudo,
não exagerar!
Disciplina implacável? Pupilos preferidos? Punições injustas? Castigos
desproporcionais? Comida ruim? Banhos frios? Provações? Tudo isto tem lá sua
verdade. No que me concerne, fico muito à vontade para dar meu testemunho,
pois fui um aluno insubordinado, rebelde, “dissipado”, pouco “edificante” e
estudioso. Magro e feio. “Vadio”, impertinente, campeão de castigos.
11
Experimentei até palmatória , cujos “bolos” não levei, mas me foi mostrada com a
séria advertência: “da próxima vez...” E, no entanto, fui compreendido
e recebi afeto para além do merecido. Apesar do desatino,
confiaram-me cargos de grande responsabilidade, como o de ter uma
navalha na mão como cabeleireiro de alunos e professores, poder sair dos
11 Não se usava mais. Porém, ficava na gaveta da mesa do Reitor, para ser mostrada, em
"ocasiões especiais", a alunos especiais.
222
limites da casa como apicultor, eletricista e trabalhar na carpintaria. Fui feito ainda
encarregado do cinema e do teatro, zelador e regente, posto este que por pouco
não perdi, devido a um 7 em procedimento. O disciplinário, pessoa das mais
íntegras que conheci, fugiu à regra e apostou na índole mais do que na dissipação.
Esperou contra toda a esperança.
Quando tenho oportunidade, e eis aqui mais uma e ímpar, não perco a
chance de reafirmar minha admiração e expressar meus agradecimentos aos
Lazaristas, formadores por excelência12, generosos na ternura, dadivosos no saber,
verdadeiros na amizade que não economizaram para com os discípulos, mesmo
endiabrados.
Cives caracensis sum!
Sou caracense! Honrado título de cidadania, garantia de foro privilegiado
13
no coração de quantos pisaram os caminhos e trilhas do Eremitério do Irmão
Lourenço.
Não haveria de faltar um registro sobre os colegas e amigos de toda a
juventude. Quando acontece um encontro, episódios grandiosos ou grotescos,
vitórias ou transgressões, disputas intelectuais ou esportivas, atos “edificantes” ou
traquinagens de todo tipo, tudo vai para o mesmo balaio da memória, de onde
saem gargalhadas e risos em meio a muita nostalgia e saudade. O bom humor, a
juvenil amizade, o lúdico, os gracejos, a reverente irreverência, a convivência
hilariante naqueles longos corredores, silenciosos e escuros, nas temidas salas de
aula, nos salões de estudo, de refeição e de festa, ficaram na alma como sensações
indeléveis. A molecagem, no bom sentido, foi um equilibrador de primeira
grandeza, no contraponto com a severidade. O grupo, como um todo, era
resiliente. Por isso, ninguém ficou doido, no mau sentido. Se algum houve, é
porque já o era antes...
Definir-se como caracense, não importa o tempo, nem a época, é um
fenômeno inexplicável. Só o sabe quem o é. A fraternidade, a despeito das
diferenças, representou no Colégio uma herança preciosa e inesquecível.
Paradisíaca.
Para não perder o carreto, fica, mais uma vez, minha profunda gratidão
aos oleiros, mestres para toda a vida, um terno muito obrigado aos colegas, irmãos
para todo o sempre, de cuja convivência saí melhor e em cuja companhia muito me
humanizei. Confesso que deixaram na alma uma imensa saudade.
12 Aluno de 1916 a 1922, JOSÉ LOURENÇO DE OLIVEIRA, emérito latinista, afirma,
em entrevista, que sua felicidade inenarrável de ter estudado no Caraça poderia resumir-se
“na comunhão de Deus, unida com três outras comunhões: da natureza, de Virgílio e de
Mozart”. E, falando de si, acrescenta: “Um menino campônio tinha descoberto o paraíso”.
(Entrevista dada ao Jornal do Brasil, em 31 de outubro de 1972).
13 Hoje, "bandeirantes da Serra" criaram as TRILHAS DO IRMÃO MIGUEL, porfiando
com a Estrada Real e, sobretudo, com OS CAMINHOS DE SANTIAGO DE
COMPOSTELA.
223
Enfim, utopia!
Lugar nenhum, nenhum lugar.
14
Lugar nenhum, diria Lewis Caroll , é algum lugar, e muito especial. De
fato, que lugar é esse, Caraça?
Henriqueta Lisboa responde com uma definição descritiva:
“É um conceito de vida, uma forma de existir, uma filosofia tanto mais
real quanto mais poética”. E solta as cordas da lira:
“O Caraça tem diadema
de ouro que ninguém conhece.
Mas o ouro puro da gema
traz o signo de outra espécie”.
“Tudo é misterioso ao extremo.
Eu bem quisera, unida à montanha viva,
participar do segredo que se resguarda
no seio das pedras sob a coroa das nuvens”.
Montanha Viva, Porta do Céu, Lendário Colégio, Educandário, Santuário
do Irmão Lourenço, Serra Santa, Serra do Gigante, Colégio dos Lazaristas,
Arcádia de Minas Gerais, Eremitério, Escola Apostólica, Sementeira ou
Seminário, simplesmente Colégio, nenhum nome exato o define. Tanto melhor!
Nome coarcta.
Ele existe como LUGAR NENHUM, e está em Minas, está em nós.
Então, a única palavra que o veste melhor é UTOPIA, justo por ser tanto
mais real quanto mais poético.
ON Y REVIENDRA TOUJOURS!15
João Batista Ferreira
14 Alice no País das Maravilhas.
15 TRADUÇÃO LIVRE: “Quem te conhece não esquece jamais”.
224