Ação global relativamente à cobertura de saúde universal
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Ação global relativamente à cobertura de saúde universal
Ação global relativamente à cobertura de saúde universal Nellie Bristol March 2014 About CSIS For over 50 years, the Center for Strategic and International Studies (CSIS) has worked to develop solutions to the world’s greatest policy challenges. Today, CSIS scholars are providing strategic insights and bipartisan policy solutions to help decisionmakers chart a course toward a better world. CSIS is a nonprofit organization headquartered in Washington, D.C. The Center’s 220 fulltime staff and large network of affiliated scholars conduct research and analysis and develop policy initiatives that look into the future and anticipate change. Founded at the height of the Cold War by David M. Abshire and Admiral Arleigh Burke, CSIS was dedicated to finding ways to sustain American prominence and prosperity as a force for good in the world. Since 1962, CSIS has become one of the world’s preeminent international institutions focused on defense and security; regional stability; and transnational challenges ranging from energy and climate to global health and economic integration. Former U.S. senator Sam Nunn has chaired the CSIS Board of Trustees since 1999. Former deputy secretary of defense John J. Hamre became the Center’s president and chief executive officer in April 2000. CSIS does not take specific policy positions; accordingly, all views expressed herein should be understood to be solely those of the author(s). © 2014 by the Center for Strategic and International Studies. All rights reserved. Center for Strategic & International Studies 1616 Rhode Island Avenue, NW Washington, DC 20036 202-887-0200 | www.csis.org Ação global relativamente à cobertura de saúde universal Nellie Bristol1 Visão geral Visto que os rendimentos nacionais aumentaram em vários países, juntamente com o fardo de doenças não transmissíveis, a procura de serviços de saúde acessíveis e de qualidade aumentou. Atualmente, vários países procuram ativamente promover a cobertura de saúde universal, garantindo serviços de saúde de qualidade para todos a um preço que não crie pressão financeira indevida aos indivíduos que procuram obter cuidados. O esforço tem provocado um aumento do interesse e orientação de organizações internacionais como a Organização Mundial de Saúde e o Banco Mundial, e deu origem a novas plataformas para os países em desenvolvimento aprenderem uns com os outros. Apesar de a cobertura de saúde universal fornecer novos financiamentos e oportunidades, incluindo para o setor privado, existe uma necessidade de negociações transparentes e dinâmicas entre todos os constituintes de saúde para estabelecer acordos viáveis e duradouros que garantam que os serviços de qualidade alcancem todas as populações e usem da melhor forma os escassos recursos de saúde. A cobertura de saúde universal irá continuar em curso para vários países e durante vários anos. Esta se debaterá necessariamente com riscos e incertezas consideráveis. Esta tem também o potencial para atrair grande atenção para as despesas de saúde, sistemas de saúde e mais equidade, avanços que beneficiarão o desenvolvimento humano de forma mais abrangente. Procura global de serviços de saúde acessíveis e de qualidade No verão de 2013, muitos brasileiros se reuniram nas ruas para protestar contra as insuficiências do governo, incluindo problemas com a saúde. O sistema de saúde público superlotado e subfinanciado era conhecido pela falta constante de médicos, medicamentos e até lençóis para as 2 camas. Apesar de a saúde ser garantida pelo governo e suportada por taxas fiscais elevadas, os 1 Nellie Bristol faz parte do Centro de Política de Saúde Global do CSIS. A autora gostaria de agradecer às seguintes pessoas pela sua ajuda com este artigo: Murray Aitken, Instituto de Informática no Setor da Saúde do IMS (IMS Institute for Healthcare Informatics); Jessica Alpert, CSIS; Jesse Bump, Universidade de Georgetown; Karen Cavanaugh, Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (U.S. Agency for International Development); Jorge Coarasa, Banco Mundial; Kees de Joncheere, Organização Mundial de Saúde; Matt Fisher, CSIS; Alisha Kramer, CSIS; Edward Kelley, Organização Mundial de Saúde; Vinca LaFleur, West Wing Writers; J. Stephen Morrison, CSIS; Ariel Pablos-Mendez, Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional; Nina Schwalbe, GAVI; Andreas Seiter, Banco Mundial; Amy Shipow, CSIS; Ellen ‘t Hoen, antiga diretora de políticas e advocacia dos Médicos sem Fronteiras; Anita Wagner, Escola Médica de Harvard; Adam Wagstaff, Banco Mundial; e Shiyun Zhu, CSIS. Um agradecimento especial aos Investigadores e Produtores Farmacêuticos da América (Pharmaceutical Research and Manufacturers of America), em particular a Jennifer Young e Fumie Griego; David Evans, Organização Mundial de Saúde; Amanda Folsom, Instituto de Resultados para o Desenvolvimento (Results for Development Institute); e Robert Marten, Fundação Rockefeller. As opiniões que constam no artigo pertencem apenas à autora. 2 AP, “Middle Class Brazil Family Explains Why They Joined Mass Anti-Government Protests,” CBS News, 27 de junho de 2013, http://www.cbsnews.com/news/middle-class-brazil-family-explains-why-they-joined-massanti-government-protests/. 1 3 cidadãos estavam pagando prêmios a seguradoras privadas para contornar o sistema público. A classe média e os cidadãos mais pobres exigiram cuidados mais acessíveis e com melhor qualidade. Temendo mais instabilidade, o governo respondeu, concordando em reservar 25% dos 4 royalties do petróleo para a saúde. O público brasileiro não é o único a desejar serviços de saúde melhorados. Por todo o mundo, à medida que os rendimentos nacionais aumentam, a procura de cuidados de saúde acessíveis e de qualidade também aumenta. O movimento crescente para garantir serviços de saúde para todos a um preço que não crie pressão financeira indevida aos indivíduos que procuram cuidados - uma meta conhecida como cobertura de saúde universal - atingiu quase todos os países e, como resultado, obteve prioridade entre os temas de discussão de organizações internacionais chave, incluindo a Organização Mundial de Saúde e o Banco Mundial. A necessidade pode ser terrível. Em alguns locais, 11% da população sofre, a cada ano, com dificuldades financeiras graves 5 provocadas pela procura de cuidados de saúde necessários. De uma forma global, 150 milhões de 6 pessoas vivem anualmente catástrofes financeiras relacionadas com despesas médicas. Está claro que a cobertura de saúde universal não é uma ideia nova. Mais de duas dezenas de países de elevados rendimentos, incluindo o Reino Unido e o Canadá, têm facilitado os serviços de saúde para os seus cidadãos, alguns deles há décadas. Mas, atualmente, países como a Tailândia e o México estão abrindo o caminho para os países em desenvolvimento; em 2003, o México introduziu o Seguro Popular, que fornece acesso a serviços de saúde abrangentes com proteção 7 financeira para mais de 50 milhões de mexicanos que anteriormente não tinham cobertura. As nações de baixos rendimentos estão também determinadas a progredir. Na última década, o Mutuelles de Santé de Ruanda abrangeu mais de 90% da população, diminuiu os pagamentos 8 diretos dos pacientes e aumentou o uso dos serviços de saúde. Mesmo assim, alcançar a cobertura de saúde universal é uma tarefa complexa, a longo prazo que desafia até as sociedades mais prósperas. Os países ricos com sistemas de proteção de saúde avançados, tais como a Alemanha e o Canadá, lutaram para garantir o financiamento de serviços de saúde sustentáveis à medida que as economias abrandavam e a procura de serviços continuava crescendo. Mesmo em locais considerados bem posicionados para alcançar a cobertura de saúde universal, como o Brasil, a qualidade dos serviços é frequentemente ruim e a porção de cuidados que os pacientes necessitam pagar por si próprios permanece insustentavelmente alta. Em vários países em desenvolvimento, o desafio é agravado por inúmeros obstáculos adicionais, incluindo sistemas de cobrança de impostos inadequados, corrupção, gerenciamento e supervisão fracos, pessoal competente insuficiente e dificuldades em identificar e alcançar os cidadãos mais vulneráveis. Acima de tudo isso, o esforço na direção da cobertura de saúde universal é um processo político: Os governos precisam estar dispostos a gastar mais dinheiro na saúde. Por meio de impostos e prêmios, os cidadãos têm que se comprometer com grupos de financiamento de saúde dos quais eles próprios se beneficiarão, mas que também possam transferir recursos dos ricos para os pobres e das pessoas saudáveis para as pessoas doentes. A cobertura de saúde universal também 3 Ibid. AFP, “Brazil Leader Hails Law Marking Oil Funds for Services,” 19 de agosto de 2013, http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5gAnBgvpMdVSvEy8Yz7kT205IahCQ?docId=CNG.8f00 d4ecf1b1b17e9311412b9f9a5df2.311&hl=en. 5 World Health Organization (WHO), World Health Report: Health Systems Financing: The Path to Universal Coverage (Genebra: WHO, 2010), http://whqlibdoc.who.int/whr/2010/9789241564021_eng.pdf. 6 Ibid. 7 Felicia Marie Knaul et al., “The Quest for Universal Health Coverage: Achieving Social Protection for All in Mexico,” Lancet 380, issue 9849 (16 de Agosto de 2013): 1259–79. 8 Andrew Makaka et al., “Universal Health Coverage in Rwanda: A Report of Innovations to Increase Enrolment in Community-Based Health Insurance,” Lancet 380, S7 (21 de outubro de 2012), http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(13)60293-7/fulltext#article_upsell. 4 2 implica trabalhar com interesses adquiridos. Por exemplo, o setor privado desempenha um papel importante e diversificado na saúde por todo o mundo. Suas capacidades variam desde a prestação de serviços à fabricação de medicamentos e suprimentos e ainda o financiamento de 9 doadores. Espera-se que as expansões da cobertura de saúde forneçam, de uma forma global, ainda mais oportunidades para o setor privado. Espera-se que o mercado de fármacos global, por 10 exemplo, aumente de $965 bilhões em 2012 para mais de $1,2 trilhões em 2017. Mesmo assim, os conflitos de interesses inerentes entre os setores público e privado podem facilmente complicar o progresso em direção à cobertura de saúde universal; os profissionais de saúde, fabricantes e fornecedores poderão reclamar devido a reduções de rendimentos, preços fixos, regulamentos e outras medidas com o objetivo de controlar os custos de saúde, garantir a qualidade e modernizar as práticas. Todos os países que tiveram mais sucesso no caminho para a cobertura de saúde universal se engajaram, em diversos graus, em negociações políticas com diversos constituintes à medida que a cobertura de saúde foi sendo alargada ao longo de vários 11 anos. Apesar de o sistema de saúde dos Estados Unidos e as políticas de saúde Americanas serem únicos em vários aspectos, os esforços dos Estados Unidos para expandir a cobertura de saúde ilustram alguns dos desafios políticos e práticos em mãos. Apesar de possuir de longe o sistema de saúde mais caro do mundo, com custos totais anuais de $8.508 per capita, em contraste com o segundo 12 país mais caro, a Suíça, que paga $5.913 , 15% da população dos Estados Unidos não possui 13 seguro de saúde. Após décadas de tentativas frustradas de reestruturar o sistema de saúde dos Estados Unidos, com reformas sendo contestadas várias vezes por conservadores fiscais juntamente com coligações de médicos, seguradoras e funcionários, o Congresso aprovou a Lei de Proteção do Paciente e Cuidados de Saúde Acessíveis (Affordable Care Act, ACA) em 2010. A ACA prometeu fornecer cobertura a uma porção significativa das pessoas sem seguro e instituir reformas amplas para tornar os seguros mais acessíveis e abrangentes. Mas os opositores têm desafiado a lei repetidamente tanto por meio de legislação para revogá-la quanto nos tribunais. Eles se opõem ao custo do programa (que se estima vir a ser de $710 bilhões 14 durante o período 2014-19 ), considerado uma regulamentação excessiva, e ao papel demasiado importante para o governo federal. Apesar de a ACA ter suportado estes ataques até agora, ela também tem estado sujeita a várias falhas de implementação. O sistema informático federal concebido para conectar as pessoas inscritas com planos de saúde possuía muitas falhas no início, atrasando as inscrições de milhões de pessoas sem seguro. Além disso, algumas pessoas que já possuíam seguro passaram por alterações de cobertura inesperadas. 9 Consulte Jeffrey L. Sturchio and Akash Goel, The Private-Sector Role in Public Health: Reflections on the New Global Architecture in Health (Washington, DC: CSIS, janeiro de 2012), http://csis.org/files/publication/120131_Sturchio_PrivateSectorRole_Web.pdf. 10 IMS Institute for Healthcare Informatics, “Global Use of Medicines: Outlook through 2017,” novembro de 2013, http://www.imshealth.com/portal/site/imshealth/menuitem.762a961826aad98f53c753c71ad8c22a/?vgnextoid =9f819e464e832410VgnVCM10000076192ca2RCRD&vgnextchannel=a64de5fda6370410VgnVCM10000076192c a2RCRD&vgnextfmt=default. 11 William D. Savedoff et al., “Political and Economic Aspects of the Transition to Universal Health Coverage,” Lancet 380, issue 9845 (8 de setembro de 2012): 924–32. 12 Organization for Economic Cooperation and Development (OECD), “OECD Health Data 2013,” http://www.oecd.org/els/health-systems/oecdhealthdata2013-frequentlyrequesteddata.htm. 13 Robert Pear, “Percentage of Americans Lacking Health Insurance Falls Again,” New York Times, 17 de setembro de 2013, http://www.nytimes.com/2013/09/18/us/percentage-of-americans-lacking-health-coveragefalls-again.html?_r=0. 14 Jessica Banthin and Sarah Masi, “The Estimated Budgetary Impact of the ACA’s Coverage Provisions Has Changed Little on a Year-by-Year Basis since March 2010,” Congressional Budget Office, 14 de maio de 2013, http://www.cbo.gov/publication/44176. 3 Mesmo assim, independentemente de quão intimidante este feito possa ser, mesmo nos países mais ricos, o conceito de cobertura de saúde universal atrai cidadãos e legisladores por todo o mundo. A expansão da cobertura de saúde promete reduzir a pobreza, aumentar a equidade e promover a estabilidade social, resultados difíceis de contestar. Além disso, os países em desenvolvimento deparam com uma onda crescente de doenças não transmissíveis, tais como câncer e diabetes, para as quais os seus sistemas de saúde necessitam estar melhor preparados. Mecanismos de prestação de serviços e financiamento de saúde mais sustentáveis ajudarão os países a enfrentar estes desafios. E assim o movimento ganha dinamismo. Por todo o mundo, estão em andamento iniciativas nacionais, regionais e internacionais para abordar obstáculos e fornecer modelos e assistência aos governos que procuram expandir a cobertura de saúde; a cobertura de saúde universal está até sendo discutida como uma possível meta dos temas de discussão sobre desenvolvimento global pós-2015 das Nações Unidas (consultar apêndice 1). Os países estão priorizando as despesas de saúde (consultar parágrafo abaixo). Despesas Globais em Saúde Per Capita (2001 – 11) Despesas em Saúde Per Capita (PPC int. $) 1200 1000 800 600 400 Total 200 0 2001 2002 2003 2004 2005 Total Governo 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Government Fonte dos dados: World Health Organization Global Health Observatory Data Repository. “Health systems: Health financing.” 2013, http://apps.who.int/gho/data/node.main.484?lang=en. Gráfico criado por Matt Fisher e Nellie Bristol, CSIS. Este artigo pretende ser uma cartilha sobre esta questão global cada vez mais premente discutindo o seguinte: Uma breve história sobre os esforços dos países com vista à cobertura de saúde universal As atividades das organizações internacionais e de outros intervenientes a nível global Os requisitos chave e os difíceis desafios da criação de um sistema de cobertura de saúde universal 4 De que modo a cobertura de saúde universal surgiu como uma preocupação global? Os países priorizam a expansão da cobertura de saúde: a OMS define a cobertura de saúde universal como "garantir que todas as pessoas possam usar os serviços de saúde preventivos, curativos, reabilitativos e paliativos de que necessitarem, com qualidade suficiente para serem eficazes, ao mesmo tempo em que garantem que o uso destes serviços não exponha o usuário a dificuldades financeiras". Cada país percorre um caminho único com vista à cobertura de saúde universal, guiado pela sua própria história, política e estruturas financeiras e de saúde existentes. O movimento com vista à cobertura expandida é impulsionado pelos rendimentos crescentes e 15 pela pressão social sustentada para expandir a cobertura. A Alemanha conseguiu ser o primeiro país a iniciar o sistema de cobertura de saúde universal por meio de seu plano de seguros de saúde social, instituído em 1883. O Reino Unido iniciou o seu sistema em 1948. À medida que o PIB aumentou em vários locais, o número de países adotando programas de expansão da cobertura de saúde acelerou e, em 2009, 58 países de rendimentos bastante mais elevados já tinham adotado a legislação base da cobertura de saúde universal e satisfeito os critérios de acesso aos cuidados de saúde relativamente à cobertura de saúde 16 universal. Os países em desenvolvimento também começaram buscando expansões de 17 cobertura alargadas, incluindo o Chile em 1952 e o Brasil em 1988. Nos últimos anos, mais países 18 aderiram ao movimento, incluindo Gana, China, Índia, África do Sul e Vietnã. A Organização Mundial de Saúde assume a liderança: Apesar de os países abordarem a questão a nível nacional, a responsabilidade do governo em relação à saúde foi também um tópico de discussão a nível internacional. A Conferência Internacional sobre Cuidados de Saúde Primários de 1978, convocada em Alma-Ata, Cazaquistão, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) é considerada um ponto de viragem histórico no movimento internacional com vista à cobertura de saúde universal. A Declaração de Alma-Ata resultante, focada na responsabilidade do governo por um “nível aceitável de saúde para todas as 19 20 pessoas do mundo” e por priorizar os cuidados primários, foi assinada por 143 países. Apesar de a atenção em relação à saúde global ter, desde então, oscilado entre abordagens dos sistemas de saúde e programas para doenças específicas, o foco na equidade no que diz respeito aos serviços de saúde se manteve como um tema constante. Em meados da última década, à medida que as insuficiências abrandavam os esforços para abordar preocupações prioritárias em relação à saúde, tal como HIV/AIDS e saúde maternal e das crianças, e à medida que se tornou cada vez mais aparente que uma parte excessiva dos custos dos serviços recaía sobre as pessoas pobres e doentes, os responsáveis pela tomada de decisões políticas começaram se focando mais no financiamento da saúde. Na Assembleia Mundial da Saúde (World Health Assembly, WHA) de 2005, os principais oficiais de saúde do mundo comprometeram os seus governos a desenvolver sistemas de financiamento da saúde para 15 Savedoff et al., “Political and Economic Aspects of the Transition to Universal Health Coverage.” David Stuckler et al., “The Political Economy of Universal Health Coverage” (background paper for the Global Symposium on Health Systems Research, 16-19 de novembro de 2010, Montreux, Switzerland), 17, http://www.pacifichealthsummit.org/downloads/UHC/the%20political%20economy%20of%20uhc.PDF. 17 Joint Learning Network for Universal Health Coverage, “Countries,” http://jointlearningnetwork.org/countries. 18 UHC Forward, “Health Coverage Programs,” http://uhcforward.org/reforms. 19 International Conference on Primary Health Care, “Declaration of Alma-Ata,” Alma-Ata, USSR, 6–12 de setembro de 1978, http://www.who.int/publications/almaata_declaration_en.pdf. 20 Jesse B. Bump, “The Long Road to Universal Health Coverage: A Century of Lessons for Development Strategy,” PATH, 19 de outubro de 2010, 32, http://www.rockefellerfoundation.org/uploads/files/23e4426fcc44-4d98-ae81-ffa71c38e073-jesse.pdf. 16 5 21 garantir o acesso a serviços e atenuar simultaneamente o risco financeiro para o indivíduo. A OMS tem priorizado a cobertura de saúde universal desde então, por meio de seus relatórios mundiais sobre saúde, orientação aos países e conferências para explorar questões políticas e de implementação. Após o seu Relatório Mundial sobre a Saúde de 2010, “Health Systems Financing: the Path to Universal Coverage”, mais de 70 países solicitaram a ajuda da OMS para trabalhar no 22 sentido da cobertura de saúde universal. A diretora-geral da OMS, Margaret Chan, tem sido uma forte defensora no esforço atual para expandir a cobertura de saúde. “Na minha opinião”, disse Chan no seu discurso de maio de 2012 aceitando uma segunda nomeação de cinco anos, “a cobertura universal é o conceito mais 23 poderoso que a saúde pública tem para oferecer”. Contudo, no que diz respeito à defesa da cobertura de saúde universal, a OMS ilustra, em si mesma, alguns dos conflitos que provavelmente se intensificarão à medida que o movimento cresce. A prevenção de doenças é considerada um pilar importante da cobertura de saúde universal, tanto pelo fato de melhorar a saúde dos indivíduos inerentemente, como pelo fato de reduzir os custos do sistema de saúde. Nos últimos anos, as indústrias alimentícia e de bebidas sofreram críticas intensas de oficiais, advogados e outras pessoas relacionadas com a saúde pública por criarem produtos processados com elevado teor de açúcar, gordura e sal, fatores que contribuem para doenças crônicas. Mas enquanto alguns especialistas em saúde pública apelam a uma maior aliança entre a saúde pública e o setor privado na busca da redução de doenças por meio, por exemplo, da reformulação voluntária de produtos e restrições em relação à publicidade para crianças, Chan assumiu uma abordagem mais conflituosa. Equiparando-as com a tão difamada indústria do tabaco, em julho de 2013, Chan condenou as empresas alimentícias, de bebidas e de álcool pelo que ela considerava serem esforços da indústria para contestar e 24 contornar os esforços da saúde pública que afetam os seus produtos. Apesar das tensões, a OMS está buscando maneiras melhores de engajar as entidades comerciais e outros “agentes não estatais”, tais como organizações não governamentais, para prevenir 25 percepções de conflitos de interesses. O Grupo do Banco Mundial—orientação e apoio: O Grupo do Banco Mundial está também apoiando ativamente os movimentos dos países com vista à cobertura de saúde universal. Em parceria com a OMS e com outras entidades, este fornece orientação e ferramentas aos países para ajudá-los a avaliar seu nível de cobertura de saúde e medir qualquer eventual progresso. Em fevereiro de 2013, o Banco lançou vários estudos que analisavam os “elementos básicos” dos 26 programas de cobertura em 22 países e no Estado de Massachusetts. O Banco está também desenvolvendo uma ferramenta de avaliação da cobertura de saúde universal (universal health coverage assessment tool, UNICAT) para ajudar os países a avaliar os recursos que possuem à disposição para implementar a cobertura de saúde universal. O financiamento da saúde do Banco 21 World Health Assembly (WHA), WHA58.33, “Sustainable Health Financing, Universal Coverage, and Social Health Insurance,” 25 de maio de 2005, http://www.who.int/providingforhealth/topics/WHA58_33-en.pdf. 22 Margaret Chan, “Opening Remarks at the WHO/World Bank Ministerial-level Meeting on Universal Health Coverage,” Genebra, 18 de fevereiro de 2013, http://www.who.int/dg/speeches/2013/universal_health_coverage/en/. 23 Margaret Chan “Universal Coverage Is the Ultimate Expression of Fairness,” Genebra, 23 de maio de 2012, http://www.who.int/dg/speeches/2012/wha_20120523/en/. 24 Margaret Chan, “WHO Director-General Addresses Health Promotion Conference,” Helsinki, 10 de junho de 2013, http://www.who.int/dg/speeches/2013/health_promotion_20130610/en/#. 25 WHO, “Public Web Consultation on WHO’s Engagement with Non-State Actors,” http://www.who.int/about/who_reform/governance/who_reform_non_state_actors_consultation_2013.pdf. 26 World Bank, “Universal Health Coverage Study Series,” http://www.worldbank.org/en/topic/health/publication/universal-health-coverage-study-series. 6 a países de baixos e médios rendimentos prioriza o desempenho do sistema de saúde, um 27 componente chave da cobertura de saúde universal. Além disso, em parceria com a OMS, em dezembro de 2013, o Banco lançou um artigo de discussão sobre uma estrutura de monitoramento padronizada para avaliar o progresso dos países em relação à cobertura de saúde universal. A equidade é fundamental para a cobertura de saúde universal, observa o estudo, mas existe o risco de as populações mais pobres e mais desfavorecidas serem deixadas para trás, razão pela qual “para além de medir os níveis médios ou agregados da cobertura financeira e de serviços, é essencial possuir medidas desagregadas por uma gama de estratificadores demográficos e socioeconômicos, tais como rendimentos/riqueza, 28 sexo, idade, local ou residência, minorias e migrantes, etc.” Em conjunto com a estrutura de medição, o Banco e a OMS propuseram duas metas ambiciosas em relação à cobertura de saúde universal: Em primeiro lugar, em 2020, reduzir para metade (para 50 milhões) a proporção de pessoas empobrecidas como resultado de despesas de saúde não cobertas e, em seguida, reduzir o número para zero em 2030; e, em segundo lugar, em 2030, duplicar de 40 para 80% o número de pessoas pobres nos países em desenvolvimento que possuem acesso aos serviços de saúde básicos. As duas organizações irão trabalhar com parceiros 29 no começo de 2014 para desenvolver formas de acompanhar estas metas. O Governo dos Estados Unidos e o Fortalecimento dos Sistemas de Saúde: A administração de Obama tem sido uma forte defensora da cobertura de saúde expandida tanto nos Estados Unidos como de forma global. Em 2012, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (U.S. Agency for International Development, USAID), há muito tempo envolvida em atividades de fortalecimento do sistema de saúde a nível internacional, estabeleceu um Gabinete para os Sistemas de Saúde como o ponto focal de uma rede de especialistas técnicos. O administrador adjunto para a saúde global da USAID, Ariel Pablos-Méndez, é um ávido defensor da cobertura de saúde universal como uma maneira de fornecer financiamento racional e sustentável aos serviços de saúde. “À medida que as economias em desenvolvimento crescerem, 30 gastarão inevitavelmente mais na saúde”, escreveu Pablos-Méndez em um blogue da USAID. “Contudo, sem uma cuidadosa organização do sistema, tende a existir uma explosão de serviços privados não regulados sem cobertura, provocando insuficiências e contas de saúde que fazem com que as famílias mergulhem de novo na pobreza”. Outros defensores importantes incluem a UNICEF, a Organização Internacional do Trabalho e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, bem como a Alemanha e o Japão. Os países em desenvolvimento também se estão ajudando uns aos outros. A Rede de Aprendizagem Conjunta para a Cobertura de Saúde Universal (Joint Learning Network for Universal Health Coverage) é uma plataforma inovadora onde os países podem compartilhar suas experiências práticas de implementação. A JLN é regida pelos países participantes e financiada pela Fundação Rockefeller e pela Fundação Bill e Melinda Gates. Esta é apoiada por uma rede de parceiros técnicos, incluindo o Instituto de Resultados para o Desenvolvimento sedeado em Washington DC (consulte 27 J. Stephen Morrison and Nellie Bristol, “The World Bank Group,” in Global Health Policy in the Second Obama Term, ed. J. Stephen Morrison (Washington, DC: CSIS, fevereiro de 2013), 80, http://csis.org/files/publication/130214_Morrison_GHTransitionVolume_Web_FINAL.pdf. 28 World Health Organization and the World Bank, “Progress towards Universal Health Coverage at Country and Global Levels: A Framework,” dezembro de 2013, http://www.who.int/healthinfo/country_monitoring_evaluation/UHC_WBG_DiscussionPaper_Dec2013.pdf 29 Jim Yong Kim, “Speech by World Bank Group President Jim Yong Kim at the Government of Japan-World Bank Conference on Universal Health Coverage,” 6 de dezembro de 2013, http://www.worldbank.org/en/news/speech/2013/12/06/speech-world-bank-group-president-jim-yong-kimgovernment-japan-conference-universal-health-coverage. 30 Ariel Pablos-Méndez, “Building the Foundations for Sustainable Health Services,” USAID Impact Blog, 26 de setembro de 2012, http://blog.usaid.gov/2012/09/a-kid-in-a-candy-store-building-the-foundations-forsustainable-healthcare/. 7 o apêndice 2). A JLN é um de muitos projetos para a cobertura de saúde universal financiados pela Fundação Rockefeller, que tem sido uma grande impulsionadora do movimento. Esta também financiou, em setembro de 2012, uma série fundamental sobre a cobertura de saúde universal na publicação médica do Reino Unido The Lancet e forneceu subvenções à Organização Mundial de Saúde, incluindo para o Relatório Mundial de Saúde de 2010 sobre financiamento de sistemas de saúde. Cobertura de saúde universal: O que é necessário para concretizá-la? O governo é normalmente o principal interveniente na expansão de cobertura como um pagador, um prestador de serviços de saúde e/ou um regulador da prestação de cuidados de saúde e dos seguros privados. Quando planejam seus programas, os países normalmente ponderam três dimensões da expansão da cobertura: quem, quais os serviços e que proporção dos custos será 31 abrangida. Visto que reduzir o fardo financeiro relacionado à saúde aos indivíduos e às famílias é um dos principais objetivos da cobertura de saúde universal, um dos componentes fundamentais de qualquer sistema é o desenvolvimento de grupos de financiamento para os cuidados de saúde (consulte o glossário, apêndice 3). O dinheiro coletado por meio de receitas ou prêmios do governo é usado para pagar pelo menos um conjunto básico de benefícios de saúde à maior quantidade de pessoas possível. Os governos devem também planejar métodos para garantir que as populações vulneráveis recebam os serviços adequados e para assegurar que os recursos de saúde sejam usados de maneira eficiente. Garantir um financiamento sustentável Os cuidados de saúde são caros. Segundo a OMS, os custos não cobertos colocam 100 milhões de pessoas na pobreza todos os anos. Se for gerenciado de forma competente, o desenvolvimento de mecanismos de financiamento sustentáveis e adequados para os serviços de saúde tem o potencial não só de diminuir as dificuldades financeiras graves dos indivíduos como também de fornecer financiamento mais confiável para a expansão dos sistemas de saúde. A OMS recomenda que, para expandir a cobertura às suas populações, os países de baixos e 32 médios rendimentos poderão ter que aumentar primeiro o montante dos seus orçamentos que dedicam à saúde. De modo a garantir o acesso a intervenções fundamentais, por exemplo, os países de baixos rendimentos teriam que gastar uma média de $60 por pessoa, uma diferença 33 significativa em comparação com a média atual de $32 por pessoa. Para muitos países, o aumento da eficiência da cobrança de receitas será essencial para apoiar grupos de financiamento de saúde maiores. “Mesmo em alguns países de altos rendimentos, a evasão fiscal e a cobrança ineficiente de prêmios fiscais e de seguro podem ser problemas 34 graves”, observou a OMS. Para além dos impostos sobre os salários, vários países aderiram também a outros métodos de aumento das receitas, incluindo valor acrescentado e impostos sobre as vendas, bem como quotizações sobre artigos como o álcool e o tabaco. Gana, por 31 WHO, “World Health Report,” 13. O Banco Mundial classifica as economias com base no rendimento nacional bruto (RNB) per capita. Os países de baixos rendimentos são aqueles com um RNB per capita de $1.035 ou menos. O rendimento médiobaixo é de $1.036–$ 4.085. O rendimento médio-alto é de $4.086–$ 12.615. Consulte World Bank, “How We Classify Countries,” http://data.worldbank.org/about/country-classifications. 33 World Health Organization “World Health Report—Health Systems Financing: the Path to Universal Coverage,” 2010, p. 10, http://www.who.int/whr/2010/en/ 34 WHO, “World Health Report,” 10. 32 8 exemplo, aumentou os impostos sobre o consumo de 2 para 5% e o financiamento atende agora 35 61% do orçamento do seu Sistema de Seguro de Saúde Nacional. Muitos dos países que conseguiram expandir a cobertura de saúde com sucesso fizeram-no através de sistemas com base em impostos ou sistemas de seguro de saúde social obrigatórios. Nos sistemas com base em impostos, as receitas fiscais gerais são a principal fonte de financiamento e os governos fornecem ou compram serviços de saúde. Nos sistemas com base em seguros sociais, todos os trabalhadores, autônomos, entidades comerciais e o governo contribuem. Para além dos modelos tradicionais, alguns dos países que buscam a cobertura de saúde universal fazem-no por meio de “sistemas híbridos” únicos que, no entanto, compartilham características comuns, incluindo o uso de receitas fiscais para subsidiar determinadas populações e a adoção de medidas 36 com vista à criação de grupos com um risco mais abrangente. Na maior parte dos sistemas, os indivíduos precisam contribuir diretamente para os custos de saúde e os serviços são comprados 37 a profissionais de saúde públicos e privados. O objetivo dos sistemas de cobertura expandida é juntar recursos para compartilhar o risco financeiro entre os participantes. A remoção da necessidade de pagamentos diretos sem cobertura no momento em que são necessários cuidados é a forma mais eficaz de garantir que os indivíduos busquem os cuidados de que necessitam e que não enfrentem pressão financeira indevida ao longo do processo. A OMS considera os pagamentos pela saúde “catastróficos” se consumirem mais de 40% do rendimento anual de um indivíduo após a dedução de despesas alimentares. Adiciona ainda: “Apenas quando a dependência de pagamentos diretos diminuir para menos de 15-20% das despesas totais de saúde [a nível nacional] poderá a incidência de 38 catástrofes financeiras diminuir para níveis insignificantes”. Vários sistemas avançados de financiamento da saúde dependem dos fundos coletados com o emprego, mas este método é frequentemente complicado e pouco confiável nos países em desenvolvimento. Vários países de baixos e médios rendimentos possuem grandes setores informais - porções da população que trabalham fora da economia oficial. Por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho (International Labour Organization, OIT) estima que 39 83,5% da população na Índia seja empregada por entidades comerciais não registradas. Não só estas populações se encontram indisponíveis para contribuir para os grupos de financiamento estatais, como são também difíceis de monitorar para garantir que estejam recebendo os benefícios de saúde necessários. Para além do financiamento do governo em relação a serviços de saúde, vários países possuem opções de seguro privado, incluindo seguros de saúde baseados na comunidade e micro seguros que permitem que as pessoas inscritas contribuam voluntariamente para um grupo de prépagamento de cuidados de saúde. Especialmente no que diz respeito às etapas iniciais da evolução de um país em direção à cobertura de saúde universal, os programas do governo estão frequentemente mal desenvolvidos e são outras opções de seguro que intervêm. Isto está ocorrendo especialmente em países com uma classe média em crescimento que começa a exigir 40 mais opções de pré-pagamento. Mesmo em relação às populações às quais o governo paga pela maioria dos serviços, o seguro privado frequentemente preenche as falhas existentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, a 35 Gina Lagomarsino et al., “Moving Towards Universal Health Coverage: Health Insurance Reforms in Nine Developing Countries in Africa and Asia,” Lancet 380, issue 9845 (8 de setembro de 2012): 933–43. 36 Ibid. 37 WHO, “Technical Briefs for Policy-Makers: Achieving Universal Health Coverage: Developing the Health Financing System,” 2005, 2, http://www.who.int/health_financing/pb_1.pdf. 38 WHO, “World Health Report,” 42. 39 ILO Department of Statistics, “Statistical Update on Employment in the Informal Economy,” Junho de 2012, http://laborsta.ilo.org/applv8/data/INFORMAL_ECONOMY/2012-06-Statistical%20update%20-%20v2.pdf. 40 Comunicação do autor com Jorge Coarasa, economista sênior, Banco Mundial, 11 de novembro de 2013. 9 Medicare fornece uma gama de coberturas para as pessoas com mais de 65 anos, mas muitas das pessoas inscritas pagam também pelo seguro “Medigap” privado, que abrange aquilo que o programa não abrange. Existe uma situação semelhante no Canadá, onde o financiamento público é responsável por 71% das despesas totais de saúde, mas os planos de saúde privados abrangem cerca de dois terços da população para fornecer benefícios tais como cuidados de visão 41 e cuidados dentários, bem como fármacos com receita médica. Mesmo assim, o papel do seguro privado é um dos aspectos mais controversos da expansão da cobertura de saúde. Como explica o economista sênior do Banco Mundial Jorge Coarasa, “Os defensores da cobertura de seguros de saúde expandida afirmam que esta fornece acesso a cuidados e evita as grandes listas de espera, cuidados com baixa qualidade e a indelicadeza sofrida por agregados familiares que usam os serviços públicos fornecidos pelos ministérios da saúde”, enquanto “os opositores difamam o seguro de saúde como um mal a ser evitado a todo o custo. Para eles, o seguro de saúde desvia os escassos recursos existentes dos pobres e provoca o consumo excessivo de cuidados, aumentando os custos (especialmente custos administrativos), 42 casos de fraude e abuso e, finalmente, criando um sistema de saúde injusto”. A organização humanitária Oxfam, por exemplo, apenas recomenda o financiamento fiscal e a cobrança de prêmios dos trabalhadores do setor formal, sendo estes suplementados com ajuda internacional; na opinião da Oxfam, “Os países que mais progrediram até à data adotaram os princípios de equidade e universalidade, rejeitando abordagens que coletam prêmios de seguro 43 daqueles que são demasiado pobres para poderem pagar”. Selecionar o Pacote de Benefícios Adequado No que diz respeito ao desenvolvimento de pacotes de benefícios, a OMS incita a inclusão de serviços de saúde para HIV, tuberculose, malária, doenças não transmissíveis, saúde mental, saúde sexual e reprodutiva e saúde infantil, mas reconhece que “o dilema da maioria dos países, especialmente dos países de baixos rendimentos, é que estes não são capazes de fornecer os 44 cuidados de saúde necessários a todos as pessoas e a um preço acessível”. Os países devem se esforçar para prestar uma quantidade maior de serviços ao longo do tempo, enquanto reduzem os custos sem cobertura para os pacientes, explica a organização. Um exemplo de um país que está facilitando lentamente o aumento da cobertura de saúde é a Tailândia. A Tailândia, um país de rendimentos médios, iniciou a cobertura de serviços de saúde essenciais no começo do ano 2000, aumentando o número de pessoas recebendo cobertura em 47 45 milhões. Inicialmente, oferecia fármacos sem receita médica gratuitamente, cuidados ambulatoriais e hospitalização, bem como serviços mais caros incluindo radioterapia, cirurgia e 46 cuidados intensivos. A cobertura aumentou com o tempo; os novos benefícios incluíram 41 Sara Allin, “The Canadian Health Care System, 2012,” in International Profiles of Health Care Systems, 2012, ed. Sarah Thomson et al. (New York: Commonwealth Fund, novembro de 2012), http://www.commonwealthfund.org/~/media/Files/Publications/Fund%20Report/2012/Nov/1645_Squires_intl_ profiles_hlt_care_systems_2012.pdf. 42 Jorge Coarasa, “Scaling Up Affordable Health Insurance: Same Dish, Many Different Recipes,” World Bank Blogs, 25 de setembro de 2013, http://blogs.worldbank.org/voices/scaling-affordable-health-insurance-samedish-many-different-recipes. 43 Ceri Averill, “Universal Health Coverage: Why Health Insurance Schemes Are Leaving the Poor Behind,” Oxfam, 9 de outubro de 2013, 4, http://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/bp176-universal-healthcoverage-091013-en_.pdf. 44 WHO, “Questions and Answers on Universal Health Coverage,” www.who.int/contracting/documents/QandAUHC.pdf. 45 Apiradee Treerutkuarkul, “Thailand: Health Care for All, At a Price,” Bulletin of the World Health Organization 88, no. 2 (fevereiro de 2010), http://www.who.int/bulletin/volumes/88/2/10-010210/en/. 46 Ibid. 10 fármacos antirretrovirais para o HIV em 2004 e terapia de substituição renal para doenças renais 47 terminais em 2008. Contudo, esta história positiva é também um alerta: Atender a demanda de terapia de substituição renal poderia consumir mais de 12% do orçamento do Sistema de 48 Cobertura Universal da Tailândia e ameaçá-lo com uma crise financeira. Os benefícios incluídos nos sistemas de cobertura de saúde devem ser abrangentes, priorizar os cuidados primários e de prevenção, e abordar as doenças predominantes na área considerada. Idealmente, conforme encarado pela OMS, “As decisões sobre os serviços que podem ser inicialmente garantidos à população e sobre os que devem ser adicionados ao longo do tempo são 49 baseadas nas necessidades do povo, na opinião pública e nos custos”. Mas, muitas vezes, como escrevem Amanda Glassman e Kalipso Chalkidou para o Centro de Desenvolvimento Global, o processo da tomada de decisões em relação ao que será abrangido é muito mais politizado: “Os doadores de saúde, os responsáveis pela tomada de decisões políticas e os médicos continuam tomando decisões de vida ou morte sobre que tipo de pacientes recebe quais intervenções, quando e a que custo. Estas decisões, por mais consequências que tenham, resultam frequentemente de processos ad hoc não transparentes motivados mais pela inércia e 50 por grupos de interesse do que pela ciência, pela ética e pelo interesse público”. Como exemplo, eles afirmam que apenas 44% das crianças entre um e dois anos na Índia estão totalmente vacinadas, mas as cirurgias de coração aberto são subsidiadas em hospitais públicos nacionais. Os especialistas em políticas de saúde incitam a adoção de abordagens mais racionais relativamente à tomada de decisões sobre os benefícios que envolvam uma análise de benefício/custo, uma análise do impacto no orçamento e um processo mais deliberativo para garantir que os serviços abrangidos forneçam os melhores resultados médicos tendo em conta o 51 dinheiro gasto. Atingir as populações vulneráveis Outro componente chave para alcançar a cobertura de saúde universal é garantir que os benefícios cheguem às pessoas que mais necessitam deles: as pessoas pobres, vulneráveis e marginalizadas que possuem, de forma geral, o pior acesso aos serviços de saúde, que pagam diretamente do seu próprio bolso custos não cobertos no momento em que recebem cuidados e que mais provavelmente não procurarão receber os cuidados necessários ou que ficarão empobrecidas se o fizerem. O Japão e muitos outros países de altos rendimentos na Europa iniciaram sua expansão de cobertura com os trabalhadores do setor formal “fáceis de identificar e cujos vencimentos são 52 relativamente fáceis de tributar”, mas, como a OMS avisa, este método pode levar a uma maior fragmentação, com as pessoas já cobertas exigindo mais benefícios ou pagamentos mais baixos, enquanto que as pessoas que não possuíam cobertura continuam a não recebê-la. Além de garantir que os serviços de qualidade se encontrem disponíveis de forma conveniente, atender às pessoas que mais necessitam de cobertura poderá requerer que os cuidados sejam oferecidos de forma gratuita às pessoas que não se encontram em posição de contribuir. Mas, mesmo assim, os países têm dificuldade em perceber quais são as pessoas mais vulneráveis, especialmente no setor 47 Sripen Tantivess et al., “Universal Coverage of Renal Dialysis in Thailand: Promise, Progress, and Prospects,” BMJ 346 (janeiro de 2013): 1462, http://www.bmj.com/content/346/bmj.f462. 48 Treerutkuarkul, “Thailand.” 49 WHO, “Questions and Answers on Universal Health Coverage,” www.who.int/contracting/documents/QandAUHC.pdf. 50 Amanda Glassman and Kalipson Chalkidou, Priority-Setting in Health: Building Institutions for Smarter Public Spending (Washington, DC: Center for Global Development, junho de 2012), http://www.cgdev.org/sites/default/files/1426240_file_priority_setting_global_health_FINAL_0.pdf. 51 Ibid. 52 WHO, “World Health Report,” 49. 11 informal, e de que forma podem fazer com que a cobertura chegue até elas. As opções incluem fundos de ações, subsídios para prêmios de seguro de saúde, vales para cuidados de saúde e transferências monetárias. O México, por exemplo, desenvolveu a iniciativa Oportunidades, que fornece transferências monetárias condicionais às pessoas pobres que procuram cuidados em instalações públicas. O programa fornecia benefícios de saúde e outros benefícios a 25 milhões de mexicanos com baixos rendimentos, quase todos eles mulheres e quase 70% deles vivendo em 53 áreas rurais. Usar os recursos eficientemente Um dos maiores desafios no estabelecimento e manutenção da cobertura de saúde universal é o uso eficiente dos recursos de saúde escassos. A História mostra que a procura de serviços de saúde ultrapassa quase sempre a capacidade ou desejo de uma sociedade de pagar por esses serviços. Mesmo nos países mais ricos, os custos dos serviços de saúde aumentam mais que a inflação geral. Na maior parte dos países da OECD, as despesas de saúde aumentam mais depressa 54 do que o crescimento econômico desde a década de 1970. “Enquanto alguns países perdem mais que outros, a maioria, se não todos, deixa de explorar de forma plena os recursos disponíveis, seja por meio de aquisição mal executada, uso irracional de medicamentos, recursos humanos e técnicos mal gerenciados ou mal alocados ou financiamento e 55 administração fragmentados”, afirmou a OMS. Esta estima que 20 a 40% dos recursos gastos na 56 saúde sejam desperdiçados. As 10 principais causas da ineficiência do sistema de saúde da OMS são: 1. Subutilização de genéricos e preços de medicamentos mais elevados do que o necessário 2. Uso de medicamentos falsificados e de qualidade inferior 3. Uso de medicamentos inapropriados e ineficazes 4. Uso ou fornecimento excessivo de serviços e equipamento de saúde 5. Combinação inapropriada ou dispendiosa de trabalhadores de saúde e trabalhadores pouco motivados 6. Admissões hospitalares e duração da estadia inapropriadas 7. Tamanho inapropriado dos hospitais 8. Erros nos medicamentos e qualidade inferior dos cuidados 9. Desperdício, corrupção e fraude 53 Inter-American Development Bank, “Mexico to Receive $600 Million in IDB Financing for Oportunidades Program,” news release, 5 de setembro de 2013, http://www.iadb.org/en/news/news-releases/2013-0905/oportunidades-program-for-mexico,10557.html. 54 OECD, “Health: Spending Continues to Outpace Economic Growth in Most OECD Countries,” 30 de junho de 2011, http://www.oecd.org/newsroom/healthspendingcontinuestooutpaceeconomicgrowthinmostoecdcountries.ht m. 55 WHO, “World Health Report,” 61. 56 Ibid., 15. 12 10. Combinação ineficiente/nível inapropriado de intervenções de saúde 57 O custo, a segurança e a disponibilidade de farmacêuticos são elementos fundamentais para a manutenção da cobertura de saúde universal. A OMS mantém listas de “medicamentos essenciais” baseadas na relevância para a saúde pública, provas de segurança e eficácia e na 58 eficácia de custo relativa. Quase todos os países possuem sua própria versão de uma lista de 59 medicamentos essenciais que usam no desenvolvimento de planos de benefícios. Enquanto se espera que os países de baixos rendimentos se foquem na aquisição acessível de medicamentos essenciais, sendo a maior parte deles genéricos, os países de rendimentos médios estarão mais interessados na aquisição de tratamentos de ponta com custos mais elevados. Os especialistas em saúde pública estão incentivando o desenvolvimento de mecanismos que ajudem os países a decidir quais medicamentos são mais importantes e mais rentáveis para as suas populações. Mas, mais uma vez, é provável que existam tensões. Em vários locais, pelo menos parte dos rendimentos dos profissionais de cuidados de saúde deriva da venda de medicamentos. Além disso, a indústria de produção de fármacos receia que os orçamentos nacionais para medicamentos possam ser cortados de forma indiscriminada para fins de economia de custos. Urge que os medicamentos não sejam vistos apenas como um indutor de 60 custos, mas como uma ajuda para evitar intervenções médicas mais dispendiosas. A indústria pede ainda que os regulamentos e procedimentos em relação à atribuição de preços e ao reembolso de medicamentos sejam transparentes e permitam a assimilação e apelo do 61 fabricante. Os países devem também descobrir qual a maneira mais eficiente de conceber pagamentos de modo que os profissionais de saúde proporcionem cuidados necessários, apropriados e de alta qualidade aos pacientes, mas que não recebam incentivos de lucro para fornecer tratamentos em excesso. Como destaca o economista do Banco Mundial Adam Wagstaff, puxar as pessoas para sistemas de pagamento em formato "taxa por serviço", nos quais os pagamentos são efetuados para todos os serviços fornecidos, poderá ser contraproducente para o objetivo de cobertura de saúde universal; o método de pagamento tende a aumentar os custos e poderá fazer com que os 62 pacientes tenham as mesmas ou mais despesas não cobertas. Nos Estados Unidos, os legisladores tentaram afastar os programas federais de saúde do formato cuidados de "taxa por serviço". Na década de 1980, a Medicare instituiu um método de pagamento hospitalar que fornecia compensação por paciente com base nos custos médios para tratar pacientes com um diagnóstico semelhante. Outros países, incluindo a China, também usam o sistema de pagamento. (Consulte o apêndice 4 para saber mais sobre a China). Fortalecer os sistemas de saúde Um sistema de saúde acessível, eficiente e seguro é o suporte principal da cobertura de saúde universal, mas o estabelecimento de sistemas abrangentes que forneçam os cuidados de qualidade necessários a todas as populações tem sido uma luta constante nos países de altos e médios rendimentos. Em vários locais, os sistemas de saúde não possuem infraestruturas, suprimentos nem recursos humanos adequados. 57 Ibid., 63. WHO, “WHO Model Lists of Essential Medicines,” http://www.who.int/medicines/publications/essentialmedicines/en/index.html. 59 MDG Gap Task Force, Delivering on the Global Partnership for Achieving the Millennium Development Goals, MDG Gap Task Force Report 2008 (New York: United Nations, 2008), 36, http://www.undp.org/content/dam/turkey/docs/Publications/mdgs/MDG+Gap+Task+Force+Report+2008.pdf. 60 Comunicação de autor com os Investigadores e Produtores Farmacêuticos da América (Pharmaceutical Research and Manufacturers of America), 11 de dezembro de 2013. 61 Ibid. 62 Comunicação do autor com Adam Wagstaff, research manager, Human Development and Public Services, World Bank, 22 de novembro de 2013. 58 13 A cobertura de saúde universal tem o potencial de fornecer recursos adicionais para fortalecer os sistemas de saúde. Mas tal como explicou Sujatha Rao, antiga secretária principal do Ministério da Saúde e do Bem-Estar da Família da Índia, o pressuposto de que, com o fornecimento de cobertura, os serviços estarão disponíveis para atender à procura “não é válido em países como a Índia, que não só possuem sistemas de saúde falidos com enormes lacunas em relação a suprimentos e infraestruturas tais como laboratórios, salas de parto, equipamento e recursos humanos, como também sobrecarregados com doenças transmissíveis que requerem um 63 componente substancial de saúde preventiva”. Rao argumenta que, para uma cobertura de saúde universal ser bem-sucedida, os países precisam estabelecer padrões de cuidados e garantir que estes sejam aplicados. (Consulte o apêndice 5 para saber mais sobre a Índia). Isso será um desafio em países onde muitos serviços de saúde são prestados por um setor privado em grande parte não regulamentado, com profissionais de saúde que vão desde especialistas médicos altamente formados a práticos tradicionais, bem como disparidades significativas no que 64 diz respeito ao acesso. Na África Subsaariana, por exemplo, cerca de metade dos cuidados são fornecidos pelo setor privado. Em relação aos mais pobres, cerca de 45% dos serviços privados são prestados por profissionais informais, enquanto que em relação aos mais ricos, esse valor é de apenas 16%. No Sudeste Asiático, os profissionais privados prestam 66% dos cuidados. Quarenta e cinco por cento dos cuidados privados acessados pelas pessoas mais pobres são fornecidos por médicos formados informalmente, enquanto que, em relação aos mais ricos, esse valor é de 65 apenas 8%. Os problemas decorrentes de um setor privado não regulamentado incluem o uso indevido de medicamentos e a falta de vínculos com níveis mais altos de cuidados para fins de referência. A regulação dos serviços de saúde é uma área que não recebe atenção suficiente, de acordo com David Peters da Universidade Johns Hopkins e Gerald Bloom do Instituto de Estudos de Desenvolvimento, mas é um componente importante para a realização da cobertura de saúde universal. “Trazer a ordem para os mercados de saúde não regulamentados irá originar amplas coligações que ultrapassam governos e profissionais de saúde”, argumentam eles. “Estas devem incluir grupos de cidadãos, empresas farmacêuticas, empresas de tecnologias da informação e telecomunicações e associações de profissionais de saúde informais. Tais coligações poderão coordenar sistemas de vigilância de doenças, redes de informação para atribuição de preços e 66 fornecimento de fármacos de qualidade e mecanismos de encaminhamento de pacientes”. À medida que os governos regulam cada vez mais o setor privado, alguns especialistas afirmam que estes precisam reconhecer o importante papel que esses profissionais desempenham atualmente nos cuidados de saúde, até mesmo os profissionais formados informalmente. Alguns países estão trabalhando para ligar os práticos tradicionais e outros profissionais informais a 67 sistemas de saúde formais e para estabelecer padrões de práticas. Outros estão usando programas para treinar gradualmente trabalhadores treinados informalmente, de modo a atingir 68 um determinado nível de competência. 63 Meredith Kimball, “Critical Policy Decisions on the Pathway to Universal Health Coverage: Part 1,” UHC Forward, 24 de março de 2012, http://uhcforward.org/blog/2012/mar/21/critical-policy-decisions-pathwayuniversal-health-coverage-part-i?print. 64 David Peters and Gerald Bloom, “Bring Order to Unregulated Health Markets,” Nature 487 (julho de 2012): 163–65. 65 Dominic Montagu, “Private Healthcare in Developing Countries,” University of California at San Francisco, http://ps4h.org/globalhealthdata. 66 Peters and Bloom, “Bring Order to Unregulated Health Markets.” 67 Cathy Majtenyi, “Kenya Considers Policy to Regulate Traditional Medicines,” Voice of America, 29 de maio de 2012, http://www.voanews.com/content/kenya-considers-policy-to-regulate-traditionalmedicines/1120662.html. 68 Comunicação do autor com Jorge Coarasa, economista sênior, Banco Mundial, 11 de novembro de 2013. 14 Outros especialistas argumentam que o aumento do fornecimento de serviços de saúde pelo setor privado está mal orientado. O economista da Universidade de Columbia Jeffrey Sachs argumenta que os problemas associados com os serviços públicos, tais como listas de espera, atrasos tecnológicos e falta de concorrência, podem ser atenuados com financiamento adequado de serviços de saúde do governo com o auxílio de ajuda internacional. Um setor privado de grandes dimensões, afirmou ele, possui o potencial para inflacionar os custos de saúde e criar pressão 69 para atender as necessidades da classe média em vez das necessidades das pessoas mais pobres. Cobertura de saúde universal: O futuro da saúde global? Tornar serviços acessíveis e de qualidade disponíveis para toda a população é uma tarefa difícil que acarreta uma variedade de desafios em termos de recursos e implementação e que requer uma vontade política constante. Ainda assim, tal como a diretora geral da OMS Margaret Chan sublinhou, “cada país, em qualquer nível de desenvolvimento e com qualquer nível de recursos, 70 pode tomar medidas imediatas e sustentáveis nesse sentido”. Todos os países abordarão a questão à sua própria maneira com base em seus acordos de cobertura e em seus sistemas de saúde atuais, seus recursos, sua história e seus ambientes políticos. A maior parte dos países com rendimentos médios estará em posição para agir mais depressa que os países com rendimentos mais baixos. Alguns países necessitarão de ajuda internacional para progredir. Todos os países terão que se engajar em negociações ativas e transparentes com todos os constituintes dos sistemas de saúde, tanto privados como públicos, para garantir que os serviços alcancem a maior quantidade de pessoas possível e que usem da melhor forma os recursos disponíveis. Ainda que a cobertura de saúde universal seja um trabalho em andamento em vários lugares e ainda por vários anos, uma maior atenção a questões como o aumento das despesas de saúde, a melhoria dos sistemas fiscais, o fortalecimento dos sistemas de saúde e a melhoria da equidade irá traduzir-se em benefícios não só para uma saúde melhorada, como também para o desenvolvimento humano de um modo mais abrangente. 69 Jeffrey Sachs, “Achieving Universal Health Coverage in Low-Income Settings,” Lancet 380, issue 9845 (8 de setembro de 2012): 944–47. 70 Margaret Chan, “More Countries Move Towards Universal Health Coverage: Opening Statement at the International Forum on Universal Health Coverage,” 2 de abril de 2012, http://www.who.int/dg/speeches/2012/universal_health_coverage_20120402/en/. 15 Apêndices 1. Cobertura de saúde universal e Objetivos de Desenvolvimento Global 71 Com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (Millennium Development Goals, MDGs) se aproximando da meta final de 2015, os países, os grupos de sociedades civis e as organizações internacionais estão determinando a próxima ordem de trabalhos sobre desenvolvimento global. A OMS e o Banco Mundial argumentam que incluir a cobertura de saúde universal como um objetivo incentivaria um progresso contínuo das questões especificamente incluídas nos MDGs, tal como HIV/AIDS, tuberculose e malária e saúde maternal e infantil, ao mesmo tempo que garantiria a atenção em relação a novas prioridades médicas tais como doenças não transmissíveis. Em dezembro de 2012, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução, apoiada 72 pelos Estados Unidos, que incentivava os estados a reconhecer os vínculos entre a cobertura de saúde universal e outras dimensões de política externa, incluindo coesão e estabilidade, crescimento inclusivo e equitativo e sustentabilidade dos mecanismos de financiamento de saúde nacionais. A resolução recomendava ainda que a cobertura de saúde universal fosse “tomada em consideração” em discussões dos temas sobre o desenvolvimento pós-2015. Outros também defendem a cobertura de saúde universal como um objetivo, incluindo os ministros dos negócios 73 estrangeiros do Brasil, França, Indonésia, Noruega, Senegal, África do Sul e Tailândia. Existe, todavia, o receio de que o conceito de cobertura de saúde universal não seja suficientemente específico ou mensurável para ser eficaz como um objetivo de 74 desenvolvimento. No seu relatório e recomendações de maio de 2012, o influente Painel de Alto Nível dos temas das discussões sobre o desenvolvimento pós-2015 usou “Garantir Vidas Saudáveis” como o seu objetivo de saúde ilustrativo, a ser medido por meio de marcadores específicos, tais como acabar com as mortes evitáveis de bebês e crianças, aumentar as taxas de 75 vacinação e diminuir a mortalidade materna. As negociações sobre os objetivos de desenvolvimento pós-2015 continuam; a Assembleia Geral da ONU tomará a decisão final em setembro de 2015. 71 Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram elaborados a partir de uma declaração adotada em setembro de 2000 por 189 estados-membros da ONU. Eles são creditados ajudando a canalizar o aumento de fluxos de ajuda e a atenção do país a questões de desenvolvimento priorizadas pelas metas. Existem três metas específicas relacionadas à saúde: o MDG 4 chama a atenção para reduções na mortalidade infantil, o MDG 5 para melhorias na saúde materna e o MDG 6 para o combate contra a AIDS/HIV, malária e outras doenças. Para obter mais informações, consulte Nellie Bristol, Do UN Global Development Goals Matter to the United States? (Washington, DC: CSIS, maio de 2013), http://csis.org/publication/do-un-global-developmentgoals-matter-united-states. 72 UN General Assembly, “Global Health and Foreign Policy,” Resolution A/67/L.36, 6 de dezembro de 2012, http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/67/L.36. 73 Pascal Canfin et al., “Our Common Vision for the Positioning and Role of Health to Advance the UN Development Agenda beyond 2015,” Lancet 381, issue 9881 (28 de maio de 2013): 1885–86. 74 Amanda Glassman et al., “A Post 2015 Development Goal for Health—Should It Be Universal Health Coverage?,” BMJ Group Blogs, 25 de setembro de 2012, http://blogs.bmj.com/bmj/2012/09/25/amandaglassman-et-al-a-post-2015-development-goal-for-health-should-it-be-universal-health-coverage/. 75 High-Level Panel of Eminent Persons, A New Global Partnership: Eradicate Poverty and Transform Economies through Sustainable Development, report of the High-Level Panel of Eminent Persons on the Post2015 Development Agenda (New York: United Nations, maio de 2013), http://www.post2015hlp.org/wpcontent/uploads/2013/05/UN-Report.pdf. 16 2. Rede de Aprendizagem Conjunta para a Cobertura de Saúde Universal À margem da Assembleia Mundial da Saúde de 2009, um pequeno grupo de países se debatendo com questões de implementação da cobertura de saúde universal compartilhou de modo informal as suas experiências uns com os outros. Ao perceberem que possuíam desafios semelhantes, eles decidiram prosseguir com um diálogo contínuo. Assim nasceu a Rede de Aprendizagem Conjunta para a Cobertura de Saúde Universal (JLN), apoiada pela Fundação Rockefeller e pela Fundação Bill e Melinda Gates. A JLN proporciona a troca de informações e oportunidades de aprendizagem (reuniões, webinars, visitas de estudo) para oficiais de saúde de nove países na Ásia e em África que estão empenhados na concretização do objetivo de cobertura de saúde universal. A rede será expandida a outros países em 2014. Os oficiais de saúde dos países compartilham experiências de concepção e implementação dos programas, discutindo abordagens inovadoras a questões como a inscrição de beneficiários, registro, tecnologias de informação, melhoria da qualidade e pagamentos aos prestadores de serviços. “É muito importante que pessoas com o mesmo nível de desenvolvimento econômico 76 aprendam umas com as outras”, disse Tran Van Tien do Ministério da Saúde do Vietnã. As questões de implementação com as quais os países se deparam vão desde quem deverá ser incluído nos sistemas de cobertura expandida até as maneiras de identificar as pessoas pobres. Outros desafios para os países são o envolvimento do setor informal no pagamento de impostos, alternativas para angariar fundos para a saúde e como estruturar os acordos de aquisição de modo a que os profissionais de saúde sejam compensados eficazmente para prestarem cuidados apropriados e rentáveis. A rede possui apoio técnico de várias organizações, incluindo o Instituto para a Melhoria dos Cuidados de Saúde (Institute for Healthcare Improvement), o Instituto Nacional para a Excelência de Saúde e de Cuidados do Reino Unido (UK's National Institute for Health and Care Excellence), PATH, PharmAccess, Instituto de Resultados para o Desenvolvimento, OMS e o Banco Mundial. 76 Joint Learning Network for Universal Health Coverage, “About,” http://jointlearningnetwork.org/about. 17 3. Glossário Pacote de benefícios: serviços cobertos por um plano de seguro de saúde e os termos financeiros dessa cobertura, incluindo partilha de custos e limitações das quantidades de serviços. Copagamento: o dinheiro que um indivíduo tem que pagar pelos serviços, normalmente especificado como um montante absoluto: uma taxa predeterminada (fixa) que um indivíduo paga por um serviço de saúde, para além do que o seguro cobre. Contenção de custos: o método para evitar que os custos de saúde aumentem além de um nível estabelecido controlando ou reduzindo a ineficiência e o desperdício no sistema de saúde. Eficácia de custo: a eficácia de um programa na realização de determinados resultados de intervenção em relação aos custos do programa. Partilha de custos: ocorre quando os usuários de um plano de saúde compartilham os custos dos cuidados médicos. Franquias, cosseguros e copagamentos são exemplos de partilha de custos. Cobertura: os custos de saúde de uma pessoa são pagos pelo seu seguro ou pelo governo. Taxa por serviço: é paga uma taxa ao profissional de saúde com base nos serviços que prestou. Setor formal: a parte da economia/sociedade que está registrada nas autoridades e que está sujeita a normas e regulamentos. Sistema de saúde: pessoas, instituições e recursos organizados em conjunto de acordo com as políticas estabelecidas para melhorar a saúde da população que servem, ao mesmo tempo que atendem às expetativas legítimas das pessoas e que as protegem contra o custo de uma saúde precária por meio de várias atividades cuja intenção principal é melhorar a saúde. Um conjunto de elementos e suas relações em um todo complexo, concebido para atender às necessidades de saúde da população. Os sistemas de saúde cumprem três funções principais: prestação de cuidados de saúde, tratamento justo para todos e atendimento das expectativas não pertencentes ao domínio da saúde da população. Estas funções são desempenhadas na busca de três objetivos: saúde, capacidade de resposta e financiamento justo. Setor informal: a parte da sociedade/economia que não está registrada com as autoridades e, que com ou sem exclusão legal (de jure ou de facto), não está sujeita a regulamentos públicos e não se beneficia de serviços ou bens públicos. Por exemplo, o apoio dado por uma família, por amigos e membros de uma comunidade em tempos de perda ou doença forma eficazmente um mecanismo informal de proteção contra riscos. Apesar da presunção de que tais cuidados são prestados voluntariamente, em alguns casos (por exemplo, fornecendo cuidados a crianças adotivas) pode ser fornecido pagamento. Doença não transmissível: um problema médico que não melhora, que dura a vida inteira ou que é recorrente. Pagamento sem cobertura: taxa paga pelo consumidor dos serviços de saúde diretamente ao profissional no momento da prestação dos serviços. Conjunto de aquisições: os profissionais de seguros de saúde agrupam os riscos de saúde de um grupo de pessoas de modo a tornar os custos individuais previsíveis e gerenciáveis. Para que os acordos de cobertura de saúde funcionem corretamente, a concentração de riscos deve comparar indivíduos de alto e baixo risco de modo a que os custos esperados em relação à concentração sejam razoavelmente previsíveis para a seguradora e relativamente estáveis ao longo do tempo. Seguro social: plano obrigatório em que os participantes possuem o direito a determinados benefícios por questão de direito. O plano é administrado por uma agência do governo estatal ou federal com o objetivo de fornecer um nível de vida mínimo a grupos com salários baixos e médios. A Segurança Social, os subsídios de desemprego, etc., são programas de seguro social. __________________ Fontes: Joint Learning Network for Universal Health Coverage, “Health Insurance Terms Glossary,” 2014, http://www.jointlearningnetwork.org/health-insurance-glossary; and Kaiser Family Foundation, “Health Reform Glossary,” 2014, http://kff.org/glossary/health-reform-glossary/. 18 4. China A China tem feito grandes progressos com vistas à expansão dos cuidados de saúde aos seus cidadãos, começando pelo seu Plano de Reforma de Três Anos de 2009, que autorizou uma infusão de $ 125 bilhões em melhorias visadas em termos de seguros de saúde, medicamentos essenciais, reforma dos hospitais públicos, prestação de cuidados primários e serviços de saúde públicos com o objetivo de alcançar a cobertura de saúde universal em 2020. O plano é uma “tarefa enorme”, 77 segundo o Banco Mundial, requerendo coordenação entre 15 ministérios nacionais. A China começou de forma propositada com um conjunto de benefícios “superficiais” com planos 78 para expansão. Inicialmente, vários programas abrangiam somente serviços internos, mas, desde o final de 2010, a cobertura se expandiu gradualmente a cuidados ambulatórios. Ainda assim, a partir de 2010, os beneficiários suportaram mais de metade dos custos internos e 60 a 79 70% das despesas para cuidados ambulatórios, e as reformas dos pagamentos hospitalares incentivaram os hospitais a concederem alta mais cedo ou mesmo a recusar a admissão de 80 pacientes doentes para controlar os custos. Apesar de a China fornecer atualmente pelo menos alguma cobertura a mais de 95% da população, as reformas da saúde chinesa estão tendo dificuldades nas áreas de distribuição, regulamentação e responsabilidade dos recursos, recursos humanos e tecnologias de informação. Além disso, observou o Banco, “o sistema de financiamento e prestação de serviços atual luta por 81 transformar as contribuições financeiras em cuidados eficazes, eficientes e de qualidade”. As estimativas indicam que os custos de cuidados de saúde podem atingir $1 trilhão em 2020, ou 82 cerca de 7% do PIB, ameaçando o deficit orçamental por fundos de seguros de saúde até 2017. Todavia, os especialistas em saúde louvam as tentativas ambiciosas da China na reforma da saúde, apesar de afirmarem que podem ser necessários ajustes e talvez um período de tempo mais modesto. 77 Lilin Liang and John C. Langenbrunner, The Long March to Universal Coverage: Lessons from China, UNICO Study Series No. 9 (Washington, DC: World Bank, janeiro de 2013), v, http://wwwwds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2013/02/01/000356161_20130201172145/Re ndered/PDF/749600NWP0CHIN00Box374316B00PUBLIC0.pdf. 78 Winnie Chi-Man Yip et al., “Early Appraisal of China’s Huge and Complex Health Care Reforms,” Lancet 379, issue 9818 (3 de março de 2013): 833–42. 79 Ibid. 80 “Health Care Reform: Feeling Your Pain,” Economist, 27 de abril de 2013, http://www.economist.com/news/china/21576670-despite-extraordinary-progress-reforming-health-carecreating-almost-many-problems-it. 81 Ibid. 82 Ibid. 19 5. Índia A Índia tem fornecido níveis baixos de financiamento à saúde; os pacientes, por si só, pagam mais de três quartos das despesas com a saúde. Mas, na última década, o país iniciou esforços notáveis para aumentar a cobertura, especialmente junto dos pobres. A Missão Nacional de Saúde Rural, estabelecida em 2005, possibilitou inovações em termos de prestação de serviços e aumentos nos investimentos em saúde por parte do governo. Desde 2007, foram reformados novos sistemas de seguros de saúde patrocinados pelo governo para governar, distribuir e gerenciar recursos de 83 saúde públicos. Por exemplo, o programa Rashtriya Swasthya Bima Yojana (RSBY), financiado primariamente por meio de receitas governamentais gerais, emprega uma tecnologia de cartões inteligentes para inscrever famílias rurais e urbanas desfavorecidas e facilitar reembolsos de prestadores de saúde sem numerário. O programa RSBY expandiu rapidamente e com sucesso os benefícios de pacientes internos a mais de 142 milhões de pessoas, mas continuam existindo outras dificuldades. Por exemplo, o plano é baseado em testes de meios governamentais sem precisão, o que permitiu que os cidadãos não pobres recebessem cuidados completamente subsidiados, mesmo que as pessoas cobertas não estivessem usando os serviços. “Em alguns estados, as seguradoras privadas contratadas parecem apresentar margens de lucro elevadas com pouco uso do serviço por parte das pessoas inscritas, enquanto outras seguradoras se esforçam por atingir um nível de equilíbrio”, escreveu Gina Lagomarsino et al. em The Lancet. “Surge igualmente uma preocupação com o controle de qualidade e a fraude; o sistema é composto por muitos prestadores de serviços privados fragmentados com pouco controle da 84 qualidade”. O governo concebeu um sistema de gerenciamento da qualidade em resposta, e que 85 está sendo implementado em cinco estados. 83 Somil Nagpal, Expanding Heath Coverage for Vulnerable Groups in India, UNICO Study Series No. 13 (Washington, DC: World Bank, janeiro de 2013), v, http://wwwwds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2013/02/01/000333037_20130201141312/Re ndered/PDF/750030NWP0Box300exp0anding0coverage.pdf. 84 Lagomarsino,” Moving Toward Universal Health Coverage.” 85 Ibid. 20