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da revista
HEAD CONTROL SYSTEM · FIELDS OF THE NEPHILIM · JESS FRANCO · CANNABIS
Publicação Independente, Alternativ@ e Consciente! · Distribuição Gratuita · Ano XI · Janeiro ’06
N.º 18
MÉCANOSPHÈRE · BOLT THROWER · LIGHTNING BOLT · IF LUCY FELL
2005
Certamente já notaram que a revista está maior.
Finalmente pudemos concretizar uma ambição
que se tornou numa necessidade e aumentámos
o número de páginas. Isto deu-se por duas razões
fundamentais: por um lado, a aceitação que temos
vindo a ter por parte dos leitores e que se traduz na
procura de espaço publicitário de várias entidades;
por outro, cremos ter uma equipa cada vez mais
versátil e com qualidade suficiente para dar mais e
melhor em cada nova edição. E se vamos aumentar
as páginas, não vamos ter apenas mais do mesmo.
Vamos concretizar outros objectivos antigos, como
ter artigos de cinema, bd e outros trabalhos como o
Amor à Maria.
Mesmo correndo o risco de ser lamechas, queria
prestar aqui homenagem à nossa equipa de
colaboradores, que tem sido inexcedível no seu
esforço e empenho voluntário pelo projecto.
Estendo a homenagem aos nossos leitores/ amigos,
que nos ajudam distribuindo a revista, falando dela
a mais amigos, enviando mails, mensagens de apoio
em fóruns, etc. É convosco que queremos brindar
na nossa festa no dia 27 de Janeiro, n’O Culto, em
Cacilhas (Almada).
Como disse Frank Zappa, falar sobre música é como
dançar sobre arquitectura. Vamos senti-la juntos!
N.º 18
Apartado 1342 · 1009-001 Lisboa
[email protected]
(+351)965 529 235 [JP] · (+351)914 334 924 [RA]
[Selos, cheque/vale postal no nome: J.P.G.D.M. Isabel]
PROMOÇÕES COM CDs OFERTA: VÊ NO SITE!
UNDERWORLD
4
ÍNDICE
Entulho Informativo 18
www.underworldmag.org
Bom/Mau em 2005 5
Fotoreportagem 6
Tattoo & Rock Fest 7
Amor à Maria 8
Head Control System 12
Phobos Anomaly 14
Ava Inferi 15
Bolt Thrower 16
Mécanosphère 18
Fields of the Nephilim 21
Lightning Bolt 24
God Is An Astronaut 26
If Lucy Fell 28
The Toasters 30
Last Exit 31
Melt Banana 32
Autoramas 33
Mitos Urbanos: R.Crumb 34
BD: Jonathan Richman! 35
Zona Crítica: .
Tubo d’Ensaio 37
Entulh’Auditivo 38
Pérolas a Porcos 39
Entulho de Marte 40
Cinema: Jess Franco 44
O DISCO DA MINHA VIDA
THE RESIDENTS
“Third Reich and Roll”
Por: JG Thirlwell [Foetus]
Quinze anos de idade,
vestido descuidadamente
à volta da luz quente do
transistor de rádio,
estranhas vozes emergem
das negras profundezas das
páginas amareladas de velhos jornais, parecendo
Publicações 46
Conto 47
RICARDO AMORIM
Editor Executivo: Joaquim Pedro [JP] ([email protected])
Editor Redactorial: Ricardo Amorim [RA] ([email protected])
Colaboradores: Afonso Cortez [AC]; a.morais; Ana Brasil [AB]; David
Soares [DS]; Luís Oliveira [LO]; Lurker; Marte; Mauamor [Mau]; Miguel
Arsénio [MA]; Nuno Martins [NM]; Pedro Ahmed [PA]; Pedro Nunes [PN];
Ricardo Martins [RM]; Rick Thor; Rodrigo Pereira [RP]
Ilustração: Aleksandar Zograf; André Lemos; João Maio Pinto; Jucifer;
Pedro Zamith; Vanessa Vaz
Contribuiram também: Ana Pereira; Axima Bruta; DJ Goldenshower
[DJGS]; Jorge Orfão; Marcos Farrajota; Marta Mesquita; Pedro Daniel;
Pedro Homero; Pedro Moura; Sílvia Caneco
Revisão Gráfica: a.morais; Marta Jacinto
Logótipo Underworld: Mauamor e Joaquim Pedro
Design/Grafismo: Joaquim Pedro e Mauamor
Web: Gonçalo Pereira; João Cunha
Tiragem: 9000 exemplares
Assinaturas: 4 números = €5,00
Um abraço,
Ricardo Amorim
O nosso ano, a nossa realidade.
ALGUNS PONTOS DE DISTRIBUIÇÃO UNDERWORLD: Porto Casa da Música; Louie Louie;
Rock Music - Instrumentos Musicais; Piranha; Music Shop; Só Música; PortoWeb; Para Sempre Tattoos; Porto Rio; Maus
Hábitos; Heavens Gothic Bar; Spider Tattoos; Jo Jo’s Music; Nosferatu Gothic Store; Vícios Braga Carbono; Centésima
Página; Deslize; Cobra Discos; Vícios Lamego Discoteca Adrenalina Sta. Marta de Penaguião Blind and Lost Music
School Vila Real Fashion Klub; Nostalgia Instrumentos Musicais Aveiro DB Música; Division House; Livraria Navio de
Espelhos; Reticências; d’Orfeu (Águeda); Skinlab Tattoos & Piercings; TNT Tattoos & Piercing Coimbra DarteMusica; bar
Galeria; Mystica Leiria Alquimia; Rastilho Records/ Distro Marinha Grande Centro Cooltural “OVIRUS”; Bar Operário Lisboa
Ananana; Androm Gothic Store, Bad Bones Tattoos & Piercing; Carbono; Crossover Studios (Linda-a-Velha); Dark Doll Gothic
Fashion; Fata Morgana; Queen Of Hearts Tattoos & Piercing; Clockwork Tattoos; Xaranga; La Diabla Tattoos & Piercing;
Atomic Tattoos & Piercing; Symbiose, Bedeteca de Lisboa, Alkimia/Triparte Tattoos & Piercing; bar Souk; bar Boca do Inferno;
bar Tocsin; Galeria ZDB; Mongorhead Comix; Nobre Tattoos & Piercing; Hot Flame Tattoos & Piercing; Neon Recordshop;
Guardians Of Metal; Eith Tattoos & Piercing; Salão Musical de Lisboa Cascais Soul On Skin Tattoos & Piercing; Salamandra
Bar; Mundo da Tattoo; Gearbox; Lotus Klub; RC Tattoos Linha Linha Sintra Bang Bang Tattoos & Piercing; Hard Core Tattoos
& Piercing, Carbono Amadora; Margem Sul Floyd Studios; El Diablo/ Queen of Hearts Tattoos & Piercing (Barreiro); Dark
Fashion; Caroxa Tattoos & Piercing; Bar O Culto; Impact Tattoos & Piercing; Ponto de Encontro (Cacilhas); Rock Lab Bar
(Moita); Rosário Instrumentos Musicais Algarve Bad Bones Tattoos & Piercing; Rock Rarities; Marginália; Lost Sound Records
Açores Poison Tattoo & Piercing (Lajes); Thrash Publishing Madeira Anatomic Tattoo & Body Piercing (Funchal); Bar Reduto
OUTROS DISTRIBUIDORES: Ancient Ceremonies Magazine & Distro; Ataque Sonoro Records; Anti-Corpos D.I.Y.; Division House,
Equilibrium Music/ Procon Media; Floyd Records; Dark Fashion Mail-Order; Associação Chili Com Carne; Associação Portuguesa
de Satanismo; Piranha Mail-Order; Best Times Records; Rastilho Records/ Distro; Zero Work Records; Nemesis Musica; Barroselas
Metal Fest/ Steel Warriors Rebellion... Évora, Viseu, Guarda, Lagos, Loulé, Beja, Porto Santo, Castelo Branco, Vigo... ETC!!
uniformes de Klu Klux Klan. Era o programa de rádio do
Ralph. Foi assim que conheci os The Residents, numa
Austrália culturalmente faminta e geograficamente
isolada, por volta de 1976. Envolvidos em mistério e
mitologia, reprimindo com implosões a explosão cultural
dos anos 60, através da sensibilidade dos teus piores
pesadelos não realizados.
Fixando a mente nos sons que surgem
aos ouvidos. Sem corpo. Satélites
e estalagmites. Espiam-se cientistas.
Era a música que eu sempre quis ter ouvido
mas que jamais fui capaz de articular.
Vários anos mais tarde, David Lynch
apareceu com o filme Eraserhead. Isto
poderia ter sido gerado como uma longa
lombriga de cabeça negra do poro imóvel
dos The Residents. Reminiscência
distorcida através de um espelho que
distorce.
Atonalidades e discórdia.
A palavra “perturbante” vinha
continuamente à mente e era ecstasy
para este jovem rapaz.
Assim o meu trabalho para casa
é o seguinte: faz um favor a ti mesmo
e arranja a reedição de luxo deste álbum
pela Mute Records. Não faças download. Tira
o raio dos teus lábios da teta digital, por
momentos!
Tradução: Ana Pereira
Foto: Fabien Leca
Bom > Crescimento do Under’ e as perspectivas
para 2006 > Nick Cave. The Stooges e Einstürzende
Neubauten em Portugal > Opeth “Ghost Reveries”
> Jarboe “The Men” e a sua passagem por Leiria >
Benfica Campeão. Mau < Xutos & Pontapés (“vou
tirando fotocópias”?!?) < A febre Coldplay < Preço dos
combustíveis < Os prémios MTV em Lisboa < Tops de
final de ano.
RICK THOR
Bom > Um excelente ano de lançamentos no Metal
nacional. O Underground está vivo e de boa saúde.
Algumas coisas estão a mudar para melhor. Lá fora
também não anda nada mal. Os Manilla Road lançaram
FOTO: RICARDO AMORIM
Comecei 2005 com um editorial falando das
mudanças a que o Under’ tinha sido sujeito
aquando da edição do número 15. Por uma simples
questão aritmética – e porque tenho alternado a
autoria deste espaço com o JP –, cabe-me também
a mim iniciar as lides editoriais de 2006, dando-vos
conta das alterações a ter lugar no presente.
AFONSO CORTEZ
Bom > Oneida “The Wedding” > Weird War
“Illuminated by the light” > The Drones “Millers
daughter” > Einstürzende Neubauten no CCB > 50
Cent “The Massacre” Mau < Fim de 91.6 < The Gift <
The DT’s no Barreiro Rocks < The Hives no SuperBock
SuperRock < ___________ (preencher no espaço).
A. MORAIS
Bom > Nevermore “This Godless Endeavor” > Crowbar
“Lifesblood For The Downtrodden” > Opeth “Ghost
Reveries” > The Roots e Nick Cave & The Bad Seeds
(Paredes de Coura) > A organização e especialmente
o cartaz do SBSR > Soraia Chaves n’O Crime do Padre
Amaro. Mau < Benfica campeão < A dolorosa e lenta
morte do stoner (quero os Kyuss de volta) < Beach
Boys no Crato, Bonie-M e Village People no Atlântico <
Transportes públicos em Lisboa < Metalcore (o novo
nu-metal?!)
JOAQUIM PEDRO
Bom > Jarboe no Festival Fade-In em Leiria > Seminário “História da Música Experimental Portuguesa” por Rui
Eduardo Paes > Privar com Magister Boyd Rice e camaradas da APS > Concertos no Hard Club [Laibach, Dio,
Nile, etc.] > Cerveja Біла Ніч (White Night) a la Orange
Revolution. Mau < Pessimismo/derrotismo generalista/
síndrome-da-recessão < Whisky martelado a passar por
Jameson num tasco do Bairro < Simbiose não actuar no
Festival Steelwarrior’s Rebellion por motivos políticos <
Predominância de uma “tribo” em detrimento de outras
no Tattoo & Rock Fest < 2 mortes, 1 acidente, um amigo
que deixou de o ser, e a saudade de muita coisa.
LUÍS OLIVEIRA
Bom > Westbound Train ao vivo no Mercado da Ribeira
(Lx) > Los Fastidios “Siempre on Tour” DVD > 1000
Tattoos - livro (Taschen) > Punk:Attitude DVD - Don Letts
> The Business ao vivo no Anoeta (Vigo) Mau < Faltas
do Luisão na pequena área < Candidatos presidenciais
com mais de 80 anos < Preços dos concertos no Garage
< Crise de vendas de CDs e vinil < Poucas publicações
musicais alternativas nacionais.
LURKER
Bom > Arcturus “Sideshow Symphonies” > ASP “Aus
Der Tiefe” > Opeth “Ghost Reveries” > Primordial “The
Gathering Wilderness” > The Vision Bleak “Carpathia”
Mau < Má organização e fraca afluência ao Festival
Ilha do Ermal < Concerto de Marilyn Manson no SBSR
< Falta de visão dos promotores ao não trazerem mais
tournées a Portugal (várias em 2005 que só se ficaram
por Espanha) < Demolição do mítico Dramático de
Cascais < A imagem apaneleirada e infantil/mimada dos
Metallica no DVD “Some Kind Of Monster”.
MARTE
Bom > Dälek “Absence” > Puppet Mastaz – “Creature
Shock Radio” > General Patton vs The X-Ecutioners >
Why? “Elephant Eyelash” > Portuguese Nightmare, a
tribute to The Misfits. Mau < Não tenho memórias
das coisas más, felizmente consigo esquecê-las com
as coisas boas. Será um exercício redundante e bater
no ceguinho apontar coisas como Xutos & Xutinhos &
DZrt, Davides Fonsecas & Humanos, Fados neo-salazarentos disfarçados de cosmopolitismo, festivais de
Verão e concertos de estádio, airplays comprados &
MTV’s balofas, Blitz decadente, Mondo Chatice, música
de/para telemóveis, e tudo o mais que nos tentam
impingir no dia-a-dia para sermos consumidores felizes.
< Esta ideia dos piores que só nos faz relembrar a Bosta
de 2005 que foi igual em 2004 e será igual em 2006. O
Under sabe fazer melhor!
MAUAMOR
Bom > Festival Barreiro Rocks 2005 > The Black
Lips “Let It Bloom” > Wild Billy Childish and The Buff
Medways “Medway Wheelers” > Heavy Trash “Heavy
Trash” > Messer Chups “Crazy Price” Mau < O
regresso dos ABBA < O Rui Veloso continuar a editar
discos < The Gift < Green Day < Rock geriátrico dos
Xutos & Pontapés.
MIGUEL ARSÉNIO
Bom > Os recorrentes sonhos com a Kelly Osbourne
(nada de maldoso, Mr. Ozzy) > Horas a fio a explorar a
Mula (deixei fugir o Pássaro Azul) > Paredes de Coura
(obrigado, Ritmos. Haja alguém que compreenda as
nossas necessidades…) > Paris Hilton (Também te
amo. É preciso tirar senha?) > Borland (cinco anos da
melhor colheita independente) Mau < Os contornos
ridículos da devoção pelos U2 (informação útil: as
gasolineiras não são parques de campismo) < “Make
Believe” dos Weezer (o disco mais anedótico dos últimos
anos) < A dolorosa e lenta morte do stoner (quero os
verdadeiros Fu Manchu de volta) < O profundo “coma”
Limp Bizkit (vendem-se bonés dos New York Yankees,
chapéus da Kangol e cópias de “Results May Vary” a 5
cêntimos) < Ricardo (andas cego, Scolari).
NUNO MARTINS
Bom > Concerto Iggy Pop & The Stooges (SBSR) >
Concerto Mephista (Jazz em Agosto) > Revista Jazz.PT >
Exposição Big Bang (Centre Pompidou) > Loja Trem Azul
Mau < Programa Musica no Ar (RTP1) <
Desaparecimento da série “Os Sopranos” < Festa MTV
Portugal < Os buracos em Lisboa < Os videos no Metro.
PEDRO NUNES
Bom > Akron/Family “Akron/Family” > Gang Gang
Dance “God’s Money” > Capricorns “Ruder Forms
Survive”.... e muitos outros discos que queria colocar
aqui mas os tiranos da Under’ não deixam. > Angola
vai ao Mundial – Deixem jogar o Mantorras! > O drone
e o noise. Mau < Os ET’s esqueceram-se de invadir
o Planeta Terra < Ainda não foi este ano que o rei
José Cid ganhou juízo e lançou mais um colosso da
musica portuguesa. < Não consegui emigrar < A triste
campanha presidencial, onde o mais lúcido é aquele a
quem chamam de mais louco < O noise e o drone.
um álbum! E estão em grande forma! > O P2P > Bom
porno que saiu em 2005. Como nos outros anos. >
2005 foi um ano com muito sexo, drogas e Metal... pelo
menos para mim! Só que as drogas foram só álcool e
na realidade foi só em quantidades moderadas. Tanto
melhor! Mau < A mistura da extrema-direita com o
Metal e a forma como isso se nota nos sucedâneos
que passam por bares de Metal na capital. Nem tudo
está a mudar para melhor, afinal. < Ainda não há uma
sala decente em Lisboa para se fazerem concertos
com as bandas locais de forma regular e frequente. <
O estado do país, o panorama político, a falta de poder
de compra, o resvalar do pântano para o abismo. < O
futebol. Ainda há quem o veja. < O ano passou. Estou
mais velho. E pior, os anos 80 estão ainda mais longe!
AO VIVO
EM FOCO
FOTOREPORTAGEM
O que se passa enquanto tu ficas em casa!
ROCK & TATTOO
Uma receita que funciona?
Por Ana Brasil
Depois do fracasso dos Tatuadores
FOTO: CARINA MARTINS
Entulho Informativo 18
Mesmo assim, o espaço do Club Lua, na
Os Mata Ratos estiveram ao seu melhor nível, o público intensificou, a organização assegurou, a gente gostou.
doca do Jardim do Tabaco, esteve cheio durante o
último fim-de-semana de Novembro. O barulho das
muitas agulhas a trabalhar em simultâneo, um som
mecânico, agudo e vibrante, que o público interiorizou
depressa enquanto a atenção se perdia pelos vários
trabalhos de tatuagem a ser realizados. “Há visitantes
muito específicos que vêm cá porque sabem que o
seu tatuador está cá. Há pessoas que já vêm com
marcação feita. Outros chegam, vêm os books de cada
profissional, encontram um trabalho de que gostam e
fazem-no. Há muita clientela de ocasião. Alguns vêm
propositadamente para os concertos. Mas nota-se
muita curiosidade também”, explica Emanuel. Num
espectáculo direccionado para um público alternativo
em que se juntam a música e a tatuagem como dois
lados da mesma moeda, o show de fetiche S&M foi
uma curiosidade interessante. Um espectáculo que o
organizador banaliza como algo comum nas convenções
de tatuagem além fronteiras. “Eu acho que este festival
está a ser um exemplo para abrir mentalidades em
muitas questões. Desde implementar a ideia de que é
preciso que os tatuadores saiam do estúdio e mostrem
trabalho, mas mesmo a nível do público e até a nível
de concertos. Na sexta-feira tivemos uma banda
portuguesa histórica, os Mata Ratos, que muitas vezes
as pessoas apelidam de problemática. Nós conseguimos
juntar uma fauna de fãs da banda aqui, num ambiente
de festa”. Notoriamente satisfeito com os resultados
finais, Emanuel diz que este é um espectáculo para
continuar “Se as pessoas que estão cá dentro tiverem
vontade, vamos fazer isto todos os anos”.
25, 26 e 27.11.05, CLUB LUA, LISBOA · FOTO: CARINA MARTINS
4. The Young Gods, 6.10.05, AULA MAGNA, LISBOA · FOTO: NUNO MARTINS
FOTO: CARINA MARTINS
1. Turbonegro, 16.12.05, HARD CLUB, GAIA · FOTO: ANDRÉ SILVA
2. Jarboe, 1.11.05, TEATRO MIGUEL FRANCO, LEIRIA · FOTO: RICARDO ANTÓNIO
3. Fetish Show no Tattoo & Rock Fest,
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Entulho Informativo 18
UNDERWORLD
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UNDERWORLD
de Portugal, uma associação de tatuadores que não
resultou mas que representou um primeiro esforço
de união profissional, e com uma legislação sobre
tatuagem a ser estudada, o Tattoo & Rock Festival
apareceu na altura certa. É um passo certo em direcção
à valorização de um sector que, num país pequeno
como é Portugal, não pára de crescer. “Há aqui
estúdios que me surpreenderam muito. Pessoas de
que nunca tinha ouvido falar e que têm uma qualidade
espectacular. No concurso dos melhores trabalhos
do dia não foi fácil conseguir eleger os três melhores
trabalhos”, afirma Emanuel, um dos organizadores
do festival. “Enquanto houve espaço nós aceitámos
toda a gente. A partir de certa altura já não nos era
possível aceitar mais ninguém. Dos estúdios que nos
contactaram quinze ficaram de fora”. Ausentes ficaram
alguns nomes sonantes. A falta foi sentida mas é
justificada: “Por incompatibilidade de datas, a Bad
Bones está presente apenas com o stand de roupa, a
Bad Luck. Aconteceu o mesmo com a Bang Bang de
Sintra que já tinham uma viagem marcada para outro
sítio e não puderam cá vir”.
Uma crónica mais extensa e ilustrada deste evento
pode ser lida no nosso sítio aqui:
www.underworldmag.org
Castor [para os amigos] já só sabe fazer trabalhos premiados. A comprovar na Queen of Hearts.
VIDAS
Entra-se por um caminho
estreito e lamacento. Segue-se as fitas amarelas
presas nas árvores e encontra-se um garrafão branco:
a marca que identifica o local combinado. O cair da
noite promete auxiliar o secretismo que se pretende.
Numa tenda de circo montada de propósito para o
evento, Paulo é o anfitrião. É a primeira Festa da
Colheita. Auto-cultivadores de todo o país reúnem-se
para trocar dicas sobre as suas plantas preferidas.
Paulo é o proprietário da Loja da Maria. Um
negócio de growshops que começou nas Caldas da
Rainha e já se alastrou para o Porto. “Uma growshop
é uma loja que concentra tudo o que é necessário
para fazer uma planta crescer. Não vendo só a
pessoas que cultivam maria mas também a outras
pessoas que cultivam coisas que nada têm a ver com
droga”. Um negócio de sucesso em Espanha que se
instalou em Portugal em 2003. Hoje em dia existem
no Algarve, Moita, Leiria, Coimbra, Caldas da Rainha,
Porto, Vila Nova de Gaia, Braga, Chaves e Lisboa. No
entanto, uma grande diferença separa as legislações
dos dois países ibéricos: “As lojas portuguesas não
podem ser consideradas verdadeiras growshops para
cultivo de cânhamo, porque não vendemos sementes.
Vendemos apenas sementes para cenouras e tomates
e pimentos mas não para maria”, explica Paulo.
Produccion casera: o Marihuana fácil, El huerto
biológico, Marihuana – Cultivo en interior, são
algumas das obras expostas nas estantes da loja das
Caldas. O pequeno espaço alberga uma multiplicidade
de objectos que vão desde um simples par de meias
até aos vaporizadores mais modernos. Paulo prefere
identificar o espaço como uma loja biológica. Mas a
publicidade que faz em revistas alternativas passa um
conceito diferente ao mostrar uma planta de cannabis.
Paulo justifica: “O que a publicidade diz é «não
compres, planta a tua planta preferida». E a planta da
publicidade era de facto a minha preferida! Agora até
vai ter outro tipo de vegetal, para que as pessoas não
pensem que só servimos quem fuma erva”.
Pablo veio de Espanha há 6 anos para
acompanhar a namorada que veio estudar para
Coimbra. Frequentador de growshops em Espanha,
cedo percebeu que Portugal seria um bom mercado.
Em Junho de 2003 abriu a Cogniscitiva, a growshop
do Bairro Alto. Um espaço que conjuga a venda de
material para auto-cultivo com todo o tipo de produtos
alimentares de origem biológica. No entanto, Pablo é
peremptório ao afirmar: “ninguém vem cá para plantar
tomates”.
Faça você mesmo
Estas lojas são frequentadas sobretudo por quem
pratica o auto-cultivo do cânhamo. Apesar de, em
Portugal, o método mais utilizado para o auto-cultivo
ser no exterior, a chamada plantação de guerrilha,
quem vai a estes espaços procura principalmente
utensílios para cultivar indoor (dentro de casa):
lâmpadas, ventiladores, fertilizantes, temporizadores,
instrumentos de controlo da humidade e da
temperatura. Produtos, na sua maioria, vindos de
Holanda, Inglaterra e até da Índia, segundo os
proprietários das growshops. Dentro de casa, os
espaços escolhidos para o auto-cultivo desta planta
são ilimitados. Tanto pode crescer numa marquise ou
numa sala vazia, como dentro de um armário. “Muitas
pessoas vêm cá e pensam que não têm espaço para
plantar e quando dão por isso estão a plantar debaixo
da cama ou junto da mesa de cabeceira”, afirma o
dono da Loja da Maria. Por uma quantia que varia
entre os 150 e os 250 euros, é possível adquirir o
conjunto necessário para o cultivo indoor que ao fim
de 3 a 4 meses dá origem a uma quantidade que varia
Artes e Técnicas do Cânhamo
Na tenda, o cheiro a erva vai-se tornando cada vez mais
intenso. Dois rapazes vão colocando música nos momentos
em que o gerador não dá o berro. Ouve-se bem alto sons
próximos do reggae e do house. Iluminadas por uma
única lâmpada, cerca de 30 pessoas exploram as
várias maneiras de desfrutar da sua planta preferida.
Ora em cachimbo, ora enrolado com ou sem
tabaco, ora bebido ou vaporizado, a Festa da
Colheita continua já a lua vai alta. Dias antes,
o anfitrião justificava o encontro como uma
forma de organizar a luta: “Vamos reunirnos em privado para discutir a maneira de
não sermos tratados como uns putos que
fumam charros”.
Trocar informações e conselhos
sobre o tratamento a dar às plantas
do Cânhamo
em Portugal
Por Marta Mesquita
Se hoje o cultivo do cânhamo é proibido em
Portugal, durante séculos não o foi. Num apêndice da edição
portuguesa do livro considerado a “Bíblia” dos que defendem a
legalização do consumo e do cultivo da cannabis, O Rei vai Nu,
a ligação de Portugal ao cultivo desta planta é justificada com
vários estudos históricos. No Tratado sobre o Cânhamo publicado
no século XVIII, a plantação de cânhamo-de-cannabis era considerada, desde os tempos da formação do reino de Portugal, umas
das mais importantes e com maior aplicabilidade em diversas
manufacturas. “Além do uso que antigamente se fazia do Canamo
para teas, fios, e cordas, fabricava-se ainda grande quantidade de
obras de grande consumo, como fios, redes, linhas de pescadores,
e laços para caça (…)”.
Mas se a plantação de cânhamo já era importante para a subsistência das populações rurais, com os Descobrimentos ganhou
ainda mais destaque, devido à sua utilização na indústria naval,
sobretudo com o fabrico das velas de navegação. O cultivo desta
planta chegou mesmo a ser taxado em várias zonas do país. Exemplo disso é o regimento que o rei D. João IV enviou para Moncorvo, Coimbra e Santarém: “ [O cultivo de cânhamo é mandatário
quer] as terras sejam minhas, ou de particulares a quem eu as
tenha dado, ou próprias e patrimoniais de quaisquer dos meus
vassalos, ou sejam Duques, Marqueses (…) e Cavaleiros do Hospital de São João e de nosso Jesus Cristo (…)”.
O cultivo de cânhamo-de-cannabis foi até à Revolução Industrial a plantação não alimentar mais importante para a economia
do país. Mas o atraso industrial de Portugal em relação a outros
países e a grande mão-de-obra que a cultura do cânhamo exigia
fez que a sua produção diminuísse. No princípio do século XX, o
cultivo de cânhamo era praticamente inexistente.
Com a II Guerra Mundial, o cultivo da cannabis é reanimado,
devido aos elevados preços praticados então por outros países,
que eram produtores mais competitivos mas que estavam em
guerra. O regente agrícola de Salazar em 1943, Celestino Graça,
defende, na colecção de livros agrícolas, A Terra e o Homem, “as
óptimas condições que em Portugal existem para a cultura do cânhamo” e “os resultados económicos compensadores do trabalho
que a mesma reclama”. Mas com o fim da guerra, os países produtores entram novamente no mercado e a cultura do cânhamo em
Portugal volta a extinguir-se.
Com a crescente difusão da cannabis como uma droga, o
cultivo torna-se ilegal em 1970. Surgem vozes e campanhas anticânhamo. No início da década de 70 vários deputados consideravam a cannabis como “um flagelo capaz de subverter a família, a
Nação e o Estado”. Em Junho de 1972 saem para a rua cartazes
com a mensagem “Drogas-Loucura-Morte”. A geração hippie e a
sua associação a esta planta faz que no Século Ilustrado de 2 de
Junho de 1973, o sociólogo Fernando Pereira escreva: “A droga
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Entulho Informativo 18
UNDERWORLD
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Começaram em 2003 mas já estão disseminadas por todo o país.
Fornecem todo o material necessário para se cultivar
em casa e são uma bandeira contra o tráfico de cannabis.
São as chamadas growshops. Por Ana Brasil*
História
UNDERWORLD
Entulho Informativo 18
O auto-cultivo da cannabis em Portugal
entre os 100 e os 400 gramas de cânhamo por cada metro quadrado
plantado. No espaço europeu, o preço por grama no mercado negro
pode ir de 2 a 14 euros.
É difícil estabelecer o perfil do auto-cultivador. Na loja do Pablo
aparece de tudo: “Vêm cá todas as pessoas, desde bófias ao resto.
Advogados, médicos, putos e pais que vêm com os filhos e que depois
fumam juntos”. Também são diversos os clientes da Loja da Maria:
“Desde pessoas que querem plantar maria a um médico que só usa
ervas para fins terapêuticos. Nesta altura do Natal há até vários pais
que vêm comprar para os filhos. Ele escolhe, a mãe paga e faz aquele
risinho envergonhado: «Bem, pelo, menos agora fico mais descansada
porque sei que ele não anda para aí a comprar na rua»”. No entanto,
para completar o ciclo há um importante elemento em falta. As
sementes obtêm-se facilmente pela Internet ou através de algum
conhecido que também cultive.
As growshops são uma bandeira dos auto-cultivadores contra o
tráfico. Defendem que a proibição da venda de sementes, que entrou
em vigor no Verão de 2003, só veio restringir as opções de quem quer
fugir do mercado negro. Os proprietários das growshops temem que
esta postura possa ser encarada como incentivo ao consumo, que
é punido legalmente. “Não assumimos uma cultura pró-cultivo ou
pró-consumo, mas sim uma manifestação contra as redes de tráfico”,
explica Paulo. Para o proprietário da loja das Caldas da Rainha
comprar na rua significa muitas vezes adquirir um produto de baixa
qualidade: “Comprar uma coisa na rua não tem nada de THC. Aquilo
não é nada, é uma farsa, uma pedra da calçada. Agora, felizmente,
algumas pessoas já estão informadas ou dirigem-se à loja para pedir
informações para não terem de se sujeitar aos traficantes”. O THC
(delta-nove tetrahidrocanabiol) é a substância activa presente na
cannabis que determina a sua potência, ou seja, é o elemento que
altera o estado psicológico de quem o consome.
Amor à Maria [continuação]
eram também alguns dos objectivos dos presentes.
António, nome fictício, veio da Covilhã para realizar um
workshop sobre como enraizar clones (ramo de
uma planta fêmea, a única que se fuma, e
que dá origem a outras plantas) num simples
tupperware. “Basta pintá-lo de preto para
que as raízes não apanhem luz, fazer furos nas
tampas e colocar um clone em cada furo. É o
método mais rápido, mais fácil e mais prático”,
esclarece o orientador do workshop. António já
era consumidor de haxixe e outros derivados
do cânhamo antes de começar a plantar. Há 4
anos decidiu dedicar-se ao cultivo por “uma
questão de qualidade e de saúde. O haxixe
que se encontra nas ruas é muitas vezes
adulterado. Há até quem diga que lhe
adicionam doses mínimas de heroína para
causar dependência”.
Entulho Informativo 18
A caminho da legalização
UNDERWORLD
10
“Acho arriscado estar a dar a cara pela legalização. Afinal
de contas estou a trabalhar para acabar com o negócio de
muita gente”. Nuno Carromeu é o responsável por uma
Federação que no princípio de 2006 se dará a conhecer
como um elemento de pressão pela legalização do cânhamo.
Até essa data, a Federação pretende angariar 20.000 assinaturas, o suficiente não só para iniciar actividades como
para ter direito a um deputado na Assembleia da República
que represente os seus interesses. Um número insignificante
perante aquilo que Nuno Carromeu julga ser a quantidade
real de consumidores. “Portugal tem a mania de tapar o sol
com a peneira. As pessoas nem imaginam o número real de
consumidores. Mas são consumidores fantasma. Pessoas estabelecidas que fazem tudo pela socapa. O que se passa com
o cânhamo é o que se passa com a prostituição: as pessoas
que lá vão hão-de ir sempre e não deixam de lá ir por ser
proibido” (ver caixa 1).
Para mudar o espectro jurídico português em relação
ao cânhamo, a Federação, guiando-se pelo modelo holandês,
pretende que o auto-cultivo seja delimitado por controlo
camarário. O consumo seria proibido a menores e não se
fumaria nos locais públicos, criando-se casas próprias para
o efeito. “Lutar contra o sistema não é fumar charros na via
pública”. Nuno Carromeu aponta o cultivo do cânhamo como
uma produção com história na indústria portuguesa (ver caixa
2) e que com a legalização poderá trazer de novo vantagens
económicas para o país: “Queremos legalizar não só para consumir mas também para dar caminhos certos para as pessoas
criarem novos produtos e novos rumos para as empresas”.
Para o proprietário da Loja da Maria, a Federação pode
ser “um veículo útil no combate à ignorância”. Em plena
Festa da Colheita exemplifica com um caso que lhe é próximo:
é um fenómeno cultural, (…) aparece ligada ao grupo e à festa”.
Em Abril do mesmo ano dá-se o julgamento que ficou conhecido
pelo “novo caso das drogas”, onde entre os arguidos por posse e
consumo de cânhamo estavam várias pessoas conhecidas, como
Eunice Muñoz e João Perry. Depois de condenados, as penas foram quase todas suspensas.
A difusão da cannabis aumenta com os turistas, com a geração hippie e mais tarde com os militares e retornados de África.
Estes últimos tiveram um papel importante na disseminação do
consumo e cultivo da cannabis pelo país inteiro, trazendo liamba
(como é conhecido o cânhamo nas ex-colónias) e sementes da
planta que ganharam o hábito de fumar durante a Guerra Colonial, como refere a Imprensa nos anos que se seguiram à Revolução de Abril. Com este aumento do consumo e do auto-cultivo, em
1976 sai a segunda campanha anti-droga. O Ministério da Justiça
divulga através da RTP imagens da folha de cannabis, cujo aspecto
era então desconhecido para muitos, associada à mensagem: “Se
vir esta planta, destrua-a”. Depois desta campanha foram inúmeras as denúncias feitas, dando origem à destruição de vários
quintais de liamba.
As denúncias fazem que o auto-cultivo diminua drasticamente. É nesta altura que o haxixe marroquino começa a ser introduzido em Portugal e se criam as redes de tráfico. Mas nas décadas
de 80 e 90 é a heroína que passa a ser a droga com mais destaque
e a atenção da sociedade vira-se para esta droga “pesada”. Os
consumidores de erva continuam a existir mas a maior parte não
se assumem, devido à ilegalidade do consumo de cannabis; são os
consumidores-fantasma.
Em 2001, o consumo de drogas ilícitas foi descriminalizado.
Para os compiladores do apêndice d’ O Rei vai Nu, Luís Fontes e
João Carvalho, “ [este] facto não veio alterar grandemente a situação no terreno em relação à cannabis, pois o costume de fumar
charros já era tolerado mesmo em bares e outros locais públicos”.
“Conheço um rapaz que foi apanhado com um grinder no
bolso e a polícia levou-o para a esquadra como se fosse um
toxicodependente. Ele é que teve de explicar ao polícia que
aquilo servia para moer qualquer tipo de erva. Para além
dos prejuízos que teve nesse dia continua à espera que lhe
devolvam o grinder”. António, o orientador do workshop da
Festa da Colheita expressa o desejo comum: ”Aquilo que
quero é ter o direito de ter uma planta em casa e estar à
vontade para fumar quando me apetece”. Mas a liberdade
dos auto cultivadores tem contornos muito definidos.
Cultivar cânhamo é um acto que pode ser considerado
crime a partir do momento em que das plantas se
possam extrair mais de 25 gramas no caso da erva ou
5 gramas no caso do haxixe. Lança-se a pergunta a
António: E se neste momento a polícia aparecesse?
O mestre do cultivo em tupperware responde,
sorridente: “Iria à esquadra responder
pelos 2 ou 3 gramas que tenho no bolso”.
*Trabalho realizado em parceria
com Marta Mesquita e Sílvia Caneco
A mudança de nome de SDR para HCS implicou também uma mudança
no conceito da banda. Existe uma continuidade ou foi uma ruptura total
com o passado?
Existe uma continuidade. A mudança de nome deveu-se à exigência em
forma de ultimato de um grupo de moscovitas amotinados que alegava que
SDRE eram as iniciais da sua sede recreativa e grupo cultural onde praticam
as mais variadas actividades. Além disso ao ver o Kris quase mais empenhado do que eu em todo o processo resolvi dar-lhe a oportunidade de comigo
idealizar um nome com o qual estivéssemos ambos confortáveis. É também
uma forma de dizer “Isto não é o meu projecto, é a nossa banda.” Temos
uma forma muito marital de ver as coisas.
Entulho Informativo 18
Como se desenrola o processo de composição dos temas, pesando a distância física entre os dois membros?
Não se desenrola. Isto é, a distância é irrelevante quando o lado musicalmente criativo é só um. Aquilo que se passou neste álbum foi uma divisão
natural de departamentos de interesse. Eu tratei de tudo o que era música
e moças roliças com seios grandes e bons, ele tratou de toda a área lírica
baseando-se no que apontei como principais conceitos a serem explorados
neste trabalho. Alguns temas acabaram por divergir para o seu próprio
imaginário, o que se revelou interessante e deu um toque mais eclético ao
álbum. Teve também uma parte mais activa e dedicada na área do design,
tendo sido ele o responsável por dez das onze vezes que fizemos o Pedro
Daniel (o nosso designer) chorar. A décima primeira fui eu.
UNDERWORLD
12
HEAD CONTROL SYSTEM
Não se sabendo muito bem como ou
porquê, a notícia de que Daniel Cardoso
(ex-Sirius) estava a trabalhar num projecto
com Kristoffer Rygg (Ulver, ex-Arcturus)
não só nos apanhou de surpresa, como
nos deixou ansiosos por ouvir o resultado.
Head Control System é muito mais do
que um projecto com bons selling points
e tem honras de capa nesta edição do
Under’ que, em antecipação ao lançamento
a 4 de Abril e em exclusivo, apresenta
a entrevista com Daniel Cardoso e uma
viagem guiada por Kristoffer Rygg a
“Murder Nature” – um dos discos mais
aguardados de 2006. Por Ricardo Amorim
Mente Adentro
No Under #11 publicámos a review à demo de estreia dos SinDRomE.
Mais tarde dá-se a mutação para Head Control System. Fala-nos da origem do projecto.
SinDRomE surgiu de um processo de mutação pessoal que culminou num
cenário de inconformismo perante parâmetros previamente estabelecidos
ou aos quais estava invariavelmente ligado. Foi uma espécie de necessidade de mudança aliada à vontade de dar às pessoas mais do que aquilo
de que elas estariam à espera da minha parte. Fico feliz se desiludir umas
quantas tendo em mente, porém, de que serão sempre uma minoria cinzenta e infeliz, com especial apetência para descuidar sistematicamente os
hábitos de higiene. Claramente houve sempre alguma demência presente,
estou longe de me considerar uma pessoa saudável, até porque me alimento da cultura South Park há alguns anos numa base regular.
FOTO: PEDRO DANIEL
Serão esses parâmetros previamente estabelecidos o teu trabalho em
Sirius?
Essencialmente todo o meu envolvimento no meio mais extremo, ou no
Metal se preferirem. São raízes óbvias que não posso renegar. Mas não considero que seja um meio onde me sinta inserido actualmente. Quando as
coisas deixaram de fazer sentido para mim fiz questão de me afastar, mesmo quando o futuro se apresentava algo favorável e refiro-me ao tipo de
posição ou projecção que Sirius começava a ter no mercado internacional.
Compreendo que as pessoas que me conheceram na altura ou que seguiam
o meu trabalho se surpreendam se um dia me virem envolvido por exemplo
num projecto Pop como músico ou produtor. Mas é algo que farei com todo
o gosto se estiver para aí virado. Não pelo dinheiro. Nos dias que correm
eu já ganho dinheiro com a música e felizmente não preciso de outra actividade paralela para viver. Mas por uma questão de satisfação pessoal, se
esta passar por esse tipo de experiência. Se acreditar, ou vir potencial em
algo, não vou deixar de me envolver só porque aos olhos de uma minoria
não é suposto fazê-lo. E, volto a sublinhar, tenho a certeza de que por cada
cem pessoas que desiluda num meio pequeno, são garantidamente mil pessoas que surpreendo pela positiva num meio maior. Com isto não estou a
enaltecer particularmente as minhas qualidades como músico, estou sim a
diminuir o discernimento e a capacidade de avaliação de alguns.
Deixemos o passado e falemos agora da colaboração com o Kristoffer
Rygg. Como é que isso surgiu?
De uma forma tão simples como “Queres trabalhar comigo?” Curiosamente
não o conhecia, embora já tivesse estado três vezes em solo norueguês,
onde conheci toda a espécie de personagens da fauna local tão apreciada
no lado mais negro do nosso burgo. Era quase dado adquirido que ele
estaria demasiado ocupado para sequer atender um telefonema nosso. Estranhamente bastou um e-mail carinhoso para ele ceder à minha sedução,
desprezando veementemente os bons milhares de convites diários que
recebe na secretária. Provavelmente ele identificou-se com todo o conceito, com o meu olhar sonhador, e com as minhas ideias bizarras. Ou então
queria apenas uma desculpa para vir passar uns dias a Portugal a comer
gelados em dias solarengos.
Tentando dar alguma seriedade à entrevista, antes que descambe, falanos do teu trabalho como produtor. Qual foi o teu papel na produção/
masterização deste disco e em que medida a colaboração com o Kris te
ajudou, dada a sua experiência nesse campo.
Desconheço honestamente a sua experiência nesse campo. Sei no entanto
que ele é bom na cozinha. Todo o departamento do som ficou à minha
responsabilidade. Isso inclui obviamente a composição musical, captação,
execução instrumental, produção, mistura, masterização e alguma masturbação nas horas vagas...
Não querendo desvalorizar o teu trabalho, que já foi reconhecido nestas
páginas, ter o Kris no barco deve ter ajudado imenso a arranjar uma
editora capaz de fazer um bom trabalho com este disco.
Com toda a certeza, mas foi mesmo por isso que o convidei. Acho honestamente que se eu tivesse cantado teria feito um trabalho melhor, mas de-
EXCLUSIVO
“Murder Nature”
Antevisão, por Kristoffer Rygg
01. BABY BLUE
Esta música deixava-me completamente acagaçado. Pensei que seria
um passeio pelo parque mas resultou numa canção do Inferno. Não
só é o primeiro tema do disco, como também o primeiro tema em
que comecei a gravar as vozes. Durante o processo, o Daniel estava
constantemente a chatear-me sobre algum detalhe que precisava de
ser alterado. Takes de último minuto foram feitos no sanatório, onde
agora resido. Como podem ver, HCS deixa marcas.
pois só conseguia contratos com majors e lá teria que enriquecer, encherme de luxos e mulheres, ter um caso com a Courtney Cox e ia acabar por me
tornar numa pessoa vazia e fútil. Assim não, sou um artista selectivo, sério,
que trabalha para sub-culturas e como tal tem um mérito extra. Ele (o Kris)
oferece-me este tipo de garantias. Oferece-me mais coisas também (que
podem envolver óleos aromáticos e vídeos de ginástica da Jane Fonda).
Mas isto há-de mudar eventualmente. A futilidade torna-se mais atractiva
aos meus olhos de dia para dia.
Que opinião tens do panorama editorial actual? Achas que se nenhum
de vocês tivesse um background como têm as portas se abririam?
Seria mais complicado. Posso-te dizer que ainda havia pouco mais do que
esboços e já uma independente dos EUA me tinha contactado a fazer perguntas sobre o projecto e a pedir som. Esta inversão do processo foi-nos
extremamente favorável. Estás noutra posição para negociar quando eles te
procuram a ti antes de tu os procurares a eles. E revelou-se crucial na fase
de negociações. Conseguimos condições contratuais que eu nem imaginava
que fossem possíveis. Ambos já ganhámos dinheiro e assegurámo-nos de
que ganharíamos ainda mais no futuro.
E poderemos ver HCS ao vivo? Há planos nesse sentido?
Podem com toda a certeza ver HCS ao vivo, mas não necessariamente nos
palcos. Podem ver-me a ir comprar pão à mercearia. Ou podem ver o Kris a
levar a filha ao pediatra em Oslo. Ou podiam ver-nos ambos no jantar/ festa de Natal da VME na Noruega, que decorreu há umas semanas atrás. Em
relação aos palcos nós recusamo-nos de todo a tocar ao vivo. A não ser que
nos paguem muito dinheiro.
E qual seria o vosso preço?
Sempre algo que ronde aproximadamente dez vezes mais acima daquilo
que nos poderiam pagar.
Para terminar, fala-nos da colaboração que mantiveram com o Pedro
Daniel da Phobos Anomaly.
Foi bilateralmente positiva, suponho. Tenho que dizer que, de todos os
designers debilitados de estereofonia, ele é o melhor. Pronto, de todos os
designers que eu conheço, independentemente de funcionarem em mono
ou em stereo, ele é o melhor. E que belo cabelo tem, não me canso de dizer. O resultado é visível.
[www.headcontrolsystem.com]
06. WATERGATE
Um tributo a W. Mark Felt aka Deep Throat [Garganta Funda]. Ou
seria sobre a controvérsia da Linda Lovelace? De qualquer forma,
este tema é sobre umas merdas que aconteceram em 1972, quatro anos antes de eu nascer, imaginem! Tem um dos riffs mais
groovy de todo o álbum.
02. SKIN FLICK
A canção porno, não tem nada que enganar.
Vá, cantem comigo: “Pretty giiiirls...”
07. NO. SEVEN
Aqui os Sete Pecados Mortais suplantam as Sete Sagradas Virtudes. ”(...) The Lambs of Sion graze on Grace and take Pride in
Faith. They do not care but Lust for Justice from God (…)” e por
aí adiante. E claro que não há cura. Tudo é doentio. Decidimos
que deveria ser a faixa 7, somos mesmo rapazes espertos! A
canção é inteiramente ditada pelo Daniel, com as suas exageradas tendências para o afecto. Uma balada melosa para enfatizar
a componente lírica lame. Eu tê-la-ia destruído se tivesse tido
liberdade criativa para tal. Assim como está, adoro-a.
03. MASTERPIECE [OF ART]
As minhas palavras são desnecessárias, o título diz tudo.
08. KILL ME
Sim, porque não o fazes?
04. BLUNT INSTRUMENTAL
Enviei ao Daniel uma das minhas músicas favoritas, “All I Know Is Tonight”, do grupo norueguês Jagga Jazzist, e ele enviou-me este tema
três ou quatro horas mais tarde. O homem ficou obcecado e fez esta
jazzed fucked up beauty. A minha voz seria supérflua. O futuro de HCS?
09. WONDERWORLD
Desilusão total. Um, dois, três agora vivemos e agora morremos,
vimos e vamos... Que mundo maravilhoso... e que canção maravilhosa!
05. IT HURTS
Há qualquer coisa no fraseamento desta canção que eu gosto muito.
“I love to do it don’t you love me when I do it to you”. S/M – e não é
abreviatura para Scientiae Magister – disfarçada de canção de amor/
fim de relação. Ou vice-versa. Há espelhos por toda a parte.
10. RAPID EYE MOVEMENT
Sonhos de grandeza. A minha favorita. A única coisa de que não
gosto é daquele horrível fuzz vocal.
11. FALLING ON SLEEP
Está a ficar tarde.
23
Phobos
Anomaly
Apesar de ser já por si merecedor
de referência nas nossas
páginas, aproveitámos o timing
da edição de “Murder Nature”
e pedimos ao autor do layout
do álbum que assinasse a nossa
primeira capa de 2006. Claro que
não resistimos a fazer algumas
perguntas ao Pedro Daniel,
mentor da Phobos Anomaly.
Por Ricardo Amorim
Fala-nos das ferramentas de trabalho que utilizas. Depois das ferramentas
principais, que são a cabeça, os olhos e as mãos, utilizo um Apple Macintosh
G5 e um G4, um scanner Epson e impressora Epson. Para captação fotográfica
uso uma Sony digital F818 e uma F727 (para fotos ao vivo). Em termos de
software, é o normal na área: Macromedia, Adobe e algum 3D. É importante
perceber que as ferramentas mecânicas são apenas um veículo para auxiliar
na expressão, e não devem determinar em momento algum o caminho que
essa expressão deve tomar. Um projecto gráfico é feito com 85% de objectividade metodológica (saber o que se pretende desde o início, e qual a melhor
forma de o conseguir) e 15% de subjectividade experimental.
Que nomes poderias citar como influências para o teu trabalho em artwork
musical? Consciente e objectivamente, é difícil falar em influências e, para
ser honesto, acho que a palavra que melhor se adequa será referências. Actualmente grande parte dos artistas gráficos a criar imagem para bandas tem
uma semente do Dave McKean na cabeça. O trabalho dele é incontornável
e pode dizer-se que criou escola. Conhecer o trabalho do Travis Smith, Siro
Enquanto designer profissional e, simultaneamente, um apreciador de música, que opinião tens sobre a ligação entre música e imagem? Achas que as bandas e editoras já começam
a preocupar-se mais com a apresentação das suas edições
ou estas continuam a ser secundárias? Depende das bandas e
depende das editoras. Há uma crescente noção de que a imagem
vende, e quer as bandas quer as editoras sabem que um design
interessante é meio caminho andado para estabelecer o nível do
produto. E claro que em Portugal anda tudo mais devagar…
No meio Metal achas que neste momento existe alguma criatividade nesse campo
ou é tudo reformulações e reciclagem de clichés do género? A criatividade existe,
ou quando muito a vontade de o ser. Penso que muitas vezes são as próprias bandas a
limitar o campo de acção. Acontece-me frequentemente ter reuniões com os músicos,
e a descrição que fazem para o tipo de trabalho que pretendem é o mesmo que já ouvi
nas outras bandas todas. São raras as bandas que pretendem apostar numa abordagem
original, com conceitos visuais inovadores. Nem todos os géneros de Metal são propícios a um design inovador, mas se existir essa vontade por parte dos músicos, não há
limites para o que se pode fazer.
E em Portugal, ainda continuam a ser os “amigos das bandas com algum jeitinho”
a fazer as capas ou já se começa a fazer trabalhos decentes e profissionais?
Creio que ainda se podem observar os dois cenários. Já perdi uma série de trabalhos
que tinham tudo para ser interessantes, porque simplesmente a banda achou que eu
estava a pedir muito dinheiro e preferiram outro “profissional” mais “baratinho”. Não
me considero melhor que outrem para criticar as decisões das pessoas, especialmente
porque no final tudo se resume a questões de gosto pessoal. Há uma série de bons
designers a trabalhar em Portugal, mas também ainda se pensa que fazer uma capa é
misturar meia dúzia de plug-ins do Photoshop numa foto com flash tirada num castelo
em ruínas. Mais uma vez, a questão do cliché e do fácil que se impõe. É a mentalidade
tipicamente portuguesa, no seu pior.
Para terminar, fala-nos do teu papel neste projecto HCS. Eu já tinha trabalhado no
artwork e no site do EP de SinDRomE, “Serious Damage On Reason & Equilibrium”, e
de algum modo estabelecido uma relação de amizade com o Daniel. Quando ele me
informou que o próximo lançamento teria o Kris Rygg na voz, e que gostaria que fosse
eu a desenvolver o grafismo, fiquei obviamente satisfeito, mas com o sentimento de
que muito trabalho duro estaria para vir, o que acabou por se confirmar. Quando o Kris
entrou em cena senti imediatamente que o processo inicial iria ser complicado, uma
vez que a carga de pressão e responsabilidade era maior que o habitual, especialmente
porque os designers da Jester Records já tinham manifestado interesse no projecto. O
primeiro passo para partir o gelo foi uma sessão de fotos improvisada, e um jantar de
choco frito em Setúbal. Creio que a pouco e pouco fomos desenvolvendo um método de
trabalho dinâmico, e o resultado será bastante interessante.
[[email protected]]
AVA INFERI
O Fardo e o Alívio
“Desde 93/94, mesmo antes de haver o
projecto e o nome Ava Inferi, o Rune [guitarrista] tinha
o plano de fazer uma banda deste género.” Começa
Carmen. “Na altura construiu-a com outros elementos,
mas não conseguiu que o projecto tivesse pernas para
andar. Depois de nos termos conhecido, resolveu dar
vida nova à banda.” E conseguiu reunir as condições.
Nada de surpreendente. Não fosse o facto de Rune ser
norueguês e a banda ser completada com elementos
portugueses. “Conhecemo-nos através de amigos em
comum e, através disso, tivemos uma relação. O que faz
com que estejamos mais perto um do outro, partilhemos
certas opiniões e gostos, alguns deles bastante
diferentes e, às vezes, isso faz com que exista uma
química especial para fazer um projecto diferente, pelo
menos aos nossos olhos.” Carmen não esconde emoção
nas suas palavras. “Este projecto é muito profundo
para nós. Tem muito sentimento. Consigo exprimir aqui
muitas coisas que não conseguia antigamente.” O lineup 75% nacional, é de manter? “Os mentores da banda
sou eu e o Rune. A formação que temos agora com o
baixista e o baterista está a funcionar bem.”
“Burdens”
“Fala-nos das coisas negativas que nos podem
acontecer. Às vezes temos que viver com elas quer
queiramos quer não.” Ter um som próprio é importante,
especialmente num projecto que dá os primeiros passos.
Quisemos saber em que se diferencia este de anteriores
trabalhos de Carmen, a imagem de marca dos Aenima.
“Havia uma parte minha que parecia estar adormecida.
Experimentei coisas diferentes daquilo a que estava
habituada. É mais teatral. Exprime muitos sentimentos.
É um trabalho que tem um pouco de tudo. Pode até ser
difícil para as pessoas catalogarem, e isso não queremos
perder.” Outra particularidade é o tema “Vultos”. “A
escolha de ter sido em português partiu de todos. Torna
o trabalho um bocadinho mais nacional. É bom mostrar
lá fora o que se pode criar com a língua portuguesa.”
Uma língua com fonética e musicalidade que nem todos
ousam usar. “É bom ser divulgada. Não direi um álbum
todo em português, mas nunca se sabe.” Normalmente,
é difícil para um artista particularizar, mas Carmen
destaca-nos outro momento especial, “Glimpse of
Sanity”. “É o tema que mais demonstra a diversidade
da nossa música. Tem um pouco de tudo. Loucura,
tristeza, raiva e frustração. Conseguimos englobar tudo
isso numa faixa.” O papel da guitarra é preponderante.
“Queríamos criar contraste entre a voz, que será o lado
angelical ou Ava, com um lado mais negro, a parte dos
instrumentos, Inferi. Uma camada de ambiente que se
pode criar com as guitarras.” Dualidade. “Melancolia...
Um certo lado negro da nossa alma e, às vezes,
também um lado positivo. Deixámos fluir os nossos
sentimentos. É o primeiro álbum, um encontro entre
as tonalidades das pessoas da banda. A capa também
induz sentimentos. “Nuno Roberto [Equilibrium Music]
AVA INFERI
Burdens
CD’06 . Season Of Mist
Ava Inferi é o projecto do casal Carmen Simões
e Rune Eriksen. Juntando-se dois nomes
ligados a estilos musicais tão díspares como
o Black Metal e o Gótico Ambiental, a curiosidade residia em saber como soaria o “filho”
desta união. Como se pode ouvir em Burdens,
saiu claramente à “mãe”: os sons mais calmos e melancólicos imperam, dominados por
um omnipresente trabalho de guitarra do outro
“progenitor”. O que mais surpreende neste
trabalho é ver como Eriksen constrói melodias
tipicamente Doom, arrastadas e emotivas,
radicalmente afastadas do seu trabalho Black
Metal. Existem passagens que soam familiares
(como a abertura do disco, que é tão My Dying
Bride da era The Angel And The Dark River,
que a surpresa é não ouvir o Aaron cantar),
mas o aspecto de destaque do disco é a sua
componente instrumental: bem coadjuvada por
João Ferreira no baixo e João Samora na bateria.
Quanto a Carmen, a sua prestação é um sen-
timento misto, algures entre o habitual registo
doce e triste e o experimentalismo ritualístico teatral (com passagens que soam a Arcturus, por
exemplo). Passa a ideia da tentativa de transmitir a canalização quasi-demencial de uma diva
(ouso invocar nomes como Jarboe ou Diamanda
Galás), mas que nem sempre resulta em termos
de intensidade como desejado (soando mais a
tirou a fotografia e fez a composição. O vestido branco
identifica uma morte, mas não a morte em si, algo
mais espiritual. Um passar para outro estágio, uma
metamorfose. Estes laivos de negritude e vermelho
à volta é tudo aquilo que nos faz passar por essa
metamorfose. Como se fosse o nosso passado e as coisas
que nos fazem sentir mal. Mas nós temos que passar por
essa metamorfose. Significa também Ava Inferi. A luz e
o negro em volta.”
Top Room Studios
Espaço na Noruega com o qual Rune estava
familiarizado de trabalhos anteriores com a sua banda
de Black Metal. Mas ainda assim, nem tudo correu
bem. “Houve muitos problemas no estúdio. Parecia
uma maldição. Aconteceram coisas que dificultaram
o processo. Os computadores crashavam. A mesa de
mistura deixava de funcionar. As guitarras de repente
desafinavam todas. Coisas umas atrás das outras...”
Fora isso, foi um processo normal. “Bateria, baixo,
depois as guitarras. A seguir fui eu para a Noruega
gravar finalmente as vozes. Depois foi feita a mistura.”
Carmen continua. “É um estúdio no meio do bosque. É
bom haver paz para gravar. Foi gratificante.” Tirando a
maldição. “Sim, tirando isso.” [Risos].
Season of Mist
Um dos mais respeitados nomes no que toca a Metal.
Era óbvio perguntar como surge no caminho de Ava
Inferi. Mais óbvia foi a resposta. “Através de Rune.”
O outro projecto que o guitarrista integra tem várias
edições nesta editora. “Demos-lhes a conhecer as
faixas que então tínhamos, eles gostaram e fizemos um
loucura do que génio). Destaque para o recurso
ao português numa das faixas do disco, numa
escolha acertada. Quem volta a acertar em
cheio é a Season Of Mist: depois de um ano de
2005 brilhante, Burdens é uma forma particularmente agradável de arrancar com o novo
ano. Ava Inferi é inquestionavelmente um nome
a reter para o futuro. 3,5 Lurker
contrato. Foi tão simples quanto isto.” O que tem de ser
tem muita força. “Até eles estarem satisfeitos connosco,
nós vamos continuando.”
Na informação oficial da editora não é referido que
os elementos de Ava Inferi têm ou tiveram um papel
relevante noutros projectos. Uma informação que as
editoras não costumam esquecer. Terá sido intencional?
“É importante dar um passo em frente. Não é necessário
estar a dizer que eu pertenci a três diferentes projectos
musicais. Não vejo as coisas desse prisma. Prefiro que
as pessoas saibam de mim agora pelos Ava Inferi e
fazer valer a banda pelo que é agora.” Mas se calhar há
seguidores desses projectos que se vão identificar com
Ava Inferi. “As pessoas não me podem estar a julgar
por aquilo que eu já fiz. Posso ter seguido uma linha
Rock, gótica, seja lá que estilo for, mas o que estou a
fazer agora não é igual. A Carmen agora está a fazer
uma coisa diferente. É isso que eu quero transmitir
às pessoas.” Então não vão haver stickers na caixa do
disco. “Não, não vão.” Confirma Carmen por entre risos.
Continuidade
“Já estamos a trabalhar num segundo álbum. Saiu
agora este, deixámo-lo um bocadinho para trás e já
estamos a pensar em frente.” Produtividade é palavra
de ordem. “Continuar a compor. Estamos confiantes.
No próximo Verão estaremos em fase de gravações,
provavelmente em França. Queremos experimentar um
estúdio diferente.” E concertos? “Por enquanto não
damos. Estamos a pensar em fazer uma tournée depois
do segundo álbum. Na nossa maneira de ver as coisas
só faz sentido fazer uma tour depois de as pessoas
conhecerem o trabalho.”
15
Entulho Informativo 18
UNDERWORLD
14
E como surgiu a Phobos Anomaly? A Phobos nasceu da estreita relação que
mantenho entre duas coisas que me dão imenso prazer: O Design e a Música.
Posso dizer que a PA tomou a sua primeira forma, ainda com outro nome, nos
antigos estúdios de ensaios do Floyd, no Laranjeiro. Foi inclusive ele que me
apresentou aos meus primeiros clientes, e a ele devo esse facto. A partir daí
foram-se estabelecendo contactos, directa ou indirectamente, e as bandas
começaram a pouco e pouco a requisitar o meu trabalho. A PA acaba por ser
um hobby dentro da minha actividade como designer, que habitualmente
não tem nada a ver com música, e esse é o principal motivo pelo qual ainda
mantenho tudo isto.
Como vês a importância da música no teu trabalho?
Como referi atrás, o meu trabalho e a música mantêm uma
estreita relação sinérgica, íntima e indissociável. Embora o design não se possa considerar Arte, é com a Phobos que consigo
pelo menos chegar perto dessa designação. Apesar do layout
para um CD ser essencialmente a cara de um produto comercial
que tem de vender, tem ao mesmo tempo (e sobretudo) de
espelhar o conteúdo artístico criado pelos músicos, e nesse
sentido, acaba por se tornar ela mesma uma forma de Arte.
UNDERWORLD
Entulho Informativo 18
Quando e como começou o teu trabalho como Designer/ Ilustrador?
O Design Gráfico/ Ilustração tem sido a minha actividade profissional a
tempo inteiro desde 1997. Nesse ano terminei a faculdade no IADE (na
vertente de Design Gráfico) e a partir daí tem sido efectivamente o meu diaa-dia. Foi desde o início um percurso com um objectivo definido. Entre 97 e
2001 passei por dois ou três ateliers, e depois passei a regime de freelance,
onde me mantenho até hoje.
Eis outro projecto luso-norueguês,
de titãs, que também nos apanha
de surpresa. “Burdens” é o disco
de estreia acabado de editar
pela francesa Season of Mist.
A vocalista Carmen Simões tomou
um cafezito connosco e fez
da escuridão luz. Por Joaquim Pedro
Anton ou Joachim Luetke é entender a extensão da influência ou
referência do Dave McKean. Não obstante, poderia nomear estes
quatro senhores como as grandes referências neste campo.
seguida. Mas não tocas bem todos os dias, é tão simples quanto isso. Há dias
em que não estás tão bem.
Qual é o vosso método de trabalho? Produzimos fragmentos para aqui ou ali, e
depois eventualmente trabalhamos diariamente durante uns 14, 18 dias.
Conseguem conciliar isso com uma vida profissional “regular”?
Não. Para poder ter este ritmo de trabalho não podemos ter empregos. Por isso
temos que estar forçosamente desempregados. O dinheiro não abunda, mas
temos a liberdade necessária.
Devem ter ficado muitas ideias e até temas completos de todo este tempo de
criação. Sim, deixamos sempre muitas coisas de fora. Temos imensas músicas
completas, apenas sem letras. Muitas estruturas rítmicas e solos. Ficaram umas
10 canções de fora. Mas não temos o hábito de reciclar material antigo, portanto ficará em arquivo. Talvez daqui a uns anos voltemos a ouvir essas coisas e
quem sabe não as possamos vir a utilizar... Mas se não está neste disco também
não estará no próximo.
Em termos de mensagem, Those Once Loyal tem uma abordagem mais realista? Claro. Umas são sobre guerra, outras não. Valores antigos. Lealdade. Honra.
Camaradagem. Provavelmente conceitos que advém da guerra, mas ainda assim
positivos. Continuamos a assumir Bolt Thrower como algo positivo, mesmo cantando sobre algo como a guerra. Alguns temas são apenas histórias de soldados
com quem falamos.
[GUERRA]
Entulho Informativo 18
Têm estado em contacto com veteranos de guerra. Nada é mais realista do
que isso. Sim. Alguns são amigos. Alguns já trabalharam connosco no passado.
Consideras a guerra necessária à evolução da humanidade?
Boa pergunta... Não sei se é por estar tão enraizada na humanidade que é aceitável. Talvez demasiado enraizada na humanidade ao longo dos séculos.
E no espírito humano. Sim.
Vi no vosso website um link para o Poppy Appeal. É um memorial à Royal
Legion, da Primeira Guerra Mundial. Ainda a recordam e há muita gente mais
nova hoje em dia que não quer lembrar essa guerra. Mas no que toca a forças
britânicas já só há quatro sobreviventes. Por isso, dentro de um ano, talvez ano
e meio, ou com a passagem de dois Invernos duros, não restará nenhum sobrevivente vivo. É bom que as pessoas recordem e parem de vender e ver-se livres
dos despojos e tudo o mais que as lembre deles [soldados].
E também recolhem fundos para auxiliar os veteranos de guerra.
Sim, de mais guerras, obviamente.
Lealdade na Batalha
Será que os quase 20 anos que os Bolt
Thrower levam em cima lhes retiraram
ambição? Será que o regresso do vocalista
Karl Willets, após cerca de 10 anos
de ausência, significa que a máquina
de guerra está melhor do que nunca?
Por Joaquim Pedro
Teremos oportunidade de o saber, agora que finalmente se
preparam para actuar pela primeira vez em Portugal [no Festival Steel Warrior’s
Rebellion em Abril] em suporte do seu oitavo álbum Those Once Loyal.
O simpático guitarrista Gavin Ward trocou umas impressões connosco e, entre
outras coisas, ficámos a saber mais sobre a postura íntegra de um dos colectivos que mais respeito merece na história do Death Metal.
Bolt Thrower tem um novo disco cá fora, o Karl acaba de voltar em força, têm já
imensos concertos agendados... São bons tempos para os Bolt Thrower.
São sempre bons tempos para Bolt Thrower, mas sim, claro. Todos nós estamos
com um bom feeling e cheios de vontade de nos fazer à estrada e dar concertos.
Com tantos álbuns, quanto tempo tem a vossa actuação?
Não mais de uma hora e vinte. Não queres maçar as pessoas. E nós temos um
set bastante intenso. Alguns de nós não se importavam de tocar muito mais do
que isso, mas não queremos aborrecer as pessoas.
Que aspectos destacas neste novo trabalho? Obviamente um vocalista diferente. [risos] Aparte disso, no Valour e no Mercenary prendemo-nos muito
nas guitarras e os outros instrumentos sofreram com isso. A produção desta
vez beneficiou os ritmos. A bateria e o baixo estão mais definidos. No Honour,
Valour, Pride por vezes os temas estão um pouco draggy [de arrastar], pois são
demasiado longos. Então encurtámos um pouco os temas. Coisas simples que
fazem a diferença.
Quatro anos é muito tempo para preparar um álbum. Sim, claro. É o mesmo
intervalo que aconteceu entre Victory e Mercenary. E, obviamente, entre Mercenary e Honour, Valour foram três anos. Mas, na verdade, nós planeamos o que fazemos. Tentamos ter uma estratégia de lançamento de dois em dois anos, mas este
disco foi algo diferente. Foi reescrito, escrevemos demasiado, e só quando achámos que tínhamos algo que funcionava como um todo é que o registámos. Só
quando achámos que havia realmente a necessidade de o fazer. Sem pressões.
Então investiram realmente muito tempo a trabalhar o detalhe e todos os
arranjos. Exactamente. Porque fazemos também tudo o resto. O management
da banda, o merchandise e booking de concertos. Leva muito tempo para conseguir fazer tudo como deve ser. Este álbum foi ensaiado durante um mês, fizemos
a pré-produção durante cerca de outro mês e depois gravámos quatro meses de
[DEATH METAL]
Parece que o old-school DM está de volta. Temos os Obituary a regressar da
sepultura, o David Vincent de volta aos Morbid Angel, agora também os Gorefest... Como encaras o Death Metal nos dias de hoje? – Tu que nunca paraste.
[Riso] Para ser sincero nunca me preocupou. Podia perguntar-se porque estão
de volta e não permaneceram em primeiro lugar, mas também podes dizer o
mesmo do Karl [garganta, em Bolt Thrower]. Desde que estejam de volta pelas
razões certas... Se voltaram apenas pelo dinheiro não precisamos deles.
Bolt Thrower influenciou muitas bandas. A maior parte apareceu e desapareceu. Atrevo-me mesmo a dizer que houve uma certa época em meados dos
anos 90 em que muitos projectos tentaram – não sei se conscientemente ou
não – ter o vosso tipo de peso e groove. Mas o som de Bolt Thrower é único.
Sim... Nunca pensei realmente nisso. Nem nós em geral. No fundo, baseia-se
numa coisa muito simples: killer riffs. É muito simples. Não podes ter boas canções sem eles.
Por falar em riffs, muito bons riffs surgem não de origens Metal mas do
Punk. Não concordas? Em parte. Mas mais do Crossover, que tem alguma sujidade mas uma abordagem Metal, permanecendo bastante simples e directo. É
música boa para se tocar e não apenas para se ouvir. Por vezes, compomos riffs
mais técnicos, mas a primeira coisa que fazemos é simplificar a estrutura, reduzindo-a à sua componente base, de modo a que seja melhor para nós tocarmos e
também maior prazer geral ao ouvir. Por vezes, as bandas tecnicistas soam bem
em disco mas ao vivo não são tão boas.
[D.I.Y.]
Mas além do aspecto musical, também há – não lhe chamaria uma questão
ideológica, mesmo que muitos ainda sejam vegetarianos hoje em dia...
[risos] Mas uma abordagem mais despojada de certos valores. Não estar na
cena com uma abordagem tão mercantil, percebes? Sim, sim... Claro.
Bolt Thrower permanece apaixonado. Não vemos isto como um emprego. Não
gostaria. Não sei se sequer o conseguiria. Bolt Thrower é um conceito simples.
Uma ideia. Estás com os teus amigos a tocar a música que gostas. É muito simples até.
Isso é interessante... E até há pouco referias Bolt Thrower como sendo algo
positivo. Não pude deixar de reparar em alguns aspectos da vossa postura,
por exemplo ao ler os vossos comentários na Terrorizer [Magazine britânico]
acerca da política de preços praticada no merchandising, nos bilhetes, e tudo
isso. São preocupações que não vejo muitas bandas ter. Não têm. Mas isso é
naif. Quantas pessoas vão ali estar numa noite gelada fodida à espera de pagar
um preço ridículo para ir a um concerto? E o merchandise, é mais porreiro se
tiveres um preço melhor. Esta recessão sente-se no mundo inteiro. A maior parte
das bandas apenas se preocupa com o que recebe ao final da noite. Mas para nós
conseguirmos impor a nossa política de preços, temos que encher a casa. Se isso
não acontecer... talvez para a próxima o promotor não queira esse preço e prefira
um preço mais elevado como as outras tours. Dá para os dois lados. Mas acho que
é um bom sistema. Se a banda enche a sala todos ficam satisfeitos.
Além de terem uma intervenção mais directa no booking dos vossos concertos, também são vocês quem concebe e vende o merchandising.
Sim, vendemo-lo em concertos e online também. Preferes ir para casa com um
disco debaixo do braço ou com o disco e uma camisola vestida? Nós também. E
com a produção nas nossas mãos os custos são menores e podemos vender a um
preço mais justo para todos. Isso também significa que temos maior controlo
da banda e daquilo que fazemos, e impede outras pessoas de fazerem jogadas
estúpidas ou coisas que nós nunca faríamos. E [com o merchandising] nós não
fazemos merda ou coisas que achamos foleiras. E também é muito simples.
Camisolas, vestuário e pouco mais. Não vamos fazer canecas Bolt Thrower…
[risos] mesmo que consigamos vender um monte delas, seria foleiro [lame], ou
isqueiros ou porta-chaves. Não queremos merdas foleiras.
É então justo dizer que os Bolt Thrower são uma banda Do It Yourself.
Sim... Bastante. Ninguém lixa as nossas coisas. Se alguém lixar alguma coisa
seremos nós próprios, o que provavelmente é melhor. Detestaria ter um manager a fazer jogadas pela minha banda, e não saber realmente tudo o que se
passa. Ser apenas um fantoche... Percebes?
Estão satisfeitos com o trabalho que a Metal Blade tem desenvolvido?
Por vezes as estratégias dos Bolt Thrower colidem com as das editoras, porque
querem fazer algo que incremente a dimensão da banda e há coisas que não
queremos fazer. Mas no que toca a promoção, que foi o motivo principal pelo
qual assinámos pela Metal Blade, tem sido bem feita. Alguma distribuição não é
tão boa, mas no geral as coisas não têm corrido mal. São uma boa editora!
Alguns dos melhores álbuns de Death Metal de todos os tempos – os de Bolt
Thrower inclusive – foram gravados pela Earache Records. Talvez o Those
Once Loyal possa ser visto como um regresso a esses tempos...?
Naaahh… Tempos melhores. E não falo no facto de o álbum ser melhor. São
dias bem melhores porque não estamos na Earache Records. Nem nenhuma das
outras bandas boas. Todos saíram da Earache por boas razões. Tiveram muito
bons discos e agora estão a fazer dinheiro com catálogo antigo, mas no que
toca à editora em si era provavelmente a pior, a mais merdosa. Todas as outras
editoras grandes no nosso tempo começaram quando a Earache já liderava. E
vejam o que aconteceu. É bem melhor estar na Metal Blade por muitas razões.
[www.boltthrower.com]
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Entulho Informativo 18
UNDERWORLD
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8
Lembro-me que no final dos anos 80 as fronteiras entre o Metal e o Punk
não estavam tão definidas como hoje. Haviam muitas pessoas misturadas e
entre mundos. Foi desse forno surgiram alguns grandes como Napalm Death,
ExNxTx, Carcass, e até bandas de Death Metal mais primordial como Malediction (UK) beberam do cálice do Punk. As fronteiras estavam mais difusas,
talvez por não haverem tantas sub-categorias. Muitas bandas tocavam juntas,
então não pensavas nas bandas como Death Metal ou Grind Core, tocavas com/
nelas. Eram apenas pessoas a tocar juntas.
UNDERWORLD
Tendo o conceito da guerra por detrás, maioritariamente, onde recolhem
informação? Em livros, documentos baseados em factos reais e não em filmes,
falamos com soldados, por vezes falamos de eventos a que assistimos repetidamente ao longo da história. Haverá sempre algo a ser dito sobre essa... coisa.
[tom de pesar]
Li algures que tu e o Barry formaram os Bolt Thrower num concerto Punk.
Sim. Talvez não tão inspirados pelas bandas a actuar lá nesse momento, mas
mais a pensar naquilo que gostaríamos de estar a ouvir e a fazer. Gostamos do
Punk pela sua sujidade e agressão, mas precisamos da precisão do Metal. Serão
sempre uma boa mistura. E duplo bombo, que era algo que as bandas Punk não
utilizavam e foi logo o ponto de partida para o nosso baterista.
MÉCANOSPHÈRE
Corte & Costura
Por Ricardo Amorim e Axima Bruta
Lá fomos nós
cheio de potencial, de caminhos possíveis para explorar.
Portanto, a partir da ideia inicial que era no fundo a de
fazer uma colagem caseira e rápida, embarcámos logo
para um processo que acabou por ser muito mais complexo e demorado na sua elaboração do que nos dois
discos anteriores. Teoricamente este seria o nosso disco
menos produzido e acabou por ser o que necessitou
mais trabalho, mais detalhes, mais pessoas envolvidas.
Depois do Lugar Comum, continuámos as gravações e o
trabalho no Porto, com Jonathan Saldanha do colectivo
Soopa como produtor. Há uma ligação muito grande
entre Mécanosphère, e os Soopa e “Limb Shop” reflecte
esta ligação. Alias, Scott Nydegger e os Soopa produziram o álbum “United Scum Soundclash” enquanto os
Mécanosphère andavam em fase de laboração inicial do
principal que é o disco. O palco é uma sequela do disco.
Não tem uma função “musical”. Tem uma função de amplificação e de encarnação. O que fazemos é não privilegiar o disco ou o concerto. Não há um que é subsidiário
do outro. São duas linhas paralelas do nosso trabalho,
da nossa actividade. O concerto para nós, tem uma função “musical” que não é apenas simbólica ou ligada à
“aura” que falta ao disco-artefacto. Seja em disco ou em
palco, reactivamos os nossos truques, o nosso universo
sonoro, os nossos instrumentos e tentamos recriar,
recomeçar o mesmo – em vez de mimetizar formas acabadas que já existem na sua forma terminada, elaborada
dentro dos parâmetros da gravação.
Agora sobre o aspecto editorial da coisa, este novo
disco surge por uma nova editora, a Raging Planet,
depois dos dois discos anteriores terem saído por
duas editoras diferentes. Esperas que as coisas agora
corram melhor?
Eu espero que sim, mas sublinho que as coisas correram
muito bem com a Loop Recordings. Pessoalmente, gostaria imenso de ter uma editora fixa que, e isto talvez
fosse pedir muito, também acompanhasse o nosso ritmo
de produção que, apesar de agora o “Limb Shop” ter
demorado mais tempo do que estava previsto, acaba por
ser de um disco por ano. Esta mudança de editora foi
a Mécanosphère ou a projectos e experiências paralelas que, de uma forma ou de outra voltam ou
se ramificam, esteticamente e na sua abordagem,
a Mécanosphère. Mesmo antes de se formarem os
Mécanosphère actuais. Sou um músico pouco disseminado e tenho apenas uma maneira de tocar, uma
meia dúzia de truques, um kit instrumental reduzido
que uso mais ou menos sempre da mesma maneira e
para sacar dele o mesmo leque de sons, de ritmos e
de orgânica. O meu trabalho é bastante obsessivo e
também é muito simples, linear. E quanto às razões
que me trouxeram cá, são várias, e misturam coisas
pessoais com coisas musicais. Em relação ao Adolfo,
conheci-o cá, em 1998, na altura da Expo’ e de um
festival paralelo chamado Mergulho no Futuro. Na
altura eu estava numa fase um bocado anti-Rock e
muito obcecado com o Mick Harris, e ainda estou.
Scorn foi para mim uma coisa muito central e metade
daquilo que eu faço não é uma influência do Mick
Harris mas é uma espécie de colagem ao contrário,
e uma certa forma de diálogo com ele. Além disto
também falamos muito. Oiço muito o que ele diz; é
uma coisa muito importante para mim talvez porque
o meu primeiro concerto de música electrónica foi de
Scorn, em 1995. Enfim, quando encontrei o Adolfo,
o Rock não me dizia nada. Depois vi os Mão Morta,
projecção permanente de um state of the art, que recentemente foi Brooklyn e Providence, antes Londres, Bristol, Viena, Paris. Não tenho nada contra isso porque, se
queres que te diga, acho que há muito boas bandas em
Portugal mas, respondendo à tua pergunta – e quero
pegar-lhe neste sentido –, falando na cena, mais do
que referir nomes, acho que a cena é muito animada
por uma espécie de mimetismo muito grande. Não diria
que é uma cópia e nem quero entrar naquela retórica do
“todos nós temos influências”, etc, e nem tenho nada
contra isso mas acho estranho esta dinâmica mimética
que ultrapassa a influência. É muito somático. Parece
que há uma anestesia crítica, e portanto criativa, inversamente proporcional a uma postura de “bom alunos”,
o que é estranho. Quando chega ao paradoxo de ser-se
“bom alunos” de estéticas e projectos que nasceram
precisamente do oposto, e que nasceram por sinergias
que são tudo menos miméticas para com os role models
e os padrões estilísticos em voga. Há qualquer coisa de
somático. Da ordem do sonho e do sono ao mesmo tempo. É uma espécie de espelho e, no fundo, acaba por ser
para consumo interno, o que acho muito interessante.
E muito estranho também. Em vez de aproveitar e aprofundar o facto de ser um país, um contexto periférico, e
inventar qualquer coisa a partir desta situação, quer-se
ser americanos. Estranho.
Entulho Informativo 18
ao apartamento de Benjamin Brejon para uma entrevista. Íamos desconfiados
e com medo de levar com uma pedra em cima. Preocupações desnecessárias pois o senhor foi extremamente simpático e comunicativo. Também era época natalícia, o ambiente da casa acolhedor e havia bebida
e nicotina à descrição – que é bem melhor que passas
ou bolo-rei. O novo trabalho dos estéreo-mutantes
Mécanosphère, “Limb shop” sairá com este número
que agora pegam porque, apesar deste país ser fraco
em sinergias, de vez em quando acontecem estas
empatias que permitem quebrar a rotina. Valeu tanto
a pena que acabámos por convidá-los para a primeira
edição das Under’ Sessions, a ocorrer a primeira toma
no já próximo dia 27 de Janeiro n’O Culto.
puxa mesmo pelo Dub. Da mesma forma que o Dub destrói uma faixa mas ao mesmo tempo não estás a destruir
o seu sentido, estás mesmo é a desfigurar o embrulho, a
crosta usual e formal da música por detrás da qual está
o som do som e o sentido do sentido. Por detrás do embrulho sonoro e temporal, a que chamamos canções ou
temas, há um espaço, há uma geologia e uma térmica,
detalhes escondidos no mix. E também há, por vezes,
um sentido, umas quantas narrativas escondidas. O Dub
enlarge details, dá espaço ao residual, dilata o tempo.
A própria postura da voz do Adolfo lá dentro é bastante diferente da dos discos anteriores. A temática das
letras, que aliás são muito poucas, desdobra-se nesta
ideia. O Adolfo é omnipresente em “Limb Shop”. Mesmo
quando estás a ouvir músicas que parecem instrumentais, muitos dos drones, dos sons, é feito a partir da
voz dele, ou a voz dele está lá dentro e sai às vezes. A
voz está sempre lá mas já não tem um discurso. É o fim
de um discurso omnipresente nos dois últimos discos e
que aqui se desfigura, chega a uma espécie de limite de
sentido e passa para o lado do sonho, da reminiscência
em fragmentos e estilhaços. A voz está distorcida e
recortada, mesmo à antiga – como faziam na sound
poetry. Isto é um piscar de olho às experiências que o
pessoal da Fluxus, e também o Burroughs faziam com
tape recorders. As partes mais spoken word, por exemplo
UNDERWORLD
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UNDERWORLD
Entulho Informativo 18
Poucos meses depois de “Bailarina” surge este terceiro trabalho, que conta com a colaboração de Steve
MacKay (The Stooges), entre outros músicos. Fala-nos
do processo que levou a “Limb Shop”.
Logo a seguir ao “Bailarina” já tínhamos a ideia de
fazer este. Da mesma maneira que “Bailarina” foi
concebido e gravado como sequela do primeiro disco
“Mécanosphère”. Ou seja: na urgência de aprofundar,
corrigir e explorar todo o leftover real ou potencial do
disco anterior, no quadro de uma narrativa constante
que une os álbuns e os lives uns aos outros. Cada disco
sendo um novo capítulo baseado na aproveitação do
leftover do anterior. Exploração das entrelinhas, dos
sons, do que não deu para fazer e dizer, para explorar
ou explicitar. A ideia inicial para “Limb Shop” era de
juntar pedaços de sessões em estúdio, fragmentos de
gravações, restos de material não utilizado. Compilar
tudo muito rapidamente e fazer um disco abertamente
residual, “pobre”, experimental, de colagens abruptas,
ruídos, tape-loops e recortes de spoken word. A ideia
amadureceu e precisávamos de um técnico de som para
nos ajudar a compilar isto – e porque talvez fossem
necessárias mais algumas gravações. Fomos com o Joe
Fossard pelas instalações do Lugar Comum, que nos emprestou um espaço. Tocámos durante dez dias e acabámos com muito mais material ainda. Todo um material
novo disco. O “USS” é um disco dadaísta, uma mistura
radical de restos de free Jazz acústico com electrónica,
electroacústica, música para desenhos animados estranhíssimos... Também toca lá o Steve MacKay. Para
sublinhar o elo entre os dois discos, foi o Miguel Cardoso, também dos Soopa, que fez a nossa capa, com
um grafismo próximo do “USS”.
No final de contas, a intenção inicial do álbum não
se perdeu. Só que em vez de ser uma mera colagem
de coisas e restos, explora aquela ideia de “residual”
em profundidade, jogando com múltiplas dimensões e
níveis de escuta, de sentido, possíveis.
E a nível temático, o que nos podes dizer sobre
“Limb Shop”? Existe uma ligação entre essa ideia
de corte e colagem de sons e o conteúdo lírico do
disco?
Exactamente, há uma ligação. Mas eu começaria pela
música. A ideia central do álbum é a desfiguração, a
mutilação, coisas que se desfazem, acidentes, restos
mas também próteses, suturas, máquinas que andam
sozinhas... Contrariamente aos dois discos anteriores,
tentámos criar uma orgânica narrativa que envolvesse
igualmente o texto e a música, fundindo-os numa coisa só. Portanto o conteúdo lírico e o som desdobramse sempre um sobre o outro. Talvez seja um disco que
o segundo tema, tinha um texto inicial que era linear
– a discrição de alguém a quem um bloco de pedra cai
em cima do braço, perdendo os sentidos e depois só tem
um coto ao acordar. Manipulámos aquilo de forma a que
só no fim se perceba o que aconteceu, onde queriam
chegar aquelas sílabas e sons espectrais em forma de
puzzle mental e sonoro. De forma geral a voz no disco
é uma voz desencarnada, ou em constante processo de
desencarnação. Um resto de letra, um resíduo do Rock,
do “cantor”, em via de espectralização.
Indo agora para a forma como se apresentam em palco, não há uma transposição do que se ouve no disco
para o palco?
Não, nunca há uma transposição, que eu chamaria de
analógica ou de geometria euclidear. Ou seja, fazes
um disco e depois vais para o palco ou para tocá-lo
certinho ou para comemorá-lo com o público – que no
Rock talvez funcione assim –, ou seja, há um jogo de
recognição analógico. O próprio disco não tem uma fase
inicial de elaboração de canções, daí que depois não
tem uma fase de transposição das mesmas para o palco.
No universo Pop/Rock a coisa é diferente. Funciona em
três fases que seriam: compor, gravar as composições e,
por fim, a celebração geral daquilo e comemoração em
palco. Neste processo há, de certa forma, um referente
uma coisa completamente pacífica, isto é tudo muito
mais street level do que se possa imaginar. Alias, “Limb
Shop” sai pela mão de uma associação entre editoras:
a Raging Planet e a Base Records.
De fora parece quase uma espécie de estratégia de
disseminação da banda. Uma vez que o mercado em
Portugal é muito reduzido, tentam através de várias
editoras editar com regularidade, o que é um feito!
E a ideia é continuarmos assim mesmo e talvez lançar
uns CD-Rs também entre uma coisa e outra – sub-discos se quiseres. Depois não sei se é propriamente uma
estratégia de disseminação muito consciente. Acho
sobretudo que reflecte o facto de sermos trans-culturais e interessados em qualquer tipo de contexto mais
do que numa hipotética “identidade” sub-cultural fixa.
Não há problema para nós em estarmos associados a
editoras de Rock, de Hip-Hop, música experimental,
conceituada ou não, para gravar um disco a sério ou
para publicar um CD-R em edição limitada…
Fala-nos um pouco sobre o teu background? Sabe-se
pouco sobre ti e de como vieste cá parar ou como
conheceste o Adolfo...
Acerca do meu background, não há grande coisa para
saber. O meu percurso musical é e sempre foi ligado
num concerto que estava praticamente vazio, no
Armazém Abel Pereira da Fonseca. Havia qualquer
coisa que interrogava este folclore do Rock e foi
algo que me bateu. Não era, se quiseres, “tocar
Rock n’Roll”, era “jogar com a retórica do Rock”.
Tocar um instrumento que seria “uma banda de
Rock”. Num segundo grau, irónico sem ser uma
ironia de poseurs pós-modernos tipo post-great
rock and roll swindle em versão glamour-decadente.
Reinvocar um lado cru e ao mesmo tempo grand
guignol. Nunca me tinha passado pela cabeça trabalhar com um vocalista mas lembro-me de dizer à
minha mulher nesse momento que, se alguma vez
tivesse de fazer alguma coisa com um vocalista, era
mesmo com aquele gajo.
Agora uma pergunta que eu não gosto muito de
fazer, mas que se calhar faz algum sentido fazêla a ti por teres vindo de outro país: que opinião
tens sobre a cena portuguesa – se é que se pode
chamar-lhe cena?
Eu acho estranho ver que nós somos mais uma
banda portuguesa do que muitas bandas portuguesas, porque nós estamos cá para estar cá, não
é para sonhar que estamos em Nova Iorque. Há
bandas que estão cá e fazem uma espécie de retro-
MÉCANOSPHÈRE
Limb Shop
CD’06 . Raging Planet/ Base/
Fonoteca de Lisboa
Neste terceiro registo dos industrialitas-dub-mutantes há duas boas notícias:
1) O carisma mediático de Adolfo Luxúria Canibal foi abafado e 2) a música
encontra-se mais solta, fugindo a sete pés do formato quase-que-canção dos
outros registos. A composição deste disco foi baseada na reciclagem e transfiguração das antigas sessões de gravação do álbum anterior e de novas sessões
com todos os músicos que já passaram pelas fileiras mecanosféricas. Como um
monstro de Frankenstein, feito de cadáveres, o disco foi composto na lógica cut
n’paste, embora parta de um texto sobre um indivíduo que sobrevive à queda de
uma rocha. A confusão provocada da composição é igual à confusão da própria
personagem que perde um braço. O resultado pode ser discutido – nunca será
uma obra unânime –, mas se ainda há aqui Dub Industrial, Hip-Hop Noise, free
Rock/Jazz, pelo facto do trabalho ter sido desmembrado a banda ganhou com a
soma dos seus próprios fragmentos – tal como o monstro de Frankenstein era
mais forte do que um humano normal,
não era? Antes havia um fio condutor
de identificação imagética puxado pelos
textos e voz de Adolfo, ao esquartejá-la
perdeu-se a figura pública mas ficou
o talento. Do pós-moderno óbvio dos
primeiros registos passamos agora
para uma dimensão pós-mediática, que
poderá ser um novo ponto de partida
sem “fantasmas canibais” a servirem
de medida de crítica. 4 DJGS
FIELDS
OF
THE
NEPHILIM
Uma introdução para
um artigo sobre uma
instituição incontornável
e um nome que atingiu
estatuto de mito
não é algo leviano.
Dos nomes que
pincelaram com trevas
o Rock dos anos oitenta
[dito gótico] só um
manteve integridade
e coerência.
Carl McCoy não gosta
de entrevistas e muito
menos de mexer no
passado, mas conversou
com o Underworld
sem paranóias e com
pistolas apontadas
ao futuro.
15 anos depois
de uma morte no auge.
Por Joaquim Pedro
“Há um lado negro que tem que ser muito forte.”
Carl McCoy
Ser verdadeiro
“Adoro fazer o que faço e se alguma vez me comprometer de alguma forma, a
magia e a essência não estarão lá.” Em inglês soa melhor, mas há pessoas que
quando o dizem se sente a sua verdade. “Portanto, tenho que me manter fiel
às minhas armas, para conseguir fazer aquilo que faço.” Carl continua, sem
falsas pretensões. “E, em princípio, a coisa desenvolve-se, amadurece, e permite-te enveredar por caminhos diferentes e várias formas daquilo que fazes.
Tem que haver sempre algo a explorar. Mas muitas pessoas são complacentes e
deixam-se forçar, especialmente nesta indústria.”
Estamos em 1990, os Fields of the Nephilim editam Elyzium, o seu terceiro
álbum de originais, e fazem uma digressão mundial para o acompanhar. Nas
teclas está o homem contratado pelos Pink Floyd, e em palco uma banda em
pico de forma, longe da esterilidade. Só que debaixo de uma imagem de perfeição algo desafinava.
“A banda estava a tornar-se bastante conhecida e tive medo que acabássemos por enveredar pelo caminho errado. Acho que alguns membros da banda
estavam a pensar que éramos muito mais especiais do que éramos, e esqueceram-se de onde vínhamos.” Carl McCoy sacrifica então os Fields of the Nephilim
em prol de uma visão que não permitiu que fosse desfocada. “Dispersei o lineup inicial da banda porque eu procurava formas, e eles prendiam-se. Eu não
acho difícil manter a postura, mas torna-se difícil quando há outras pessoas
envolvidas, porque as pessoas perdem completamente o rumo e conspiram.”
A morte no auge merece mais respeito que um empobrecimento gradual.
Ao longo dos anos, assistimos à extinção e mutação dos artistas mais relevantes da era dourada do Dark-Rock/Gothic. “Não diria terem-se vendido...”
– Salvaguardei. “Eu diria.” Clarifica McCoy por entre risos. Mas a dissolução dos
Fields of the Nephilim foi certamente uma decisão difícil, especialmente tendo
em conta todas as agravantes que se lhe seguiram.
O tempo não espera
A resposta à pergunta que tanto se faz – sobre a demora –, não é complicada, mas tem vários contornos. “A principal razão teve a ver com a indústria
musical me foder completamente. Isso mais do que qualquer outra coisa. Impediram-me de trabalhar.” Pode tornar-se dono de nós quem nos amarra com cordas contratuais. Mas há outras partes azedas na história. “Comecei a trabalhar
[já em 1999] com um membro antigo da banda, o Tony [Pettit, baixista], e isso
correu terrivelmente mal. Era apenas trabalho árduo e aborrecido. Depois a editora discográfica [Jungle Records] lançou aquilo sem eu saber. Apenas demos e
coisas... E isso também me tirou algum tempo. Não é inteiramente culpa minha.
Eu não tenciono trabalhar devagar. É este o tipo de coisas que se passam, por
vezes, nos bastidores. É um bocado cliché antigo do Rock n’Roll.”
Fields of the Nephilim [continuação]
Mas voltemos atrás. Ainda há um hiato de 10 anos por compreender. 1991 é
a data de edição do disco duplo ao vivo Earth Inferno, onde uma banda já separada provoca arrepios. A editora permanece a Beggars Banquet e Carl continua a
trabalhar. “Após ter feito Elysium parti para o projecto Zoon.” Para evitar confusões, e também certamente devido a percorrer terrenos musicais mais obscuros
e agressivos (Metal industrial), o projecto assume o nome Nefilim. Estamos em
1996. “Demorou bastante tempo e parti daí directamente para tour. A editora
esteve 100% a meu lado. Deram-me apoio em dispersar a banda em primeiro lugar. Pensaram que era uma boa ideia devido ao que eu ia fazer. Mas o problema
é que eles não compreendiam a cena e o que se passava lá fora.” Zoon passou
algo despercebido. Talvez demasiado à frente para o seu tempo. “Não havia nada
como nós na Beggars Banquet. Era uma vertente mais pesada.” Nefilim passaria
por Portugal em actuação de festival, mas nem os fãs antigos de Fields nem
novos fãs mais extremos aderiram como gostariam devido a mera falta de informação. “Estiveram [a editora] um passo atrás e eu não fiquei nada contente com
isso. Não sabiam o que se passava no mundo. Não foi nada bom para mim e quis
acabar com o contrato. Quis ir para outro lado e eles não deixaram. Puseram-me
na terra do limbo por alguns anos. Esta é a história resumida.”
The Nephilim, Nefilim ou Fields of the Nephilim?
A dada altura surgiu no site da banda o anúncio de que o novo projecto de
Carl McCoy se iria intitular The Nephilim. Mourning Sun é editado com Fields
of The Nephilim na capa. Terá sido um requisito editorial como estratégia de
marketing? “Nunca falei acerca disso com ninguém. Apenas acabou por acontecer assim. Sempre me referi a mim próprio como The Nephilim de qualquer
forma. Tudo o que fiz sempre foi The Nephilim, isso sempre foi o lado mais
Mourning Sun – O Recomeço
“É uma espécie de fim do princípio, suponho. Ou o princípio do fim. [esgar de
humor] Não. É um novo ciclo. É olhar para a frente. Representa como que o
futuro do nosso passado, realmente. É o resultado de tudo aquilo que tenho
vindo a construir até aqui. É, obviamente, um novo capítulo, mas parte do
puzzle.” O processo é agora diferente. Já não há banda. Há uma mente e
acessórios (mecânicos e humanos) que permitem que uma construção tome
forma. “Tenho uma ideia global do resultado final. Os detalhes não são tão
importantes, mas os sentimentos e o que pretendo transmitir. Deixo-me ir ao
encontro disso, umas vezes encontro-me, outras vezes passa-se ao contrário.”
Mourning Sun é um disco que deve ser visto como um todo, não é um
disco de canções. Fields of The Nephilim sempre foi uma banda de ambientes,
mas desta vez Carl levou ainda mais longe este conceito. “Realmente utilizo
muitas camadas, mas é provavelmente a natureza do que sou. Tudo quanto
faço tem estas camadas. Tento não fazer as coisas complicadas mas... podem
ser entendidas dessa forma. Desde que o focus lá esteja é o mais importante.
Normalmente tenho uma boa visualização, imagens na minha mente, e crio o
meu soundtrack indo ao encontro disso.”
Em Mourning Sun podemos ouvir bebés a chorar, pássaros a cantar e um
sem número de outros fragmentos. As gravações foram efectuadas no estúdio
portátil The Ice Cage. “Dei-lhe esse nome devido às letras de um dos meus
temas. É o meu equipamento de estúdio. Basicamente são enormes rack’es
de equipamento que podemos transportar. Por isso, por vezes, levamo-las
para locais interessantes. Maioritariamente para efeitos de som e ambiência.
Gravámos instrumentos e algumas vozes em locais interessantes. Sabes, só
mesmo pelo gozo disso, em vez de estarmos confinados sempre ao mesmo
ambiente de estúdio.”
Sheer Faith é a entidade que continua a assumir responsabilidades no
campo gráfico/visual. “Existe desde o primeiro dia, realmente. Anda de mão
dada com The Nephilim. É um nome que utilizo para o meu artwork. Claro que
mudou e mutou, fiz outras coisas também, mas o propósito principal foi o lado
visual de Fields of the Nephilim. Tudo o que não seja musical é Sheer Faith.”
2006
“Originalmente o álbum Mourning Sun ia ser duplo. Mas achei que seria
demasiado intenso para as pessoas assimilarem de uma só vez. O material
resulta melhor naquela configuração.” Alguns temas ficaram de fora e não irá
demorar tanto até outro disco de Fields of the Nephilim ser editado, prova-
Um bar?!
Já não temos em Portugal apenas o Eddie’s Bar a honrar
um colectivo britânico [os Iron Maiden, no Algarve]. Não
pude deixar de tentar saber as impressões de Carl McCoy
sobre o facto de existir em Portugal um estabelecimento
dedicado a Fields of The Nephilim, Nefilim e derivados.
“Já ouvi falar. Tenho que lá ir um dia. Já lá estiveste?”
A resposta foi dada com um sorriso, e Carl continua com
algum agrado: “Hei-de ir a Portugal. Tenho que checar
esse bar.” E a verdade teve que ser dita: “Tens mesmo.
Não é uma espelunca. É um local muito interessante.
Honra Fields of The Nephilim com
excelente bom gosto em termos de
decoração. Esta lá o chapéu, o chicote, os
álbuns, posters, etc.” McCoy não conteve
o entusiasmo. “Excelente! Excelente...!
Tenho que fazer algumas escavações e
ver se arranjo alguma coisa especial para
dar ao Bar para colocarem lá. É um elogio
porreiro, não é? Alguém dedicar assim um
bar. Vou tentar viajar até lá um dia.”
A lenda, o Homem, e a coisa gótica
Fields of the Nephilim sempre teve um som, imaginário e universo únicos. Sabemos
que as lendas dos Nefilim, Watchers, Elohim, inspiram o misticismo lírico de McCoy,
mas o que ainda intriga muitas pessoas é a espinha dorsal do som de Fields. É difícil colocar em teorema o que toca a alma. “Hhhmmm... De onde surge... De sentimentos, não será? De uma combinação de sons e instrumentos interligados de uma
forma que invoca certas emoções. O resto são pormenores. Tem mais a ver com uma
combinação de ingredientes que criam o todo, e é isso que procuro alcançar. Um
sentimento dentro da composição em si. Penso que tem sido sempre isso que tem
estado em mim. E também uma paixão. O que faço, faço-o a sério. Acredito nisso.
Se és verdadeiro transparece.”
Tentei uma aproximação ao homem por detrás do conceito, e no nosso website
poderá ser lida na íntegra esta conversa. Por agora, Carl é forçado a uma regressão.
“Cresci. Éramos muito jovens quando começámos. Então há muitas coisas nessa altura...” Carl não completa a ideia e dispara: “Não voltaria a esse tempo. Sem dúvida
prefiro ser quem sou agora, com a idade que agora tenho. Quanto mais velho ficas
mais interessantes as coisas se tornam e mais força reúnes. Portanto gosto como é.
Mas no que toca a mudanças, nem sei bem. Passa-se tudo muito rápido...”
Admitirá McCoy a existência de uma “coisa” gótica, uma cena, um movimento,
uma estética...? “Sim, claro que há. Obviamente permitiu-me editar os meus discos
e ter uma espécie de suporte de uma base grande de pessoas... É apenas um termo.
Uma palavra. Sinto que as pessoas e toda a subcultura em si são bastante importantes. Tudo deveria ser inserido no termo Dark-Wave. Expandiu-se também. É uma
cena alternativa. As coisas mudam, os tempos mudam, as categorizações mudam,
mas no que a mim diz respeito é a cena alternativa. Agora também há um lado comercial para isso. O que é algo estranho.”
Será que Carl reconhece ter tido um papel importante nessa cena? “Não sei.
Isso compete às pessoas julgar. Pareço obter essa reacção... Obviamente desempenhámos um papel importante. Estivemos lá no início e se calhar ajudámos a
desenvolver. Fizemos coisas que mais ninguém tinha feito até então. A minha
intenção sempre foi ser realmente verdadeiro. Na altura haviam já algumas bandas
a começar a utilizar determinado tipo de imagem e simbolismo, mas não sabiam
realmente do que se tratava. Então, quando aparecemos, levávamos a coisa muito
a sério. Foram tempos muito interessantes quando começámos na verdade...” Carl
meio pensativo. “Já não me lembro da pergunta.” [risos]
23
Muito da cena, mundo, ou algo assim, gótico actual possui aspectos peculiares.
Como uma imagem forçada, exuberância e pose levadas ao ridículo. Há até uma espécie de culto à inversão das tendências sexuais. Em Fields of the Nephilim a postura
estética sempre foi radicalmente diferente. “O cavaleiro que surge das trevas. A poeira. O nevoeiro e o fumo... Uma profundidade e gloom de abordagem mais realista.
O visual meio século XIX european cowboy, muito distante dessa gayness e glam-gothic
a que assistimos nos dias de hoje. Não concordas?” – Uma abordagem de forma mais
mundana ao mítico cavaleiro. “Sim.” Responde Carl de imediato. “Antes de qualquer
outra coisa, éramos homens. E não estávamos ali para ser parte de nada. Estávamos
muito contra o lado glam das coisas quando começámos nos anos oitenta. Éramos
como que a alternativa a todo esse glam, spandex... desse tipo de abordagem. Éramos o oposto, e sempre temos sido.” A frase seguinte foi proferida num tom impossível de descrever. “Há um lado negro que tem que ser muito forte.” E o resto são
floreados. “Muito do que hoje vejo na cena gótica é uma espécie de retrocesso ao que
se costumava designar por neo-romantismo. Provavelmente há muitas divisões e pessoas sérias no que fazem, mas também muita gente extremamente produzida e pomposa. E o mesmo em relação às bandas, claro.” [www.fields-of-the-nephilim.com]
Entulho Informativo 18
UNDERWORLD
22
Em 1998 houve uma reunião falhada de Fields of the Nephilim. Os irmãos
Wright, guitarrista e baterista da formação de Elyzium, formam Last Rites.
Tony Pettit esteve com McCoy mais um tempo, resultando daí alguns concertos
em 2000 em formação mista com músicos de Nefilim, dois EP’s e um álbum
inacabado editado de qualquer forma. Pettit funda, de seguida, os NFD [Noise
For Destruction], e tanto nesse caso como em Last Rites, a tela é obscura, ambiental, com Rock, industrial e profundidade abissal. “Temos que assumir que
a razão para o falhanço da vossa reunião não foram as típicas divergências musicais.” – Atirei eu à queima-roupa. Carl respira por um momento e responde:
“Oh, não. Do meu ponto de vista foi apenas completamente aborrecido o que
eles estavam a tentar fazer. Eu tinha estado fora e feito o Zoon, que era deveras intenso e extremo. Aprendi bastantes coisas. Então, quando nos reunimos,
foi como regressar aos oitentas. Era apenas... estilo. Não tinha interesse para
mim. Não havia a chama e o espírito... Simplesmente não estava lá. Portanto
era exercício infundado. Do meu ponto de vista, não era pela razão certa.”
Fallen, editado em 2001, com assinatura McCoy/Pettit, é um disco não
autorizado. Uma das frustrações de um dos homens que tingiu de negro o Rock
como o conhecemos. “Trabalhas arduamente em algo e depois alguém vem e
faz-te isso pelas costas. Não é muito bonito. Era suposto estarmos a trabalhar
juntos. Não gosto de pessoas desleais e desonestas. E isso é tudo o que poderei
dizer.” De qualquer forma, Fallen é um disco com canções e ideias demoradamente trabalhadas. Será que veremos um dia este material devidamente
concluído? “Não tenho motivos para voltar atrás... Há algumas canções que não
saíram terminadas na versão em disco e eu depois regravei-as e terminei-as por
frustração. A minha intenção era mesmo terminar e lançar... Mas a dada altura
cheguei à conclusão que não valia a pena e era melhor investir o meu esforço
em algo novo. Talvez haja faixas que mereçam ser ouvidas. Dou-as para qualquer coisa, meto-as de lado, não sei... Não pensei nisso.”
velmente já em 2006, segundo Carl. E quanto a um novo DVD? “Há conversações
sobre material visual também. Mas não quero dizer porque depois sou referido nisso e as pessoas vêm chatear-me. Mas há ideias para 2006, sim.“
Fica ainda a faltar levar Mourning Sun a palco. “Tenho que fazer isso.” Mas Carl
é mais vago no que toca a quem o acompanhará. “Provavelmente será apenas uma
grande bola de fumo sem ninguém lá.” Explode o riso de entrevistador e entrevistado. McCoy não é certamente um Andrew Eldritch, popstar frustrado por não conseguir deixar de ser tomado por gótico. “Tenho pessoas em mente, mas até surgir a
confirmação das datas em que somos capazes de actuar e coisas assim, prefiro não
mencionar. Mas iremos actuar no próximo ano, sem dúvida.”
O que recordará McCoy da sua vinda a Portugal em ‘96 com Nefilim? “O cais.” O
Festival realizou-se na margem do Tejo. “Partilhámos o hotel com todos os tipos de
pessoas estranhas e maravilhosas. O concerto foi interessante porque haviam todos
os tipos de nomes no cartaz. A reacção do público foi boa. Estavam realmente satisfeitos por nos ver. Isso fez-me sentir bem. Actuámos de dia, se bem me lembro.
Isso foi muito estranho.” Os Moonspell estariam lá também e, na altura, colocou-se
a hipótese de actuarem juntos. Agora acabam de assinar contrato pela mesma editora. Haverá hipótese de uma tour conjunta? “É muito cedo para dizer. Vou deixar
isso com a agência. Eles são bons a conjugar calendários no que toca a concertos.
A editora talvez sugira isso, não sei. Vamos ver o que nos propõem. Não sei ainda o
que será. Não estou favorável a tudo o que me sugiram, mas se for algo positivo...”
UNDERWORLD
Entulho Informativo 18
Tentar e dispersar
importante. Mas não sei... não houve um esforço consciente em fazer isso.
Além do facto de uma editora ter posto cá fora um disco com o nome Fields
of The Nephilim [Fallen, em 2001], o que foi bastante incorrecto. Talvez a
nossa [actual] editora também tenha achado importante dar uma boa face
ao nome, novamente... Não sei... mas não quero saber.” A nova editora da
banda é a mesma dos portugueses Moonspell e dos nova-iorquinos Type O
Negative, a alemã SPV.
“A ideia original de mudar de nome [para Nefilim] foi demonstrar que eu
estava a fazer uma coisa bastante diferente de Elysium. Envolvi-me com outros músicos. Era uma abordagem diferente e acabei por me esvanecer perante o meu público.” Zoon foi editado cerca de 5 anos após Elysium. “Não quis
estar a vender o Zoon através da banda Fields of the Nephilim. Foi apenas por
uma questão de justiça. Foi justo para com o público. Mas não foi realmente
justo para mim porque olho para trás e penso: porque é que fiz aquilo? Devia
ter saído com o nome Fields of the Nephilim ou The Nephilim de qualquer
forma! O álbum [The] Nephilim e o álbum Elysium eram muito diferentes um
do outro. O álbum Zoon é muito diferente do Elysium. Zoon foi a resposta ao
Elysium. E agora Mourning Sun contém uma colecta de tudo o que fiz.”
Quanto à opção pela SPV, eis o que Carl tem a dizer: “Sempre fomos
licenciados por eles. Durante anos. Eu sempre me entendi bem com a empresa. Eles vieram ver-me, fizeram-me uma boa oferta. “Tens total liberdade. Faz
o que quiseres, Carl. Leva o tempo que queiras. Fá-lo à tua maneira.” Tinham
mesmo entusiasmo em que eu fizesse parte da equipa. Então foi porreiro. Foi
uma jogada óbvia na verdade.”
LIGHTNING BOLT
entre si. Foram gravados em estúdios de qualidades diversas e todos pintam um
retrato diferente da banda, mas o Dave é flexível e está sempre à altura do desafio
(volume, abordagem e temperamento que lhe apresentamos). Além disso, ele
persegue-nos por todo o lado. Não conseguimos evitá-lo!
A mimese contra-natura
Partilha connosco alguns detalhes relativos a títulos provisórios como “Scribblemania 2” e “Frenzy” [ambos referentes a “Hypermagic Mountain”].
São da vossa autoria? Ou constituem apenas termos aleatórios para “trabalho
em progresso”? “Scribblemania 2” provém do uso que a cultura pop faz do termo
“mania” (seja “wrestlemania” ou outra palavra qualquer). “Triple Mania 2” é o
título de um disco de Crash Worship (uma das minhas bandas favoritas), mas nem
me recordei disso até adicionar o 2 ao nosso título. O outro motivo prende-se a
um comentário feito por um colega de quarto após ter escutado a primeira sessão
de estúdio:”Tocam tão depressa que quase parecem estar a rabiscar por tudo o que
é sítio...”. É uma palavra engraçada (n.r.: o “scribble” tal como o “rabiscar”), mas
obviamente não o suficiente. Por isso, rejeitámo-la. “Frenzy” foi o título provisório
que atribuímos ao material improvisado. Existe sempre um conjunto de secções de
algumas composições ou sets em que tentamos atingir o “frenesim”. Ou seja, ser
tão dementes quanto possível.
Entulho Informativo 18
Sentes que a aclamação generalizada de que “Wonderful Rainbow” foi alvo
poderá ter suavizado, nem que seja um pouco, o vosso núcleo?
A aclamação deixa-me louco. É agradável ser elogiado, mas isso não nos leva a
tocar ou a sentir melhor após o breve momento de contacto com o texto ou verbalização. Sem dares por isso, encontras-te a competir com uma irrealidade escrita
acerca do que estás a fazer. Posto isto, estou certo de que, se toda gente odiasse
o que fazemos desde o início, sentir-me-ia desmotivado. A aclamação é uma espada de dois gumes. Pode até ser que tenha suavizado um pouco o nosso núcleo,
mas não me parece que “Mountain” seja um disco mais suave. Daí que acredite
que não. O mundo está mais difícil que nunca, com ou sem “Wonderful Rainbow”...
UNDERWORLD
24
Um raio nunca atinge o mesmo lugar duas vezes.
Provoca algum pavor esse dizer que atribui rédea
solta à imprevisibilidade da natureza. A civilização
desenvolveu para si recipientes onde o meio é exposto
de forma ordeira e domesticada, como se tal servisse
de antídoto aos receios provocados pelo ímpeto
descontrolado da natureza. O Underworld convidou
até ao seu domínio o exército dos doze macacos
comandado por Brian Chippendale, metade dos
Lightning Bolt. Por Miguel Arsénio | Ilustrações de Brian Chippendale
Fala-me um pouco
do percurso que separou o “Wonderful Rainbow” de “Hypermagic Mountain”. Podemos estabelecer “Mountain” como o pote
de ouro (na extremidade do arco-iris)? É um daqueles discos a que só chegariam após atravessar os três anteriores? Cada disco representa o produto de tudo
o que lhe é anterior… Em muitos aspectos, este poderá ter sido uma reacção aos
últimos dois, “Ride The Skies” e “Wonderful Rainbow”. Discos esses que não captavam a nossa vivacidade e rapidez tal como queríamos... O “Mountain” demonstra
que estamos mais calibrados e rápidos que nunca, após centenas de concertos. Os
primeiros álbuns nem precisam de ser necessariamente equacionados, mas os anos
de trabalho conjunto sim. Pode ser o tal pote de ouro, a conferir um sentido de
oclusão a tudo o que fizemos. Retira elementos a todo o nosso percurso, sem os
adulterar, mas apurando e dominando-os. Espero eu.
A natureza parece ser um tema recorrente em “Rainbow” e agora em “Mountain”.
Quão próximos se sentem da natureza e da sua imprevisibilidade e tragédia?
Enquanto ser humano, tenho uma sola de borracha, um chão emadeirado e uma
fronteira de betão que me separa da terra. A montanha mais próxima fica a duas
horas daqui, mas o oceano fica próximo. Somos uma banda de cidade. Uma pequena
cidade, mas ainda assim urbana. Mas creio que ao sonharmos, o façamos projectando
a vastidão, e a natureza é vasta. Ao tocarmos, esforçamo-nos para que isso resulte
num sonho. Almejamos a algo que ultrapasse a condição humana. Quando referes a
imprevisibilidade e tragédia, isso aponta para tsunamis
na Ásia ou terramotos em Caxemira. Tenho medo do poder
da natureza, mas nem tudo nela é morte. É também vida,
e é pura.
Atendendo a que “Hypermagic Mountain” foi praticamente elaborado a partir de improvisações, acreditas
que o disco possa constituir um passo em frente na
emulação da experiência ao vivo ou tal contacto directo será impossível de encapsular em disco?
O “Mountain” é o disco que mais se aproxima da experiência ao vivo. Podíamos ter feito melhor, mas o melhor
seria sempre uma gravação do que se tinha passado. São
para mim circunstâncias distintas, mas esse foi um dos
objectivos: alcançar a energia de um concerto.
Haverá hipótese de um dia virmos a escutar as demos
de duas pistas? Referes-te às improvisações que gravámos há um ou dois anos? Acho que já deixámos empoeirar esse material!... Creio que o Brian Gibson [a outra
metade dos LB] usou apenas uma ideia dessa pilha de
12 horas de fita, tendo-a aplicado à conclusão de “Dead
Cowboy” [de “Hypermagic Mountain”]. Ainda existe
uma série de grandes momentos nessas gravações que
um dia conhecerão a luz do dia!
O que vos levou a optar novamente por Daven Auchenbach como produtor do disco? O Dave é impecável, na
medida em que nos escuta com a devida atenção e tenta
arduamente reflectir sobre o nosso som. O gozo das improvisações conduziu-nos a um novo processo que acabou por resultar no novo disco. Metade de “Mountain”
foi composto através desse modo: apenas duas pistas e
faixas, como “Bizarro Bike”, em que o Dave misturava
o material ao vivo. Foi divertido. É difícil julgar todo o
nosso material e decidir se a relação LB/Auchenback é
perfeita, já que os últimos três discos soam tão díspares
Sentes que o abismo entre o mainstream e underground pode aguçar a vossa
convicção? A apreciação dos fãs permite-vos uma auto-suficiência de acordo
com os vossos próprios termos? Por cada pessoa que acha que devíamos tocar
num palco, duas alegam que nos devemos manter ao nível do solo [um concerto
tradicional de LB tem lugar ao nível do público que rodeia os músicos], mas acho
que o nosso apego ao underground se deve essencialmente ao facto de que aderir ao
mainstream implica abrir mão do ritmo que achas melhor para ti. Não consigo conceber uma label mais descontraída que a Load, e muitas vezes já motiva a demasiadas preocupações. Tens razão, existe um abismo negro entre os ícones de mainstream que cumprem a carreira à sua maneira, e os Lightning Bolt, que têm total poder
sobre as decisões de carreira. O mergulho que conduz ao lado negro é demasiado
perigoso. Mas que sei eu? O próprio Yoda, o mais sábio dos seres no sistema solar,
participou num anúncio ao refrigerante Mountain Dew. Acho que o mainstream
comporta um maior número de elementos destabilizantes que estabilizantes.
A Load Records opera como uma família disfuncional? Quão próximos se sentem da teatrilidade de uma banda como os White Mice?
Os White Mice são nossos amigos, mas, ao mesmo tempo, tão diferentes de nós...
A Load é uma família disfuncional, que inclui todo o tipo de “esquizóides” que
nada têm comum além da inadaptação em relação ao resto do mundo.
Na digressão partilhada com os Locust e Arab on Radar, alguma vez sentiste
que as bandas se alimentavam da tensão acumulada entre si? Como se um
qualquer tipo de competição auxiliasse a atingir novos extremos...
Referes-te à Oops Tour. Estávamos tão empenhados nessa digressão que cheguei
a alinhar em brincadeiras para poder aprender algo. É óbvio que assistir ao Gabe
[baterista dos Locust] a tocar todas as noites levou-me a tocar mais rapidamente. Ele é imparável! Os Arab on Radar caminharam na direcção oposta e abrandavam o ritmo noite após noite. Se acho que os Locust podem ser ainda mais extremos? Teria de escutar as gravações dos concertos para responder a isso. Todas
as bandas incluídas na digressão estavam tão concentradas numa determinação
específica, que duvido que alguém tenha prestado muita atenção aos parceiros.
Li acerca da possibilidade do Ryan Adams convidar-vos para uma digressão.
Devo entender isso com uma piada ou existe alguma veracidade nisso? Achas
que se adaptariam à realidade da audiência típica do Ryan?
Acho que isso era verdade, mas nunca ouvi Ryan Adams e não faço ideia de qual
será a dimensão da sua audiência... Presumo que seja mais ou menos grande, à
imagem de um tipo menos pop. Não sei. Acho que nos adaptaríamos confortavelmente à retrete do seu espectáculo. Geralmente achamos imensa piada e não
reflectimos muito acerca de convites surgidos a partir do plano superior.
Parece-me que a Liga em que os Death From Above 1979 actuam é completamente diferente da vossa. Não estás saturado da comparação? Eles actuaram
no Conan O’Brien, mas suspeito que nunca deixarias o Max Weinberg [bate-
rista de serviço no famoso talk show da NBC] pegar na
tua bateria, certo? Essa é outra. Não escutei mais que
dez segundos de Death From 1979 há alguns anos, e não
faço ideia de qual será o nível de sucesso que os persegue.
Nunca recebemos convites do Conan O’Brien e nunca assisti ao seu talk show. Caso o talk show fosse apresentado
por Conan, o Bárbaro, eu faria tudo ao meu alcance para
actuar aí.
Que tipo de inspiração obtêm do Japão?
Eu adoro o Japão. Mais do que a Oops Tour, o Japão é uma
montra para verdadeiros extremos musicais. A proficiência
é uma regra de ouro por lá. Até uma banda desajeitada é
eficazmente desajeitada. Para nós, que nos dedicamos ao
rock, o melhor é estarmos permanentemente em pico de
forma para superar os Japoneses...
És capaz de projectar mentalmente uma carreira tão
longa e cimentada como a dos Sonic Youth e aplicá-la ao
vosso caso? Tão longa quanto a dos Sonic Youth, não sei!
Estamos juntos à 11 anos e debruçados sobre “Hypermagic
Mountain”, que quase parece o nosso “Daydream Nation”
(n.r.:o disco que projectou os SY para a ribalta da Geffen)
por causa da sua duração. Será que um dia “cresceremos”
até ao ponto que os Sonic Youth atingiram? Não faço ideia.
Parece-me que ainda dispomos de algum tempo, mas não
da eternidade que parece abençoá-los. Existem certos elementos directamente ligados à juventude, especialmente
no caso de um baterista! Espero que continuemos por mais
um tempo. Ainda há mais a fazer. Só o tempo dirá…
Como é para ti recordar a sessão com John Peel? Ele
teve um papel extremamente importante na divulgação
e aceitação de géneros como o noise e todo um imenso
underground. Que imagem guardas dele?
Sinto-me extremamente grato pela oportunidade de
conhecê-lo e actuar no seu programa de rádio. Foi, para
mim, um dos momentos mais intensos dos últimos anos.
Ele é uma pessoa insubstituível.
LIGHTNING BOLT
Hypermagic Mountain
CD’05 . Load Records
Aproveito para o caso um ensaio de
Michael Stern entitulado “Making
Culture into Nature”. Nesse, o autor
aborda incisivamente a Cerimónia
de Óscares de 1968 em que “2001
– Odisseia no Espaço” arrecadou
naturalmente o galardão para Melhores
Efeitos Especiais. Contudo e atendendo
a que era perfeita a representação
dos actores no lugar dos macacos na
emblemática cena da descoberta da
ciência, muitos ficaram surpresos que a
obra de Kubrick não tivesse sequer sido
nomeada para os prémios de Melhor
Caracterização ou Melhor Guarda-Roupa. Ainda mais, quando estes foram atribuídos ao bem
mais inferior “Planeta dos Macacos”. Perante tal omissão, a explicação não oficializada por parte
da Academia alegava que os seus membros não tinham reparado que se tratava de humanos no
lugar dos símios. A sequência ganha com isso uma releitura que a torna ainda mais sublime.
Nas barbas de uma disputa capilar de proporções olímpicas, os Lightning Bolt mantêm-se
fieis à noção de que terão de garantir a sobrevivência num meio hostil com a camada de pêlo de
que dispõem (e não com uma que a indústria teça para eles). No seguimento de um “Wonderful
Rainbow” que provocou espanto e repúdio em doses iguais, o aprofundado “Hypermagic
Mountain” aplica-se destemidamente à missão de “virtualizar” em disco a singularidade
sanguínea do que se sucede ao vivo (e não em palco, que é palavra tabu para os LB). As armas
dessa reprodução são as mesmas mas surgem imersas num mais intenso agror: a causticidade
do dueto passa a agir de acordo com uma primordialidade ainda mais cega, a mecânica do
progredir frenético de “Mountain” não poupa a nada e parece não temer o absurdo (a certa
altura, uma introdução quase AC/DC ganha um aspecto ameaçadoramente extraterrestre). A
sensação que sobra após a escuta é a de que fomos vitimados por um atropelamento sensorial.
Os discos de Lightning Bolt continuarão a conhecer uma funcionalidade subversiva enquanto
os sonhos de alguns representarem os pesadelos de outros, e vice-versa. Inverter a direcção
ao bestialismo parece ser a motivação por detrás de “Hypermagic Mountain” . Empenha-se
em esclarecer uns tantos animais quanto ao seu lugar no meio e fazer com que os pontos de
interrogação – resultantes de incómodo - se assemelhem às orelhas de um asno na cabeça
de tantos outros. Para os Lightning Bolt, o mais apto é aquele que melhor convive com o ruído.
“Hypermagic Mountain” constitui o trajecto de fé que separa Maomé da montanha e a montanha
de Maomé. 4,4 MA
GOD IS AN ASTRONAUT
Os irlandeses God is An Astronaut já existem há
algum tempo mas a orientação post-rock ainda
é recente - comprovada pelo lançamento de
“All is Violent All is Bright”. temos um dos
melhores registos do ano. Melancólico e eficaz,
recupera as fases luminosas e negras da vida.
Por Pedro Nunes
A fragilidade das coisas
Entulho Informativo 18
A viagem dos astronautas
UNDERWORLD
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O post-rock é um estilo capaz de suscitar sensações demasiado reais e fortes ao
ponto de marcar uma vida. Muitos de nós já sabem o que é sentir a imensidão de
uma composição dos Godspeed You Black Emperor!, os ambientes marcantes dos
Explosions in the Sky ou a catarse que é uma música dos Mogwai. Muitos outros
nomes se escrevem nestas sensações e, por isso, não as esquecemos.
Os God is An Astronaut são oriundos de Dublin e lançaram All is Violent, All is Bright, um álbum belíssimo de post-rock cheio de ambientes e melodias contagiantes.
A tudo isto juntam uma intensidade capaz de alcançar o caos e mexer com o ouvinte. Torsten é uma das personagens dos God is An Astronaut e teve uma simpática
conversa com a Under’. A história da banda teve o seu início em 2001 mas, como
Niels e Torsten são irmãos, a essência do colectivo vem de muito antes, quando
estes tocavam juntos ainda muito novos – a esta união de sangue juntou-se o baterista Lloyd e foi assim encontrada a formação ideal sob a forma de trio.
Flashback de uma missão
“Lançámos o primeiro álbum em 2002, chamado The End of the Beginning, que era
mais à base de caixas de ritmos, loops, sequenciadores e coisas do género. Após
alguma rodagem ao vivo sentimos a necessidade de no novo álbum capturar esse
som que fomos desenvolvendo nos concertos de promoção.” O que se passou para
que os God is An Astronaut saíssem do estúdio com um álbum mais orgânico e,
sobretudo, mais intenso? Torsten relata a experiência: “Basicamente quisemos que
o All is Violent, All is Bright tivesse mais emoção que o primeiro trabalho onde a
nossa sonoridade actual ainda era um embrião. O processo de composição também
mudou; no primeiro trabalho começávamos normalmente com um loop ou com sons
da bateria e neste registo a base de partida foram as melodias que eu escrevia e
que saíam da guitarra ou do piano. Quisemos que houvesse uma linha melódica a
percorrer todo o álbum e que cada música se destacasse. No fundo, procurámos
criar algo que daqui a 10 anos continuasse a soar muito bem. Aliás, o critério de
selecção das músicas foi mesmo escolher as mais memoráveis”.
Pedaços do diário
A música dos God is An Astronaut conspira com o horizonte e sabe melhor quando
a ouvimos a olhar pela janela, enquanto a chuva cai, e saboreamos aqueles épicos.
Pegando em algo grande – o futuro deste colectivo deverá ser longo e já um novo
EP estará disponível no dia 27 de Janeiro, intitulado Stillness in Chaos e lançado
em Portugal mais uma vez pela Naked (NKD). “As novas composições deverão
ser mais longas, mais épicas. Normalmente demoramos cerca de um ano e meio
a escrever um novo trabalho, por isso deverá estar pronto em 2007. No entanto,
não queremos forçar nada. Normalmente escrevemos uma música e ficamos muito
excitados com ela; depois passadas 6 semanas voltamos a pegar nessa música e
se continuar a seduzir-nos fica, senão deitamos fora e começamos outra coisa.”
Imagens de satélite
Este colectivo tem uma excelente reputação ao vivo. Para além de recriar
as ambiências luz/escuridão das suas músicas, é usada uma tela onde são
exibidas imagens de “assuntos sérios” num jogo de sensações que Portugal vai
ter oportunidade de ver (NR.: os God is An Astronaut tocam no Porto, no dia
14 de Janeiro, sem local definido ainda e um dia antes passam pelo Santiago
Alquimista, em Lisboa). O guitarrista falou-nos desses momentos: “É a tocar
ao vivo que passamos mais tempo, mais até do que a gravar os álbuns. Temos
a reputação de os nossos concertos terem uma carga muito visual, usamos
pequenos filmes numa linha conceptual e toda a música gira em torno dessas
imagens. Neste álbum temos uma música chamada “Suicide by Star” que é
acerca de algumas pessoas terem fascínio pelas estrelas e pelo céu e isso
despertar sentimentos tristes, terem ideias acerca de se quererem suicidar e
nós tentamos trazer alguma paz a tudo isso”. “No vídeo da música “Fragile”,
estamos a falar dos animais usados para testes que até a NASA utiliza... é
triste a forma como o homem atraiçoou os animais. Outra música importante
e que representa muito acerca do álbum é “All is Violent, All is Bright” sobre o
presidente Bush. Para mim tudo o que ele está a fazer é muito mau, quase como
um reviver do que foi Hitler – a forma como certos países estão a ser atacados
e comandados por causa do petróleo é perigosa. Abordamos também outros
temas como o cósmico, imagens do espaço, estrelas, é uma coisa bastante
alucinante. Existem pequenos bons momentos que nos mostram que a vida não
deve ser levada na escuridão em completa depressão e nós tentamos trazer
alguma esperança, tentamos trazer um pouco de luz e sombra.”
Terra comunica
A amplitude sonora dos God is An Astronaut poderá bem romper com o nicho
destinado aos fãs de post-rock. Bandas como os Sigur Rós têm mantido uma
integridade artística exemplar e isso contrasta com o sucesso à escala mundial
que o colectivo de forma envergonhada vai encarando – os God is An Astronaut
ainda estão um pouco presos ao do it yourself que tem pautado toda a evolução
do grupo, mas a sua sonoridade por vezes “orelhuda” promete algo maior – não
que o sucesso comercial seja um objectivo. Espera-se apenas maior exposição
no futuro. Quanto à arrumação da banda no presente é justo deixá-los na
prateleira do post-rock e, por exemplo, dizer que têm influências de uma das
bandas mais geniais dos últimos tempos: os Explosions in the Sky. “Existem
muitas bandas associadas a nós porque os jornalistas assim o escrevem...
quanto à comparação com os Explosions in The Sky, ainda recentemente recebi
o CD deles no correio e achei a música muito bonita, apesar de achar que eles
têm uma abordagem mais contida e diferente da nossa. Mas, sem dúvida, que
é interessante e eu gosto deste tipo de música, mas não a vejo como uma
influência directa. Eu tento buscar inspiração nas coisas deprimentes deste
mundo. É isso que pomos na nossa música. Uma banda que gosto muito são
os Mogwai, mas tento ouvir diferentes tipos de música. Por vezes, prefiro ouvir
um disco dos AC/DC, porque coisas como os Mogwai ou Explosions in The Sky é
música que mexe com o teu cérebro. Tentas perceber bastantes coisas enquanto
os ouves e quando ouço os AC/DC é completamente diferente, não pensas
em mais nada senão gozar a música e passar um bom bocado. Muita gente
compara-nos a bandas como os Godspeed You Black Emperor! e eu nem sequer
tenho algum trabalho deles. Por isso não posso dizer se estão errados ou não.
Não compro muitos discos de bandas que tocam música instrumental porque
há uma tendência para as coisas se tornarem similares e assim preocupo-me
apenas em deitar para fora o que vai cá dentro.”
A banda sonora
Toda a música deste trio inspira ambientes cinematográficos – o carácter épico
e ambiental de “All is Violent, All is Bright” já foi usado em séries e programas
da BBC – será que é este o destino que Torsten quer para a sua música? “Eu
adoraria fazer algo para filmes, como por exemplo filmes do David Lynch – para
já apenas usaram pequenas partes das nossas músicas em séries sci-fi e sem a
nossa directa aprovação. Aliás, isso é algo que me preocupa. Não gosto da ideia
de, um dia, a minha música passar num estádio de futebol. O que eu gostava
mesmo era de fazer uma banda sonora e isso era mesmo um sonho.”
Assumir os controlos
Existem ainda factos do passado que faltam revelar para traçar a história destes
músicos – os dois irmãos sob o projecto Super AD fizeram várias remixes e
algumas delas tiveram algum sucesso pelas mãos de outros artistas. O quanto
este processo de descoberta das tecnologias e abordagem musical marcou a
aprendizagem do grupo não sabemos, mas tudo tem uma explicação. ”Isso
vem de 99 – criamos os Super AD, um projecto destinado a fazer cenas mais
electrónicas – tínhamos ao dispor algum equipamento e decidimos avançar com
isso. Aqui existe pouca gente disposta a fazer esse tipo de remixes de dança
e como nós não temos aversão a isso fizemos alguns trabalhos. Por exemplo,
fizemos uma mistura de “Smoke on The Water” que teve algum sucesso. No
entanto, não devo voltar a fazer esse tipo de trabalhos, há um envolvimento
exagerado da faceta comercial e o que deve passar nas rádios... o que me tenho
dedicado mais a fazer agora é produzir bandas que gosto e que me transmitem
boas sensações e não temos que obedecer a alguém que nos diz que temos
de ser comerciais – eu acho que deve haver espaço para a chamada música
comercial, mas é algo que não vai de encontro à música actual que tenho feito
nos God is An Astronaut.
Regresso à Terra
A conversa aproximava-se do fim e não podíamos deixar em branco a
curiosidade em saber qual a relação que estes músicos teriam ou não com
o Metal. O interlocutor não desarmou a simpatia: “Sinceramente é algo que
já não ouço. Por acaso, um dos primeiros álbuns que comprei foi o Master
of Puppets dos Metallica. Aquela agressividade tem um ritmo e uma técnica
óptima para ser tocada ao vivo e isso acabou por ter alguma influência em nós.
A passagem da tranquilidade para a raiva é algo que aproveitamos para os
vídeos, por exemplo, na música “All is Violent, All is Bright”. Quando a música
se torna mais pesada surgem nos vídeos imagens sobre o Iraque e, portanto,
desse ponto de vista gosto da música pesada – agora não compro discos de
Metal; o mais próximo do género que comprei foi o último álbum dos Nine Inch
Nails que é, provavelmente, o meu grupo favorito. Se pensares no que eles
fizeram nos anos 90, têm coisas fabulosas, por exemplo, a música “Hurt” com
aquela agressividade e atmosfera. Para mim o Metal é importante, mas não
considerando bandas como os Korn.”
Entulho Informativo 18
Rock Nervoso
UNDERWORLD
28
Em pouco menos de dois anos os portugueses If Lucy Fell
gravaram uma demo, editaram o longa duração “You Make
Me Nervous” (edição portuguesa pela Rastilho e internacional
pela Lockjaw Records) e dão dezenas de concertos pelos mais
diversos locais do país. Estivemos à conversa com o baterista
Hélio Morais para perceber o segredo que se esconde por
detrás desta nova máquina de Rock n’Roll da zona de Queluz.
FOTO: CLÁUDIA GUERREIRO
IF LUCY FELL
Ainda chegámos a equacionar uma segunda guitarra,
mas apenas para libertar o Rui um pouco mais. A nível
instrumental, na realidade, nunca sentimos falta de uma
segunda guitarra, e por isso mesmo, decidimos não trazer mais ninguém para a banda. Quanto a sintetizadores, a ideia inicial do Makoto, era precisamente aproveitar a sua própria criatividade nesse campo. Acabou por
não acontecer, talvez por estarmos mais virados para
fazer músicas imediatas e mais directas. No entanto,
desde a apresentação do nosso álbum que o Makoto tem
manipulado alguns pedais ao vivo.
agenciamento que peguem em projectos mais underground. Sentimos que
talvez esteja na altura das massas vivas da cena musical portuguesa começarem a dar o devido valor ao que se vai passando por cá. Para além disso
temos de ter consciência de que, hoje em dia, o esforço que as bandas têm
que fazer para sobreviver no underground é enorme. As bandas suportam
quase tudo, tanto a nível de custos, como a nível da gerência dos mais diversos aspectos da vida privada. Não é só dar uns gritos para o microfone e
pronto... temos banda! No nosso caso não nos queixamos do apoio que temos tido, mas vemos boas bandas a serem diariamente digeridas por críticas absurdas com o único intuito de as diminuir, sem respeito pelo trabalho
e pelo suor que a sobrevivência desse mesmos projectos envolve.
Hoje em dia tenta-se ao máximo catalogar e rotular
toda e qualquer banda que apareça e que desafie o
estabelecido. Rock? Post-Hardcore? Indie Rock? Sentem-se confortáveis com algum destes rótulos?
As pessoas têm toda a liberdade para lhe chamarem o
que quiserem. Já ouvimos de tudo. Há uns tempos atrás,
ouvimos uma que nos arrancou alguns sorrisos. Alguém
nos catalogou como “Indie Rock acelerado e com distorção”. Mas tentando ser objectivo, acho que nos denominamos simplesmente como banda de rock.
O que é que vos põe mais nervosos enquanto banda? Um eventual sucesso ou uma inesperada derrota? Nem um coisa nem outra. Sempre fomos
bastante cautelosos com as nossas expectativas. Acho que nunca será uma
derrota. Os momentos positivos durante este ano que está a acabar já são
suficientemente fortes para podermos dizer que valeu a pena. Como disse
atrás, esta banda nasceu de afectos. Os nossos melhores amigos estão nesta
banda, por isso todas as pequenas vitórias têm o dobro do sabor. Quanto a
possíveis derrotas, também serão sempre mais fáceis de digerir, pelas mesmas razões. Os tempos passados a tocar na garagem, por si só já são uma
grande vitória.
Quais as vossas principais influências, quer a nível
musical, quer a nível lírico? A nível musical, todos
temos influências bastante diversas. Carlos Paredes,
Blood Brothers, Converge, Isis, Sonic Youth, These Arms
Are Snakes, Ratos de Porão, Coltrane, Mingus, Monk...
A nível lírico, acho que as situações do dia a dia e a
mente distorcida do Makoto são as nossas principais
influências.
Para quando a internacionalização da banda? Se não me engano, há já
alguns concertos agendados no Reino Unido para o próximo ano. Sim, é
verdade. Vamos estar em tour pelo Reino Unido de 18 a 25 de Fevereiro. Vai
ser a nossa primeira experiência no exterior, e por isso estamos bastante
ansiosos. Essa é outra das razões pelas quais estamos bastante contentes
com o trabalho da Lockjaw. Além de editora, têm uma agência de booking,
e isso facilita-nos imenso a vida.
Como surgiu esta parceria com a editora britânica
Lockjaw? Quando gravámos a demo, enviámos alguns
CD’s para dezenas de editoras. Algumas responderam.
Como aquilo que enviámos era um EP, todas torceram o
nariz quanto a uma possível edição. No entanto, houve
interesse por parte de algumas em editar um possível
Por Ricardo Martins
álbum, entre elas a Rastilho. Foi assim que decidimos
fechar-nos no estúdio a compor. Quando ficámos com
o álbum nas mãos, voltámos à carga, mas desta vez
anteriormente em bandas como As Good nasceram os If Lucy Fell. A entrada do Gaza (baixo)
enviámos também e-mails às editoras, e aquelas que
aconteceu logo no segundo ou terceiro ensaio. Ainda
As Dead, Shoal e acumulas actualmente funções de
responderam, foram brindadas com o mesmo. Entre elas
chegámos a fazer um ensaio com a Cláudia, que toca
baterista nos Linda Martini. Quem são os If Lucy Fell
também nos Linda Martini. Mais tarde, em Agosto, deci- estava a Lockjaw, que foi muito rápida nas negociações
e o que é que te levou a tomar parte neste projecto,
e por isso foi bastante fácil chegarmos a um acordo.
dimos gravar as primeiras cinco músicas com o Makoto
algo diferente dos teus projectos anteriores?
(voz), que acabou finalmente por se juntar à banda em Estamos muito contentes com a maneira como as coisas
Este projecto nasceu literalmente de maus momentos
Outubro. Nunca tivemos o intuito de fazer este ou aque- têm estado a correr até agora.
que nos aconteceram no início de 2004. Eu e o Rui
le tipo de som. As coisas aconteceram naturalmente.
estávamos num período difícil das nossas vidas, e pasAcham que a mistura e a masterização levada a cabo
sávamos tardes inteiras a dissecar o que nos ia na alma.
pelos espanhóis Santi Garcia e Xavi Navarro (que conEntretanto o Rui foi pegando na guitarra de novo, e apa- Achas que o formato quarteto serve na perfeição o
receram os primeiros riffs. Chegámos os dois à conclusão intuito da banda? Nunca pensaram em adicionar mais tam já com alguma experiência em bandas do género)
marcou efectivamente alguma diferença?
de que poderíamos fazer alguma coisa com eles, e assim uma guitarra ou por exemplo um sintetizador?
Sem dúvida. Embora o Makoto esteja a ficar cada vez
melhor enquanto produtor, achámos que seria bom ter
alguém imparcial a fazer a mistura e a masterização.
IF LUCY FELL
Foi o que fizemos. A captação foi feita pelo Makoto nos
You Make Me Nervous
estúdios Black Sheep em Mem Martins, e depois fizemos
CD’05 . Rastilho/ Recital
as malas em direcção a Sant Feliu (Espanha). O Santi
Não querendo cometer a injustiça da fácil rotulação, pese embora “You Make Me Nervous” já
lhes tenha trazido comparações a Blood Brothers ou These Arms Are Snakes – e pode dizer-se
e o Xavi têm bastantes provas dadas, por isso era um
que os If Lucy Fell se encaixam neste espectro –, a verdade é que os If Lucy Fell não padecem
investimento seguro da nossa parte. Ficámos bastante
da obsessão pelas mudanças constantes de tempo e passeios masturbatórios pelo braço da
satisfeitos com o trabalho final e esta experiência foi
guitarra, seguindo uma estrutura mais coesa e memorável que não descura algum experitambém muito boa para o crescimento do Makoto enmentalismo. Este é um disco complexamente simples em vez de simplesmente complexo, o
quanto produtor.
Tocaste
que é uma grande vantagem, ainda para mais tratando-se de uma estreia. Vem-me também
à cabeça Voivod, mais talvez pelo impacto destes canadianos na música pesada do que por
existir uma influência directa para os If Lucy Fell. O título da faixa de abertura, “As Simple
As Giving A Name To This Song”, acaba por ser satírico à forma como os If Lucy Fell fazem música: não é física quântica, é
música – e quatro amigos que se juntam numa garagem podem fazê-la bem. O disco prossegue com uma grande fluência,
abrilhantado com ambientais interlúdicos ou introduções que funcionam muito bem, permitindo ao ouvinte respirar entre
cada descarga e suportar melhor o álbum na totalidade – é importante ter capacidade de prender a atenção, se não ouvemse os primeiros temas e muda-se de rodela. A cereja no topo do bolo é “Escapist”, tema que encerra este trabalho da melhor
forma: uma ambiciosa peça de oito minutos que parece ter vida própria, criando paisagens sonoras através da exploração de
contrastes e ambientes dicotómicos e que serve quase como um resumo do disco em apenas um tema. O som tem o selo de
qualidade duma masterização feita por Santi Garcia e Xavi Navarro e o artwork simples de Sérgio França tornam “You Make
Me Nervous” a melhor edição de sempre da Rastilho. Para concluir, este trabalho não merecia que acabasse da forma mais
previsível, dizendo que é uma das grandes surpresas do ano e que mostra uma banda muito promissora, mas acaba por ser
a conclusão mais óbvia. Simplesmente um grande disco. 4,1 RA
Consideram que a cena musical portuguesa tem evoluído? O que acham que ainda deveria melhorar mais:
as infra-estruturas adjacentes ou as próprias bandas?
Achamos que a cena musical portuguesa está a crescer
a olhos vistos. Há cada vez mais bandas com qualidade
igual ou superior ao que se passa lá fora. É com bastante agrado que vemos cada vez mais bandas nacionais a
chegarem lá fora. No entanto temos ainda muitas falhas
a nível de infra-estruturas. Ainda não há um circuito de
bares suficientemente sólido em todo o país. Há também poucas editoras independentes e pessoas ligadas a
O que esperam de 2006? Esperamos conseguir chegar ao maior número de
pessoas possível. A nossa maior ambição é poder tocar, por isso esperamos
fazê-lo o maior número de vezes possível. Esperamos também conseguir licenciar o álbum nos Estados Unidos e ir lá tocar assim que possível. O Gaza
espera paz no mundo, alegria, muito amor e deixar de fumar.
THE TOASTERS
Curiosamente o dia em Portugal
não começou muito bem, tendo havido alguns
problemas com a SPA relativamente a direitos de autor, mas será que isso é comum
acontecer ou é só por cá? “Só nalguns países. Normalmente, se entrego uma carta
prescindindo dos direitos dizendo, ok eu não quero o dinheiro, então fica tudo bem.
Mas em Espanha, Portugal e Itália…” Mais burocrático? “Porque a maior parte do
dinheiro vai para o bolso…”
A história da banda remonta a 1981, quando Rob Hingley assistiu a um concerto de English Beat em Roseland, diante de apenas 50 pessoas. Foi o ponto de
viragem na sua vida, tendo pouco depois formado os The Toasters. O grupo seguiria
a segunda vaga do Ska britânico, conhecida como Two Tone, movimento nascido
em Inglaterra no final dos anos 70 com bandas como The Specials, The Selecter ou
Madness. A Two Tone dava uma nova roupagem ao Ska jamaicano, misturando um
pouco da música e atitude Punk. Mas se antes dos Toasters não havia uma cena Ska
nos EUA, com quem tocavam e em que circuitos? “Nos primeiros tempos tocávamos
com muitas bandas Punk de Low East Side como Murphys Law, Agnostic Front, Bad
Brains, Cro-Mags. Tocávamos com imensas bandas Hardcore e fizemos muitas tours
com Murphys Law e o Jimmy Gestapo. O começo deu-se portanto na cena Hardcore,
havia matinés HxC no CBGB e depois começaram a haver mais concertos Ska e a surgir algumas bandas Ska. E desenvolveu-se assim, mas no início não havia mais nada
a não sermos nós. Havia uma banda em Boston, por volta de 1985, qu e eram os Bimskalabim e costumávamos tocar muito com eles, mas já não existem.” E foi também
em 1985 que a Moon Records (mais tarde Moon Ska Records), a editora dos próprios
Toasters, começou a sério: “A Moon Records surgiu inicialmente em 1983 para lançar
o nosso 1.º single e em 1985 editámos então o “Recriminations” EP que foi produzido pelo Joe Jackson e teve uma maior distribuição a nível nacional; foi o trabalho
que nos proporcionou ir para a estrada e fazer tours.” Mas as coisas tomaram outras
proporções. “A ideia inicial era só editar material dos Toasters, depois em 1986
lançámos uma compilação chamada “New York Beat” que incluía doze bandas Ska de
Nova Iorque e tudo desenrolou-se a partir daí. Começámos a pôr cá fora bandas Ska
de Nova Iorque, como os New York Citizens por exemplo, depois Let´s Go Bowling da
Califórnia, Dance Hall Crashers, Hepcat, e chegou uma altura em que era uma loucura!” Além das referidas bandas, outros gigantes do Ska saíram do anonimato pelas
mãos da Moon Ska Records, como os Bluebeats ou The Slackers. E o contacto com
todas essas bandas mantém-se? “Com algumas sim, outras nem por isso. Algumas
pessoas quando ficam famosas, o seu ego fica demasiado grande e não consegues
falar com elas porque só uma pessoa cabe na sala. Portanto com algumas bandas
continuo a falar e com outras já não. Na Moon Records tivemos também os dois primeiros singles dos No Doubt, tivemos muitas bandas a quem abrimos as portas.” Entretanto The Toasters continuam a crescer cada vez mais graças a excelentes álbuns
de puro Two Tone, sempre enriquecidos com laivos de Ska mais tradicional, Reggae
e Ragga. Discos como “Hard Band For Dead”, de 1996, espalham o nome da banda
LAST EXIT
A Última Fronteira
Por Nuno Martins
Poucas vezes a recuperação de
pelos quatro cantos do universo Ska.
“Don’t Let The Bastards Grind You Down”
de 1997 consolida o nome da banda, levando a digressões com salas esgotadas
por todo o mundo. Paralelamente alguns
membros do colectivo participaram em
outros importantes projectos musicais, como o saxofonista Fred Reiter nos New York
Ska Jazz Ensemble, ou foram convidados para integrar grupos lendários como Johnnathan McCain – que acabou por tocar bateria nos English Beat.
Para além de toda esta actividade, The Toasters abraçaram ainda diversas
causas e lutas, como a “Ska Against Racism Tour” (Ska Contra o Racismo Tour),
que correu 60 cidades americanas. “Essa foi uma ideia de Michael Park, da Asian
Man Records, em 1999. Foi com Less Than Jake, The Toasters e Muster Plug e foi
uma tour fantástica. A ideia foi alertar as pessoas para o facto de que na América,
supostamente a sociedade mais moderna, ainda temos racismo no século XXI, e isso
é uma merda.” E após 23 anos, mais de 10 discos, anos em digressões com milhares
de concertos, o que ambicionam os Toasters para o futuro? “Os objectivos são
continuar a fazer aquilo que sempre fizemos. Sempre disse que quando deixasse de
me divertir iria parar. E ainda aqui estou, esta noite estou em Lisboa, cidade onde
nunca estive antes, e isso para mim é muito divertido. Estar em Portugal e tocar em
Lisboa é excitante e isso é bestial.” Mas não será cansativo estar constantemente em
digressão? Qual será o melhor e o pior que se pode retirar daí? “O melhor é vir tocar
a sítios como este, conhecer novas pessoas e dar uma olhada à cidade não sendo
turista, sinto-me mais como um convidado. O pior é o tempo que perdes nas viagens,
nas digressões, preferia perder esse tempo em casa, em Valência, com os meus
filhos. Mas não é possível, gosto de trabalhar no duro na estrada e depois descansar
em casa durante bastante tempo.”
Hingley trocou a confusão de Nova Iorque pelo sossego de Valência na nossa
vizinha Espanha. E será que sentiu alguma diferença na forma de sentir o Ska, dos
EUA para a Europa? “É diferente e na Europa também muda de país para país. Mas eu
diria que na Europa há muita gente interessada no Ska mais antigo, no Rocksteady,
Trojan Records, old school Ska e essas variantes. Muitos putos nos EUA entram mais
na onda do Ska-Punk e Ska-Core como Less Than Jake ou Mighty Mighty Bosstones
por exemplo. Por isso têm de voltar mais atrás e descobrir Laurel Aitken, Alton Ellis,
Skatalites e todas essas referências antigas.” Então farão falta bandas como Less
Than Jake? Poderão levar os putos a descobrir as raízes do Ska? “Não sou eu que
devo dizer aos putos o que devem fazer, mas tenho esperança que percam tempo a
seguir o rasto para descobrir de onde é que essa música vem. Infelizmente acho que
apenas uma pequena percentagem dos que vão a um concerto de Less Than Jake,
acaba por descobrir por exemplo o Prince Buster. Mas nem que seja apenas um a
descobrir, já é algo positivo.” A cruzada dos The Toasters continua, tal como novas
aventuras na defesa do Ska. Apesar da Moon Ska Records ter encerrado actividade
(continua a Moon Ska Europe e a Moon Ska Brasil), nasceu a Megalith Records, uma
continuação da anterior editora já com diversos lançamentos de novas bandas europeias e americanas de Ska e Two Tone. Sempre em 2 tons!
[www.toasters.org] [www.megalithrecords.com]
um disco, há muito perdido, daqueles
que se esqueceram no tempo e foram
empurrados para o limbo das edições
esgotadas e descatalogadas, suscita uma
forte rememorização de emoções devido
à real superioridade do seu conteúdo.
Serve este parágrafo introdutório
para inserir o móbil deste texto:
a redisponibilização ao público
de “Koln” (1986) do quarteto
Last Exit, pela mão da excelente
Unheard Music Series da editora
Atavistic, cuja actividade arqueológica
de detecção e edição de jóias esquecidas
ou perdidas do universo da
free-improv, se mantém num
elevado nível.
Os Last Exit nunca foram um
grupo de multidões, nunca
passearam pelos grandes
palcos, nunca beneficiaram
das parangonas da imprensa,
e nunca encetaram uma via
para o estrelato. Não era o
seu objectivo. Contudo, poucos
grupos terão ultrapassado
as barreiras normativas, e
abraçado uma criação musical
de vanguarda, da mesma forma
que os Last Exit expandiram a sua
mistura altamente inflamável de free
jazz e noise rock, numa atitude urgente e frenética.
Mais importante ainda, os Last Exit providenciaram
o léxico emotivo e o perigo da improvisação total à
linguagem do Rock, e tanto acreditaram neste conceito,
que a sua primeira aparição ao vivo em Zurique, em
1986, seria completamente improvisada e não ensaiada.
Todos os seus concertos foram sedimentados na máxima
da improvisação total, a coda da paixão e da fúria. Claro
que a improvisação livre pode-se assemelhar ao caos
total, para ouvidos destreinados ou sem paciência, mas
os Last Exit eram mestres nos seus dotes individuais e,
apesar de conceberem a música de uma forma extrema,
no limite e sem rede, na borda do precipício, o abismo
permaneceu o leitmotiv das explorações que o quarteto
abraçou.
Para muitos, a carreira do grupo permanece
desconhecida ou é uma obscura, e inócua, referência
de uma qualquer biografia de nomes sonantes.
Redimem-se. Apesar de não ser nada fácil deixar o
grupo pontapear-nos em sucessivos golpes, e mesmo
sem a vocação masoquista que a maioria não suportará,
está na altura de recuperar o tempo perdido para quem
quiser saborear música sem compromissos, assustadora,
numa boa dose de violência locomotiva onde o risco é o
padrão e a ferocidade a linguagem.
O grupo não se exibia na tradicional concepção dos
grupos Rock. Apenas se juntavam para os concertos,
quando para isso
existia oportunidade.
Não se preocuparam com promoção, management,
ensaios, contratos. A música do grupo foi um processo
comunicativo, nada narcisista, de preenchimento e
desafio para as partes envolvidas. Existiram como
entidade, onde o colectivo foi superior à soma das
partes. E que parte! O quarteto foi fundado por
quatro músicos, que interagiram num todo emocional,
intelectual e musical.
Bill Laswell, conhecido produtor de tudo-e-maisqualquer-coisa, desde rock, funk, jazz, ambiental
ou dub-electrónica, músico e editor, era um dos
consortes da secção rítmica, responsável pelas
quatro cordas, num registo feérico de ritmo e noise,
contrabalançando numa textura blues. O seu parceiro
foi Ronald Shannon Jackson, que providenciou uma
bateria percutida não regimentada pelo tempo e
pela métrica. Antes, livre, tribal e ritual. Este duo
encaixou na perfeição com outra dupla, visceral e
explosiva: Sonny Sharrock e Peter Brötzmann.
Sonny Sharrock usou e abusou da guitarra para infestar
a música com uma fusão sísmica de blues, plenos de
groove e textura, saturados por camadas de feedback,
um arraial de efeitos, desestruturado e anti-regras,
sem receio de usar o espaço para delinear uma solidez
sob a selvajaria, uma musicalidade enterrada nas
explosões caóticas da barragem de som do grupo.
Sharrock não se distrai com tradicionais solos de
guitarra, antes propulsiona uma paixão sónica, num
O legado discográfico do quarteto
é, à excepção de “Iron Path”,
todo constituído por gravações
ao vivo, o que demonstra a
atitude empática intra-grupo,
reflectida na mistura ascórbica
e brutal destilada pelos
quatro músicos. A potência do
colectivo residiu na abordagem
pessoal, onde nenhuma das
partes se subordinava, quer ao
grupo, quer ao próprio processo
criativo. Cada um dos músicos
tinha livre-trânsito para explodir,
quando o espaço criado pela
chamada e resposta interactiva dos
parceiros o permitisse, e apesar dos
estilhaços sónicos arremessados em todas
as direcções, o grupo sempre deteve as rédeas da
intuição, criando espaço de síntese, suficiente para a
respiração de cada músico. Demonstrou como a forma,
em relação com o conteúdo, se poderia desenvolver
numa abordagem livre, na conjugação de expressões
individuais e de combinações entre elas. E a variedade
de expressões nunca foi um problema de comunicação,
cada qual, por definição e por necessidade, eram finitas
e efémeras, apenas para se reformularem e reajustarem,
no todo procriado, discernindo e valorizando os
diferentes vocábulos.
Apesar da obscuridade, a trajectória de abordagem
musical dos Last Exit, encenou um futurismo primitivo
e titânico, numa essência libertária, que desbravaria
terreno para outros colectivos em territórios similares,
como os Ruins, Melt Banana, Vajra, Massacre, ou até
God Is My Co-Pilot. Como habitualmente, a música
funcionou como vaticínio de futuras possibilidades,
tanto para além do horizonte das vanguardas europeia e
americana, como da tradição do jazz.
Infelizmente a carreira do grupo terminaria
abruptamente, com a morte de Sonny Sharrock, em
1994, e quando tantas emoções fort es estariam
ainda em carteira para serem, sem pudor, despejadas
directamente ao público. Sem a existência destes quatro
cavaleiros do apocalipse, a intensidade do noise rock
entroncado na linguagem da improvisação jazz, não
seria a mesma, e no magnetismo sonoro da música mais
extrema subsistiria um elo perdido.
31
Entulho Informativo 18
UNDERWORLD
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Uma história
em dois tons
FOTOS: PAULO GOMES
UNDERWORLD
Entulho Informativo 18
São a maior e mais importante
referência da história do Ska
norte-americano, e não só
foram a primeira banda Ska/
Two Tone, como fundaram
a Moon Records – por lá a
editora pioneira do género –,
ficando assim associados ao
nascimento de tal fenómeno em
terras do Tio Sam. Estiveram
recentemente em Portugal,
pela primeira vez na sua já
longa carreira, tendo o Under’
aproveitado para trocar umas
palavras com Rob Hingley,
vocalista/guitarrista fundador
e líder da banda. Por Luís Oliveira
exercício impulsivo, para a misturadora de som que
foi o grupo. E Peter Brötzmann? O germânico barbudo
dispensa grandes apresentações. A sua gigantesca
discografia fala por si. Furioso e decibélico, denso e
complexo, o saxofone de Brötzmann é a transformação
do sopro numa postura incendiária de subversão do
tradicionalismo das regras do jazz. Aliás, depois do
epigonal “Machine Gun”, de 1968, ficaria associado
em definitivo como uma das grandes vozes da ruptura
estética, e da reconfiguração abrasiva da linguagem do
jazz de vanguarda europeu. Trabalhos e projectos como
“The Chicago Octet/Tentet”, “Short Visit To Nowhere”
ou “Images” (Okka Disk) do Peter Brötzmann Tentet
(grande colectivo, permeável, que reagrupa alguns
dos melhores improvisadores free europeus e
americanos), as obras do Die Like A Dog Quartet, os
inúmeros discos na FMP, “Never Too Late But Always
Too Early/dedicated to Peter Kowald” , na Eremite
(em trio com a pujante secção rítmica William Parker
e Hamid Drake), “Sharp Knives Cut Deeper” (Splasch),
com o trio de Frode Gjerstad, entre dezenas de outros
discos, ilustram o compêndio do saxofonista,
caracterizado pela espantosa e excitante
descoberta que o jazz europeu empreendeu,
em direcções autónomas da linguagem
americana, e pelas tentativas, com
sucesso, de manter um nível de
energia fora do habitual.
INSÓLITO
MELT BANANA
O Gato Cósmico
e o Terror Sónico
Por Miguel Arsénio
Manda a regra que
Entulho Informativo 18
ILUSTRAÇÃO: JUCIFER
A vida secundária
do Doreimon
Há uma explicação viável para o facto
de raramente ouvirmos o tilintar ao guizo preso à coleira do Doraemon
– aquele gato animado completamente idiota que não consegue cumprir 5 minutos
sem fazer merda. A esfera de metal não produz o som natural ao tocar no cobre simplesmente porque é no guizo que o vicioso gato oculta o pó da sua predilecção. Só
um activo adulterador de comportamento justifica a invariabilidade daquele sorriso
absurdamente optimista. Doraemon vive essencialmente para colmatar as carências
do puto Nobi Nobita (a tipificação da criança insegura), constantemente necessitado
de engenhos que restituam a ordem à instituição familiar ou que o livrem do tédio.
Numa mecânica adequada às funções lúdicas do histórico “manga”, o gato cósmico
não tem dificuldade em gerar as artimanhas, mas sim em encontrar uma execução
para elas que não duplique o volume dos problemas existentes de início. Os sarilhos
sucedem-se por força de uma coordenação disfuncional e desonrosa para com uma
conduta imposta por paternalidade. Todos essas representam formas explosivas de
descomprimir aquela rigidez social imposta pelo Japão.
Na verdade, Doraemon não suporta a sua condição de servo ao dispor dos
sonhos e caprichos da criançada. Os Melt Banana vivem bem com isso e usufruem
das chagas criadas pelo fardo. Jamais deixaram de ser fulgurantes missionários do
underground que transportam às costas desde há mais de 10 anos. Existe um sólido
respeito (semeado por ilustres como John Zorn, Jim O’Rourke e Steve Albini) pelo
desrespeitoso tratamento que os MxBx aplicam ao som, que, mesmo após ter firmado a noção de carreira, padece de uma catalogação exacta (a melodia, mesmo que
profanada, impede o barrete noise de servir à banda japonesa). Os Melt Banana não
carregam um albatroz moribundo ao pescoço porque desde sempre criaram os seus
próprios morcegos sónicos. Tal como o Doraemon, parecem conservar a pueril noção
de que a autoridade representa a ameaça e o engenho bizarro o instrumento ideal
à demonstração rebelde que a contrarie. Vale tudo em ambos os casos. Existe, da
parte da banda liderada por Yasuko O., um fortificante aproveitamento da vocação
guerrilheira adquirida de nascença - accionada através de “splits” divididos com o
melhor muco segregado pelo underground (The Locust, Discordance Axis, God Is My
Co-Pilot) e por incansáveis digressões cujo tempo tratou de tornar lendárias. Quando
nada há a perder numa batalha, há tudo a ganhar. O método bárbaro dos MxBx leva
a que a cacofonia deixe para trás um trilho de cinzas fumegantes. Lá está, cinzas essas que Doraemon transporta ao pescoço, para inalar nos momentos aflitivos em que
todas as outras soluções falharem.
13 Hedgehogs (MxBx Singles 1994-1999)
CD’05 . A-Zap
Para quem nunca teve paciência para assistir às mais de três horas
de tédio que o “Titanic” implica, existe uma alternativa prática na
web. Alguém teve a brilhante ideia de condensar em 30 segundos
clássicos modernos do cinema como “Tubarão” ou “Pulp Fiction”. Em
angryalien.com, é possível avaliar a condensação a micro-metragens
interpretadas por uns coelhos speedados e intensificadas pela montagem frenética das mais emblemáticas cenas do filme trucidado. Muito
antes de existir esse formato e numa altura em que poucos seriam os
que acreditavam ser possível a experimentação sónica sem ultrapassar a marca de um minuto, os Melt Banana já gravavam faixas kamikaze que podiam servir de bandasonora a variantes compactas de filmes do Godzilla rodados nos estúdios de Toho (no Japão, pátria dos
MxBx). “13 Hedgehogs” reúne faixas recolhidas a singles e splits dos MxBx durante o seu período mais
abundantemente ácido (pontificado pelo determinante “Scratch or Stitch”, produzido pela mão corrosiva
de Steve Albini). Serve a compilação para consagrar a banda da estridente Yasuko O. como uma daquelas entidades transversais que, com a introdução da sua arrojada ramificação noise, apurou o gosto por
ruído entre os fãs de hardcore,. Além de documentar o ultra-violento impacto dos MxBx, “13 Hedgehogs”
permite conhecer a superfície obscura a um planeta proibido por si só distante e ininteligível. 4,1 MA
Fogo Brasileiro
Da capital Brasileira chegam estes roqueiros
com o seu Punk/Rock/Surf explosivo. Considerados
já uma das mais importantes bandas de Rock
brasileiras, têm feito os mimos dos já milhares
de fãs por todo o Brasil. Depois desta febre,
que já chegou também ao Japão, os Autoramas
preparam-se para conquistar Portugal e a Europa...
E ninguém pára os Autoramas! por Mauamor
Há já muitos anos que andas nestas
aventuras do Rock n’Roll, com muitos projectos e
bandas. Quem são e como surgem os Autoramas?
Eu tocava numa banda em Brasília, minha cidade natal,
chamada Little Quail & The Mad Birds, que lançou três
CDs. Além disso, compus algumas músicas que fizeram
grande sucesso no Brasil para bandas como Raimundos
e Ultraje À Rigor. Little Quail acabou em 1997 e mudeime para o Rio de Janeiro, onde encontrei outros amigos
que formaram comigo os Autoramas. Entre eles estava
o Bacalhau que havia acabado de sair de Planet Hemp.
Assim começámos a fazer shows e em 2000 editámos o
nosso primeiro CD. Até agora, já lançámos três álbuns
e alguns singles em vinil, além de várias participações
em colectâneas no Brasil e noutros países, como França
e Japão. Estamos agora a gravar o nosso quarto CD.
A formação dos Autoramas é Gabriel Thomaz (voz
e guitarra), Selma Vieira (baixo e voz) e Bacalhau
(bateria).
As vossas influências do Punk/Rock e Surf norteamericano são notórias. Essa proximidade aos EUA
tem muita importância para as bandas do Brasil?
Acho que fazemos um som universal, que poderia ser
feito em qualquer lugar do mundo. O Rock n’Roll e
muitas de suas vertentes é muito forte no Brasil. Sou um
coleccionador de discos, gosto muito de ouvir bandas de
todas as épocas e de todos os lugares do mundo. O som
que fazemos reflecte o que mais gostamos de ouvir.
Vocês já ganharam alguns prémios no Brasil, inclusive
o VMB 2005 com o videoclip “Você Sabe”. Esses
prémios tiveram muito impacto nos Autoramas e na
sua carreira?
Sim, fomos a banda mais premiada dos últimos VMB
da MTV brasileira. Esse é o título mais importante da
música brasileira – e artistas brasileiros de todos os
géneros almejam ser os mais premiados. Mas em 2005 o
artista mais premiado foi uma banda independente, no
caso os Autoramas, o que surpreendeu a todos, inclusive
a nós mesmos. O resultado disso tudo é que temos
feito muitos shows em todo o país, com muita gente a
comparecer. Acabámos de voltar de uma tournée pela
região amazónica, coisa que poucos artistas conseguem
fazer.
E como são as coisas aí no Brasil? Aqui em Portugal
não se sabe muito sobre o movimento de Rock
alternativo brasileiro, só aquelas coisas mais
mainstream chegam cá ou então os clássicos como
Ratos de Porão, Barão, Paralamas e pouco mais.
Uma banda como a vossa tem muita dificuldade
em sobreviver aí ou há circuito de concertos e
distribuição de discos?
No Brasil o Rock independente começa a colher frutos,
depois de muita luta nos últimos anos. Existem bandas
muito boas aqui no cenário independente como
Cachorro Grande, Érika Martins & Telecats, Walverdes,
Canastra. Ainda não temos uma distribuidora de discos
independentes que sirva o país todo, que é muito
grande. Somos uma das raras bandas que vivem só de
música, apesar do trabalho extremamente profissional
e bem cuidado de muitas bandas. Gostaríamos muito de
fazer shows e ter nossos discos editados em Portugal e
em toda a Europa e fazer com que nosso som chegue até
aos vossos ouvidos. Essas bandas antigas que citaste
continuam a ser muito conhecidas por aqui e a editar
discos todos os anos. Mas existe toda uma nova geração
por ser conhecida.
Apesar de ser um país com um potencial enorme e
cerca de 200 milhões de habitantes, aqui a ideia é de
que o Brasil é um país com pouco poder de compra
nestas coisas da cultura.
Realmente grande parte da população é muito pobre e
não tem poder de compra para nada... mas é um povo
muito ligado à música e que se diverte muito a ir a
shows. Aqui o mercado mainstream é que é muito desorganizado e parece não saber bem o que é melhor para
os seus artistas...
Sei que já editaram o vosso disco também no Japão e
que andaram a tocar com os Guitar Wolf, tendo aliás
participado na colectânea “I Love Guitar Wolf”. Como
aconteceu tudo isso?
Sempre gostei muito dos discos de Guitar Wolf e tivemos
a oportunidade de tocar num festival na mesma noite
que eles, aqui no Brasil. Eles viram o nosso show e no
final da apresentação disseram que queriam levar-nos
para fazer uma tournée no Japão. Foi uma óptima experiência, eles são uma banda muito grande por lá, todos
os shows estavam super-lotados. O nosso CD foi lançado
por lá e há sempre alguém do Japão a chamar os Autoramas para fazer alguma coisa para ser lançada naquele
país. Gostei muito também de ter participado nesse
tributo a Guitar Wolf, gravámos uma das nossas músicas
predilectas deles, “Energy Joe”. Sempre tocámos essa
música nos nossos shows.
Para quando a conquista do mercado europeu, especialmente o português, visto que afinal falamos a
mesma língua? Os Autoramas tem alguma distribuição europeia, como podemos adquirir aqui os vossos
discos?
Ainda não temos distribuição dos nossos discos na
Europa, e gostaríamos muito que isso acontecesse, pois
tornaria possível também uma tournée pela Europa.
Seria óptimo fazer o nosso som chegar aos vossos ouvidos, estamos ansiosos para fazer shows em Portugal. Se
alguém se interessar, entre em contacto connosco...
[www2.uol.com.br/autoramas]
33
Entulho Informativo 18
UNDERWORLD
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Entre outros hobbies doentios (que, se fossem aqui abordados, fariam deste artigo
uma homenagem à memória de Sade), Steve Albini ocupa-se de importar para o
país dos vaqueiros arrogantes tudo o que possa dar azo a um perigoso contágio
que, vitimando os ouvidos certos, resulte em alerta vermelho para as vidas ordeiras
de quem tem carro-casa-compras como regentes. Para quem não sabe, foi Albini
quem moldou como barro a merda que os Nirvana haveriam de espalhar sobre “In
Utero”, como quem se está a cagar para as imensuráveis expectativas que haviam
resultado de “Nevermind”. O fétiche exótico havia de ser manifestado na associação
mantida com K.K. Null no projecto Zeni Geva (que participou na edição do festival
All Tomorrow’s Parties conduzida pelos Shellac, um dos veículos de Albini) e
na mãozinha estendida aos Mogwai na gravação do épico “My Father, My King”
(constante de EP de tiragem limitada que serve de complemento ao álbum “Rock
Action”). Por sua vez, a vontade de ver o seu país natal ajoelhar-se
perante os efeitos da epilepsia, ficara
documentada na monitorização
de dois cocktails molotov
(“Speak Squeak Creak” e
“Scratch of Stitch”) cujo
impacto no meio clandestino
da música foi comparável ao
de Pearl Harbor na Segunda
Guerra.
O underground uniu-se
na aclamação de uma força
sobrenatural (os Melvins, Neurosis
e – erm... – Slipknot atrelaram
os MxBx a longas digressões)
que, tal como os “gadgets” do
Doraemon (aquelas helicópteros
e foguetões têm qualquer
coisa de primitivamente
revolucionário), não
encontrava um encaixe na
cultura musical ocidental.
É certo que há muito que o
bastião “verso-coro-verso”
já tinha tombado, mas cedo
os MxBx revelaram capacidade
de desconstruir o que restasse
desse modelo e cessar a existência
dos resíduos daí resultantes numa
centrifugadora de esquizofrenia (onde
Yasuko O. tudo embrulha num absurdo minimalista, de
forma a facilitar a intervenção do ataque sónico). O baixo e a bateria espicaçam-se
mutuamente com ritmos perfuradores, aquele scratch de guitarra urina ácido sobre
a doçaria putrefacta cantada por Yasuko O. (Mike Muir de saias e sob o efeito de
speed), possuem-se risonhos sobre uma chapa de zinco e com a vista inflamada por
gás de pimenta. Steve Albini – claro está - masturba-se compulsivamente perante
tudo isto. Por isso, “Speak Squeak Creak” – o primeiro disco de dimensão mundial
– equivale a uma primeira orgia, onde ainda se descobrem gradualmente o uso
mais proveitoso (e ofensivo para o aparelho auditivo) para os orifícios do ruído em
forma de queijo suiço. “Scratch or Stitch” faz dessa promiscuidade arte e concebe
o experimentalismo como intensificador para as sensações até aí provadas. Revelar
muito mais sobre ambos seria prejudicial ao prazer que se obtém com a descoberta.
Além disso, Melt Banana desde sempre foi sinónimo de “faça você mesmo”. Percorra
você mesmo a distância que separa estes estilhaços fugazes de um enigma horrendo
que o Japão vai adensando a uma proximidade incomodativa das barbas ocidentais.
UNDERWORLD
toda a grelha televisiva deva
incluir um programa âncora,
aquele cujo prisma reúna o
maior número de marcas de
identidade que possam hipnotizar o público. Tentaculares
pontas soltas que indiciem a
previsibilidade de derivativos,
mas transformem-nos em produtos apetecíveis. Cabe a “Doreamon” as honras dessa posição
no Canal Panda. Os Melt Banana
inverteram a funcionalidade estupidificante à âncora e fizeram
do underground um caldeirão
de ideias capazes de singrar
por ebulição. Recrutaram colectivos com a mesma convicção kamikaze face ao som
e ainda hoje são um daqueles
cometas tão imprevisíveis no trajecto como na cauda de nomes que
trazem atrelada.
A imunda óptica de Steve Albini
MITOS URBANOS
Robert
CRUMB
Entulho Informativo 18
É frequente
UNDERWORLD
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nas conversas entre
bedéfilos a indignação sentida pela falta de
reconhecimento da banda desenhada como
uma forma de arte. Como provocação, geralmente digo que a bd merece essa falta de
reconhecimento, uma vez que está atrasada
pelo menos cerca de 30 anos em relação, por
exemplo, às artes visuais e à literatura. Se
a bd na sua génese era dirigida à burguesia
oitocentista que se divertia com as sátiras
e caricaturas políticas e sociais, pouco a
pouco tornou-se um meio popular para
classes iletradas e para crianças. E cada vez
que a Censura avançava, os conteúdos da
bd ficavam mais tradicionais e menos dados
a renovações. Os anos 50 do século passado
foram fatais
para a infantilização da bd; ao que parece cada Estado tinha a sua desculpa
para controlar este meio tão poderoso. Nos EUA, a “caça às bruxas” apresentou
o “Comic Code”, um código de pré-censura criado pela indústria da bd após os
inquéritos que visaram sobretudo as produções violentas da editora EC Comics.
De agora em diante todos os comics seriam vistos pelo código antes de saírem
para as ruas. Acabavam-se as mutilações e outros maus gostos das revistas da
EC ou qualquer outra editora. Em França houve uma “Loi de la Jeunesse”, que
também proibia uma série de temas aos jovens, e a bd sendo uma leitura de
crianças e jovens não podia mostrar cabeças esquartejadas. Em Portugal, além
de não poder haver jovens mais atrevidas, tinha de tratar-se de temas históriconacionalistas. Em Espanha cortavam as pistolas das bd’s de westerns: “bang!”,
disparavam os caubóis em seco!
Neste contexto, a bd foi colocada na prateleira da infância para daí ter
sérias dificuldades em sair. Nos anos 60, entre drogas, vida comunitária e molotovs atirados à polícia, recomeça a bd adulta. O que é bd adulta? De facto “sexo
& violência” podem ser considerados temas de transgressão moral mas a verdade
é que também se pode tratar destes temas com a subtileza de um elefante e
conseguir ser infantilizante como um Manara e outros mafiosos. É areia para
os olhos. Ser adulto é fugir à dicotomia do “bom e o mau” – nesse aspecto os
comics da EC também ainda não eram “adultos” pois, mesmo quando o “mal
ganhava” no fim da narrativa, havia sempre um desfecho com moral. Adulto
será tratar qualquer tema sem esconder a realidade – por mais que a visão do
artista seja parcial e, por que não, adulterada. É política, intimidade, poesia,
sinceridade e mentira de mãos dadas,... ou será tudo isto Arte?
Robert Crumb
(1943, EUA), por mais que seja reconhecido pelos
desenhos de mulheres com pernas grossas, rabos e seios enormes, ou pelas biografias de gajos do Blues/Jazz, o tema do seu universo é a solidão. A estranha
solidão do século XX. A solidão de viver numa sociedade fria como a norte-americana. A solidão de não conseguir comunicar-se num sistema cruel de valores
sociais, especialmente para uma figura como a de Robert, e os seus irmãos Charles e Maxon, todos eles nerds assumidos e dissociados do mundo moderno e dos
valores de consumo. Tão desfasado que era da realidade imposta que, assim que
arranjou uma miúda, perdeu a virgindade e desatou a casar-se com ela. Não foi
uma boa ideia. Em 1965 teve a sua pior trip de LSD (que na altura conseguia-se
com facilidade) e que o levou ao desgosto sentimental, infelicidade e desespero. As trips de LSD também o levaram a exprimir o que já suspeitava e odiava
na América: bonecos desengonçados (sim, tripalhocos!), fobias/traumas com
o sexo e a educação católica, o racismo contra os negros latente na América
– e nele próprio... Desenhou isto tudo sem saber o que desenhava. Com estes
desenhos e bd’s talvez seja de se afirmar que é aqui que a “escrita automática”
enquanto modelo de criação surje pela primeira vez na bd, ou então terá sido
pela forma mais bem conseguida e provocante. É inédito na bd este tipo de
O primeiro artista
de uma arte
atrasada
processo e transporta-a para a modernidade
da Arte; afinal, a escrita automática e os
cadáveres-esquisitos já se faziam com os
Dadaístas e Futuristas 30 anos antes – já
perceberam onde queria chegar com a longa introdução…
Em 1967, os autores Spain, S. Clay Wilson, Gilbert Shelton e Robert Williams criaram a Zap, revista de comics underground
num mundo em mudança. Antes deles e
depois com eles houve mais uma centena
de revistas com aspecto psicadélico e temas
anti-autoritários, mas Crumb (sendo um
artista) conseguiu fugir à infantilização
do “anti-autoritário pelo anti-autoritário”,
criando uma obra mais
profunda e pessoal do que a maior parte dos
autores da sua geração. Daí que, apesar de Janis Joplin (para quem fez a capa
de um disco) aconselhá-lo a vestir roupas mais coloridas para que arranjasse
umas miúdas hippies, sempre preferiu usar roupas “caretas” dos anos 50 (com
chapéu de palha e laçarote!) mas descomprometidas, ou seja, roupas que não
tivessem marcas de bandas, clubes ou slogans – como quase toda a roupa que
usamos. Crumb rejeitou o Rock, a Pop, a música psicadélica, todas as criações
do mundo moderno por não ver nelas criações sinceras – ao contrário da inocência perdida das vozes da sua prestigiada colecção de discos de 78 rotações
de Blues dos anos 20/30. Com o personagem Fritz, The Cat (não lhe falem da
adaptação para cinema de animação porque a coisa não correu bem) criticou
a geração “revolucionária” dos 60, apanhando os seus contra-sensos. Acabou
até por rejeitar a América mudando-se, nos anos 90, para o sul de França, imediatamente antes da projecção pública que o documentário ”Crumb” (de Terry
Zwigoff) lhe viria a dar.
Esta capacidade de não se comprometer com o mundo capitalista, aliada à
observação e um desenho virtuoso (que lembra os melhores gravadores de sempre) faz de Crumb o primeiro artista moderno da bd. Foi polémico e chamado
de misógino e sexista, apesar de ter influenciado mais mulheres a fazerem bd
do que qualquer outro autor, editor ou escola – que o diga a norte-americana
Roberta Gregory ou a finlandesa Kati Kovács ou, ainda, a sua mulher Aline Kominsky-Crumb e o fruto de ambos, Sophie. Com Harvey Pekar (só por si mais um
que merecia um “Mitos Urbanos”) desenvolveram a autobiografia na bd, outra
forma inédita na história da bd! Teve os seus altos e baixos financeiros: altos
porque enriqueceu com as revistas underground dos anos 60 – estas revistas
criaram um sistema alternativo de distribuição nos EUA que fugia ao controlo
do “Comics Code” – e baixos durante finais dos anos 70, quando os comics underground estagnaram criativa e comercialmente. E se ele e os undergrounders
foram o ar fresco na bd, que abriram as “portas da percepção” para as novas
gerações de autores alternativos dos anos 80 e 90, Crumb também soube inspirar-se com os seus “descendentes”. Nos anos 80 editou a revista Weirdo, fascinado pela energia dos zines Punk, onde publicou os novatos (e agora admirados)
Peter Bagge e Julie Doucet. Foi no contacto das novas gerações que Crumb rejuvenesceu, ao contrário dos seus comparsas dos anos 60.
Reconhecido como artista nos últimos tempos, ainda em 2005 foi-lhe dedicada uma grande exposição na Galeria de Whitechapel (Londres), e encontra-se
a adaptar o “Génesis” da Bíblia – mas acreditem que isto não é atitude de quem
está arrependido do que fez, tipo born again christian, mas somente porque
está a ser pago pelo seu sincero trabalho.
Bibliografia recomendada
The Complete Crumb (17 volumes, Fantagraphics)
Kafka para principiantes (Dom Quixote, 2000) com texto de David Z. Mairowitz
Texto: Marcos Farrajota | Ilustração: André Lemos
TUBO D’ENSAIO
ARREPTÍCIOS
& KARLHEINZ
EP’05 . Edição de Autor
Perpassa pelas quatro composições uma abnegação
semi caótica, reorganizadora, sempre com um sentido,
sem perder o rumo, geradora de tensão e interrogação
(primeiro tema), ou uma circunspecção em singelos
lamentos de um blues surrealista assente num morno
timbre de guitarra, condutora da trama musical,
penetrante, intenso, sedutor até (segundo tema). Há
uma voz pueril que empresta fonogramas enigmáticos
preenchendo o puzzle sonoro, num grau de combinação
que reforça o ambiente algo quimérico. O resultado é
um bloco por vezes atonal, por vezes entrosado em
harmonias dissonantes sobrepostas, que repõe o fluxo
de uma estrutura em mutação, bastante interessante
e de resultados surpreendentes. Há uma progressão
premeditada no terreno da invenção, uma deconstrução
do acto musical produtora da reconstrução. A gravação
é caseira, e promete desejar ouvir um próximo trabalho
em condições de estúdio bem melhores, o que a
acontecer, e desenvolvendo o percurso agora exposto,
deixa antever boas perspectivas. Uma agradável
surpresa. [[email protected]] 4 NM
BANDANOS
Bem-vindos à Realidade
CD-Demo’04
Os BT bebem directamente as suas influências no
Punk/HC tuga, fazendo lembrar as bandas do final dos
80/ início dos 90. Censurados são a referência que logo
nos vem à cabeça, e para isso contribui o facto de os
BT cantarem em português. Letras de contestação (com
um pouco de ingenuidade pelo meio), ritmos velozes e a
tentativa de mostrar algum trabalho (principalmente nas
guitarras) são um bom cartão de visita, mas falta algo
mais para os BT poderem deixar a sua marca. 2,5 LO
O projecto a solo de Tormentor Bahamut mostra-nos uma incursão do multi-instrumentista pela paisagem sonora do Inverno, numa linha algures entre o Funeral
Doom e o Black Metal de cariz atmosférico, popularizado inicialmente por Burzum e
mais recentemente por Uruk-Hai ou Vinterriket (curiosamente, todos eles projectos
a solo). Composto essencialmente por sons obtidos de teclados e sintetizadores,
existe aqui também variedade através da participação do guitarrista de sessão Old
Hermit e de ocasionais incursões vocais por parte de Tormentor. O som cru que rodeia todo este lançamento é
principalmente latente nos riffs gélidos da guitarra, se bem que a deficiente produção sonora também se faça
notar mais acentuadamente nessas ocasiões (sendo este o principal ponto negativo do trabalho). Um projecto
deste tipo corre o risco de se tornar aborrecido se não incutir no ouvinte um profundo sentimento e ligação
emocional à música, e Bahamut consegue apenas sucesso parcial nesse campo. No entanto a vertente mais
Black Metal do seu som incute maior diversidade e augura boas perspectivas para o futuro. 2,5 Lurker
GRIMLET
No lyrics, no solos, only bullshit riffs & fun! Isto já diz muito deste trabalho. É Death Metal brutal vindo da Algéria, como poderia ser da Malásia, Indonésia, Senegal
ou Ermesinde. É rápido, directo, com intros sampladas e voz à porco-na-matança.
Igual a milhares de outras bandas mas duvido que o queiram de outra forma. A
cover de Impetigo seleccionada é a “Boneyard” mas poderia ser uma de Carcass,
Repulsion ou Gut que o efeito seria exactamente o mesmo. Espero que os Carnavage se divirtam a tocar pois duvido que consigam divertir mais alguém. 1 RA
Darkness Shrouds The Hidden
EP’05 . Edição de Autor
Confesso que a primeira vez que vi estes figueirenses
ao vivo não fiquei impressionado. No entanto, depois de
ouvir este EP de estreia alterei a minha opinião. Antes de
mais, a qualidade global deste trabalho. Não só o disco
em si, mas o cuidado colocado no material promocional,
o bom gosto de incluir um vídeo como bónus e toda a envolvente profissional presente neste lançamento próprio.
Com uma produção bem acima da média, os Grimlet
apresentam uma mescla de Death/Black Metal com laivos progressivos e momentos avant garde, recurso a teclados q.b. e samples bem enquadrados que introduzem
uma camada adicional no seu som. Há muitos elementos
interligados que compõe uma textura multi-dimensional
que dificilmente se apreenderá à primeira audição, o que
nos leva a pressionar play novamente quando a rodela
de plástico acaba de girar. Existem ainda pormenores a
limar, como algumas passagens que soam claramente
fora do contexto ou quebras demasiado acentuadas no
fluxo global do disco, mas é sem dúvida uma estreia
bastante promissora para os Grimlet. 3,5 Lurker
HIPNOID
Chaos
CD’05 . Edição de Autor
Quando vi a banda desenhada que acompanha o CD, a
profusão de sangue e tripas fez-me pensar que teria entre
mãos uma banda de Grindcore ou algo assim. No entanto,
não era de todo o caso – os Hipnoid tocam um Metal genérico mas agradável, não muito fácil de classificar – talvez
um Thrash ligeiro, o que até acentua o facto de a voz por
vezes lembrar a do James Hetfield, como em “Fake”, uma
música que inclui partes cantadas em po rtuguês. A produção é bastante limpa e todos os instrumentos se ouvem
nitidamente, mas poderia ser um pouco mais pesada. As
faixas são variadas, e por vezes aproximam-se um pouco
de um Thrashcore americano, ou mesmo de uma versão
um pouco mais leve de Pantera. O CD inclui também
dois videoclips e o anterior trabalho da banda em mp3,
“Mankind”. Ficamos a aguardar o terceiro álbum, que os
brasileiros tencionam gravar este ano. 3,5 Rick
KARSERON
Krux Krucis . CD-Demo’05
Os Karseron são um caso de perseverança face à
IMAGEM: DVDs
LOS FASTIDIOS
TRADUÇÃO: DEJAN BOGOSAVLJEVIC e ANA MORAIS
On the road… Siempre Tour!
DVD’05 . Mad Butcher/ KOB Records
Este DVD documenta três anos (2003-05) em que os
italianos Los Fastidios estiveram em constantes tours
por toda a Europa. Com uma qualidade notável, este DVD
retrata bem a vida de um dos melhores grupos da cena
Streetpunk actual. São apresentadas três secções: On
the road (documentário com imagens na estrada, palco,
backstage, estúdio); On stage (com dois concertos, em
Praga e Milão); e Videoclips (com todos os videoclips da
carreira dos Los Fastidios). De realçar as peripécias do
documentário com as desventuras que uma banda se
arrisca a passar, como o inevitável acidente com a carrinha, ou o telemóvel que cai
dentro do buraco do esgoto. Algo que também não passa despercebido é o videoclip
“Animal Liberation” com imagens verdadeiramente chocantes de testes e mau tratos em
animais. Siempre contra!! 4,3
CARNAVAGE . Carnival Of Carnage
DIARRHOEA . Shits For You
Esta diarreia vem da República Checa, país que para além de exportar futebolistas e pornografia, tem também boas propostas dentro do Death/Grind. Mas ao
contrário do nome, esta merda não é totalmente líquida e já mostra uma solidez
assinalável para uma demo. Não ficam nada atrás de centenas de álbuns de
Death Metal que se editam todos os anos e ainda têm a vantagem de, devido aos
seus quinze minutos, não durar tempo suficiente para chatear seja quem for. Isto
é aquilo a que eu chamaria de uma boa demo se tivesse uma apresentação decente, mas como só recebemos uma fotocópia não sei o que dizer. Cheira-me que um álbum estará para breve. 2,7 RA
[www.dungeonsrecords.cjb.net]
adversidade. Activos desde 1992 e com algum nome no
meio nacional, devido sobretudo a uma certa regularidade de prestações ao vivo, está no entanto ainda por
lançar um primeiro registo condigno; à demo ainda em
cassete e à compilação que fizeram para comemorar
a década de existência, junta-se agora este “Krux
Krucis”, um CD-R com fins meramente promocionais.
A falta de baterista e teclista é a causa do emprego
de meios electrónicos na gravação destas músicas
(e também nos concertos). No entanto, apesar de ser
este um lançamento de transição em direcção a um
futuro álbum, o resultado demonstra a capacidade e a
experiência do grupo. O som pauta-se cada vez mais
por um Death Doom melódico, com teclados e algumas
vocalizações femininas, que tanto se exprime em
momentos lentos ao estilo de bandas como Anathema
como acelera para um Death aguerrido, mas sempre
bastante intenso. 3,5 Rick
em Portugal também temos uma banda chamada
Loosers...»; «Exactamente, são eles», responde o Jelle;
«Não, não... não percebes, em Portugal também temos
uma banda com esse nome»; «Sim, sim, são eles!»
insiste Jelle. E eram. Investigações mais tarde, descobri
que os Loosers andam a (auto)editar uma série de
CD-Rs (e também o recente segundo disco que só saiu
em vinilo) provando que são mais do que uns fashionvictims-do-pós-electro-revival-new-wave-do-pessoalixo-do-Bairro-Alto. Ao que parece nestas edições
tem havido menos Rock rotulável e mais experiências
sónico-tribais na linhagem Glenn Branca e acólitos. Interessante. Especialmente a capa em serigrafia do Jelle!
[www.freewebs.com/rubyredlabel] 3,6 Marte
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THE LOOSERS
iiii
CD-R’05 . Ruby Red
Mundo pequeno: está um gajo em Antuérpia (Bélgica) a
falar com o camarada Jelle Crama [www.jellecrama.tk]
e a trocar galhardetes, quando o tipo me passa um
CD-R embalado numa capa no formato de álbum em
vinilo de uns tais... Loosers. «Ah! Que engraçado, lá
TESTAMENT
Live in London
DVD’05 . Eagle Vision/ Edel
Se há banda que não precisava disto, essa banda são os Testament. Isto
porque o seu último trabalho de originais, “The Gathering”, está ao nível
dos seus melhores momentos e não guarda um olhar nostálgico sobre os
tempos áureos do Thrash da Bay Area. Apesar de ainda não terem caído no
ridículo dos Anthrax (paz à sua alma), aproximam-se rapidamente disso. Já
houve um “First Strike Still Deadly” que resultou bem, mas agora não vejo
sentido nesta reunião, que não seja a celebração do regresso dos Testament
após a grave doença de Chuck Billy. E neste DVD podemos ver como ele
está contente por estar de volta, saudável e sem falhar uma nota no seu
air guitar. O alinhamento é composto por temas dos cinco primeiros álbuns
(como é óbvio) e alguns deles são bastante dispensáveis – porquê “Let Go Of
My World” ou “Sins Of Omission”? A energia está lá e hinos como “Over The
Wall”, “Into The Pit” ou “Disciples Of The Watch” são imortais, mas por vezes
isto parece mais uma reunião de veteranos de guerra que recordam histórias
das trincheiras. Alex Skolnick está numa só de se divertir umas noites porque isto já não é, definitivamente, a
cena dele, e o baterista John Tempesta (também dos White Zombie) tem que tocar metade do set porque Louie
Clemente não aguenta o concerto inteiro. É uma edição porreira para fãs, que coleccionam tudo e até fazem
filmagens das férias em Santiago de Compostela para mostrar aos amigos e familiares lá em casa. 2,8 RA
37
Entulho Informativo 18
BARAFUNDA TOTAL
CD-Demo’05
Esta nova banda portuguesa toca um Death Metal sujo,
agressivo, e oldschool. A técnica pode não ser muito
apurada mas presumo que o objectivo da banda também não passe por aí. O resultado é incisivo e brutal. A
música não abusa da velocidade e por vezes arrasta-se
como uma corrente enferrujada pelo crânio purulento
de um estropiado semi-digerido. As vocalizações lembram-me os dois primeiros álbuns de Carcass. E para
já, com estes dois primeiros temas, não há muito mais
a dizer. Gostei do que ouvi e falta agora ver se a banda
conseguirá evoluir para algo em que brilhe uma qualquer fagulha que os distinga dos demais. 3,6 Rick
UNDERWORLD
Justiça das Ruas . CD-Demo’05
Voltemos aos anos 80, mais concretamente à costa
californiana. “Thrashin’”? Camisas de flanela?
Bandanas? Lembram-se de isso tudo, correcto? Cryptic
Slaughter, Suicidal Tendencies, D.R.I., Accüsed são
também nomes de referência, certo? Então e se de
repente quatro brasileiros voltassem numa máquina
do tempo a essa mesma era, como soaria? Simples:
Bandanos – músicas rápidas e muito curtas, num
cruzamento extremamente eficaz entre Hardcore, Metal
e Punk. Ou seja, simples crossover Thrash da velha
escola. Abundam aqui vocalizações gritadas, riffs
rápidos e agressivos q.b., uma percussão bastante
eficiente, uma gravação crua mas audível e títulos
sarcásticos como “Óscar de Melhor Ator”, “Te Amo,
Porra!” e “Enfia No Cú a Sua Teoria”. Tempo de
duração: sete minutos. Magnífica demo de estreia para
este quarteto de São Paulo, formado no ano de 2002,
e que conta nas suas fileiras com membros de ilustres
bandas Hardcore / Punk locais como os Questions,
os Point Of No Return ou os Rot. Selo de aprovação
validado. 3,6 RM
BAHAMUT . Hidden Theory
BLOODREALM
SOM: CDs/ Vinil
ENTULH’AUDITIVO, por Ricardo Amorim
CD’05 . Fat Wreck / Rastilho
Ao contrário da maioria das bandas do catálogo da Fat,
os Against Me não fazem neste álbum o típico Punk
Rock de três-acordes-e-pontapé-na-bola, e tentaram
dar a volta à questão fazendo exactamente o oposto.
As músicas são mais longas que o habitual em álbuns
deste género, as melodias mais trabalhadas. O problema é que isso nem sempre resulta bem. Em Searching
for a Former Clarity, os Against Me soam a uma mistura
de Pixies com Violent Femmes (devidamente actualizada para os nossos dias), com a voz de Tom Gabel a
fazer lembrar algo entre Tim Armstrong e Shane McGowan, mas em nítida fora de forma, ou talvez demasiado
bêbados. É daqueles álbuns que entretém e surpreende,
mas que nem por isso cativa particularmente quem
o ouve. Falta-lhe carisma, soa a requentado, e após
cinco ou seis músicas, quase todas com títulos mais
interessantes do que elas próprias, torna-se mesmo
chato. Sem ser uma perda de tempo, está longe de ser
um excelente registo. 1,5 RP
ATARAXIA/
AUTUNNA ET SA ROSE
Odos Eis Ouranon
– La Via Verso il Cielo
2xCD’05 . Equilibrium Music
A Equilibrium fornece-nos com este disco duplo o
registo ao vivo das actuações de Ataraxia em St.
Ruffino (Fev’05) e de Autunna et sa Rose na igreja
de St. Michele (Mai’03), com a particularidade de
serem ambas performances acústicas. A metade de
Ataraxia, denominada “Strange Lights”, não é surpresa:
fantástica! Aliada à (habitual) excelente prestação
vocal de Francesca temos magia nas notas debitadas
pela guitarra clássica, piano, flauta e diferentes
percussões. O material aqui apresentado é muito
mais do que o típico alinhamento ao vivo, incluindose duas faixas inéditas (“Strange Lights” e “Seas Of
The Moon”) adicionando interesse e relevância à já
inusitada qualidade sonora que estes italianos nos
habituaram ao longo da sua carreira. Infelizmente, a
outra metade não é tão boa. Os Autunna et sa Rose
apresentam em “Logos” uma textura sonora muito mais
reduzida, baseada apenas em piano, violoncelo e voz,
afastando-se do padrão Neo-Clássico / Medieval dos
Ataraxia para se centrarem numa abordagem algures
entre o classicismo puro e a teatralidade. O que não é
mau, não fosse o facto de daí não resultar um equilíbrio
com o outro disco. Salvam-se as prestações operáticas
da soprano e as também duas faixas inéditas num
conjunto que, a meio da sua duração, começa a tornarse algo enfadonho. Dúvidas não hajam que estamos
perante (mais) uma proposta de grande qualidade,
que fará as delícias dos amantes do género, apenas
penalizada pela falta de algum equilíbrio qualitativo
entre as prestações apresentadas. 3,5 Lurker
BEECHER
This Elegy, His Autopsy
CD’05 . Earache/ Megamúsica
Imaginem uma montanha russa repleta de loopings,
túneis estreitos, descidas a pique, algumas pausas
para recuperar o fôlego, para no final chegarmos a um
porto seguro, onde tudo faz efectivamente sentido. Este
é o sentimento que se tem após ouvir o novo álbum dos
britânicos Beecher, intitulado “This Elegy, His Autopsy”.
Os riffs de guitarra vagueiam entre por entre o ultra-técnico, o absurdamente simples e o Rock mais progressivo. Temos ainda tempo para alguma electrónica, títulos
eloquentes como “It’s Good Weather For Black Leather”
e um layout que à priori poderia assemelhar-se mais
a um disco de música de dança, do que a outra coisa
qualquer. Provocação intencional? Não tenham dúvidas.
O caos habita neste registo de forma surpreendentemente equilibrada. A atitude Punk do quinteto misturase sempre de forma harmoniosa com a diversidade
final encontrada no disco, chegando mesmo a confundir
o ouvinte. Não há aqui qualquer intenção de recorrer
a plágios estagnados ou quaisquer outros vícios. Pelo
contrário: há referências que serviram como catalisador
para atingir um fim deveras refrescante. E também não
vale a pena utilizar aqui o termo metalcore. Não faz
qualquer sentido. Trunfos pesadíssimos como a editora
Earache e a produção de Kurt Ballou (Converge) servem
como testemunhas a um dos mais refrescantes discos
de música pesada editados este ano. 4 RM
CAPRICORNS
Ruder Forms Survive
CD 2005 · Rise Above / Recital
A identidade deste colectivo revela membros de bandas
como Iron Monkey, Orange Goblin entre outros. A estas
coordenadas junta-se a presença de Eugene Robinson
dos Oxbow que canta no único tema vocalizado
– “The First Broken Promise” – numa interpretação
completamente inflamada e demente. Este trabalho
foi gravado em poucos dias num antigo estúdio de
rádio no centro de Berlim onde no passado alguns
discursos em pleno ambiente de genocídio teriam
sido feitos – sendo certo que este período negro foi
relembrado pelo colectivo. Musicalmente temos metal
instrumental devedor do sludge, cadências negras com
riffs triunfantes e ritmos balançados num êxtase bem
stoner. Ainda se ouve a beleza do post-rock mas para
quê mais rótulos quando temos guitarras “enormes”?
Bandas como os Unsane, Pelican ou uns Neurosis
instrumentais podem servir de referência para aqueles
que ainda não estão convencidos. As dinâmicas ora
contemplativas ora mais violentas ostentadas por riffs
criados pelos catedráticos na matéria agarram-nos até
ao fim. Terminada a viagem sem precisarem de grandes
ornamentações e com as mesmas armas do Punk rock
ficamos com um marco para o futuro. 4,7 PN
CRYPTOPSY
Once Was Not
CD’05 . Century Media/ Edel
As cinco razões porque “Once Was Not” é uma desilusão: 1) Faltam grandes temas a este disco. Apesar
da complexidade técnica, os Cryptopsy sempre fizeram
canções. Aqui temos “Carrionshine”, “Angelskingarden”
e pouco mais. O resto soa a material excedentário. 2)
“Once Was Not” é um workshop de bateria disfarçado
de álbum. Engana bem, mas não deixa de ser um disfarce. 3) Lord Worm não traz a demência e insanidade
que incutiu a “None So Vile”. Soa a um vocalista saído
de qualquer banda de Black Metal alemã que tenha gravado uma demo por volta de 1995. Em “Endless Cemetery” ouvimo-lo com voz à Dani Filth e “The Pestilence
That Walketh In Darkness [Psalm 91: 5-8]” é o pior e
mais irritante tema da carreira dos Cryptopsy, muito por
sua culpa também. 4) O abandono do guitarrista Jon
Levasseur foi um sério revés. Apesar de ainda ter contribuído na composição, fazem falta os seus dez anos de
Cryptopsy que ajudaram, e muito, a moldar a sonoridade
da banda. 5) A produção é esquisita. Bem sabemos
que Flo Mounier é um baterista de outro mundo mas a
bateria não precisava de estar tão alta. Onde estão as
guitarras, meus amigos? Tem que haver um pouco de
equilíbrio. Resumindo, “Once Was Not” é o reflexo da
instabilidade vivida no seio da banda desde o último
disco e da evidente pressa que houve em deitar um álbum cá para fora. Ao contrário do que sempre aconteceu
com os Cryptopsy, o novo trabalho não é um reflexo de
um momento no percurso criativo da banda, pois existiu
uma evidente quebra, mas apenas um pretexto para
voltar à estrada e recuperar o tempo perdido. 3 RA
DELIRIOUS
Made for the Violent Age
CD’06 . Armageddon Music/ Recital
O novo álbum dos Delirious inscreve-se sobretudo
num Thrash germânico não muito diferente do que os
Destruction andam a fazer. Aliás, as referências são
obviamente os anos oitenta, e é curioso como as vocalizações de Markus Bednarek são versáteis – por vezes
soa ao Chuck Billy dos Testament; por vezes a Goddess
of Desire. Com treze faixas há lugar para muita coisa, e
de facto os Delirious tentam demonstrar que têm capacidade para variar bastante. Há uma balada e uma faixa instrumental acústica, mas onde a banda realmente
brilha é no Thrash pesado à alemã, como na fantástica
“Blood Begins to Freeze”. O CD acaba com uma cover
de ‘In-a-gadda-da-vida’, mas mais parece estarem a
seguir a versão popularizada pelos Slayer que a original
dos Iron Butterfly. O cômputo geral é muito positivo!
Um óptimo álbum de Thrash autêntico como hoje muito
poucos são ainda capazes de fazer. 4,2 Rick
DIRTY THREE
Cinder
CD 2005 . Touch & Go
Este trio Australiano tem como timoneiro, há mais de
uma década, Warren Ellis membro da trupe Nick Cave
& The Bad Seeds. Warren e os seus dois comparsas dos
Dirty Three têm construído um legado exemplar sem
nunca precisarem de emergir à conta de referências e
quem anda atento ao post-Rock já deve ter ouvido falar
neles. Do conjunto de temas instrumentais temos a
excepção com a participação de Chan Marshall também
conhecida como Cat Power (novo trabalho “The Greatest” a sair no inicio de 2006) que co-escreve a musica
“Great Waves” e Sally Timms dos The Mekons outra
ajuda em “Feral”. Quanto à música, o violino é o instrumento em destaque, ao jeito duns Rachel’s, revelando
a faceta clássica de Warren. O romantismo do violino
“ilumina” tudo o resto que perfaz um arrebatamento sonoro que vai da celebração gipsy de “The Zither Player”
aos aromas celtas e à redenção de Nick Cave, ou
melhor, à parte sonora dos Bad Seeds esperando aquela
grande voz cavernosa. “Too Soon, Too Late” é imaginário
western como só Morricone soube criar. “Last Dance”
uma despedida entristecida pelas parcas notas do piano
permitindo uma janela aberta para o sonho... 4,3 PN
THE DRONES
The Miller’s Daughter
CD’05 . Bang!recs/ Munster Records
Rui Pereira, filho de portugueses, nascido durante
a guerra em Moçambique, imigrou para Austrália.
Aí aprendeu a tocar guitarra e fugiu de Perth numa
carrinha com outro membro desta banda e dois cães.
Estacionaram em Sidney em trailer-parks durante semanas, onde estiveram entretidos a ver lutas e tiroteios
de vagabundos. Com os danos mentais sofridos por
tudo isto, quando finalmente arranjam um apartamento,
onde vivem com mais catorze pessoas, decidem formar
uma banda, os The Drones. Com dois álbuns aclamados, este CD. consiste em trabalhos dessas sessões de
estúdio que não foram incluídos em nenhum deles. Mas
que podiam ter sido ou este ser tratado com mais um
álbum e não algo à margem. À semelhança de quase
tudo o que vem, ou chega, daquele continente é um
Rock sujo influenciado pelo blues, escuro, violento, visceral com álcool e muitos demónios, mas à procura de
algo de belo ou poético ou de um exorcismo. Não muito
longe dos seus conterrâneos, Nick Cave & The Bad
Seeds, mas sem o lado carismático e religioso, estão
também perto dos Beasts of Bourbon e dos Scientists.
Uma banda a ter em atenção. 4,1 AC
EPHEL DUATH
Pain Necessary to Know
CD’05 . Earache/ Megamúsica
Numa era em que já (quase) tudo foi inventado, o que
nos resta? A desconstrução. Apreciar telas sonoras
pelas cores e texturas em vez de exclusivamente pelas
formas e pela estética. Esquizofrenia é a primeira
palavra que surge. Descrições são sempre difíceis
e subjectivas. Compêndios e teses escrevem-se em
torno de coisas muito mais lineares do que isto apenas
pela diferença que invocam, mas para facilitar uma
localização... atira para dentro de um caldeirão Zorn,
Primus, Dillinger Escape Plan (com quem Ephel fez
tour), Coltrane, e até Neurosis (sem crescendos porque
não conseguiria ser frenético)... e a ideia será ligeiramente aproximada – após trituração prolongada. Como
instrumentistas Ephel Duath são gigantes. Mas a sua
tusa não é criar canções estruturadas de modo convencional. Isso seria simples demais (e se calhar até
lhes enchia os bolsos). Não... eles colam fragmentos.
Harmonias geniais, contratempos elaborados, leads
psicóticos, raspas e migalhas de instrumentos que se
calhar nem eles recordam (claro que é duvidável...) e,
numa espécie de caos organizado, com mil-e-uma viragens bruscas e esgares de voz ácida, desafiar o ouvinte
a acompanhar o seu exercício canibalístico. Contar que
isto já foi um colectivo de Black Metal ninguém acredita. Deitaram fora a métrica convencional e todas as
noções elementares. Agora resta-nos interpretar o trabalho do trio italiano como um mero exercício estilístico
ou um acto artístico de escalão superior. Pode ser bastante estimulante ou extremamente irritante, parte do
ouvinte mais que do ente criador. Benvindos à música
pós-contemporânea! E dá vontade de tornar porque não
molesta tanto com violência gratuita como Dillinger, por
isso 4,5 JP
FILII NIGRANTIUM
INFERNALIUM
Fellatrix Discordia Pantokrator
CD’05 • Procon Media/ EQM
Outra longa espera que valeu a pena é este fornicador
disco. O herético Heavy Metal sodomita de freiras e
virgens castas que os Filhos da Negritude Infernal
invocam é algo único, e merece ser experienciado (fustigado?) na pele antes de se assumir qualquer tipo de
conclusão. É uma banda bastante satírica, fálica até.
Com traços únicos, onde se destaca desde logo a voz
inflamada de Belathauzer. Também um certo backto-basics em termos de raiz Metal, tendo ao mesmo
tempo algo que talvez possamos designar por avant
garde. Certamente Celtic Frost teve a sua responsabilidade. Sente-se nas cordas direccionantes, e até
poesia em francês por aqui passa. A participação de
Catarina Raposo, vocalista dos acústicos Dwelling,
também resultou bem – como algodão doce no meio
de malaguetas perversas. Cheiros de Blues, blasts
destroçantes, riffs que realmente induzem o mais
paralítico ao headbanging, e leads que racham o
vidro espesso dos óculos de qualquer eclesiástico
de província. É um disco com riqueza e carácter.
Interessante e certamente divertido, especialmente
num palco perto de si. Além de uma produção competente, o pacote também ajuda a tornar o produto
apetecível e digno de investimento. Respeitem a
cona, ela jamais esquece! 3,8 JP
FREEDOOM
Shut Up and Take the Pain
CD’05 . Puta Punx Disorganisation
Após “Still Remain” [ver Under #16], as expectativas
com os Freedoom cresceram, mas infelizmente
“Shut Up…” não é um passo à frente em termos de
evolução musical, apenas um passo ao lado, visto não
trazer nada de especial nem acrescentar nada que já
não se tivesse ouvido no anterior trabalho. Pelo contrário, por vezes parece que a banda perdeu um pouco
a força que mostrou em “Still Remain”. A identidade
continua a mesma: Punk-as-Fuck com dois dedos em
riste, muito na onda de bandas como The Casualties,
The Bristles ou The Pist. Up the Punx! 3 LO
GAMMA RAY
Majestic
CD’05 . Mayan Records/ Recital
Apôs quatro anos de silêncio, apenas quebrados por
um disco ao vivo e por algumas actuações nalguns
festivais, os Gamma Ray voltam ao activo com novo
álbum. Liderados pelo carismático Kai Hansen, era
com alguma expectativa que se aguardava por este
trabalho. Talvez por isso me tenha desiludido com
“Majestic”. Não porque seja um mau disco, até
porque Kai Hansen já provou ao longo da sua carreira
que desconhece o significado da palavra mediocridade, mas apenas porque o álbum me soa pouco inspirado e oferece mais do mesmo. Um exemplo flagrante
verifica-se logo na primeira faixa “My Temple” com
alguns riffs roubados a “Sabbath Bloody Sabbath”.
Os primeiros acordes de “Hell Is Thy Home” são uma
cópia chapada da “Leather Rebel” de Priest. Mesmo
outras faixas fazem lembrar músicas dos próprios
Gamma Ray. Tendo sido ao longo dos tempos um inovador, Kai Hansen, não precisava de recorrer a esta
fórmula já gasta que nada traz de novo. 2,8 PA
HEMATOMA
For Yours We Wait
CD’05 . Musicactiva
Em “For Yours We Wait” os Hematoma apresentamnos um Thrash Metal old-school, coeso e bem
tocado, com tentativas de fugir aos clichés do género.
Nem sempre a tentativa resulta, já que por mais de
uma vez ficamos com a sensação de estar a ouvir
algum b-side perdido das gravações dos Metallica
ao longo destas cinco faixas. E é aqui que reside o
principal ponto fraco do álbum: apesar de contar com
riffs poderosos (boa prestação de Tiago Estrada na
sua guitarra ritmo) e uma secção rítmica competente,
PÉROLAS A PORCOS
[Outras formas, outros cheiros, pelos ouvidos de um leigo.]
por Joaquim Pedro
Talvez por ser um curioso de coisas e, em virtude do interesse e do acaso, descobridor de
muitas [tanto belíssimas como coprofágicas - de merda, mesmo] resolvi trazer desta forma mais
uma lufada de ar fresco a estas páginas, que de ar intestinal estamos já todos fartos.
Ao dar de caras com Asas Sobre o Mundo, disco em vinil de Carlos Paredes editado em 1989
do qual eu fabulosamente consegui uma cópia deselegante em CD-R [mas necessária dada a
raridade do mesmo], o meu bom amigo Xico na Neon Records [não, não passo a publicidade - é
bom ir a lojas onde nos tratam pelo nome e nos levam ao que nós queremos, a arte não pertence
a cadeias impessoais de consumo em massa!] reparou no meu entusiasmo e conduziu-me a
uma porta dos fundos onde se avolumavam contentores de delícias inacreditáveis. Foi dali que do
recanto mais sombrio e ermo surgiu...
ANTÓNIO VICTORINO D’ALMEIDA
CARLOS PAREDES
“Invenções Livres”
LP 1986 . Polygram
O estilo de Paredes é inconfundível, vai muito além da personalidade intrínseca da própria
guitarra portuguesa [que alguns cretinos consideram instrumento exclusivo do fado], e todas as
palavras serão poucas para definir a pessoa e a importância que teve [e sempre terá] para a
cultura portuguesa; do Maestro António Victorino d’Almeida reconhece-se também relevância no
panorama da música e da comunicação, figura repleta de personalidade e alguma excentricidade,
com os seus rasgos de graça televisionável [sou erudito mas quero ser popular], e até os genes
transmitidos que podemos visionar em filmes, mas confesso ser desconhecedor da obra per se.
Improviso + Paredes + Guitarra portuguesa + Piano = Tive que investir nesta obra.
Lado A: Improviso 1
Logo ao escutar os primeiros acordes melancólicos crepitarem nas unhas e cordas de Paredes
contive a respiração. Victorino funde-se momentos após. E a partir daí ambos brilham, tendo
espaço para incursões e momentos seus, partindo acto-continuo para novo encontro, nova combinação, novo crescendo, numa montanha de vales sinuosos e florestas imensas, ou uma carícia
no mansinho dobrar da onda que vai graciosamente abrangendo cada vez mais espaço, até
dar-mos pelos nossos pés, joelhos, cintura... cobertos, mergulhados. Catarse estranha e deliciosa
esta. Selvagem por vezes. O génio dos mestres ultrapassa o mero exercício. Por vezes passeiam
afastados, noutras as cordas do piano fundem-se quase em uníssono com as cordas da guitarra,
a cadência de ambos é a mesma... e a magia a acontecer, só para nós.
Lado B: Improviso 2 (a); (b); (c)
A intensidade assume proporções realmente selvagens. António Victorino soltou o turbilhão que há
em si, Paredes dialogou com a tempestade. Em (a) o termo é abrupto e dá ideia de premeditado.
Não sei o tempo exacto dos improvisos, este ronda os 5 minutos, em contraposição ao Improviso
1 que ocupa o lado A do LP na totalidade. Murmúrio que leva ao enlace insano. Bruscas viragens,
silêncios cortantes, imprevisibilidade total. A fase (c) do Improviso 2, e fecho do disco contém
alguns dos momentos mais intimistas presentes na obra, até que finalmente o fecho surge numa
melancolia triste, descida de um crescendo rítmico atroz. Hoje, agora e aqui, assim, para mim,
amanhã, noutra parte, sem chuva, com ventos, sempre diferentemente, na diferença de um disco
com vida própria. Um mundo à espera de ser desvendado, no fundilho de um baú esquecido.
Eis mais um momento histórico digno de figurar na colecção de qualquer amante de música
contemporânea. Infelizmente, como já referi, o espólio discográfico de Paredes não é (todo ele) de
fácil aquisição. Este monstro que improvisou com grandes (jazz - Charlie Haden; poesia - Manuel
Alegre), merece trato maior = justiça. Quanto ao Maestro engraçado da têvê, aqui reina com o
génio pelo qual deve ser encarado: musicólogo de alma própria e riqueza inesgotável.
E finalmente...
Será que um disco de música improvisada, merecerá a mesma vontade de audição repetida que
música composta em formato alinhado de canção? Claro que dependerá da fonte emissora (compositor) e receptora (ouvinte), mas neste caso sim, e se calhar mais ainda, porque a configuração
é sempre algo interpretável e apreciável de uma nova forma a cada audição. Claro que Paredes e
Victorino são instrumentistas de um nível quase sobre-humano. Esta amálgama de fluidez instintiva
é agregada com extrema elegância e, em laivos que saem exclusivamente da sua reflexão sensorial
não-premeditada, temos uma riqueza de componentes de colocar qualquer virtuoso boquiaberto.
Lida-se essencialmente com sensações e movimentos naturais. Só os calhordas exercitam a música - a arte é feita para conduzir (sensações) e não para ser conduzida (música morta).
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39
Entulho Informativo 18
UNDERWORLD
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nome desta secção. Mas antes de começar a divagar sobre as razões para tal pobreza editorial,
vou directo ao assunto.
Já aqui exprimi o meu desgosto pelo estado actual de uma editora de referência, cujos discos
tiveram um papel fundamental na formação musical de inúmeros melómanos, entre os quais eu
me incluo. Falo pois da Earache. E é por isso que prefiro que eles reeditem os discos de Mistress em vez do lixo que nos chegou durante 2005. A estreia homónima [Earache/ Megamúsica]
veio fazer o hat-trick para os Mistress, que assim saem em três edições seguidas do Underworld.
Outra editora importantíssima é a Relapse que, embora tenha tido bons discos em 2005, espero
que tenha um ano melhor e pare de chatear-nos com coisas como estes Relapse Singles Series
Vol. 5 [Relapse], que deviam estar disponíveis como downloads gratuitos no seu site. O quinto
volume contém “Disadvantage Of Surprise” dos Candiru (estilo Godflesh da era “Streetcleaner”
mas longe da genialidade destes), “Mortal Massacre” dos Mortician (que não fazem melhor
que isto desde 1992), “Wanderland” dos Afflicted (Death sueco de terceira categoria) e “Mourning in the Winter Solstice” dos Mythic (Death/ Doom à anos 90 feito por três gajas, que devia
ficar no esquecimento). Referência ainda para o melhor disco dos Soilent Green que é agora
reeditado com o EP que o precedeu. Sewn Mouth Secrets + A String Of Lies [Relapse] é um bom
pretexto para quem ainda não o tinha.
Só para contrariar, o JP diz que não ficou insatisfeito com as reedições de Samael,
Ceremony of Opposites [Century Media/Recital] e The Gathering, Mandylion [Century Media/Recital], discos que já estavam gastos por 10 anos de uso. E se no primeiro caso há “apenas”
como bónus Rebellion, o MCD com uma das melhores covers alguma vez feitas a Alice Cooper, no
caso dos The Gathering pode dizer-se que justiça foi feita. Em 1995 o CD tinha listados 10 temas
e um autocolante foleiro avisava que só 8 constavam da rodela. Desta feita a edição é dupla e o
segundo disco contém 7 temas inéditos. Na mesma editora, mais para facturar com um disco de
Black Metal alemão a que vale a pena dar uma escutada. Seance [Century Media/ Recital] é o
título e a nova contratação chama-se Dark Fortress. Basta dizer que o vocalista se aproxima
do original timbre de Attila em “De Mysteriis Dom Sathanas”, indo muito além disso, e fazendo-se
acompanhar por um colectivo competente e criativo.
Quanto a mais edições recentes, destacaria os para mim desconhecidos Test Switch
Isolator com Let’s Dance [Casket Records/ Recital]. Uma banda inglesa com grande sentido
de musicalidade e que conjuga bem diversos estilos. Desde o obrigatório Metalcore, passando
pelo Death, Grind ou Indie Rock. Tentam ser extravagantes, sem nunca realmente o serem mas
fogem ao convencional e marcam pontos com isso. The Masquerade [Massacre/ Sound Riot] é
o primeiro trabalho dos Chain Collector, uma banda high profile da cena escandinava, com
elementos que já passaram por In the Woods, Green Carnation ou Carpathian Forest. É Death
melódico, com refrões de voz limpa mas não daquela forma irritante da moda dos In Flames. Há
aqui qualquer coisa além do som de Gotemburgo que vale a pena investigar. De quem já se ouve
falar é dos Hurtlocker, que têm em Fear In A Handful Of Dust [Napalm Records/ Recital] uma
poderosa estreia. É Death Metal à americana, sem rodeios mas com voz mais na onda actual
do Metalcore. Resulta bem e é uma excelente estreia mas tem aquele problema... cada vez que
mudamos de faixa, parece que continuamos a ouvir a anterior. Ainda assim, do melhor que nos
tem chegado.
O press release de When Everything Falls [Abacus/ Recital] dos Haste The Day diz que
eles têm algo novo e refrescante para oferecer à redundante cena do “metallic hardcore”. Diz
que quando dermos por nós vamos estar a cantar os memoráveis refrões, carregados de energia
positiva. Estranho... não reparei em nada de novo ou minimamente refrescante, tão pouco trauteei
qualquer um dos refrões. Certamente que o problema é meu e não deles. A Becoming The
Archetype já achei alguma piada mas Terminate Damnation [Abacus/ Recital], apesar de ser
bem pesado, não foge muito aos clichés do género. As bandas são tantas e tão parecidas que
mesmo que apareça uma realmente boa, a saturação impede-nos de lhes dar o valor merecido.
O que não é certamente o caso dos Emery, que além de terem um nome parecido com o de um
professor meu no liceu, soam a banda de putos de liceu. O disco deles chama-se The Question
[Abacus/ Recital] e é uma zurrapa Emo a evitar.
O amigo Luís Oliveira [LO] contribuiu para este Entulho com a reedição do primeiro trabalho
dos Rise Against, The Unraveling [Fat Wreck/ Rastilho], originalmente editado em 2000.
Apresenta um Hardcore musculado, com influências de bandas Hardcore old school e Straight
Edge, produção cuidada e bons temas com uma qualidade homogénea. Weaselmania [Fat Wreck/
Rastilho] faz uma retrospectiva do percurso dos Screeching Weasel desde 1987. São
quinze anos dedicados ao Punk Rock, em forma de 34 temas que percorrem todo os álbuns. O
booklet traz textos de elementos da banda bem como várias fotos, cartazes antigos, as capas
e informações de todos os álbuns, tornando esta colectânea um delicioso documento histórico.
As Mercenárias foram a primeira banda Punk totalmente feminina do Brasil. O Começo do
Fim do Mundo [Soul Jazz Records/ Sabotage] regista temas dos dois discos (“Cadê as Armas” e
“Thrashland”) e mostra um pós Punk inteligente, com uns toques de New Wave, numa espécie de
cruzamento de Nina Hagen com The Slits. As Mercenárias abriram o seu espaço no meio underground, mas foi quando saltaram para o mainstream que deixaram cair a bandeira que durante
largos anos carregaram. Onde é que eu já vi este filme?
O maluco do Marte recebeu Trophy [Neurot/ Sabotage] dos Made Out of Babies. Consta
que tem uma nota de imprensa a tentar impressionar com nomes sonantes: Jesus Lizard, Alejandro
Jodorowsky, Babes In Toyland... “Mas para quê?”, pergunta ele. “Por que não dizem logo que estamos
perante Daisy Chainsaw goes to America?”, é que simplificava a coisa. Mas a questão coloca-se, é
mau? “Não, tem os seus momentos.” A Neurot (editora dos Neurosis) estará a começar a vender-se?
Ah, e antes que me esqueça... chegou-nos Numbers From The Beast [Restless/ Edel], um
tributo a Iron Maiden com tipos de bandas como Foreigner, Testament, Motörhead ou Dio.
Não ouvi o disco mas prometo fazer um leilão com ele e reverter a receita para uma instituição de
solidariedade a designar.
Searching for a Former Clarity
UNDERWORLD
Entulho Informativo 18
A catrefada de reedições tem sido tamanha que já estou a ponderar mudar o
AGAINST ME
Crime And Dissonance
IN FLAMES
Come Clarity
CD’06 . Nuclear Blast/ Recital
Mais um prego no caixão. Não percebo a cena dos In
Flames, uma banda pilar da segunda vaga do Death
sueco que se torna seguidora das modas americanas
e anda a fazer discos para tocar no Ozzfest. Longe
de mim criticar as suas ambições, pois as rendas na
Suécia devem ser caras e têm de ser pagas mas não
precisavam de se comprometer tanto. Atentemos no
seu percurso desde ‘97: depois de “Whoracle” (quanto
a mim, o melhor momento dos In Flames) seguiu-se
um sólido “Colony”, sucedendo-lhe a sua segunda
parte mais desinspirada, “Clayman”. Da mesma
forma que ao polémico “Reroute to Remain” (pelas
suas inclinações nu-metal) seguiu-se uma entediante
sequela na forma de “Soundtrack To Your Escape”.
Onde é que isto nos deixa em 2006? Um regresso à
agressividade e ao twin-guitar attack mas que soa tão
a falso como morangos no Inverno. A desinspiração é
imensa... parece que estiveram a tirar apontamentos no
Ozzfest para decidir que tipo de disco deveriam fazer. E
depois há aqueles refrões à Bon Jovi, que têm um efeito
próximo do que é conhecer uma mulher linda num bar
e depois vir a descobrir que é um homem – porque até
há músicas porreiras, até serem estragadas a meio. Se
em “Dead End” têm Lisa Miskovsky como convidada,
por que não metê-la a cantar todos os refrões em vez
de estar o Anders a fazer voz de gaja? Até os melhores
discos de In Flames têm temas só para encher espaço,
por isso pode ser que estes discos sejam também para
encher. Sinceramente, couldn’t care less. 2 RA
ENTULHO DE MARTE
“Ainda tenho um sonho ou dois” – Pop Dell’Arte
É um dado adquirido que são as câmaras municipais que fazem
mexer a música urbana/popular portuguesa. A principal razão
desta afirmação deve ao facto de serem as autarquias que
compram os espectáculos das bandas – só assim é que os Da
Weasel ou a Ágata ganham à volta de três mil contos ou mais
(em Euros dá...) por espectáculo. Curiosidade: muitas vezes
são feitos espectáculos em grandes salas como os Coliseus
ou o Pavilhão Atlântico, não para que eles dêem lucro imediato
aos seus promotores, mas justamente para servirem de consagração popular dos artistas para depois, com lucro, vender às
“terrinhas” – porque como se sabe os balofos das câmaras não
percebem nada de música, só sabem que o povão curte fogo de
artifício e que o bom artista tem de ser esplendoroso. É por isso
que só no Verão, nas festinhas da aldeia, se fazem concertos de
coisas como EZ Special e as suas músicas de telemóvel. Durante o resto do ano, com sorte há um concurso de Música Moderna
Portuguesa (um domínio anacrónico que já devia ter sido saneado) ou, pior, os horripilantes unpluggeds. Mais alguma coisa?
Não, mas há excepções:
Braga. O lobby Mão Morta tem conseguido que a Câmara
de Braga edite desde 1988 uma antologia que “fotografe” os
vários momentos das bandas da cidade. Intitulada de À Sombra
de Deus, saiu em 2004 o 3º volume após um interregno de
dez anos. É realmente algo inédito este tipo de registo por um
período tão alargado – embora falte um volume que colmatasse
o hiato entre 1994 e 2004 para percebermos a evolução das
bandas de Braga e da música urbana portuguesa. Se nos
CD’05 . Alternative Tentacles/ Sabotage
Ao segundo álbum, a estranheza dissipa-se perante a
colaboração que une em profano matrimónio os Melvins
e Jello Biafra – duas incorruptíveis instituições do Rock
de esfíncter apontado a tudo o que tem pernas e aspira
a lugar na ribalta. Os Jelvins (como alguém já tratou de
baptizá-los) de “Sieg Howdy!” soam mais a colectivo
do que a projecto de ocasião, assumem de vez o épico
electrocutado por mais de 5 minutos como registo de
marca, mas anulam cada um dos seus trunfos com um
passo em falso. Elixires e antídotos emparelham-se
no seguinte esquema: “Voted Off The Island” cumpre o
seu propósito incendiário na forma ao agir como hino
bastardo para quem odeia reality shows, enquanto
“Wholly Bun Bull” denuncia redondamente a guitarra
de Buzz Osbourne (ao ponto de soar desenquadrada); a
versão actualizada do clássico “California Über Alles”
faz incisiva paródia de Arnold Schwarzenegger mas não
ombreia sequer os joelhos calejados do original; os 27
minutos de material original eclipsam por completo os
17 que ficam reservados a remisturas a cargo de Dälek
(ainda em quarentena “Absence”) e Al Jourgensen
(evocativa dos tempos LARD – projecto que unia o
insano cérebro dos Ministry à carnificina vocálica de
Biafra). Los Angeles ainda é cidade regida a ferro e
fogo. A turba piromaníaca agradece novas da cidade,
embora não deixe de lamentar as dimensões diminutas
da fogueira que se salta num passo longo. 3,7 MA
KK NULL
Kosmo Incognita
EP’05 . Thisco / Fonoteca de Lisboa
Esta é a segunda investida da Thisco em Japanoise
- a primeira recorda-se foi ainda este ano com “Dust
of Dreams” do mestre Merzbow - e como tem sido
hábito no seu catálogo, eis mais EP de cerca de 20
minutos de edição limitada (200 cópias) estreando
em Portugal o KK Null, músico Rock dos monstruosos
Zeni Geva e compositor Noise. É como “noiser” que o
apanhamos a esmigalhar o cérebro do ouvinte dado à
massa sonora pesada e dinâmica que imprime nesta
peça intitulada “Kosmo Incognita”. Sorrateiramente, KK
Null vai oscilando os sons e acrescentando elementos
LURKER OF CHALICE
Lurker Of Chalice
CD 2005 · Southern Lord / Sabotage
A par dos Xasthur, os Leviathan são um dos nomes
mais injustamente esquecidos no universo metálico.
Wrest é a mente por detrás deste último nome e
criou os Lurker Of Chalice para talvez num único
tomo mostrar toda a sua força criativa – todos os
instrumentos foram tocados por este perverso. O
ambiente geral do álbum reflecte uma aura maquinal,
um vácuo que nos absorve para ambientes sufocantes.
riffs laminados e algum post-Rock mostram que o Black
Metal pode ser mais que surripiar os Darkthrone. Temos
o Drone como sinónimo de “vazio” perturbador. Os
temas são maioritariamente instrumentais – as poucas
vozes evocam o desespero e por vezes em registo
spoken word dizem aquilo que não queremos ouvir. A
produção não exige muito senão cuspir uma camada
negra e atmosférica bem necro. Se existe funeral Doom
que este seja o marco do funeral Black! 4,8 PN
M.A.D / D.F.C.
Split CD’05 . Anti-Corpos DIY
Duelo Luso-Brasileiro com empate técnico neste split
entre os brasileiros D.F.C e os tugas M.A.D. No canto
canarinho os DFC levam tudo à frente com o seu
Hardcore/Punk sempre a abrir, típico das bandas sulamericanas, deixando surpreendidos quem ainda não
conhecia o novo som da banda. Grande evolução desde
os primeiros álbuns bastante toscos, excelentes letras e
trinta e três músicas em pouco mais de vinte minutos!
3,3 No mesmo tempo disponível os MAD entregamnos oito temas, alguns dos quais verdadeiros clássicos
da banda, como “Acção Directa” ou “Paz Atómica”,
havendo espaço ainda para a nova “Tudo o que me
importa” numa onda mais Rock n’Roll. Praticando Punk
Rock clássico com a voz inconfundível de Miguel, os
MAD são uma banda veterana e de referência que já
merecia este registo há mais tempo. 3,3 LO
que deviam ter ficado no pub irlandês ou no bar brasileiro é bom
ouvir alguma barulheira! Até porque a tendência de “banda do
barzinho” vai continuar. Destaques para Mão Morta com um
tema apunkalhado à la Sex Pistols, Mécanosphère com um
tema Dub/Industrial interessante, Phi, VortexSoundTech ambos
na onda fria-dançante Electro/EBM, Wave Simulator (electrónico ambiental) e Zero (Hip-Hop mediano). Temas todos eles
inéditos. Um documento importante para quem gosta de música
portuguesa, seja lá o que isso queira dizer.
Paredes. A autarquia editou em 2005 o CD Caixa de Música
para – e passo a citar – “criar condições para o desenvolvimento das capacidades artísticas da comunidade musical
de Paredes”. E sabem que mais? Bom trabalho, não só pelo
primeiros volumes a tendência era “cinzenta”, herança do Rock
profissionalismo, a vontade de divulgar realmente a música do
urbano-depressivo dos anos 80, quando entramos no 3º volume
concelho (podem sacar as músicas todas online) e, se acima
somos confrontados com Alt.country, Funk, Metal, Electrónica,
Rock, Hip-Hop! Repetindo o que já tinha dito no Under’ #13, quan- falava das colectâneas de música portuguesa serem ecléticas,
do escrevi sobre a colectânea Div3rgências (Independent; 2004), então esta é o cúmulo! Tem pontos de afinidade com o último
é engraçado que as colectâneas de música portuguesa são de “um volume do “À Sombra...”: é composto por catorze projectos
ecletismo desarmante”, quase que vocacionadas para os verdadei- (seleccionados de 24 candidatos) e encontramos também
bandinhas dos bares de alterna ou de betos com as suas vocaros amantes de música – embora neste caso seja, pela negativa,
listas armadas em Divas-Blues/Jazz/Bossa Nova ou tipos que
um misto do “nacional-porreirismo” e, pela positiva, a ausência
de fronteiras de géneros (um tipo que gosta de música portuguesa deviam ser expatriados para o Festival da Eurovisão e, quando
tanto ouve Zeca Afonso como Peste & Sida, vá-se lá saber porquê). pensamos que vai ser (outra vez) tudo assim também, aparece
uma faixa de Metal, dos Clinger, a salvar a coisa mesmo que
E por isso mesmo, quando se ouve este volume, apercebemo-nos
a banda seja safra 1997, região demarcada Coal Chamber. O
de que estamos perante uma “salada de frutas” de catorze faixas
disco anda em Turbo passando por poderosos exercícios electrotodas elas diferentes, em qualidade e género, que se consegue
acústicos (Drumming), música tradicional (Grupo de Música
ouvir sem enjoar – regra de ouro para qualquer colectânea. O
Antiga), poesia tresloucada (1 – Poesia e Percurssão – um
alinhamento de faixas é pela ordem alfabética dos projectos:
nome a reter, suponho), ressaca MMP (Fé de Sábio, Nado Vivo
começa com o André Leite e acaba nos Zero, assumindo desde
– os nomes não enganam, não é?), Funk fatelo, Britpop e o
início a abertura do espaço para “tudo e todos”. A primeira banda
catano. Tudo isto com algum interesse. Bom trabalho do Pelouro
que se destaca é Demon Dagger que pratica Metal pesadão, não
da Juventude, esperemos que não se fique só por aqui.
propriamente muito bom, mas depois de passar por duas faixas
THE MAHARAJAS
A Third Opinion
CD’05 . Low Impact
Finalmente o terceiro disco desta magnífica
banda nórdica, este “A Third Opinion” não deixa
absolutamente nada a desejar ao seu anterior longa
duração “Unrelated Statement”. Aqui encontramos
mais uma vez todas as influência do Rock’n’Roll
feito entre 1950 e 2005. Este disco é uma apurada
mistura entre Garage Rock, Pubrock, pop, punk-rock
e é um manifesto de boa música intemporal. Os The
Maharajas já receberam incontestáveis atenções em
todo o mundo, o seu primeiro disco tem lincenças
de edição quase em todas as partes do globo. Little
Steven (actor na série The Sopranos e guitarista da
E-Street Band ) aponta os The Maharajas como a sua
actual banda preferida, não esuqecer que Little Steven
é um dos mais importantes Radialistas de Rock dos
E.U.A . A Third Opinion traz-nos catorze canções
com muito estilo, glamour e feeling como poucos
conseguem produzir, um autêntico K.O! 5 Mau
MATA RATOS
Festa Tribal
2xCD’05 . Rastilho
Eles merecem. Vinte e três anos de carreira não são
brincadeira nenhuma. Primeiro disco: vinte temas
ao vivo bem captados em Martingança no Rastilho
Fest 2, com clássicos antigos e modernos. Segundo
disco: interactivo com biografia, discografia, lista
de todos os concertos (com imagens de cartazes),
imensas fotos, todos os músicos que passaram pelos
Mata (com datas e fotos!), vídeos de “O Gangue das
Batinas” e “Deus, Pátria & Família”, letras de muitas
músicas e ainda, em áudio normal, mais seis temas
e duas intros fantásticas registadas ao vivo na festa
de lançamento de “És Um Homem ou És Um Rato”
na Ericeira. Uma apresentação mais do que cuidada,
ilustrações género bd no interior, testemunhos de
várias pessoas, e formidável também o interface
gráfico do conteúdo multimédia. Tudo isto a um preço
justo vem tornar o investimento mais interessante. Um
grande lançamento de uma incontornável banda. Pelo
já dito e nada mais do que isso: obrigatório a qualquer
apreciador. 4,6 JP
THE MOON
AND THE NIGHTSPIRIT
Of Dreams Forgotten
and Fables Untold
CD’05 . Equilibrium Music
Esta rodela de plástico encerra no seu seio muitas e
agradáveis surpresas. Desde logo, a frágil beleza de nove
composições, enquadradas na vertente mais atmosférica
do Medieval Folk. Somos transportados pela máquina
do tempo até quando os jograis calcorreavam as nossas
aldeias, com uma dose equilibrada de folclore Húngaro
para temperar o deleite auditivo. De realçar também
a brilhante prestação de Mihaly Szabo nas cordas,
transmitindo uma aura etérea e mágica. Claro que todas
as rosas têm os seus espinhos. Uma das principais
referências no som dos TMatN é Hagalaz’ Runedance, e
o registo vocal de Agnes Toth é muitas vezes demasiado
semelhante ao de Andrea Haugen. A nível de alinhamento do disco, a faixa “Echo Of Atlantis” (uma das mais
melancólicas deste trabalho) não me soa muito bem
onde está colocada, ficando a sensação que já ouvimos
as duas últimas músicas em qualquer outro lado neste
disco. Seria talvez uma melhor opção para fechar o
álbum. Mas não são mais do que pormenores, já que a
doce fragrância desta rosa suplanta em muito qualquer
espinho que possa ter. Um belíssimo primeiro trabalho
que auspicia o melhor para o futuro. 4 Lurker
MUNICIPAL WASTE
Hazardous Mutation
CD ’05 . Earache/ Megamúsica
Antes de colocar este CD na aparelhagem não fazia ideia
da bomba que iria ouvir. Sendo uma banda desconhecida, visto ser o primeiro álbum para uma editora fiquei
agradavelmente surpreendido com o Thrashcore/ Crossover old school que estes americanos praticam, uma espécie de fusão de D.R.I. e Anthrax (de “Fistful Of Metal” e
“Spreading The Disease”). Ao longo de curtos vinte e seis
minutos, é impossível ficar indiferente a este “Hazardous
Mutation” sendo mesmo o ouvinte impelido para um
furioso headbanging do princípio ao fim. Riffs demolidores e contagiantes, constantes mudanças de ritmo,
agressividade, energia, e principalmente atitude... muita
atitude. Sem dúvida um álbum essencial para qualquer
fã de bandas como Nuclear Assault, Sacred Reich, S.O.D.
e as já mencionadas D.R.I. e Anthrax. 4,5 PA
Lisboa. Há muito que a Fonoteca Municipal de Lisboa (a
única no país, enquanto equipamento isolado) deixou de ser
apenas uma “biblioteca de registos fonográficos” para passar a
vários programas de divulgação musical, entre eles o apoio à edição, sendo o caso mais óbvio o da Thisco (ver Entulho de Marte
in Under’ #14) – que desde a sua fundação, em 2002, tem
recebido o merecido apoio. Já tinha visto outras edições apoiadas
pela Fonoteca mas aquelas às quais tive acesso auditivo são
as recentes colectâneas da N_Records e da Base Recordings,
nomeadamente com Portugal: a new sound portrait e Base
One: Paradox City. A primeira foi lançada em Paris, em Junho
de 2005, durante o Festival Português – organizado pela Associação Ópio, a mesma que produz o Festival Número e a revista
Número –, e serve para promover a “nova música portuguesa”
no estrangeiro, ou pelo menos em França. Constituído quase na
essência por temas já editados da autoria de Stealing Orchestra, Kubik (os nossos pontas-de-lança Plunderphonics), Wraygunn (que teve o seu último álbum editado em França), Shhh...
[um grande tema electrónico editado em Portugal, originalmente
também numa colectânea: Thiscology (Thisco; 2003)], Mécanosphère (curioso: eis uma banda que funciona bem com temas
isolados, ao contrário dos seus saturantes álbuns – ver Entulho
de Marte in Under’ #14), X-Wife... tem também alguns temas
inéditos dos Lolly and Brains (Electro/Rock à espera do segundo
álbum), Outersites (a boa surpresa electrónica do disco), Loosers com uma faixa ao vivo, @c (experimental-noise)... Vómito
nº1 para os Nicorette – ainda se lembram das bandas de bar
de alterna? Por que raio é que há tantas bandas de chill-hop
com gajas vocalistas? Não podíamos ter ficado pelas Três Tristes
Tigres? Desagrado (pessoal) para mais uma coisa ou outra mas
ficam aqui na essência as coordenadas sónicas de “Portugal New
Millenium” para o mundo do novo milénio, faltando estranha-
EARTH
Hex; Or Printing In The Infernal Method
CD’05 . Southern Lord/ Sabotage
O regresso de uma banda lendária dos anos 90 que estimulou o famoso Drone
Metal que tanto se fala nos dias de hoje. Um regresso cinematográfico em
que o Doom da banda é abandonado para o “Gótico Americano” – o quadro
de Grant Wood (1891-1942) – ou se preferirem para o “Dead Man” de Jim
Jarmush - um dos filmes mais bonitos de sempre, se me permitirem o aparte.
Aliás, o que temos aqui é a continuação do que Neil Young fez na banda sonora
do filme: Drone-Country. Por isso fãs de (Dark) Americana eis aqui um bom disco, mórbido e desértico como é
regra. Metaleiros pouco encontrarão algo que vos interesse. Gajos que pensam que os Dead Combo são fixes podem
encontrar aqui algo melhor. Fãs de Earth antigo talvez venham a gostar da mudança. Quem gostar da ideia de um
mash-up entre Ry Cooder e primórdios de Black Sabbath este é o disco. 4 Marte
SUNN 0)))
Black One
CD’05 . Southern Lord/ Sabotage
Bandas com nomes bizarros há muitas, mas bandas com um som bizarro não
há tantas. Sunn 0))) alia as duas coisas, um nome gráfico e uma sonoridade
que é um pesadelo. Rotulá-los de Experimental Metal ou Drone Metal será
supérfluo embora simpatize com a ideia de Nerd Atonal Doom Metal. Ao ritmo
de um álbum por ano, conquistando cada vez mais admiradores (pelo menos
na imprensa), os Sunn 0))) avançam para um novo ciclo de gravações após
o “White 1” e “White 2”. Trata-se de um ciclo negro de uma banda que mais
parece uma espécie de “se Stockhausen fosse metálico fazia isto”, só que se antes o ciclo White só provocava um
ambiente irritante, agora a irritação abraça o medo, que aliás está logo estampado na capa: um desenho detalhado
de uma árvore numa floresta negra mas também parece um anjo esventrado numa floresta com raízes por todo o
lado em que os nós dos troncos parecem olhos de carneiros mal mortos... Ok, ok, já chega! Não aconselho ouvir
este disco em fase de sonolência pois são ainda desconhecidos os psico-traumas que poderão surgir – o meu terapeuta ainda não determinou os efeitos mas ordenou-me afastar-me do disco. Convidados desta: Oren Ambarchi,
Wrest (Leviathan/ Lurker of Chalice/ Twilight), Malefic (Xasthur, Twilight) e John Wiese (Bastard Noise). De salientar
que Malefic gravou a sua participação vocal dentro de um caixão colocado num Cadillac carro funerário. Não sei
que espécie de tarado é que se lembra deste tipo de coisas nem sei que espécie de tarado quererá ouvir isto.
Respect!! 4,1 Marte
ORGASMO
CD’05 . Vida / Som livre
Com um nome destes – um bocado incómodo, tentem
perguntar no quiosque do bairro pelo CD dos Orgasmo
– ao menos devia ser uma bomba! Este orgasmo é daqueles de punheta antes de adormecer. Não é aquele orgasmo-mamute quando um tipo entra noutra dimensão
mental de excitação e quando se vêem é uma enxurrada
de energia que percorre o corpo inteiro até ficamos
felizes da vida e cairmos para o mundo dos sonhos.
Ainda assim há razão de existência para este quarteto
mente Hip-Hop – e se isto foi para França, o segundo maior país
produtor deste género de música...
A Base é uma nova editora (legalmente é também uma associação)
que lança a sua segunda colectânea, na qual expõe uma música
electrónica burguesa, elegante e cool. O que não é propriamente
mau, claro que não, até porque a qualidade dos projectos neste disco estão a um nível bastante bom. O que se ouve são manobras de
Jazz electrónico encharcadas de técnicas Dub vindo do eixo germânico da segunda metade da década de 90 – Viena e os seus Meisters. Há também post-EBM (Com.Gen) e uns cheiros industriais em
Mílanó e Beast-Box (claro, Benjamin Brejon dos Méchanosphère
faz parte do projecto!). Mas, no fundo, o desporto radical deste
disco será “surfar no sofá”: Papercutz, Bullet, Coden, Arkham
Hi*Fi, Pitch Boys, Badlobster, Rui Canelas, entre outros. Para um
público crescidinho.
Por fim, não queria deixar de referir mais colectâneas que saíram
nos últimos meses, mas sem apoios institucionais: Portuguese
Nightmare, A Tribute To The Misfits da Raging Planet que, ao que
parece, é a primeira edição de artistas portugueses a realizarem
tributo a uma banda estrangeira (grande disco! crítica algures neste
número), e as duas “revisões da matéria dada”, Can take you
anywhere you want (comemorativa dos cinco anos de existência
da editora Bor Land, crítica algures neste número), que pode ser
descarregado no site da editora, e 2001-2005 Mixtape, “uma viagem pela história da Loop”, que pode ser adquirido na compra de
qualquer disco desta editora de Hip-Hop.
Base [www.basept.org]
Caixa de Música [www.paredes-caixademusica.com]
Loop [www.looprecordings.com]
N_Records [www.numerofestival.com] “
À Sombra de Deus” distribuição via Cobra [www.cobradiscos.org]
que não é novato nestas andanças das bandas – há
aqui sobreposições de projectos e convites de elementos
de outras bandas como Carbon H e Slamo. Penetrando
nos cosmos do psicadelismo, via Rock e alternando
pelo Funk, algumas vezes ao ritmo Drum n’Bass &
Breakbeats, esta cópula de estilos é excitante mas a
tesão não é (ainda) total. Algumas partes fazem lembrar
vagamente os The Music, entre outras coisas perdidas
na memória, mas com identidade em construção ficando
a expectativa que bastará no próximo registo lubrificar
a máquina e... Schuap, schuap! Devo referir (pela negativa) a discrepância de registos gráficos entre a capa
(departamento de aerógrafo anos 70/80’s) divertida pelo
kitsch assumido e os desenhos toscos na faixa multimédia e na impressão do CD (para fazer tosco é necessário
também ter dom artístico), o que não se percebe bem
onde querem ir no que diz respeito à imagem da banda:
brincalhões com suor de Red Hot Chili Peppers ou bedum dos Fúria do Açúcar? 3,9 Marte
PENNYWISE
The Fuse
CD’05 . Epitaph/ Edel
É, de longe, o álbum mais pesado da carreira dos
rapazes de Hermosa Beach. The Fuse tem guitarradas
do Hardcore mais duro, linhas de baixo menos trabalhadas mas mais vincadas e imponentes e a bateria
roça a perfeição. São uns Pennywise que, lentamente,
vão recuperando a forma dos anos 90. Músicas bem
balanceadas, com vida e com o regressado ritmo de
demolição da secção rítmica. “Disconnect” é o primeiro
single. Bem escolhido, não por esta ser a melhor
música do disco, mas sim porque é a melhor música
para efectuar a transição entre este álbum e o passado
recente da banda, fazendo-a sem levantar ondas, mas
a nota máxima deste The Fuse pertence a “Fox Tv!
– excelente riff, excelente refrão, batida alucinante,
baixo consistente e letra perfeita. Existe uma melhoria
abismal, comparativamente aos últimos dois álbuns da
banda. “The Fuse” devolve-nos uns Pennywise revigorados e revigorantes, em nítida curva ascendente. São,
sem dúvida, uma das dez maiores referências do Punk
Rock dos últimos vinte anos. 3,7 RP
PRINCE WADADA
Entendimento
CD’05 . Matarroa/ SóHipHop
Reggae em Portugal teve um álbum - foi a estreia dos
Kussondulola há dez anos com “Tá-se Bem” (EMI) que
fizeram o feito único, num país resistente às contami-
41
Entulho Informativo 18
UNDERWORLD
40
é inevitável sentir que já se ouviu isto em qualquer lado.
Principalmente quando as duas guitarras se acompanham, em alguns breaks e contratempos, o ocasional
interlúdio melódico, mesmo no som da tarola (não foi por
acaso que escolheram Tommy Newton para a masterização). Mas existem muitos momentos positivos a registar.
Mesmo nas comparações feitas existe sempre a aura de
músicas bem conseguidas e bem tocadas. Uma referência para a voz de Tiago Estrada: ou se ama ou se odeia,
e pessoalmente não morro de amores por ela. Uma palavra final para o conteúdo multimédia que acompanha o
lançamento, uma mais-valia que acrescenta algo à já de
si agradável proposta. 3 Lurker
Sieg Howdy!
novos fazendo com que a peça cresça e pouco a
pouco deixe se ser óbvia. Um Jam de Electrónica
toda lixada que perdura 13 minutos amaldiçoados.
Depois de uns minutos relaxados – tipo sci-fi-chillout – volta a drones industriais em crescendo até
acabar abruptamente aos 19m48s. Um cosmos que se
descobre brutalmente. 3,7 Marte
UNDERWORLD
Entulho Informativo 18
CD’05 . Ipecac / Sabotage
Não será totalmente surpreendente que esta edição seja da
responsabilidade da Ipecac, já que ao escutar as peças musicais
deste duplo “Crime And Dissonance”, torna-se mais claro que
uma das influências de Mike Patton, nos territórios mais experimentais e subjectivos, se deve a Ennio Morricone. Todos nós já
ouvimos dezenas de clássicos musicais, sobretudo os orelhudos
dos western spaghetti de Sérgio Leone, entre outras referências
do cinema mais irascível e iconoclasta dos anos 1970. Mas, o
compositor italiano tem a sua música disseminada por cerca de
500 (!) filmes, desde 1962 até aos dias de hoje. Lembram-se de “Espaço 1999” (1975), “Era uma vez no Oeste” (1968) ou “Por um punhado de dólares” (1964)? Contudo, na maioria dos casos, já não será tão conhecida
a autoria dos temas, nomeadamente na extensa produção de Ennio Morricone, responsável por muitas melodias na sonorização de filmes de série B, westerns sujos, terror psicótico, e toda uma panóplia de cinema de
autor. A presente edição disponibiliza 29 raros e remotos temas, compostos entre 1969 e 1974, composições
do bizarro cosmos sonoro do compositor. Há estranhas experimentações electrónicas, pesadelos tonificados,
jornadas acústicas, fôlegos paisagísticos, psicadelismo excitado, jogos harmónicos viciosos. No seu conjunto,
assemelha-se a um compêndio musical para as mais incómodas patologias psicossociais. A transposição
cinematográfica, provavelmente nunca a veremos, mas os pedaços de som aqui criteriosamente executados,
valem por si mesmo, não necessitando de qualquer suporte visual. 4 NM
JELLO BIAFRA
& THE MELVINS
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ENNIO MORRICONE
nações culturais, de misturar em português e crioulo,
música negra jamaicana e música negra africana.
Depois disso, o Reggae tem vivido popularidade mas
foram poucos os produtos (trans?)nacionais que se destacaram com pinta: os Kussondulola foram-se abaixo,
os dissidentes pouco adiantaram ao trabalho feito (ex.:
Mercado Negro) e as bandas que circulam nos bares
(sobretudo no Verão) parecem ser o que são, ou seja,
bandas de bar de betos brancos que tocam os instrumentos com um vocalista negro sem nunca chegar a um
groove genuíno! Ícone underground dos sound-systems
e com este terceiro álbum, Prince Wadada rompe com a
tradição HipHop do catálogo da Matarroa mas não parte
a loiça toda. Temos um álbum bem executado, equilibrado no Reggae e no Dancehall que ainda salta para um
Military Metal Style em “Um Minuto”, relaxa num Dub
Blues africano em “Rei” e eSKApa para o frenesim em
“Thanks & Praises”. As letras são o típico rasta-rústico
sobre Liberdade e os direitos do Homem, apesar da vocalização Raggamuffim (que Wadada é príncipe), nunca
deixamos de sentir que temos uma versão portuguesa
de um Beenie Man porque Wadada não é capaz de criar
um discurso próprio mesmo cantando em Português. Por
estar completamente apoiado em modelos “Jah” existentes, quando ouvimos “Saudade da Mamã” sabemos
que aquilo soa a uma pieguice caricatural. Ainda assim,
este poderá ser um disco que poderá apanhar muita
gente a curtir – se exceptuarmos a faixa chic-freak com
a Marta Ren e se fosse Verão. 3,9 Marte
PROPAGANDHI
Entulho Informativo 18
Potemkin City Limits
UNDERWORLD
42
CD’05 . Fat Wreck/ Rastilho
Está de volta o power-trio canadiano, e este regresso foi
feito da melhor maneira, com um disco esforçado e cheio
de alma. “Potemkin City Limits” continua o trabalho
produzido em “Today´s Empire, Tomorrow´s Ashes”,
seguindo a linha evolutiva e excelentemente trabalhada,
algo a que os Propagandhi nos foram habituando, dando
a continuidade esperada ao trabalho feito até aqui. Pesadinho este álbum, a roçar o Hardcore várias vezes, com
variações melódicas fantásticas, e mudanças de ritmo
audazes e bem conseguidas. “A Speculated Fiction” e
“Fixed Frequencies” chegam-nos em velocidade vertiginosa, fazem mesmo lembrar os Strung Out, e a partir daí,
deparamo-nos com um desenrolar de perfeccionismo
em forma de música, adornado com letras cheias de
significado e intenção, apontando e acertando sempre no
bullseye de todos os alvos em mira. Passaram cerca de
dez anos entre o primeiro “How to Clean Everything” este
“Potemkin City Limits”, as diferenças entre um e o outro
são abismais e… ainda bem! 3,5 RP
PUBLIC ENEMY
New Whirl Odor
CD’05 (+DVD) . SLAMjamz/ NTM
Este é o oitavo álbum dos “Laibach do Rap” – ninguém
se lembrou desta! Um álbum já considerado pela
crítica como um disco sem inspiração… mas como
assim? São os Public Enemy! Estamos em 2005 e
não há espaço mediático nem para polémicas nem
para critica social na ponta da língua, tudo isso está
acabado. O HipHop que os Public Enemy projectaram
ao longo da sua carreira – eles e muitos artistas negros
foram censurados ou proibidos de passar na rádio ou
TV – foi substituído pelo individualismo e materialismo
alicerçado e projectado por uma MTV estúpida e estupidificante. A batalha dos PE é a de ainda ter alguma
voz no meio de uma cena que não querem parentes
“pobres” a criticá-los. Os PE são dos poucos (como os
Dälek) que tem a integridade artística, a militância DIY,
que continuam a ser barulhentos e sujos, que se atiram
a pequenas deambulações musicais e que, sem papas
na língua, cospem letras intervencionistas. Sim, este
álbum não vai ter airplay nem vai ficar nas listas dos
melhores discos de 2005 (até porque foi editado pela
sua própria editora, a indie SLAMjamz)… mas são os
Public Enemy! A catinga de uns PE envelhecidos continua a ser melhor que muita merda que anda por ai, seja
Rock seja HipHop. Há qualquer coisa de estranho neste
álbum que passa pela auto-referência e auto-reflexão
da banda. Se juntarmos ao facto que na mesma altura
é editado um best of pela (sua antiga casa) Def Jam
diremos que “New Whirl Odor” poderá um ponto de
partida para próximas acções e edições. Até lá «Check
What You’re Listening To». 3,8 Marte
V/A - Portuguese Nightmare,
a tribute to the Misfits
JESU
Jesu
CD’05 . Hydra Head
Justin Broadrick é o Parker Lewis do quadrante mais obscuro do círculo
musical - aquele que engloba uma facção por si só avessa a considerações superficiais dos grandes meios. Assim como o Parker Lewis sempre
arranjava engenhosas formas de ultrapassar as condicionantes impostas
pelo meio estudantil (a temível reitora e Kubiac, à cabeça), Justin
Broadrick encontra meios imprevisíveis de se reinventar sem alienar a
admiração a quem lhe segue os passos. Alguém que conta em currículo
com a participação enquanto guitarrista no seminal “Scum” de Napalm
Death, um respeitável nicho autónomo de Metal sob o desígnio de Godflesh e outros tantos projectos mantidos
com Kevin Martin (génio de equivalente calibre), tem direito a caminhar sobre a água e mijar sobre ela se quiser.
Broadrick é um semi-deus. “Jesu” é o seu primeiro opus pós-milenar e alínea em itálico ardente num currículo que
permanece em aberto. Contemplar o infinito é coisa para amadores. “Jesu” é destemido ao ponto de fazer embater
o seu colossal peso contra o infinito, até ao segundo obter um fluído que sacie a sede vampírica ao primeiro. Uma
ameaça cósmica abate-se sobre o universo Marvel e os únicos heróis disponíveis para confrontá-la são os vilões
(riffs que espumam pela boca e uma secção rítmica com a dimensão mítica do Adasmator). As asas angélicas
dos Sigur Rós ganham um aspecto escamado e, em 74 minutos, aquele impenetrável icebergue passa à condição
de oceano envolto por onde navega a nau assombrada “Jesu”. Eis o clarão sonoro que Truman Burbank (Jim Carrey
em “Truman Show”) encontra na borda do horizonte em vez do grandioso estúdio televisivo. Neste disco, Broadrick
reivindicou para si a habilidade conferida a Moisés e voltou a separar as águas – abrindo caminho para aquele
que será certamente um dos melhores discos de 2005. 4,7 MA
SLIPKNOT
9.0 : Live
2xCD’05 . Roadrunner/ Universal
Slipknot no Underworld? Os deuses devem estar loucos!
Embora se amealhem opiniões diversas, adversas,
e até radicais, há pelo menos três coisas que têm
que ser reconhecidas a este colectivo: 1) Identidade:
são caraças, mas são componente de um universo
próprio e reconhecível. Se alguns vendem com a sua
imagem bonita mais uns discos, os Slipknot só mesmo
com o seu ar grotesco. 2) Agressividade: agora que o
Nu-Metal está morto, os poucos que lhe sobrevivem e
ainda tentam espernear com força passam para o lado
da Pop e não funciona ou voltam-se para o peso, mas
são como o vento e esquecem-se; outros continuam a
viagem num comboio menos mainstream e ao menos
preservam alguma essência. É básico e cíclico. E
quanto aos Slipknot? Mantiveram-na (a agressividade)
e mantiveram-se. 3) Coerência: talvez a componente
mais importante e que mais respeito merece. Vejamos
as coisas pelo que realmente são: estamos em 2005
e a semi-major Roadrunner edita um duplo CD ao vivo
de uma banda originária de um estilo apelativo a malta
adolescente de quinze anos e que agora entra nos
vintes. Pelos vistos alguns ainda os acompanham... A
faceta live deste colectivo é algo que bastante privilegiam, este lançamento de qualidade fez justiça a isso.
Som em condições com o desenrolar próprio da banda
em palco, com os bidões (com que um deles faz macacadas rítmicas), os tiques de comunicação do vocalista,
o solo excêntrico do baterista patrocinado, etc e tal... e
o ambiente circundante. São 24 temas que agradarão
ao adepto, sem surpreender. 3,5 JP
THERIOMORPHIC
Enter the Mighty Theriomorphic
CD’05 . Exorcize Music
Rebenta de forma furiosa o “Death Almighty”, de
uma banda que finalmente vê justiça feita a trabalho
realizado há longo tempo. Vontade e força transpiram
por todos os poros, num disco com composições de
qualidade, mas que deve ser também visto como
a conclusão de um capítulo. Dupla de guitarras do
melhor que o Death português já viu, uma carga rítmica
demolidora e um rugido quase inacreditável, isto numa
produção sem paneleirices, onde tudo está onde se
quer e o tiro sai certeiro. A base dominante permanece
à escola At The Gates, com lances de guitarra fluentes
(que muitos tentam mas nota-se sempre artrose, não
me lixem!), e alguns escapes melódicos a injectar
harmonia e equilíbrio a temas que funcionam de forma
dinâmica e não apenas em descarga. Mas por mais
perícia e intensidade que surjam, as composições
mereciam evoluir para algo superior, ainda mais
identificativo, talvez até menos datado. Há banda para
mais, e eles sabem-no. “Death Almighty” é ainda assim
um disco impossível de não agradar ao apreciador de
Death Metal. Regressa para nova toma sem dificuldade
e honra um dos colectivos mais activos e empenhados
de sempre no nosso underground. O próximo capítulo
será o decisivo em termos de internacionalização, há
razões para confiar. 3,6 JP
UNERASE
Own Universe
CD’05 . Edição de Autor
Os Unerase chegam-nos da Ucrânia e tocam um
power-thrash bem ao jeito duns Machine Head. Outras
comparações podem ser feitas com os nossos The
Temple ou com os Static-X – os ritmos intrincados e
um jogo de vozes ora agrestes ora mais melódicas.
Optando por uma sonoridade tantas vezes emulada
este colectivo demonstra um excelente domínio técnico
dos instrumentos principalmente as guitarras que
sacam riffs, solos e harmónicos magníficos lembrando
o legado deixado pelo Dimebag Darrell. As descargas
rápidas e pesadas certamente influenciadas pelos
tempos áureos da Bay Area (Testament...) dão origem a
refrões para cantar de peito cheio. Os Unerase não se
deixam alienar e vão injectando várias quebras rítmicas
e passagens calmas algumas com paladar étnico para
tornar o álbum mais apelativo. De qualquer forma não
pensem que vão encontrar aqui algo de inovador mas
perante música intensa e honesta como esta temos de
nos deixar render e trocar as teorias pelo headbanging.
[http://unerase.utm.in.ua] 3,8 PN
LAGWAGON
Resolve
CD’05 . Fat Wreck/ Rastilho
Se Joey Cape tivesse escrito 12 canções para os Bad Astronaut e,
à última hora, decidido gravar essas mesmas com os Lagwagon,
o resultado seria Resolve. E o resultado, além de surpreendente, é
fantástico. Compreensivelmente, e totalmente, dedicado a Derrick
Plourde, baterista da banda até Hoss e falecido em Março passado,
Resolve é, de longe, o álbum mais intimista e profundo deste quinteto.
As melodias catchy continuam por lá, só que desta vez em toada mais
triste, misturadas com as habituais sequencias de power chords e de riffs musculados. A dar o toque final
a tudo isto, um Joey Cape em excelente forma, quer no capítulo da composição, quer no que a vozes diz
respeito. Introduzem neste álbum um elemento novo, a guitarra acústica ( o cheirinho no início de “Never
Stops” do anterior “Blaze” não é significativo), e ganham espaço de manobra para novos voos com isso.
Sem a morte de Derrick, este seria, certamente, um disco diferente, mas independentemente disso, Resolve
é, sem dúvida, um dos melhores álbuns de Punk de 2005. 4,2 RP
AIS REVIEWS ONLINE: www.underworldmag.org
CD’05 . Raging Planet
Não contem comigo para falar de discos que servem
para fazer guita à pala de nomes famosos por parte de
bandas obscuras. E é o caso deste disco? Por um lado
acho que o sistema “associação a nome famoso para
promover os que não são” é o que se passa por aqui
mas por outro há aqui um estranho magnetismo, tão
estranho como era o dos Misfits – uma banda medíocre mas com um carisma tão forte que se tornaram
incontornáveis. E é o que se passa aqui, as bandas
portuguesas são o que são (médias ou boas mas nunca
brilhantes) mas conseguiram apanhar o brilho maléfico
dos Misfits cada uma ao seu género: Core diversificado
(Easyway, Simbiose, Day of the Dead), Metal pesadão
(Decayed, Grog), Rock variado (The Temple, Capitão
Fantasma, No-Counts D.O.M.), Nu-Goth (Cinemuerte,
[f.e.v.e.r.]),... colocando a compilação numa confortável
situação de que é possível unir (quase) todas tribos num
bom disco. Destaco Mata-Ratos e Dead Combo (apesar
de não gostar das bandas) por terem tido os tomates
de fazer as versões em português (“Sementes do ódio”,
“Hate Breeders” no original) e em instrumental (“Angelfuck”), respectivamente. Outro destaque para D’Evil
Leech Project (uma violência de Extreme Metal!) e TwentyInchBurial – sem dúvida a banda com o binómio groove/peso mais equilibrado na cena Metalcore portuguesa
e a confirmar que versões é com eles! Resta saber quem
são os psicadélicos Octopus in the Fisherman’s Style
– já que não se canta em português ao menos que se
brinque com a língua inglesa... 4,2 Marte
WHY?
Elephant Eyelash
CD’05 . Anticon/ Sabotage
Why? ou Beck? Ou Eels? Não soa o tema “Sanddollars”
a “Jo-jo’s Jacket” de Stephen Malkmus? Why? com este
recente álbum deu uma reviravolta incrível – aliás, meses antes da saída deste álbum ele(s) já tinha(m) dado
a dica com o EP “Sanddollars”? Então isto é indie-rock
ou indie-rap? Não devia estar na prateleira do Hip-Hop
visto que é da Anticon? Alguém que arranje nomes para
as prateleiras, por mim, sei o que está aqui: boa música.
Muito boa! Complexa e inteligente que parece estupidamente fácil. Viciante e humana como já não se ouve há
muitos anos após a exploração industrial de mil e uma
banhadas (pre)formatadas de college rock, indie-rock,
post-rock. Neste mastodonte somos constantemente
desafiados a ouvir excertos de coros que até lembram
Beach Boys, samples DIY que acompanham guitarras
acústicas que criam momentos mágicos refresh em
linha directa aos Beatles, épicos lo-fi de Amor/Morte em
formato cut & paste... e se este artigo parece demasiado
name-dropping então saltemos para as letras que dizem
coisas fabulosas como «Your face never forgets a cry /
like trace remnants of acid in your spine» (em “Waterfalls”, não é lindo!?) ou «Rain is millions of tiny speach
bubbles unused» em “Speech Bubbles” que (ainda)
conclui com «Rain is confession weather, and we became booths of prayer if we let us». Este Inverno já tenho
o disco para me fazer companhia, Deus (a gatinha cá de
casa) não me liga nenhuma... 4,6 Marte
ZOOTIC/ SANNYASIN
Split CD’05 . Regulator!/ Anti-Corpos
Após sucessivos adiamentos, finalmente saiu este split.
Lançamento bastante aguardado, visto que se tratam
de duas bandas que fazem uma abordagem ao PunkRock bastante descomplexada e com bastante personalidade. Infelizmente, este lançamento marca também o
fim de ambas as bandas. Os Zootic marcam presença
com quatro temas, mais próximos da demo “Viver um
Pouco Melhor” que do anterior álbum. As três diferentes
vozes angustiadas e a guitarra nervosa lembram um
pouco as bandas francesas do final dos anos 80 que
juntavam ao Punk um lado bastante sombrio, desconcertante e imprevisível. 3,9 Quanto aos cinco temas de
Sannyasin, são uma continuação do que foi “For Those
Who Crucify Us” (foram aliás regravados duas músicas
dessa demo). Hardcore bastante maduro, com uma
atitude muito Punk Rock in your face. As melodias das
guitarras cruzam-se com a raiva cuspida pelo vocalista
Rodrigo, sempre com um balanço estonteante. Este
registo marca também um último e eterno adeus a Rodrigo, que nos deixou antes do seu tempo. 4,1 LO
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CINEMA
JESS FRANCO
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Realizad
ILUSTRAÇÃO: VANESSA VAZ
Falar com Jess Franco é atravessar
quase toda a história da 7.ª arte.
Com 75 anos, o espanhol de nome
Jesus é um jovem que, com quase
duzentos filmes realizados e
colaboração em mais umas largas
dezenas, continua a ser ignorado
e desprezado pelo mundo do cinema.
Por Afonso Cortez e Pedro Homero
Missão em Portugal
Seria em 1967 que Jess realizaria aquele que
seria um dos seus maiores sucessos, “Necronomicon” (ou “Succubus”), um cruzamento entre
filme de sadomasoquismo e artístico. Composto
por sequências bizarras que incluem sonhos,
festas ácidas com anões e sexo lésbico com
manequins, “Necronomicon” acaba por ter uma
história-por-detrás-do-filme mais interessante
que a do próprio filme (que a não tem!). O argumento foi escrito na noite anterior ao início
das filmagens, entregue ao pequeno-almoço,
e traduzido pelo actor Jack Taylor para as
línguas necessárias. Para este filme Jess teve
Cartas de Amor de Uma Freira
Outro dos filmes que realizou em Portugal,
cerca de uma década depois, foi o controverso
“Cartas de Amor de uma Freira Portuguesa”,
que inclui Ana Zanatti num dos papéis principais, e Herman José, Víctor de Sousa, Nicolau
Breyner e outros, como secundários. Filmado
em Cascais, Sintra e no Mosteiro dos Jerónimos, conta a história de uma jovem que, separada do namorado e encerrada num convento,
é obrigada a entrar em actos sexuais e rituais
pouco católicos com padres e freiras. Esta foi
uma produção maior para Jess: “O produtor
era alemão. Eu tinha um contrato para fazer
dois filmes, um de baixo orçamento e outro
com maior orçamento. O maior foi “Cartas de
Amor...”. Estava com medo que o produtor
não o aceitasse devido à ultima cena, em que
foram necessários cem portugueses, e porque
no filme todo só usamos três ou quatro actores
alemães.” Outra curiosidade em relação a este
filme é o facto da maioria dos actores se terem
tornado dos mais importantes nas décadas seguintes. “Conhecia-os a todos. Costumava passear por aqui, por Lisboa, ia ao teatro muitas
vezes, ver espectáculos... sabia quais eram os
actores que eram bons. É uma pena que muitos
deles já tenham morrido. Não gosto de fazer
castings. É ridículo pôr uma pessoa à frente de
uma câmara e dizer-lhe para fazer isto ou aquilo. Mesmo Orson Wells só
entrou em castings duas vezes na vida e foi mau nos dois.”
Menino Jesus, Orson Wells, Christopher Lee
A relação de Jess Franco com Orson Wells leva-nos ao princípio da sua
carreira: “Desde os nove anos que comecei a ver cinema a partir de outro
ponto de vista, e decidi que era o que queria fazer.” Sem dinheiro e a
escrever literatura de cordel, depois de um curso de Direito e de Filosofia
“decidi ir para a escola de cinema, e aí não aprendi nada!” É com desdém que se refere várias vezes a esses tempos, no princípio da sua carreira, quando trabalhava com realizadores da nova vaga espanhola – que
estavam mais interessados em passar mensagens políticas, perdendo-se,
segundo Jess, toda a espontaneidade. Foi então que decidiu seguir o seu
caminho e realizar o seu primeiro filme, em 1959, intitulado “Tenemos
18 años”. Foi imediatamente censurado, mas seria no seu “Awful Dr.
Orloff”, o primeiro filme de terror espanhol, que a demência começaria
a tomar forma, e talvez por aí tenha atraído a atenção de outro grande
amaldiçoado do cinema, Orson Wells. Perdido e apaixonado por Espanha,
Wells contrata Franco após ver um filme deste. Jess seria realizador da
segunda unidade no “Campanadas a Medianoche”, iniciando-se uma
forte amizade entre ambos que, apesar de curta, marcaria no realizador
espanhol uma influência para o resto da sua vida. Franco homenageálo-ia em filmes como “Camino Solitário” e “Sinner”.
Mas Orson Wells não foi a única celebridade com quem trabalhou.
Muitas podem estar esquecidas, mas outras ganham ainda mais notoriedade, como Christopher Lee. “Eu adoro-o agora. Quando fiz o primeiro
filme com ele, ele era um bocado estranho, como os actores da escola de
teatro. Mas quando foi para os EUA ganhou muitas qualidades, maturidade. Agora é um grande actor. Porque ele na altura não gostava do que
fazia, dos papéis de Drácula. Apenas os aceitava pelo dinheiro. Também
adorei trabalhar com Klaus Kinski.”
Quando fala de alguém que admira Jess Franco não poupa elogios,
sobretudo quando se trata de uma mulher. Fala de todos e tudo com paixão, especialmente de cinema, em que o seu amor e dedicação abrange
todos os géneros e eras, “Dos clássicos adoro Orson Wells, John Ford,
Howard Hawks”, mostrando ter não só um conhecimento enciclopédico
do que se fez mas também do que se faz actualmente. “Do cinema moderno gosto muito do Quentin Tarantino.” E quando questionado acerca
de filmes recentes, como por exemplo “A Guerra dos Mundos”, revela
mais uma vez o seu olhar atento e crítico: “Os últimos de Spielberg são
muito bem feitos, uma técnica excelente, edição excelente, fotografia...
John Williams é dos meus compositores preferidos, mas os actores... não
sinto nada quando aqueles actores representam. E não gosto de computadores, também não sinto nada. Para mim o cinema é uma questão
de sentimentos e alma, e eu não sinto a alma dos actores do cinema
moderno. Às vezes os actores não são bons mas conseguem dar algo, um
cunho pessoal. Onde estão os olhos dos actores feitos em computador?
Na minha opinião o mais importante em cinema são os olhos.”
Atmosferas púbicas
A visão muito pessoal do que é ou deve ser o cinema é transposta por
Franco para as suas obras e, por isso, ver um filme dele é uma experiência e tanto. Para muitos é uma má experiência. Tudo é demasiado único,
pessoal. Porque está-se à espera de um argumento e ele ultrapassa
isso, não de uma forma intelectual, mas de uma forma exploradora e
acho que com equipas pequenas com pessoas inteligentes, amigáveis, tens mais sorte. Claro que
estou a falar de produções normais. Nas grandes
como “Macbeth” é preciso mais gente. Mas por
exemplo em “Snakewoman” éramos oito.”
O que não deixa de ser intrigante é como
consegue produzir os seus filmes. De onde vem
o dinheiro, especialmente tendo em conta que
os filmes hoje em dia muito dificilmente passam
numa sala de cinema? Numa altura da sua vida
era então o seu amigo Harry Allan Towers, que
passava metade do tempo a financiar filmes
e outra metade preso. Noutras alturas eram
outros milionários ou loucos ou simplesmente
a providência; certa altura, quando já ninguém
o financiava, foi-lhe oferecido um bilhete de
lotaria que viria a ser premiado. Hoje em dia,
com o crescer do interesse pelos seus filmes e
com o mercado do DVD a abrir novas portas, há
quem volte novamente a investir nele. “Os meus
filmes não são caros de produzir. Agora recebo
dinheiro de um produtor independente em Nova
Iorque, um amigo meu. Ele adorava os meus
filmes e começou a desenhar bandas desenhadas
a partir deles. Um dia conhecemo-nos e começámos a trabalhar juntos. Este é um deles, o outro
é um produtor espanhol. Não sou um homem
que queira enriquecer, só quero viver uma vida
normal e trabalhar nos meus filmes para que
sejam o melhor possível.”
O Ultimato de Franco
Incansável, grande conversador e surpreendentemente lúcido, o tio Jess termina quase em
jeito de ultimato: “FAZER! O importante é fazer.
Agora é possível fazer cinema com pouco dinheiro. É possível se tiveres pica, tiveres ideias e
acreditares. Não está bem, repetes. Perdi cinco
anos da minha vida numa escola de cinema. No
primeiro dia de trabalho em cinema profissional
trabalhei como último ajudante de produção.
Filmámos toda a noite num teatro e quando
cheguei a casa apercebi-me que não sabia nada
sobre este ofício. Só comecei a aprender naquele dia, porque estava a FAZER. Nada de teorias.”
“O cinema é uma bela mistura de som e imagem.”
Foi a componente musical uma das principais causas pelo ressurgimento do interesse nas
películas de Jess Franco, depois do seu declínio nos
anos 70 e 80 devido à indústria pornográfica. As
suas bandas sonoras foram redescobertas e reeditadas nos últimos anos, sobretudo depois de Quentin
Tarantino ter usado a música do filme de culto
“Vampiros Lesbos” em “Jackie Brown”. Destaca-se
sobretudo a colaboração com o músico italiano Bruno Nicolai. “Conheci-o há bastante tempo, antes do
meu primeiro filme em Itália. Na altura ele era só
um pianista de Jazz, mas passados seis meses tive a
oportunidade de filmar em Itália e pude escolhê-lo
para compor a banda sonora. A sua música é fantástica. Em “Lucky, The Inscrutable”, uma espécie
de filme cartoon, de espiões, completamente louco,
Bruno Nicolai fez o seu estilo de Jazz louco e sem
instrumentos: só voz, a capella. Lindo,maravilhoso!
Acabámos grandes amigos e quando morei em Roma,
perto dele, fazíamos música juntos. Ele telefonavame a meio da noite “vem fazer a terceira voz do
saxofone”, etc. Os músicos de Jazz têm uma coisa
que os outros não têm, a liberdade.” Não só amante
de Jazz (muitos dos pseudónimos por ele utilizados
são nomes de músicos de Jazz falecidos), este senhor mostra mais uma vez estar atento ao que se
passa hoje em dia e entre risos comenta: “Não gosto
de música pós-clássica, odeio compositores alemães
que têm a mania que são importantes e génios...
gosto de Jazz moderno. Hoje em dia há muita
música no mundo, muita gente a produzir, mas o
problema é a audiência... e também odeio a Pop
moderna”, e faz uma batida repetitiva com a boca.
Apesar disso, mesmo não gostando de Hip-Hop,
colaborou no álbum do grupo espanhol Hablando en
Plata. “Mas posso dar-te um exemplo... adoro Iron
Maiden. Ouviste o ultimo trabalho deles? Maravilhoso, fantástico, com força, óptimo para cinema! Eles
vão fazer a música do meu próximo filme.”
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Entulho Informativo 18
UNDERWORLD
44
o seu maior orçamento até então, mas foi-lhe
retirado passados poucos dias, já a meio das
filmagens em Portugal. Isto obrigou-o a oferecer, com o pouco dinheiro que restava, uma
passagem a um amigo milionário para que este
viesse da Suiça a Portugal assistir às filmagens,
e assim se entusiasmasse e entrasse com o
resto do dinheiro necessário para terminá-lo.
Assim aconteceu, e acabou também por apaixonar-se pela actriz principal, Janyne Reynaud,
fazendo com o que o marido da mesma e actor
no filme tivesse que ficar calado para receberem
o dinheiro. Posteriormente, o milionário levou
o filme com ele, o que por um lado foi positivo,
pois através dos seus contactos espalhou-o por
toda a América, exibido-o em inúmeros festivais
e lançando a controvérsia.
O dinheiro também foi uma das razões que
o levou a filmar em Portugal e “mesmo que
não fosse pelo dinheiro em si, porque não o
recebia de qualquer maneira (aqui, em Espanha ou em qualquer outro lado), mas porque
aqui as coisas eram mais baratas e fáceis de
arranjar. O único problema era se quisesse um
actor tinha de mandar vir de fora.”
do séc. XIX.” Por que continua a fazê-los? “Preciso de fazê-los. Preciso de estar neste mundo,
neste negócio, é a única coisa que eu realmente
amo na minha vida.” Por isso continua a rodálos, tentando aperfeiçoar, e talvez por isto as
histórias e personagens sejam recorrentes. Imparável, Jess Franco tem mais dois filmes. “Um é de
terror, “A casa junto ao cemitério”, e é baseado
numa novela gótica. O outro é uma versão nova
de Macbeth, um Macbeth passado nos tempos
modernos misturado com os antigos. É sobre
uma equipa de jovens a preparar Macbeth para o
teatro. É real. Cinquenta por cento é repetição e
ensaios, e depois entramos na história.”
E mais uma vez olha para Portugal e critica:
“O problema em Portugal é que vocês têm que
trabalhar mais, fazer mais filmes...”, e bate
com a mão na mesa, “e expo-los. Quando vês as
pessoas em Espanha, eles têm orgulho na merda
que fazem... Vocês são muito melhores em Portugal. Mas têm de crescer, e vocês são capazes.
Eu não acredito, EU SEI! Há vinte anos trabalhei
com a Tobis e com a Ulisseia. A Ulisseia fez-me
dois filmes fantásticos, muito artesanais mas
muito cuidados. Em Espanha já encontrei bocados de sanduíche nos negativos.”
Outra das sensações que se fica enquanto
se fala com Jesus Franco é que é mais do que
um mero realizador. Tem um conhecimento de
todos os processos até chegar ao produto final,
e com a experiência descobriu o seu método de
trabalho. “Prefiro muito mais equipas pequenas,
porque se perde a ideia de que se está a fazer
um filme. Passa a ser um grupo de amigos a
fazer um bom trabalho porque gostam do que
estão a fazer e por isso o filme sai melhor. Para
fazer um bom filme é necessário estares em paz
contigo mesmo e com a equipa à tua volta. É
muito importante ter uma equipa pequena, com
pessoas espertas, amantes do cinema. Se há
dois estúpidos a dizer “já são 5 horas” eu digo
“são 5 horas, e depois?”, “Agora temos de parar
de filmar imediatamente.” “Imediatamente!?
Mas eu estou a filmar, vou demorar mais 10
minutos ou o que for necessário!” Por isso é que
UNDERWORLD
Entulho Informativo 18
Desta vez
veio a Portugal apresentar
em primeira mão o seu novo filme, “Snake
Woman”, assim como o “D. Quixote de Orson
Wells”, no qual assinou a edição e pós-produção. Mas não foi a primeira vez que Jess Franco por cá passou. Na realidade, já cá filmou
mais de uma dezena de filmes, e mostra-se
um profundo conhecedor do nosso país, cultura e submundo. “Frankenstein vs. Drácula”,
“Voodoo Passion” e “Os Demónios” são apenas
alguns dos títulos que realizou por cá.
“A primeira vez que vim a Lisboa foi
com um filme que não realizei, “Missio a Lisboa”, uma co-produção entre uma pequena
companhia americana e uma italiana. Foi o
meu primeiro trabalho como produtor.” Isto
passou-se em 1965 e a partir daí apaixonou-se
pelo país: “Tenho duas razões para gostar de
Portugal. Por um lado amo o país, por outro
foi aqui que encontrei uma compreensão que
não conseguia encontrar em Espanha. Eu sei
que a censura aqui era forte, apertada, mas
muito menos que em Espanha. Sabes, coisas
normais que podia fazer aqui não podia fazer
em Espanha, porque era necessário permissão
para a mais pequena coisa que quisesse filmar. Em Portugal também, mas era mais fácil
de arranjar. Além disso Portugal é bem mais
bonito para filmar do que Espanha.” Claro que
a noção de “coisas normais” para Jess Franco
é questionável, tendo em conta que os seus
filmes centram-se sobretudo em aspectos do
ser humano considerados tabu: sexo, morte e
medos que tomam forma num misto de terror
e erotismo, naquilo que foi designado por
Eurosleaze – é raro o filme de Franco que não
tenha uma cena de striptease e que não explore fetiches. Por tudo isto foi considerado pelo
Vaticano como um dos dois realizadores mais
perigosos do mundo, ao lado de Luís Buñuel.
obsessiva e sobretudo humana. “Neste último
filme a história que conto não é uma história, é
uma atmosfera. Cada dia interessam-me mais as
atmosferas, as personagens, mas... é o mundo
entre a realidade e a ficção que não se entende
bem... Creio que sempre que consegues criar
uma atmosfera interessante, que o público reaja
como tu pensas, isso é positivo. Ter de explicar
cada vez menos que “Joanita estava casada com
Pepito e viviam juntos lá no bairro, etc etc.”
Faz-se o que se sente. Os diálogos são muito
importantes mas eu prefiro diálogos naturais.
Não gosto de diálogos muito literários. Prefiro
pessoas a falar, porque as conversas normais,
naturais, são muito melhores. Mas mesmo assim
prefiro quando a música faz os diálogos.”
Quando se lhe pergunta se se considera uma
influência ou referência para gerações seguintes,
ri-se: “Espero que sim. Talvez por causa da maneira como eu faço os meus filmes. Ou devido ao
facto das novas gerações estarem fartas de filosofias e de coisas estúpidas. Eles gostam de filmes,
gostam de ver acção, coisas a mexer-se, coisas
com piada.” A reacção dos críticos é precisamente a contrária, e é considerado um dos piores
realizadores de sempre. Queixam-se do ritmo dos
filmes, da técnica, dos constantes e obsessivos
zooms púbicos, da qualidade dos actores.
Sendo ele uma pessoa tão atenta e crítica
e tendo em conta a resposta de críticos e da indústria em geral, é impossível não deixar de lhe
perguntar o que acha dos seus próprios filmes.
“Odeio-os. Gosto de algumas partes. Mas nunca
estão bons o suficiente.” Quem os vê acaba por
sentir isso no intercalar de partes de grande
beleza e técnica inigualáveis, com partes de diálogos intermináveis, em que ambos parecem ser
sintomas do que o realizador está a passar. Dá
o exemplo do seu último filme, “Snakewoman”:
“Gosto dele HOJE. Porque acho que fiz algo diferente, dei um passo em frente. O que tento é
trazer algo mais aos meus filmes. Porque estou
farto de fazer sempre as mesmas histórias. Se é
sobre sexo é sobre sexo, se é terror ou thriller, é
sempre a mesma história, copiadas das histórias
David Soares
AS TREVAS FANTÁSTICAS
Polvo . 2005
Infelizmente o que salta
desde logo ao pegar neste
livro é a péssima edição
da Polvo – conhecida
pelo design gráfico mais
horroroso de Portugal.
Preço que David Soares
terá de pagar porque desistiu da sua editora, a
Círculo de Abuso, em que controlava (bem) a sua
produção editorial. Soares é conhecido na área da bd
(argumentista, desenhador e ensaísta) e da literatura
fantástica, sendo este livro o seu segundo como
escritor literário e também o segundo de contos. São
cinco desta vez e todos com características diferentes. Em comum têm o facto da escrita de David Soares estar acessível, tendo largado a sua prosa Death
Metal (cheia, barulhenta e demasiada adjectivada)
que o caracterizava antes. Isto é um elogio e uma
vantagem. Em contrapartida, há textos com alguma
confusão literária ainda por resolver, nomeadamente
em “O Bezoar”, um conto necro-capilar, em que os
fait divers da descrição de uma receita culinária
ou os pensamentos de uma personagem a atingir
o orgasmo destoam do resto da escrita num efeito
negativo. Soares não controla este estilo para brincar
com a cacofonia ou para jogos oulipoanos como
Rafael Dionísio e George Perec dominam, respectivamente. O conto mais conseguido, de um excelente
ritmo narrativo, é “Pela mão de um vampiro”, sobre
dois vampiros, um editor de livros e outro escritor. Os
outros pontuam-se pela imaginação fértil, softgore e
sexuada de Soares. Alguns contos desiludem porque
há boas ideias que acabam por não ser exploradas
até ao fim ou como nós e só nós, os leitores-vítimas,
desejaríamos – é o caso de “No vale, a Igreja”,
passado nos tempos da peste negra. Após a leitura
do livro ficamos com a capa toda aberta... pela baixa
qualidade da edição! 3,7 Marte
DIY: THE RISE
OF LO-FI CULTURE
Amy Spencer
Marion Boyars . 2005
Um miminho de livro para quem gosta da cultura Do It
Yourself. Não que o livro seja revelador de ideias novas
ou tenha uma análise aprofundada sobre o assunto.
No que o livro é bom é em conseguir fazer os links
de vários movimentos artísticos contemporâneos: do
Dada às Raves, passando pelos fanzines, beatniks,
hippies, mail-art, Fluxus, o jornalismo radical dos
anos 60, Situacionismo e claro, ao Punk, à sua ressaca pós-Punk, New Wave, No Wave e apropriações:
Grunge, Homocore/Queercore, Riot Grrrl. Divide-se
em três partes: a primeira dedicada à revolução dos
zines, a segunda à história da edição DIY e a terceira à
música. Não deixa de fazer menção a outros conceitos
como as rádios-piratas, ao DTP (Desktop Publishing,
ou seja, à edição informática, seja para edição papel,
blogs, páginas web, download), ou ainda ao “novo
artesanato” (crafting – que já chegou a Portugal sob a
designação das “tricotadeiras”). Informação completa
na essência, com poucos erros que só cromos como
eu poderão detectar, este livro é porreiro para assentar
ideias sobre o que é (foi e tem sido) a edição alternativa. Para quem edita ou apenas lê este Entulho, é um
livro obrigatório!! 4 Marte
Riot-Kids Zine
#10 Junho‘05
Em Portugal já lá vai o tempo em que a febre dos fanzines passou por cá (no início dos 90 principalmente).
A verdade é que aquelas folhas fotocopiadas deixam
saudades e na altura, ainda sem a facilidade da internet, não havia melhor alternativa para as novidades
correrem no mundo underground. Se por cá já é difícil
encontrar, no país ao lado ainda as há aos pontapés.
Riot-Kids é uma delas, neste caso mais orientada para
a corrente Oi!/Streetpunk. Neste número encontramos
entrevistas a Youngang (Itália), Generation 69 (Singapura), Blisterhead (Finlândia), The Adicts (Uk), The
CONTO
Prowlers (Canadá) e Reazione (Itália). Um interessante
mas pobre artigo sobre os Cobra (primeira banda Oi!
do Japão) também pode ser encontrado, para além das
normais reviews e algumas notícias. 2,9 LO
F. Paul Wilson
THE KEEP
Tor Books . 2000
“The Keep”, de Francis Paul
Wilson, conta a história de um
destacamento militar alemão
enviado até Dinu Pass, na
Roménia, durante a Segunda
Grande Guerra, para recuperar
uma antiga fortificação. A
construção de pequenas dimensões encontra-se
enquistada na face montanhosa que lhe oferece
permanente abrigo do sol. O exército começa a explorar
a sua moradia temporária e dois recrutas acabam por
mexer em algo que não deveria ser perturbado. O início
de “The Keep” não é muito sólido, mas é emocionante
e os seus panoramas desconsolados prometem ser cenário de horrores tremendos. A prosa de Wilson é competente sem ser demasiado simples, mas, igualmente,
sem o brilho de originalidade que cunha os opúsculos
dos autores mais talentosos (fez-me lembrar um Caleb
Carr para os leitores que pensam). O leitor atento do
género reconhecerá referências subtis (e outras nem
tanto) a obras de autores como Lovecraft, Bloch e Howard e existem segmentos de horror verdadeiramente
eficazes. Contudo, Wilson não parece dominar os seus
talentos narrativos da melhor maneira e para tornar
coxa cada cena brilhante que surge diante dos nossos
olhos aparecem outras duas que são quase ridículas.
Imaginem que estão a ver um filme de horror rigoroso
realizado por John McTiernan (à la “Nomads”) e, de
repente, é Sam Raimi quem ocupa o lugar vago atrás
da câmara trazendo consigo um esgrouviamento visual
total. Este desequilíbrio é quase fatal. Mas não vou
ser demasiado duro com “The Keep”... Afinal, este
é um livro de horror com nazis, vampiros e mortosvivos! Zieg Heil, sangue, suspense. Isto é totalmente
OTT! Série-Z no seu “melhor”, muito mais eficaz que
“Ilsa, the She-Wolf of the SS”. Este é o livro que vocês
querem ler! 3 DS
Terra Esta
Adormecia a madrugada debaixo
dos lençóis do amanhecer, quando os
primeiros passos se fazem sentir no
húmido cascalho que reveste o antigo caminho do monte. O Padre Viga,
como era conhecido na Benevolência,
trilhava a sua rotina diária em direcção à única igreja existente num
raio de 100 Km. Vigiado pelo olhar
nocturno dos predadores da floresta,
calmamente inspirava o ar recémnascido, enquanto fazia contas a mais
uma jornada de trabalho para o Senhor
todo-poderoso sempre ausente, porém
mais procurado que o leite do dia. Ao
contrário do leiteiro, cuja missão era
alimentar barrigas, o Padre Viga passava
a vida a tapar os buracos das almas que o solicitavam num ritmo constante e repetitivo. Via-se como um curador, que não
passava receitas, apenas apontava os caminhos.
Os habitantes deste local, os Benevolentes, sofriam e muito de um mal: o de
só conseguirem praticar o bem, apesar de não pensarem da mesma forma. Estas
características davam azo a conflitos nada fáceis de resolver e que por norma
iam sempre parar à velha igreja.
Um caso representativo destas relações sócio-familiares foi o casamento da
filha descendente da família Não Quero o Bem com o filho da família Quero o
Mal. A festa foi impecável, o casal Bem Mal entregou-se exemplarmente à união
de facto, para gáudio de todos os convidados. Contudo, não podia deixar de haver uma polémica para manchar a celebração deste típico povo.
Aconteceu que o tributo pedido à família do noivo foi de dez cabeças de
gado, porém num enorme gesto de generosidade, aquela ofereceu vinte. Estava
lançada a dúvida maior, a sensação desconfortável de insegurança, já que é de
desconfiar quando a oferta é maior que o pedido inicial.
Bem vindos à Benevolência, onde quem só o bem faz parece mal.
Entretanto quem não se esqueceu de marcar presença à porta da igreja,
ainda não eram sete da manhã, foram as mães do mais recente casal, os Bem
Mal. Lá estavam a D. Arrependida e D. Afectiva e muito havia para conversar,
porque as coisas entre elas andavam envoltas de uma neblina turbulenta, fosse
o casamento dos filhos, a prenda ou as conversas de rua, enfim assuntos que
exigiam a máxima delicadeza.
Passavam dois minutos da hora quando os seus olhos veneraram os pés do
Padre Viga e em simultâneo o portão corria ruidosamente pela calha metálica
ferrugenta. Após entrarem e sem que cruzassem olhares, cada uma delas sentou-se na primeira fila em frente do altar. O Padre, esse permanecia em silêncio,
a sua tranquilidade era realmente divina. Com um movimento autoritário indicou o caminho para o confessionário, as suas regras ditavam que a primeira a
entrar fosse a queixosa, a D. Arrependida. A cortina correu e os dois instalados
estavam preparados para dialogar.
Padre Viga (PV)- Bom dia, D. Arrependida.
D. Arrependida (DA)– Bom dia Sr. Padre.
PV – Diga-me, o que é que a traz por cá?
DA – Sabe, o tributo oferecido à minha filha não caiu bem. Acho que eles se
Mo Hayder
TOKYO
Bantam Press . 2004
Os livros escritos por Mo Hayder encontram-se compartimentados num nicho exótico, escavado entre o
romance thriller e a literatura light – porque se a sua
prosa económica se apresenta intransigente, também
não deixa de primar por um carácter despreocupado
que intenta ser cool. É uma voz autoral segura, mas
algo imatura. Contudo, Hayder nunca ofende a inteligência do leitor e isso, observado na actual oferta
de propostas que o mercado literário coloca à nossa
disposição, é meritório. Mas de que género de literatura
light estou a falar? É que esta autora escreve sobre
assassinos em série, pedófilos e necrófilos norteados
por um comportamento bárbaro que se aproxima do
impublicável (seja lá isso o que for). O seu romance
de estreia, “Birdman”, encontra-se disponível numa
versão portuguesa editada pela Presença, sob o título
(arrepiante!…) de “Os Pássaros da Morte”, e, à altura
da publicação desta crítica, já poderão encontrar uma
edição portuguesa de “Tokyo”, sob a chancela da Gótica. “Tokyo” é um exemplo perfeito de que a literatura
mainstream editada lá fora tem mais nutrientes que
aquela escrita cá dentro. Porque, assim como assim, o
reflexo luso do segmento de leitores que lêem Mo Hayder (ou Thomas Harris e Michael Marshall) na sua coutada original não possui hábitos de leitura. Em suma:
está bem escrito, toca em todos os botões certos para
manipular as nossas mais envergonhadas emoções e
as personagens são interessantes. Para quem apenas
contactou com a cultura japonesa através dos soníferos
Pokémons, e outras bichezas do mesmo género, ou
acredita que o execrável “Lost in Translation” contém,
efectivamente, uma boa história, este romance sobre
as diabruras de guerra que os japoneses cometeram
em Nanking no final da terceira década do século XX
terá o efeito de um pontapé no estômago. 3 DS
acham melhores que nós. Se não, por
que outra razão o fariam?
PV – Olhe, tenho a certeza que
o fizeram com a maior e a melhor
das intenções e não vou convencêla que possa ter havido outro motivo. Até porque ninguém seria capaz
de cometer uma maldade entre nós. E
disso tenho a certeza.
DA – Acha mesmo?
PV – Sem dúvida alguma.
PV – Sugiro que faça o seguinte,
vá à fonte do Santo e beba um copo
daquela água milagrosa. Depois vá para
casa e descanse sobre o assunto.
DA – Obrigado, assim o farei.
E assim foi, ao abandonar o cubíJOÃO M
AIO PIN
TO culo fitou a D. Afectiva e enquanto
da sua cabeça saíam as maiores
barbaridades contra aquela barata
recheada de podridão, a sua boca proferiu as seguintes palavras: “Ficamos muito sensibilizados pela oferenda, mas
como retribuição gostaria de convidá-los para jantar lá em casa, aceita?”
Levantando-se, a D. Afectiva pensou que seria desta que ia esganar este trapo velho e peçonhento, mas sem deixar cair o sorriso hipócrita respondeu que
teria o maior prazer em honrar o convite. E assim se despediram.
Em seguida, sentou-se no lugar outrora aquecido pela sua serpenteante vizinha. De igual forma, o Padre Viga iniciou a conversa com um seco bom dia, como
que a dar a entender que não queria perder o seu tempo com miudezas.
- Eu esmago aquela víbora, disse D. Afectiva (DA).
PV – Calma, calma, estamos num local sagrado. Porquê tanto rancor?
DA – Porque me apeteceu. Eu nunca gostei daquela tipa e agora que a tenho
que aturar ainda gosto menos.
PV – Mas isso não faz qualquer sentido!?
DA – E não tem que fazer. Há coisas que não se explicam, simplesmente
acontecem!
PV – Então de que forma a posso ajudar?
DA – Não pode.
PV – Mas se não posso, por que é que veio até cá?
DA – Pela água, Sr. Padre, pela água.
PV – O quê? Pela água? Mas do que é que está a falar?
DA – A água da fonte faz-me bem, alivia-me as dores nos rins.
Um silêncio profundo invadiu o Padre, encostando-o ao abismo da frustração.
DA – Posso lá ir?
PV – Pode sim, claro que pode, mas antes de ir responda-me, o que tenciona fazer nesta situação?
DA – Nada, absolutamente nada. Aconteceu, não é verdade? Como tal, também vai terminar a seu tempo. Até lá, vamos continuar a fazer o nosso papel.
Completamente arrasado, o Padre Viga pediu à D. Afectiva para ir até à fonte e sair da igreja o mais rápido possível. O silêncio abraçou-o novamente, não
o largando durante alguns minutos, até que os raios de sol o fizeram levantar e
caminhar pelo altar em direcção à água do Santo. Aqui lavou a sua cara e urinou
no seu interior.
E assim se vive em Benevolência!!!
Pedro Pedra
escondeu-se nas manhãs de sol, por entre a sombra das nuvens.
tornava o olhar pelo nome Cila. pedinchava galões ou meias de leite. comia torradas a acompanhar.
passando um polícia amarfanhava o guardanapo ou gritava ‘’filho da puta’’, se estivesse para aí virada.
sentou-se nas escadas dos Inglesinhos e abandonou-se admirando a chuva.
[http://correspondencia.blogs.simplesnet.pt]
LIVROS & PUBLICAÇÕES
vasculhava o lixo. conhecia os haveres de muitos. as tristezas embrulhadas em papel de alumínio.
as mágoas em película transparente. e embrutecia no silêncio.
os amigos ainda lembram o dia em que se esqueceram dela.
era seu costume ouvir as conversas, encostava-se às janelas dos rés-do-chão e sabia, para depois contar
às paredes. num outro dia, haveria de dar uma palavra a essas almas.
Cila teve o sonho de ser mãe. não conheceu nenhum homem capaz.
frequentava tascas onde os homens iam beber copos de três e petiscar moelas. era lá que se apaixonava.
sentia as entranhas preenchidas em bancos de jardim.
morreu num suspiro.
jm

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