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Graciliano Ramos
VIDAS SECAS
´ DA OBRA
ANALISE
DÁCIO ANTÔNIO DE CASTRO
PERFIL BIOGRÁFICO
Graciliano Ramos (Quebrangulo, AL, 1892 — Rio de Janeiro, RJ, 1953) foi o mais velho dos dezesseis filhos do casal Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ferro. Em 1894, seu pai trocou
o comércio pela criação de gado e se transferiu para a fazenda Pintadinho, arredores de Buíque, no
estado de Pernambuco, onde Graciliano fez seus primeiros estudos. Um longo período de seca tornou impossível a vida na fazenda, e, em 1904, a família retornou para Viçosa (Alagoas). De 1911 a
1914, ajudou o pai numa loja de tecidos, em Palmeira dos Índios. Entre um freguês e outro, escreve
sonetos e crônicas, enviados para jornais alagoanos e cariocas.
Aos 22 anos vai para o Rio de Janeiro, para trabalhar como revisor. Em 1915, a morte de três
irmãos e um sobrinho, vítimas da peste bubônica, o traz de volta a Palmeira dos Índios. Retoma o comando da loja Sincera. Rascunha seus primeiros contos, dois dos quais — “A carta” e “Entre grades”,
sob decisiva influência de Eça de Queirós, serão os embriões dos romances São Bernardo e Angústia.
Em 1926, é nomeado presidente da Junta Escolar da cidade. Sua verve e inteligência como pedagogo impressionam favoravelmente os políticos da região, que o lançam candidato a prefeito de
Palmeira dos Índios.
Vitorioso, realiza notável administração, de que dão conta dois relatórios enviados ao governador Álvaro Paes. Redigidos com modéstia e informalismo, revelam a competência do prefeito e
antecipam o brilhante estilista que Vidas secas e Infância confirmariam.
É nomeado diretor da Imprensa Oficial do Estado de Alagoas, renunciando a dois anos de
mandato na prefeitura. Pouco antes de deixar a prefeitura, recebe uma carta de Augusto Frederico
Schmidt, que o consultava a respeito da possibilidade de ele escrever um romance. Caetés, que já
vinha sendo escrito há cinco anos,
será editado por Schmidt em dezembro de 1933.
Com a revolução de 1930, Graciliano Ramos afasta-se do cargo público e
retorna a Palmeira dos Índios. Nos fins
de tarde, refugia-se na sacristia da
Igreja de Nossa Senhora do Amparo,
onde escreve os primeiros capítulos de
São Bernardo.
Em 1933, torna-se diretor da Instrução Pública, operando drásticas
modificações na estrutura educacional de Alagoas. Em março de 1936 é
preso, sob a acusação de ser aliancista.
É conduzido ao Recife, e de lá enviado
ao Rio de Janeiro. Essa experiência virá relatada em Memórias do cárcere,
Foto de Graciliano com seu filho, o escritor Ricardo Ramos.
de publicação póstuma.
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Libertado, hospeda-se na casa de José Lins do
Rego, um dos amigos que mais se empenharam por
sua libertação. Fixa-se no Rio de Janeiro. Em 1940, é
nomeado inspetor federal de ensino secundário. Adere oficialmente ao Partido Comunista Brasileiro em
1945, ano em que começa a trabalhar como revisor no
Correio da Manhã (RJ).
Em 1951, é eleito presidente da Associação Brasileira de Escritores. É convidado a visitar a União
Soviética, Tchecoslováquia, Portugal e França, experiência relatada na obra Viagem.
De volta ao Brasil, consulta médicos sobre fortes dores no peito que sentira durante a viagem.
Estes lhe recomendam ir à Argentina, onde especialistas diagnosticam um câncer na pleura em estágio avançado. Como a cirurgia fosse inútil, recomendam seu retorno ao Brasil; os cinco meses seguintes, Graciliano suporta à base de morfina. Falece no Rio, aos sessenta anos.
O SEGUNDO TEMPO MODERNISTA
Vidas secas é uma obra que se insere no ciclo do
romance regionalista nordestino desenvolvido ao
longo da década de 1930, constituindo-se num dos
marcos do Neo-Realismo na literatura brasileira.
O crítico Tristão de Athayde refere-se à década
de 1930 do seguinte modo: “Passou a hora das coisas
bonitas”. Com efeito, um grupo de escritores nortenordestinos mobilizou-se para tomar os problemas
da região como pano de fundo de sua experiência
literária. A bagaceira (1928), de José Américo de Almeida, é considerado o marco inicial do ciclo do romance regionalista nordestino.
O FILÃO REGIONALISTA
Desde o Romantismo, o regionalismo se constituiu num dos filões temáticos mais explorados pelos
escritores brasileiros. A convicção de que o verdadeiro Brasil é o do sertão decorre do modo “caranguejo” como se processou a colonização portuguesa,
que procurou se concentrar no litoral, dada a dificuldade de penetração no interior do país. Essa convicção, de fundo nacionalista, reforça-se com a Independência, levando escritores a enveredar pelo sertanismo. José de Alencar (O sertanejo, 1876) e Frânklin
Távora (O cabeleira, 1876) são os escritores que melhor representam essa tendência, ao oferecerem uma
visão grandiloqüente e apocalíptica da seca de 1777.
No Realismo, em sintonia com a teoria do determinismo que influencia a estética, o regionalismo se
“desidealiza”. Os autores mostram-se agora empenhados em revelar como a realidade é influenciada por
pressões exercidas pelo meio, pela raça e pelo momento histórico. Escritores como Rodolfo Teófilo (A
fome, 1888), Domingos Olímpio (Luzia homem, 1903)
e, principalmente, Oliveira Paiva (D. Guidinha do Poço,
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1891, publicado em 1952) passam a denunciar aspectos retrógrados de nossa organização rural, como o regime de apropriação da terra, o aproveitamento e a transformação dos recursos naturais, a
permanência das relações de trabalho nos mesmos
moldes da era colonial.
A prosa pré-modernista, ainda alinhada com a
concepção, instaurada pelo Realismo, de arte como
instrumento de crítica social, alargou essa visão problematizadora da sociedade rural brasileira, incorporando ao texto literário as particularidades sintáticas, fonéticas e vocabulares do falar regional.
Duas obras do período que se estende do Realismo ao Pré-Modernismo podem ser consideradas
como antecipadoras e/ou preparadoras de Vidas secas. A saga do vaqueiro nordestino em sua lida diária com o gado e as exíguas possibilidades de sobrevivência que lhe restam nos períodos da seca,
deixando-lhe como única saída a migração, foram
temas explorados, inicialmente, em Dona Guidinha
do Poço, romance realista-naturalista de Manuel de
Oliveira Paiva (1861-1892), cujo estilo lembra o de
Graciliano Ramos, pelo despojamento e pela inclusão de vocábulos e expressões regionais:
Estava-se em fevereiro e nem um pingo de água.
O poço da Catingueira, o mais onça da ribeira do Banabuiú, que em 1825 não pôde esturricar, sumia-se
quase na rocha, entre as enormes oiticicas, de um lado,
e do outro o saibro do rio. Era um trabalhão para os
pobres vaqueiros: aqui, alevantar uma rês caída; ali,
fazer sentinela nas aguadas a fim de proteger o gado
amofinado contra a crueldade do mais forte; e, todos
os dias que dava Nosso Senhor, cortar rama. E ainda
tinham de percorrer constantemente as veredas e batidas para acudir prontamente à rês inanida de fome e
sede, perseguir os porcos, que algum desalmado vizinho teimava em criar, persegui-los a bala, porque o
torpe cabeça-baixa impestava os bebedouros.
(São Paulo, Ática, 1982)
A outra referência é Os sertões (1902), de Euclides da Cunha (1866-1909), obra pré-modernista
de cuja costela parece ter saído Vidas secas. Os sertões, misto de sociologia, literatura, reportagem de
guerra, revelam a admiração de Euclides da Cunha
pelos sertanejos, a compreensão de suas lutas contra a natureza, constituindo um protesto contra o desprezo com que são tratados pelo governo federal.
O princípio da tragédia que orienta a vida de
Fabiano e de seus descendentes é um prolongamento de um conceito instaurado por Euclides da
Cunha em Os sertões. É uma verdade histórica que
vem de longe: Euclides já dizia que o sertanejo
copia o pai, como o pai copia o avô, como o avô copiava o bisavô, numa seqüência de gestos que se
perpetuam eternamente: é uma genealogia em que
não há progresso social.
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No fragmento transcrito a seguir, de “O homem”
(segunda parte de Os sertões), Euclides descreve o
vaqueiro nordestino, num retrato muito próximo do
que Graciliano Ramos desenharia de Fabiano:
Cedo encarou a existência pela sua face tormentosa. É um condenado à vida. Compreendeu-se envolvido em combate sem tréguas, exigindo-lhe imperiosamente a convergência de todas as energias [...]. O seu
aspecto recorda, vagamente, à primeira vista o de
guerreiro antigo cansado da refrega. As vestes são uma
armadura. Envolto no gibão de couro curtido, de bode
ou de vaqueta; apertado no colete também de couro;
calçando as perneiras, de couro curtido ainda, muito
justas, cosidas às pernas e subindo até as virilhas, articuladas em joelheiras de sola; e, resguardados os pés e
as mãos pelas luvas e guarda-pés de pele de veado — é
como a forma grosseira de um campeador medieval
em nosso tempo. (São Paulo, Círculo do Livro, s/d.)
No século XX, o fenômeno da seca também foi
referência para obras como A bagaceira (1928), de
José Américo de Almeida, O quinze (1930), de Rachel de Queirós, e Seara vermelha (1946), de Jorge
Amado, entre outras. Vidas secas (1938), entretanto,
distingue-se pela técnica narrativa e pela singularidade da estrutura de romance, inovações que superam o empenho documental, testemunhal das obras
mencionadas.
A tendência regionalista se renovou, em meados
da década de 1940, com Guimarães Rosa, que criou
poeticamente um sertão imaginário, a partir das vivências do homem da região centro-oeste do Brasil.
A PUBLICAÇÃO DE VIDAS SECAS
A gestação de Vidas secas1 começou num modesto quarto de pensão, localizado à rua Correia Dutra, 164, no bairro do Catete, Rio de Janeiro. Ali, ainda
com a cabeça raspada — lembrança da temporada na
Ilha Grande —, em carta, datada de 7 de maio de 1937,
à esposa, Heloísa de Medeiros Ramos, que permanecera em Alagoas, Graciliano conta como foi o
primeiro movimento de elaboração da obra:
Escrevi um conto sobre a morte duma cachorra,
um troço difícil, como você vê: procurei adivinhar o
que se passa na alma duma cachorra. Será que há
mesmo alma em cachorro? Não me importo. O meu
bicho morre desejando acordar num mundo cheio de
preás. Exatamente o que todos nós desejamos. A
diferença é que eu quero que eles apareçam antes do
sono, e padre Zé Leite pretende que eles nos venham
em sonhos, mas no fundo todos somos como a minha
cachorra Baleia e esperamos preás. É a quarta história feita aqui na pensão. Nenhuma delas tem movimento, há indivíduos parados. Tento saber o que eles
1
Todas as citações provêm da 63ª- edição da obra (São Paulo,
Record, 1992), com ilustrações de Aldemir Martins.
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têm por dentro. Quando se trata de bípedes, nem por
isso, embora certos bípedes sejam ocos; mas estudar
o interior duma cachorra é realmente uma dificuldade quase tão grande como sondar o espírito dum
literato alagoano. Referindo-me a animais de dois
pés, jogo com as mãos deles, com os ouvidos, com os
olhos. Agora é diferente. O mundo exterior revela-se
a minha Baleia por intermédio do olfato, e eu sou um
bicho de péssimo faro. Enfim parece que o conto
está bom, você há de vê-lo qualquer dia no jornal.
Baleia é como esse poeta que gostava de cheirar
roupa de mulher.
(GARBUGLIO, J. C.; BOSI, A.; FACIOLI, V., 1987, p. 241.)
Três meses depois da carta, Graciliano providencia a vinda da esposa e dois filhos, que passam a
morar com ele na pensão de da. Elvira, no Rio. Toda
manhã, bem cedinho, tirava do fundo de um armário uma garrafinha de cachaça, tomava um gole em
jejum, arrumava os três maços de Selma que fumava diariamente e sentava-se à mesa para escrever a
saga da família de retirantes nordestinos.
O projeto inicial era produzir um romance, mas
a conta da pensão não podia esperar. Por isso, cada
capítulo ficou sendo uma espécie de episódio, logo
vendido para La Prensa, um dos mais prestigiosos
jornais da Argentina, atendendo a uma encomenda
de um amigo, Benjamin de Garay, que solicitara a
Graciliano “umas histórias do Nordeste”. Algumas
dessas estórias, por intermediação de Rubem Braga,
são também vendidas para O Jornal, do Rio de Janeiro, por cem mil réis. Para ganhar dinheiro, Graciliano usou do artifício de publicá-las, com títulos
diferentes, em vários jornais e revistas, como O
Cruzeiro, Diário de Notícias, Folha de Minas e Lanterna Verde. Era o único meio de aplacar a fome de
dinheiro semanal da dona da pensão, que perdera
suas parcas economias na roleta do Cassino da Urca.
No ensaio Alguns tipos sem importância, escrito
em agosto de 1939 e publicado, posteriormente, em
Linhas tortas (1962), Graciliano dá outro depoimento
sobre a produção de Vidas secas:
Em 1937 escrevi algumas linhas sobre a morte duma cachorra, um bicho que saiu inteligente demais,
creio eu, e por isso um pouco diferente dos meus bípedes. Dediquei em seguida várias páginas aos donos
do animal. Essas coisas foram vendidas, em retalho, a
jornais e revistas. E como José Olympio me pedisse
um livro para o começo do ano passado, arranjei outras narrações, que tanto podem ser contos como
capítulos de romance. Assim nasceram Fabiano, a mulher, os dois filhos e a cachorra Baleia [...]. Vidas secas
são cenas da vida do Buíque.
Foi se armando assim, peça por peça, a estrutura desse “romance desmontável”, como o classificou
Rubem Braga, companheiro de letras de Graciliano,
que morava na mesma pensão. Vidas secas foi publi-
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cado em março de 1938, dois meses antes do ataque
integralista ao Palácio do Catete, residência oficial
de presidentes da República que, na época, hospedava Getúlio Vargas, ditador desde a instauração do
Estado Novo, a 10 de novembro de 1937.
O ano de 1938 seria também marcado pela participação da seleção brasileira de futebol na Copa
do Mundo, realizada na França (em que obtém o 3ºlugar, eliminada pela Itália nas semifinais), e pelas
mortes de Lampião e Maria Bonita, assassinados
em Sergipe.
No plano internacional, marcariam esse ano a
publicação de A náusea, de Jean-Paul Sartre, a realização da Grande Exposição Internacional do Surrealismo, em Paris, a primeira apresentação de Guernica, mural em que Pablo Picasso denuncia o bombardeio da cidade basca pelo comando condor da
Luftwaffe alemã, em apoio às tropas monarquistas
de Francisco Franco, durante a Guerra Civil Espanhola. É também em 1938 que Orson Welles realiza
a célebre performance que deixaria os americanos
arrepiados: transmite pelo rádio a “invasão” dos
Estados Unidos por marcianos.
Em julho de 1944, a propósito de Vidas secas,
Graciliano prestou o seguinte depoimento ao colunista João Condé, de O Cruzeiro:
No começo de 1937 utilizei num conto a lembrança
de um cachorro sacrificado na Maniçoba, interior de
Pernambuco, há muitos anos. Transformei o velho
Pedro Ferro, meu avô, no vaqueiro Fabiano; minha avó
tomou a figura de sinha Vitória; meus tios pequenos,
machos e fêmeas, reduziram-se a dois meninos.
Publicada a história, não comprei o jornal e fiquei
dois dias em casa, esperando que meus amigos esquecessem Baleia. O conto me parecia infame — e
surpreendeu-me falarem dele. A princípio julguei
que as referências fossem esculhambação, mas acabei aceitando como razoáveis o bicho, o matuto, a
mulher e os garotos. Habituei-me tanto a eles que resolvi aproveitá-los de novo. Escrevi “Sinha Vitória”.
Depois, apareceu "Cadeia". Aí me veio a idéia de juntar as cinco personagens numa novela miúda — um
casal, duas crianças e uma cachorra, todos brutos.
Octávio de Faria me dissera, em artigo enorme,
que o sertão, esgotado, já não dava romance. E eu
havia pensado:
— Santo Deus! Como se pode estabelecer limitações para essas coisas?
Fiz o livrinho, sem paisagens, sem diálogos. E
sem amor. Nisso, pelo menos, ele deve ter alguma originalidade. Ausência de tabaréus bem-falantes, queimadas, cheias e poentes vermelhos, namoro de caboclos. A minha gente, quase muda, vive numa casa
velha de fazenda. As pessoas adultas, preocupadas
com o estômago, não têm tempo de abraçar-se. Até
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a cachorra é uma criatura decente, porque na vizinhança não existem galãs caninos.
A narrativa foi composta sem ordem. Comecei
pelo nono capítulo. Depois chegaram o quarto, o terceiro etc. Aqui ficam as datas em que foram arrumados: “Mudança”, 16 julho 1937; “Fabiano”, 22 agosto;
“Cadeia”, 21 junho; “Sinha Vitória”, 18 junho; “O
menino mais novo”, 26 junho; “O menino mais
velho”, 8 julho; “Inverno”, 14 julho; “Festa”, 22 julho;
“Baleia”, 4 maio; “Contas”, 29 julho; “O soldado
amarelo”, 6 setembro; “O mundo coberto de penas”,
27 agosto; “Fuga”, 6 outubro.
Apesar de Graciliano já desfrutar de alguma
fama, a primeira edição de Vidas secas vendeu
pouco. Mesmo bem recebida pela crítica, os mil
exemplares da obra demoraram dez anos para se
esgotar. Até a morte do escritor, em 1953, foram
lançadas somente três pequenas edições.
APRESENTAÇÃO DE VIDAS SECAS
Vidas secas se destaca, dentre as obras de Graciliano Ramos, por explorar em grau máximo experimentações no modo de narrar. O romance representa sua consagração como escritor, nele atingindo seu mais elevado grau de depuração estilística.
De fato, a obra surpreendeu pela concisão e pelos
efeitos de sentido criados pelas manobras com a
linguagem.
A amarga experiência vivida como preso político
teve muito a ver com a gestação de Vidas secas, que
se deu nos meses seguintes à sua libertação. Parece
ter iluminado a decisão de Graciliano retomar as raízes regionais. A 4 de maio de 1937 escreveu “Baleia”,
resgatando emocionadamente a figura de um cachorro de seu avô. A partir desse conto — verdadeiro núcleo gerador da obra —, os outros episódios foram-se
acumulando, de forma espontânea e imprevista, sem
obedecer a um plano rígido no modo de narrar. Ao
final, cada um dos treze capítulos apresentava uma
organização interna própria, enredada por um acentuado domínio da unidade de espaço, sem a preocupação ostensiva de fixar referências temporais muito
nítidas. Externamente, conseguia uma estrutura bem
demarcada, com doze páginas, em média, por capítulo-quadro. Ao contrário dos romances anteriores, em
que os capítulos vinham numerados ou separados
por espaços em branco, os episódios de Vidas secas
receberam títulos, que impõem limites aos assuntos
tratados, focalizando ora o traço dominante no espírito da personagem (ex.: “O menino mais novo” — a
imitação do pai como domesticador de animais bravios), ora situações que envolvem todas as personagens (“Mudança” — a caminhada nômade da família).
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O romance adquire uma dimensão épica, por problematizar, com lúcida radicalidade, as exasperantes condições de sobrevivência no sertão, definida
concretamente pela viagem sem rumo da família de
flagelados. Reproduz, metonimicamente, por meio
do relato da existência sem destino de Fabiano, de
Sinha Vitória, do menino mais velho e do menino
mais novo, o drama que ultraja multidões de errantes sem-terra. Adequando harmoniosamente a linguagem a essa temática social, Graciliano soube explorar com talento a descontinuidade dos episódios, o
que lhe possibilitou abandonar uma técnica aplicada nas obras anteriores: inserir um romance dentro
de outro.
Por trás dos eventos narrados, subjaz permanentemente o tema da utopia de justiça social. Em Vidas
secas, esta chama de esperança se sustenta na determinação com que os retirantes perseguem uma possibilidade concreta de participação social. Isso se
manifesta no anseio maior que congrega todas as
personagens em torno de uma aspiração comum: o
direito à cidadania, tema representado por desejos
particularizados de cada personagem. Sinha Vitória,
ao almejar uma cama com lastro de couro, na verdade acalenta o sonho de viver com o mínimo de
conforto material; já Fabiano alimenta a fantasia de
fixar-se num grande centro urbano, com um trabalho regular, para não mais correr o perigo de sucumbir à fome e à sede; o menino mais velho, obcecado
em conhecer o significado de certas palavras, pretende inconscientemente a aquisição de um saber
que goze de reconhecimento social, dado pela escolaridade; o menino mais novo, imitador do pai vaqueiro, revela em sua quimera o desejo de continuidade na profissão do pai, algo que se mostra quase
impossível numa existência tão descontínua. Baleia,
que sonha com comida até na hora da morte, representa a angústia diante da carência de recursos até
para satisfazer os apetites e necessidades biológicas,
demonstrando que, na paisagem embrutecedora do
nordeste, homens e animais se igualam na luta contra a adversidade das condições de sobrevivência.
A estrutura do romance é aberta, em grau inversamente proporcional ao fechamento existencial que
encurrala as “vidas secas”. Com a lucidez de quem
aprendeu a observar pragmaticamente a realidade,
Graciliano anula o deslumbramento maniqueísta e
anuncia o anseio por um futuro melhor já nas páginas iniciais do romance. Entretanto, registra-a no
futuro do pretérito, para firmar o quanto sonha com
essa possibilidade, mesmo consciente dos imensos
obstáculos que impediam sua consecução: “Sinha
Vitória vestiria uma saia larga de ramagens. A cara
murcha de Sinha Vitória remoçaria, as nádegas
bambas de Sinha Vitória engrossariam, a roupa
encarnada de Sinha Vitória provocaria a inveja das
outras caboclas. [...] A fazenda renasceria — e ele,
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Fabiano, seria o vaqueiro, para bem dizer dono
daquele mundo.” (p. 15-16). Essa utopia é retomada
na página final: “Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão
continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes e brutos, como
Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos.“ (p. 126)
Deve-se destacar também a circularidade que
compõe a arquitetura romanesca de Vidas secas, como desenho que descreve o movimento de um bumerangue: o romance termina como começou. Ao
final, os flagelados iniciam nova andança, que repete
certas características da que se registrara no início. O
capítulo “Fuga” pode ser lido, assim, como o princípio de “Mudança” e este marcaria o fim daquele.
As vidas se secam não só fisicamente. A seca
calcina a alma das personagens, se se considera o
problema moral, manifesto sobretudo na dificuldade que sentem para estabelecer relacionamentos
interpessoais. A exploração econômica, que os submete tanto quanto a crueldade da natureza, condena-os a viver num mundo primário. A perspectiva
da morte torna-se, para eles, a única certeza.
A linguagem rarefeita dos flagelados espelha a
degradação do universo em que vivem. A reprodução sistemática dos mesmos modelos sintáticos, o
posicionamento muito semelhante das palavras nas
orações, a insistência na repetição de vocábuloschave, o acúmulo de pausas na narração, são recursos que se somam para produzir, entre outros, o
efeito de desumanização das personagens. Esses
recursos, explorados com tanta habilidade por Graciliano, associam-se complementarmente ao tema,
orientando-se com funcionalidade para confirmar o
seu significado. Afinal, não basta apenas denunciar
a reificação de Fabiano; sobretudo, é preciso reconhecer os instrumentos que o autor operou para
persuadir o leitor dessa desumanização. Daí a
insistência, por exemplo, com que se enfatizam, em
vários momentos da narrativa, os pés das personagens. Graças à alquimia metonímica, o narrador faz
com que eles sejam vistos como a parte mais importante do corpo, pois a ameaça permanente do
nomadismo exige dos sertanejos deslocamentos
constantes e involuntários.
A dificuldade de relacionamento interpessoal
manifesta-se sobretudo no plano da estruturação da
linguagem. Há pequena incidência do discurso direto; isso acontece não apenas porque as personagens sejam semi-analfabetas. Nos poucos diálogos
que travam, acumulam-se tantos ruídos que elas se
frustram ou se inibem no uso da linguagem. Conversam muito pouco, valendo-se muitas vezes de
onomatopéias, sons guturais e animalescos. Até o
papagaio, em seu curto intervalo de vida, aprendeu
apenas a imitar aboios e latidos.
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Esse rudimentarismo psicológico dos membros
da família sertaneja é, no entanto, aparente. Num exame mais acurado dos monólogos, vai se observar que,
embora haja, de fato, acentuado desnivelamento entre a vida interior e a exterior dessas criaturas, a todo
momento elas procuram demonstrar a capacidade de
sentir, de desejar, de levantar problemas para resolver. Esse traço as nobilita como seres humanos, diferenciando-as dos animais brutos. Tal comportamento
é extensivo inclusive a Baleia, que pensa como gente,
mesmo que seja uma gente que, por força das circunstâncias, tenha de viver como bicho.
Nota-se, então, que a narrativa foi engendrada de
forma a apontar, dialeticamente, a relação contraditória entre a precariedade dos recursos de linguagem — para figurativizar o tema da marginalização social — e a competência do monólogo interior
para figurativizar o rico substrato de humanidade
das personagens —, apesar da incompetência de formalizá-lo segundo moldes de linguagem mais sofisticados.
ENREDO
Os Capítulos–Quadros
Os treze quadros que compõem Vidas secas levam o leitor a acompanhar o passo erradio dos retirantes, o percurso incerto desses flagelados cujo destino é condicionado por um sol que brilha como se
existisse unicamente para castigá-los. A seqüência
descontínua das cenas possibilita uma leitura aleatória dos capítulos intermediários, porque o romance
não segue um esquema convencional de enredo. A
estrutura do livro é definida por três movimentos: retirada — permanência na fazenda — retirada.
Mais que qualquer outra obra da tradição literária brasileira, Vidas secas condensa todas as pressões que circunstanciam a miséria sertaneja. A precisão no desenho das imagens, sem concessões sentimentais, revela que o que realmente pesa, no dia-adia dos retirantes, é a ausência de qualquer possibilidade de vida contínua. Tudo permanece estanque,
sem que os membros da família possam alcançar uma
comunhão maior entre si: o que os vincula é o silêncio, o não saber fazer uso da palavra para abrir brechas que os levem a conhecer o mundo, para além
dos estreitos limites do cotidiano.
As palavras cujo significado Fabiano desconhece
são inequívoco sinal de perigo: por meio delas, o patrão, o soldado amarelo, o fiscal da prefeitura, enfim, o
governo, conseguem submetê-lo, como já o fizeram
com seu pai e avô e, provavelmente, virão a fazer com
os dois meninos, a despeito do sonho paterno de enviá-los para o Sul, para que possam estudar.
I – Mudança
Cena do filme Vidas Secas. Ática Iório, com um dos meninos
às costas, Maria Ribeiro, carregando o outro menino, e a cachorra
Piaba no papel de Baleia.
Por tudo isso, Vidas secas é um romance áspero,
mas a verdade que carrega em sua dura poesia é tão
densa, que o torna permeável a todas as sensibilidades. De forma contundente, aponta para a urgência da reforma agrária no país. A advertência de Fernando Sabino, na abertura da adaptação cinematográfica de Vidas secas, ganha hoje proporções muito
mais dramáticas que as de 1963 (época da realização
do filme) e, sobretudo, que as de 1938 (publicação do
livro) pela amplitude que tais problemas assumiram
nas últimas décadas: “Este filme não é apenas a transposição fiel, para o cinema, de uma obra imortal da literatura brasileira. É antes de tudo um depoimento
sobre uma dramática realidade social de nossos dias e
a extrema miséria que escraviza 27 milhões de nordestinos e que nenhum brasileiro digno pode mais
ignorar.”
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
Uma família sertaneja, constituída pelo vaqueiro
Fabiano (pai), sinha Vitória (mãe), dois filhos (referidos como “menino mais novo” e “menino mais velho”),
acompanhados da cachorra Baleia, atravessa a caatinga. Na condição de flagelados retirantes, eles dormem no leito seco dos rios, permanentemente atormentados por sede, fome e cansaço. Arrastam-se pelo
solo estorricado, com seus minguados pertences. A
certa altura, o filho menor se deita no chão, sem forças para continuar. Fabiano se enraivece, a ponto de
pensar em abandonar o menino; depois, apieda-se
dele, coloca-o nas costas e prossegue a caminhada,
ainda mais lentamente. Não sabem para onde ir. Angustiados, sem perspectiva, atenuam a fome com o
sacrifício do papagaio e com um preá, caçado por Baleia. Homens e animais igualam-se na condição de
retirantes. A expressão “seis viventes” (Fabiano, sinha
Vitória, o menino mais velho, o menino mais novo,
Baleia e o papagaio) coloca-os num mesmo plano.
Aproxima-os o destino comum, materializado nas necessidades pelas quais passam durante a seca nordestina. Enquanto os humanos são zoomorfizados,
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Baleia apresenta sentimentos e pensamentos nitidamente humanos, num processo simbólico de antropomorfização. A morte do papagaio, apresentada
no passado, é assim relatada:
[...] Baleia jantara os pés, a cabeça, os ossos do amigo, e não guardava lembrança disto. Agora, enquanto
parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre o baú de folha a gaiola
pequena onde a ave se equilibrava mal” (p. 11).
Já no capítulo inicial, Graciliano manifesta preferência por uma seleção lexical mais direta, áspera,
dura e agressiva. Tal tratamento, além de caracterizar o vocabulário típico da região, parece querer provocar o leitor, retirando-o de seu estado de acomodação ou apatia e estimulando-o a recorrer constantemente ao dicionário para conhecer o significado
dos termos regionais.
II – Fabiano
A família se aloja numa fazenda abandonada, alimentando-se de “raiz de imbu e sementes de mucunã”. Após uma trovoada, aparece o dono da fazenda
e expulsa os invasores. Fabiano finge-se de desentendido e se oferece para trabalhar como capataz vaqueiro. O fazendeiro aceita a oferta e lhe entrega as
peças de ferro para marcar a posse do gado.
Satisfeito por ter encontrado refúgio, Fabiano
temporariamente esquece os sofrimentos. A princípio,
compara a si próprio e a família a “ratos”. Depois de
preparar um cigarro de palha, exclama em voz alta
que é um homem. Como está próximo dos filhos, contém-se, preferindo identificar-se como “cabra”, forma
nordestina de se referir a pessoas de nível social inferior. A expressão conota também a idéia de animalização, de adaptação e resistência a ambientes agressivos
e inóspitos. A seguir, orgulha-se por se sentir mais como um bicho: “Sim senhor, um bicho, capaz de vencer
dificuldades”. Tomava conta da fazenda, do pouco gado que restara da outra seca, da casa, de coisas que
não eram dele. Criava raízes em terra alheia. Entendia-se com os animais, usando a mesma linguagem
para se comunicar com a mulher e os filhos. Diz assemelhar-se a um “macaco”. Progressivamente, Fabiano
conscientiza-se de sua condição inferior. A enumeração dos caracteres físicos enfatiza sua irrelevância como indivíduo socialmente situado. A auto-imagem degradante de Fabiano se completa ao se considerar
“uma coisa da fazenda, um traste”, pois, apesar de
branco como os patrões, falta-lhe o essencial — a propriedade —, uma vez que “vivia em terra alheia, cuidava
de animais alheios”. Não era uma pessoa diante de quem
outras pudessem se inclinar, em sinal de respeito.
Apesar de tudo, espera que os filhos venham a
ser como ele:
Indispensável os meninos entrarem no bom caminho, saberem cortar mandacaru para o gado, con-
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
sertar cercas, amansar brabos. Precisavam ser duros,
virar tatus. Se não calejassem, teriam o fim de seu
Tomás da bolandeira. Coitado. Para que lhe servira
tanto livro, tanto jornal? Morrera por causa do estômago doente e das pernas fracas (p. 24).
Seu Tomás da bolandeira era conhecido por ter
a máquina de triturar cana-de-açúcar e ralar mandioca, puxada por animais que movimentam uma
roda grande, acionando o rolete da moenda.
III – Cadeia
Aproveitando a estabilidade temporária, Fabiano vai à feira da cidade fazer compras. Inseguro e
desconfiado, visita as lojas, sempre pechinchando
melhores preços ou reclamando da qualidade dos
produtos. Na bodega em que toma uma cachaça,
Fabiano é convidado por um soldado amarelo para
jogar cartas. Responde, negaceando, com expressões emprestadas de seu Tomás, empregadas de forma completamente desarticulada: “— Isto é. Vamos
e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme”. No trinta-e-um, perde dinheiro e, acabrunhado, retira-se do jogo sem se despedir do parceiro. Enquanto pensava no álibi com que iria justificar-se
perante a esposa, Fabiano é abruptamente empurrado pelo soldado amarelo, que o censura por abandonar o carteado. Dizendo-se desrespeitado, o soldado pisa no pé de Fabiano, que retruca xingandolhe a mãe. O soldado dá um apito e, imediatamente,
todo o destacamento aparece para apoiar a voz de
prisão a Fabiano. A vingança sádica da autoridade
mesquinha se completa na cadeia: Fabiano é impiedosamente surrado, recebendo golpes de facão no
lombo; passa a noite a remoer sua revolta, em completo estado de confusão mental.
Para ampliar a conexão com a realidade, o narrador, antes de Fabiano ser violentamente interpelado pelo soldado amarelo, registra minuciosa e
simultaneamente imagens do cotidiano de um povoado, no interior nordestino:
[...] A feira se desmanchava; escurecia; o homem
da iluminação, trepando numa escada, acendia os
lampiões. A estrela papa-ceia branqueou por cima
da torre da igreja; o doutor juiz de direito foi brilhar
na porta da farmácia; o cobrador da prefeitura passou coxeando, com talões de recibos debaixo do braço; a carroça de lixo rolou na praça recolhendo cascas de frutas; seu vigário saiu de casa e abriu o guarda-chuva por causa do sereno; sinha Rita louceira
retirou-se (p. 28-9).
IV – Sinha Vitória
Sinha Vitória se revolta com a rotina dos afazeres domésticos. Indignada, enerva-se com Baleia e
com os filhos. A certeza de ter que continuar dormindo numa cama de varas e a lembrança do papa-
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ANGLO VESTIBULARES
gaio que fora obrigada a sacrificar intensificam sua
amargura. Cafuza e inteligente, ela dirige o marido,
bronco e bruto. Na discussão com Fabiano, faz alusão ao dinheiro perdido no jogo e na bebida. O marido retruca, censurando a esposa por ter comprado
“sapatos de verniz [...] caros e inúteis”.
Sinha Vitória sonha possuir uma cama confortável, de lastro de couro cru e estrado de sucupira,
igual à de seu Tomás da bolandeira. Pensa nas diversas maneiras de obtê-la: venderia as galinhas e a
porca marrã, deixaria de comprar querosene. Cachimbando, alimenta a esperança de, algum dia,
conseguir o que deseja, e isso a deixa quase feliz.
V – O menino mais novo
O menino mais novo procura em vão aproximarse dos parentes. Fixa-se no pai; admira-o, especialmente quando o vê montar a égua alazã. Imagina, um
dia, fazer o mesmo, principalmente para demonstrar
coragem junto ao irmão mais velho e a Baleia. Precisa
fazer uma proeza, algo que os deixe maravilhados.
Para tanto, resolve cavalgar num bode: desastrado,
acaba caindo numa ribanceira, sob os risos e chacotas
do irmão mais velho e o olhar de censura de Baleia.
Para se consolar, imagina-se adulto e, espelhado no
pai, vê-se no lombo de um cavalo bravio, “de perneiras, gibão, guarda-peito e chapéu de couro com barbicacho”, disparando livre pela caatinga.
VI – O menino mais velho
Ao ouvir sinha Terta pronunciar a palavra inferno, o menino mais velho, intrigado, pede à mãe que
lhe desvende o significado dessa palavra. Depois de
dizer que era um lugar cheio de fogueiras e espetos
quentes, a mãe indigna-se com a nova pergunta do
filho: “— A senhora viu?” Revoltada com a própria
incapacidade de lhe dar uma explicação satisfatória,
aplica-lhe um cascudo e expulsa-o da cozinha. Humilhado, o filho vai se esconder na caatinga, perto
da lagoa vazia. Procura consolo junto à cachorra,
também enxotada. Relegados ao mesmo plano, os
dois se entendem: “O menino beijou-lhe o focinho
úmido, embalou-a. A alma dele pôs-se a fazer voltas
em redor da serra azulada e dos bancos de macambira” (p. 60). Abraçada pelo menino, Baleia sente que
“O cheiro dele era bom, mas estava misturado com
emanações que vinham da cozinha. Havia ali um osso.
Um osso graúdo, cheio de tutano e com alguma carne” (p. 62), que sinha Vitória preparava.
VII – Inverno
Quando chega a estação das chuvas, a família se
reúne ao redor do fogão de lenha. Sonolentos, os meninos ouvem os pais conversarem animadamente e
desfiarem seus sonhos de felicidade. Com a caatinga verde, gado para aboiar e feijão com rapadura
para comer, afasta-se o perigo da seca. Temporaria-
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
mente, Fabiano tranqüiliza-se, na esperança de que
essa situação permaneça. Sinha Vitória, mais realista, apavora-se com a possibilidade de uma enchente:
as águas sobem perigosamente...
VIII – Festa
Vestindo roupas de passeio, confeccionadas especialmente para a ocasião, a família vai passar o
Natal na cidade. Como Fabiano comprara tecido em
quantidade insuficiente, as roupas haviam ficado
curtas e apertadas. A sensação de ridículo aumenta
com o desconforto e a falta de hábito de usar sapatos: o constrangimento quase anula o deslumbramento. Na igreja, só sinha Vitória identifica-se com a religiosidade do ambiente e procura participar da missa. Os meninos amedrontam-se com tanta gente, e
Fabiano, deslocado e ainda traumatizado pelo confronto com o soldado amarelo, compara-se aos tipos
da cidade e se sente inferiorizado. Foge da igreja e
vai até a bodega, onde se embriaga; bêbedo, enchese de coragem para reclamar que o dono do botequim misturara água à bebida e desafia os presentes. Como ninguém aceita suas provocações, Fabiano
recolhe-se, prostrado, junto à família.
IX – Baleia
Baleia fica hidrófoba. Antes de se decidir a sacrificá-la, Fabiano, supersticiosamente, coloca um colar
de sabugos de milho queimados no pescoço da cachorra. Todos se desesperam com o sofrimento dela,
principalmente Fabiano, por ter de cumprir a difícil
missão de lhe dar um tiro. A agonia da cachorra, narrada em “câmara lenta”, amplifica seu halo de humanidade. Ela entremeia cenas do passado (quando caçara um preá, que saciou a fome de todos) com o presente (não entendia o porquê do tiro). Agindo assim,
Fabiano procurava abreviar-lhe o sofrimento e evitar
que a família se contaminasse.
Em seu desvario, à véspera da morte, Baleia sente-se entrando num espaço de liberdade e de caça
farta, sem limites para saciar-lhe a fome.
X – Contas
Como meeiro, Fabiano vivia numa permanente
condição de achatamento social: tinha sempre de
recorrer ao patrão para satisfazer necessidades básicas, como comida, roupa e instrumentos para o trabalho. Pagava, por isso, um preço bem superior ao do
mercado, o que o deixava continuamente endividado
junto ao fazendeiro.
Convidado para um acerto de contas, Fabiano
vai até a casa do patrão. Os cálculos do fazendeiro se
mostram muito diferentes dos de sinha Vitória. Como Fabiano não sabia ler (“um bruto, sim senhor”),
sinha Vitória realizava as somas e diminuições. Fazia-o de forma rudimentar, utilizando “sementes de
várias espécies”. Mas a diferença entre as contas se
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ANGLO VESTIBULARES
devia ao fato de que o patrão computava à divida os
“juros” do empréstimo. Sentindo-se lesado, Fabiano
reclama, mas sua contestação é sufocada pelo patrão. Passivamente, o vaqueiro aceita a justificativa
dada pelo fazendeiro. Torna a ficar revoltado ao se
lembrar do que lhe acontecera na feira da cidade.
Tentava vender um porco quando foi surpreendido
pelo fiscal da prefeitura; além de multá-lo por vender carne sem pagar imposto, o funcionário o insultara e o escorraçara do lugar.
[...] Aparentemente resignado, sentia um ódio
imenso a qualquer coisa que era ao mesmo tempo a
campina seca, o patrão, os soldados e os agentes da
prefeitura. Tudo na verdade era contra ele (p. 95).
A miragem de permanecer na fazenda vai se
desfazendo.
Neste capítulo, fica evidente a dificuldade de expressão de Fabiano diante de pessoas que julga superiores, no caso, o dono da fazenda e o fiscal da
prefeitura. Acabrunhado diante dos poderosos, Fabiano tenta reproduzir um discurso que não era o
seu, demonstrando dificuldade em organizar o raciocínio. Identifica o patrão como “governo”, representante arbitrário das instituições sociais, especialmente porque usava uma linguagem que estava
além das possibilidades de seu entendimento.
XI – O soldado amarelo
Observador arguto da natureza, Fabiano sai pela
caatinga, à procura de reses fugidas. Examina o
chão, decifrando sinais que lhe permitem diferenciar
os rastos de uma égua ruça dos de sua cria. De repente, depara-se com o soldado amarelo, perdido na
caatinga. O reencontro se dá um ano após o vaqueiro ter sido preso. Ao evocar aquele episódio, Fabiano é tomado pelo desejo de vingança. Embora fosse
concreta a oportunidade da revanche, num gesto de
grandeza, o vaqueiro apieda-se do soldado:
Aprumou-se, fixou os olhos nos olhos do polícia,
que se desviaram. Um homem. Besteira pensar que
ia ficar murcho o resto da vida. Estava acabado? Não
estava. Mas para que suprimir aquele doente que
bambeava e só queria ir para baixo? Inutilizar-se por
causa de uma fraqueza fardada que vadiava na feira
e insultava os pobres! Não se inutilizava, não valia a
pena inutilizar-se. Guardava a sua força (p. 107).
Deixa-o partir, pois o vê como representante de
instituições abstratas e até inúteis mas que deviam
ser respeitadas: “— Governo é governo”.
XII – O mundo coberto de penas
Aves de arribação anunciam novo ciclo de seca.
Elas constituem um símbolo ambíguo: de um lado,
acentuam os efeitos da seca, porque bebem a pouca
água existente; de outro, servem de alimento e, tem-
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
porariamente, impedem que a família morra de fome. Os animais começam a tombar. Fabiano procura atirar nos pássaros, garantindo alimento para os
próximos dias. Atemorizado, pensa no que significam o soldado amarelo e o dono da fazenda. Sente-se numa encruzilhada: tanto poderia ser vaqueiro
como cangaceiro. Nota igualmente como sua sina
se assemelha à de Baleia... Volta para casa, infeliz e
revoltado com sua impotência, julgando-se um “Cabra safado, mole. Se não fosse tão fraco, teria entrado no cangaço e feito misérias”.
Neste episódio, o inconsciente da personagem
procura suprir as lacunas do consciente, conclamando-a a transformar a revolta em ação:
— Fabiano, meu filho, tem coragem. Tem vergonha, Fabiano. Mata o soldado amarelo. Os soldados
amarelos são uns desgraçados que precisam morrer.
Mata o soldado amarelo e os que mandam nele (p. 111).
XIII – Fuga
Com a chegada novamente da seca, a princípio
Fabiano pensa em resistir e permanecer na fazenda.
No entanto, a morte de um número cada vez maior
de reses faz com que ele se decida a tentar a sobrevivência noutro lugar. Desconsolados, o casal e os filhos resolvem partir de madrugada, evitando outro e
constrangedor encontro com o patrão, pois não têm
como saldar a dívida acumulada. Despojados de tudo, iniciam nova retirada, levando às costas os poucos bens. Caminham sob um céu implacavelmente
azul. Asperamente, Fabiano ordena à família que
marche em ritmo mais intenso. Lembram-se de Baleia e, para atenuar o sofrimento, começam a conversar sobre um futuro melhor. A intermitência da seca
parece reservar-lhes o indesejado papel de Sísifos
sertanejos. Para eles, a vida é um eterno recomeço.
Sem destino, só lhes resta a opção da retirada. Fabiano sonha ainda com os filhos aprendendo a ler e
indo morar numa cidade grande: sinha Vitória alimenta, mais uma vez, a esperança de poder um dia
dormir numa cama de lastro de couro.
ESTRUTURA DA OBRA
Vidas secas é uma composição literária aberta:
seus capítulos são autônomos, ordenam-se por justaposição. Esse tipo de estrutura permite leituras
variáveis, em seqüência aleatória, numa disposição
diversa da proposta pelo autor. Isoladamente, os capítulos são quadros, painéis diversificados a convergir para um mesmo drama.
“Baleia”, o nono capítulo na seqüência de publicação mas o primeiro a ser escrito, é o único que recebe o tratamento de conto, por apresentar características fundamentais deste gênero: um único conflito dramático, uma tensão interna apresentada já
num pré-clímax, que se atenua num epílogo sem pos-
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ANGLO VESTIBULARES
sibilidade de continuação, e uma unidade dramática,
fruto de rigorosa condensação de efeitos e pormenores. Os outros capítulos não apresentam tais traços; são apenas quadros autonômos, que se justapõem, com recorrências e cruzamentos entre si.
Curiosamente, no conjunto, esse “romance desmontável” tem um todo coeso, homogêneo, que resulta do tema e da organicidade de concepção.
Embora todos os membros da família enfrentem basicamente os mesmos obstáculos, cada capítulo focaliza particularmente uma das figuras do
plano geral: Fabiano, sinha Vitória, os dois meninos, Baleia. A problemática humana — fome, miséria e necessidade de fuga — determina a unidade
dramática dos capítulos.
Praticamente, só existe uma seqüência narrativa
básica, definida pelos movimentos de partida e de
chegada da família sertaneja. Essa arquitetura cíclica se delineia pela repetição da mesma ordem: há
uma convergência entre o primeiro capítulo (“Mudança”) e o último (“Fuga”), pois ambos são marcados pela mesma pressão implacável da seca, que
afugenta a família e impede qualquer forma de
estabilidade. Desse modo, a obra termina da mesma
forma que começa. Os capítulos intermediários retratam flagrantes da existência cotidiana desse grupo de pessoas, sem grandes mistérios.
O romance abre-se com a caminhada dos retirantes, em busca de um lugar menos castigado pela
seca. Encerra-se com outra, que, afinal, é o mesmo
caminhar. Tem-se, assim, o efeito de circularidade,
pois se prevê a retomada da mesma fuga. Nada se
altera: “mudança” e “fuga” distinguem-se apenas no
nome; são rotas de quem pretende desviar-se da
morte. O deslocamento para o Sul — miragem final
— não é nem confirmado nem negado. É apenas uma
esperança, e isso é decisivo para manter acesa a
chama da vida.
Os episódios independentes facultam ao leitor
outras combinações de seqüência, como um leque
que se abre para a percepção de outros significados. O drama das personagens pode assim ser vislumbrado sob outras e diferentes perspectivas, pois
a realidade se torna menos previsível e mais complexa, envolvendo surpresas e acasos.
Muitas vezes, os títulos dos capítulos indicam
circunstâncias em que se encontra a família: “Mudança”, “Cadeia’, “Inverno”, “Festa”, “Contas” etc.
Isso reforça a arquitetura fragmentária do romance:
não existe uma transição entre os capítulos, porque
não há continuidade no destino dos retirantes. Essa
técnica de justaposição dos episódios confere modernidade à estrutura narrativa, pois rompe com a
linearidade e a relação de causalidade, características da literatura do século XIX.
Pode-se dizer também que, ao estruturar seu romance em capítulos compartimentados, Graciliano
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
Ramos conseguiu espelhar na organização interna
da obra o ilhamento do sertanejo, impossibilitado
de constituir uma forma de vida gregária, que conseguisse ordenar um entendimento razoável tanto
entre os membros da família como desta com a sociedade. Isso faz com que as personagens tenham do
mundo uma percepção fragmentada, desconexa.
Esse aspecto também exige do leitor um permanente
trabalho de amarração das imagens, para poder
alcançar uma visão de totalidade do drama sertanejo.
FOCO NARRATIVO
Vidas secas, único romance de Graciliano Ramos com enunciação em 3ª- pessoa, apresenta um
aspecto inovador para esse foco de relato: a onisciência é prismática. Diferentemente do narrador
onisciente tradicional, que vê tudo e sabe de tudo,
posicionando-se muitas vezes ostensivamente, em
Vidas secas, o relato é conduzido de tal forma que o
leitor entra em contato direto com a realidade, enxergando-a pelo prisma da personagem que está em cena. Assim, uma mesma realidade é vista por óticas
distintas, variando conforme a personagem que a focalize. Isso se torna possível graças ao emprego do
discurso indireto livre, que dá ao narrador-observador um posicionamento discreto: sua “voz”
quase se confunde com a das personagens. Em
“Inverno”, o leitor “vê” a chuva, guiado pelo olhar
de Fabiano e sinha Vitória; já em “Fuga”, que encerra o romance, a retomada da sina de retirantes é focalizada sob a ótica do menino mais velho. Assim,
acumulam-se ângulos de visão parcial, próprios de
cada personagem do romance.
Como o narrador se dissimula por trás do relato, flagrantes aparentemente desconexos, quando
reunidos, trazem uma conjugação entre aspectos
sociais, naturais e psicológicos distintos mas complementares para formar o perfil das personagens e
das situações. De fato, enquanto a consciência do
social se dá pela vivência de uma situação hostil,
que gera fome e incompreensão, o componente psicológico emerge independentemente dessas pressões do contexto, nas lembranças, muitas vezes
agradáveis, de festas, vaquejadas e novenas. Tal simultaneidade resulta da decisão do narrador de usar
a onisciência não para retratar o ambiente, mas como
instrumento de análise comportamental e psicológica. Esse traço empresta ao romance um perfil bem
mais complexo do que aquele que teria se o narrador se limitasse a descrever fatos e personagens.
O discurso indireto livre cria uma convergência
solidária entre a expressão do narrador e a da personagem. Falas ou pensamentos dos membros da
família sertaneja (incluindo Baleia) vêm inseridos no
relato do narrador, o que permite ao autor sondar
verticalmente o universo mental das personagens
para revelar o quanto ele se encontra esgarçado.
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ANGLO VESTIBULARES
Se achassem água ali por perto, beberiam muito,
sairiam cheios, arrastando os pés. Fabiano comunicou isto à sinha Vitória e indicou uma depressão do
terreno. Era um bebedouro, não era? Sinha Vitória
estirou o beiço, indecisa, e Fabiano afirmou o que
havia perguntado. Então ele não conhecia aquelas
paragens? Estava a falar variedades? Se a mulher tivesse concordado, Fabiano arrefeceria, pois lhe faltava convicção [...] (p. 123).
É importante que se destaque igualmente o fenômeno do mutismo introspectivo das personagens.
Silenciosas e circunspectas, elas substituem o diálogo — forma mais natural de trocarem informações
— pela linguagem gestual ou gutural:
[...] a viagem progredira bem três léguas. Fazia
horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos
juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados
da catinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, sinha Vitória
com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú
de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió
a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao
cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O
menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
— Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.
Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha
da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado,
depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano
ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele
se levantasse. Como isso não acontecesse, espiou os
quatro cantos, zangado, praguejando baixo. [...] Sinha Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma
direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto (p. 9-10).
Como se percebe, o filho mais velho, em vez de
explicar ao pai que já não consegue caminhar, senta-se no chão e põe-se a chorar. Em seu rudimentarismo psicológico, o pai, em vez de conversar com
ele, passa a xingá-lo e a espancá-lo. Em seguida,
vendo que sua atitude não produz nenhuma reação
no filho, começa a falar consigo mesmo, esbravejando contra a paisagem.
Para compensar a quase ausência de diálogos, o
narrador registra, com absoluto poder de síntese,
planos da realidade exterior, atos, gestos e movimentos das personagens:
[Fabiano] Alcançou o pátio, enxergou a casa baixa e escura, de telhas pretas, deixou atrás os juazeiros, as pedras onde se jogavam cobras mortas, o carro de bois. As alpercatas dos pequenos batiam no
chão branco e liso. A cachorra Baleia trotava arquejando, a boca aberta.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
Aquela hora sinha Vitória devia estar na cozinha,
acocorada junto à trempe, a saia de ramagens entalada entre as coxas, preparando a janta. Fabiano sentiu
vontade de comer. Depois da comida, falaria com sinha Vitória a respeito da educação dos meninos (p. 25).
TEMPO
As referências temporais na obra são discretas.
O capítulo inicial (“Mudança”) e o final (“Fuga”) oferecem ao leitor dados suficientes para perceber que
a trama se desenrolará entre duas estiagens. Embora a cronologia não seja explícita, os painéis ou cenas autônomas deixam transparecer algumas ordenações temporais mais concretas que outras.
De fato, sabe-se apenas que, dentro do quadro
cíclico da seca, uma família se estabelece provisoriamente numa fazenda; a partir daí, é necessário uma
investigação detalhada para levantar indicadores
que demarquem com clareza a passagem do tempo.
De posse desses dados, pode-se deduzir que marido e mulher aparentam a mesma idade. A diferença
de idade entre os meninos também é pequena.
Dentro desses limites, os indicadores temporais
têm um duplo movimento: alguns se referem ao presente da narrativa, outros representam experiências
do passado, resgatados pela memória, sequiosa de
tempos mais felizes. Sabe-se, por exemplo, que o
reencontro de Fabiano com o soldado amarelo, na
caatinga, deu-se um ano após sua vexatória prisão. De
modo geral, os acontecimentos não estão datados em
relação à memória das personagens, como se percebe
pelas passagens seguintes: “Recordou-se do que sucedera anos atrás, antes da seca, longe”; “fazia horas que
pisavam a margem do rio”; “Entrava dia e saía dia”;
“Viveria muitos anos, viveria um século”. No final, registra-se a seguinte observação: “Dobrando o cotovelo
da estrada, Fabiano sentia distanciar-se um pouco dos
lugares onde tinha vivido alguns anos; o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia esmoreceram no seu
espírito” (p. 120). O que se pode ter como norma é que
lembranças desagradáveis ou humilhantes são sempre mais recentes.
Essa dissolução do tempo cronológico produz
um efeito psicológico e estilístico notável, na medida
em que amplifica a carga de dramaticidade das personagens, intensificando a sensação de viverem num
mundo regido pela instabilidade: não se sabe nem de
onde Fabiano e família vêm como também para onde
caminham. Ignora-se quando chegaram, quanto
tempo demoraram e durante quanto tempo terão de
caminhar: “Os pés calosos, duros como cascos, metidos em alpercatas novas, caminhariam meses. Ou não
caminhariam?” (p. 121).
O esvaziamento do tempo cronológico possibilita ao narrador desviar-se da exterioridade dos acontecimentos, podendo registrar o fluxo mental das
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ANGLO VESTIBULARES
personagens, revelador da reificação e do caos instaurados em suas vidas. Ao longo do relato, para intensificar a noção de tempo interior, os verbos vêm
nos pretéritos imperfeito, perfeito e mais-que-perfeito, registrando como essa família rústica reage
psicologicamente às pressões da natureza e da sociedade. A angústia, o medo, a opressão revelam em
toda sua brutalidade a face mais arcaica do país.
Os indicadores temporais evidenciam também a
incipiente organização social em que vivem as personagens, oriundas da economia rural. O campo tinha seus mecanismos de produção ainda atrelados
a um formato semifeudal, não se articulando com as
exigências do mercado consumidor urbano, que já
se achava num estágio econômico mais avançado,
próximo do capitalismo. Esse choque manifesta-se
agressivamente em “Contas”, na passagem em que
Fabiano vai à cidade tentar vender um porco. Acuado pelo fiscal da prefeitura, o sertanejo revela todo
o seu despreparo para enfrentar as instituições da
sociedade.
ESPAÇO
Pode-se dizer que o verdadeiro protagonista
alegórico de Vidas secas está no espaço social e físico. A família sertaneja tem suas possibilidades de vida e de realização bloqueadas tanto pela natureza
adversa como pelos limites impostos por aqueles que
detêm alguma forma de poder: o “dono da fazenda”,
o “soldado amarelo” e o funcionário da prefeitura.
A paisagem natural é tão hostil que é possível
falar na existência de um contra-espaço nesse romance. Inóspito, o agreste sertão nordestino tornase o principal responsável pela periódica expulsão
dos sertanejos. Essa região apresenta como característica dominante o clima tropical semi-árido, com
chuvas escassas e irregulares. Predominam ali os
rios intermitentes — rios “vaziados”, no dizer de
João Cabral de Melo Neto —, pois ficam parte do
ano totalmente secos. Apresentam drenagem exorréica, ou seja, em épocas de chuva (o “inverno” sertanejo) suas águas correm em direção ao mar; no
período da estiagem, seus mananciais temporariamente se extinguem: seus leitos viram rotas de fuga
para o litoral.
A monotonia marca o tom do ambiente: não há
florestas nem montanhas para distrair a visão e atenuar a secura. Quase sempre sinistra e desolada, a
paisagem permite que se veja longe e fundo, tornando ainda mais ostensivo o drama dos retirantes.
Determinador de destinos, o espaço torna essa marcha vã, pois o caminho que procuram se fecha em si
mesmo, não leva a parte alguma. Paisagem e linguagem tendem a se fundir: a aridez do semi-árido
nordestino encontra seu paralelo na escassez das
falas das personagens.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
A infalibilidade dos urubus, traçando círculos em
torno desses seres, tem efeito similar aos condicionamentos socioeconômicos implacáveis, que lhes impõem como única saída o nomadismo. Fechadas, as
aspirações têm de ser adiadas continuamente.
A dificuldade de interação, imposta pela geografia, cresce em função da crise do trabalho e da
sua demanda. Além do mais, Fabiano é vaqueiro,
atividade solitária na região. No capítulo “Cadeia”,
constata-se que o isolamento de Fabiano é pleno e
definitivo. Anda a esmo pela cidade, num meio estranho, cheio de situações e desafios constrangedores.
As pessoas, o comércio e as instituições o deixam
acuado, reduzido à sua inferioridade e impotência.
Minado, reage passivamente, retrai-se. O ilhamento
impõe às personagens certa afasia: por não interagirem, ficam “sonadas”, incapazes de ler a realidade. Falam pouco, e ainda assim com um discurso
emaranhado e desconexo.
Se o trabalho duro na fazenda dava a Fabiano
alguma consciência de utilidade, a cidade dissolve
isso, pois o reduz, explora e corrompe. As instituições sociais — genericamente designadas por ele
como “governo” — são entidades abstratas e distantes, associadas permanentemente a algo que se deve temer. Também no capítulo “Festa” ficam patentes o conflito e o contraste entre campo e cidade:
Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele. Fazia-se carrancudo e evitava
conversas. Só lhe falavam com o fim de tirar-lhe
qualquer coisa. Os negociantes furtavam na medida,
no preço e na conta. O patrão realizava com pena e
tinta cálculos incompreensíveis. Da última vez que se
tinham encontrado houvera uma confusão de números, e Fabiano, com os miolos ardendo, deixara indignado o escritório do branco, certo de que fora enganado. Todos lhe davam prejuízo. Os caixeiros, os
comerciantes tiravam-lhe o couro, e os que não tinham
negócio com ele riam vendo-o passar nas ruas
tropeçando. Por isso Fabiano se desviava daqueles
viventes [...] Estava convencido de que todos os habitantes da cidade eram ruins (p. 76).
Ao se confrontar com as imposições de uma
organização social impermeável, arcaica e preconceituosa, Fabiano é punido: por reagir contra a arbitrariedade do soldado amarelo, é preso e espancado; por questionar a contabilidade do patrão, é ameaçado de expulsão da fazenda; por tentar vender
carne de porco na feira, é multado.
Alfredo Bosi, no ensaio “Céu, inferno” (GARBUGLIO, J. C.; BOSI, A.; FACIOLI, V., 1987, p. 386),
estabelece uma correspondência bastante esclarecedora entre espaço e comportamento psicológico
das personagens. A alternância climática, segundo
ele, explicaria a oscilação entre felicidade e angústia
• 116 •
ANGLO VESTIBULARES
no comportamento do sertanejo. A estação das chuvas, característica do “inverno” nordestino, dá a Fabiano a sensação de que ele pode se aprumar na
vida e até mesmo confiar no patrão; já a seca, com
seu sol causticante, o expõe à inclemência da retirada, remetendo-o bruscamente à realidade, um pesadelo com suas marcas de desgosto e pavor. Nessa
última circunstância, a natureza assume tal poder
desagregador que, praticamente, decide o destino
das personagens. Fabiano conjetura: “Se a seca chegasse, ele abandonaria mulher e filhos, coseria a
facadas o soldado amarelo, depois mataria o juiz, o
promotor e o delegado” (p. 66-7). A idéia de vingança não se consuma porque chove. Com a chuva, ele
“esquecia as pancadas e a prisão, sentia-se capaz de
atos importantes” (p. 67).
Como conclusão, destaque-se que Fabiano e sua
família se orientam no mundo por meio de índices,
um tipo de signo assim denominado por Charles
Sanders Peirce (Semiótica, São Paulo, Perspectiva,
1995). As lições da semiótica de Peirce foram propostas, sobretudo, para a leitura do mundo não-verbal. Índice é um sinal diretamente ligado a seu objeto, à coisa a que se refere (p. ex.: trovão → tempestade; aves de arribação → seca; soldado amarelo →
ódio etc.).
Alguns estudiosos, como Antônio Risério, vêem
toda a vida sertaneja regida por índices. O sertanejo
os recolhe por toda parte, observando as manifestações da natureza. O índice é universalmente importante: em todas as sociedades, o homem se acostuma com eles. Por meio deles é que se constrói um
raciocínio fundamental à vida, chamado indução;
noutros termos, é próprio do homem amadurecer
certos conhecimentos gerais a partir da observação
repetida de experiências singulares, manifestadas
por meio de índices. A indução, portanto, permite
ao homem prever eventos futuros e tomar os devidos cuidados para se preservar.
O que acontece com Fabiano, entretanto, é algo
semelhante ao que acontece com os animais quando
se altera seu habitat natural: eles se desnorteiam, não
podem mais confiar nos índices habituais. Fabiano e
sua família se mostram a toda hora angustiados
porque se vêem repentinamente atirados pela seca
numa espécie de “desconcerto do mundo”. Os índices,
outrora tão confiáveis, impõem a dúvida e o temor.
Certamente, muitos deles eram novos, desconhecidos
(não se pode esquecer de que a família fora deslocada
de seu habitat). O que é dramático e tenso é justamente perceber, a cada passo, que Fabiano hesita diante
de quase todos os sinais, como um animal acuado. É
curioso observar que, independentemente disso,
Fabiano também se mostra um dedicado aprendiz
dessas novas formas do perigo. Isso faz parte do seu
heroísmo natural, em que emerge um lado “bicho”,
que quer reconhecer certas formas já desaprendidas.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
Charles Peirce também falou nos símbolos que
representam as formas do pensamento. Ora, Fabiano não está totalmente alheio a estas últimas. O
discurso indireto livre o mostra como um homem
que, dentro de suas limitações, pensa e raciocina,
isto é, um homem que trabalha com idéias ou
símbolos. Entretanto, seu próprio faro animal lhe
diz que todo pensamento ou palavra excessiva poderia ser naquela hora um perigo a mais. De qualquer forma, pode-se dizer que Vidas secas é um romance em que todos os símbolos da cultura vão
sendo gradativamente devorados pelos índices da
sobrevivência.
A presença de índices ocorre intensamente no
romance. Como exemplo, pode-se evocar o episódio em que Fabiano tenta “farejar” uma novilha
para lhe fazer curativo. Como não consegue encontrá-la, desiste e decide-se a fazer o curativo nas
pegadas do animal, rezando em cima do rastro deixado na areia. Toda a caracterização de Fabiano como um “homem empurrado pela seca” é uma multidão de índices, que o tipificam como um homem
que dialoga com os elementos da natureza. Observe
esta seqüência, do capítulo final do livro:
Agora Fabiano examinava o céu, a barra que tingia o nascente, e não queria convencer-se da realidade. Procurou distinguir qualquer coisa diferente da
vermelhidão que todos os dias espiava, com o coração aos baques. As mãos grossas, por baixo da aba
curva do chapéu, protegiam-lhe os olhos contra a
claridade e tremiam.
Os braços penderam, desanimados.
— Acabou-se.
Antes de olhar o céu, já sabia que ele estava negro num lado, cor de sangue no outro, e ia tornar-se
profundamente azul. Estremeceu como se descobrisse uma coisa muito ruim (p. 117-8).
A reação de Fabiano diante da iminência de
uma nova seca é instintiva e a resposta, imediata: o
desânimo e a tremedeira tomam conta do vaqueiro.
PERSONAGENS
De acordo com a já clássica divisão de Lucien
Goldmann, Vidas secas pode classificar-se como
romance de tensão crítica. As personagens principais representam a típica família sertaneja nordestina
(pai, mãe, filhos, com estes os animais: cachorro,
papagaio) em conflito com a paisagem natural e com
as personagens que representam os signos do poder:
o dono da fazenda, o soldado amarelo e o funcionário
da prefeitura. Com isso, pode-se dizer que o conjunto
das personagens alcança uma dimensão alegórica,
pois elas se distribuem em pólos opostos mas representativos da ordem socioeconômica regional.
• 117 •
ANGLO VESTIBULARES
O romance provoca impacto justamente pelo notável grau de verossimilhança alcançado: a construção
de personagens é tão habilmente engendrada que elas
parecem transformar-se em seres reais. Para marcar o
estado de embrutecimento a que foram reduzidas, o
autor recorre freqüentemente a comparações com animais, que demonstram a existência insípida, a aflição e
os anseios desses seres, inertes diante das imposições
da paisagem natural e social: “Estava escondido no
mato como tatu”; “era como um cachorro, só recebia
ossos”; “Fabiano estacou desajeitado, como um pato”.
A propósito da afetividade das personagens do
romance, no depoimento dado ao jornalista João
Condé, Graciliano Ramos comenta: “A minha gente,
quase muda, vive numa casa velha de fazenda; as
pessoas adultas, preocupadas com o estômago, não
têm tempo de abraçar-se”. A passagem seguinte,
extraída do capítulo inicial, confirma tal declaração:
Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e
os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto
do coração de sinha Vitória, um abraço cansado
aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram à
fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo
de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a
esperança que os alentava (p. 13).
PERSONAGENS
Fabiano
Vaqueiro do sertão nordestino, competente na
lida do gado e perfeitamente entrosado com o meio
rural. Na cidade, sente-se como um estrangeiro que é
violentado por instituições sociais incompreensíveis e
abstratas. Genericamente as vê como manifestações
do “governo”, distantes de sua realidade porque não
resolvem seus problemas. A retração, a desconfiança
e o temor de Fabiano se ampliam nos confrontos com
o soldado, o patrão e o funcionário da prefeitura.
Nessas situações, sente-se tão diminuído e marginalizado que constantemente é comparado a um animal: é
“quase uma rês” ou ainda “Tinha muque e substância,
mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia”.
No Dicionário da língua portuguesa, de Aurélio
Buarque de Holanda, o verbete fabiano vem assim
anotado: “(Do antr. m. Fabiano, decerto) subst. m.
Lus. 1. Indivíduo inofensivo; pobre-diabo. 2. Indivíduo qualquer, desconhecido, joão-ninguém”.
Se, de um lado, isso sugere embrutecimento, do
outro parece representar uma extraordinária capacidade de resistência, cujos limites são superados
com fibra e dignidade. Uma vez que a organização
social não lhe possibilita realização individual, só
lhe resta uma saída: fugir, buscando nova possibilidade de integração. Fabiano constitui, assim, um
“herói” problemático, marcado pela contradição
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
entre a revolta e a passividade. O que mais o atormenta é a impotência de não se sentir "dono" da
própria linguagem, que lhe é subtraída pela condição social adversa. O que mais o anima é a perspectiva de que, algum dia, seus filhos possam vir a
dominá-la. Em princípio, possuir uma linguagem
articulada significa ter possibilidade de acesso a
uma melhor compreensão do mundo. As circunstâncias de pressão transformam Fabiano num ser
que vive alternadamente situações de estabilidade
(“Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria
dali. Aparecera como um bicho, entocara-se como
um bicho, mas criara raízes, estava plantado. [...] Ele,
sinhá Vitória, os dois filhos e a cachorra Baleia estavam agarrados à terra” — p. 19) e sufoco (“Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano. A sina dele era correr mundo, andar para cima e
para baixo, à toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca” — p. 19).
Um traço importante da personalidade de Fabiano é a crença quase absoluta nos poderes sobrenaturais. Quando se vê em situações difíceis, o
vaqueiro apela para as superstições: em “Mudança”,
olha para o céu e se põe a contar estrelas, por achar
que isso traria a chuva; em “Fabiano”, para curar
uma novilha doente, monta um cruz com gravetos e
reza, fazendo o curativo nas pegadas que o animal
deixara na areia; em “O menino mais velho”, considera que uma entidade protetora segurava-o na
sela quando domava animais xucros. Por fim, em “O
mundo coberto de penas”, atemoriza-se com a possibilidade de Baleia, em quem dera um tiro, virar
uma alma penada para vir assustá-lo.
Sinha Vitória
Por ser mais astuta que Fabiano, é menos vulnerável que o marido. Suporta, com constantes
reclamações, a carga dos afazeres domésticos e lida
impacientemente com os filhos. Algumas vezes, os
resmungos transformam-se em palmadas nas crianças. Diferencia-se também do marido pelo instinto
de posse, manifesto no sonho de vir a ter uma “cama
de lastro de couro”, igual à de seu Tomás da bolandeira. A posse desse objeto básico representa, para
ela, uma forma de realização, de alcance duma espécie de consciência de cidadania, fundamental
para a construção de sua auto-imagem, pela necessidade de sentir que vive uma vida plena e autêntica
não só no domínio da natureza, mas sobretudo no
domínio da cultura. Para atenuar suas frustrações,
nas horas de aflição costuma apelar para Deus e
para a Virgem Maria.
A vontade de alcançar um mínimo de conforto e
bem-estar brota de uma personalidade mais decidida, não tão tosca e primitiva como a do marido. Sua
condição de âncora da família se manifesta no episódio do “acerto de contas” com o patrão: é ela
• 118 •
ANGLO VESTIBULARES
quem faz os cálculos, dando a Fabiano a certeza de
que fora ludibriado pelo fazendeiro. Mesmo na condição subumana de retirante, ela demonstra possuir
uma certa destreza mental, é “letrada”, e detém, de
certa maneira, a supremacia da família, pois “orienta” Fabiano. Quando Baleia ficou doente, a ponto de
poder contagiar a família, a racionalidade de Vitória
foi maior que a estima pela cachorra: pressionou o
marido na decisão de se livrar da cachorra.
Ao contrário de Fabiano, as comparações que
sinhá Vitória faz da família com animais assumem
sempre caráter negativo: “o costume de encafuar-se
ao escurecer não estava certo, que ninguém é galinha”.
Os Meninos
As crianças, único fiapo de esperança possível
de um futuro melhor, são referidas em todo o romance como “menino mais novo” e “menino mais
velho”. A ausência de nomes que as singularizem
revela o processo de despersonalização a que foram
submetidas pelas injunções sociais. Em nenhum
momento, o narrador se refere ao rosto das crianças. Assim, a questão da miséria está diretamente
relacionada ao problema da nomeação e da ausência de fisionomia dos meninos. Serve como referência confirmadora de sua baixa condição econômica,
de sua insignificância social. Apesar ou por causa
disso, os pais intuem que educar os filhos é a única
maneira de romper com o círculo vicioso imposto
pela fome, pela sede e pelo desemprego.
O mais novo, em sua ingenuidade, vê no pai um
modelo a ser seguido; o mais velho, mais inquieto e
permanentemente movido pela curiosidade, ousa
perguntar aos pais o significado da palavra inferno.
Fabiano sequer dá importância à interpelação do filho; a mãe, revoltada com a própria incapacidade de
dar uma resposta satisfatória, aplica-lhe um cascudo. Amargurado, o menino mais velho refugia-se
junto a Baleia, seu par. Os pais desejam mudar-se
para as cidades grandes do Sul, perseguindo a sorte
de um futuro diferente: “Os meninos em escolas,
aprendendo coisas difíceis e necessárias”.
No romance A hora da estrela (1977), cuja narrativa central parece ter sido desentranhada de uma
possível continuidade de Vidas secas, Clarice Lispector aponta que não é bem isso o que pode acontecer: Macabéa e Olímpico, flagelados nordestinos,
conseguem fugir da seca, do desespero e da pobreza nordestinas migrando para o Rio de Janeiro. Mas
o que os aguarda, ali, é a continuidade de uma vida
miserável de marginalizados sociais.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
Baleia
De certa maneira, a cachorra é tratada como
gente e, assim humanizada, torna-se um membro
da família, especialmente para os meninos que a
transformam numa espécie de irmã. Sua magreza
de vira-lata é anulada já pela escolha do nome,
demonstração de afeto própria do sertanejo nordestino, que costuma dar a seus animais nomes de
peixe. O que, a princípio, aparenta ser uma ironia
(pois ela em nada lembra um cetáceo), é muito mais
uma compensação, dada a secura da terra. Os trancos
e pontapés que recebe deixam-na revoltada e, tal
como os homens, “cogita” da possibilidade de fuga:
Baleia detestava expansões violentas: estirou as
pernas, fechou os olhos e bocejou. Para ela os pontapés eram fatos desagradáveis e necessários. Só
tinha um meio de evitá-los, a fuga (p. 60).
Nesta caricatura, Alvarus faz um cruzamento entre a representação biográfica e ficcional de Graciliano Ramos. Instalado num
cenário agreste, o escritor, magra e com o eterno cigarro entre
os dedos, traz numa coleira sua famosa personagem, a cachorra
Baleia.
• 119 •
ANGLO VESTIBULARES
Na passagem em que é morta pelo tiro de Fabiano, o processo de antropomorfização de Baleia
se completa: “Defronte do carro de bois faltou-lhe a
perna traseira. E, perdendo muito sangue, andou
como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo” (p. 88).
Seu Tomás da Bolandeira
Tido, a distância, como exemplo de “sabedoria”,
é acariciado por Fabiano como modelo de indivíduo
alfabetizado e ideal. Embora não intervenha diretamente em nenhum episódio do romance, seu Tomás
da bolandeira serve de escada, como se diz em
teatro, para estabelecer um contraste com as expectativas de Fabiano e, sobretudo, de sinha Vitória.
Embora sábio e culto (até “votava”...), seu Tomás estava falido. Mesmo assim, Fabiano procurava imitarlhe o vocabulário. Algumas palavras ele não entendia, as idéias ficavam truncadas; iludia-se com isso,
achando que, por imitá-lo, melhorava de situação.
Ao se referir a esta personagem, o narrador cria
torneios de linguagem culta, caracterizando-o como
uma pessoa de certa leitura que, por isso mesmo,
transforma-se num arquétipo em que as demais
personagens se espelham.
O Soldado Amarelo
Se a natureza oprime (basta evocar a imagem
dos urubus traçando círculos em torno dos retirantes), mais hostis são os homens que representam o
poder, em suas várias manifestações. O soldado
amarelo simboliza o despotismo dos militares acuando os “paisanos”. Nessa mesma perspectiva, o sargento Getúlio, protagonista do romance homônimo
de João Ubaldo Ribeiro, publicado em 1971, é uma
espécie de extensão da personagem de Graciliano.
Freqüentemente, esta personagem é evocada apenas
como “o amarelo”, cor que simboliza, no imaginário
popular, o desespero, o ódio e a raiva. Por ressentimento, impõe-se com arrogância diante de Fabiano,
prendendo-o de forma injusta e arbitrária. Quando
se encontram pela segunda vez — o soldado estava
perdido na caatinga (o amarelo ganha aí a conotação
de medo) —, a situação tinha tudo para se inverter.
Fabiano, entretanto, contém seu ímpeto revanchista
e poupa o soldado, talvez por perceber que matá-lo
de nada adiantaria, pois não era assim que poderia
resolver suas dificuldades.
O Dono da Fazenda
Símbolo do poder econômico opressor (“o patrão era seco também, arreliado, exigente e ladrão,
espinhoso como um pé de mandacaru”, p. 24), representa o imobilismo de uma estrutura social que, aliada a outros elementos, acaba por determinar o
nomadismo dos retirantes.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
O Fiscal da Prefeitura
Representa, juntamente com o dono da fazenda
e o soldado amarelo, as instituições sociais em seus
estágios menores, genericamente identificadas por
Fabiano como “governo”. Figura como símbolo da
intolerância da máquina governamental.
ELEMENTOS ESTILÍSTICO-TEMÁTICOS
Quando prefeito em Palmeira do Índios, Graciliano Ramos recrutou os presos da cadeia municipal para construir uma estrada com quilômetros e
quilômetros de reta, ligando a cidade a um município vizinho. No famoso relatório de suas atividades
à frente da prefeitura, ele faz o seguinte comentário
sobre esse episódio: “Procurei sempre os caminhos
curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas
onde as retas foram inteiramente impossíveis”.
A determinação do prefeito pode servir como
referência para a representação do método depurado do estilista: não existem curvas no texto de Graciliano Ramos. Sucinta, dura e descarnada: assim é
a tessitura verbal de Vidas secas. Sua obsessão pela
redação gramaticalmente imaculada e elegante lembra Machado de Assis. Embora seu estilo não possua o jogo de ambigüidade e ironia do autor de Dom
Casmurro, é preciso dizer que de todos os escritores
brasileiros o mais “clássico”, o mais “machadiano” é
Graciliano, pela correção da escrita, que decanta
conscientemente o jorro da oralidade e evita fazer
concessões ao gênero populista.
O Estilo Cacto
A sugestão de secura envolve o livro todo, marcando a vida das pessoas e a paisagem em que elas
desfiam sua angústia. O tratamento dado à linguagem assombra pela fusão entre a ordem e o
caos: onomatopéias, monossílabos guturais e gestos
aglutinam-se para demonstrar a alternância entre
uma condição de vida digna e as reduzidas possibilidades de sobrevivência das personagens, esmagadas pela agressividade do clima e pelos deslocamentos periódicos a que são obrigadas.
O estilo de Graciliano Ramos se caracteriza pela
sobriedade no uso dos adjetivos; ele prefere dar
nome às coisas. Daí, o critério e a sintonia fina na
seleção dos substantivos. Essa virtude é, aliás, exaltada por João Cabral de Melo Neto no poema “A
palo seco”:
.....................................
A palo seco existem
situações e objetos:
Graciliano Ramos,
desenho de arquiteto.
.....................................
• 120 •
ANGLO VESTIBULARES
Eis uns poucos exemplos
de ser a palo seco,
dos quais se retirar
higiene ou conselho:
perra13, pucumã14, quenga15, reúna16, tolda17 produzem também um efeito de despojamento, pela
propriedade com que são aplicados, sem nenhuma
concessão ao mero pitoresco.
não o de aceitar o seco
por resignadamente,
mas de empregar o seco
porque é mais contundente.
.....................................
Um Livro “Mudo”
(Quaderna, 1960, fragmento.)
A expressão “a palo seco” é usada na região de
Sevilha, Espanha, para designar o canto a capella,
em que a voz forte e vibrante dos cantores dispensa
o acompanhamento por instrumentos musicais.
Ora, um dos traços de maior refinamento do estilista Graciliano é o uso de frases nominais, que
apuram seu significado na força expressiva dos
substantivos, selecionados tão criteriosamente que
dispensam a presença de verbos e adjetivos como
acessórios de acompanhamento. Sua beleza e harmonia, por vezes, alcançam a graça da prosa poética. O acúmulo de orações coordenadas e de frases
nominais, curtas e densas, amplificam as sugestões
de revolta e desencanto:
Falta de criação. Tinha lá culpa? O sarapatel se
formara, o cabo abrira caminho entre os feirantes
que se apertavam em redor: — “Toca pra frente”.
Depois surra e cadeia, por causa de uma tolice. Ele,
Fabiano, tinha sido provocado. Tinha ou não tinha?
Salto de reiúna em cima da alpercata. Impacientarase e largara o palavrão. Natural, xingar a mãe de
uma pessoa não vale nada, porque todo o mundo
logo vê que a gente não tem a intenção de maltratar
ninguém. Um ditério sem importância (p. 102).
À sintaxe tradicional, Graciliano Ramos associa
um variado leque de termos regionais, que, ao mesmo
tempo, ampliam o vocabulário do leitor e servem de
acesso para um conhecimento específico das particularidades locais. Termos como emproado2, encafuarse3, esbrugar4, macambira5, mandacaru6, mangação7,
marrã8, mossa9, mulungu10, parolagem11, pedrês12,
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
emproado: altivo, de cabeça empinada.
encafuar-se: esconder-se.
esbrugar: tirar a pele de um animal.
macambira: fibra usada na confecção de esteiras ou cadeiras.
mandacaru: arbusto característico das regiões de caatinga.
mangação: gozação, zombaria.
marrã: porca nova desmamada.
mossa: cavidade entre os dentes do pau da canga dos carros
de boi.
mulungu: semente vermelha e preta de uma árvore leguminosa, também chamada de corticeira.
parolagem: tagarelice, papo furado, conversa fiada.
pedrês: cor de pedra, salpicada de preto e branco.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
Em Vidas secas praticamente não existem diálogos. Daí, a presença quase absoluta do monólogo
interior. As personagens se comunicam por meio de
exclamações, interjeições guturais, onomatopéias,
muxoxos, resmungos e gestos. A comprovação da
marginalidade lingüística dos retirantes é uma das
chaves decisivas para a compreensão do livro.
Quando o soldado amarelo convida Fabiano para
jogar trinta-e-um, o vaqueiro não quer ir. A resposta,
no entanto, caracteriza bem sua excessiva humildade
e sua carência de instrução: “Isto é. Vamos e não
vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme”
(p. 27). A resposta evasiva enerva o soldado, que,
arbitrariamente, decide prender o vaqueiro.
Outra dimensão do mesmo problema: o menino
mais velho, que “Tinha um vocabulário quase tão
minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca” (p. 55), ouve a palavra inferno e deseja
saber seu significado. Como a mãe descreve de forma exagerada o mundo do diabo, ele ceticamente
questiona a explicação materna com uma frase incisiva: “— A senhora viu?” (p. 54).
O acanhamento faz com que o sertanejo só fale
o que é estritamente necessário. Apresenta, no
entanto, uma atividade psíquica intensa, à sua
maneira chegam até a filosofar, como se percebe
nos freqüentes monólogos. A dificuldade em organizar o raciocínio verbal, que parece emperrado,
travado por bloqueios insuperáveis, é tal que, para
tornar a comunicação eficiente, as personagens
valem-se constantemente da mímica e dos gestos. O
falar pouco também pode ser explicado pela inibição ou receio de incompreensão. Há poucos diálogos com os representantes do poder, a família sertaneja se frustra por não ser compreendida. Apesar
de embrutecidas, possuem um certo discernimento,
vivem se autocriticando, lamentando sua limitação
verbal, sua dificuldade de abstração e de ordenação
lógica, como se pode constatar na passagem seguinte:
13
perra: teimosa, obstinada, pertinaz.
14
pucumã: mancha preta que se impregna no teto da cozinha,
resultante da fumaça produzida pelo fogão de lenha.
15
quenga: vasilha feita com a metade da casca do coco.
16
reúna: botinas, com elástico lateral, usadas por militares.
17
tolda: espigueiro de milho.
• 121 •
ANGLO VESTIBULARES
[...] Não era propriamente conversa, eram frases
soltas, espaçadas, com repetições e incongruências.
Às vezes uma interjeição gutural dava energia ao discurso ambíguo. Na verdade nenhum deles prestava
atenção às palavras do outro: iam exibindo as imagens que lhes vinham ao espírito, e as imagens sucediam-se, deformavam-se, não havia meio de dominálas. Como os recursos de expressão eram minguados,
tentavam remediar a deficiência falando alto (p. 63-4).
Também as enumerações, as sistemáticas repetições referidas no monólogo interior das várias
personagens, a ausência de diálogos, a dificuldade
de expressão verbal, enfim, sinalizam a mais absoluta falta de perspectiva dessas personagens de se
realizarem existencialmente. É como assistir a um
filme mudo, em que só excepcionalmente as personagens dialogam, e o fazem de modo rudimentar.
A atrofia mental, evidenciada por gestos, monossílabos ou frases soltas e incompletas, dimensiona o
grau angustiante das apreensões, desgostos e
provações de Fabiano e sua família. O vaqueiro
transforma-se no protótipo do homem em seu estado primário — quase bicho —, embrutecido; seu
embotamento mental parece ter sido forjado por
um sofrimento secular, que leva pessoas como ele a
revelarem um comportamento atavicamente passivo diante das várias formas de autoridade.
A Objetivação Verbal
Graciliano esquadrinha geometricamente as palavras: elimina do texto tudo o que se possa chamar
de adorno. Diz o máximo com o mínimo: daí, a escolha de frases nominais curtas e de orações coordenadas por justaposição:
Entristeceu. Considerar-se plantado em terra
alheia! Engano. A sina dele era correr mundo, [...]
Um vagabundo empurrado pela seca. Achava-se ali,
de passagem, era hóspede. [...] Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura
da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural que o companheiro entendia. A
pé, não se agüentava bem. Pendia para um lado,
para outro, cambaio, torto e feio (p. 19-20).
Tal seleção, intencional, impede que o texto corra solto; o fluxo de leitura é freqüentemente interrompido por conectivos e sinais de pontuação. Este
traço da sintaxe espelha, no plano estilístico, a desconexão e a descontinuidade existencial dos infelizes retirantes: a vida não flui, parece estar permanentemente entrecortada pela necessidade de resolver o problema da sobrevivência. Pode-se dizer
que a sintaxe de coordenação — orações justapostas referidas sempre num mesmo nível hierárquico
— constitui uma demonstração de que o próprio
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
discurso da narrativa denuncia o estado de submissão a que se reduz a família dos desvalidos, impossibilitada de acesso aos estágios básicos de realização existencial. A leitura não corre porque é sempre
interrompida pela pontuação, pelas conjunções, por
frases titubeantes, que refletem vidas que não se
resolvem.
Como decorrência da técnica da justaposição
aplicada aos capítulos, os parágrafos se organizam
pelo acúmulo de orações coordenadas assindéticas,
intercaladas com frases nominais, elípticas. Essa
ordenação sintática parece refletir a própria desconexão mental dos retirantes.
O pensamento dos retirantes se define pela incapacidade de estabelecer nexos entre o que vêem e
sentem, tornando os fatos autônomos e isolados.
Esse traço, habilmente explorado pelo autor na
composição do romance, reflete-se no plano estilístico pela predominância dos períodos curtos, muitas vezes lacônicos, pelo reduzido número de diálogos, travados com vocabulário mínimo.
Vidas secas é considerada uma obra-prima de
sobriedade formal pelo esforço de objetivação em
que se empenhou Graciliano Ramos, ao trabalhar
com frases curtas. É econômica até a exaustão, preocupando-se com o essencial. Como comentou o
escritor João Antônio (autor de Malagueta, Perus,
Bacanaço): “Por vários motivos, éticos e estéticos,
Graciliano Ramos é um caso à parte. Um caso de
dignidade. Uma dignidade severina e fabiana”.
Desde Aristóteles, já se dizia que a dimensão ética
(ethos) é fundamental na obra literária.
LEITURA E EXERCíCIOS
1. (UFRGS-2004) Leia o fragmento abaixo, extraído
de Vidas Secas, de Graciliano Ramos.
“Olhou a caatinga amarela, que o poente
avermelhava. Se a seca chegasse, não ficaria
planta verde. Arrepiou-se. Chegaria, naturalmente. Sempre tinha sido assim, desde que ele
se entendera. E antes de se entender, antes de
nascer, sucedera o mesmo — anos bons misturados com anos ruins. A desgraça estava em
caminho, talvez andasse perto. Nem valia a
pena trabalhar. Ele marchando para casa,
trepando a ladeira, espalhando seixos com as
alpercatas — ela se avizinhando a galope, com
vontade de matá-lo.
Virou o rosto para fugir à curiosidade dos
filhos, benzeu-se. Não queria morrer. Ainda
tencionava correr o mundo, ver terras, conhecer gente importante como seu Tomás da Bolandeira.
Era uma sorte ruim, mas Fabiano desejava
brigar com ela, sentir-se com força para brigar
com ela e vencê-Ia. Não queria morrer. Estava
• 122 •
ANGLO VESTIBULARES
escondido no mato como tatu. Duro, lerdo como
tatu. Mas um dia sairia da toca, andaria com a
cabeça levantada, seria homem.
— Um homem, Fabiano.
Coçou o queixo cabeludo, parou, reacendeu
o cigarro. Não, provavelmente não seria um
homem: seria aquilo mesmo a vida inteira, cabra, governado pelos brancos, quase uma rês
na fazenda alheia."
Considere as seguintes afirmações sobre o fragmento acima:
I. Interessa ao narrador registrar, além da tragédia natural provocada pela seca, a opressão social que recai sobre Fabiano.
II. Para não demonstrar seus sentimentos diante da proximidade da desgraça, Fabiano
evita o olhar dos filhos.
III. Fabiano tenta compreender o mundo, mas,
respondendo ao conflito interno, rebela-se
contra o seu destino.
Quais estão corretas?
a) Apenas I.
b) Apenas I e II.
c) Apenas I e III.
d) Apenas II e III.
e) I, II e III.
2. (UFMG-2003) Com base na leitura de Vidas secas, é CORRETO afirmar que,
a) no início, as personagens passam fome e, no
final, sofrem com o frio.
b) no início, predomina a desgraça da seca e, no
final, a desgraça da estação chuvosa.
c) no início, a família está em fuga e, no final, a
mesma situação se repete.
d) no início, a família se encontra íntegra e, no
final, se mostra desfeita.
3. (UFP-2004) Sobre o foco narrativo de Vidas secas, de Graciliano Ramos, é correto afirmar que
a) o narrador onisciente conhece, o tempo todo,
a interioridade de todas as personagens.
b) o narrador onisciente tem acesso à consciência de uma personagem de cada vez.
c) há vários narradores oniscientes contando a
história.
d) há um narrador onisciente contando a história a partir das percepções de uma única personagem.
e) a história é narrada, alternadamente, por
várias personagens.
4. (ITA-1996, adaptada) Leia o excerto seguinte:
Cadeia
[...]
— Como é, camarada? Vamos jogar um
trinta-e-um lá dentro?
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
• 123 •
Fabiano atentou na farda com respeito e guaguejou, procurando as palavras de seu Tomás
da bolandeira:
— Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer.
Enfim, contanto, etc. É conforme.
Levantou-se e caminhou atrás do amarelo,
que era autoridade e mandava. Fabiano sempre
havia obedecido. Tinha muque e substância,
mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia.
Atravessaram a bodega, o corredor, desembocaram numa sala onde vários tipos jogavam
cartas em cima de uma esteira.
— Desafasta, ordenou o polícia. Aqui tem
gente.
Os jogadores apertaram-se, os dois homens
sentaram-se, o soldado amarelo pegou o baralho. Mas com tanta infelicidade que em pouco
tempo se enrascou. Fabiano encalacrou-se também. Sinha Vitória ia danar-se, e com razão.
— Bem feito.
Ergueu-se furioso, saiu da sala, trombudo.
— Espera aí, paisano, gritou o amarelo.
Fabiano, as orelhas ardendo, não se virou.
Foi pedir a seu Inácio os troços que ele havia
guardado, vestiu o gibão, passou as correias
dos alforjes no ombro, ganhou a rua.
[...]
Repetia que era natural quando alguém lhe
deu um empurrão, atirou-o contra o jatobá. A
feira se desmanchava; escurecia; o homem da
iluminação, trepando numa escada, acendia os
lampiões. A estrela papa-ceia branqueou por
cima da torre da igreja; o doutor juiz de direito
foi brilhar na porta da farmácia; o cobrador da
prefeitura passou coxeando, com talões de recibos debaixo do braço; a carroça de lixo rolou na
praça recolhendo cascas de frutas; seu vigário
saiu de casa e abriu o guarda-chuva por causa
do sereno; sinha Rita louceira retirou-se.
Fabiano estremeceu. Chegaria à fazenda
noite fechada. Entretido com o diabo do jogo,
tonto de aguardente, deixara o tempo correr.
[...] Outro empurrão desequilibrou-o. Voltou-se
e viu ali perto o soldado amarelo, que o desafiava, a cara enferrujada, uma ruga na testa.
Mexeu-se para sacudir o chapéu de couro nas
ventas do agressor. Com uma pancada certa do
chapéu de couro, aquele tico de gente ia ao
barro. Olhou as coisas e as pessoas em roda e
moderou a indignação. Na catinga ele às vezes
cantava de galo, mas na rua encolhia-se.
Leia agora as seguintes asserções:
I. Faz parte do romance em que o autor descreve a realidade a partir da visão do sertanejo, associando a psicologia das personagens com as condições naturais e sociais em
que estão inseridos.
ANGLO VESTIBULARES
II. Faz parte da obra São Bernardo, romance
em que o autor questiona o latifúndio e as
relações humanas, associando a psicologia
das personagens com as condições naturais
e sociais em que estão inseridos.
III. Faz parte da obra Vidas secas, romance em
que o autor procurou denunciar a degradação humana decorrente de condições sociais e ecológicas adversas e o processo de
revolução da estrutura social e econômica
da paisagem açucareira do Nordeste, latifundiária e patriarcalista.
Qual(is) asserção(ões) está(ão) correta(s) a propósito da obra em foco?
a) Apenas a I.
b) I e II.
c) Apenas a II.
d) I e III.
e) Apenas a III.
5. No episódio em que se registra a morte de Baleia,
as imagens do delírio da cachorra permitem
dizer que, para ela, a morte seria:
a) um espaço sem limites.
b) um mundo cheio de pessoas diferentes.
c) um lugar sem ação.
d) uma modificação total de seus hábitos.
e) uma prisão.
6. O pensamento dos retirantes se define por sua
incapacidade de estabelecer nexos entre o que
vêem e sentem. Os fatos lhes aparecem como
sendo autônomos e isolados. Essa característica
é amplamente utilizada pelo autor na composição do romance. Qual dos aspectos estilísticos
referidos nas alternativas seguintes não se aplica a Vidas secas?
a) uso de períodos curtos.
b) número bem reduzido de diálogos.
c) estrutura cíclica da narrativa.
d) preferência pela sintaxe de coordenação.
e) uso freqüente de conectivos causais.
7. (ITA-2005) O romance Vidas Secas, de Graciliano
Ramos, publicado em 1938, é um marco da ficção
social brasileira, pois registra de forma bastante
realista a vida miserável de uma família de retirantes que vive no sertão nordestino. A cachorra
Baleia tem um papel especial no livro, pois é
sobretudo na relação dos personagens com esse
animal que podemos perceber que elas não se
desumanizam, apesar de suas condições de vida.
Considerando essa idéia, explique qual a
importância do capítulo “Baleia” no romance.
8. (Fuvest-1993) Vidas secas, reconhecidamente,
compõe-se de capítulos que se constituem em
quadros destacáveis, como se fossem narrativas
autônomas.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
• 124 •
a) O que confere unidade à obra?
b) Qual a relação existente entre o capítulo inicial, “Mudança”", e o final, “Fuga”?
(Vunesp-1996) As questões 9 e 10 têm como
mote o Princípio 3º- da Declaração Universal dos
Direitos da Criança (Assembléia Geral das Nações Unidas, 20/11/1959): “A criança tem direito
a um nome e a uma nacionalidade”. Baseiam-se
no poema-canção Meu guri (1981), de Chico
Buarque e num trecho de Vidas Secas (1938), de
Graciliano Ramos.
Texto 1
Meu Guri
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
não era o momento dele rebentar,
já foi nascendo com cara de fome
e eu não tinha nem nome pra lhe dar.
Como fui levando, não sei lhe explicar
fui assim levando, ele a me levar,
e, na sua meninice, ele um dia me disse
que chegava lá. Olha aí, olha aí...
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri. E ele chega.
Chega suado e veloz do batente
e traz sempre um presente pra me encabular.
Tanta corrente de ouro, seu moço,
que haja pescoço pra enfiar!
Me trouxe uma bolsa, já com tudo dentro,
chave, caderneta, terço e patuá,
um lenço e uma penca de documento
pra finalmente eu me identificar, olha aí...
............................................
Chega estampado, manchete, retrato
com venda nos olhos, legenda e as iniciais.
Eu não entendo essa gente, seu moço.
fazendo alvoroço demais.
O guri no mato acho que tá rindo,
acho que tá lindo de papo pro ar.
Desde o começo eu não disse, seu moço?
Ele disse que chegava lá! Olha aí, olha aí...
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri...
BUARQUE, Chico. Almanaque, CD 510 010-2,
Polygram, 1993.
Texto 2
Mudança
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na
areia do rio seco, a viagem progredira bem três
léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe,
através dos galhos pelados da catinga rala.
ANGLO VESTIBULARES
Arrastaram-se para lá, devagar, sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto
e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio,
cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de
pederneira no ombro. O menino mais velho e a
cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram,
sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
— Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o
pai.
Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou
acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os
olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e
esperou que ele se levantasse. Como isto não
acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado,
praguejando baixo.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas.
64ª- ed. Rio de Janeiro, Record, 1993. p. 9.
9. Comparando-se a charge, Meu guri e o fragmento de Vidas secas, percebe-se que, entre outras afinidades, há uma fundamental: a identidade daquelas crianças. Em vista desse comentário, responda:
a) que afinidades se verificam em relação à nomeação das crianças?
b) Cite e interprete o verso de Chico Buarque que
explicitamente relaciona a questão da miséria
com a da nomeação.
10. O chamado “ciclo nordestino” da moderna ficção brasileira compreende obras inspiradas em
motivos sociais, entre as quais o flagelo das secas. São escritores representativos Rachel de
Queiroz (Ceará, 1910-2003), Graciliano Ramos
(Alagoas, 1892-1953), José Lins do Rego (Paraíba, 1901-1957) e Jorge Amado (Bahia, 1912-).
Vidas secas focaliza uma família de retirantes
que vive uma espécie de mudez introspectiva,
em precárias condições físicas e num estado degradante de condição humana. Mediante essas
observações:
a) demonstre como se revela no texto essa espécie de “silêncio introspectivo” dos personagens.
b) explique, com base em elementos do texto,
por que Vidas secas é considerado um romance regionalista.
RESPOSTAS
1. B
Resolução comentada: A afirmação I ressalta
um aspecto inovador no foco de relato em Vidas
secas: é de 3ª- pessoa, mas diferente do narrador
onisciente tradicional, pois a realidade é apre-
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
sentada pela ótica da personagem que está em
cena, no caso, Fabiano. Assim, por meio da
tragédia instaurada pela seca, revela-se toda a
opressão social e psicológica a que a família
está submetida. Para apontar a correção da afirmação II, basta recuperar o trecho inicial do
segundo parágrafo: o vaqueiro “Virou o rosto
para fugir à curiosidade dos filhos”. Marginalizado e impotente, Fabiano revela uma consciência contraditória, estranha combinação de
passividade e revolta. Chega a elaborar planos,
mas não consegue realizá-los, visto que o próprio mundo lhe cerceia a possibilidade de ação.
2. C
3. B
Resolução comentada: Vidas secas (1938),
único romance de Graciliano Ramos com enunciação em 3ª- pessoa, apresenta um aspecto
inovador para esse foco: a onisciência é prismática, ou seja, o relato é conduzido de tal
forma, que o leitor entra em contato com a realidade, enxergando-a pelo prisma de quem está
em cena. Assim, uma mesma realidade é vista
sob óticas distintas. Isso é possível graças ao
emprego do discurso indireto livre, que dá
ao narrador-observador um posicionamento
discreto: sua “voz” quase se confunde com a das
personagens. No capítulo-quadro “Inverno”, o
leitor “vê” a chuva, guiado pelo olhar de
Fabiano e sinhá Vitória; já em “Fuga”, que
encerra o romance, a retomada da sina de retirantes é focalizada sob a ótica do menino mais
velho. Assim, acumulam-se ângulos de visão
parcial, próprios de cada personagem do romance.
4. A.
Resolução comentada: A asserção I é a única
que configura corretamente o romance Vidas
secas. A II associa o fragmento lido ao romance
São Bernardo, o que é um equívoco. O que se
afirma na III é impertinente, pois a natureza que
se pinta em Vidas secas é a da região árida do
sertão e não a da “paisagem açucareira” do Nordeste, que pertence à chamada Zona da Mata.
5. A.
Resolução comentada: Para Baleia, a morte
representaria a possibilidade de ingressar num
espaço de liberdade e de caça farta, sem limites
para saciar-lhe a fome.
6. E.
Resolução comentada: Todas as outras alternativas apresentam, efetivamente, traços estilísticos pertinentes à obra. O único aspecto estilístico que não condiz com o livro é o uso freqüente de conectivos causais.
• 125 •
ANGLO VESTIBULARES
7. Resolução comentada: O romance Vidas Secas narra a trajetória de uma família de retirantes em sua busca pela sobrevivência. Depois
de muitas dificuldades, eles encontram certa
estabilidade em uma fazenda.
Os capítulos do livro apresentam uma relativa
independência, concentrando-se em episódios
específicos ou em determinadas personagens
da trama. A cadela Baleia é retratada como parte da família, dado que sugere, por si só, a animalização das personagens. Contudo, a morte
da cachorra, narrada no capítulo “Baleia”, suscita reações comprovadoras da humanidade remanescente nas personagens que compõem a
família. Assim, Fabiano sofre ao ser obrigado a
sacrificar o animal doente; Sinha Vitória suporta
a própria dor para amparar os filhos que choram. Tais atitudes demonstram a persistência
de atributos humanos nesta família rebaixada
em sua humanidade pelas condições do meio e
da sociedade.
8. Resolução comentada
a) Três fatores se associam para conferir unidade à narrativa de Vidas secas:
I. A constância dos problemas mais prementes enfrentados pela família, na sucessão dos vários quadros;
II. A proposta implícita de que cada capítulo
focalize prioritariamente uma das figuras
contidas no plano geral da obra, delineado no capítulo 1 (Fabiano, sinha Vitória,
os dois meninos, Baleia);
III. O eixo figurativo e a problemática humana (a fome, a miséria e a necessidade de
fuga) determinam a unidade dramática
dos capítulos como um todo.
b) O que aproxima o capítulo “Mudança”, que
abre o romance, do capítulo “Fuga”, o último
da obra, é a seca. Cíclico, como a seca do Nordeste, o livro se inicia com o caminhar dos
retirantes em busca de um lugar menos castigado pela seca da caatinga. No capítulo de
encerramento, esses retirantes abandonam a
fazenda que lhes serviu de refúgio temporário e procuram outro lugar onde possam
sobreviver. Nada viria a mudar: no anseio de
“mudança” ou de “fuga”, as forças motrizes
que impulsionam as andanças e a vida dos
sertanejos em seu ambiente hostil são a estiagem, a opressão social e a permanente esperança de uma vida melhor.
fundamentalmente as seguintes afinidades:
despersonalização, condição econômica insuficiente e falta de relevância social. Esses
índices vêm representados, no texto 1, por
“guri” e “rebento”; no texto 2, nas passagens
“o filho mais novo”, “menino mais velho”,
“condenado do diabo” e “o pequeno”.
b) O verso de Chico Buarque que explicita tal
questão é “e eu não tinha nem nome pra lhe
dar”. A miséria material é tão absoluta (“não
tinha nem”) que o “guri” é privado até de nome, índice que revela também sua miséria
cultural.
10. Resolução comentada
a) O mutismo introspectivo das personagens de
Vidas secas se manifesta, nesse texto, sobretudo nos três últimos parágrafos. Aí, deveria
haver um diálogo, mas o que há é uma troca
brutal de informações por gestos, e não por
palavras. O menino, em vez de explicar ao pai
que não consegue mais caminhar, senta-se
no chão e põe-se a chorar. O pai, por seu turno, em vez de pedir esclarecimentos, põe-se
a xingá-lo e a espancá-lo. Em seguida, vendo
que sua atitude não produziu efeito no filho,
começa a falar consigo mesmo, esbravejando
contra a paisagem. Esse tipo de diálogo indicia a dificuldade de comunicação reinante no
grupo de retirantes, arquétipo das famílias
pobres do Nordeste.
9. Resolução comentada
a) A ausência de um nome que individualize as
crianças, personagens dos três textos, revela
SISTEMA ANGLO DE ENSINO
• 126 •
b) A literatura regionalista procura descrever a
vida humana num determinado espaço rural,
com destaque para suas particularidades geográficas e sócio-culturais. Há vários indícios
de regionalismo no texto, os quais podem
agrupar-se em dois núcleos: o de alusão à
paisagem e o de alusão ao homem. A paisagem é referida mediante referências à vegetação (“juazeiros”, “galhos pelados da catinga
rala”) e aos acidentes físicos (“areia branca do
rio”). As referências ao homem dominam o
texto, que denuncia uma estreita relação entre indivíduo e paisagem — traço típico do
regionalismo de Graciliano Ramos. Nesse
sentido, o mutismo apontado no item anterior
constitui um dos aspectos mais importantes
de sua literatura, preocupada em analisar a
influência opressiva e limitadora da geografia
e da organização social nordestina no ser humano. Além disso, observa-se no texto o uso
de palavras próprias da linguagem local, como os termos “cambaio” e “aió”. Ao optar por
períodos curtos e coordenados, o narrador,
de certa forma, procura imitar o rudimentarismo psicológico de suas personagens.
ANGLO VESTIBULARES

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