Untitled - Tradição Planalto Editora

Transcrição

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Sumário
NÚMERO 02 - ANO 01 - DEZEMBRO 2015
ENTREVISTA
04
CULTUR A - TEATRO
Mia Couto: Narrar o lado menos
bonito e que muitas vezes não é falado
também é parte do ofício do escritor
CANJERÊ
08
21
Madame Satã: A História de um
Brasileiro por Muitos Outros
NOTÍCIAS
Casarão das Artes: Dois Anos de AfroCultura
22
GENTE DO CANJERÊ
ENSAIO
10
24
Cida Santos e Nêga Badu: A Beleza da
Mulher Refletida nos Acessórios
OLHAR SOCIAL
ÁFRICA
12
26
Centro de Educação e Cultura Flor do
Cascalho: Cultura afro-brasileira como
estratégia de educação e inserção
social
• Pelé do Volei
• Exposição Gullah, Bahia, África
• Notícias de Moçambique
Literatura Negra ou Afro-Brasileira?
TIC´s: Da Compensação dos Longos
Anos de Marginalização
MATÉRIA DE CAPA
CULTUR A - DANÇA
14
28
FAN: O Festival de Arte Negra de Belo
Horizonte em tempos de ataques à
humanidade
NEGÓCIOS
18
Companhia de Dança Bataka
CULTUR A - LITER ATUR A
Projeto Capacita Empreendedores
Afro-brasileiros
31
Poemas
Edimilson Pereira
Ano 01 - Edição 02
Dezembro de 2015
ISSN 2447-1143 - PUBLICAÇÃO ONLINE
Valorização e promoção da cultura africana e afro-brasileira
Expediente
A REVISTA CANJERÊ É UMA PUBLICAÇÃO
TRIMESTRAL DO INSTITUTO CULTURAL CASARÃO
DAS ARTES E TRADIÇÃO PLANALTO PRODUÇÕES
VISUAIS E EDITORIAIS LTDA.
FOTO DA CAPA
Foto: Ricardo S. G.
Modelos: Rosália Diogo,
Denilson Torinho e
Ibrahima Gaye
INSTITUTO CULTURAL CASARÃO DAS ARTES
Marcial Ávila
PRESIDENTE
Rosália Diogo
PRESIDENTA DE HONRA
Virgínia Marques
VICE-PRESIDENTA
EDITORIAL
Ricardo S. Gonçalves
EDITOR EXECUTIVO
Sandrinha Flávia
EDITORA
Leonardo Oliveira
DIAGRAMAÇÃO
Maria Luiza Viana
ILUSTRAÇÃO
Rodrigo Marçal Santos
Paulo Roberto Antunes
REVISÃO
COMERCIAL
Tradição Planalto (31) 3226-2829
MATÉRIA DE CAPA
PUBLICIDADE
Leônidas Oliveira
CONSELHO EDITORIAL
FAN: O Festival de Arte
Negra de Belo Horizonte
em tempos de ataques à
humanidade
Carlos Serra
UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE - MOÇAMBIQUE
Edimilson de Almeida Pereira
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA - BRASIL
Eduardo de Assis Duarte
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - BRASIL
Filinto Elísio
CABO VERDE
Ibrahima Gaye
CENTRO CULTURAL CASA ÀFRICA - BRASIL-SENEGAL
Maria de Mazzarelo Rodrigues
MAZZA EDIÇÕES - BRASIL
Marcial Ávila
CASARÃO DAS ARTES - BELO HORIZONTE/MG - BRASIL
Maria Nazareth S. Fonseca
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA MINAS GERAIS - BRASIL
Editorial
Novembro para os amantes da cultura negra
As conquistas do povo negro no Brasil são resultados de grandes
lutas e mobilizações que merecem ser respeitadas. O Dia da Consciência
Negra, celebrado em 20 de novembro, é reservado para uma profunda
análise dessa temática social de grande relevância para sociedade
brasileira e, em especial, para a população afro-brasileira. Neste mês,
militantes e pesquisadores da cultura africana e afro-brasileira de todo
o Brasil se desdobram para atender as demandas oriundas de vários
seguimentos que querem ressaltar a trajetória de luta e resistência
da comunidade negra. Apesar das ações se concentrarem com mais
força no mês de novembro, é importante ressaltar que o respeito à
diversidade e às relações raciais deve ser trabalhado o ano inteiro,
como bem fazem os dedicados militantes da causa.
A Revista Canjerê, em seu segundo número, destaca importantes
vitórias de pessoas que lutam e se mobilizam frequentemente para
conquistarem seus espaços na sociedade. Pessoas empoderadas que,
por meio de suas lutas, incentivam outras pessoas.
A Revista traz ainda uma valiosa contribuição para os amantes da
cultura negra. Trata-se do Festival de Arte Negra (FAN) realizado em
Belo Horizonte (MG). O evento é o símbolo de afirmação negra na
cidade. A matéria de capa, escrita por Leônidas de Oliveira, presidente
da Fundação Municipal de Cultura (FMC), traz um panorama do FAN
desde sua criação, passando pela temporada que antecedeu o festival,
as diretrizes e os preparativos para a 8ª edição. A foto de capa destaca
o trio de curadoria, porta voz da comunidade negra na construção do
festival.
É importante destacar que cada texto, matéria, artigo e entrevista da
revista traduzem o compromisso da equipe em reconhecer, fomentar
e disseminar amplamente as ricas iniciativas relacionadas à cultura
africana e afro-brasileira
Olusegun Michael Akinrulli
INSTITUTO YOURUBÁ - BRASIL - NIGÉRIA
Patricia Gomes (Guiné Bissau)
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - BRASIL
Rosália Diogo
CASARÃO DAS ARTES - BELO HORIZONTE/MG - BRASIL
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO
Adriana Borges, Denilson Tourinho, Equipe do Casarão
das Artes, Edimilson Pereira, Evandro Passos, Maria Luiza
Viana, Maria Nazareth Fonseca, Mia Couto, Oluségun
Akínrúli, Rosália Diogo, Sandrinha Flávia e Samira Reis
Agradecemos a todos da equipe Casarão das Artes e
parceiros do Brasil e do exterior que aceitaram o desafio de
construir essa importante fonte de informação e pesquisa.
AV. BERNARDO MONTEIRO, 414 - SANTA EFIGÊNIA
30150-280 - BELO HORIZONTE/MG - TELEFONE: (31) 3273 0601
[email protected]
RUA LINDOLFO DE AZEVEDO, 192 - SL. - NOVA SUIÇA
30421-265 - BELO HORIZONTE/MG - TELEFONE: (31) 3226-2829
[email protected]
Sandrinha Flávia
EDITORA
R EVISTA CANJ ERÊ - 3
E n tre v i s ta
Mia Couto
Narrar o lado menos bonito e que muitas vezes não é falado
também é parte do ofício do escritor
“O peso da oralidade é enorme
e transportá-la para a escrita é
como visitar um outro país”, essa
frase do escritor Mia couto traduz
a escrita literária Moçambicana.
Couto associa-se aos escritores
que preferem utilizar “formas
desviantes”, ou seja, àqueles
que dominam as regras do que
é considerado padrão para a
língua, mas preferem escrever
por meio das mudanças lexicais
ou sintáticas que estão presentes
no discurso usual. Pode-se
observar, na produção literária
do autor, que ele se distancia da
padronização literária construída
na Europa e cria um processo
que é pautado pelo alinhamento
à fala dos moçambicanos e, para
tanto, faz inovações nos planos
do léxico e da sintaxe.
Mia Couto explora a própria
natureza humana em sua escrita,
sempre atento às raizes culturais
de sua terra, e às mazelas sociais
e políticas. Escrever em um país
onde muita gente fala português
vindo de outra língua, e que ao
mesmo tempo quer esquecer
o período de guerra implica em
uma recriação social dos seus
textos.
Mia Couto (Antônio Emílio
Leite Couto) nasceu na Beira,
Moçambique, em 1955. Com
catorze anos de idade publicou
alguns poemas no jornal Notícias
da Beira. Em 1972 mudou-se para
Lourenço Marques para estudar
medicina, mas não terminou o
curso, decidiu seguir a profissão
de jornalista. Trabalhou como
diretor da Agência de Informação
de Moçambique, na revista
semanal Tempo e no jornal
Notícias.
Seu primeiro livro de poesia
“Raiz de Orvalho” foi publicado
em 1983. Em 1985 abandonou
o jornalismo e continuou seus
estudos na área biológica.
Mia Couto coleciona um
acervo rico em poesias, contos,
crônicas, romances e livros
infantis. É membro da Academia
Brasileira de Letras, como sócio
correspondente, eleito em 1998.
Recebeu
uma
série
de
prêmios literários, entre eles o
Prêmio Camões de 2013, o mais
prestigioso da língua portuguesa,
e o Neustadt Prize de 2014.
Possivelmente, Couto é o escritor
africano mais conhecido no
Brasil. Seus livros são traduzidos
em 24 países. Várias das suas
obras têm sido adaptadas para
o teatro e cinema, bem como
traduzidos para alemão, francês,
castelhano, catalão, inglês e
italiano.
Em entrevista à pesquisadora
Rosália Diogo, Mia Couto fala
sobre literatura e também
das questões relacionadas às
diversidades culturais existentes
no mundo e nos seres.
O meu entendimento, junto com vários teóricos, é de que a
Literatura não é meramente um processo de fruição, de deleite
distanciado da possibilidade de reflexões acerca de questões
sociais, culturais e políticas.
Eu concordo com você.
No caso da literatura moçambicana, por exemplo, em especial ao
ler sua obra, a de Paulina Chiziane, a de Ungulani Ba Ka Khosa,
acredito tratar-se de escritas que me permitem conhecer um
pouco mais da realidade moçambicana.
Compartilho a ideia. Penso que o autor não pode furtar-se a essa
relação com a realidade. Há nessas escritas uma visão do mundo, uma
defesa de valores presentes na obra, sem dúvida.
Foto: Albino Moisés
Rosália Diogo
DOUTORA EM LETRAS/LITERATURA. PÓS-DOUTORA EM ANTROPOLOGIA SOCIAL.
PRODUTORA CULTURAL DO INSTITUTO CULTURAL CASARÃO DAS ARTES
É UMA DAS CURADORAS DO FESTIVAL DE ARTE NEGRA DE BELO HORIZONTE/2015
4 - R EV ISTA CA NJERÊ
Percebo que vocês, escritores, abordam muito das questões
sócio-político-culturais que tenho observado ao andar por
aqui, nos países africanos. Li, recentemente, duas obras suas:
E se Obama fosse africano e outras inter-invenções e O país do
queixa andar. Fiquei pensando como é possível um escritor falar
de maneira tão simples para um leitor que não é das sociedades
“ Muita gente
olha para a África
pensando que ela
é um país que vive
entre os cristãos e
os mulçumanos.
Não é exatamente
assim”
R
REVISTA
EVISTA CANJ ERÊ - 5
africanas sobre as questões políticas de tais
países na atualidade.
Acho que o escritor é, digamos assim, uma fonte
importante para se perceber alguns elementos.
Moçambique é um país que tem pessoas que
não escrevem. O fato de agora termos muitos
moçambicanos que escrevem não significa
que Moçambique seja um país onde a escrita
predomine. O que eu quero dizer é que o peso da
oralidade é enorme e transportá-la para a escrita é
como visitar um outro país. Então, a escrita literária
moçambicana traz esse outro lado. Um lado de
quem olha mais para o interior. Os escritores estão
contando histórias a partir desse sentimento. Acho
que os escritores moçambicanos estão falando de
dentro. O peso da oralidade, assim como no Brasil,
provavelmente, dá o tom da nossa escrita. O que
surpreende por aqui é que não seja, toda a gente,
escritor, criador. Vivemos em um ambiente de tal
maneira instigador de histórias que é um privilégio.
coisa que se prefere esquecer, embora seja recente.
No norte do país, onde houve mais gente que foi
transportada pelo processo de escravidão, é uma
lembrança que não se quer ter. Até porque junto
com ela vem muita coisa que não se quer lembrar.
Havia zonas do país que eram cúmplices do processo
escravocrata, como a Província de Cabo Delgado,
onde havia conflitos entre os macuas, os macondes e
os muendes. Não eram meramente conflitos étnicos
entre tribos. Hoje são histórias mal resolvidas.
Havia várias outras zonas com elites escravocratas,
várias regiões de onde saiam negros para serem
escravizados.
Acho que acontece a mesma coisa com esse
silenciamento sobre o lugar da mulher, o lugar
dos homens, dos jovens. Aqui, o jovem encontra,
na sociedade, um paraíso para ele porque ele não
tem um espaço definido e tem que criar o seu
próprio mundo. Por aqui acontecem coisas que
provavelmente não são imaginadas no Brasil.
“Acho que os escritores moçambicanos estão falando
de dentro. O peso da oralidade, assim como no Brasil,
provavelmente, dá o tom da nossa escrita”
Fazemos parte das nações com situações de conflito
muito mal resolvidos que estão procurando ajustarse e apanhar um lugar na história. Como ocorreu
devido à guerra entre a Renamo e a Frelimo, por
exemplo, onde ainda noto conflitos que foram mal
resolvidos.
De que maneira esses conflitos mal resolvidos
afetam o dia a dia do povo de Moiçambique?
Os moçambicanos têm muito receio em tocar em
certas questões. As pessoas precisam ir em círculo,
de maneira concêntrica, espiralar e só chegan ao
assunto depois de muitas voltas. Eu noto um receio
de despertar fantasmas, demônios que estão em
uma gaveta.
A escravatura é um fenômeno que ocorreu em
muitos sítios deste país. Houve escravos, mas as
pessoas preferem não se lembrar disso. Há muito
mais memória sobre o escravo no Brasil, na África
Ocidental do que em Moçambique. Aqui, é uma
6 - R EV ISTA CA NJERÊ
Você disse que a visão brasileira sobre
Moçambique é muito simplista. Cite um exemplo.
As religiões africanas, por exemplo. O candomblé
é uma invenção brasileira, mesclada por vários
matizes de religiões de vários lugares da África e
mesmo do Brasil. Na áfrica, não se tem o Candomblé.
Ele é brasileiro. Há uma diferença enorme entre a
cultura religiosa brasileira e a moçambicana. Eu
acho importante isso porque se, no Brasil, eu não
souber nada, por exemplo, sobre a religião católica,
eu saberei dizer muito pouco sobre a cultura daquele
país. Isso porque todos os brasileiros são marcados
profundamente pelos valores pregados por essa
religião. Por ela se pensa sobre a ética, sobre o que é
bom ou mau, o que é fundador e o que não é. Muita
gente olha para a África pensando que ela é um país
que vive entre os cristãos e os mulçumanos. Não é
exatamente assim. A situação é muito mais profunda,
muito mais complexa, muito mais estruturante. Há
outra religião que não tem nome e para a qual, às
vezes, dão o nome de animista. Mas isso é falso. Uma
parcela das pessoas vive com a ideia de Deus como o
Criador e não é nesse sentido que se confere à alma
a condição de objeto de culto. Não é isso. Também
as práticas consideradas animistas não são práticas
que se pode nomear ou folclorizar. Isso é importante.
É o que permite fazer uma literatura que constrói
uma relação com o tempo, com os mortos, não com
a morte. A morte não existe enquanto fenômeno.
Veja a forma como, por exemplo, a feitiçaria está
presente numa escritora como a Paulina Chiziane,
como elemento regulador, muito mais regulador que
o estado, que os fenômenos arbitradores do estado.
Ela apresenta, em seus escritos, ora uma mulher que
se comporta ou que vive dentro dessa regulação,
ou uma mulher que não pode ser enquadrada fora
dela. Portanto, o peso que tem esse estigma, esse
momento de regulação, alcança níveis inimagináveis
na literatura e na cultura de Moçambique. Colegas
meus, que são biólogos muito bons, têm uma visão
bem científica do mundo, mas, ao mesmo tempo,
na cabeça deles, existe um lugar para esse outro
universo dos fenômenos da feitiçaria. É uma coisa
muito curiosa para se saber: ministros, gente do
banco, parece que estão todos do outro lado da
modernidade, pois uma parte de si está virada para
esses fenômenos. Quando chegam ao gabinete,
por exemplo, a primeira coisa que fazem é uma
cerimônia para limpar o gabinete daquilo que seja
reminiscência de outros etc.
No Brasil
No Brasil a Editora responsável pela sua obra é a
Companhia das Letras.
•
MULHERES DE CINZAS (2015)
•
NA BERMA DE NENHUMA ESTRADA (2015)
•
TERRA SONÂMBULA - EDIÇÃO DE BOLSO (2015)
•
CONTOS DO NASCER DA TERRA (2014)
•
VOZES ANOITECIDAS (2013)
•
A MENINA SEM PALAVRA (2013)
•
CADA HOMEM É UMA RAÇA (2013)
•
A CONFISSÃO DA LEOA (2012)
•
ESTÓRIAS ABENSONHADAS (2012)
•
E SE OBAMA FOSSE AFRICANO? (2011)
•
ANTES DE NASCER O MUNDO (2009)
•
O FIO DAS MISSANGAS (2009)
•
O GATO E O ESCURO (2008)
•
VENENOS DE DEUS REMÉDIOS DO DIABO (2008)
•
TERRA SONÂMBULA (2007)
•
A VARANDA DO FRANGIPANI (2007)
•
O OUTRO PÉ DA SEREIA (2006)
•
O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO (2005)
•
UM RIO CHAMADO TEMPO, UMA CASA CHAMADA TERRA
(2003)
Foto: Albino Moisés
Cada homem é uma raça, Mia?
Eu prefiro ver o mundo assim. Quando eu ando
aqui pelas ruas, às vezes acho que minha raça
sou eu mesmo, mas provavelmente eu vivo em
uma situação particular. Por exemplo, pelo fato de
ser muito conhecido, reconhecido na rua, muita
gente se aproxima de mim, me diz coisas muito
bonitas, coisas que estão muito acima desse laço
de identidade vinculado à raça. Quando estou a
sair, por exemplo, no aeroporto, trabalhadores,
pessoas que eu gosto de ouvir conversam comigo.
Eu sinto que me aproximar dessas pessoas faz
parte do meu ofício de escritor. Não é bom ouvir
que, eventualmente, não se comunga determinadas
ideias com o outro por ser branco ou negro.
Portanto, eu prefiro que as pessoas não façam um
discurso muito racializado.
REVISTA CANJ ERÊ - 7
C a n je rê
Casarão das Artes
Dois anos de Afro-cultura
Equipe Casarão das Artes
Aniversário de 2 Anos
O aniversário de dois anos do Instituto Cultural
Casarão das Artes ocorreu no dia 31 de agosto com
uma extensa programação. O evento reuniu músicos,
dançarinos e expositores que fazem parte da história do
Casarão e da cultura negra da cidade. A programação
foi bem diversificada. A arte-educadora Madu Costa
apresentou uma intervenção literário-musical, o trio
formado por Natália Brant, Renato e Rodrigo Marçal
preparou um repertório especial de música popular
brasileira, o rapper Ice Band e o Dj Cubanito lançaram
o CD Hip Hop – Educação para a Vida. A festa contou
também com a performance da Cia de Dança Evandro
Passos, e a apresentação de samba ficou por conta do
cantor Edmar Boaventura. Houve ainda a exposição
fotográfica intitulada “Casarão 2 Anos” que mostrou
a história da trajetória do Instituto Cultural, além de
feira de produtos étnicos e o desfile de lançamento da
marca de acessórios Nêga Badu.
As atrações não pararam por aí: o Casarão das
Artes lançou, durante o evento, a Revista Canjerê,
publicação trimestral, produzida pela equipe do
Instituto em parceria com a Tradição Planalto
Produções Visuais e Editoriais LTDA.
Virada Cultural 2015
Por ocasião da Virada Cultural de Belo Horizonte,
no dia 12 de setembro, foram realizados dois
eventos intitulados Canjerês da Virada. O primeiro,
diurno, foi a palestra Feminino, Negro-identidade e
Auto aceitação, proferida por Maria Rosa, designer
gráfico e fotógrafa. A artista, por meio de uma
abordagem fotográfica, falou sobre os estágios de
consciência pelos quais as mulheres negras podem
passar, em decorrência do racismo, até alcançarem
a auto aceitação.
A outra agenda do dia foi realizada à noite. Foi
feito um tributo à Billie Holiday pelos 100 anos de
seu nascimento e a B.B. King pelo seu falecimento.
A homenagem ficou por conta dos Djs Rafael Roots,
Leo Olivera e do pintor Marcial Ávila.
Tributo a Mandela
No dia 17 de setembro foi realizado o Canjerê
Nelson Mandela. Tributo ao sul-africano, nascido
em 1918, que morreu em 2013. Foi o maior líder
pró-libertação da África em relação ao colonialismo.
Ficou preso durante 27 anos por causa da sua luta
contra o apartheid. O Casarão das Artes, coerente
com o propósito de valorizar e promover a cultura
africana, convidou o filósofo e mestre em história,
Marcos Cardoso, para dar luz ao entendimento
acerca do processo libertário desse homem do
século XX.
Chica da Silva
Em outubro, no dia 10, uma edição muito especial
do Projeto Canjerê foi realizada na Casa da Chica da
Silva, em Diamantina. Chica, mulher negra, fora a
que, contrariando todas as regras e expectativas,
se impôs na sociedade tijucana ao se casar com o
contratador dos diamantes, um dos homens mais
ricos do Reino de Portugal. Juntos viveram uma
das mais bonitas histórias de amor inter-racial da
história do Brasil.
Por ocasião do Canjerê Chica da Silva,
aconteceram várias atividades artístico-culturais
que valorizaram o evento tais como as narrativas
históricas sobre a ex-escravizada e as culturas
negras tradicionais realizadas pelos pesquisadores
Erildo Nascimento de Jesus, Urânia Ferreira, Robson
Di Brito e Paulo Henrique Lacerda Gonzaga. Houve
ainda o lançamento do livro Bino, o menino africano
da cor do algodão, parceria do artista plástico
Marcial Ávila com a pedagoga e pesquisadora Rosa
Margarida de Carvalho Rocha. As apresentações
artísticas ficaram por conta do Grupo de Maracatu
Estrela da Serra, da Cia de Dança Evandro Passos,
da cantora e arte-educadora Madu Costa, da Cia de
Dança Bantos do Baú e do artista plástico Marcelo
Brant.
O Canjerê, em Diamantina, atraiu a curiosidade
de dezenas de pessoas que manifestaram o
interesse em conhecer um pouco mais das ações
desenvolvidas pelo Instituto Casarão das Artes,
visando a valorização e promoção da cultura negra.
Homenagem à Fela Kuti
No dia dezesseis de outubro, o Casarão das
Artes, junto com o Centro Cultural Casa África,
celebrou, pelo sexto ano consecutivo, o tributo
ao músico e ativista nigeriano Fela Kuti. O
evento contou com uma sessão comentada do
documentário “Music is the weapon” (A música é
a arma), dirigido em 1982 por Jean-Jacques Flori
e Stéphane Tchal Gadjieff, com as presenças do
nigeriano e fundador do Instituto de Inovação
Social e Diversidade Cultural, Ayòbámi Akínrúlí,
do historiador e filósofo Marcos Cardoso e de Leo
Olivera Dj, professor, pesquisador e membro do
Casarão das Artes.
Em seguida o público foi animado com um baile
ao som de Fela Kuti, contando com RAFAEL ROOTS
(Beat Selecter), GEO (Simbarerê Sound), LEO
OLIVERA (Jazzatronica) e IBRABAMBA (Africando).
Fotos: Equipe Casarão das Artes
Arte: Leonardo Oliveira
8 - R EV ISTA CA NJERÊ
REVISTA CANJ ERÊ - 9
G e nte d o C a n je rê
Cida Santos
e Nêga Badu
A beleza da mulher refletida nos acessórios
Samira Reis
FORMADA EM COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO,
MBA EM COMUNICAÇÃO INTEGRADA, RESPONSÁVEL PELO BLOG BAÚ DA PRETA
Foto: Ricardo S. G.
10 - REV ISTA CA NJ E RÊ
Seja nos eventos produzidos pelo Casarão das Artes ou em outras
feiras realizadas pela capital mineira, lá está Cida Santos, responsável pela
marca Nêga Badu, com seus colares, brincos e um sorriso contagiante
capaz de tirar qualquer mau humor ou tristeza do corpo. Quem conhece
as peças produzidas pela empresária logo se encanta com a receptividade,
a boa prosa e o capricho que cada acessório exposto reflete aos olhos
de quem o vê. Uma profusão de cores, pedraria, flores combinadas com
elementos da cultura africana.
Antes de se tornar dona do próprio negócio, Santos vivenciou diversas
experiências no mercado de trabalho. Aos nove anos, já trabalhava como
empregada doméstica. Depois foi comerciária, gerente de lanchonete e
hoje atua por conta própria. “Quando olho minha trajetória, digo: tirei o
pé do quarto de empregada e hoje sou empresária. Não é fácil. Produzir,
gerenciar, vender, mas amo muito tudo isso que faço”, diz.
O artesanato é uma paixão antiga na vida da empreendedora. Criava
flores, broches e colares de fuxico para uso próprio. Não dava outra, por
onde passava, sempre havia interessados. “A base do meu trabalho é
o tecido, e procuro usar vários tipos de materiais como madeira, coco,
pedrarias, tudo que eu vejo que possa deixar a peça mais bonita e
diferente”, acrescentou.
Quando o assunto é o Casarão, Cida se desdobra em elogios: “Um
dia, eu estava no Casarão e fiquei olhando as pessoas que lá estavam:
escritores, doutores, artistas, professores e todos me tratando como
igual. Isso só faz a gente querer crescer e melhorar”.
Nos eventos de que participa, é comum ver o marido e os filhos que
dão mostras de seguirem o caminho artístico da mãe. João é modelo e
dá os primeiros passos na poesia. Raisla também mostra o talento, na
passarela e fora dela, como uma aspirante a estilista. Cida abre o melhor
sorriso ao exaltar o talento deles. Cada um com sonhos e toda uma vida
pela frente.
O diálogo e a educação, segundo ela, são essenciais na construção da
identidade dos filhos. “No momento em que começam a ter a vida social
fora de casa, o primeiro local em que eles vivem socialmente é a escola.
A gente vê que nem todos os pais tem essa preocupação de ensinar a
respeitar as diferenças, até mesmo alguns educadores passam por cima
disso. Ver filhos reclamarem que colegas de classe riram ou falaram mal
da cor da pele, do cabelo crespo é horrível, chega a doer . Sempre procuro
um jeito de amenizar esses problemas mostrando nosso valor, nossa
beleza e incentivando-os a ver o mundo com outro olhar, informando
que é a partir deles que as situações vão melhorar e vamos ter um mundo
melhor. Não vai ser fácil, mas vamos tentando”, desabafa .
Cida por si só já é um espelho tanto para a família como para os amigos,
clientes. Reflete a mulher negra, empoderada, cheia de garra, capaz de
proporcionar vida longa a Nêga Badu. “Para 2016, quero expandir as
vendas, montar modelos novos de colares e outros acessórios”, finalizou
REVISTA CANJ ERÊ - 1 1
Olhar Social
Centro de Educação
e Cultura Flor do
Cascalho
Cultura afro-brasileira como estratégia de educação e inserção social
Adriana Borges
JORNALISTA, ESPECIALISTA EM HISTÓRIA DA CULTURA E DA ARTE, BLOGUEIRA E PRODUTORA CULTURAL
O Centro de Educação e Cultura Flor do Cascalho
movimenta há 13 anos o Aglomerado Morro das
Pedras, em Belo Horizonte. O espaço preserva a
cultura ancestral de matriz africana, oferecendo
oficinas de dança afro, capoeira Angola e percussão
para crianças e adolescentes. Além de produtores
de cultura local, o centro possui um estúdio de
gravação profissional, o Estúdio Escola, que oferece
aulas de áudio para jovens e possibilita a gravação
de mestres da cultura do Morro.
O Flor do Cascalho é um núcleo da Associação
Cultural “Eu Sou Angoleiro” (Acesa), entidade
que promove a prática, a difusão, a pesquisa e a
divulgação da capoeira Angola e da dança afrobrasileira. Fundada por Mestre João Angoleiro
há mais de 20 anos, a associação visa formar
agentes culturais, contribuir para a diminuição dos
preconceitos sociais e raciais, fortalecer a identidade
cultural brasileira e a conquista de cidadania das
comunidades negras, indígenas e afrodescendentes
em situação de risco social.
O Núcleo tem aulas abertas de dança e
capoeira toda última segunda-feira do mês
das 18 às 20 horas. Um dos coordenadores do
Centro, Ricardo Manaus, conduz todo o trabalho
de maneira coletiva. “Na cultura africana, o líder
12 - REV ISTA CA NJ E RÊ
escuta mais e deixa os jovens
aprenderem a liderar. Aqui, as
relações são colocadas de forma
horizontal, permitindo que as
pessoas possam se manifestar e
demonstrar seus saberes. Assim,
elas vão se empodeirando de
nossa casa. Por isso, acredito que
somos uma referência cultural e
social dentro da comunidade”,
explica Manaus.
A parceria do Centro com
a
Escola
Municipal
Hugo
Werneck, através do Projeto
Escola Integrada, faz com que o
trabalho se amplie e atinja toda
a comunidade. “A importância do
Centro para as pessoas pode ser
medida pela melhoria visível da
autoestima de todos. Eu percebo
que eles passam a se enxergar
melhor e que há um encontro com
a liberdade. Há uma integração,
um resgate cultural tão forte que
gera uma força interior que os
capacita a lutar por sua realização
pessoal”, observa Manaus.
Para a antropóloga e professora
de dança afro, Carmen Virgolino, o
trabalho do Centro é uma forma
de resistência cultural. “A partir
da matriz africana, que envolve
dança de terreiro, dança cênica,
religiosidade, capoeira, samba,
congado e frevo, nós dialogamos
com as crianças. Ensinar a cultura
enriquece a formação e valoriza a
identidade negra”, afirma.
História
O Morro das Pedras surgiu
na década de 1950, a partir
da ocupação de moradores
removidos de favelas da região.
O
Aglomerado
enfrentou
problemas como infra-estrutura,
saneamento, assistência social e
especulação imobiliária. Hoje,
quase todas as suas vilas estão
urbanizadas. A comunidade é
um berço de festas tradicionais
e artistas. O núcleo Flor do
Cascalho nasceu em 2002, a
partir dos treinos de capoeira
Angola no campo da Barraginha,
no Morro do Cascalho, no bairro
Grajaú. Em 2005, a Acesa,
através de doações, adquiriu
o lote da casa. Em 2008, o Flor
do Cascalho se torna um “Ponto
De Cultura”. No mesmo ano,
implementa um PIM (Ponto de
Internet Municipal). O núcleo
ainda atua na área da saúde,
através do Ambulatório de
Medicina Chinesa e Popular
“Vicente da Missia”, que atende
principalmente a população
feminina com mais de 40 anos.
O Flor do Cascalho fica
localizado na rua Marco Antônio,
250 – Aglomerado Morro das
Pedras.
Fotos: Rosália Diogo
REVISTA CANJ ERÊ - 13
FOTO: Divulgação FAN
M até r i a d e C a pa
FAN
O Festival de Arte Negra de Belo Horizonte
em tempos de ataques à humanidade
Leônidas Oliveira
MSC. PHD.
PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA DE BELO HORIZONTE
O Festival de Arte Negra – FAN – é realizado pela
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte desde o ano
de 1995, ocasião em seque integrou às celebrações
do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares,
herói nacional e símbolo da resistência cultural da
população negra do Brasil. O evento movimentou a
cidade que assistiu, fascinada, à ocupação de suas
ruas, praças e teatros por artistas oriundos de
diversos pontos da África e das diásporas negras.
A partir da segunda edição, em 2003, o festival
ganhou caráter permanente com periodicidade
bienal. Da mesma forma, reforçou sua contribuição
comodifusor da arte negra no Brasil e sua
fundamental importância para se compreender
a origem e a inserção das diversas vertentes das
culturas de matrizes africanas.
Em nossa gestão frente à Fundação Municipal
de Cultura, tivemos a alegria de, em 2013,
ocupar diversos espaços da cidade com atrações
do festival que teve como tema Um Lugar no
Mundo: Afroamérica. Foram mais de sessenta
apresentações que duraram mais de 10 dias. A
curadoria trouxe para a 7ª edição um jeito mineiro,
jeito do mundo. Um FAN afro-mineiro, pois quanto
mais mineiro, mais universais Minas e BH se
tornam.
Com o tema Encontros, a programação do
8º Festival de Arte Negra/2015 se organiza em
torno de três eixos principais. O primeiro eixo, o
das apresentações artísticas, buscará oferecer
à cidade uma programação diversificada com
14 - REV ISTA CA NJ E RÊ
artistas locais, nacionais e internacionais. O eixo da
formação e intercâmbio oferecerá cursos, oficinas,
bate-papos entre artistas locais e convidados
com uma vigorosa tendência para contemplar
estudantes, professores, pesquisadores, além
dos demais interessados. Ainda dentro desse
eixo, acontecerão ações voltadas para a reflexão
e registro da memória do festival. Por último, o
eixo das Atividades Especiais apresenta o Ojá
como a grande ação focada na economia criativa,
além de Rodadas para refletir sobre a realização
dos festivais de Arte Negra no Brasil e a produção
criativa para o segmento.
O trabalho da curadoria lança seu olhar sobre
aquelas obras que se instalam nos caminhos, nas
passagens, nas encruzilhadas. Que interrompem
o passo do pedestre, que provoca o acaso, o
encontro e o reencontro. Nesse sentido, a nobreza
e beleza do Circuito Cultural Praça da Liberdade,
o Parque Municipal, a Praça da Estação, o viaduto
da Floresta e vários outros espaços serão palco
dos diálogos que serão realizados durante o FAN.
O festival pretende acolher, de maneira solidária
e em sinergia com diversos fazedores de artes, as
diversas manifestações culturais de matriz africana
em curso em todos os cantos da cidade.
Como demonstrado ao longo dos seus vinte
anos de existência, o Festival de Arte Negra
vem se consolidando como evento de grande
importância para o estado de Minas Gerais,
tanto no que tange à valorização das culturas de
REVISTA CANJ ERÊ - 15
matrizes africanas, quanto à democratização do
acesso aos bens artísticos, contribuindo, dentre
outras possibilidades, para a internacionalização
da capital mineira, para a movimentação da
cadeia produtiva do setor e para a promoção da
diversidade cultural.
O FAN é ação regular e contínua da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte para a promoção
e fomento da produção artística vinculada à
Arte Negra. Ao dedicar-se às manifestações
artísticas e culturais de matriz africana, o festival
coloca em evidência expressões que valorizam
todo um universo de valores, símbolos, ritos e
conhecimentos que fazem parte da construção
histórica e cultural do Brasil, mas que é preterida
por diversas práticas preconceituosas que oprimem
nossas raízes. Por isso mesmo, o FAN abraçará
projetos que fortalecem as reflexões do festival
em torno do respeito às diferenças e em prol da
preservação da vida, tais como as campanhas Que
Diferença Faz, e Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será
Morta. Afora isso, o debate acerca da intolerância
religiosa ganhará corpo durante o festival como
forma de reafirmar a política municipal de
respeito e valorização das diversas culturas que se
entrelaçam no tecido social brasileiro.
O festival apresenta à cidade uma programação
diversificada que é constituída por várias
linguagens artísticas: música, artes visuais, artes
cênicas, manifestações populares, entre outras.
O FAN é da cidade!
Como tal, deve intervir e intervém nos diversos territórios de BH por meio dos Centros Culturais, demais
unidades da FMC – PBH e eventuais parceiros. Para orientar as ações do festival, as atividades são orientadas
segundo as seguintes diretrizes:
I
Descentralização da distribuição dos eventos e ações; que consiste no espalhamento de
atividades do festival pelas regionais e equipamentos de cultura.
II
Democratização do acesso ao bem artístico-cultural; que consiste na promoção do
acesso aos bens culturais e aos equipamentos culturais por todos os segmentos sociais
nos variados territórios da cidade.
III
Diversidade artística e cultural; que consiste em oferecer, dentro da programação, diversas
linguagens artísticas (teatro, dança, música, artes plásticas, performances, manifestações
tradicionais e cultura popular) provenientes da produção local, nacional e internacional.
IV
Formação e Intercâmbio Cultural; que consiste na oferta de atividades de formação, via
Arena da Cultura e Centros Culturais, fortalecendo suas respectivas atividades e as ações
institucionais da FMC.
V
Gestão Otimizada; que consiste no desenho de estratégias de gestão para a otimização
de recursos e ações de produção e realização do festival.
16 - REV ISTA CA NJ E RÊ
Foto: Rosália Diogo
Ampliação da comunicação e divulgação das
ações para maior apropriação da população
Desde maio, o festival realiza a Temporada FAN
2015. Essa iniciativa consiste em parceria com
as iniciativas dos artistas locais que promovem
eventos no período que antecede o festival – 26
a 29 de novembro. Na parceria, o festival oferece
divulgação e recebe também a divulgação do
evento. Desse modo, a 8ª edição tem sido divulgada
durante sete meses de modo direto e indireto.
É importante destacar que 2015 é o
primeiro ano da Década dos Afrodescendentes,
instituída pela Organização das Nações Unidas
– ONU. São diversas movimentações políticas e
culturais em torno desse período celebrativo, e
a Fundação Municipal de Cultura não se furta
ao engajamento nessas agendas. Convidamos
vivamente o público a abraçar o festival de
maneira intensa.
Um salve às diferenças e às diversidades.
REVISTA CANJ ERÊ - 17
Ne g ó c i o s
Projeto capacita
empreendedores
afro-brasileiros
fotografia ainda no curso. “Sempre gostei de
fotografia, mas não imaginava comprar uma
câmera profissional, era uma realidade distante
para mim. A minha primeira câmera era usada,
comprei de um amigo, foi assim que nasceu a
Jotagraphia”, diz.
Por meio da internet, João conheceu o Projeto
Brasil Afro Empreendedor (PBAE) que acontece em
11 capitais brasileiras e visa dar oportunidade de
crescimento e desenvolvimento econômico para
empresas e empreendimentos conduzidos por
afro-brasileiros, por meio de cursos e atividades de
capacitação. O PBAE é uma iniciativa da sociedade
civil, demandada ao SEBRAE Nacional, coordenada
pelo Instituto Adolpho Bauer (IAB/Curitiba-PR),
pelo coletivo de Empresários e Empreendedores
Negros Afro-brasileiros de São Paulo (CEABRA/
SP) e pela Associação Nacional dos Coletivos de
Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros
(ANCEABRA).
O empresário relata que após se matricular no
PBAE, houve muita mudança na forma de gerir a
Sandrinha Flávia
GRADUANDA EM JORNALISMO (UNI-BH),
RADIALISTA NA NOSSA RÁDIO BH
MESTRE DE CERIMÔNIAS,
PRODUTORA DE EVENTOS
E CONSELHEIRA DE MODA DA ACMINAS
O caminho entre identificar
uma oportunidade e transformála em um negócio lucrativo e
sólido requer ação, conhecimento
e dedicação. Esbarrar na falta
de recursos ou de tempo são
problemas
comuns
entre
as pessoas que começam a
empreender e precisam investir
tempo e dinheiro em seu próprio
negócio sem largar o emprego.
Essa é a realidade de muitos
negros brasileiros que subiram
para a classe média por meio
do
empreendedorismo.
De
acordo com levantamento feito
pelo SEBRAE, com base nos
dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD),
50% dos donos de negócio são
afrodescendentes.
O designer gráfico e fotógrafo
João Paulo de Oliveira Mendes,
27, engrossa essa estatística.
Formado como Técnico em
Comunicação Visual pelo SENAI,
João descobriu a paixão pela
18 - REV ISTA CA NJ E RÊ
O fotógrafo João Paulo de
Oliveira Mendes conhecido
como Jotapê Mendes tem
aperfeiçoado sua empresa
com as orientações do PBAE
Michele Fernandes
investiu R$150,00 no
início da empresa que
tem o foco na moda afro.
Foto: Magno Gonçalves
Foto: Jotapê Mendes
REVISTA CANJ ERÊ - 19
Teatro
empresa. “Como sou prestador
de serviço, grande parte do
tempo estou produzindo e
não sobra muito tempo para
planejar a empresa. Hoje tenho
noção de quanto vale o meu
serviço e de como fazer cálculo
de vendas”, ressalta.
A
empresária
Michele
Fernandes, 31, explica que
também conheceu o projeto por
meio das redes sociais. “Quando
vi que poderia ter uma formação
com pessoas que entendem a
problemática de ser mulher,
negra e empreendedora, eu logo
entrei no curso”, destaca Michele.
Dona da empresa Boutique de
Krioula, a empresária começou
seu negócio em 2012 com apenas
R$ 150. Foi o grafiteiro e marido
Célio Henrique quem incentivou
a esposa a fazer de sua paixão, os
turbantes, um negócio lucrativo.
De acordo com a empresária,
a experiência em escrever o
plano de negócio possibilitou
vários ajustes na empresa como
o controle do fluxo de caixa e a
formação de preço de venda,
explica.
O Projeto em BH
Segundo a consultora do
projeto em Minas Gerais, Makota
Kizandembu, o Projeto tem
mudado significativamente a vida
dos afroempreendedores em
Belo Horizonte. “O que vemos
são profissionais mais cientes
das fraquezas e fortalezas dos
seus
empreendimentos.
Os
que pretendem iniciar a vida de
empresário estão conhecendo as
reais possibilidades, alguns estão
até expandindo seus negócios
para novas áreas”, frisa.
Para o Consultor Técnico
Nacional
e
Coordenador
Executivo do Projeto, João Carlos
Nogueira, o empreendedorismo
negro é uma das saídas para
por fim às desigualdades raciais
no país. “Precisamos, enquanto
sociedade, fazer uma reflexão
sobre as desvantagens que os
negros ainda têm no mercado de
trabalho. O Brasil é uma nação
multirracial, pluriétnico, mas no
setor produtivo e econômico,
apesar de sermos a maioria entre
micro e pequenas empresas, ainda
convivemos com a hegemonia
dos grupos dos não negros. São
esses que ainda têm maior renda
e detêm privilégios por conta das
estratégias e alianças que fazem
entre si”, finaliza.
João Carlos Nogueira no lançamento do
livro sobre Afroempreendorismo.
Foto: Divulgação PBAE
20 - REV ISTA CA NJ E RÊ
Madame Satã
A história de um brasileiro por muitos outros
João Francisco dos Santos, vulgo
Madame Satã. Suas qualidades lhe
renderam apelidos e lugar na história
popular
brasileira.
Nordestino,
neto de Pilama Brasília Casú,
negra escravizada pela tradicional
família Damião, em Glória do Goitá,
município agreste de Pernambuco,
João fez fama na cidade do Rio de
Janeiro. Fama que veio da destreza
do nordestino negro, de religião de
matriz africana, pobre, analfabeto,
capoeirista, homossexual, artista
e boêmio, vivendo num opressor
centro urbano do período pósabolição.
As histórias de João Francisco dos
Santos se tornaram manchetes de
jornais, filmes, livros e espetáculos
artísticos. O mais recente exemplar
dessas obras é o musical montado
em Belo Horizonte “Madame Satã”
que estreou em janeiro de 2015 com
grande aceitação de público que
tem lotado os teatros e motivado
matérias em jornais, revistas,
textos acadêmicos e proporcionado
participação em festivais e mostras
de artes.
Um dos fatos que desperta atenção
nessa montagem teatral é a projeção
de que o sistema social opressor, em
que viveu João Francisco dos Santos
de 1900 a 1976, continua o mesmo
no Brasil do século XXI, um perverso
sistema social de preconceitos,
opressões e crimes de ódio. Como
ato de resistência e luta contra
essas atrocidades, o espetáculo opta
pelo discurso direto, informativo,
reflexivo e pelo amor.
Denilson Tourinho
ATOR, PRODUTOR CULTURAL, EDUCADOR,
PÓS-GRADUADO EM AFRICANIDADES PELA UNB
Foto: Guto Muniz
REVISTA CANJ ERÊ - 2 1
No tí c i a s
Pelé do Vôlei
“Gullah, Bahia, África” em Salvador
Um exemplo de resistência e poder negro
Foto: Divulgação
Pelé do Vôlei, assim como a
maior parte da população afrobrasileira, nasceu de uma família
pobre e numerosa. Teve que ser
internado na FEBEM, aos dez
anos, pela própria mãe, a partir
da morte do seu pai. Até aí, não há
novidade ao compararmos com
os descendentes de africanos
em um país que escravizou esse
grupo social durante séculos.
Aos 16 anos, Pelé do Vôlei teve
a oportunidade no esporte que
foi o grande responsável pela
sua formação não só como
atleta, mas como cidadão,
conquistando o tricampeonato
brasileiro de voleibol pelo FiatMinas, o bicampeonato sulamericano e por 7 vezes, eleito
o melhor atacante do Brasil.
Ao retornar de uma vitoriosa
temporada na Itália, inaugura 2
escolas de vôlei nas quais Pelé
do Vôlei desenvolvia seu sonho
de revolução social. Seu próximo
passo tem sido representar a
sociedade como um vereador
da cidade de Belo Horizonte.
Samba na Roda da Saia
Assim como é o caso do
presidente dos EUA, Barack
Obama, a visibilidade e o
poder político de um negro são
fundamentais para ressignificar a
autoestima da comunidade negra
em qualquer parte do mundo.
Pelé do Vôlei, comprometido
com o social e por estar ciente
de que é um modelo para a sua
etnia, apoia, com equipamentos
esportivos,
centenas
de
iniciativas
desportivas
que
necessitam de contribuição para
a sua sustentabilidade. Neste
espaço, destaca-se a trajetória
desse político como forma de se
acentuar a valorização da pessoa
negra. Nesse caso, reconhecendo
o valor de um homem negro
que teve mobilidade social e é
respeitado na sociedade. De fato,
sua história de vida é relevante
na medida em que a sociedade
brasileira
é
marcada
por
relações racista. Parabéns pela
estimulante carreira e exemplo
de perseverança, vereador Pelé
do Vôlei.
A Fundação Pedro Calmon/Secretaria de Cultura do Estado da Bahia
(FPC/SecultBa) – por meio da Biblioteca Virtual Consuelo Pondé – e
o Consulado Geral dos EUA no Rio de Janeiro trazem para Salvador
a exposição “Gullah, Bahia, África”, que documenta a vida e parte da
pesquisa desenvolvida por Lorenzo Dow Turner, primeiro linguista
afro-americano. A exposição conta com a curadoria de Alcione
Meira Amos.
Prof. Lorenzo Dow Turner
Coleção Lorenzo Dow Turner, arquivos do Anacostia
Community Museum, Smithsonian Institution, doação
de Lois Turner Williams
De 24/11 a 31/01/2016 - Exposição aberta ao público
Palacete das Artes
R. da Graça, 289 - Graça.
Horário de funcionamento:
De terça a sexta-feira, das 13 às 19h
Sábados, domingos e feriados, das 14 às 19h.
Notícias de
Moçambique
Entre os dias 23 e 25 de Outubro, a cidade de Matola, em Moçambique, se transformou em uma cidade literária porque lá foi realizado o I Festival Literário
do país - Festival Literatas. A iniciativa
foi do Movimento Literário Khupaluxa.
As escritoras Rosália Diogo, presidenta
de honra do Casarão das Artes e Madu
Costa, madrinha do Casarão representaram o Brasil no evento, que teve
como tema “Memória: um museu contemporâneo”.
O Samba na Roda da Saia surgiu em 2014 com o intuito de
Na ocasião, Rosália aproveitou para
lançar em Moçambique a Revista Canjerê e o livro Bino - O menino africano
da cor de algodão, recém lançado no
Brasil, escrito pelo presidente do Casarão, Marcial Ávila e por Rosa Margarida
de Carvalho Rocha, com ilustrações de
Marcial Ávila.
colocar a mulher como protagonista de grupos de Samba – até
então local demarcado pela figura masculina – e tem feito a alegria
de mulheres e homens em Belo Horizonte. O grupo, idealizado por
Rosane Pires, completou 1 ano em atividade e comemorou a data
no dia 07 de novembro no Espaço Copacabana, em Beagá. No dia
25 de outubro, realizou apresentação na Feira do Mineirinho. No
mês de novembro, no dia 18, o samba foi na Conferência Municipal
LGBT, no dia 13, teve samba no bar Purarmonia e no dia 23 na
estação ecológica da UFMG. O grupo também se apresentou, em
setembro, na Conferência Municipal de Mulheres de Contagem.
2 2 - REV ISTA CA NJ E RÊ
Foto: Ricardo Rico
Mais informações :
https://www.facebook.com/sambanarodadasaiaBH/?fref=ts/
Divulgação:
Mazza Publicações
REVISTA CANJ ERÊ - 2 3
Ensaio
LITERATURA NEGRA OU
AFRO-BRASILEIRA?
Maria Nazareth Soares Fonseca
PROFESSORA ADJUNTA IV APOSENTADA DA UFMG - PROFESSORA ADJUNTA III DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE MINAS GERAIS, RESPONSÁVEL PELA ÁREA DAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA
PORTUGUESA NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
1 Ver http://www1.folha.uol.com.br/
ilustrada/2015/03/1606652-negra-emsalao-do-livro-causa-furor-diz-autorabrasileira.shtml
24 - REV ISTA CA NJ E RÊ
Muitos escritores brasileiros que se assumem negros e integram
ações incisivas contra a exclusão dos descendentes dos escravizados
africanos, na sociedade brasileira, por vezes mostram-se resistentes
ao uso de expressões como “literatura negra”, “literatura afrobrasileira” ou “literatura afrodescendente”, porque reconhecem
que tais expressões acabam por rotular - e até mesmo guetizar - a
produção literária. Por que ninguém precisa chamar de “literatura
branca” a literatura produzida por escritores brancos, perguntam
alguns? Outros, ao contrário, consideram que essas expressões fazem
emergir sentidos que ficam escamoteados pelo termo “literatura” e
consideram que, no leque das significações permitidas pela expressão
“literatura negra” ou “literatura afro-brasileira”, ficam resguardados
os valores de um segmento social que sofre diferentes formas de
exclusão na sociedade brasileira.
Essas discussões são importantes para se compreenderem
diferentes modos de se lidar com a exclusão de pessoas e grupos
vigente na sociedade brasileira. É certo que não precisamos dizer
“literatura branca” quando nos referimos à literatura produzida por
escritores brancos, mas é fácil perceber que esse segmento não precisa
ser enfaticamente nomeado para legitimar suas ações e produções. É
diferente o que acontece com outros segmentos, por isso, os escritores
negros e as escritoras negras, quando aparecem no cenário literário
do país, são caracterizados pelos modos como a sociedade os percebe:
“escritor negro”, “escritora negra”. Não é o que acontece com Carolina
Maria de Jesus, sempre referida como “escritora negra”, “favelada”?
A fala da escritora Conceição Evaristo, na Feira do Livro de 2015, em
Paris, é, nesse sentido, sintomática e muito lúcida. A escritora, ao ser
entrevistada, aludiu ao espanto de muitos com relação à presença dela
dentre os escritores brasileiros presentes na Feira do Livro: “Sei que
meu caso chama atenção porque não é muito comum um escritora
brasileira negra participar de uma feira internacional.
“A gente fica como gruta rara” 1.
É nesse circuito apontado
por Evaristo que as expressões
“literatura
negra”,
“poesia
negra”, “cultura negra” vêm
circulando com maior ou menor
intensidade. Pode-se dizer que
um maior questionamento da
invisibilidade de negros e negras
no espaço literário deu-se a partir
do momento em que tivemos
de enfrentar a questão da nossa
identidade cultural e assumir
as
contradições
acirradas
decorrentes do fato de o Brasil se
ver como uma democracia racial.
Como democracia racial se a
maioria de negros, negras, índios
e índias continuam fora dos
circuitos culturais e artísticos?
Quando as contradições
afloraram
de
forma
mais
constante, os preconceitos contra
os descendentes de africanos
tornaram-se
mais
evidentes
e muitas vezes não foram
contestados e até assumidos
como não ofensivos.
No campo das discussões
sobre a literatura produzida
por negros, afro-brasileiros ou
afrodescendentes persiste a
interrogação: o que seria, num
Brasil que se diz mestiço, uma
literatura negra? Afro-brasileira?
Afrodescendente? Que traços a
distinguiriam da literatura “não
negra”?
Talvez, se pudesse dizer que
a condição afro-brasileira (negra,
afrodescendente) da literatura
possa se constituir como ruptura
com os contratos de escrita
legitimados e como disposição
para evidenciar, no texto literário,
“um sujeito que escolhe a diáspora
e que expressa sua oposição nas
construções de (...) de quilombos
móveis, de identidades plurais,
de etnicidades cruzadas.”2
A expressão “literatura negra”
está presente nos títulos de
antologias poéticas publicadas
no Brasil a partir do final da
década de 1970. Negros são os
Cadernos Negros, publicados a
partir de 1978, em São Paulo,
Negra se nomeia a Antologia
contemporânea da poesia negra
brasileira (1982), organizada pelo
poeta Paulo Colina e a coletânea
Poesia negra brasileira (1992),
organizada por Zilá Bernd. Em
todas essas coleções – que
reúnem, em sua maioria, poemas
– a questão negra se acentua,
porque elas apresentam criações
de autores que, na atualidade,
começam a furar o cerco da
invisibilidade para que seus
textos possam circular no meio
acadêmico e em programas de
literatura destinados ao ensino
fundamental, médio e superior.
Essa
nova
realidade
advém, como indica Eduardo
de Assis Duarte, organizador
da
antologia
Literatura
e
afrodescendência (2011), obra
em 4 volumes, da “necessidade
de permanentemente se revisitar
e desconstruir a narrativa de
nova história literária.”3
2
Ver
CANEVACCI,
Massimo.
Sincretismos:uma
exploração
das
hibridações culturais. São Paulo: Studio
Nobel, 1996, p. 10
3
Ver
site:
http://www.letras.
ufmg.br/literafro/data1/artigos/
artigoeduardoafrodescendencias.pdf
Foto: Ricardo S.G.
REVISTA CANJ ERÊ - 2 5
Á fr i c a
TIC´S
Da compensação dos longos
anos de marginalização
Olúségun Michael Akínrúli
CÔNSUL HONORÁRIO DA NIGÉRIA EM BELO HORIZONTE.
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO CULTURAL YORUBÁ
A tecnologia da informação parece ser a última do exercício do direito graças à plataforma de mídia
chance de trazer de volta a esperança para os social. Hoje, por meio da Internet, sabe-se como as
africanos. As plataformas móveis e da Internet têm eleições dos estados africanos são manipuladas, às
aumentado o acesso e melhoria da agricultura, vezes até com apoio do exército nacional. O Brasil
educação, saúde e serviços de governança para não é exceção. A população brasileira marginalizada
as comunidades que normalmente são as mais e discriminada pela raça, na sua maioria são pessoas
afetadas pela falta de serviços sociais. De acordo com de origem africana e índios nativos, cujos anseios
uma pesquisa realizada pela Fundação Rockefeller, de se conectarem de volta a suas raízes podem ser
além de melhorar a prestação de serviços sociais realizados pela Internet.
A desigualdade de renda é
essenciais, a tecnologia da
outro problema que a Internet vai
informação e comunicação (TIC)
“Se essa era passar
ajudar a reduzir. Tanto os africanos
está gerando um crescimento
sem
ser
explorada,
o
quanto a diáspora africana, que
transformador - crescimento que
continente africano
muitas vezes se encontram em
cria caminhos sustentáveis para
situações
economicamente
sair da pobreza.
e suas diásporas
desfavorecidas, podem gerar renda
Cerca
de
60%
dos
poderão perder uma
a partir do bom uso da Internet. As
desempregados africanos são
grande oportunidade
empresas sociais, como Paradigm
jovens. Países como Marrocos,
Initiative, Nigéria PIN e Leap
Gana, África do Sul, Quênia,
de reescreverem suas
África, são exemplos de iniciativas
Nigéria e Egito estão explorando
histórias.”
africanas que estão surgindo para
maneiras
de
gerar
várias
preparar os jovens para a indústria
oportunidades possíveis para
a sua juventude através das TIC. Na Nigéria, por de TIC. Essa tendência é, sem dúvida, uma mudança
exemplo, os jovens estão começando a ter mais na paisagem de desemprego na África e em outras
autonomia ao utilizarem TIC para gerar renda a partir comunidades marginalizadas pelo mundo. Ummeli, da
da indústria de entretenimento Nollywood, turismo, África do Sul, Harambee, e Afrilink, de Quênia, Afripay
música, serviços financeiros, outsourcing e assim por da Nigéria são incubadoras que contribuem para o
diante. Os africanos também estão empregando a crescimento africano através de criação de emprego.
Jovens artistas africanos que costumavam
tecnologia móvel e de telecomunicação para engajar
seus governos, observando e assegurando que eles queimar o óleo da meia-noite para trazer as suas artes
construam instituições democráticas sólidas, a partir para o espaço de mercado, tidos como amadores
2 6 - REV ISTA CA NJ E RÊ
e rejeitados por agenciadores
e produtores culturais, têm
descoberto nos últimos tempos
o caminho para entregar as
suas artes para o público global.
Além de possibilitar geração
de renda, a Internet tornou
possível a divulgação dos seus
anseios - a criação de uma nova
África desprovida de problemas
econômicos e sociopolíticos. Não
se pode deixar de mencionar
o impacto da rede mundial de
computadores na indústria de
brinquedo
tradicionalmente
dominada
pelas
bonecas
ocidentais. O empresário nigeriano
Taofic Okoya, responsável pela
fabricação das bonecas africanas
intituladas
como
“Queen-ofAfrica”, já superou a famosa
Barbie americana em vendas, pelo
menos no mercado africano.
Além disso, os africanos estão
usando a Internet para criar sua
própria TV online. Organizações
como Buni.Tv e Sahara Reporters
estão usando a internet para educar,
denunciar a corrupção e mobilizar
os africanos a se levantarem
contra seus líderes corruptos
- uma missão em que outras
grandes mídias no continente
não teriam se aventurado sem
ter seus sinais cortados. A renda
das mulheres tem melhorado.
W.TEC é um exemplo de ONG
que contribui para melhorar a
utilização e conhecimento das TIC
entre as mulheres, permitindolhes o acesso a oportunidades de
geração de renda e oportunidade
de interagir entre si para produção
coletiva.
Não há dúvida nenhuma
de que essa democratização
dos meios de comunicação
tem promovido circulação de
informação, mobilização política,
divulgação de trabalhos artísticos,
trocas de experiências e arranjos
produtivos, permitindo que os
africanos e a diáspora negra
possam reescrever suas histórias.
Talvez, a única maneira que
os africanos e sua diáspora,
quase sempre marginalizados
e discriminados, tenham para
ligar as pontes e colaborarem
para o crescimento coletivo seja
aproveitar as inúmeras vantagens
das tecnologias da informação e
comunicação. Se essa era passar
sem ser explorada, o continente
africano e suas diásporas poderão
perder uma grande oportunidade
de reescreverem suas histórias.
Essa é uma possibilidade para
os africanos e seus irmãos na
diáspora compensarem os longos
anos de marginalização.
Foto: Albino Moisés
REVISTA CANJ ERÊ - 27
A Companhia Bataka, antes chamada
Companhia
Evandro
Passos,
nasceu
do
aprendizado do Evandro Passos no grupo de
Marlene Silva e da ligação dele com os movimentos
sociais interessados nas discussões acerca da
cultura afro-brasileira. A experiência de Passos
como bailarino, coreógrafo, militante e participante
do Grupo de Dança da Marlene extrapolava os
limites da dança. Nesse grupo, ele logo assumiu
a função de contextualizar para o grupo nossa
dança, resgatando a herança africana na sociedade
brasileira. Consequentemente, isso fez com que
Marlene o incumbisse de apresentar o grupo, e
atuar como mediador cultural entre o público e o
processo criativo dos espetáculos.
Dessa forma, Evandro desenvolvia-se no grupo de
Marlene, num exercício reflexivo de contextualização
da prática de dança frente à cultura brasileira. Ele
relacionava a Dança Afro com a história dos negros
africanos para cá trazidos em razão da escravidão, e
com isso acumulava conhecimento teórico e prático
a respeito das manifestações da cultura afro.
Fundada no encerramento da “Semana da
Consciência Negra”, promovida em 1982 pelo
Sindicato dos Bancários da capital mineira com
a proposta de resgatar a imagem de Zumbi dos
Palmares como ativista negro e de elencar a
valorização da cultura negra naquela agremiação,
a Companhia Bataka apresentou um espetáculo
criado especialmente para aquele espaço. No dia 20
de novembro de 1982, a sede do Sindicato no centro
de Belo Horizonte foi aberta ao público para uma
palestra e uma apresentação.
A palestra, feita por Evandro Passos, aconteceu
antes do espetáculo e trouxe a discussão dos
conteúdos da dança e cultura afro. Os temas
abordados foram: a origem da Dança Afro,
a contextualização das coreografias a serem
apresentadas e a história da influência africana no
Brasil e em Minas Gerais. A necessidade de falar ao
Dança
Compahia de Dança
BATAKA
Resgatando a herança africana na
sociedade brasileira por meio da dança
Evandro Passos
Mestre em Artes Cênicas pela UNESP, bolsista
FORD 2008, pós-Graduado em Estudos Afro e
Africanos pela PUC/Minas e diretor da Associação
Sociocultural Bataka
Foto: Ricardo S.G.
Foto: Ricardo S.G.
2 8 - REV ISTA CA NJ E RÊ
REVISTA CANJ ERÊ - 29
L iteratu ra
público sobre as heranças africanas que envolvem
a negritude no país respondia ao crescimento de
grupos e companhias de dança, teatro e música afro
em Belo Horizonte e no Brasil, naquele período. A
cultura afro-brasileira iniciava sua mobilização e
alcançaria seu ápice com as comemorações do
Tricentenário de Zumbi dos Palmares.
Acertada a referida apresentação no sindicato,
foi aberta uma inscrição para interessados em
participar do projeto artístico cultural. Inscreveramse quinze jovens: parentes, amigos e vizinhos
de sindicalistas que tomaram conhecimento da
proposta de criar o espetáculo Valeu Zumbi. Como
a ideia era propiciar um espaço de valorização da
arte negra, não houve processo de seleção dos
participantes. A proposta era integrar a comunidade
interessada, brancos e negros.
O primeiro contato com os inscritos foi uma
conversa de apresentação do projeto. Observou-se
o interesse e a disponibilidade para a montagem
e o processo de ensino/aprendizagem da dança e
cultura de matriz africana. De modo geral, a maioria
dos participantes eram jovens negros da periferia
de Belo Horizonte, que se dispuseram a frequentar
a sede do Sindicato, localizada na região central da
cidade, longe de suas comunidades.
No segundo encontro iniciaram-se os
ensaios do espetáculo, a partir de um roteiro
coreográfico já determinado por pesquisa
prévia. Foi considerado o pouco tempo, de dois
meses, de que se dispunha para os ensaios e a
montagem. Os ensaios ocorriam três vezes por
semana e, quando necessário, eram agendados
encontros extras nos finais de semana. No total,
ocorreram quinze ensaios de três horas cada. O
que representa uma soma de 45 horas. O elenco
foi composto por quinze bailarinos dispostos a
realizar uma proposta coreográfica que tinha
como tema a morte de Zumbi dos Palmares.
A partir de 2009, a Companhia de Danças Bataka
transformou-se na Associação Sociocultural Bataka.
Agregam-se na instituição artistas como Marcial
Ávila, atualmente vice-presidente e responsável
pelo figurino e cenografia dos espetáculos.
Evandro Passos recebe
Mérito Artístico da Classe Artística
O
coreógrafo,
educador
social,
ator
e
pesquisador Evandro Passos recebeu da Câmara
Municipal e SATED/MG a Comenda de Mérito
Artístico, reconhecimento concedido a mineiros
que se destacam na criação ou interpretação
artística, nas áreas de teatro, cinema, televisão,
música, artes plásticas, arquitetura e artesanato.
A entrega da homenagem foi no dia 10 de
novembro de 2015 na Câmara Municipal de Belo
Horizonte.
Evandro aprofundou seus conhecimentos em
Dança e Teatro, especialmente no que relaciona
a cultura brasileira, afro-brasileira e africana.
A opção por esta temática ja levou o artista
inclusive a UNESCO quando em 1996 ganhou o
prêmio da UNESCO ACHBERG.
30 - REV ISTA CA NJ E RÊ
POESIAS
Edimilson de Almeida Pereira
POETA, PROFESSOR DE LITERATURA PORTUGUESA E LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
ZEOSÓRIO
Para bateria e colher de pedreiro o mesmo
braço, ritmos diferentes. Nas duas o empenho
para se esquecer os andaimes: casa e melodia
são mais ou menos um giro pelos dentes.
Não há que mordê-las nem tirar suas luvas.
Quando muito, se puder, estendê-las na tarde.
Assento um piso como um músico tocando
improviso: sei as curvas que evito e aquelas
a que me abandono. Uma prima pede o favor,
evêm as chuvas – que lhe conserte o telhado.
A cunhada, que levante um muro na horta.
A outro parente, por saúde, não cobro nada.
Mas aos de fora, dado que fazem meu salário,
arrecado na medida de um espetáculo.
Afino martelos para não estragar os pregos:
metais são a cozinha da banda, se a sua chama
falha, que fiasco. No mês vencido, sem
dinheiro, acertei de consertar serviço alheio.
É a urla mudar o ritmo de quem esperou moradia
e viu o tempo perdido. Se alguém errou a vez
da batida, nem prumo nem balanço: só avaria.
Mais fácil dançar na lama de sapato branco.
Com bateria e colher de pedreiro um homem
faz seus meios e a si mesmo como puder.
(Do livro Sociedade Lira Eletrônica Black Maria, In: Zeosório
blues: obra poética 1, 2002)
Foto: Renato Davidson Pimenta
REVISTA CANJ ERÊ - 31
TV Assembleia 20 anos
A gente não mede
esforços para estar
junto de você.
Músico morando sozinho
Músico morando sozinho
a si também absorve.
Na reza da lógica
que move o movimento.
A ele correm espíritos
segundo o repertório.
Tanta música estampe
ao rés dos músculos.
Convergem em si notas
todos os incêndios.
Inda mais quando ele
explora os silêncios.
Silêncio nas cordas
como se esperasse.
A ele correm espíritos
com não instrumentos.
E quanto som se perca
mais puro resultado.
De canção ou negócio
que em zero ficasse.
A Assembleia de Minas está presente em todo o Estado.
Só neste ano, as comissões de deputados já percorreram mais
de 60 mil quilômetros, fiscalizando ações, promovendo
debates e escutando a opinião dos mineiros. E, mesmo
quando a Assembleia não vai até a sua cidade, você
pode acompanhar e participar de tudo o que acontece
aqui, através do Portal e da TV Assembleia. A emissora,
que está comemorando 20 anos, transmite as atividades
parlamentares ao vivo e oferece uma programação
exclusiva, com notícias, eventos, debates e conteúdo
educativo, 24 horas por dia. As nossas portas estão sempre
abertas para você.
(Do livro Veludo Azul, In: Zeosório blues: obra poética 1, 2002)
Ondas
Domingo na cidade ruge nas veias.
O desejo de vê-lo é ferida certeira,
febre piscando a lanterna de espelhos.
O casal desvia da paisagem, sua foto
se cola ao destino de quem passa.
Ouve-se o ruído desse contato,
regressam horas de outros domingos.
Talvez com amigos, sem alvo ou tiro.
Domingo para mesa e baile onde
apareçam noivos usando flores de um
antigo jogo. O que salva o domingo
é a ausência de sangue como se outro
tempo emprestasse seu calendário
Assista à TV Assembleia pelo canal da sua cidade
ou pelo portal: almg.gov.br/tv
(Do livro Veludo Azul, In: Zeosório blues: obra poética 1, 2002)
Ilustração: Maria Luiza Viana
32 - REV ISTA CA NJ E RÊ
ALMG
Timóteo

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