Ações do Império no Velho Chico: A Fundação

Transcrição

Ações do Império no Velho Chico: A Fundação
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
Ações do Império no Velho Chico: A Fundação de
Petrolina, a Navegação no Rio São Francisco e o Projeto de
Transposição de José Bonifácio
Jairo Nogueira Luna (Jayro Luna) - UPE 1
1. Introdução
Nesses anos de início do século XXI, já em sua segunda
década, a questão da transposição da águas do Rio São
Francisco tem levantado questionamentos dos mais exaltados,
notadamente daqueles que se posicionam contra, em razão de
argumentos ecológicos e relativos ao Meio-Ambiente. Não
resta dúvida que a questão ambiental é daquelas de maior
importância na conjuntura sócio-cultural e econômica, como
também, se baliza em ações no âmbito político.
Neste breve escrito, buscaremos demonstrar as ações do
século XIX na época imperial que trataram do Rio São
Francisco, como as expedições de Liais e Halfeld, expedições
que tinham caráter cartográfico e exploratório à luz dos
conhecimentos científicos da época, neste sentido eram
expedições originais, haja vista que as anteriores tinham um
caráter de desbravamento, de domínio sob populações
indígenas, incluindo-se aí a ação jesuítica e de localização de
jazidas minerais ou então eram expedições com objetivos mais
gerais, de conhecimento cartográfico, etnográfico e geológico
do interior do Brasil, não especificamente acerca do Rio São
Francisco, como foram as expedições de Auguste Saint-Hilaire,
Hartt Mawe, Martius e Spix. As nascentes do rio São Francisco
já eram conhecidas, com destaque para a expedição de Auguste
de Sain-Hilaire em 1819-1820, mas não foi seu propósito
seguir pelo rio São Francisco sertão adentro, mas sim, ir na
direção da região de Goiás, o que efetivamente fez.
1
Prof. Dr, Jairo Nogueira Luna, prof. Adjunto da UPE – campus
Garanhuns.
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
208
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
Uma ação que naquela época teve menor impacto, mas
que resultou nos dias de hoje na constituição da maior cidade
às margens do São Francisco é a fundação de Petrolina, e aqui
discutiremos as versões para sua fundação, destacando a ação
do império neste episódio. Por fim, trataremos do projeto de
transposição do Rio São Francisco idealizado por José
Bonifácio de Andrada e Silva, em 1823. Visionário, mas que
serviu, em certo sentido, de motivação para o imperador Dom
Pedro II patrocinar a expedição de Halfeld e analisar as
condições de sua navegabilidade e sua função como rio da
“integração nacional”, título que ainda hoje carrega.
2. As Expedições de Liais e Halfeld.
Emmanuel Liais, eminente astrônomo, matemático e
botânico francês, veio ao Brasil em 1858 para fazer
observações de um eclipse solar, permanecendo no país por
vinte e anos fazendo serviços a pedido do Imperador D. Pedro
II. Em 1865 publicou um livro intitulado Hydrographie du haut
San-Francisco et du rio das Velhas, resultado de uma
expedição realizada por ele em 1862. O objetivo da expedição
na região do Alto São Francisco era definir quais as condições
de navegabilidade tanto no rio São Francisco quanto no seu
principal afluente, o Rio das Velhas. Liais não se preocupou
em fazer o estudo do médio e baixo São Francisco, uma vez
que este estudo já fora feito por Halfeld poucos anos antes.
Liais concluiu que a navegabilidade do rio das Velhas era
melhor do que a do Alto São Francisco, tanto pela
profundidade do rio, quanto pelo volume médio de águas. Liais
defendeu que o Rio das Velhas deveria receber em primeiro
lugar as obras de melhoramento da navegabilidade.
No plano de navegabilidade de Liais, o rio São
Francisco deveria receber obras posteriores às desenvolvidas
no rio das Velhas, mas aconselhava à construção de uma
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
209
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
estrada no baixo São Francisco até a cachoeira de Paulo
Afonso, de modo a vencer a grande cachoeira. No entender de
Liais se formaria um trecho navegável do Rio das Velhas até a
Paulo Afonso com mais de 600 léguas 2 ou aproximadamente
2.800 km. Apontava, ainda, Liais sua preferência pelas obras
de navegabilidade no rio das Velhas precedendo às do Alto São
Francisco que a bacia do rio das Velhas passava por uma
região mais densamente povoada, destacando-se cidades como
Ouro Preto e Sabará. Posteriormente ao estudo de Liais, houve
o estudo de Albuquerque Lima no período de 1881-1882 que
confirmou a exatidão do trabalho de Liais. Só em 1888, vinte e
seis anos a expedição de Liais é que as obras efetivamente
começaram, concluídas parcialmente no final do império, em
1889.
O engenheiro alemão Henrique Guilherme Halfeld
chegou ao Brasil em 1825, fazendo parte do chamado Corpo de
Estrangeiros, formado por Dom Pedro I para realizar uma série
de trabalhos científicos, técnicos e artísticos no Brasil. Já no
Segundo Império, Em 1852 foi encarregado de realizar o
balizamento do rio São Francisco, tendo percorrido e explorado
o rio com seus afluentes desde Pirapora até ao Oceano
Atlântico em um total de mais de 2 mil km, resultando em um
O
extraordinário relatório consultado até os dias atuais 3 .
relatório de Halfeld apresenta um minucioso estudo das
povoações, das atividades econômicas, das condições de
2
A légua imperial, utilizada oficialmente no Brasil durante o império
equivalia a 4.820 metros. Uma medida menor do que a légua terrestre antiga
que era de 6.000 metros.
3
Exemplares raros deste relatório podem ser encontrados em alfarrábios e
antiquários, em geral, por um preço exorbitante. Em 2009 encontrei um
exemplar num famoso “sebo” de São Paulo, que o exibia à porta, como uma
de suas principais raridades, fixando o preço de R$ 2.500 pelo volume. Um
famoso alfarrábio londrino (Bernard Quaritch Ltd, que se orgulha de estar
no ramo desde 1847) pede 16 mil libras pelo volume, ou cerca de 28.500
dólares, algo em torno de 55 mil reais.
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
210
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
navegabilidade e da cartografia do rio São Francisco. Halfeld
considerou o rio plenamente navegável, necessitando poucos
gastos para ajustes o trecho que vai de Pirapora até Juazeiro, o
que chamou de “rio limpo”. Porém, o trecho que vai de Pão de
Açúcar (AL) até Juazeiro considerou que era um trecho de
muitas cachoeiras (entre elas, destacava-se a de Paulo Afonso)
como de difícil solução para a navegação, apontando como
solução de engenharia a construção de um canal paralelo ao rio.
Porém, o elevado custo do canal já fora inclusive apontado
pelo próprio Halfeld em seu relatório.
Em 1859, o imperador D. Pedro II fez uma viagem da
foz do São Francisco até a Cachoeira de Paulo Afonso,
pernoitando em Pão de Açúcar.
D. Pedro II narra em seu diário de viagem como foi sua
estadia: "A vista do Pão de Açúcar é bonita.(...) Cheguei por
volta das 8 ao Pão de Açúcar. Receberam-me com muito
entusiasmo e um anjinho entregou-me a chave da vila.
Defronte desta povoação há uma grande coroa de areia, que me
cansou atravessar e com a luz dos foguetes, que não têm
faltado por todo o rio(…) acordei antes das 5, e pouco depois
das 6 fui dar um passeio pela vila. A matriz é pequena, mas
decente, só tem inteiramente pronta a capela-mor, o resto achase coberto. Há uma bela rua direita longa e muito larga, e outra
perpendicular também direita, porém menos longa e larga. Só
vi uma casa de sobrado, a da Câmara, onde me hospedei." 4
Na visão política do Império a região do Rio São
Francisco estava estrategicamente colocada como o caminho
natural para a integração de um império tão grande e ao mesmo
tempo tão vazio. O rio São Francisco no seu sentido sul-norte,
partindo da região das Gerais, para o qual já existiam estradas
4
Recentemente, completanto 150 anos da viagem do Imperador, foi
instituída a rota turística denominada “Viagem do Imperador” onde turista
pode refazer o percurso, passando pelos famosos cânions do Rio São
Francisco, por Xingó e Piranhas.
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
211
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
até o Rio de Janeiro, desde o século anterior (XVIII) devido ao
escoamento da mineração, e este rio seguindo pelo sertão da
Bahia e depois num sentido Oeste-Leste até o Oceano
Atlântico, relativamente próximo a Recife, era uma estrada
natural para um projeto de integração nacional e
desenvolvimento do interior do Brasil.
As obras realizadas no Rio das Velhas, já no ocaso do
Império apontavam a direção da política do Império referente à
concretização deste projeto.
3. O Rio da Integração Nacional e o Plano de José Bonifácio.
No início do século XIX, José Hipólito da Costa e lodo
depois José Bonifácio defenderam a mudança da capital para o
interior do Brasil, com preferência para a região das nascentes
do Rio São Francisco ou suas vertentes. O argumento de ambos
centrava-se no fato de dizer que a capital do Brasil não podia
ficar no Litoral, região sujeita ao ataque fácil dos navios de
outras nações. Mas ao lado dessa preocupação de estratégia
militar, é bom lembrarmos que tanto José Hipólito da Costa
quanto José Bonifácio eram maçons.
Tomados pela simbologia e pela ritualística maçônica, o
conceito de centro era fundamental para a concepção de
espaço. No centro da Estrela Flamejante – símbolo maçom que
é uma estrela de cinco pontas, pentagramática – está colocado
um “G”, letra significativa no simbolismo maçônico. Outro
símbolo maçônico é o “Selo de Salomão Centrado”, formado
por um hexagrama (estrela de seis pontas, resultado da
intersecção de dois triângulos) com um ponto no centro. Outro
elementos simbólico interessante é a noção de movimento
sinistrocêntrico (movimento circular no sentido anti-horário) e
o movimento dextrocêntrico (movimento circular no sentido
horário). Para a ritualística maçônica considera-se importante
o movimento sinistrocêntrico:
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
212
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
“A giração real do sistema solar é sinistrocêntrica. Por
conseqüência, como a Loja representa o Universo e os
Oficiais, os planetas, parece lógico fazer com que estes
circulem no sentido real. Mas, nesse caso, entramos em
choque com a tradição, que considera todo movimento
sinistrocêntrico maléfico.” (BOCUHER, p. 128)
José Hipólito da Costa num artigo publicado no Jornal
do Brasil, em março de 1813, intitulado Planos de Colonização
e Catequese e Dificuldades do Rio Como Capital escreve:
“(...) um país do interior, central e imediato às
cabeceiras dos grandes rios; edificariam ali uma nova
cidade, começariam por abrir estradas que se dirigissem
a todos os portos do mar e removeriam os obstáculos
naturais que tem os diferentes rios navegáveis (...). Este
ponto central se acha nas cabeceiras do famoso rio de
São Francisco. Em suas vizinhanças estão vertentes de
caudalosos rios, que se dirigem ao norte, ao sul, ao
nordeste e ao sueste (...).”
Em julho de 1816, José Hipólito da Costa retoma o
tema em um artigo no Correio Braziliense. Num texto
intitulado População. Nova Capital do Brasil (Nova capital,
novas estrada e medidas para a criação de povoados) escreve:
“É ordinariamente junto aos rios aonde se acham as
melhores situações para edificar povoações; e um
destacamento de tropas, junto com os trabalhadores na
estrada; e as pequenas datas de terras aos que as
quiserem cultivar, formarão em breve outras tantas
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
213
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
aldeias nos lugares em que se empreenderem tais
obras.”
No mês seguinte, em agosto daquele ano, no artigo
Programa Para o Desenvolvimento do Brasil se lê:
“O distrito das Minas é como uma espécie de
reservatório; aonde nascem rios que se dirigem para
todos os pontos da costa do Brasil; e além das campinas
do rio Doce se encontram braços do rio de S. Francisco;
aonde há situações as mais belas para se edificar a
capital do Brasil; porque dali se pode abrir com
facilidade a navegação interior para todos os pontos das
costas; e estradas diretas, para todas as cidades das
províncias, com iguais distâncias de uma extremidade à
outra do Brasil.”
Assim, para Hipólito da Costa era urgente que o Brasil
construísse uma capital no interior para facilitar o povoamento
das terras, além das necessidades estratégicas de defesa. Neste
mesmo artigo, o autor toma como exemplo de progresso
americano os Estados Unidos, que desde a independência tem
seguido no sentido da interiorização construindo cidades e
estradas.
Em 1821, José Bonifácio já defendia a necessidade da
implantação de uma nova capital no interior do Brasil, e como
José Hipólito, entendia que esta deveria ficar junto a um
importante rio, no caso o São Francisco.
Em 1822, em publicação anônima da Tipografia
Rolandiana, atribuída a José Bonifácio, se lê uma explicação
acerca da necessidade de construção da nova capital no interior
do Brasil, chegando a sugerir o nome de Brasília. Neste texto
se lê:
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
214
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
“A necessidade e a prudência obrigam a adotar-se este
artigo. A necessidade, porque o Brasil somente poderá
ser grande império reunido, e povoado; e eis o que se
consegue com a nova capital. Ela fica 100 léguas com
pouca diferença ao norte, e sul, e quase outras tantas a
leste, e ao oeste 100; ficam por tanto suas relações com
as províncias mais apertadas; comunicável ao Pará,
Maranhão, Rio Grande, e S. Paulo, e mais províncias,
que para o futuro se criarem pelos grandes rios
Paraguay, e Amazonas; à Bahia pelo rio de S. Francisco,
etc. A povoação se concentra no lugar mais fértil do
Reino, entretanto que a Costa será sempre habitada
pelos atrativos do comercio; a capital fica no abrigo de
toda a invasão, em estado de defender e mesmo expulsar
o inimigo, quando se tenha apoderado de alguma cidade
marítima; ao alcance de rechaçar as pretensões dos
vizinhos; o que jamais será possível estando a Capital
em outro qualquer ponto; e em quanto as circunstâncias
não permitirem outras medidas, uma só universidade
nos seus arredores bastará a todas as Províncias. A
prudência: porque este é o único meio de evitar as
rivalidades que se descobrem entre as Províncias.”
Em 1823, na sessão de 9 de junho da Assembléia
Constituinte, o deputado França lê um texto de José Bonifácio
que solicita o projeto de criação da nova capital do Brasil, logo
ao início retoma a denominação da nova capital:
“Parece muito útil, até necessário, que se edifique uma
nova capital do Império no interior do Brasil para
assento da corte, da assembléia legislativa e dos
tribunais superiores, que a Constituição determinar. Esta
capital poderá chamar-se Petrópole ou Brasília.”
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
215
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
Mais adiante no texto começa o questionamento sobre o
local mais adequado para construção da nova capital e define
assim o melhor sítio:
“Os sítios que me parecem mais apropriados são: 1º, as
vizinhanças da confluência do rio das Velhas com o de
S. Francisco; 2º, as vizinhanças em que o rio Preto se
reúne ao de Paracatu; 3º, finalmente, um local qualquer
da península que formam os rios de S. Francisco, do
Ouro e de Paracatu.”
Desse modo, o Rio São Francisco se configurava, tanto
para José Hipólito da Costa, quanto para José Bonifácio o local
ideal para a construção da nova capital, tinham em mente a
facilidade de navegação no sentido norte-sul, a interiorização e
a possibilidade de construção de estradas ligando ao Rio de
Janeiro, além de defenderem também a construção de portos no
Espírito Santo e na região da foz do Rio São Francisco.
Existe um mapa desenhado por José Bonifácio em que
este faz um levantamento dos afluentes do Rio São Francisco e
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
216
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
planeja a localização da nova capital, pode-se perceber a um
canto do mapa um desenho de um círculo dividido em fatias,
simulando uma rosa dos ventos em que se pode ler “Capitania
do Rio São Francisco”, “Capitania da Bahia”, entre outras
coisas. O círculo sugere uma idéia de centralização, ou seja,
que a partir de uma capital no interior as distâncias enormes
entre a atual capital e as grandes províncias do norte e as
províncias do Sul seriam equilibradas e relativizadas.
Os planos destes dois homens só não foram adiante
porque em 1823 Dom Pedro I dissolve a assembléia
constituinte, num golpe. Constava, pois, no projeto da
constituição, o predomínio do poder legislativo sobre o
executivo, o que contrariou profundamente D. Pedro I, já que
tinha ideais absolutistas e centralizadores. Por conta deste fato,
ainda no mesmo ano, em 12 de novembro, o imperador, usando
forças militares, cercou e dissolveu a Assembléia Constituinte
pois não aceitou ter seus poderes limitados. Este episódio ficou
conhecido como a “Noite da Agonia”. Aqueles que reagiram ao
golpe do imperador foram presos e expulsos do país, entre os
quais, José Bonifácio que se exilou na Europa.
Gabriel Pereira de Oliveira em interessante artigo
acerca das origens do projeto de transposição do Rio São
Francisco, escreve:
“Em 1847, o deputado provincial pelo Crato, ‘o Dr.
Marcos Antonio de Macedo, que foi o explorador
competente que nos deu atestados de suas indagações
[...] assegurou, conforme um mappa que levantou e
impremio, a praticabilidade do canal’ 5 , antes apenas
5
JAGUARIBE, Domingos. Contribuição para a canalisação do Rio São
Francisco ao Rio Jaguaribe. Acompanhado do mapa dos estudos feitos pelo
Dr. Tristão F. de Alencar Lima. Bruxelas: Imp. Gustave Fischlin, 1894. p.
10.
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
217
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
idealizado, entre o São Francisco e o Jaguaribe, o qual
se desejava tornar perene. Embora essa proposta já fosse
fala da bem antes, ainda no século XVIII, não havia
ainda estudos técnicos sobre sua execução, sendo esse
um momento importante.” 6
4. Um Adendo: O Nome da Cidade de Petrolina.
A cidade de Petrolina é hoje a maior cidade às margens
do Rio São Francisco, situada num sítio que marca a mudança
de rota do Rio São Francisco, deixando a linha norte-sul e se
configurando na linha oeste-leste, no sentido do Atlântico.
Surgida a partir das atividades missionárias de um capuchinho
italiano chamado Henrique, a pedido do vigário de Boa Vista,
padre Manoel Joaquim da Silva, lança a idéia de construção de
uma capela e a começa em 1858 sob a denominação de capela
de Nossa Senhora Rainha dos Anjos, terminada em 1860,
quando recebe a imagem da padroeira, vinda de Boa Vista.
O nome Petrolina tem sido tratado sob controvérsia.
Diferentes explicações tem sido dadas para a origem do nome,
entre as quais, destacamos:
1) O escritor Santana Padilha deixou escrito em seu livro Pedro
e Lina 7 que o nome da cidade se daria pelo fato de os dois
primeiros moradores se chamarem Pedro e Lina e na ocasião
do seu casamento o Frei Henrique, de sotaque italiano, ao
pronunciar seus nomes fez-se ouvir Petrolina. O mesmo autor
6
OLIVERIA, Gabriel Pereira. Um Império íntegro e moderno: propostas
de canalização do rio São Francisco entre 1847 e 1877. Artigo apresentado
na ANPUH-CE, 2012. Disponível em:
http://www.ce.anpuh.org/1342404043_ARQUIVO_artigo_AnpuhCE.pdf
7
PADILHA, Antônio Santana. Pedro e Lina. Romance, editora
Pernambuco, 242 páginas, 1980.
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
218
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
em Petrolina: No Tempo, No Espaço e Na Vez comenta no
levantamento da história da cidade que um morador se instalara
na rota da cidade de Juazeiro e auxiliava os viajantes no trajeto
de passagem do rio, “Sabe-se que esse morador tinha o nome
de Pedro e que o lugar era conhecido como ‘Passagem’.” 8
2) Outra história menciona a existência de uma pedra linda que
havia na margem do rio, pedreira da qual foi retirada matériaprima para a construção de um dos maiores monumentos
históricos da cidade, a Igreja Catedral. A tal “pedra linda” deu
origem ao nome.
3) Seu nome foi em homenagem ao então Imperador Dom
Pedro II e sua esposa Dona Leolpodina. Originariamente era
denominada "Passagem de Juazeiro", face a localização da
vizinha cidade de Juazeiro, na margem oposta do Rio São
Francisco no Estado da Bahia, sendo ponto de apoio do
desenvolvimento da zona sertaneja do Estado, com vias de
acesso para os Estados do Piauí, Ceará, Bahia, Minas Gerais,
Rio de Janeiro e São Paulo.
Entre as três versões a mais crível, mas nem por isso se
garante a verdadeira é a terceira, sendo a versão que
acreditamos ser a correta. Quanto à primeira versão aqui
apresentada não nos parece razoável supor que o engano do frei
ao celebrar o casamento de Pedro e Lina – personagens a rigor
lendárias, pois não existe comprovação histórica e documental
das mesmas – tenha dito Petro e Lina e que isto tenha servido
de motivo à denominação da cidade. Esta seria a única
explicação para que Pedro se transformasse em Petro, uma vez
que se fosse uma origem popular, não se justificaria a
latinização. Além de uma inconsistência nas datas, uma vez
que o próprio Santana Padilha considera que este Pedro já há
8
PADILHA, Antônio Santana. Petrolina: No Espaço, No Tempo, Na Vez.
Recife, Centro de Estudos de História Municipal FIAM, 1982. p. 21.
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
219
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
muito trabalhava ali em 1799, tendo sido a primeira capela
edificada não por Frei Henrique, mas por Frei Ângelo só em
1817, com a ajuda do morador local chamado Inácio Rodrigues
de Santana. O dito Frei Henrique só após 1841 é que vai
aparecer em cena.
Quanto à segunda versão, a tal pedra linda ainda hoje
tem localização inexata, havendo mesmo argumentos
geológicos para se duvidar da sua existência e de que tenha
servido de material de base para a construção da capela. É mais
provável, dada as condições de construção de capelas na época
que se tenha utilizado diferentes pedras disponíveis no sítio
mais próximo.
A terceira versão é a mais razoável, uma vez que o
imperador fizera uma viagem no Rio São Francisco em 1859
da foz até Pão de Açúcar e esta viagem ficara como um grande
acontecimento que logo entrou no imaginário popular. Flávio
Guerra destaca a importância desta viagem para a política de
desenvolvimento do local:
“Tomou alguma providências, empíricas é verdade, mas
válidas para o tempo, como recomendações para o
desenvolvimento da navegação fluvial, a abertura de
uma estrada de ferro dentro da região, e determinando o
levantamento geográfico da imensa área e seu rio, com a
feitura igualmente de um minucioso Atlas, trabalhos
esses entregues, como já dissemos antes, ao engenheiro
dinamarquês Henrique Guilherme Fernando Halfeld.”
A expedição de Halfeld foi em 1854 e foi a mais
completa viagem exploratória e cartográfica do Rio São
Francisco até então. Em 1868, o engenheiro Carlos Krauss fez
um estudo do Rio São Francisco do porto de Piranhas-AL até a
cachoeira de Sobradinho. Como observa Fernando da Matta
Machado “O governo imperial considerava de alto interesse
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
220
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
colocar a produção agrícola das terras adjacentes ao rio
disponível ao comércio nacional e internacional.”
(MACHADO, p. 57).
Uma análise de lingüística histórica do nome Petrolina
corrobora esta terceira versão.
Primeiramente vejamos a origem do município de
Petrolândia, também margeando o Rio São Francisco. Em
1877, a região recebeu a visita do Imperador D. Pedro II, que
ordenou a construção de um cais e de uma ferrovia que ligava
economicamente o alto e o baixo São Francisco.
Em 1887, a sede do município de Tacaratu é transferida
para o povoado de Jatobá que, mais tarde, seria elevada à
categoria de cidade em 1º de julho de 1909. O município
recebeu a atual denominação em homenagem ao Imperador D.
Pedro II. Nesta viagem de 1877, o imperador Dom Pedro fez
amplo uso da fotografia 9 .
Petrópolis, a capital de verão do império, foi fundada
em 1847. Durante 40 anos Petrópolis ficou sendo por cerca de
cinco meses de cada ano a capital do império. Logo, próximo,
fundou-se Teresópolis em 1891 – já na República, originada
de um povoado que já existia por ali desde 1855, denominação
dada em homenagem à rainha, esposa de Dom Pedro II, Dona
Teresa Cristina.
Lembremos que uma das sugestões de nome dada por
José Hipólito da Costa e posteriormente por José Bonifácio
para uma nova capital do Brasil, no interior, era além de
Brasília, o nome de Petrópole.
Evidentemente, como o projeto não vingou, o nome se
tornou o da capital de verão do segundo império.
9
Dom Pedro II tornou-se o primeiro brasileiro fotógrafo quando adquiriu
uma câmera de daguerreótipo em março de 1840. Criou um laboratório
fotográfico em São Cristóvão e outro de química e física. Ele também
construiu um observatório astronômico no paço.
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
221
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
O nome Petrópolis, sem maiores conhecimentos de
latim, se pode dizer que é “cidade de Pedro”, quanto a
Petrolândia, facilmente se traduz por “terra de Pedro”, quanto a
Petrolina parece derivar de Petro + línea, ou “linha de Pedro”,
ou seja, a cidade ficava na “linha do rio são Francisco”,
fazendo parte, pois, de importante ponto no projeto de
navegabilidade comercial do rio.
O advento da República evidentemente, aos olhos
modernos, foi um avanço em termos de regime político para o
Brasil, porém, nossa capenga república, apesar das virtudes do
regime, abandonou projetos imperiais por considerá-los
inadequados ou por que eles pudessem ainda repercutir a
lembrança do imperador que era muito admirado pelo povo.
Assim, o Rio São Francisco só galgará nova importância
política nos planos governamentais depois de 1950, assim
como a idéia de construção de uma nova capital no interior do
Brasil.
REFERÊNCIAS
BOUCHER, Jules. A Simbólica Maçônica. São Paulo,
Pensamento, 1989.
DOLHINIKOFF, Miriam(org.). José Bonifácio de Andrada e
Silva: Projetos Para o Brasil. São Paulo, Cia. das Letras,
1998.
GUERRA, Flávio. Os Caminhos do São Francisco. Recife,
Secretaria de Estado de Educação e Cultura, 1974.
MACHADO, Fernando da Matta. Navegação do Rio São
Francisco. Rio de Janeiro, Topbooks, 2002.
OLIVERIA, Gabriel Pereira. Um Império íntegro e moderno:
propostas de canalização do rio São Francisco entre 1847 e
1877. Artigo apresentado na ANPUH-CE, 2012. Disponível
em:
http://www.ce.anpuh.org/1342404043_ARQUIVO_artigo_Anp
uhCE.pdf
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
222
Ações do Império no Velho Chico.... Luna
PADILHA, Antônio de Santana. Petrolina: No Tempo, No
Espaço, Na Vez. Recife, Centro de Estudos de História
Municipal / FIAM, 1982.
DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da
Contemporaneidade – N.° 8 – Fev./Mar. - 2013
223

Documentos relacionados