Matéira da AOL

Transcrição

Matéira da AOL
Fonte: AOL
Entrevista com Jose Pacheco - Educador 21.01.05
A escola e o "fundamentalismo pedagógico"
Escolaridade: liberdade e sociedade! A Revolução não é francesa, mas portuguesa. Não é social ou econômica, mas
pedagógica. Em 1976, o educador José Pacheco, dirigente da revolucionária Escola da Ponte, localizada na cidade
do Porto, em Portugal, começou a questionar as “práticas educativas dominantes”. Hoje, a escola, pública, é
referência mundial em educação; os alunos organizam-se em pequenos grupos segundo interesses em comum,
reúnem-se em grandes galpões com os professores e desenvolvem programas de trabalho a cada 15 dias.
Para escapar dos “fundamentalismos pedagógicos”, Pacheco escora seu projeto numa permanente interrogação de
suas práticas. Resolve então adotar diferentes práticas, origens, modelos, autores e correntes. Rejeita as “modas”, os
“pacotes metodológicos” recomendados, tendo como base apenas o bom senso e a sensibilidade.
José Pacheco participou do chat na AOL e falou sobre a leitura nas escolas.
"Na Ponte as crianças e jovens lêem imensos livros e há sempre mais livros para ler."
José Pacheco é especialista em música, leitura e escrita. Coordena desde 1976 a
Escola da Ponte, instituição pública portuguesa reconhecida por seu projeto inovador,
baseado na autonomia dos estudantes. A escola é referência em todo o mundo
quando o assunto é educação.
Mestre em ciências da educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação da Universidade do Porto, em Portugal, José Pacheco é convidado do
seminário internacional "Leitura de Inquietações (sobre a Leitura)", realizado pelo Itaú
Cultural, com o apoio da Unesco.
Leia abaixo a transcrição do bate-papo na íntegra:
Pergunta: Você acha que os livros estão prontos pra ensinar os alunos?
Jose Pacheco: Os livros também ensinam, mas não são suficientes. Deve haver um mediador se falamos dos livros
de ensino. Os outros livros não precisam.
Pergunta: Você acha que o ensino público tem o mesmo valor do ensino particular?
Jose Pacheco: Todo ensino é serviço público. Pode ser de iniciativa estatal ou particular. Em todos se a criança
estiver no centro o serviço público existe. Não gosto de estabelecer esta dicotomia. Depende do conceito que se tem.
Pergunta: Por que as crianças de hoje não gostam de ler?
Jose Pacheco: A resposta é múltipla. Pode se perguntar se as metodologias de alfabetização levam ao gosto de ler ou
se levam a criança a detestar a leitura. Se a metodologia for inteligente e sensível, as crianças aprendem a ler como
aprendem a falar e o gosto nasce do espanto da leitura.
Pergunta: Quantos e quais livros uma criança de 12 anos deve ter para freqüentar a Escola da ponte?
Jose Pacheco: Nós não usamos cartilha ou manual. É a criança que escolhe, procura as leituras que elas respondem
às suas indagações. Na Ponte as crianças e jovens lêem imensos livros e há sempre mais livros para ler.
Pergunta: Sou mãe de adolescentes que odeiam ler. Como posso criar neles o gosto pela leitura?
Jose Pacheco: É uma boa pergunta. Posso apenas pedir que não desista, mas prometo procurar a resposta.
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Pergunta: O que é um mediador de leitura? Só um professor pode ser mediador?
Jose Pacheco: Não. O professor também pode ser mediador. Mas também o grupo, os pares, a família, os amigos...
Pergunta: Qual a sua impressão da educação brasileira?
Jose Pacheco: Não posso dizer. Ainda me falta perceber muito. São duas culturas diferentes, apesar da mesma
língua e não quero ser injusto. Mas posso acrescentar que encontro no Brasil a disponibilidade que falta nas escolas
da Europa. Na Europa, há excelentes profissionais, mas as escolas estão doentes de si mesmas... No Brasil existe o
risco da moda pedagógica, do improviso, mas há generosidade. E eu gosto de estar onde as coisas começam.
Pergunta: O que diferencia a Escola da Ponte das escolas tradicionais?
Jose Pacheco: Tudo. Foi um paradigma construído que ainda não está totalmente estudado. O que difere na
racionalidade que está por trás do projeto. E sobretudo diferencia-se das escolas tradicionais porque tem dado melhor
resultado.
Pergunta: Mas professor, o que é um mediador? Qual o trabalho dele com a criança?
Jose Pacheco: É um trabalho de acompanhamento, de ajuda e por vezes de decodificação.
Pergunta: Professor, boa noite. Gostaria que falasse um pouco sobre o papel do livro didático (manuais) no processo
educativo.
Jose Pacheco: Na Ponte não usamos livros didáticos. Temos múltiplos dispositivos de acesso à informação e ao
conhecimento. Portanto não poderei dar opinião isenta sobre o manual. Diria apenas que os manuais de alfabetização
recorrem a frases que atentam contra a inteligência das crianças.
Pergunta: O senhor acompanha de alguma forma a literatura brasileira?
Jose Pacheco: Sim. Dentro do possível.
Pergunta: Ler romances, por exemplo, pode mudar a vida cotidiana das pessoas?
Jose Pacheco: Posso falar do Érico Veríssimo, Jorge Amado, Clarice Lispector, Machado de Assis, etc... Depende do
modo que as pessoas lêem romances.
Pergunta: O que é "modismo pedagógico" que o professor se referiu na resposta anterior?
Jose Pacheco: Por exemplo, o construtivismo é dotado acriticamente, ingenuamente. O construtivismo em si é útil,
pode ajudar a melhorar a escola. Os nominalismos é que levam as escolas para o modismo pedagógico por vezes
com graves conseqüências.
Pergunta: A internet estimula o hábito da leitura?
Jose Pacheco: Se a informação for recolhida, tratada, comunicada com senso crítico, pode estimular o hábito da
leitura.
Pergunta: A educação é um tema que inflama os portugueses?
Jose Pacheco: A educação só é tema de notícias quando algum escândalo acontece e nunca por um bom motivo,
infelizmente.
Pergunta: Sabemos que na escola da ponte trabalha-se muito a autonomia dos alunos, mas não há Educação Infantil
(2 a 6 anos). Você acredita que é possível trabalhar de alguma maneira seus métodos para esta idade?
Jose Pacheco: Nós temos na Ponte há 6 anos, 4 educadores de infância. Mas ainda não tivemos a instalação desse
segmento. A educação de infância é um momento que requer, de nossa opinião, maior competência técnica e
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científica. Temos colhido impressões em algumas experiências, por exemplo, no Tear de SP, na Regio Emilia, e junto
de muitos educadores. Não somos aventureiros, preparamos bem cada mudança.
Pergunta: Na Ponte não se usam cartilhas na alfabetização. Mas, digamos, no ensino de matemática ou ciências?
Jose Pacheco: Só há utilização de cartilhas numa fase mais avançada e como material de procura de informação a
partir dos projetos construídos pelos alunos.
Pergunta: Boa noite professor, eu sempre defendi a idéia do uso dos livros também como forma do professor não
precisar escrever tanto, e ter mais tempo para o aluno. O que você acha?
Jose Pacheco: Os livros podem contribuir para a autonomia de alunos e professores, mas não é condição bastante.
Mais tempo para o aluno consegue-se transformando o tipo de relação e a qualidade da organização do trabalho
escolar.
Pergunta: Professor, por favor, faça um breve comentário do que é a metodologia nominalismo...
Jose Pacheco: Nominalismo é dar nome as coisas, sem que elas tenham substância. Não é uma metodologia.
Pergunta: É possível ter-mos uma juventude crítica, criativa, sem leitura?
Jose Pacheco: Não. Em absoluto. Mas também depende de que leitura você fala.
Pergunta: O projeto da Escola da Ponte já foi copiado em algum outro país?
Jose Pacheco: Felizmente não pode haver clonagem do projeto. Não pode haver réplicas, mas a Ponte tem inspirado
inúmeros projetos em vários países, inclusive no Brasil.
Pergunta: O que o senhor tem a dizer sobre gramática normativa?
Jose Pacheco: Permita-me não responder para não dizer algo desagradável.
Pergunta: Eu estudo em uma escola pública e estou no ensino médio. Na série em que estou não fornece os livros e
eu não tenho condições de comprá-los, pois são muito caros. Você acha que se eu não comprar os livros isso pode
atrapalhar o meu aprendizado?
Jose Pacheco: Claro que pode atrapalhar. Isto é um problema de oportunidade e direito ao sucesso que está na
ordem social. Lamento que isso aconteça.
Pergunta: O senhor proibiria Paulo Coelho na sua escola?
Jose Pacheco: Não temos index na nossa escola. Não proibimos o que quer que seja, mas, pessoalmente, restringiria
Paulo Coelho, com todo o respeito que ele merece.
Pergunta: Depois de 30 anos, o projeto da escola da ponte ainda é inovador?
Jose Pacheco: Depois de 30 anos, apenas se fez a proto-história do projeto. Ele está sempre em fase instituinte,
sempre começando. Há sempre algo para mudar para melhor. Há sempre consciência do erro, de fragilidades que
qualquer projeto humano contém. Ser inovador talvez seja interrogar evidências. Apesar de algumas dificuldades que
eu vejo existirem na educação brasileira, que os educadores não desistam de fazer das escolas lugares onde as
crianças sejam mais pessoas, mais sábias e mais felizes.
Jose Pacheco: Obrigado e boa noite!
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